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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA
FRANCISCO EDUARDO ALVES DE ALMEIDA
O PODER MARÍTIMO SOB O PONTO DE VISTA ESTRATÉGICO
ENTRE 1540 E 1945 : UMA COMPARAÇÃO ENTRE AS CONCEPÇÕES
DE ALFRED THAYER MAHAN (1840-1914) E HERBERT WILLIAM
RICHMOND (1871-1946).
Rio de Janeiro
2009
Livros Grátis
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Milhares de livros grátis para download.
O PODER MARÍTIMO SOB O PONTO DE VISTA ESTRATÉGICO
ENTRE 1540 E 1945: UMA COMPARAÇÃO ENTRE AS CONCEPÇÕES DE
ALFRED THAYER MAHAN (1840-1914) E HERBERT WILLIAM
RICHMOND (1871-1946).
FRANCISCO EDUARDO ALVES DE ALMEIDA
CFCH/IFCS/PPGHC/UFRJ
Mestrado em História
Orientador: Prof. Dr.Francisco Carlos Teixeira da Silva
Rio de Janeiro
2009
TÍTULO: O PODER MARÍTIMO SOB O PONTO DE VISTAESTRATÉGICO ENTRE 1540 E 1945: UMACOMPARAÇÃO ENTRE AS CONCEPÇÕES DEALFRED THAYER MAHAN (1840-1914) E HERBERTWILLIAM RICHMOND (1871-1946).
FRANCISCO EDUARDO ALVES DE ALMEIDA
Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em HistóriaComparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitosnecessários à obtenção do grau de Mestre em História.
Aprovada em: ___/___/___
Prof. Dr. Francisco Carlos Teixeira da SilvaPPGHC-UFRJOrientador
Prof. Dr. Sidnei MunhozUEM/PPGHC- UFRJ
Prof. Dr. Bernardo KocherUFF
Rio de Janeiro
2009
Ao meu pai, capitão-de-mar-e-guerra Ney Moura de Almeida
historiador amador que me incutiu o prazer da leitura e pesquisa
AGRADECIMENTOS
Por cerca de cinco anos venho me debruçando sobre as vidas e as obras dos
historiadores navais Alfred Thayer Mahan e Sir Herbert William Richmond, personagens
fundamentais para se compreender de que maneira o poder marítimo permitiu que os
Estados Unidos da América e o Império britânico se firmassem no concerto mundial. Para
que essa pesquisa se concretizasse contei com o apoio e o incentivo de diversas instituições
e pessoas que de maneiras variadas me auxiliaram nessa jornada.
Inicialmente devo agradecer a minha querida Escola de Guerra Naval que me acolheu
em seus quadros como docente e membro do Centro de Estudos de Política e Estratégia e
sempre, em todas as três ocasiões em que lá passei, me exigiu estudar mais e mais a história
e a estratégia navais para que as aulas ministradas aos oficiais-alunos fossem melhor
compreendidas. Como Richmond e Mahan a Escola de Guerra Naval me atrai e fascina.
Ao Instituto de Geografia e História Militar do Brasil gostaria de externar a minha
alegria em pertencer aos seus quadros como membro titular e Segundo Vice-Presidente e
pelo debate sempre presente, inclusive com questionamentos de muitos de meus colegas
sobre as concepções de Alfred Mahan que me estimularam a pesquisar suas concepções
com mais profundidade.
Ao Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do
Rio de Janeiro e aos seus dedicados professores que além de me transmitirem
conhecimentos necessários ao aperfeiçoamento da profissão de historiador e pesquisador,
me indicaram a nobreza que é ser professor, apesar de todas as dificuldades pelas quais se
defrontam no dia a dia. A esses operários do ensino dedico grande parte deste trabalho.
Ao contra-almirante Reginaldo Gomes Garcia dos Reis, chefe do Departamento de
Ensino da Escola de Guerra Naval agradeço o seu incentivo, interesse, orientações e o mais
importante, a sua amizade. A confiança que o senhor me transmitiu me fez avançar cada
vez mais no perigoso, escorregadio e fascinante mundo de sua especialidade que é a
estratégia naval. Sem a sua confiança o caminho trilhado seria bem mais trabalhoso e
incerto.
Ao vice-almirante Armando Amorim Ferreira Vidigal, considerado um dos maiores
estrategistas da Marinha de Guerra e membro destacado do Instituto de Geografia e
História Militar do Brasil, agradeço a sua atenção e orientações no campo da estratégia
naval. Muitos de seus textos me foram fundamentais para compreender a dinâmica do
pensamento de Alfred Mahan e da estratégia naval. Os escritos do almirante Vidigal me
inspiraram a imitá-lo, embora eu tivesse certeza que me encontrava muitas milhas náuticas
atrás desse intelectual em conhecimento, tirocínio e erudição.
Ao vice-almirante Hélio Leôncio Martins, o maior historiador naval brasileiro na
atualidade, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e do Instituto de
Geografia e História Militar do Brasil e decano de todos nós que trabalhamos com a
história naval, agradeço as críticas e o incentivo que o senhor sempre me transmitiu,
tornando-se não só um exemplo de pesquisador profícuo e detalhista, mas também de
docente entusiasmado e criativo. O senhor em seus belos 94 anos de idade é o mais jovem
de todos nós.
Aos meus amigos do Centro de Estudos de Política e Estratégia da Escola de Guerra
Naval, comandantes Francisco José de Matos, Luiz Carlos de Carvalho Roth, William de
Souza Moreira, Helder Pereira da Silva, André Beirão e ao professor doutor Nival de
Almeida, agradeço as discussões acaloradas, as críticas sempre bem-vindas e ao bom
ambiente reinante no nosso ambiente de trabalho acadêmico. Sem o auxílio, amizade e
compreensão de vocês, essa pesquisa seria bem mais trabalhosa.
Ao capitão-de-fragata da Armada Real britânica e professor Alastair Wilson,
secretário executivo do Naval Society da GB e editor do Naval Review, agradeço o auxílio
com a seleção e envio da documentação primária de Sir Herbert Richmond pertencente a
essa sociedade, fundada em 1912 pelo próprio Richmond. Suas palavras de incentivo e
amizade me foram muito caras e sua alegria em verificar que um historiador naval
brasileiro pesquisava sobre Richmond me foram muito tocantes.
Ao professor doutor John Hattendorf, docente e chefe do Departamento de História
Marítima da Escola de Guerra Naval dos EUA, a casa de Alfred Mahan, agradeço as
indicações sempre precisas das indicações bibliográficas tanto de Mahan como de
Richmond.
Ao professor doutor e amigo André Figueiredo Rodrigues, um dos maiores
especialistas em Inconfidência Mineira no Brasil, forjado na Universidade de São Paulo e
docente de Metodologia Científica da Universidade de Guarulhos, agradeço as sugestões
para o aperfeiçoamento do texto e da metodologia empregada. Seus livros me foram de
muita valia tanto para a confecção das notas de rodapé como na elaboração das referências
bibliográficas. Seu exemplo de docente dedicado me serve sempre de exemplo e estímulo.
O mais importante, no entanto, continua sendo a nossa amizade forjada inicialmente nos
encontros acadêmicos da Associação Nacional de História, estendida agradavelmente ao
campo pessoal e familiar.
Ao meu querido orientador, mentor e “padrinho” professor doutor Francisco Carlos
Teixeira da Silva, agradeço tudo o que fez por mim nessa jornada começada em 1998 na
Escola de Guerra Naval. Naquela oportunidade o senhor me estimulou a perseguir a
carreira de historiador, desejo refreado desde a juventude. Marinha de Guerra e a história
duas paixões que não eram excludentes. Durante todo o meu período de graduação e de
mestrado o professor Francisco Carlos me acompanhou e orientou, indicando os caminhos
a serem seguidos. Tornou-se então o que considero carinhosamente de meu “padrinho” de
história. Se hoje concluo mais essa etapa, devo a esse intelectual. Por duas vezes me
orientou em meus trabalhos acadêmicos. Seu exemplo de historiador dedicado, pesquisador
refinado e docente muito querido e admirado me serve de estímulo e de exemplo, mas o
mais importante é manter viva a nossa amizade de muitos anos forjada inicialmente na
EGN e depois no IFCS. Obrigado mestre estimado pelos ensinamentos e orientação. Devo
realmente muito ao senhor.
Por fim, agradeço a Maria Helena, Mariana e Roberta, razão de ser dessa dissertação.
A essas três devo a tranqüilidade familiar e o estímulo necessário na condução de uma
pesquisa que requereu muita leitura, reflexão, interpretação atenta das fontes, quase todas
de língua inglesa e o natural afastamento dos lazeres que nos eram caras. Sem o estímulo e
o amor dessas três, dificilmente concluiria um trabalho vasto, detalhado e desafiador. A
Maria Helena, em especial, agradeço as críticas sempre inteligentes e vivas (como dizia o
almirante Leôncio) com o meu texto e o mais importante por não se zangar comigo se
algumas vezes tive que “conversar” mais com Mahan e Richmond do que com ela. Sem o
seu amor e entendimento certamente não chegaria aonde cheguei.
Whoso commands the sea commands the trade
of the world and whoso commands the trade
of the world commands the riches of the world.
Sir Walter Raleigh – 1608.
RESUMO
Esta dissertação propõe-se a investigar e comparar as duas teorias de poder marítimo
formuladas por Alfred Thayer Mahan (1840-1914) e Herbert William Richmond (1871-
1946) utilizando a metodologia de história comparada de Jurgen Kocka. A hipótese a ser
demonstrada é que a teoria de Richmond se baseia, em seus fundamentos básicos, na
concepção de seu antecessor Alfred Mahan. Para isso o trabalho divide-se em três partes. O
primeiro capítulo aborda a polissemia do conceito ‘poder marítimo’ e apresenta uma
metodologia, concebida por George Modelski e William Thompson, baseada em história
serial e quantitativa, que propõe demonstrar a importância do poder marítimo nas relações
internacionais. Ao final do capítulo pretende-se criticar esse modelo analítico. No segundo
capítulo são apresentadas uma breve biografia de Alfred Mahan, a sua percepção de história
e da escrita da história, seguida da análise de sua teoria de poder marítimo, procurando
apontar os principais elementos que compõem sua formulação teórica. No terceiro e último
capítulo são apresentadas uma breve biografia de Herbert Richmond, a sua percepção da
história e da escrita da história, seguida de uma discussão comparativa de sua teoria de
poder marítimo com a formulada por Mahan, procurando discutir os mesmos elementos
apontados por Mahan, de forma a se coadunar com a metodologia comparativa escolhida.
Na conclusão são traçados os paralelos entre as duas visões, apontando-se as similaridades
e discordâncias entre as duas concepções, concluindo-se pela considerável influência de
Mahan na concepção de Richmond.
PALAVRAS-CHAVE: Poder Marítimo, Teoria de emprego de poder, História Naval,
Guerra no mar, Poder naval.
ABSTRACT
This dissertation has the purpose to investigate and compare two sea power theories,
formulated by Alfred Thayer Mahan ( 1840-1914) and Herbert William Richmond (1871-
1946), using Jurgen Kocka compared history methodology. The main hypothesis to be
demonstrated is that Richmond theory was based, in its fundamentals, in the Alfred Mahan
conception. To fulfill this purpose, this dissertation has been divided in three parts. The first
chapter discusses the different interpretations of sea power concept and introduces a
methodology conceived by George Modelski and William Thompson, based in serial and
quantitative histories, which proposes to demonstrate the importance of sea power in the
international relations. At the end of the chapter one intends to criticize this analytical
model. In the second chapter there will be presented a brief biography of Alfred Mahan, his
perception of history and historiography, following a analisys of his sea power theory,
indicating its main theorical elements. In the third and last chapter there will be presented a
Herbert Richmond brief biography, his perception of history and historiography, following
a discussion of his sea power theory, comparing it to Mahan theory, with the purpose to fit
the chosen Kocka methodology. In the conclusion there will be discussed both theories,
indicating similarities and differences between both conceptions, concluding that Mahan
had a very significant influence on Richmond thoughts.
KEY WORDS: Sea Power, Theories of power, Naval History, War at Sea, Naval
Power.
LISTAS
LISTAS DE QUADROS
1- Longos Ciclos e Guerras Globais. 27
2- Anos em que houve 50% ou mais de concentração de poder marítimo. 42
3- Poderes marítimos e grupos de grande concentração de poder naval. 43
4- Primeiro ciclo longo de poder marítimo, correspondendo ao predomínio ibérico. 45
5- Segundo ciclo longo de poder marítimo, correspondendo ao ciclo holandês. 54
6-Terceiro ciclo longo de poder marítimo, correspondendo ao ciclo britânico. 64
7- Capturas de navios franceses durante a Guerra da Sucessão da Espanha. 68
8- Quarto ciclo longo de poder marítimo, correspondendo ao segundo ciclo britânico. 76
LISTAS DE ANEXOS
1- Distribuição numérica de navios de guerra das potências globais no período de 1494 a1654. A-1 a A-4
2- Distribuição numérica dos navios de guerra dos poderes globais no período de 1655-1860. B-1 a B-4
3- Distribuição numérica dos encouraçados dos poderes globais entre 1861 e 1879. C-1
4- Distribuição numérica dos encouraçados pré-dreadnought pelos poderes globais entre1880 e 1913. D-1
5- Distribuição numérica dos encouraçados dreadnought pelos poderes globais entre 1906 e1945. E-1
6- Total dos orçamentos navais dos poderes globais entre 1813 e 1938 em milhões de librasesterlinas em valores de 1913. F-1 a F-3
7- Distribuição proporcional de navios de guerra dos poderes globais entre 1494 e 1945. G-1 a G-11
8- Ciclos longos do poder marítimo entre 1494 e 2000. H-1
LISTA DE APÊNDICES
1- Trajetórias pessoais e profissionais entre Alfred Mahan e Herbert Richmond.A-1.
2- A história e o ofício de historiador segundo Alfred Mahan e Herbert RichmondB-1 e B-2.
3- A guerra, o poder marítimo e considerações estratégicas segundo Alfred Mahan eHerbert Richmond. C-1 e C-2.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
1- GB – Grã-Bretanha.
2- CID – Colégio Imperial de Defesa – Imperial Defense College.
3- EGN – Escola de Guerra Naval (Brasil).
4- EGN (GB) – Escola de Guerra Naval (Grã-Bretanha) – Royal Naval War College.
5- EGN (EUA) – Escola de Guerra Naval (Estados Unidos da América) – Naval WarCollege.
6- EUA – Estados Unidos da América.
7- NRS – Naval Records Society.
8- RUSI – Royal United Services Institute.
.
SUMÁRIO
Dedicatória iv
Agradecimentos. v
Epígrafe. viii
Resumo. ix
Abstract. x
Listas. xi
INTRODUÇÃO. 1
CAPITULO 1 A Importância do mar como instrumento da política nos períodos moderno e contemporâneo. 11
1.1 – O poder marítimo e o poder naval. Diferentes percepções. 14
1.2 - Os longos ciclos de política internacional. O modelo Modelski/Thompson. 24
1.2.1- Parâmetros escolhidos para as séries do modelo Modelski/Thompson. 29
1.2. 2- Regras para a contagem de navios de 1494 a 1860. 34
1.2.3- Regras para a contagem de navios de 1861 a 1945 37
1.2.4- Os ciclos longos de política global 40
1.3 – Os quatro ciclos longos de poder marítimo. 44
1.3.1- O segundo ciclo longo. A Holanda e a luta pelo comércio marítimo. 53
1.3.2- O terceiro ciclo longo. A Grã-Bretanha e a formação de um império. 63
1.3.3- O quarto ciclo longo. A Pax Britannica estabelecida. 75
1.3.4- Os ciclos longos de poder marítimo: uma análise crítica. 88
CAPÍTULO 2 Alfred Thayer Mahan: o evangelista do poder marítimo 94
2.1- Alfred Thayer Mahan: um marinheiro relutante e autor vigoroso. 94
2.1.1- Primeiros tempos na marinha. 96
2.2.2- A maturidade intelectual. 103
2.2.3- A nova carreira. 113
2.2- Alfred Thayer Mahan: um historiador empírico. 127
2.2.1- A história e o ofício do historiador segundo Alfred Mahan. 131
2.2.2- As influências sobre Alfred Mahan. 141
2.3- O poder marítimo segundo Alfred Thayer Mahan. 153
2.3.1- O poder marítimo e a trindade de Mahan. 158
2.3.2- Os elementos do poder marítimo. 163
2.3.3- Considerações político-estratégicas sobre o poder marítimo segundo Alfred Mahan. 176
CAPÍTULO 3 Herbert William Richmond: o erudito do poder marítimo. 198
3.1 – Herbert William Richmond. Um marinheiro engajado e autor sofisticado. 199
3.1.1- Os primeiros tempos na Marinha. 200
3.1.2- O almirante e o intelectual. 214
3.1.3- Uma carreira de realizações acadêmicas. 225
3.2- Herbert Richmond: um historiador erudito. 240
3.2.1- A história e o ofício do historiador segundo Herbert Richmond. 245
3.2.2- As influências sobre Herbert Richmond. 253
3.3- O poder marítimo segundo Herbert William Richmond. 265
3.3.1- O poder marítimo e seus princípios fundamentais. 270
3.3.2- Os elementos do poder marítimo. 274
3.3.3- Considerações político-estratégicas sobre o poder marítimo, segundo Herbert Richmond. 282
CONSIDERAÇÕES FINAIS. 299
INTRODUÇÃO
A idéia central desta dissertação surgiu há cerca de dez anos, quando exercíamos
função de instrutoria1 no curso de estado-maior para oficiais da Marinha na Escola de
Guerra Naval (EGN). Naquela oportunidade, a disciplina de estratégia naval, carro-chefe
do curso, centrava-se nas idéias de dois historiadores e teóricos relevantes nos estudos do
emprego do poder marítimo2, Alfred Thayer Mahan (1840-1914), norte-americano e Julian
Stafford Corbett (1854-1922), inglês, que desenvolveram suas idéias ao final do século XIX
e no início do século XX. Dois teóricos que, embora importantes, não representavam visões
únicas sobre a evolução do estudo teórico sobre o poder marítimo. Outros historiadores
existiam que nem eram mencionados em sala de aula, dentre esses avultava Herbert
William Richmond (1871-1946), inglês como Corbett e seu contemporâneo. Por que o
esquecimento ? Em que Richmond se diferenciava de Mahan e de Corbett na concepção de
emprego do poder marítimo ?
Com toda a certeza, Mahan se diferenciava dos seus antecessores por discutir com
método e profundidade, pela primeira vez, a importância do mar para o desenvolvimento
das nações, utilizando a história como ferramenta para a estratégia naval. Em 1890 lançava,
com muito sucesso, o seu clássico The Influence of Sea Power upon History 1660-17833 em
que discutiu a história naval britânica, procurando compreender como a Inglaterra e depois
Grã-Bretanha (GB) dominara os mares por 300 anos e entender quais os instrumentos de
ação por ela utilizados para manter esse predomínio. Foi certamente auxiliado pelo próprio
1 Nas forças armadas brasileiras utiliza-se a expressão ‘instrutoria’ para definir a função de docência deoficiais da ativa ou da reserva para os cursos profissionais. No meio acadêmico o título de professor oudocente corresponderia ao de instrutor no meio militar. 2 A expressão ‘poder marítimo’ nessa dissertação corresponderá a expressão inglesa ‘sea power’, utilizadaextensivamente nos estudos estratégicos.3 Essa obra será discutida com maiores detalhes no capítulo 2.
1
ambiente internacional reinante no início do século XX, em que se percebia uma intensa
corrida armamentista entre as principais potências européias, em especial entre a GB e a
Alemanha. O sucesso de sua obra não poderia ser menor.
Herbert Richmond, por sua vez, era oficial de marinha como Alfred Mahan e desde
cedo demonstrou, como ele, um pendor inato para o estudo da estratégia e da história.
Seguiram-se muitos livros de sua lavra, procurando estabelecer conceitos e princípios4 que
regeriam a guerra naval, da mesma maneira que o norte-americano, no entanto as idéias
entre os dois não foram sempre coincidentes.
Quando de nossos estudos em 1998 constatamos que nenhum oficial de marinha da
EGN ou mesmo historiador naval brasileiro conhecido investigava a obra de Richmond,
embora ele tenha escrito diversos livros de referência sobre as campanhas navais nos
períodos moderno e contemporâneo. Sobre Alfred Mahan, ao contrário, muitos colegas não
só conheciam sua obra, como eram capazes de criticá-la, assim como alguns acadêmicos
brasileiros discutiam suas idéias com desenvoltura, destacando-se Therezinha de Castro5 e
Domício Proença Junior6. A curiosidade com Herbert Richmond se exacerbou ainda mais e
sua comparação com Mahan tornou-se o fulcro do nosso interesse.
As questões que surgiram imediatamente foram as seguintes: de que maneira a
percepção e a escrita da história naval se diferenciavam entre Mahan e Richmond ? Como
ambos discutiam o poder marítimo e de que maneira traduziram suas percepções em teoria
de emprego ? Ambos, mesmo sem o desejar, criaram teorias de emprego de poder e4 Consideramos nessa dissertação um conceito como uma formulação abstrata e geral ou pelo menos passívelde generalização que o indivíduo pensante utiliza para tornar alguma coisa intelegível nos seus aspectosessenciais para si mesmo e para os outros. Para princípio consideramos como uma proposição quefundamenta um processo de dedução ou um sistema teórico, não sendo deduzida de nenhuma outraproposição no sistema considerado. Fonte: BARROS, José D´Assunção. O Projeto de pesquisa em História..Petrópolis: Vozes, 2005, p. 194 e 219.5 A professora Therezinha de Castro lecionou história e geografia no Colégio Pedro II e foi docente da EscolaSuperior de Guerra.6 Domício Proença Junior é atualmente professor de estudos estratégicos da COPPE/UFRJ .
2
conceitos a elas associadas7. Essa é a razão dessa dissertação, o estudo comparativo entre as
duas percepções de história naval e as suas respectivas teorias de emprego de poder.
A investigação se centrará em dois objetos de estudo, a percepção e escrita da história
e a fundamentação das teorias de emprego do poder marítimo dos dois historiadores
considerados, de Alfred Thayer Mahan, analisado inicialmente por uma questão
cronológica (nasceu primeiro e influenciou o pensamento estratégico naval do período de
vida do historiador inglês) e em seguida de Herbert Richmond.
Alguns dos principais comentadores de Mahan foram Harold e Margaret Sprout que
em 1946 lançaram o livro The rise of American Naval Power 1776-19188. Nele esses
autores analisaram a influência das idéias de Mahan no desenvolvimento da Marinha norte-
americana. Além disso, correlacionaram o conceito mahaniano de poder marítimo com a
definição de ‘destino manifesto’. Continuaram os autores a apontar a influência desse
historiador na política conduzida por Theodore Roosevelt entre os anos de 1901 e 1909.
Outra obra importante foi escrita por Azar Gat em 2001 com o título de A history of
military thought from the enlightment to the cold war9 no qual, em um dos capítulos, fêz
um balanço da teoria de Mahan e sua influência na história do pensamento estratégico
contemporâneo.
O livro que analisou criticamente a obra de Mahan, com forte argumentação
contestatória, foi o escrito por Jon Sumida em 1997 Inventing Grand Strategy and teaching
7 A palavra teoria será compreendida como um conjunto de princípios fundamentais de uma arte ou de umaciência. Como bem aponta Nadir Domingues Mendonça o ensino da história deverá apoiar-se em teoria emetodologia na investigação histórica e a base desse estudo situa-se na significação dos conceitos comoconstruções lógicas estabelecidas de acordo com um quadro de referências. Adquirem seu significado dentrodo esquema de pensamento no qual são colocados. Assim para cada teoria descrita corresponderão conceitos aela associados. Fonte: MENDONÇA, Nadir Domingues. Uma questão de interdisciplinaridade. O uso deconceitos. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 17. 8 SPROUT, Harold; SPROUT, Margaret. The rise of American Naval Power 1776-1918. Princeton: PrincetonUniversity Press, 1946.9 GAT, Azar. A history of military thought from the enlightment to the cold war. Oxford: Oxford UniversityPress, 2001, p.442-472.
3
command10, no qual procurou reler o conjunto da obra de Mahan sob o ponto de vista
crítico-pedagógico, pretendendo responder duas questões fundamentais. A primeira, se os
livros de Mahan representavam um corpo coerente de pensamento e a segunda, se assim
foi, qual seria a sua natureza. O livro de Sumida, por sua abordagem distinta e original da
maioria das visões de outros intelectuais, tornou-se um ponto de referência para quem
pretende discutir com profundidade as idéias de Mahan.
Outro autor que se destacou na análise da obra de Mahan foi Phillip Crowl que
discutiu a visão de Mahan como historiador e suas fontes e objetos de investigação11.
William Levezey se debruçou sobre a obra de Mahan com um livro abrangente e
panorâmico sobre a vida e obra do teórico norte-americano, Mahan on sea power12. Não
deve ser esquecido tão pouco o livro que trata da influência que a história exerceu sobre
Mahan, The Influence of history on Mahan, editado por John Hattendorf da EGN dos
Estados Unidos da América (EUA) com quinze palestras proferidas por especialistas em
estratégia e história naval.13 Três outras obras trataram da biografia de Mahan. A primeira,
escrita em 1918 por Allan Westcott que abordou não só a biografia, mas também trechos
fundamentais para o entendimento do pensamento de Mahan14 ; a segunda de 1920, escrita
por Charles Carlisle Taylor, importante pela documentação primária apresentada, embora
algo apologética15 e por fim a magnífica obra de Robert Seager II e Doris Maguire, na qual
os autores compilaram as cartas e documentos de Mahan desde tenra idade em três
10 SUMIDA, Jon. Inventing Grand Strategy and teaching command. Washington: John Hopkins UniversityPress, 1997. 11 CROWL, Phillip. Alfred Thayer Mahan: the naval historian. In: PARET, Peter. Makers of modern strategy.Princeton: Princeton University Press, 1986, p 444-480.12 LIVEZEY, William. Mahan on sea power. Oklahoma: University of Oklahoma Press, 1981.13 HATTENDORF, John. The Influence of history on Mahan. Rhode Island: Naval War College Press, 1991.14 WESTCOTT, Allan. Mahan on naval warfare. Selections from the writings of Alfred Thayer Mayer.Boston: Little Brown and Co, 1918.15 TAYLOR, Charles Carlisle. The life of Admiral Mahan: naval philosopher. New York: George Doran,1920.
4
volumes, livros fascinantes em que se mergulha no mundo idealizado pelo autor norte-
americano e se compreende o seu modo de pensar e analisar a guerra no mar16.
A abundância de textos e análises sobre Mahan destoa da pouca quantidade de
comentadores da obra de Richmond. O mais destacado pesquisador da obra de Richmond
foi Donald Schurman, autor de um livro de referência The education of a Navy sobre o
poder marítimo britânico, no qual dedica um capítulo inteiro a discutir o pensamento de
Richmond.17 Um segundo intelectual que estudou a obra de Richmond foi Geoffrey Till no
seu recentemente lançado The development of british naval thinking18. Nele Till discutiu
pontos importantes da formulação teórica desse autor inglês, concentrando-se em conceitos
do poder marítimo e na importância da história como instrumento para as suas concepções.
Um terceiro historiador que discutiu intensamente a obra de Richmond foi Barry Hunt com
o seu Sailor-scholar: admiral Sir Herbert Richmond, 1871-194619. Trata-se da única
biografia publicada sobre Richmond no mercado editorial. Livro básico de referência sobre
a vida desse historiador inglês, Hunt pesquisou detalhadamente aspectos importantes da
vida desse autor e discutiu alguns aspectos de sua formulação teórica. Um quarto
importante comentador da obra de Richmond foi Arthur Marder em seu Portrait of an
admiral: life and papers of Sir Herbert Richmond20 no qual fez breve histórico sobre a
trajetória e publicou o diário de Richmond, que abrangeu seu período de vida
compreendido entre 1909 e 1920, abarcando a Grande Guerra de 1914 a 1918.
16 SEAGER, Robert II; MAGUIRE, Doris. Letters and papers of Alfred Thayer Mahan. 3.v. Annapolis: NavalInstitute Press, 1975.17 SCHURMAN, Donald. The education of a Navy. London: Cassel and Co Ltd, 1965, p. 116-146.18 TILL, Geoffrey. The development of british naval thinking. London: Rutledge, 2006, p. 103-133.19 HUNT, Barry. Sailor-scholar: admiral Sir Herbert Richmond, 1871-1946. Ontario: Wilfred LaurierUniversity Press, 1982.20 MARDER, Arthur. Portrait of an admiral: life and papers of Sir Herbert Richmond. Massachusetts:Harvard University Press, 1952.
5
O ineditismo dessa investigação se concentra na inexistência de estudos comparativos
entre Mahan e Richmond, apesar do grande número de trabalhos conduzidos,
principalmente a respeito de Mahan. Além disso, trata-se do primeiro estudo profundo e
intensivo da obra de Richmond no Brasil conduzido por historiador brasileiro. O caráter
interdisciplinar dessa pesquisa torna-se evidente, principalmente com a teoria da estratégia.
Dessa maneira, os objetivos a serem perseguidos nessa investigação serão os
seguintes: analisar a guerra no mar, sob o ponto de vista político-estratégico entre os
séculos XVI e XX, período abarcado pelos estudos de Mahan e Richmond, aproveitando o
modelo teórico de ciclos longos de George Modelski e William Thompson como
ferramenta de análise e contextualização de história naval; discutir a concepção e escrita de
história e a teoria de poder marítimo de Alfred Mahan; discutir a concepção e escrita de
história e a teoria de poder marítimo de Herbert Richmond e por fim comparar as duas
visões apresentadas, apontando as similaridades e diferenças.
Alfred Mahan, ao lançar o seu livro The Influence of Sea Power upon History,
estabeleceu novo paradigma estratégico naval que perdurou até ao final da Segunda Guerra
Mundial. Como todo paradigma, passou a ser apoiado por grande parte dos intelectuais, ao
mesmo tempo em que sofreu contestações de outro grupo de pensadores. O certo, no
entanto, é que todos leram Mahan. O que se quer investigar com esse estudo comparativo é
se existem pontos coincidentes entre as duas teorias e se existem, que pontos seriam esses ?
Quais os pontos discordantes e em que se diferenciavam ? Richmond utilizou a história da
mesma maneira que Mahan para chegar às suas conclusões ?
Essa pesquisa torna-se relevante na medida em que se discutirá uma teoria
desconhecida no meio da história naval e da estratégia no Brasil, a de Richmond, e se
analisará a teoria de Mahan sob novos pontos de vista. Assim, poderá ser útil para alunos
6
dos cursos de altos estudos militares e aos pesquisadores ligados ao estudo do poder naval
na história.
A metodologia utilizada para a pesquisa será a comparativa, utilizando o modelo de
Jurgen Kocka. Segundo esse autor, o ato de comparar pressupõe a separação analítica dos
casos a serem comparados, não ignorando ou negligenciando, no entanto, as inter-relações
entre os casos. Tais inter-relações fazem parte de um modelo comparativo, ao se analisar
fatores que levam às similaridades e diferenças, convergências e divergências entre os
casos a serem comparados.21 Assim, de modo a se coadunar com esse modelo, pretende-se
utilizar a seguinte seqüência de análise: discussão da visão de Mahan e em seguida a
discussão comparativa da visão de Richmond com Mahan, apresentando apêndices ao texto
que apresentem essas diferenças e coincidências de modo sintético.
As fontes pesquisadas serão, na maior parte, primárias dos dois autores, livros, textos
originais em periódicos, cartas e diários publicados. O que se procurará abordar serão
conceitos que sejam comuns aos dois e as diferentes percepções, dentro do quadro teórico
formulado pelos autores. Isso não impedirá, no entanto, a recorrência a interpretações dos
comentadores referenciados, de modo a se concordar ou discordar de suas visões. Por ser
um estudo interpretativo, presume-se que existam discordâncias entre as diferentes
percepções dos comentadores. Pretende-se recorrer, ainda, a textos e documentos de
Richmond publicados entre 1913 e 1946 no periódico Naval Review pertencente ao Naval
Society do Reino Unido, sociedade a qual pertencemos como membro associado.
O tipo de pesquisa a ser desenvolvida será a documental e bibliográfica, com um
estudo descritivo, analítico e comparativo das teorias apresentadas. A técnica apresentada
será a qualitativa por meio da observação textual bibliográfica.22 21 KOCKA, Jurgen. Comparation and beyond. In: History and Theory. Wesleyan University, feb, 2003, p. 44.22 AROSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica. Teoria e método. Bauru: EDUSC, 2006, p. 518.
7
Para a organização do texto dissertativo, pretende-se, no capítulo um, demonstrar a
polissemia do conceito poder marítimo (sea power), apresentando sete interpretações
distintas desse conceito23. Os critérios de escolha desses sete pesquisadores serão
reconhecimento acadêmico, área de pesquisa voltada para a história naval e estratégia e a
especificidade interpretativa sobre a expressão. Em seguida, será apresentado o
entendimento específico da Marinha do Brasil sobre poder marítimo. Em um segundo item
no capítulo será discutido o modelo teórico estabelecido pelos pesquisadores George
Modelski e William Thompson que, utilizando história serial e quantitativa, discutiram os
ciclos longos de política internacional, baseados no poder marítimo. A apresentação do
modelo se justifica pela discussão ampla da história naval ocidental do século XVI até o
século XX, período de estudo abarcado por Mahan e Richmond, contribuindo, dessa forma,
para o entendimento dos capítulos que se seguirão na dissertação. Em seguida, será feita
uma discussão dos cinco ciclos longos em relação à historiografia corrente, concluindo o
capítulo com uma crítica ao modelo apresentado.
O segundo capítulo será dedicado ao estudo das concepções de Alfred Mahan. O
primeiro item do capítulo será dedicado a uma breve biografia de Mahan em que, além da
descrição de sua trajetória profissional e acadêmica, se discutirá sucintamente a sua obra
voltada para a história naval e estratégia. No segundo item serão apresentadas as
concepções de história e da escrita da história segundo Mahan, além dos pesquisadores que
mais o influenciaram nesse mister. No terceiro e último item serão discutidos os conceitos
envolvidos em sua teoria de emprego de poder marítimo, com ênfase para a análise da
23 Segundo Reinhart Koselleck um conceito para ser um conceito necessita ser polissêmico, dessa forma umconceito é um vocábulo no qual se concentra uma multiplicidade de significados. Embora um conceito estejaassociado à palavra, ele é mais que isso. Uma palavra se torna um conceito se a totalidade das circunstânciaspolítico-sociais e empíricas, nas quais e para as quais essa palavra é usada, se agrega a ela, segundoKoselleck. Fonte: KOSELLECK, Reinhart Futuro passado. Rio de Janeiro: PUC, 2006, p. 109.
8
guerra, da doutrina, o conceito de poder marítimo, o controle do mar e sua obtenção, os
elementos componentes do poder marítimo, os princípios de concentração, posição central,
linhas interiores, a importância das linhas de comunicação marítimas, o projeto de força
naval, a esquadra em potência, a guerra de corso, a utilização de comboios marítimos e por
fim do bloqueio.
O terceiro e último capítulo abordará o estudo das concepções de Herbert Richmond.
A metodologia comparativa requer que se compare certos aspectos comuns e não
totalidades. Kocka apontou que o pesquisador necessita decidir o que comparar, em relação
a pontos de vista e questões específicas. Quanto mais pontos analisados, mais importante se
tornará a decisão do que comparar, as questões a serem confrontadas e os problemas a
serem comparados24. Assim, decidiu-se utilizar a mesma metodologia do capítulo referente
a Mahan. Inicialmente será apresentada uma breve biografia de Richmond com a mesma
estrutura do capítulo anterior, englobando as trajetórias profissional e acadêmica. No
segundo item será abordada a maneira como a história e a escrita da história foram
percebidas por Richmond. Por fim, no último item, será discutida a sua teoria de poder
marítimo, confrontando os mesmos conceitos e idéias estabelecidas por Mahan, de modo a
que se possa apontar as similaridades e discordâncias entre as duas teorias. Nesse capítulo
já serão apresentados, conforme forem sendo discutidos, esses pontos coincidentes e
discordantes das duas visões apresentadas.
24 KOCKA, op.cit. p. 41.
9
CAPÍTULO 1
A IMPORTÂNCIA DO MAR COMO INSTRUMENTO DA POLÍTICA NOS
PERÍODOS MODERNO E CONTEMPORÂNEO.
10
O mar sempre tem atraído a atenção do homem. Os poetas o percebem por sua beleza
e esplendor. Os pescadores como fonte primária de sobrevivência. Os engenheiros como
fonte primordial de energia. Os comerciantes como o meio em que os seus navios
transportes de mercadorias fluem. E os militares como o local onde defendem os interesses
de seu Estado.
Atualmente, como no passado, a maior parte dos bens é transportada pelo mar. Sabe-
se que grande parte do comércio internacional faz-se pelo mar. Esse comércio se dá pelas
chamadas comunicações marítimas que são vias pelas quais se ligam os diversos pontos
terminais junto ao mar.25 Os navios mercantes, isto é, aqueles navios que transportam bens
de e para um porto, assumem um papel relevante na economia de qualquer Estado. Eles
transformam-se no sangue que flui pelas veias e artérias, as comunicações marítimas, que
mantém o corpo, o Estado, funcionando.
Recuando no tempo, mais precisamente por volta do segundo milênio antes da era
cristã, o comércio marítimo já florescia em todo o Mediterrâneo Oriental, sendo os
primeiros grandes comerciantes os egípcios e os cretenses, sucedidos pelos fenícios. Esses
últimos expandiram ainda mais o comércio chegando até ao Mediterrâneo Ocidental no que
hoje é conhecida como a cidade de Gibraltar.
Os navios mercantes, carregados de produtos, atraíram a atenção de inimigos que
viam nesse comércio uma fonte de lucros fáceis. A flagrante vulnerabilidade dos
transportes não era páreo para esses agressivos adversários. Fazia-se necessário, então,
desenvolver outro grupo de navios, com o propósito de defender os mercantes dos assaltos
desses salteadores. Foi, então, criada a Marinha de guerra.
Os navios de guerra, chamados de navios compridos, devido à característica de
navegar rapidamente com remos, só utilizando as velas como meios auxiliares, passaram a
dispor de pouco calado26 e fundo chato para serem arrastados até a praia. Por outro lado, os
navios mercantes, chamados de navios redondos, foram feitos para transportar grande
volume de mercadorias, navegando à vela, com remos auxiliares e grande calado.27
25 ALBUQUERQUE, Antonio Luiz Porto e Albuquerque; SILVA, Leo da Fonseca e. Fatos da HistóriaNaval. 2.ed. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 2006, p.13.
26 Calado é a distância vertical entre a superfície da água e a parte mais baixa do navio naquele ponto. Fonte:MANUAL DO TRIPULANTE. Rio de Janeiro: Diretoria de Portos e Costas, Ministério da Marinha, 1975,p.210.
11
O mar passou a ser então disputado. Quem conseguisse derrotar o adversário poderia
manter o fluxo marítimo de comércio intacto, ao mesmo tempo em que protegeria, com
seus navios de guerra, qualquer ataque contra o seu próprio território. Foi exatamente isso o
que ocorreu quando Xerxes tentou em 480 aC invadir a península helênica.
Enquanto os seus navios mantinham abastecidos os grandes exércitos reunidos para o
ataque, a invasão teve sucesso. Ao se defrontar e ser derrotada pela esquadra grega chefiada
por Temístocles em Salamina, todo esse apoio desvaneceu-se. Ao rei persa só restava uma
saída: o abandono da expedição contra os gregos e com ela a retirada. A Marinha salvara os
helenos.
Os romanos, 200 anos depois, tiveram que se transformar em uma potência marítima
para derrotar Cartago, antiga colônia fenícia que exercia intensa atividade comercial no
Mediterrâneo. O domínio das águas mediterrâneas pelos romanos na Segunda Guerra
Púnica, fêz com que Aníbal não tivesse outra alternativa se não marchar por terra até a
Itália, obrigado a transpor os Alpes, mantendo-se assim completamente isolado dos
recursos que poderiam a ele chegar, caso mantivesse o Mediterrâneo sob o seu controle. A
Marinha ajudara a salvar os romanos.
O historiador naval E.B. Potter assim descreveu o período subseqüente às Guerras
Púnicas:
Durante o período de expansão, a Marinha romana, sempre uma filhaadotiva negligenciada, limpou o Mediterrâneo de piratas, transportou pormar as invencíveis legiões e com sucesso desafiou qualquer frota navalhostil que tivesse a temeridade de contestar o seu predomínio naval.Nesse processo, Roma completou a sua educação naval.28
Durante o período medieval no Ocidente, as ações navais se resumiram a escaramuças
entre a França e a Inglaterra no Canal da Mancha, e entre cristãos e muçulmanos no
Mediterrâneo, além de operações de pequena envergadura contra os piratas que infestavam
aquelas paragens.
27 STEVENS, W.O; WESTCOTT, Alan. História do poderio marítimo .2.ed. Trad: Godofredo Rangel. SãoPaulo: Companhia Editora Nacional, 1958, p.5.28 POTTER, E.B. Sea power. A naval history. 2.ed. Annapolis: Naval Institute Press, 1982, p.5.
12
Já no final do século XV e início do XVI as grandes explorações marítimas
portuguesas e espanholas visavam, não só a descoberta de novas terras, mas também rotas
alternativas de comércio com o Oriente. A centralidade do mar era explícita nesse período.
Em 1571 deu-se a última grande ação entre navios a remo na história naval, a Batalha
de Lepanto, na qual se confrontaram cristãos e turcos, com vitória dos primeiros. Embora
tenha sido uma batalha de grandes proporções pelo número de combatentes envolvidos, não
teve grande significação estratégica, já que foi uma ação sem estar ligada a nenhuma
campanha terrestre. Assim, essa vitória não foi explorada pelos cristãos
convenientemente.29
Dezessete anos depois, em 1588, a Inglaterra foi salva por sua nascente Marinha, de
uma invasão espanhola ordenada por Felipe II. Ao mesmo tempo, manteve sob ataque os
navios mercantes ibéricos que transportavam metais do Novo Mundo para a península, por
meio da utilização de corsários30. Os séculos XVI e XVII assistiram guerras continuadas no
mar pelo controle do tráfego marítimo. Inicialmente entre portugueses e árabes no Índico,
depois entre ingleses e espanhóis, seguindo-se as três grandes Guerras Anglo-holandesas
que culminaram na ascendência inglesa nos mares. Paul Kennedy da Universidade de Yale
comentou que “finalmente a Inglaterra estava se tornando rapidamente um grande
entreposto para o comércio colonial, acumulando grandes lucros no processo e apreciando
cada vez mais o valor do comércio marítimo”31.
O século XVIII foi marcado por lutas constantes entre franceses e ingleses pelo
predomínio no mar, cujo auge foram as Guerras Napoleônicas. O século seguinte viu
predominar a chamada Pax Britannica32, escudada pela Marinha Real britânica. Esse
29 ALBUQUERQUE, op. cit., p.39.30 Corsário não deve ser confundido com pirata. Tratava-se de navio que atacava a navegação mercante doinimigo e tanto podia ser um navio de guerra como um mercante armado. Ele podia ser mantido pelo governoque o contratou ou por particular a quem foi dada uma carta de corso. O corsário era assim um combatenteregular. O pirata, por outro lado, não era protegido por nenhum governo e quando capturado era executadoimediatamente, já que o consideravam um combatente sem bandeira e assim irregular. O flibusteiro era umacorruptela da expressão inglesa free booter, isto é aquele que livremente se apoderava dos restos tomados aoinimigo, vindo o boot do inglês, corruptela de butim em português. Bucaneiro derivava de boucan em francês,lugar onde os selvagens defumavam as carnes. Fonte: Ibidem, p.61. 31 KENNEDY, Paul. The rise anf fall of British Naval mastery. London: The Ashfield Press, 1988, p.62.32 Termo cunhado por Joseph Chamberlain em 1893 para caracterizar as conseqüências da dominaçãobritânica na Índia. A expressão rapidamente definiu uma era a partir de 1815 quando esse país, graças a seupoderio naval tornou-se a maior das grandes potências de então. Fonte:GOOCH, John. The weary titan:strategy and policy in Great Britain, 1890-1918. In: MURRAY, Williamson; KNOX, MacGregor;BERNSTEIN, Alvin. The Making of Strategy, rulers, states and wars. Cambridge: Cambridge UniversityPress, 1994, p.278.
13
predomínio naval só seria contestado no século XX, com a ascensão da Marinha norte-
americana, a partir da Segunda Guerra Mundial, detentora, até o presente momento, do
predomínio naval global. Pode-se afirmar inclusive que o único poder marítimo sem
adversários nos dias atuais são os EUA. Chega-se então a um primeiro questionamento. O
que vêm a ser poder marítimo ? Seria esse um conceito polissêmico ? De que maneira os
principais estrategistas navais o perceberam ? Quais as principais características a ele
associadas ? É o que se pretende discutir no próximo item.
1.1- O poder marítimo e o poder naval. Diferentes percepções.
O poder pode ser interpretado como a síntese de vontades e meios, dirigida para o
alcance de determinada finalidade. A vontade, como o principal elemento do poder, é uma
característica essencialmente humana. Os meios, como um complemento fundamental do
poder, são os instrumentos para o atendimento dessa vontade. O homem, então, dotado de
vontade e tendo à disposição os meios, poderá direcionar suas ações para satisfazer suas
necessidades, aspirações e interesses. A dimensão do poder de determinado grupo social
tem como base um conjunto de meios à disposição da vontade comum aos subgrupos e
indivíduos.33
Quanto à natureza do poder, Carlos de Meira Mattos apontou quatro aspectos; a sua
capacidade, seus componentes psicológicos, fatores ligados à relatividade de seus efeitos e
por fim a sua condição moral.34 A capacidade é um fator físico, representado pela soma de
seus valores físicos, isto é, fábricas, população ativa, efetivos militares, armamento, como
alguns exemplos. No tocante aos aspectos psicológicos, Meira Mattos mencionou que um
grupo social distinto recebe influência de outros grupos, naquilo que esse grupo julga que
os outros pensam que ele representa. No tocante à relatividade dos efeitos, entram em
consideração aspectos indutivos na apreciação de quem é o forte e o fraco. O último
aspecto apontado por esse geopolítico é o fundamento moral, atributo não mensurável,
porém perfeitamente perceptível. Meira Mattos tomou o exemplo de Nicholas Spykeman
que mencionou sobre a moral e poder o seguinte: “do ponto de vista ético, o poder só pode
ser considerado um meio para alcançar um fim; importa, portanto, que o seu uso esteja
33 MINISTÉRIO DA DEFESA. Escola Superior de Guerra. Fundamentos doutrinários. 1997, p.47.34 MATTOS, Carlos Meira. Geopolítica e projeções do poder. Rio de Janeiro: Bibliex, 1977, p. 35.
14
constantemente sujeito a critérios morais; não se pode esperar a existência de um mundo
ordenado sem o uso da coerção e criticar o homem por aspirar o poder seria cair no
universo das fantasias”.35
Dessa forma, o poder admite a formação de subsistemas da mesma natureza,
convenientes para a análise de seu valor e características. Assim, o poder de determinado
grupo social complexo pode ser, pois analisado e aferido a partir de seus subsistemas.36 O
poder marítimo compõe exatamente um desses subsistemas apontados.
O poder marítimo deriva da expressão em inglês sea power. Sua conceituação tem
sido interpretada de diferentes formas. Paul Kennedy, por exemplo, afirmou que a
expressão poder marítimo tem sido utilizada com freqüência por políticos, estrategistas e
historiadores, no entanto permanece difícil definir em poucas palavras a que a expressão se
refere. Esses homens têm procurado, na dificuldade de definição, adicionar subterfúgios e
comentários adicionais complementares, reconhecendo a complexidade da expressão37.
Para Bernard Brodie38 o poder marítimo não significa apenas navios de guerra. Essa
expressão considera a soma das armas transportadas por esses navios, das instalações
navais e das circunstâncias geográficas que permitem ao homem controlar o transporte
marítimo durante o tempo de guerra. Para esse autor, se no futuro, a grande parte dos bens
for transportado por aviões ao invés de navios, ou que se tornar pouco atraente o transporte
marítimo de pessoas ou bens, o poder marítimo cessará de ter sentido.39 Para ele o poder
marítimo preenche quatro funções principais. A primeira, ele protege a transferência no mar
de forças do Exército e da Força Aérea e seus abastecimentos para locais onde poderão ser
utilizados efetivamente contra forças hostis; a segunda, protege o transporte de bens
comerciais, incluindo nesse grupo os bens e produtos considerados estratégicos; a terceira,
impede o uso do mar por parte do inimigo, nisso inclui-se a defesa do próprio território e
por fim, exerce pressão sobre o inimigo, para que ele se veja impedido de receber recursos
fundamentais a sua sobrevivência e transportar seus bens para os aliados.40 Para Brodie, a
função principal do poder marítimo gravita em torno da proteção do comércio e transporte
35 Ibidem, p.36.36 MINISTÉRIO DA DEFESA, ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA, loc.cit. 37 KENNEDY, op.cit., p.1.38 Bernard Brodie foi conhecido estrategista naval norte-americano nos anos 40 do século passado. 39 BRODIE, Bernard. A guide of Naval Strategy. Princeton: Princeton University Press, 1944, p.2.40 Ibidem, p.14.
15
de bens pelo mar, assim os navios de guerra, o seu armamento e aviões são os
instrumentos41 necessários para se exercer o poder marítimo, protegendo os navios
mercantes.
Para Robert Hanks42 o poder marítimo engloba, além da Marinha de guerra, uma
Marinha mercante viável, uma eficiente frota de navios oceanográficos, uma balanceada
Guarda Costeira e uma base industrial eficiente como fator basilar. Para ele, embora a
proteção do comércio ainda seja um fator importante no poder marítimo, “uma moderna e
poderosa Marinha de guerra, constitui-se no dente principal do tridente do poder
marítimo”43. Sua visão já se desloca para uma poderosa força militar, de modo a se
contrapor no mar a qualquer inimigo que se apresente. Hanks estava preocupado
fundamentalmente com o papel militar naval a ser exercido pelos norte-americanos, no seu
confronto com os soviéticos, num mundo bipolar nos anos 60, 70 e 80 e não
necessariamente com a definição explícita do que seria poder marítimo. A sua ênfase no
papel militar do poder marítimo incluía, também, o papel a ser exercido em situações de
crise.
Sam Tangredi44 indica que o poder marítimo não é exclusivamente sinônimo de
guerra naval. É assim um conceito que acarreta pelo menos quatro elementos básicos. O
primeiro, o controle do comércio marítimo internacional; o segundo, o uso e a
disponibilidade dos recursos naturais oceânicos; o terceiro, o controle das operações navais
em períodos de guerra e por fim, a utilização das Marinhas de guerra e do poder econômico
marítimo como instrumentos de diplomacia, de deterrência45 e de influência política em
41 Brodie utiliza em seu livro A guide of Naval Strategy a expressão inglesa “tools of sea power” traduzidapelo autor como instrumentos do poder marítimo.42 O almirante Robert J. Hanks da reserva da Marinha de guerra dos EUA foi membro do Instituto de Análisesde Política Externa desse país e autor de diversos livros e artigos sobre política e estratégia navais. 43 HANKS, Robert J. American Sea Power and Global Strategy. Washington DC: Pergamon´s Bressey, 1985,p. 22.44 Sam Tangredi é membro do Instituto de Estudos de Estratégia Nacional da Universidade de DefesaNacional dos EUA e doutor em relações internacionais pela Universidade da Califórnia do Sul. 45 A palavra “deterrência” não existia na língua portuguesa até bem pouco tempo, no entanto como vinhasendo utilizada nos estudos estratégicos no Brasil, passou a constar nos dicionários mais modernos.No seuoriginal em inglês, a deterrência pode ser conceituada como os passos a serem tomados para desencorajaroponentes de iniciar ações hostis e inibir uma determinada escalada por parte desse opositor em qualquercrise. Ameaças de retaliação podem contribuir para reafirmar a deterrência. Fonte: COLLINS, John C.Military Strategy. Principles, practices, and historical perspectives. Washington DC : Brassey´s, 2002, p.297. Nas academias de altos estudos militares brasileiros utiliza-se, na maior parte das vezes, a expressão“dissuasão” com a mesma conceituação, o que na concepção deste autor não é fiel ao conceito original eminglês já que os significados são distintos, uma vez que “dissuation” em inglês significa persuadir, dissuadir,advertir contra qualquer ato, enquanto “deterence” possui um conceito mais vigoroso, como desencorajar,
16
tempo de paz. Para ele, o poder marítimo não pode nunca ser separado de seus propósitos
geo-econômicos. As Marinhas de guerra podem ser os elementos óbvios do poder
marítimo, entretanto o comércio marítimo46, as operações navais, a exploração dos recursos
vivos como a pesca e não-vivos como o petróleo e outras formas de comércio e
comunicações através do meio líquido, devem ser observados como partes integrais do
poder marítimo de uma nação47.
Em um sentido amplo, o conceito moderno de poder marítimo, para ele, pode ser
definido como a combinação da capacidade de qualquer Estado para a exploração do
comércio marítimo internacional e a utilização dos recursos vivos e não-vivos oceânicos,
com a sua habilidade de projetar poder militar no mar para o propósito de controlar o
comércio e as ações bélicas em determinada área marítima e do mar para influenciar
eventos em terra, utilizando-se forças navais48. Tangredi, em sua definição, caminhou um
passo a mais em relação às definições esposadas por Brodie, que enfatizou o comércio
marítimo como central na conceituação de poder marítimo e de Hanks, mais preocupado
com as tarefas atribuídas às forças navais. Tangredi aponta outros elementos componentes
tais como a exploração dos recursos aquáticos e o uso intensivo da deterrência como
instrumento eficaz do poder marítimo de determinado Estado.
Essas foram três visões norte-americanas distintas sobre poder marítimo. Dos
intelectuais ingleses, Geoffrey Till49 vem se destacando no meio acadêmico por se debruçar
intensamente sobre os estudos estratégicos, em especial nos aspectos navais desses estudos.
Embora não tenha conceituado explicitamente poder marítimo, Till tem afirmado que esse
poder possui em sua concepção seis elementos constitutivos distintos.
O primeiro é a geografia marítima de determinado Estado, dependente da qualidade
de seus portos, do tipo de costa disponível, isto é da facilidade com o qual se pode acessar
deter sob pena de retaliação. 46 O autor traduziu a expressão “maritime shipping” utilizada pelo professor Tangredi como “comérciomarítimo”, pois assim pode ser considerado não só o ato de transporte marítimo, mas também os naviosmercantes que o compõe e as tripulações, atendendo o sentido literal da palavra em inglês. 47 TANGREDI, Sam. Globalization and maritime power. Washington DC: National Defense University Press,2002, p.3. Aqui Tangredi utilizou a palavra “nation”, no entanto sua referência ligava-se a palavra Estado queserá conceituada nessa dissertação como um grupo humano tornado complexo, abrangendo desde a família atésociedades e comunidades numerosas, possuindo território fixo e determinado. O seu poder político éindependente ou quase de outros poderes políticos, aí existindo então o Estado. Fonte: AZAMBUJA, Darcy.Introdução à Ciência Política. 12.ed. São Paulo: Globo, 1999, p.22. 48 Tangredi, op.cit. p.4.49 O professor doutor Geoffrey Till é docente do King´s College em Londres e reitor acadêmico do JointServices Command and Staff College do Reino Unido.
17
os oceanos e suas rotas marítimas e da capacidade de concentrar as forças navais de
combate como um corpo unitário. Essa geografia marítima assume importância
fundamental na agenda estratégica de qualquer Estado, segundo ele. Os imperativos
estratégicos considerados são a necessidade de preservar a unidade nacional, a manutenção
adequada entre interesses marítimos e terrestres e a questão de interesses marítimos comuns
entre Estados adjacentes, os que fossem motivos de tensão.50
O segundo elemento é a quantidade de recursos disponíveis, incluindo os recursos
materiais como também financeiros. Algumas considerações entram em discussão nesse
elemento. A primeira, o convencimento da importância de se despender recursos em forças
navais; a segunda, a eficiência e eficácia com que esses recursos são gastos; a terceira, a
capacidade de formar alianças com países fornecedores podendo, no entanto aumentar o
perigo de dependência e por fim uma estratégia nacional para a obtenção de matérias-
primas necessárias para o fortalecimento do poder marítimo51.
O terceiro elemento constitutivo é a economia voltada para o campo marítimo, com o
desenvolvimento de uma Marinha mercante com credibilidade e o fortalecimento de forças
navais, tanto para protegê-la como para atacar a Marinha inimiga. Esse elemento inclui,
também, a infraestrutura necessária para manter as Marinhas, mercante e de guerra, com
uma indústria de construção naval com credibilidade52.
O quarto elemento é composto pela população, sociedade e governo. A população
deve ser grande o bastante para haver disponibilidade em atividades marítimas. A
sociedade deve sentir uma propensão inata para essas atividades, além de recursos
financeiros suficientes para recompensá-las. O governo formularia políticas voltadas para
fomentar essa propensão, forjando uma mentalidade marítima na sociedade53.
O quinto elemento constitutivo é cunhado por Till como “outros meios”54, isto é a
contribuição a ser assumida por outras entidades em sua conexão com o poder marítimo.
Um exemplo seria o apoio fornecido pelo poder terrestre para as atividades navais. Till cita
o caso de Alexandre, o Grande, ao tomar os portos persas no Mediterrâneo com o seu poder
terrestre, eliminando, de uma vez por todas, o poder naval persa. Outro meio seria o poder
50 TILL, Geoffrey. Seapower.A guide por the twenty-first century. London: Frank Cass, 2004, p.86.51 Ibidem, p.91.52 Ibidem, p.96.53 Ibidem, p.77.54 Traduzido pelo autor do original em inglês “by other means”.
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aéreo, sem incluir aí a força aeronaval, mas sim a baseada em terra. As operações
combinadas devem ser incrementadas também, fazendo com que os três poderes atuem em
parceria, integrados e sem disputas desnecessárias. Com essa integração seriam
incrementados o respeito mútuo e confiança, uma doutrina combinada, estruturas de
comando e controle comuns, a troca de experiência entre forças e por fim a
interoperabilidade entre sistemas, procedimentos e comunicações55.
Por fim, como último e sexto elemento, a tecnologia que permitiria que todos os
elementos anteriores se harmonizassem56.
Afirma Till que Estados com importantes conexões comerciais por meio marítimo
estão mais propensos a compreender a importância do poder marítimo57. A visão de Till já
tem contemplado aspectos geográficos, psicológicos, financeiros e operacionais na
formulação do conceito. Para ele as forças navais já se encontram subjacentes a esses seis
elementos e sem elas eles não teriam qualquer sentido. Esses elementos compõem a pedra
angular do poder marítimo para Till.
Para outro britânico que se debruçou sobre o conceito, o Comandante Stephen
Roskill58, o poder marítimo de determinado Estado deve ser considerado segundo outros
elementos de força representados pelos seguintes componentes: primeiramente pelas forças
navais, representadas pelos navios, meios de apoio e aeronaves. Em segundo lugar, pelos
elementos de transporte representados pela Marinha mercante, seus navios e suas
tripulações; em terceiro lugar, pela potencialidade industrial do Estado e por fim pelo o que
ele chamou de elementos de segurança, representados pelas bases navais59. Nessa
conceituação surgem as bases como elementos importantes apontados por Roskill, aspecto
pouco comentado por Till. Pode-se considerar, no entanto, que o primeiro aspecto abordado
por Till, a geografia do Estado, inclui os acessos às rotas oceânicas, englobando com
certeza os portos e por associação as bases que apóiam as forças navais.
55 Ibidem, p.103.56 Ibidem, p.78.57 TILL, Geoffrey. Modern sea power. London: Brassey´s Defense Publishers, 1987, p.6.58 Stephen Roskill foi palestrante da Universidade de Cambridge e autor de muitos livros de história naval, emespecial os relativos às políticas navais inglesas no século XX. Em 1949 tornou-se historiador oficial daMarinha Real britânica.59 CAMINHA, José Carlos Gonçalves. Delineamentos de Estratégia. Florianópolis: [s.n], 1980, p.387.
19
O almirante russo Sergei Gorshkov60 possuía uma visão distinta do que seria poder
marítimo. Para ele, a essência desse poder era de que forma tornar possível o uso mais
eficiente do Oceano do Mundo ou a Hidrosfera da Terra, como um interesse estatal como
um todo. Nessa definição, Gorshkov incluiu os principais componentes de exploração dos
oceanos pelo Estado e os atrelou ao bem estar, a situação da Marinha mercante e das frotas
pesqueiras em suas habilidades de atender às necessidades do Estado soviético e também a
presença de uma força naval para proteger esses interesses, uma vez existir antagonismos
sociais no mundo. Certo que o uso do oceano e o grau de desenvolvimento desses
componentes eram intimamente determinados pelo nível de exploração econômica e social
alcançado pelo Estado e pelas políticas por ele perseguidas. No caso da União Soviética, o
principal objetivo dessas políticas era a construção do comunismo e o aumento contínuo do
‘bem estar social’, sendo o poder marítimo um dos mais importantes fatores para o
fortalecimento de sua economia.
O desenvolvimento científico e tecnológico acelerado e a consolidação das expressões
econômica, política, cultural e científica constituiria uma ligação do povo soviético com os
países aliados61. Ao mesmo tempo, o poder marítimo, junto com outros elementos, também
incluiria a habilidade de proteger o Estado contra a ameaça de ataque provindo do mar.
Essa tarefa caberia à força naval, mas não somente a ela. Esse poder incluiria a capacidade
estatal de colocar todos os recursos e possibilidades oferecidas pelo mar a serviço do
homem e fazer pleno uso para o desenvolvimento da economia. Nesse contexto, o conceito
de poder marítimo, de uma certa maneira, seria identificado com o conceito de poder
econômico do Estado, sendo nesse aspecto uma parte desse poder. A força naval,
constituinte do poder marítimo, seria um dos principais obstáculos para se contrapor a
expansão dos Estados “imperialistas”, mencionando, nesse caso específico, os EUA como a
principal ameaça.
Em síntese, o poder marítimo compõe-se de diferentes componentes complexos,
relacionados com a economia do Estado e com as políticas do Partido Comunista, sua
capacidade de defesa, o conhecimento e o treinamento de seu pessoal e a consumação
60 O almirante Sergei Gorshkov foi o principal estrategista naval russo da segunda metade do Século XX e omentor da expansão naval soviética no período da Guerra Fria. Ele transformou a Marinha soviética de umaforça defensiva em um instrumento de projeção de poder mundial. Fonte: WILSON, Alastair; CALLO,Joseph. Who is who in Naval History, from 1550 to the present. London: Routledge, 2004, p.121.61 GORSHKOV, Sergei. The sea power of the State. Annapolis: Naval Institute Press, 1979, p.2.
20
prática de todas as possibilidades abertas pelo uso do mar na construção de um real
comunismo, segundo o autor.62
Hervé Coutau-Begarie63 já possui uma visão mais completa que Gorshkov, ao não se
limitar somente a visão político-econômica e ideológica do autor russo. Sua concepção de
poder marítimo inclui dois tipos de determinantes, os estáveis ou de longa duração e os
instáveis de curta duração ou transitórios. No primeiro grupo incluem-se o que ele chamou
de três bases ou fundamentos. O fundamento demográfico referente a população total do
Estado e a sua parcela voltada para o mar, chamada por ele de população marítima. A
segunda base é a chamada base geográfica com dois componentes, a posição e o espaço, aí
incluídos a configuração e a extensão da costa e a relação e proporcionalidade entre as
fronteiras marítimas e terrestres. A terceira base seria a cultural, isto é a cultura estratégica
nacional composta das tradições marítimas e o que ele chamou de “idiossincrasias
nacionais”, ou as peculiaridades de cada sociedade e as demais culturais estratégicas
específicas que dependerão de cada Estado.
Os determinantes instáveis englobam duas bases, a econômica e a política. Elas são
transientes e mutáveis, de acordo com os diferentes períodos históricos. Na primeira base, a
econômica, existem quatro variáveis. A capacidade de mobilização de recursos com as
matérias-primas e a capacidade industrial instalada; a infraestrutura de apoio, seguido das
atividades de pesca e comercial. Acresça-se a essa base o nível de desenvolvimento
tecnológico e científico do Estado. A base política possui duas vertentes. A política interna
com a atuação governamental voltada para o estabelecimento de políticas e estratégias
voltadas para o mar e a opinião pública e política externa com os objetivos políticos
externos, as alianças estabelecidas com outros Estados e os inimigos e ameaças explícitas
pressentidas.
Todos esses fatores congregados devem ser analisados e perseguidos para a
determinação de uma estratégia global e o dimensionamento do poder naval, isto é as forças
navais de combate, para o estabelecimento de um poder marítimo eficaz64.
62 Ibidem, p.6.63 Hervé Couteau-Begarie é diretor de estudos e professor da Escola Prática de Altos Estudos da França edocente do Colégio Interarmas de Defesa e do Instituto de Estratégia Comparada na Sorbonne em Paris. 64 COUTAU-BEGARIE, Hervé. Traité de stratégie. 5.ed. Paris: Institut de Strategie Comparée/Economica,2006, p.583.
21
Pelo apresentado, pode-se perceber que o conceito de poder marítimo é o resultado da
formação e de diversos condicionantes que moldam a percepção dos autores com o mar.
Cada um dos analistas descritos acentuou determinado aspecto mais relevante, segundo
suas próprias concepções. Assim, pode-se induzir a polissemia do conceito e a dificuldade
em se estabelecer uma definição que congregue todas as visões apresentadas.
A Marinha do Brasil, na tentativa de encontrar uma definição que fosse de amplo
acesso e compreensão para todos os seus componentes, elaborou uma conceituação
abrangente que englobasse a maior parte das definições anteriormente apresentadas. Assim,
o poder marítimo65 para a Marinha brasileira é a capacidade resultante da integração dos
recursos de que dispõe a Nação para a utilização do mar e águas interiores, quer como
instrumento de ação política e militar, quer como fator de desenvolvimento econômico e
social, visando conquistar e manter os objetivos nacionais66. Os elementos constitutivos do
poder marítimo, de acordo com a doutrina naval, são componentes das chamadas
expressões do poder nacional67 relacionados com a capacidade de utilização do mar e
hidrovias interiores, existindo casos em que um determinado recurso é componente do
poder marítimo enquanto vinculado ao uso do mar e deixa de sê-lo fora desta situação68.
São assim elementos constitutivos do poder marítimo, a Marinha mercante, suas
facilidades, serviços e organizações relacionados com os transportes marítimo e fluvial; a
infra-estrutura hidroviária, aí incluídos os portos, terminais, meios e instalações de apoio e
controle; a indústria naval com estaleiros de construção e reparos; a indústria bélica de
interesse do aprestamento naval; a indústria de pesca com suas embarcações, terminais e
65 MINISTÉRIO DA MARINHA, Estado-Maior da Armada. Doutrina Básica da Marinha. Brasília, 1997, p.1-1.66 Objetivos Nacionais são a cristalização de necessidades, interesses e aspirações, vitais ou opcionais que, emdeterminada fase de sua evolução histórico-cultural, a Nação deve satisfazer. Fonte: ESCOLA SUPERIORDE GUERRA, op.cit., p.37. 67 Segundo a doutrina da Escola Superior de Guerra, o poder nacional é a capacidade que tem o conjuntointeragente dos homens e dos meios que constituem a Nação, atuando na conformidade da vontade nacional,de alcançar e manter os objetivos nacionais. Ao se analisar o poder nacional deduz-se em cinco campos assuas manifestações, segundo as dimensões política, econômica, psicossocial, científico-tecnológica e militar.Essas manifestações são chamadas de expressões do poder nacional, cada uma caracterizada por se constituirem elementos de mesma natureza, devendo ser observado que uma expressão, além de produzir efeitos emsua dimensão específica, causa reflexos nas demais expressões. Uma expressão pode ser constituída deelementos de qualquer natureza, embora nela predominem os que lhe são peculiares. Fonte: Ibidem, p.53. Adoutrina ensinada na Escola Superior de Guerra tem sido muito criticada nas escolas de altos estudos militaresdas Forças Singulares por seu dogmatismo e inflexibilidade. Por inexistir ainda doutrina que a substitua, oautor resolveu aproveitar alguns conceitos ainda em uso corrente na linguagem militar. 68 MINISTÉRIO DA MARINHA, Doutrina Básica da Marinha, op. cit., p.1.1.
22
indústrias de processamento de pescado; as organizações e os meios de pesquisa e
desenvolvimento tecnológico de interesse para o uso do mar e águas interiores e de seus
recursos; as organizações e os meios de exploração e explotação dos recursos do mar, seu
leito e subsolo; o pessoal que desempenha atividades relacionadas com o mar e hidrovias
interiores e os estabelecimentos destinados à formação e ao treinamento e por fim pelo
chamado poder naval que é a componente militar do poder marítimo, compreendendo os
meios navais, aeronavais, de fuzileiros navais, as bases e posições de apoio, suas estruturas
de comando e controle, logística e administrativa, bem como forças ou meios de apoio que
não sejam da Marinha, quando vinculados para o cumprimento de alguma missão e
submetidos à orientação, comando ou controle de autoridade naval.69
Com essa conceituação as forças navais compõem apenas um dos elementos de uma
entidade superiora que é o poder marítimo, bem mais abrangente nos seus campos de
atuação. Pode ser observado que os teóricos apresentados também incluíram a componente
militar no conceito global de poder marítimo, daí a definição atualmente esposada pela
Marinha brasileira ser bem conveniente no presente momento.
O poder naval tem sido um instrumento relevante e eficaz na política de qualquer
Estado, tanto nos períodos de paz como de guerra. Como um elemento constitutivo do
poder marítimo, ele, da mesma forma que apóia os outros elementos, deles depende. Possui,
assim, características de mobilidade, deslocando-se prontamente a grandes distâncias em
condições de emprego; permanência, ao operar em áreas distantes por longos períodos de
tempo independentemente; versatilidade ao regular o poder de destruição infligido de
acordo com as tarefas recebidas e flexibilidade, a capacidade de se compor em grupos em
função da missão alocada70.
A questão que se apresenta é de que forma o poder marítimo e seu elemento militar, o
poder naval, foram utilizados nos períodos moderno e contemporâneo como um
instrumento eficaz da política estatal ? O modelo analítico Modelski/Thompson é uma
ferramenta interessante para essa discussão.
1.2- Os Longos Ciclos de Política Internacional. O modelo Modelski/Thompson.
69 Ibidem, p.1.2.70 Ibidem, p.1.3.
23
Ao final dos anos 80 do século passado, dois professores, George Modelski e William
Thompson71 apresentaram um modelo de análise, baseado em história serial e quantitativa,
que tinha o propósito de discutir a importância do poder marítimo nas relações
internacionais nos últimos 500 anos. A essa discussão chamaram de teoria de longos ciclos
de política internacional. Foram quatro os postulados dessa teoria destacados pelos
autores. O primeiro de que o conhecimento das capacidades de um Estado para o seu
alcance naval mundial era útil para se apontar uma classificação com os outros Estados; o
segundo de que a concentração das capacidades de alcance mundial flutuava no tempo não
aleatoriamente; o terceiro de que a capacidade de concentração estava intimamente ligada a
períodos de guerras mundiais e lutas pela liderança sistêmica; e por fim de que o processo
de concentração e desconcentração de poder era crítico e fundamental para se compreender
a estrutura da política global e as suas mudanças estruturais nos campos político, militar,
econômico e mesmo cultural72.
O objetivo desses autores era desenvolver um conjunto coerente de dados numéricos,
abarcando 500 anos, de 1494 a 1993, de modo a analisar como o poder marítimo (com
capacidade de alcance mundial) tem sido distribuído, a intensidade dessa concentração de
poder em um ou mais Estados e como os graus de concentração têm flutuado nesse período
de tempo.
Para eles, as Marinhas de guerra eram e são componentes essenciais no moderno
sistema político global. Elas são um fator político-estratégico crucial que, em conjunção
com outros fatores, tais como o econômico, social e cultural, ajudam a estabelecer os
fundamentos para as operações militares de alcance mundial. Segundo os autores, não pode
existir um sistema mundial sem alcance mundial. Somente os Estados que disponham de
Marinha de guerra superior têm no mundo moderno capacidade de aspirar e disputar a
liderança mundial73. O poder marítimo seria, então, a capacidade de usar e controlar os
mares e impedir que o inimigo fizesse o mesmo. Para os autores, esse poder é o instrumento
cuja utilização deve ter conseqüências mundiais e uma ativa participação na política global.
71 George Modelski foi professor de Ciência Política na Universidade de Washington e William Thompsonprofessor de Relações Internacionais na Escola de Graduação Claremond na Califórnia e da Universidade doEstado da Flórida. 72 MODELSKI, George; THOMPSON, William. Seapower in global politics. Seattle: University ofWashington Press, 1988, p.xi. 73 Ibidem, p.3.
24
As quatro principais funções a serem atendidas pelas marinhas de guerra são: exercer
o controle do mar e neutralizar ou destruir as marinhas adversárias; defender suas bases e
portos e atacar as bases e portos do inimigo; proteger as comunicações e comércio e atacar
as do adversário; e proteger as ligações marítimas com os aliados de modo a fortalecer
coalizões.74
Em condições de conflito mundial generalizado, por eles chamado de guerra global,
os Estados perdedores na guerra naval não poderiam vencer no nível global, mesmo que
obtivessem vitórias regionais ou mesmo continentais. Na ausência de uma guerra global, o
poderio naval de um Estado prevalente desempenharia uma função crítica na manutenção
do status quo estabelecido na guerra global anterior.
Assim, passa a ser um postulado fundamental nessa análise que o poder marítimo
(com alcance global) seja o instrumento sine qua non de ação na política internacional por
causa de sua condição necessária (mas não o suficiente) de operações intercontinentais. Os
autores mencionaram “não o suficiente” em razão de outras forças militares serem também
necessárias, principalmente por que o peso relativo do poder marítimo poderia vir a
modificar-se, inclusive com o aumento de importância da componente espacial. No entanto
reafirmaram que “na experiência do mundo moderno desde 1500 o poder marítimo tem
provado ser decisivo em facilitar a coordenação global e assim permanecerá decisivo
enquanto continuar com essa tarefa”.75 O poder marítimo deve ser percebido como superior
aos outros poderes pelas seguintes razões: por possuir maior mobilidade, permitindo acesso
a uma ampla gama de recursos; por empregar tecnologia de ponta, incentivando a inovação;
por possuir ampla visibilidade e poder simbólico e por fim por poder operar no meio
líquido em qualquer local no globo terrestre.
Ao estudarem a prevalência do poder marítimo nas relações internacionais Modelski e
Thompson levantaram questões importantes. Eles verificaram que as condições de
liderança mundial e as causas e conseqüências das grandes guerras mundiais eram
submetidos a regularidades que eram repetitivas, cíclicas e evolucionárias. Guerras
mundiais, por exemplo, podiam ser recorrentes com regularidades surpreendentes. As
potências prevalentes, também, se seguiam uma a outra, com ritmos inesperados, porém
contínuos. Isso tudo ocorria enquanto o sistema mundial, também, evoluía em direção a
74 Ibidem, p.12.75 Ibidem, p.13.
25
uma maior complexidade em um ritmo “espetacular”, segundo palavras dos autores76. A
essas regularidades, mudanças e guerras mundiais os autores designaram como ciclos
longos de política internacional. Inicialmente, torna-se necessário determinar algumas
proposições e definir expressões a serem utilizadas na análise.
A principal hipótese desse estudo fundamenta-se que, no moderno sistema mundial,
poderes mundiais são poderes marítimos que exercem o controle do mar. Essa
peculiaridade daria a esses Estados o monopólio sobre a política global. Esse controle do
mar havia sido obtido em uma guerra global e uma vez obtido provocaria uma nova ordem
mundial definida ao final daquela guerra. Essa característica não indicava, necessariamente,
domínio do mundo, por que o controle sobre o sistema global não conferiria controle sobre
todos os assuntos nacionais e regionais, entretanto conferiria uma grande parcela de
influência nos assuntos afetos às políticas internacionais.
Uma segunda proposição determinava que as mudanças na posição de liderança
mundial eram associadas com as mudanças de distribuição de poder marítimo. Dessa
maneira, haveria uma transição de um poder mundial para outro, associada a mudanças no
controle do mar. O propósito dos autores era documentar quantitativamente essas mudanças
com uma razoável margem de precisão. Enfatizaram, inclusive, que os papéis exercidos
pelo poder marítimo se estendiam além dos poderes mundiais, sendo que todos os poderes
globais, isto é aqueles Estados com significativos envolvimentos e grandes capacidades em
agir na política internacional, também eram poderes marítimos.
À frente serão definidos, com precisão, os parâmetros que conformam os poderes
mundiais e globais, no entanto pode-se inicialmente apontar o poder mundial como o
poder marítimo prevalente (e somente um) em determinado ciclo e os poderes globais,
dentro dos ciclos longos, os Estados que, mesmo possuindo grandes poderes marítimos, não
seriam fortes o suficiente para se contrapor ao poder mundial, podendo ser concorrentes ou
parceiros desse poder. Cada poder global seria uma ameaça e oponente latente à dominação
do poder mundial e potencialmente um futuro desafiante.
Os autores, em seguida, indicaram existir cinco longos ciclos, a partir de 1494 até
1993, discriminados a seguir:
Longos Ciclos e Guerras Globais.
76 Ibidem, p.15.
26
Longos Ciclos Guerras Globais Poderes Globais Participantes
I
Guerras italianas e do
Oceano Índico- 1494 a 1516
Portugal, Espanha, Inglaterra
e França.
II
Guerras holandesas e
espanholas- 1580 a 1608
Holanda, Inglaterra, França e
Espanha.
III
Guerras de Luis XIV- 1688 a
1713
Grã-Bretanha,Holanda,
França, Espanha e Rússia.
IV
Guerras Napoleônicas- 1792
a 1815
Grã-Bretanha, França,
Holanda e Espanha.
V
Primeira e Segunda Guerras
Mundiais- 1914 a 1945
Estados Unidos da América,
Grã-Bretanha, França, Rússia,
Alemanha e Japão.
Esses cinco ciclos incluem os principais poderes marítimos em atuação em cada
período. Os poderes mundiais foram apontados em negrito. Esses ciclos longos indicam,
também, duas características notáveis, as guerras globais e a questão da inovação
preferencialmente tecnológica.
Todas as guerras globais envolveram os principais Estados com papéis
preponderantes nas relações internacionais, com alcance global e foram decididamente
guerras navais, segundo os autores. As guerras globais tiveram grande interação naval por
que o sistema de relações internacionais dependia para a sua organização, de interações
intercontinentais.77 Segundo Modelski e Thompson, essas guerras foram, essencialmente,
navais por que envolviam disputas pela liderança mundial e a liderança mundial era
dependente do poder marítimo. Elas foram navais, também, por duas razões. A primeira,
que as causas de seu deflagrar foram relativas a questões envolvendo o controle do mar e
das comunicações marítimas e na segunda que no seu desenrolar, as batalhas navais e o
combate diuturno no mar foram decisivos para a obtenção da vitória. Por exemplo, no
primeiro ciclo, a Batalha de Diu (1509) apontou a vitória portuguesa sobre a esquadra
mameluca no Oceano Índico. No segundo ciclo três batalhas navais foram indicadas pelos
autores, a de Zuider Zee (1574) com o controle do mar pelos holandeses, a Terceira (1583),
com a vitória espanhola sobre os franceses e a Armada (1588), quando os espanhóis foram
77 Ibidem, p.18.
27
derrotados pelos ingleses e holandeses. No terceiro ciclo a Batalha de Hogue (1692),
quando os ingleses e holandeses obtiveram o controle do mar sobre os franceses. No quarto
ciclo, duas batalhas foram apontadas, a do Nilo e Trafalgar, com vitória britânica sobre os
franceses. Por fim, o quinto ciclo com as Batalhas da Jutlândia (1916), Pearl Harbor (1941),
Midway (1942), Normandia (1944) e do Golfo de Leyte (1944), sendo somente a primeira
na Grande Guerra e das outras quatro, três envolveram a Guerra no Pacífico e uma contra a
Alemanha na Segunda Guerra Mundial78. Para Modelski e Thompson esses grandes
encontros navais tiveram papéis fundamentais no desenrolar das grandes guerras mundiais.
O poder marítimo estava, também, definitivamente ligado à questão da inovação, em
especial, a tecnológica. Os períodos entre guerras globais foram tempos de recuperação,
consolidação e principalmente de exploração e inovação. Quando um poder mundial
obtinha a supremacia durante uma guerra global, ele trazia consigo décadas anteriores de
pesquisa e desenvolvimento tecnológico que culminaram na obtenção da vitória. Se forem
analisados esses ciclos de inovação, pode-se perceber que os poderes mundiais tiveram
papel preponderante nas inovações tecnológicas surgidas, principalmente aquelas voltadas
para a guerra no mar. Portugal, por exemplo, foi responsável pela criação da caravela em
1430, da nau em 1500, do galeão em 1515 e dos rudimentos da artilharia naval embarcada.
A Holanda destacou-se, por exemplo, com a proteção de cobre nos navios e no
desenvolvimento do mapa de Mercator em 1554. A GB com o navio de linha em 1637, a
doutrina das Fighting Instructions79 em 1653, os cronômetros em 1765 e o encouraçado
“Dreadnought”80 (1906). Por fim, os EUA com a aviação naval (1908), com a criação da
Escola de Guerra Naval nos EUA (EGN-EUA) em 1884 e com o conceito de poder
marítimo estabelecido por Alfred Thayer Mahan em 1890, a ser discutido posteriormente.
78 Ibidem, p.21.79 As Fighting Instructions eram instruções escritas elaboradas pelo Almirantado inglês aos comandantes deforças navais e navios que tinham o propósito de ordenar a manobra tática de navios e disciplinarprocedimentos comuns para os combatentes a bordo dos navios, uma vez que as esquadras vinhamaumentando em número de navios. Elas foram estabelecidas durante a Primeira Guerra Anglo-holandesa.Daquele momento em diante, os navios não lutariam mais como unidades independentes, mas como unidadestáticas ou grupo de navios. Fonte: KEMP, Peter. History of the Royal Navy. London: Arthur Barker Limited,1969, p.29. 80 O encouraçado do tipo “Dreadnought” foi o primeiro navio de seu tipo a utilizar turbinas, possuindo maiorcapacidade de artilharia com dez canhões de 12 polegadas em cinco torretas duplas, maiores velocidades egrande deslocamento, atingindo até 20.000 toneladas. Foi lançado ao mar e completado em apenas 11 meses,tendo sido uma grande novidade para a época. A partir do “Dreadnought” os encouraçados passaram a ser“Pré-Dreadnought”, “Dreadnought” e “Super-Dreadnought”. Fonte: Ibidem, p.172.
28
Dessa maneira, a inovação, cuja ponta de lança foi a tecnológica, esteve sempre ligada aos
poderes mundiais prevalentes nos ciclos longos de política internacional.
1.2.1- Parâmetros escolhidos para as séries do modelo Modelski/Thompson:
Uma pergunta foi levantada pelos autores. Qual ou quais parâmetros seriam os mais
indicados para se compor séries quantificáveis que retratassem, com a maior exatidão,
informações referentes ao poder marítimo dos Estados apontados inicialmente durante o
lapso de tempo de 500 anos ? Eles tinham consciência de que muitas das informações
coletadas no passado continham discordâncias evidentes, ou por dificuldades de obtê-las ou
por diferenças nos métodos de coleta, no período considerado.
Afinal, o que seria mais significativo para a mensuração do poder marítimo, o número
de navios de guerra ou o volume de bens transportados pelos navios mercantes? O poder
marítimo, por congregar muitos elementos distintos, trazia, por si só, dificuldades de
comparação e mensuração. Esses foram problemas percebidos pelos autores que, após
análise detalhada, resolveram estudar quatro parâmetros que lhes pareceram de mais fácil
controle e representatividade do que fosse um poder marítimo. Com esses quatro
parâmetros se poderia obter dados que teriam relevância na percepção relativa dos poderes
comparados e nessa análise a comparação entre Estados era o fulcro a ser discutido.
Chegou-se, então, aos seguintes parâmetros a serem analisados: gastos em construção
naval; gastos estatais nas atividades navais de modo geral; número de marinheiros
engajados em atividades de combate e por fim no número de navios de guerra constituintes
das esquadras de batalha.
Inicialmente, os autores perceberam que a composição de dois ou mais parâmetros
seria desaconselhável pela complexidade de se trabalhar com duas variáveis seriais.
Descartou-se, em princípio, gráficos com dois parâmetros e focalizou-se a análise em
apenas uma variável.
O primeiro parâmetro, gastos em construção naval, começou a ser pesquisado.
Percebeu-se, de início, que as informações disponíveis sobre construção naval eram muitas
vezes conflitantes entre si. Em muitos países os dados simplesmente não existiam ou
estavam incompletos. Os gastos em construção naval, obtidos dos orçamentos dos
29
diferentes Estados, refletiam esforços em melhorar a capacidade de combate da Marinha,
esposando os incrementos de melhoria e não as capacidades fundamentais já
estabelecidas.81 Assim, comparar dados incompletos e sem um valor básico de referência
traria erros não controlados nas séries históricas. Preferiu-se, então, abandonar esse
parâmetro por falta de rigor numérico e pela falta de dados confiáveis disponíveis.
O segundo parâmetro eram os gastos estatais em atividades navais. Esses dados
estavam disponíveis com certa facilidade, no entanto alguns problemas surgiram durante a
pesquisa. O primeiro, que os orçamentos de diferentes países não eram comparáveis, pois
os gastos em salários poderiam ser significantes em alguns Estados e em outros não, além
disso, as categorias orçamentárias por rubricas podiam não significar a mesma coisa em
países diferentes, por exemplo em algumas rubricas de um país A) os gastos podiam incluir
custos com munição, pensões para veteranos e gastos navais nas colônias, enquanto no país
B) tais gastos não eram considerados. O segundo problema era a dificuldade de se
estabelecer os gastos totais de certos anos, uma vez que, em alguns anos específicos, os
próprios governos dos Estados considerados tiveram dificuldades em determinar, com
exatidão, os reais gastos com atividades navais. Em muitos casos, como por exemplo, os
gastos navais alemães no período nazista a partir de 1938, foram propositadamente
“maquiados”, de modo a ocultar programas que não deveriam ser do conhecimento de
outros Estados. O terceiro problema constatado foi a dificuldade de se empregar índices
inflacionários nos diferentes Estados desde 1494 até 1993 e a obrigatoriedade de se
comparar os câmbios praticados entre países, de modo a se obter informações confiáveis e
comparáveis, com pelo menos alguma margem de segurança. Isso se tornou tarefa de difícil
contextualização. Todos esses problemas fizeram com que esse parâmetro ficasse
comprometido, no entanto, não deveria ser totalmente descartado, pois em certas situações,
como por exemplo, entre 1816 e 1938 nesses Estados, as informações poderiam ser
computáveis, logo pertinentes. Quando o analista tivesse pleno controle dos orçamentos
navais, como no período de tempo entre 1816 e1938, certamente esses dados seriam úteis.
O terceiro parâmetro analisado foi a quantidade de marinheiros disponíveis para as
ações de combate. O primeiro problema que surgiu foi que, em diversos períodos
históricos, os principais Estados analisados apresentaram claros significativos em suas
81 Ibidem, p.29.
30
Marinhas de guerra, embora mantivessem o predomínio naval nesses períodos. Assim, não
havia correlação direta de poder com o número de combatentes disponíveis. Outro fator
negativo é que não se poderia exigir a máxima capacidade de combate de um navio do
século XVIII que requeria 400 homens, contando com apenas 200, no entanto dois séculos
depois, essa avaliação não poderia seguir a mesma lógica. Um navio que agregasse maior
tecnologia contaria com menos homens para o combate, aumentando, muitas vezes, a
capacidade de combate, apesar de contar com menos tripulantes. A tecnologia naval
mudara a percepção desse parâmetro como indicador do poder marítimo, dessa maneira
resolveu-se abandonar essa variável pela dificuldade de se trabalhar com percepções
diferentes nos períodos históricos considerados.
Por fim, o último parâmetro analisado foi o número de navios componentes das
esquadras de batalha. Nesse parâmetro levou-se em consideração, inicialmente, o chamado
“navio de linha”, isto é o navio componente da linha de batalha a partir do século XVII com
maior poder de fogo, representado pelo grande número de canhões a bordo. Para o
historiador Geoffrey Symcox os navios menores como fragatas e corvetas, com menos
canhões, não compunham a linha de batalha e assim não poderiam contar como ameaças a
qualquer contendor, afirmando que “o real poderio de uma força naval do final do século
XVII veio do reconhecimento do número de navios de linha que ele congregava; os tipos
menores não contavam”.82 Os rivais não estavam realmente preocupados com quantos
navios os competidores possuíam, mas sim com o número de navios de linha que eles
poderiam compor a linha de batalha.83 Deve ser mencionado ainda que, a partir da Primeira
Guerra Anglo-holandesa, com o estabelecimento das Fighting Instructions pelos ingleses
em 1653, os navios de linha passaram a compor a linha de batalha em coluna, com um
navio atrás do outro, para melhor coordenação e passaram a ser o centro dos combates
navais a partir de então. Essa postura tática permaneceu até a Primeira Guerra Mundial,
sendo o navio de linha de madeira substituído pelo encouraçado de ferro no século XIX,
passando a ser chamado de ‘navio capital’ a partir do século seguinte.84
82 SYMCOX, Geoffrey. The crisis of French Sea Power, 1688-1697. Hague: Martinus Nijhorff, 1974, p.36;83 MODELSKI, THOMPSON, op. cit., p.35.84 Segundo Bernard Brodie o termo “navio capital” surgiu oficialmente pela primeira vez no Tratado deWashington de 1922, possivelmente derivado do desenvolvimento do cruzador de batalha, distinto doencouraçado, no entanto comparável a ele. Fonte: BRODIE, op. cit., p.41.
31
A dificuldade de se conseguir dados quantificáveis, como nos parâmetros anteriores,
não existia nos casos de navios de linha. As Marinhas mantinham arquivos relativamente
bem conservados. Muitos dos dados disponíveis, no entanto estavam espalhados e muitas
vezes as informações, embora existentes, eram dúbias. A questão dos analistas passou a ser
a de obter o que era efetivamente o real. O número total de navios de linha disponíveis
poderia escamotear o real número de navios aptos para o combate, pois muitos navios de
linha poderiam compor os quadros numéricos, no entanto poderiam estar indisponíveis por
avarias ou mesmo estar em reserva, por falta de marinheiros para guarnecê-los. Quanto
mais se recuava no tempo, mais insidiosas eram as informações disponíveis. Os arquivos
estatais deveriam ser complementados por informações derivadas dos historiadores navais
que, normalmente, tendiam a analisar as táticas em batalhas e as operações navais, ao invés
do número de navios de combate disponíveis nos Estados. Além disso, esses poucos
historiadores que mencionavam dados estatísticos de navios demonstraram grande
ambivalência com esses dados, ora aumentando ora diminuindo informações anteriormente
mencionadas. Alguns historiadores não mencionavam em seus trabalhos que tipos de
navios foram empregados em determinadas ações, o que dificultava a correta contagem dos
navios de linha por parte dos autores. Outro problema encontrado com os trabalhos de
alguns historiadores navais era a falta de interesse em períodos em que reinou a paz no mar
e a falta de interesse em atores navais menores, por se concentrarem nas Marinhas com
maior destaque, principalmente a Marinha britânica, com maior número de trabalhos
acadêmicos.
Apesar dessas dificuldades, Modelski e Thompson acreditaram que esse parâmetro
era o mais adequado para a medição do poder marítimo, pois as dificuldades apresentadas
poderiam ser suplantadas com a comparação entre os dados arquivísticos e as informações
coletadas de historiadores proeminentes, além de boa dose de bom senso. Os critérios para
as escolhas dos navios de linha serão apresentados posteriormente.
Como afinal definir o que era um poder mundial e um poder global ? Deve ser
enfatizado que, para cada período histórico, existia apenas um poder mundial e alguns
poderes globais. Por ser um dado arbitrário, os autores resolveram estabelecer para o poder
mundial aquele Estado que possuísse pelo menos 50% da capacidade naval total, isto é, do
número total de navios de linha, naquele ano, ou 50% dos orçamentos totais navais, quando
32
os dados coletados fossem confiáveis, tendo capacidade de se projetar em todos os mares
sob disputa, enquanto um poder global seria aquele Estado que possuísse pelo menos 10%
do total de navios de linha naquele ano ou 5% dos orçamentos totais navais, quando os
dados fossem confiáveis. Nesse caso o poder global deveria demonstrar uma capacidade de
se projetar além de sua região marítima, com interesses oceânicos.85
Outro critério estabelecido pelos autores enfatizou que os Estados que galgassem o
status de poder global, entre os anos de guerras globais, seriam tratados como atingindo
esse status na conclusão da guerra global precedente. Sua retirada desse grupo se daria ou
por derrota decisiva ou pela exaustão de seus recursos na guerra global. Os autores
perceberam que historicamente os poderes globais não desapareceriam da noite para o dia,
se não sofressem uma derrota devastadora. Outro critério estabelecido foi que, uma vez
obtido o status de poder global, ele permaneceria nessa situação até ser derrotado ou ver-se
exaurido na guerra global e não se qualificando como poder global no período pós-guerra
global.86
Por ser uma análise que requer muita intuição e subjetividade dos autores,
principalmente na análise arquivística e de dados emanados de historiadores navais de
diferentes países, com particularidades lingüísticas e documentais diversas, resolveu-se
estabelecer oito corolários a serem seguidos na coleta e discussão dos dados quantitativos
para o estabelecimento das séries nos longos ciclos.
O primeiro estabeleceu que seria dada preferência às fontes que provessem dados de
anos múltiplos, em oposição às fontes que oferecessem dados por apenas um ou poucos
anos. O segundo, seria dado preferência às fontes que fossem corroboradas por outras. O
terceiro, que seria dado preferência às fontes que fossem orientadas, explicitamente, para a
história da administração naval estatal, em oposição às fontes que tratassem de história
geral sobre batalhas navais. O quarto, que seriam tratadas com cautela as fontes que
indicassem mudanças abruptas em breves períodos de tempo, sem estar fundamentadas em
dados disponíveis em perdas nas batalhas navais, ou prioridades em construção naval
emergencial. O quinto, que seriam tratadas com cautela fontes que fossem contraditórias,
ou que não discriminassem como os dados foram obtidos. O sexto, seria dado preferência
às fontes que discriminassem os navios realmente em atividade de combate, além daquelas
85 MODELSKI,THOMPSON, op. cit,. p.44.86 Ibidem, p.45.
33
que mencionassem explicitamente os tipos de navios, número de canhões a bordo e sua
classificação. O sétimo, seria dado preferência às fontes governamentais ou quase-
governamentais que discriminassem dados sobre orçamentos navais, com suas rubricas
específicas, na moeda original do Estado. Por fim, o oitavo corolário especificava que
quando houvesse dúvida em qualquer dado disponível, não se deveria completar as lacunas
com qualquer informação disponível. Se houvesse confiança nos dados extremos da
interpolação, se poderia presumir o dado a ser obtido, mas somente nesse caso.87
1.2.2- Regras para a contagem de navios de 1494 a 1860.
Os autores resolveram dividir em quatro fases o desenvolvimento dos navios de
guerra a serem tomados como referência. A primeira fase, iniciando em 1494 até 1654, a
chamada era do pré-navio de linha; a segunda de 1654 a 1860, a era do navio de linha; a
terceira de 1861 a 1945, a era do encouraçado e por fim a quarta de 1946 até os dias atuais,
a chamada era do porta-aviões e submarino88.
O período de 1494 a 1654 caracterizou-se pelo declínio da galera89 como principal
navio de guerra e a emergência de navios especiais à vela, principalmente usados na difícil
navegação do Atlântico. Tendo em vista a falta de informações disponíveis e a ausência de
um modelo comparativo para se determinar qualificações especiais ao que seria um navio
de guerra, os autores propuseram considerar como tal qualquer navio armado à vela,
pertencente ou mantido pelo Estado.
Esse período assistiu a três grandes embates, a luta entre as dinastias Habsburg e
Valois, a resistência européia à expansão otomana e as lutas entre católicos e protestantes,
já na segunda metade do século XVI, fazendo com que a guerra naval se concentrasse no
Mediterrâneo e na chamada rota dos Flandres ou no Canal da Mancha e costa das
Províncias Unidas. Embora tenham tido alguma relevância as expansões para o Novo
Mundo, África e Ásia naquele período, sua importância veio a crescer posteriormente, já no
século XVII.
87 Ibidem, p.49.88 Ibidem, p.50.89Galera era um navio construído especificamente para lutar e propulsado em combate por remos.Fonte:POTTER, op.cit., p.1.
34
Deve ser mencionado, também, que o verdadeiro navio à vela de guerra só realmente
adquiriu importância no século XVII, sendo que os navios de combate eram mercantes que
recebiam canhões e os encontros de artilharia não eram ações predeterminadas, só vindo
isso a acontecer nesse século. Além disso, poucas Marinhas de guerra regulares existiam e
as existentes estavam ainda em estágio embrionário. Somente Portugal e Inglaterra
mantinham Marinhas regulares. O caso da Espanha também foi emblemático. Embora
possuísse uma razoável quantidade de navios à vela que poderiam se transformar em navios
de guerra (a maioria era pertencente a particulares), uma grande proporção de suas energias
estava voltada para o Mediterrâneo, onde predominavam as galeras movidas a remos,
inapropriadas para as navegações oceânicas afastadas da costa. O início do estabelecimento
de uma Marinha de guerra realmente espanhola teve que aguardar a União Ibérica em 1580,
a rebelião apoiada pela França nos Açores e a necessidade de se combater os corsários
ingleses e os “mendigos do mar” holandeses90 para se concretizar.
As fontes primárias relativas à contagem de navios no século XVI consultadas pelos
autores foram extensas, abarcando os seguintes números: para Portugal, uma fonte de autor
de 192691 foi considerada precisa e confiável; para a Inglaterra foram consideradas 16
fontes, sendo a mais antiga de 1800 e a mais moderna de 1979; para a Espanha 13 fontes,
sendo a mais antiga de 1898 e mais moderna de 1976; a França com cinco fontes primárias,
a mais antiga de 1888 e a mais moderna de 1950 e por fim para o caso holandês nove
fontes, a mais antiga de 1869 e mais moderna de 1974. Os critérios de escolha dos números
para a composição das séries foram os estabelecidos no item anterior. Chegou-se, então, à
tabela apresentada no Anexo A), abarcando o período de 1494 a 1654.
O período que se segue, de 1655 a 1860 começa no fim da primeira Guerra Anglo-
holandesa que testemunhou o desenvolvimento da tática de coluna como um método
eficiente de concentrar a artilharia de bordada92 contra os inimigos. De 1655 até 1690 houve
90Os “mendigos do mar”, pejorativamente chamados por um cortesão espanhol da corte de Margarida deParma, quando os nobres das Províncias Unidas foram a Bruxelas solicitar a abolição da Inquisição e oabrandamento das medidas contra os protestantes. Como eles carregavam alforjes e canecas como mendigos,foi dito que deveriam ser tratados como mendigos. Nesse mesmo dia, em um banquete em que se reuniramesses mesmos holandeses menosprezados pelos espanhóis, proclamaram-se “mendigos”, como forma decontestar as ações espanholas e incrementar a rebelião contra os ibéricos. Fonte: STEVENS, WESTCOTT,op.cit., p.126.91 Trata-se do livro Os Portugueses no Mar: Ementa histórica das naus portuguesas, vol 1 de HenriqueQuirino da Fonseca de 1926.92 Bordada é a artilharia disparada das laterais dos navios. Chama-se isso de tiro de bordada.
35
um aumento considerável no número de canhões nos navios e esse fato pode ser
interconectado com as três Guerras Anglo-holandesas desse período. Essas três guerras
ocorreram entre 1652 e 1654, 1665 e 1667 e 1672 e 1674 e marcaram a emergência da
Inglaterra como uma potência mundial. O historiador inglês James Rees Jones afirmou
sobre esses confrontos o seguinte:
Enquanto a tese de que os ingleses lutaram essas três guerras com oprincipal objetivo de obter o domínio do comércio europeu necessitamelhor qualificação, está claro que os holandeses estavam lutando paraproteger e conservar o comércio do qual a Holanda e a Zeeland dependiaminteiramente. Sob o ponto de vista holandês essas guerras forammarcadamente defensivas: sobrevivência era o principal propósito e nãoexistia nenhuma esperança de que eles fossem vencer.93
Os desafiantes ingleses introduziram progressivamente um maior número de canhões
em seus navios, provocando um aumento excessivo de calado, o que, de uma certa maneira,
auxiliou os holandeses na terceira guerra contra os ingleses, quando possuíam navios com
menores calados, facilitando as fugas para as costas holandesas, dotadas de baixios e pouca
profundidade. Os batavos procuraram, também, equipar seus navios com muitos canhões,
de modo a ter igualdade de condições no confronto com esses inimigos.
A escalada do aumento da artilharia a bordo provocou a criação do navio de linha e a
hierarquização desses navios em seis classes, segundo classificação inglesa. Elas eram as
seguintes: o de 1a classe possuía 90 ou mais canhões. O de 2a classe entre 80 e 90 canhões,
seguindo-se de 3a classe entre 50 e 80, 4a classe entre 38 e 50, 5a classe 18 e 38, e por fim 6a
classe com menos de 18 canhões, as chamadas chalupas94.Somente as quatro primeiras
classes compunham a linha de batalha. Os franceses e holandeses possuíam outro tipo de
classificação, no entanto uma correspondência com o sistema inglês pôde ser realizada, o
que não veio a afetar nem a quantificação nem a classificação desses navios de linha, assim
os autores resolveram estabelecer que entre 1655 e 1670 todos os navios de guerra com 30
ou mais canhões deveriam ser computados. Entre 1671 e 1690 esse número aumentou para
40 canhões. Depois de 1691 até 1756, o número mínimo de canhões em um navio de linha
93 JONES, James Rees. The anglo-dutch wars of the seventeenth century. London: Longman, 1996, p.11.94 PEMSEL, Helmut. A history of war at sea. Annapolis: Naval Institute Press, 1989, p.49.
36
deveria ser de 50 e por fim entre 1757 e 1860 poderia atingir o número mínimo de 60
canhões.95
Uma vez definidos esses parâmetros, foi montada a tabela constante do Anexo B),
com a distribuição numérica dos navios de linha dos poderes globais entre 1655 e 1860.
1.2.3- Regras para a contagem de navios entre 1861 a 1945.
Ao final dos anos cinqüenta do século XIX o navio de linha de madeira transformou-
se em um grande anacronismo, em virtude da criação de granadas explosivas e de proteções
de ferro, as couraças, que dariam margem à construção dos navios encouraçados. Surgiam
os torpedos, as minas e voltava-se a utilizar o esporão96 como instrumento de combate, um
claro retorno ao combate da galera. Inovações na construção naval deram lugar a
emergência de um novo navio de linha, o encouraçado de aço e não mais de ferro.
Máquinas alternativas substituíram o vento como meio de propulsão, fazendo com que os
navios não precisassem procurar o vento para o deslocamento, dando maior flexibilidade
aos navios de guerra.
Alguns problemas, no entanto, apareceram com respeito a contagem dos
encouraçados, pois algumas Marinhas do período eram compostas de diferentes tipos dessa
classe, fazendo a comparação difícil e incerta dentro da própria Marinha, imagine-se entre
Marinhas de diversos Estados. Muitos desses encouraçados tornaram-se obsoletos
rapidamente e outros não eram nem mesmo capazes de serem chamados de oceânicos, uma
vez que tinham tarefas tipicamente costeiras.97
Com o propósito de resolver esse problema os autores se valeram de uma publicação
lançada em 1979 que representou um esforço para catalogar as diferentes classes de
encouraçados no período de 1861 a 187998, crítico pela dificuldade em se distinguir os
diferentes tipos de encouraçados, antes do advento de outras duas publicações anuais que
finalmente explicitaram, de modo definitivo, as diversas classes de encouraçados e de
95 MODELSKI/THOMPSON, op. cit., p.66.96 A massa do navio aliada à velocidade de aproximação poderia levar o navio atacante a afundar o navioinimigo pelo impacto de seu esporão localizado na proa sobre o casco adversário. Fonte: ALBUQUERQUE,op. cit., p.112.97 MODELSKI/THOMPSON, op. cit., p.73.98 Os autores aqui se referiram ao Conway´s All the World´s Fighting Ships,1860-1905 de autoria de RogerChesneau e Eugene Kolesnik de 1979 publicado pela Mayflower Books.
37
outros tipos de navio de modo geral99. A tabela, que lista a distribuição numérica dos
encouraçados dos poderes globais entre 1861 e 1879, está apresentada no Anexo C).
Surgiram, desse modo, as classes de encouraçados, como na época dos navios de
linha de madeira, podendo ser de primeira, segunda e terceira classes, sendo essas duas
últimas classes formadas de encouraçados guarda-costas com pequena capacidade de
combate100. Os autores se fixaram, para a formação das séries, em encouraçados de primeira
classe entre 1879 e 1913.
Essa escolha terminou no ano de 1913, em virtude da criação dos novos encouraçados
tipo “Dreadnought”, que vieram a modificar completamente a percepção e o uso dos
grandes navios com maiores velocidades, maior poder de fogo, maiores couraças e novas
tecnologias. Assim, foi montada no período de 1880 a 1913 uma série com encouraçados
“pré-Dreadnought”, uma vez que, com o advento da guerra em 1914, tornou-se claro que
esses navios eram inferiores em capacidade de combate que os modernos “Dreadnought” e
que os ingleses estimavam que os “pré-Dreadnought” alemães só teriam capacidade de
oferecerem resistência aos seus “Dreadnought” por apenas cinco minutos.101 Dessa forma,
foi criada nova série, com a distribuição numérica de navios “Dreadnought” dos diversos
poderes globais, iniciando-se em 1906, ano de construção do “Dreadnought” até 1945.
Em adição à regra de 5% dos orçamentos navais totais, o critério mínimo para ser
considerado uma potência global seria a posse de pelo menos três encouraçados
classificados como de primeira classe em 1895. Esse número os autores estabeleceram
arbitrariamente, correspondendo a cerca de 5% dos encouraçados de primeira classe
durante os anos noventa do século XIX. Uma vez que não houve guerras globais entre 1816
e 1913 esse critério foi aplicado apenas a candidatos ao status de poder global. A série,
correspondendo à distribuição numérica dos encouraçados “pré-Dreadnought” pelos
poderes globais entre 1880 e 1913, está apresentada no Anexo D), enquanto a série que
corresponde a distribuição numérica dos encouraçados “Dreadnought” pelos poderes
globais entre 1906 e 1945 está apresentada no Anexo E).
99 Os autores se referiram nesse caso aos muito conhecidos Brassey´s Naval Annual, editados pela J.Griffinand Co, com tiragens anuais e o Jane´s Fighting Ships, editado pela Sampson and Low, também com tiragemanual. O Jane´s como é chamado no mundo naval até hoje é considerado o melhor anuário de navios deguerra do mundo, sendo uma referência da maior parte das Marinhas de guerra em atividade. 100 MODELSKI/THOMPSON, op.cit. p. 74.101 Ibidem, p.76.
38
A partir de 1816 foi possível obter dados de orçamentos com alguma confiabilidade,
principalmente da GB, França, Rússia, EUA, Alemanha e Japão. Os dois últimos a partir de
1871 e 1875, respectivamente. A partir de 1938 os dados começaram a mostrar
inconsistências devido a aproximação com a guerra que se definia no horizonte, preferindo
os autores se pautar apenas no critério de navios de linha e encouraçados para o
estabelecimento do poder relativo entre os poderes globais.
Os autores com esses dois parâmetros definidos, a contagem de navios e os
orçamentos navais totais, resolveram construir um modelo composto para a medição dos
poderes marítimos utilizando o percentual relativo de navios de linha e encouraçados para
cada Estado e o percentual relativo dos orçamentos totais navais, dividindo ambos os
valores percentuais por dois, de modo a obter dados mais próximos da realidade quanto
possível. Os valores dos orçamentos navais dos Estados foram transformados em libras
esterlinas inglesas de 1913, depois de se corrigir as distorções motivadas pela inflação
interna de cada Estado102. A tabela com os valores orçamentários navais estatais dos
poderes globais entre 1816 e 1938, está apresentada no Anexo F).
Os autores prosseguiram com seu modelo para a situação pós-1945, ao apontar a
substituição do encouraçado como navio capital pelos porta-aviões e submarinos que
tiveram maior proeminência durante a Segunda Guerra Mundial. O próprio encouraçado já
mostrara sua fragilidade no início dos anos 20, quando o General Billy Mitchell o atacou
com aviões e o neutralizou, no entanto a perda de seu prestígio ocorreu durante a guerra de
1939 a 1945. Nessa guerra, inclusive, ficou evidenciada a importância da arma aérea na
guerra no mar.
Para efeito dessa investigação, pretende-se interromper a análise do modelo
Modelski/Thompson no ano de 1945, de modo a se manter dentro do espectro temporal
determinado anteriormente.
Com os dados já disponíveis, pode-se, utilizando o modelo Modelski/Thompson,
construir as séries referentes aos longos ciclos de política internacional, tendo como base o
poder marítimo de cada poder global a partir de 1494 até 1945.
1.2.4- Os ciclos longos de política global.
102 Ibidem, p.79.
39
Os ciclos longos de política global referem-se a processos de flutuação na
concentração de capacidades de alcance global que provê a base para a liderança do mundo,
não omitindo que o poder marítimo foi e continua sendo, segundo os autores, a base para se
ter alcance global. Com esse fundamento estabelecido, pode-se responder a três
questionamentos, de acordo com os autores. O primeiro, quais e quando os Estados se
qualificariam como poderes mundial e globais ? O segundo, existiria uma flutuação de
longo ciclo no qual o poder marítimo de determinado Estado prevalente se consolidaria
com uma guerra global ? O terceiro, no caso de uma relativa concentração e
desconcentração de poderes, o que ocorreria por ocasião de outra guerra global ?
Para se responder aos três questionamentos aprazados, há a necessidade de se retornar
às fases apontadas de guerras globais (1494-1516; 1580-1608; 1688-1713; 1792-1815 e
1914-1945), uma vez que essa é a hipótese básica do processo analítico dos ciclos longos.
Os poderes mundial e globais entrariam no sistema político internacional demarcados por
guerras globais sucessivas. Nos períodos de guerra global haveria uma mudança de
concentração de poder marítimo e a transformação de um poder global em mundial.103
Como observado, para um Estado se qualificar como poder global necessitaria dispor
de determinado número de navios de linha e capitais e ter um alcance naval global. Podem,
assim, ser identificados nove Estados se qualificando como poderes globais a partir de 1494
até 1993. São eles, Portugal, Espanha, Inglaterra e França, como iniciantes do concerto
mundial; as Províncias Unidas (Holanda) a partir de 1579, por ter se estabelecido nesse ano
como unidade política efetiva. A Rússia entraria a partir de 1714 devido ao esforço de
Pedro, o Grande, em estender o poder russo além fronteiras. O próximo entrante seria os
EUA, a partir de 1816, o que pareceria prematuro à primeira vista, segundo os autores, no
entanto, pelos critérios estabelecidos, a entrada de novo poder global se daria ao final de
um ciclo de guerra global, no caso específico terminando em 1815, não importando o ano
preciso em que os EUA atenderiam aos dois requisitos apontados. A Alemanha entraria a
partir de sua unificação em 1871 e o Japão, que só iniciou sua abertura para o resto do
mundo a partir de 1850, daí essa data especificada pelos autores, ter sido a escolhida.104
103 Ibidem, p.97.104 Ibidem, p.98.
40
Como anteriormente discutido, o atributo fundamental de um poder mundial era
controlar 50% ou mais do poder naval total, ao fim de uma fase de guerra global. Entre
1494 e 1993 as concentrações com 50% ou mais de poder marítimo ocorreram em 156
anos, conforme tabela apresentada no Anexo G) e no quadro abaixo.
ANOS EM QUE HOUVE 50% OU MAIS
CONCENTRAÇÃO DE PODER MARÍTIMO
ESTADO CONTROLADOR DE MAIS DE 50%
DO PODER MARÍTIMO 1494 INGLATERRA
1502-1544 PORTUGAL1594-1597 ESPANHA1608-1619 HOLANDA
1624 HOLANDA1632-1633 HOLANDA1635-1636 HOLANDA1640-1642 HOLANDA1719-1723 GRÃ-BRETANHA1809-1812 GRÃ-BRETANHA1814-1834 GRÃ-BRETANHA
1843 GRÃ-BRETANHA1854-1857 GRÃ-BRETANHA
1861 GRÃ-BRETANHA1868-1869 GRÃ-BRETANHA1880-1881 GRÃ-BRETANHA1889-1890 GRÃ-BRETANHA
1944 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
41
Um fato interessante observado pelos autores é que se forem retirados o ano de 1494 e
o período de 1594 a 1597, todos os anos restantes estão de acordo com as fases de guerras
globais e com os anos que se seguem, conforme apresentado abaixo:
Poderes mundiais e grupos de grande concentração de poder naval
Fases de guerra global Grupos de anos com
concentração maior ou igual
a 50%
Poderes Mundiais
1494-1517 1502-1544 Portugal1580-1608 1608-1619; 1624; 1632-1633;
1635-1636; 1640-1642.
Holanda
1688-1713 1719-1723 Grã-Bretanha1792-1815 1809-1812; 1814-1834;
1843;1854-1857; 1861; 1868-
1869; 1880-1881; 1889-1890
Grã-Bretanha
1914-1945 1944 Estados Unidos da América
Nessa tabela 145 anos se encontram dentro da fase de guerra global ou dentro dos
imediatos 35 anos pós-guerra global. Ainda na tabela acima, pode-se perceber que após a
fase de guerra global, 1494 –1517, Portugal emergiu como o poder mundial até 1544,
seguindo o modelo proposto. A Espanha, no período entre 1594 e 1597, procurou recuperar
o seu poder naval afetado pelo fiasco da Armada e das guerras contra as Províncias Unidas.
Na década seguinte o seu declínio passou a se acentuar. A Holanda, após o período de
1580-1608 emergiu fortemente como o poder mundial, seguindo o padrão estabelecido
pelos autores. Pode se perceber pelas tabelas acima e pelo Anexo G) que a Holanda sempre
teve adversários (poderes globais) que desafiaram essa hegemonia, nos casos específicos a
Inglaterra e a França posteriormente.
42
O caso da emergência da Inglaterra no período pós-guerra global de 1688 a 1713 e
sua constituição como poder mundial somente no espaço de quatro anos (1719 a 1723)
pode parecer anacrônico, no entanto não o é, segundo os autores. Pode se perceber que as
suas concentrações gravitaram em torno de 0.47 como média, com valores como 0.441 e
0.522, isto é, altos.
Na discussão do período pós-guerra 1792-1815 a GB continuou exercendo, em
períodos diversos, o seu papel de poder mundial, mantendo altas concentrações de poder
em períodos em que não exercia esse papel, com valores sempre acima de 0.4, com exceção
dos anos de 1899 a 1901, 1906 a 1909, 1912-1913, fruto da competição naval com uma
emergente e ameaçadora Alemanha, conforme pode ser observado no Anexo G).
A partir de 1916, pode se ainda perceber um predomínio do poder global da GB (ver
Anexo G) até 1919, quando foi ultrapassada pelos EUA com índice 0.448, no entanto foi a
partir de 1944 que o índice 0.5 foi atingido por esse último país. A partir de 1919 os EUA
não mais perderiam a supremacia naval para nenhum contendor, segundo o modelo
Modelski/Thompson.
Tendo como base a tabela constante do Anexo G), pode-se discutir os quatro ciclos
longos de poder105, confrontando o modelo teórico com a historiografia corrente, de modo a
se verificar a pertinência dessa teoria de ciclos longos como instrumento de análise. Devido
a limitações de ordem cronológica, não será discutido o quinto ciclo longo que se iniciou
em 1914, no entanto o período inicial deste ciclo será abordado de modo a se atender a
limitação metodológica e cronológica até o ano de 1945.
1.3- Os quatro ciclos longos de poder marítimo:
O modelo Modelski/Thompson aponta o primeiro ciclo longo se iniciando em 1494,
prosseguindo até o período de conflitos entre 1580 e 1608. Como marco inicial foram
consideradas as guerras italianas e as guerras do Oceano Índico entre portugueses e árabes,
105 Para que haja coerência na análise, pretende-se utilizar a nomenclatura dos dois criadores do modelo deciclos longos que cunharam a expressão “distribuição proporcional de navios de guerra dos poderes globais”constante no Anexo G) como fontes primárias de poder marítimo. Assim, os autores correlacionaram os cicloslongos de política internacional com ciclos longos dos próprios poderes marítimos dos poderes globais,conforme apresentado anteriormente. Dessa maneira a escolha e a utilização da expressão “ciclos longos depoder marítimo” não compromete o entendimento do modelo apresentado.
43
abarcando o período de 1494 a 1516. Os principais contendores nesse período foram
Portugal, Espanha, Inglaterra e França, vindo posteriormente as Províncias Unidas.
Os fatores motivadores dessas guerras foram a entrada francesa sob o reinado de
Carlos XII na Itália e a projeção portuguesa em direção ao Mar Índico, confrontando-se
com os árabes. Dos principais contendores, Portugal se destacou por ter atingido o índice
0.5 a partir de 1502 até 1544, assim o que se apresenta na curva é a regularidade do modelo
português, com picos marcantes em 1502, auge dos descobrimentos e depois 1509 no
astronômico valor de 0.679. Após 1544 manteve índices acima de 0.4 até 1561. A partir
dessa data, a Inglaterra começou a querer se igualar com esse país ibérico, embora na maior
parte se mantivesse com índices abaixo do português. Em 1580 houve a União Ibérica e o
poder marítimo espanhol, acrescido do português, passou a ser o de maior relevância.
Primeiro ciclo longo de poder marítimo, correspondendo ao predomínio ibérico.
A França manteve-se sempre com índices baixos, em torno de 0.1, o que demonstra
que naquela ocasião ela não ameaçava os principais contendores que, de 1580 em diante,
44
passaram a ser Inglaterra e Espanha. A partir de 1579, as Províncias Unidas começaram a
surgir no horizonte como uma ameaça longínqua, porém constante, aos principais poderes
marítimos, principalmente ao espanhol. Percebe-se, também que os autores agregaram aos
índices do poder marítimo português os valores espanhóis em uma mesma curva,
modificando a notação para a Espanha como o novo poder mundial, surgindo inclusive,
como seria natural, um aumento do índice espanhol significativo entre 1594 e 1597. Um
fato curioso é que mesmo depois da derrota da Armada em 1588 o poder marítimo espanhol
manteve seu predomínio, inclusive com outras tentativas de invasão da Inglaterra, uma
delas em 1597 que resultou em novo fracasso. Nessa ocasião, as tempestades destruíram 28
navios espanhóis, provocando a célebre frase de Felipe II de que Deus os castigava pelos
seus próprios pecados.106
Ao se discutir os motivos que levaram Portugal a ser o primeiro Estado a ascender ao
título de poder mundial no primeiro ciclo de poder marítimo do modelo
Modelski/Thompson, alguns fatores logo ressaltam na análise.
Segundo Therezinha de Castro, caberia a Portugal o papel de pioneiro do
expansionismo moderno.107 Seu núcleo geo-histórico108 era formado pelo Condado
Portucalense, espremido a partir de uma região montanhosa a leste, justificando uma
vocação marítima natural do povo lá estabelecido, com variáveis similares à expansão dos
fenícios na Antiguidade. Esse condado, segundo a autora, era localizado em região de redes
fluviais paralelas e tributárias do Atlântico, motivando interesses culturais semelhantes,
tendo o cristianismo como fulcro109. Tomando para si a herança do cristianismo e em
confronto permanente com os árabes no sul, o Algarve foi conquistado em 1250,
concluindo sua unidade territorial bem cedo na Europa.
Therezinha de Castro continuou justificando a expansão portuguesa para o mar,
agregando, além da natural posição geográfica, a pobreza do solo, agindo da mesma forma
como agiu em relação aos venezianos, que procuraram o mar como forma de complementar
a sua pobre dieta com a pesca. Dom Diniz, no início do século XIV, se preocupou com a
proteção da frota pesqueira portuguesa que se expandia e das trocas comerciais106 HOYOS, Francisco Martinez. Las otras Armadas. Historia Y Vida. Barcelona: Prisma Publicaciones,n.459, p.59, ano xxxviii, 2002. 107 CASTRO, Therezinha de. Estudos de Geo-História. Rio de Janeiro: Record, 1971, p. 49.108 Núcleo geohistórico pode ser definido como um espaço natural onde se forjou o ímpeto criador de umacultura ou de um Estado. Fonte: Ibidem, p.19.109 Ibidem, p.49.
45
estabelecidas com a França e os Flandres. Determinou, então, a construção de navios que
pudessem transportar bens, além de terem capacidade de defenderem-se de corsários110.
No sul, os árabes continuaram a pressionar os lusitanos que, já motivados por fatores
econômicos, resolveram conquistar Ceuta como forma de proteger o flanco sul e de se
projetarem na África, além de controlarem a entrada do Mediterrâneo. Em 1415 Ceuta foi
tomada e os portugueses começaram a procurar uma rota que os levasse às especiarias. A
investida portuguesa, ao longo da costa africana, visava exatamente a descoberta desse
caminho estratégico comercial, da mesma forma como fizeram os povos italianos no
Mediterrâneo nos séculos anteriores. Uma rota alternativa pelo sul da África passou a fazer
parte da estratégia lusitana, de modo a suplantar a artéria econômica de bens que se iniciava
na China, passando pela Índia, Egito e por fim atingindo à Europa.
Após a descoberta do caminho marítimo para as Índias em 1498, os portugueses
trataram de criar um império ultramarino baseado no poder marítimo, criando entrepostos
comerciais fortificados ao longo de todo o caminho descoberto. Segundo o historiador
Antonio Borges Coelho:
A expansão portuguesa envolveu milhares de navios de comércio e deguerra. Saíram da Ribeira de Lisboa, da Outra Banda, do Porto, doAlgarve, de Cochim, de Goa, de Málaga, do Salvador. A sua constituiçãoe formas desiguais ficaram assinaladas na galeria dos nomes: barca,barinel, batel, bergatim, caravela, caravelão, carraca, catur, esquife, fusta,galé, galeaça, galeão, galeota, junco, nau, patacho, taforeia, urca,zavra....111
Inicialmente, os portugueses possuíam galeras movidas a remo, mais adaptadas para
navegação no Mediterrâneo. Como exemplo interessante, uma força de galeras portuguesas
lutou no Canal da Mancha ao lado da Inglaterra de 1384 a 1390 durante a Guerra dos Cem
Anos.112 No período moderno alguns esquadrões de galeras portuguesas compunham as
defesas locais de Lisboa, e quatro desses navios chegaram a compor um grupo português
que se agregou à Armada espanhola na sua fracassada tentativa de invadir a Inglaterra em
1588.
110 Ibidem, p.50.111 COELHO, Antonio Borges. Os argonautas portugueses e o seu velo de ouro (séculos XV-XVI). In:TENGARRINHA, José. História de Portugal.. São Paulo: EDUSC/UNESP, 2001, p.90.112 MODESLKI/THOMPSON, op.cit p.158.
46
O navio ideal português para a exploração e descoberta de novas terras no Atlântico
foi a caravela, de até 100 toneladas, dotada de grande rapidez, própria para levar e trazer
notícias do Novo Mundo. Cita Coelho que “enquanto uma nau de carreira da Índia
demorava cerca de seis meses na viagem de ida, em 1516 a caravela de Diego de Unhos
gastou menos de seis meses na ida e no regresso”.113 A caravela, também, fazia o papel de
navio de guerra, comboiando as naus de comércio da Índia e da América em direção a
Portugal.
As naus, por outro lado, eram navios de carga, maiores, também armados, com
deslocamentos superiores às caravelas. Podiam, além disso, transportar grandes quantidades
de carga. Os portugueses em suas viagens utilizavam as naus como os principais navios
comerciais para o Índico e Atlântico.
Por fim, outro tipo de navio utilizado pelos portugueses em suas viagens era o galeão,
vaso de guerra usado, também, em transporte, com maiores dimensões, menores calados e
grande poder de fogo, podendo comportar 70 canhões, uma enormidade para o século XVI.
Assim, as disputas pelo controle das rotas marítimas de comércio levaram os portugueses a
diversos enfrentamentos. Coelho afirmou que “a expansão marítima dos portugueses e
europeus promoveu, em todos os mares, combates e ferozes guerras marítimas. Os seus
navios levaram aos pontos mais distantes do globo o espantoso ribombar da artilharia”.114
Os portugueses inovaram, também, no campo da tecnologia naval, introduzindo
múltiplos mastros e múltiplas velas por mastro, além do desenvolvimento de canhões de
bronze, substituindo os de ferro, aumentando, dessa maneira, a confiabilidade e a segurança
dessas armas.115 Sua cartografia era superior a dos principais contendores e seus navios,
principalmente naus, cresceram em número no decorrer do século XVI, passando em 1502
de 21 naus, para 52 em 1506, e para 112 em 1512, declinando com o correr dos anos para
uma média de 50 naus durante a maior parte do século XVI. Em 1580, quando da União o
poder marítimo português contava com apenas 18 naus, já indicando o seu declínio116.
Os portugueses mantinham forças navais em suas costas, divididas em três esquadrões
de naus e galeões; o primeiro em Lisboa, outro no Algarve e em Gibraltar e um terceiro na
Madeira e nos Açores, perfazendo um total de 16 naus e sete galeões. Uma segunda força113 COELHO, op. cit p.90. 114 Ibidem, p.91.115 MODELSKI/THOMPSON, op.cit. p. 159.116 Ver Anexo A).
47
naval ficava estacionada no Mar Índico, a partir de 1509, com dois esquadrões, um em
Malabar, a oeste da costa hindu e outro no norte, com um total de seis naus e dois
galeões117. Portugal consolidou a sua hegemonia no Índico com esse grupo de navios ao
derrotar a esquadra islâmica na Batalha de Diu em 1509. Uma terceira força naval foi
estabelecida em 1511 no Estreito de Malaca, com cerca de uma nau e dois galeões, de
modo a manter os interesses portugueses na região, protegendo as Molucas e a rota para
Macao e o Japão. Um grande número de navios permanecia em trânsito, cerca de cinco
naus e um galeão, na Carreira das Índias e em rota para o Brasil.118
Algumas dificuldades ocorreram para Portugal no decorrer do século XVI. A primeira
foi a concorrência espanhola que, depois da expulsão dos árabes de seu território, procurou
estabelecer uma rota comercial, desta feita para o ocidente, em paralelo com a iniciativa
portuguesa de, também, se expandir para o ocidente. Deve ser considerado que as
prioridades espanholas se dividiram com os interesses no Mediterrâneo, ao conter a França,
continuar o controle sobre certas regiões na Itália e de resistir aos turcos otomanos.
Ao contrário de seus primos portugueses que demoraram em estabelecer uma
contramedida eficaz contra os corsários, durante a maior parte do século XVI, os espanhóis
estabeleceram passo a passo um sistema de comboios transoceânicos que traziam metais
preciosos do México e do Peru, no entanto o seu poder naval não acompanhou essa
expansão. A instituição espanhola do comboio foi estabelecida entre 1564 e 1566, quando
grandes frotas de até 70 navios mercantes passaram a ser escoltados durante a travessia do
Atlântico por vasos de guerra bem armados. Ao se aproximarem dos Açores e da costa
espanhola, eles recebiam o reforço de outros navios de guerra que suspendiam de Cadiz e
de Lisboa119.
Pode ser percebido que os índices espanhóis no Anexo G), até o ano de 1580,
mantém-se em torno de 0.18, bem inferior aos índices lusitanos que gravitam em torno de
0.5. Sobre esse fato o historiador Garret Mattingly, ao discutir o evento da Armada em
1588, em plena união Espanha/Portugal, frisou que “apesar de seu vasto império
transatlântico a Espanha nunca foi um poder marítimo atlântico”120.
117 MODELSKI/THOMPSON, op.cit. p.170.118 Ibidem, p.171. Esses dados de naus e galeões se referem ao ano de 1537. Fonte: Ibidem, p.173.119 RICHMOND, Herbert. Statesmen and Sea Power. London: Oxford, 1946, p.8.120 MATTINGLY, Garret. The Invencible Armada and Elizabetan England. Ithaca: Cornell University Press,1963, p. 24.
48
A segunda dificuldade encontrada pelos portugueses foi a hostilidade dos corsários
franceses, ingleses e posteriormente, já no avançar do século XVI, holandeses. Seu império
ultramarino viera a se expandir demasiado e seus recursos passaram a ser esgarçados no
limite de ruptura. Ao mesmo tempo, o Império espanhol, também em expansão, sofreu
ataques de corsários, em especial aqueles contratados por Elizabeth I, no qual Francis
Drake foi o maior expoente, a partir de 1571. Nesse sentido a União Ibérica não foi
favorável a Portugal, uma vez que viu seu poder marítimo perder prestígio e se agregar ao
espanhol que foi aos poucos sendo suplantado pelos poderes inglês e holandês. Um fato
importante para acelerar o declínio português no mar foi a política adotada por Felipe II
que, em razão dos compromissos assumidos nos Flandres, no Mediterrâneo contra os
turcos, na América e na Itália, prestigiava o poder terrestre em detrimento de sua expansão
no mar, sendo o exército espanhol, inclusive, considerado o melhor da Europa e seus
componentes os mais destemidos e preparados para a guerra.
Uma terceira dificuldade que, no final, levou à perda da preponderância marítima
portuguesa foi o declínio do comércio de especiarias, influenciado pela perda do comércio
do Mar Vermelho, aliado aos altos custos de se manter uma esquadra com bases de apoio
com alcance mundial, levando o tesouro lusitano a contrair, cada vez mais, empréstimos
que acabaram provocando a sua falência em 1560121. Houve, então, uma diminuição de sua
atividade marítima e um número decrescente de naus em pontos importantes de suas rotas
marítimas. A União Ibérica veio a ser o golpe de misericórdia no já combalido poder
marítimo português.
Apesar de todos esses problemas, pode-se considerar que Portugal foi o primeiro
grande poder marítimo mundial, pois além de ter um alcance global, dominou as grandes
navegações oceânicas, inovou na construção de embarcações de longo curso e o mais
importante, controlou as suas rotas marítimas de comércio na maior parte do século XVI,
apesar dos ataques de corsários. A partir da segunda metade desse século, Portugal foi se
enfraquecendo lentamente, até a sua absorção pela Espanha em 1580.
E os outros poderes marítimos globais ? Como se comportaram nesse processo ?
A Inglaterra nesse período se manteve com índices baixos a maior parte do ciclo, no
entanto o evento da Armada foi o desencadeador do início da criação de um poder marítimo
121 MODELSKI/THOMPSON, op.cit. p.174.
49
relevante. O rei Henrique VII foi o primeiro a realmente perceber que a prosperidade da
Inglaterra estava ligada ao mar.122 Coube a seu filho Henrique VIII, no entanto, a honra de
aumentar significativamente a Marinha Real, inclusive introduzindo a instalação de grandes
canhões a bordo dos navios ingleses.123 Ele também instituiu regulamentos para a condução
de operações navais de combate, organização e cumprimento de disciplina a bordo dos
vasos de guerra. Como órgão máximo administrativo da Marinha, Henrique VIII criou o
Navy Board responsável pelos diversos aspectos ligados à organização naval. As grandes
preocupações estratégicas desse rei inglês e dos que se seguiram foi controlar o Canal da
Mancha contra corsários franceses e impossibilitar a criação de uma base para a invasão da
ilha. Assumia, também, um aspecto relevante a proteção do comércio inglês e o incentivo
ao estabelecimento de colônias e por fim, talvez a mais importante, a necessidade de
impedir que um poder europeu alcançasse hegemonia no continente124.
Elizabeth I, rainha da Inglaterra de 1558 a 1603 e filha de Henrique VIII, apoiou
veladamente os corsários que atacavam os navios espanhóis e portugueses que vinham
carregados de tesouros do Novo Mundo, no entanto, evitou, sempre que possível, um
embate mais direto com Felipe II da Espanha. Perspicaz e com apurado senso político, ela
gravitava ora em uma política voltada para o continente, ora para o fortalecimento de seu
poder marítimo. Em 1585 ela resolveu enviar tropas inglesas para as Províncias Unidas, de
modo a apoiar os protestantes holandeses que se batiam contra os espanhóis, o que a levou
imediatamente a um conflito com Felipe. O historiador William Maltby descreveu de uma
forma interessante a estratégia adotada pela Inglaterra nesse período. Disse ele o seguinte:
Todos concordavam que a Inglaterra necessitava ser forte no mar, noentanto aqueles que se opunham a um maior envolvimento em terra eramveementes e amargos. Seus esforços foram um grande impedimento aodesenvolvimento de estratégias coordenadas. Mas em um certo grau essaestratégia era uma questão de alocação de recursos, tendo essesargumentos alguma consistência.125
122 KEMP, op.cit. p.13.123 Ibidem, p.13.124MALTBY, William. The origins of a global strategy: England from 1558 to 1713. In: WILLIAMSON,Murray/KNOX, MacGregor/BERNSTEIN, Alvin. The Making of Strategy. Rulers,States and War. UnitedKingdom: Cambridge, 1994, p.151.125 Ibidem, p.153.
50
Quando Felipe resolveu invadir a Inglaterra em 1588 o poder marítimo inglês, de
acordo com a formulação de Modelski/Thompson, nem chegava a metade do poder
espanhol126. Apesar dessa desvantagem aparente, a Inglaterra prevaleceu, fruto de uma boa
tática naval, mantendo os espanhóis afastados impedindo a abordagem, de um bombardeio
a distância, sem expor-se, as boas características de navegabilidade de seus navios, ao
adestramento de suas tripulações de combate, superior aos espanhóis e por fim e o mais
importante, pelo mau tempo reinante na ocasião, afetando mais fortemente os navios
ibéricos. No ano seguinte à Armada, os ingleses já tinham condições de enfrentar em
semelhantes condições os espanhóis.127 Entretanto, em 1590 voltou-se a situação anterior à
aventura da Armada e foi restabelecida a superioridade espanhola. Apesar dessa aparente
inferioridade, os ingleses demonstraram que tinham condições de desenvolver um poder
marítimo condizente com sua posição de Nação emergente nos destinos europeus.
A França, por outro lado, manteve uma postura estratégica voltada para o continente
europeu. As guerras religiosas que assolaram o território francês não permitiram uma
política governamental voltada para as lides marítimas, bastando observar o modelo
Modelski/Thompson para se perceber a baixa prioridade alocada ao fortalecimento do seu
poder marítimo. Os corsários franceses que atacavam os navios espanhóis foram os únicos
espasmos de poder voltado para o mar nesse primeiro ciclo longo.128
A Holanda só começou a ser computada a partir de 1579, embora desde o início do
século XVI Antuérpia já fosse o entreposto comercial distribuidor dos produtos trazidos
pelos navios portugueses da Índia. Na metade desse século, as Províncias Unidas tornaram-
se foco de lutas constantes entre os Habsburg espanhóis e os batavos. Os espanhóis queriam
implantar o catolicismo a ferro e fogo em um território controlado por protestantes. Essa
guerra consumiria grandes recursos tanto de espanhóis como de holandeses.
Navios holandeses participaram ativamente da defesa da Inglaterra contra a Armada
espanhola em 1588. A grande preocupação holandesa era a sua luta contra Felipe, em sua
cruzada para submeter os batavos. Foram anos de lutas intensas, no entanto, ao contrário do
que ocorreu na França naquele período, os holandeses transformaram-se em grandes
comerciantes marítimos. Quando Felipe proibiu a parada de navios mercantes holandeses
126 Pelo Anexo G) a Inglaterra tinha um índice de 0.231 e a Espanha 0.490.127 Ver o Anexo G) com índices de 0.306 para a Inglaterra e 0.324 para a Espanha.128 Os índices franceses gravitavam em torno de 0.12, segundo o Anexo G).
51
no porto de Lisboa, naquela ocasião um dos maiores entrepostos comerciais da Europa, não
sobrou alternativa aos batavos senão procurar comerciar diretamente no oriente. Pouco a
pouco eles foram se transformando em grandes intermediários comerciais, chegando até a
comerciar com os seus próprios inimigos, os espanhóis. O historiador Peter Padfield
afirmou o seguinte sobre a prosperidade holandesa no período:
A prosperidade encontrava-se no controle dos mercados. Os holandeseseram os grandes intermediários: redes de navios mercantes traziam bensquando os preços estavam baixos, florestas inteiras eram derrubadas e osvinhos de extensas regiões eram estocados. Esses produtos eramtransportados por navios holandeses para portos holandeses, estocados earmazenados para a manutenção de preços altos. Eram, então, vendidosnos mercados holandeses e reexportados em navios holandeses.129
Os holandeses foram desenvolvendo um poder marítimo robusto, alicerçado no
comércio de bens, desalojando os espanhóis de seu predomínio naval. Seus índices no
modelo Modelski/Thompson vão crescendo continuamente a partir de 1579, vindo a atingir
o índice 0.510 em 1608, exatamente quando chega a termo o primeiro ciclo. O ciclo
holandês teve então início.
1.3.1- O segundo ciclo longo. A Holanda e a luta pelo comércio marítimo:
O segundo ciclo longo se iniciou em 1608 e as guerras globais consideradas no
modelo referem-se às guerras holandesas e espanholas, precipitadas pela União Ibérica em
1580, a ocupação de Antuérpia pela Espanha e pela aliança anglo-holandesa de 1585. O
período abarcado por esse ciclo começou em 1608 e terminou no ciclo de guerras iniciado
em 1688, as chamadas guerras de Luiz XIV, até o fim da Guerra de Sucessão da Espanha
em 1713. Os principais atores apontados nesse ciclo foram as Províncias Unidas, a
Inglaterra, França e a Espanha.
No ano de 1609, as Províncias Unidas já controlavam 0.526 da distribuição
proporcional de navios, seguida da Inglaterra com 0.309 e da Espanha com 0.165 de
concentração130. Seus valores continuaram altos, gravitando em torno de 0.5, atingindo um
129 PADFIELD, Peter. Maritime Supremacy and the opening of western mind..London: Pimlico, 2000, p.75.. 130 Ver Anexo G).
52
pico em 1640 com 0.605. A situação se inverteu a partir de 1649, quando Cromwell na
Inglaterra começou a priorizar os recursos para o fortalecimento do poder marítimo. O Ato
de Navegação de 1651 já provocou uma superioridade naval flagrante da Inglaterra em
relação às Províncias, com índices de 0.406 para a primeira e 0.321 para a segunda.
Segundo ciclo longo de poder marítimo, correspondendo ao período holandês.
Um fato interessante nessa análise foi a distribuição percentual de poder no início da
Primeira Guerra Anglo-holandesa em 1652, 0.408 para ambos. Esse percentual não foi
mantido durante os dois anos de guerra. A Inglaterra ultrapassou imediatamente as
Províncias Unidas já no ano seguinte, mantendo sua superioridade até 1667.
Na segunda guerra iniciada em 1665, ambos possuíam números muito próximos até o
ano de 1667 quando foi assinado o Tratado de Breda que terminou com a guerra. Em 1672,
no início da terceira guerra, a Holanda encontrava-se em vantagem proporcional com cerca
53
de 0.333 e a Inglaterra com 0.216. A França, na ocasião, aliada da Inglaterra, já se tornara a
maior ameaça ao poder marítimo holandês, graças a Jean Baptiste Colbert, herdeiro das
iniciativas do Cardeal Richelieu alguns anos antes.
Colbert inspirou-se nos holandeses e nos ingleses, conseguindo tornar a construção
naval francesa uma das melhores do mundo, criando uma esquadra potente. As inovações
francesas traziam grande admiração, especialmente aos ingleses. Oliver Warner comentou
que “quando a França e a Inglaterra estiveram em guerra, os navios tomados dos franceses
eram não só desejados como adições à Marinha inglesa, mas principalmente pelas
inovações e lições práticas que eram copiadas por eles ingleses”131. Colbert, também,
melhorou a situação dos marinheiros e reorganizou o corpo de oficiais da Marinha.
Fortificou Toulon, Rochefort, Havre, Brest e Dunquerque, assim como aumentou
sobremaneira a Marinha mercante incorporando cerca de 4.000 navios.132
Os franceses mantiveram os maiores índices de 1670 até 1702, em plena Guerra de
Sucessão da Espanha, quando, a partir daí, viram seu poder diminuir. De 1702 até 1708
houve certa paridade entre a França e a Inglaterra, no entanto a partir desse ano, até o final
do ciclo a Inglaterra dominou os mares. De 1643 até 1713 não houve um poder mundial,
porém os quatro contendores, as Províncias Unidas, Inglaterra, França e Espanha, foram
poderes globais, disputando a hegemonia em lutas constantes no mar. Ao final do ciclo, a
Holanda acabou extenuada pelas constantes guerras. Não mais readquiriria o prestígio
perdido para a Inglaterra, a nova senhora dos mares.
Quais afinal foram os fatores que levaram a Holanda a se tornar o poder mundial,
segundo o modelo proposto, durante certos períodos no segundo ciclo e a vantagem
marítima na maior parte desse lapso temporal ? A historiografia por acaso corroborou o
resultado obtido com esse modelo ? Foi realmente a Holanda a principal potência marítima
desse ciclo ?
Therezinha de Castro afirmou que os holandeses, no início de sua expansão
comercial, já eram experimentados em assuntos náuticos, exportando sua fonte inicial de
riqueza, o arenque, para Portugal e França, com navios próprios e aproveitando para trazer
na volta o sal, de grande utilidade na própria industrialização do arenque, vendido
131 WARNER, Oliver. Great Battle Fleets. London: Hamlyn, 1973, p.98.132 ALBUQUERQUE/SILVA, op.cit. p.70.
54
salgado133, provocando, dessa maneira, um círculo virtuoso de exportação e importação
contínuo. Disse ela que “os holandeses já eram experimentados navegadores de cabotagem
no continente europeu” 134,quando os ibéricos lançaram-se nas grandes navegações. A
propensão natural para o mar por parte dos holandeses era antiga.
As Províncias Unidas, composta de sete províncias, da qual a Holanda era a mais
poderosa, voltaram-se cedo para o mar, inicialmente na pesca, como descrito, e
posteriormente como intermediários nas rotas comerciais, desalojando portugueses e
espanhóis. David Landes afirmou que o sucesso holandês refletiu uma postura particular
em relação ao trabalho e ao comércio. Saquear e apresar eram coisas boas, mas o que
importava, a longo prazo, eram pequenos ganhos que acabaram se somando para fortalecer
os holandeses135. Joost Van Den Vondel, navegador e comerciante holandês dizia que “nós
os de Amsterdã, viajamos...para onde quer que o lucro nos conduza, qualquer mar e costa,
os portos do mundo inteiro, por amor aos ganhos, exploramos”136. Esse era o espírito
empreendedor que lançou os holandeses em quase todos os rincões da Terra. O amor aos
lucros era o seu incentivo. A doutrina marítima holandesa era de “navios livres, bens
livres”, o que veio a ser uma inovação na lei marítima internacional, primeiramente
estabelecida por eles em um acordo com a Espanha em 1580.137
As exportações holandesas atingiram cifras no século XVII que a Inglaterra só
conseguiu atingir em 1740, além disso, a pesca holandesa empregava cerca de 2000
embarcações e era superior a manufatura da França e Inglaterra juntas.138
Os navios holandeses tendiam a ser redondos, largos e com fundos chatos,
provocando uma vantagem relativa em relação aos principais contendores, pois
transportavam maior carga, possuíam grande manobrabilidade, menores custos e
tripulações.139 Os holandeses, com a utilização desses navios, desejavam ganhar dinheiro no
comércio, no entanto esse comércio se atrelou à força bruta. O choque com os interesses
espanhóis e portugueses no final do século XVI era inevitável.
133 CASTRO, op.cit. p.54.134 Ibidem, p.55.135 LANDES, David. Riqueza e Pobreza das Nações. 4.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998, p.151.136 Ibidem, p.150.137 RICHMOND, Herbert. Statesmen and Sea Power. op.cit. p.14.138 STEVENS/WESTCOTT, op.cit, p.160.139 MODELSKI/THOMPSON, op.cit, p.187.
55
Os navios holandeses se espalhavam pelos mares, no entanto essas atividades eram
descoordenadas e dependentes das iniciativas de cidades e indivíduos. Somente em 1589,
após o embate com a Armada de Felipe, foi criado um Almirantado Central englobando
cinco Almirantados provinciais.140 Cada Almirantado provincial tinha a tarefa de equipar e
coletar os impostos necessários a manutenção dos navios em trânsito, assim cada província
estabelecia políticas específicas de incentivo ao comércio, no entanto essa descentralização
trouxe alguns problemas.
Um grande problema em termos de defesa conjunta, sob a coordenação de um
Almirantado Central, era a capacidade e autoridade de cada província promover e nomear
os seus próprios almirantes comandantes de esquadrões, o que provocava ou um número
excessivo de almirantes em esquadras conjuntas ou esquadrões sob a responsabilidade de
almirantes provinciais que não se sujeitavam a um comando central. A nomeação de um
almirante comandante geral não garantia eficiência ou obediência imediata.
As principais tarefas atribuídas a insipiente Marinha holandesa no início do século
XVII eram combater nas águas interiores das províncias, proteger sua grande frota
pesqueira, escoltar os comboios que vinham de seus entrepostos comerciais que cruzaram
uma perigosa área do Canal da Mancha sob a vigilância da Marinha inglesa, bloquear os
portos no sul sob controle espanhol, e eventualmente atacar os navios ibéricos que vinham
de suas colônias.
Uma grande limitação estratégica para a Marinha holandesa era que, em períodos de
crise, navios mercantes eram transformados em de guerra e os marinheiros e oficiais
mercantes se transformavam em combatentes da Marinha de guerra, com todos os
inconvenientes que essa transformação provocava no adestramento para a guerra. Tal
limitação foi percebida logo no início da Primeira Guerra Anglo-holandesa. Essa
transformação de um navio mercante em de guerra, em curto período de tempo, provocava
um número menor de canhões disponíveis a bordo, devido a construção ser voltada para o
transporte de cargas e não para o combate.
O primeiro grande embate dos holandeses no mar foi durante a guerra contra a
Espanha iniciada em 1621. Os holandeses atacaram intensamente o comércio espanhol,
capturando ou destruindo 886 navios inimigos entre 1627 e 1630. Em 1631 e 1632 foram
140 Essas províncias eram Amsterdan, Rotterdan, Holanda do Norte, Zeelândia e Friesland.
56
neutralizados 488 navios espanhóis e entre 1633 e 1646 cerca de 557 navios.141 A guerra
veio a culminar no grande encontro nos Downs em 1639, onde uma esquadra espanhola foi
destruída com a perda de cerca de 40 navios e 7.000 homens mortos, contra apenas um
navio holandês perdido e 100 mortos.142
Os holandeses, mais agressivos que os espanhóis, conduziram operações de bloqueio
em pleno Canal da Mancha contra os navios ibéricos. Os ingleses, assim, se viram atingidos
diretamente com esse controle holandês na Mancha. A ousadia holandesa foi tanta que no
combate de Downs um esquadrão inglês solicitou a retirada dos holandeses de seu mar
territorial. Os últimos não só se negaram a cumprir a solicitação como destruíram a frota
espanhola nesse mar à vista dos navios ingleses. O choque entre os dois adversários,
Holanda e Inglaterra era iminente.
A ascensão de Cromwell ao poder trouxe em seu bojo a expansão da Marinha inglesa,
relegada a baixa prioridade nos reinados de Jaime I e Carlos I. Em 1651, o Ato de
Navegação foi um desafio direto ao comércio holandês. Esse ato estabelecia que todos os
artigos importados para a Inglaterra deveriam ser transportados por navios ingleses ou em
embarcações do local onde foram produzidos. Ora, os holandeses pouco produziam, apenas
serviam como intermediários e comerciantes. O ato servia, além de incentivo para a
construção naval, para a quebra do monopólio holandês no transporte de bens. O preâmbulo
do ato declarava que ele fora assinado “para o incentivo da Marinha mercante e da
navegação da Nação, sob a boa providência e proteção de Deus que é tão grande no bem
estar e na segurança da Comunidade”.143
Cromwell se preocupou, também, com a situação no Báltico, local de onde provinha a
madeira para a construção de seus navios mercantes e de guerra. A estabilidade local era
fundamental para a estratégia inglesa na região.
Alguns fatos precipitaram a guerra entre os dois países. Os ingleses insistiam na
saudação a seu pavilhão de qualquer navio, sendo ele mercante ou de guerra, que passasse
pelo Canal da Mancha, o que representava, além da flagrante humilhação de arriar a
bandeira nacional à vista de qualquer navio inglês, o reconhecimento de que o Canal
pertencia à Inglaterra. Existiam, também, alguns ressentimentos ingleses em relação aos
141 MODELSKI/THOMPSON, op.cit. p. 190.142 PADFIELD, op.cit. p.64.143 RICHMOND, Herbert. The Statesmen and the Sea Power. op.cit, p.34.
57
holandeses, devido a um massacre de comerciantes ingleses em Amboina nas Índias
Orientais, sob o reinado de Jaime I praticado pelos holandeses, ferida que não havia ainda
cicatrizado144. Além disso, os ingleses reclamaram impostos sobre todos os arenques
pescados a menos de 30 milhas de suas costas, o que atingiu diretamente os interesses da
Holanda.145 A política holandesa de “navios livres, bens livres” foi assim fortemente
atingida. A única opção possível para os batavos era a guerra.
Logo no início da Primeira Guerra Anglo-holandesa em 1652 existia uma paridade
em navios de linha entre os dois países146, no entanto a guerra não foi favorável à Holanda.
A paz foi solicitada pelos holandeses em 1654 e aceita por Cromwell, que estabeleceu
diversas condições para a sua concordância. Compensações foram pagas pelos holandeses,
além da humilhação de ter que saudar os navios ingleses quando no Canal e aceitar os
ditames do Ato de Navegação de 1651. Foi assinado, então, o Tratado de Westminster em
abril de 1654. Muitos comerciantes ingleses consideraram os termos ainda muito brandos e
acusaram Cromwell de ter sido leniente com os seus inimigos batavos. Seja como for, a
Inglaterra estaria em nova guerra contra a Espanha em 1655 e uma nova guerra contra a
Holanda era indesejável. Cromwell era insensível a pressões de quem quer que fosse e seus
motivos para a paz eram de natureza religiosa e política.
A Primeira Guerra Anglo-holandesa inaugurou um novo período na história da guerra
naval. Uma grande guerra pelo domínio dos mares entre duas potências navais. Foram sete
batalhas navais de grande envergadura envolvendo muitas vezes mais de cem navios
durante curto espaço de tempo. O navio de linha com diversos conveses e canhões passou a
ser o padrão das esquadras. Inaugurou-se a tática naval com grandes expoentes como
Tromp, Blake e Monck. O estabelecimento da linha de batalha147 passou a ser comum em
todas as esquadras de combate e os combates individuais de unidades independentes faziam
parte do passado. As esquadras passaram a ser manobradas em conjunto, exigindo-se
iniciativa, coragem e disciplina tática. Embora o comércio marítimo holandês tenha sido,
também, atingido com essa guerra, continuavam os holandeses a negociar e transportar
bens, o que continuou a desagradar os ingleses.
144 STEVENS/WESTCOTT, op.cit. p. 162.145 Ibidem, p.162.146 Ver Anexo G). Os índices pelo modelo eram 0.408 para ambos.147 Os navios de linha formavam em coluna, um atrás do outro, compondo a chamada linha de batalha.
58
Em 1660 foi estabelecida nova Lei de Navegação ainda mais restritiva aos interesses
batavos. Em seu principal artigo foi estabelecido o seguinte:
Para o progresso do armamento marítimo e da navegação que sob a boaprovidência e proteção divina interessam tanto à prosperidade, àsegurança e ao poderio deste Reino[...]nenhuma mercadoria seráimportada ou exportada dos países,ilhas, plantações ou territóriospertencentes a Sua Majestade na Ásia, América e África, noutros navios,senão nos que sem nenhuma fraude pertencem a súditos ingleses,irlandeses ou galeses, ou ainda a habitantes destes países, ilhas,plantações e territórios e que são comandados por um capitão inglês etripulados por uma equipagem com três quartos de ingleses.148
Estendia-se, assim, o alcance das restrições. Além disso, as companhias dos dois
países que comerciavam no oriente viviam em pé de guerra, o que incomodava os
respectivos governos. Os ingleses já não se encontravam sob o regime republicano. Carlos
II reassumira o trono em 1660, no entanto as rivalidades comerciais não se extinguiram.
Uma das principais razões que afetavam as relações de comércio entre os dois
contendores era a concorrência holandesa no florescente comércio de escravos na Guiné,
onde a companhia inglesa atuava. Os holandeses, dotados de mais navios, transportavam e
vendiam mais escravos, a preços módicos nas Antilhas, afetando diretamente os interesses
ingleses. Em 1665 foi declarada nova guerra entre os dois adversários.
A Segunda Guerra Anglo-holandesa durou dois anos, como a guerra precedente. No
início da contenda ambos possuíam proporções semelhantes nos navios de linha, 0.359 para
a Holanda e 0.398 para a Inglaterra. Durante o conflito os holandeses se fortaleceram em
relação aos ingleses (0.370 para 0.304, respectivamente). Essa proporção espelhou o
melhor desempenho da esquadra batava, que foi soberbamente conduzida por de Ruyter. A
França, sob Luiz XIV aliou-se aos holandeses, o que, de certa forma, provocou a derrota
inglesa na grande Batalha de Quatro Dias. A maior humilhação sofrida por Carlos II foi o
bloqueio do Rio Tamisa por de Ruyter e a destruição de sete grandes navios de linha
próximos a Chatham.
A negligência de Carlos fizera a Marinha inglesa perder o controle do mar. Duas
outras tragédias vieram acelerar as negociações de paz por parte dos ingleses. Um surto de
peste e o grande incêndio de Londres. Em 21 de julho de 1667 foi assinada a Paz de Breda,148 AQUINO, Rubim Santos Leão de et alii. História das Sociedades. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 89.
59
terminando a Segunda Guerra Anglo-holandesa. Os holandeses perderam de vez Nova
York, contudo mantiveram o Suriname e conseguiram algumas relaxações no Ato de
Navegação. Os navios holandeses podiam transportar para a Inglaterra tanto bens alemães
como holandeses, o que foi um grande progresso149. Esses termos eram mais favoráveis que
as condições impostas em Westminster, em virtude do próprio desempenho naval holandês.
Nova crise ocorreria, porém cinco anos depois, em 1672. Dessa feita, a França de Luiz XIV
se veria envolvida na contenda, no entanto não mais aliada dos holandeses, mas sim dos
ingleses.
Este rei francês, pouco antes da conclusão do Tratado de Breda, voltou-se para os
Países Baixos espanhóis e os conquistou sem dificuldades. Essas ações trouxeram muita
ansiedade aos holandeses que viram da noite para o dia um antigo aliado transformar-se em
ameaça. Imediatamente concluíram um acordo com a Inglaterra e com a Suécia, a Tríplice
Aliança, de modo a neutralizar o poderio nascente francês. Dizia-se na ocasião na Holanda
que “a França era boa como aliada, mas ruim como vizinha”.150 Os ingleses, também, se
preocuparam com essa expansão francesa, principalmente pelo perigo da queda da
Holanda, no entanto duas guerras no mar, associadas com a humilhação inglesa no último
confronto, disputas comerciais e a aversão de Carlos com as Províncias Unidas ainda eram
recentes no imaginário inglês.
Luiz XIV necessitava, inicialmente, minar a Tríplice Aliança por meio de negociações
com a Inglaterra, de modo a isolar a Holanda e assim procedeu. Carlos II, necessitando de
recursos, contra o desejo de seus assessores e da população, retirou-se da Aliança. Luiz
XIV, além dos recursos transferidos para a Inglaterra, prometeu facilidades aos ingleses nos
territórios conquistados nos Países Baixos espanhóis e na Holanda a ser vencida. Por muito
tempo, os holandeses fizeram enormes esforços para evitar uma futura guerra com Luiz e
Carlos, no entanto fracassaram nesse intento.
Em janeiro de 1672, os ingleses enviaram um ultimato aos holandeses, com apoio
francês, determinando que todo navio batavo que cruzasse com um de seus vasos de guerra,
por menor que fosse, em águas inglesas, deveria abaixar sua bandeira como sinal de
respeito. Tal ato era novamente uma enorme humilhação aos holandeses. Começaram,
149 WARNER, Great Battle Fleets. op.cit, p.74. 150 MAHAN, Alfred Thayer. The Influence of Sea Power upon History, 1660-1783. New York: Dover, 1987,p. 139.
60
então, os preparativos para o inevitável, uma terceira guerra contra a Inglaterra. Em março
daquele ano, os ingleses sem aviso atacaram um comboio holandês. No final desse mês
Carlos declarou guerra à Holanda, seguido imediatamente por Luiz.
Em 1672 os holandeses estavam melhor preparados que os ingleses para a luta no
mar. Possuíam cerca de 33,3% dos navios de linha em atividade contra 21,6 % da
Inglaterra, no entanto a França, sob a batuta de Luiz XIV agregava cerca de 35,9% de
navios de linha, índice superior ao holandês.
A guerra durou cerca de dois anos. Os ingleses alegaram que os franceses não
queriam comprometer sua já poderosa esquadra na luta contra os batavos, deixando que os
ingleses lutassem praticamente sozinhos.
A guerra tornou-se assim impopular na Inglaterra. Uma intensa campanha foi iniciada
para dar fim a essa guerra entre a Inglaterra e Holanda até que, em fevereiro de 1674, foi
assinado um tratado de paz entre esses dois países, permitindo que a Holanda se
concentrasse na guerra contra a França até 1679. Esse tratado restabeleceu o status anterior
entre esses dois países, mostrando o quão infrutífero fora esse conflito.
Apesar dessas três guerras terem exaurido os recursos humanos e financeiros de
ambos contendores e a Holanda ter combatido com heroísmo e bravura, a Inglaterra saiu
vitoriosa e fortalecida. Ela veio a substituir os batavos no domínio do mar. Quais os
motivos para essa vitória arduamente conquistada ?
Primeiro, a percepção na sociedade e, o mais relevante, na elite dirigente inglesa, da
importância do mar para a prosperidade e sobrevivência da Inglaterra. Isso motivou
políticas orientadas para fortalecer o poder marítimo, tais como o Ato de Navegação de
1651.
Em segundo lugar, a perseverança e coragem dos marinheiros ingleses em se
restabelecerem depois de uma derrota, reerguendo-se rapidamente e combatendo a próxima
contenda como se a anterior não tivesse ocorrido.
Em terceiro lugar, a sorte de contar com chefes navais de valor que não se
contentavam com pouco, exigindo o máximo de seus homens e obtendo os resultados
necessários.
Em quarto lugar, o poder de utilizar os recursos financeiros suficientes, apesar de
diversas crises ocorridas, para construir os navios necessários para substituir os perdidos
61
em combate e de contar com reservas humanas em condições de continuar lutando, muitos,
inclusive, recrutados forçosamente.
Em quinto lugar, a ambição e ousadia de confrontar os “donos” do mar, os
holandeses, desafiando-os sem relutância. O amor ao lucro foi, também, um catalisador
para essa postura.
Em sexto lugar, a posição geográfica da ilha que impedia uma invasão direta do
território inglês sem o domínio do Canal da Mancha e do Mar do Norte. Essa imunidade foi
ainda mais relevante no século XVIII quando enfrentaram os franceses, superiores em
forças terrestres.
Por fim, no bojo das três guerras, foi criada uma Marinha inglesa realmente
profissional. Gradualmente, o amadorismo dos comandantes “cavalheiros” e mesmo de
elementos privados começou a retroceder. Em seu lugar nasceu a era das grandes frotas de
navios de guerra, cujo dono era o Estado, comandadas por oficiais treinados que adotaram
códigos táticos e padrões de conduta profissional, que se sobrepunham a vantagens
pecuniárias pessoais. Ao invés de navios improvisados para o combate, surgiu o navio
construído para a guerra, guarnecido especificamente por profissionais. O navio de guerra
deixou de ser o navio mercante adaptado. A guerra no mar mudou de feição, a partir dessas
guerras pelo comércio marítimo.
Apesar de ter perdido o predomínio nos mares para o emergente poder marítimo
inglês, a Holanda passou a ser uma aliada de peso da Inglaterra, principalmente após a
Revolução Gloriosa que uniu as duas coroas sob Guilherme de Orange.
Nas Guerras da Liga de Augsburgo e na da Sucessão da Espanha os holandeses
aliados dos ingleses, exauriram ainda mais os seus já esgarçados recursos. Ao final do
segundo ciclo longo, o poder marítimo holandês figurava atrás dos ingleses e na maior
parte do quarto final deste ciclo permaneceu atrás tanto da Inglaterra como da França que,
também, se viu exausta com a Guerra de Sucessão da Espanha.
A Inglaterra surgia com toda a força com índices de 0.467, aproximando-se de se
tornar o poder mundial no terceiro ciclo longo que se iniciou em 1714, segundo
Modelski/Thompson.
1.3.2- O terceiro ciclo longo. A Grã-Bretanha e a formação de um Império:
62
O terceiro ciclo se inicia, segundo o modelo, ao final das chamadas guerras de Luiz
XIV a partir de 1688, com a Guerra da Liga de Augsburgo até a Guerra de Sucessão da
Espanha em 1713. O seu término se dá ao final das Guerras da Revolução e Napoleônicas,
entre 1792 e 1815, com a Congresso de Viena. Os principais atores nesse ciclo são a GB,
Holanda, França, Espanha e Rússia. Nesse ciclo, a primeira surgiu como o poder mundial
incontestável.
Terceiro ciclo longo de poder marítimo, correspondendo ao período britânico.
63
No início do ciclo já se percebe a GB com cerca de 45,4% dos navios de linha
existentes, seguida da Holanda e da França, bem afastadas151. Entre 1719 e 1722 assumiu o
poder mundial, recuando um pouco nos anos seguintes.
A superioridade britânica nesse período é relevante até o segundo ano da Guerra dos
Sete Anos, 1757, quando cai rapidamente o número de seus navios de linha, atingindo o
índice de 0.364, contra uma França ameaçadora com 0.272. No ano seguinte, os britânicos
voltaram a ter supremacia, mantendo índices em torno de 0.43, caindo em 1775 para abaixo
de 0.4152. Durante a Guerra de Independência dos EUA, a Marinha Real britânica manteve-
se com índices em torno de 0.37 e a francesa 0.28. Os índices dos ingleses caíram um
pouco para cerca de 0.35 até 1798, quando voltaram a subir para valores em torno de 0.41
nas Guerras da Revolução Francesa e Napoleônicas153. Durante esse período os britânicos
mantiveram a dianteira em relação à Marinha francesa, culminando em 1809, quando
voltaram a ter a posição de poder mundial (índices acima de 0.50) com uma França com
índices de 30% em navios de linha.
Nesse ciclo, a GB em 11 anos ocupou a posição de poder mundial e no restante dos
anos manteve clara vantagem sobre os outros quatro poderes globais. Assim, pode-se
considerar que de acordo com o modelo Modelski/Thopson, o terceiro ciclo foi um ciclo
claramente britânico. Quais os fatores que levaram a essa vantagem ? Estaria o modelo
condizente com a historiografia que aborda o período ?
Segundo Therezinha de Castro, a Inglaterra caracterizou-se como um país ilhado que
se transformou em uma nação orientada para o intercâmbio econômico. Não pôde, devido a
seu espaço territorial restrito, manter-se por muito tempo isolado, tendo, assim, que se valer
de outras regiões. Segundo essa autora, os ingleses haviam-se “voltado para as relações
constantes com outros povos, transformando-se em sociedades de comerciantes”154.
As Guerras Anglo-holandesas transformaram a Marinha Real inglesa de uma força
voltada para o ataque ao comércio marítimo dos inimigos para uma força considerável que
procurava a decisão no combate e na batalha, no bloqueio dos portos adversários e em
operações de desembarque de tropas, como por exemplo, na tentativa de invasão da
Holanda em 1672. Sua amplitude de ação não se restringia apenas ao Canal da Mancha e151 Ver o Anexo G).152 Idem.153 Idem.154 CASTRO, op.cit. p. 16.
64
Mar do Norte, mas atingia, também, o Atlântico, as Índias Ocidentais, o Mediterrâneo e o
Báltico.
Pode-se considerar Samuel Pepys155 como o articulador e principal responsável pela
organização da Marinha Real inglesa. Dizia ele que para uma marinha ser considerada
eficiente não eram suficientes integridade e conhecimento especializado. Havia a
necessidade dela possuir vigor, disponibilidade para o combate, amor ao país, disciplina
rígida e métodos de luta. Ela deveria ser fundada em bases cujo zelo do administrador,
associado com honestidade, economia adequada e excelência técnica eram primordiais156.
Uma das grandes inovações criada por Pepys foi o pagamento parcial aos oficiais em
períodos de paz, um passo importante para o estabelecimento de um corpo permanente de
oficiais de marinha. Um sistema de promoções eficiente foi, também, estabelecido.157 Essas
iniciativas foram importantes para forjar um espírito de combate que iria mostrar os seus
resultados no século seguinte.
A Guerra de Sucessão da Espanha trouxe muitas vantagens para a GB, ao agregar ao
Império, Gibraltar e Minorca, transformando-a no principal poder marítimo do
Mediterrâneo. A posse de Gibraltar impedia a união das duas principais esquadras de seu
grande adversário, a França158. Essa guerra foi motivada pela disputa ao trono espanhol com
a morte de Carlos II, último rei Habsburg, que não deixou herdeiros. Seu parente mais
próximo era o neto de Luiz XIV, Felipe, Duque de Anjou, da casa de Bourbon. Luiz XIV
teria dito que, a partir da assunção de seu neto com o título de Felipe V, “não haveria mais
os Pirineus”159. Essa união da Casa de Bourbon trouxe inquietude à Europa. Foi, então,
estabelecida uma grande aliança para coroar um príncipe austríaco Habsburg no trono
espanhol. A Inglaterra mantinha sua política de balanço de poderes, de modo a não permitir
que nenhum Estado continental obtivesse a primazia nos assuntos europeus.
155 Samuel Pepys, nascido em 1633, foi o Secretário do Almirantado nos reinados de Carlos II e Jaime IIdurante as Guerras Anglo-holandesas. Foi educado em Cambridge, tendo sido administrador competente,criando as bases para a expansão da Marinha oceânica inglesa. Suas concepções administrativas,principalmente na organização do corpo de oficiais permanecem até hoje em uso nessa Marinha. Faleceu em1703. Fonte: WILSON/CALLO op. cit, p.242. 156 WARNER, Great Battle Fleets. op. cit, p.120.157 MODELSKI/THOMPSON, op.cit. p.207.158 Gibraltar posicionava-se em uma posição central em relação a união das duas esquadras francesas. Esseconceito de posição central será discutido no subitem 2.3.3. 159 MYERS, Philip Van Ness. General History. 2.ed. Boston: Ginn and Co, 1923, p.458.
65
Após doze anos de uma violenta guerra, foi acertado que o trono espanhol
permaneceria Bourbon, mas sem a união dos dois Estados sob uma única coroa. As grandes
derrotadas foram a própria Espanha, ao perder territórios na Europa e a França ao ceder a
Nova Escócia aos ingleses e aceitar a soberania britânica sobre a Terra Nova e a Baía de
Hudson.160
Essa guerra não só transformou a GB como o maior poder marítimo no início do
Século XVIII, como também estendeu seu comércio cada vez mais para o oriente,
substituindo gradativamente os holandeses nessas paragens.
A França passou a ser então a grande oponente no mar. A sua estratégia era fustigar as
linhas de comércio da GB, procurando capturar ou afundar os seus navios mercantes. Seus
exércitos eram mais poderosos que os britânicos e assim sua estratégia voltava-se para as
operações no continente europeu. Por seu lado, a GB, mais poderosa no mar, se
concentrava em bloqueios marítimos, na proteção dos seus navios mercantes, na sua
expansão naval em direção ao Caribe, Mediterrâneo e no Oceano Índico, na procura
constante pela batalha para destruir o seu adversário e por fim subsidiando seus aliados
europeus, de modo a impedir que a França carreasse recursos para desenvolver o seu poder
marítimo.
Pode-se questionar a eficácia dessas ações francesas de corso contra o tráfego
marítimo inglês. Peter Kemp considera que as perdas inglesas foram consideráveis, no
entanto elas não foram decisivas e o governo inglês mostrou determinação ao dar adequada
proteção ao comércio marítimo pelos Atos de Comboios e de Cruzadores de 1708 que
incluíram o destaque de 43 navios de guerra para a proteção específica dessas rotas
marítimas.161 Por seu turno, Stevens e Westcott consideraram que esses ataques foram
devastadores162 e que no Tratado de Paz de Utretch, a GB lutou pela inclusão de uma
cláusula que exigia que a França destruísse as fortificações que abrigavam a maior parte
dos corsários inimigos.163 Paul Kennedy afirmou que durante a Guerra da Liga de
Augsburgo os ataques franceses aos navios mercantes ingleses foram eficientes, chegando a
160 Ibidem.161 KEMP, op.cit, p.49.162 Como um exemplo dessas ações pode-se exemplificar o ataque do corsário Duguay-Trouin ao Rio deJaneiro, em plena guerra em 1711. Naquela oportunidade o francês exigiu o pagamento de um resgatecorrespondente a hoje 400.000 dólares em ouro. Fonte: STEVENS/WESTCOTT, op.cit. p.190.163 Idem.
66
4.000 navios capturados a partir de 1693 e que os comerciantes ingleses “estavam ansiosos
pela paz”.164
Nesse conflito a guerra de corso foi realmente eficiente. Em continuação, Kennedy
mencionou que na Guerra de Sucessão da Espanha os ataques franceses ao comércio inglês
continuaram severos e os atos celebrados em 1708 vieram a minimizar os danos, afirmando
o seguinte:
As estimativas de perdas britânicas de 3.250 navios (cerca de um terçodeles baseados em Londres) são acuradas e mais uma vez os francesesdemonstraram o quanto podiam realizar de prejuízo com esse tipo deguerra. O que essa guerra demonstrou foi a enormidade do problemaenvolvido com a proteção do comércio marítimo pela Marinha Real, nomomento em que a indústria de construção naval inglesa se expandiatanto; a Marinha não teria certamente cruzadores de escolta o suficientepara todos os mercantes a serem protegidos e mesmo no século XX, pelomenos até 1930, a Grã-Bretanha se recusou a limitar o número desse tipoimportante de vaso de guerra. Um grande Império marítimo traziaproblemas assim como vantagens.165
Por outro lado, não eram somente os franceses que realizavam o corso. Os ingleses
também atacaram continuamente as rotas marítimas francesas, no entanto esses ataques não
impediram o comércio marítimo Boubon. Na tabela abaixo estão relacionadas as capturas
de navios franceses durante a Guerra de Sucessão da Espanha por efetivos britânicos.
Capturas de navios franceses durante a Guerra de Sucessão da Espanha166
Ano Capturados por Corsários Capturados pela Marinha
Real1702 24 1311703 106 2411704 109 1121705 137 811706 111 641707 159 621708 115 811709 136 1291710 124 103
164 KENNEDY, op.cit , p.79.165 Ibidem, p.85.166 MEYER, W.B. English Privateering in the War of Spanish Succession 1703-1713. Mariners Mirror, 1983,p.436.
67
1711 155 59Total 1176 1063Total Geral 2239
A outra grande guerra nesse período foi a chamada Guerra de Sucessão da Áustria,
que se iniciou em 1740. O motivo principal dessa contenda, como a maioria dos conflitos
nesse tempo, foi a sucessão do Imperador Carlos VI da Áustria. Pouco antes de sua morte,
Carlos acertou com os principais poderes europeus um acordo chamado de Sanção
Pragmática que, no caso de seu falecimento sem deixar herdeiros homens, a sua coroa
passaria para sua filha Maria Tereza.
Tão logo Carlos faleceu, diversos príncipes reivindicaram o trono Habsburg, tendo
Frederico II com o seu exército prussiano marchado na direção da Silésia para assumir o
trono vago. Esse ato provocou o envolvimento de diversos Estados europeus na contenda.
O teatro de operações abarcou tanto a Índia como as possessões francesas e inglesas no
Novo Mundo. Dessa feita a Espanha inicialmente e depois a França lutaram juntas contra a
GB.
Houve alguns combates entre os dois contendores, no entanto a posição inglesa de
Gibraltar impediu a união dos esquadrões franceses de Toulon e Brest, o que representou
vantagem para a GB. Por cerca de oito anos essa guerra se arrastou e ao final nem a França
nem a Espanha foram subjugadas pelo poder marítimo prevalente, o da GB. A eficácia
demonstrada pelos corsários nas guerras precedentes não se repetiu, embora ambos os lados
utilizassem esse expediente com bastante intensidade. Segundo o historiador Richard
Harding “nenhuma esquadra nem corsários tiveram um impacto decisivo sobre os
inimigos”.167
O que ocorreu, no entanto, foi que a Marinha Real britânica se fortaleceu em relação
aos seus adversários, sendo capaz de sustentar campanhas navais tanto no Atlântico como
no Mediterrâneo e Índia, apesar do aparente sucesso das armas francesas no continente. A
própria GB já se encontrava no limite de seus recursos, o que a fez aceitar imediatamente
os acenos de paz de seus inimigos. Em 1748 foi assinado o tratado de Aix-la-Chapelle
dando um fim ao longo conflito. Voltou-se ao status quo ante belum.
167 HARDING, Richard. Sea power and Naval Warfare. London: University College London Press, 1999,p.201.
68
As tensões na Europa continuaram até 1756 quando estourou a Guerra dos Sete Anos.
Frederico II continuava no poder na Áustria e sua única aliada de peso era a GB, enquanto
Maria Tereza arregimentava aliados para se defrontar com Frederico. Da mesma forma que
na guerra anterior, França e GB ficaram em lados opostos.
Os principais combates ocorreram na América, no entanto um fato importante e
inusitado aconteceu no Mediterrâneo. A indecisão no Almirantado inglês e a necessidade
de fortalecer o esquadrão das Índias Ocidentais, fizeram com que se enfraquecesse o
esquadrão do Mediterrâneo. Os franceses, a partir de Toulon, congregaram grande esquadra
e retomaram a importante base inglesa de Minorca, ponto estratégico fundamental para o
controle das forças navais francesas nessa região. Imediatamente foi despachado um
esquadrão de navios de linha sob o comando do almirante John Byng para oferecer combate
aos franceses e retomar Minorca.
Ao chegar na área Byng envolveu-se em um combate inconcluso com os franceses e
falhou na missão de retomar Port Mahon, base inglesa em Minorca, já em poder dos
franceses. O bom senso determinava que ele permanecesse bloqueando Minorca, de modo a
impedir o reabastecimento francês. Não agiu assim e pelo contrário, afastou-se da área,
permitindo a consolidação do ganho de seu inimigo e a chegada de reforços para Port
Mahon. Seu erro não foi apenas estratégico, mas foi, também, de falta de combatividade.
Ele falhou quando se esperava uma vitória inglesa no mar.
Um país inteiro pediu a sua cabeça. A administração em Londres necessitava de um
‘bode expiatório’ para desviar a atenção de sua própria negligência na distribuição dos
navios de combate. Byng foi submetido a corte marcial, condenado à morte e executado no
convés de seu navio, fato inusitado e triste na Marinha Real britânica.
Os ingleses contaram, por outro lado, com o concurso de William Pitt para Secretário
de Estado e com o Duque de Newcastle como Chefe de Governo. Essa dupla, por cerca de
quatro anos, conduziu os destinos da GB de uma forma eficiente e coordenada. Horace
Walpole diria que “Pitt faz tudo e o Duque de Newcastle dá tudo. Enquanto eles
concordarem nessa situação, eles podem fazer o que desejarem”.168
Pitt foi excelente administrador, lembrando Pepys, além de eficiente estrategista,
percebendo que passos deveriam ser dados, onde e quando. Imediatamente chamou para ser
168 KEMP, op.cit. p.61.
69
o Primeiro Lorde do Almirantado o almirante Lord Anson que recebeu a incumbência de
dirigir a marinha preparando-a para combater os franceses.
Pitt logo percebeu que novos caminhos deveriam ser trilhados. Ao invés de conduzir
operações descoordenadas, com mau planejamento e voltada para satisfazer os anseios do
rei e do público, resolveu subordinar todas as operações a seu crivo pessoal e supervisão.
Verificou, também, que uma guerra em terra drenaria todos os recursos para a continuação
da contenda, preferindo carrear esforços para atacar as possessões francesas mais
vulneráveis. Resolveu, então, apenas conter os franceses no continente e atacar as colônias
francesas, impedindo a chegada de reforços. Os subsídios para os aliados seriam
aumentados de modo a continuarem a pressionar os franceses na Europa, evitando o
fortalecimento do poder marítimo francês. Ataques anfíbios foram realizados na costa
francesa, de modo a desviar tropas que teriam que guarnecer essas fortificações.169
De nenhuma maneira Pitt desviou-se do propósito de enfraquecer os seus inimigos no
mar. Ele planejava, escolhia os comandantes navais para as operações e escrevia as ordens
pessoalmente. Sua determinação foi essencial para o sucesso britânico nessa guerra e
demonstrou, mais uma vez, a importância do homem de Estado na condução política de
qualquer guerra.
A GB conseguira brilhante vitória graças a seu vigoroso poder marítimo e a brilhante
orientação de Pitt. O historiador alemão Ludwig Dehio foi um dos que melhor descreveu
essa vitória, ao sugerir que a verdadeira chave para a vitória britânica foi sua posição única
e política de Janus, isto é, com uma face voltada para o continente para manter uma balança
de poder adequada e a outra face dirigida para o mar, de modo a fortalecer seu predomínio
marítimo.170
A Guerra do Sete Anos terminou em 1763 em condições humilhantes para a França.
Ela foi obrigada a ceder à GB todo o Canadá com as Ilhas de São Lourenço, o vale do Ohio
e toda a região a leste do Mississipi, excetuando New Orleans. A Espanha, aliada da
França, cedeu a Flórida em troca de Cuba que havia sido capturada pelos ingleses. No
Caribe diversas pequenas ilhas passaram para o domínio britânico. Apesar da eficiente
campanha naval realizada pela Marinha Real britânica, sob a direção de Pitt, os almirantes
em combate ainda se reportavam ao uso intensivo das “Fighting Instructions”, o que
169 Foram realizadas incursões em Rochefort, Saint Malo e Cherburgo. Fonte: KEMP, op.cit. p.62.170 KENNEDY, op.cit, p.118.
70
limitou, em muitos momentos, a iniciativa para a ação e a conduta tática mais agressiva.
Segundo Wayne Hughes “as Fighting Instructions não eram somente doutrinárias, elas
tornaram-se dogma” que impediam a iniciativa e a criatividade.171
Treze anos após o encerramento da Guerra dos Sete Anos, foi deflagrada a Revolução
Americana em 1776. Inicialmente a França agastada pela derrota na guerra precedente,
apoiou veladamente os colonos contra a GB. Em 1777 decidiu participar diretamente dos
combates, arregimentando como aliados a Espanha e a Holanda. A guerra de libertação das
treze colônias se transformara em uma guerra européia, sem o comprometimento de tropas
francesas no continente europeu. Segundo Stevens e Westcott a Guerra de Independência
tornou-se uma guerra puramente marítima, no qual se decidiria o destino das colônias nos
combates navais. A Marinha francesa fizera progressos desde 1763. A Marinha britânica
retrocedera de 44,8% de navios de linha em 1763 para 39,6%, enquanto a França aumentara
ligeiramente os seus índices de 26,4% para 27,3%. Se forem agregados os índices
espanhóis de 22,5% e holandeses de 4% , havia predominância de forças contrárias à GB.
Os britânicos não mais contavam com Pitt e seus auxiliares e a geração de políticos que os
substituiu não possuía a mesma determinação.172 Além desse problema, ocorreu a
interferência cada vez maior do rei George III no conflito, a luta partidária por poder no
Parlamento aumentou, intensificaram-se as manifestações de rua cada vez mais violentas na
Inglaterra e a imprensa tornou-se cada vez mais crítica e virulenta com os acontecimentos
na colônia. Muitos almirantes ingleses, inclusive, eram contra a supressão da revolta com
violência, preferindo a negociação.173 Tudo isso levava a uma política naval deficiente e
sem unidade.
Depois de sete anos de guerra, a GB reconheceu a independência das treze colônias
por meio do Tratado de Paris. A principal razão que levou o maior poder marítimo da
ocasião a perder o controle sobre suas ricas colônias foi a sua incapacidade de ser superior
em todos os teatros de guerra, no Canal da Mancha, no Mar do Norte, Gibraltar e
Mediterrâneo, Índias Ocidentais, Mar Índico e nas costas norte-americanas, atacadas pelos
franceses. Acabou se enfraquecendo em todos os teatros. A diminuição dos recursos no
poder marítimo, também, acarretou uma ineficiência operacional relevante, acrescida da
171 HUGHES, Wayne. Fleet Tactics. Annapolis: United States Naval Institute, 1986, p.49.172 KENNEDY, op.cit, p.107.173 Ibidem, p.108.
71
falta de iniciativa dos comandantes ingleses para perseguir a ação decisiva no mar. Nesse
motivo a instituição das “Fighting Instructions” teve um papel relevante. Outro fator
ponderável para essa derrota foi a inabilidade inglesa de arregimentar aliados para essa
guerra, ao contrário do que foi obtido pelos franceses e por fim, a incapacidade de bloquear
as esquadras francesa e espanhola nos portos desde Brest até Cadiz, impedindo a chegada
de reforços para os colonos.
Além da perda de sua rica colônia, os britânicos perderam Minorca e a Flórida para a
Espanha, o Ceilão foi cedido à Holanda e o Senegal, Santa Lucia e Tobago foram dadas à
França. Os britânicos mantiveram a Dominica, São Vicente e Granada. Foi realmente um
duro golpe no prestígio inglês, no entanto as Guerras da Revolução Francesa e
Napoleônicas restaurariam seu anterior predomínio.
A guerra entre a GB e a França revolucionária e napoleônica, a partir de 1793, levaria
22 anos, com um único intervalo entre outubro de 1801 e maio de 1803. Em 1794 a França
encontrava-se com uma Marinha de guerra em ebulição. Diversos oficiais que pertenciam à
nobreza foram ou executados ou fugitivos da França, complicando ainda mais o
desempenho e operacionalidade da Marinha. Seus índices no modelo Modelski/Thompson
se igualavam a Espanha (0.195), bem inferior a seus adversários do outro lado do canal
(0.350). Esses índices baixos permaneceram até bem pouco antes da assunção de Napoleão
como imperador em 1804, quando se iniciou uma lenta recuperação até atingir um índice de
0.353 em 1813.
A guerra se transformara de guerras limitadas de reis absolutos para guerras totais
conforme conceituação de John Frederick Charles Fuller.174 A guerra assumia um novo
caráter como conflitos entre Nações. A Revolução Francesa viera a mudar o modo de
combater e Napoleão alterou a correlação de forças devido a sua genialidade. No mar, as
“Fighting Instructions”, que ditaram as normas de conduta de combate durante cerca de 150
anos, eram finalmente abandonadas. A Marinha britânica via surgir nos seus quadros Lorde
Horatio Nelson, o espelho naval de Napoleão. Destemido, valente e inovador, Nelson
representou o ápice do almirante vitorioso. Falar-se do poder marítimo britânico sem
mencionar Nelson é o mesmo que se falar de teoria da guerra sem falar de Clausewitz.
174 FULLER, John Frederick Charles. A Conduta da Guerra. Rio de Janeiro: Bibliex, 1966, p.5.
72
A estratégia naval britânica no período para enfrentar Napoleão foi consistente e
adequada. A principal tarefa do poder marítimo britânico era proteger as costas inglesas e
impedir uma invasão, a partir da França, como desejava Napoleão. A segunda tarefa, que se
relacionava diretamente com a anterior, era bloquear os portos franceses e impedir que os
navios mercantes franceses trafegassem livremente, levando e trazendo bens para o seu
território. A terceira era proteger os navios mercantes britânicos que transitavam em suas
linhas de comunicação contra a ação de navios franceses. A quarta era apoiar as ações
aliadas na Guerra Peninsular e em outras áreas, desgastando o poder militar de Napoleão.
Uma quinta tarefa era proteger os navios mercantes que transitavam no Báltico trazendo
matérias primas para a construção naval inglesa como, por exemplo, madeiras. Uma sexta
tarefa era bloquear os portos do Mediterrâneo, impedindo que Napoleão se apoderasse de
qualquer área estratégica vital na região e por fim, tentar destruir o poder naval francês por
meio de um combate naval decisivo.
Napoleão acreditava que, estabelecendo um bloqueio econômico contra a GB, traria a
guerra a seu termo. O poder naval britânico impediu que tal ato se consumasse, além disso
Nelson obteve vitórias navais expressivas no Nilo em 1798 e em Copenhagen em 1801. Em
1805, em frente ao cabo Trafalgar, Nelson viria finalmente a prevalecer sobre os franceses
ao custo de sua própria vida. O desejo de Napoleão de invadir a Inglaterra foi finalmente
abandonado. A partir de Trafalgar a Marinha francesa deixou de ser uma ameaça real,
apesar de ainda possuir índices expressivos em torno de 32% do número total de navios de
linha.
Em 1815 a paz foi finalmente estabelecida e a GB predominou inconteste no mar.
Richard Harding, ao descrever os efeitos das Guerras Napoleônicas, comentou que “em
1815 a GB era o único poder marítimo global. Mesmo com a redução de sua Marinha, o seu
poder marítimo era inquestionável [...] sua proporção na tonelagem naval mundial
permaneceu avassaladora e sua superioridade qualitativa aumentou ainda mais a sua
superioridade sobre adversários potenciais”.175 Stevens e Westcott disseram que “as
aquisições territoriais da GB [depois de 1815] foram pouco consideráveis, mas essa Nação
saiu da guerra com a soberania do mar menos contestada do que nunca e durante perto de
175 HARDING, op.cit. p.277.
73
um século não conheceu rival séria, quer em poderio naval quer em poderio comercial”.176
Paul Kennedy também acrescentou o seguinte:
Se existe algum período da história em que a Grã-Bretanha pôde tergovernado os mares, então foi nos sessenta ou mais anos que se seguiramà derrota final de Napoleão. Foi a época em que o professor lloyd disseque ´o Poder marítimo britânico exerceu uma influência maior do quequalquer outro possa ter exercido na história dos empreendimentosmarítimos`177. Tão sem desafios, tão imensa foi essa influência que todosdisseram que a partir dali e depois na Pax Britannica, encontrou-seapenas um equivalente na história da humanidade civilizada cristalizadona Roma Imperial.178
Nunca houvera tamanha desproporção de poderes entre a GB de 1815 e os outros
competidores no mar. A partir de 1814 ela passou a ser o único poder mundial existente,
com índices acima de 0.5. A Pax Britannica surgia no horizonte.
1.3.3- O quarto ciclo longo. A Pax Britannica estabelecida.
O quarto ciclo se inicia no Congresso de Viena em 1815, ao final das Guerras da
Revolução e Napoleônicas. Ele engloba cerca de 100 anos, perpassando todo o século XIX
até os primeiros 14 anos do século XX, quando foi deflagrada a chamada Grande Guerra
de 1914. O modelo Modelski/Thompson considera as duas grandes guerras do século XX, a
de 1914-1918 e 1939-1945, como um grande conflito interconectado, dentro de um mesmo
grande processo político. Dessa maneira, nessa discussão, o período de 1914 a 1945, que
deveria se constituir no início do quinto ciclo longo, será abordado dentro do quarto ciclo
longo, interrompendo-se em 1945, ano final proposto na abordagem indicada na introdução.
Não se pretende assim discutir o quinto ciclo longo.
A partir de 1815 pode-se perceber a grande superioridade naval da GB, ao longo de
todo o século. De 1815 a 1899 os britânicos assumiram a função de poder mundial em 32
anos179. Nesse período a Marinha Real britânica manteve em todos os anos superioridade
176 STEVENS/ WESTCOTT, op.cit. p.283. 177 LlOYD, C. The Nation and the Navy. A History of naval life and policy. London: [s.n]1961, p.223.178 KENNEDY, op.cit., p.149.179 Anexo G). Valores de distribuição de poder marítimo global acima de 0.50. Notar que a partir de 1816começaram a ser computados os gastos navais dos poderes globais em libras esterlinas até 1938, quando osdados passaram a não ser mais confiáveis devido ao escamoteio de informações de países totalitários. Ver
74
na distribuição de poder, sendo que o ano mais equilibrado foi o de 1862, com a GB
possuindo 0.401 de valor e a França 0.398. Não seria forçado realmente se afirmar que o
século XIX foi o da Pax Britannica, pois a superioridade da Armada britânica foi flagrante.
Quarto ciclo longo de poder marítimo, correspondendo ao segundo período
britânico.
Na virada do século XIX para o XX, a GB manteve seus índices altos, no entanto, a
partir de 1910, pode-se perceber um aumento gradual dos valores alemães. Em 1914 os
números indicavam para a GB 0.436, Alemanha 0.282, EUA 0.128, França, Rússia e Japão
com os mesmos índices de 0.051. Somando-se os dois poderes globais que seguiam a GB,
chega-se ao índice de 0.410, menor que o esposado pela GB (0.436). Ao final de quatro
anos de luta, em 1918, os ingleses mantiveram a primazia na distribuição com valores de
também o Anexo F).
75
0.411 contra 0.234 da Alemanha, 0.159 dos EUA, 0.084 do Japão, 0.065 da França e 0.047
da Rússia. Sua vantagem sobre os dois contendores que se seguiam, a Alemanha e os EUA,
continuou alta, 0.411 contra 0.393. Em 1919 o poder marítimo alemão caiu a zero e os
EUA, devido a grande mobilização para a guerra, passaram, pela primeira vez a GB, fato
não ocorrido desde 1701180.
Essa superioridade sobre a GB manteve-se constante até o início da Segunda Guerra
Mundial em 1939. Os britânicos conseguiram se aproximar dos EUA ao final dos anos 20,
afastando-se logo em seguida. Nos anos anteriores ao deflagrar da guerra, os britânicos
fizeram grandes esforços para contrabalançar esses números desfavoráveis, chegando a se
igualar com os EUA em 1940 (0.273). Por esses números pode-se perceber que, a partir de
1919, os EUA assumiram a liderança naval mundial em orçamentos navais e navios
capitais.
No início da Segunda Guerra Mundial os valores eram os seguintes: GB, 0.259; EUA,
0.278; Japão,0.167; França, 0.130; Alemanha, 0.093 e Rússia, 0.056. Esses números
indicam que a Alemanha estava totalmente desaparelhada para enfrentar os aliados no mar.
Os britânicos tinham duas vezes e meia mais poder relativo que os alemães.
Durante a guerra de 1939 a 1945 houve um aumento vertiginoso dos índices norte-
americanos, quando chegaram a poder mundial a partir de 1944 (0.510). Os britânicos
terminaram a guerra como a segunda potência naval com índice 0.350. Tanto alemães como
japoneses encontravam-se exaustos e sem nenhum poder marítimo relevante em 1945.181
Inicia-se assim o quinto longo ciclo de poder, cuja discussão não possui relevância
para a investigação conduzida, limitada no aspecto temporal em 1945.
O século XIX pode ser considerado o século das grandes inovações tecnológicas no
campo da guerra naval, conforme anteriormente discutido. O navio à vela vinha atuando
desde a Antiguidade e por depender apenas do vento como elemento de propulsão, tinha
um raio de ação182 quase ilimitado. Sua grande limitação era a fadiga das tripulações e a
quantidade de comida transportada. Sua baixa velocidade, dependente das condições de
vento, fazia-o difícil de manobrar em combate aproximado. Além disso, requeria
180 Ver Anexo G).181 Idem.182 Raio de ação é a distância máxima que um navio pode alcançar, partindo de sua base e a ela retornar, semse reabastecer de combustível nem de alimentos.
76
manutenção constante de seu poleame e massame183, sujeitos às condições climáticas
enfrentadas pelos navios.
O surgimento da máquina a vapor veio a modificar essa relação romântica do homem
com o mar e por conseguinte a própria guerra marítima. A tríade carvão, vapor e aço seria a
base da chamada Segunda Revolução Industrial que afetou significativamente as relações
dos povos marítimos, do qual a GB tinha a vantagem.
As Marinhas de guerra utilizaram o vapor como propulsão bem depois do uso
comercial pelas grandes companhias marítimas. Os almirantes dos principais poderes
marítimos consideravam essa inovação pouco confiável, pois eram dependentes de carvão,
que deveriam estar disponíveis em diferentes bases ao longo das vias navegáveis do
mundo; de uma vasta rede logística para apoio de reparos e sobressalentes; de bons técnicos
que pudessem consertar as sofisticadas máquinas que surgiam; e por fim temiam que em
combate as máquinas pudessem apresentar problemas que tornariam os navios de guerra
alvos fáceis.
As máquinas, no entanto, aos poucos foram se aperfeiçoando e as avarias, tão
temidas, não aconteceram. Das pás laterais, criaram-se os hélices184 que já eram protegidos
por estarem abaixo da linha d´água. O vapor, também, foi utilizado a bordo para serviços
auxiliares como a geração de energia elétrica e para melhorar a habitabilidade dos
tripulantes.
Na Guerra da Criméia (1853-1856) surgiu uma outra grande novidade tecnológica que
foi o navio dotado de couraça, de modo a ser protegido dos tiros provindos das fortalezas
russas. Em 1859 os franceses lançaram ao mar a fragata Gloire de madeira, dotada, no
entanto, de couraça, seguida, no ano seguinte, pelo Warrior britânico, com outra grande
novidade que foi o casco todo de ferro.185
Armando Vidigal descreveu de maneira interessante a corrida entre o poder ofensivo
dos canhões e o defensivo das estruturas couraçadas dos navios desse período. Disse ele:
183 Poleame é o nome genérico dado às peças de madeira e ferro destinados à passagem ou retorno de cabosnos navios. Massame é o conjunto de cabos fixos ou de laborar existentes a bordo dos navios para manobrarembarcações. Fonte: MANUAL DO TRIPULANTE, op.cit. p.31. 184 Em 1850 a França lançou ao mar a primeira belonave movida a hélice, o Napoleon. Dois anos depois osingleses lançaram o Agamenon também a hélice. Fonte: PORTO, op.cit. p.109.185 PORTO, op.cit. p.110.
77
As granadas ocas eram uma séria ameaça para os navios de madeira. Amedida que foram sendo introduzidos melhoramentos nos canhões, comoo emprego da alma raiada, carregamento pela culatra ao invés de pelaboca, etc, a supremacia da artilharia levou à construção de naviosmetálicos e ao aparecimento das couraças [...] além das vantagens decaráter militar que tal inovação representava, proporcionava ela maiorsimplicidade de construção, permitindo maior peso de carga do que umnavio de madeira para as mesmas condições de calado e deslocamento.186
As couraças passaram a aumentar de espessura para suportar os tiros de canhões com
maiores calibres e assim começaram a surgir os primeiros navios totalmente encouraçados.
O alcance dos canhões assim aumentou radicalmente. Como comparação, em 1805 os
canhões das naus tinham alcances de 3.000 jardas.187 Em 1941 o alcance passara a ser de
35.000 jardas para um canhão de 16 polegadas de calibre.188 Um aumento extraordinário.
Por um período de tempo, o esporão, localizado na proa dos navios de guerra, passou
a prevalecer, aproveitando a massa com o movimento, de modo a atingir pontos do casco
dos navios inimigos não protegidos. Era um regresso a tática de abalroamento do passado,
conforme já discutido anteriormente.
Outras inovações tecnológicas surgiram no final do século XIX. O navio torpedeiro
rápido armado com torpedos autopropulsados logo se transformou na grande novidade
tática, principalmente para Marinhas de poucos recursos que viam nesse tipo de combate
uma possibilidade de atingir os grandes encouraçados dos Estados com maiores poderes
marítimos. Dentro dessa concepção, surgiu na França uma escola de pensamento que
preconizava o uso intensivo de pequenas embarcações rápidas do tipo torpedeiras para
atingir as linhas de batalha inimigas. Seu idealizador foi o almirante Theophile Aube que
cunhou a expressão “Jeune Ecole” para esse tipo de concepção tática. Segundo a “Jeune
Ecole” o tempo dos grandes navios armados de canhões de grande calibre já havia passado.
Surgia a era das pequenas embarcações rápidas e dotadas de torpedos, além de cruzadores
ligeiros para o ataque ao tráfego marítimo, numa acepção típica, segundo Armando Vidigal
da clássica guerra de corso dos séculos XVI a XVIII.189
186 VIDIGAL, Armando Amorim Ferreira. A evolução do pensamento estratégico naval brasileiro. Rio deJaneiro: Bibliex, 1985, p.19.187 Uma jarda corresponde a 0.91 metros Fonte: MANUAL DO TRIPULANTE, op.cit. p.499.188 WARNER, Oliver. Great Battle Fleets. op.cit, p.13.189 VIDIGAL, Armando Amorim Ferreira. A evolução do pensamento estratégico naval brasileiro. op.citp.144.
78
Essa concepção teve vida curta, pois os britânicos, dotados da maior esquadra de
então, armaram seus grandes navios com canhões de tiro rápido de menor calibre, capazes
de atingir com eficiência essas embarcações, além disso foi criado como contra-medida aos
torpedeiros o “contra-torpedeiro” armado também com canhões de tiro rápido, dotado de
razoável velocidade, com o propósito de defender os grandes navios capitais.
Os franceses, em contrapartida, desenvolveram ao final do século XIX os primeiros
submersíveis, armados com torpedos, como forma de atacar os navios de superfície,
aproveitando a sua grande característica que era a ocultação submarina.190 Nos quinze
primeiros anos do século XX a evolução desse tipo de embarcação foi vertiginosa,
principalmente na Marinha alemã. Na Segunda Guerra Mundial os submarinos passaram a
se constituir em uma arma importante, com efeitos devastadores no tráfego marítimo
inimigo, uma vez que permaneciam mais tempo em operações de combate e tinham a
capacidade de permanecer mergulhados por maiores lapsos de tempo.
O avião não teria grande utilidade na Grande Guerra naval de 1914-1918. Seu
desenvolvimento viria posteriormente, quando foram criados porta-aviões no período entre
guerras. Nos anos 30 a ala aérea embarcada teve grande evolução nas Marinhas norte-
americana e japonesa. Na Segunda Guerra Mundial passaram a se constituir, juntamente
com os porta-aviões, na principal arma ofensiva das esquadras oceânicas, sobrepujando em
importância o velho encouraçado como a arma capital. A combinação avião x porta-aviões
passou a ser o principal vetor de combate a partir dessa guerra.
Como afinal a Marinha Real britânica se preparou nesse ciclo para se contrapor aos
seus desafiantes, em especial a França e depois a Alemanha ?
No século XIX a Marinha britânica singrava os mares quase impunemente. As
principais tarefas a ela alocadas eram a supressão da pirataria e o comércio de escravos no
Atlântico, Índico, Mediterrâneo e no Mar da China. Além disso, outras tarefas menores
eram realizadas tais como a exploração marítima e a confecção de cartas náuticas,
intervenções navais em colônias controladas pela GB e a sempre necessária diplomacia de
canhoneiras, “mostrando a bandeira” quando e onde fosse necessário. Para o bom
cumprimento dessas tarefas, os britânicos dispunham de bases navais e de abastecimentos
190 Os franceses lançaram em 1899 o submersível Narval em Cherburgo com um desenho bem avançado,dotado de tanques de lastro externos a um casco resistente, para submersão. Na superfície era propulsado pormotor a gasolina, sendo que submerso utilizava motores elétricos dotados de baterias. Fonte: Ibidem. p.149.
79
em Porto Royal na Jamaica, Gibraltar, Halifax, Porto Mahon na Ilha de Minorca, Malta,
Trincomalee, Ilhas Falklands, Aden, Hong Kong, Bermuda, Singapura, Lagos, Chipre,
Alexandria, Mombasa, Zamzibar e Wei-hai-wei.191
Além dessas bases de apoio, a Marinha britânica dispunha de estações navais na
América do Norte, Índias Ocidentais, África Ocidental, Cabo da Boa Esperança, América
do Sul, Pacífico, Índias Orientais, China, Mediterrâneo, Austrália e a poderosa Home Fleet
em águas territoriais192.
A grande preocupação estratégica da GB era a manutenção, durante o Século XIX, de
uma superioridade naval sobre os principais contendores que surgiam, em especial sobre a
Alemanha. Uma política agressiva foi estabelecida em 1889, a chamada “Two Power
Standard”. Ela determinava que a esquadra de batalha britânica deveria ser igual ou maior
em números que os dois poderes navais europeus que se seguiam. Em memorando de maio
de 1909, o Primeiro Lorde do Almirantado, Reginald Mc Kenna encaminhou
correspondência ao Primeiro-Ministro H. Asquith, mencionando essa política nos seguintes
termos:
O recente despertar e utilização dessa política [two power standard]como uma medida do poderio naval britânico pode ser imputada a LordeGeorge Hamilton que a mencionou como uma reação aodesenvolvimento das esquadras de combate da Rússia e da Alemanhadepois de 1885. Até aquele ano a França era o único país, além da GB,com algum poder naval e a implementação do ‘two power standard’ nãotinha sentido. Está claro que a supremacia britânica não poderia seradequadamente obtida em todo o tempo e em todas as circunstâncias,somente construindo navios em número suficiente para permitir queenfrentemos qualquer das duas marinhas apontadas[...] em alguns casosessa política [two power standard] tem significado igualdade comqualquer combinação de dois poderes navais[...] outros políticos temconsiderado essa política simplesmente como a soma aritmética denavios da esquadra de combate das duas potências que se seguem àGB[...] por razões práticas, o problema a ser considerado será, qual graude superioridade em encouraçados devemos possuir sobre o seguintepoder naval europeu ?193
191 MODELSKI/THOMPSON, op.cit. p. 209.192 Ibidem, 209.193 Memorando de Reginald McKenna, FLA, para o PM H. Asquith em maio de 1909. Fonte: BRITISHNAVAL DOCUMENTS 1204-1960. London: Naval Records Society, 1993, p.754.
80
Além da preocupação numérica e a manutenção do ‘status quo’, o governo britânico
perseguia a conhecida política de balanço de poder europeu. Possuindo um exército
diminuto, com poucos aliados continentais, a GB não tinha capacidade de intervir com
eficácia no continente europeu194. A Marinha, então, deveria permanecer poderosa.
Outro princípio importante adotado pela GB era a política de “mãos livres para um
povo livre”. Essa política determinava que qualquer declaração de guerra demandava total
apoio público, apesar dos governos terem dificuldade de predizer a extensão desse apoio195,
uma vez que a opinião pública poderia estar dividida e não existir instrumentos de medição
para esse apoio. Essa política foi motivada pelo clamor público ocorrido após os massacres
realizados pelos turcos aos armênios em 1895-96, quando se tornou impossível convencer a
opinião pública a apoiar a Turquia no seu confronto com a Rússia na questão dos
Estreitos.196 Em todas as circunstâncias a Armada Real tinha destacado papel na defesa dos
interesses britânicos.
Em 1904 o novo Primeiro Lorde do Mar da GB, almirante Sir John Arbuthnot Fisher,
assumiu o posto com inovações que viriam modificar a constituição da linha de batalha e a
guerra no mar como um todo. Inicialmente ele transferiu para a reserva cerca de 154
navios, dos quais 17 eram encouraçados obsoletos que só traziam dispêndio de recursos ao
erário e consumiam um número expressivo de marinheiros que poderiam estar guarnecendo
navios mais modernos197. Em seguida, reorganizou a esquadra de reserva em três grupos,
chefiados cada um por um almirante, que tinha a responsabilidade de treinar suas
tripulações, de modo a complementar os esquadrões da ativa. Como terceira medida,
redistribuiu os navios de combate, com vistas a enfrentar a ameaça alemã, que ele tinha
certeza viria em breve. Diminuiu a força do Mediterrâneo, criou a força do Atlântico em
Gibraltar e as forças do Canal da Mancha em Dover e a Home Fleet no norte do Reino
Unido. A força do Atlântico poderia se agregar tanto a do Mediterrâneo como a do Canal198.
Os esquadrões no Atlântico, Índico Oriental, Austrália e Pacífico operariam cruzadores, de
modo a proteger as linhas de comunicação contra corsários de superfície.
194 GOOCH, John. The weary titan: strategy and policy in Great Britain, 1890-1918. op. cit, p. 281.195 Idem.196 Idem.197 KEMP, op.cit. p. 170. 198 Ibidem, p.171.
81
Ainda dentro dessas inovações, determinou, a partir de uma idéia italiana, a
construção do novo encouraçado “Dreadnought”, já descrito no início do capítulo. Essa
novidade foi um marco na construção naval e na organização das linhas de batalha das
principais Marinhas do mundo no período. Seguiu-se o cruzador de batalha, também uma
criação sua, no entanto esse tipo de navio não obteve tanto sucesso, pois abria mão da
proteção em prol da velocidade, embora mantivesse ainda boa artilharia e deslocamento
similar ao encouraçado. Essa combinação mostrou-se funesta na Jutlândia199 em 1916.
Com essas concepções os britânicos enfrentaram os alemães em 1914.
Desde o início do conflito em agosto os britânicos se preocuparam em controlar o
Mar do Norte e o Canal da Mancha, procurando atrair a esquadra alemã para o
enfrentamento naval, dentro de uma concepção estratégica de procurar a batalha naval para
dominar o mar. Imediatamente bloquearam as proximidades dos portos alemães, de modo a
perceber qualquer movimentação de navios de guerra inimigos nessas áreas. Ao mesmo
tempo, procuraram proteger suas linhas de comunicação200 contra corsários de superfície
que transitavam em áreas afastadas das zonas de guerra européias, tais como o Atlântico
Sul, o Caribe, a costa africana, o Índico e o Pacífico. Uma outra iniciativa com sucesso da
Marinha britânica foi procurar estrangular o comércio marítimo inimigo, atacando seus
navios mercantes.
A superioridade britânica era flagrante, no entanto, ela não impediu que os alemães
realizassem uma façanha no Mediterrâneo. Eles conseguiram fazer passar por todas as
forças navais britânicas na região, dois navios de combate201 que se agregaram aos seus
aliados turcos no Bósforo. Esse sucesso alemão foi muito comentado nos meios ingleses
que procuraram logo encontrar os ‘bodes expiatórios’ por essa falha irreparável. Ambos os
199 Em 31 de maio de 1916 durante a Grande Guerra, ocorreu a grande batalha naval da Jutlândia envolvendoforças britânicas e alemães. Nesse combate três cruzadores de batalha ingleses foram perdidos em sucessãocom grande número de mortos. O primeiro o Indefatigable com 1.100 marinheiros afundou atingido por tirosde um cruzador alemão. Só sobreviveram dois homens. O segundo a afundar foi o Queen Mary. De seus1.285 homens só três sobreviveram. Por fim o Invincible foi afundado levando para o túmulo 1.023 homens.Só três escaparam da morte. Esses navios tinham graves erros de projeto que os tornavam vulneráveis a tirosde canhões de grosso calibre, devido a pouca proteção couraçada. Fonte: KISSEL, Robert. Trading armor forspeed. Military History. Leesburg: Primedia, v.17, no 6, p.70, fev 2001. 200 As linhas de comunicação são rotas por onde trafegam os navios desde seus portos de origem até os dedestino. Fonte: COMANDO DA MARINHA.Noções de estratégia marítima. EGN-305 Rio de Janeiro:Escola de Guerra Naval, 2004, p.2.6. 201 Tratava-se dos cruzadores Goeben” e Breslau sob o comando do almirante Souchon. Por cerca de seis diasambos navios cruzaram todo o Mar Mediterrâneo incólumes, sem serem importunados pelos ingleses. Fonte:VAN DER VAT, Dan.The ship that changed the world.. London: Grafton Books, 1986.
82
almirantes envolvidos foram responsabilizados pelo fracasso em interceptar os navios
alemães e afastados de suas funções202.
Outro grande fracasso foi a operação de desembarque nos Dardanelos em 1915.
Apesar dos navios aliados dominarem os estreitos, não conseguiram progredir além de
certo ponto. Tanto as minas marítimas como a resistência turca ao desembarque anfíbio que
se seguiu foram essenciais para a determinação de se retirar, o que se deu depois de meses
de baixas entre as tropas aliadas, predominantemente australianas. Nessa operação,
Winston Churchill e John Fisher fracassaram. O primeiro, como Primeiro Lorde do
Almirantado por ter autorizado e incentivado uma operação complexa como esta, sem o
devido planejamento e cuidado. O segundo, já em avançada idade e de volta ao cargo de
Primeiro Lorde do Mar, por ter se omitido e se afastado da função “por ciúme do prestígio
exuberante do imperador militar Lorde Kitchener” do Exército britânico, segundo palavras
do historiador Leslie Gardner203.
Embora fosse superiora, a Marinha britânica não conseguia atrair a esquadra de alto
mar alemã para o combate. Alguns navios alemães chegaram a bombardear a costa inglesa
sem serem molestados, o que criou um grande mal-estar entre a população que via que os
recursos despendidos na formação de uma grande Marinha não se traduziam em maior
segurança. O fracasso em destruir a força naval alemã na grande Batalha da Jutlândia veio a
comprometer, ainda mais, a já combalida reputação naval britânica.204 O historiador
Geoffey Bennet diria, em relação a frustração inglesa com a batalha, que “foi um fim
insatisfatório. Por dois anos a esquadra britânica desejou e rezou por uma chance de se
encontrar com o inimigo alemão. Encontraram-se enfim e a vitória lhe foi negada”.205
A grande ameaça que surgiu com intensidade foi a campanha submarina irrestrita a
partir de fevereiro de 1917. A navegação aliada foi muito atingida com essa campanha. Em
determinado momento a proporção de afundamentos superou a de construção de navios. A
manter aquela intensidade o povo inglês passaria fome e sofreria forte carestia. Um erro de
202 Trata-se dos almirantes Sir Archibald Milne, Comandante-em-Chefe do Mediterrâneo e Ernest Troubridge,Comandante do 1o Esquadrão de Cruzadores. Fonte: Ibidem, p.52 e 54. 203 GARDINER, Leslie. The british admiralty. Edinburgh: William Blackwood & Sons, 1968, p.332.204 A batalha naval da Jutlândia ocorreu em maio de 1916 e foi o maior encontro entre as duas grandesesquadras na Grande Guerra. Apesar de ser mais poderosa, a Marinha britânica não conseguiu destruir a suaadversária. 205 BENNET, Geoffrey. Battle of Jutland. In: KEMP, Peter. History of Royal Navy. London: Arthur Barker Lt,1969, p.201.
83
avaliação alemão foi o afundamento de navios mercantes norte-americanos, o que veio a
precipitar o envolvimento desse país na guerra em apoio à GB. A Marinha britânica
demorou sobremaneira para adotar a tática de comboios, como forma de se contrapor aos
submarinos. Quando acabou finalmente adotando essa tática, as perdas passaram a declinar
mês a mês.
A Grande Guerra acabou em novembro de 1918, consumindo os recursos britânicos e
a GB, apesar de vitoriosa, não possuía o mesmo vigor de antes do conflito. Os EUA saíram
fortalecidos, com uma Marinha em franca expansão. Winston Churchill em 1918 diria que
“tínhamos administradores competentes, brilhantes experts em diversos campos,
navegadores magníficos, excelentes disciplinadores, belos e devotados oficiais de marinha,
contudo no final do conflito tínhamos mais comandantes de navios que comandantes de
guerra”.206
No período entre guerras (1918-1939) a GB tinha como preocupação básica a
proteção de suas linhas de comunicação em seu Império e a manutenção de uma
proporcionalidade com as demais Marinhas aliadas, uma vez que não existiam condições
políticas para uma nova corrida armamentista naval. Todos ansiavam pela paz.
O Tratado Naval de Washington foi celebrado em 1922 determinando o
dimensionamento máximo das Marinhas da GB, dos EUA, do Japão, com proporções de
5:5:3 respectivamente. A França teria a mesma proporção da Itália correspondente a 1,75
da GB. Houve, também, limitações em classes individuais de navios, tais como
encouraçados, cruzadores de menores dimensões, porta-aviões e outras classes de meios.
Em 1923 a GB possuía 24 encouraçados contra 21 dos norte-americanos. A paridade foi
estabelecida a partir de 1931207. Desse momento em diante, em termos de navios capitais, a
GB e os EUA igualaram-se.
No início da Segunda Guerra Mundial, a GB continuava sendo o principal poder
marítimo da Europa e apesar do início do rearmamento alemão, sua superioridade no mar
era avassaladora.
As principais tarefas alocadas à Marinha Real britânica eram a defesa contra invasão
de seu território, a proteção de suas linhas de comunicação marítimas, a capacidade de
transportar tropas para qualquer ponto do globo por meio marítimo, o ataque às linhas de
206 KEEGAN, John. The price of the Admiralty. London: Penguim Books, 1988, p.121.207 Ver Anexo E).
84
comércio alemães e o bloqueio aos portos controlados pelos germânicos, de modo a
impedir a saída de corsários de superfície e submarinos inimigos. Os ingleses continuavam
a considerar o Canal da Mancha e o Mar do Norte como lagos britânicos.
A ação contra os corsários foi eficiente e em seqüência dois dos grandes navios
alemães foram caçados e afundados, o Graf Spee no Atlântico Sul e o Bismarck no
Atlântico Norte. Uma das grandes falhas de percepção dos ingleses foi a operação de
passagem de grandes navios germânicos do oeste para leste pelo Canal da Mancha em
fevereiro de 1942. A permanência dos navios alemães em Brest significaria a sua destruição
pela aviação aliada. A operação foi bem planejada pelos alemães e aproveitando a noite
para a corrida em direção aos portos alemães de Kiel e Wilhelmshaven, com apoio da Força
Aérea e de navios menores na cobertura, a operação terminou com grande sucesso para os
alemães.
No Mediterrâneo, os ingleses tiveram que enfrentar a Marinha italiana, o que não foi
nenhum problema extremo. Possuindo bases em Gibraltar, Malta e Alexandria a esquadra
britânica enfrentou os italianos e assumiu o domínio do mar naquelas paragens. A grande
preocupação nessa região marítima era a ofensiva da aviação alemã que operava a partir de
bases na Itália, Sicília e Norte da África contra a navegação mercante aliada. Outra
preocupação era com a Marinha francesa que caíra nas mãos dos alemães e as unidades
francesas que se encontravam na África. Foram, então, realizados ataques contra os navios
franceses em Mers-el-Kebir e determinado o desarmamento de navios em Alexandria.
Em dezembro de 1941 os japoneses atacaram Pearl Harbor e fizeram os EUA
entrarem na guerra. Naquele ano os EUA possuíam 32,6% de distribuição global de poder
marítimo contra 28,3 dos ingleses e 23,9 dos japoneses208. A entrada dos norte-americanos
na guerra fez pender a balança a favor dos aliados. A cada ano da guerra o percentual de
poder marítimo dos EUA foi aumentando continuamente, passando de 38% em 1942, para
41,2 em 1943, 51% em 1944, tornando-se a partir desse ano o poder mundial e por fim 50%
em 1945, último ano da guerra. O novo ciclo longo teria seu início a partir desse ano, com o
predomínio dos EUA.
A campanha submarina alemã contra os navios mercantes aliados foi eficiente e como
na guerra de 1914 a 1918 quase trouxe o colapso econômico para o Reino Unido. O auge
208 Anexo G).
85
dos afundamentos foi no mês de outubro de 1942, quando foram afundados 93 navios
aliados com um total de 600.000 toneladas.209 Foram estabelecidos, então, um sistema de
comboios, novos equipamentos de detecção e ataque anti-submarino e novas táticas de
ataque coordenado contra submarinos mergulhados. Depois de seis longos anos de
campanha submarina chegou-se as seguintes perdas da navegação aliada: 2.775 navios
afundados por submarinos, 521 por minas marítimas, 326 por navios de superfície, 753 por
aviões inimigos e 411 por causas desconhecidas, perfazendo um total de 4.786 navios
aliados perdidos.210
O encouraçado deixava de ser o navio capital e dava lugar ao porta-aviões,
amplamente usado no Pacífico, tanto por norte-americanos como por japoneses. Batalhas
navais foram travadas, sem que houvesse engajamento entre navios de superfície, como por
exemplo, a Batalha de Midway. A vulnerabilidade dos navios à ação dos aviões foi
totalmente comprovada. Outra inovação operacional de relevância foi a criação do Trem da
Esquadra, composto por navios de abastecimento que acompanhavam os navios de
combate, de modo a suprir as necessidades logísticas no próprio teatro de operações,
evitando a ida dos primeiros para as bases de apoio, afastadas dos locais de disputa. Para os
reparos imediatos dos navios criaram-se bases avançadas que provinham os consertos
emergenciais aos meios de combate, próximo aos teatros de operação, economizando
tempo e aumentando a disponibilidade para a luta.
Foram realizadas também operações anfíbias211 de grande envergadura, como por
exemplo, a Operação ‘Overlord’, invasão da França ocupada pelos alemães a partir da
Inglaterra, e as operações anfíbias contra Iwo Jima e Okinawa contra os japoneses. Para a
realização desse tipo de operação complexa, foram desenvolvidos planos específicos,
táticas avançadas e novos procedimentos operacionais, de modo a controlar no tempo e
espaço as diferentes etapas de sua execução que compreendiam o planejamento, o
embarque da tropa a ser desembarcada nas praias de assalto, o ensaio para se testar a
viabilidade da operação, a travessia até o ponto de desembarque e por fim o assalto.
Novas armas foram desenvolvidas nesse período tais como novas minas marítimas
com sensibilidades magnéticas, acústicas e de pressão, além de novos equipamentos de209 BELOT, R. de A Guerra aeronaval no Atlântico. Rio de Janeiro: Record, [196-], p.198. 210 Ibidem, p.276.211 A operação anfíbia refere-se, normalmente a um ataque lançado do mar por uma Força-Tarefa Anfíbiasobre litoral hostil ou potencialmente hostil. Fonte: DOUTRINA BÁSICA DA MARINHA, op.cit, p.4-8.
86
escuta submarina, o radar para detecção de superfície e novos instrumentos para detecção
de emissões eletrônicas.
Enfim a Segunda Guerra Mundial foi a guerra das inovações tecnológicas, do qual
emergiu o novo poder mundial, os EUA. O eclipse britânico, enfim, ocorria depois de mais
de dois séculos de predomínio naval.
Os ciclos longos de poder marítimo, como modelos teóricos, parecem atender aquilo
que a própria historiografia apontou como relevante na guerra no mar em quinhentos anos,
no entanto, esse modelo indicou pontos de fragilidade importantes em sua constituição.
O próximo subitem será a discussão desses pontos.
1.3.4 – Os ciclos longos de poder marítimo: uma análise crítica.
Ciro Flamarion Cardoso e Héctor Brignoli afirmam que a história serial foi durante
muito tempo econômica, interessada no estudo de ciclos conjunturais, a partir de variáveis
tais como preços, salários e índices comerciais. Tal fato, no entanto, segundo eles, não se
aplica na atualidade, uma vez que a história serial tem abrangido novos campos de
pesquisa, incluindo variáveis demográficas, ideológicas e políticas212. Dentro dessa
concepção a teoria de ciclos longos se enquadra como um exemplo de história serial,
utilizando modelo quantitativo, no qual se trabalha, na maior parte do período cronológico
abarcado, com apenas uma variável, o número de navios de linha. Em um segundo
momento, a partir de 1816, inclui-se novo parâmetro quantitativo, os gastos navais dos
poderes globais prevalentes no quarto ciclo longo, que se conjuminam com a variável
anterior, na obtenção das séries temporais para a determinação dos poderes mundial e
globais.
O que os autores realmente pretendiam com essa análise era correlacionar um ou dois
parâmetros ‘navais’ seriais para se mensurar capacidades relativas de poder marítimo entre
os principais atores internacionais em cada ciclo, de modo a afirmar que o predomínio
naval de certo ator, o poder mundial, considerando apenas essas variáveis, teria não só
ascendência naval sobre seus contendores, mas também ascendência mundial.
212 CARDOSO, Ciro Flamarion; BRIGNOLI, Héctor Pérez. Métodos da História. 5a ed. Rio de Janeiro: Graal,1990, p. 34.
87
Essa teoria deve ser analisada sob sete aspectos fundamentais: a questão das fontes, o
número de variáveis seriais, a questão moral, o adestramento, aspectos da tecnologia e do
aprestamento, a correlação com as políticas navais de cada ator considerado, e por fim o
reducionismo do modelo.
Inicialmente, a questão do trabalho e manuseio das fontes deve ser discutida. Dizem
Cardoso e Brignoli que o traço distintivo mais importante da história serial, ante as demais
formas de história quantitativa, consiste em ser uma atividade exercida por historiadores
com formação especializada, especialmente quando se trabalha com séries estatísticas
relativas a períodos anteriores ao século XIX e a necessidade de não se cometer
anacronismos, isto é não respeitar o caráter diferencial das diferentes sociedades
analisadas.213
Em aditamento, François Furet distinguiu três grupos, segundo a ordem crescente de
dificuldades relativamente a constituição das séries que seriam as seguintes:
As mais simples eram as fontes estruturalmente numéricas reunidas para responder a
questões do campo original de pesquisa, por exemplo, os registros paroquiais para a história
demográfica ou mesmo planilhas eleitorais para a história política. Quando houvesse
lacunas nas séries seria permitida a extrapolação. Essas operações, segundo Furet, eram
fáceis e confiáveis. O segundo grupo em dificuldade compunham-se de fontes
estruturalmente numéricas, usadas para encontrar respostas a questões totalmente estranhas
a seu campo original de pesquisa, como, por exemplo, a utilização de preços como
indicadores do crescimento econômico ou o estudo de documentos fiscais para se estudar a
estrutura social de determinado grupo. Neste caso o pesquisador deveria justificar a
validade do emprego dessas fontes em relação a sua problemática. O manejo dos dados
seria difícil e os resultados mais arbitrários do que no caso anterior. Por fim, a mais
complexa que era a utilização das fontes não estruturadas numericamente, usadas de modo
quantitativo, mediante um procedimento substitutivo. Eles deveriam ser organizados em
séries e em unidades cronológicas comparáveis a custa de um trabalho bem mais complexo
que no grupo anterior.214
A teoria dos ciclos longos pode ser qualificada como pertencente ao segundo grupo,
uma vez que se trabalha com fontes numéricas ( a quantidade de navios de linha por ano
213 Ibidem, p.32.214 Ibidem, p.36.
88
considerado), que são usadas para encontrar respostas a questões estranhas ao campo de
pesquisa, isto é a mensuração de poder relativo entre atores internacionais. Por meio do
número de navios, pretende-se mensurar poder. Os pesquisadores, nesse caso, justificaram
a utilização desses dados, na impossibilidade de se confiar em outros parâmetros de
avaliação, no entanto durante toda a apresentação do modelo quantitativo enfatizaram a
dificuldade de se trabalhar com esse parâmetro, devido a grande variedade e complexidade
de informações disponíveis.
Sem dúvida Modelski e Thompson tiveram muito cuidado na seleção e no manuseio
das fontes, procurando contrabalançar essas dificuldades com critério, bom senso e técnica.
Entretanto, a dificuldade existe como apontado por Furet e assim as chances de valores
arbitrários, mesmo que com grande cuidado na análise, são altas.215
Um segundo ponto a ser discutido é o referente ao número de variáveis utilizadas,
apenas uma na maior parte do espectro temporal. Essa limitação nas séries analisadas torna-
se relevante à medida que se pretende, a partir de apenas uma variável, configurar uma
tendência ou prognóstico. Um exemplo marcante dessa possível distorção é tomar o
número de navios de linhas para indicar um predomínio sobre adversários como se os
valores numéricos por si indicassem superioridade, quando outros fatores devem ser
considerados. Uma variável apenas dificilmente poderá indicar tendências, principalmente
por se confrontar com valores relativos e não absolutos de outros atores internacionais
avaliados.
Um terceiro ponto a ser apresentado é a questão da moral que não pode ser mensurada
em séries quantitativas. Pode-se definir moral como o espírito ou a atitude mental de um
indivíduo ou grupo de indivíduos, que se reflete em sua conduta216. Como medir a moral ?
Quais os parâmetros morais que devem ser auferidos ? Quem possui maior moral em um
confronto que envolve grupos humanos distintos e como medi-las relativamente ? No
estudo de Modelski / Thompson essa variável não foi considerada. Quando se discute
guerra o fator moral é relevante, muitas vezes se sobrepondo ao fator material. O
215 Há que se considerar que George Modelski e William Thopson são cientistas políticos e não historiadores,pouco afeitos ao manuseio de fontes. Deve ser, no entanto, considerado que ambos trabalharam com critérioos dados disponíveis e ao que parece com boa técnica documental. 216 DOUTRINA BÁSICA DA MARINHA, op.cit p.2.9.
89
aprimoramento e a conservação de um moral elevado são essenciais para o êxito na
guerra.217
Um quarto ponto a ser discutido é a questão do adestramento. Como se computar o
adestramento de uma Marinha em séries quantitativas ? Esse fator, juntamente com a moral
são elementos fundamentais de difícil mensuração. Evidentemente que existiram Marinhas
mais preparadas que outras no período considerado no estudo de Modelski / Thompson, no
entanto esse requisito fundamental não foi contemplado. A velocidade de remuniciamento
de canhões, a rapidez na formação tática de navios em combate, a perfeita coordenação de
fogo, o moderno e eficiente controle de avarias durante a ação, são alguns fatores entre
dezenas que podem fazer a diferença em guerras. Esses fatores não foram computados no
modelo analisado.
Um quinto ponto a ser apresentado é a questão da tecnologia naval agregada nos
navios de linha e a capacidade de apoio logístico. Como mensurar em séries estatísticas a
tecnologia ? Certo que dois navios de linha não eram efetivamente iguais. O que distinguia
um do outro, a parte o fator humano, sempre presente, era a tecnologia agregada nos seus
sistemas de combate. Modelski e Thompson conseguiram até distinguir algumas classes de
navios de linha de outros, no entanto, a tecnologia agregada a cada classe não pôde ser
devidamente segregada, devido ao grande número de variáveis envolvidas nesse processo.
A questão da capacidade logística agregada de cada poder global tampouco foi
contemplada pelo modelo. Um exemplo desse requisito foi a capacidade da GB apoiar os
seus navios na maior parte dos períodos considerados, ao contrário de outros contendores
que limitavam-se ao apoio em estações distantes em menores números que os britânicos,
embora tivessem alcance mundial, um dos requisitos formulados por Modelski e Thopson.
A GB tinha grande superioridade naval em parte devido a esses dois fatores reunidos, o que
não pôde ser computada no modelo.
Um sexto fator a ser discutido é a recorrência com que políticas navais de poderes
globais se traduziram em benefícios para o poder marítimo. Sem dúvida que a Inglaterra e
depois a GB dispôs de estadistas que reconheciam a importância do fortalecimento desse
poder, no entanto como medir esses benefícios ? Não era apenas o incentivo na construção
de mais navios de linha, mas também políticas de fortalecimento do setor naval, com
217 Ibidem, p.2.9.
90
melhores métodos de recrutamento, maiores salários para atrair os melhores homens para a
Marinha de guerra, maiores recursos para o adestramento, de modo a aumentar a
prontificação para a guerra no mar, incentivos a indústria bélica como forma de
desenvolver tecnologias afins e outras iniciativas que não puderam ser computadas no
modelo de Modelski / Thompson.
Um sétimo e último fator é o reducionismo do modelo. A partir de um parâmetro os
autores procuraram indicar ciclos que, por envolverem interações políticas complexas, não
poderiam ser dessa maneira tão simplificadas. Os sistemas políticos internacionais, segundo
Joseph Nye, são menos centralizados e menos tangíveis do que os sistemas políticos
nacionais, não abrangendo apenas os Estados. Disse ele que o ponto importante de qualquer
sistema é de que o padrão inteiro é maior do que a soma das partes, isto é os atores, fins e
instrumentos, podendo dar origem a conseqüências não intencionadas por nenhum dos
atores que o constituem.218 Assim a complexidade do sistema internacional e no caso em
questão a interação entre os atores navais prevalentes não pode comportar reducionismos
como o apresentado por Modelski e Thopson. O sistema político internacional é bem mais
complexo do que o apresentado pelos autores. A redução da análise ao poder marítimo e
somente ele, distorce o resultado e não leva em consideração considerações econômicas,
políticas, psico-sociais que compõem a arena internacional, mais complexa, dinâmica e
imprevista muitas vezes. Tomar-se as relações internacionais do período pela mensuração
de apenas uma variável, o poder marítimo, além de estruturalmente perigoso, é
conjunturalmente insustentável.
Apesar desses percalços, o modelo traz à discussão a importância do poder marítimo
no sistema internacional. Trata-se, assim, de uma teoria e como tal passível de discussão e
análise, tendo, no entanto o grande mérito de discutir história naval e sua simbiose com as
relações internacionais, nos períodos moderno e contemporâneo. Seus resultados, apesar da
série de limitações metodológicas, apontaram para predominâncias cíclicas de atores
navais, os poderes globais, que se correlacionavam com predomínios políticos desses
mesmos atores na arena internacional, segundo a historiografia disponível. Coincidências ?
Elas podem existir, mas não parece o caso.
218 NYE, Joseph. Compreender os conflitos internacionais. Uma introdução à teoria e à história. Lisboa:Gradiva, 2002, p.39.
91
Dentro de suas concepções os ciclos longos parecem ser recorrentes. O primeiro ciclo
longo abarcou cerca de 86 anos, de 1494 e 1580. O segundo, 108 anos, de 1580 a 1688. O
terceiro, 104 anos, de 1688 a 1792 e por fim o quarto, 122 anos, de 1792 a 1914. Os ciclos,
então, gravitaram entre 86 e 122 anos, o que nos indica que, continuando a recorrência,
existirá uma guerra global, segundo o modelo, entre 2000 e 2036. Especulação
metodológica ? Determinismo histórico ? Questões de difícil comprovação científica.
O estudo desses teóricos demonstrou que os atores políticos com maiores destaques
nos diferentes ciclos longos desenvolveram seus poderes marítimos, investindo nos navios
de linha e em orçamentos navais cada vez mais substanciais. A correlação entre o
fortalecimento do poder marítimo e a prosperidade da Nação parece ter sido a principal
conclusão de Modelski e Thompson.
A teoria de ciclos longos de Modelski e Thopson procurou discutir a importância do
poder marítimo na história e nas relações internacionais, no entanto a primeira teoria
relevante sobre a centralidade do mar nas relações interestatais surgiu com o lançamento de
um livro fundamental em 1890 cujo autor se debruçou sobre a história naval para explicar a
relevância do mar na política internacional. O livro, The Influence of Sea Power upon
History, 1660-1783. O seu autor, um oficial de marinha dos EUA, chamado Alfred Thayer
Mahan.
Sua teoria será discutida no próximo capítulo.
92
CAPÍTULO 2
ALFRED THAYER MAHAN : O EVANGELISTA DO PODER MARÍTIMO.
Alfred Thayer Mahan, o evangelista do poder marítimo. Com esse título Margaret
Tuttle Sprout cunhou o seu conhecido artigo publicado em 1971 sobre esse personagem
histórico que modificou a percepção da importância de se dominar o mar para o
desenvolvimento das nações. Sprout iniciou seu artigo dizendo que “nenhuma outra pessoa
teve tão direta e profundamente influenciado a teoria do poder marítimo e a estratégia naval
como Alfred Thayer Mahan”.219
Sem dúvida, Margaret Sprout tinha razão. Até hoje se discute a importância histórica
e teórica dos estudos de Mahan, para se compreender a guerra no mar, a partir do século
XVII e suas repercussões políticas no desenvolvimento das Nações. Afinal, quem foi esse
personagem que estabeleceu um novo paradigma na discussão dos temas navais e
influenciou sobremaneira as políticas nacionais de diversos países ?
2.1- Alfred Thayer Mahan: um marinheiro relutante e autor vigoroso.
Alfred Thayer Mahan nasceu em 27 de setembro de 1840 na cidade de West Point no
estado de Nova Iorque nos EUA. Filho do professor de engenharia civil e militar da
219 SPROUT, Margaret Tuttle. Mahan: evangelist of sea power. In: EARLE, Edward Mead. Makers ofModern Strategy. Princeton: Princeton University Press, 1973, p.415.
93
Academia Militar de West Point, Dennis Hart Mahan220 e de Mary Helena Okill Mahan,
uma professora protestante profundamente religiosa221, Alfred, desde cedo, adquiriu de seu
pai um profundo sentido de dever e um comportamento cortês e polido.
Apesar de seu pai ter sido criado na religião católica, em virtude de sua origem
irlandesa, Alfred tornou-se protestante episcopal, fruto da ascendência de sua avó Mary
Jay, que muito o influenciou.222
O jovem Alfred viveu a maior parte de sua infância em West Point, local onde seu pai
permaneceria como professor por quase 40 anos. Com 12 anos de idade foi enviado à
escola secundária em Hagerstown no estado de Maryland e dois anos depois entrou para o
Columbia College, hospedando-se na casa de seu tio, Milo Mahan223, professor de história
eclesiástica no Seminário Geral Teológico na cidade de Nova Iorque. Milo teve profunda
influência na vida religiosa de Alfred.
Desde cedo, Alfred desejou entrar para a Marinha de guerra, apesar da oposição de
seu pai que acreditava ser mais produtiva para o seu filho a vida em uma profissão liberal.
Sobre isso disse Alfred :
Minha entrada na Marinha foi totalmente contra o desejo de meu pai. Eunão me lembro todos os seus argumentos, mas me disse que eu era muitomais preparado para a vida civil que a vida militar, pelo o que ele meconhecia. Eu acredito hoje em dia que no fundo ele estava certo; apesarde eu não ter motivos para reclamar de qualquer insucesso, estouconvencido que faria melhor na vida civil.224
Apesar da oposição de seu filho em seguir a vida civil, Dennis ajudou-o, enviando
cartas de apresentação ao Secretário da Guerra, Jefferson Davis para obter uma nomeação
para a Academia Naval de Annapolis. Como era costume na ocasião, o jovem Alfred220 Dennis Hart Mahan nasceu em 1802 em Norfolk, Virginia. Graduou-se pela Academia Militar de WestPoint em 1824 como primeiro aluno de sua turma. No ano seguinte seguiu para a França onde formou-se emengenharia de fortificações. Em 1838 tornou-se professor dessa academia, lá permanecendo até sua morte em1871. Casou-se com Mary Helena em 1839. Fonte: SEAGER II, Robert. Alfred Thayer Mahan. The man andhis letters. Annapolis: United States Naval Institute, 1977, p.3. No subitem 2.2.2 será discutida com maiorprofundidade a influência de Dennis Mahan sobre o pensamento de Alfred.221 Ibidem, p.3.222 TAYLOR, Charles Carlisle. The life of Admiral Mahan, naval philosopher. op.cit, p.3 e SEAGER II,Alfred Thayer Mahan. The man and his letters op.cit, p.6 . 223 Milo Mahan foi professor de Teologia e de Filosofia, tendo estudado em profundidade os filósofos gregos.Segundo Robert Seager, Milo teve considerável influência sobre Alfred Mahan. Fonte: SEAGER, AlfredThayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p.5.224 MAHAN, Alfred Thayer. From sail to steam. New York: Harper & Brothers Publishers, 1907, p.xiv.
94
Mahan enviou uma carta ao deputado de seu estado, Nova Iorque, Ambrose Murray,
solicitando indicação para Annapolis. Escreveu Alfred o seguinte:
Eu não posso permitir que essa ocasião passe sem expressar minhasincera gratidão pelo gentil apoio que o senhor me tem dado para obter ofim que tenho em mente. Sua gentileza tem sido muito apreciada, pelomeu profundo desejo de entrar nessa profissão [da Marinha] e realmenteseria um grande desapontamento eu ser obrigado a desistir dessedesejo225.
Em 30 de setembro de 1856 o jovem Alfred era declarado aspirante de marinha na
Academia Naval de Annapolis, no estado de Maryland.
2.1.1- Primeiros tempos na Marinha:
Mahan tinha 15 anos quando entrou para Annapolis. No início de sua estada na
Academia, sentiu profunda depressão pelo afastamento de sua família226, recuperando-se
aos poucos, depois de se convencer da inevitabilidade de sua decisão de prosseguir na
carreira. Por ter cursado dois anos em Columbia, foi autorizado a se agregar ao Segundo
Ano.
Após os primeiros difíceis dias, Mahan começou a apreciar o ambiente naval e
tornou-se, inicialmente, um aspirante alegre, confiante e acima da média intelectual da
turma227. Um dos seus mais chegados colegas de turma, Samuel Ashe, declararia que
Mahan “era o homem mais intelectualizado que conhecera. Ele [Mahan] tinha uma
brilhante memória, mas também a capacidade de compreender e clareza de perceber
problemas que o fazia se distinguir entre os seus pares pela inteligência”.228
O desempenho acadêmico de Mahan foi acima da média. Com o passar dos anos na
Academia, entretanto, Mahan tornou-se introvertido e solitário, incapaz de se relacionar
satisfatoriamente com seus colegas de turma. Durante os anos em Annapolis, Mahan fez
poucos amigos e tornou-se uma figura impopular.
225 Carta de Alfred Thayer Mahan a Ambrose Murray de 14 de abril de 1856, escrita de Nova Iorque. Fonte:SEAGER II, Robert; MAGUIRE, Doris. Letters and papers of Alfred Thayer Mahan. V1, op.cit, p.3. 226 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op.cit. p.12.227 Ibidem, p.12.228 TAYLOR, op.cit. p.8.
95
Mahan permaneceu três anos em Annapolis, vindo a graduar-se em segundo lugar na
classe de 1859. Somente 20 alunos conseguiram graduar-se de um total inicial de 49
aspirantes.229 Dizia ele que a quantidade de abandonos durante o curso espelhava a
imperfeição do processo educacional em todo o país e não a severidade dos testes na
Academia. O problema estava no próprio ensino nacional, que não preparava os alunos para
o estudo e a instrução, e não no rigor na avaliação dos alunos em Annapolis. Acreditava
mesmo que as avaliações e provas eram “moderadas”, não havendo necessidade de se
aplicar com afinco nos estudos.230 Apesar disso, acreditava que a Academia se constituía
numa atmosfera perfeitamente de acordo com a vida que os aspirantes teriam na Marinha,
bem mais relaxada que no Exército, uma vez que havia, segundo ele, liberdade na troca de
experiências com os professores e instrutores.231
O ambiente em Annapolis era favorável à causa do Sul, inclusive com muitos
aspirantes de lá provenientes, ardorosos de seus ideais. Acreditavam que a justiça estava a
seu lado e que a União queria limitar seus direitos e liberdade232. O cerne da desconfiança
entre os dois lados já contagiava o ambiente acadêmico e dentro de poucos anos, muitos
daqueles colegas de turma estariam lutando de lados opostos, inclusive Mahan, que se
agregou à União, mais para preservá-la do que para abolir a escravidão, principal causa da
guerra233.
Após sua graduação em Annapolis, o guarda-marinha234 Mahan foi designado para a
fragata USS Congress235 que se encontrava em patrulha no Atlântico Sul, na função de
ajudante de ordens do comodoro Joshua Sands, comandante da Estação Naval do Brasil.
Nessa oportunidade teve a chance de conhecer o Rio de Janeiro. Disse ele sobre a cidade
brasileira que “a magnífica paisagem do Rio permanece e precisa permanecer próximo de
uma visão tipo ‘terremoto’; o Pão de Açúcar, a distante Serra dos Órgãos, as altas
229 O primeiro aluno da turma de 1859 foi William Briggs Hall que pediu demissão da Marinha quando foideflagrada a Guerra de Secessão. Agregou-se ao exército da Confederação e depois do término da guerra foiassessor do Exército egípcio, indicado pelo General Sherman. Fonte: TAYLOR, op.cit. p.10. 230 MAHAN, From Sail to Steam, op.cit. p.75.231 Ibidem, p.84.232 Ibidem, p.85.233 TAYLOR, op.cit. p.11.234 Em inglês, passed midshipman.235 O USS Congress era um navio à vela do tipo fragata com 1.867 toneladas de deslocamento, completada em1842, armada com 50 canhões de diversos calibres. Foi afundada durante a Guerra de Secessão pelo navioconfederado CSS Virginia. O USS significa “United States Ship”. Fonte: SEAGER II, Letters and papers,v.1,op.cit. p.84.
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montanhas próximas que nos rodeiam, as numerosas curvas de sua linha de costa e
diversificadas escarpas que nos dão a conhecer, são contínuas novidades”236.
Em 31 de agosto de 1861 foi promovido a capitão-tenente237, embarcando, logo após,
na corveta a vapor USS Pocahontas238 destacada na Flotilha do Rio Potomac. Sua ascensão
rápida a capitão-tenente foi motivada pela aceleração das promoções durante o primeiro
ano da Guerra de Secessão, deflagrada pouco tempo antes.
Mahan se filiou à causa da União e participou no Pocahontas do ataque às forças
confederadas em Port Royal na Carolina do Sul em novembro de 1861. Em seguida, o
navio foi designado para a Estação de Bloqueio do Atlântico Sul, em patrulha entre
Georgetown na Carolina do Sul e Ferdinanda na Florida, longe dos grandes combates
navais entre a União e a Confederação. Nessa estação de pouca atividade bélica, Mahan
travou contato com as péssimas condições dos escravos na Carolina do Sul, tornando-se
imediatamente um abolicionista.239
Em setembro de 1862, Mahan foi designado para servir na Academia Naval, como
instrutor de marinharia, transferida de Annapolis para Newport, Rhode Island, de modo a
afastá-la dos combates da guerra. Mahan lá permaneceu por cerca de um ano. Sendo um
oficial que mantinha distância dos aspirantes, não deixou boas lembranças. Ainda na
Academia foi designado para o USS Macedônia240, acompanhando os aspirantes em uma
viagem de instrução.
Esse período no Macedônia foi de muita alegria para Mahan, pois o navio foi
destacado para um cruzeiro à Europa, onde teve oportunidade de visitar Paris, que muito o
encantou. Além disso, nesse mesmo navio, travou estreito contato com o comandante,
capitão-de-corveta241 Stephen Luce que viria a ter um importante papel na carreira de
Mahan e com William Sampson, futuro almirante que se destacaria na Guerra Espano-
americana em 1898.
236 MAHAN, From Sail to Steam, op.cit. p.147.237 Em inglês, lieutenant na Marinha dos EUA. 238 O USS Pocahontas era uma corveta deslocando 694 toneladas, com 11 canhões e uma tripulação de 173homens. Fonte: SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters , op.cit. p.36.239 Ibidem, p.37.240 O USS Macedônia era um navio obsoleto armado com quatro velhos canhões. Tinha a tarefa de adestrar osaspirantes da Academia Naval nas fainas marinheiras. Fonte: Ibidem, p.37.241 Capitão-de-corveta é tenente-comandante (lieutenant-commander) na Marinha norte-americana.
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No regresso de sua comissão, Mahan foi designado para servir no USS Seminole242
agregado ao Esquadrão de Bloqueio do Golfo, em frente a Sabine Pass e Galveston. Essa
fase lhe foi extremamente frustrante. Dizia ele que essa comissão era desesperadamente
tediosa e que “nunca tinha visto um grupo de homens inteligentes reduzidos à total
imbecilidade, como os meus colegas de navio”.243 Logo em seguida, foi designado para o
estado-maior do comandante-em-chefe do Esquadrão de Bloqueio do Atlântico Sul,
almirante Dahlgren, a bordo do USS James Adger244, quando este almirante entrou em abril
de 1865 no Porto de Charleston, recentemente capturado das forças confederadas.
O historiador Robert Seager II atestou que seu desempenho como oficial de
armamento do esquadrão, sob as ordens de Dahlgren, não foi dos melhores, uma vez que
este almirante o transferiu de volta ao Seminoler por não controlar adequadamente os
estoques de munição do esquadrão245. Parecia que Mahan não se sentia à vontade em
navios.
A guerra finalmente terminara e Mahan não participou ativamente de sua conclusão,
ora estacionado em navios afastados do campo de lutas, ora prestando serviços em terra
como na Academia Naval, onde permaneceu por pouco mais de um ano. Nesse mesmo ano
de 1865 foi promovido a capitão-de-corveta, tendo sido designado imediato246 do USS
Muscoota247, onde sofreu com uma forte febre tropical, permanecendo muitos dias afastado
do serviço. Novamente foi atingido por forte depressão, sentindo-se frustrado, solitário e
sem amigos próximos248. A vida no mar definitivamente não lhe agradava de maneira
alguma.
Depois de um breve período no Estaleiro Naval de Washington, Mahan foi designado
para servir na fragata USS Iroquois na Estação Asiática, onde pôde visitar a China, o Japão
e o Extremo Oriente. Nessa região, Mahan foi atingido novamente por forte doença quando
em Nagasaki249, afastando-se de seu navio por breve período de tempo. Sentia-se mal a
242 O USS Seminole era uma pequena chalupa armada com nove canhões. Fonte: Ibidem, p.38. 243 Ibidem, p.38.244 O USS James Adger era uma escuna a vapor armada com 17 canhões. Fonte: SEAGER II, v.1, Letters andpapers, op.cit. p. 88.245 Ibidem, p.41.246 Imediato é o mesmo que sub-comandante.247O USS Muscoota era uma barca de madeira armada com dez canhões de diversos calibres. Fonte: SEAGERII, v.1, Letters and papers, op.cit. p.94.248 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op.cit. p.43.249 TAYLOR, op.cit, p.18.
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bordo e aquele tipo de vida o desagradava. Em abril de 1867 escreveu o seguinte para a sua
mãe:
Minha situação a bordo é de grande isolamento e muitas vezes é difícilsuportar. Sobre mim o peso é maior por que eu não estou certo de queisto é o que quero fazer. Eu tenho dúvidas se devo insistir, quandomenciono minhas dificuldades e dúvidas. Deus me colocou em umasituação, como disse, de quase total isolamento, de sofrer a dúvida dadisciplina e da incerteza.250
O período a bordo do Iroquois, embora extremamente penoso, foi profícuo para sua
formação intelectual. Mahan leu avidamente obras de John Motley, Leopold Von Ranke e
de François Pierre Guizot. A História começou a fazer parte de sua vida. As lides do mar,
por outro lado, só traziam desesperança e temor.
O ano de 1870 foi um ano importante para Mahan, pois ao passar pela Europa, pôde
assistir a queda do Império francês esmagado pelos alemães. Esse acontecimento histórico,
segundo ele, fez desaparecer o velho, Napoleão III, e surgir o novo, o Império Alemão, uma
“força organizada e disciplinada”.251 Esse fato provocou profundo impacto em seu
pensamento.
No período entre 1870 e 1875 serviu ora em unidades de terra, ora em navios, no
segundo caso para o seu contragosto, tais como no navio mercante USS Worcester252, e em
fevereiro de 1873 no comando do USS Wasp253 no Rio da Prata, um navio em péssimas
condições operacionais. A inabilidade de Mahan em manobras marinheiras mostrou-se
mais uma vez, quando no comando do Wasp.
Um fato inusitado ocorreu em Junho de 1874. Ele chocou-se com a porta flutuante de
um dique seco em Montevideo, impedindo a sua retirada até o reparo total da porta. Ficou
preso nesse dique por cerca de dez dias. Não satisfeito, logo depois, Mahan chocou-se com
250 Carta de Alfred Mahan para sua mãe Mary Helena Okill Mahan escrita a bordo do USS Iroquois em 28 deabril de 1867. Fonte: SEAGER II, v.1, Letters and papers, op.cit. p.99. 251 TAYLOR, op.cit, p.19.252 O USS Worchester era um mercante armado de 3.050 toneladas de deslocamento, com 14 canhões. Fonte:SEAGER II, v.1, Letters and papers, op.cit. p.359.253 O USS Wasp foi um navio britânico que forçava o bloqueio estabelecido pela União, tendo sido capturadodurante a Guerra de Secessão. Seu nome foi mudado para “Wasp” em junho de 1865.
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uma barca no mesmo porto e em 3 de novembro de 1874 colidiu o seu navio com um vaso
de guerra argentino no porto de Buenos Aires durante uma tempestade.254
Pouco antes de assumir o comando do Wasp, Mahan casou-se em junho de 1872 com
Ellen Lyle Evans. Foi um relacionamento que perdurou durante toda a sua vida. Dessa
relação nasceram duas mulheres, Ellen Evans nascida em Montevideo em 1873, Helen
Kuhn em 1877 e um homem Lyle Evans em 1881. A Ellen Lyle pode ser imputada parte do
sucesso editorial de Mahan, já que foi uma grande incentivadora de seu marido, muitas
vezes transcrevendo seus textos em máquina de escrever e revisando os manuscritos.
Em agosto de 1875 Mahan foi designado para o Arsenal Naval de Boston, já capitão-
de-fragata,255 e em 1877 voltou a Annapolis como chefe do Departamento de Artilharia,
onde permaneceu por três anos. O evento mais importante ocorrido com Mahan nesse
período foi o terceiro lugar obtido em um concurso de monografias, com um trabalho sobre
a educação naval, patrocinado pelo United States Naval Institute em 1878. Embora na
competição tenham concorrido apenas dez artigos, o texto de Mahan foi considerado
reformista, uma vez que propunha a modernização dos currículos da Academia Naval, de
modo a incrementar as qualificações acadêmicas dos aspirantes256. Com esse artigo Mahan
tomou gosto pela escrita, uma fuga dos fracassos como oficial de marinha embarcado.
Em julho de 1880 voltou a servir no Arsenal Naval de Nova Iorque no Brooklin, onde
permaneceu até 1883, quando assumiu o comando do USS Wachusset257, estacionado em
Callao no Peru. Em 1882 Mahan escreveu seu primeiro livro, The Gulf and Inland
Waters258 que tratou das operações navais ocorridas durante a Guerra de Secessão. Ele
servira no teatro de operações da guerra durante pouco tempo, no entanto lera um grande
volume de relatórios dos dois lados e se correspondeu com numerosos participantes dos
eventos ocorridos, o que lhe fez escrever um trabalho com razoável sustentação
argumentativa. Nessa obra, Mahan elogiou o almirante David Glasgow Farragut tanto no
ponto de vista político como no militar, por sua rápida captura de Nova Orleans em 1862259.
254 LANKIEWICZ, Donald. The Reluctant Seaman. 2007, p.4. página www.thehistorynet.com. Acesso em 26de abril de 2007. 255 O posto de capitão-de-fragata na Marinha brasileira corresponde a commander na Marinha norte-americana. Mahan foi promovido a este posto em 1872. 256 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op.cit. p. 120.257 O USS Wachusset era uma escuna lançada ao mar em 1861, armada com sete canhões de diversos calibres.Fonte: SEAGER II, v.1, Letters and papers, op.cit. p.556. 258 MAHAN, Alfred Thayer. The Gulf and Inland Waters New York: Charles Scribner, 1883 .259 SUMIDA, Jon Tetsuo. Inventing Grand Strategy and teaching command. op.cit, p.19
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Alguns anos depois, Mahan escreveria duas biografias, uma de Lorde Horatio Nelson, seu
modelo de herói naval e outra exatamente de Farragut, o seu modelo de almirante vencedor.
Mais uma vez, a inabilidade em manobrar navios se fez presente. Mahan colidiu, em
um dia claro e mar calmo, com uma barca a vela que tinha, sem dúvida alguma, preferência
de passagem. O Wachusset deveria permitir que a barca passasse, porém, mais uma vez
Mahan cometeu um erro, levando à colisão. O tenente Hugh Rodman oficial do navio, em
conversa com um colega oficial, logo após o acidente, recebeu como resposta sarcástica em
relação ao ocorrido o seguinte comentário “o Oceano Pacífico não foi grande o bastante
para o Wachusset se manter afastado do caminho dos outros”.260 Sua falta de intimidade
com as lides marinheiras passava a ser discutida por todos de modo jocoso.
Foi nesse ambiente hostil e de poucas alegrias pessoais que Mahan recebeu, quando o
seu navio estava em Guaiaquil no Equador, um convite que o deixou extasiado. O
comodoro Stephen Luce261 estava organizando a EGN-EUA em Newport, Rhode Island262.
Ele precisava de um instrutor de história naval e estratégia para se agregar ao corpo docente
da escola. Mahan não foi o primeiro nome escolhido por Luce263. Ele convidara o capitão-
de-corveta Caspar Goodrich que acabara de se estabelecer em Washington e em virtude do
desejo de permanecer nessa cidade, declinou do convite. Mahan foi a escolha que se seguiu.
Provavelmente Luce leu o primeiro livro de Mahan, The Gulf and Inland Waters de 1883, o
que o deve ter agradado, daí o ter convidado para a função de instrutoria na Escola de
Guerra. Mahan aceitou, imediatamente, o convite e em carta para Luce disse o seguinte:
Eu gostaria muito de assumir essa função. Acredito ter a capacidade etalvez alguma atitude natural para o estudo em questão. Ao mequestionar, não acredito ter nesse momento o conhecimento específicoque penso ser necessário possuir. Temo que o senhor me dê mais créditodo que realmente possuo e ter dado mais atenção a questão do queeu....minha resposta ao senhor é sim, eu gostaria de servir [na EGN-EUA], se o senhor depois de ler minha carta ainda me quiser. Certamente
260 LANKIEWICZ, op.cit. p. 4. 261 O comodoro Stephen Luce é considerado o “pai” da EGN-EUA (Naval War College). Nasceu em 1827 efaleceu em 1917. Fonte: SEAGER II, v.1, Letters and papers, Op.cit. p. 577. No subitem 2.2.2 serádiscutida a sua influência sobre Mahan. 262 A EGN-EUA acabou sendo estabelecida em 6 de outubro de 1884. Fonte: SEAGER II, Letters and papers,op.cit. p.577. 263 Segundo o professor Phillip Crowl, Mahan foi efetivamente a terceira escolha. O segundo nome escolhidopor Luce não foi por ele citado. Fonte: CROWL, Phillip. Alfred Thayer Mahan: the naval historian. op.cit,p.446.
101
não acredito estar certo em me recusar a ajudar neste novo, difícil enecessário trabalho, se, no julgamento de outros eu for útil.264
Imediatamente, Mahan se dedicou aos estudos históricos preparando-se para assumir
a instrutoria em Newport. O historiador William Livezey afirmou que a designação de
Mahan para a EGN-EUA foi o ponto de virada em sua apagada carreira. Disse Livezey que
“de um amplo ponto de vista, a carreira de Mahan começou com a criação em 1884 da
EGN-EUA”265. A existência da escola se devia para qualificar oficiais dos postos mais
elevados da Marinha dos EUA em estratégia e na arte de conduzir a guerra, de modo a que
estivessem preparados para assessorar os chefes navais em política naval nacional e quando
ordenado assumir o comando de importantes unidades da Marinha no “intrincado mundo da
guerra”.266
Por cerca de dois anos ele se preparou com afinco para a sua nova função, que muito
lhe agradava. Conduziu, assim, um estudo sistemático da história naval, centrando suas
pesquisas nos séculos XVII e XVIII, procurando analogias entre as guerras terrestres e
navais, de modo a constituir uma teoria de tática naval.267
A carreira acadêmica de Mahan realmente começou em Newport, onde atingiu sua
maturidade intelectual.
2.1.2- A Maturidade intelectual:
Em 1886 Mahan iniciou suas palestras na EGN-EUA, lá permanecendo até 1892, com
pequenas interrupções em 1889 no Arsenal de Puget Sound e em poucos anos em que a
escola não ministrou cursos regulares. Nessa função, Mahan foi promovido a capitão-de-
mar-e-guerra268em 1886, vindo posteriormente a substituir Luce na presidência da escola269
designado para comandar a Força Naval do Atlântico Norte.
Houve muita resistência à Escola de Guerra nos círculos navais no período. Em uma
época de grandes avanços tecnológicos no campo da guerra naval, os estudos de história264 Carta de Alfred Mahan para Stephen Luce de 4 de setembro de 1884, a bordo do USS Wachusset, emGuaiaquil no Equador. Fonte: SEAGER II, v.1, Letters and papers, op.cit. p.577.265 LIVEZEY, William. Mahan on Sea Power. op.cit, p. 11.266 TAYLOR, op.cit. p.37.267 SPROUT, Mahan: evangelist of Sea Power. op.cit. p.417.268 O posto de capitão-de-mar-e-guerra na Marinha norte-americana é nomeado como captain.269 Mahan foi presidente da EGN-EUA por dois períodos, de 1886 a 1889 e de 1892 a 1893.
102
naval e das táticas realizadas por Nelson nas guerras napoleônicas eram considerados
irrelevantes e anacrônicos. O importante para qualquer oficial da época era estudar as
inovações técnicas agregadas aos sistemas de máquinas e de artilharia modernas e não
história. Considerava-se que o que ocorreu no passado não teria qualquer aplicação na nova
guerra do final do século XIX. Para esse grupo considerável de oficiais a ênfase na história
era “não só reacionária, como impraticável”, segundo Phillip Crowl.270
Ao se preparar para a tarefa de transmitir conhecimentos sobre estratégia e táticas
navais para os alunos da Escola de Guerra, Mahan tinha uma série de questionamentos. Em
carta a seu colega William Anderson, disse o seguinte:
Quando fui inicialmente designado para ministrar aulas de história navalem nossa Escola de Guerra Naval me perguntei como transformar aexperiência com navios à vela de madeira com seu armamentorudimentar em utilidade no presente ? A primeira resposta que obtive foidemonstrando a tremenda influência que o poder naval, sob qualquerforma, exerceu no curso da história. A segunda resposta veio com oprosseguimento de meus estudos, que foi demonstrar que os princípios deguerra receberam confirmação na velha experiência naval, da mesmaforma que eles receberam em relação a guerra terrestre em todas as váriasfases nos últimos vinte e cinco séculos. O presente trabalho é esseresultado.271
A partir de suas palestras, abarcando o período dos séculos XVII e XVIII, Mahan
escreveu e publicou em 1890 o livro que se tornaria um clássico de história naval, o The
Influence of Sea Power upon History, 1660-1783. Em seu prefácio, Mahan tinha como
finalidade proceder a um exame geral da história da Europa e da América, com vistas ao
efeito que teria o poder marítimo sobre os rumos dessa história. Essa obra teve imediato
impacto no meio naval, principalmente na GB. As razões para isso eram evidentes. O livro
baseava-se na própria história naval britânica e o mais importante, respaldava o sucesso de
suas políticas navais do período.
Mahan iniciou a introdução do livro apresentando a sua argumentação política, na
qual os negócios marítimos tiveram um grande e decisivo efeito sobre o curso da história e
na prosperidade das nações.272 O seu argumento político-econômico foi baseado na270 CROWL, op.cit. p. 447. 271 Carta de Alfred Mahan para William Henderson escrita de Elizabeth, New Jersey em 5 de maio de 1890.Fonte: SEAGER II, v.2, Letters and papers, op.cit. p.9.272 SUMIDA, op.cit, p. 27.
103
proposição básica de economia de que as viagens e o tráfego marítimo foram mais fáceis e
mais baratos do que em terra. Desde o início de sua proposição, Mahan procurou enfatizar a
centralidade do mar nos destinos das Nações. Uma interessante discussão foi a realizada em
relação as seis condições que afetavam o poder marítimo, que serão apresentadas
posteriormente.273
A partir do capítulo dois, Mahan se concentrou na apresentação das grandes
campanhas e batalhas navais desde 1660, isto é, a partir da restauração Stuart com Carlos II
na Inglaterra, da assunção de Luiz XIV nos negócios de Estado francês, após a morte do
Cardeal Mazarino e da reorganização européia após os Tratados de Westphalia em 1648 e
dos Pirineus que propiciou, segundo ele, “um estado de paz externa geral, destinada a ser
atingida brevemente por uma série de guerras universais que durariam enquanto Luiz XIV
vivesse”.274 Para ele, nessas guerras contínuas o poder marítimo tivera, em menor ou maior
grau, uma grande importância.275 O período abarcado pelo seu estudo transita até 1783, isto
é o fim da Revolução Americana, com o tratado de paz assinado em Versailles em 3 de
setembro de 1783.
O historiador naval inglês Sir John Knox Laughton, ao comentar o livro de Mahan no
“Edinburgh Review” da Escócia, disse que o The Influence of Sea Power upon History era
uma “esplêndida apoteose da coragem, tenacidade, habilidade e poder da Inglaterra”.276 Era
a aceitação e garantia de uma boa avaliação, escrita por um renomado historiador britânico,
com imenso prestígio no meio acadêmico.
O eminente historiador inglês Sir Julian Stafford Corbett277, um dos principais
teóricos do poder marítimo, comentando sobre o livro, disse que pela primeira vez a
história naval adquiria uma base filosófica e que, a partir de um grande número de fatos
históricos, grandes generalizações foram possíveis, havendo poucos livros que tenham
produzido tanto efeito na ação, como no pensamento político.278
273 Essa discussão será conduzida no Item 2.3 da Dissertação.274 MAHAN, Alfred The Influence of Sea Power upon History, op.cit. p. 91.275 Ibidem, p.91.276LAUGHTON, John Knox. Captain Mahan on Maritime Power. Edinburgh Review. Edinburgh. V. CLXXII,p 420-453, out, 1890. apud LIVEZEY, op.cit. p. 61. 277 Corbett iria se distinguir posteriormente, publicando em 1911 um livro importante em estratégia e histórianaval chamado Some Principles of Maritime Strategy, ainda não traduzido para o português. Corbettdistinguiu-se como um especialista muito competente no estudo da Marinha inglesa no período elizabetano. 278 WESTCOTT. Allan. Mahan on Naval Warfare. Selections from the writings of Rear-Admiral AlfredMahan. op.cit, p.xv.
104
Os ingleses se abismaram por ter sido um norte-americano e não um britânico que
melhor descrevera as políticas navais inglesas da época, o que não deixou de ser uma
grande surpresa. Além disso, a época em que o livro foi lançado não poderia ter sido mais
propícia para o autor, assim como para o Almirantado inglês. No ano de 1889 havia sido
estabelecida a política do “Two Power Sandard”279 e Mahan, sem perceber, proveu de
argumentos os políticos ingleses que desejavam a expansão britânica no mar.
Na Alemanha o livro foi um retumbante sucesso. O kaiser, ao ler o livro de Mahan,
viu o respaldo necessário para a expansão colonial de sua Nação e o desenvolvimento de
um forte poder marítimo, de modo a contestar o poder da GB. Em maio de 1894 diria que
não estava lendo somente o livro de Mahan, mas sim o devorando, com o propósito de
decorá-lo e fazer com que sua leitura fosse obrigatória nos navios de sua Marinha.280
No país de Mahan, os EUA, o livro inicialmente obteve menor impacto, no entanto foi
avidamente lido por Theodore Roosevelt, que viria a ser Presidente da República.
Roosevelt, não só adorou o livro, como disse que “durante os dois últimos dias gastei
metade do meu tempo, atarefado como estava, lendo o seu livro. Incorro em grave erro se
ele não se converter num clássico naval”.281 Além do apoio de Roosevelt, o senador Cabot
Lodge também ficou vivamente impressionado com o livro, uma vez que era partidário da
expansão de seu país em direção ao Caribe e ao Pacífico. Mahan defendera com entusiasmo
a obtenção de bases nessas regiões como um dos pilares para o estabelecimento de um
poder marítimo poderoso. Por seu lado, seu comandante o almirante Luce disse o seguinte,
a respeito dessa obra de Mahan:
Esta obra é um trabalho excepcional; não existe nada como isso em todaa literatura naval. Nenhum outro autor, com o qual mantive contato,conduziu esse tema com o espírito liberal e por que não dizer filosóficoou comentou a história da Marinha e suas realizações nos negócios doEstado, apontando a sua importância para a vida nacional. Esse trabalho éinteiramente original em sua concepção, brilhante em sua constituição eacadêmico em sua execução282.
279 Ver Capítulo 1, subitem 1.3.3.280 CAMINHA, João Carlos Gonçalves. Mahan: sua época e suas idéias. Revista Marítima Brasileira. Rio deJaneiro: Serviço de Documentação da Marinha, 3 Trim 1986, p. 22. 281 Ibidem, p.22.282 TAYLOR, op.cit. p.46.
105
Em outros países, o impacto dessa obra de Mahan foi, também, considerável.
Traduções para o francês, alemão, japonês, russo, espanhol e italiano foram logo
disseminadas. Incompreensivelmente não houve traduções para o português283.
O que efetivamente Mahan desejava com o seu livro era demonstrar a importância
que o mar tinha para o desenvolvimento das Nações, tomando como exemplo a GB. Além
disso, queria compreender que princípios governavam a guerra do mar desde a antiguidade.
O que efetivamente queria Mahan era despertar na classe política dos EUA a centralidade
das políticas navais para o desenvolvimento nacional. Considerava que a Marinha norte-
americana tinha uma postura defensiva, voltada para a guerra costeira, sem pretensões além
fronteiras. Acreditava que essa postura era deficiente e equivocada, indicando que o melhor
caminho era a ofensiva e a projeção internacional.
Por muito pouco Mahan não se viu retornando para o mar. O chefe do Bureau de
Navegação da Marinha norte-americana comodoro284 Francis Ramsay pretendeu
movimentá-lo para uma nova função embarcada, logo após a publicação de seu livro.
Acreditava Ramsay que não era função de um oficial de marinha escrever livros. Se não
fosse pelo prestígio de Mahan e o sucesso de seu livro, ele seria fatalmente transferido.
Em 1892 Mahan lançou o segundo livro da série chamado de The Influence of Sea
Power upon the French Revolution and Empire285. Novo sucesso de vendas e de crítica. Ao
contrário do primeiro livro, essa obra baseou-se em algumas fontes primárias, sendo que o
período abarcado foi cerca de 1/5 do anterior, no entanto devido a profundidade e extensão
da pesquisa, foi publicada em dois volumes. Em sua essência essa vasta obra era uma
continuação da primeira, no entanto sua análise foi mais detalhada. Segundo Sumida, a
diferença marcante entre essa obra e a anterior foi a forma como o seu texto foi analisado,
“alterando-se fundamentalmente a forma e a substância de seu argumento
governamental”286. Nela encontra-se uma frase célebre em que o autor norte-americano
comentou que “o mundo jamais viu uma demonstração mais impressionante da influência
do poder marítimo na história. Aqueles navios distantes e desgastados por tempestades que
283 Existe um projeto a ser conduzido pela Escola de Guerra Naval do Brasil no ano de 2009 para finalmentese traduzir esse livro para o português.284 Posto não existente na Marinha brasileira, correspondendo a um grau intermediário entre capitão-de-mar-e-guerra e contra-almirante.285 MAHAN, Alfred Thayer. The Influence of Sea Power upon the French Revolution and Empire 1793-1812.v.2, Boston: Little Brown, 1892. 286 SUMIDA, op. cit. p.33.
106
a Grand Armée francesa nunca se preocupou, se contrapunham a ela e o domínio do
mundo”.287 Queria dizer que naquela esquadra combativa e desgastada da GB estava a
própria dominação mundial, fato não percebido por Napoleão. Há certamente na afirmação
de Mahan um certo exagero, no entanto a frase tornou-se famosa nos círculos navais.
As duas obras compuseram, juntamente com Sea Power in its relations to the War of
1812288 de 1905 em dois volumes, a série de três livros “The Influence of Sea Power”
cunhada pelo professor Sumida289.
Em 1891 o conhecido estrategista inglês, almirante Philip Colomb lançou no mercado
editorial do Reino Unido, um denso livro de história naval e estratégia, o Naval Warfare290,
assim um ano após a obra de Mahan. Embora fosse um livro muito bem elaborado, ele foi
totalmente eclipsado pela obra de seu colega dos EUA, inclusive em seu país natal291.
Reconhecendo esse fato, Colomb escreveria, com charme e modéstia, para Mahan que “eu
acredito que todos os membros do mundo naval consideram o seu livro como “o” livro da
geração e meu livro vem muito atrás do seu em mérito literário”.292
Mahan tornou-se, assim, figura conhecida, tanto nos EUA como em outros países. Ele
viria a descobrir que escrever era o seu campo de atuação e não guarnecer navios. Sua
importância cresceu tanto que, mesmo quando não podia estar presente em suas aulas para
os oficiais alunos dos cursos em Newport, suas palestras eram lidas em voz alta por algum
aluno. Esse inusitado procedimento levou o comodoro Ramsay, o mesmo que quisera
movimentá-lo anteriormente, a comentar que “era tolice enviar oficiais para cursarem a
EGN-EUA para fazê-los apenas ler para si próprios os livros de Mahan”.293
Em 1892 Mahan completou a biografia do almirante norte-americano David
Farragut294, pelo qual nutria profunda admiração. Além de suas qualidades de liderança e
287 MAHAN, Alfred Thayer. The Influence of Sea Power upon the French Revolution and Empire 1793-1812.op.cit p. 118. 288 MAHAN, Alfred Thayer. Sea Power in its relation to the War of 1812. 2. v. Boston: Little Brown, 1905.289 SUMIDA, op.cit. p.120. Sumida inclui o livro The Life of Nelson como o quarto livro da série, no entantoessa obra foi uma detalhada biografia de Nelson e assim seria melhor classificada dentro da série de suasbiografias. 290 COLOMB, Phillip. Naval Warfare. 3.ed. London: Allen, 1899.291 TILL, Geoffrey. Maritime Strategy and Nuclear Age. New York: St Martin Press, 1982, p.28. 292 SCHURMAN, Donald. The Education of a Navy.op.cit, p.66. 293 CROWL, op.cit. p.447.294 MAHAN, Alfred Thayer Mahan. Admiral Farragut.New York: Appleton, 1897.
107
coragem, Mahan acreditava ter algo em comum com ele: Farragut era profundamente
religioso, modesto e desprovido de presunção, pelo menos assim se percebia Mahan.295
Dentre as cartas de reconhecimento que recebeu a respeito desse livro, a que muito
lhe agradou foi a do filho do almirante, Loyall Farragut que, anteriormente escrevera outra
biografia de seu pai. Disse Loyall que “o autor do Influence of Sea Power upon History
encontrou no almirante Farragut uma simpática pessoa, trabalhando o material disponível
de uma maneira magistral [...] não teremos palavras suficientes para elogiar a maneira
como o comandante Mahan nos disponibilizou o melhor de Farragut”.296
Em maio de 1893 Mahan foi designado para assumir, a seu contragosto, o comando
do cruzador USS Chicago. Ramsay acabou vencendo a quebra de braço com Mahan.297
O Chicago era um dos mais novos navios da Marinha, tendo sido comissionado em
1889. Era um cruzador protegido com 4.500 toneladas de deslocamento, capaz de
velocidades de 33 nós, armado com quatro canhões de oito polegadas, oito de seis
polegadas e dois de cinco polegadas. Na ocasião era o segundo maior navio em dimensões
da Marinha298. Com certeza essa designação seria muito comemorada por qualquer oficial
de marinha daquele tempo, no entanto, para Mahan, não foi. Disse ele o seguinte:
Eu estava pronto para ir para o mar, entretanto nesse período eu decidique escrever tinha para mim maiores atrações que seguir com minhaprofissão e me indicava uma maior e recompensadora situação com maisidade. Eu deveria ter solicitado logo a minha reserva, se tivesse osnecessários quarenta anos de serviço, no entanto ainda faltavam quatroanos. Meu propósito era escrever logo a Guerra de 1812, enquanto oseventos dessa guerra estivessem vivos na minha mente e por isso soliciteinão embarcar em navio nenhum, alegando que solicitaria minha reservaquando completasse quarenta anos. Minha solicitação foi descabida, poiseu não dera nenhuma garantia para isso e a abertura desse precedenteseria ruim para a Marinha.299
Assim, Mahan assumiu o comando do Chicago e logo depois rumou para a Europa,
compondo uma força tarefa norte-americana, sob o comando do almirante Henry Erben.
295 TAYLOR, op.cit. p.54.296 Ibidem, p.55.297 SCHURMAN, op.cit. p.66.298 SEAGER II, v.2, Letters and papers, op.cit. p. 103.299 MAHAN, From Sail to Steam, op.cit. p.313.
108
Logo que o Chicago chegou ao Reino Unido, um grande número de pessoas
influentes quis conhecer Mahan, convidando-o para diversas solenidades. Em Queenstown
na Irlanda, Mahan recebeu um telegrama da embaixada norte-americana em Londres
dizendo que Lorde Spencer, Primeiro Lorde do Almirantado, gostaria de convidá-lo para
um jantar e perguntava qual a data mais conveniente para esse evento.
Esse jantar realmente ocorreu na chegada do navio à Inglaterra e a ele compareceram,
além de Mahan e Erben, o Vice-Rei da Irlanda, diversos membros do gabinete, almirantes e
generais. Em seguida, Mahan foi convidado para jantar com a Rainha Vitória, o que o
deixou profundamente emocionado e preocupado, pois foi a primeira vez que deveria jantar
com o seu uniforme de gala, ornado de medalhas e espada. Ficou vivamente impressionado
com o luxo dos uniformes e das condecorações utilizadas pelos almirantes ingleses.
Compareceram ao banquete em sua homenagem, além da rainha, o Príncipe de Gales
(posteriormente Rei Eduardo VII), o Duque de Yorke (posteriormente Rei George V),
Lorde Roberts, o almirante-de-esquadra Sir Henry Keppel, além de inúmeros dignitários
ingleses e estrangeiros300.
Semelhantes elogios Mahan recebeu, também, na França. O crítico francês Auguste
Moireau disse que “depois de seu primeiro livro, e especialmente a partir de 1895, Mahan
estabeleceu a base para todo o pensamento em assuntos navais; foi assim visto claramente
que o poder marítimo era o princípio que determinaria se os Impérios cresceriam ou
cairiam”.301.
No Japão, o próprio governo colocou os livros de Mahan em todas as escolas e as
academias militares adotaram o The Influence of Sea Power upon History como livro texto.
Livezey afirmou que o Japão estava se preparando para Tsushima e assim estabeleceu os
fundamentos de sua política de “esfera de co-prosperidade”.302
Em sua segunda visita à Inglaterra, ainda como comandante do Chicago, no ano
seguinte, em 1894, Mahan foi homenageado com um banquete público patrocinado pelo
Lorde Prefeito de Londres no St James Hall que contou com cerca de 400 convidados, entre
almirantes, generais e políticos da GB. Após o jantar, no momento dos brindes costumeiros
300 TAYLOR, op.cit. p.62.301 WESTCOTT. op.cit, p.xiv.302 LIVEZEY, op.cit. p.76.
109
à rainha, ao Presidente dos EUA, a Mahan, ao almirante Erben e aos oficiais do Chicago,
Mahan agradeceu proferindo as seguintes palavras:
Certamente os oficiais da Marinha norte-americana sentem uma peculiarsimpatia pelos ingleses, acima inclusive de seus conterrâneos. Por causade nossa educação e nosso modo de pensar, somos trazidos a ter simpatiae contato com os interesses britânicos e nós, como oficiais de marinha,temos especial simpatia com o maior dos interesses que é a Armada Real.A Marinha Real é a primeira linha de defesa da Grã-Bretanha [...] quandose menciona essa Marinha, os sentimentos que por ventura existam deindiferença, transformam-se em admiração e entusiasmo pelo passado deglórias que não foi ultrapassado por nenhuma outra força nos anais dotempo.303
Mahan admirava a Marinha Real britânica e esse sentimento era explícito e muito
bem correspondido pelos ingleses. Mahan era uma celebridade amiga da GB. Pelo sucesso
de seus livros, recebeu os títulos de Doutor Honoris Causa das Universidades de Oxford e
Cambridge em maio de 1894304. Ficou encantado com o ambiente e a atmosfera em Oxford
escrevendo para o seu filho que Oxford era um lugar “fascinante e charmoso e os ingleses
estavam certos em amar o seu país, pois não existia nenhum país mais amável”.305
Em janeiro de 1895, Sir John Seeley, titular de história moderna da Universidade de
Cambridge faleceu, abrindo uma vaga nessa cadeira. Imediatamente, especulou-se na
imprensa inglesa que o melhor nome para esse posto seria o de Mahan306, no entanto
continuava como comandante do Chicago e uma mudança de vida tão brusca não estava em
seus planos.
Nem tudo, porém corria bem a bordo do Chicago. Seu relacionamento com Erben era
ruim. O almirante comandante da força era um velho ‘lobo do mar’, da velha escola de
navios à vela. Além disso, era egocêntrico, desbocado, profano e de temperamento
irascível. O mais incrível é que não lera nenhum livro de Mahan, ou melhor, não gostava de
ler nenhum livro.307 Seu relacionamento com o comandante de seu capitânia, o Chicago,
passou a ser terrível. Erben não compreendia como um oficial de marinha abria mão de
303 Ibidem, p.64.304 Ele viria depois a ser doutor Honoris Causa em história pelas Universidades de Harvard, Yale, Columbia,Dartmouth e McGill. Fonte: TAYLOR, op.cit. p.107. 305 LIVEZEY, op.cit, p.68.306 Ibidem, p.75.307 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op.cit. p.255.
110
embarcar, em detrimento de escrever livros ‘sobre o passado’. Além disso, Mahan por ser
excessivamente introvertido e intelectualmente superior, afastava ainda mais seu
comandante imediato e Erben reagia mal a esse estado de coisas. O almirante considerava
Mahan um mau oficial de marinha, pouco dotado para as lides marinheiras308. Da mesma
forma, a opinião de Mahan sobre Erben não era diferente, um mau oficial, pouco dotado
intelectualmente.
Seu período de comando lhe foi de grande sacrifício. Mahan detestava a vida no mar,
além disso, era mau manobrador de navios, o que lhe trazia dissabores com Erben que o
considerava ineficiente como comandante. Em certa situação, disse a seu amigo Samuel
Ashe que estava na profissão errada por quase 40 anos:
Eu sou forçado diariamente a compreender que estou ficando velho e quetodo o charme da vida de bordo está esquecida. Estou sobrevivendo, nãovivendo. Tenho a consciência dolorosa que estou gastando muita energiapara fazer algo que me é indiferente, ao mesmo tempo em que estouimpedido de fazer o que tenho capacidade. Não tem sido um sentimentoagradável, especialmente quando vem acompanhado do conhecimento deque minha cabeça dura da juventude me colocou nessa profissão que paradizer o menos, não foi a melhor escolha que tive para minhasqualificações309.
Em maio de 1895, Mahan finalmente deixava o comando do Chicago, o que foi de
extrema alegria para ele, pois se encontrava à beira de um ataque de nervos. Até a sua
reserva do serviço ativo em novembro de 1896, Mahan permaneceu em algumas comissões
temporárias em Newport. A sua opção pela reserva indicou a preferência pela vida
acadêmica ligada a produção de conhecimentos na área de história naval e estratégia. Sua
vida na Marinha tinha sido um sacrifício que fazia questão de esquecer. Começava uma
nova carreira voltada para o estudo e a reflexão sobre o poder marítimo na história.
308 O Almirante Erben escreveu para o Bureau de Navegação em dezembro de 1893 dizendo que os interessesde Mahan estavam fora da Marinha e que ele se importava pouco com a sua profissão, sendo assim um mauoficial de marinha. Seus interesses estavam voltados para a “literatura”, segundo suas palavras, e semqualquer conexão com o serviço naval. Fonte: SEAGER, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters,op.cit. p.278. 309 Carta de Alfred Mahan para Samuel Ashe escrita de Genova, a bordo do USS Chicago em 24 de novembrode 1893. Fonte: SEAGER II, Letters and papers, op.cit. p. 181.
111
2.1.3- A Nova Carreira:
Em 1897 Mahan completou um clássico da história naval. The Life of Nelson: the
embodiment of the Sea Power of Great Britain310, escrito em dois volumes. Uma obra
realmente magistral sobre Lorde Horatio Nelson, vencedor das Batalhas de Copenhagen,
Aboukir e Trafalgar, morto, inclusive nesse último encontro. Nesse livro Mahan recorreu,
em caráter extraordinário a fontes primárias, como as cartas de Nelson, no entanto não
apreciava a busca arquivística, preferindo recorrer a fontes secundárias. A pesquisa em
arquivos não era de seu agrado.
Desde o seu livro The Influence of Sea Power upon the French Revolution and
Empire, Mahan se envolveu com esse personagem fascinante que se confrontou com a
poderosa esquadra de Napoleão, impedindo o domínio do mar francês.
Mahan, em sua biografia de Nelson, afirmou que esse almirante inglês atuava como
um verdadeiro agente do Estado britânico, fazendo cumprir os ditames governamentais
aonde fosse necessário com os seus navios de guerra. Mahan procurou, também, enfatizar
as características de comando de Nelson, que possuía uma combinação de qualidades
políticas, administrativas e militares, raras, segundo ele, em apenas um homem. Nelson
exibiu, de acordo com sua opinião, superioridade nesses três campos.311
Em Nelson, Mahan apontou “uma apreciação sagaz das condições reinantes,
combinada com sua alta resolução e firme discrição”.312 Com esse tipo de percepção,
Nelson procurava sempre a decisão pela batalha como uma questão de princípio. Esse
ponto era muito admirado por Mahan que via nesse procedimento de Nelson o toque
ofensivo e resoluto em destruir a esquadra inimiga, quando e onde se fizesse necessário.
Mahan, além disso, considerava Nelson um gênio e sua admiração por ele igualava a
de Antoine Henri Jomini313 por Napoleão. Dizia Mahan que “um alto grau de raciocínio
ilumina o processo mental de Nelson, porém não é só por meio do raciocínio, quando cara a
cara com o perigo, ao ultrapassar o abismo, que separa a percepção, apesar de clara, da
convicção interna que sozinha sustenta a ação mais elevada”314. 310 MAHAN, Alfred Thayer. The life of Nelson: the embodiment of Sea Power of Great Britain. 2.v. Boston:Little Brown, 1997. 311 SUMIDA, op.cit. p.37.312 MAHAN, Life of Nelson, v.2, op.cit. p. 306.313 No subitem 2.2.2 será discutida a influência de Jomini nos estudos conduzidos por Mahan.314 Ibidem, p.324.
112
Mahan, também, abordou o Nelson homem, com sentimentos, defeitos e qualidades.
Ao contrário de outros biógrafos mais inquisitivos, inclusive em relação a Robert
Southey315 que escrevera uma biografia de Nelson em 1813, de cunho bem mais crítico da
conduta de Nelson, principalmente na questão dos fuzilamentos por ele ordenados em 1799,
depois dos jacobinos já terem se rendido honradamente no Reino das Duas Sicílias, Mahan
procurou descobrir os impulsos privados nas ações públicas de Nelson316, procurando
analisar sua vida íntima. Um dos pontos mais polêmicos de Nelson foi o seu
relacionamento com Emma Hamilton, que foi devidamente discutido por Mahan, no
entanto o autor norte-americano mencionou o caráter manipulador de Emma sobre seu
marido, Sir William Hamilton, embaixador britânico no Reino das Duas Sicílias e sobre o
próprio Nelson, “amante devotado, um homem crédulo que necessitava de adulação”317,
segundo palavras do historiador Peter Gay. Para Mahan, Nelson possuía as qualidades que
o fizeram a incorporação do poder marítimo da GB.318
Como não poderia deixar de ser, o livro teve imediata aclamação na GB. Seu editor
inglês R. B. Marston disse o seguinte:
O senhor trouxe Nelson à vida novamente. Como inglês e o primeiro aler o seu livro posso verdadeiramente agradecer em nome de toda aminha Nação, entretanto tudo que farei é lhe anunciar que osagradecimentos da GB estão vindo, tão cedo quanto Little Brown enviaros livros para as livrarias.319
O crítico literário do The Times de Londres, J. R. Thursfield, profetizou que o Life of
Nelson se tornaria um dos maiores clássicos da literatura naval. Disse ele que muitas
memórias de Nelson foram escritas, mas o livro de Mahan não tinha rival à altura. Todos os
estudantes de história que pesquisarem Nelson deveriam ler esse livro como a “mais
autorizada, acurada, adequada e psicológica biografia”320 do herói inglês, segundo315 Robert Southey é muito conhecido na historiografia brasileira por ter escrito uma História do Brasil em1819, apesar de nunca ter visitado o Brasil. Disse Southey sobre sua obra de História do Brasil que “daqui aséculos meu livro se encontrará entre aqueles que estão destinados a não morrer e será para os brasileiros oque a obra de Heródoto é para a Europa”. Fonte: SOUTHEY, Robert. História do Brasil. v1. 4.ed. São Paulo:Melhoramentos, 1977, p. 13. 316 GAY, Peter. A Experiência Burguesa da Rainha Vitória a Freud. O Coração desvelado.v4. São Paulo:Companhia das Letras, 1999, p.185. 317 Ibidem, p.185.318 Tradução literal de “Embodiment of Sea Power of Great Britain”, título do seu livro.319 TAYLOR, op.cit. p.84.320 Ibidem, p.82.
113
Thursfield. Realmente essa obra de Mahan até hoje é pesquisada como uma obra relevante
e fundamental para se conhecer a vida de Horatio Nelson. A busca em fontes primárias lhe
rendeu bons frutos.
Nesse mesmo ano de 1897, Mahan lançou outro livro The Interest of América in Sea
Power, Present and Future321 uma seleção de oito ensaios escritos por ele322, nos quais
foram discutidas questões relativas ao Havaí e sua importância para os EUA, a necessidade
de se obter o controle do istmo do Panamá, as possibilidades de uma união de objetivos
comuns entre a GB e os EUA, as perspectivas estratégicas do Mar do Caribe e do Golfo do
México, o futuro do poder marítimo dos EUA, perspectivas da política externa norte-
americana, a sua preparação para a guerra naval e prognósticos para o Século XX.
Em resumo, esses ensaios foram escritos para diversos periódicos entre dezembro de
1890 e outubro de 1897, contudo essa obra de compilação não obteve o mesmo
reconhecimento obtido com seus livros anteriores, sendo mais um trabalho ensaístico, sem
o rigor histórico das obras anteriores, no entanto ele foi escrito em um período importante
da história norte-americana quando o Caribe passou a preocupar a sua política externa,
culminando, no ano seguinte, na Guerra Espano-americana. Em realidade, o livro obteve
mais crédito na GB do que nos EUA, contudo com o advento da guerra em 1898 esses
ensaios foram lidos com maior detalhe e “entusiasticamente resenhados por jornais norte-
americanos, influenciados pelo momento do conflito com a Espanha.”323 Hoje em dia esse
livro tem sido pouco mencionado.
Em 1898, logo depois da eclosão dessa guerra, Mahan foi chamado para compor o
Naval War Board, com o propósito de fornecer ao Secretário da Marinha John Long
assessoria técnica e estratégica sobre as operações em curso.324 Segundo o historiador
Russell Weigley, o Naval War Board não teve qualquer interferência na questão estratégica,
uma vez que, embora não existissem planos contingentes, a Marinha dos EUA já tinha
321 MAHAN, Alfred Thayer Mahan. The Interest of America in Sea Power, Present and Future. Boston: LittleBrown, 1897.322 Os periódicos referenciados foram o Atlantic Monthly, o Fórum, o North American Review e o HarpersNew Monthly Magazine. Fonte: Ibidem, p.vii. 323 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters , op.cit. p.352.324 Faziam parte do Board juntamente com Mahan, o almirante Montgomery Sicard e o capitão-de-mar-e-guerra Crowninshield. Fonte: TAYLOR, op.cit. p.88.
114
decidido atacar o “decrépito esquadrão naval espanhol nas Filipinas de modo a já obter
superioridade na eventual mesa de negociações de paz”325.
A posição de Mahan perante a guerra contra a Espanha era clara. Acreditava que a
causa norte-americana era justa e que a Constituição de seu país deveria ser interpretada
para permitir a aquisição e administração de colônias326. Estava convicto de que a
emergência dos EUA na arena internacional traria a consciência do povo norte-americano
de que uma aliança com a GB era necessária, sendo essa união anglo-saxônica benéfica
para o mundo. Em carta a seu amigo inglês George Sydeham Clark disse o seguinte:
Pessoalmente acredito que essa guerra [contra a Espanha] é não somentejusta, mas que os sentimentos de nossa democracia como um todo aoentrar na guerra é livre de qualquer contaminação[...] a extensão dainfluência dos EUA, a expansão territorial e de colônias é aceita comoquase uma unanimidade de pensamento327.
Pode parecer estranho, mas Mahan não estava na vanguarda do imperialismo328 norte-
americano, representado por Theodor Roosevelt e Cabot Lodge que viam nessa iniciativa
um projeto nacional e que a vitória sobre os espanhóis por Cuba traria a oportunidade de
anexar, também, as Filipinas. Segundo Robert Seager II Mahan percebeu desde 1896 a
necessidade e a oportunidade de expansão comercial no Pacífico e nos mercados chineses,
no entanto não existe, segundo Seager, qualquer evidência ligando a anexação do
arquipélago filipino com o imperialismo tradicional rooseveltiano. Acreditava Mahan que a
aquisição de estações de carvoagem em Manila, Guam e na foz do Rio Yang Tse eram
adequadas a futura expansão comercial em direção à China.329 Certo, no entanto foi que
Mahan acreditava que Deus conduzia os EUA para uma missão civilizadora nessas colônias
convertidas.330
325 WEIGLEY. Russell. The American Way of War. Bloomington: Indiana University Press, 1977, p.183. 326 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op.cit. p.388.327 Carta de Alfred Mahan para George Sydeham Clarke escrita em 24 de maio de 1898 de Washington DC.Fonte: SEAGER II, Letters and papers, op.cit. p.556.328 Define-se Imperialismo como o conjunto de práticas e teorias que um centro metropolitano elabora paracontrolar um território distante. O Imperialismo promoveu disputas por fontes de matérias-primas entretrustes e cartéis que já tendo dominado o mercado interno em seus países de origem, precisavam se expandirpara além de suas fronteiras, defrontando-se com cartéis e trustes de países concorrentes.Fonte: SILVA,Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos. São Paulo: Contexto, 2005,p.218. 329 SEAGER, Letters and papers op.cit p.391.330 Ibidem, p.394.
115
No ano seguinte, Mahan foi convocado para compor a delegação de seu país como
especialista naval 331 na primeira Conferência de Paz de Haia, sob a presidência de Andrew
White. Um fato que marcou a participação de Mahan na conferência foi seu voto contra a
proibição do uso de gases asfixiantes, propugnado pela maioia das delegações presentes.
Essa atitude, muito criticada na época, se deveu a uma interpretação pouco ortodoxa de
Mahan. Acreditava que não se conheciam ainda os efeitos dos gases asfixiantes nos seres
humanos e seu propósito principal com o voto contrário foi permitir que os cientistas norte-
americanos tivessem a capacidade de pesquisar e desenvolver uma arma eficaz que teria
efeito destrutivo sobre qualquer inimigo que desejasse atacar os EUA. Mahan não defendeu
o uso dessa arma. Ele apenas concordou com a pesquisa e eventual utilização em caso de
ataque contra o seu país.
Ao final da conferência apenas os EUA e a GB votaram favoravelmente ao uso desse
tipo de gás, contra 26 países que votaram contra332. Em 1907 a GB votou contra, deixando
os EUA como o único país favorável a utilização. A Grande Guerra de 1914 veria a
Alemanha utilizar essa arma mortal, apesar do que foi decidido na conferência.
Entre 1899 e 1900 Mahan publicou seguidamente três livros. Lessons of War with
Spain, The Problem of Asia and its effect upon International Policies e The Story of War in
South África 1899-1900.
O primeiro livro333 foi uma análise da Guerra Espano-americana que acabara de
ocorrer. Mahan procurou descrever as lições retiradas da guerra contra a Espanha, a
conferência de paz que se seguiu e os aspectos morais da guerra. Em seguida, dissertou
sobre as relações existentes entre os EUA e os seus novos protetorados, encerrando com
dois capítulos referentes às qualidades dos navios de guerra no conflito e as falácias
correntes, segundo sua percepção, sobre alguns temas navais334.
No segundo livro335 Mahan discorreu sobre a questão asiática e os efeitos dessa
questão na política mundial, terminando com algumas considerações sobre o conflito no
331 Delegação composta além de White e Mahan, de Seth Low e Stanford Newel, políticos norte-americanos,William Crozier do Exército e Fred Holls, secretário da delegação. Fonte: TAYLOR, op.cit. p.94. 332 Ibidem, p.97.333 MAHAN, Alfred Thayer. Lessons of the War with Spain and Other Articles. Boston : Little Brown, 1899. 334 Esse livro foi composto da compilação de artigos para os periódicos Mc Clure´s Magazine, NorthAmerican Review, Engineering Magazine, Scripps-Mac Era Newspaper League e Harpers MonthlyMagazine, entre junho de 1898 e outubro de 1899. Fonte: Ibidem, p.xvi. 335 MAHAN, Alfred Thayer. The Problem of Asia and its effect upon International Policies. Boston: LittleBrown, 1900.
116
Transvaal. Infelizmente o livro não teve uma boa recepção no mercado editorial, fruto
possivelmente de sua pesquisa superficial e recorrência a fontes secundárias, sem a
profundidade adequada. O livro saiu quase todo de sua imaginação com poucas referências
que corroborassem suas idéias.336
No terceiro livro337, mais específico, escrito em apenas três meses, ele abordou o
conflito dos Boers e os combates contra os ingleses em sete capítulos. Disse que o livro que
escrevera tinha como propósito demonstrar ao “homem comum das ruas”338 isto é ao
público leigo norte-americano, a justeza da causa britânica em sua luta contra os bôeres.
Nesse ano de 1900 Mahan recebeu uma comenda que muito o emocionou. A Medalha
de Ouro Chesney conferida pela Royal United Services Institution (RUSI)339. Essa
sociedade inglesa foi fundada em 1831, com o propósito de ser um local de debate para
oficiais da marinha e do exército interessados em assuntos militares. No início da existência
da RUSI os assuntos apresentados eram de natureza tecnológica, no entanto conferências
sobre táticas e estratégia foram, depois de certo tempo, proferidas340. Anualmente era
escolhida a melhor monografia, em uma competição aberta a todos que se dispusessem a
escrever. O RUSI patrocinava, também, palestras de personalidades importantes que lá se
dirigiam para discutir assuntos de defesa do Império. Sir John Knox Laughton e Sir Phillip
Colomb foram expositores constantes no Instituto. O RUSI, também, tinha uma tarefa
importante que era permitir que arestas entre as Forças Armadas fossem lá aparadas. Era,
também, um local onde os militares podiam debater abertamente assuntos que, por sua
natureza, não seriam permitidos dentro da caserna341. Com o passar do tempo, o Instituto
passou a ser considerado um local respeitado e considerado pela qualidade dos trabalhos
apresentados.
O Conselho da RUSI, sob a presidência do Duque de Cambridge, primo da Rainha
Vitória e comandante-em-chefe do Exército britânico, por unanimidade, resolveu conceder
anualmente ao melhor autor selecionado, a Medalha de Ouro Chesney em reconhecimento
pelos trabalhos e livros publicados sobre assuntos de defesa do Império britânico. Mahan
336 SEAGER Letters and papers op.cit, p.462.337 MAHAN, Alfred Thayer. The Story of the War in South Africa 1899-1900. Boston: Little Brown, 1900. 338 Mahan utilizou a expressão em inglês “the sort of thing the man in the street needs”. 339 A RUSI existe até hoje na Inglaterra, sendo uma sociedade muito importante nas discussões dos assuntosde defesa.340 SCHURMAN, op.cit, p.8.341 Ibidem, p. 8.
117
foi por esse motivo o primeiro escolhido pelo Conselho a receber essa medalha. O Duque
de Cambridge disse em sua alocução de premiação o seguinte:
A Medalha de Ouro Chesney foi criada em memória do falecido generalSir George Chesney, um distinto oficial do Corpo de Engenheiros. Essacomenda é para ser conferida por decisão do Conselho da RUSI ao autorque produzir um trabalho literário original, tratando de ciência militar enaval e literatura, em prol do engrandecimento do Império britânico. Aprimeira comenda conferida pelo Conselho foi conferida ao senhor[Mahan] em consideração a seus três grandes livros The Influence of SeaPower upon History, The Influence of Sea Power upon the FrenchRevolution and Empire e The Life of Nelson. É com grande satisfação quelhe afirmo que seu nome foi escolhido por unanimidade342.
Dois anos depois de receber a Medalha Chesney Mahan, foi eleito por unanimidade
novamente para ser membro honorário perpétuo da RUSI, em retribuição pela disseminação
e prestígio conferido à história naval britânica. Nesse mesmo ano, 1902, Mahan foi eleito
Presidente da Associação Histórica Americana, já sendo associado da Sociedade Histórica
de Massashussets, da Sociedade Geográfica de Lisboa em Portugal e alguns anos depois da
Sociedade Histórica de Minnesota.343
Em 1906 Mahan foi promovido a contra-almirante na reserva por um ato do
Congresso que permitiu a promoção daqueles oficiais que tivessem lutado na Guerra Civil.
Mahan manteve o título de “captain” até o fim de seus dias, embora já fosse legalmente
contra-almirante. Ele continuou, também, como palestrante emérito na EGN-EUA,
enquanto participou de diversos comitês designados pelo Presidente da República, seu
amigo Theodor Roosevelt. Em 1909 foi designado para compor um grupo de oficiais que
recebeu a incumbência de reorganizar a Marinha. Desse grupo faziam parte, além de
Mahan e inúmeros congressistas e almirantes, seu velho comandante e amigo Stephen
Luce.
Em 6 de junho de 1912 Mahan foi reformado e se afastou de todas as tarefas
governamentais a ele determinadas, três meses antes de completar seu septuagésimo
segundo aniversário.
342 TAYLOR, op.cit. p.104.343 Ibidem, p.108.
118
De 1901 a 1912 Mahan escreveu nove livros, quase um por ano. O primeiro deles foi
em 1901, Types of Naval Officers, drawn from the History of British Navy344. Esse livro foi
um libelo a por ele sempre admirada Marinha Real britânica. Mahan escolheu seis oficiais
dessa Marinha para demonstrar as qualidades que ele reputava como necessárias para
transformar oficiais comuns em líderes de homens.
Ele começou descrevendo as condições gerais da guerra naval no início do século
XVIII e o progresso ocorrido durante o transcorrer desse período. O primeiro chefe naval
escolhido foi Edward Lorde Hawke (1705-1781), vencedor da Batalha da Baía de Quiberon
em 1759 durante a Guerra dos Sete Anos. O segundo foi George Brydges, Lorde Rodney
(1718-1792), vencedor da Batalha dos Santos em 1782 durante a Guerra de Independência
Americana. Disse Mahan que “Hawke e Rodney são ilustrações destacadas, o primeiro
representando o espírito, o segundo a forma, de como eram os eficientes elementos do
progresso humano naval ocorrido no século XVIII”.345 O terceiro foi Richard Lorde Howe
(1726-1799), vencedor da Batalha do Glorioso Primeiro de Junho nas Guerras da
Revolução Francesa. Mahan o nomeou o almirante tático por excelência. O quarto
biografado foi John Jervis, Earl Saint Vincent (1735-1823), vencedor da Batalha do Cabo
São Vicente. Mahan a ele se refere como o grande disciplinador e estrategista. O próximo
escolhido foi James Lorde Saumarez (1757-1836), brilhante oficial de esquadra e
comandante de divisão naval e por fim Edward Pellew, Visconde Exmouth (1757-1833),
destacado comandante de fragata e oficial eficiente. Trata-se assim do terceiro livro
biográfico de Mahan, seguindo as vidas de Farragut e Nelson por ele escritas.
No ano seguinte, 1902, Mahan publicou Retrospect and Prospect: Studies in
International Relations, Naval and Political.346 Essa obra seguiu o formato das anteriores
com artigos publicados em periódicos, compilados em um livro347. Nessa obra Mahan
discutiu as condições determinantes para a expansão naval dos EUA, a influência da Guerra
da África do Sul sobre o prestígio e os motivos que levaram a formação do Império
344 MAHAN, Alfred Thayer. Types of Naval Officers drawn from the History of the British Navy; with someaccount of the conditions of Naval Warfare at the beginning of the Eighteenth Century and its subsequentdevelopment during the Sail Period. Boston: Little Brown, 1901. 345 Ibidem, p.152.346 MAHAN, Alfred Thayer. Retrospect and Prospect: Studies in International Relations Naval and Political.London: Sampson Low, Marston, 1902.347 Os capítulos foram compostos de artigos publicados nos periódicos, The World Work, Leslie Weekley, TheNational Review, The Nattional Review and International Monthly e The Fortnightly Review. Fonte: Ibidem,p.ix e x.
119
britânico, considerações que afetaram a disposição das Marinhas, o papel do Golfo Pérsico
nas relações internacionais, algumas considerações sobre a regra militar de obediência e por
fim, um elogio ao almirante Sampson, protagonista principal da Guerra Espano-americana.
O próximo trabalho de Mahan seria o Sea Power in its relations to the War of 1812, o
terceiro volume da trilogia The Influence of Sea Power. Essa obra monumental de dois
volumes foi abordada de modo distinto por ele. Ao invés de apontar os benefícios que
advém para um país o desenvolvimento de seu poder marítimo, ele discutiu as desastrosas
conseqüências que a falta de preparação para a guerra no mar pelos EUA motivou na
Guerra de 1812 contra a GB. Com esse recado explícito Mahan queria convencer os
cidadãos dos EUA que o poder marítimo era importante para o país. Afirmou
categoricamente que a prosperidade comercial norte-americana dependia da segurança das
linhas de comércio. Uma de suas claras conclusões apontou para o fato de que um país que
negligencie o poder marítimo estará em uma posição de inferioridade na mesa de
negociação que se seguir a um conflito, afirmando que “falhando em criar antes da guerra,
uma Marinha competente, capaz de aproveitar oportunidades surgidas para atacar unidades
hostis no mundo todo, não era possível, depois de começado o conflito, corrigir o erro”348.
Mahan concluiu que uma modesta Marinha poderia se contrapor a um poder naval mais
poderoso, quando condições geográficas e outras possibilidades fossem consideradas. Essa
concepção se encaixava perfeitamente no caso dos EUA, após seus estudos da guerra no
mar dos séculos XVII ao XIX.349
Em 1907 dois livros foram lançados, Some Neglected Aspects of War350 e From Sail
to Steam. O primeiro, no estilo dos anteriores, com artigos selecionados já publicados, no
entanto houve uma diferença nesse trabalho. A inclusão de textos de dois outros autores,
Henry Pritchett e Julian Corbett. O primeiro discorreu sobre o estabelecimento do princípio
da arbitragem internacional e o segundo sobre a captura de propriedade privada no mar.
Mahan, por sua vez, abordou os aspectos morais e práticos da guerra, considerações sobre a
Convenção de Haia de 1907 e a questão da imunidade da Marinha mercante na guerra e por
fim a guerra vista de um ponto de vista cristão, assunto que o interessava demasiado351. 348 Ibidem, v.1, p. 310. 349 SUMIDA, op.cit. p.41.350 MAHAN, Alfred Thayer. Some Neglected Aspects of War. Boston: Little Brown, 1907.351 Esses artigos foram compilados do The Atlantic Monthly de julho de 1907 para o caso de Henry Pritchett,ex-Presidente do Instituto de Tecnologia de Massashussets, o The Nineteenth Century and After de junho de1907 para Sir Julian Corbett e North American Review, National Review e um trabalho apresentado em um
120
No segundo livro publicado, From Sail to Steam352 , Mahan escreveu sua auto-
biografia, em que descreveu alguns aspectos que considerou relevantes não só para a sua
vida, como para a própria história da Marinha dos EUA. Ele iniciou o seu relato se
apresentando e depois descrevendo a situação naval norte-americana depois da Guerra de
Secessão, tanto em termos de pessoal como em termos materiais. Prosseguiu descrevendo o
seu tempo na Academia Naval de Annapolis e o seu período embarcado, já como oficial
nos diversos navios da Marinha. Fica claro em seu texto que o seu período de embarque lhe
foi muito penoso e que preferia escrever a ser um oficial a bordo de navio. Seu tempo na
EGN-EUA lhe trouxe alguns aborrecimentos, principalmente pela falta de compreensão por
parte de muitos oficiais generais da importância dessa escola para a formação dos futuros
líderes navais. Disse ele que “ a instabilidade dos destinos da escola me irritaram e
perturbaram. Se a Marinha não gostava do que eu estava fazendo, por que deveria eu
persistir ? Nada tem sido dado para o mundo e eu não tenho tido nenhum encorajamento e
pouco de minha classe, com exceção da aprovação cordial de poucos oficiais”.353 A parte de
sua auto-biografia referente a “experiências de autoria” é por demais interessante, pois
apontou suas principais dificuldades e influências como autor354.
Em 1908 Mahan fez publicar Naval Administration and Warfare355, seguindo o estilo
de suas obras anteriores, uma compilação de artigos previamente publicados356. Os temas
por ele abordados foram os princípios de administração naval, o Departamento da Marinha
dos EUA, os princípios e um retrospecto da Guerra Russo-japonesa, duas aulas inaugurais
no curso da EGN-EUA, a primeira proferida em 6 de agosto de 1888 e a segunda em 6 de
setembro de 1892, seu discurso de assunção na presidência da Associação Americana de
História em 26 de dezembro de 1902, um artigo sobre Nelson, o impacto da viagem da
esquadra norte-americana em 1907 no Pacífico e por fim algumas considerações sobre a
Doutrina Monroe.
congresso religioso realizado em Providence, Rhode Island em novembro de 1900 para o caso de Mahan.Fonte: Idem, p.xxiii. 352 MAHAN, Alfred Thayer. From Sail to Steam: recollections of naval life. London: Harper & BrothersPublishers, 1907.353 Ibidem, p.303.354 Ibidem, p.304.355 MAHAN, Alfred Thayer. Naval Adminstration and Warfare. Boston: Little Brown, 1918. 356 Os artigos foram republicados dos periódicos National Review, Scribner´s Magazine, The ScientificAmerican e Colliers Weekley. Fonte: Ibidem, p. xiii, xiv.
121
No ano seguinte, 1909, Mahan lançou um livro que não tratou de história nem de
estratégia. Seu título, The Harvest within: thoughts on the life of the Christian.357 Essa obra
foi voltada inteiramente para a vida espiritual. Em todas as suas obras históricas anteriores,
Mahan se esquivava de comentar aspectos religiosos. Mesmo em sua auto-biografia From
Sail to Steam Mahan nada comentou sobre suas convicções religiosas. Nesse trabalho
Mahan se debruçou inteiramente em questões espirituais, sendo, assim, uma obra única.
Em 1910 seguiu-se The Interest of América in International Conditions358. Esse livro
foi composto por apenas quatro capítulos. Mahan estava preocupado neste livro com a
situação européia e a emergência da Alemanha como um elemento perturbador na Europa.
Ele citou o historiador Hans Delbruck que dizia que a rivalidade entre a GB e a Alemanha
era um resultado natural das relações internacionais e que não poderia ser desprezada. Para
Delbruck essa rivalidade, naquela oportunidade, não envolvia ainda o extremo da guerra,
devido a balança de poderes existente na Europa.359 Ao contrário, Mahan acreditava que o
choque entre as duas Nações poderia ocorrer a qualquer momento, enfatizando o seguinte:
Sob as condições atuais na Europa, notadamente pela incapacidade russa,junto com a diversão de suas energias para o leste, a Alemanha está asalvo de qualquer invasão. Sua Marinha está ou muito breve estará livrepara agir em qualquer parte do mundo, com exceção da Marinhabritânica a lhe opor. Se a Mrinha britânica permanecer neutra ousucumbir, a Alemanha sob as presentes circunstâncias e com toda aprobabilidade se tornará o estado naval dominante do mundo, assimcomo o país predominante da Europa.360
Mahan percebia claramente o provável choque entre os dois antagonistas, que já se
encontravam em uma corrida armamentista de razoáveis proporções.361 Nesse livro,
ainda,Mahan discutiu as relações entre o Leste e o Oeste e a posição dos EUA em relação à
política de “portas abertas” na China.
Em 1911 Mahan escreveu o Naval Strategy compared and contrasted with the
principles and the practice of military operations on land362, um livro fundamental para se357 MAHAN, Alfred Thayer. The Harvest whin: toughts on the life of the Christian. Boston: Little Brown,1909.358 MAHAN, Alfred Thayer. The Interest of America in International Conditions.Boston: Little Brown, 1910.359 Ibidem, p.72.360 Ibidem, p.78.361 Ver Capítulo 1.362 MAHAN, Alfred Thayer. Naval Strategy compared and contrasted with the Principles and the practice ofMilitary operations on Land . London: Sampson Low, Marston & Company, 1911.
122
compreender o seu pensamento estratégico e operacional. Nele são compiladas as palestras
ministradas por Mahan na EGN-EUA entre os anos de 1887 e 1911. Trata-se de uma obra
magistral e extensa (cerca de 475 páginas) no qual o autor discutiu a questão dos princípios
e o desenvolvimento da estratégia desde a morte do cardeal Richelieu em 1642. São quinze
capítulos discursivos em que ele se debruça sobre a história naval apontando, com
exemplos históricos, a aplicabilidade e relevância dos princípios utilizados nas guerras do
passado. Mahan não deixou de discutir a Guerra Russo-japonesa e procurou retirar lições de
seus resultados. Nessa obra, também, Mahan discutiu questões geopolíticas envolvendo os
EUA e a importância da concentração, da posição central, das linhas interiores e das linhas
de comunicação363. Em uma carta a seu amigo almirante Bouverie Clark da Marinha
britânica, Mahan comentou a grandiosidade de seu trabalho e suas hesitações naturais de
quem se dedicou inteiramente a Escola de Guerra. Ele ainda tinha dúvidas do sucesso de
seu livro. Disse ele a Clark:
Eu me lembro que você me comentou em sua carta a hesitação em ler omeu Naval Strategy. Sinceramente desejo que você não o leia por puraamizade. Eu lhe confessarei que compor esse livro foi a tarefa maisperfunctória que fiz como autor. Existiam razões imperiosas para assimfazer, porém a sua escrita foi por mim sentida como um fardo. Foi feitaconscientemente e desejo que ela não seja tão ruim assim. Mas foi contraa minha inclinação e acredito que seja a minha última grande obraprofissional a que me proponho. Muitos elogios me foram feitos paradesejar que, embora contenha muitos defeitos, minha reputação não soframuito por causa dela.364
Esse livro realmente foi a sua última grande obra histórico-teórica e não afetou a sua
reputação. Um ponto significativo dessa obra foi a conclusão de Mahan de que a guerra era
uma arte e não uma ciência. Ele discutiu intensamente a história da estratégia naval e os
princípios, segundo ele, inalteráveis da estratégia e da tática.
Os dois últimos anos de vida de Mahan foram anos de saúde debilitante. Nos anos de
1907 e 1908 sofrera duas operações e segundo ele motivadas pela pressão dos editores para
que escrevesse sempre mais. Seu coração cambaleava e sentia-se muitas vezes fraco.
363 Esses conceitos compõem a base de sua concepção estratégica de controle do mar e serão discutidos aindaneste capítulo no item 2.3.. 364 Carta de Alfred Mahan a Bouverie Clark escrita de Nova Iorque em 12 de março de 1912. Fonte: SEAGERLetters and papers, v.3, op.cit p.447.
123
Nesses dois últimos anos dedicou-se a escrever Armaments and Arbitration365 e Major
Operations of the Navies in the War of American Independence366. O primeiro livro, de
1912, foi composto de dez artigos publicados no North American Review e no Century
Magazine nos anos de 1911 e 1912. Os seis primeiros artigos, segundo Mahan, foram
escritos para apresentar argumentos, freqüentemente ignorados, que nem o arbitramento em
sentido geral, nem o arbitramento como forma específica de decisão judicial, baseado em
um código legal, podem, em todas as oportunidades, ser aplicados em processos que
seguem um curso natural das forças envolvidas, principalmente quando envolvem o poder
nacional. Em seguida, ele discutiu o papel da força nas relações internacionais entre os
Estados.367
O segundo livro, de 1913, o seu último publicado, compôs um capítulo da History of
Royal Navy em sete volumes, organizado pelo historiador Sir William Laird Clowes,
correspondente naval do The Times e influente escritor.368 Por autorização especial do
editor369, Mahan pôde transcrever o seu capítulo, que recebeu o título de Major Operations
1762-1783, transformando-o em livro. Tratou-se de um livro (cerca de 280 páginas), com
14 capítulos descrevendo a Guerra da Independência dos EUA, sob o ponto de vista naval.
A idade avançada de Mahan, acrescido do problema cardíaco, não o fazia perder as
forças. Para seu amigo Clark disse que ainda “podia andar numa velocidade de quatro
milhas por hora, embora não pudesse mantê-la por mais que uma hora”.370
No início de 1913 realizou com sua esposa e duas filhas viagens à França e Itália o
que lhe trouxe muita alegria. Contava com 72 anos de idade.
Por ocasião da abertura das hostilidades da Grande Guerra em agosto de 1914, Mahan
recebeu diversos convites para escrever sobre os acontecimentos da guerra no mar371, no
entanto se viu impedido de publicá-los, por uma ordem especial do Presidente dos EUA,
Woodrow Wilson que determinou a todos os oficiais da ativa e da reserva das Forças
365 MAHAN, Alfred Thayer. Armaments and Arbitration. New Yorke: Harper & Brothers, 1912.366 MAHAN, Alfred Thayer. Major Operations of the Navies in the War of American Independence. London:Sampson Low, Marston Ltd, 1913. 367 MAHAN, Alfred. Armaments and Arbitration. op. cit. , p.iv.368 SCHURMAN, op.cit. p. 91.369 O editor foi Sampson Low and Marston.370 TAYLOR, op.cit. p.273.371 Os periódicos que queriam artigos regulares de Mahan sobre o transcurso da guerra foram o TheIndependent de Nova Iorque, pagando cerca de 100 dólares semanais por cada artigo, uma boa soma para aépoca, e o Leslie também de Nova Iorque, pela mesma quantia semanal. Fonte: Ibidem, p.279.
124
Armadas norte-americanas que se abstivessem de escrever sobre a Grande Guerra por ser
“altamente indesejável e impróprio que oficiais da Marinha e do Exército dos EUA façam
qualquer declaração, no qual expressem qualquer crítica política ou militar sobre outras
Nações envolvidas no conflito”.372 Mahan tentou, ainda, por carta ao Secretário da Marinha
contra-argumentar, sem resultado. A proibição foi mantida para sua decepção.
Logo depois da declaração de guerra da GB, ele declarou sua firme convicção na
vitória dos aliados sobre a Alemanha e voltou a mencionar que a Marinha britânica
dominaria os mares e que “só existia uma Marinha no mundo [a britânica] e que as outras
eram apenas crianças em comparação. Eu [Mahan] não queria menosprezar as Marinhas
dos EUA e de outros países, mas comparando com a britânica, as outras marinhas têm
muito que aprender”.373
O seu coração começou a falhar com mais frequência. Sua última correspondência foi
datada de 21 de novembro de 1914 para o seu dileto amigo Franklin Jameson, diretor de
pesquisa histórica do Instituto Carnegie em Washington DC e editor da revista American
Historial Review. Disse ele a Franklin o seguinte:
Meu caro Dr. Jameson: sendo obrigado a permanecer em casa hoje, parareceber uma visita de meu médico, utilizei a oportunidade de escreverpara a senhora Sperry. Eu a encaminhei a sua carta, juntamente com a doprofessor Smith, melhor explicando a situação, ratificando nela minhaspróprias recomendações e aprovação.374
Logo depois foi transferido para o Hospital Naval de Washington após outro ataque
cardíaco, vindo a falecer em 1 de dezembro de 1914. Mahan tinha 75 anos de idade.
Morria o grande teórico do poder marítimo dos EUA.
2.2- Alfred Thayer Mahan: um historiador empírico.
O experiente Secretário da Marinha dos EUA, Henry Stimson, no conturbado período
de 1940 a 1945, afirmou que “a psicologia peculiar do Departamento de Marinha,
372 Ibidem, p.275.373 Ibidem, p.281.374 Carta de Alfred Mahan para Franklin Jameson escrita de Washington DC em 21 de novembro de 1914.Fonte: SEAGER Letters and papers, v.3, op.cit p.552.
125
freqüentemente parecia se afastar do mundo da lógica em direção a um mundo religioso no
qual Netuno era o Deus, Mahan seu profeta e a Marinha de Guerra a única igreja
verdadeira”375 indicando efetivamente o modo como Mahan era percebido em todos os
níveis em seu país. Mahan era o verdadeiro profeta do poder marítimo.
Mahan não tinha uma formação acadêmica formal em história. Ele não cursou
nenhuma universidade, nem foi oficial de estado-maior com curso de altos estudos, contudo
modificou o modo como a historiografia naval era estudada e correlacionou essa
historiografia com o estudo da estratégia naval, formulando conceitos e “princípios” de
aplicação. Seu corpus editorial foi composto de 20 livros e 137 artigos publicados376.
Desses livros seis foram de temas históricos, três biografias, duas auto-biografias e nove de
temas de política, estratégia e relações internacionais, uma produção razoável,
considerando que o primeiro livro publicado ocorreu quando tinha 43 anos de idade e o
livro seguinte só foi escrito sete anos depois, quando contava com 50 anos.
Mahan começava seus estudos com uma inspiração, uma “luz” que surgia de seu
consciente. Dessa inspiração ele deduzia conclusões predeterminadas. Os fatos históricos
surgiam para corroborar as suas conclusões previamente deduzidas. O que não corroborasse
suas conclusões era descartado. Dentro dessa perspectiva ele começou a leitura do livro A
History of Rome de Theodor Mommsen377.
Ao analisar a Segunda Guerra Púnica, muito bem descrita por Mommsen, Mahan
verificou que Aníbal preferiu correr sérios riscos com o seu exército, partindo da Espanha
em direção à península itálica, por via terrestre, do que se aventurar em uma travessia por
via marítima. Naquela oportunidade Roma já dominava o Mediterrâneo e certamente
atacaria a frota cartaginesa em seu trânsito para a Itália. Mommsen afirmara que Roma
obtivera o controle do mar a partir da guerra precedente e essa preponderância ainda existia
por ocasião da segunda guerra. A decisão de Aníbal de partir da Espanha, cruzar o sul da
375 CROWL, op.cit. p. 444.376 Ibidem, p. 448.377 Theodor Mommsen nasceu em 1817 em Garding no Schleswig. Foi professor das Universidades deLeipzig, Zurich e Breslau antes de assumir a cadeira de história antiga na prestigiada Universidade de Berlimem 1858, tendo sido também um político ligado ao Partido Liberal da Prússia. O seu clássico History of Romeque tanto impressionou Mahan, foi lançado em cinco volumes. O volume 3 ( From the Union of Italy to theSubjugation of Carthage and Greek States) descreve exatamente a passagem de Aníbal para a Itália.Mommsen recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1902. Faleceu em 1903. Fonte: Nobel PrizeOrganization. Mommsen Biography. Disponível emhttp://nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/1902/mommsen-bio.html. Acesso em 8 de julho de2008.
126
França, atravessar os Alpes e atacar Roma pelo norte da península o impressionara
bastante. Mahan chegou a conjecturar que talvez se ele arriscasse o trânsito pelo mar suas
perdas não seriam de 33.000 baixas dos 60.000 que iniciaram a marcha na Espanha.378 Sua
explicação para essa atitude de Aníbal era que o poder marítimo de Roma controlava os
mares ao norte de uma linha traçada de Tarragona na Espanha a Lilybaeum (ao norte de
Marsala), no ocidente da Sicília, passando pelo Estreito de Messina até Siracusa e dali a
Brindisi já no Adriático. Esse controle permaneceu inalterado durante toda a guerra379.
Chegou ele a imaginar como as coisas seriam diferentes caso Aníbal invadisse Roma por
mar e pudesse controlar suas comunicações com Cartago380. A partir dessa constatação
Mahan começou a formular sua teoria de poder marítimo. Nessa observação estava a chave
para a emergência e a queda dos Impérios, o controle ou não dos mares, segundo
imaginou.381
Além de Mommsen, Mahan leu com afinco autores ingleses como Sir George
Augustus Elliot, Sir John Montague Burgoyne e Sir Charles Ekins. Os franceses tampouco
foram esquecidos. Leonard La Peyrouse Bonfils e Henri Martin foram os dois mais
apreciados. No entanto o maior teórico militar estudado por Mahan foi Antoine Henri
Jomini382.
Ele pouco apreciava a pesquisa arquivistica, preferindo, ao contrário, o uso de fontes
secundárias. Em algumas obras específicas chegou a pesquisar documentação primária, no
entanto, preferia o caminho das obras prontas, o que de forma alguma diminuiu a
originalidade de seu pensamento. Vale mencionar a opinião do historiador Kenneth Moll
que analisou a obra de Mahan, constatando que a organização dos capítulos de seus livros
era muitas vezes confusa, misturando a interpretação de determinado evento histórico com
suas próprias conclusões finais383, embora procurasse seguir a lógica cronológica das
batalhas e campanhas navais na maior parte das vezes. Sua narrativa, entretanto, era direta,
dogmática e determinista, procurando apontar que o investimento no poder marítimo, como
378 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op.cit. p. 15.379 Ibidem, p.17.380 MAHAN, From Sail to Steam. op. cit. P. 277.381 CROWL, op.cit. p. 450.382 No subitem 2.2.2 serão feitas maiores considerações sobre a influência de Jomini no pensamento deMahan. 383 MOLL, Kenneth. A. T. Mahan. American Historian. In: Military Affairs. Virginia: Society for MilitaryHistory, v.27, n. 3, outono, 1963, p.139.
127
por ele apregoado, levaria o país a desenvolver-se como um todo numa clara interpretação
teleológica.
Mahan não trouxe nenhum fato naval novo ou mesmo novas interpretações à história
naval, no entanto, a partir de seu estudo ele divisou novos caminhos para o estudo da
estratégia e nesse ponto é que a leitura de seus livros tornou-se importante para qualquer
pesquisador de assuntos navais. A história, para ele, servia como uma ferramenta de análise
aplicada e não como uma história interpretativa e problematizada. Certamente que ele era
um homem de seu tempo, procurando entender o mundo industrial que surgia e o modo
como ele afetava as concepções estratégicas navais no final do século XIX. Acreditava que
a guerra no mar no passado, no período à vela, poderia servir como referência para o
período da Marinha a vapor, principalmente no campo da estratégia. Os “princípios”
colhidos no passado, imaginava, continuariam válidos para o período em que ele escrevia.
Essa visão enviesada de história indicava um reducionismo exagerado, ao descrever que a
complexidade da guerra no mar poderia ser interpretada com uma enorme simplicidade,
desde que seus “princípios” fossem seguidos por todos, o que diminuía sobremaneira a
validade científica de seus estudos. Deve ser mencionado, no entanto, que não era intenção
de Mahan conduzir uma pesquisa objetiva científica, nem aclamar que suas conclusões
fossem o produto de uma pesquisa arquivística exaustiva. Apesar dessas deficiências
metodológicas, Mahan inovou e tornou-se um paradigma. Ele era um historiador naval
criativo e segundo interpretação de Kenneth Moll, Mahan foi “o pai da moderna
historiografia naval”.384 Por suas qualidades e defeitos Moll afirmou, ainda, que Mahan era
simultaneamente um dos mais fortes e mais deficientes autores a serem encontrados em
toda a historiografia naval385.
No que concerne ao moderno estudo da estratégia naval, Sprout apontou que Mahan
contribuiu de três formas distintas. A primeira ao desenvolver uma filosofia de poder
marítimo que obteve reconhecimento e aceitação em círculos externos ao mundo naval e
assim conseguiu influenciar políticos em todo o mundo. A segunda por formular uma nova
e criativa teoria de estratégia naval e por fim por criticar enfaticamente o estudo das táticas
navais até então utilizadas.386 Assim, para ele o poder marítimo poderia significar para os
384 Ibidem, p. 132.385 Ibidem, p. 139.386 SPROUT, op.cit. p. 418.
128
EUA o mesmo que significou para a GB, isto é um instrumento político eficaz e eficiente
para a obtenção de poder e relevância mundial.
Um outro aspecto interessante da percepção de história por parte de Mahan é a
instrumentalização da disciplina como base para a educação formal dos oficiais de marinha
dos EUA. Seus textos passaram a ser discutidos inicialmente em Newport, depois
extravasando para outras escolas de altos estudos navais, inclusive a brasileira. Sumida
afirmou, inclusive, que os livros de Mahan eram apresentados como um testamento do
“valor do treinamento histórico” para a análise da estratégia naval. Para Mahan, o estudo da
história naval deveria ser incrementado, de modo a se ter oficiais com maior capacidade de
análise e reflexão, assim como um agente primário de educação avançada para aqueles
oficiais que teriam a tarefa de dirigir o que era tecnologica e burocraticamente uma
instituição complexa como a Marinha de guerra. A arte da guerra aplicada ao mar era o seu
objeto final. A história naval, sua ferramenta de análise.
No dia 6 de agosto de 1888, Mahan proferiu a aula inaugural do curso de estado-
maior na EGN-EUA, afirmando o seguinte:
A grande resposta para a questão ‘qual o objetivo da Escola de GuerraNaval’ foi antecipada pelos senhores daquilo que foi apresentado aqui. Éo estudo e o desenvolvimento, de uma maneira sistemática e ordenada daarte da guerra aplicada ao mar ou tais partes terrestres alcançadas pelosnavios. Avaliando os navios e suas armas aperfeiçoadas pela ciência denosso tempo e formulando seu poderio e limitações como desenvolvidospela experiência, teremos os meios colocados nas mãos de especialistaspara obter-se os grandes fins da guerra. Como melhor adaptar essesmeios para o fim sob várias circunstâncias e vários campos nos quais osnavios e esquadras serão chamados a atuar é o problema proposto387.
Após a análise de sua escrita e interpretação histórica, de que forma Mahan, em suas
próprias palavras, percebia a história ? Como ele procurava, a partir de fatos históricos
percebidos, formular conceitos e definições sobre o poder marítimo ? Quais foram suas
principais influências na formulação desses conceitos ? É o que se discutirá no próximo
subitem.
2.2.1) A história e o ofício do historiador segundo Alfred Mahan:
387 MAHAN, Naval Administration and Warfare. op.cit. p. 190.
129
Mahan foi um homem essencialmente religioso e sua religiosidade teve considerável
influência no modo como ele percebia a história. Sua compreensão do cristianismo também
influenciou sua teoria de poder marítimo e, por conseguinte, sua visão de política. A
capacidade de conduzir a guerra foi outorgada a autoridades legalmente constituídas pelo
poder de Deus, sendo que a força era um meio deplorável, mas necessário de manter a
ordem, de defender os interesses nacionais, de vingar atos “malévolos” e de administrar
justiça.388 Uma vez que a humanidade não era perfeita, a guerra era um “mal necessário” e
um remédio para combater maiores males, especialmente os males morais, pensava Mahan.
Assim a guerra era justificável como um elemento de progresso humano, embora afastada
da perfeição humana e por causa dessa imperfeição, suscetível de remédio. Mahan afirmou,
também, que no atual estado imperfeito do gênero humano, o mal pode fácil e
freqüentemente alcançar um ponto no qual precise ser controlado e talvez até destruído pela
força física. Se, por acaso, o mal tiver condições de resistir, ele necessita ser destruído. Essa
destruição virá pela guerra.389 Acreditava, então, que a guerra podia ser justificada, segundo
o ponto de vista cristão. E qual seria o papel de Deus na guerra ? Para ele, Deus dava a
consciência ao homem para decidir recorrer a guerra ou não. Cristo designou a espada para
as autoridades de uma Nação recorrerem a coerção física do mal, dentro do campo material,
uma vez que o Reino de Cristo não é desse campo. A cada Nação era dada a opção por
Deus para recorrer a força, quando fosse necessário. A espada servia para defender os
direitos dessa Nação.390 Disse ele o seguinte sobre a necessidade de se aplicar a força:
O poder e a força são faculdades da vida nacional, elementos dados àNação por Deus. E essa obrigação de manter o direito pela força,enquanto comum a todos os Estados, se coloca peculiarmente sobre omaior em proporção a seus meios. Assim vista a habilidade derapidamente arregimentar o poder da Nação sendo um dos mais evidentesdeveres envolvido na palavra cristã vigilância, prontidão quando ochamado chegar, esperado ou não[...] quando o mal é forte e desafiador, aobrigação de usar a força, isto é, a guerra, se apresenta 391
388 LESLIE, Reo. Christianity and the Evangelist of Sea Power: The Religion of Alfred Thayer Mahan. In:HATTENDORFF, John. The influence of History on Mahan. Newport: United States Naval War CollegePress, 1991, p. 133. 389 MAHAN, Alfred. Some Neglected Aspects of War. op.cit. p. 100.390 LESLIE, op.cit. p. 134.391 MAHAN, Alfred. Lessons of the War with Spain and other Articles. op.cit. p. 233.
130
A visão de Mahan sobre a guerra é consistente com a visão de guerra justa de Santo
Agostinho. Deve ser observado que ele era um homem com uma visão judaico-cristã,
influenciado e influenciando a expansão norte-americana em direção ao Caribe e ao
Pacífico, quase como um “ato divino” imposto aos EUA para levar a “civilização aos povos
atrasados” dessas regiões.
Sendo a guerra um fato histórico, Mahan percebia a história como uma espécie de
drama divino no qual a vontade de Deus era revelado pelas personalidades e eventos
ocorridos. A história era por ele definida como a realização de um plano da Providência, de
muito maior alcance e mais complicada que simplesmente a tática de uma batalha ou a
estratégia de uma campanha ou mesmo a política de uma guerra. Dizia ele que “cada um
desses eventos, as batalhas, as estratégias das guerras e as políticas, dentro de suas esferas
eram incidentes da história, possuindo uma unidade intrínseca própria”.392
Sua crença na inevitabilidade da manifestação da Providência no curso da história,
agindo sobre os homens e sua convicção de que a mão de Deus estava por detrás da
grandeza do poder marítimo britânico, pode ser constatada na afirmação de que a Jamaica
passara para as mãos da Inglaterra por acidente no período de Cromwell e que a expedição
enviada pelos ingleses não era para tomá-la e sim conquistar Santo Domingo. Em
continuação, que a Espanha teve a oportunidade e a chance de conquistá-la na Guerra da
Independência dos EUA e não o fez e que situações similares ocorreram em relação aos
postos-chave do Mediterrâneo, Gibraltar e Malta e novamente a Espanha não os
conquistou. Mahan atribui essa negligência espanhola como a Providência que tinha como
pressuposto a manutenção da predominância naval da GB. Se a Espanha não agiu, foi por
que assim quis Deus em seus desígnios.393
Mahan confessou que o estudo da história foi para ele incidental, tarde na vida,
claramente superficial, limitado e sem a necessária pesquisa documental. Ele tinha
consciência de que não possuía o embasamento teórico necessário para discutir e interpretar
questões históricas em profundidade. Disse ele que a história do poder marítimo era
largamente, embora não somente,uma narrativa de lutas e de violência entre Nações rivais
freqüentemente culminando em guerras394. Para isso era inegável, para ele, a influência do
392 MAHAN, Alfred. Naval Administration and Warfare. op.cit. p. 267.393 LIVEZEY, op.cit. p. 26.394 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op.cit. p. 1.
131
comércio marítimo na riqueza e poderio dos países. Para assegurar esses benefícios, todos
os esforços nacionais, tanto por instrumentos ou métodos legislativos de monopólio ou de
proibição, foram realizados. No caso desses falharem, recorreu-se à violência. As guerras
ocorreram, então, pelo choque de interesses, pelos sentimentos resultantes de outros
tentarem obter maiores lucros em detrimento dos interesses nacionais contrários obtidos
pelo comércio. Assim a história do poder marítimo, embora englobando tudo que incluía a
grandeza de um povo por meio do mar, é fundamentalmente uma história militar, por
envolver a luta e a disputa militar.
Na análise da história militar a ação de grandes líderes militares era essencial para
enfatizar idéias e para conduzir as guerras do futuro. Nomes como Napoleão, Alexandre,
Aníbal e César foram muito admirados e citados por Mahan. Segundo ele, existiria uma
concordância explícita de historiadores de que, embora as diversas condições de guerras
passadas variassem, nos diferentes períodos históricos, em relação ao progresso tecnológico
dos armamentos, também existiriam ensinamentos da história que permaneceriam
constantes e de aplicação universal, alcançando a situação de “princípios gerais”.395 Dessa
forma, o estudo sistemático da história da guerra no mar era instrutivo pela indicação e
aplicação desses “princípios gerais”, apesar das grandes inovações que pudessem ocorrer
nas armas navais, incluindo nesse caso o uso do vapor. Apesar das inovações tecnológicas
no campo da guerra, os “princípios gerais” permaneceriam os mesmos. O conhecimento
desses princípios era útil para o especialista nos estudos da guerra nos momentos de dúvida
e perplexidade, no entanto para um novato esse conhecimento não seria suficiente.
A história, assim, passava a ter uma função fundamental, pois além de exemplificar
fatos que confirmavam a atualidade dos princípios apontando o valor da experiência vivida
em situações correlatas, indicava concomitantemente a pertinência do uso de princípios.
Experiência e uso de princípios se complementavam no exame correto de uma situação.
Um especialista que dominasse o uso dos princípios e tivesse experiência estaria melhor
capacitado para avaliar uma situação de guerra e conflito396, segundo Mahan. A história
provia a matéria bruta do qual se deveria obter e retirar lições. Os ensinamentos seriam
ilustrações desses princípios. Um exemplo, no entanto, que requeria cuidado por parte do
especialista era a aplicação de princípios em casos envolvendo questões morais, que
395 Ibidem, p.2.396 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 10.
132
poderiam transcender o campo militar. Os princípios que regiam a conduta militar na guerra
nem sempre eram coincidentes com os conceitos que regiam a conduta moral na guerra, daí
a dificuldade de aplicar os mesmos princípios para o campo militar e o campo moral.397
Antes dos grandes encontros das esquadras em guerras no mar, Mahan levantou
questões fundamentais sobre como conduzir as operações no teatro de guerra. Mencionou
que as questões básicas eram as seguintes: que funções seriam alocadas às Marinhas na
guerra ? Quais os seus principais objetivos ? Aonde as Marinhas seriam concentradas ?
Quais os seus pontos de abastecimento ? Como seriam protegidas as comunicações entre
esses pontos e as bases principais ? Qual o papel do ataque ao comércio inimigo ? Seria ele
decisivo ? Como seria esse ataque, por meio de corsários isolados ou por forças navais em
pontos focais ? Todas essas questões estratégicas poderiam ser respondidas pelo estudo da
história naval, segundo ele.
Mahan prosseguiu afirmando que as lições estratégicas retiradas dos princípios da
história naval teriam maiores valores. As lições táticas poderiam indicar, também, alguns
ensinamentos, no entanto o encontro das esquadras oponentes no campo da tática traria
menos ensinamentos, pois foi a estratégia que provocou esses encontros, daí os princípios
terem menos perenidade no campo da tática. As batalhas ocorridas no passado foram
ganhas ou perdidos segundo a aplicação desses princípios gerais e o estudo das causas e
efeitos dos sucessos e insucessos, por parte dos profissionais do mar, podiam permitir
maior aptidão para a condução das esquadras em combate. A história, então, para ele teria o
papel de demonstrar o que deveria ser feito, a partir de experiências analisadas do passado.
Mahan procurava, também, analogias entre duas situações históricas similares para indicar
que determinado princípio tinha sido empregado corretamente ou não398. Em uma carta para
Samuel Ashe ele disse que “toda a história naval até aqui, fora feita por navios e
armamentos[...] completamente diferentes dos que estão em uso agora”399, esforçando-se
para demonstrar que apesar das diferenças os princípios continuavam os mesmos e apontar
nas lições do passado algo que pudesse servir para o futuro. Sua intenção era “extrair
ensinamentos dos velhos cascos de madeira e dos canhões de 24 libras, o que trouxessem
397 Ibidem, p. 234.398 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op cit p.44.399 BARBER, James. Mahan e a Estratégia Naval na Era Nuclear.Revista Marítima Brasileira.. Rio deJaneiro: Serviço de Documentação da Marinha, 3.Trim, 1976, p. 90.
133
alguma luz às combinações a serem empregadas entre navios encouraçados, canhões
raiados e torpedos”400.
Mahan considerava, também, difícil escrever o que se chama na atualidade a história
do tempo presente. Para ele deveria existir um tempo mínimo para a coleta dos fatos
históricos correntes e para a análise desses fatos, que poderiam se apresentar imperfeitos e
conflitantes. Um tempo mínimo seria requerido para o pesquisador verificar a sua
totalidade e a sua verdadeira importância relativa. Afirmou ele que:
Existem, assim, duas operações distintas essenciais na acuidade dejulgamento para a finalidade da pesquisa. A primeira, o diligente eminucioso estudo do detalhe no qual o conhecimento é completo e asegunda um determinado afastamento do pensamento de prejulgamentose paixões provocadas pelo contato imediato [com o fato histórico], umcerto afastamento correspondente a idéia de distância física no qual aconfusão e distorção desaparecem e assim possa ser possível nãosomente distinguir os pontos decisivos do período, mas também relegara seus lugares corretos os detalhes que, no momento em que ocorreram,fizeram uma impressão exagerada devido a sua proximidade.401
Quanto ao ofício do historiador, ele considerava que o profissional da história deveria
possuir fineza no conhecimento, percepção da íntima relação com os fatos históricos em
suas mais diferentes ramificações e domínio das diferentes fontes de evidência, de
declarações de testemunhas, muitas vezes conflitantes e irreconciliáveis. O poder de criticar
seria simplesmente um incidente oriundo da compilação dos fatos reunidos. O historiador
seria, segundo ele, um juiz e os jurados em um tribunal, não estabelecendo os fatos, mas
decidindo conforme as evidências. A isso tudo ele chamou de a “expressão geral do
conhecimento” do profissional de história que devia ser paciente e diligente na análise do
material apresentado402. A preocupação principal do historiador devia ser compilar o que
ele Mahan classificou como “verdades”, muitas vezes contraditórias, confusas e
“indesejáveis”, que compunham um quadro que apontava a impressão do que deveria ser a
“verdade”403. A fidelidade na apresentação dos fatos não consistia meramente em apontar
400 Idem.401 MAHAN, Alfred. Lessons of the War with Spain. op.cit. p. 22.402 MAHAN, Alfred Thayer. The Writing of History. The Atlantic Monthly. Boston: Houghton, Mifflin andCo, v.41, n. 545, mar, 1903, p. 290.403 MAHAN, Alfred. Naval Administration and Warfare. op.cit. p. 250.
134
todos os fatos. A ênfase dada a cada um deles era tarefa essencial do historiador, de modo a
facilitar a compreensão do leitor ou do observador. O importante era a idéia central.404
Reconhecia, também, que os historiadores, de um modo geral, desconheciam as
especificidades da guerra naval, não possuindo nem interesse nem conhecimento nesse
campo da história específico que era a história naval. Dizia, também, que esses
historiadores não percebiam a importância que o poderio marítimo tivera no
desenvolvimento das Nações405. Considerava que era simples para um historiador apontar o
mar, de uma forma generalizada, como um meio de desenvolvimento das Nações na
história, no entanto a generalização não era o meio correto de se abordar a questão. Essa
visão era vaga e sem substância. O importante para o historiador naval era demonstrar e
analisar a relevância de casos particulares do uso do mar para o desenvolvimento nacional,
em determinado período histórico, sem generalizações que nada agregava ao estudo da
história. O mar foi e continuava sendo desconhecido para a grande massa de pessoas e para
os historiadores. Acreditava, assim, que sua função social como historiador naval era trazer
a discussão à importância do poder marítimo no curso da história. Dois outros autores
Mahan considerou como seus predecessores, Sir Walter Raleigh e Francis Bacon406.
Para Mahan a função do historiador, ao escrever a história, não era simplesmente
acumular fatos em sua totalidade ou em sua acuidade, mas apresentar esses fatos de modo
inteligente para o que ele chamou de “homem da rua”407 não tivesse qualquer dificuldade no
seu entendimento. Em falhar a transmitir essa idéia, o historiador deixava de cumprir sua
tarefa como profissional, apesar de toda a sua “expressão geral do conhecimento” que
simplesmente permanecia com ele e não era transmitida como deveria.
O texto histórico não era somente uma narrativa corrente, nem mesmo se fosse viva e
eloqüente. Não adiantava ser detalhista e perfeito na cronologia, se ao final da leitura se
percebesse que os fatos descritos passaram pelo texto como “um movimento ocorrido na
rua por quem observa da janela”408. Um detalhe podia até ficar gravado na memória,
contudo nada permanecia, a não ser a seqüência de imagens sem início nem fim. A história,
para o autor norte-americano, devia ter uma continuidade que consistia em sua utilidade
404 Ibidem, p. 251.405 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op. cit. P. iii.406 MAHAN, Alfred. From Sail to Steam. op. cit. p. 276.407 No original “the man on the street”. Ibidem, p. 252.408 Idem.
135
como o poder de ensinar, baseado na experiência. Cuidado devia ser tomado na acumulação
de fatos sem correlação. Isso era um pecado, segundo ele.
Os fatos históricos para Mahan, embora exaustivos e ardorosamente obtidos, eram
somente tijolos e cimento para o profissional, em sua forma bruta simplesmente. Somente
após a análise do “artista” a que ele correlacionava ao historiador, a “obra” surgia, a
verdadeira narrativa histórica, como uma criação de arte, após árdua concepção. O
historiador devia possuir, então, a capacidade de análise, perspicácia e imaginação. O
requisito principal a ser seguido pelo profissional deveria ser a unidade na escrita. Essa
unidade se compunha da relação entre as partes do texto e da proporção dessas partes. Essa
unidade implicava multiplicidade, subordinada a uma idéia dominante ou central ou
hipótese principal. Para enfatizar sua idéia, Mahan recorria à Ilíada de Homero quando este
mencionou as diversas ações, fatos e realizações dos diversos personagens que fluíram pelo
poema, no entanto para Mahan Homero queria exaltar a suprema glória do grande herói
Aquiles409. Nesse ponto, Mahan ao correlacionar a idéia central ou hipótese de Homero com
a glória de Aquiles pareceu diminuir o papel de Heitor no poema, tão ou mais importante
que o de Aquiles.
Mahan correlacionou o profissional da história com um artista, ao analisar o seu
objeto, separar suas partes componentes, reconhecer as inter-relações entre as partes e a
proporção de importância e interesse de cada uma no texto final. Com isso perfeitamente
delineado, o historiador formava um plano geral, um modelo bruto, já indicando a idéia
central ou hipótese, podendo essa idéia ser até um conflito de dois campos antagônicos,
como por exemplo, a liberdade e escravidão, união e desunião no país ou região, devendo,
no entanto a unidade ser mantida. A idéia central não estava na liberdade ou na escravidão,
mas no conflito entre as duas idéias. Os eventos surgidos deviam ser congregados em torno
da hipótese principal, como uma obra de arte que vai aos poucos se delineando na frente do
artista.
Mahan apontou que, além de artista, o historiador devia ter a tarefa de instruir os
homens, de ser um demonstrador de lições a serem apreendidas. A precisão do historiador,
sem dúvida nenhuma, era sua obrigação profissional, no entanto podia acorrentá-lo,
fazendo com que ele omitisse o mais importante: a idéia central. Ao coletar grande
409 Ibidem, p. 255.
136
quantidade de fatos, ele poderia não perceber que o controle desses fatos seria cada vez
mais problemático. Ele devia, assim, limitar seu campo de análise a aquilo que ele podia
controlar. A exaltação da acuidade de pesquisa histórica, exaltada por alguns historiadores
profissionais, por si só, para ele, era uma inutilidade. Acreditava que, em um texto de
história, o importante era perseguir a idéia central, objetivamente, com alguns fatos bem
fundamentados e interpretados. Afirmou inclusive que “a paixão pela certeza [por parte do
historiador] pode cair na incapacidade de decidir; um vício reconhecido na vida militar e
que necessita de reconhecimento em outro lugar”410. Complementou, afirmando que o
estudo intensivo de casos dotaria o pesquisador e o aluno de uma maior compreensão, uma
ampla visão, uma maior aptidão e rapidez na aquisição de detalhes críticos, ao invés de
estudar detalhes de menor significado na história.411
A “teoria de composição histórica”412, segundo suas próprias palavras, se baseava em
coletar material bruto, os fatos históricos desconectados, e em perceber como os homens
agiram e de que forma, temperados com grande dose de inspiração, tal como um artista
agiria na criação de uma obra de arte. Para ele existiam poucos historiadores dotados dessa
inspiração, tal como existiam poucos artistas. Para chegar ao ponto de ser considerado um
artista, o historiador precisava desenvolver um processo intelectual acurado, ao contrário do
artista puro que necessitava somente de genialidade e inspiração. A capacidade de estudar
os fatos analiticamente, de detectar as grandes linhas principais de raciocínio, de determinar
a importância relativa de cada uma delas, de reconhecer as relações mútuas e sobre tudo
isso de apresentar um texto lógico, deveria compor o processo intelectual do historiador.
Não devia ser esquecido, lembrou Mahan que o delineio de uma cadeia de causa e efeito, a
organização e classificação dos incidentes históricos, em princípio desconectados, deviam
revelar a unidade central e expor ao leitor a principal tendência predominante de
determinada época apresentada.413
Mahan acreditava que, utilizando esses princípios, poderia ser obtida a solução para
compreender os problemas da guerra, caso se relacionassem à conduta das campanhas, o
que ele chamava de estratégia ou caso se relacionassem com a direção das batalhas, o que
410 MAHAN, Alfred. The Writing of History. op.cit. p. 294.411 MAHAN, Alfeed. Naval Strategy. op.cit. p. 120.412 MAHAN, Alfred, Naval Administration and Warfare. op.cit. p. 262. A palavra usada por Mahan nooriginal foi ‘the theory of historical composition’.413 Ibidem, p. 263.
137
chamava de tática. O historiador naval que conhecesse os princípios de guerra, encontrava a
evidente necessidade de construir sua narrativa com uma unidade substancial, percebendo a
idéia central e os fatos que sustentavam essa idéia. Ele comparou essa tarefa de pesquisa
com a palavra “concentração”, um evidente princípio de guerra, ao agrupar os fatos em
torno de uma idéia central e as tropas no campo em um ponto definido.414 A lógica e a
imaginação deviam andar juntas, contudo para ele a lógica devia prevalecer. Uma batalha
bem pesquisada e descrita devia ser como uma obra de arte realizada pelo historiador
militar. Para um estudante de história naval o estudo da guerra terrestre era de suma
importância, em virtude do extensivo desenvolvimento narrativo e por existir mais guerras
em terra que no mar. Acresça-se, também a isso, existir maior quantidade de material para
pesquisa, assim como os exemplos no uso e aplicação de princípios eram mais explícitos e
numerosos.415
Mahan apontou uma analogia entre a escrita da história militar com os outros campos
da história tais como a história política, a história econômica e a história social, no entanto
chamou a atenção que ela se diferenciava dos outros campos pela ênfase no que chamou de
“plano humano”416, por uma marcada finalidade em sua conclusão e acima de tudo por uma
vivacidade nas ações, tudo isso enfatizado em uma grande unidade temática. Uma
declaração de guerra, um tratado de paz, uma vitória decisiva eram, por exemplo,
indicadores importantes de uma época, havendo analogia com outros eventos ocorridos no
que ele chamou de “história civil”.417 Na escrita da história militar, a ofensiva chocou-se
com a defensiva, opondo dois lados na guerra, reproduzindo-se em toda a história. Da
mesma forma, o conservadorismo chocou-se com o progresso que exigia mudanças, sendo
a resultante de cada conflito, como em cada guerra, uma modificação das condições
reinantes, não necessariamente uma imediata reversão. Mudança total, para ele, tinha sido
rara na história. Nem revolução nem estagnação, contudo avanço, gradual e moderado, fé
na estabilização da ordem, nos princípios fundamentais, no progresso regulado e
progressivo, assim pensava418.
414 Ibidem, p. 265.415 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 121.416 MAHAN, Alfred, Naval Administration and Warfare. op.cit. p. 268.417 Idem.418 Dessa forma, Mahan não concordaria hoje em dia com a definição de Revolução nos Assuntos Militares,propugnada por muitos historiadores militares contemporâneos.
138
Mahan ao analisar a história escolhia os exemplos que melhor atendessem suas
concepções, desprezando aqueles que, por alguma razão não corroborassem os seus
princípios fundamentais. Essa visão seletiva e enviesada de interpretação histórica o
comprometeu como um historiador imparcial. Sua ênfase exagerada no fato com pouca
problematização e excesso de dogmatismo e etnocentrismo anglo-saxão o colocam
atualmente como um historiador limitado. A escrita da história alterou-se no século XX e
Mahan era um homem de seu tempo, influenciado por outras conjunturas. Apesar de
percalços no método e no determinismo explícito de sua concepção de história, Mahan,
segundo Sumida, “estabeleceu a fundação da moderna história naval e estratégia em seus
livros sobre o poder marítimo”419. Reproduzindo Paul Kennedy, “Mahan é e sempre será
um ponto de referência e partida de qualquer estudo sobre poder marítimo”.420
Com essa discussão bem definida, quais foram seus principais influenciadores que
proporcionaram o ferramental teórico necessário para suas conclusões ?
2.2.2- As influências sobre Alfred Mahan:
Apesar de ter lido e estudado intensamente os clássicos franceses de história naval e
os livros de Theodor Mommsen, Mahan sofreu influência de três intelectuais que vieram
proporcionar o embasamento teórico para suas conclusões. Como visto a história naval
serviu como ferramenta para sua fundamentação teórica, no entanto os ditos “princípios”
por ele estabelecidos foram derivados de escritos e idéias de outros autores.
Como sua primeira e destacada influência surgiu seu pai Dennis Hart Mahan que
proporcionou ao filho o gosto pela investigação e questionamento. Em seguida, a sua
principal e relevante referência para o estabelecimento de conceitos, princípios e
concepções foi o teórico suíço Antoine Henri Jomini. Por fim, o terceiro destacado
influenciador de suas concepções foi Stephen Luce, oficial da Marinha norte-americana que
como visto o convidou para compor o quadro docente da recém fundada EGN-EUA por ele
dirigida.
419 SUMIDA, op.cit. p. xi.420 Ibidem, p. 1.
139
- Dennis Hart Mahan
Dennis Mahan nasceu na cidade de Nova Iorque em 2 de abril de 1802, tendo-se
criado em Norfolk na Virginia. Foi, então, indicado por esse estado para seguir para a
Academia Militar de West Point, de onde se graduou em 1824 como primeiro colocado de
sua turma. Como segundo-tenente foi indicado para atuar nessa Academia como professor
assistente na cadeira de matemática, ao mesmo tempo em que era designado engenheiro
militar.
Devido a seu desempenho foi designado para seguir para a França pelo Departamento
de Guerra, de modo a obter o título de engenheiro militar de artilharia na Escola Militar de
Metz. Em 1830 Dennis regressou a West Point para, dessa feita, assumir a carreira de
professor titular de engenharia, ao mesmo tempo em que ensinava fundamentos da conduta
da guerra aos alunos. Em 1838 assumiu o cargo de reitor da Academia, em paralelo com
suas atividades docentes. Por suas mãos passaram diversos cadetes que se tornariam
posteriormente generais na Guerra de Secessão.
Dennis procurou transmitir a interpretação francesa das Guerras Napoleônicas, o que
provocou grande atração por parte dos alunos. Suas palestras sobre a conduta da guerra
foram compiladas no livro An Elementary Treatise on Advanced-Guard, Out-post and
Detachment Service of Troops, que oferecia maiores orientações para os altos níveis
militares do que para os seus próprios alunos.421
Ele recebeu o título de doutor pelas Universidades de William e Mary em 1852,
Brown nesse mesmo ano e Dartmouth em 1867, sendo membro associado da Academia
Nacional de Ciências a partir de 1863.
Em 1871 Dennis suicidou-se, ao tomar conhecimento de que seria afastado e
aposentado de suas funções docentes pela Comissão de Benfeitores da Academia, apesar de
já ter sido assegurada anteriormente a sua permanência.
Seus livros textos de engenharia foram muito disseminados e estudados em diversas
universidades norte-americanas, destacando-se entre os principais Treatise on Field
Fortification de 1836, Elementary Course of Civil Engineering de 1837, Elementary
421 WEIGLEY, Russell. American Strategy from its Beginnings throuh the First World War. In: PARET,Peter. Makers of Modern Strategy. Princeton: Princeton University Press, 1986, p. 414.
140
Treatise on Industrial Drawing de 1853 e Field Fortifications, Military Mining, and Siege
Operations de 1865.
Dennis, sendo um grande admirador de Napoleão, acreditava que a defesa, por si só,
não era capaz de proporcionar a vitória no campo de batalha. A procura da iniciativa por
meio de uma ação agressiva e ofensiva era indispensável para o sucesso em uma guerra.
Acreditava que a batalha de aniquilamento era a única forma eficaz de obter a vitória. Disse
ele sobre isso que “o vigor no campo de batalha e a rapidez na perseguição deveriam ir de
mãos dadas com o grande sucesso... levar a guerra no coração do país inimigo, ou de seus
aliados, é o modo mais seguro de fazê-lo sofrer e prejudicar os seus planos”.422 Russell
Weigley afirmou que, com toda certeza, os métodos utilizados por Ulisses Grant e William
Sherman na Guerra da Secessão, ambos alunos de Dennis, foram a aplicação das idéias
desse mestre423. Essas idéias seriam importantes para seu filho Alfred estabelecer as
condições necessárias para se obter o que viria a chamar de “controle do mar”.424
O professor Dennis Mahan, segundo um de seus alunos, possuía um “poder de análise
apurado pelo estudo crítico e intensiva pesquisa, [...] na descrição de um sítio, uma batalha
ou uma campanha [mudou] o que parecia ser uma confusão de eventos em uma clara
ilustração dos princípios verdadeiros de tática e estratégia”.425 Dennis chamava, também, a
atenção de seus alunos para os princípios envolvidos na conduta da guerra, assim como
para as qualidades exigidas de um chefe militar, que para ele seriam grande arrojo,
mesclado com precaução, presença de espírito e bom julgamento.426 Considerava, também,
que a conduta da guerra era uma arte, baseada em princípios simples bem estabelecidos e
que todos os combatentes percebiam a sua existência, competindo, no entanto, a poucos a
sua aplicação.
Dennis considerava fundamental o estudo da história e que se alguém tivesse dito que
compreendia e dominava a arte da guerra, sem ter analisado a história, estaria se iludindo.
Ele chegava a ser repetitivo ao afirmar que era “na história militar que olhamos para o
cerne de toda a ciência militar. É nela que encontramos exemplos de erros e acertos nos
quais a verdade e valor das regras de estratégia podem ser validados”.427 422 Ibidem, p. 416.423 Idem.424 Essa idéia será discutida no próximo item 2.3.425 SUMIDA, op.cit. p. 10.426 Ibidem, p. 11.427 Ibidem, p. 13.
141
O velho professor de engenharia de West Point incentivava seus filhos a lerem
diversos livros e a terem a capacidade de analisar e discernir conceitos e idéias deles
derivados. Sumida acredita firmemente que tanto ele como seu filho Alfred mantiveram
muitas conversas sobre assuntos envolvendo a arte da guerra, especialmente em tópicos
relacionados com a Guerra da Secessão, assim pode-se intuir que conceitos defendidos por
Dennis foram discutidos com Alfred, como por exemplo a questão dos princípios simples,
da importância da história como instrumento de análise, o caso da batalha decisiva de
aniquilamento, a vantagem da ofensiva e por fim a percepção de que o estudo da história e
da conduta da guerra estavam inseridos em arte e não necessariamente em ciência, embora
reconhecesse como engenheiro militar a importância fundamental da ciência militar para a
condução da guerra.
Dessas discussões entre pai e filho, Alfred moldou seu pensamento e se preparou para
compreender, aplicar e adaptar ao campo da guerra no mar os ensinamentos do principal
teórico militar da primeira metade do século XIX e seu “mentor” intelectual, Antoine Henri
Jomini.
- Antoine Henri Jomini.
Jomini foi o principal teórico a influenciar o pensamento de Mahan. Nasceu no cantão
de Vaud na Suíça francesa em 1779, sendo, a partir de tenra idade, envolvido pelo ambiente
da Revolução Francesa e das Guerras da Revolução. Inicialmente orientado pela família a
seguir a carreira dos negócios bancários, preferiu a vida militar. O Exército francês foi sua
escolha, hipnotizado pelo magnetismo de Napoleão Bonaparte.
Sua ambição, combinada com sua curiosidade e inteligência, o levaram a galgar
paulatinamente os graus hierárquicos no Exército francês. A primeira obra por ele escrita,
um tratado das campanhas de Frederico II da Prússia, foi presenteada ao Grande Corso que
reconheceu sua qualidade.
Em 1806 foi promovido a coronel e em setembro desse ano apresentou-se para servir
no estado-maior de Napoleão. O próprio Jomini contou que, ao fim de uma conferência, na
qual Napoleão discutiu com diversos oficiais de estado-maior a sua idéia de manobra contra
os prussianos, pouco antes da Batalha de Jena, não indicou para onde suas forças
142
convergiriam. Não resistindo a provocação, Jomini levantou-se e perguntou a Napoleão se
poderia se apresentar a ele em Bamberg. O imperador, contrariado, certo que seu destino
final era um segredo, perguntou a Jomini de onde tinha tirado essa idéia. O “mapa da
Europa e vossas campanhas de Marengo e Ulm”, foi a resposta de Jomini428. Isso provocou
grande admiração em Napoleão pela percepção estratégica aguçada do jovem oficial suíço.
Nem tudo, no entanto eram flores para Jomini no estado-maior. Aos poucos foi se
desentendendo com Berthier, chefe do estado-maior, chegando ao ponto de ter que resignar
a essa comissão, depois que os desentendimentos se transformaram em franca animosidade,
que só terminaria na morte de ambos. Nunca se reconciliaram.
Pouco antes da Batalha de Lutzen em 1813 Jomini assumiu o cargo de chefe do
estado-maior do marechal Ney, já como general de brigada, tendo no exercício dessa
função se distinguido como um competente teórico militar. Da impetuosidade de Ney e da
capacidade analítica de Jomini criou-se uma combinação eficiente no campo de batalha.
Ney propôs ao chefe do estado-maior imperial a promoção de Jomini a general de
divisão, o que foi recusado por Berthier, que alegou negligência do suíço com alguns
relatórios que deveriam ser enviados, propondo inclusive a sua detenção, bloqueando assim
qualquer elevação de posto. Irado e amargurado, Jomini abandonou o Exército francês e
apresentou-se, como mercenário no Exército russo que estava em combate contra
Napoleão. Muitos historiadores franceses consideraram tal gesto um ato de traição,
entretanto isso não impediu que muitos de seus escritos fossem estudados nas escolas de
altos estudos militares francesas.429
No Exército do czar, com o posto de general, Jomini continuou a escrever sobre
assuntos militares e a prestar assessoria, inclusive na fundação da Academia Militar russa
em 1832. Durante a Guerra da Criméia foi consultor do czar e por ocasião da aventura de
Napoleão III na Itália foi por ele procurado para prestar consultoria militar.
Jomini viveu 90 anos, vindo a falecer em 1869, fato pouco usual no século XIX.
Antes de morrer, teve a grata satisfação de se perceber uma celebridade e “uma das maiores
inteligências militares do mundo”.430
428 JOMINI, Antoine Henri. A Arte da Guerra. Tradução do Major Napoleão Nobre. Rio de Janeiro: Bibliex,1947, p. 15. 429 BRINTON, Crane; CRAIG, Gordon; GILBERT, Felix. Jomini. In: EARLE, Edward. Makers of ModernStrategy. Military Thought from Machiavelli to Hitler. Princeton: Princeton University Press, 1973, p. 82.430 JOMINI, Antoine Henri. A Arte da Guerra. op. cit. p. 16. Trata-se de uma opinião, a do Tenente-CoronelJ.D. Hittle, comentador da obra de Jomini na língua inglesa.
143
Seus principais livros publicados foram Traité des Grandes Operations Militaire em
oito volumes de 1816, Histoire Critique et Militaire des Guerres de la Revolution em cinco
volumes de 1824, Vie Politique et Militaire de Napoleon em quatro volumes de 1827,
Introduction a L´ Etude des Grandes Combinations de la Strategie e de la Tactique de
1829, Precis Politiques et Militaire de la Campagne de 1815 de 1839 e por fim o
conhecido e clássico Precis de L´Art de la Guerre em dois volumes de 1838, obra mais
importante e de maior perenidade.
Sua obra foi muito lida e comentada durante todo o século XIX. Além de grande
produtividade literária, sua escrita era fácil e compreensível para os militares e os políticos
envolvidos com a guerra. Suas idéias transformaram-se em uma verdadeira escola de
pensamento militar, tornando-o um dos principais intelectuais do século XIX. Por sua
corrente e bem dirigida pena as campanhas de Frederico II da Prússia e de Napoleão
tornaram-se fáceis de serem entendidas e interpretadas. Aos poucos passou a ser
considerado o grande intérprete de Napoleão. Como diz Domício Proença, “sucessivas
gerações de militares se voltariam para seus escritos como os únicos capazes de revelar-
lhes os segredos do Grande Corso”.431 O que Jomini desejou com sua vasta obra foi
demonstrar que o mundo militar e, por conseguinte, a guerra poderia ser compreendida
pelos profissionais por meio de seus escritos.
Sua vaidade, vasta como seus escritos, o levou a diminuir os escritos de seus
contemporâneos. A Jomini pode ser imputado, inclusive, o quase esquecimento da obra de
Carl Von Clausewitz. Talvez percebesse em Clausewitz um oponente de peso, daí as suas
críticas ácidas e imerecidas. O certo é que a obra do prussiano possuía uma integridade
intelectual inegável e uma construção teórica consistente, ao contrário da obra de Jomini
que transitava mais no campo operacional e com uma universalidade incompatível com a
complexidade da guerra. A simplicidade da visão de Jomini com o fenômeno da guerra
embotava suas próprias conclusões, distanciando-se da visão clausewitiana mais
consistente. Os escritos de Clausewitz só começaram a ser analisados após a campanha de
1870, quando Moltke, respondendo a uma pergunta sobre como conseguira uma vitória tão
retumbante contra o inimigo francês, respondeu que foi a leitura de Clausewitz que o
conduzira ao sucesso militar.
431 PROENÇA, Domicio Jr; DINIZ, Eugenio; RAZA, Salvador. Guia de Estudos de Estratégia. Rio deJaneiro: Jorge Zahar, 1999, p.59.
144
Mahan leu tanto Jomini como Clausewitz, no entanto os escritos do primeiro tiveram
maiores repercussões no seu pensamento. Sumida apontou em seu “Índice Analítico
Selecionado dos Escritos de Alfred Thayer Mahan” vinte entradas para a palavra Jomini em
seus textos e nenhuma para Clausewitz.432 No entanto, Mahan citou o teórico prussiano
duas vezes em seu Naval Strategy 433. Existem, com certeza, alguns pontos na obra de
Mahan que coincidem com a obra de Clausewitz434, havendo inclusive admiração de Mahan
por Clausewitz, segundo Sumida435, entretanto não há dúvidas de que o seu grande
influenciador foi Jomini. Mahan quis, por meio da obra de Jomini sobre a guerra terrestre
compreender e adaptar suas conclusões à guerra marítima. Como seus contemporâneos,
Mahan ficou fascinado pelas idéias do teórico suíço. Dennis Hart Mahan foi um assíduo
leitor de Jomini e passou essa característica a seu filho Alfred.
A primeira grande idéia “emprestada” de Jomini foi a questão dos princípios muito
defendida por Dennis Mahan. Disse Jomini o seguinte:
Existe um pequeno número de princípios fundamentais de guerra, dosquais não se pode desviar sem perigo e cuja aplicação, ao contrário, temsido, em quase todos os tempos, coroada de sucesso. As máximas deaplicação, que derivam desses princípios são também em pequenonúmero, e se elas se acham algumas vezes modificadas segundo ascircunstâncias, podem não obstante servir como uma bússola a umcomandante de exército para orientá-lo na tarefa, sempre difícil ecomplicada, de conduzir grandes operações no meio da desordem e dotumulto dos combates.436
Em seu Traité Jomini foi ainda mais explícito, ao afirmar que “tem existido, em todos
os tempos, princípios fundamentais dos quais dependem os bons resultados na guerra [...]
esses princípios são imutáveis, independentes da espécie de armamento, da época e do
lugar”437. O dogmatismo e simplicidade de sua afirmação influenciaram diversas gerações
de militares, nelas incluídos Dennis e Alfred Mahan. A compreensão de que a correta
utilização dos princípios fundamentais na guerra pelos generais poderia conduzir à vitória,432 SUMIDA, op.cit. p. 154.433 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. Op.cit p.120 e 279. Curioso que Mahan considerava o Naval Strategy oseu pior livro. Fonte: SUMIDA, op.cit. p. 2.434 MOLL, op.cit. p. 134. Segundo Moll, Mahan leria alguns anos depois a obra de Clausewitz e concordariacom muitos pontos da teoria do autor prussiano. 435 SUMIDA, op.cit, p. 113.436 JOMINI, Antoine Henri. A Arte da Guerra. op. cit. p. 47.437 Ibidem, p. 18.
145
tão claramente desenvolvida por Jomini, teve, sem dúvida, um efeito notável em Mahan.
Seu pai já lhe indicara o caminho anteriormente. O teórico suíço afirmou, também, que a
guerra não era em seu conjunto uma ciência, mas uma arte438, consistindo de cinco vertentes
militares, a estratégia, a grande tática, a logística, a engenharia e a tática. A percepção de
que a guerra era uma arte coincidiu com a visão de Mahan em relação a história e a própria
guerra.
Jomini acreditava que o estudo objetivo da história militar era indispensável a
qualquer oficial que aspirasse atingir os altos postos militares e que ela, acompanhada de
crítica sã seria na realidade, a verdadeira escola da guerra. Declarava que “de todas as
teorias sobre a arte da guerra, a única razoável é aquela que, fundamentada no estudo da
história militar, admite um certo número de princípios reguladores, mas deixa ao gênio
natural a maior parte da conduta geral de uma guerra sem tolhê-la com regras
exclusivas”.439 Mahan, ao apontar a importância da análise da história naval para a obtenção
de princípios utilizava quase as mesmas palavras de Jomini.
Um fato interessante nos escritos de Jomini foi a ênfase dada ao gênio militar, no
caso, Napoleão. Sua genialidade e liderança foram muito discutidas pelo suíço que chegou
a provocar o comentário de J. D. Hittle, comentarista da edição norte-americana de A Arte
da Guerra de que Napoleão foi um Deus da Guerra e Jomini o seu profeta.440 Não seria
Netuno o Deus do Mar e Mahan o seu profeta ?441 As coincidências parecem mais que
evidentes. A admiração de Mahan por Nelson se igualava a admiração de Jomini por
Napoleão.
Hittle ao discutir a influência de Jomini no pensamento de Mahan afirmou o seguinte:
Desde que fazia uma tão judiciosa apreciação do poder marítimo não éparticularmente estranho que Jomini devesse ocupar posição incomumem virtude de suas contribuições importantes, embora indiretas, aodesenvolvimento da doutrina naval. O almirante Mahan, autor do maisimportante livro sobre a guerra naval, The Influence of Sea Power uponHistory, estudou as obras de Jomini e reconheceu que a doutrina básicaenunciada pelo antigo chefe do estado-maior de Ney era tãouniversalmente aplicável que podia fornecer conceitos guias de estratégianaval. O princípio de linhas interiores, uma asserção básica da concepção
438 JOMINI, Antoine Henri. The Art of War. Westport: Greenwood Press, [196-], p. 11 e 293.439 JOMINI, Antoine Henri. A Arte da Guerra. op.cit. p. 32 e 48.440 Ibidem, p. 42.441 Ver página 127.
146
de guerra de Jomini, como também a teoria de suprema importânciaestratégica das linhas de comunicação, influenciaram fortemente opensamento de Mahan, enquanto este escreveu o seu duradourotratado.442
Jomini, em algumas passagens de seu livro, comentou a importância do controle do
mar para o general. Disse ele que, se um povo dominasse a longa faixa de costa de seu
território e fosse senhor de seu mar subjacente ou fosse aliado de um povo que controlasse
o mar e a faixa litorânea a ele contígua, poderia ter seu poder de resistência quintuplicado,
não apenas para apoiar movimentos de insurreição e fustigar o adversário, mas também
dificultar a manutenção das linhas de abastecimento inimigas provindas do mar.443
O teórico suíço preconizava, também, o uso intensivo da ofensiva que para ele, sob o
ponto de vista moral e político, era sempre vantajosa, pois poderia levar a guerra ao solo
estrangeiro, pouparia o próprio território da devastação provocada pelo ataque inimigo,
aumentaria os recursos do atacante e diminuiria os do adversário, elevaria a moral do
exército e deprimiria a do inimigo. Do ponto de vista militar haveria, entretanto, pontos
bons e ruins. Se as linhas de avanço ficassem muito estendidas haveria perigo de contra-
ataques nos flancos. Os obstáculos naturais poderiam, também, ser favoráveis à defesa, no
entanto se conseguisse o sucesso, o inimigo seria batido no seu ponto vital, ficando privado
de seus recursos e compelido a procurar a paz. Para uma simples operação, dizia Jomini, a
ofensiva era quase sempre vantajosa, particularmente no campo estratégico.444 Mahan viria
a defender a ofensiva como primordial para a conduta da guerra no mar.
Para Jomini existiam três grandes elementos em sua concepção de guerra. O princípio
da concentração, o valor estratégico da posição central e linhas interiores e a relação entre a
logística e o combate. Delas Mahan retirara algumas de suas principais concepções na
formulação da obtenção do poder marítimo445.
Segundo palavras do próprio Mahan:
A autoridade de Jomini principalmente me orientou para estudar dessemodo a história naval. Dele eu aprendi as poucas considerações militaresprincipais e delas eu encontrei a chave, do qual usando os registros das
442 Ibidem, p. 36. Os conceitos de linhas interiores e linhas de comunicação serão discutidos no próximo item.443 JOMINI, Antoine Henri. The Art of War. op.cit. p. 26.444 JOMINI, Antoine Henri, A Arte da Guerra. op.cit. p. 69.445 Esses conceitos serão discutidos no próximo item.
147
marinhas à vela e dos líderes navais eu podia retirar da análise da histórianaval, informações pertinentes. O curso das diversas campanhas ou dasbatalhas específicas estudei como se estuda e se conclui da própriahistória, comparando as testemunhas individuais presentes nas ações; noentanto os resultados desse processo construtivo se tornaram para mimmais que a simples narração.446
A influência de Jomini sobre Mahan foi tão intensa que ele chegou a nomear seu
cachorro de estimação “Jomini”, tal a impressão que os escritos do suíço tiveram sobre
ele447. Tanto Dennis Mahan como Jomini tiveram um efeito substancial na formulação de
seu pensamento analítico, no entanto Jomini foi o seu maior influenciador.
- Stephen Bleeker Luce.
Responsável pelo convite formulado a Mahan para compor o quadro docente da
EGN-EUA, Stephen Luce nasceu em Albany no estado de Nova Iorque em 1827. Tendo se
graduado pela Academia Naval de Annapolis em 1849, participou da Guerra de Secessão
como oficial da União, comandando o monitor “Nantucket” no bloqueio de Charleston na
Carolina do Sul.
Em 1862 foi designado para servir em Annapolis onde escreveu o primeiro manual
sobre marinharia usado pela Academia, tendo comandado o corpo de aspirantes entre 1865
e 1868, nutrindo grande preocupação com a instrução e o treinamento, tanto de praças
como de oficiais. Entre 1878 e 1881 o então capitão-de-mar-e-guerra Luce foi Inspetor dos
Navios Escola e como comodoro comandou o Esquadrão de Treinamento da Esquadra dos
EUA entre 1881 e 1884.
Logo em seguida, conduziu estudos para a criação da EGN-EUA que acabou sendo
criada em outubro de 1884, com Luce como seu primeiro Presidente. Por isso ele é
considerado o fundador dessa escola. Na escolha do corpo de docentes, Luce era o
personagem principal, escolhendo muitos oficiais pessoalmente. Uma de suas escolhas foi
exatamente Mahan para ministrar aulas de história naval e estratégia. Luce foi fundamental,
também, na criação do Instituto Naval dos EUA e em sua revista acadêmica, o
Proceedings.
446 MAHAN, Alfred. From Sail to Steam. op.cit p. 282.447 TILL, Geoffrey. Maritime Strategy and the Nuclear Age. op.cit. p. 155.
148
Luce permaneceu a frente da EGN-EUA entre 1884 e 1886, tendo sido promovido a
contra-almirante nesse ano, transferindo a presidência da escola para Mahan, quando
assumiu o comando do Esquadrão Naval do Atlântico Norte. Transferiu-se para a reserva
em 1889, no entanto continuou ligado à escola, retornando para o corpo docente como
professor convidado até o seu falecimento em 1917.
Em sua homenagem a Marinha norte-americana batizou dois pavilhões na Academia
Naval de Annapolis e na EGN-EUA com o seu nome448.
Suas principais obras foram Seamanship de 1863 e a edição de The Patriotic and
Naval Songster de 1883.
Luce, a partir da experiência adquirida na Guerra da Secessão, propugnou que era
fundamental que os oficiais da marinha tivessem conhecimento de estratégia naval, daí sua
insistência na fundação da EGN-EUA, fórum ideal para discussão de assuntos estratégicos.
Dizia que o oficial aluno “deveria ter idéia dos princípios de estratégia, de modo a
compreender os pontos básicos no campo das operações e ou aplicá-los ou impedir que o
inimigo os aplicasse”.449 Complementava afirmando que era fundamental ao oficial-aluno
preparar-se pela análise e reflexão estudando a ciência da guerra nas escolas de alto nível
formalmente estabelecidas e dessa maneira aplicar os princípios nas operações navais. Seu
estudo deveria ser “filosófico” no que compreendia a história naval, examinando as
batalhas navais com o “olho crítico” profissional, reconhecendo os princípios e
identificando quando as regras da arte da guerra levaram à vitória ou desastre450.
Luce impressionou-se bastante com uma palestra proferida pelo general Sherman
sobre a Guerra da Secessão e logo após essa exposição comentou que “aqui está um
soldado que conhece o seu ofício[...] percebi que existem certos princípios fundamentais
que orientam as operações militares e que devem ser do conhecimento geral, princípios de
aplicação geral conduzidas em terra ou no mar”.451
Luce considerava os escritos de Jomini como fundamentais para a preparação do
oficial de marinha, considerando-o como o fundador da ciência militar452. Ele quis
encontrar um novo mestre que fosse capaz de atuar como um fundador da ciência naval
448 Receberam o nome de Luce Hall.449 WEIGLEY, Russell. The American Way of War. op.cit, p. 172.450 Ibidem, p. 172.451 GAT, Azar. A History of Military Thought. From the enlightenment to the Cold War. op.cit, p.443.452 WEIGLEY, Russell. The American Way of War. op.cit, p. 173.
149
assim como Jomini o fora da ciência militar. Segundo o próprio Luce esse mestre foi Alfred
Thayer. Apesar desse comentário elogioso, Luce não leu todas as obras de Mahan ou pelo
menos não leu algumas que considerava irrelevantes. O professor Sumida comentou em
uma conferência na EGN-EUA sobre Mahan e Luce que alguns anos atrás, ao procurar
livros raros em uma livraria de livros usados em Bethesda no estado de Maryland, se
deparou com uma primeira edição do Naval Strategy de Mahan, o que o deixou fascinado.
Mais intrigado ficou ao perceber que o livro dispunha de uma dedicatória assinada por
Mahan para Luce, com os dizeres “ao almirante Stephen B. Luce com saudades e saudações
cordiais do autor”. Mahan presenteava seu mentor e chefe com seu importante livro. Que
fascinante descoberta ! Entretanto, essa descoberta não era a única surpresa. O livro ainda
tinha folhas não cortadas, indicando que Luce não lera esse livro, apesar da inegável
importância dessa obra para o entendimento do pensamento de Mahan453.
Seja como for, para Luce, a conduta da guerra se inseria como arte, embora
reconhecesse que sua análise deveria seguir os métodos científicos e os princípios de
estratégia eram sempre os mesmos, podendo ser aplicados indistintamente no campo
terrestre como no campo naval.
Na EGN-EUA Luce procurou aplicar uma metodologia científica para o estudo da
guerra naval. Acreditava que a ciência, que já contribuíra para desenvolver diversas artes,
incluindo as marítimas, poderia contribuir para o “correto” entendimento da guerra naval.
Imaginava que a metodologia científica teria a função de reunir os fatos mais importantes
das batalhas navais, permitindo que o estudante de história naval adquirisse o hábito da
generalização de modo a apontar os princípios a serem seguidos na guerra. Considerava que
a história naval estava repleta de exemplos dos quais se poderia erigir uma ciência da
guerra naval. Esses exemplos retirados da história naval não teriam o rigor metodológico
das ciências físicas, no entanto as batalhas navais do passado forneciam uma massa
considerável para a formulação de “leis” ou princípios que, uma vez consolidados,
transformariam a guerra naval no nível de ciência. Com esses princípios perfeitamente
definidos pelo método indutivo, se poderia aplicar o método dedutivo na aplicação desses
princípios à arte da guerra.454 O método que ele acreditava ser o mais pertinente
453 HATTENDORFF, John; GOLDRICK, James. Mahan is not enough: The Proceedings of a Conference onthe Works of Sir Julian Corbett and Admiral Sir Herbert Richmond. Newport: NWC Press, 1993, p. 177. 454 GAT, op.cit. p. 445.
150
compreendia a observação, a acumulação de fatos, a indução, a generalização e por fim a
dedução. O método de comparação poderia, também, ser usado no estudo da guerra no mar,
ao confrontar as diferentes campanhas navais na história.
Mahan, com certeza, bebeu nessa fonte e muito de seu pensamento foi devido a seu
contato íntimo com Luce. Existem pontos concordantes entre os dois que não podem ser
negligenciados. Antoine Henri Jomini, Stephen Luce e Dennis Mahan foram os principais
influenciadores das concepções sobre poder marítimo de Alfred Mahan, que serão
discutidos no próximo item.
2.3- O poder marítimo segundo Alfred Thayer Mahan.
A concepção do que seria o poder marítimo (sea power) no pensamento de Mahan
ocorreu no Peru, mais precisamente na sala de leitura do Clube Phoenix em Lima, enquanto
estudava para se preparar para assumir a função de professor de história naval e estratégia
na EGN-EUA, a convite de Luce. Como discutido, ao ler entusiasticamente a História de
Roma de Mommsen ele formulou claramente o papel do poder marítimo na guerra e na
estratégia.455 Antes da discussão do papel do poder marítimo na guerra, é importante
discutir de que maneira Mahan percebia a conduta da guerra e sua conexão com a política.
Dizia Mahan que a guerra era simplesmente um movimento político, apesar de
violento e excepcional em caráter e que o braço armado aguardava e era subserviente aos
interesses políticos e ao poder civil do Estado456. Para ele a conduta da guerra não era
somente uma questão de conhecimento e da aplicação de princípios gerais, mas de
equilibrado julgamento, sem o qual a informação e as regras, sendo incorretamente
aplicadas, se tornariam sem valor.457 A história seria a ferramenta necessária para a tomada
de decisão por parte dos chefes militares, além da própria experiência adquirida em guerras
anteriores. Acreditava que em virtude da lenta construção dos navios de guerra e das armas
modernas o ataque inicial em uma guerra devia ser vigoroso, de modo a não proporcionar
recuperação ao inimigo. Usando uma frase muito conhecida dizia que “não haveria tempo
455 FERREIRO, Larrie. Mahan and the English Club of Lima, Peru. The genesis of the Influence of Sea Powerupon History. Journal of Military History.Lexington,Virginia: Virginia Military Institute, v. 72, n.3, jul 2008,p. 906. 456 MAHAN, Alfred. Interest of América in Sea Power. op. Cit. P. 177.457 MAHAN, Alfred. Lessons of the War with Spain, 1898. op.cit. p. 10.
151
para a resistência organizada do inimigo se apresentar, sendo que o ataque deveria recair na
esquadra organizada do oponente e o restante de força disponível resultará em nada”458.
Com esse pensamento do primeiro e decisivo golpe, Mahan cristalizou a idéia do principal
objetivo militar da guerra que era o aniquilamento das forças armadas do adversário e assim
o conceito de “batalha decisiva” que será discutido mais à frente. Apesar de existirem
outros objetivos, a destruição total do poder militar do inimigo era o propósito principal.459
Algumas características ligadas a essa postura ofensiva deveriam ser incentivadas
pelos combatentes de uma Nação. Em primeiro lugar, o poder moral que permitiria que o
combatente em seu mais íntimo pensamento tivesse fé em suas ações, isto é o poder que
controlasse a hesitação e sustentasse a ação nos momentos de emergência. Pela coragem
moral ele significava, acima de tudo, a coragem para assumir responsabilidades pelas ações
que seriam incertas e potencialmente arriscadas.460 Em adição, os chefes militares
precisariam possuir a capacidade de assumir responsabilidades pelas decisões diplomáticas
que viessem a tomar, assim como de suas ações militares em batalha. Dizia que “a coragem
política em um oficial que serve afastado da cúpula política governamental é tão necessária
quanto a coragem essencialmente militar”.461 A sua ênfase na capacidade de um chefe
militar exercer um julgamento independente em relação às determinações políticas de seu
país, no entanto, devia ser balanceada com algum comedimento. Ele, certamente, poderia
não seguir as recomendações determinadas por seu governo, se as condições reinantes na
cena de ação contra-indicassem o seu atendimento, no entanto se ele estivesse errado ou
tivesse avaliado a situação incorretamente, ele deveria assumir total responsabilidade pelo
erro cometido, não interessando o quão honesto ele tivesse sido na avaliação política
conduzida. Temia, por conseqüência, a tendência de se usar a doutrina estabelecida como
uma forma de inibir o julgamento do combatente e aqui ele se referia diretamente à história
da Marinha britânica com o estabelecimento das dogmáticas Fighting Instructions no
século XVII. Considerava que seguir uma doutrina ao pé da letra era perigoso, pois o
julgamento passava a ser mecânico e não discriminativo, dependente das circunstâncias. A
doutrina, para ele, era benéfica se facilitasse o aprendizado e a cooperação em ação.
458 MAHAN, Alfred. The influence of Sea Power upon History. op.cit. p. 46.459 SCHURMAN, op.cit. p. 77.460 SUMIDA, op.cit. p. 53.461 MAHAN, Alfred. The life of Nelson, The enbodiment of British Naval Power. V.1, op.cit. p. 190.
152
Pode se perceber que ele tinha Nelson como paradigma da ação independente e da
coragem moral e política requerida de um chefe militar. Ele admirava, também, o almirante
Sir John Jervis por sua conduta fria e equilibrada e perfeito julgamento profissional, além
de uma “determinação férrea de procurar o sucesso”.462 Argumentava que historicamente
bons homens com pobres navios eram melhores que pobres homens com bons navios e aqui
ele se referia aos britânicos que mantiveram uma superioridade naval indiscutível na época
de Nelson. Essa superioridade sobre os franceses não estava centrada no número maior de
navios, mas na sabedoria, energia e tenacidade dos almirantes e marinheiros da Armada
Real.463 Enaltecia a liderança em combate e Nelson era o seu paradigma, dizendo que sua
liderança era mais bem aceita pelos subordinados pelo charme e carisma pessoal que
eletrizava a todos464.
Um exemplo interessante, sempre discutido por Mahan, foi o que resultou da grande
Batalha de Quatro Dias na Segunda Guerra Anglo-holandesa em junho de 1666. Naquela
oportunidade, os batavos obtiveram uma retumbante vitória sobre os ingleses. As
conseqüências dessa derrota poderiam ser muito piores para a Inglaterra, se não fossem as
qualidades inerentes dos oficiais ingleses que implantaram, após essa derrota, um
sentimento de correção de atitudes militares, orgulho apesar da refrega e uma estrita
disciplina seguida por todos465. Assim puderam se recuperar e em poucos meses desafiar
novamente os holandeses no mar. Esse espírito era muito apreciado e fundamental para
Mahan.
Mahan, também, era um realista ao prever que a longo prazo a competição por
recursos econômicos entre as grandes potências ocidentais em regiões da África e da Ásia
poderia provocar motivos para uma grande confrontação armada. Dizia ele que “uma
grande quantidade de recursos não explorados em territórios politicamente atrasados e
pouco controlados pelos donos nominais, apresentam-se uma tentação e um impulso para a
guerra das potências européias”.466 Ele não acreditava que houvesse qualquer tipo de
arbitramento ou lei internacional que pudesse evitar o confronto que considerava inevitável.
As Nações mais adiantadas iriam perseguir os seus objetivos nacionais pela força, caso
462 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon the French Revolution and Empire. V.1. op.cit. p.205.463 Ibidem, v.2, p. 141.464 Ibidem, v.1, p. 205.465 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op.cit. p. 126.466 MAHAN, Alfred. Armaments and Arbitration. op.cit. p. 110.
153
fosse necessário, uma vez que existia um consenso generalizado na existência de um
sistema econômico internacional que conferia prosperidade àquelas nações que pudessem
desfrutar dos benefícios desse sistema. As Forças Armadas, em especial, as Marinhas eram
exatamente os instrumentos necessários para a defesa desses objetivos nacionais. As
Marinhas eram melhores instrumentos de política internacional que os Exércitos. Elas eram
menos agressivas, com menor significado simbólico de confrontação, dotadas de maior
mobilidade e assim mais adequadas a respostas políticas imediatas, podendo ser percebidas
aonde os Exércitos não poderiam. Para ele a questão da utilização dessas Forças Armadas
era a mais crítica e vital decisão que confrontava qualquer Nação. Essa utilização
pressupunha todos os processos sucessivos de organização e de equipagem. Os indivíduos
deveriam ser congregados em organizações militares eficientes como corpos de exército,
esquadras de batalha e navios de guerra individuais467. A autoridade deveria se preocupar
basicamente em como melhor utilizar essas organizações criadas em prol dos objetivos
nacionais. E de que maneira as Marinhas de guerra deveriam se preparar para a guerra que
certamente ocorreria ?
Mahan considerava que o preparo naval para a guerra recairia em duas categorias. A
primeira, a preparação voltada para a questão material que devia ser constante em sua ação
e a segunda a preparação envolvendo a questão mental e de postura para o combate. A idéia
de se combater defensivamente acarretaria a derrota. A guerra, uma vez declarada,
necessitava ser conduzida ofensivamente com agressividade e com intuição que, para ele,
era a síntese do julgamento, a inteligência emocional, principalmente quando altos graus de
incerteza e perigo eram esperados, isto é em situações de crise e de guerra. No caso da
guerra no mar essa intuição era o produto da experiência de guerra. O inimigo não deveria
ser apenas repelido. Ele necessitava ser vigorosamente destruído468. Indicava que era
inseparável da própria guerra o inesperado, o risco e o acaso, repetindo com isso
Clausewitz que dizia que a guerra era a província do acaso469. Alguns pesquisadores
chegam a afirmar que Mahan não teve contato com a obra de Clausewitz por sua
“confessada ignorância da língua alemã”470. Essa visão não parece ser a mais adequada471,467 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 196.468 WESTCOTT, op. cit p.128.469 CLAUSEWITZ, Carl Von. On War. Middlesex:Pelican Classics, 1976, p. 140.470 DOMICIO, op.cit. p.96.471 Embora Mahan não lesse alemão, ele lera a tradução do clássico de Clausewitz para o inglês de 1908. Daíinferir-se que, por não ler alemão, Mahan não tivera contato com a obra do autor prussiano parece uma
154
pois em sua obra Naval Strategy, como visto, Mahan chegou a discutir as idéias de
Clausewitz duas vezes no seu texto, inclusive concordando que a máxima clausewitiana de
que a defesa era mais forte que a ofensiva, no entanto expandiu essa visão com outra
qualificação mais relevante para a ofensiva472. Mahan não só lera Clausewitz, como
discutira suas idéias em seu livro473.
Considerava, também, que era fundamental para qualquer Nação o estabelecimento de
uma estratégia nacional e que assuntos políticos deveriam ser tratados por políticos e não
por militares, no entanto tinha plena convicção de que a política externa deveria ser
preocupação, também, dos militares474. Como então, a partir dessas idéias sobre a conduta
da guerra, Mahan conceituou a estratégia, a grande tática e a logística ?
Para ele, o conceito de estratégia era idêntico ao formulado por seu grande
influenciador, Antoine Henri Jomini. Dizia Mahan que a estratégia era a arte de fazer a
guerra no mapa e compreendia todo o teatro de operações. A grande tática era a arte de
posicionar tropas no campo de batalha, considerando aspectos geográficos do terreno; de
trazer essas tropas para o combate e da arte de lutar no terreno em contraposição ao
planejamento no mapa que recaia no campo da estratégia. A estratégia decidia onde agir,
enquanto a grande tática decidia a maneira de executar e empregar as tropas475. A
estratégia, tendo a ver com o movimento de forças executado além do alcance das armas do
adversário, não sofria influência necessariamente desse armamento inimigo. Quando uma
arma começava a influenciar as ações no campo de batalha a estratégia dava lugar a grande
tática. Mahan apontava a estratégia como subordinada à política, da mesma forma como
imaginado por Clausewitz.
Entre a estratégia e a grande tática viria a logística que também era, como para
Jomini, a arte de movimentar as forças, trazendo essas forças para o ponto de ação e o
controle das questões de abastecimento.476 A eficiência logística de abastecimento era
essencial para o sucesso. Essa eficiência, reconhecia ele, era difícil de se obter e a busca
falácia.472 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 279. Ver também p. 146 da dissertação.473 Complementando a nota 435, Philip Crowl aponta que existia um volume vertido para o inglês do DaGuerra de Clausewitz na biblioteca da Escola de Guerra Naval em Newport em 1908. Mahan leu essa obranesse período. Fonte: CROWL, op.cit. p. 462.474 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 107.475 MAHAN, Alfred. Naval Administration and Warfare. op.cit. p. 199.476 Ibidem, p. 206.
155
dessa eficiência devia ser percebida e perseguida, no entanto alertava que os problemas
logísticos não deveriam ser pretexto para a inatividade que poderia prejudicar o bom
andamento das operações navais. Um exemplo histórico por ele utilizado era o caso do
bloqueio britânico bem conduzido contra os franceses durante a Guerra dos Sete Anos
graças a boa logística conduzida pela Marinha Real inglesa.477
Para Mahan a estratégia naval em guerra dizia respeito às funções específicas de uma
Marinha em operações de guerra e seus verdadeiros objetivos; ao ponto ou pontos em que a
esquadra deveria ser concentrada; ao estabelecimento de depósitos de carvão (não deve ser
esquecido que o carvão era o combustível fundamental para os navios de guerra na época
de Mahan) e de abastecimentos; pela manutenção das linhas de comunicação entre esses
depósitos e a base principal; e ao valor militar de se atacar as linhas de comunicação do
inimigo, como uma operação decisiva ou secundária e se seria melhor designar navios
independentes para o ataque ou posicionar destruidores de mercantes em pontos vitais,
onde forçosamente passaria o comércio inimigo478. A estratégia naval era condicionada por
certos fenômenos naturais fundamentais e por políticas nacionais relacionadas ao mar, à
Marinha mercante, a questões logísticas e às bases afastadas do território nacional.
Uma vez definida o que era a estratégia naval, o que para ele afinal seria o poder
marítimo ?
2.3.1- O poder marítimo e a trindade de Mahan:
Therezinha de Castro afirmou que Mahan era o criador de uma teoria geopolítica de
poder marítimo e que existiam tantas geopolíticas quantos sistemas estatais subsistiam em
confronto e nesse confronto mar e terra destacavam-se dois teóricos, o próprio Alfred
Mahan e Halford Mackinder com suas respectivas teorias de poder. Apontava, também, que
Mahan era um dos precursores da geopolítica. Dizia ela que, ao defender sua teoria, Mahan
passava do determinismo ao possibilismo, ao afirmar que a superestrutura dos processos
táticos deveria ser periodicamente alternada ou substituída, muito embora os antigos
fundamentos da estratégia permanecessem repousando “sobre uma rocha”. Seu propósito
principal, apontou Therezinha de Castro, não era estabelecer o relacionamento entre a
477 MAHAN, Alfred. Types of Naval Officers. op. cit. p. 108. 478 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op.cit. p. 8.
156
geografia, a história e a política, mas sim analisar os fundamentos da estratégia naval,
indicando que o poder marítimo forneceria explicações para a maior parte dos
acontecimentos históricos. Para ela, a geopolítica mahaniana extrapolou para a
geoestratégia, estabelecendo uma ligação entre o poder marítimo e a política nacional.479
Mahan gostava de afirmar que inventara a expressão poder marítimo (sea power), de
modo a chamar a atenção do público e dos políticos para a importância do mar para a
prosperidade das nações. Disse ele o seguinte em carta a amigo:
Finalmente posso dizer que o termo “sea power” que está agora em voga,foi deliberadamente adotado por mim para compelir atenção e eudesejava receber crédito. Puristas, eu disse para mim mesmo, podem mecriticar por casar uma palavra teutônica com uma de origem latina, maseu deliberadamente descartei o adjetivo “marítimo” como sendo muitoleve para chamar a atenção ou perdurar em suas mentes[...] minhaimpressão é de que o criador [ele próprio] está realmente surpreso em seuefeito...’sea power’ em inglês pelo menos, parece ter vindo para ficar nosentido que utilizo.480
O reconhecido e respeitado almirante inglês Sir Cyprian Bridge481 em 1910
concordou com a afirmação de Mahan de que ele cunhara a expressão poder marítimo (sea
power), afirmando que “podemos [os estudiosos] considerar Mahan como o virtual inventor
do termo em seu atual significado. Mesmo que o termo tenha sido utilizado por outros
autores com esse sentido, é sem dúvida dele [Mahan] a sua conceituação corrente geral”482.
Dizia, ainda, que era impossível para qualquer estudioso conceituar poder marítimo sem
referir-se aos estudos e conclusões do autor norte-americano. Assim, Mahan não estava
sendo pretensioso ao afirmar ter sido o inventor do termo.
Seja como for, Mahan não definiu em palavras o que seria para ele o poder marítimo,
no entanto discutiu amplamente o conceito em seus escritos. Para se entender o seu
conceito de poder marítimo precisa-se compreender o seu entendimento do que era poder.
Para ele poder era um organismo complexo e misterioso, com um sentido próprio,
479 CASTRO, Therezinha. Geopolítica, princípios, meios e fins. Rio de Janeiro: Bibliex, 1999, p. 108.480 Carta de Alfred Mahan para Roy Marston escrita de Nova Iorque em 19 de fevereiro de 1897. Fonte:SEAGER; MAGUIRE, v.2, op.cit, p. 494. 481 O almirante Sir Cyprian Bridge era um renomado intelectual e historiador naval inglês do final do séculoXIX e início do XX. Foi o autor de inúmeros livros dentre os quais se destacaram The Art of Naval Warfarede 1907 e Sea Power and Other Studies de 1910.482 BRIDGE, Cyprian. Sea Power and Other Studies. London: Smith Elder, 1910, p. 5. Obtido emwww.guttenberg.net, e-book 10694. Acesso em 30 de abril de 2008.
157
recebendo e trocando inúmeros impulsos, movendo-se em milhares de fluxos entrelaçados
em infinita flexibilidade. A partir do poder, não existiam dúvidas para ele, havia a exibição
de vontade pessoal, agindo no tempo, com um propósito deliberado e consecutivo, para fins
ainda não discerníveis, tendendo para um fim claro, a predominância marítima da GB483.
Ele, assim, procurou correlacionar a existência de uma relação de causa e efeito do
poder marítimo e a grandeza nacional, tendo a GB como paradigma. Esse poder teria a
capacidade de projetar e expandir a influência nacional no mundo, como um perfeito
instrumento da política externa do país. O poder marítimo, assim, seria um instrumento e
fator decisivo na história e que a Marinha de guerra do poder marítimo prevalente
necessitava ser superior no mar, devendo ser corretamente empregada próximo à costa
inimiga. O poder marítimo seria a resultante da integração de elementos materiais e
vontades políticas que faziam do controle do mar o elo por meio do qual a riqueza se
acumulava, para em seguida converter-se em mais poder, com maior capacidade de influir
em acontecimentos e comportamentos484. O domínio da Inglaterra e depois GB seria o
exemplo mais marcante. O poder marítimo não devia se confundir somente com a
existência de uma Marinha de guerra poderosa, ou mesmo com uma Marinha mercante
vigorosa. Esse poder congregava, assim, tanto elementos materiais como imateriais.
Para Mahan, todas as nações marítimas procuraram desenvolver, em princípio, o seu
poder marítimo, no entanto poucas haviam obtido sucesso. As políticas navais variaram em
virtude do espírito do tempo e aqui ele se refere ao “espírito” como imaginado por Hegel e
com a clarividência dos homens públicos, no entanto a história demonstrou que essas duas
características não foram mais determinantes nessas políticas do que a posição geográfica, a
extensão territorial, a configuração, o tamanho e caráter da população do país, naquilo que
ele chamou de condições naturais.485
João Carlos Caminha defende a idéia de que a conceituação de poder marítimo de
Mahan induz a idéia de que esse poder não é uma soma dos fatores apontados acima, mas
sim um produto desses fatores, daí se um deles tender a zero comprometerá a eficiência do
poder marítimo, mesmo sendo os demais expressivos, daí poucas Nações terem alcançado a
483 CROWL, op.cit. p.451.484 CAMINHA, Mahan: sua época e suas idéias. op.cit. p. 47.485 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op cit. P. 28. No próximo subitem serãodiscutidos esses elementos componentes do poder marítimo.
158
supremacia marítima por longo tempo. Trata-se de uma explicação interessante e
pertinente486
Mahan chamou a atenção para o fato de que governos representativos tendiam a não
concordar com gastos em despesas militares, ao contrário de governos despóticos. Por trás
dos gastos, os governos representativos necessitavam convencer os Parlamentos da
necessidade de se gastar com Forças Armadas. Esse interesse em gastos, por exemplo, no
poder marítimo, não existiria por si só, sem que o próprio governo se convencesse da real
necessidade e o mais importante, convencesse o Parlamento a liberar recursos para o
equipamento das esquadras de combate. Citava o caso dos EUA que, por ser democrático,
negligenciara os interesses marítimos e assim o seu poder marítimo, em prol de outros
interesses mais prementes. Ao tempo de Luiz XIV a França construiu um poder marítimo
relevante, sob a orientação de um grande homem de visão que foi Jean Baptiste Colbert.
Essa tendência não era absoluta, e sim relativa, entretanto. Se houvesse um forte apelo e
interesse do governo em desenvolver o comércio marítimo, como o produto do próprio
crescimento do país, haveria a necessidade de fortalecer o poder marítimo, mesmo que o
governo fosse representativo. Citava o caso da França no século XVIII que, apesar de
possuir um governo despótico, não foi capaz de desenvolver o seu poder marítimo
adequadamente, ao contrário da GB com um governo representativo, fortemente apoiado
por uma aristocracia agrária poderosa, que percebeu que a grandeza e seus próprios lucros
deveriam emergir do mar, com um poder marítimo robusto.
Mahan preocupou-se, ao final do século XIX, com a perda do prestígio da sua tão
idealizada Marinha Real da GB. Afirmou, inclusive, que “governos populares não são
geralmente favoráveis aos gastos militares, apesar de necessários, e existem sinais que a
Inglaterra está ficando para trás”487. Essa tendência da GB perder o predomínio naval, para
ele, era uma tentação para outras Nações reforçarem seus respectivos poderes marítimos e
assim contestar militarmente o predomínio naval inglês. E foi exatamente isso o que
ocorreu em 1914. Disse ele em 1902 que existia uma impressão nos EUA, da qual
concordava, que a GB por muitas razões tendia a perder espaço nos campos econômico e
comercial e que o poder marítimo britânico, embora superior, declinara relativamente a
486 CAMINHA, Mahan: sua época e suas idéias, op.cit. p. 48.487 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op.cit. p. 67.
159
outros poderes, deixando de ser supremo.488 Estava ele se referindo à emergência do poder
marítimo germânico para contestar a hegemonia inglesa no mar. Essa visão era reforçada
pelos preços exorbitantes dos navios construídos ao final do século XIX que
desestimulavam os governos representativos a gastar mais em poder marítimo.
A leitura dos textos de Mahan, muitas vezes, induz a incorreta interpretação entre as
expressões em inglês “sea power” e “naval power” que correspondem a diferentes
conceitos. Segundo Sumida, Mahan procurou discutir o conceito poder marítimo (sea
power) como a combinação das atividades do comércio mundial gerada pela economia
internacional e a defesa desse comércio por uma Marinha de guerra nacional ou consórcio
naval transnacional, enquanto o poder naval (naval power), por outro lado, referia-se a
força organizada criada por um governo, isto é, um sub-conjunto do poder marítimo. Essa
compreensão desses dois conceitos aproxima-se, de uma certa maneira, do próprio conceito
esposado pela Marinha brasileira, ao definir o que seria poder marítimo e poder naval.489
Mahan dizia que o tráfego marítimo era mais rápido e econômico que o tráfego
terrestre e embora reconhecesse que a ferrovia veio para transportar bens continentais tão
eficientemente quanto o navio, o último era o elemento fundamental do comércio
internacional e continuaria a ser por muitos anos. Assim, para que houvesse
desenvolvimento marítimo comercial, base fundamental para a prosperidade nacional,
deveriam ser atendidos três aspectos fundamentais político-econômicos. Inicialmente a
produção com a sua necessidade de troca de bens e a base econômica do país como suporte
fundamental de desenvolvimento, o shipping, que em inglês abarcaria a capacidade de
transporte de bens pelo mar, os navios mercantes e suas tripulações, com a expansão da
Marinha mercante e por fim as colônias e entrepostos, tanto comerciais como militares, que
facilitariam e aumentariam as ações de “shipping” e as operações de troca.490 A esses três
aspectos foi cunhada a expressão trindade mahaniana.491 Interessante notar a correlação
com a trindade clausewitiana, composta de forças armadas, povo e governo, componentes
necessários para a análise do fenômeno bélico. Para Clausewitz a guerra era uma
“esplendorosa trindade” composta de uma violência primordial, do ódio e inimizade que
488 SUMIDA, op.cit. p. 85.489 Ver item 1-1 no capítulo 1.490 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op.cit p. 28.491 Essa expressão não existe na literatura corrente, tendo sido cunhada por este autor para melhor definiresses três aspectos econômicos fundamentais para a prosperidade nacional, segundo Mahan.
160
devem ser considerados uma força natural cega; do jogo do acaso e da probabilidade em
que o espírito criativo está livre para vagar; e de seu elemento de subordinação como um
instrumento da política que a torna sujeita apenas à razão. O primeiro desses elementos
refere-se ao povo, o segundo ao comandante e seu exército e o terceiro ao governo.492
Embora Clausewitz estivesse se referindo ao fenômeno da guerra e Mahan aos aspectos
políticos e econômicos para o desenvolvimento da prosperidade de uma Nação no mar,
ambos apontaram três condições fundamentais para a compreensão dos dois fenômenos, da
qual a impossibilidade de atendimento de apenas uma condição inviabilizaria todo o
balanceamento do sistema analisado, daí haver a necessidade de atendimento das três
condições para que a condução bélica e a expansão marítima comercial fossem conduzidas.
A expressão “trindade” viria, em ambos os casos, no sentido de necessidade igualitária e
necessária de atendimento, daí a sua pertinência conceitual.
Existiam seis principais condições que poderiam afetar o poder marítimo, segundo
Mahan. Essas condições são muitas vezes chamadas de elementos, fatores ou condições
fundamentais do poder marítimo. No próximo item serão discutidos esses elementos.
2.3.2- Os elementos do poder marítimo:
Mahan apontou a existência de seis condições ou fatores que poderiam afetar o poder
marítimo que seriam a posição geográfica, a conformação física, a extensão do território, o
tamanho da população, o caráter do povo e o caráter do governo.
- Posição geográfica.
Inicialmente Mahan apontou que um país que não se preocupava com suas defesas
terrestres continentais contínuas por ser insular, como por exemplo, a Inglaterra, teria
vantagem em relação aos países continentais como a França e a Holanda, sempre temerosos
de um ataque a partir de suas fronteiras terrestres. Para o primeiro caso, a França,
dependendo das condições internas, oscilava entre as prioridades naval e terrestre, com
ênfase para a segunda, enquanto a Holanda tinha necessariamente de se preocupar com a
492 CLAUSEWITZ, op.cit. p.121.
161
defesa sul de seu território, ameaçada inicialmente por uma Espanha católica e depois por
uma França bourbônica, e a proteção de seu sempre florescente comércio marítimo,
fustigado por uma Inglaterra desejosa de poder.
A Inglaterra, por sua posição insular, não sofria esses tipos de ameaça, graças a sua
privilegiada posição geográfica. Essa posição proporcionaria uma concentração naval em
determinados locais costeiros, ao mesmo tempo uma dispersão em outros locais menos
ameaçados. A França, ora se defrontando com o Atlântico ora com o Mediterrâneo, embora
possuísse uma vantagem geográfica aparente, tornava-se vulnerável por existir uma posição
geográfica como Gibraltar de posse de seu grande adversário no mar, a Inglaterra,
impedindo a união das suas duas grandes frotas navais em Brest e Toulon e das esquadras
espanholas aliadas do Mediterrâneo em Cartagena e do Atlântico em Cadiz.
Mahan alertava que essa situação afetava também os EUA por possuir interesses
marítimos no Atlântico e no Pacífico, daí ser fundamental o controle da Zona do Canal do
Panamá, para permitir a união de suas duas forças navais nos dois oceanos e também
especificamente no Caribe. A necessidade dos EUA possuírem bases nessa última região
era vital para os seus interesses nacionais. Três locais seriam fundamentais para a
predominância norte-americana na região. Em primeiro lugar, o controle da boca do Rio
Mississipi, próximo a Pensacola; em segundo lugar na Zona do Canal do Panamá e por fim,
formando o triângulo de defesa dessa região, de uma posição próxima da Ilha de Santa
Lucia, contígua a Porto Rico. Dessa maneira, Cuba posicionava-se no centro do triângulo e
sua posse seria primordial para os EUA.
A GB, por outro lado, por possui um vasto império ultramarino, poderia ter que
dispersar mais que concentrar seu poder marítimo, o que poderia se transformar em uma
grande vulnerabilidade. Entretanto, com a expansão de seu comércio marítimo mundial, a
GB desenvolveu enormemente o seu poder marítimo, fazendo com que o seu poderio
econômico e militar também crescessem rapidamente. Conforme dito pelo próprio Mahan,
“o poder da Inglaterra foi suficiente para manter vivo o seu coração e seus membros”493,
enquanto o igualmente poderoso poder colonial espanhol, devido a sua fraqueza naval,
tornou-se débil e vulnerável.
493 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op.cit. p. 30.
162
A posição geográfica pode não só beneficiar a concentração de forças navais, mas
também provocar uma grande vantagem estratégica ao possuir uma posição central494 em
relação a seus inimigos. Esse, também, era o caso da Inglaterra. Ao se defrontar a sudeste
com a Holanda, controlando o setor nordeste do Canal da Mancha e a leste todo o Mar do
Norte, ameaçando a saída de qualquer força naval inimiga nesse mar, a Inglaterra poderia
controlar também o setor sul do Canal da Mancha e a oeste o próprio Atlântico Oriental,
uma ameaça de peso para a França. O controle do estreito de Dover dava à Inglaterra uma
vantagem pela posição central desse local. O controle dessa região criava a oportunidade de
interpor forças navais que evitariam a junção da esquadra francesa com qualquer aliado
provindo do Mar do Norte.
Além disso, a posição geográfica da Inglaterra, próxima de seu principal inimigo
histórico a França, lhe conferia boa vantagem estratégica, no entanto reciprocamente essa
posição, também, conferia vantagem a França, pois ela poderia utilizar seus portos do Canal
e do Atlântico para fustigar o comércio marítimo inglês utilizando a chamada guerra de
corso495. Os navios mais indicados para isso eram fragatas menores e mais rápidas que, por
terem menor capacidade de defesa e navegabilidade em mares mais agitados, encontravam
refúgio em locais como Dunquerque e Havre. A guerra de corso necessitaria, segundo ele,
de portos de abastecimento para os corsários e sem eles o rendimento nessas ações cairia
muito.
A Inglaterra certamente aproveitou sua vantajosa posição geográfica nas três Guerras
Anglo-holandesas, quando as linhas de comércio dos navios batavos passavam em frente a
sua costa e em frente aos seus principais portos na costa sul, sendo uma tentação os ataques
ao comércio marítimo inimigo, bastando observar que todos os confrontos navais das três
guerras ocorreram nas proximidades do Canal da Mancha. Além disso, as principais linhas
de comunicação mercante passavam necessariamente no norte da Europa, a um passo do
poder naval inglês. Em síntese, o comércio da Holanda, Suécia, Rússia e Dinamarca
passavam forçosamente pelo canal.
Assim Mahan considerava esse elemento como fundamental para o desenvolvimento
de um poder marítimo adequado.494 Esse conceito de “posição central” foi baseado em Jomini quando ele discutiu a importância para qualquerexército dispor de uma posição central em relação a dois inimigos simultâneos.Fonte: JOMINI, AntoineHenri. The Art of War. op.cit. p. 302.495 No próximo subitem serão discutidas algumas questões referentes à guerra de corso.
163
- Conformação física.
A conformação do litoral de um país era considerada por ele uma de suas fronteiras e
quanto mais fácil fosse o acesso às linhas de comércio marítimo, mais propenso um povo
seria para manter comunicação com o resto do mundo. Não era importante que essa
conformação física marítima fosse muito longa, pois o que importava era possuir portos que
lhe fossem úteis e em boas condições naturais de uso. A quantidade e a profundidade desses
portos eram fundamentais para o desenvolvimento do poder marítimo. A capacidade de
escoar bens, a partir do interior do país para esses portos, também devia ser considerada.
No entanto, a defesa desse ponto devia ser uma das maiores prioridades do país. Um
exemplo sempre citado por ele foi a incursão holandesa em 1667, durante a Segunda
Guerra Anglo-holandesa, quando uma força batava subiu o rio Tâmisa sem ser importunada
e ameaçou a própria capital Londres, devido a fragilidade defensiva inglesa na ocasião.
Outro exemplo utilizado por Mahan foi a defesa deficiente pelas forças confederadas da
boca do Mississipi durante a Guerra de Secessão, permitindo que a Marinha da União
bloqueasse aquela região sem reação.
Até as Guerras Napoleônicas a França não possuía um porto que reparasse seus
navios de linha a leste de Brest, o que era uma grande desvantagem estratégica em relação
aos ingleses, que detinham dois excelentes portos na região, Plymouth e Porstmouth. No
século XIX, após o Congresso de Viena, os franceses perceberam essa deficiência e
conduziram obras de expansão e equiparam Cherbourg com facilidades de reparos de seus
navios de linha, diminuindo substancialmente essa fragilidade.
Outro fator apontado por Mahan foi a relativa prosperidade da França no século XVII,
após a assunção de Richelieu, já que possuía um bom clima, uma produção agrícola
relevante e excedente de bens que permitia um razoável padrão de vida ao francês, ao
contrário dos ingleses, que por possuírem um clima inclemente, uma produção agrícola
tímida e ainda sem a revolução industrial que a projetaria internacionalmente, só tinham
uma alternativa, o comércio marítimo e a exploração de novas terras, mais agradáveis e
produtivas que a própria Inglaterra. Tornaram-se, assim, justificou Mahan, comerciantes,
164
colonialistas e empreendedores por meio de um florescente comércio marítimo, devido em
parte as suas próprias deficiências físicas.
Com a Holanda algo parecido ocorreu. Diria Mahan que sem o mar a Inglaterra
emagrecia enquanto que sem o mar a Holanda simplesmente morria.496 A pobreza do solo,
acrescida da costa excessivamente exposta, conduziu os holandeses primeiro para pesca e
depois para o comércio, exatamente no momento em que os italianos começaram a perder o
poder marítimo no Mediterrâneo e novas rotas de comércio marítimo surgiam. Depois de
breve período já se transformaram nos grandes intermediários do comércio marítimo,
transportando bens para diversos países europeus, inclusive para a Inglaterra. Assim as
guerras no século XVII contra a Inglaterra foram para a Holanda um desastre. Os ingleses
queriam e retiraram aquele comércio dos holandeses de qualquer maneira. A carestia, em
diversos momentos, atingiu fortemente os batavos durante aquelas três guerras.
A situação dos EUA também preocupava Mahan que afirmou que ao final do século
XIX as riquezas do interior fizeram os norte-americanos se desviarem do mar e se dirigirem
para as grandes planícies e para uma grande corrida ao oeste. O mar para os EUA era
importante e essa negligência poderia ter funestas conseqüências para o país.
Em situações quando o mar separava o país em duas ou mais partes, o controle do mar
não era só desejável, ele era necessário. Essa era a situação da Itália com suas ilhas da
Sicília e Sardenha. O controle das linhas de comunicação com essas duas ilhas era
fundamental para o poder marítimo italiano.
A Espanha, cortada em dois por Gibraltar sob controle inglês, tornou-se um poder
marítimo de segunda categoria e o esgarçamento de seus recursos na manutenção da
Bélgica, Sicília, partes da Itália e suas possessões no Novo Mundo nos século XVI e XVII
tornaram-na vulnerável no mar. Como disse Sully, o grande ministro de Henrique IV ao
caracterizar a Espanha, “como um daqueles Estados no qual as pernas e braços são fortes
mas o coração é fraco e deteriorado”.497 Sua dependência no comércio de metais foi enorme
e a ação de corsários não pôde ser contestada no mar devido a sua flagrante fragilidade.
Dessa forma a configuração física de uma costa poderá ser motivo de expansão ou
decadência, combinada com outros fatores pertinentes.
496 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op.cit. p. 37.497 Ibidem, p. 41.
165
- Extensão do território.
A última das condições geográficas apontadas por Mahan foi a extensão do território
de um país marítimo. O que importava efetivamente não era a extensão total em milhas
quadradas existente no país, mas o comprimento de sua linha costeira e a existência de bons
portos. A extensão territorial poderia ser um fator de força ou mesmo de fraqueza
dependendo do tamanho da população existente nesse território. Nesse mister, Mahan
utilizava o exemplo da Confederação na Guerra de Secessão dos EUA. Apesar de possuir
uma longa costa marítima com excelentes portos, a Confederação não possuía uma
população grande o bastante para guarnecer os seus navios de combate, nem um poder
marítimo forte o suficiente para desafiar a União, assim a extensão territorial lhe era
desfavorável.
Alguns historiadores navais norte-americanos enalteceram a eficiência do bloqueio
naval da União na costa confederada, no entanto, afirmou Mahan, essa eficiência ocorreu
em virtude da própria fraqueza da Confederação, que se fosse um pouco mais poderosa
poderia aproveitar a extensão marítima de sua costa, com diversos estuários de rios que
proporcionariam proteção a seus navios que passariam a atacar os navios unionistas
bloqueadores. Ao contrário do que deveria ocorrer, a longa extensão da costa confederada,
com suas entradas fluviais, permitiu incursões de navios da União no próprio coração da
Confederação e o que deveria ser um motivo de força transformou-se em fraqueza.
A existência de grande quantidade de recursos naturais poderia ser um fator de força
do país desde que fosse acompanhada de uma conformação física com bons portos e uma
população que se projetasse no comércio marítimo como um meio de expansão econômica.
Se não houvesse essas condições, a abundância de recursos naturais no território nacional
poderia inclinar o povo lá residente a se contentar com as atividades agrícolas, sem a
necessidade de procurar novos mercados e matérias primas, obstando, dessa maneira, o
desenvolvimento do poder marítimo.
- Tamanho da população.
166
Ao terminar a discussão das condições geográficas que afetavam o poder marítimo,
Mahan passou a considerar os elementos humanos que poderiam influenciar o
desenvolvimento do poderio marítimo e o primeiro elemento discutido por ele foi o
tamanho da população.
Esse elemento ligava-se diretamente com o elemento precedente, a extensão do
território e a ele se correlacionava. Da mesma forma que não se devia considerar apenas a
quantidade total de milhas quadradas existentes no território e sim a costa marítima e seus
portos, a população devia ser analisada da mesma maneira. Mahan afirmou que o que
interessava não era a população total existente no território, mas sim a parcela dessa
população participante ou pelo menos disponível para as atividades marítimas.
O exemplo histórico referenciado por Mahan foi o caso francês logo após a
Revolução de 1789. A população da França era muito maior que a britânica, no entanto em
relação ao poder marítimo, o tamanho da população naval era infinitamente menor que a da
GB. Em algumas situações, a França, inclusive, tinha vantagem inicial no guarnecimento de
seus navios de guerra, em virtude de sua maior população, como foi o caso na Guerra de
Independência dos EUA em 1778. Naquela oportunidade a Marinha francesa conseguiu
guarnecer imediatamente 50 navios de linha devido a sua maior população. A GB, ao
contrário, devido a sua responsabilidade em defender o seu comércio global só pôde
guarnecer 40 navios de linha. Entretanto, quatro anos depois, a GB possuía 120 navios de
linha, enquanto a França nunca atingiu mais que 71 no total.498 Nesse caso, a GB possuía
maior número de pessoas ligadas às lides marítimas que a França e no decorrer do tempo
teve a capacidade de aumentar sua Marinha, ao contrário da sua adversária.
Mahan considerava que os EUA eram deficientes nesse elemento e que a única opção
possível para o seu país era aumentar o comércio marítimo com bandeira norte-americana.
- Caráter nacional.
498 Ibidem, p. 45.
167
Mahan afirmava que sendo o comércio marítimo um dos motivos para o
desenvolvimento nacional, existia em certos povos a compreensão desse fator e uma
aptidão natural para o mar. Dizia que a história quase sem exceção corroborou esses
exemplos. Todos os homens buscavam obter ganhos comerciais e adoravam o dinheiro, no
entanto o modo como eles procuraram essa riqueza teve um efeito marcante sobre o destino
comercial e da história de um povo.
Um exemplo clássico citado por Mahan foi o caso dos espanhóis no século XVI, que
em razão de seu desejo de expansão comercial no Novo Mundo, projetaram-se no cenário
internacional como os detentores do principal poder marítimo do período. Entretanto, essa
qualidade de ousar e procurar novos caminhos comerciais transformou-se em avareza e em
virtude das facilidades obtidas nas novas terras conquistadas, a busca por novos mercados
transformou-se na coleta de metais preciosos, o ouro e a prata. Essa postura equivocada, ao
invés de progresso trouxe atraso. Desde a Batalha de Lepanto em 1571 no Mediterrâneo os
espanhóis não obtiveram nenhuma grande vitória no mar e a decadência de seu comércio
marítimo respondeu pela dolorosa e algumas vezes ridícula inépcia dos conveses de seus
navios de guerra.499
Se o povo espanhol tivesse uma propensão natural para enriquecer com o comércio
marítimo, a pressão sobre a coroa impulsionaria as ações governamentais em direção ao
mar, dizia Mahan. Os próprios espanhóis que emigraram para as colônias não tiveram a
preocupação em expandir o comércio com a terra mãe. Isso, acrescido da baixa produção
espanhola fizeram aumentar os infortúnios, diminuir a produção de manufaturas e a própria
população. A dependência do comércio conduzido pelos batavos, motivada pela decadência
naval espanhola aumentou, havendo então uma transferência de riqueza da Espanha para as
Províncias Unidas, ávidas por expandirem-se. Ao ocorrer uma diminuição do poder
marítimo espanhol, surgiram adversários que passaram a desafiar o seu já combalido
comércio, tais como a própria Holanda e a Inglaterra. Portugal ao ser absorvida pela União
Ibérica seguiu o mesmo caminho da decadência. Diria Mahan que as minas do Brasil
arruinaram Portugal, da mesma maneira que as minas do México e Peru arruinaram a
Espanha. Em breve o comércio português foi passando para as mãos inglesas e em 50 anos
500 milhões de dólares foram extraídos do Brasil e apenas 25 milhões permaneceram em
499 Ibidem, p. 51.
168
mãos portuguesas, em uma clara demonstração da transferência de riqueza de um povo para
outro.
Os exemplos dos ingleses e holandeses como povos marítimos por excelência
demonstraram a que ponto pôde alcançar a sabedoria e o empreendimento, procurando
obter bens não somente com a espada, mas também com o trabalho duro na curta e na longa
duração. Nesse ponto Mahan afirmou que ambos tiveram propósitos similares por serem
povos da mesma ‘raça’, agindo como homens de negócio, comerciantes, produtores e
negociadores.500 Com essas características, tanto os ingleses como os holandeses, não
apenas exploraram suas colônias, mas procuraram renovar os bens obtidos com o seu
trabalho e desenvolver a manufatura, em um ciclo constante entre a colônia e a matriz.
Riqueza, assim, gerou mais riqueza. Com a expansão do comércio, novos navios mercantes
tornaram-se necessários e a proteção desse comércio avultou, fazendo com que fossem
construídos navios de combate que seriam necessários para repelir os adversários. A
propensão para o mar fêz com que ambos os povos pressionassem os governos para, cada
vez mais, expandir o comércio marítimo e assim desenvolver o próprio poder marítimo. A
tendência natural para o comércio era para Mahan a característica nacional mais importante
para o desenvolvimento do poder marítimo.501
O caso da França era para ele muito emblemático. Apesar de ser um povo trabalhador
e empreendedor, os franceses falhavam no desenvolvimento de seu comércio marítimo.
Explicava que essa razão era motivada pelo modo como a riqueza era procurada pelos
franceses. A timidez e a poupança excessiva dos franceses agiu de modo negativo em seu
modo de perceber o mar como fonte de riqueza. Essa precaução excessiva com limites de
expansão era comparável, segundo ele, a pouca taxa de natalidade na França, uma
tendência da sociedade francesa ao final do século XIX. Outro fato importante foi que a
nobreza francesa e a burguesia, as grandes responsáveis pelo financiamento dos
empreendimentos comerciais, preferiram as honras nobiliárquicas e a sociedade de corte do
que investir no comércio marítimo, fonte real de lucros e prosperidade. Houve, inclusive,
períodos na história francesa em que o comércio marítimo e o trabalho eram incompatíveis
com a nobreza.
500 Ibidem, p. 52.501 Ibidem, p. 53.
169
O caso holandês foi diferente. Embora houvesse uma nobreza constituída, o Estado
era liberal e a busca pela liberdade pessoal e o empreendimento incentivava a busca pelo
lucro e assim a expansão comercial. A riqueza adquirida era entendida como uma dádiva do
Estado a ser desfrutada por todos. Na Inglaterra, embora fosse um reinado, a postura
perante o lucro era semelhante.
O modo como as colônias eram percebidas, também, influenciou o comércio
marítimo. Para ele o colonizador de sucesso por excelência foi o inglês, com um caráter
nacional relevante. Os colonos ingleses não apenas enviavam bens para a metrópole, mas
preocupavam-se, fundamentalmente, com o desenvolvimento da própria colônia. Houve,
assim, uma simbiose entre a metrópole e a colônia. Uma dependia da outra. O colono inglês
queria permanecer na colônia e desenvolvê-la e não apenas explorá-la e retornar à
metrópole.A colônia passava a ser uma extensão do Império com toda a sua importância e
nesse ponto os holandeses falharam e se distanciaram dos ingleses. Embora fossem
empreendedores, os holandeses não tiveram a longevidade colonial nem o vigor comercial
dos ingleses.
Mahan acreditava que seus compatriotas tinham a mesma índole comercial dos
ingleses e caso tivessem os mesmos incentivos que seus primos tiveram poderiam
desenvolver o seu comércio e por conseqüência o seu poder marítimo. Os norte-americanos
tinham, segundo ele, o mesmo ‘caráter nacional’ dos ingleses.
- Caráter do governo.
Mahan afirmou que determinados tipos de governo, de instituições e de governantes,
em um tempo ou outro, exerceram uma grande influência no desenvolvimento do poder
marítimo. As características de perseverança, objetividade e determinação dos diversos
governos indicavam sucessos ou fracassos na história de qualquer nação. Aqueles
governantes que perceberam com maior tirocínio, os desejos e aspirações emanados do
próprio povo tiveram certamente maiores sucessos. Isso não significava dizer que
governantes de sistemas representativos, por dependerem de escolhas políticas, tenham sido
os mais perspicazes no desenvolvimento do poder marítimo. Déspotas esclarecidos, dotados
de tirocínio e larga visão estratégica, tiveram até maiores sucessos que governantes
170
representativos, ao perceberem a importância do poder marítimo para a grandeza da Nação.
A grande dificuldade surgia após a morte desse déspota, pois nem sempre essa política de
expansão marítima era continuada por seus sucessores.
Um dos seus principais exemplos foi a Inglaterra com seus diferentes governantes. As
políticas navais adotadas pelos governos desde Elizabete I criaram uma mentalidade naval
que se espraiava até os mais jovens comandantes navais ingleses do período. Recorria
Mahan ao caso relatado pelo cardeal Richelieu, quando o duque de Sully, um dos ministros
mais distintos do rei francês Henrique IV embarcou em Calais em um navio francês para
uma visita protocolar à Inglaterra. Ao se aproximar da costa inglesa foi recebido por um
pequeno navio de guerra inglês comandado por um jovem capitão que o escoltaria até
Londres. Imediatamente esse jovem oficial solicitou, de acordo com orientações de seu rei
Jaime I, que a bandeira francesa fosse arriada ao entrar em águas inglesas. Sully, por estar
em viagem oficial à Inglaterra e em razão de seu elevado cargo, recusou a cumprir a
orientação desse petulante capitão inglês. Em seqüência, o navio inglês disparou três tiros
de canhão, que fizeram com que o navio francês parasse. Sully fez então um protesto
formal diplomático a esse atrevido comandante inglês. A resposta foi simples. Disse o
jovem capitão “como era justo e honroso o duque protestar por sua condição diplomática,
também era justo e honroso para este comandante inglês cumprir a determinação de seu rei
e demonstrar que a bandeira inglesa era a senhora dos mares”.502
Essa atitude arrogante de um simples capitão de navio inglês demonstrava para
Mahan a determinação de ‘dominar os mares’, cristalizada e reafirmada pelos diferentes
governantes em manter a bandeira inglesa como “a senhora dos mares”. Apesar da
reconhecida timidez do rei Jaime I em relação a um bravo e hábil embaixador francês como
Sully, existia uma política naval que era maior que aquele rei Stuart.
No tempo de Cromwell, com certeza um déspota esclarecido, a política naval não
mudou. A submissão de “arriar” a bandeira quando no canal da Mancha persistiu e foi um
dos motivos da Primeira Guerra Anglo-holandesa. Ao final os batavos tiveram que se
submeter. Sob a sua firme orientação, o poder marítimo inglês fortaleceu-se ainda mais. O
Ato de Navegação estabelecido por Cromwell em 1651 foi uma resolução que contrariava
interesses holandeses, principais transportadores de bens para a Inglaterra. Esse ato foi uma
502 Ibidem, p. 59.
171
decisão política que tinha como alvo destruir o poder marítimo batavo e substituí-lo pelo
inglês e ponto final. Não existiam considerações morais por parte de Cromwell. O seu
propósito era simples. Tomar o comércio holandês e fortalecer o poder marítimo inglês.
Mesmo com reis reconhecidamente ‘ilegítimos’503 para o povo inglês, por exemplo,
Carlos II, aliado de Luiz XIV, a política nacional era voltada para a grandeza naval,
segundo Mahan. Em certa ocasião, escrevera Carlos o seguinte para o rei francês:
Existem dois impedimentos para a união perfeita entre a França e aInglaterra. O primeiro é a preocupação como a França está se preparandopara desenvolver o seu comércio marítimo e o segundo [como está sepreparando] para ser um grande poder marítimo. Para nós ingleses isso émotivo de grande desconfiança, pois somos importantes por causa denosso comércio marítimo e poder naval, assim cada passo tomado pelaFrança perpetuará cada vez mais o ciúme entre os dois países504.
Outro exemplo que Mahan mencionava foi quando a Inglaterra se uniu à França
contra a Holanda, ao tempo de Carlos II e Luiz XIV. Discutiu-se na época quem seria o
comandante da força naval aliada contra os batavos. Carlos foi inflexível nesse ponto. Disse
ele para o embaixador de Luiz XIV que “era costume da Inglaterra comandar os mares e os
súditos ingleses só obedeceriam a ele, o rei da Inglaterra”505
Outros reis que o sucederam continuaram a priorizar as políticas navais. Jaime II era
um hábil marinheiro e comandou esquadras no mar em combate. Guilherme III, chegando
para assumir o trono inglês, conjuntamente com o holandês, incentivou o fortalecimento do
poder marítimo inglês contra a França. Os reis passavam e as políticas navais permaneciam.
Durante os séculos XVIII e XIX as políticas navais inglesas persistiram, privilegiando
o fortalecimento marítimo da GB, inclusive com subsídios para os comerciantes britânicos.
Alguns governantes privilegiavam mais que outros o poder marítimo nesse período, no
entanto o caráter dos governos permaneceu inalterado. Era uma questão de sobrevivência
nacional a manutenção de um poder marítimo poderoso, como forma de proteger as
503 A expressão utilizada por Mahan para qualificar Carlos II foi “this king, false to the English people”. Oautor traduziu essa expressão por ‘ilegítimo’ por ser, ao que parece, mais apropriada. Fonte: Ibidem, p.60.504 Ibidem, p. 61.505 Idem.
172
colônias, impedir a travessia do Canal da Mancha para ataques contra o território inglês e
defender suas linhas de comércio marítimo.
O caso da França foi por Mahan bem discutido. Quando Jean Baptiste Colbert, o
principal criador do poder marítimo francês, sob a orientação de Luiz XIV, afastou-se do
governo, o declínio francês foi quase imediato, para alívio da Inglaterra. A opção pela
guerra terrestre por parte do rei francês reorientou as prioridades para o seu Exército,
deixando a Marinha de guerra, tão arduamente construída por Colbert, sem os recursos
necessários para enfrentar os adversários no mar. Esse foi um exemplo de como a falta de
visão governamental para os interesses marítimos provocou a perda do poder marítimo
francês e por conseqüência a perda de poder na Europa.
Mahan considerava que as políticas governamentais nacionais deveriam seguir dois
caminhos distintos, porém interconectados; em situação de paz e a outra em situação de
guerra. Na primeira situação, o governo deveria implementar ações em prol do crescimento
industrial no campo marítimo e incentivar o espírito de aventura do povo em direção ao
mar. A implementação de uma Marinha mercante poderosa, de modo a transportar bens do
e para o pais era fundamental, assim como desenvolver uma Marinha de guerra poderosa
para proteger esse comércio florescente. Na segunda situação, a de guerra, a prioridade era
manter a Marinha de guerra poderosa, proporcional ao crescimento do comércio marítimo e
aos interesses navais a ele conectados. Ao mesmo tempo, o governo deveria priorizar as
instituições ligadas a formação de uma reserva naval, tanto em capital humano como em
meios de combate, sem esquecer no fortalecimento e obtenção de bases e estações navais
afastadas do território nacional506. Esse diagnóstico deveria ser seguido pelos EUA, dizia
ele.
Com esses seis elementos definidos, de que maneira e que considerações estratégicas
foram discutidas por Mahan em relação ao poder marítimo e como era possível obter o
controle do mar por esse poder ?
506 Ibidem, p. 82.
173
2.3.3- Considerações político-estratégicas sobre o poder marítimo, segundo Alfred
Mahan.
As considerações políticas e estratégicas sobre o poder marítimo estão apresentadas
de forma esparsa em toda a obra de Mahan. Em 1918, isto é quatro anos após sua morte,
Allan Westcott correlacionou a expressão “comando do mar” a um conceito esposado pelo
teórico norte-americano. Essa expressão “comando do mar” não foi uma inovação de
Mahan. Francis Bacon, já no século XVI, comentando a luta da Inglaterra com a Espanha
em seu ensaio On the True Greatness of Kingdoms diria o seguinte;
Para ser o senhor do mares é o propósito507 da monarquia. Aquela que‘comandar o mar’ está em grande liberdade e pode usufruir muito oupouco da guerra quanto desejar. Certamente, nesse dia, conosco naEuropa, a vantagem do poderio marítimo, [que é um dos principais dotesdeste Reinado da Grande Bretanha] será grande.508
Embora tenha preferido a expressão ‘controle do mar’ a ‘comando do mar’, Mahan
procurou conceituar essa idéia geral. Para ele não era a tomada de alguns navios ou mesmo
de comboios que atingiria a economia da nação inimiga; seria a obtenção de um ilimitado
poderio no mar que expulsaria o inimigo dos oceanos, aparecendo ele apenas como
fugitivo509. O controle das grandes linhas de comércio, impedindo que o inimigo delas
usufruísse era, para ele, fundamental. Diria que as comunicações dominavam a guerra;
como um elemento da estratégia, as comunicações navais tinham prevalência sobre todos
os elementos no conflito. Para que esse exercício de poder naval pudesse ser realizado a
possessão de uma grande Marinha de guerra era primordial. Para Mahan o problema se
concentrava nas medidas necessárias para a obtenção desse ‘domínio do mar’510. Enfatizou
que uma das formas de se obter o ‘domínio do mar’ seria por meio do bloqueio naval, mas
não somente ele. Assim, para que o domínio do mar fosse obtido, haveria a necessidade de
se controlar as comunicações marítimas e expulsar o inimigo dos mares.
507 No original a palavra usada por Francis Bacon foi ‘abridgement’ que em tradução literal seria resumo,sumário. Para este autor a palavra mais apropriada seria ‘objetivo’ ou ‘propósito’. 508 KEMP, Peter. op.cit. p. 25. 509 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op.cit. p. 138.510 Mahan utilizou também a expressão ‘domínio do mar’ em sua obra, no entanto com um número menor devezes. Fonte: MAHAN, Alfred. Lessons of War with Spain. op.cit. p. 106.
174
Nesse ponto é importante conceituar perfeitamente a diferença existente entre
‘comando do mar’ e ‘domínio do mar’. Apesar de Mahan ter utilizado a expressão ‘domínio
do mar’ em seu sentido correlato a ‘comando do mar’ existem diferenças marcantes entre
os dois conceitos, segundo seu contemporâneo Cyprian Bridge. O ‘comando do mar’ ou
‘controle do mar’ preferido por Mahan, refere-se a uma condição estratégica, obtida por
uma superioridade naval por meio da força ou por meio da ameaça do uso da força. O
‘domínio do mar’, por outro lado, seria uma condição político-legal sobre uma faixa
marítima, podendo ou não recorrer-se a força para implementar essa condição511. Como
exemplo, Bridge mencionou o limite marítimo de três milhas como uma faixa de domínio
do mar.512 Outro exemplo histórico marcante de Bridge para diferenciar os dois conceitos
refere-se a exigência da Inglaterra no século XVII para que todos os navios estrangeiros
que transitassem no Canal da Mancha saudassem a bandeira inglesa. Os ingleses estavam
exercendo nesse caso específico o ‘domínio do mar’ no canal. Os holandeses se recusaram
arriar o seu pavilhão, resultando daí a Primeira Guerra Anglo-holandesa. Os ingleses
tiveram, então, que lutar para obter o ‘controle do mar’ no canal, só obtido depois de
derrotar os batavos na guerra naval. Dessa maneira, Bridge apontou diferenças entre os
conceitos, não mencionadas por Mahan.
Como afinal conseguir o ‘comando do mar’ ou ‘controle do mar’, segundo Mahan ?
Respondia que somente por meio do que ele chamou de ‘batalha decisiva’, isto é a
eliminação total da esquadra adversária. O objetivo estratégico das Marinhas de guerra era
então destruir o adversário, de preferência em um grande combate naval, em que, ao final,
apenas uma Marinha sairia vitoriosa e senhora dos mares. Para que houvesse a certeza da
vitória em um combate decisivo era de suma importância a existência de uma força naval
superior a do inimigo. Se não existisse uma superioridade naval decisiva por parte de um
adversário, a batalha deveria ser perseguida pelo outro lado e o seu resultado determinaria
aquilo que seria conquistado ou não513. Com essa afirmativa, Mahan confirmava que,
havendo condições, uma esquadra de batalha inferior, apoiada por circunstâncias políticas e
geográficas, como havia acontecido com os EUA na Guerra de 1812, poderia ser suficiente
511 BRIDGE. op.cit. p. 47.512 Bridge usa também a expressão ‘soberania do mar’ como sinônimo de ‘domínio do mar’. Fonte: BRIDGE.op.cit. p. 48. 513 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op. cit. P. 214..
175
para dissuadir uma esquadra mais poderosa.514 Mahan já percebia a importância que a
dissuasão teria como concepção estratégico-naval515. O princípio da ofensiva era assim
enaltecido. O objetivo a ser alcançado para ele era a destruição da força naval do adversário
e não apenas a tomada de um porto ou de uma base do inimigo, que passaria a ser apenas
um objetivo secundário516. Após a destruição da esquadra inimiga haveria o pleno exercício
do controle do mar. O conceito de batalha decisiva foi baseado na própria definição de
ponto decisivo em um campo de batalha ou do ataque decisivo de Jomini.517 O grande
exemplo de Mahan foi Nelson, sempre ávido pelo combate que varreria a força inimiga dos
mares.
Uma das concepções muito discutidas pelos historiadores é a questão da
indivisibilidade do mar apregoada por Mahan, isto é, o comando do mar pleno não
admitindo relativização nem divisão518. Isso se traduzia na concepção que ou se controlava
o mar totalmente ou não se tinha o seu controle. A interpretação mais coerente parece ser a
que adotava a relativização do controle pela simples impossibilidade de se controlar todas
as regiões marítimas. Mahan, inclusive, citou que após a derrota em Trafalgar a Marinha
francesa continuou a realizar operações no Mediterrâneo519 com sucesso, apesar de batida
por Nelson. Bridge corroborou, inclusive, a idéia de relatividade no pensamento de Mahan,
ao apontar que o autor norte-americano discutiu a impossibilidade de impedir que navios
independentes franceses e pequenos esquadrões suspendessem de seus portos e
ameaçassem os portos ingleses no Canal da Mancha desprotegidos. Mahan indicou a
possibilidade de ataques franceses às costas inglesas, apesar da marcada superioridade
inglesa. Bridge mencionou, em complemento, que apesar do controle do mar anglo-francês
na Guerra da Criméia, os russos continuaram a manter intactas suas linhas de comunicação
no norte e oeste do Pacífico.520 Parece mais apropriado considerar que Mahan sabia que a
indivisibilidade do mar era mais algo a ser alcançado do que uma realidade a ser
514 SUMIDA, op.cit. p. 102.515 Ver Capítulo 1, nota 46. 516 Ibidem, p. 191.517 JOMINI, Antoine Henri. The Art of War. op.cit. p. 170 e 304.518 Essa interpretação generalizante de indivisibilidade está esposada em PROENÇA. op.cit. p. 103 e emCAMINHA. op.cit. p. 49. A interpretação mais apropriada sobre a indivisibilidade de Mahan, segundo esteautor, é a de Cyprian Bridge. 519 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op. cit. p. 533 e CAMINHA, op.cit. p. 49 ePROENÇA, op.cit. p. 103.520 BRIDGE. op.cit. p. 49.
176
comprovada historicamente. Tinha consciência de que era impossível o controle total do
mar e assim a indivisibilidade, tanto apregoada por muitos historiadores posteriores, não
correspondia ao pensamento original do autor norte-americano. Mahan imaginava a
indivisibilidade local e temporal na cena de ação do mar contestado e não a total em todas
as regiões marítimas e essa parece ser a interpretação mais apropriada.
Reconhecia Mahan, no entanto, a dificuldade de ocorrer um encontro decisivo, uma
vez que a esquadra mais vulnerável evitaria o combate, como uma medida de
sobrevivência. Muitos analistas acreditam que a noção de batalha decisiva seja absoluta,
sem relativização. Alguns chegaram a afirmar que para Mahan as “guerras eram ganhas em
batalhas”521, no entanto ele afirmou que, em determinadas ocasiões, a captura de um porto
inimigo e não a procura pela batalha para derrotar o adversário foi a ação correta tomada522.
Acreditava que a batalha naval deveria servir para atingir um objetivo estratégico
determinado e preferia mesmo uma derrota que tivesse conseqüências favoráveis para a
campanha do que “uma glória estéril de procurar batalhas meramente para vencê-las”523.
Sua noção de batalha decisiva devia ser analisada em relação a própria guerra que se estava
travando, assim embora afirmasse a conveniência da batalha para destruir o inimigo, ela
deveria atender um propósito estratégico determinado e assim devia ser vista com
relativização.
Mahan percebeu, no entanto, que a preponderância de um só poder marítimo na
história, como ocorreu com a Inglaterra no passado, seria difícil na época industrial. Diria
ele que “as circunstâncias da guerra naval mudaram muito nos últimos cem anos e que seria
duvidoso que esses efeitos desastrosos por um lado, ou uma grande prosperidade por outro
lado, como visto nas guerras entre a Inglaterra e França, ocorreriam nos dias atuais”.524 O
controle do mar por uma só nação seria improvável ocorrer no início do século XX,
afirmando que os sucessos no passado da Inglaterra foram atribuídos a uma forte
aristocracia agrária que via na manutenção de uma poderosa Marinha um dos seus atributos
de poder e prosperidade, no entanto naquele início de século a situação política interna
britânica mudara, alterando as prioridades governamentais. A Marinha britânica, então,
521 PROENÇA, op.cit. p. 103.522 SUMIDA, op.cit. p. 44.523 MAHAN, Alfred. Nelson. V.2. op.cit. p. 323 e MAHAN, Alfred. From Sail to Steam. op.cit. p. 283.524 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op. cit. P. 84.
177
tendia a perder terreno para os inimigos que surgiam.525 Diria em 1910 que “a Marinha
britânica está declinante em termos relativos, em virtude da debilidade de seus governos
que assumiram gastos e encargos em excesso de seu próprio fôlego”.526
As Marinhas existiam, em síntese, para a proteção do comércio; na guerra elas teriam
não só a tarefa de proteger o comércio inimigo, mas também destruir o comércio
adversário. Essa destruição compeliria o inimigo a buscar a paz. As guerras foram vencidas
pelo estrangulamento do comércio marítimo inimigo e foram perdidas pelas falhas em
destruir o comércio inimigo. O controle do comércio marítimo, por meio de preferência de
uma batalha decisiva, era assim a principal função das Marinhas de guerra.
Como sempre Mahan projetava muitas das suas idéias na situação corrente dos EUA.
Apregoava que a Marinha norte-americana necessitava se fortalecer, em virtude
principalmente dos prováveis adversários que poderiam interferir nos interesses dos EUA
no Pacífico e no Atlântico, em especial no Caribe e nas proximidades do canal que estava
sendo construído no Panamá.
Para que fosse obtido o controle do mar quatro princípios fundamentais necessitariam
ser atendidos: a concentração de forças, uma posição central em relação às forças inimigas,
pontos de operação a partir de linhas interiores e por fim a posse de boas linhas de
comunicação, posições e bases de apoio.
- Concentração de forças.
O princípio da concentração referenciado por ele como um dos aspectos estratégicos a
serem observados foi derivado do conceito esposado por Jomini que apontou a
concentração como um dos principais princípios a serem seguidos na guerra. Dizia Jomini
que o princípio fundamental de todas as operações de guerra era levar o grosso das forças
sobre os pontos decisivos do inimigo no momento oportuno e arranjar os dispositivos de
modo que essas massas não investissem somente sobre esse pontos, mas que fossem postas
em ação com ampla energia e tanto quanto possível sobre as linhas de comunicação
inimigas.527
525 Ibidem, p. 67.526 MAHAN, Alfred. The Interest of América in International Conditions. op. cit. p. 150.527 JOMINI, Antoine Henri. A Arte da Guerra. op.cit. p. 68.
178
Para Mahan a concentração de forças era o principal princípio da guerra no mar. A
agregação da concentração com a ofensiva seria o conjunto mais importante no forçamento
de uma batalha decisiva contra uma força naval inimiga. Para ele a verdadeira essência da
estratégia naval residia na procura da concentração de forças no ponto decisivo no
dispositivo inimigo. Pode-se entender, então, o princípio de guerra concentração ou massa
como a “aplicação de forças em um ponto decisivo e no tempo devido e a capacidade de
sustentar esse esforço, enquanto necessário”528.
Mahan acreditava que a esquadra jamais deveria ser dividida e todos os esforços
deveriam ser despendidos na procura da esquadra inimiga e na destruição dessa força em
um combate decisivo. A razão de ser da esquadra era varrer do mar o inimigo. A esquadra,
segundo ele, para ser o fator decisivo no mar deveria ser composta de, primariamente,
navios capitais, que em seu tempo seriam os encouraçados.529 O máximo poder ofensivo da
esquadra e não o máximo poder de apenas um navio capital deveria ser o verdadeiro objeto
da construção de encouraçados.530 Sua aplicabilidade deveria, entretanto ser avaliada com
parcimônia e não em todas as situações. A idéia essencial seria concentrar no momento
aprazado no tempo e no espaço, mesmo que os navios estivessem posicionados em estações
separadas no território.
Ao exemplificar um caso típico da correta aplicação do princípio da concentração,
Mahan recorreu a seu grande herói Horatio Nelson em Trafalgar em 1805. Naquela
oportunidade, Nelson procurou concentrar o grosso de sua força naval na parte traseira da
coluna franco-espanhola, pois sabia que a dianteira da força inimiga, uma vez cortada ao
meio pela sua frota, não poderia acorrer em auxílio da força atacada, devido a direção
desfavorável do vento e do excessivo tempo a ser despendido para guinar para um bordo e
se aproximar do inimigo já concentrado na retaguarda de sua força. Embora considerasse
mais importante a aplicação da concentração no campo estratégico, Mahan afirmou que
esse exemplo tático ilustrava, sob todas as circunstâncias, a vantagem da aplicação da
concentração no campo de batalha531.
528 MINISTÉRIO DA MARINHA. Doutrina Básica da Marinha. op.cit. p. 2-7.529 MAHAN, Alfred. Naval Administratiom.op.cit. p. 165; MAHAN, Alfred. Lessons of the War with Spain.op.cit p. 37 e MAHAN, Alfred. The Interest of America in Sea Power. op.cit. p. 198.530 MAHAN, Alfred. Lessons of the War with Spain. op.cit. p. 38.531 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 48.
179
Mahan, por outro lado, exemplificou o caso oposto ocorrido na Primeira Guerra
Anglo-holandesa, quando os ingleses falharam ao não aplicar esse princípio básico. A
Batalha de Kentish Knock em 28 de setembro de 1652, cuja vitória pertenceu aos ingleses
fêz com que Cromwell, acreditando que as forças navais holandesas estivessem derrotadas,
enviasse parte da esquadra, cerca de 20 navios de linha, para o Mediterrâneo e alguns
navios fossem enviados para outras regiões, desfalcando a força naval inglesa no Canal da
Mancha sob o comando de Blake que contou ao final com apenas 37 navios de linha. Essa
falha grave na concentração estratégica de forças navais inglesas no canal teria resultados
desastrosos. Um grande comboio holandês, escoltado por forte aparato de navios de guerra,
foi visto cruzando o Canal da Mancha em direção ao Atlântico sob o comando do almirante
batavo Tromp. Blake, inferiorizado em números, procurou o combate, sendo batido
vigorosamente por Tromp na Batalha de Dungeness em 10 de dezembro de 1652. Essa
falha gritante de Cromwell em não concentrar provocou a chamada do grosso das forças
navais inglesas do Mediterrâneo de volta para o canal, restituindo a superioridade perdida.
Segundo Mahan, a concentração da esquadra inglesa depois de 1653, combinada com a
organização naval superior e a sagacidade governamental inglesa decidiram a guerra a seu
favor.532
Mahan preocupava-se com a situação da Marinha norte-americana no final do século
XIX. Dizia ele que existiam razões estratégicas para posicionar a esquadra dos EUA ou no
Pacífico ou no Atlântico, contudo não existiam boas razões para dividi-la entre as duas
costas. Acreditava que o governo deveria escolher uma costa onde a ameaça fosse mais
iminente e lá posicionar o grosso da esquadra concentrada, com uma postura ofensiva,
enquanto na outra costa o restante da força naval enfraquecida permaneceria com uma
postura defensiva.533 Tinha convicção que o importante era concentrar o grosso das forças
navais onde a ameaça se apresentasse mais evidente. Assim era de fundamental importância
o controle do Canal do Panamá, de modo a permitir a passagem das esquadras de um
oceano para o outro. E exatamente nesse ponto que o segundo princípio, juntamente com a
concentração, emergiu em sua concepção estratégica que foi o da posição central.
- Posição central.
532 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 73.533 Ibidem, p. 58.
180
O princípio da posição central significava a vantagem que um país ou força naval
poderia obter de uma posição geográfica central entre dois antagonistas. Esse país ou força
agiria como uma cunha impedindo a união de dois inimigos e poderia desferir ataques de
flanco contra as iniciativas desses dois adversários ou forças navais inimigas que quisessem
se unir. De posse de uma posição central, determinado país poderia, também, fustigar e
ameaçar as linhas de comércio de um antagonista que passasse próximo dessa posição.
Mahan repetia Napoleão que dizia que a guerra era uma questão de posições e nesse ponto
não deixava de ter razão. Assim, mais uma vez, Mahan recorria a Jomini para definir
posição central. Jomini chamava de “pontos estratégicos de manobra” os locais que
tivessem valor resultante de sua relação com as posições das massas de tropas adversárias e
com as ações que provavelmente seriam desencadeadas sobre elas e de “pontos defensivos
geográficos” que seriam aqueles pontos cuja posse daria o controle dos nós de diversos
vales ou de centros das principais linhas de comunicação de uma região534. A conjugação
desses dois pontos constituiria as posições centrais.
Mahan complementava, no entanto, a vantagem da posição central afirmando que não
adiantava ter essa posição vantajosa se o inimigo fosse mais forte nos dois lados da posição
central. Em síntese, era o poder ofensivo e a posição central que constituíam uma vantagem
em relação somente ao poder ofensivo sem posição central, assim a composição ideal de
força congregava poder mais posição e não apenas um fator535.
Recorrendo a exemplos históricos de posição central Mahan lembrou a posição
central de Porto Arthur na Guerra Russo-japonesa. Dessa posição estratégica, a frota russa
poderia ameaçar as linhas de comércio japonesas do Japão para a Manchúria, daí a
necessidade premente de conquistá-la por parte dos nipônicos. Do mesmo modo, a posição
central de Gibraltar teria o mesmo efeito contra a França, isto é impedir a união das
esquadras francesas de Brest no Atlântico e de Toulon no Mediterrâneo. A possessão
inglesa da Ilha de Malta teria o mesmo efeito que Gibraltar, ao ameaçar as linhas de
comércio francesas no Mediterrâneo para a Itália.
Em complemento, Mahan citou a posição favorável da França entre 1500 e 1700, em
relação a Espanha dos Habsburg e as Províncias Unidas. Ela ocupava uma posição central
534 JOMINI, Antoine Henri. A Arte da Guerra. op.cit. p. 73.535 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 53.
181
que muito prejudicou a estratégia espanhola, assim como a união entre a Espanha e a
Áustria Habsburg.
No Caribe as posições de Cuba e da Jamaica seriam fundamentais para a estratégia de
defesa norte-americana, assim como a posição do Canal do Panamá. Se algum adversário
adquirisse essas importantes posições estratégicas, a segurança naval dos EUA estaria
seriamente ameaçada. Esse adversário obteria uma posição central em relação aos EUA.
Pode-se compreender, assim, a preocupação dos norte-americanos com essas posições
estratégicas até os dias atuais. Mahan exercia um papel relevante na concepção de defesa
hemisférica de seu país. Imaginava que no caso de seu país se defrontar contra dois
adversários, um no Pacífico e outro no Atlântico e se fosse superior a cada um de per si e
não contra os dois juntos, o controle da posição central por parte dos EUA poderia permitir
a derrota de um e depois a derrota de outro, impedindo decididamente a união dessas duas
forças inimigas536. Assim o controle da posição estratégica do Canal do Panamá seria
fundamental, pois essa posição seria a própria posição central.
- Linhas interiores.
Mahan definia linhas interiores como linhas estratégicas com a característica de se
prolongar em uma ou mais direções a partir de uma posição central, favorecendo uma
interposição entre corpos distintos do inimigo, possibilitando a conseqüente concentração
de poder contra qualquer um dos corpos inimigos, mantendo os demais corpos bloqueados,
muitas vezes até por forças menos poderosas. Uma linha interior poderia ser concebida
como uma extensão da posição central ou mesmo como uma série de posições centrais
conectadas entre si, da mesma forma que uma linha geométrica era a união de uma série de
pontos geométricos contínuos537.
Dizia ainda Mahan que a expressão linhas interiores provinha de que, a partir de uma
posição central, se poderia concentrar mais rapidamente em qualquer ponto perante o
inimigo e assim utilizar a força de ataque mais eficientemente. Correlacionava com a
situação de um triângulo no qual qualquer ponto em seu interior ligando a dois ângulos
536 Ibidem, p.55.537 Ibidem, p. 31.
182
internos provocaria linhas de menor extensão que os lados que delimitassem esses ângulos
internos.538
Mahan, mais uma vez, recorria a Jomini para propor a vantagem de linhas interiores.
Jomini definiu “linhas de operações interiores” como aquelas que eram dotadas por um ou
dois exércitos para se oporem a diversos corpos adversários. Sua direção permitia ao
general concentrar as massas e manobrar com o conjunto da força, antes que o inimigo
pudesse ter a possibilidade de opor a elas uma força maior.539 Jomini complementava
dizendo que as linhas interiores simples habilitavam um general a por em ação, por
movimentos estratégicos sobre o ponto importante, uma força maior do que a do inimigo540.
Os fracassos estratégicos na história militar ocorreram por que não foram procuradas as
linhas interiores no confronto entre exércitos, dizia o teórico suíço.
Mahan gostava de mencionar dois exemplos, para ele clássicos, de pontos estratégicos
que possuíam as vantagens de uma posição central e linhas interiores. O primeiro era o
Canal de Kiel que se apresentava como uma linha interior entre o Báltico e o Mar do Norte,
provocando uma boa vantagem para a Marinha alemã. O segundo exemplo era o caso da
França que, por possuir a vantagem de linhas interiores em relação ao Reno e aos Pirineus,
poderia congregar 20.000 soldados no Reno ou nos Pirineus rapidamente, comparado com a
Espanha que só poderia congregar esse número de soldados nos Pirineus e com maior
dificuldade no Reno, pois necessitava passar pela França, considerando que o mar não
estivesse sob o controle espanhol. Assim, para Mahan, as linhas interiores, intimamente
ligadas a posição central, dependeria da posição geográfica de um país ou de uma posição
estratégica devidamente conquistada em uma campanha militar.
Dentro dessa combinação posição central e linhas interiores, Mahan ressaltava a
importância que teria para os EUA o Arquipélago do Havaí dispondo de portos naturais
favoráveis. A posição desse arquipélago era fundamental para a prosperidade norte-
americana no Pacífico, uma vez que o Havaí distava quase a mesma distância de São
Francisco na California, cerca de 2.100 milhas, e das Ilhas Marshall, Gilbert, Samoa,
Society e Marquesas. Além disso, o controle das ilhas havaianas ocupando uma posição
central na rota entre o Canal do Panamá e o Japão e a China, imporia condições ideais para
538 Ibidem, p. 32.539 JOMINI, Antoine Henri. A Arte da Guerra. op.cit. p. 78.540 Ibidem, p. 79.
183
interferir nesse comércio. A sua posse proporcionaria um controle total das linhas de
comunicações marítimas no Pacífico Norte e a agregação das Aleutas, com a conseqüente
posse e extensão das linhas interiores, indicando uma posição estratégica fundamental para
o domínio norte-americano nessa região marítima. Pode-se entender o interesse dos EUA
no Havaí e no domínio de ilhas estratégicas que compunham as linhas interiores com o
conseqüente domínio das linhas de comunicação marítimas no Pacífico setentrional e
central. Como afinal Mahan definia uma linha de comunicação ?
- Linhas de comunicação.
Para Mahan a economia internacional era baseada no comércio marítimo, no qual os
interesses econômicos dos Estados seriam disputados por pura competição ou por mútuo
benefício541. Dessa maneira, as comunicações marítimas eram mais eficientes que as
comunicações terrestres, sendo que os mares e oceanos poderiam ser comparados a uma
grande e ininterrupta planície. Essas comunicações marítimas possibilitavam o encontro e a
amálgama dos vários componentes do poder de um Estado, sendo que a guerra naval, em
grande parte, seria uma luta travada pelo controle dessas comunicações542. A importância a
ser dada a cada linha de comunicação devia ser subordinada ao fluxo comercial que por lá
transitava. Se uma linha não tivesse relevância comercial, a disputa por ela não ocorreria.
Outras linhas poderiam adquirir relevância comercial durante determinado período de
tempo e assim passível de disputa temporal, enquanto outras linhas teriam grande
importância comercial e assim estariam sempre em permanente disputa entre Estados.
Dessa maneira, as linhas de comunicação marítimas não eram vias físicas, somente se
materializando quando existissem navios de transporte navegando com suas cargas.543
Dizia ele que as linhas de comunicação eram linhas de movimento nas quais
esquadras e exércitos eram mantidos em condições de máxima prontidão e em conexão
permanente com o poder nacional544. Essas linhas dominavam a guerra e a sua manutenção
permitiria que os exércitos continuassem combatendo em território hostil. Os exércitos que
não fossem abastecidos sofreriam muito mais que as esquadras, pois elas trariam em seus541 SUMIDA, op.cit. p. 92.542 CAMINHA, op.cit. p. 50.543 COMANDO DA MARINHA. Noções de Estratégia Naval. EGN 305. op.cit, p.26.544 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 32.
184
próprios meios os abastecimentos necessários a sua salvaguarda. As linhas de comunicação
não significavam necessariamente linhas geográficas, mas sim linhas por onde passavam os
abastecimentos indispensáveis a manutenção de um Estado ou um Exército545. As linhas de
comunicação seriam, também, pontos essenciais para garantir a segurança de um Exercito
ou de uma força naval.
Para Mahan existiam dois tipos de Estados. O primeiro tipo, cujas comunicações na
maior parte, eram dependentes de estradas e caminhos terrestres e o segundo tipo, que na
maior parte, seriam dependentes das comunicações marítimas. As linhas de comunicação
marítimas eram em maior número e mais fáceis de serem estabelecidas. Essas linhas eram
os elementos mais importantes na estratégia, na política e no campo militar. O controle
sobre essas linhas era de fundamental importância. A energia vital de um Estado marítimo
dependia da segurança de suas linhas de comunicação. Para um Estado marítimo todo o
vigor e energia proveriam do mar546. Assim, a interrupção desse fluxo comercial nas linhas
de comunicação de um Estado traria o fracasso e a derrota. Comunicações seguras
significavam controle do mar e as esquadras eram os meios bélicos capazes de garantir esse
controle.
Mais uma vez, Mahan se baseou em Jomini na definição do que seria uma linha de
comunicação. Para o teórico suíço uma linha de comunicação designava o itinerário
praticável entre as diferentes porções do Exército que ocupavam diferentes posições em
toda a zona de operações547. Para Jomini, assim como para Mahan, uma linha de
comunicação permitia a ligação entre porções de forças que ocupavam posições distintas na
zona de combate.
Mahan gostava de mencionar como uma linha de comunicação relevante e típica a
linha de comércio que unia a Espanha e suas possessões nas Províncias Unidas nos séculos
XVI e XVII. A manutenção de seus Exércitos em permanente combate contra os
holandeses sempre foi problemática, pois suas linhas de comunicação passavam na costa
ocidental francesa e ao norte no Canal da Mancha, sofrendo assédios constantes, tanto de
forças navais francesas como inglesas548. Tanto a França como a Inglaterra possuíam como
vantagem a posição central e as linhas interiores em relação a essas linhas de comunicação.545 Ibidem, p. 166.546 WESTCOTT, Allan. Mahan on Naval Warfare. op.cit. p. 77. 547 JOMINI, Antoine Henri. A Arte da Guerra. op.cit. p. 78.548 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 33.
185
Dessa maneira, de modo a proteger as linhas de comunicação de qualquer Estado
avultava para Mahan a conquista ou aquisição de bases e pontos estratégicos que
margeassem essas linhas. Quais seriam as características dessas posições, em relação às
linhas de comunicação ?
- Posições estratégicas e bases.
Mahan dizia que na análise de qualquer teatro de operações ou zona de combate o
principal e mais importante aspecto que devia ser considerado era a posição ou cadeia de
posições que, por sua localização geográfica ou vantagens inerentes, poderiam afetar o
controle da maior parte dessa área. Dizia ele que o controle dos mares, em especial, ao
largo das grandes rotas traçadas pelo interesse e pelo comércio nacional, era o principal dos
elementos puramente materiais do poder e prosperidade das nações. Para que esse controle
fosse assegurado era indispensável apoderar-se daquelas posições marítimas que
contribuíssem para assegurar o seu domínio549. A essas posições vantajosas Mahan cunhou
de posições estratégicas.
A relevância de uma posição estratégica residia em sua posição geográfica próxima
das principais linhas de comunicação envolvidas na contenda e da capacidade que ela teria
em apoiar minimamente as forças navais, elemento fundamental para a obtenção do
controle do mar. O poderio naval envolvia, sem dúvida, a possessão de pontos estratégicos,
no entanto a força naval era o fator mais importante na guerra naval. Se a posse de um
grande número de pontos estratégicos significasse a dispersão da força naval seu efeito
seria danoso. A concentração da frota era o princípio elementar a ser perseguido.
Mahan repetia Jomini ao dizer que, se não fosse possível controlar toda a zona de
combate, seria melhor e mais vantajoso controlar os pontos importantes para proporcionar o
domínio de grande parte dessa zona550. A conquista de posições em direção a área
controlada pelo inimigo seria uma grande vantagem, no entanto um cuidado especial
deveria ser dispensado ao estiramento de suas próprias linhas de comunicação, ao colocar
549 COMANDO DA MARINHA. Noções de estratégia naval. op.cit. p. 7.550 Volta aqui a discussão da indivisibilidade do mar, confirmando a interpretação deste autor de que se nãofosse possível controlar toda a área marítima seria melhor controlar pontos importantes para dominar grandeparte dessa área.
186
em perigo as forças navais em posições avançadas551. As linhas de comunicação muito
extensas provocavam certamente uma fragilidade operacional relevante ao aumentar o
tempo disponível para os suprimentos chegarem às forças navais ou posições estratégicas
avançadas na zona de combate e pela própria extensão e vulnerabilidade dessas linhas a
ataques provindos do inimigo em áreas pouco patrulhadas por causa de seu comprimento.
O valor estratégico de um ponto ou posição dependia, segundo Mahan, de três
condições principais. A primeira e indispensável era a sua posição geográfica em relação às
linhas estratégicas e de comunicação. Se essa posição se localizasse em pontos de
cruzamento de comunicações marítimas, essa vantagem poderia duplicar, assim como
pontos localizados em mares fechados seriam mais vantajosos que em mares abertos. pois
nesse segundo caso poderiam ser descobertas pelo inimigo rotas mais afastadas dessa
posição favorável. A segunda por seu poderio militar, tanto ofensivo como defensivo. Uma
posição poderia ser bem localizada e possuir grandes recursos, no entanto ter pequeno valor
estratégico, se fosse pouco defendida. Nesse caso era urgente fortificá-la. E a terceira
condição, a disponibilidade de recursos naturais e artificiais no próprio ponto ou em seus
arredores, o que poderia ser compensado, caso inexistissem, pelo abastecimento contínuo
por um poder marítimo prevalente552. Logicamente que seria preferível que os recursos
fossem obtidos na própria região ao invés de trazidos de longe, argumentou Mahan.
Um desses pontos estratégicos mencionados por Mahan foi Gibraltar que se
encontrava admiravelmente localizado, sendo poderoso tanto defensiva como
ofensivamente, no entanto não possuiam os recursos necessários. A manutenção dessa
posição estratégica dependia do poder marítimo britânico e do controle do mar, ao se
manter essa posição suprida de mantimentos essenciais. Acreditava que o controle de uma
posição dotada de maior território era melhor que uma posição de menor extensão,
considerando que ambas possuíssem idênticas qualidades geográficas em razão da maior
disponibilidade de recursos. Recorria ao exemplo do almirante Rodney no período da
Guerra de Independência Americana em relação a Porto Rico e outras ilhas menores. Disse
Rodney o seguinte:
551 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 127.552 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 133.
187
Porto Rico, nas mãos da Grã-Bretanha, será de grande benefício,e demuito maior valor que todas as ilhas do Caribe reunidas. Porto Ricopoderá ser defendida muito mais facilmente e com muito menos custoque aquelas pequenas ilhas. A dispersão provocada por essa defesa [dasilhas] facilitará o ataque de um inimigo decidido; no entanto [PortoRico] será um empecilho tanto para a França como para a Espanha, umavez que ameaçará sempre a Ilha de Santo Domingo e na mão da Grã-Bretanha permitirá que todo o tráfego marítimo provindo da Europa paraSanto Domingo, México, Cuba ou territórios espanhóis seja cortado.553
Mahan considerava ser de fundamental importância o controle de Cuba como ponto
avançado norte-americano no Caribe e no Golfo de México, além de sua natural posição
central nessa região. Enquanto ela permaneceu sob controle espanhol, os EUA dependiam
de dois pontos estratégicos continentais importantes, Pensacola e a boca do Mississipi. Com
Cuba sob influência dos EUA nenhuma potência européia se aventuraria no Golfo do
México, pois exporia suas linhas de comunicação a intervenção norte-americana a partir de
Cuba. Por mais essa razão, Cuba deveria permanecer sob influência norte-americana.
Sua definição de posição estratégica baseava-se na definição de Jomini, da mesma
maneira como utilizada em outros conceitos apresentados, no entanto o autor suíço
visualizava a “posição estratégica geográfica” como fixa na maior parte das vezes. Jomini
definia como ponto estratégico geográfico todo o ponto de um teatro que tivesse
importância militar, seja em conseqüência de sua posição como centro de comunicações ou
resultante da presença de estabelecimentos militares ou fortificações554. Uma posição
estratégica para Mahan poderia ter um estabelecimento militar ou não, o que prevaleceria
efetivamente era sua posição estratégica em relação às linhas de comunicação. Jomini
considerava, também, outros pontos estratégicos móveis em relação às tropas inimigas em
relação ao resultado da campanha e sobre determinada operação555.
Uma base seria uma posição fortificada de apoio a uma força naval com facilidades
de reparo, manutenção e de fundeio, providas de auto-defesa. Nem sempre seria uma
posição estratégica. Um exemplo seria a base norte-americana de Norfolk na Virginia na
costa atlântica. Ela seria uma base sem constituir uma posição estratégica. Por outro lado, a
553 Ibidem. p. 133.554 JOMINI, Antoine Henri. A Arte da Guerra. op.cit. p. 72.555 Jomini chamava de “pontos estratégicos de manobra e decisivos”. Fonte: Ibidem, p. 73.
188
base naval de Pearl Harbor no Havaí era uma base e uma posição estratégica por se
localizar próximo às linhas de comunicação entre os EUA e o Japão.
Mahan diria que a condição essencial para a manutenção do poderio nacional no mar
era a posse de uma frota naval superior a do inimigo na região considerada. A posse de
bases militarmente seguras de apoio a essa frota, apesar de necessária, era secundária em
relação a própria frota.556 Quando da seleção e preparação dessas bases, alguns princípios
deveriam ser seguidos. O primeiro, o número de bases a serem mantidas devia ser
cuidadosamente avaliado, de modo a que não fossem drenados recursos de áreas vitais e
estratégicas. Assim, as bases consideradas mais importantes poderiam receber maior
quantidade de recursos. O segundo princípio apontava para a seleção de portos ou bases
localizadas no próprio território como prioritárias, uma vez que poderia ocorrer uma
ameaça direta ao território desse Estado, havendo a necessidade de proteção a sua
população e a seus recursos nacionais. A escolha dessas bases nacionais dependeria do
tempo histórico considerado. As bases afastadas do território nacional, essenciais para a
projeção de poder marítimo além-mar, deviam ser consideradas da mesma maneira,
compondo com as bases nacionais um sistema de defesa. Indicava Mahan que, por ocasião
das Guerras Anglo-holandesas, a Holanda era a inimiga e assim a base de Chatham tornou-
se a mais importante. A partir do início do século XVIII, os interesses britânicos foram
carreados para o Mediterrâneo, e as bases de Gibraltar, Minorca e Malta passaram a ter
primazia. No final desse século os interesses da GB no Mediterrâneo permaneceram, porém
tornaram-se secundários para as Índias Ocidentais e América do Norte. No início do século
XX a Alemanha havia se transformado na grande antagonista e a base mais importante
passara a ser Rosyth557. A função primordial de uma base seria manter a frota naval na
máxima eficiência no mar. Em consideração as vantagens de uma base, ela seguiria os
mesmos princípios que governavam as posições estratégicas, a sua posição, seu poderio e
os seus recursos. No caso específico dos EUA, Mahan propugnava pela manutenção de
duas bases navais em cada costa. Uma principal e mais poderosa e outra secundária. Para
bases afastadas do território norte-americano ele não mencionou números, no entanto
556 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 191.557 Ibidem, p. 193.
189
afirmou que poderiam depender da política nacional adotada em determinado período
histórico558.
Com essas definições discutidas, como Mahan imaginava tornar prevalente o poder
marítimo de uma Nação?
- O poder marítimo e a obtenção do controle do mar.
De acordo com o discutido, Mahan acreditava que para se obter o controle do mar era
de fundamental importância destruir a esquadra inimiga, principal objetivo estratégico em
uma campanha naval, por meio de uma batalha de aniquilamento ou decisiva. Ele tinha
consciência, conforme apresentado, da dificuldade de se forçar essa batalha em um
adversário que se recusasse o confronto ou por estar em inferioridade naval ou por preferir
outro tipo de concepção estratégico-naval mais favorável. De qualquer forma, segundo ele,
a batalha era o propósito a ser perseguido por uma força que desejava obter o controle do
mar. Considerava, também, que a ofensiva e a defensiva eram complementares e não
opostas. A melhor e a única forma de defesa era tomar a ofensiva.559 Isso não significava
que não considerasse válida, em certos aspectos, a afirmativa de Clausewitz de que a
defensiva era mais vigorosa que a ofensiva560, entretanto acreditava que a defensiva só era
assegurada se houvesse uma intenção fundamental de se passar rapidamente a ofensiva para
se obter uma decisão definitiva no mar. Se a força na defensiva pudesse se fortalecer
devido a inação da força que presumidamente estivesse na ofensiva, a iniciativa passaria
forçosamente para a força defensiva que estaria melhor preparada para passar para uma
postura ofensiva. Assim, em sua concepção a ofensiva teria sempre primazia.
Mahan gostava de citar duas frases de Horatio Nelson para demonstrar a pertinência
do princípio da batalha decisiva como objetivo estratégico de uma força naval que desejava
a obtenção do controle do mar. Dizia Nelson que “o que o país [a GB] necessita é a
aniquilação do inimigo. Somente números podem aniquilar”.561 Outra frase de Nelson
muito citada por Mahan era “ se dez navios de onze forem tomados, eu nunca direi que é o
558 Ibidem, p. 198.559 MAHAN, Alfred. Retrospect and prospect. op.cit. p. 40.560 MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 277.561 Ibidem, p. 267.
190
bastante, se não pudermos tomar o décimo primeiro”.562 Com esses exemplos (e Mahan
sempre escolhia exemplos que reafirmassem o seu pensamento) ele demonstrava o valor da
ofensiva e da iniciativa para um comandante de força naval. Nelson era o seu paradigma.
Por considerar que a batalha decidiria quem era o senhor dos mares, Mahan
privilegiava a constituição de uma esquadra de batalha potente, concentrada, manobrada em
linha de coluna constituída dos navios mais poderosos da Marinha, isto é dotados de grande
poder de fogo, boa proteção de couraças, e boa velocidade. Para ele as esquadras de batalha
eram realmente os elementos determinantes na guerra naval.563 A constituição de uma
esquadra de batalha potente deveria ser o objetivo fundamental de qualquer Estado em
tempo de paz, de modo a dissuadir qualquer intenção hostil de um suposto inimigo.
Para Mahan o navio capital que deveria compor a esquadra de batalha que, no
passado, era o navio de linha, a nau, no final do século XIX e início do XX deveria ser o
encouraçado.564 A ênfase que Mahan imputou ao encouraçado, cada vez mais poderoso, fez
com que muitos países reformulassem seus programas de construção naval optando por
linhas de batalha compostas por verdadeiros gigantes muito bem armados. Strout afirmou
que o próprio Ato Naval de 1890 dos EUA, autorizando a construção de navios mais
poderosos, era uma clara demonstração da política esposada pela análise do poder marítimo
de Mahan.565
As Guerras Sino-japonesa de 1894 e Russo-japonesa de 1905 demonstraram a
pertinência da construção de encouraçados cada vez mais bem armados e dotados de
couraças cada vez mais poderosas. Essas concepções extrapolaram os projetos de
constituição de forças navais dos principais poderes marítimos do início do século XX.
Países com menos tradição e poderio naval como o Brasil, a Argentina, o Chile e a Turquia
adotaram os encouraçados como elementos fundamentais de suas esquadras de batalha.
Entretanto, imputar somente a Mahan todo esse movimento de renovação da panóplia naval
parece exagerado. Ele não pode ser responsabilizado por uma corrida armamentista, que já
vinha se delineando antes mesmo da publicação de sua obra magna de 1890, no entanto
seus estudos foram habilmente utilizados como justificativa para a construção de grandes e
562 Ibidem, p. 268.563 SUMIDA, op.cit. p. 75.564 Ver a discussão sobre a constituição do navio capital no final do século XIX e início do XX, o encouraçadono Capítulo 1, item 1.2.565 SPROUT, Margaret. The Evangelist of Sea Power. op.cit. p. 437.
191
poderosos encouraçados. Mahan, inclusive, tinha consciência de que o aumento do tamanho
e poder dos encouraçados trariam um incremento nos custos que poderia ter sérias
implicações políticas, podendo até afetar o programa de construção naval do Estado.
Considerava que, na construção de grandes navios, deveriam ser considerados também os
fatores militares e não apenas técnicos; assim acreditava que seria melhor a posse de um
grande número de navios moderadamente poderosos que um pequeno número de
encouraçados poderosos.566
No caso de uma esquadra inferior a do inimigo, Mahan propunha que ela se
estabelecesse em portos ou bases bem defendidas, impondo sobre o mais forte a tarefa de
manter estrita vigilância, de modo a impedir que ela se fizesse ao mar para qualquer ação
ofensiva, que deveria ser sempre o objetivo de uma força naval, independente de seu
poderio. A essa concepção estratégico-naval chama-se esquadra em potência567. Ela
geralmente foi utilizada na história naval pelo poder naval mais fraco, que assim evitava o
combate naval e mantinha as forças inimigas em prontidão para impedir qualquer incursão.
Aconselhava Mahan a manutenção da mobilidade dessa força inferior, de modo a
incrementar ainda mais a sua efetividade, principalmente como uma ameaça às linhas de
comunicação568. Essa concepção foi utilizada pelos alemães na Grande Guerra de 1914 e
pelos italianos no Mediterrâneo na Segunda Guerra Mundial contra os ingleses. Mahan
considerava, no entanto, que existia uma crença exagerada na eficácia dessa concepção
estratégica. Essa postura limitava a ação da força mais fraca e que, ao final, a força superior
prevaleceria569.
O comércio marítimo era um grande fator de prosperidade para as nações com acesso
livre ao mar, daí ser fundamental para o poder marítimo defender esse comércio de
inimigos. O ataque contra os navios mercantes do inimigo poderia atingir seriamente os
recursos nacionais. Uma das maneiras de atacar as linhas de comércio era pela utilização da
guerra de corso pela interdição de navios mercantes em alto mar por corsários. A predileção
566 SUMIDA, op.cit. p. 63.567 Em inglês “fleet in being”. Termo inicialmente usado por Lorde Torrington em carta para a rainha daInglaterra em 1690 justificando-se por não ter enfrentado seu grande adversário almirante francês deTourville, comandante de uma esquadra mais poderosa que a dele. Tourville havia ganho a Batalha de BeachyHead na Guerra da Liga de Augsburg e dominado temporariamente o canal da Mancha. Fonte: BRODIE,op.cit. p. 94. Mahan atribuía sua concepção e disseminação ao almirante Philip Colomb da Marinha inglesa.Fonte: MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 428. 568 MAHAN, Alfred. Lessons of the war with Spain. op. cit. p. 77.569 SPROUT, Margaret. Mahan: evangelist of Sea Power. op.cit. p. 434.
192
francesa por esse tipo de guerra, realizada contra o tráfego marítimo inglês nos séculos
XVIII e XIX, poderia ser explicada como uma forma mais barata de guerra contra um
adversário mais poderoso no mar, aliviando os cofres já combalidos do tesouro real, além
da preocupação com as campanhas terrestres no continente europeu, relegando o poder
marítimo a uma posição secundária na estratégia nacional. No entanto, essa postura era para
Mahan um erro fundamental, pois ele não acreditava na eficácia da guerra de corso contra o
comércio inglês. Dizia Mahan o seguinte:
Não era o ataque a navios individuais ou a comboios, sendo eles poucosou muitos, que sangraria os recursos de uma Nação; era a posse daquelepoder avassalador570 no mar que afastaria a bandeira inimiga do mar oupermitiria que ele só aparecesse como fugitivo; e o controle dos maresbloquearia as linhas de ida e vinda do comércio e das costas inimigas.Esse poder avassalador só podia ser exercido pelas grandes esquadras.571
Considerava a utilização da guerra de corso como ineficaz citando, por exemplo, o
caso dos navios da Confederação na Guerra de Secessão que utilizaram essa concepção
estratégica sem obterem os resultados esperados. Para Mahan o uso do corso era realmente
o recurso típico para um poder marítimo mais fraco, no caso a Confederação e a França.
Essa concepção fazia com que essas Nações abdicassem de disputar o controle do mar com
os adversários.
Uma concepção mais apropriada para estrangular o comércio inimigo era o bloqueio
marítimo572 nas costas e portos controlados pelo adversário, no entanto as esquadras de
batalha serviam exatamente para proteger as linhas de comunicação e atacar as linhas
inimigas e a melhor forma de cumprir a segunda tarefa era atrair a força naval inimiga para
uma batalha decisiva e aniquilá-la. O bloqueio aos portos inimigos permitiria que o tráfego
comercial fosse interrompido e que a força naval adversária ficasse encurralada sem
570 A palavra utilizada por Mahan foi ‘overbearing’ que traduzi para avassalador. O sinônimo em inglês seriamasterful ou domineering. Avassalador parece ser a acepção desejada por Mahan.571 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op.cit. p. 138.572 O bloqueio naval pode ser definido como o impedimento de saída da força organizada inimiga ou denavios mercantes de um porto ou espaço determinado. Pode também evitar sua aproximação a uma áreaespecificada. Será destruída se tentar fazê-lo. Ele terá duas vertentes, o bloqueio aproximado, quando em áreapróxima a costa e constitui-se em método indireto de conquista do controle do mar e bloqueio afastado, emlocal distante do porto inimigo. Fonte: COMANDO DA MARINHA. Noções de estratégia naval. op.cit. p.41e 45.
193
possibilidade de intervir. A única possibilidade disponível ao inimigo era fazer-se ao mar e
enfrentar a força bloqueadora, pensava Mahan.
Uma interpretação interessante de Mahan, pouco compreendida, era a distinção que
ele fazia entre a guerra de corso e a destruição do comércio. As duas concepções não eram
equivalentes como muitos pensavam. A primeira era uma forma muito branda de ação em
relação a destruição do comércio573. Os ataques de corso ao comércio marítimo seriam
esparsos e sem a eficiência desejada. O uso do bloqueio servia exatamente para destruir o
comércio e não como uma variante do corso, embora ambas tentassem em essência a
interrupção do comércio marítimo adversário. A batalha decisiva eliminaria a esquadra
adversária e permitiria que o tráfego marítimo inimigo ficasse a mercê do poder marítimo
mais poderoso. Os navios mercantes se tornariam vulneráveis e seriam destruídos pelo mais
forte no mar.
O estabelecimento de comboios de navios mercantes era avaliado por ele como uma
medida eficiente. Dizia que o comboio era, sem dúvida, um objeto muito maior que um
navio somente e que os navios assim concentrados em espaço e tempo eram mais aptos a
passar incólumes de corsários que o mesmo número de navios navegando
independentemente e espalhados em um grande espaço de mar, podendo assim ser muito
mais facilmente detectados574. Mahan ainda não tinha conhecimento das medidas de apoio e
proteção aos comboios desenvolvidos durante a Grande Guerra de 1914. Além disso, não
imaginava como seriam eficientes os submarinos durante essa guerra como armas de ataque
aos navios mercantes.
Mahan procurou com sua teoria de emprego do poder marítimo e concepção de
controle do mar enfatizar a importância do mar para o desenvolvimento das Nações. A
centralidade do mar no destino desses países atendeu perfeitamente determinada
contingência política no final do século XIX e início do XX. Apesar de reconhecido e
festejado, sua teoria passou por provas irrefutáveis. A batalha decisiva tão esperada na
Grande Guerra acabou não ocorrendo. Os alemães evitaram-na a todo o custo e mantiveram
a esquadra britânica em estado de permanente prontidão. O avanço tecnológico naval como,
por exemplo, a introdução do avião e do submarino não foi percebido por ele. Sua fixação
no navio capital, o encouraçado fortemente armado, não o fez perceber que a guerra no mar
573 MAHAN, Alfred. Some Neglected Aspects of War. op.cit. p. 174 e SUMIDA, op.cit. p. 72.574 MAHAN, Alfred. The War of 1812 v.1. op.cit. p. 409.
194
podia mudar dramaticamente. Anos depois da Segunda Guerra Mundial alguns
historiadores ainda persistiam em afirmar que a vitória norte-americana sobre o Japão em
1945 foi a validação das idéias de Mahan, o que não correspondeu a realidade575. O
encouraçado deixou de ser o navio capital, os desembarques anfíbios, aspecto pouco
abordado por ele, foram decisivos para a vitória no Pacífico, a guerra de corso conduzida
por submarinos, o predomínio da aviação baseada em porta-aviões e a inexistência da
batalha decisiva foram pontos que não corroboraram suas idéias. A frase do almirante
Armando Vidigal talvez aponte a real contribuição de Mahan para a história e a estratégia
naval na primeira metade do século XX. Disse ele:
É impossível negar que as duas guerras mundiais comprovaram as idéiasbásicas de Mahan relativamente à importância do poder marítimo paradeterminar a vitória na guerra mas, ao mesmo tempo, mostraram aslimitações de sua concepção relativamente à guerra de atrição ou dedesgaste, à relatividade do domínio do mar, à projeção do poder navalsobre terra576.
Novos teóricos surgiam para discutir as idéias de Mahan. Dentre esses surgiu na
Inglaterra um dos mais criativos teóricos navais de sua geração. Sir Herbert William
Richmond. Suas idéias serão discutidas no próximo capítulo.
CAPÍTULO 3
HERBERT WILLIAM RICHMOND: O ERUDITO DO PODER MARÍTIMO575 CROWL. op.cit. p. 476.576 VIDIGAL, Armando Amorim Ferreira. Apontamentos de Estratégia Naval. Revista Marítima Brasileira.Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha. jul/set, 1998, p. 116.
195
O marinheiro e erudito. Com essas duas palavras o historiador canadense Barry Hunt,
um dos maiores especialistas na obra de Herbert Richmond, cunhou o seu livro de 1982.577
Disse Hunt que “o almirante Sir Herbert Richmond foi um fenômeno único da Marinha
vitoriana e eduardiana, um profissional competente e oficial de sucesso que era também um
intelectual. Isso foi o bastante para assegurar que o seu progresso seria tormentoso”.578
Herbert William Richmond foi um historiador influente no período entre as duas
guerras, participando ativamente das discussões navais que se seguiram a Grande Guerra de
1914 a 1918. Embora tenha sido um historiador de prestígio na época, poucos historiadores
no tempo presente têm se dedicado a se debruçar sobre os seus escritos. Mesmo na
Inglaterra, seu país natal, são poucos os especialistas em seus trabalhos teóricos e
históricos, quase todos ligados às escolas de altos estudos militares e ao King´s College da
Universidade de Londres, onde se destacam os historiadores Geoffrey Till e Andrew
Lambert.
No Brasil não existem trabalhos acadêmicos que analisem as suas concepções.
Mesmo na Marinha de Guerra brasileira, no seu principal veículo de discussão acadêmica, a
Revista Marítima Brasileira só existe um artigo analítico específico sobre Richmond,
publicado em 2006.579 Muito pouco para um periódico editado pela primeira vez em 1851.
Afinal, quem foi esse personagem da história britânica que suscitou tão poucas
pesquisas ? Como ele imaginava a história naval e como ele se diferenciou de Alfred
Mahan ?
É o que será discutido nesse capítulo.
3.1- Herbert William Richmond. Um marinheiro engajado e autor sofisticado.
Herbert William Richmond nasceu em Hammersmith na Inglaterra em 15 de setembro
de 1871, segundo filho homem de Sir William Blake Richmond e Clara Jane Richards. Seu
577 HUNT, Barry. Sailor-Scholar: Admiral Sir Herbert Richmond 1871-1946. op.cit. capa. 578 Ibidem, p. 2.579 ALMEIDA, Francisco Eduardo Alves de. A trajetória de um historiador esquecido: Sir Herbert Richmonde o Poder Naval britânico, 1905-1945. Revista Marítima Brasileira. Rio de Janeiro: Serviço de Documentaçãoda Marinha, v.129, n. 04/06. p. 24-35, abr/jun, 2006.
196
pai William foi um pintor famoso da época vitoriana e professor de Artes na Universidade
de Oxford entre 1879 e 1883, assim como seu avô George Richmond, fora também pintor
notável. Talvez devido a essas grandes influências, cedo se interessou pelo desenho e
pintura, no entanto as artes não seriam o seu destino, embora demonstrasse um talento inato
para o desenho e caricaturas.
Herbert tinha, quando jovem, temperamento alegre e descontraído, no entanto já
demonstrava propensão para comandar homens e o desejo de liderar. Foi assim criado em
uma atmosfera de artistas e pessoas ligadas às artes. Ele tinha, também, forte ligação com a
sua mãe e irmã.
O ponto de inflexão de sua juventude ocorreu quando em 1880, com nove anos de
idade, juntamente com um amigo mais velho da família, visitou a base de Portsmouth e
ficou deslumbrado com os marinheiros em seus vistosos uniformes e belos navios, bem
conservados e limpos. Disse a esse seu amigo que “aquilo era exatamente o que ele gostaria
de ser”.580
Seu desempenho escolar foi sofrível, uma vez que detestava a sua escola secundária,
St Martin School em Windsor, tendo especial horror ao estudo de latim, grego e
matemática. A ida para a Marinha o afastaria daquele mundo escolar que o desagradava.
Seu irmão Arthur Richmond disse sobre Herbert o seguinte:
Quando garoto, ele [Richmond] recebeu ajuda de nosso pai paradesenvolver seus talentos de pintura. No entanto tinha um temperamentodinâmico procurando continuamente extravasar suas energias, o que nainfância resultou em certa frustração. Eu não sabia o que lhe satisfazia.Sua escolha pela Marinha, me disse, foi acidental. Ele desgostavaintensamente a escola privada que freqüentava e me declarou que essaescolha ocorreu por que queria escapar dessa escola[...] ele sempre emsua vida estava possuído de uma verve criativa. Mesmo como cadete nãomantinha seu livro texto intacto. Ele tinha a necessidade de ilustrá-lo edesenhá-lo e mesmo naquele tempo ele era um grande escritor de cartas.Acredito que ele tinha sempre o que escrever[...] e escreveu excelentescartas. Por natureza tinha que procurar a perfeição.581
580 MARDER, Arthur. Portrait of na Admiral. The Life and papers of Sir Herbert Richmond. op.cit, p. 16. 581 TREVELYAN. George. Admiral Herbert Richmond, 1871-1946. Proceedings of the British Academy.London: Geoffrey Cumberlege, v.xxxii, 1946, p.4.
197
Em 1883, em sua primeira tentativa para entrar para a Marinha, não foi aprovado. No
ano seguinte, finalmente foi admitido e em 1885 entrou oficialmente para a Marinha
Britânica como um cadete no navio-escola Britannia.
3.1.1- Primeiros tempos na Marinha:
O historiador naval Lisle Rose comentou que a vasta maioria dos oficiais da época
vitoriana e eduardiana estava convencida de que tradição, arrogância e indolência
constituíam a melhor educação582. A entrada na Escola Naval era realmente um grande
desafio. O aspirante deveria provir de uma família abastada que pudesse pagar anualmente
setecentas libras, uma verdadeira fortuna na época, para manter-se no Britannia583. Herbert
provinha de uma família de posses e permaneceu no HMS Britannia584 por dois anos, sendo
designado aspirante em 1887 para se agregar ao HMS Nelson585, capitânea do Esquadrão
Australiano.
Em 1892 Herbert, já capitão-tenente586, serviu no Serviço Hidrográfico durante dois
anos, no entanto, devido a demora nas promoções nesse serviço, solicitou sua transferência
para a Escola de Torpedos. Dessa escola foi mandado servir no Mediterrâneo em três
navios seguidos, os HMS Empress of Índia, Ramillies587 e Canopus588. Seu interesse pela
história começou nessa comissão.
Em 1899 foi designado para o Esquadrão do Canal a bordo do HMS Majestic589, lá
permanecendo até 1903. No início desse ano foi promovido a capitão-de-fragata590, com
582 ROSE, Lisle. Power at Sea. The Age of Navalism, 1890-1914. Columbia: University of Missouri Press,2007, p.28. 583 Ibidem, p.28.584 O HMS Britannia era um navio-escola que servia como local de treinamento para jovens candidatos aoficial na Marinha Real britânica. HMS significa “her majesty ship”. 585 O HMS Nelson era um cruzador protegido misto, vapor e vela, de 7.630 toneladas, armado com 4 canhõesde 10 polegadas. Fonte: ARCHIBALD, E.H.H. The Metal Fighting Ships in the Royal Navy 1860-1970. NewYork: Arco Publishing, 1971, p.48.586 Na Marinha britânica o posto é Lieutenant.587 O HMS Empress of Índia e o Ramillies eram encouraçados de mesma classe, lançados ao mar em 1891 e1892, deslocando 15.585 toneladas, com 4 canhões de 13.5 polegadas e 10 de 6 polegadas. Fonte: Ibidem,p.33.588 O HMS Canopus era um encouraçado lançado ao mar em 1897, deslocando 12.950 toneladas, armado com4 canhões de 4 polegadas e 12 de 6 polegadas.Fonte: Ibidem, p.62.589 O HMS Majestic era um encouraçado de 14.900 toneladas, armado com 4 canhões de 12 e 12 de 6polegadas. Fonte: Ibidem, p.62.590 Em inglês commander. Naquela ocasião a Marinha Real não possuía ainda o posto de capitão-de-corveta,lieutenant-commander, posto intermediário entre o lieutenant e commander.
198
“apenas” onze anos no posto de capitão-tenente591, o que significava um avanço em relação
aos seus colegas que podiam permanecer até vinte anos nessa graduação.
No ano seguinte foi designado imediato do HMS Crescent592, capitânea do contra-
almirante John Durnford, comandante do Esquadrão do Cabo da Boa Esperança, por dois
anos. Nessa função Herbert se destacou sobremaneira, tendo um oficial sob as suas ordens
dito que Richmond era “o melhor comandante que ele conhecera”.593
Em dezembro de 1906 foi designado para servir como assistente do almirante Sir John
Fisher, Primeiro Lorde do Mar e grande reformador da Marinha Real britânica.594 Para
Richmond foi um período de grande aprendizagem, pois participou das grandes mudanças
revolucionárias efetuadas por Fisher na Marinha. Ele fazia parte de um grupo de oficiais
muito estimados por Fisher que os considerava os futuros chefes da Marinha britânica.595
Richmond viria posteriormente a se afastar de Fisher, quando esse almirante não
aceitou criar um estado-maior naval, receoso de perder o seu enorme poder na questão do
planejamento estratégico da força, e na previsível perda de influência de seus colegas do
Almirantado. Richmond era um firme advogado da criação desse estado-maior. Sua opinião
era que o estado-maior naval devia assistir ao Almirantado, provendo os planos de guerra
baseados em seus próprios estudos e coordenados com o recentemente criado Comitê de
Defesa Imperial. A Divisão de Inteligência Naval proveria as informações necessárias para
a formulação estratégica naval. Acreditava que, com essa estrutura, não “dependeria da
energia de apenas um homem”596, conforme suas palavras, referindo-se ao centralismo
exacerbado de Lorde Fisher.
No ano de 1907 Richmond casou-se com Elsa Bell, filha de um magnata da indústria
de aço, Sir Hugh Bell. Lady Richmond diria anos depois que “quando ele me cortejava a
única coisa que me lembro de nossa conversa era o seu fervor na formulação de um estado-
maior naval”.597 Os próximos sete anos que se seguiram a seu casamento foram os
591 MARDER, op.cit, p.17.592 O HMS Crescent era um cruzador protegido de 7.700 toneladas, armado com 1 canhão de 9.2 e 12 de 6polegadas. Ele foi incorporado em 1892. Fonte: ARCHIBALD, op.cit. p.107.593 Tratava-se do futuro vice-almirante Bowden Smith.Fonte: MARDER, op.cit. p.17.594 Ver subitem 1.3.3.595 Os oficiais que faziam parte desse círculo eram chamados de oficiais do “Fish Pond”, uma curruptela paraa “lagoa do peixe”, uma expressão usada na época para designar os protegidos de Fisher. Fonte: HUNT,op.cit. p.6. 596 SCHURMAN, op.cit. p.123.597 MARDER, op.cit. p.18.
199
melhores de sua vida. Estava prestigiado na carreira, sua vida familiar era alegre e seus
amigos, muito queridos por ele. Seu cunhado e particular amigo, o historiador, professor da
Universidade de Cambridge, George Trevelyan, comentando, anos depois, esse período
diria:
A casa dos Bell na Rua Sloane 95 e sua casa de verão em Yorkshire eramcentros de uma grande sociedade de primos e amigos, no qual Herbert erao favorito. Ele [Richmond] adorava a vida social de Londres e emYorkshire se dedicava a qualquer coisa que estivesse acontecendo, acaça, o tiro ao alvo, a dança, a patinação no gelo, a representação depeças e todas as atividades campestres. Era um tipo da vida inglesa queele não conhecera anteriormente e ele adorou cada minuto dela. Esse foium período feliz para ele, nos anos anteriores a 1914, com tanta coisaainda à frente e uma carreira cheia de possibilidades.598
Herbert e Elsa tiveram cinco filhos, quatro mulheres e um homem, a primeira foi
Mary Florence, nascida em 1908, seguida de Bridget Horatia, em 1910, Valentine em 1912,
William Herbert Lowthian em 1918 e por fim Eleanor Faith em 1923.
No final de 1908 Richmond foi promovido a capitão-de-mar-e-guerra599 e designado
para o estado-maior do almirante William May, comandante-em-chefe da Home Fleet600.
Alguns meses depois, foi indicado para assumir o seu primeiro comando no mar, o do navio
mais poderoso da Armada Real, o célebre HMS Dreadnought.601
Richmond, ao assumir o comando desse navio, determinou que os aspirantes
embarcados aprendessem alemão e lessem o periódico Marine Rundschau da Marinha
germânica, uma vez que estava convencido de que uma guerra com a Alemanha ocorreria
cedo ou tarde. Ele não gostava da rotina administrativa excessivamente burocrática da
Marinha, preferindo concentrar-se no estudo da tática e da estratégia. Era, também, um
oficial de pontos de vista firmes, o que nem sempre agradava aos almirantes que viam nessa
atitude um desprezo pela disciplina, hierarquia e unidade de pensamento. Richmond,
certamente, demonstrava sua insatisfação com certas decisões emanadas dos altos níveis
que considerava irreais e com pouca fundamentação técnica. Não era raro ver Richmond
598 TREVELYAN, op.cit. p. 6.599 Na Marinha britânica captain.600 Home Fleet era a esquadra localizada no norte do Reino Unido, a mais poderosa das esquadras britânicas. 601 Ver nota 81. O HMS Dreadnought era o encouraçado mais moderno da época. Certamente Fisher teveparticipação direta nessa nomeação de Richmond. Fonte: ARCHIBALD, op.cit. p.67.
200
clamar abertamente que muitos almirantes eram amadores travestidos de chefes, com pouca
imaginação, afastados do realismo quando abordavam a tática e a estratégia602. Além disso,
afirmava que pior que ser amador era não permitir que as idéias originais florescessem,
especialmente de oficiais mais modernos, naturalmente com grande espírito ofensivo,
entusiasmo e originalidade.
Richmond criticava, também, a preocupação excessiva dos almirantes com o que ele
chamava de “spit and polish”603, em detrimento dos exercícios táticos. Para corroborar essa
visão de Richmond, Lisle Rose afirmou que nos anos 80 e 90 do século XIX um almirante
inglês julgava a eficiência de um navio de Sua Majestade pela limpeza de sua luva branca
ao final de uma inspeção604. Em 1890 a mania generalizada de limpeza e arrumação
alcançava o ponto ridículo e perigoso de afastar qualquer exercício que sujasse o navio.605
Richmond se rebelou exatamente contra isso. Para ele o estudo da guerra era negligenciado
pelos chefes, preocupados em manter os navios limpos, com os desfiles navais e a prática
pura e simples da artilharia, sem nenhuma análise dos resultados. No Almirantado não
existia nenhuma seção preocupada com os planos de guerra e com a educação dos futuros
chefes navais, segundo sua visão. Pode-se imaginar a antipatia que criou com os chefes que
o viam como arrogante e indisciplinado. Seus colegas tampouco eram poupados. Disse ele
em 1909 que “parece-me que todos, de capitão-de-mar-e-guerra até o marinheiro mais
moderno, necessitam aplausos, ou uma batida nas costas, um cumprimento por qualquer
coisa que façam...oficiais deveriam fazer o seu trabalho sem aplausos”.606
Richmond se frustrou com o comandante-em-chefe da Home Fleet, almirante Sir
William May, seu chefe direto, durante o seu período de comando. Considerava May
despreparado para o exercício de tão alta função. Disse ele o seguinte:
Eu queria que ele [May] discutisse comigo, que destruísse meusargumentos, se estivessem errados, concordasse se estivessem certos, e secorrespondesse com o Almirantado, em caso de discordância com suasopiniões. O Almirantado, então, poderia apontar falhas ou acertos, maspelo amor de Deus, permita-nos clareza de pensamento e permita que amente do comandante-em-chefe esteja absolutamente clara como cristal
602 MARDER, op.cit. p.20.603 Spit and polish era uma expressão que significa “cuspir e limpar”, isto é uma ênfase exagerada com aaparência, em detrimento do treinamento para a guerra.604 ROSE, op.cit. p.28605 Ibidem, p. 29.606 Diário de Herbert Richmond de 11 de abril de 1909 em Cromarty Firth. Fonte: MARDER, op.cit. p.48.
201
sobre tudo que iremos fazer e por que estaremos fazendo aquilo. Semdiscussão isso me parece impossível e sem estudo não haverá discussão,mas ele [May] não tem estudado nada.607
Richmond considerava May com pouca imaginação, afirmando que esse almirante
passava horas discutindo aspectos menores da tática e dos exercícios realizados, criticando
os navios pela incompreensão dos sinais táticos enviados e na forma como os navios eram
manobrados608, esquecendo no entanto de analisar a qualidade dos treinamentos e de que
forma a esquadra deveria ser utilizada para enfrentar os alemães, que ele acreditava, seriam
os próximos adversários.
Richmond, apesar desses atritos com oficiais mais antigos, foi muito considerado por
seus oficiais. O futuro vice-almirante Kenneth Dewar, cuja amizade com ele se iniciou a
bordo do Dreadnought disse o seguinte:
Ele [Richmond] era um tipo de oficial que eu nunca tinha encontrado.Além de ser um competente imediato, era um fenômeno raro na Marinha,sendo também um estudante de história. Eu servi com bons comandantes,mas H.W. Richmond era mais que isso. Ele encorajava a se pensar eolhar além dos limites finitos da vida de bordo[...] Richmonddesenvolveu um instinto tático e estratégico, estudando osacontecimentos da guerra.609
Em março de 1911, ao terminar seu tempo de comando, Richmond foi enviado para
comandar um antigo cruzador de segunda classe, o HMS Furious e depois o HMS
Vindictive610, quase como um castigo por suas observações, consideradas impertinentes
pelos superiores. Se por um lado essa comissão era desprestigiada, por outro, permitia que
aceitasse a incumbência de Sir John Knox Laughton de editar para o Naval Records Society
607 Diário de Herbert Richmond de 22 de junho de 1909 em Cromarty Firth. Fonte: Ibidem, p.53.608 MARDER, op.cit. p.68.609 DEWAR, Kenneth. The Navy from within. London: Gollancz, 1939, p.115.610 Ambos os navios, os HMS Furious e Vindictive eram da mesma classe, incorporados em 1896 e 1897,deslocando 5.750 toneladas e armados com 10 canhões de 6 polegadas. Fonte: ARCHIBALD, op.cit. p. 101.
202
611(NRS) o volume The Loss of the Minorca 1756612, o que lhe trouxe muito gosto e alegria,
tendo sido publicado em 1913. Nessa obra, Richmond discutiu na introdução o desastre da
perda da Minorca para os franceses na Guerra dos Sete Anos, por parte do almirante inglês
Byng, o que acabou levando a seu fuzilamento posterior, um caso raro na Marinha Real.
Richmond, comentando essa campanha, disse que “ela enuncia alguns pontos de estratégia
que são verdadeiros hoje [em 1913] como foram quando escritos [em 1756]”.613
Como editor dessa obra, Richmond compilou a documentação do Almirantado
relativa aos eventos envolvendo o almirante Byng, a situação estratégica e a inteligência
disponível em janeiro de 1755 até maio de 1756. Na primeira parte da compilação são
descritos os eventos ocorridos desde 11 de março até 16 de junho de 1756. Em seguida,
Richmond compilou a documentação relativa a inteligência entre janeiro e dezembro de
1755, as observações do Almirantado em relação a situação estratégica até 11 de março de
1756, a documentação de inteligência de dezembro de 1755 a 6 de abril de 1756, as
conclusões do Almirantado, os planos de ação de maio e por fim as instruções de Sir
Edward Hawke.614 Trata-se, assim, de uma obra importante para se compreender a tragédia
que se abateu sobre Byng e a primeira grande compilação de Richmond.
Nos anos de 1911 e 1912 Richmond encontrou tempo para ministrar palestras na
Escola de Guerra Naval Real (EGN-GB) em Portsmouth, afirmando que apesar da mudança
tecnológica nas armas e métodos, existiam “princípios” que derivavam do passado que
poderiam ser aplicados na guerra naval moderna, demonstrando aproximação com as idéias
de Alfred Mahan615.
611 O Naval Records Society foi fundada pelo eminente professor de história naval do King´s College, SirJohn Knox Laughton em 1893. Essa sociedade tinha a tarefa de servir a Marinha e ao Estado no campo dahistória naval, publicando documentos e obras que descrevessem eventos e estudos da história marítimabritânica. Alguns de seus membros foram o Príncipe Louis de Battenberg, Reginald Custance, Alfred ThayerMahan, William Clowes, o próprio Herbert Richmond, Julian Corbett, Joseph Chamberlain, o Duque deNorfolk, George Sydeham Clarke, Caspar Goodrich, Phillip Colomb, Montagu Barrows e Sir John Seeley,dentre alguns intelectuais. Essa sociedade existe até hoje e tem produzido obras importantes de história,congregando os principais historiadores navais ingleses. Fonte: LAMBERT, Andrew. The Foundations ofNaval History. John Knox Laughton, the Royal Navy and the historical profession. London: ChathamPublishing, 1998, p.142., 612 RICHMOND, Herbert William. Papers relating to the Loss of Minorca in 1756. v. xlii, London: NavalRecords Society, 1913.613 Ibidem, p. 151.614 Sir Edward Hawke era vice-almirante, comandante em chefe da Esquadra Britânica no Mediterrâneo,substituto de Byng. 615 Para a compilação dos pontos coincidentes e discordantes referentes às trajetórias pessoais e acadêmicasentre Mahan e Richmond, ver Apêndice A).
203
Um de seus alunos ainda se lembra das palestras ministradas por Richmond. O futuro
almirante Roger Bellairs disse :
Era um prazer para nós estudantes sabermos que Richmond ia ministraras aulas. Tínhamos certeza que seria apresentado um panoramaimportante para a história naval do futuro. Depois da aula haveria umadiscussão livre e aproveitaríamos de seu vasto conhecimento baseado nagrande quantidade de leitura histórica, combinada com sua grandefacilidade de expressão e a ansiedade de todos nós.616
Pouco antes de transmitir o comando do Vindictive, Richmond imaginou criar uma
sociedade que, além de estimular a criatividade e influenciar a educação dos jovens oficiais,
permitiria que eles pudessem publicar artigos, sem as peias regulamentares que restringiam
a livre discussão de temas de tática, estratégia e política naval. Seu propósito seria
promover o avanço e a disseminação, dentro da Marinha Real, de conhecimentos relevantes
aos maiores aspectos da profissão naval617. Dessa forma, convidou diversos colegas para
juntos criarem a Naval Society618. Esse grupo temia a interferência e proibição do
Almirantado em publicar e veicular artigos em um periódico que circularia entre os
membros associados da sociedade. Assim, imaginou-se uma sociedade privada, com um
periódico também privado, com circulação restrita, mantendo a anonimidade dos autores,
por meio do uso de pseudônimos, de modo a evitar retaliações contra aqueles que
criticassem a situação vigente na Marinha.
Reuniões formais da sociedade foram logo descartadas como impraticáveis, no
entanto para manter um periódico circulando era necessário estipular anuidades,
inicialmente de duas libras por membro associado.619 Para atuar como editor-chefe foi
escolhido um oficial general de prestígio que, de uma certa forma, serviria como para-
choques das críticas provindas do Almirantado, o almirante William Henderson que,
também, seria o tesoureiro da sociedade. Seriam aceitas inscrições para membro associado
616 MARDER, op.cit. p.21.617 Naval Review, n.1, v.96, fevereiro, 2008, p.1,618 Os membros fundadores da Naval Society eram os seguintes oficiais: capitão-de-mar-e-guerra HerbertRichmond, capitães-de-fragata Kenneth Dewar, Drax Plunkett, capitães-tenentes Ralph Bellairs, T. Fisher, H.Thursfield, capitão dos Fuzileiros Reais E. Harding e o almirante W. Henderson como editor. Essa sociedadeexiste até hoje e contava com 2.464 membros em agosto de 2007. Este autor é membro associado destasociedade desde 2004. Fonte: Naval Review. N.3, v.95, agosto, 2007, p.205.619 HUNT, op.cit. p. 33.
204
até o posto de capitão-tenente, sendo posteriormente estendidas para todos os oficiais da
Marinha Real.
Entre a fundação da sociedade em outubro de 1912 e a distribuição do número um do
periódico no início de 1913, que recebeu o nome de Naval Review, o número de associados
subiu de 8 para 60. Em janeiro de 1914 atingiu 596, em setembro deste ano, 722 e no natal
de 1915, 1.260 membros.620
Richmond tinha consciência de que estava mexendo em um vespeiro ao não submeter
o Naval Review à crítica do Almirantado. Em seu diário escreveria que “o que desejo
desenvolver é o hábito mental de compreender os assuntos, indo a fundo na análise,
evoluindo para estabelecer princípios e disseminando o interesse no melhor lado de nosso
trabalho. Eu imagino o que as autoridades dirão quando o periódico for lido por eles !”621.
Richmond certamente gostava da provocação e do embate !
Nos anos que se seguiram o Naval Review sofreu diversas censuras, principalmente
no período de guerra, entre 1914 a 1918, por temor de se revelar planos de guerra, possíveis
operações, o estado de espírito e a moral das forças navais aliadas. Richmond, em todas as
ocasiões, tentou refutar essas alegações, na maioria das vezes, sem sucesso. O que mais o
preocupou foi a censura não especificada, sem justificativas e explicações. O artigo era
censurado e ponto final ! Richmond acreditava, em realidade, que as censuras eram
motivadas pela própria incapacidade do Almirantado em conduzir a guerra corretamente,
motivando assim a censura para esconder suas próprias deficiências.622 Nesse ponto
Richmond estava certamente correto, pois dois artigos do Naval Review foram censurados
pelo Almirantado, por exporem deficiências marcantes na condução da guerra. O primeiro
tratou do desastre britânico na Batalha de Coronel em 1914, quando foi morto em combate
o almirante inglês Sir Christopher Cradock623. O segundo, já em 1919, por um virulento
artigo sobre a escapada do Goeben e Breslau no Mediterrâneo, fruto da incapacidade
620 Ibidem, p.34.621 Diário de Herbert William Richmond, datado de 27 de outubro de 1912, a bordo do HMS Vindictive. Fonte:MARDER, op.cit. p.89.622 HUNT, op.cit. p. 38.623 O almirante Sir Christopher Craddock tem uma forte ligação com a história naval brasileira pois era ocomandante da canhoneira HMS Dolphin em 1892 no Mar Vermelho, quando auxiliou os náufragosbrasileiros do cruzador escola Almirante Barroso em plena viagem de instrução de guardas-marinha queafundou próximo a Rãs Zeitti na Península Arábica. Fonte: MENDONÇA, Lauro Furtado. A MarinhaImperial. In: História Naval Brasileira. 4.v. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 2001.
205
britânica de bloquear os dois navios. Nesse caso específico, o autor foi descoberto e
devidamente repreendido, apesar dos protestos veementes de Richmond e dos editores.624
Seja como for o Naval Review sobreviveu à guerra e continua até hoje a ser um fórum
de discussão de assuntos navais, sem censuras, utilizando ainda pseudônimos para os
autores com as mesmas motivações do passado.
O Naval Review foi, também, o veículo de discussão de um movimento que atingiu a
Marinha britânica naquele início de século XX, formado por jovens oficiais até o posto de
capitão-de-mar-e-guerra. Esse grupo de oficiais foi chamado de “jovens turcos” e tinha o
propósito de reformular os procedimentos ultrapassados que governavam a Marinha
naquele período. Esses jovens oficiais acreditavam que os velhos almirantes impediam o
desenvolvimento do poder naval britânico, com suas idéias ultrapassadas e antiquadas.
Propugnavam uma mudança geral na organização naval e na forma como a guerra deveria
ser conduzida625. Richmond era um dos líderes desse movimento renovador.
Com o desenrolar da guerra de 1914, os “jovens turcos” passaram a criticar
abertamente a postura defensiva e cautelosa do Primeiro Lorde do Mar e ex-comandante
das forças navais inglesas na Batalha da Jutlândia, almirante Lorde Jellicoe. A campanha
que fizeram para a sua remoção, apesar de justificada e coroada de sucesso, não foi bem
recebida nos meios navais que a consideraram virulenta demais contra um almirante que,
apesar das limitações pessoais, ainda era um oficial-general da Armada Real e assim
merecedor de todas as considerações. Ao terminar a guerra, disse o historiador Barry Hunt,
“os jovens turcos foram vistos como párias...e seus métodos e não seus motivos é que
foram mais lembrados”.626
Em fevereiro de 1913, Richmond foi designado assistente do diretor de operações no
recentemente criado estado-maior naval. Esse foi um período de muito desgaste para ele,
pois chocou-se diretamente com seus chefes em virtude de “erros de preparação”627,
segundo ele, nos planos de guerra sendo delineados. Richmond afirmava que a preparação
para a guerra não significava somente construir um grande número de navios, armá-los com
munição e homens. Preparação para a guerra, de acordo com o seu pensamento, significava
624 ROSKILL, Stephen. The Richmond Lecture. Naval Review. London: Naval Society, v.lvii, N.2, abr, 1969,p.138.625 HUNT, op.cit, p.57.626 Ibidem, p. 81.627 MARDER, op.cit. p. 21.
206
estudar como esses navios deveriam ser empregados ofensivamente contra os inimigos e
defensivamente para proteger o Império. Para isso a preparação dos oficiais deveria ser
revista, com ênfase no estudo da guerra e não nos aspectos puramente materiais e
tecnológicos. Além disso, considerava que o estado-maior naval recém-criado não era em
realidade um estado-maior, pois não assessorava o Almirantado e seu trabalho era
infrutífero. Ao eclodir a guerra, Richmond se encontrava nessa função que muito o
desagradava. Comentando em seu diário sobre esse período, disse o seguinte:
Faz-me doente ver a guerra ser conduzida dessa forma. Não há ovislumbre dos básicos princípios de emprego eficaz de forças navais eninguém tem o estofo ou pelo menos o conhecimento para impedir essesesdrúxulos projetos de serem conduzidos[...] Leveson [o diretor deoperações] teve sucesso em me isolar completamente. Ele não meconsulta, nem me pergunta nada...minha posição está insustentável[...]não há nenhum navio para onde possa ir, assim devo sentar aqui e aceitarqualquer coisa que ele desejar jogar sobre mim[...] não há dúvida de quenós somos os mais horríveis amadores que em algum tempo tentaramconduzir a guerra[...] não treinamos os nossos oficiais nos princípios deguerra, nem os fazemos concentrar em como conduzir a guerra.628
A Marinha britânica, no início da Grande Guerra em 1914, era dirigida por Winston
Churchill, como Primeiro Lorde do Almirantado629 e pelo venerado e idoso almirante de 73
anos de idade, Lorde Jack Fisher, Primeiro Lorde do Mar, que regressava a essa função,
depois de sua reserva em 1910. Veio substituir o Príncipe de Battenberg, Primeiro Lorde do
Mar em 1914, injustamente acusado de ser germanófilo por opositores630.
Churchill, de índole autoritária, se imiscuía nos assuntos operacionais, tudo
controlando e tudo decidindo. Por características pessoais era dotado de grande espírito
ofensivo e excessivamente impulsivo, ao mesmo tempo em que Fisher, já abatido pela
idade, não tinha o mesmo poder e disposição do passado, tudo aceitando.
628 Diário de Herbert Richmond de 14 de agosto, 17 e 24 de setembro de 1914, escrito no Almirantado. Fonte:Ibidem, p.99, 108 e 110.629 Primeiro Lorde do Almirantado é o mesmo que Ministro da Marinha e Primeiro Lorde do Mar oComandante Militar da Marinha. 630 O almirante Príncipe Louis de Battenberg era um brilhante oficial de marinha, aparentado da rainhaVitória. Ao eclodir a guerra, Battenberg, por ter nascido na Alemanha, foi declarado germanófilo e afastadoinjustamente do cargo de Primeiro Lorde do Mar, embora tenha feito toda a sua carreira na Marinha britânicae se considerar um inglês. Esse fato foi um dos mais desabonadores para a Armada Real Britânica. Battenbergfoi o pai de Lord Louis de Mountbatten, tio da atual rainha Elizabeth II e morto pelo IRA no ano de 1979.
207
O fracasso aliado nos Dardanelos veio a realçar essas deficiências. Churchill partiu
inicialmente da premissa de que, com navios poderosos, poderia dobrar a resistência turca
em Gallipoli. Esqueceu que navios são incapazes de tomar objetivos terrestres. Em seguida,
quando decidiu empregar forças terrestres, o desembarque anfíbio já estava comprometido,
além de ter sido mal conduzido O desastre foi total, culminando com grande número de
baixas nos aliados e posteriormente a retirada das forças da península. Richmond não ficou
indiferente a esse fiasco naval. Disse que “Winston não entende de estratégia naval. Ele
nunca leu nada a respeito. Imagina que pode aplicar algumas regras mnemônicas derivadas
de livros militares, todos traduzidos de expressões navais”.631 Sobre Fisher não foi mais
benevolente. Disse o seguinte de seu ex-chefe:
Ele [Fisher] está pavimentando o caminho para a derrota. E este é omestre que seus admiradores nos fizeram acreditar ser bem dotado emestratégia ! Em realidade ele nada faz. Ele vai para casa e dorme à tarde.Está velho, cansado e nervoso. É triste colocar os destinos do Império nasmãos de um velho homem decadente, ansioso por popularidade, temerosoque algum acidente coloque abaixo seus planos. É triste.632
Richmond incomodava Churchill e assim deveria sair do Almirantado. Em maio de
1915 foi designado para ser oficial de ligação junto à Armada italiana, a bordo do
encouraçado Cavour, lá permanecendo até outubro, quando assumiu seu quarto comando
no mar, o HMS Commonwealth633, em Rosyth, agregado ao Terceiro Esquadrão de Batalha.
Richmond imaginava entrar em combate logo contra os alemães, no entanto o seu
esquadrão permaneceu realizando pequenas patrulhas e ações secundárias. O
Commonwelath não participou da grande Batalha da Jutlândia, ocorrida em maio de 1916,
para grande desgosto de Richmond. Preocupou-se com a falta de espírito ofensivo que
afligia a Marinha Real, resultando na falha em destruir a Armada germânica no encontro da
Jutlândia. Acreditava que, por ser superior, a Marinha britânica perdera uma chance única
de destruir a sua adversária em um combate decisivo.
631 Diário de Herbert Richmond de 10 de setembro de 1914, escrito no Almirantado. Fonte: Ibidem, p.107.632 Diário de Herbert Richmond de 19 de janeiro de 1915, escrito no Almirantado. Fonte: Ibidem, p.138.633 O HMS Commonwealth era um encouraçado pré-Dreadnought construído em 1903, deslocando 16.350toneladas e armado com 4 canhões de 12, 4 de 9.2 e 10 de 6 polegadas. Fonte: ARCHIBALD, op.cit. p. 67.
208
Nesse posto permaneceu até abril de 1917, quando assumiu seu quinto comando, o
encouraçado HMS Conqueror634, subordinado a um almirante que ele muito admirava, o
vice-almirante Sir John de Robeck, comandante do Segundo Esquadrão de Batalha. Estava
Richmond feliz com os dois outros comandantes da Esquadra, o almirante-de-esquadra Sir
David Beatty, comandante da Esquadra britânica e seu chefe de estado-maior, contra-
almirante Osmond Brock. Pela primeira vez na guerra sentia confiança nos chefes. Beatty
inclusive era um amigo que Richmond muito admirava por seu espírito ofensivo e liderança
em combate. Ele considerava, ao contrário, o comandante-em-chefe da Esquadra anterior a
Beatty, Lorde Jellicoe, um despreparado. Citou o caso de Jellicoe nunca ter lido um livro de
estratégia antes da guerra de 1914, até ter lido o livro de Mahan The Influence of Sea
Power upon History. Ao lê-lo, Jellicoe mencionou a Beatty, com alegria, uma citação de
Nelson, como se fosse uma nova descoberta no campo da estratégia naval. Beatty, muito
polidamente, retrucou dizendo que aquela citação de Nelson era repetida inúmeras vezes
por Mahan em seu livro seguinte The Life of Nelson, não sendo assim nenhuma novidade635.
Richmond ridicularizava a “descoberta” de Jellicoe como infantil e primária !
Nessa comissão a bordo do Conqueror permaneceu até abril de 1918, quando foi
designado diretor da recentemente criada divisão de treinamento no Almirantado. Sua
despedida do navio foi triste e emocionante. Disse que ao desembarcar “estava muito
tocado. A tripulação me festejou e cantou músicas de despedida. Foi muito tocante e eu não
merecia tudo aquilo, mas adorei mais do que as palavras podem descrever. Um excelente
grupo de companheiros”. 636
Imediatamente procurou implementar melhoramentos no treinamento de oficiais e
praças. Uma de suas idéias era permitir o acesso de alunos provenientes de escolas públicas
ao corpo de oficiais, o que não era permitido à época. Suas idéias, no entanto, eram muito
avançadas para aquele período e a tradição falou mais alto. A maioria dos almirantes no
Almirantado, além de não simpatizar com Richmond como pessoa, não tinha simpatias por
concepções não ortodoxas.637
634 O HMS Conqueror era um belo encouraçado Super-Dreadnought construído em 1911, deslocando 22.500toneladas e armado com 10 canhões de 13.5 e 16 de 4 polegadas. Fonte: Ibidem, p.74. 635 Diário de Herbert Richmond de 15 de maio de 1917 a bordo do HMS Conqueror. Fonte: MARDER, op.cit.p.251.636 Diário de Herbert Richmond de 10 de abril de 1918 a bordo do HMS Conqueror. Fonte: MARDER, op.cit.p.309.637 TREVELYAN, op.cit. p. 8.
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Uma de suas idéias, no entanto, foi aceita depois do término da guerra. Para o caso de
sub-tenentes638 que tiveram a sua educação limitada pela guerra, podiam ser mandados para
a Universidade de Cambridge para complementar os seus estudos interrompidos.
Durante esse seu período no Almirantado, teve alguns atritos com o novo Primeiro
Lorde do Mar que substituíra Lorde Jellicoe, o Almirante Wemyss, que, inclusive, foi
contra a sua designação para aquela função.
A grande preocupação da Marinha britânica desde 1915 era o grande número de
afundamentos de navios mercantes aliados por submarinos alemães. Somente com o
estabelecimento de comboios, escoltados por contratorpedeiros, foi possível diminuir os
torpedeamentos e aumentar a destruição dos submarinos inimigos. Richmond, ainda sem
compreender o alcance que a guerra submarina teria na conduta da campanha naval,
comentou o seguinte:
Que tipo de guerra é essa guerra naval !! Não se trata mais de uma guerrade cavalheiros. Trata-se de uma guerra de astúcia, de enganos, decontrabandistas, de bandidos, de subornos, de bandeiras nacionais falsas,de navios travestidos, de oficiais disfarçados, todos agindosorrateiramente. Tudo que possa existir a respeito de honra desapareceucom o submarino. Como o submarino, tudo o mais naufragou. Érepugnante.639
Richmond nessa comissão teve um grande dissabor. Em certo almoço de serviço, em
julho de 1918, com o Primeiro Lorde do Almirantado, Eric Geddes, não concordou com a
opinião desse político, a respeito do modo como a educação naval estava sendo conduzida.
Imediatamente, houve forte reação de Geddes, que levantou ameaçadoramente o dedo em
riste contra Richmond. Incontinenti, Richmond contra-argumentou, dizendo que estava
muito tempo na Marinha para entender o que era disciplina, obediência e subserviência e
que sempre preservou seu julgamento em qualquer questão e que não mudaria a sua
opinião, apesar da rudeza do Primeiro Lorde. Seguiu-se um período de silêncio e
constrangimento. Geddes, imediatamente, mudou o seu tom de voz e assunto para o preço
dos charutos na Inglaterra, desanuviando o ambiente640. O mal, no entanto, estava feito. Era
mais um inimigo de Richmond que surgia. Deve ser considerado, no entanto, que
638 O posto de sub-tenente corresponde ao de segundo-tenente na Marinha brasileira.639 Diário de Herbert Richmond de 30 de junho de 1915 no Mar Adriático. Fonte: MARDER, op.cit. p. 178. 640 Diário de Herbert Richmond de 18 de julho de 1918 no Almirantado. Fonte: MARDER, op.cit. p.315.
210
Richmond tinha coragem moral para discordar de qualquer pessoa, fosse ela quem fosse,
mesmo se essa pessoa fosse o Primeiro Lorde do Almirantado. Logo que pôde, Geddes
viria a afastar Richmond dessa função, o que já imaginava ele.
Em janeiro de 1919, já terminada a guerra, Richmond foi dispensado, como esperado
e mandado assumir seu sexto comando no mar, o HMS Erin641 no Segundo Esquadrão de
Batalha. Lá permaneceu até novembro de 1919. As promoções passaram a ser mais lentas
com o fim do conflito, além disso, não contava com a simpatia de muitos almirantes e
políticos que o viam como um indisciplinado e prepotente, embora muitos o reconhecessem
como um competente profissional.
Richmond começou a se preparar para deixar o serviço ativo, pois tinha certeza que
seria preterido a almirante. Um dos contatos que teve foi com o seu amigo Sir Julian
Corbett que lhe ofereceu o cargo de professor de História na Universidade de Cambridge, o
qual não aceitou por razões pessoais642. Outro convite que muito o tentou foi para assumir
uma função executiva no negócio de petróleo na Companhia Anglo-persa, no entanto esse
convite coincidiu com a nomeação de seu amigo Lorde Beatty para ser Primeiro Lorde do
Mar em janeiro de 1920. Esperava ser chamado para trabalhar com ele no Almirantado.
Ao invés de ser chamado para o Almirantado, foi promovido a contra-almirante, com
o apoio de Beatty, que o escolheu para dirigir a EGN(GB) em Greenwich. Iniciava
Richmond uma nova fase de sua carreira naval e intelectual.
3.1.2- O almirante e o intelectual:
641 O HMS Erin era um encouraçado super-Dreadnought com 23.000 toneladas de deslocamento, armado com10 canhões de 13.5 e 16 de 6 polegadas. Fonte: ARCHIBALD, op.cit. p. 79.642 O cargo de docente para o qual foi indicado por Corbett era para a cadeira de História Vere Harmsworth,criado pelo Lorde Rothermere em homunagem a seu filho morto na Grande Guerra em 1916. SegundoRoskill, Rothermere, um dos expoentes em Cambridge, acabou indicando outro nome, o professor HollandRose que assumiu a função logo depois. Fonte: ROSKILL, Richmond Lecture, op.cit. p. 141.
211
Logo ao assumir sua nova função, Richmond ficou encarregado de re-inaugurar o
curso de Guerra Naval para oficiais superiores interrompido, desde o início da guerra, em
1914.
Oficialmente a Escola Naval Real (EGN-GB)643 foi estabelecida em Greenwich em
1873, no entanto os seus currículos eram voltados basicamente para o estudo técnico. O
propósito dessa escola era estreitar os laços com as universidades e os cursos oferecidos
para os oficiais com patentes acima de sub-tenente eram voltados para a técnica em
detrimento da estratégia e da história. Das treze disciplinas oferecidas apenas uma lidava
com história naval e tática.644
O curso de guerra naval foi aberto oficialmente em 1900, sob a batuta de Lorde
Fisher645 que incluía o estudo da história e de estratégia. Antes dessa data, a Marinha
britânica não possuía um local especificado para o ensino de tática, estratégia e da conduta
da guerra. Presumia-se que ser promovido a almirante já era credencial suficiente nesses
assuntos específicos profissionais. Nesse ano, no entanto, um curso para voluntários foi
criado em Greenwich. Em 1906, o curso foi transferido para Portsmouth com duas classes
anuais, com duração de três ou quatro meses cada, para voluntários dos postos de
almirantes, capitães-de-mar-e-guerra e alguns capitães-de-fragata. As aulas consistiam de
palestras, exercícios estratégicos e jogos de guerra. Existiam também aulas sobre
inteligência e de direito internacional, no entanto segundo um dos instrutores do curso,
Kenneth Dewar, depois almirante, “as informações transmitidas estavam todas contidas em
livros de referência e tinham pouco a ver com as principais disciplinas de estratégia e
tática”.646 Nada era ensinado sobre métodos de comando em situação de crise ou guerra e o
sistema de ensino utilizado pouco fez para preparar os oficiais superiores para a guerra que
se aproximava, segundo Dewar.647
Em 1912 Winston Churchill determinou que a EGN-GB modificasse o seu currículo
para treinar oficiais de estado-maior para a guerra.648 Mudanças foram tentadas para
aumentar a carga horária de história, geografia, e operações de guerra, além da mudança
643 Tradução de Royal Naval College. 644 LAMBERT, op.cit. p. 35.645 Na ocasião Lorde John Fisher era Segundo Lorde do Mar, e assim responsável pela Instrução e Ensino naMarinha britânica.646 DEWAR, op.cit. p. 130.647 Ibidem, p.133.648 Ibidem, p.153.
212
dos métodos que passariam a ser de tutoria e não apenas discursivos. Na prática, no entanto,
ênfase foi dada a tarefas rotineiras dos oficiais de estado-maior e não ao estudo
aprofundado de novas disciplinas.649 O primeiro grupo de oficiais nessa nova tentativa de
mudança curricular reuniu-se em março de 1912 para um curso de nove meses650, entretanto
o espírito geral do curso, infelizmente era “hostil ao trabalho criativo”, segundo Dewar651.
Richmond, nesse período, foi convidado para proferir palestras sobre história e
estratégia na EGN-GB. Muitos anos depois dessas aulas, um dos seus alunos, Reginald
Plunkett Ernle Drax recordaria o seguinte:
Seu julgamento [de Richmond] em assuntos de política ou estratégianunca era relutante e geralmente era bem à frente de seuscontemporâneos...Na Escola de Guerra Naval e mais tarde no ColégioImperial de Defesa, ele discutia princípios com uma maturidadeintelectual que era reconhecida por todos. Estava sempre disposto aescutar a opinião dos alunos e se discordassem do que era dito, procuravacontra-argumentar com razões lúcidas e pertinentes.652
No período de guerra, o curso foi descontinuado. O professor Andrew Lambert
mencionou que “o trabalho realizado na EGN-GB antes de 1914 foi limitado, dominado por
questões técnicas e houve pouca contribuição para o desenvolvimento do pensamento
naval”.653 Richmond vinha para mudar esse quadro. Voltava como Presidente da Escola de
Guerra para reorganizar os cursos, segundo suas próprias idéias. Sua amizade com o
Primeiro Lorde do Mar, Earl Beatty facilitava essa tarefa, ou pelo menos assim pensava.
Nesse ano de 1920 foi lançado no mercado editorial o seu primeiro livro de pesquisa
histórica, o The Navy in the War of 1739-1748654 em três volumes. O mentor desse seu
trabalho foi Sir Julian Corbett. Amigo de Richmond, Corbett era um dos mais influentes
historiadores navais do Reino Unido e pupilo de Sir John Knox Laughton. Corbett não só o
influenciou nessa empreitada, como, também, o ensinou a pesquisar em fontes primárias649 HUNT, op.cit. p. 31.650 DEWAR op.cit. p.153.651 HUNT, op.cit. p. 31652 Ibidem. p. 31.653 LAMBERT, Andrew. History is the sole foundation for the construction of a sound and living commondoctrine: the Royal Naval College, Greenwich, and Doctrine development down to BR 1806. In : DORMAN,Andrew; SMITH, Mike Lawrence; UTTLEY, Matthew. The Changing Face of Maritime Power. London:MacMillan Press, 1999, p.47. 654 RICHMOND, Herbert. The Navy in the War of 1739-1748. Cambridge: Cambridge University Press, 1920.
213
inéditas, o que muito o ajudou em toda a sua carreira de historiador. A aproximação entre
os dois se dera por ocasião de sua associação com Lorde Fisher em 1906, uma vez que
Corbett era grande amigo também de Fisher, tornando-se posteriormente o historiador naval
oficial da Primeira Guerra Mundial. Richmond levou muitos anos escrevendo essa obra,
terminando-a em 1914, no entanto devido à guerra, postergou o seu lançamento até 1920.
Esse livro monumental abarcou a chamada Guerra Espanhola de 1739 e a Guerra da
Sucessão da Áustria que se encerrou em 1748. Seu objeto foi a guerra naval entre as
Marinhas britânica e francesa que se estendeu por todo esse período. Essa obra, que ainda é
considerada a referência para esses dois conflitos no mar, foi por ele escrita para lhe “auto-
agradar”, conforme suas próprias palavras.655 Parte desse prazer foi motivado pela falta de
pressão dos editores e quase como um hobby.
Sua pesquisa foi detalhada e extensiva nos arquivos ingleses e franceses. Utilizou
documentos oficiais do Parlamento inglês e do Almirantado, assim como, também, os
diários dos almirantes Sir John Norris, e do Duque de Newcastle, além dos relatos das
ações navais retirados dos livros dos navios, de relatórios de comandantes de esquadrão e
de frotas navais. O que mais surpreendeu os historiadores profissionais foi que tal livro foi
escrito por um capitão-de-mar-e-guerra, sem maiores credenciais, até aquele momento, e
em função de atividade, geralmente embarcado em navios da Armada Real. O professor
Donald Schurman assim se pronunciou a respeito dessa obra-prima de guerra naval:
O primeiro trabalho de Richmond nas guerras de 1739 a 1748 foi o maisdetalhado e compreensível de seus livros. O julgamento de Corbettquando escreveu para Richmond foi que aquela foi a “sua guerra ” e nãoalteraria uma palavra dele[...] tal produção teria sido muito bemapreciada se ela tivesse provindo da pena de um catedrático de Oxford;como um produto de um comandante da época do Dreadnought foi e éum trabalho admirável. Ele foi o primeiro inglês a escrever sobre aquelasguerras inteiramente e discutir suas implicações estratégicas e táticas comum olho de historiador.656
A narrativa de Richmond, baseada em farta documentação, se mesclava com
conclusões derivadas de seu amplo conhecimento, tanto nos aspectos táticos como da
655 SCHURMAN, op.cit. p. 132.656 Ibidem, p.132.
214
estratégia. Queria que essas guerras do passado fossem lidas pelos oficiais da época dos
grandes encouraçados para que percebessem que essas ações ainda tinham relevância no
presente e que os políticos podiam interferir diretamente nas ações navais, prejudicando a
condução operacional correta da guerra, o que era indesejável657. Churchill povoava os seus
pensamentos quando chegou a essa conclusão.
Em 1921 a Marinha britânica sofreu forte restrição orçamentária e a EGN-GB foi
também atingida. Dos 24 alunos do curso, 19 foram transferidos para a reserva, o que
confirmou, em seu juízo, que as autoridades consideravam a escola como de valor
marginal, o que acreditava ser um erro que prejudicava a preparação de futuros líderes
navais. Sua amizade com Beatty não o tornava imune como podia perceber.
Esse seu período na escola foi marcado pela discussão em torno da Batalha da
Jutlândia. Teria a batalha sido vencida pelos ingleses ? Teria Jellicoe sido muito cauteloso e
Beatty muito ousado ? Questões que dividiram a Marinha. Richmond era amigo de Beatty
e não gostava de Jellicoe, logo sua posição era de apoiar os argumentos de Beatty, embora
não explicitamente. Sua atuação nesse processo doloroso foi apenas periférica. Ao final
Jellicoe saiu com sua reputação arranhada658.
Nesse período, seu grande amigo Julian Corbett faleceu, o que foi para ele uma perda
pessoal. Fora, inclusive, Corbett que propusera Richmond para editar outra obra do NRS.
Tratavam-se dos volumes III e IV com os papéis e correspondência privada de Sir George,
Segundo Conde Spencer, Primeiro Lorde do Almirantado entre 1794 e 1801. A obra levou
o título de Private Papers of George, Second Earl Spencer659, publicados em 1923 e 1924.
Corbett, naquela ocasião, estava envolvido com a grandiosa obra de escrever a história da
Grande Guerra e indicara Richmond para coordenar esse trabalho.
Em fevereiro de 1923 ele deixou a presidência da escola e foi designado comandante-
em-chefe do Esquadrão das Índias Orientais. Esse comando não era dos mais prestigiosos
da Marinha, no entanto era um comando no mar, o que agradou Richmond imensamente.
Seu esquadrão era composto de três cruzadores e alguns navios auxiliares, baseado em
Singapura. A responsabilidade dessa pequena força naval era grande. Ela deveria controlar
657 Ibidem, p.135.658 HUNT, op.cit. p. 118.659 RICHMOND, Herbert. Private Papers of George, Second Earl Spencer. 2 vol. London: Naval RecordsSociety, 1923/1924, v. III / IV.
215
uma vasta área que ia da costa leste da África até a região de Singapura, incluindo todo o
Mar Índico e o Golfo Pérsico, com suas linhas de comunicação vitais para o Império.
Vinte anos depois de assumir essa função Richmond diria em uma palestra no
Instituto Real de Relações Internacionais o seguinte a respeito da área de operações de seu
comando:
Quando vinte anos atrás eu comandei o Esquadrão das Índias Orientaistive primeiro que conhecer bem as rotas de comércio, os portos, anatureza das importações e exportações realizadas na área, o tráfegocosteiro e o grau de importância que ele tinha no sistema de distribuiçãono Índico. Com essas informações e conhecimento das forças e portosdos inimigos potenciais, tive que verificar o que deveria ser feito, comofazê-lo e com quais forças deveria cumprir a minha missão, onde oscomboios deveriam passar com eficácia e economia e onde deveriapatrulhar.660
Richmond cumpriu, assim, suas tarefas muito seriamente, propondo o aumento na
segurança das linhas de comunicação no Mar Índico e maior participação do Vice-Reinado
da Índia no sistema imperial global de defesa. Além disso, realizou inúmeros exercícios
combinados com o Exército hindu e foi palestrante costumeiro no Colégio de Estado-Maior
em Quetta na Índia.661 Ele acreditava que o governo deveria fortificar a base de Singapura,
mas não apenas com armamento pesado em terra, mas principalmente com o aumento de
forças navais, pois acreditava que haveria uma guerra com o Japão no futuro e que o eixo
de ataque japonês seria dirigido ao Sudeste Asiático e a Índia, ao invés da Austrália e do sul
do Pacífico.662 Tinha convicção que o ataque contra Singapura seria combinado e não
somente naval. Pode-se, assim, comprovar que estava parcialmente correto, uma vez que os
japoneses atacaram segundo dois eixos principais. Um, de acordo com a idéia de Richmond
e outro em direção ao Pacífico Central e Sul. Quanto a Singapura, ele estava totalmente
correto.
Em 1925 Richmond deixou o seu comando e foi promovido a vice-almirante, sob a
proteção discreta de Beatty, que ainda continuava como Primeiro Lorde do Mar. Em julho
de 1926 foi elevado pelo rei a Cavaleiro da Ordem do Banho663 e assim elegível para apor660 RICHMOND, Herbert. The Modern Conception of Sea Power. Brassey´ Naval Annual. New York: TheMacMillan Co, v.54, 1943, p.110.661 ROSKILL, Richmond Lecture, op.cit. p.141.662 HUNT, op.cit. p. 138.663 O título em inglês é Knight Commander of the Order of the Bath (KCB).
216
antes de seu nome o título de Sir. Nesse ano, também, recebeu a Medalha de Ouro Chesney
da RUSI, distinção previamente conferida a apenas um oficial de marinha, Alfred Thayer
Mahan, pela qualidade de sua obra The Navy in the War of 1739-1748. Em setembro desse
ano foi novamente brindado por Beatty, ao ser nomeado primeiro comandante do recém-
inaugurado Colégio Imperial de Defesa (CID)664 que iniciaria suas atividades em janeiro de
1927.
A tarefa principal dessa instituição era congregar os oficiais de média patente, oficiais
superiores, das três Forças Armadas, Marinha, Exército e Força Aérea, juntamente com
civis funcionários governamentais, aptos a disputar funções de comando e direção, para que
se aperfeiçoassem e treinassem em assuntos de estratégia e política concernentes à defesa
do Império. A função primordial desse novo órgão de ensino era permitir a troca de
experiência entre oficiais e civis de diferentes matizes e incentivar a cooperação entre eles.
Segundo Roskill o colégio foi “um primeiro passo para o que hoje se chama integração das
Forças Armadas”.665
Richmond foi a escolha certa, uma vez que sempre defendera a cooperação e a
integração entre as Forças Armadas, com o estabelecimento de uma doutrina comum, além
de apreciar demasiado a função de ensino. Pouco antes, Richmond defendera a criação de
um estabelecimento de ensino com essas características.666
O colégio estava localizado em Londres e os cursos teriam a duração de um ano para
oficiais britânicos e dos Domínios, que já tivessem os cursos de estado-maior de suas
respectivas forças. Inicialmente as turmas teriam 35 oficiais de cada força, 12 dos
Domínios e três civis de cada departamento envolvido com assuntos de defesa, isto é
assuntos estrangeiros, tesouro, comércio, interior e colonial.667
A Richmond e a um grupo escolhido de oficiais recaiu a organização do primeiro
curso do colégio. Nesse mister, Richmond tornou-se o que efetivamente não fora até ali,
humilde. Em uma de suas cartas para Henderson do Naval Society, escreveu o seguinte:
Eu intensamente detesto publicidade. Tenho um grande trabalho à frentee se terei a confiança das três forças dependerá mais do que farei do queescrevi até aqui. Eu preferiria deixar como está e não levantar grandes
664 O nome em inglês é Imperial Defense College.665 ROSKILL, Richmond Lecture, op.cit. p.142.666 HUNT, op.cit. p. 150.667 Ibidem, p. 155.
217
expectativas em mim nas cabeças daqueles que me nomearam e do qualtenho medo de desapontar668.
O curso era composto de nove ou dez grandes exercícios tipo jogos de guerra, no
nível político e estratégico, quando cada aluno participava como um ator político distinto
em situações de crise ou de guerra. Em seguida, era confeccionado um relatório com todos
os ensinamentos colhidos, com comentários sobre os acertos e erros. Infelizmente, esses
relatórios foram tratados pelos estados-maiores como exercícios acadêmicos e não foram
devidamente aproveitados.669
Em complemento, existiam palestras formais proferidas por renomadas
personalidades da GB como o rei, o primeiro-ministro, os demais ministros, comandantes
de força, almirantes, brigadeiros e generais, além de visitas de estudo, viagens no país e no
exterior. Richmond, pessoalmente ministrava algumas palestras. Uma de suas palestras
favoritas tinha o título de “Os objetos de guerra”, no qual discutia com a turma aspectos
importantes de estratégia e política, procurando formular princípios e conclusões com
argumentação bem fundamentada.
O então assistente de ensino de Richmond, depois almirante, Sir Gerald Dickens,
comentou o seguinte sobre suas preleções;
Sua [de Richmond] erudição geral, seu vasto conhecimento de históriamilitar e naval, seu poder de análise e exposição, sua disposição de ouvircada ponto de vista apresentado, trouxe imediatamente a atenção erespeito de todos que trabalham com ele.670
Richmond, por ser excessivamente voltado para assuntos navais, ofendeu algumas
vezes oficiais de outras forças, principalmente da Força Aérea Real. Um desses oficiais, o
comandante de grupo Phillip Joubert de la Ferte comentaria que Richmond dizia sempre
que “a Marinha vinha primeiro, em último e em todas as circunstâncias, e que se dane a
história se ela disser outra coisa”.671 Muitos de seus acusadores diriam posteriormente que
ele não percebia com clareza a importância do poder aéreo. Richmond certamente tinha
668 Carta de Herbert Richmond para William Henderson de 3 de setembro de 1926. Fonte: Ibidem, p.158.669 Ibidem, p.158. Muitos desses exercícios retrataram, com grande exatidão, situações que ocorreramposteriormente na Segunda Guerra Mundial.670 MARDER, op.cit. p. 28.671 HUNT, op.cit. p. 160.
218
arestas com oficiais da Força Aérea. Diria ele, maldosamente, que eles eram mentalmente
inferiores aos oficiais das outras forças e que “alguns dos trabalhos por eles escritos eram
quase produtos de crianças parcialmente educadas”.672 Uma maldade certamente, no entanto
Barry Hunt acreditou que todo esse preconceito era baseado na estratégia de terror
defendida por muitos aviadores ingleses de bombardear maciçamente áreas urbanas, uma
distorção moral não aceita, pois não correspondia ao modo inglês de conduzir a guerra,
segundo Richmond. Prosseguiu Hunt, afirmando que a filosofia de política imperial naval
explícita comentada por Richmond não justificaria o slogan pejorativo adotado pelos
oficiais da Força Aérea de “Marinha primeiro, em último e em todas as circunstâncias”.673
Uma malidicência contra Richmond com toda a certeza.
O novo Primeiro Lorde do Mar era o almirante Sir Charles Madden desde julho de
1927, que não simpatizava com Richmond. Madden fora chefe do estado-maior e dileto
amigo de Jellicoe no comando da Esquadra em 1916 e assim um adversário tanto de Beatty
como de Richmond. Além disso, era um oficial de difícil trato, bem mais velho e antigo que
ambos, já tendo sido agraciado com o título de barão pelo rei em 1919. Richmond sabia
que, a partir daquele momento, contaria com um grande inimigo no Almirantado.
Nesse período Richmond lançou três livros. O primeiro recebeu o nome de Command
and Discipline674 ,uma antologia de passagens escritas por autores renomados de história
militar e naval. Essa obra foi dividida por Richmond em dois grupos, o primeiro com frases
relativas a “arte” de comandar, o segundo relativo à disciplina, com um total de 14
capítulos. A escolha dos autores por Richmond já indicava os seus textos militares
preferidos. Ele nutria forte admiração por Lorde Horatio Nelson, a exemplo de Mahan,
transcrevendo sete verbetes desse herói inglês. Admirava também intensamente o próprio
Alfred Mahan com 14 verbetes, o marechal Ferdinand Foch, com dez verbetes, e Napoleão
com sete verbetes. Ao todo, transcreveu dezenas de verbetes de cerca de 90 personagens.
Seus heróis ingleses admirados eram além de Nelson, Wellington e Lorde Saint Vincent.
Interessante notar que Richmond não mencionou nenhuma vez nem Laughton nem Corbett,
influências importantes em sua vida acadêmica.
672 Carta de Herbert Richmond a William Henderson de 15 de setembro de 1928, dia de seu aniversário.Fonte: Ibidem, p.161.673 Idem.674 RICHMOND, Herbert. Command and Discipline. London: Edward Sanford, 1927.
219
Nesse mesmo ano, Richmond lançou o Naval Warfare675 que era composto de dois
grandes capítulos, ambos retratando palestras ministradas por ele no King´s College na
primavera de 1926. O propósito desse livro era estabelecer, por uma forma simples e direta,
em um texto enxuto, “os amplos princípios básicos que cobrem o uso do poder marítimo na
guerra”, segundo suas próprias palavras676. Na primeira parte, Richmond procurou
estabelecer princípios gerais e objetos da guerra no mar, correlacionando esses princípios
com a história naval. Na segunda parte, ele abordou os diversos tipos de operações navais
que podiam ser conduzidas, principalmente a defesa do comércio marítimo e defesa contra
invasões. A sua linguagem era direta e simples, podendo ser compreendida por leigos, sua
principal audiência.
Em 1928 Richmond lançou o terceiro livro desse período, o National Policy and
Naval Strength677. Tratava-se de uma compilação de diversas palestras ministradas por ele
na Academia Britânica678, de artigos no Naval Review, de conferências no RUSI e no
Instituto Real de Relações Internacionais, nas Universidades de Cambridge e de Londres e
na EGN-GB, sob o título de “políticas nacionais e força naval dos séculos XVII ao XX”,
sendo o primeiro livro de história que pode ser chamada de história popular, segundo
entendimento de Hunt679. Richmond solicitou que o prefácio fosse feito por seu amigo
Lorde Sydenham of Combe que apontou a importância do estudo da história para políticos
e uma crítica direta à política naval britânica adotada na Grande Guerra.
O livro foi dividido em 15 capítulos, cada um representando uma conferência distinta,
no mesmo modelo adotado por Mahan em suas diversas obras escritas. Os capítulos
históricos referem-se às políticas nacionais e poderio naval; à utilização de estratégias
combinadas por parte da Marinha e do Exercito britânicos nos séculos XVII e VIII;
algumas influências do poder marítimo na Guerra de 1914 a 1918; a estratégia naval inglesa
na Guerra de Sucessão da Áustria, um de seus temas favoritos; a influência do poder
marítimo na guerra contra a França na América do Norte e Índia entre 1744 e 1762; as
reformas conduzidas por Sir James Graham no sistema de comando e administração do
Almirantado no início do século XIX; a atuação de corsários franceses contra as linhas de
675 RICHMOND, Herbert. Naval Warfare. London: Ernest Benn, 1927.676 Ibidem, p.iii.677 RICHMOND, Herbert. National Policy and Naval Strength. London: Longmans and Green, 1928.678 Chamadas de Palestras Raleigh de História.679 HUNT, op.cit. p. 130.
220
comunicação inglesas e por fim a importância que o poder marítimo teve e tem para o
Império britânico. Os capítulos teóricos se referem à importância da cooperação no
estabelecimento de políticas e estratégias nacionais; a importância de se informar os
subordinados; um outro concernente à reflexão e discussão de temas de história e
estratégia; o lugar da história na educação naval; o uso que deve ser feito dos estudos de
história e uma bela discussão sobre os cruzadores de batalha, uma criação de Fisher.
Esse livro foi voltado para historiadores, especialistas em guerra naval, políticos e
oficiais de marinha, tornando-se, dessa maneira, um texto básico para se compreender o
pensamento de Richmond.
Em dezembro de 1928 ele deixou o CID e em outubro do ano seguinte foi promovido
a almirante-de-esquadra, apesar da oposição de Madden. Essa promoção não significou
novas comissões de maior prestígio, muito pelo contrário. A única função que lhe foi
confiada foi ser Presidente da Conferência Internacional para a Segurança da Vida no Mar,
muito insignificante para a o seu intelecto e preparação profissional. Madden não lhe deu
mais nenhuma função a partir daí.
O que veio a complicar ainda mais a sua situação foi uma série de artigos que
Richmond escreveu para o periódico The Times em 21 e 22 de novembro de 1929, cujos
títulos foram Menores Marinhas - um padrão para todas e O Navio Capital680. Neles
Richmond atacou veementemente a política naval vigente na GB ao propor o absurdo,
segundo ele, de procurar uma fórmula para limitar o número de navios de cada poder
marítimo. Sugeria ele que cada Nação deveria procurar seus próprios números, de acordo
com seus interesses no mar e não em relação a seus oponentes. Para ele, a única forma de
limitar cientificamente o poder de uma Marinha de guerra era controlar o tamanho de cada
navio individualmente, mas nunca a Marinha como um todo. Os navios a serem construídos
deveriam estar limitados pela autonomia em cerca de 8000 milhas a 15 nós de velocidade,
velocidades entre 24 e 28 nós e capacidade de combate com canhões até 6 polegadas. Essas
qualidades corresponderiam a um cruzador de cerca de 10.000 toneladas681. A lógica de seu
pensamento determinava que as Marinhas concorrentes teriam uma tonelagem total
acertada por acordos internacionais. Disse ele o seguinte:
680 Os títulos em inglês foram Smaller Navies. A Standard to All e The Capital Ship, publicados no The Timesde Londres. 681 No subitem 3.3.3 serão discutidas, com maior intensidade, essas idéias de Richmond.
221
As Nações deveriam ser livres para distribuir a tonelagem em seuspróprios navios como quisessem, tendo como parâmetros o armamento, aproteção, a velocidade e a autonomia. Esses requisitos podiam todos seralcançados dentro da tonelagem menor que 10.000 toneladas, de modo aque tal tonelagem lhes dessem condições de atender os requisitospróprios de cada política de defesa.682
Richmond já havia defendido esses pontos de vista anteriormente e eles não
agradaram ao Almirantado que ainda defendia a construção de grandes navios
encouraçados, dentro da tradicional concepção de Alfred Mahan de batalha decisiva.
Richmond defendia a construção de cruzadores menores em detrimento dos grandes navios
encouraçados, afirmando que se perdeu na conferência do desarmamento de Washington de
1922 a chance de diminuir uma futura escalada de construção de grandes navios, sem
sacrificar a segurança dos Estados envolvidos. Em uma palestra proferida por ele em abril
de 1926 em Chatham House defendeu esses pontos de vista, criticando duramente o
Almirantado. Foi, então, imediatamente repreendido pelo vice-almirante Frederick Field,
vice-chefe do estado-maior naval que determinou que naquelas circunstâncias Richmond
deveria se refrear de declarações públicas que viessem a embaraçar o Almirantado em
questões que envolvessem projetos de força e políticas navais. Por estar ainda sob a batuta
de Beatty, a questão foi abafada e nada ocorreu.
Nesse novo caso que surgiu Beatty já estava na reserva e o Primeiro Lorde do Mar era
Madden, seu inimigo declarado. Novamente houve uma reprimenda pública, com a
intenção de forçá-lo a transferir-se para a reserva, no entanto, desta feita, em março de 1930
Richmond recebeu uma carta do Primeiro Lorde do Almirantado A V Alexander
informando-o de que não haveria uma nova comissão para ele naquele ano.
Logo em seguida, foi preterido novamente para um grande comando de força naval no
mar. O novo Primeiro Lorde do Mar era o almirante Frederick Field, o mesmo que o
repreendera quatro anos antes pelo mesmo motivo. Field insinuou, então, que precisava da
vaga de Richmond para acelerar as promoções dos postos abaixo.683 Era a máxima
682 MARDER, op.cit. p.30.683 Ibidem, p.31.
222
humilhação que Richmond poderia suportar. Em abril de 1931 Richmond era transferido
para a reserva, sob forte emoção e frustração.
Embora não imaginasse na ocasião, Richmond começaria uma nova etapa em sua
vida, etapa que muito o agradaria.
3.1.3- Uma carreira de realizações acadêmicas;
Richmond afastou-se, imediatamente, para sua casa localizada em Great Kimble no
Condado de Buckinghamshire a sudeste da Inglaterra. Nesse período, ele continuou suas
pesquisas e a escrever livros, procurando esquecer a sua saída da Marinha. Encontrou,
também, na jardinagem um derivativo. Eventualmente vinha a Londres ministrar palestras
na University College da Universidade de Londres e no Trinity College.
Pela primeira vez sentia uma grande liberdade em escrever o que bem entendesse,
sem as peias que o serviço ativo demandava de seus oficiais. Censuras não mais existiam.
Nos próximos três anos, de 1931 a 1934, foram lançados quatro livros de sua autoria.
O primeiro, The Navy in India 1763-1783684 uma densa obra histórica que foi terminada no
seu período de comando no Índico, só sendo lançada em 1931. Nesse livro Richmond
tentou demonstrar como a política tende a se subordinar a fatores materiais e
administrativos.685 Ele procurou indicar as causas que afetaram a estratégia e as influências
que governaram a tática empregada pelos comandantes na cena de ação, em especial o
duelo Hughes-Suffren e trazer à discussão as muitas circunstâncias de tempo, de
suprimentos, de saúde e materiais que tiveram um destacado papel na campanha686.
Suas buscas foram feitas em arquivos na Índia, África do Sul, Holanda, França e
Inglaterra, com farta documentação primária de referência. Sua análise concentrou-se nos
campos político, estratégico e operacional, no entanto isso não impediu que analisasse
algumas batalhas, a exemplo do que Mahan fizera em seu The Influence of Sea Power upon
History, obra inclusive referenciada por Richmond. Ele chegou a mencionar que não tinha
o propósito de detalhar os movimentos de esquadras ou navios individuais, já devidamente
684 RICHMOND, Herbert. The Navy in Iìndia 1763-1783. London: Ernest Benn, 1931. 685 HUNT, op.cit. p. 136.686 RICHMOND, The Navy in India, op.cit. p. 13.
223
descritas por outros autores687. Ele procurou, no entanto, discutir questões estratégicas com
maior profundidade que Mahan.
As operações navais realizadas naquele teatro de operações do Índico foram
influenciadas pelas operações em terra, o que se afastou da idéia de Mahan sobre a
centralidade da guerra no mar. A conclusão mais interessante dessa obra de Richmond foi
que o poder marítimo, em íntima cooperação com o poder terrestre, foi o elemento
fundamental para preservar o comércio britânico no subcontinente indiano.
O segundo livro lançado em 1931 foi o Economy and Naval Security: a plea for the
examination of the problem of the reduction in the cost of naval armaments on the lines of
strategy and policy688. Richmond, ao escrever esse livro, tinha o propósito de discutir o
problema da redução do custo dos armamentos navais em relação à estratégia e à política.
Logo no início de sua discussão apontou que não existia uma concordância geral em
relação a economia nacional e os requisitos de segurança. De acordo com uma primeira
linha de pensamento, os armamentos eram a causa da guerra, logo se reduzindo o gasto em
armas as chances de guerra diminuiriam. Em uma segunda linha de pensamento, o
propósito seria o inverso, assim a compra de armamentos teria um efeito coercitivo e assim
dissuadiria qualquer país de se aventurar em um conflito. Uma terceira linha, do qual
Richmond era partidário, preconizava que o propósito dos armamentos era obter segurança.
Se gastar mais em armas significasse maior segurança, se deveria gastar mais. Se o
adversário mantivesse, segundo a sua visão, o nível adequado de segurança, haveria
economia e sua discussão centrou-se nesse caso específico.689
O livro, assim, foi dividido em sete capítulos, sendo o primeiro a discussão dos
requisitos necessários dos princípios que governavam o poderio de Marinhas de guerra em
diversas operações navais específicas. Em seguida, Richmond analisou o tamanho ideal dos
navios de combate em relação ao armamento, velocidade, autonomia e capacidade de
combate. Nos capítulos seguintes procurou discutir os princípios que limitavam o poder
naval em termos de qualidade e quantidade, combinados com as necessidades de economia,
com a competição internacional e a segurança de cada país690 e as objeções e limitações que
687 Ibidem, p.13.688 RICHMOND, Herbert. Economy and Naval Security: a plea for the examination of the reduction in thecost of naval armaments on the lines of strategy and policy. London: Ernest Benn Ltd, 1931.689 Ibidem, p.11.690 Ibidem, p.127.
224
surgiram nessas configurações de força, para em seguida terminar o livro com um sumário
de suas conclusões, indicando uma abordagem didática interessante e original.691
O livro seguinte por ele lançado foi o Imperial Defence and Capture at Sea in War692
que tratou de questões envolvendo dois grupos de capítulos distintos. O primeiro grupo
composto de seis capítulos abordou a questão da defesa imperial, discutindo aspectos
políticos envolvidos na guerra e na paz, e um tema que muito o interessou que foi a defesa
do comércio marítimo da GB e a defesa contra invasões. No segundo grupo de capítulos,
quatro no total, analisou a questão, sempre sensível, de capturas marítimas em alto-mar no
caso de guerra.
Embora Richmond tenha apresentado uma re-configuração original do sistema de
defesa do Império693 logo no início de sua apresentação, sua aceitação não foi unânime
entre os historiadores e analistas. Muitos criticaram suas concepções como dissociadas da
realidade, que começava a se alterar, afetando o relacionamento das unidades políticas
dentro do Império. Schurman comentou que qualquer que fosse sua lógica na apreciação
militar naquela oportunidade, para se encaixar em situações estratégicas correntes, essas
situações não mais existiam em 1932. Disse ele que “apesar de seu conhecimento em
assuntos de política naval, uma cabeça como a de Richmond não estava preparada para
lidar com a natureza das mudanças de relações na Comunidade Britânica que afetavam a
base das concepções estratégicas”.694
Hunt também criticou Richmond, afirmando que sua concepção de defesa era amorfa,
e algumas vezes ambígua em relação as suas implicações, não tendo ele se baseado em
qualquer discussão teórica de relações internacionais. Além disso, acreditava que
Richmond, como todos os ingleses de sua geração, não eram “sensíveis às forças
nacionalistas que se desenvolviam no seio do Império e a natureza mutante das conexões
que mantinham o Império coeso”695.
Por outro lado, essas críticas não foram unânimes. O historiador Robin Higham
afirmou que:
691 Ibidem, p.221.692 RICHMOND, Herbert. Imperial Defence and Capture at Sea in War. London: Hutchinson & Co, 1932.693 Ibidem, p. 11. 694 SCHURMAN, op.cit. p. 129.695 HUNT, op.cit. p. 135.
225
O Imperial Defence and Capture at Sea in War continha uma grandequantidade de sábias lições. Diferentemente de muitos outros autores,Richmond estava preocupado com as funções das Forças Armadas emtempo de paz e de guerra. O combate tinha mais visibilidade e interessepara a imaginação da opinião pública, no entanto a sobrevivênciadependia de que preparativos fossem realizados não só para a guerra, mastambém para se evitar a guerra. Dessa maneira as tarefas das ForçasArmadas, em períodos entre conflitos, eram a preservação da ordem,manutenção para a guerra e treinamento.696
Seja como for, trata-se de um livro que, mercê todas as críticas, tem uma grande
importância, pois discute intensamente conceitos importantes sobre defesa.
Seu livro seguinte foi Naval Training697 de 1933. O tema desse livro foi um de seus
favoritos, a educação e o treinamento do pessoal da Marinha Real. Os primeiros rascunhos
foram escritos em 1918 quando ele assumiu a função de chefe da divisão de treinamento do
Almirantado698. Desde muito cedo, Richmond se envolveu com a área de ensino da
Marinha. No seu tempo de assistente de Lorde Fisher ele já pôde perceber as alterações
conduzidas por seu chefe na área de treinamento e ensino que vieram modificar totalmente
a política naval até então. Richmond, a partir daí, começou a formular a sua própria
concepção e procurou aproximar a Marinha da academia e implementar novos métodos de
ensino, tais como estudos de caso e discussões dirigidas. Além disso, acreditava que se
deveria aumentar a carga de estudos de história naval e estratégia nos cursos de altos-
estudos. Afinal Richmond fora tanto diretor da EGN-GB como do CID, o que acreditava
lhe conferia credibilidade o suficiente para apontar os defeitos no sistema de ensino naval e
militar.
Esse livro tem a importância de ser uma história concisa da educação dos oficiais
ingleses e uma análise crítica dos métodos existentes de seleção e treinamento dos entrantes
na Marinha.699 Acreditava que a Marinha deveria abolir a entrada de jovens adolescentes de
13 ou 14 anos, como inclusive foi o seu caso e de toda a sua geração, em prol da entrada de
jovens mais velhos com idades entre 16 e 18 anos, provindos de escolas públicas. O livro
foi composto de 11 capítulos e um sumário, a exemplo da metodologia que ele utilizou em
696 HIGHAM, Robin. The Military Intelectuals in Britain: 1918-1939. Westport: Greenwood Press Publishers,1966, p.53.697 RICHMOND, Herbert. Naval Training. London: Oxford University Press, 1933.698 HUNT, op.cit. p. 212.699 Ibidem, p.212.
226
Economy and naval security. Richmond concluiu seu livro dizendo que a entrada de jovens
na Marinha deveria ser por exame, provindos de escolas públicas, onde os diretores
deveriam testemunhar qualidades nos candidatos, tais como capacidade de influenciar os
colegas, liderança, caráter, habilidades especiais e requisitos atléticos. Os exames
obrigatórios seriam em matemática, língua estrangeira, história geral, grego e o latim,
matemática superior, ciência natural, uma segunda língua estrangeira, história européia,
geografia e economia. Seu plano de carreira previa um tempo de 18 meses como aspirante,
basicamente em terra e algumas viagens de treinamento, dois anos no mínimo no mar como
aspirante e guarda-marinha, avanço a tenente se recomendado por seu comandante, por um
período de mais dois anos e EGN-GB como tenente durante mais um ano. Previa ele que
entre 22 e 24 anos de idade o oficial estaria apto para funções de assessoramento em
estados-maiores.700
Nesse período, Richmond aproximou-se do crítico militar Sir Basil Liddell Hart701
depois dos elogios do primeiro em relação a biografia de William Tecumseh Sherman
escrita por Hart. Os laços se estreitaram quando Richmond contou a Hart os seus
infortúnios a respeito de suas opiniões sobre as dimensões dos navios, o que provocou
como punição a sua indisponibilidade e posterior afastamento do serviço ativo da Marinha.
Hart, imediatamente, ofereceu-se para utilizar suas conexões com membros do gabinete de
James Ramsay Mac Donald, dentre os quais se destacava Lorde Thompson, Ministro da
Aeronáutica e rediscutir aquela situação. A morte de Lorde Thompson em um acidente
aéreo pouco depois abortou essa iniciativa, no entanto Richmond e Liddell Hart
mantiveram-se em contato até a morte do primeiro.
Em fevereiro de 1934 a vaga de Holland Rose em Cambridge foi aberta, depois de
dois anos de docência. O nome de Richmond foi eleito pela congregação da universidade
para assumir essa vaga por um período de dois anos.702 Era realmente uma grande honra
para um oficial de marinha ser professor daquela prestigiosa universidade, inclusive por
que Richmond tinha duas obras fundamentais de história que lhe davam credenciais mais
que relevantes, The Navy in the War of 1739-1748 e The Navy in India, seus dois livros
mais importantes e conhecidas no meio historiográfico. O próprio professor Rose diria que700 RICHMOND, Naval Training, op.cit p.141.701 Autor de diversos livros de história militar e formulador da teoria de aproximação indireta em estratégia.702 A cadeira assumida por Richmond era chamada de Vere Harmsworth de história naval e imperial. Ver item3.1.1.
227
“Richmond não possui somente um belo currículo no serviço ativo naval, ele tem estudado
profunda e longamente a história da Marinha e sua influência em nosso desenvolvimento
nacional e além mar”.703
George Trevelyan, seu cunhado e amigo íntimo, professor régio704 de história
moderna em Cambridge, diria posteriormente que a escolha do nome de Richmond foi
marcada por sua “eminência como historiador em razão da idade limite que afetava o corpo
docente, ele só poderia permanecer por dois anos, porém sentimos que suas qualificações
eram tão grandes que mesmo essa desvantagem poderia ser relevada. Ele era um excelente
professor e palestrante”705
Richmond dedicou-se de corpo e alma, com extrema alegria, a nova carreira docente.
Além disso, tornou-se mais tolerante com opiniões contrárias as suas. Toda a sua
agressividade e prepotência foram deixadas para trás. Parecia que tinha nascido para ser
professor de história, sua terceira grande paixão, depois da família e da Marinha Real. Ele
foi reconhecido em Cambridge como um educador gentil, paciente, sensível e charmoso.706
Sua vitalidade e dedicação foram muito apreciadas por seus alunos e colegas professores.
Além disso, desenvolveu um refinado senso de humor que fazia de suas aulas um delícia de
ser assistida. Richmond, também, era fluente em francês e italiano, o que facilitava suas
pesquisas e referências em sala de aula, pois indicava as diferentes visões de outros autores
estrangeiros.
Nesse período de docência Richmond lançou novo livro Sea Power in Modern
World.707. Nessa obra ele retornou ao tema de segurança e voltou a criticar as doutrinas em
voga nas Marinhas dos anos 30 que enfatizavam a quantidade de meios e as grandes
dimensões dos navios, em detrimento de razões estratégicas e políticas. Reconheceu que
um bloqueio naval só seria efetivo se um poder marítimo estivesse aliado a um poder
terrestre, aproximando-se do pensamento de seu querido amigo Julian Corbett.
Richmond nesse livro, também, apontou que o poder marítimo era o melhor
instrumento político e estratégico do que o nascente poder aéreo, pois o primeiro poderia
transportar grandes quantidades de tropas pelo mar e manter essas tropas lutando em um703 HUNT, op.cit. p. 217.704 Título correspondente a catedrático ou professor titular. Trevelyan posteriormente seria Reitor do TrinityCollege em Cambridge. Fonte: Ibidem, p. 218.705 TREVELYAN, op.cit. p. 12.706 HUNT, op. cit. P. 217.707 RICHMOND, Herbert. Sea Power in Modern World. London: G.Bell & Sons, 1934.
228
teatro de operações afastado, com boa cadeia logística, ao contrário da Força Aérea,
limitada pela dimensão restrita de seus meios. Concluía, assim, que o poder marítimo era
um poder mais adequado a segurança coletiva que o poder aéreo, o que mais uma vez
trouxe a insatisfação de seus colegas da Força Aérea.
Richmond dividiu o livro em nove capítulos, iniciando uma discussão interessante
sobre poder marítimo e Alfred Mahan para em seguida analisar as causas, elementos,
limitações e mudanças ocorridas no poder marítimo708. Sua comparação entre os poderes
aéreo e marítimo se seguiu, além da sempre presente discussão sobre os números de navios
das Marinhas de guerra e suas implicações; uma análise sobre a arma submarina e a
segurança individual e coletiva, terminando com um capítulo referente aos modernos
instrumentos do poder marítimo.
Depois de dois anos de docência e ao ver expirar o seu período na cadeira Vere
Harmsworth, Richmond foi eleito pela própria congregação de Cambridge para assumir a
reitoria do Downing College, um dos colégios da universidade, onde permaneceria até o
seu falecimento.
Esse período como reitor foi um dos mais produtivos e felizes de sua vida. Entre 1936
e 1946 escreveu mais cinco livros, além de opúsculos e artigos para diversas revistas e
periódicos. Além de se realizar como administrador universitário, Richmond ainda proferia
inúmeras palestras. Foi agraciado com o título de doutorado honorário pela Universidade de
Oxford, como membro efetivo da Academia Britânica e membro associado da Academia de
Marinha da França.
Na revista de Cambridge, um dos editores escreveu o seguinte sobre o reitor
Richmond:
Seu charme [de Richmond] e sua afabilidade demonstraram como elesabia bem encorajar jovens. Ele levou a sua função muito seriamente.Sentia-se como um comandante de navio, preocupado primariamentecom o bem-estar de toda a tripulação[...] a modéstia de Richmondproduziu uma boa expectativa em ter sua companhia no campus[...] comochefe do campus acreditava na expressão ‘bando de irmãos’709 e provouque essa crença se espalhava por todos.710
708 Esses conceitos serão detalhadamente discutidos no item 3.3.709 Em inglês ‘band of brothers’, expressão comumente utilizada por Lorde Horatio Nelson para designar osseus comandantes de navios.710 Retirado do Cambridge Review de 25 de janeiro de 1947, escrito por W.L. Cuttle. Fonte:HUNT, op.cit. p.218.
229
Richmond observou, com preocupação, nos períodos anteriores à guerra de 1939 o re-
armamento da Alemanha e a doutrina que privilegiava unicamente a batalha decisiva entre
grandes esquadras, em prol de uma estratégia voltada para o ataque às linhas de
comunicação. Temia que a Marinha Real não tivesse cruzadores em número suficiente para
se contrapor aos alemães que iniciavam, com afinco, a construção de encouraçados de
menores dimensões, os chamados “encouraçados de bolso” que tinham a missão de atacar o
tráfego marítimo. Durante anos Richmond defendera a concepção de se aumentar o número
de cruzadores, em detrimento dos grandes encouraçados e isso lhe trouxera o rancor do
Almirantado e seu posterior afastamento da Marinha.
Em 1937 Richmond lançou o The Navy711, um livro destinado a compor uma série de
três obras sobre defesa nacional destinada a explicar, em linguagem simples, para o
‘homem comum’ a dimensão, alcance e limitação dos diversos setores governamentais
ligados à segurança nacional. Cada um dos três livros foi escrito por um especialista, o da
Força Aérea pelo vice-marechal do Ar E. L. Gossage, o do Exército pelo brigadeiro R.H.
Dewing e o da Marinha por Richmond. Nesse livro de pouco mais de 125 páginas,
Richmond fez um sumário da história naval britânica, devotando uma grande parte para
explicar a importância da Marinha para a defesa do Império na guerra moderna e na
proteção das suas linhas de comunicação. Foram escritos nove capítulos em que ele
discutiu, em linguagem de fácil compreensão, os problemas envolvidos na defesa, os
princípios gerais da guerra marítima, sua dimensão apropriada, além das bases disponíveis,
tamanho dos navios e abastecimento da Marinha Real para a defesa do Império.
Ao ser deflagrada a guerra em 1939, Richmond se envolveu diretamente no esforço
de guerra, assumindo a função de chefe da junta de recrutamento universitário de
Cambridge, selecionando no meio universitário jovens que pudessem ser aproveitados pela
Marinha por suas qualificações pessoais. Muitas vezes o Almirantado não aproveitava suas
sugestões, o que o deixava frustrado, chegando a escrever a seus colegas almirantes que “o
Almirantado imputa pouco valor ao estudante universitário como um oficial de marinha em
potencial”.712 Isso não o impediu de ser um importante consultor em assuntos de estratégia
711 RICHMOND, Herbert. The Navy. London: William Hodge & Co Ltd, 1937. 712 HUNT, op.cit. p. 223.
230
para esse mesmo Almirantado. Roskill chegou a dizer que “entre 1939 e 1945 Richmond
agia como um consultor não oficial da Marinha e claro não pago na divisão de
recrutamento”.713
Ele foi, também, um crítico ferrenho do bombardeio estratégico contra centros
urbanos que ele classificava como ataques terroristas contra a população civil. Considerava
que nesses bombardeios não existiam alvos estratégicos militares de valia e por isso eram
ineficazes e produziam resultados políticos devastadores, além de serem moralmente
reprováveis.714
Em 1940 Richmond sofreu um violento ataque cardíaco que quase o levou a morte.
Embora continuasse escrevendo, seu vigor físico ficou abalado.
Em 1941 ele lançou dois pequenos livros. O primeiro British Strategy. Military &
Economic. A Historical Review and its Contemporary Lessons715. O propósito de Richmond
com esse livro era discutir um problema estratégico que se apresentou ao poder político
desde os tempos elizabetanos. Como conciliar o poder nacional em suas várias formas, com
os armamentos disponíveis e os esforços provindo de seus aliados ? Perguntava de que
maneira poderia a GB melhor empregar seus instrumentos de combate, juntamente com o
seu poder econômico e posição geográfica, em combinação com as forças militares de seus
aliados ? Deveria atacar as forças inimigas em terra ou suas linhas de comunicação ?
Segundo ele, esse poder nacional consistia não somente de forças navais e terrestres de
combate, mas também de suas finanças, seu comércio e sua situação geográfica. Dizia que
isso não era um problema de fácil resolução e nem sempre o poder nacional se apresentava
da mesma forma em todos os períodos históricos. O tema do livro deveria gravitar, assim,
em torno do que ele chamou de “guerra econômica”.716
Richmond dividiu esse pequeno livro de pouco mais de 150 páginas em oito
capítulos, iniciando sua discussão pelas guerras elizabetanas, passando pela chamada
Guerra dos Nove Anos, as Guerras de Sucessão Espanhola e Austríaca, a Guerra de Sete
Anos, a Guerra da Revolução Americana, as Guerras da Revolução e Napoleônicas,
terminando com as guerras do século XIX e a Grande Guerra de 1914 a 1918. Uma grande
713 ROSKILL, The Richmond Lecture. op.cit. p. 145.714 HUNT, op.cit. p. 222.715RICHMOND, Herbert. British Strategy. Military & Economic. A Historical Review and its ContemporaryLessons. Cambridge: Cambridge University Press, 1941.716 Ibidem, p. viii.
231
omissão foi a falta de discussão das Guerras Anglo-holandesas, que podem ser
consideradas como um marco importante para o estabelecimento do poder marítimo inglês,
conforme discussão no capítulo um.
O segundo livro lançado em 1941 foi o The Invasion of Britain : an account of plans,
attempts & counter-measures from 1586 to 1918717, publicado sob os auspícios da
Associação Histórica Britânica. Nessa pequena obra de apenas 80 páginas ele discutiu as
tentativas de invasão do Reino Unido desde a aventura espanhola de 1586 até o final de
1918 e as medidas tomadas para frustrá-las. Trata-se, assim, de um livro essencialmente de
história naval para um público não especializado. O interessante é que Richmond utilizou,
além de documentação do NRS, livros de referência de seu grande amigo Julian Corbett
com os seus clássicos Some Principles of Maritime Strategy, Drake and the Tudor Navy,
Successors of Drake, England in the Mediterranean, England in the Seven Years War,
Campaign of Trafalgar e War of 1914-1918. Outros autores por ele referenciados foram
John Knox Laughton, J.B. Black, Holland Rose, E. B. Powley, Rauol Castex entre os
principais.
Em 1943 Richmond escreveu um livro que seria a ele associado da mesma forma que
o The Influence of Sea Power upon History estava associado a Alfred Mahan, Statesmen
and Sea Power. Essa obra foi baseada em palestras por ele proferidas na Universidade de
Oxford sob o título de Palestras Ford718 sobre a estratégia britânica desde Elizabeth I. O
propósito desse livro era apresentar uma ampla idéia dos fundamentos de estratégia
marítima. Nessa grande obra Richmond contou com o auxílio inestimável de sua filha
Eleonor Faith, por ele chamada de Nora. Arthur Marder afirmou que Statesmen and
Seapower foi o melhor de seus livros, tendo muitos historiadores afirmado, inclusive, que
foi sua obra-prima, uma expansão mais aperfeiçoada de suas palestras originais em Oxford
em 1943. O livro é uma investigação penetrante do uso do mar pela GB do século XVI até
a Segunda Guerra Mundial.719 Robin Higham disse também que :
O melhor trabalho de Richmond veio depois de 1940 quando eleproduziu seu clássico Statesmen and Seapower, no qual em amplavarredura procurou educar políticos e oficiais de marinha na forte
717 RICHMOND, Herbert. The Invasion of Britain an account of plans, attempts & counter-measures from1586 to 1918. London: Methuen & Co Ltd, 1941.718 Ford Lectures em inglês.719 MARDER, op.cit. p. 41.
232
correlação entre a política e a estratégia militar. Nele ele discutiu doistemas mais importantes: o que foi e o que deveria ser a política naval dogoverno e do Almirantado e como ela foi conduzida pelos oficiais emcomando com as forças que o país colocou à disposição. No Statesmenand Seapower em realidade suas palestras Ford em Oxford em 1943,Richmond apresentou com grande clareza o tema que mais tardedesenvolveria no seu inacabado Navy as an Instrument of Policy.720
O livro contou com nove capítulos apresentando a história da GB sob o ponto de vista
naval, fazendo incursões nos campos da política, da economia e das relações internacionais.
O interessante é que ele iniciou o seu relato definindo o que seria poder marítimo e seus
elementos constitutivos721 para, em seguida, afirmar que o homem público tem a
responsabilidade final na definição de objetivos nacionais e pelo desenvolvimento de
políticas visando o poder marítimo, tanto na guerra como na paz. Nesse ponto, Richmond
procurou repetir o conhecido historiador militar inglês Sir John Fortescue, que afirmou que
competia ao homem público decidir quando, onde e como atacar, demonstrando que as
Forças Armadas eram apenas armas da grande estratégia.
Desse modo, Richmond se aproximou de Clausewitz ao dizer que os políticos não
poderiam culpar as Forças Armadas por fracassos, quando as forçassem para uma guerra na
qual estivessem despreparadas. A esses políticos competia preparar as forças militares do
país para as guerras e essa função cabia a eles e somente a eles. Richmond disse também
que os políticos deveriam indicar a quantidade de força naval disponível em relação a
outros países, avaliando os instrumentos de ação, as bases, a capacidade de transportar bens
por mar, o treinamento dos combatentes navais e a capacidade da indústria naval em
responder às demandas. Dizia que os políticos não podiam permitir que a economia fosse
embotada por atores que tinham tradicionalmente desejado aproveitar-se de todos os
conflitos.722
Richmond, também, afirmou que o meio mais efetivo e barato de se evitar uma guerra
era ter uma força de dissuasão com credibilidade para que conflito não ocorresse. Sua
análise percorreu os nove capítulos com comentários relativos às políticas desde Elizabeth
I, que não escapou de suas críticas quanto a postura defensiva em relação a Espanha, ora
720 HIGHAM, op.cit. p. 58.721 Esse conceito e seus elementos serão apresentados no item 3.3,722 Ibidem, p. 59.
233
apoiando ações ofensivas no mar, ora impedindo ações mais efetivas contra os galeões que
vinham carregados de ouro e prata do Novo Mundo. Com os Stuart e depois com Cromwell
afirmou que a Marinha passou a ser um instrumento nacional, de modo a atingir os
objetivos políticos determinados, o que foi uma política acertada. Contra a França no século
XVIII as políticas britânicas oscilaram, ora em apoio a escola marítima, ora em apoio a
escola continental. Somente após a vitória da primeira escola foi possível se concentrar em
enviar tropas para lutar no continente europeu. Ele concluiu pela necessidade de se
fortalecer o poder marítimo como única forma de manter a integridade do Império.
O Statesmen and Seapower, embora fosse a sua melhor obra analítica, não devia ser
lida separada de uma obra, a sua última, publicada após sua morte, em 1953, com edição do
professor do Trinity College de Cambridge, E.A Hughes, The Navy as an Instrument of
Policy, 1558-1727.723. Richmond desejava escrever a sua principal obra de história e
estratégia, conforme seu desejo e no início dos anos 40 principiou a pesquisa do que viria a
ser esse livro.
Após o seu falecimento, Lady Richmond chamou o professor Hughes para analisar
algumas páginas escritas por seu marido, nas quais encontrava-se uma nota datada de 1 de
março de 1942 definindo o propósito dessa nova obra. O seguinte estava escrito no seu
frontspício:
O primeiro volume de minha história traça a utilização feita pelospolíticos da Marinha como instrumento de guerra de Elizabeth até o fimda Guerra do Norte de 1727. Eu pretendo conduzir esse projeto até aúltima guerra de 1918. Então essa guerra veio [de 1939] e pelos últimosdois anos eu não tenho sido capaz de me concentrar na guerra de 1914.Agora tudo está em jogo e se depois dessa guerra existir uma Marinha ouse o país se interessar e tomar medidas para assegurar que o seu povotenha consciência da importância do poder marítimo e aprendido, nãosomente por nossa terrível experiência, a não prejudicar a Marinha nessesanos fatais desde 1918, mas também pela longa experiência do passado,eu não posso predizer. Eu temo que o que ocorreu anteriormente venha arepetir-se e a Nação e o Império, mesmo se sobreviverem, repitam o errocom complacência. Desejo que alguém termine o livro com um segundovolume, tendo em vista o mesmo objeto que é explicar a estratégia deguerra, não a pequena estratégia, nem a tática, nem a explicação
723 RICHMOND, Herbert. The Navy as an Instrument of Policy, 1558-1727. Cambridge: CambridgeUniversity Press, 1953.
234
detalhada das campanhas, mas sim o esboço do que os ministros queriame como suas intenções foram transformadas em planos de ação.724
O desejo expresso por Richmond de que o segundo volume fosse completado por
outro historiador não foi figura de retórica. Ele compilou grande quantidade de material
primário para futura edição desse volume e declinou, com tristeza, de conduzir essa
empreitada por estar com a saúde abalada e por circunstâncias ligadas a outras atividades
tais como a guerra de 1939. O material estava disponível e Hughes, o editor do primeiro
volume, no prefácio, concitou os historiadores a se debruçarem sobre ele.725
Nessa primorosa obra Richmond utilizou 16 capítulos para descrever em detalhes a
Marinha Real dos Tudors e dos Stuart. Nos quatro capítulos seguintes abordou as três
Guerras Anglo-holandesas (o que foi auspicioso) e a Espanhola para, em seqüência, discutir
a Guerra da Liga de Augsburg em três capítulos, a Guerra da Sucessão de Espanha em
quatro capítulos e por fim a Guerra do Norte e Espanhola de 1718 e 1725. A documentação
por ele utilizada foi vasta e detalhada, com ênfase em fartas referências primárias e ampla
bibliografia de apoio. Essa obra foi a que mais lhe tocou e infelizmente permanece ainda
sem um término.
Os dois últimos anos de vida de Richmond foram de muita agonia, pois seu coração
falhava constantemente. Isso não impediu que publicasse diversos artigos no Naval Review
no The Times de Londres e no Fortnightly Review. Ele tinha 75 anos de idade quando
sofreu novo ataque cardíaco, vindo a falecer em 15 de dezembro de 1946, tendo sido
cremado em sua querida Universidade de Cambridge. Na elegia fúnebre, seu amigo íntimo
e colega de universidade, professor George Trevelyan diria o seguinte:
Em todas as relações de vida, ele [Richmond] era tão perfeito como podeser um homem e aqueles que estiveram mais perto dele conheciammelhor o que ele era. Quando a bondade e a beleza de caráter, muitosuperior ao que homens comuns podem demonstrar, estão unidos aopoder da mente bem disciplinada, podemos perceber a qual altura ohomem irmão pode alcançar.726
724 Ibidem, p. i.725 Idem.726 TREVELYAN, op.cit. p. 15.
235
Robin Higham diria sobre sua trajetória o seguinte :
Sir Herbert Richmond é uma das tragédias da Marinha Real. Apesar deter atingido altos postos, de ser um eficiente oficial e um marinheiro leal,não foi autorizado a exercer seus talentos no processo de tomada dedecisão política[...] em virtude de ciúmes entre as Forças Armadas, nãolhe foi permitido permanecer mais que dois anos no Colégio Imperial deDefesa e quando suas palavras começaram a influenciar os políticos, seviu afastado para o campo acadêmico. A perda para a Marinha Real setransformou em ganho para a história, pois ele se tornou um competenteintelectual no seu sentido mais amplo.727
Como uma coincidência do destino, Richmond nasceu em setembro assim como
Mahan. Veio a falecer em dezembro, assim como Mahan. Um ataque cardíaco o atingiu,
assim como a Mahan. Ambos tinha praticamente a mesma idade, Richmond 75 anos e
Mahan 74 anos de idade.
As trajetórias de ambos possuíam, também, pontos concordantes e discordantes
interessantes. Provindos de meios sociais distintos, Mahan de uma classe média militar
norte-americana e Richmond de uma família aristocrática da época vitoriana, ambos foram
oficiais de marinha. Tiveram certamente trajetórias distintas. Enquanto Mahan desgostava
da rotina naval e de exercícios navais, preferindo funções em terra que o afastassem o mais
possível daquele mundo, Richmond adorava a vida embarcada, tendo, inclusive,
comandado seis navios de combate, dentre os quais se destacou o encouraçado
Dreadnought, a fina flor da Marinha britânica. Seu pendor para a história se deu da mesma
forma que com Mahan, uma atividade inicialmente paralela à carreira, que se transformou
com o correr dos anos em atividade principal.
Mahan completou 40 anos de serviço, enquanto Richmond se aposentou da Marinha
com 46 anos de atividade. Ambos foram oficiais-generais, Mahan na inatividade e
Richmond no serviço ativo. Mahan escreveu cerca de 20 livros abarcando o período de
1648 a 1914, enquanto Richmond escreveu 17 obras do período de 1540 a 1945. O primeiro
livro de Mahan foi escrito na idade de 43 anos, enquanto que Richmond escreveu o seu
primeiro com 49 anos de idade, o que demonstra uma produção tardia de ambos. O período
727 HIGHAM, op.cit. p. 61.
236
profícuo de produção acadêmica de ambos variou de 30 anos para Mahan e 26 anos para
Richmond, o que aponta para uma similaridade produtiva.
Quanto à personalidade, ambos eram muito diferentes. Mahan era normalmente
modesto, religioso e tímido. Por seu lado, Richmond era vaidoso, muitas vezes arrogante e
prepotente, entretanto com o correr do tempo, principalmente após a sua transferência para
a reserva, tornou-se mais flexível e compreensivo com as falhas alheias. Ambos eram
casados, Mahan com três filhos, Richmond com cinco filhos e permaneceram casados por
muitos anos, Mahan por 42 anos e Richmond por 39 anos.
Talvez o principal ponto coincidente entre os dois tenha sido a atração que as Escolas
de Guerra Naval de seus respectivos países exerceram sobre ambos. A elas os dois se
ligaram fortemente, tornando-se professores renomados e posteriormente dirigentes dessas
organizações de ensino naval.
Em que pese alguns pontos importantes coincidentes, ambos perceberam
diferentemente a história. É exatamente o que será discutido no próximo item.
3.2- Herbert Richmond: um historiador sofisticado.
Donald Schurman, ao descrever as diferenças principais entre Mahan e Richmond728,
comentou que o último não estava preocupado com a questão do mérito da história como o
norte-americano. Richmond sempre se percebeu como um marinheiro que escrevia história
ao invés de um historiador que era obrigado a ir para o mar, uma clara alusão a Mahan.
Para ele a história era um veículo e não o destino final.729 Em que pese essa sua declaração,
os trabalhos historiográficos de Richmond primavam pela pesquisa acurada, sofisticação,
balanceamento de análise e pela profundidade da conclusão.
Richmond tinha todas as qualidades necessárias para ser um bom historiador. Como
dizia Marder, ele possuía uma “paixão pela descoberta e disseminação do que considerava a
verdade, um lúcido e sucinto estilo, profundidade de percepção, uma habilidade para
analisar situações e deduzir delas princípios fundamentais”.730 Nesse comentário de Marder
728 Para a descrição dos pontos coincidentes e discordantes na percepção da história e no ofício do historiadorentre Mahan e Richmond, ver Apêndice B). 729 SCHURMAN, op.cit. p. 131.730 MARDER, op.cit. p. 36.
237
já se percebe o primeiro ponto comum com Mahan, a instrumentalização de princípios
fundamentais deduzidos do estudo da história.
Richmond leu atentamente Mahan e concordou com diversas de suas conclusões, no
entanto nem todos os pontos lhe eram coincidentes. Ele trouxe, como Mahan, à ordem do
dia a discussão sobre a importância do poder marítimo na história, até com maior
abrangência analítica que Mahan, ao iniciar sua discussão a partir do período
imediatamente anterior a Elizabeth Tudor, em torno de 1540, quando reinava na Inglaterra
seu pai Henrique VIII. Sua abrangência foi até ao final da Segunda Guerra Mundial. Como
visto, Mahan iniciou sua análise, a partir do período anterior a Primeira Guerra Anglo-
holandesa, em torno do final da Guerra dos Trinta Anos em 1648, assim mesmo com pouca
discussão analítica. O que lhe interessava principalmente era a guerra naval ao final do
século XVII e em especial a guerra no mar dos dois séculos seguintes, com incursões nas
campanhas navais do início do século XX. Mahan morreu logo no início desse século e não
pôde perceber as influências que a tecnologia naval faria no modo de se combater no mar.
Outro ponto que o distinguiu de Mahan foi o estilo bem mais agressivo de seus
escritos, não poupando nada nem ninguém. Isso lhe trouxe dissabores e em última instância
o seu afastamento do serviço ativo da Marinha britânica. Sua pena ferina lhe trouxe muitos
inimigos, ao contrário de Mahan que possuía um estilo mais ameno, evitando grandes
choques de opiniões. Richmond apreciava a controvérsia e queria influenciar os seus pares
com suas opiniões, muitas vezes agressivas e descorteses.
Richmond era um produto da sociedade inglesa vitoriana, preocupado com a perda da
capacidade britânica de projetar poder e mais que isso, um observador da ascensão dos
EUA e do re-armamento da Alemanha após a subida de Hitler ao poder. Por outro lado,
Mahan era um produto direto da ascensão de seu país como um poder perturbador, dotado
de enorme capacidade industrial e fortalecendo-se militarmente. Além disso, defendia a
expansão dos EUA em direção ao Pacífico e ao Caribe, chegando a declarar explicitamente
que se considerava um imperialista. Disse ele o seguinte “eu sou com certeza um
imperialista, no sentido que acredito que nenhuma nação, e certamente nenhuma grande
nação deveria, daqui por diante, manter uma política de isolamento”731 Uma percepção
diferente da esposada por Theodore Roosevelt e Cabot Lodge, imaginava ele. Margaret
731 MAHAN, Alfred. From Sail to Steam. op.cit. p. 324.
238
Sprout apontou inclusive, confrontando as palavras de Mahan dizendo que em verdade ele
era “um propagandista da recriação do imperialismo do final do século XIX”.732
Richmond, em certa medida, também era um imperialista733, embora não o declarasse
explicitamente. Em seu livro Imperial Defence and Capture at Sea in War descreveu as
medidas que deviam ser seguidas pela GB para a defesa de seu vasto e indefeso Império.
Ele acreditava que as colônias do Império serviam para dois propósitos. O primeiro como
uma comunidade distante para o comércio com a metrópole e o segundo como uma base
avançada de defesa e de interesse da metrópole734. Ele não discutia o mérito do
colonialismo, embora temesse o que chamou de “state-patriotism”, uma ameaça a
cooperação de defesa entre o Reino Unido e as colônias735.
Tanto Mahan como Richmond tinham percepções idênticas no que diz respeito ao
papel de seus países no contexto internacional. Mahan acreditava que os EUA estavam se
projetando para trazer a civilização aos povos ‘pouco evoluídos’ e a intervenção norte-
americana em Cuba tinha o propósito de expulsar os colonialistas espanhóis dessas
paragens. Uma visão enviesada do que era “libertar” os cubanos do colonialismo. Por outro
lado, Richmond acreditava que a GB tinha o mesmo papel civilizador, embora não o
afirmasse explicitamente. Sua preocupação com a questão do nacionalismo em diversos
rincões do Império bem indicava para ele a necessidade de fortalecer essas regiões. Assim,
ambos espelhavam posições comuns. Mahan como um produto de um Estado que surgia no
papel de um poder emergente na arena internacional, dotado de grande poderio econômico
e industrial. E Richmond como um produto de uma comunidade que perdia prestígio e
poder rapidamente no Século XX, procurando, assim, com suas idéias, prolongar o mais
possível essa queda.
732 SPROUT, Margaret. Mahan: evangelist of Sea Power. op.cit. p. 415.733 Aqui o Imperialismo deve ser indicado como restrito à atividade de aquisição de colônias e/ou a açõespolíticas e militares de um governo no sentido de proteger os investimentos externos de seus cidadãos.Considerando desse modo, o conceito de imperialismo fica restrito a um estreito âmbito de práticas epolíticas. Estas são simples casos especiais de uma realidade muito mais complexa na busca de novosmercados extra-europeus, um subproduto da industrialização, uma corrida por novas colônias. Estes sãosimples casos especiais de uma realidade mais complexa, na qual existe o entrelaçamento do comércio com abandeira. Fonte: MAGDOFF, Harry. A Era do Imperialismo. São Paulo: Hucitec, 1978, p.188 apudMENDONÇA, Nadir Domingues. Uma questão de interdisciplinaridade. O Uso de conceitos. Petropolis:Vozes, 1985, p. 153. Em verdade tanto Mahan como Richmond defendiam esse conceito clássico deimperialismo como definido por Harry Magdoff. 734 RICHMOND, Herbert Imperial Defence and Capture at Sea in War. op.cit. p. 32. 735 Ibidem, p.35.
239
Richmond, como Mahan, não teve uma formação acadêmica formal em história. Ele
criou-se no rígido regime da Marinha britânica de organização e formalismo, alheio ao
campo da história, no entanto, ao contrário de Mahan recebeu diretamente de Laughton e
Corbett736 o treinamento, o incentivo e as técnicas de trabalho com fontes que lhe seriam
muito úteis quando escrevesse seus livros e lecionasse em Cambridge anos depois. Seu
cunhado George Trevelyan, historiador renomado em Cambridge, também, teve destacada
participação na sua preparação intelectual.
Ao contrário, Mahan foi um auto-didata, aprendendo mais pela leitura do que pelo
contato com profissionais da história. A importância da procura por fontes primárias por
parte de Richmond lhe foi incutido por Laughton, embora se baseasse, também, em obras
de outros autores, das quais se destacavam as de Julian Corbett e as do próprio Mahan.
Outros autores que lhe serviram de referência foram Laird Clowes, Holland Rose, John
Fortescue, James Graham e alguns teóricos militares franceses como Raoul Castex e
Marechal Foch, sem esquecer Antoine Henri Jomini.
Como visto, a obra de Mahan trazia em seu bojo o aspecto de regras práticas, a
exemplo dos escritos de Jomini, procurando transformar o fenômeno da guerra como algo
compreensível e de fácil entendimento para todos. “Aplique os princípios e tudo se
resolverá”, induzia Mahan. Richmond, ao contrário, apesar da convicção de que a história
deveria instruir e mostrar o caminho, procurou demonstrar que a guerra possuía sua própria
dinâmica e que nem sempre as “regras práticas” ao estilo mahaniano podiam ser usadas.
Schurman afirmou sobre esse fato que “suas investigações históricas corroboravam as suas
apreciações profissionais de que existia um sem número de forças que faziam com que as
decisões estratégicas se dificultassem”.737 A guerra era complexa e assim deveria ser
estudada, apesar de existirem princípios seguidos pelos vencedores.
A análise conduzida por Richmond transitava preferencialmente nos campos
operacionais e estratégicos, com incursões freqüentes ao campo da política, ao contrário de
Mahan que primava pelo detalhe tático das batalhas e de ações operacionais, com poucas
incursões na estratégia e na política. Richmond não se preocupava com a descrição das
ações táticas, embora considerasse necessário descrever ações táticas para a compreensão
736 Essas duas influências sobre o modo de proceder de Richmond como pesquisador e historiador serãoapresentados no próximo subitem.737 SCHURMAN, op.cit. p. 140.
240
do que ocorria nos níveis de decisão mais altos nos campos operacionais e estratégicos. A
estratégia era a sua grande fonte de pesquisa e de explicação. Ele estudava a história da
Marinha britânica como parte de seu treino como estrategista e educador, e ela servia para
indicar caminhos no futuro, a partir de exemplos do passado, de modo a serem formuladas
políticas navais condizentes para o tempo em que ele vivia. Queria, além disso,
compreender por que houve sucessos e fracassos britânicos a partir de decisões pessoais,
circunstâncias históricas e políticas adotadas ou deixadas de serem adotadas. Acreditava
que existiam condicionantes políticos, geográficos, tecnológicos e militares que desafiavam
as visões dos historiadores navais que limitavam o alcance de seus estudos do poder
marítimo nas simples operações das esquadras738, numa clara crítica à visão mahaniana.
A obra de Richmond é pouco menor que a de Mahan. Seus livros podem ser divididos
em três grandes grupos. O primeiro de obras históricas, em um total de sete livros. O
segundo grupo de obras de estratégia e política navais com um total também de sete livros e
por fim o terceiro grupo de edição de documentos históricos com três volumes739. Foram
escritos por ele, em complemento, mais de duzentos artigos e resenhas de livros lançados
no mercado editorial inglês, basicamente nos periódicos The Naval Review, Journal of the
Royal United Service Institution, The Times, Fortnightly Review e Foreign Affairs.
As referências por ele mais usadas em suas obras históricas foram os atos do
Parlamento e escritos de almirantes proeminentes, tais como os dos almirantes Norris,
Hawke e Sandwich, devidamente arquivados em instituições públicas, tanto do governo,
como da própria Marinha Real. A documentação francesa também foi muito consultada por
Richmond.
Sua percepção da história era certamente determinista como a visão de Mahan,
quando defendia a questão da “lição histórica” para as gerações seguintes, no entanto, seus
instrumentos de pesquisa foram bem mais sofisticados e suas conclusões bem mais
elaboradas. Além disso, era um nacionalista, como Mahan era com os EUA, que acreditava
na grandeza do Império Britânico e procurava apontar para os políticos de seu país métodos
para resguardar não só a integridade imperial como também defender os interesses da GB
ameaçados por outros poderosos contendores.
738 HUNT, Barry. The Oustanding Naval Strategic Writers of the Century. The Naval War College Review.Newport: Naval War College Press, set-out 1984, p. 98. 739 Ver Apêndice A).
241
Além dessa visão nacionalista, Richmond tinha uma percepção parecida com a de
Jomini sobre a moralidade da guerra740. Jomini disse o seguinte sobre a percepção da moral
na guerra:
Como um soldado, preferindo a guerra leal e cavalheiresca ao assassínioorganizado, se fosse necessário fazer uma escolha, gostaria que meuspreceitos estivessem a favor dos bons velhos tempos quando as guardasfrancesa e inglesa convidavam uma a outra a atirar primeiro, como emFontenoy em 1745 na Guerra de Sucessão da Áustria, preferindo aquelestempos à época em que padres, mulheres e crianças em todo o territórioda Espanha, tramavam o assassínio de soldados franceses.741
Richmond lera atentamente Jomini e com ele concordava em diversos pontos. Além
disso, essa visão romântica da guerra de ambos os teóricos indicava que a guerra mudara
nos diferentes períodos históricos vividos por ambos. Para Jomini a guerra travada na
Espanha contra as tropas invasoras francesas era um assassinato premeditado contra os
soldados de Napoleão, enquanto para Richmond a guerra travada no mar pela Alemanha em
1917 era infamante. Tanto para Jomini como para Ricmond as visões de guerra total viriam
a modificar suas percepções sobre a guerra. Para Richmond, principalmente, a guerra
travada por seu país contra a Alemanha se transformaria em conflito de vida ou morte e isso
modificaria o seu modo de pensar a guerra naval.
De que maneira Richmond percebia a história e como via o ofício do historiador ?
Quais foram os seus principais influenciadores ?
3.2.1- A história e o ofício do historiador segundo Herbert Richmond:
Richmond costumava citar o eminente historiador inglês Lord Acton que dizia que o
conhecimento sobre o passado e a compilação de “verdades” reveladas pela experiência,
devia ser eminentemente prático. Devia ser, também, um instrumento de ação e um poder
que podia alterar o próprio futuro.742 Essa era a visão que Richmond tinha sobre a história740 Ver item 3.1.1, página 15.741 JOMINI, Antoine Henri. A Arte da Guerra. op.cit. p. 55. Jomini mencionou a Batalha de Fonteroy, travadana Guerra de Sucessão da Áustria em 1745, quando as forças francesas, sob o marechal Maurice de Saxederrotaram as forças anglo-holandesas e hanoverianas, sob o comando do duque de Cumberland, em umperíodo da história militar chamado por John Frederick Charles Fuller de ‘guerras limitadas de reis e príncipesdo século XVIII’.742 RICHMOND, Herbert. The Importance of the Study of Naval History. Naval Review.op.cit, p. 201.
242
naval. Dizia ele que a história naval era a descrição, tão acurada quanto possível, da
maneira na qual a Marinha tinha, até aquele momento, sido utilizada pelo homem de Estado
nos diversos períodos históricos, para alcançar os objetivos nacionais. Essa sua percepção
compreendia, também, os métodos de emprego das armas navais para conquistar esses
objetivos nacionais e a conduta de operações que resultaram desses métodos.
Para ele a história naval incluía os “por quês” da estratégia em todas as suas fases, da
esfera política até a tática de esquadras e esquadrões e dos sucessos e fracassos, incluindo aí
os “comos” essas ações se desenvolviam. Ela englobava todos os elementos que entravam
nos problemas e métodos empregados, isto é das relações diplomáticas entre Estados, da
economia e comércio, do direito internacional, das posições e princípios de guerra, da
administração, da natureza das armas empregadas e por fim das personalidades
envolvidas743.
A história naval, por meio de seus textos, procurava descrever e analisar a conduta da
guerra no mar e essa conduta era governada por “princípios”, no entanto o simples
conhecimento de que eles existiam não era suficiente. Os princípios necessitavam de
ilustração, de modo a serem corretamente compreendidos. Richmond transcrevia
exatamente Mahan no que dizia respeito aos princípios. A história para ele fornecia a
objetividade na expressão do pensamento. As ilustrações desses princípios proveriam vida e
vigor nas suas aplicações e o mais importante provocariam uma forte impressão no leitor e
estudante de história. Richmond apontou alguns desses princípios como sendo a
concentração, a economia de forças, a segurança e surpresa744. Para ele a estratégia derivava
de considerações científicas, baseadas na história. No estudo do poder marítimo residiam os
princípios de guerra e estes princípios eram para serem descobertos na história das
guerras.745A tecnologia mudava, os princípios continuavam inalteráveis.
A história naval era a base do estudo da estratégia e um estimulante mental para
análise de campanhas do passado. Um exemplo muito citado por Richmond sobre esse
estímulo que a história naval poderia prover era o caso da manutenção dos portos de Ostend
e Zeebrugge e dos portos do Canal da Mancha. Para qualquer historiador naval era
fundamental a percepção de que manter esses portos era de vital importância para à GB.743 Idem.744 Ibidem, p.205.745 RICHMOND, Herbert. Sea Warfare. In: ASTON, George. The Study of War: For Statesmen and Citizens.London: Longmans, Green, Co, 1927, p.118.
243
Oliver Cromwell e seus sucessores tiveram grandes dificuldades com os corsários franceses
que infestavam as águas do Canal, principalmente agindo a partir de Dunquerque, Mardyk
e Saint Malo, atacando incessantemente o comércio marítimo inglês no Mar do Norte e no
Canal. Nomes como DuGuay-Trouin, Jean Bart e Forbin eram preocupantes para os
almirantes ingleses. A história apontava, assim, a necessidade de controlar esses portos, de
modo a se proteger o comércio marítimo britânico, no entanto apesar disso, em 1914 os
alemães ocuparam os portos de Ostend e Zeebrugge sem maiores dificuldades e o pior,
encontraram suas instalações intactas. As dificuldades inglesas, dessa maneira, aumentaram
consideravelmente. Richmond aproveitava para dizer que a “história tremulou a bandeira
vermelha em nossas caras e fechamos os olhos para ela. Tivemos que pagar o preço”.746
Muitos céticos, que não acreditavam que exemplos históricos eram fundamentais,
alegavam que o mais importante para os chefes navais era ter bom senso. Richmond contra-
argumentava dizendo que bom senso somente não era o suficiente. Para ele o bom-senso,
também, era raro na história. O uso de princípios básicos complementaria a utilização do
“bom-senso”, daí a história ser fundamental. Como exemplo, citava o caso da expedição
aos Dardanelos na Grande Guerra, quando o bom-senso apontava para a conquista dessa
posição como fundamental para a estratégia aliada no Mediterrâneo. Até aí nenhuma
novidade, o bom-senso prevalecera realmente. Faltou, no entanto, a aplicação correta do
princípio da surpresa na operação. Tudo foi feito para que os turcos soubessem com
antecedência o local do desembarque, a ocasião e os meios alocados para a operação. Sem
aplicação do princípio da surpresa, a operação foi um fracasso retumbante.747
Richmond criticava os analistas que consideravam que as “lições da história” do
tempo da Marinha à vela não poderiam ser aplicadas à Marinha a vapor com navios mais
sofisticados, modernos encouraçados, cruzadores, contratorpedeiros velozes, submarinos e
aviação naval. Para esses críticos, a tecnologia suplantava o estudo histórico de velhas
batalhas ou mesmo batalhas mais recentes que espelhavam outras contingências. Para
Richmond essa visão era totalmente distorcida. Considerava que realmente os
procedimentos táticos eram diferentes, as formaturas para o combate mudaram, as
comunicações se aperfeiçoaram e os movimentos ocorreram mais rapidamente, no entanto,
a aplicação dos princípios não havia mudado e assim o uso da força e a natureza humana
746 RICHMOND, Herbert. The Importance of the Study of Naval History op.cit, p. 207.747 Ibidem, p. 208.
244
continuavam as mesmas, resultando nos mesmos métodos de comando. A base do
conhecimento, para ele, era aplicar os princípios corretamente e a história indicava os
exemplos a serem seguidos. De Ruyter, Suffen e Nelson eram os seus exemplos mais
notáveis. Sabiam concentrar, economizar as forças quando necessário e utilizar o tempo a
seu favor. A tecnologia mudava. Os princípios, não. A negligência desses princípios
conduziria a derrota.748 A história proporcionava a chance de se pensar claramente, dizia
Richmond.749 Considerava que a história prescrevia “lições” que não estavam confinadas
apenas à estratégia. Elas se estendiam igualmente à tática.
A história naval indicava que existiam duas escolas de pensamento tático. A primeira,
baseada no indivíduo que orientava o seu método de ataque sob linhas gerais na ofensiva,
sempre que as condições permitissem, agindo sobre o inimigo de modo a produzir a
condição tática que melhor lhe aprouvesse e dependente de seus subordinados para o
cumprimento de suas idéias previamente acordadas. A impetuosidade era estimulada e os
riscos considerados antecipadamente e perfeitamente aceitos. A segunda escola de
pensamento tático baseava-se na impossibilidade de se deixar à fortuna qualquer chance
para o fracasso. O plano tático não era somente preparado antecipadamente, ele deveria ser
seguido rigidamente e controlado pelo chefe geral. Os subordinados não deveriam ter
liberdade de criar e não deveriam se afastar do plano concebido em hipótese alguma.
Richmond advogava pela primeira escola, pois a história “demonstrava” que ela havia sido
mais vitoriosa. Citou o caso da reclamação do almirante Calder para Lorde Jervis após a
Batalha Naval de São Vicente750 dizendo que Nelson não obedecera suas ordens. O sábio
almirante Jervis respondeu a Calder que “era verdade que Nelson o desobedeceu, e se
alguma vez você desobedecer da mesma forma, eu prometo perdoá-lo também”.751
Existiam diferenças entre personalidades dos combatentes envolvidos em uma guerra, no
entanto para Richmond, aquele que seguia a primeira escola ia para a batalha com a
748 Ibidem, p.212.749 Ibidem, p. 213.750 Travada entre as esquadras espanhola e inglesa em 14 de fevereiro de 1791. O comandante naval britânicoera o almirante John Jervis e o almirante Calder era o comandante de uma divisão naval do qual o comodoroNelson era subordinado. Nelson desobedeceu a ordem de Calder de se manter em formatura. Resolveu abordo de seu navio HMS Captain investir contra a linha espanhola, sendo seguido por outros navios,demonstrando com essa atitude independência tática, agressividade e espírito ofensivo. Essa manobra emmuito contribuiu para a vitória britânica. Fonte: PEMSEL, op.cit. p. 80. 751 RICHMOND, Herbert. The Importance of the Study of Naval History op.cit, p. 214.
245
determinação de derrotar o inimigo, enquanto a segunda escola indicava para o chefe que
não queria ser derrotado e aí a história descrevia a diferença de atitudes mentais.
Outro aspecto por ele apontado na história era a capacidade de diversos combatentes
assumirem responsabilidades. Dizia o Lorde Saint Vincent que “o teste de coragem de um
homem é sua capacidade de assumir responsabilidades”.752 A capacidade de instigar, criar e
desenvolver o hábito de assumir responsabilidades era difícil, segundo Richmond. Isso
requeria o uso de diversos meios e um desses meios era a história. A descrição de exemplos
históricos de personagens que fracassaram e venceram ao assumir as responsabilidades
deveriam ser analisados. Era fácil para um personagem histórico se esconder atrás de
ordens recebidas e assim eximir-se de fracassos. Para Richmond o estudo da história naval
era um tônico necessário para a fraqueza humana753.
Para Richmond era somente incentivando a assunção de responsabilidades pelos
combatentes navais, com todas as suas conseqüências, que se esperava que esses
personagens adquirissem a coragem moral esperada, geralmente derivada de situações
críticas. Era pelas páginas da história que seria encontrado o estímulo e o exemplo.754 Seu
grande exemplo de assunção de responsabilidades era Lorde Nelson. Nelson não somente
assumia responsabilidades, mas também encorajava seus oficiais a seguirem seu exemplo.
Para Richmond a história apontava igualmente para outra questão ligada a
responsabilidade que era a importância de informar os subordinados de todos os planos e
intenções, o que pode parecer óbvio, contudo, segundo ele, não foi seguido muitas vezes na
história, com resultados incertos e muitas vezes catastróficos. Novamente Nelson foi seu
grande paradigma, principalmente antes de Trafalgar.
Richmond era um crítico mordaz da limitada ênfase dada ao estudo da história na
Marinha Real, indicando que essa disciplina não tinha nenhuma importância para os
almirantes da ativa e inexistia a crença no valor da reflexão crítica que o estudo da história
podia oferecer.755 Dizia que o ensino de história ministrado na Escola Naval de Osborne756
era essencialmente biográfico, quando os cadetes aprendiam as vidas dos grandes
personagens navais, com uma visão apologética evocativa do passado, o que para ele era752 Ibidem, p. 215.753 Idem.754 Ibidem, p.216.755 RICHMOND, Herbert. National Policy and Naval Strenght. op.cit. p. 255. 756 A Escola Naval de Osborne era para cadetes recentemente entrados na Marinha Real, com idades variandoentre 13 e 16 anos.
246
um erro grave. O correto era ensinar aos jovens cadetes uma idéia geral do papel exercido
pelo poder marítimo, com o propósito de criar questionamentos e assim estimular a
curiosidade e o esforço individual ao invés de insistir na fixação de fatos históricos. O
significado da história naval e os métodos adotados pelos diferentes países ou por
indivíduos deveriam ser apresentados aos cadetes, de modo a compreenderem os objetos da
disciplina histórica.757 Suas críticas ferinas foram dirigidas especialmente ao professor de
Osborne e depois de Greenwich na EGN-GB, Geoffrey Callender. Richmond considerava o
ensino de Callender “arqueológico”758 e ultrapassado, ao ministrar aulas pouco profundas,
sem análise e essencialmente enaltecedoras dos fatos passados. Queria ele uma história
problema e não apenas descritiva e apologética como esposada por Callender.
Nas escolas mais avançadas na carreira procurava-se discutir a estratégia e a tática
sem nenhuma fundamentação metodológica, o que para ele era insuficiente. Afirmava
Richmond que o jovem se tornaria um almirante sem ser capaz de definir os princípios
básicos de estratégia naval ou mesmo saber como as Marinhas no passado lutaram no
mar.759
O sistema educacional da Marinha Real era para ele deficiente, pois nos estágios
iniciais as humanidades não tinham importância e existiam poucos incentivos para o
desenvolvimento analítico do raciocínio. O que se ministrava eram questões de
memorização de eventos e datas, cobrindo tópicos parciais, com um método pedagógico
totalmente inadequado. Dizia-se na ocasião que os oficiais ingleses necessitavam de
“formação científica”, estando a palavra “ciência” confinada aos limites das ciências
naturais ou matemáticas, sendo ignorado que existiam ciências da guerra. Conheciam-se
noções sobre armas, navios e assuntos correlatos, porém nenhuma discussão sobre a
conduta da guerra era ministrada. Tampouco na EGN-GB a história era conduzida de forma
crítica. O mais importante para os oficiais de estado-maior, dizia ele, era compreender a
correlação existente entre a Marinha como instituição e o seu papel como instrumento da
política nacional. Acreditava que o ensino de um historiador naval profissional deveria ser
complementado pelo de um oficial de estado-maior, com amplo conhecimento dos
conceitos de estratégia naval. Ambos, trabalhando em conjunto, poderiam expor, de modo757 RICHMOND, Herbert. Diário do dia 21 de setembro de 1916. Fonte: MARDER, Arthur. Portrait of anAdmiral. op.cit. p. 223. 758 HATTENDORFF, John. Mahan is not enough. op.cit. p.107.759 RICHMOND, Herbert. National Policy and Naval Strenght op.cit , p. 256.
247
mais completo e amplo, o papel do mar nas guerras e o curso das campanhas navais760.
Dizia ainda que:
Pelo estudo da história, empregando a mesma metodologia empregada namicro-biologia, treinamos para ponderar esses fatores e enquantofazemos isso treinamos nossos raciocínios para atuar em situaçõessimilares quando acontecerem conosco, instintivamente selecionando osfatores críticos e colocando nossos dedos sobre aqueles elementos doproblema, do qual tudo depende e dessa maneira guiando nossos passosverdadeira e diretamente para o cerne da questão.761
Richmond acreditava que o estudo da história naval servia para separar a grande
confusão de dados, considerados inúteis e sem finalidade, do objeto a ser pesquisado e
aplicar os princípios previamente estudados. Esse tipo de aproximação requeria treinamento
no estudo intensivo da guerra. Repetia, assim, Mahan que dizia que a GB foi a “rainha dos
mares” motivada mais por falhas de seus inimigos do que por estudos sistemáticos da
história naval.762 Dizia que os seus críticos pensavam que ele era somente um historiador
naval e não conheciam suas idéias e nem por que ele estudava a história. Eles não
observavam, concluía, que ele utilizava a história como um meio de aprender algo sobre a
estratégia naval e não a história por si própria.763
O papel do historiador naval devia ser o de registrar os fatos históricos, tendo em vista
existirem três sujeitos principais a quem deveriam ser dirigidos os seus textos. Ao público
em geral, aos políticos e aos oficiais navais.
Ao público em geral, a história naval era ou deveria ser uma parte integral da história
nacional. Com isso Richmond não queria dizer que o ‘homem comum’764 deveria conhecer
os detalhes pertinentes a batalhas ou campanhas, mas que deveria conhecer o papel que a
Marinha tinha na vida nacional, de como e por que as necessidades de se preservar a
superioridade naval do país influenciaram a política externa de seu país. Richmond ao
definir o papel que a história naval teria, estava realmente se referindo à GB. Repetindo o
historiador Sir Edward Grey, Richmond disse que “o que realmente determina a política
760 Ibidem, p. 272.761 Ibidem, p. 261.762 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op.cit. p. 269.763 RICHMOND, Herbert. Diário de 18 de novembro de 1919.Fonte: MARDER, Arthur. The Portrait of anAdmiral. op.cit. p. 359.764 ‘Commom Man’ foi traduzido como ‘homem comum’ pelo autor.
248
deste país [a Grã-Bretanha] é a questão do poder marítimo. É a questão naval que determina
a nossa política européia ”.765 O historiador deveria, então, descrever para o homem
comum, com a maior acuidade possível, a relação existente entre a Marinha e a política
nacional, de modo a que ele entendesse a história de seu país.
Aos políticos a história naval não era menos importante, em virtude de eles serem os
condutores da política e quando a guerra chegasse, da condução da própria guerra. Os
almirantes com suas esquadras seriam meros instrumentos nas mãos dos políticos. A eles,
políticos, cabia decidir quando, onde e como atacar. Nesse ponto Richmond se baseava
muito naquilo que Mahan apontou em uma de suas obras,. de que caberia ao político
“determinar e indicar aos militares, os interesses nacionais mais vitais que deveriam ser
defendidos, tão bem como os objetivos de conquista ou destruição mais danosos ao
inimigo, tendo em vista as exigências políticas a que o poder militar deveria somente
servir”766. As palavras de Mahan eram as palavras de Richmond.
Os políticos, como condutores das políticas nacionais, deveriam conhecer a história
naval para melhor conhecerem as mudanças ocorridas no ambiente naval, tendo em vista
que os objetos do poder marítimo permaneciam inalteráveis. Richmond acreditava ser
impossível que um político que conhecesse as possibilidades e limitações do poder
marítimo fosse igualado a um outro político que nunca tivesse aberto um livro de história
naval767. Ambos eram muito diferentes em essência.
Por fim, o terceiro sujeito a quem o historiador naval deveria se dirigir era o oficial de
marinha. Para Richmond a simples leitura de textos históricos por parte do oficial de
marinha seria insuficiente. A postura correta deveria ser de estudo e reflexão. O oficial
naval deveria perceber o texto escrito pelo historiador diferentemente. Inicialmente ele
deveria entender os elementos do poder marítimo que forneceriam a base necessária para a
compreensão da importância desse poder. Em segundo lugar, apontar os princípios de
guerra que foram ou não aplicados pelos contendores. Em terceiro lugar, ele deveria
mesclar esses conhecimentos acumulados com a própria experiência adquirida em
campanhas navais pelas quais passou. Nesse ponto Richmond reconhecia a dificuldade de
se adquirir experiência de combate se não existissem guerras. Acreditava, no entanto, que
765 RICHMOND, Herbert. The Importance of the Study of Naval History. op.cit, p. 203.766 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power on the French Revolution and Empire. V.ii. op.cit. p. 392.767 RICHMOND, Herbert. The Importance of Study of Naval History. op.cit. p. 203.
249
no caso da impossibilidade de se obter a própria experiência, a experiência de outros
deveria ser estudada. Citava com freqüência Bismarck que afirmava que “tolos dizem que
aprendem com a experiência. Prefiro aprender com a experiência de outros”768. A
experiência de outros só podia ser apreendida por meio do estudo da história. Richmond
reclamava sempre da negligência do sistema educacional que não criava uma cadeira
especifica de história naval nas universidades britânicas. A que existiu em Cambridge
durou apenas alguns anos e foi depois descontinuada, amalgamada na cadeira de história
imperial, da qual foi titular por dois anos, mas sem a ênfase na área naval que ele
considerava necessário.769 Sendo a GB uma comunidade que dependia do mar, Richmond
considerava inconcebível essa negligência.
Richmond foi um historiador mais sofisticado que Mahan, fruto exatamente das
influências recebidas de dois grandes historiadores que vieram antes, Sir John Knox
Laughton e Sir Julian Stafford Corbett, seus importantes mentores. Não deve ser esquecido,
tampouco, uma influência também importante no seu pensamento analítico, a do próprio
Alfred Mahan, lido por ele com muito cuidado. Esses três personagens moldaram o seu
pensamento e escrita da história e da estratégia.
3.2.2- As influências sobre Herbert Richmond:
O principal influenciador de Richmond foi o historiador naval britânico Sir John
Knox Laughton, considerado por Andrew Lambert como um dos principais intelectuais
ingleses do século XIX e elemento central na moderna concepção de como deveria ser um
historiador naval como profissional da disciplina.
- Sir John Knox Laughton:
“Eu me considero afortunado de vir com facilidade as suas mãos, uma vez que ele
conhece mais história naval que qualquer criatura viva de língua inglesa”770. Com essas
palavras Alfred Mahan escreveu para o seu mentor Stephen Luce em 1890, sobre uma768 Ibidem, p. 204.769 MARDER, Arthur. The Portrait of an Admiral. op. cit.p. 34. 770 Carta de Alfred Thayer Mahan para Stephen Luce de 20 de dezembro de 1890, escrita de Nova Iorque.Fonte: SEAGER II, 1975, V.2, p.34.
250
resenha escrita por John Laughton no Edinburgh Review a respeito do seu The Influence of
Sea Power upon History. Certamente Mahan estava naquela carta espelhando um
sentimento generalizado entre os historiadores navais de respeito ao velho mestre de
história do King´s College de Londres, Sir John Knox Laughton.
Laughton nasceu em Liverpool na Inglaterra em 1830, vindo posteriormente a se
integrar com 23 anos de idade na Marinha Real, após graduar-se em matemática pela
Universidade de Cambridge. Serviu a seguir em navios ingleses no Báltico e na China,
atuando como instrutor de ciências matemáticas e navegação a bordo, prosseguindo em
1866 para uma função docente no Colégio Naval Real de Portsmouth, lá permanecendo até
1873, quando foi transferido para o Colégio Naval de Greenwich como chefe do
departamento de meteorologia e assuntos marítimos.
Até 1874 suas atividades docentes foram voltadas para a meteorologia e assuntos
técnicos navais, sem conotação com a atividade de historiador naval, no entanto nesse ano,
com 44 anos de idade, proferiu sua primeira palestra sobre história, não interrompendo essa
atividade até o seu falecimento. Essa palestra se tornaria muito conhecida, pois foi realizada
na RUSI e versou sobre a importância de se analisar e não somente descrever os eventos
históricos. Um fato interessante foi que em 1870 Laughton conheceu o então capitão-de-
mar-e-guerra Stephen Luce na RUSI e ambos discutiram, na ocasião, a importância da
história na educação naval.771 Laughton acreditava que o objetivo da educação naval era
adquirir conhecimentos e desenvolver a capacidade de se auto-educar, que era vital para a
carreira dos jovens oficiais ingleses.
Seu interesse pela disciplina histórica começara anos antes no encouraçado HMS
Algiers, quando travou uma forte amizade com o então capitão-tenente Cyprian Bridge772,
que mais tarde seria um reconhecido estrategista inglês. As discussões entre Laughton e
Bridge sobre tática naval e a importância da história naval ficariam gravadas na mente do
primeiro de forma definitiva. Greenwich ofereceria a Laughton a oportunidade para se
dedicar à história anos depois.
Em 1885 Laughton retirou-se da Marinha e se tornou professor de história moderna
no King´s College até 1914. Em 1893 tornou-se secretário e fundador da NRS juntamente
771 LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 30.772 O futuro almirante Cyprian Bridge foi diretor de Inteligência Naval, comandante-em-chefe da Divisão daAustrália e da China. Fonte: Ibidem, p. 20. Ver também Nota 482.
251
com Bridge. Em 1907 foi elevado a cavaleiro da Ordem do Banho. Em 1910 a ele foi
ofertada a Medalha de Ouro Chesney conferida pelo Conselho da RUSI, em consideração a
sua valiosa contribuição no campo da literatura naval773. Faleceu em 1915 com 85 anos de
idade.
Laughton, talvez devido a sua formação matemática, acreditava que a história naval
deveria ser “científica” e o propósito de se estudar a história em Greenwich era
desenvolver doutrinas e inculcar liderança.774 Quando Laughton mencionou o caráter
científico do estudo da história, ele queria dizer que:
Ciência é conhecimento, conhecimento acurado e exato, distinto doconhecimento vago, indefinido e empírico e nisso o verdadeiro sentido dapalavra história deve ser o estudo científico como tudo o mais. Se agênese de uma planta ou os hábitos de um inseto são coisas importantespara serem estudadas, imaginem as palavras, realizações e destinos denossos mais nobres e distintos personagens.775
Para ele a história naval continha “lições de extrema importância” e sua percepção
dessa história incluía o modo como as esquadras foram organizadas e utilizadas, o curso
dos eventos históricos que conduziram a vitórias ou derrotas e os princípios de tática
observados. Isso não significava que essas lições se traduzissem em dogmas. Para ele os
dogmas eram perigosos para qualquer disciplina de estudo. Para a conduta da guerra eles
eram o desastre. Donald Schurman lembrou que Laughton se dirigia em suas palestras a
almirantes do século XIX, ainda arraigados à tradição e ao conservadorismo, por isso “sua
coragem em tocar nesses assuntos se eleva”.776 O estudo científico da história para ele era o
estudo da tática, da estratégia, da organização e da disciplina. Ele considerava que a história
naval só seria compreendida por aqueles que combinavam a preocupação do historiador
pela acuidade e estudo acadêmico, combinado com o “olho” para o mundo do combate
naval.777 Os resultados desse estudo seriam uma coerente doutrina escrita, para o
“benefício perene da Marinha e dos oficiais a ela pertencentes”778, segundo Andrew
773 Ofertada também a Mahan e Richmond.774 Ibidem, p. 39.775 Ibidem, p. 48.776 SCHURMAN, op.cit. 86.777 LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 57.778 Ibidem, p. 47.
252
Lambert. Lambert vai mais adiante, ao afirmar que Laughton podia ser chamado
justamente de o “pai da moderna historiografia naval”.779
Laughton utilizava um método crítico de análise documental, utilizando muitas vezes
a comparação e seus conhecimentos navais para apontar “lições” que deveriam ser obtidas
de suas pesquisas. A crítica documental de Laughton baseava-se na metodologia científica
introduzida por Leopold Von Ranke que ele admirava imensamente. Acreditava,
convictamente, que o historiador não deveria conjeturar o futuro, tarefa que imputava aos
políticos. Para ele o passado e o presente eram os instrumentos de trabalho do historiador
profissional.
Interessante que como Mahan, Laughton via em Lorde Horatio Nelson o exemplo de
chefe naval modelo e herói, devido a seu supremo profissionalismo, sua grande capacidade
tática e estratégica, além de soberba liderança e humanidade. Sobre a obra de Mahan,
Laughton a apreciava sobremaneira, chegando a afirmar aos seus alunos que os livros do
autor norte-americano deveriam ser lidos, depois lidos novamente e depois relidos pela
terceira vez por que neles seriam encontradas as vitórias e fracassos de seus antecessores e
a melhor explicação da importância do poder marítimo.780 Entusiasmou-se com Mahan,
principalmente por ser um norte-americano escrevendo sobre a história inglesa, embora
considerasse que faltava em Mahan a acuidade documental e crítica necessária para
apresentar um trabalho historiográfico de qualidade. Considerava, no entanto que a obra de
Mahan era importante para os oficiais de marinha, leigos e profissionais de história por ser
uma bela síntese da estratégia naval.
Laughton teve, também, uma grande parcela de responsabilidade em estabelecer a
história naval como parte integrante da história e no reconhecimento do profissional de
história naval no Reino Unido. Além disso, devido a suas conexões políticas, conseguiu
disponibilizar e organizar diversos arquivos históricos que estariam perdidos ou mesmo
indisponíveis para pesquisa. Schurman mencionou que no obituário de Laughton, publicado
no periódico The Times dizia que “ele tinha muito a ver com a história naval ter sido tirada
das mãos de ‘meros especialistas ou analistas’. Isso se devia muito à aplicação de métodos
críticos em fontes primárias. Laughton encorajou a crítica pelo exemplo e por meio de seu
779 Ibidem, p. 61.780 Ibidem, p. 132,
253
trabalho grandes quantidades de material historiográfico foram disponibilizados”781.
Laughton tornou-se assim um referencial para todos os pesquisadores de história naval
ligados ao NRS, dentre os quais se encontrava Richmond.
Richmond, no prefácio de sua obra The Navy in the War of 1739-1748, afirmou que
era “afortunado em receber a ajuda do falecido Sir John Laughton que estava sempre
disponível para transmitir aos outros uma boa parte de seu vasto conhecimento”.782
Richmond não estava apenas agradecendo o auxílio de Laughton na confecção do livro. Ele
estava agradecendo, efetivamente, a sua formação como historiador acadêmico, forjado
pela orientação do velho mestre do King´s College de Londres.
Sua associação com Laughton intensificou-se no NRS. Em 1913 Richmond foi
incentivado por Laughton a compilar e editar pela NRS um volume do Papers Relating to
the Loss of Minorca in 1756, um trabalho de pesquisa arquivística de fôlego que foi
publicado nesse mesmo ano. Laughton não mais exercia a função de secretário da
sociedade, mas permanecia no seu conselho editorial. Essa importante compilação de
documentação primária, incluindo cartas, memorandos, ordens de operação e despacho foi
conduzida por Richmond sob a atenta supervisão de Laughton. Além disso, essa obra tinha
um caráter dramático para a Marinha Real, pois descrevia um acontecimento trágico que foi
o fuzilamento do almirante Sir John Byng em 1757 em plena Guerra dos Sete Anos. Byng
fora mandado para o Mediterrâneo com um pequeno esquadrão naval para auxiliar a
defender Minorca em poder da GB. O governo britânico designara poucos navios sob o seu
comando, acreditando que os franceses não atacariam a base de Minorca. Ao lá chegar,
Byng verificou que os franceses já haviam desembarcado e tomado quase toda a ilha, com
exceção de um forte com tropas inglesas. Uma esquadra francesa semelhante encontrava-se
no ancoradouro. Byng, então, engajou essa força, porém por falta de experiência de
combate, não obteve a esperada vitória. Resolveu, então, recuar para Gibraltar, deixando
que Minorca caísse nas mãos dos franceses. Byng acabou preso e submetido a corte
marcial. O tribunal considerou-o culpado de covardia e de não defender Minorca como
determinado, no entanto solicitou clemência ao Almirantado e ao rei. Ambos recusaram o
perdão e Byng foi executado a bordo de seu próprio capitânea, HMS Monarque em
Portsmouth.
781 SCHURMAN, op.cit. p. 109.782 RICHMOND, Herbert. The Navy in the War of 1739-1748. op.cit. p. Vii.
254
Esse evento foi traumático e Richmond conseguiu transcrever a documentação
pertinente de um modo muito preciso e profissional. Esse trabalho lhe conferiu a estatura
intelectual suficiente para escrever o seu próximo livro The Navy in the War of 1739-1748.
Laughton foi um de seus incentivadores nessa nova empreitada, juntamente com Corbett.
A capacidade de criticar as fontes e delas tirar aquilo que era pertinente ao objeto
proposto foi um legado deixado a Richmond por Laughton. Outro ponto apreendido por
Richmond foi a capacidade de detalhar eventos históricos, em uma seqüência lógica e desse
detalhamento, apontar lições táticas e estratégias, exatamente como Laughton preconizava.
A sua procura exaustiva por fontes primárias, de acordo com a metodologia utilizada por
Laughton, foi outro legado que acompanharia Richmond até o seu falecimento.
Apesar de todas essas qualidades, Laughton não foi um historiador revolucionário,
nem foi um autor prolífico, com uma obra prima relevante. Ele escreveu poucos livros, no
entanto sua capacidade de perceber talentos em outros historiadores e encorajá-los e sua
percepção de que a história naval deveria ser escrita com parâmetros científicos o tornou
um paradigma relevante. O historiador Roger Knight, ao descrever as qualidades desse
velho mestre inglês, afirmou que “a força de sua personalidade foi fundamental naquilo que
ele conseguiu, disponibilizando acesso do público a arquivos públicos e fundando uma
sociedade acadêmica [NRS]”.783
Outro historiador importante que muito influenciou Richmond foi Sir Julian Corbett,
membro do NRS juntamente com Laughton.
- Sir Julian Stafford Corbett.
Filho de um próspero arquiteto londrino, Corbett nasceu em 12 de novembro de 1854
em Surrey na Inglaterra. Formou-se em direito por Cambridge, contudo preferiu uma
carreira literária, escrevendo inicialmente novelas históricas e viajando extensivamente. Em
1882 desistiu de seguir a carreira de advogado e voltou-se integralmente para a história
naval que sempre o atraiu, em especial o período de reinado de Elizabeth I.783 O hisitoriador Roger Knight escreveu uma resenha muito interessante do livro do professor do King´sCollege, Andrew Lambert, The Foundations of Naval History que é utilizado em algumas passagens nessapesquisa, em especial quando é analisado o papel de Sir John Knox Laughton na formação de Richmond.Fonte: KNIGHT, Roger. Book Review. Reino Unido. Resenha de LAMBERT, Andrew. The Foundations ofNaval History. London: Chatham Publishing, 1998, 256 pag. Site eletrônico.http://www.history.ac.uk/ihr/focus/sea/reviews/knight.html. Acesso em: 29, jul, 2008.
255
Juntamente com Laughton foi um dos membros fundadores do NRS e com ele
começou uma ligação que se estenderia até a morte de Laughton em 1915, tornando-se,
inclusive, um de seus protegidos e mais chegados amigos.
Em 1896, incentivado por Laughton iniciou a edição dos documentos relativos a
Guerra Espanhola de 1585 a 1587784 que seguramente foi o início de sua carreira de
historiador naval e teórico respeitável. Em paralelo, iniciou uma vasta pesquisa sobre o
corsário inglês Sir Francis Drake no período elizabetano, publicando, dois anos depois, uma
obra prima muito lida até hoje pelos historiadores navais chamada Drake and the Tudor
Navy em dois volumes. Essa obra se destaca das demais por demonstrar um equilíbrio de
análise e uma “maestria nas técnicas de investigação histórica surpreendente para um
virtual iniciante”, segundo Schurman785. A orientação de Laughton foi importante para o
seu primeiro grande trabalho em história naval.
Corbett passou, então, a ser reconhecido como um dos mais influentes intelectuais
que escreviam e pesquisavam história naval, vindo a associar-se ao almirante Jack Fisher
que se impressionou com um de seus artigos sobre educação naval. Fisher, na ocasião,
Segundo Lorde do Mar, convidou-o para ser professor de história e estratégia da recém-
fundada EGN-GB. Em suas palestras aos oficiais alunos chamava a atenção para o uso
indiscriminado dos princípios de Mahan como um dogma a ser atendido e seguido por
todos. Considerava que os escritos de Mahan eram importantes, no entanto não deveriam
ser tomados como regra geral, pois a guerra tinha uma dinâmica própria que extrapolava a
“simplicidade jominiana” esposada por Mahan.
Suas palestras foram um sucesso, o que o fez se aproximar, cada vez mais, de Fisher
que, logo em seguida, assumiu o cargo de Primeiro Lorde do Mar, iniciando uma reforma
radical na Marinha Real. Corbett além das atividades na EGN-GB passou a proferir
conferências de história na Universidade de Oxford, a partir de 1903.
Percebeu Corbett claramente que muitos de seus alunos oficiais careciam de leituras
em história e estratégia, principalmente nas questões teóricas da guerra no mar, assim
utilizando as idéias de Carl Von Clausewitz, iniciou uma série de palestras que seriam
posteriormente compiladas em um livro chamado de Green Pamphlet, que se desdobraria
784Trata-se do volume XI do NRS com o título de Papers relating to the Spanish War, 1585-1587 por eleeditado em 1897.785 SCHURMAN, op.cit. p. 148.
256
em 1911 no seu livro mais famoso e lido nas escolas de altos estudos militares, o Some
Principles of Maritime Strategy.
A ligação estreita de Corbett com Fisher o levou a ser uma figura importante nos altos
escalões navais, tornando-se assim um elemento essencial, no nível decisório mais elevado
na Marinha Real e seus escritos passaram a ser praticamente, embora não explicitamente, a
doutrina estratégica naval britânica.786
O principal propósito de Corbett era efetivamente formalizar uma doutrina que
congregasse teorias e princípios de guerra naval, derivada da formulação teórica de
Clausewitz de guerra terrestre, embora a guerra naval dela se distanciasse. Sua teoria possui
uma consistência formal e teórica não encontrada em Mahan, mais prescritivo e menos
analítico. Isso não significa afirmar necessariamente que Jomini fosse por ele desprezado,
longe disso, considerava, no entanto, Clausewitz com um teórico mais consistente e dele
utilizou muitas idéias, devidamente aplicadas à guerra naval.
Quando a Grande Guerra foi deflagrada, Corbett foi selecionado pelo Comitê Imperial
de Defesa para escrever a história oficial da guerra naval, no entanto constantes
interferências com o seu texto sobre a guerra o deixaram muito decepcionado e aborrecido,
atingindo aos poucos a sua saúde, o que afinal contribuiria para a sua morte por ataque
cardíaco em 1922.
Em 1914, assim como Mahan, Laughton e Richmond, recebeu a Medalha de Ouro
Chesney da RUSI e em 1917 recebeu a Ordem do Banho, no grau de cavaleiro.
Corbett, um especialista no período elizabetano, acreditava que foi nessa época que a
Inglaterra, por meio de seus estadistas formulou uma estratégia naval que seria o pontapé
inicial do futuro grande Império Britânico a ser estabelecido cento e cinqüenta anos depois.
Defendia a idéia de que o ataque assistemático contra o comércio do inimigo era uma perda
de tempo, o que o fazia se aproximar de Mahan, que assim também pensava. Certamente
correlacionava esse fato à guerra de atrição ao comércio marítimo espanhol, realizado pelos
corsários ingleses no século XVI, quando se destacou Sir Francis Drake. Da mesma forma
que Mahan enaltecia Nelson, Corbett enaltecia Drake como o verdadeiro herói inglês.
Afinal, de que maneira Corbett influenciou Richmond ? Inicialmente Richmond
travou contato com Corbett quando ambas famílias mantiveram vínculos sociais comuns,
786 PROENÇA, Domicio; DINIZ, Eugenio, RAZA, Guelfi. op.cit. p. 108.
257
oriundas da abastada classe média inglesa, com conexões nas altas esferas sociais. Em
seguida, em 1902, Corbett escreveu dois artigos para o periódico Monthly Review
comentando sobre as inadequações do sistema de ensino naval, assunto que muito
interessava Richmond e que o impressionou pela clareza das argumentações e conclusão.
Essas idéias também lhe foram transmitidas em conversações pessoais entre os dois.
Com a aproximação entre Corbett e Fisher, Richmond, assistente do último no
Almirantado, se viu mais próximo do primeiro. Naquela oportunidade, Corbett já era um
historiador consagrado e o interesse de Richmond em se aproximar dele foi natural. Logo
depois, Richmond se agregou ao NRS, no qual pontificava Laughton e como seu sucessor
Corbett.
Ambos tornaram-se amigos íntimos e confidentes. Corbett, então, incentivou
Richmond a estudar e discutir a história naval britânica de um modo sistemático. Corbett,
indicou Richmond para compilar os volumes três e quatro dos papéis de Lorde Spencer787
pelo NRS, que levaram mais de dez anos para serem lançados, uma vez que Richmond
estava envolvido em seu grande projeto do conflito naval na Guerra de Sucessão da
Áustria, publicado em 1920788. Nessa grande obra de três volumes pode-se perceber a
habilidade de Richmond em lidar com assuntos da política e da estratégia naval, ao analisar
detalhadamente os memorandos e ordens de operação das forças navais envolvidas no
conflito, interpretando minuciosamente as ações e combates entre os contendores. Sua
preocupação excessiva com o detalhe e o valor de mencionar personagens envolvidos no
processo histórico, por meio da análise de documentação primária, utilizando métodos que
lhe foram transmitidos por Laughton e Corbett, lhe fêz herdeiro dos dois historiadores.
Corbett foi um grande incentivador para que Richmond se dedicasse a escrita dessa grande
obra de história naval.789 Seu julgamento sobre essa pesquisa de Richmond foi que aquela
[Guerra de Sucessão da Áustria] era a “guerra de Herbert” e nada deveria ser alterado.790
Corbett denegria o valor da história aprendida “meramente de livros-texto” em
comparação com a história compreendida de um longo estudo de “papéis confidenciais de
787 Trata-se do livro Private papers of George, Second Earl Spencer, First lord of the Admiralty. Publicadopela Naval Records Society em 1924.788 Trata-se da The Navy in the War of 1739-1748.789 TILL, Geoffrey. Maritime Strategy and Nuclear Age. op.cit, p.44.790 SCHURMAN, op.cit. 132.
258
Estado” apoiado por uma observação direta das políticas e deliberações dos detentores do
poder.791
Corbett veio a falecer em 1922 atingindo seriamente Richmond que lamentando sua
morte no periódico Naval Review disse que “[a morte de Corbett] tinha sido um duro golpe
na história naval e como a história é matéria bruta da qual se tira o conhecimento dos
princípios de estratégia e de tática, o estudo dessas artes muito sofrerá”.792
Richmond perdia um amigo, confidente, incentivador e mentor.
- Alfred Thayer Mahan:
Mahan teve grande influência no pensamento de Richmond. Em toda a obra de
Richmond Mahan aparece com indicações de referências e comparação de percepções
sobre batalhas e campanhas navais. Isso não significa necessariamente subordinação do
pensamento de Richmond ao de Mahan, no entanto demonstra, pelo menos, o
conhecimento do primeiro sobre a obra e idéias do autor norte-americano.
Nenhum dos dois teve formação acadêmica formal em história, no entanto, Richmond
recebeu orientação acadêmica de Laughton e de Corbett, enquanto Mahan foi
essencialmente um auto-didata. Os pontos centrais coincidentes de ambos os autores foram,
inicialmente, a questão dos princípios e das lições da história. Richmond concordava
inteiramente com Mahan, chegando a afirmar que o atendimento dos princípios e de leis
estabelecidos pela história e estratégia no estudo da guerra, deveriam ser complementados
pela experiência individual, como Mahan afirmara.
Ambos utilizavam o mesmo tipo de narrativa direta e determinista ao analisar a
estratégia naval e a história. Richmond, embora não tão religioso quanto Mahan, percebia a
guerra naval com condicionantes morais que chegavam a ser ingênuos, comparados com as
visões de Mahan que acreditava que a guerra era um “mal necessário” determinado por
Deus. Ambos imputavam a guerra no mar como sendo a “guerra” decisiva, embora
Richmond considerasse que a função da Marinha, por si só, não fosse suficiente. Ele
pregava com ardor a integração entre Forças Armadas, enquanto Mahan apregoava a
791 SUMIDA, Jon. The Historian as Contemporary analyst. Sir Julian Corbett and Admiral Sir John Fisher.op.cit, p.131. 792 LAMBERT, op.cit. p. 220.
259
centralidade do mar no conflito. Isso não significa afirmar que Mahan desprezasse a força
terrestre. Muito pelo contrário. As diferenças entre ambos estavam mais na intensidade que
na forma. Para Richmond a guerra tinha uma complexidade própria, menos simplista do
que para Mahan, que afirmava sobre a história e a guerra, em um tom jominiano que “os
ensinamentos da história têm um evidente e permanente valor por que as condições
permanecem imutáveis”.793
Para ambos a história era uma ferramenta para o estabelecimento de conceitos
estratégicos e nesse ponto Mahan veio primeiro. Richmond foi aqui muito influenciado por
ele. O historiador deveria ser para ambos um educador. A função educacional da história e
da estratégia era percebida por eles da mesma forma. Acreditavam que deveria existir uma
mudança por parte das respectivas Marinhas, no modo como se estudava e se discutia essas
duas disciplinas. Para Mahan a história era prescritiva, enquanto para Richmond ela era
para ser analisada e criticada. Diferentes percepções para um modo comum de perceber a
história, a ferramenta essencial para a estratégia. Mahan, com certeza, orientou Richmond
nessa questão.
Ambos procuraram com seus livros influenciar o “homem da rua”, os seus pares e os
políticos da importância do poder marítimo para o país. Mahan considerava que os seus
compatriotas não possuíam um elemento fundamental para a expansão do poder marítimo
dos EUA que era o caráter do povo voltado para as lides do mar.794 Richmond, por sua vez,
reconhecia que os ingleses eram atraídos para o mar, entretanto temia que eles esquecessem
o passado da Inglaterra e se voltassem para outras formas de defesa do Império que não
fosse a marítima. O homem comum, imaginava Richmond, deveria ser “convencido” da
pertinência das políticas adotadas pelos homens públicos do passado. Os políticos, que lhe
eram contemporâneos, deveriam olhar para o passado e reconhecer que o poder marítimo
deveria continuar prevalente na GB. A necessidade de influenciar foi uma característica
fundamental apreendida por Richmond provinda de Mahan.
Para o desgosto de Richmond, Mahan foi muito melhor aceito que ele, fruto com
certeza do período histórico vivido pelo norte-americano, no qual o navalismo795 assumia
793 MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op.cit. p. 7.794 Esse elemento foi discutido no capitulo anterior. 795 Navalismo era uma teoria estratégica que estabelecia que quem dispusesse de uma grande Marinhaoceânica obteria o atributo essencial para se tornar uma grande potência mundial. Mahan, sem dúvida, foi oseu principal representante. Fonte: KEEGAN, op.cit. p. 333.
260
um papel preponderante, enquanto contingências econômicas limitavam a expansão do já
combalido Império britânico, acrescido da antipatia de políticos e almirantes com a
virulência de suas observações.
Os pontos discordantes entre ambos, no que diz respeito à percepção da história, são
mais de métodos de pesquisa e escrita do que propriamente de conteúdo, embora a
discussão desses conteúdos fosse diferente. O método de Mahan partia de uma idéia pré-
determinada, o que chamou de idéia central, obtendo conclusões que os fatos históricos
iriam corroborar. Essas conclusões eram obtidas tendo em vista a aplicação de seus
princípios, afirmando, dogmaticamente, que atendidos os princípios, tudo estaria sob
controle. Sua aproximação do problema era mais moderada, sem criticas exageradas a
situações ou fatos, embora não pudesse, em certas situações, delas se esquivar. As fontes
principais eram preferencialmente secundárias, e o detalhamento excessivo de fatos era por
Mahan criticado. Um método inadequado certamente. Richmond, ao contrário, era mais
sofisticado. Ele começava a sua pesquisa com um objeto e um problema a ser resolvido. A
pesquisa, baseada em extensa documentação primária, gravitava em torno dessa questão
fundamental. Ele procurava analisar, também, o papel social dos indivíduos envolvidos
nessa questão. Em seguida, procurava aplicar os princípios nas questões históricas
pesquisadas, procurando concluir pela validade desses princípios em um estilo mais
agressivo e profundo do que o de Mahan e nesse ponto ambos tinham conclusões parecidas,
porém com métodos distintos.
Mahan temia escrever sobre a chamada história do tempo presente, embora algumas
vezes isso fosse inevitável, principalmente na análise das guerras Espano-americana e
Russo-japonesa. Richmond, pelo contrário, escrevia com grande freqüência assuntos
classificados como do tempo presente, principalmente em questões contemporâneas de
projeto de força e em assuntos navais da Segunda Guerra Mundial.
Não existem dúvidas de que Mahan foi um influenciador e teve um papel importante
na formação intelectual e no modo como Richmond abordava a história e a estratégia, no
entanto pode-se questionar se essa influência estendeu-se na sua concepção de poder
marítimo. Quais os pontos teóricos concordantes e discordantes no modo como Richmond
percebia o poder marítimo ?
261
3.3- O poder marítimo segundo Herbert Richmond:
Quando Nações recorreram a guerra, a paz em condições favoráveis era o objetivo
final a ser alcançado e uma paz duradoura só poderia ser obtida por uma vitória tão
completa e total que não permitisse qualquer chance de recuperação ao perdedor. Essa
vitória só poderia ser obtida, em sua forma total, quando todo o controle da vida nacional
do derrotado caísse nas mãos dos vitoriosos, quando os meios de produção, de distribuição
e de comércio estivessem em poder do vencedor. Não deveria haver escolha para o
derrotado a não ser a rendição total, inapelável e incondicional796. Com esse pensamento,
Richmond definiu como deveria ser obtida a paz ao final de uma guerra797.
Ele qualificava a guerra como um processo para submeter o inimigo a sua vontade798.
Nesse ponto Richmond se aproximava de Clausewitz que dizia que a “a guerra era um ato
de violência com o propósito de compelir o oponente a atender a nossa vontade”.799 A
necessidade de atingir a integridade do adversário, as suas instituições políticas, seus
princípios, seus territórios e seu comércio só podia ser alcançada pela guerra vigorosa. Da
mesma maneira, a conquista desses interesses só podia ser conseguida pela guerra800, se os
seus instrumentos de paz fossem ineficazes. A forma ideal de submeter o inimigo a sua
vontade era impedir que ele trafegasse no mar trazendo importações e exportando bens.
Considerava que para a GB a guerra era preferível a diminuir o seu poder marítimo.801 Os
poderes marítimos do passado, segundo ele, não negligenciaram o uso desse poder para
cortar os fluxos de comércio de seus adversários. As guerras entre a GB e a França foram
marcadas por guerras marítimas e pela luta pelo controle das linhas de comunicação. Para
Richmond nenhuma Nação européia era totalmente independente do comércio marítimo,
embora reconhecesse que algumas dessas Nações poderiam suportar melhor os sacrifícios
impostos por um bloqueio naval do que outras802.
796 RICHMOND, Herbert. National Policy and Naval Strenght. op.cit. p. 80.797 Para a discusão dos pontos coincidentes e discordantes na percepção do poder marítimo e conceitosestratégicos entre Mahan e Richmond ver Apêndice C).798 A palavra utilizada por Richmond em seu texto para esse efeito foi “compliance” que tem o sentido deobedecer, submeter-se.799 CLAUSEWITZ, Carl Von. On War. op.cit, p. 101.800 RICHMOND, Herbert. The Navy. op.cit. p. 7.801 RICHMOND, Herbert National Policy and Naval Strenght. op.cit. p. 12. 802 Ibidem, p. 60.
262
Existiam duas maneiras de impor a vontade sobre um adversário. As populações
inimigas poderiam sofrer privações por meio de ataques diretos a cidades com grande perda
de vidas, interrupção de todas as atividades domésticas e submissão total ou poderiam
sofrer, também, privações ao se interromper o seu comércio marítimo, indo seus efeitos
desde a simples privação de bens de consumo básicos até a fome desenfreada. Assim, a
guerra, embora fosse associada ao derramamento de sangue, podia ser conduzida sem essa
perda de sangue, imaginava Richmond. Dessa forma, no primeiro caso, podia-se invadir e
ocupar fisicamente o território com Exércitos, impondo a vontade ao inimigo. No segundo
caso, a forma de impor a vontade ao adversário era cortando todas as comunicações do
inimigo com o exterior803. Aqueles países dependentes do mar sucumbiriam mais
rapidamente no segundo caso.
Tendo a GB como referência, Richmond classificava as guerras em três categorias. A
primeira categoria seria a das guerras menores com pequenos países ou o que ele chamou
de países “selvagens”804, tais como as guerras na Índia, Afganistão, Zululand, Burma e
Egito. Essas guerras seriam conduzidas para manter a segurança do Império e o comando
do mar (expressão usada por Richmond com freqüência) não havendo ameaça à GB e não
existindo um efeito direto do poder marítimo no desenvolvimento da campanha. Dessa
forma, o poder marítimo teria uma participação mínima e assim a grande carga recairia
sobre os poderes aéreo e militar que decidiriam o resultado da guerra. A segunda categoria
seria constituída das guerras que envolveram a GB individualmente ou aliada de outros
países contra um adversário de primeira classe ou de poder equivalente. Guerras como a de
1739 contra a Espanha, de Independência dos EUA, contra a França entre 1803 e 1805 e da
Criméia. Geralmente elas ocorreram em razão de disputas territoriais, por direitos de
navegação e outras razões específicas. Richmond comparou essas guerras com o que
Clausewitz (muito referenciado por ele, inclusive) chamou de ‘objetivos limitados’. Disse
Richmond que essas guerras eram conduzidas normalmente por Exércitos com o poder
marítimo assumindo um papel relevante, porém secundário, ao impedir o reforço de bases
inimigas e ao se confrontar com forças navais inimigas no mar. O resultado obtido pelo
poder marítimo seria de apoio e o resultado seria sempre ou na maior parte das vezes obtido
em terra. Citava o caso da Guerra dos Sete Anos e da Guerra da Criméia quando, apesar da
803 RICHMOND, Herbert. The Navy. op.cit. p. 9. 804 RICHMOND, Herbert. National Policy and Naval Strength. op.cit. p. 32.
263
atuação do poder naval inglês, o resultado final foi obtido no Canadá e na Criméia por
Exércitos. Por fim, a terceira categoria seria a das guerras de coalizão, envolvendo grupos
de Nações contra outro grupo de Nações. Exemplificava com as guerras de Luiz XIV, de
Luiz XV, Napoleônicas e a Grande Guerra de 1914. As forças de terra da GB formaram
parte de um todo, uma fração pequena do grande Exército aliado. Nesse caso, o poder
marítimo teria um papel fundamental, ao bloquear os portos inimigos, atacar as colônias
adversárias e as linhas de comunicação inimigas, proteger as suas próprias linhas e procurar
destruir o poder marítimo adversário. Acreditava que nessa categoria de guerra o poder
marítimo teria prevalência sobre o poder terrestre. Enfatizava, no entanto, que seria um
contrasenso imaginar que uma Nação continental seria estrangulada pelo poder marítimo
somente805. Se um poder terrestre poderoso não possuísse um poder marítimo que o
apoiasse, certamente não obteria a vitória. Da mesma forma, um país com um poder
marítimo poderoso, que não tivesse um poder terrestre compatível, não obteria tampouco a
vitória. Dizia que “nada é mais claro que a interdependência entre eles [o poder marítimo e
o poder terrestre], nada é mais incorreto ou discutível que atribuir o sucesso a um ou a outro
poder separadamente”.806 Richmond gostava de mencionar o caso da Guerra da
Independência dos EUA quando a GB perdeu a guerra em terra por não possuir um poder
terrestre compatível com o seu poder marítimo.807 Guerras envolvendo dois poderes
terrestres seriam decididos pelos Exércitos e o poder marítimo seria apenas de apoio, no
caso de transporte de Exércitos em uma faixa de mar808. No caso de um poder terrestre
contra um poder marítimo o balanceamento entre os poderes, como mencionado, seria
necessário.
Richmond tinha plena consciência do relacionamento íntimo entre a diplomacia e a
guerra. Segundo Schurman ele desgostava das influências e das pressões advindas do
Parlamento em relação ao governo sobre a política externa, no entanto apontava
cuidadosamente a existência desses fatores como fatos naturais no encaminhamento de
questões políticas.809 Dentro dessa perspectiva, reputava como fundamental o apoio do
povo para a manutenção do moral em uma campanha militar. Considerava, assim, o povo
805 Ibidem, p. 34.806 Ibidem, p. 77.807 Ibidem, p. 340.808 RICHMOND, Herbert. Sea Power in the Modern World. op.cit. p. 47. 809 SCHURMAN, op.cit. p. 141.
264
como um fator de força militar e dentro dessa idéia os ataques aéreos e bombardeios
costeiros realizados pelos alemães durante a guerra de 1914 foram por ele considerados
ações que visavam atingir muito mais o moral inglês do que a destruição de material810.
Os objetivos políticos a serem alcançados no conflito seriam determinados pelos
próprios políticos que teriam um papel fundamental para a condução política da guerra,
com o assessoramento dos militares. Nesse ponto, Richmond era certamente inflexível811. A
experiência de membros do Parlamento em assuntos navais era vital, pois assim poderiam
compreender claramente as vantagens e limitações do uso do poder marítimo. Citava o caso
de Lorde Baltimore812, um membro proeminente do gabinete em 1744 que menosprezava
esse conhecimento e experiência, considerando-as como desprezíveis para a condução da
guerra no mar. Enfatizava Richmond, ao contrário, que “a auto-suficiência de Lorde
Baltimore poderia ser, entretanto, melhor discutida, pelo modo peculiar e desafortunado
com o qual as operações navais foram conduzidas pelo gabinete do qual fazia parte”.813
O poderio de uma Nação não poderia ser medido somente em relação aos seus
poderes marítimo, aéreo e militar. Quatro outros fatores comporiam o poder latente de uma
Nação. O primeiro, a Marinha mercante, capaz de transportar bens em prol do
desenvolvimento do país. O segundo fator de importância para o poderio nacional era a
capacidade de financiar as forças envolvidas em combate e a mobilização nacional para a
campanha. O terceiro fator seria a própria geografia, isto é a posição do país em relação aos
centros de comércio e as suas rotas (as linhas de comunicação). Compunham, também, esse
fator os portos nacionais, as bases navais e as colônias e por fim o quarto fator, a
capacidade científica de uma Nação de modo a produzir os melhores instrumentos a serem
utilizados em combate.814
Passando da política para a estratégia, Richmond considerava como objeto da
estratégia o estabelecimento de uma pressão sobre o inimigo ou por assalto direto ou por
envolvimento e a redução da capacidade do adversário resistir a essa pressão, além de
810 RICHMOND, Herbert. National Policy and Naval Strenght. op.cit. p. 61.811 BAUGH, Daniel. Richmond and the Objects of Sea Power. In: GOLDRICK, James; HATTENDORF,John. Mahan is not enough. The Proceeedings of a conference on the works of Sir Julian Corbett andAdmiral Sir Herbert Richmond. 1ed. Newport, RI: Naval War College Press, 1993, p. 31.812 Richmond deveria estar se referindo a Charles Calvert quinto Barão de Baltimore, político inglês nascidoem 29 de setembro de 1699 e falecido em 24 de abril de 1751. Ele foi o proprietário da Província de Marylandna colônia britânica da América. 813 Ibidem, p. 237.814 RICHMOND, Herbert. National Policy and Naval Strenght. op. Cit. p.29.
265
impedir que ele exercesse uma pressão sobre o atacante. Por assalto ele indicava a
capacidade defensiva de impedir uma invasão e a capacidade ofensiva de sustentar
operações militares no principal teatro de combate, lançar operações diversionárias, garantir
regiões que pudessem ser usadas para ameaçar as linhas de comunicações do adversário e
por fim capturar bases inimigas, de modo a reduzir o seu poder marítimo. Por envolvimento
ele queria dizer uma tarefa essencialmente defensiva como, por exemplo, prevenir o
inimigo de impor uma pressão inaceitável sobre as linhas de comunicação amigas.815A
estratégia de guerra necessitava ser formulada com uma clara idéia de que objetivos
deveriam ser perseguidos816. A doutrina viria como um catalizador para os três serviços
trabalharem juntos e seria um facilitador para a aplicação da correta estratégia. A doutrina
traria, também, a cooperação entre as Forças Armadas que ele considerava fundamental
para a condução eficaz de uma guerra817. Ele, inclusive, não gostava de mencionar ‘guerra
naval’ ou ‘guerra terrestre’. Para Richmond existia ‘a guerra’ a ser lutada por todos818. Para
ele deveriam ser estabelecidos cinco passos para a definição de uma doutrina comum e a
sua conseqüente cooperação, Esses passos seriam os seguintes: estabelecimento de uma
doutrina de guerra em conformidade com os interesses, necessidades e capacidades em
todas as suas formas; ensino dessa doutrina a todos os oficiais no início de suas carreiras;
uso dessa doutrina como uma base de discussão nas Escolas de Guerra; aplicação dessa
doutrina na solução de problemas futuros e por fim a validação dessa doutrina na
preparação para a guerra.819 Dessa maneira Richmond considerava vital o estabelecimento
de uma doutrina comum as três Forças Armadas. Nesse mister, o CID, segundo ele, teria
um papel relevante.
De que maneira Richmond percebia o poder marítimo e quais os seus princípios
fundamentais ?
3.3.1- O poder marítimo e seus princípios fundamentais.
815 BAUGH, Daniel. Richmond and the Objects of Sea Power. op.cit, p. 27.816 McLENNAN, Bruce. The Historical Lessons and the Intellectual Rigour of Admiral Sir HerbertRichmond. Australian Defense Force Journal. N.168, 2005, p. 24. 817 RICHMOND, Herbert. National Policy and Naval Strenght. op.cit. p. 200.818 Ibidem, p.195.819 Ibidem, p. 202.
266
Richmond reconhecia a importância de Mahan na disseminação e fundamentação dos
estudos da estratégia naval. Na introdução de seu livro Sea Power in the modern world ele
dedicou 16 páginas para discutir o poder marítimo mahaniano. Considerava, inclusive, que
os estudos conduzidos pelo autor norte-americano tinham sido ‘monumentais’ e que ao se
pronunciar a palavra poder marítimo, o nome de Mahan era o primeiro a surgir na mente.820
Ao contrário de Mahan, que procurou explicar e não conceituar o que seria o poder
marítimo (sea power), Richmond definiu com clareza o que era esse poder. Disse ele que o
poder marítimo era aquela modalidade do poder nacional que permitia a seu detentor enviar
Exércitos e comércio sobre os oceanos, mares ou faixas de mar que se localizassem entre o
seu país ou países de aliados e aqueles territórios de interesse. Ao mesmo tempo deveria
impedir o inimigo de realizar o mesmo821. Seria, então, o poder de controlar as
movimentações nos mares, impedindo que o opositor recebesse os bens necessários a
sobrevivência de seu povo e suas forças militares pelo mar. Dessa forma seria, então,
obtido o ‘comando’ do mar (expressão preferida por Richmond822) pela única forma
possível que era incapacitar os instrumentos de combate do adversário823. Richmond repetia
Corbett ao se referir ao ‘comando’ do mar. Para o segundo, o objetivo da guerra naval era
ligada direta ou indiretamente ao ‘comando’ do mar ou o impedimento do inimigo em obtê-
lo824. O comando do mar significava para Corbett nada mais que o controle das
comunicações marítimas, tanto para transporte marítimo militar como para o transporte
comercial.825 A influência de Corbett se fez sentir mais intensamente nessa conceituação,
pois Richmond, também, considerava que o importante era o comando do mar traduzido em
sua capacidade de utilização e não como um controle ou a obtenção de poder e dominação,
por si só, como concebido por Mahan.
O objeto fundamental do poder marítimo, reconhecia Richmond, era controlar as
linhas de comunicação826, conceito similar a Mahan. Um país que tivesse uma Marinha de
guerra, não necessariamente, teria capacidade de possuir um poder marítimo, isto é a
820 RICHMOND, Herbert. Sea Power in the modern world. op.cit. p. 1.821 RICHMOND, Herbert. Statesmen and Sea Power. op. cit. p. ix.822 Isso não significava que ele só utilizasse essa expressão. Algumas vezes Richmond utilizou ‘control of thesea’ como sinônimo de ‘command of the sea’.823 RICHMOND, Herbert. Sea Power in the Modern World. op. cit. p. 252.824 CORBETT, Juliam. Some Principles of Maritime Strategy. Longmans, Green and Co: London, 1911, p. 87.825 Ibidem, p. 90.826 RICHMOND, Herbert. Sea Power in the Modern World. op. cit. p. 105.
267
possibilidade de exercer o controle sobre as rotas marítimas dos principais mercados
comerciais e assim ter a força necessária para influenciar eventos internacionais. Outros
elementos deveriam ser considerados, sendo que a Marinha de guerra era apenas um desses
elementos constitutivos. No próximo subitem serão discutidos esses elementos.
Para Richmond o poder marítimo inglês se manifestou como um instrumento
importante no período elizabetano, quando ocorreram as guerras contra a Espanha. A
simples necessidade de auxiliar os holandeses contra os espanhóis e a defesa contra
invasões fizeram o poder marítimo inglês assumir uma função fundamental na política
externa de Elizabeth I.827 Isso não significou que em períodos anteriores aos Tudor o poder
marítimo inglês não tivesse importância. Muito pelo contrário. Para os saxões o poder
marítimo serviu para proteger suas costas enquanto que para os normandos e plantagenetas
a principal preocupação foi a conexão marítima entre a ilha e suas possessões na França. O
poder marítimo para a Inglaterra, frizava Richmond, era uma condição essencial para a sua
existência.828
Para Richmond o poder marítimo deveria ser capaz de proteger o comércio marítimo
do Estado. Utilizava, como exemplo, os escritos de Sir Walter Raleigh que enfatizava que
para a Inglaterra existia apenas um interesse: ter segurança, isto é, impedir que qualquer
inimigo a invadisse ou que impedisse o seu comércio. O comércio, segundo Raleigh era
essencial para a Inglaterra e o “comércio requeria grandes quantidades de navios e poder de
defendê-lo e essas características representavam a força da Inglaterra”829. Richmond
corroborava essa posição de Raleigh. Dizia que o comércio marítimo era a pedra
fundamental do poder marítimo. Não houve na história, segundo ele, um grande poder
marítimo que não tivesse sido, ao mesmo tempo, um grande poder comercial marítimo830.
Assim, a proteção das linhas de comércio era o fundamento primário do poder marítimo, da
mesma forma que era para Mahan.
Existiam para Richmond duas condições para o desenvolvimento do poder marítimo
por parte de qualquer Nação. A primeira, uma necessidade intrínseca de explorar
economicamente um território para a sua população e a necessidade de proteger essa
população contra ataques externos. A segunda, um desejo de conquistar ou impor aos827 Ibidem, p. 32.828 Ibidem, p. 34.829 RICHMOND, Herbert. National Policy and Naval Strenght. op.cit. p. 4.830 Ibidem, p. 161.
268
adversários a vontade de seu Estado.831 Existiam, também, duas causas que impeliam
determinados países a desenvolverem o seu poder marítimo. A primeira causa era natural e
espontânea provocada por movimentos econômicos e sociais. Dessa maneira, o comércio
marítimo e o estabelecimento de colônias seriam a expressão do espírito nacional, da
genialidade do Estado, do caráter e atividade do povo desse Estado. Essa propensão para o
mar e para o fortalecimento do poder marítimo seria natural e a própria expressão do poder
nacional. A segunda causa era artificial, isto é, atingiria Estados que não seriam
necessariamente dependentes do comércio, mas desejosos de desenvolvê-lo para aumentar
o seu poder nacional e influência, lutando para roubar ou retirar o poder estabelecido por
outros Estados832. Na história, Richmond afirmou, as lutas no mar ocorreram pela disputa
pelo comércio. A rivalidade comercial foi o motor da guerra no mar.
Richmond considerava como potências marítimas (maritime powers) aqueles países
que, por esforços individuais de seus cidadãos, teriam desenvolvido responsabilidades e
interesses pelo mar. Assim, para que pudessem desenvolver atividades marítimas deveriam
possuir navios mercantes para o comércio marítimo e unidades de proteção desse comércio
por meio de meios de combate.833 Importante notar a diferença semântica e conceitual entre
‘maritime power’ e ‘sea power’. Para a primeira definição, Richmond apontou um Estado,
um país, isto é uma unidade política dotada de interesses marítimos, enquanto que para a
segunda enfatizou uma qualidade ou situação específica, a capacidade de influenciar os
assuntos internacionais pelo seu poder e dessa forma obter o comando do mar. Um Estado
poderia ser uma potência marítima (maritime power) sem ser um poder marítimo (sea
power) se, apesar de possuir interesses marítimos, não tivesse a capacidade de cumprir as
tarefas específicas para se tornar um ‘sea power’, isto é ter a capacidade de comandar o
mar, expressão de mais agrado para Richmond. Assim, a França era no século XVIII uma
potência marítima, no entanto seu ‘sea power’, em comparação com a GB, era inferior, pois
não conseguiu comandar o mar na maior parte do século. Um fato, no entanto era flagrante,
um poder marítimo (sea power) era sempre uma potência marítima (maritime power).
A guerra naval para Richmond era um dos ramos da guerra. As operações das forças
navais constituíam uma linha de ação para se obter o propósito final de todas as forças
831 RICHMOND, Herbert. Sea Power in the modern world. op.cit. p. 35.832 Ibidem, p. 17.833 Ibidem, p. 125.
269
militares envolvidas no conflito, qual seja, compelir o inimigo a sua vontade e forçá-lo a
aceitar a solução que melhor lhe atendesse e não a solução ou interesse do adversário. O
propósito final deveria ser, no entanto a paz, obtida a partir do atendimento dos objetivos da
guerra. A rendição de um adversário resoluto não seria obtida pela imposição de perdas
inaceitáveis em material e pessoal, mas sim pelos resultados daí advindos834. Como
exemplo, Richmond citava a Primeira Guerra Anglo-holandesa, quando os batavos
perderam batalhas navais seguidas, com grandes perdas. Não foram as perdas de navios e
homens que fizeram com que a Holanda se rendesse, mas sim a impossibilidade de
continuar o seu comércio marítimo. As perdas não interessavam aos holandeses, desde que
continuassem a comerciar pelo mar, mantendo os lucros. A imposição da vontade nesse
caso era a interrupção do fluxo comercial batavo e ele foi obtido. Voltava Richmond a
enfatizar que a imposição da vontade sobre um adversário dependente do mar seria obtida,
se fosse interrompido completamente o seu comércio marítimo. Entretanto alertava que
quanto mais uma guerra se estendesse maiores seriam as chances de fricção.835 Nesse ponto
Richmond se apropriava de um conceito fundamental de Clausewitz, a fricção836, não
definida claramente pelo autor prussiano, porém muito exemplificada por ele. A fricção na
guerra, segundo Clausewitz, era o fenômeno que fazia com que as coisas simples se
tornassem difíceis. Uma velocidade de navio que seria de dez nós e que passasse a ser de
cinco nós devido às condições adversas de mar, um bombardeio naval calculado para durar
duas horas que durasse quatro em virtude de um nevoeiro no campo de batalha, uma chuva
que impedisse a visualização de uma força naval inimiga ou mesmo uma ordem mal
compreendida por um subordinado com conseqüências desastrosas, enfim tudo que fosse
imprevisível em combate constituía a fricção. Richmond considerava a fricção como uma
característica que deveria ser sempre considerada na guerra no mar.
Richmond, da mesma forma que Mahan, acreditava que o poder marítimo era
composto de elementos. Quais seriam os elementos desse poder, segundo Richmond ?
3.3.2- Os elementos do poder marítimo.
834 RICHMOND, Herbert. Naval Warfare. Op.cit. p. 12.835 Ibidem, p. 30.836 CLAUSEWITZ, Carl. Von. On War. Op.cit. p. 164.
270
Diferentemente de Mahan, que percebia o poder marítimo com seis elementos ou
fatores fundamentais, Richmond considerava que o poder marítimo possuía somente três
elementos. O primeiro composto do comércio marítimo e da Marinha mercante, sem a qual
nenhuma força militar poderia ser transportada pelo mar837. Richmond entendia como
Marinha mercante os navios transporte, as tripulações que os guarneciam e a capacidade de
construção naval.838 O segundo seria composto da força de combate e de instrumentos de
todas as espécies, aptos a obter o controle ou comando do mar; e por fim o terceiro,
congregando as bases e possessões, sem as quais esses instrumentos de combate estariam
limitados em sua ação em alcance e tempo. Ao contrário de Mahan, que privilegiava a
geopolítica, Richmond pouco dela utilizou, preferindo se ater a considerações estratégico-
militares.
Esses três elementos para Richmond eram interdependentes. Recorrendo a história
dizia que os homens de comércio do século XVII na Inglaterra recorriam sempre ao
triângulo formado pela Marinha de guerra, ao comércio marítimo e as colônias. A Marinha
de guerra permitia a expansão e proteção do comércio exterior e assim de seu poderio naval
enquanto as colônias tornavam-se necessárias para o exercício desse poderio, compondo
um círculo virtuoso. Richmond gostava de exemplificar o discurso de Lorde Haversham839
que, na Câmara dos Lordes, mencionou a simbiose existente entre esses três elementos.
Disse Haversham:
A Marinha de guerra e o comércio têm uma grande relação einterferência mútua que não permite separação; o comércio é a mãe e aenfermeira dos marinheiros; os marinheiros são a vida da Marinha deguerra; e a Marinha de guerra é a segurança e proteção do comércio:ambos juntos são a riqueza, força, segurança e glória da Inglaterra.840
Richmond apontava que, uma vez perfeita e corretamente definidos os objetivos a
serem atendidos pelas altas autoridades navais de um país, e o mais importante,
837 Richmond utilizou a palavra ‘shipping’ já refrenciada no capítulo 1.838 RICHMOND, Herbert. Object and Elements of Sea Power.Naval Review. London: Naval Society, v. Xxxv,1947, p. 9.839 Richmond estava se referindo a Sir Arthur Divett Hayter, primeiro Barão Haversham, nascido em 9 deagosto de 1835 e falecido em 10 de maio de 1917, tendo sido destacado político inglês e membro doParlamento entre 1865 e 1917. 840 RICHMOND, Herbert. Sea Power in the modern world. op.cit. p. 38.
271
resolutamente perseguidos, a influência do poder marítimo se faria sentir, considerando que
os três elementos por ele apontados estivessem presentes. Ao contrário, se eles não
existissem, a influência do poder marítimo não ocorreria e o fracasso sobreviria.
Concordava plenamente com Mahan que o objeto final do poder marítimo era o controle do
mar, que seria traduzido nos três elementos por ele apontados.
- O comércio marítimo e a Marinha mercante.
A Marinha mercante é uma parte do comércio e uma fonte de lucros. Ela desempenha
um grande serviço à Nação, do qual há um retorno imediato que é o volume de exportações
que paga pelas importações, dizia Richmond. A diminuição da Marinha mercante traria
uma queda nos lucros, assim como a destruição de uma importante parte da indústria
nacional. Se uma grande proporção de bens de um país for dependente dos navios
mercantes de outras bandeiras, a vulnerabilidade nacional será maior e a interrupção do
comércio trará sem dúvida, em caso de guerra, a rendição do país. A dependência de navios
neutros para o abastecimento nacional seria grave vulnerabilidade, principalmente de um
Estado que dependa fundamentalmente do mar como a GB.
Um país, citado por Richmond, que não incorreu nesse caso foi a Alemanha na
Grande Guerra. Pouco dependente do mar, a Alemanha ocupou com os seus Exércitos o
Luxemburgo, a Bélgica, a Polônia e parte dos territórios da França, Ucrânia e Romênia.
Além disso, parte de seu território e de seus aliados podia prover os bens necessários à
continuação da guerra. Tal Nação não era dependente de seu poder marítimo, em virtude de
sua própria continentalidade, afirmou Richmond. Por outro lado, a GB, um poder marítimo
natural, dependia totalmente de seu comércio e de sua Marinha mercante. A interrupção de
seu comércio traria a rendição imediata. Dessa maneira, para países dependentes do
comércio marítimo esse elemento era fundamental.
Uma Marinha mercante poderosa, também, poderia ser uma reserva importante para
as forças navais. Nenhuma Nação poderia manter uma força naval de combate considerável
em tempo de paz dotada de uma reserva estratégica compatível, pois isso tornaria os custos
enormes. Assim, uma Marinha mercante robusta poderia ser uma fonte de recrutamento
importante, caso houvesse um conflito. Citava Richmond o caso da Marinha britânica que
272
na Grande Guerra pulara de 146.000 em 1914 para 640.000 combatentes em 1918. Outro
exemplo foi o da União na Guerra de Secessão dos EUA que pulou de 7.640 para 51.500
homens em quatro anos841, muitos deles provindos da Marinha mercante.
Richmond considerava que ocorriam duas fases distintas durante as guerras navais
nos períodos moderno e contemporâneo. A primeira fase envolvia uma disputa pelo
comando do mar pelas Marinhas de guerra antagonistas e nesse período combates
inconclusos ocorriam. Em uma segunda fase, estabelecia-se uma superioridade naval de um
antagonista sobre outro, fazendo com que o perdedor abrisse mão de disputar o comando do
mar. A partir desse ponto, a Marinha de guerra inferior recorria ao ataque ao comércio
marítimo do vencedor, utilizando navios menores e mais rápidos, de modo a estrangular o
tráfego marítimo do adversário. O vencedor tinha a única opção de expandir suas forças
ligeiras para combater esses corsários. Esse tipo de guerra de corso infligia grande número
de perdas, como foi verificado, após as Batalhas de La Hogue842 e Trafalgar. O valor de
contar com uma reserva de marinheiros se fez sentir naqueles momentos. A disponibilidade
e o treinamento de homens para guarnecerem navios simples, menores e auxiliares, sem a
complexidade exigida de marinheiros de guerra e assim se contraporem a esses ataques de
corsários, foi muito aumentado.
Um outro motivo importante para o desenvolvimento da Marinha mercante foi a
substituição dos afundamentos ocorridos durante um conflito. Quanto maior fosse o número
de navios mercantes, menor seria a percentagem de perdas. Por exemplo, para 1000 navios
mercantes, a perda de 100 corresponderia 10%. Para 200 navios mercantes, com o mesmo
número de perdas, a percentagem será 50%. Assim quanto maior a frota mercante, melhor
para o controle percentual de perdas. A substituição dessas perdas por uma indústria naval
vigorosa só fará com que ela continue se expandindo, trazendo benefícios para o país.
Dessa maneira, a vitalidade da Marinha mercante reside no número de seus navios e na
existência de homens do mar dispostos a correr riscos, dizia Richmond.843
Quanto mais dependente for uma Nação de seu comércio, mais importante se torna
possuir uma Marinha mercante poderosa, pois assim podem ser alcançados rincões
841 Ibidem, p. 41.842 Batalha ocorrida durante a Guerra da Liga de Augsburg em 28 de maio de 1692 entre ingleses e holandesescontra os franceses. O combate naval durou cinco dias e os ingleses tiveram vantagem, destruindo 15 naviosfranceses. Fonte: PEMSEL, op.cit. p. 60.843 RICHMOND, Herbert. Sea Power in the modern world. op.cit. p. 44.
273
alternativos distantes que substituiriam fontes de fornecimento que, por contingências
imprevisíveis, estariam impossibilitadas de manter o comércio fluindo em virtude de
mudanças políticas e militares ou por condicionantes econômicos como uma má colheita
para exportação, por exemplo.
A experiência histórica demonstrou, segundo Richmond, que a Nação dotada de um
poder marítimo prevalente não alcançou o seu propósito de controlar o mar pela ação
esporádica contra o comércio marítimo do oponente844. O que essa Nação realizou foi
impedir que esse comércio se realizasse sem tropeços. Seu sucesso foi medido não pelo
número de capturas realizadas, mas pela interrupção total do fluxo comercial do
adversário845.
O desenvolvimento desse elemento sozinho não seria suficiente para imputar a um
país ser um poder marítimo. Para Richmond outros dois elementos comporiam uma tríade
que não poderia ser excludente. Assim ele considerava importante a proteção dessa
Marinha mercante por meio da força de combate.
- Forças de combate.
Richmond considerava esse elemento fundamental e óbvio do poder marítimo. Ele
preferiu chamar ‘força de combate846’ ao invés de forças navais ou navios. Essas forças de
combate seriam os reais executantes do poder marítimo. A Marinha mercante e o comércio
dependiam da proteção das forças de combate e as bases e possessões seriam os meios que
permitiriam as forças de combate atuarem, fornecendo a capacidade de permanecerem mais
tempo no mar, aumentando a sua mobilidade. O poder marítimo, assim, seria composto de
uma trindade com esses três elementos interdependentes.
Para demonstrar a interdependência desses três elementos, Richmond gostava de
utilizar uma analogia com o boxeador que era instado a estar em condições de atingir o seu
844 Essa idéia de Richmond será discutida mais adiante quando for abordada a questão da guerra de corso.845 Ibidem, p.49.846 A expressão utilizada por Richmond foi “fighting force” que foi traduzida como ‘força de combate’.
274
adversário, a habilidade de se mover rapidamente colocando-se aonde desejasse e o poder
de derrubá-lo com um golpe demolidor com os seus músculos e preparo técnico. A Marinha
mercante atuaria como uma reserva para proporcionar condições de atingir o adversário. As
bases e possessões permitiriam a força de combate mover-se rapidamente, correlacionando-
as com sua mobilidade e por fim o golpe demolidor seria realizado pela força de
combate847.
As forças de combate tinham uma tarefa específica que era obter e exercer o controle
das linhas de comunicação no mar. O modo de obter esse controle seria por meio da
eliminação das forças de combate do oponente. Os instrumentos utilizados pela força de
combate seriam naturalmente os da Marinha de guerra, não importando que tipo de
propulsão esses meios utilizassem, nem o tamanho ou forma, a maneira como se movessem
e o armamento utilizado. O princípio que deveria governar a constituição de uma força de
combate seria a objetividade. Todos os instrumentos que tivessem a função de operar no
mar com o propósito de obter e exercer o controle do mar deveriam ser instrumentos da
Marinha de guerra848. Essa afirmação de Richmond, embora óbvia, visava garantir que tudo
que se relacionasse com as atividades de combate no mar ficassem sob a responsabilidade
naval e não a outro órgão governamental, como requerido durante a Grande Guerra, quando
houve a idéia de criar um novo ministério na GB para cuidar especificamente da guerra
submarina.
As forças de combate, que seriam as executantes do poder marítimo, eram divididas
em três tipos principais. O primeiro tipo seria composto do corpo principal, o segundo das
forças destacadas com grande autonomia e o terceiro de flotilhas ou forças leves,
basicamente com pequenas unidades com baixa autonomia. As flotilhas teriam unidades
acima d’água, como torpedeiros, abaixo d’água os submarinos e por fim no espaço as
aeronaves.
Quando duas forças navais se opusessem, o procedimento normal, segundo ele, era
agrupar os meios de combate em um corpo principal que se oporia ao corpo principal do
adversário. Os navios típicos para esse corpo seriam os antigos ‘navios de linha’ e na época
de Richmond os encouraçados. Essa massa de combate deveria ser apoiada por forças de
esclarecimento, com navios menores que os da linha de combate e os navios ideais para
847 Ibidem, p. 55.848 Ibidem, p. 56.
275
compor essas forças seriam os cruzadores. Esses navios, também, eram responsáveis pelas
comunicações da esquadra e pela defesa das linhas de comunicação da Nação. Para
Richmond os cruzadores eram navios fundamentais para o poder marítimo.
O princípio da massa ou concentração seria o princípio governante para o corpo
principal e o navio escolhido, como visto, era o encouraçado ou o navio capital, isto é o
navio mais poderoso de uma esquadra849. Eles agiriam em conjunto para tomar parte ativa
no engajamento. Dos séculos XVII ao XIX compunham a linha de batalha os navios de
linha, as naus. Os esclarecedores que naquele período eram fragatas serviriam como postos
avançados do corpo principal. Ao tempo de Richmond os melhores esclarecedores eram os
cruzadores. Outros navios atuariam como auxiliares do corpo principal tais como
torpedeiros, contratorpedeiros, submarinos e aeronaves.
Os navios de combate necessitariam obrigatoriamente de bases e possessões não
necessariamente localizadas no país. Esses comporiam o último elemento do poder
marítimo.
- Bases e possessões.
Richmond dizia que a experiência histórica indicava que nenhuma força naval podia
operar sem apoio de uma base. Uma frota naval moderna, congregando grandes navios de
combate, mesmo com grande autonomia, não era capaz de se manter continuamente em
combate sem o concurso de bases de apoio ou possessões. Tanto as trirremes ou galeras na
Grécia clássica e Cartago, assim como os navios à vela dos séculos XVII e XVIII
dependeram de bases de apoio850.
Apesar de considerar Elizabete I uma grande rainha, Richmond não poupava críticas a
sua conduta estratégica. Dizia ele que Elizabete gravitava entre uma estratégia terrestre e
uma estratégia naval. Ela preferia a estratégia de menor custo com todas as suas
inconveniências.851 Contudo, sua maior deficiência estratégica residia na falta de percepção
849 Ver capitulo 1. Richmond tinha uma interpretação distinta do que seria navio capital, o navio maispoderoso da esquadra. O navio capital para Richmond não seria necessariamente o encouraçado, mas o naviomais poderoso de determinada esquadra. Se o contratorpedeiro fosse o navio capital de certo país, ele seria onavio capital. Como exemplo citava o caso da guerra entre o Chile e o Peru no século XIX quando o naviocapital dos dois países foi o cruzador couraçado de apenas 3.500 toneladas. Fonte: Ibidem, p. 59. 850 Ibidem, p. 51.851 RICHMOND, Herbert. British Strategy Military and Economic. op. cit. P.7.
276
de que faltava um elemento fundamental no poder marítimo inglês. Uma série de bases que
apoiasse a nascente Marinha real. Lorde Hawkins852 chegara a propor a Elizabete que Drake
ocupasse os Açores, de modo a atacar os comboios espanhóis que vinham do Novo Mundo,
a partir dessa importante posição estratégica853. Elizabete não aquiesceu e a chance foi
perdida.
Outra importante região para a Inglaterra era o Mediterrâneo. Apontava que Oliver
Cromwell já percebia esse fato no século XVII e a necessidade de conquistar uma posição
na entrada desse mar, de modo a apoiar a esquadra inglesa lá operando. A amizade da
Inglaterra com Portugal passava, sem dúvida, pela necessidade de utilizar os portos
lusitanos próximos a entrada do Mediterrâneo. Parte dessa necessidade foi atendida quando
Carlos II recebeu como dote de seu casamento com a filha do rei de Portugal a cidade de
Tanger na entrada do Mediterrâneo, perdida, no entanto, tempos depois.854 A tomada
definitiva de Gibraltar em 1704 e de Minorca em 1708, ambas durante a Guerra de
Sucessão da Espanha, foi essencial para o poder marítimo britânico até o século XX.
Richmond enfatizava, também, que um dos motivos para a demora no
estabelecimento de comboios na Grande Guerra de 1914 tinha sido a recusa de certos países
neutros, detentores de bases intermediárias de apoio, em cederem esses locais como pontos
de apoio. Dessa forma, era fundamental para o fortalecimento do poder marítimo a posse de
bases e colônias de apoio tanto para a Marinha mercante como para a Marinha de guerra.
No caso de um país não possuir as bases necessárias de apoio, poderia muito bem se
beneficiar de bases aliadas. Mencionava o caso do Império britânico possuir muitas bases e
colônias espalhadas ao redor do planeta, contribuindo dessa forma, para a proteção dos
comboios aliados na Grande Guerra. Assim as possessões, colônias, domínios ou territórios
da GB eram parte integrante do poder marítimo britânico e a sua posse tinha um efeito
direto nas relações internacionais com outros países. O próprio Bismarck em 1865 disse ao
embaixador dinamarquês que sem colônias a Prússia não poderia se transformar em uma
grande Nação marítima, assim a aquisição dessas posições era fundamental para o seu país.
852 Richmond estava se referindo a Lord John Hawkins, nascido em 1532 e falecido em Porto Rico em 1595.Ele foi um dos responsáveis pela organização da Marinha de Elizabete I e vencedor do combate contra aArmada espanhola. Foi exímio navegador e um dos principais organizadores do tráfico negreiro para aspossessões inglesas no Novo Mundo.853 RICHMOND, Herbert. The Objects and Elements of Sea Power. op.cit. p. 12.854 Ibidem, p. 13.
277
Se um país não possuísse bases de apoio ou colônias, além da vulnerabilidade
estratégica, deveria despender mais recursos com a construção de grandes navios que
possuíssem maior capacidade de permanecer no mar sem abastecimento. Muitas vezes os
gastos seriam proibitivos. Mais barato seria a conquista de novos territórios que tivessem as
condições de abrigar tanto a Marinha mercante como a Marinha de guerra. Seria um grande
erro supor que grandes navios teriam condições operacionais de atuar afastados de seus
portos nacionais, sem bases de apoio próximas ao teatro de operações. Para Richmond, o
aumento dos navios não resolveria o caso da permanência no mar. O que resolveria,
segundo ele, era a aquisição de novos territórios e o estabelecimento de portos ou bases
nesses locais, e aqui certamente concordava com Mahan. A defesa eficaz das linhas de
comunicação e de comboios só seria praticável se existissem bases de apoio próximas.
Para Richmond esses três elementos constituintes do poder marítimo nunca mudaram,
apesar das alterações ocorridas na política internacional, na economia global e na
tecnologia naval.855 Esse determinismo categórico em muito se assemelha a visão que
Mahan possuía dos seus próprios elementos.
Uma vez apresentados os três elementos do poder marítimo, torna-se relevante
discutir as concepções estratégicas desse poder, de acordo com Herbert Richmond.
3.3.3- Considerações político-estratégicas sobre o poder marítimo, segundo Herbert
Richmond.
Richmond afirmou que o papel da Marinha de guerra era obter o comando do mar.
Para ele o significado do comando do mar era que aquele Estado que o possuísse, poderia
utilizar o mar como uma rota para o seu comércio e seus Exércitos, e poderia impedir o
inimigo de fazê-lo. O comando do mar não era apenas obtido com o uso de navios de
superfície. Segundo ele, não se poderia afirmar durante a Grande Guerra que a GB tinha
obtido o comando do mar pleno, uma vez que os submarinos alemães operavam
eficientemente contra o tráfego marítimo, prejudicando seriamente o esforço de guerra
aliado856. Para que o comando do mar fosse realmente obtido era necessário o domínio dos
três elementos, sobre a superfície, sob a superfície e no ar sobrejacente ao mar e a
855 Ibidem, p. 15.856 RICHMOND, Herbert. The Naval Role in modern warfare. op.cit. p. 5.
278
capacidade de utilizá-lo em seu próprio benefício. O comando do mar para ele seria útil
somente para o fim a que se propusesse857. Um exemplo citado por Richmond a respeito
desse efeito foi o fato da Alemanha, com sua postura defensiva na Grande Guerra, evitar o
combate com a Marinha Real britânica impedindo o comando do mar pleno da GB. Disse
ele o seguinte:
Nós temos agora [durante a Grande Guerra] um total comando do mar,não considerando as águas sob disputa com submarinos [inimigos] bemmais completo do que possuímos alguma vez em qualquer guerra navaldo passado e apesar disso fazemos pouco progresso e tiramos cada vezmenos vantagens disso858.
Sua percepção de comando do mar era idêntica a percepção de Mahan de que o
controle do mar seria obtido pela obtenção da superioridade marítima e do controle das
linhas de comunicação, impedindo que o inimigo fizesse o mesmo, no entanto sua ênfase
estava na utilização e não necessariamente no seu controle absoluto. O propósito principal
era impedir o comércio marítimo e o transporte dos Exércitos inimigos pelas faixas de mar
em disputa.
De que maneira Richmond imaginava a obtenção do comando do mar ? Ele
certamente não desprezava a batalha decisiva como instrumento para obter esse comando,
no entanto considerava que ela não era a única forma possível de se obter esse comando. A
tarefa fundamental de uma Marinha de guerra era proteger as linhas de comunicação e não
procurar a batalha a qualquer custo. A centralidade da batalha, tão cara a Mahan859 ,para ele
não tinha nenhum sentido. Isso não significava dizer que a força naval inimiga deveria ser
ignorada. Isso seria um absurdo e Richmond bem o sabia. Dizia, inclusive, que a batalha
decisiva era um passo preliminar essencial para a obtenção do controle do mar860. A vitória
na batalha, por si só, não conferia automaticamente esse controle, no entanto possibilitava
uma grande chance para esse fim. Considerava, também, que a Marinha superior não teria
condições de forçar um engajamento a um adversário inferior, se ele assim não desejasse.861
Alegava que a melhor maneira de se contrapor a uma força naval inimiga era impedir a sua857 MARDER, Arthur. The Portrait of an admiral. op.cit p. 187.858 Ibidem, p. 142.859 TILL, Geoffrey. Maritime Strategy and the nuclear age. op.cit. p. 100.860 RICHMOND, Herbert. National Policy and Naval Strenght. op. cit. P. 124.861 BAUGH, Daniel. Richmond and the objects of sea power. op. cit p. 30.
279
concentração em alguma base e assim anular sua ação ofensiva. Não haveria a necessidade
de destruí-la862. O posicionamento de forças navais em pontos-chave e a redução das
chances de sortidas, por meio da conquista de suas bases de apoio, teriam um efeito similar
a destruição pura e simples do inimigo em combate.
Para ele faltou ao Almirantado britânico impedir qualquer ação ofensiva da Marinha
alemã e a iniciativa de se apoderar de suas bases. A ênfase exagerada da Marinha britânica
na batalha decisiva durante a Grande Guerra foi um erro básico, segundo ele. Os oficiais
que se concentravam na busca dessa batalha eram simplesmente “lutadores estúpidos”,
segundo suas próprias palavras863. A tarefa dos oficiais era executar planos estratégicos e a
batalha decisiva seria um meio de se obter o comando e não um fim em si. Além disso,
afirmava que a fixação estratégica na busca da batalha decisiva como ocorreu na Grande
Guerra de 1914 carreou recursos fundamentais que melhor seriam empregados na defesa do
comércio e na busca de operações navais afastadas do território inglês.864
Richmond contrastava Mahan, ao afirmar que o objeto principal da guerra marítima
era neutralizar a força naval inimiga e não necessariamente destruir essa força.865
Entretanto, reconhecia que Mahan tinha razão em alguns princípios fundamentais ligados
ao comando do mar. Dentre esses avultava o princípio da concentração.
- Concentração de forças.
Para Richmond existiam três princípios de guerra fundamentais derivados da
experiência de guerra e da análise de seus resultados. O primeiro era o princípio do
objetivo866 e a decisão de concentrar todos os seus esforços nesse objetivo. O segundo era
obter a superioridade no local decisivo [por meio da concentração local] e no tempo
determinado e assim dispor e manobrar com superioridade, enquanto durar a ação e por fim
862 Mc LENNAN, Bruce. The historical lessons and intellectual rigour of Admiral Sir Herbert WilliamRichmond op.cit, p. 23.863 RICHMOND, Herbert. The Navy in the war of 1739-1748. v.1. op.cit. p. Xii.864 TILL, Geoffrey. The Developmento of British Naval Thinking. op.cit, p. 115.865 RICHMOND, Herbert. Naval Warfare. op. cit. P. 25.866 O princípio do objetivo diz respeito aos efeitos desejados que se espera obter. A seleção e a clara definiçãodos efeitos desejados são essenciais para a condução da guerra e para a realização das operações. Fonte:MINISTÉRIO DA MARINHA. Doutrina Básica da Marinha, op. cit. p. 2.7.
280
o terceiro princípio, proteger as bases e comunicações com economia de meios867,
exercendo sempre a iniciativa para colocar o adversário na defensiva.
Como Mahan, Richmond considerava a concentração, ligada ao objetivo, como o
principal princípio da guerra no mar.868 Sua interpretação desse princípio era idêntica a
visão de Mahan. Dizia que a concentração de esforços era a condição primordial de sucesso
não só na guerra naval, mas também em qualquer atividade humana. O principal objeto das
forças navais era, assim, atingir a concentração das forças navais inimigas, sendo essa
concentração exercida sobre qualquer tipo de navios inimigos869. Para que essa
concentração fosse efetiva era necessária a disponibilidade de bases. Entretanto reconhecia
que a batalha decisiva não deveria ser perseguida por si só.
Richmond reconhecia o valor da concentração naval britânica no Canal da Mancha,
não apenas para a proteção do comércio nessa área e contra a invasão provinda do mar, mas
principalmente para dispor de uma força naval poderosa e concentrada para se defrontar
com um adversário que quisesse o forçamento de uma batalha decisiva.870 A esse fato ele se
referia as guerras contra os holandeses e franceses entre os séculos XVII e XIX.
Um dos exemplos clássicos de Richmond na deficiência da Marinha Real britânica
em concentrar em razão de condicionantes estratégicos foi o ocorrido na Guerra de
Independência dos EUA. Disse ele que a primeira fase da guerra terminou na rendição de
Saratoga em 1777. Imediatamente a França preparou-se para lançar na balança o seu
recentemente constituído poder marítimo em apoio aos colonos americanos. Tornou-se
impossível para a Marinha Real britânica ser superiora no Canal da Mancha perante a força
francesa localizada em Brest e ser superiora no Mediterrâneo contra os franceses baseados
em Toulon e o mais importante impedir que as duas forças se juntassem para apoiar os
rebelados na América. Sendo obrigada a se dispersar, ela não foi superior em nenhum
lugar, assim não pôde impedir o deslocamento de uma forte divisão naval francesa que
suspendeu de Toulon em junho de 1778 em direção à América do Norte. A falha em
interceptar essa força provocou uma concentração naval francesa nas costas americanas,
tornando impotente a esquadra inglesa naquelas paragens871. 867 O princípio da economia de meios abrange o uso econômico das forças, com o emprego judicioso de meiospara a obtenção do esforço máximo nos locais e ocasiões decisivas. Fonte : Ibidem, p. 2.8. 868 RICHMOND, Herbert. National Policy and Naval Strenght. op.cit. p. 233. 869 RICHMOND, Herbert. Naval Warfare. op.cit. p. 53.870 SCHURMAN, Donald. op.cit. p. 142.871 RICHMOND, Herbert. Statesmen and Sea power. op.cit. p. 147 a 149.
281
Dessa forma, Richmond concordava plenamente com Mahan a respeito da
importância que o princípio da concentração tinha na guerra, tanto no campo tático como
estratégico.
- Linhas de comunicação.
Richmond percebia, da mesma maneira que Mahan, a importância das linhas de
comunicação para os contendores. Dizia que uma Marinha de guerra não poderia manter
abastecido um Exército operando afastado do território nacional se não garantisse as linhas
de comunicação ligando portos do próprio país. A população deveria ser mantida com bens
e abastecimentos, matérias-primas deveriam ser exportadas e importadas e assim esses
recursos poderiam financiar o esforço de guerra. Dessa forma, a função principal era a
proteção dessas linhas de comunicação e qualquer ameaça que as transformasse em vias
inseguras, afastaria os Exércitos em combate da vitória, assim como trariam carestia que, na
média duração, poderia provocar a rendição de uma Nação diante de um adversário
aguerrido. Logo o principal propósito do poder marítimo era a proteção do comércio que
transitava nas linhas de comunicação.
Richmond considerava que as linhas de comunicação marítimas eram
fundamentalmente diferentes das linhas de comunicação terrestres, pois as últimas ligavam
basicamente Exércitos, enquanto no mar as linhas podiam até ser disputadas pelos
contendores, fato improvável com frentes terrestres de contato entre Exércitos antagônicos.
Citava o caso das linhas de comunicação da GB e da Alemanha durante a Grande Guerra de
1914 que passavam pelas mesmas áreas no Mar do Norte e Canal da Mancha. A GB ao
obter o comando do mar nessas áreas tinha protegido as suas linhas, ao mesmo tempo em
que ameaçava as linhas alemães872.
A melhor forma de proteger essas linhas de comunicação contra corsários de
superfície era posicionar cruzadores permanentemente estacionados em bases, colônias e
possessões britânicas, de modo a se contrapor a esses inimigos873. Assim tornava-se
fundamental a aquisição de colônias para lá serem estabelecidas bases, daí tornarem-se,
para ele, um dos elementos do poder marítimo.
872 RICHMOND, Herbert. National Policy and Naval Strenght. op.cit. p. 89.873 Serão discutidos a frente métodos de proteção do comércio, segundo a visão de Richmond.
282
- Bases, possessões e colônias.
As bases, possessões e colônias constituíam para Richmond elementos fundamentais
para o poder marítimo. A sua utilização detinha relevância política e estratégica.
Como discutido, as bases deveriam apoiar a Marinha com facilidades de reparos,
manutenção, descanso e abastecimentos, no entanto elas não atuavam apenas como pontos
de apoio logístico. Existiam necessidades estratégicas associadas às bases. Elas poderiam
servir, também, como trampolins para ataques da força naval aliada, principalmente se
estivessem localizadas em linhas interiores874, que Richmond considerava fundamentais
para a obtenção da vitória. Embora não especificasse diretamente, considerava como
primordial a posse de bases que impedissem a união de esquadras inimigas por sua posição
estratégica privilegada, como por exemplo Gibraltar, em uma clara concordância com o
conceito de posição central.
Muitas vezes as bases logísticas não eram as mais apropriadas para servirem como
bases estratégico-operacionais. Citava o caso das bases inglesas nos séculos XVII e XVIII.
Não era de Portsmouth, uma base logística, que a Marinha Real inglesa vigiava a esquadra
francesa de Brest, mas a partir de Torbay ou Davenport, bases operacionais. Da mesma
forma, não era de Chatham, uma base logística que os holandeses eram vigiados, mas sim
de Yarmouth ou Gunfleet, bases operacionais.
Outro fator que deveria ser observado era a segurança que a base proporcionaria para
os navios nela localizados. Richmond citava o caso da base de Scapa Flow na Escócia,
onde se localizava a Home Fleet875 britânica. Existiam dificuldades de navegação na
entrada da base, além da instalação de redes anti-torpedo para impedir a entrada de
submarinos, no entanto Richmond ainda levantava dúvidas a respeito de sua segurança876.
Quase como um alerta, Richmond clamou pela insegurança de Scapa Flow. Dois anos
depois desse alerta, em 1939, um submarino alemão, o U-47, comandado por um ousado
874 RICHMOND, Herbert. The Navy. op.cit. p. 71.875 A Home Fleet era a principal esquadra britânica localizada no Reino Unido.876 Ibidem, p. 72.
283
oficial não só adentrou Scapa Flow, como afundou o encouraçado inglês HMS Royal Oak
em uma ação destemida que demonstrou a fragilidade daquela base naval.877
Dessa maneira, seria importante para Richmond que a base ou posição estratégica
fosse dotada de uma proteção local, composta de campos de minas marítimas, artilharia de
costa e redes de proteção, além de estar próxima o bastante das linhas de comunicação do
inimigo de modo a perceber a movimentação adversária antecipadamente.
Richmond preocupava-se com a população civil que habitava próximo a uma base
naval pela possibilidade de ser atingida pelo bombardeio efetuado pelo inimigo, tanto por
aviação como por navios, como ocorreu nas duas grandes guerras do século XX, em
especial na segunda. Considerava esses atos de ataque a civis como inumanos, entretanto
considerava que a retaliação seria validada, repetindo Lorde Horatio Nelson que dizia que
caso os espanhóis destruíssem a cidade de Gibraltar “seria permitido que Cadiz e Málaga e
muitas outras cidades espanholas fossem destruídas também”878.
Outra consideração estratégica relativa à posição das bases levantada por Richmond
referia-se a sua proximidade de campos de aviação inimiga. Malta, por exemplo, tornou-se
vulnerável à aviação italiana logo no início da Segunda Guerra Mundial, assim os navios
não deveriam estar lá localizados. A solução seria transferi-los para Alexandria, perdendo-
se assim a vantagem de uma posição central de Malta.879
Como bases importantes no Índico, Richmond apontou a captura de Trincomali no
Ceilão como relevante, de onde se poderia patrulhar tanto a leste como a oeste no Índico,
em uma excelente posição central. Na China, Hong Kong assumiu uma posição ímpar no
século XIX, no entanto perdeu importância no século seguinte, por não poder abrigar
fisicamente uma força naval britânica de maiores dimensões. Por outro lado, Singapura
localizava-se em uma posição fundamental, de modo a proteger tanto o Índico a oeste como
a Austrália a leste, segundo Richmond. O Japão, antes da Segunda Guerra Mundial,
considerou em diversas discussões multilaterais que a base britânica de Singapura era uma
ameaça a sua segurança. Richmond contra-argumentava alegando que Singapura não
877 Essa ação ocorreu no dia 13 de outubro de 1939. O comandante do submarino era o capitão-tenenteGunther Prien. O HMS Royal Oak deslocava 27.000 toneladas e tinha sido reformado em 1934. Nessetorpedeamento morreram 800 marinheiros e oficiais. Por ocasião da primeira explosão, a maioria datripulação inglesa imaginou que a detonação ocorreu devido a um acidente e não em torpedeamento, um errofatal. Fonte: BELOT, R. de. A Guerra Aeronaval no Atlântico. op.cit, p. 61.878 RICHMOND, Herbert. The Navy. op. cit. P. 80.879 Ibidem. P. 73.
284
poderia ser considerada como uma ameaça, pois distava 2.500 milhas náuticas do Japão,
isto é a mesma distância entre Gibraltar e os Dardanelos880. Apesar dessa alegação de
Richmond, logo após o ataque a Pearl Harbour, os japoneses tomaram a base de Singapura,
afundando previamente o HMS Prince of Wales e o Repulse.881 Os japoneses continuaram
acreditando na ameaça que Singapura significava para a expansão nipônica na Ásia.
Da mesma maneira que Mahan, Richmond considerava fundamental a posse de bases,
possessões e colônias para o desenvolvimento de poder marítimo. Dessa maneira, quais
seriam os fundamentos para a obtenção do comando do mar, segundo Richmond ?
- O poder marítimo e a obtenção do comando do mar, segundo Herbert
Richmond.
Como discutido, para que fosse obtido o comando do mar Richmond não descartava a
batalha decisiva, embora não a destacasse como a única solução possível. Em situações
favoráveis, a batalha deveria ser perseguida, para tal era importante balancear o segundo
elemento do poder marítimo, as forças de combate, que se constituíam para ele o aspecto
‘executivo’ do poder marítimo.
Quando duas forças se defrontavam para o combate decisivo, o propósito lógico era
destruir uma a outra. Assim tornava-se natural que a massa de meios componentes da linha
de batalha fosse composta dos mais poderosos navios disponíveis. Compunham essa massa
os encouraçados. Esse grupo de navios iria necessitar de outra força de apoio chamada de
força esclarecedora com navios que pudessem patrulhar a vante da linha de batalha,
obtendo informações antecipadas e mantendo as comunicações da esquadra, além de
proteger as linhas de comunicação amigas, conforme discutido anteriormente.882
Normalmente os navios inimigos designados para atacar as linhas de comunicação
eram de pequenas dimensões, de modo a aproveitarem as características de velocidade e
880 Ibidem, p. 76.881 Os dois afundamentos ocorreram no dia 10 de dezembro de 1941. Ambos foram atingidos por torpedos ebombas lançadas por aviões japoneses, indicando a vulnerabilidade de navios sem proteção aérea. Fonte:BELOT, R. de. A Guerra Aeronaval no Pacífico, 1941-1945. Rio de Janeiro: Record, [196-], p. 69. 882RICHMOND, Herbert. Sea Power in the modern world. op. cit. P. 57.
285
dissimulação. Assim, o melhor navio para destruir esses corsários era o cruzador. Dessa
forma, como o propósito do poder marítimo era proteger as linhas de comunicação, assim
tornava-se necessário destruir os corsários; como conseqüência direta, o melhor navio para
compor uma esquadra seria o cruzador, imaginava ele. E qual seria o número ideal de
cruzadores necessários a cada contendor no mar ? Richmond respondia que o número de
cruzadores de cada poder marítimo deveria ser o suficiente para a proteção das linhas de
comunicação de cada país. Certamente que ele se referia a grande discussão dos anos vinte
do século XX, a Conferência Naval de Washington de 1921 e 1922, em que se discutia o
número e a tonelagem dos navios das principais potências navais após a Grande Guerra.
Para ele o aumento descomunal dos navios, a partir do final do século XIX com o
conseqüente aumento exorbitante nos custos, não acompanhava proporcionalmente o
aumento de sua segurança, muito pelo contrário, ocorrera uma corrida armamentista de
enormes dimensões que trouxe ainda mais insegurança internacional. A justificativa
alegada por muitos especialistas para o aumento das dimensões dos navios era derivada do
aumento da letalidade das novas armas, torpedos e bombas. Richmond contra-argumentava
que essa justificativa não tinha cabimento, pois os navios já estavam se tornando enormes
antes mesmo do desenvolvimento de novas armas.883 O aumento nas dimensões dos navios
só trouxera uma competição naval de graves resultados e em conseqüência uma guerra
mundial sangrenta.
Richmond considerava o cruzador como o melhor meio de combate em qualquer
Marinha. O ideal seria um cruzador de 10.000 toneladas de deslocamento884, dotado de
maiores velocidades que o encouraçado e um armamento de calibre médio de 8 polegadas,
pois ele congregava o poderio dos pequenos encouraçados do século XIX, que considerava
adequados para a guerra no mar, com o tamanho ideal dos cruzadores para cumprir ambas
as funções, fustigar o adversário e proteger as linhas de comunicação.
Qual seria o papel do encouraçado na guerra moderna, segundo Richmond ?
Argumentava contrariamente aos grandes encouraçados, alegando que o objetivo de uma
Marinha de guerra era impedir uma invasão pelo mar e prevenir o estrangulamento do
comércio marítimo. Dizia que o aumento no deslocamento dos navios, com aumento do
883 Ibidem, p. 61.884 Apenas como comparação o encouraçado HMS Dreadnought deslocava 20.000 toneladas com canhões de12 polegadas.
286
calibre dos canhões, como no caso dos grandes encouraçados, não traria em conseqüência
um aumento na mesma proporção de sua segurança a outros tipos de armas como o torpedo
e bombas aéreas. Afirmava que era um “fato reconhecidamente conhecido a inutilidade de
se perseverar em construir um navio invulnerável”885.
As Nações no final do século XIX e início do XX construíram grandes encouraçados
para garantir a sua segurança, no que foram seguidas por adversários para o mesmo
propósito em um verdadeiro círculo vicioso que aumentou os custos dramaticamente, sem o
aumento proporcional da segurança e invulnerabilidade. Queria-se sempre “o maior e o
melhor”.886 Os grandes encouraçados surgiram. Os grandes navios requeriam grandes bases
de apoio e maiores profundidades nos canais de acesso. Se não existissem esses canais se
deveria dragá-los com o conseqüente aumento de custos. Por outro lado, diminuindo-se os
calados dos encouraçados, iria ser diminuído o seu tamanho devido a incompatibilidades
técnicas de construção naval. Além disso, esses grandes navios requeriam enormes diques
secos para manutenção, o que fazia aumentar ainda mais os custos.
A disputa entre o canhão e a couraça, também, foi outro fator no aumento do tamanho
dos encouraçados. Esse aumento nos encouraçados não foi motivado apenas pelos torpedos
ou bombas, mas sim em razão das granadas de artilharia dos adversários serem cada vez
mais potentes. Certamente que os torpedos e bombas aumentaram a letalidade da mesma
maneira, argumentou ele. O aumento do encouraçado em relação a novas armas não trouxe
a segurança requerida, logo o encouraçado poderoso como resposta ao comando do mar não
era a ideal. O que deveria ser desenvolvido não era o aumento no tamanho dos navios, mas
sim o desenvolvimento de novas táticas, métodos de combate e o incremento na sua
flexibilidade e mobilidade.887
Enfatizava, também, que por serem muitos caros, os almirantes temiam arriscar os
encouraçados a novas ameaças, diminuindo assim a sua versatilidade e eficiência. Em
1920, logo após o termino da Grande Guerra, Richmond declarou o seguinte:
[O encouraçado] perdeu a sua mobilidade, sua liberdade de movimento,seu raio de ação, seu grande poder ofensivo. Ele não é mais supremo nomar, seu propósito principal, se for para o mar, é proteger-se [e ser
885 RICHMOND, Herbert. Sea Power in the modern world. op.cit. p. 83.886 Ibidem, p. 83.887 Ibidem, p. 218.
287
protegido]; ele não pode mover-se sem navios auxiliares de todos ostipos...e...seu custo é proibitivo.888
Dessa forma, Richmond criticava a ênfase exagerada no grande encouraçado que
poderia ser uma arma vulnerável a outros instrumentos de combate como o submarino e a
aeronave e o custo x benefício desses grandes navios indicava a diminuição de suas
dimensões em prol de navios menores e mais baratos. Richmond não deixava de ter razão,
pois houve, cada vez mais, preocupação na Marinha inglesa após a Grande Guerra na forma
como proteger os encouraçados de submarinos e aviões.889 Assim sua visão da utilidade do
encouraçado diferia da visão de Mahan. Sua preocupação maior era a defesa das linhas de
comunicação e uma campanha bem conduzida, por um adversário resoluto contra o tráfego
marítimo, poderia trazer o colapso da GB. Dessa maneira insistia na construção de navios
que protegessem esse fluxo logístico que eram os cruzadores e os contratorpedeiros. Para
ele os encouraçados não teriam a versatilidade requerida e afinal o poder marítimo existia
para a proteção das linhas de comunicação e não para o forçamento de uma batalha
decisiva.
Mahan não teve a chance de observar o desempenho dos submarinos e da aviação
naval em combate durante as Grande Guerra e Segunda Guerra Mundial890, ao contrário de
Richmond que morreu em 1946. É de se esperar que Richmond defendesse ardorosamente
ambos instrumentos de combate, no entanto sua percepção do que ocorreria na guerra naval
no período entre guerras foi totalmente enviesado, em relação a essas duas eficientes armas
de combate. Ele percebia paradoxalmente, no entanto, que a aviação iria mudar totalmente
a guerra no mar. Disse ele o seguinte a respeito da aviação:
O que tem ocorrido como resultado da descoberta da aviação não é que opoder aéreo venha deslocar a importância do poder marítimo, mas queum novo instrumento do poder marítimo apareceu e modificou a condutadas operações navais como o vapor modificou a guerra e os torpedeiros esubmarinos modificaram a guerra igualmente.891
888 RICHMOND, Herbert. The Future of the Battleship. Naval Review. N. 8, 1920, p. 368-369. O professorDaniel Baugh considera esse artigo de Richmond como um dos mais brilhantes escritos pelo autor sobre oassunto e tudo o que Richmond predisse acabou ocorrendo na Segunda Guerra Mundial. Fonte: BAUGH,op.cit. p. 34.889 Idem. 890 Mahan morreu em dezembro de 1914.891 RICHMOND, Herbert. Sea Power in the modern world. op. cit. P. 138.
288
Apesar dessa afirmação, Richmond não propugnou energicamente o desenvolvimento
da arma aérea no combate naval. A construção de porta-aviões não entrou em discussão no
seu pensamento estratégico. No fundo acreditava que os porta-aviões eram caros e
vulneráveis, da mesma forma como percebia os encouraçados892. Considerava que era
melhor para uma Nação, com orçamentos limitados, despender recursos em navios de
superfície que pudessem atender a uma série de tarefas que porta-aviões não poderiam.893
Rejeitava, ainda, a preponderância do poder aéreo em detrimento do poder marítimo,
principalmente a visão largamente discutida de que por meio do bombardeio aéreo
estratégico contra a Alemanha, a partir de 1942, a vitória seria obtida. Considerava
fundamental a cooperação entre as Forças Armadas e não a preponderância de uma sobre a
outra.
Outro paradoxo de seu pensamento era a utilização do submarino na guerra moderna.
Correlacionava os submarinos com os cruzadores, já que tinham a tarefa de agir contra o
comércio marítimo. Seu sistema de armas proporcionava dominar qualquer navio mercante
em combate. Aceitava o fato de que o submarino era a arma do poder marítimo mais fraco e
que, em razão de sua atuação furtiva contra as linhas de comunicação, desviava forças
importantes do adversário para a sua destruição. Avaliava, no entanto, que os danos
infligidos ao comércio marítimo não eram grandes nem decisivos e eles serviam mais para
preservar a honra e enaltecer a coragem dos submarinistas. Considerava o submarino uma
arma cara, sendo o mais caro dos navios, se for considerado o preço tonelada/custo894.
Afirmava que o submarino era ineficiente para a defesa da GB e que a sua posse não
aumentava a segurança da Nação. Alegava que o poder marítimo tinha como propósitos
defender o país de uma invasão naval e de proteger as linhas de comunicação. Perguntava
Richmond, qual o papel do submarino nesses dois propósitos ? Seu papel na defesa da ilha
contra a invasão era menor que o da aviação895 e o que iria decidir a contenda era o uso de
navios de superfície, respondia ele. O submarino serviria apenas como auxiliar da defesa de
artilharia de costa. No caso de defesa das linhas de comunicação, Richmond considerava o892 BAUGH, Daniel. Richmond and the objects of sea power. op. cit. P. 36.893 Richmond mencionou textualmente que os quatro porta-aviões custaram em 1934 o total de 21 milhões delibras e talvez mais. A mesma soma poderia proporcionar a compra de três grupos de navios de superfíciemais úteis. Fonte: RICHMOND, Herbert. Sea Power in the modern world. op. cit. P. 96. 894 MARDER, op. cit. p. 36.895 RICHMOND, Herbert. Sea Power in the modern world. op. cit. P. 174.
289
submarino totalmente ineficiente. Um comboio não podia ser defendido por submarinos,
afirmava.896 Quanto ao submarino ser uma arma eficiente contra o tráfego marítimo
inimigo, ele concordava, citando que eles foram os únicos meios britânicos capazes de
atuarem no Báltico contra os alemães na Grande Guerra. Apontava, no entanto que o
antídoto perfeito contra o submarino era o contratorpedeiro e que operando em flotilhas, em
grande número, poderiam defender eficientemente as linhas de comunicação. Por isso
sempre defendeu a construção de cruzadores e contratorpedeiros para uma dupla função:
proteção contra corsários de superfície e contra submarinos. Para Richmond os submarinos
eram armas perfeitas para poderes marítimos menos poderosos, o que não era o caso de sua
GB897. Propugnou, assim, ao Almirantado inglês que defendesse a abolição desse meio
durante as discussões do Tratado de Washington de 1922, o que foi imediatamente
descartado como impraticável.898
Para Richmond, assim como para Mahan, a proteção das linhas de comunicação era o
propósito principal do poder marítimo. Como imaginava ser essa proteção ?
Para Richmond existiam três medidas de defesa do comércio contra ataques
inimigos899. A primeira ele chamou de patrulha900, isto é o posicionamento de navios de
combate nas áreas nas quais se espera encontrar as unidades inimigas. Essas áreas seriam os
pontos focais importantes como entradas de portos, estreitos e pontos de aterragem.
Richmond utilizava, como exemplo a atuação da Marinha britânica na Grande Guerra
quando patrulhou pontos importantes de passagem dos submarinos alemães no Mar do
Norte com sucesso.
A segunda medida foi o estabelecimento de comboios de navios mercantes que
tinham a vantagem da proteção de navios de guerra, da concentração de navios com apoio
mútuo e na dificuldade de serem descobertos pelo inimigo, ao contrário da dispersão de
navios mercantes, mais fáceis de serem encontrados pelos corsários e submarinos inimigos,
896 Ibidem, p. 177.897 Ibidem, p. 182.898 Interessante e de difícil entendimento essa idéia de Richmond, pois não espelhou efetivamente o queocorreu nas duas grandes guerras do século XX quando o submarino quase trouxe o colapso ao comércioaliado. Por que essa resistência de Richmond com a utilização do submarino? A única resposta possível seriaa sua formação em navios de linha como o encouraçados e cruzadores e a dificuldade em lidar com novastecnologias e as concepções táticas daí advindas. 899 RICHMOND, Herbert. The Naval role in modern warfare. op.cit. p. 10.900 A palavra utilizada por Richmond foi ‘cruising’, traduzida pelo autor como patrulha, palavra que conceituaessa tarefa na doutrina naval brasileira.
290
segundo imaginava. Como desvantagens apontava o atraso nas viagens, pois os navios
deveriam aguardar a constituição do comboio; a dificuldade de se controlar um grande
número de navios principalmente nas saídas e chegadas dos portos, além da vulnerabilidade
de se concentrar muitos navios mercantes em um único corpo ante a ameaça de uma força
atacante mais poderosa que a escolta a ele determinado. Apontava, como medida de
proteção do comboio aeronaves baseadas em terra, sob coordenação naval, operando
cooperativamente, que teriam a tarefa de atacar os navios inimigos e a constituição de
fortes escoltas de superfície para se contraporem aos atacantes.
Por fim, a terceira medida seria impedir o abastecimento dos navios inimigos. Para
Richmond os navios inimigos poderiam obter apoio logístico de quatro modos diferentes.
Das próprias bases em colônias, de portos em seu território, de portos neutros e de suas
próprias capturas. A tomada dessas bases coloniais deveria ser primordial, o que ele pôde
comprovar durante a Grande Guerra, quando os alemães se viram desprovidos de bases de
apoio coloniais atacadas pelas forças aliadas e assim tornaram-se vulneráveis.
O bloqueio de portos inimigos e neutros seria outra ação a ser empreendida, embora
considerasse que inexistia bloqueio totalmente eficaz.901 Essa ineficácia era motivada pelo
grande número de bases e portos a serem bloqueados e a impossibilidade de prevenir a
escapada de navios independentes902. O propósito do bloqueio seria impedir a saída de
navios de combate inimigos para fustigar o comércio marítimo, consistindo em estabelecer
um grupo de navios de guerra nas proximidades de bases e portos do inimigo ou neutros.903
O bloqueio, além de afetar o moral de um adversário, podia enfraquecê-lo materialmente.
Citava o caso do bloqueio inglês da base de Brest nas guerras do século XVIII, quando a
frota francesa lá localizada tornou-se inútil.904 Outro exemplo por ele mencionado era a
frase conhecida de Tirpitz no final de 1916, quando disse que “se a guerra durar nossa
derrota será iminente. Economicamente nós estamos em uma posição desfavorável nessa
guerra de exaustão...nosso poderio está muito abalado. Questões de abastecimento de
comida causam grande ansiedade, assim como questões de moral”905. Considerava que
apesar de ser uma medida efetiva, o bloqueio não varreria o inimigo dos mares, no entanto
901 Ibidem. p. 16.902 RICHMOND, Herbert. The Navy. op.cit. p. 88.903 RICHMOND, Herbert. Sea power in the modern world. op.cit. p. 109.904 RICHMOND, Herbert. Naval warfare. op. cit. P. 42.905 RICHMOND, Herbert. National policy and naval strenght. op.cit. p. 63.
291
teria um grande efeito na campanha naval. O estabelecimento de um bloqueio eficaz foi
raro na história e de difícil aplicação, mesmo para os poderes marítimos prevalentes906. A
sua eficácia seria proporcional a efetividade e rigor com que o bloqueio fosse estabelecido.
Quanto mais eficaz maior probabilidade de sucesso na campanha naval, acreditava.
Por fim, o modo de impedir uma captura no mar seria armando os navios mercantes,
um fato recorrente na história naval. Os navios mercantes poderiam, assim, se defender,
tanto contra corsários como contra submarinos, que normalmente atacavam na superfície
utilizando os seus canhões nos conveses.
Mahan e Richmond concordavam literalmente com o estabelecimento dos comboios,
inclusive utilizando argumentos similares, tais como a proteção armada contra a
incolumidade aos corsários em alto-mar. Outro ponto de contato importante era a visão que
ambos tinham do bloqueio, no entanto os fins diferiam. Para Mahan, o bloqueio seria
eficiente para destruir o tráfego marítimo, o que Richmond concordava, no entanto podia
ser um instrumento necessário para o forçamento da batalha decisiva, o que não era a visão
esposada por Richmond, que via o bloqueio como uma forma de estrangular o adversário e
não necessariamente para forçar um combate decisivo.
Ambos, no entanto, concordavam com a falta de efetividade da guerra de corso.
Richmond, assim como Mahan, considerava esse tipo de guerra como ineficaz e incapaz de
alcançar sucesso em uma campanha naval. No curso da história naval moderna e
contemporânea essa concepção estratégica nunca trouxe vitória a quem a implementou. A
França no século XVIII e XIX utilizou largamente esse expediente, no entanto nunca
alcançou um resultado final favorável, embora ambos concordassem que muitos estragos
foram realizados com essas ações. Richmond apontou, inclusive, que entre 1797 e 1802,
154 corsários franceses de Boulogne apresaram 201 navios, fazendo 1967 prisioneiros
ingleses, com perdas de apenas 16 navios e 775 homens. Um fato grave realmente, segundo
ele, mas “sério como foi, grandes as perdas provocadas, não foram, no entanto, grandes o
bastante para serem decisivas”.907 Geralmente a utilização do corso era praticada pelo poder
marítimo mais frágil. Richmond chamava a guerra de corso de ‘guerra esporádica’ por
variar de intensidade no tempo e espaço.908
906 RICHMOND, Herbert. Naval warfare. op. cit. P. 55.907 RICHMOND, Herbert. National policy and naval strenght. op.cit. p. 310.908 Ibidem, p. 54.
292
O conceito de ‘esquadra em potência’ muito discutido por Mahan, não teve o mesmo
efeito em Richmond. Ele pouco discutiu essa concepção estratégica, talvez por que não a
considerasse pertinente a sua Marinha Real britânica. Dizia, contudo que era impossível
destruir uma esquadra inimiga que adotasse essa concepção. Por outro lado, ao utilizar essa
concepção, essa esquadra estaria virtualmente bloqueada em seu porto de origem, o que não
era a intenção original de uma esquadra de combate. O que se desejaria era forçá-la ao
combate para que fosse destruída. Dessa maneira, cada caso deveria ser analisado
separadamente. O uso puro e simples da ‘esquadra em potência’ não era o mais adequado,
pois traria a inatividade e imobilidade naval, o que contrastava com o próprio uso de uma
Marinha de combate. Citava o caso da esquadra russa na Manchúria que por meio dessa
concepção procurou fixar as forças navais japonesas na guerra de 1904 com desastrosas
conseqüências para os navios do czar.909 Dessa forma, tanto Mahan como Richmond viam
essa concepção com reserva e de forma alguma como uma solução para a resolução do
conflito naval.
Richmond contribuiu sobremaneira para o estudo da história naval. Da mesma forma
que Mahan ele utilizou como campo de prova a história da Marinha britânica.
Diferentemente de seu colega norte-americano, ele se preocupava com o declínio de sua
amada GB nos assuntos mundiais e da perda de preponderância do poder marítimo
britânico. Suas idéias viriam para “corrigir” os pontos defeituosos da aplicação do poder
naval de seu país, pelo menos assim imaginava. Mahan, por outro lado, embora utilizasse a
história naval da GB como ferramenta, estava preocupado com a emergência dos EUA no
cenário internacional e o papel que o poder marítimo teria nesse despertar.
Mahan, por ter sido o primeiro a formular uma teoria de emprego do poder marítimo,
a partir dos estudos históricos, teve maior efeito no meio historiográfico naval. Entretanto a
importância de Richmond não deve ser subestimada. Ele foi um intelectual relevante que
mesmo sem desejar estabeleceu uma teoria consistente de emprego como seu grande
influenciador Mahan, apesar de nem sempre concordar com suas idéias.
Ninguém melhor que o professor Donald Schurman para explicar a importância de
Richmond para a história naval e a estratégia. Disse ele o seguinte:
909 Ibidem, p. 227.
293
Sua [de Richmond] exposição, algumas vezes super simplificada, eradireta e certeira em seus alvos. Acima de tudo ele combinou em suapessoa uma rara união de homem de ação e acadêmico responsável emum grau que excita a admiração de oficiais de marinha e de historiadoresprofissionais. Anteriormente, a Marinha britânica tinha produzidohomens capazes de entender e algumas vezes de realizar gloriosamenteas tarefas que o estado lhes outorgou,mas nunca antes ela [Marinha real]produziu um homem com a capacidade de explicar tanto a Marinha paraa Nação como a Nação para a Marinha para vantagem de ambas.910
Tanto Mahan como Richmond estabeleceram teorias de emprego de poder marítimo
com pontos concordantes e discordantes, no entanto a importância dos dois pensadores
transcende a própria criação dessas teorias de emprego de poder. Eles certamente como
cientistas político-sociais trouxeram à discussão o papel que o mar teve nos destinos das
Nações e as conseqüências que a perda de seu predomínio teria para a sobrevivência de
seus Estados. A história e a historiografia navais, com esses dois intelectuais, atingiram o
ápice dentro da própria disciplina da história.
910 SCHURMAN, op.cit. p. 146.
294
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O poder marítimo (sea power) tem sido percebido diferentemente pelos diversos
historiadores. O norte-americano Bernard Brodie enfatizou o tráfego marítimo como o fator
mais importante para a determinação desse poder. Robert Hanks privilegiou a Marinha de
guerra, enquanto Sam Tangredi indicou o tráfego marítimo, as operações navais, a
exploração dos recursos naturais e a importância da deterrência naval. O inglês Geoffrey
Till identificou aspectos geográficos, psicológicos, financeiros e operacionais como
fundamentais para o poder marítimo. Para ele as forças navais estariam subjacentes a esses
aspectos. Seu conterrâneo Stephen Roskill percebeu as forças navais, o transporte marítimo,
o parque industrial e as bases como elementos importantes. O russo Sergei Gorshkov,
influenciado pela ideologia marxista, interpretou o poder marítimo como um instrumento
para a economia de Estado e do partido comunista. O francês Couteau Begarie indicou
fatores estáveis de longa duração como a demografia, a geografia e a cultura estratégica
nacional e fatores instáveis de curta e média durações como a economia e a política, em
uma visão que se aproximava da visão braudeliana de história. Essas diferentes percepções
indicam a polissemia do conceito poder marítimo.
Como decorrência natural dessa discussão sobre o poder marítimo, dois professores
norte-americanos nos anos 90 do século XX, George Modelski e William Thompson
criaram um modelo teórico que procurou apontar o papel do poder marítimo nas relações
295
internacionais e mensurar, relativamente, esse poder pelos principais estados nacionais, a
partir do século XV até o final do século XX.
Utilizando história serial e quantitativa chegaram a quatro parâmetros comparativos,
no entanto apenas um foi utilizado, em virtude da falta de confiabilidade nos outros três
índices comparativos. Restou apenas o parâmetro do número de navios componentes da
linha de batalha dos principais países no concerto internacional analisado. Ao medir
relativamente os índices e confrontá-los chegaram a cinco ciclos, contados a partir de 1494.
Desse ano até 1608 chamaram de ciclo ibérico, com predomínio de Portugal e da Espanha.
De 1608 a 1688 o modelo apontou para o predominio holandês. O terceiro e quarto ciclos
abarcando de 1688 a 1815 e de 1815 a 1945 houve a prevalência da GB. A partir de 1945,
iniciou-se o quinto ciclo com o predomínio dos EUA. A esse modelo teórico os autores
chamaram de ciclos longos de política internacional, que seria melhor compreendido se
fossem chamados de ciclos longos de poder marítimo, pois a ele se referem diretamente.
Como todo modêlo teórico, a teoria de ciclos longos apresenta inconsistências, dentre
as quais se afigura a dificuldade de se estabelecer uma tendência a partir de apenas uma ou
duas variáveis comparativas, a impossibilidade de se medir o fator moral, o adestramento e
a tecnologia relativa. Outros pontos inconsistentes referem-se à dificuldade em se medir de
que forma as políticas navais se traduziriam efetivamente em benefícios diretos para o país
e certamente do evidente reducionismo do modêlo. Apesar dessas evidentes fragilidades, o
modêlo se apresenta como uma válida discussão da importância do poder marítimo na
história e nessa análise o primeiro estudioso sistemático do papel desse poder na história
ocidental foi Alfred Thayer Mahan.
Alfred Mahan, nascido em West Point nos EUA em 1840, seguiu a carreira naval sob
desconfianças de seu pai, oficial do Exército. Desde cedo mostrou pouco pendor para as
lides navais, preferindo a atividade de historiador naval e estrategista, principalmente a
partir de um convite formulado pelo comodoro Stephen Luce para seguir como professor da
EGN-EUA recentemente fundada. Em 1890 lançou o livro The Influence of Sea Power
upon History com grande sucesso. A partir desse livro sua carreira de escritor e historiador
naval decolou, recebendo, como conseqüência, muitas honrarias e fama sem precedentes.
Ao final de sua vida contabilizou cerca de 20 livros escritos. Faleceu em 1914 pouco depois
de eclodida a Grande Guerra de 1914, sem perceber os efeitos que a tecnologia traria para o
296
campo da guerra naval como, por exemplo, o uso intensivo do submarino e da aviação em
combate. Apesar disso, formulou uma teoria de poder marítimo que transformou totalmente
a concepção de uso de forças navais em combate. Procurou indicar, dessa maneira, a
centralidade do mar nas relações internacionais, estudando com afinco a história naval da
Inglaterra e depois Grã-Bretanha a partir de 1648 até 1914. Queria demonstrar a
importância do mar para os seus concidadãos, como foi para os ingleses.
Mahan mencionava que a história e a estratégia eram baseadas em princípios que
deveriam ser seguidos para que os resultados fossem coroados de sucesso, considerando
que a prosperidade nacional repousava em uma trindade fundamental baseada no shipping
(comércio marítimo e seus apêndices), colonies (colônias e mercados) e production
(produção). Definiu claramente que o poder marítimo compunha-se de seis elementos ou
fatores, composto de elementos geográficos, humanos e políticos. Estabeleceu o que seria o
controle do mar e como obtê-lo por meio de uma batalha naval decisiva entre navios de
grande poder de fogo, os encouraçados. Só por meio dessa batalha se poderia varrer o
inimigo dos mares. O poder marítimo serviria para proteger o tráfego marítimo contra os
inimigos. Assim se deveria seguir os princípios da concentração, posição central, linhas
interiores e a conquista de bases para se provocar a derrota inimiga.
Mahan acreditava que os comboios eram eficientes contra corsários de superfície, no
entanto não acreditava na guerra de corso e na eficácia da esquadra em potência. O
bloqueio, no entanto, seria eficiente para destruir o tráfego marítimo inimigo e forçar a
batalha decisiva.
Mahan foi o primeiro grande intelectual que discutiu com profundidade o papel que o
mar teve no destino de muitas Nações na história. Suas idéias se transformaram em teoria,
discutida entre historiadores e estrategistas que o seguiram, dentre esses o inglês Herbert
William Richmond.
Nascido em 1871 em Hammersmith na Inglaterra, provindo de uma família
aristocrática de classe média, cedo decidiu, como Mahan, seguir a carreira naval.
Dotado de grande espírito crítico e competência profissionak galgou imediatamente
os diversos postos na Marinha Real britânica, chegando a comandar seis navios de grandes
proporções, dentre os quais se destacou o encouraçado HMS Dreadnought, após um
297
período como auxiliar do almirante Lorde Fisher, Primeiro Lorde do Mar no início do
século XX.
Como Mahan, mostrava um pendor especial para a história, aproximando-se assim de
dois destacados historiadores ingleses, Sir John Knox Laughton e Sir Julian Corbett. Pelas
mãos dos dois, compilou e escreveu diversos livros de história e estratégia, abarcando o
período de 1540 até 1945, sempre tendo a GB como fulcro.
Em 1920 foi promovido a contra-almirante e designado diretor da EGN-GB, onde
permaneceu por três anos. Em 1927 assumiu, como seu primeiro comandante, o CID, lá
permanecendo por dois anos. Como Mahan, tinha uma atração pelo aspecto educacional da
carreira naval e pela análise criteriosa da história naval de seu país.
Em 1931, após desavenças com o Almirantado, foi forçado a solicitar transferência
para a reserva da Marinha, sendo contratado, logo depois, para ser professor de história
imperial na Universidade de Cambridge. Nova carreira se iniciou para Richmond.
Escreveu cerca de 17 livros de história e estratégia até sua morte em 1946. Embora
não desejasse formular uma teoria de poder marítimo como Mahan havia feito, Richmond
discutiu amplamente o tema, com uma técnica historiográfica mais elaborada que Mahan,
fruto de sua associação com John Knox Laughton e Julian Corbett. Acreditava, como
Mahan no poder dos princípios como exemplos a serem seguidos por todos que lidassem
como a história naval.
Veio a falecer da mesma maneira que Mahan, por meio de um ataque cardíaco em
1946, após o termino da Segunda Guerra Mundial, observando, ao contrário de Mahan, os
efeitos da tecnologia sobre a guerra naval, principalmente a emergência do poder aéreo e,
por conseguinte, do porta-aviões como navio capital e do submarino contra o tráfego
marítimo.
Ao se confrontar as concepções de poder marítimo de Mahan e Richmond deve-se
para clareza de análise dividi-las em três grandes blocos temáticos911. O primeiro abarcando
as trajetórias pessoais e acadêmicas de ambos. O segundo bloco abordando a percepção da
história e o ofício de ser historiador e por fim a percepção que cada um teria do papel do
poder marítimo e da teoria associada a esse poder.
911 Ver Apêndices A), B) e C).
298
No primeiro bloco analítico912 foram listadas dez características e objetos comuns a
ambos para se comparar. Dessas dez características, sete foram consideradas coincidentes,
duas discordantes e uma indiferente.
Das características coincidentes pode-se apontar os meses de nascimento e morte
comuns e idades de falecimento semelhantes. Trata-se de uma curiosidade histórica
interessante daí a sua inclusão. O segundo ponto foi a profissão comum de oficial de
marinha, o motivo do falecimento idêntico e tempo de serviço semelhante. Essa questão se
inclui da mesma forma que na avaliação da anterior, uma curiosidade histórica. A terceira
questão coincidente foi o lapso de tempo estudado e discutido pelos dois e os objetos de
análise. Para Mahan o período estudado foi de 1648 a 1914 e de Richmond de 1540 a 1945.
O período estudado por Mahan se inclui dentro do período estudado também por Richmond
e o objeto é o mesmo para ambos, a história naval da Inglaterra e GB. A quarta questão
coincidente foi a idade de cada um no primeiro e no último livro e o período produtivo.
Mahan escreveu o primeiro livro aos 43 anos de idade, o último com 73 anos e seu período
produtivo abarcou 30 anos. Com Richmond houve praticamente os mesmos números.
Primeiro livro com 49 anos de idade, o ultimo com 75 anos e período produtivo 26 anos. A
quinta questão coincidente foi a vida familiar de ambos. Eles foram casados apenas uma
única vez, Mahan por 42 anos e Richmond por 39 anos. Ambos tiveram filhos, Mahan três
filhos e Richmond cinco filhos. Prezavam, além disso, o casamento. A sexta questão
coincidente foi o recebimento por ambos da Medalha de Ouro Chesney da GB, Alfred
Mahan a recebendo em 1900 e Richmond em 1926 por suas realizações no campo da
história e estratégia. Por fim a última questão coincidente foi a paixão comum pelas
respectivas Escolas de Guerra Naval de seus países.
Das questões discordantes foi apontado, inicialmente, o desempenho profissional bem
distinto. Enquanto Mahan teve uma carreira sofrível, com participações efêmeras em navios
e com pouca propenção para as lides navais, Richmond foi um marinheiro competente e
vibrante, tornando-se um comandante eficiente e ávido pela vida embarcada que muito o
estimulava. Ambos foram almirantes, no entanto Mahan alcançou tal posto na reserva, ao
contrário de Richmond que foi almirante na atividade. A segunda questão discordante foi o
temperamento bem diverso entre eles. Enquanto Mahan era modesto, religioso, tímido e
912 Ver Apêndice A).
299
pouco afeito a confrontações pessoais, Richmond foi, na maior parte de sua vida,
prepotente, arrogante e vaidoso, embora ao final de sua existência, se tornasse carinhoso
com outros além de sua família.
Como questão indiferente, por não existir parâmetros comparativos, indicou-se a
produção intelectual de ambos. Mahan com 20 livros e Richmond com 17 livros, com mais
de 50 folhas. As produções, assim, não podem ser comparadas absolutamente e arbitrou-se
nessa questão a avaliação indiferente.
Comparar questões torna-se difícil, pois é perigoso ponderar o valor relativo dos
pontos coincidentes e discordantes, valorando pesos relativos para cada item analisado,
entretanto, por uma questão metodológico-quantitativa é interessante indicar itens que
coincidiram e que não coincidiram, sem indicação de peso ponderado de cada item. No
primeiro bloco pode-se constatar que existem mais pontos coincidentes nas trajetórias de
ambos que discordantes e indiferentes e isso é um fato comprovado dentro da abordagem e
recorte escolhido.
No segundo bloco analítico913, com um total de 19 questões discutidas, existem oito
coincidentes, dez discordantes e uma indiferente.
Das questões concordantes, a primeira tratava da utilização de princípios na história e
estratégia. A segunda, o tipo de narrativa que era para ambos direta, determinista e
teleológica. A terceira questão era a forma como a história era utilizada para a discussão da
estratégia, como uma ferramenta analítica fundamental. A quarta foi o modo como a
história seria estudada e ensinada, isto é como uma lição a ser apreendida. Ambos
consideravam seus países como disseminadores de poder civilizatório, com forte
etnocentrismo e imperialismo em relação a suas colônias e possessões e aos demais países.
Seus heróis e modelos eram praticamente os mesmos, Lord Horatio Nelson, Napoleão e
César, como os mais destacados. A sétima qustão era a indicação de características
importantes na condução da guerra, quando ressaltavam a ofensiva como princípio
norteador. Por fim, o oitavo ponto coincidente foi o papel dos políticos na condução da
guerra, quando Mahan e Richmond concordaram que o poder político deveria determinar os
objetivos e interesses políticos a serem perseguidos pelo poder marítimo.
913 Ver Apêndice B).
300
Das questões discordantes, a primeira apontada foi a formação acadêmica
universitária que inexistia para ambos, no entanto Richmond possuía treinamento
acadêmico provindo de seu contato com John Laughton e Julian Corbett. A segunda
questão tratou do método de análise histórica que em Mahan era intuitiva e em Richmond
científica. Mahan não apreciava a pesquisa arquivística, enquanto Richmond gostava de
arquivos com um estilo de escrever bem mais agressivo que Mahan. Como conseqüência, o
uso de fontes primárias era determinante para Richmond e secundária para Mahan. O
quinto ponto discordante entre os dois era a capacidade de problematizar questões, de criar
novos objetos, o uso de teoria para corroborar suas conclusões e o nível de profundidade
analítica. Enquanto Richmond problematizava, sem querer estabelecer uma teoria, com um
nível de profundidade de média a alta, Mahan pouco problematizava, preferindo descrever
fatos e discutir sem levantar novos objetos, com pequena e médias profundidades. O poder
de convencimento no meio naval foi também diferente. Enquanto Mahan muito influenciou
o seu meio, Richmond, por sua postura agressiva e contestatória, pouco influenciou seus
colegas na Marinha britânica. As visões de guerra também foram diferentes; para Mahan a
guerra deveria ser um fenômeno de fácil entendimento, enquanto para Richmond era
complexo. O oitavo ponto era a visão da história que para Mahan era providencialista,
evitando sempre que possível a história de tempo presente, enquanto para Richmond
inexistia o providencialismo, sem evitar de discutir a história do tempo presente. A
percepção de como deveria ser o ofício do historiador também contrastava. Para Mahan, ele
deveria ser um juiz, sem ser detalhista, um artista, um educador com grande imaginação.
Para Richmond o historiador devia ser um pesquisador crítico, educador analítico,
escrevendo para três públicos diferentes, o homem comum, o político e o oficial de
marinha. Por fim, os campos de atuação variaram. Para Mahan sua discussão transitou nos
campos da tática e da estratégia operacional, enquanto Richmond abarcou os campos da
estratégia operacional, militar e político.
O único ponto em que é irrelevante comparar é o que trata das influências intelectuais.
Mahan foi influenciado por Dennis Mahan, Stephen Luce e Antoine Henri Jomini,
enquanto Richmond sofreu a influência de John Knox Laughton, Julian Corbett e do
próprio Alfred Mahan.
301
Assim pode-se concluir que nesses aspectos em que o modo de encarar a história e
conduzir o ofício de historiador são prevalentes, a influência de Mahan em comparação
com Richmond foi mais limitada e que existem mais pontos discordantes que concordantes
entre os dois teóricos. De que maneira a teoria de Mahan influenciou a percepção de poder
marítimo de Richmond ?
No terceiro bloco analítico914 de um total de 18 questões discutidas foram apontados
dez pontos concordantes, sete discordantes e um indiferente.
Dos pontos concordantes, o primeiro abarcou a percepção conjunta de que a guerra
era um ato político e a busca vigorosa pela vitória devia ser perseguida. Ambos
consideravam fundamental a conquista de bases, possessões ou colônias para o
fortalecimento do poder marítimo. Os dois tinham o princípio da concentração, da posição
central e das linhas interiores como fundamentos essenciais da estratégia naval,
coincidentes, assim, em três questões. A sexta questão referia-se ao controle das linhas de
comunicação que ambos consideravam fundamental na guerra naval moderna. A sétima
questão coincidente tratou da percepção da concepção estratégica naval de ‘esquadra em
potência’ como ineficaz à luz do controle e comando do mar efetivo. A guerra de corso, da
mesma maneira, era considerada ineficaz por ambos, ao contrário da utilização de
comboios percebida pelos dois como uma medida eficiente que preservava o comércio
marítimo. Por fim, o décimo ponto coincidente foi a eficácia do bloqueio como medida para
destruir ou neutralizar o tráfego marítimo inimigo. Richmond considerava, no entanto que o
bloqueio na história naval foi de difícil aplicação. Reconhecia, apesar disso, que quanto
mais eficaz fosse o bloqueio, maiores as chances de sucesso em interromper o tráfego
marítimo do adversário.
Das sete questões discordantes, a primeira referiu-se a percepção de Mahan sobre a
centralidade do mar nas guerras, fato não corroborado por Richmond que considerava que o
uso da Marinha de guerra dependia do tipo de guerra a que se estava submetido. Mahan fez
considerações extensivas sobre geopolítica principalmente no Caribe e Pacífico, ao
contrário de Richmond que pouco discutiu questões de geopolítica, preferindo analisar o
aspecto estratégico-militar dos conflitos navais. A terceira questão abordada referiu-se ao
conceito de poder marítimo (sea power) sendo que Mahan não o definiu diretamente,
914 Ver Apêndice C).
302
preferindo sua discussão intensiva, ao contrário de Richmond que a definiu explicitamente,
com uma explicação mais restritiva que o autor norte-americano. O quarto ponto referiu-se
ao controle ou comando do mar. Mahan preferia a expressão controle, enquanto Richmond
comando, com o propósito de utilizar o mar em seu próprio benefício e não para destruir o
inimigo em combate. Para Mahan, ao contrário, o controle completo seria obtido para
varrer totalmente o adversário do mar e com isso proteger as linhas de comunicação. O
quinto ponto discordante era a indicação dos elementos do poder marítimo que para Mahan
eram seis, bem mais abrangentes e para Richmond apenas três, demonstrando um
afastamento entre as duas percepções. O sexto ponto discordante foi a maneira de obter o
controle do mar que para Mahan era a batalha decisiva, a qual não concordava Richmond,
preferindo a conquista de bases adversárias e o impedimento de concentração por parte do
inimigo. Apesar disso, Richmond não descartava a batalha decisiva, sem a ênfase apontada
por Mahan. Por fim, o projeto de força naval idealizado por Mahan comportava a
constituição de uma linha de batalha centrada no grande encouraçado, enquanto Richmond
indicava a constituição de uma força centrada em cruzadores menores, com o fim de
proteger as linhas de comunicação.
O único ponto indiferente na discussão foi a percepção de como seria a doutrina para
os dois teóricos. Mahan, embora a aceitasse, indicava o perigo em segui-la cegamente,
enquanto Richmond considerava a doutrina uma catalizadora, uma facilitadora de
procedimentos comuns, tendo como meta a cooperação entre Forças Armadas.
Nesse bloco temático pode-se perceber que existem fundamentos estabelecidos por
Mahan que foram utilizados extensivamente por Richmond, principalmente os referentes a
discussão estratégica de como devia ser obtido o comando do mar. Por certo, Mahan foi um
grande influenciador na concepção teórica de Richmond.
Alfred Mahan e Herbert Richmond foram dois historiadores navais que discutiram a
guerra no mar desde o período elizabetano. Eles se distinguiram de seus pares por
inovarem no ofício de serem historiadores navais e estrategistas. Foram ainda, em seus
respectivos períodos de vida, influentes nas concepções de como se deveria lutar no mar.
Mahan com muito maior sucesso que Richmond, entretanto ambos procuraram, a partir de
seus estudos, formular teorias que corroborassem os seus escritos e nisso ambos foram
originais.
303
Aos dois podem se agregar Julian Corbett, Cyprian Bridge, Bernard Brodie, John e
Phillip Colomb, Stephen Roskill, Gabriel Darrieus e mais recentemente Geoffrey Till, Jon
Sumida, Colin Gray, Sergei Gorshkov, Hervé Couteau-Begarie, Paul Kennedy e mais uma
dezena de historiadores e teóricos que procuram compreender e explicar a estratégia e a
teoria naval, a partir da história naval moderna e contemporânea.
Mahan e Richmond foram realmente únicos. O primeiro procurando, a partir da
história naval inglesa, inculcar em seus compatriotas a importância do mar para o
desenvolvimento de seu país. O segundo, a partir da história naval inglesa, inculcar em seus
compatriotas a necessidade de manter o poder marítimo forte de modo a GB permanecer
poderosa. O primeiro, o apóstolo da emergência naval norte-americana, o segundo o
apóstolo da sobrevivência naval britânica. Os dois extremos de um mesmo universo.
O ato de comparar requer interpretação, tirocínio e fundamentalmente a percepção do
que deve e o que merece ser comparado. Jurgen Kocka estabeleceu que comparar em
história significava discutir dois ou mais fenômenos históricos sistematicamente com
respeito as suas similaridades e diferenças com o propósito de alcançar determinados
objetivos intelectuais.915
Mahan povoou os pensamentos de Richmond desde o seu primeiro trabalho
acadêmico. A ele Richmond recorreu freqüentemente, concordando muitas vezes e
discordando outras vezes. Pode-se concluir que ambos tiveram trajetórias profissionais
coincidentes. Richmond, por outro lado, pouco deve a Mahan no que tange a pesquisa
arquivística, a percepção da disciplina histórica e do ofício de ser historiador, sendo
devedor mais a Laughton e Corbett. No que se refere a arquitetura de uma teoria de
emprego de poder marítimo e os modos de se obter o comando do mar, Richmond deve
certamente a Mahan por suas idéias. Seus livros atestaram isso. Em seu Command and
discipline Richmond referiu-se a Mahan 14 vezes, enquanto não se referiu nenhuma vez a
Corbett ou a Laughton.916 Na introdução de seu Sea Power in the modern world Richmond
dedicou uma extensiva discussão da teoria de Mahan.
Com toda a certeza, Mahan povoou o pensamento de Richmond em toda a sua extensa
obra acadêmica, mesmo que fosse para contestá-la. Em todas as passagens conceituais
pode-se perceber subjacentemente o autor norte-americano.
915 KOCKA, op.cit. p. 39.916 RICHMOND, Herbert. Command and discipline. op.cit. p. 189.
304
Nada mais significativo dessa influência do que uma frase formulada por Richmond
em 1928 quando era comandante do CID para indicar a importância dos pensadores navais
que o antecederam. Disse ele o seguinte:
O estudo das obras de estrategistas reconhecidos estimula, se nãorealmente faz procriar idéias. Esse estudo abre a visão e amplia ohorizonte do estrategista...observamos na história, como os Mestres daGuerra abordaram seus problemas. Não seria algo perto da imprudênciapretender que podemos aprender pouco com esses mestres, que somoscompletamente autosuficientes ?917
Dentre esses ‘mestres da guerra’ mencionados por Richmond, Mahan ocupava
certamente o lugar de destaque.
917 REYNOLDS, Clark. Command of the Seas. The History and Strategy of Maritime Empires. New York:William Morrow and Co, 1974, p. Ix.
305
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4. Carta de Alfred Mahan para William Henderson escrita de Elizabeth, NewJersey em 5 de maio de 1890.
5. Carta de Alfred Thayer Mahan para Stephen Luce escrita de Nova Iorque em 20de dezembro de 1890.
6. Carta de Alfred Mahan para Samuel Ashe escrita de Genova, a bordo do USSChicago em 24 de novembro de 1893.
7. Carta de Alfred Mahan para Roy Marston escrita de Nova Iorque em 19 defevereiro de 1897.
8. Carta de Alfred Mahan para George Sydeham Clarke escrita de Washington DCem 24 de maio de 1898.
9. Carta de Alfred Mahan a Bouverie Clark escrita de Nova Iorque em 12 de marçode 1912.
10. Carta de Alfred Mahan para Franklin Jameson escrita de Washington DC em 21de novembro de 1914.
11. Carta de Herbert Richmond para William Henderson de 3 de setembro de 1926.
12. Carta de Herbert Richmond a William Henderson de 15 de setembro de 1928,dia de seu aniversário.
13. Diário de Herbert William Richmond de 11 de abril de 1909 em Cromarty Firth.
14. Diário de Herbert William Richmond de 22 de junho de 1909 em CromartyFirth.
15. Diário de Herbert William Richmond de 27 de outubro de 1912 a bordo doHMS Vindictive.
16. Diário de Herbert William Richmond de 14 de agosto de 1914 no Almirantado.
17. Diário de Herbert William Richmond de 10 de setembro de 1914 noAlmirantado.
18. Diário de Herbert William Richmond de 17 de setembro de 1914 noAlmirantado.
19. Diário de Herbert William Richmond de 24 de setembro de 1914 noAlmirantado.
20. Diário de Herbert William Richmond de 15 de janeiro de 1915 no Almirantado.
21. Diário de Herbert William Richmond de 19 de janeiro de 1915 no Almirantado.
22. Diário de Herbert William Richmond de 30 de junho de 1915 no Adriático.
23. Diário de Herbert William Richmond de 21 de setembro de 1916 na Esquadra.
24. Diário de Herbert William Richmond de 15 de maio de 1917 a bordo do HMSConqueror.
25. Diário de Herbert William Richmond de 10 de abril de 1918 a bordo do HMSConqueror.
26. Diário de Herbert William Richmond de 18 de julho de 1918 no Almirantado.
27. Diário de Herbert William Richmond de 18 de novembro de 1919 no SegundoEsquadrão de Batalha.
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APÊNDICE A
TRAJETÓRIAS PESSOAIS E PROFISSINAIS ENTRE ALFRED MAHAN EHERBERT RICHMOND
CARACTERÍSTICASINFORMAÇÕES
ALFRED THAYERMAHAN
HERBERT WILLIAMRICHMOND
PONTOSCOINCIDENTES
PONTOS DISCORDANTES
PONTOSINDIFERENTES
Nascimento, local, morte,idade.
27 Set 1840, WestPoint, EUA; 1 Dez1914, 74 anos.
15 Set 1871, Hammersmith, UK, 15 Dez 1946, 75 anos.
C1
Motivo da morte, profissão,tempo de serviço, anos deserviço.
Ataque cardíaco Oficial de marinha,1856-1896, 40 anos.
Ataque cardíaco, Oficial de marinha,1885-1931, 46 anos.
C
Desempenho profissional,posto alcançado, idade,comandos.
Sofrível, Contra-almirante, 56 anos deidade, 3 comandos.
Destacado, Almirante deEsquadra, 58 anos de Idade, 6 comandos.
D2
Livros escritos, tipos(biografias, história,autobiografias, Estratégia eoutros, Edição de Doc.históricos) > 50 paginas.
20 ( Bio- 3; Hist-6;Autobio-2; Estrat eOutros- 9)
17 ( Hist- 7; Estrat eOutros- 7; Doc. Hist- 3)
I3
Período históricocompreendido pelos estudos.
1648-1914 1540-1945 C4
Idade no 1o livro, idade noúltimo livro, tempo produtivo.
43 anos, 73 anos, 30anos.
49 anos, 75 anos, 26anos.
C5
Temperamento Modesto, religioso,tímido, intelectual.
Prepotente, vaidoso,arrogante.
D
Estado civil, filhos, anos decasado
Casado, 3 filhos, 42anos
Casado, 5 filhos, 39 anos C
Medalha de Ouro Chesney daGB
Sim, a recebeu em1900.
Sim, a recebeu em 1926. C
Ligação com as Escolas deGuerra Naval
Forte. De 1887 a 1892 Forte. De 1920 a 1923 C6
Critérios de avaliação:
C1 – Embora tenham nascido em países diferentes, nasceram no mesmo mês, morreram no mesmo mês etiveram praticaram a mesma idade, esses dados foram considerados coincidentes. Trata-se assim apenas deuma curiosidade, sem relevância científica.D2- O desempenho profissional, embora seja um fator subjetivo, foi avaliado em relação a importância dasfunções exercidas e posição do militar perante o seu próprio ofício.I3 – Ponto indiferente significa a impossibilidade de considerar como ponto coincidente e discordante porfalta de critério científico de comparação. C4- Por pesquisarem, na maior parte do tempo, períodos históricos concordantes, foi atribuído o critério deponto coincidente.C5- Foi atribuído o critério de coincidente por terem praticamente os mesmos dados de produção acadêmica.C6- O período de ligação de Richmond com a Escola de Guerra Naval foi maior, pois durante muitos anosexerceu a função de instrutor ad hoc. Indicou-se, no entanto, o seu período de direção de 1920 a 1923.
-A-1-
APÊNDICE B
A HISTÓRIA E O OFÍCIO DE HISTORIADOR SEGUNDO ALFRED MAHAN EHERBERT RICHMOND
CARACTERÍSTICASINFORMAÇÕES OBJETOS
ALFRED THAYERMAHAN
HERBERT WILLIAMRICHMOND
PONTOSCOINCIDENTES
PONTOS DISCORDANTES
PONTOSINDIFERENTES
Formação acadêmica formal. Não tinha formaçãonem treinamentoacadêmico.
Não tinha formaçãoporém possuía treinamento acadêmico.
D
Utilização de princípios naHistória e Estratégia.
Sim, junto com aexperiência.
Sim, junto com estudo eexperiência.
C
Método de análise histórica. Uma ‘luz’, seguido deconclusão e fatoscorroboradores .
Problema, pesquisa,fatos, descoberta econclusão.
D
Pesquisa arquivística e estilo deescrita.
Não gostava. Estilomoderado
Gostava. Estiloagressivo.
D
Uso de fontes. Secundárias na maiorparte
Primárias na maiorparte.
D
Narrativa. Direta, dogmática,determinista,reducionista e algumasvezes teleológica.
Direta, detalhista,determinista, moralista,teleológica.
C
História como disciplina Prescritiva eferramenta para aEstratégia.
Analítica e ferramentapara a Estratégia.
C1
Problematização, criatividade,uso de teoria e nível deprofundidade.
Sem problematizar,criativo, estabeleceuuma teoria, nível deprofundidade pequenaa média.
Problematizar, criativo,não quis estabelecer umateoria, nível deprofundidade de média aalta.
D2
Poder de convencimento nodomínio naval.
Sim, foi muito bemaceito
Não, foi mal aceito. D
Função educacional da Históriae Estratégia
Sim, como lição. Sim, como lição C
Visão da guerra Um mal necessário,deplorável, vontade deDeus. Fenômeno defácil entendimento.
Fenômeno complexo,com condicionantespolíticos, geográficos,tecnológicos e militares.
D
Poder civilizatório de seuspaíses, etnocentrismo eimperialismo.
Sim, um ato divinoimposto aos EUA.Etnocêntrico eimperialista.
Sim, etnocêntrico eimperialista.
C
História como Ciência Social,lições da História, TempoPresente, História como Arte
A Providência guia aHistória, com lições aserem apreendidas.Evitava a História doTempo Presente eHistória como arte.
A História comofenômeno complexo ecom lições a seremapreendidas. Discutia aHistória do TempoPresente.
D
Heróis Nelson, Farragut,Napoleão, Alexandre,
Nelson, Foch, Napoleão,Alexandre, Cesar,
C3
Cesar e Aníbal. Suffren,EarlSaintVincenO Ofício do historiador Deve ter capacidade
de influenciar,conhecimento, serjuiz, ter uma idéiacentral, semgeneralizar. Devedescrever os fatos deforma inteligente, semmuitos detalhes. Seutexto deve ter unidadecom hipótese central.É um artista, educadore imaginativo.
Deve ser um pesquisadorcrítico, capaz deinfluenciar. Deveescrever para trêspúblicos distintos: ohomem comum, opolítico e o oficial demarinha. Deve ser umeducador analítico.
D
Influências principais Antoine Henri Jomini,Dennis Hart Mahan eStephen Luce.
John Knox Laughton,Julian Corbett e AlfredThayer Mahan
I4
Características importantes nacondução da guerra.
Ofensiva deve terprevalência.
A condução tem suaprópria dinâmica, noentanto a ofensiva deveter prevalência.
C
Campos de atuação Tática e estratégiaoperacionalpreferencialmente
Estratégia operacional eestratégia militar epolítica.
D5
A ação dos políticos na guerra Determinam osinteresses nacionais eos objetivos deconquista.
Determinam os objetivospolíticos e as políticas aserem seguidas para acondução da guerra.
C
Critérios de avaliação:
C1 – Por serem ferramentas para a Estratégia foram consideradas como coincidentes.D2- Esse critério baseou-se na própria leitura e análise do autor em relação aos textos dos dois historiadores ede opiniões de críticos já referenciados no texto. Assim esse item é subjetivo.C3 – Foi considerado coincidente por abordarem praticamente os mesmos personagens e da admiração queambos sentiam desses ‘heróis’. I4 – Ponto indiferente significa a impossibilidade de considerar como ponto coincidente e discordante porfalta de critério científico de comparação. D5- Esse item requer uma explicação adicional. Trata-se do nível de discussão em que os dois autores sefixaram, na maior parte dos textos escritos. O nível mais baixo é o da tática ou dos combates. O nível seguinteé o da estratégia operacional, em que os combates são discutidos dentro do teatro de operações em uma áreageográfica mais abrangente. O terceiro nível é o do nível estratégico militar, isto é da política militar paraatender os desígnios do poder político e por fim o último nível seria o político ou governamental com oestabelecimento dos objetivos políticos com a guerra no nível de Gabinete parlamentar no parlamentarismoou presidencial. Um exemplo prático seria o caso da batalha naval de Midway em 1942 entre norte-americanos e japoneses quando os almirantes dos EUA (Spruance e Fletcher) envolvidos no combate estariamno nível tático. No nível estratégico operacional estaria o comandante da área do Pacífico Central (Nimitz)superior naval que dirigiu a batalha sob o ponto de vista do teatro de operações ou do Oceano Pacífico,localizado em Pearl Harbor. O nível estratégico militar seria o do Almirante King, Comandante de OperaçõesNavais, orientando os objetivos militares de alto nível a serem alcançados a partir de Washington e por fim opolítico com o Secretário da Marinha (Frank Knox) e o Presidente Roosevelt a partir de Washingtondeterminando os objetivos políticos a serem alcançados com a guerra.
-B-2-
APÊNDICE C
A GUERRA, O PODER MARÍTIMO E CONSIDERAÇÕES ESTRATÉGICASSEGUNDO ALFRED MAHAN E HERBERT RICHMOND
CARACTERÍSTICASINFORMAÇÕES OBJETOS
ALFRED THAYERMAHAN
HERBERT WILLIAMRICHMOND
PONTOSCOINCIDENTES
PONTOS DISCORDANTES
PONTOSINDIFERENTES
A guerra, resultado da guerra. Ato político atendendointeresses políticos,ataques vigorosos paraa vitória.
Ato político (diplomacia eguerra), busca pela vitóriatotal, 3 tipos de guerra,submeter o inimigo a nossavontade.
C1
Doutrina. Perigo em segui-lacegamente.
Doutrina deve sercomum, consideradauma catalizadora, umafacilitadora deprocedimentos e ênfasena cooperação.
I2
Uso da marinha de guerra. Centralidade do marlogo um instrumentofundamental.
Dependente do tipo deguerra a que se estavasubmetido.
D
Uso da Geopolítica como fatorde análise
Sim, extensivamente Enfase no aspectoestratégico-militar emdetrimento dogeopolítico, na maiorparte da análise.
D
Conceito de sea power Não definiudiretamente, masdiscutiu intensamentea sua concepção.Compunha-sebasicamente docomércio marítimo eda marinha de guerra.
Definiu claramente.Parte do poder nacionalque permite transportarbens e exércitos pelomar e impedir o inimigoa faze-lo.
D
Comando ou controle do mar Na maior parte dasvezes controle,embora se referissemao mesmo objeto,controle das linhas decomunicação, referia-se ao controlecompleto semsubordinação.
Na maior parte das vezescomando. Mesma visãode controle das linhas decomunicação, no entantopreocupava-se com a suautilização e não ocontrole por si só.
D
Elementos do poder marítimo Seis elementos(posição geográfica,conformação física,tamanho do território epopulação, caráter dapopulação e governo)
Três elementos. Amarinha mercante,forças de combate ebases e possessões.
D
Conquista de bases de apoio noexterior.
Fundamental Fundamental. C
Como obter o controle/comando do mar.
Batalha decisivasempre que possível.
Tomar bases inimigas eimpedir a concentração epor meio da batalhadecisiva
D
Uso do princípio daconcentração
Concordava. Esquadranão deveria serdividida.
Concordava. C
Posição central Concordava. Concordava. CLinhas Interiores Concordava Concordava. CImportância das linhas decomunicação.
Fundamental naguerra moderna.
Fundamental na guerramoderna.
C
Projeto de força naval Ênfase na linha debatalha formada deencouraçados.
Ênfase na defesa daslinhas de comunicaçãocom cruzadores
D
Esquadra em Potência Considerava ineficaz,embora pudesse serutilizada em algumassituações.
Considerava ineficaz,pois relegava o comandodo mar ao adversário.
C3
Guerra de Corso Ineficaz. Ineficaz C Comboios Medida eficiente Medida eficiente. CBloqueio Eficaz para destruir ou
neutralizar o tráfegomarítimo inimigo eforçar a batalhadecisiva.
Eficaz para destruir ouneutralizar o tráfegomarítimo inimigo,contudo a históriademonstrou adificuldade de aplicação.Quanto mais eficazmaiores as chances desucesso.
C4
Critérios de avaliação:
C1 – Ambos percebiam a guerra de forma similar como um ato político.I2 – As visões sobre doutrina eram bem distintas daí ser impossível compara-las.C3 –Ambos chegaram a mesma conclusão por meios distintos. C4 –A palavra eficaz foi a utilizada por referir-se aos fins e não aos meios, mais condizente com a palavraeficiente.
-C-2-
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