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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL LIDIANE CAVALCANTE TIBURTINO RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO: um estudo sobre as contradições de gênero no processo de expansão dos espaços sócio - ocupacionais das/os assistentes sociais na política de Assistência Social NATAL/RN 2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO … CAVALCANTE TIBURTINO RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO: um estudo sobre as contradições de gênero no processo

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

LIDIANE CAVALCANTE TIBURTINO

RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO: um estudo sobre as contradições de gênero no processo de expansão dos espaços sócio - ocupacionais das/os assistentes sociais na política de

Assistência Social

NATAL/RN

2014

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LIDIANE CAVALCANTE TIBURTINO

RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO: um

estudo sobre as contradições de gênero no processo de expansão dos espaços sócio - ocupacionais das/os assistentes sociais na política de

Assistência Social

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito à obtenção de título de mestre em Serviço Social. Orientadora: Prof ª Drª Maria Regina de Ávila Moreira

NATAL/RN

2014

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Tiburtino, Lidiane Cavalcante. Relações sociais de gênero e precarização do trabalho: um estudo sobre as

contradições de gênero no processo de expansão dos espaços sócio - ocupacionais das/os assistentes sociais na política de Assistência Social / Lidiane Cavalcante Tiburtino. - Natal, RN, 2014.

165 f. Orientadora: Profa. Dra. Maria Regina de Ávila Moreira. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Serviço Social.

1. Serviço Social - Dissertação. 2. Trabalho social - Dissertação. 3. Precarização do

trabalho - Dissertação. 4. Relação de gênero – Dissertação. I. Moreira, Maria Regina de Ávila. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 364.4:331

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À todas as assistentes sociais que participaram da pesquisa e

que defendem um mundo livre de opressão e da exploração de

classe e gênero. Às militantes feministas que não se cansam

de lutar por liberdade e despertam em nós a necessidade de

enfrentar repressões, as quais estamos submetidas em nossa

sociedade, simplesmente por sermos mulheres. E a minha

sobrinha Laís Tiburtino pela esperança que desperta em mim.

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AGRADECIMENTOS

A escrita desta dissertação foi possível devido a um processo objetivo e

subjetivo baseado em esperanças afins, confiança mútua e companheirismo político

e afetivo de dois anos de nomadismo, que talvez não cesse nunca. Ela foi marcada

por cada lugar onde passei com meus papeis, meu computador e meus sonhos,

construídos e reconstruídos, se afirmando por vezes como coisas impróprias,

comuns às pessoas que se movimentam por um mundo de relações efêmeras,

reificadas.

Esse processo não poderia me inspirar outra coisa a não ser a incessante

necessidade de mudança, de transformação, micro e macrossocial. Se colocar

teórica e ideo – politicamente demonstrou não ser uma tarefa fácil, em meio a uma

serie de contradições presentes no cotidiano desse processo, o que não me retira o

prazer em desenvolver tais aspectos.

Sou muito agradecida a todas e todos que me acolheram e confiaram em

mim: as/os assistentes sociais inseridos no Sistema Único de Assistência Social sou

imensamente grata, por se colocarem, por demonstrarem interesse e se permitirem

ver como parte integrante da pesquisa, por refletirem sobre um tema que se mostrou

não palpável para alguns, a equipe da Diretoria de Assistência Social pela

colaboração com o processo da pesquisa.

Agradeço a minha família, pelo apoio e compreensão, por entender as tantas

vezes que me fiz ausente nesse incansável e incessante processo formativo, de

construção e (re) construção do conhecimento. Agradeço pelos laços solidificados

em meio às turbulências.

Nesse sentido, agradeço imensamente à mamãe, Maria Salete Cavalcante da

Silva, por me despertar para as contradições que nem ela mesma percebe, mas

expressa a insatisfação. Algumas pessoas falam que “ser mãe é padecer no

paraíso”, essa expressão não me contempla nem um pouco, nela esta contida uma

alta dose de masoquismo que é disseminada na educação sexista e machista. Na

educação dentro e fora do âmbito familiar. Por esse motivo eu entendo quando elas

se rebelam, quando se sentem machucadas, pois a mãe é delegada o aceitar tudo,

o resolver tudo, o amar incondicionalmente, mas o que é isso? Faço-me essa

pergunta, porque nem sempre elas vão estar preparadas para encarar tudo com

aquele amor incondicional esperado por nós e pela sociedade. Elas são pessoas,

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imersas em relações sociais contraditórias, sofrem, gritam, se irritam, falham e são

duramente julgadas por serem mães. Sempre me indignei quando observei uma

atitude de subalternização do feminino. Coloco-me a compreender o fato de como

essas relações são construídas, e me deparo com a constatação de que nada é

natural. Chego à conclusão que as relações são socialmente construídas e diversas,

não cabe a um ser humano a perfeição e deparo-me com o fato de que amor

incondicional não é sinônimo de subserviência. Agradeço por possibilitar-me esse

amadurecimento, só posso te dar em troca o meu agradecimento, carinho e amor.

Agradeço também, aos meus irmãos Linária Tiburtino e Lindemberg Tiburtino,

e em especial a minha sobrinha Laís Tiburtino que me deu paz nos momentos de

angustia com o seu olhar leve e carinho sincero. E ao meu pai Lino Tiburtino de

Almeida (in memorian), por me despertar para a necessidade de poder caminhar e

pensar livremente. Ele despertou o que nenhum pai gostaria de despertar em uma

filha, mas sabe o quanto isso foi e é necessário, em meio a divergências, obrigada

por passar que eu posso e devo querer ser livre, por me empreender coragem e

valorizar as minhas opiniões.

Agradeço ainda a Lídia Libânia pela companhia, amor e companheirismo do

início ao final de tudo, obrigada pela sua admiração e confiança depositadas em

mim.

Agradeço as minhas amigas – irmãs, Maria Clara e Jéssyka Augusto pelo

amor, carinho e dificuldades partilhadas, desde o momento da graduação. Obrigada

pelos beijos, abraços, lágrimas e cervejas, tenham a certeza que independente do

caminho trilhado a partir daqui, vocês continuarão presentes em minha alma.

À Dayane Santiago por acreditar e me fazer ver em seus olhos a importância

desse trabalho.

Agradeço a minha orientadora Maria Regina Àvila Moreira pelas preciosas

orientações e pela relação de companheirismo construída, pelo respeito e por

compartilhar seus preciosos conhecimentos comigo.

À Mirla Cisne e Rita de Lourdes pela leitura e arguição na etapa de

qualificação e antecipadamente agradeço pela apreciação final desse trabalho, do

qual as duas fazem parte.

A CAPES pela bolsa e as/o professor/as com quem tive aulas pelo

conhecimento compartilhado.

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Agradeço também as e os colega/s de turma pelo companheirismo, vocês

foram ótimas/os.

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"É preciso explicar por que o mundo hoje, que é horrível, é apenas um momento do longo desenvolvimento histórico, e que a esperança sempre foi uma das forças dominantes das revoluções e das insurreições. Eu ainda sinto a esperança como minha concepção de futuro". (Jean Paul Sartre, 1963. Prefácio de "Os Condenados da Terra", de Frantz Fanon).

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RESUMO

O fio condutor que deu origem a esse trabalho fundamenta-se na necessidade de

trabalhar a transversalidade da categoria gênero com as demais categorias

históricas que explicam as relações sociais, em que se desenvolvem os processos

de trabalho onde se inserem as/os assistentes sociais, como a classe social, no

âmbito do Sistema Único de Assistência Social no município de João Pessoa - PB.

Desse modo, o processo de realização da pesquisa compreende agregar esforços

intelectuais, priorizando a análise de como as contradições das relações sociais de

gênero que permeiam o processo de expansão e precarização do trabalho das/dos

assistentes sociais no SUAS em João Pessoa – PB são determinadas e

determinantes ao referido processo. Para tanto, os procedimentos metodológicos

constituíram-se no aprofundamento em torno de temas como a divisão sexual do

trabalho, patriarcado e hierarquia de gênero até a análise sobre o processo de

constituição da profissão e o levantamento documental da realidade da assistência

social no lócus da pesquisa - município de João Pessoa/PB. Realizou-se a coleta

empírica por meio de entrevistas com amostra das/os assistentes sociais inseridos

na atuação da política de assistência social do município, fundamentando-se no

método crítico dialético para a análise da realidade social. Considerou-se que sujeito

e objeto são duas dimensões de um mesmo processo, ou seja, não existem

independentemente da atividade, da práxis, e se constroem de tal modo na e pela

relação social, o que demonstra o caráter não estático do sujeito e, por conseguinte

da construção do objeto de estudo, considerando que o sujeito integra e interage de

maneira permanente na realidade objetiva na qual está inserido. Destaca-se que

para entender o processo de expansão da política de Assistência Social e a

precarização do trabalho a que as/os assistentes sociais estão submetidos, na

referida política, faz-se necessário a discussão das contradições em torno da

constituição das relações de gênero, como um ponto fundamental na configuração

dos processos de trabalho. Uma das aproximações conclusivas evidencia a divisão

sexual do trabalho, como uma questão preeminente no âmbito do cotidiano

profissional, correlacionando os dados da pesquisa com a problemática da

precarização do trabalho nos espaços socioocupacionais, no âmbito dos processos

de trabalho.

Palavras Chave: Assistência Social; Precarização do Trabalho; Relações Sociais de

Gênero; Serviço Social.

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ABSTRACT The driving force that originated this work, is based on the need to work on the transversality of the gender category, with the other historical categories which explain the social relations, in which the work processes are developed, where social workers are inserted, as a social class, within the Unified System of Social Welfare in the municipality of João Pessoa – PB. Thereby, the process of conducting the research encompasses the combination of intellectual efforts, prioritizing the analysis of how the contradictions of the social relations on gender which permeate the process of expansion and insecurity of work of the social workers in the SUAS in João Pessoa – PB are determined and decisive in the aforementioned process. For this purpose, the methodological procedures were constituted of the deepening on topics such as the sexual division of work, gender patriarchate and hierarchy to the analysis of the process of constitution of the profession and the documentation survey of the social welfare reality in the locus of the research – the municipality of João Pessoa/PB. The empirical collection was carried out by the means of interviews with samples of the social workers that take part in the municipality´s policy of social welfare, based on the critical dialectical method for the analysis of the social reality. The subject and the object were considered two dimensions of the same process. In other words, they do not exist independently from the activity, the praxis, and are built in such a way in and by the social relation, what demonstrates the non-static character of the subject and, consequently the construction of the object of study, considering that the subject integrates and interacts in a permanent way in the objective reality in which it is inserted. It is highlighted that in order to understand the process of expansion of the social welfare policy and the insecurity of work that the social workers are submitted to, in this policy, it is necessary to discuss the contradictions over the constitution of the gender relations, as a fundamental point in the configuration of the work processes where the social workers are inserted. One of the conclusive approximations highlights the sexual division of work, as a pre-eminent issue in the daily professional routine scope, correlating the research’s data with the work insecurity issue in the socio-occupational spaces, within the work processes.

Keywords: Social Welfare; Work Insecurity; Social relations on gender; Social Work

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LISTA DE FIGURAS

Quadro 01. Amostra da pesquisa ............................................................................ 21

Quadro 02. Despesas liquidadas no orçamento da seguridade social no período de 2005 a 2010 .............................................................................................................. 76

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01. Ano de admissão das/os assistentes sociais ......................................... 93

Gráfico 02. Função exercida pelas/os assistentes sociais ..................................... 118

Gráfico 03. Situação funcional das/dos assistentes sociais ................................... 147

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LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS

CFESS – CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL

CRAS - CENTROS DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

CREAS - CENTRO DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

FMAS - FUNDO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

FHC: Fernando Henrique Cardoso

FMI: Fundo Monetário Internacional

GEAPS: Grupo de Estudos, Pesquisa e Assessoria em Políticas Sociais

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas

IDH: Índice de Desenvolvimento Humano

IPEA: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LGBTT – LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS

LBA – LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

LOAS – LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

MDS – MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL

MSE - MEDIDAS SOCIO EDUCATIVAS

NOB – NORMA OPERACIONAL BÁSICA

PNAS - POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

SEDES - SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL

SUAS - SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

TCE - TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 14

2. RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO E SERVIÇO SOCIAL: UMA ARTICULAÇÃO NECESSÁRIA ........................................................................................................... 25 2.1 Consubstancialidade e a Coextensividade das relações sociais: pressupostos teórico – metodológicos ............................................................................................ 25 2.2 Articulando relações sociais de gênero e Serviço Social .................................... 36 2.3 Gênero: uma análise crítica em torno dos enfoques teóricos e epistemológicos 57

3. EXPANSÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO ................................................ 70 3.1 Contextualização da Assistência Social no contexto contemporâneo e expressões da precarização do trabalho ................................................................... 70 3.1.1 O atual cenário de expansão da Política de Assistência Social: aspectos da regulamentação e implementação do Sistema Único de Assistência Social ............. 77 3.1.2 Precarização e rotatividade das/os profissionais: repercussões da expansão da política de Assistência Social .................................................................................... 90 3.2 As relações sociais de gênero e a política de assistência social ....................... .97 4. PROCESSOS DE TRABALHO, HIERARQUIA DE GÊNERO E DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA PARA O SERVIÇO SOCIAL ................................................................................................................... 112 4.1 A Hierarquia de Gênero em Serviço Social: velhos dilemas, novos desafios.... 112 4.1.1 A Reprodução da Divisão Sexual do Trabalho ............................................... 124 4.2 Processos de trabalho e as contradições do cotidiano profissional das/os Assistentes Sociais ................................................................................................. 136 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 153 6. REFERÊNCIAS ................................................................................................... 159

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1. INTRODUÇÃO

O fio condutor que deu origem a esse trabalho fundamenta-se na

necessidade de aprofundar a transversalidade da categoria gênero nos conteúdos

que permeiam as pesquisas no âmbito do Serviço Social. Enfatiza-se essa categoria

como de fundamental importância para a compreensão das atuais configurações do

trabalho profissional. O processo que inspirou o presente projeto de dissertação tem

fundamentações tanto acadêmicas, quanto ideopolíticas.

Nesse sentido, expressa o resultado de reflexões e inquietações referentes à

inserção das/os assistentes sociais nos processos de trabalho, adensados pelos

estudos desenvolvidos ao longo da graduação em Serviço Social1 e, especialmente

com a participação em pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Estudos Pesquisa e

Assessoria em Políticas Sociais (GEAPS) da Universidade Estadual da Paraíba

(UEPB), bem como da experiência política vivenciada em grupos do movimento

feminista e do movimento estudantil2, que possibilitou um olhar diferenciado sobre as

relações sociais estabelecidas na sociabilidade capitalista.

O caminho trilhado dentro e fora do âmbito acadêmico possibilitou

amadurecimento teórico com relação à temática e resultou na modificação do objeto

de estudo que inicialmente se focava na necessidade de estudar como se

configuram as relações e condições de trabalho das/os assistentes sociais no

Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em João Pessoa – PB.

A partir de uma maneira diferenciada de observação da realidade, resultante

das experiências supracitadas, apreendeu-se a necessidade de reformulação do

objeto, na tentativa de correlacionar a dimensão das relações de gênero como um

dos pontos integrantes do processo de precarização do trabalho das/os assistentes

sociais, articulado as categorias raça/etnia3 e classe social.

1 O período do curso de Serviço Social na graduação foi de 2008-2011.

2A participação em grupos feministas resultou da inserção na Consulta Popular (CP) 2009/2010,

como Pré-núcleo em Campina Grande – PB, citando como exemplo: A Marcha Mundial de Mulheres na Paraíba e a participação no Encontro Nacional de Mulheres da CP na Bahia, o que resultou uma maior aproximação com as lutas feministas. Houve ainda no período de 2009 a 2011, participação no Movimento Estudantil (ME), o que também resultou na sensibilização para a participação nas lutas feministas, tendo em vista as particularidades do ME de Serviço Social e as temáticas abordadas no curso. 3 Aponta-se e compreende-se a importância da raça/etnia no âmbito da analise das relações sociais,

que compreendem os processos de trabalho no Serviço Social. Contudo, essas não serão categorias aprofundadas no decorrer da análise do objeto de estudo, pela própria delimitação do tema a que nos propomos. Ou seja, não iremos abranger de forma contundente a raça/etnia, já que essas não são o

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Nesse sentido, foi no processo do mestrado que essas experiências

resultaram em ações concretas, modificando o objeto de estudo, a fim de se

aproximar das seguintes inquietações: Quais são as atuais configurações do

trabalho das/os assistentes sociais no cenário contemporâneo? Como se expressam

as contradições de gênero no processo de expansão e precarização do trabalho

destas/es profissionais no SUAS? Qual a percepção das/os mesmas/os, com

relação ao processo de precarização do trabalho a qual estão submetidas/os,

correlacionado as categorias de classe, gênero e raça/etnia? Como se expressa a

marca de gênero que acompanha a profissão desde a sua institucionalização? Será

que a marca de gênero, expressa na presença majoritária de mulheres, se mantém

perene ao desenvolvimento da profissão?

Essas inquietações surgem e se fundamentam na necessidade de se

trabalhar os conteúdos teórico-metodológicos do Serviço Social de forma

transversal, como já mencionado, ou seja, em uma perspectiva de classe, gênero e

raça/etnia, com o objetivo de abarcar a complexidade que rege a constituição das

relações sociais.

A que se advertir, para o fato de que as categorias de gênero, raça/etnia, são

por diversas vezes entendidas como secundárias e/ou tangenciais a formação

profissional, dando-se ou status de maior importância à categoria classe social ou

mesmo por apreendê-las como determinante às demais.

Dessa forma, a iniciativa de realização dessa pesquisa advém da

necessidade de agregar esforços intelectuais, priorizando a análise de como as

contradições das relações sociais de gênero4 que permeiam o processo de

expansão e precarização do trabalho das/dos assistentes sociais no Sistema Único

de Assistência Social (SUAS) no município de João Pessoa – PB são determinadas

e determinantes ao referido processo.

Nesta perspectiva, acreditamos que para se entender o processo de

expansão da política de Assistência Social e a precarização do trabalho a que as/os

assistentes sociais estão submetidos, na referida política, faz-se necessário a objeto de estudo em questão. Contudo, salienta-se sua importância e necessidade de serem trabalhadas pelo Serviço Social. 4No decorrer da pesquisa buscaremos correlacionar o patriarcado, racismo e capitalismo, tendo em

vista o acirramento destas categorias no referido modo de sociabilidade, não atribuindo status de maior importância a uma ou outra categoria. Contudo, a que se ressaltar que a pesquisa irá buscar um estudo mais aprofundado nas relações de gênero, que permeiam o processo de precarização do trabalho das/dos Assistentes Sociais, o que não nos remete a uma secundarização das categorias raça/etnia e classe social.

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discussão das contradições em torno da constituição das relações de gênero, como

um ponto fundamental na configuração dos processos de trabalho onde estão

inseridos/as os/as assistentes sociais.

Igualmente, ressaltamos esse como um ponto importante não só pelo fato da

presença majoritária de mulheres que acompanha a profissão historicamente, mas

por perceber o Serviço Social a partir das relações de gênero, parte integrante e

constituinte das relações sociais. Diante do emaranhado que constitui assas

relações, acredita-se que essa discussão se torna de extrema importância, por se

esperar que dela resultem estratégias de luta e de intervenção para a categoria

profissional.

Nesse âmbito, optar por uma pesquisa que traga como central a discussão

das relações de gênero no Serviço Social é assumir um compromisso teórico-

político, a partir de duas premissas: a primeira centra-se na necessidade de

compreender o Serviço Social, inserido nas relações sociais na sociabilidade

capitalista, instituindo o gênero como parte integrante dessas, a outra questão

apresenta-se, no sentido de colocar para o Serviço Social a necessidade de se

trabalhar a transversalidade nos conteúdos, possibilitando uma intervenção que

questione os papéis conservadores de gênero.

Essas e outras questões irão definir o direcionamento ideopolitico da

profissão no cenário atual, uma vez que, as relações sociais de gênero se

expressam como uma das dimensões da realidade social na qual o profissional do

Serviço Social está inserido. Destaca-se que alguns autores5, ao discorrer sobre o

processo de feminização da profissão afirmam que historicamente esta se constituiu

como uma profissão de mulheres e para mulheres.

Desse modo, cabe evidenciarmos que essa realidade é composta e

fortemente marcada por relações e contradições de gênero, pois sabemos que

homens e mulheres não ocupam posições igualitárias na sociedade, tanto no campo

do privado, quanto no público, mesmo que essas venham a ter a mesma formação

profissional, qualificação técnica que os homens e com isso ocupem os mesmos

espaços, as discriminações de gênero se apresentam de forma concreta no

5Cisne (2012), Cisne (2004), Veloso (2001) Hirata (1995): As autoras em questão, não reforçam os

padrões conservadores de gênero que norteiam a feminização de determinados papeis, pelo contrario, as mesmas colocam a marca de gênero que permeia o âmbito profissional como um fenômeno social, ou seja, determinado historicamente.

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cotidiano profissional, questão essa que se apresenta como um dos focos centrais

da nossa pesquisa.

O que importa é o sentido que melhor traduz a realidade, as relações sociais,

das quais o gênero, a raça/etnia e a classe social são partes integrantes. Nessa

premissa, colocamos como ordem de necessidade trabalhar dentro de uma linha de

análise que considere a complexidade que rege a constituição das relações sociais,

a fim de compreender o verdadeiro sistema de dominação-exploração a que estão

submetidas as/os profissionais.

Nesse sentido, optamos por trabalhar em uma perspectiva metodológica que

considere a consubstancialidade e coextensividade6 das relações sociais, na

tentativa de salientar a análise dos conflitos de classe, gênero e raça, como

categorias que não devem ser concebidas, interpretadas e enfrentadas de forma

isolada. Ou seja, evidenciamos a partir da análise que essas categorias se

entrecruzam, conformando um “nó”, no nível do desenvolvimento das práticas

sociais, não estando assim, situadas de forma paralela, pois as mesmas se

produzem e (co) reproduzem em um nível de dependência mutua.

Contudo, essa perspectiva empreendida no nível da análise sociológica não

implica considerar que tudo está relacionado a tudo, sem considerar as

especificidades de cada categoria. Trata-se de entrecruzamento dinâmico e

complexo do conjunto das relações sociais, cada uma imprimie sua marca nas

outras, ajustando-se e construindo-se de maneira recíproca, os conflitos se

expressam de forma enovelada e se adensam.

Essa perspectiva de análise é empreendida pelo feminismo materialista

francófano que estudam o termo “relações sociais de sexo”, em detrimento dos

estudos de gênero. Contudo, apesar de nos aproximarmos dos seus aspectos

teóricos e metodológicos, pela consideração das dimensões de exploração e

opressão em torno da construção social da vida das mulheres, pela apreensão da

sua perspectiva de considerar as relações sociais de forma consubstanciada e

6 A perspectiva que compreende o estudo das relações sociais em termos de consubstancialidade e

coextensividade é das francesas que estudam as “relações sociais de sexo”. Essa perspectiva metodológica compreende a dinamicidade das relações sociais, sendo preciso à definição de tais relações como também de suas propriedades. Destaca-se para tanto, como caminho metodológico a apreensão do caráter concreto e contraditório das relações sociais e das práticas sociais. Estando presentes as contradições de classe, raça/etnia e das relações sociais de gênero, destacando que cada uma imprime sua marcar na outra, conformando um nó que não pode ser apreendido no nível empírico do desenvolvimento das práticas sociais, mas sim no nível da análise sociológica, ao se compreender a dinâmica da consubstancialidade e coextensividade.

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coextensiva, não optamos pelo uso do termo “relações sociais de sexo”. Pela própria

proposta do objeto de estudo em questão e pela tentativa de analisar as relações

sociais de gênero, dentro da perspectiva do materialismo histórico dialético,

buscando evidenciar as contradições postas a esse processo e as potencialidades e

disputas em torno do termo gênero.

Busca-se também a tentativa de empreender uma análise que considere essa

como uma categoria que não esta limitada aos estudos pós – modernos e

estruturalistas, bem como as bandeiras de luta que esses estudos reivindicam. Essa

questão nos é impelida pelo compromisso ideopolitico com as mulheres e com as

bandeiras de luta do movimento feminista e das classes subalternas, evidenciadas

na contradição capital – trabalho. O que coloca como necessário a incorporação das

relações sociais de gênero em meio a uma perspectiva que considere as dimensões

de opressão em conjunto com a exploração, relacionando produção e reprodução

social na ordem sociometabólica do capital. Trata-se também de evidenciar a

relações sociais de gênero em uma perspectiva de totalidade para além da ênfase

exacerbada nas diferenças.

Nesse sentido, tratamos aqui de gênero e relações sociais de gênero no

sentido de que um compreende o outro, mas acredita-se que o uso do termo

relações sociais de gênero, compreende as relações sociais nas quais o gênero está

imerso. Parte então da conceituação do que é gênero e das contradições postas por

uma dada sociabilidade e pelo movimento que o próprio termo expressa na

realidade concreta. Destaca-se as relações sociais de gênero como aquele que

traduz melhor o caráter histórico da construção de hierarquias entre os sexos e que

evidencia de forma mais contundente o objeto de estudo, sendo essa mesma parte

do objeto.

Evidencia-se nesse contexto, a utilização do termo classe-que-vive-do-

trabalho, com objetivo de dar ênfase à noção ampliada de classe, empreendida por

Antunes (2003). O autor constrói uma argumentação que demonstra e reafirma a

nova composição assumida pela classe trabalhadora hoje, sem negar as profundas

transformações que o proletariado passou em seu interior, fundamentalmente nas

quatro ultimas décadas. Ao contrário, Antunes enfatiza algumas dessas mudanças,

sem desconsiderar, no entanto, que a efetividade, processualidade e concretude da

classe permanecem vivas.

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A primazia da argumentação do autor, é que pensar o proletariado como

elemento estático na história, limita e reforça análises com base em pressupostos

teóricos que veem a classe como fenômeno em extinção, e, por conseguinte,

reafirmando a crise da sociedade do trabalho, a mesma medida em que postos de

trabalhado são eliminados no mundo da fábrica. O termo classe-que-vive-do-

trabalho, significa uma ampliação no foco da análise, com vistas a dar conta da

diversificação e complexificação da classe trabalhadora hoje. Compreende-se a

classe como processualidade histórica e não como um fenômeno teórico – abstrato,

considerando as mudanças no capitalismo contemporâneo.

Considera-se nessa perspectiva de análise que:

[...] determinações objetivas não se impõem sobre matéria – prima vazia e passiva, mas seres históricos ativos e conscientes. As formações de classe surgem e se desenvolvem na medida em que homens e mulheres vivem suas relações produtivas e experimentam suas situações determinadas, no interior do conjunto das relações sociais, com a cultura e esperança que herdaram, e à medida que trabalham de formas culturais suas experiências (WOOD, 2003, p. 76).

Nesse âmbito, consideramos que é a partir da noção de que os indivíduos

expressam em suas ações uma consciência histórica, ou seja, que dão significado e

intencionalidade as suas construções, que se gesta a proposta metodológica dessa

pesquisa. Considera-se que as objetivações humanas, carregam em seu cerne uma

série de subjetivações, o que demonstra a necessidade de articular objetividade e

subjetividade, se afastando da sociologia compreensiva e do positivismo.

Desta forma, os procedimentos metodológicos aqui adotados serão

articulados com o intuito de definir o modo de análise do objeto escolhido atrelado às

determinações sócio-históricas da realidade social observada, em sua

complexidade.

Essas afirmações nos levam a optar por uma proposta metodológica, que

compreenda a lógica interna dos grupos, instituições e sujeitos sociais, relacionado

ao contexto externo que rege as determinações das relações sociais que os

circundam, considerando-os não como indivíduos em si, isolados do contexto

histórico, mas como produtos de uma práxis social, dotados de historicidade,

considerando desta forma que há uma base material para o universo simbólico.

Nesse sentido, a metodologia partiu de uma análise qualitativa do processo

que norteia como se expressa as contradições das relações de gênero imersas no

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processo de expansão e precarização do trabalho das/dos assistentes sociais no

Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no município de João Pessoa – PB, na

tentativa de demonstrar que as análises dos determinantes que cercam o contexto

de precarização do trabalho das/dos assistentes sociais não se apresentam de

forma neutra, e nem tampouco assexuada.

Tal afirmativa nos demandou um aprofundamento em torno da problemática

da divisão sexual do trabalho, hierarquia de gênero, relações sociais de gênero e os

enfoques epistemológicos em torno dessa categoria, bem como de conceitos que

permeiam a pesquisa, como por exemplo, o processo de constituição da profissão,

correlacionado as dimensões de classe social e relações sociais de gênero.

Ressalta-se que sujeito e objeto são duas dimensões de um mesmo

processo, ou seja, não existem independentemente da atividade, da práxis, e se

constroem de tal modo na e pela relação social, o que demonstra o caráter não

estático do sujeito e, por conseguinte da construção do objeto de estudo,

considerando que o sujeito integra e interage de maneira permanente na realidade

objetiva na qual está inserido.

Nesse sentido, as análises em torno da subjetivação, enquanto movimento

inseparável da objetivação, ganha uma dimensão importante no percurso

metodológico dessa pesquisa, uma vez que a sociedade atravessada por

contradições de gênero, raça/etnia e classe social, apresenta formas diferenciadas

de desigualdades e, consequentemente de hierarquias expressas de forma concreta

na exploração da força de trabalho.

Essas considerações fazem referências às abordagens qualitativas,

“entendidas como aquelas capazes de incorporar a questão do significado e da

intencionalidade como inerentes aos atos, as relações, e as estruturas sociais”

(MINAYO, 2010, p. 22). Sendo assim, estas devem ser contextualizadas, levando

em conta a origem e a historicidade dos grupos e dos fatos sociais, perpassados

tanto pela esfera política e econômica, quanto cultural, o que nos permite

compreender melhor o conceito de gênero e como as contradições das relações de

gênero se expressam no contexto de precarização do trabalho das/dos assistentes

sociais.

Essa pesquisa teve como lócus empírico o Sistema Único de Assistência

Social (SUAS), no município de João Pessoa - PB, e como sujeitos da pesquisa os

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assistentes sociais inseridos nos espaços sócio-ocupacionais da Política de

Assistência Social deste município.

A hipótese da pesquisa se fundamentou na evidência de que as relações

sociais de gênero implicam de forma direta e indireta no processo de precarização

do trabalho das/dos assistentes sociais no Sistema Único de Assistência Social

(SUAS) no município de João Pessoa – PB.

A fonte prioritária de informações teve como foco os dados empíricos

coletados junto as/os assistentes sociais, por meio de entrevista semi-estruturadas,

que teve por objetivo evidenciar a percepção das/os profissionais com relação ao

processo de precarização do trabalho e sua possível ligação as relações de gênero,

se há alguma resistência ao reforço de papeis conservadores de gênero ou

naturalização destes, bem como os desafios postos no cotidiano profissional e sua

ligação com o fato dessas/es profissionais estarem situados em uma política social

que é tida como uma política de mulheres e para mulheres. Pretendemos apreender

se há e como se dá essa percepção por parte das/os assistentes sociais.

O roteiro teve por objetivo a caracterização do perfil destes profissionais

inseridos na política de assistência social, indicando aspectos sócio-culturais,

econômicos e as relações de trabalho neste espaço sócio-ocupacional, processo

esse que já esteve em andamento desde o período de setembro de 2012, com o

primeiro contato com o campo empírico.

O percurso metodológico foi executado por fases, uma vez que, a análise

partiu de dados quantitativos do perfil, o que possibilitou a definição da amostra,

definida conforme os seguintes itens do perfil: situação funcional, nível de

complexidade em que a/o profissional está inserido, sexo, raça/etnia, cargo e o ano

de admissão, na tentativa de compreender todo o universo da pesquisa7, sendo a

amostra do tipo estratificada, como demonstrado no quadro abaixo:

Função que Exerce Sexo

Proteção Social

Básica

1 Coordenação - CRAS Feminino

1 Assistente Social – CRAS Feminino

1 Assistente Social – Bolsa

Família

Feminino

1 Assessoria Técnica – Masculino

7Esses dados já foram coletados com a ida a campo no mês de setembro de 2012.

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ProJovem Urbano

Proteção Social de Média

Complexidade

1 Coordenação – PETI Feminino

1 Assistente Social – CREAS

Medidas

Feminino

1 Assistente Social – CREAS

POP

Feminino

1 Assistente Social – CREAS

PAEFI

Feminino

Proteção Social de Alta

Complexidade

1 Coordenação - Casa de

Acolhida Masculina

Masculino

1 Assistente Social - Casa

Lar Manaíra

Feminino

1 Coordenação - Casa de

Acolhida Feminina

Feminino

TOTAL 11

Quadro 01. Amostra da pesquisa Fonte: Elaboração própria, 2012.

Nesse sentido, o universo da pesquisa compreendeu as/os assistentes

sociais inseridos no Sistema Único de Assistência – SUAS, sendo entrevistados 9,

das/os 11 assistentes sociais, definidos na amostra, conforme os itens apresentado.

Destaca-se a dificuldade em efetivar a pesquisa, devido ao alto índice de

rotatividade das/os profissionais.

Para efeito de apresentação e análise das entrevistas, foram atribuídos

números, destacando o sexo dos indivíduos, com o intuito de resguardar-lhes a

privacidade e melhor realizar a análise.

Um dos primeiros passos adotados no processo investigativo foi o de

proceder à ampla revisão bibliográfica acerca do material já produzido, a respeito da

temática, o que permitiu acompanhar o estado da arte da problemática e as

diferentes abordagens teóricas e metodológicas, em torno da articulação entre

precarização do trabalho, relações sociais de gênero e Serviço Social. Possibilitando

um melhor ordenamento e compreensão da realidade empírica, permitiu-se

acrescentar reflexões ao tema da gestão do trabalho na política de assistência social

e as relações desta com a categoria gênero.

Dentre esses materiais destacam-se teses e dissertações na área do Serviço

Social, que correspondam as análises de gênero, trabalho, assistência social e

Serviço Social, bem como autores que discorram no campo das Ciências Sociais

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sobre as temáticas da divisão sexual do trabalho, gênero, capitalismo e patriarcado.

Esses se mostrarão evidenciados em todo o trabalho, dando fundamentação as

análises e permitindo um novo olhar sob a realidade social em que se insere o

objeto de estudo.

Objetivando de tal modo uma apresentação da pesquisa bibliográfica e de

campo em torno do objeto aqui delimitado, bem como das análises empreendidas,

dividiu-se o trabalho em três capítulos, salientado que os dados empíricos da

pesquisa estão evidentes em todo o processo da escrita. Assim, tanto o conteúdo

está submetido à forma, como esta precisa estar submetida ao conteúdo, como

principio metodológico da pesquisa.

O primeiro capítulo, RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO E SERVIÇO

SOCIAL: uma articulação necessária tem como central a reconstituição histórico-

social da inserção da profissão sob a perspectiva das relações sociais de gênero.

Destacam-se as relações sociais consubstanciadas e coextensivas, posto que

analisadas de forma consubstanciada, se entende o gênero e outras categorias, por

si só, como insuficientes para a compreensão e explicação da realidade social em

que se insere o nosso objeto de estudo e a coextensividade significa empreender a

noção de que as mesmas se produzem e (co) reproduzem mutuamente,

conformando um nó no desenvolvimento das relações sociais de classe, gênero e

raça/etnia.

Ressalta-se também a marca de gênero que acompanha a profissão desde a

sua gênese, em meio ao processo de consolidação do Serviço Social. Empreende-

se também uma análise crítica em torno dos enfoques teóricos e epistemológicos da

categoria gênero, na tentativa de se situar teórico, político e metodologicamente, em

torno da discussão, o que aparece como uma demanda do campo empírico da

pesquisa.

No segundo capítulo, EXPANSÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA

SOCIAL: precarização do trabalho e relações sociais de gênero, empreende-se uma

caracterização do espaço sócio-ocupacional, onde se propôs estudar as

contradições das relações sociais de gênero no contexto de precarização do

trabalho das/dos Assistentes Sociais.

O objetivo foi analisar as determinações da expansão da Assistência Social,

considerando o movimento da política e da economia, articulada as falas das/os

entrevistados. Ressaltam-se os aspectos contraditórios que norteiam a expansão,

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destacando as condições e relações de trabalho dos assistentes sociais,

correlacionando o movimento das categorias de gênero e da classe social, no

desenvolvimento da política de Assistência Social, destacando a perenidade dos

processos conservadores em torno da efetivação da política com base no gênero e

novos olhares.

O terceiro capítulo, PROCESSOS DE TRABALHO, HIERARQUIA DE

GÊNERO E DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO: uma articulação necessária para o

Serviço Social busca compreender a identificação da hierarquização dos papeis,

pautados em padrões conservadores de gênero, entre as/os assistentes sociais.

Destacam-se os arranjos em torno da perenidade desse processo, que conforma

assimetrias entre as relações sociais de gênero. De tal modo, explicitamos a divisão

sexual do trabalho, como uma questão preeminente no âmbito do cotidiano

profissional, correlacionando os dados da pesquisa com a problemática e as

categorias supracitadas, no âmbito dos processos de trabalho. Ressaltamos a

construção social em torno da feminização de determinados papéis, atividades e

profissões como partes constituintes das estratégias de produção e reprodução do

capital e, do patriarcado voltadas para a desvalorização da força de trabalho, em

especifico o caso da mulher.

Espera-se, com esse estudo, contribuir para as discussões no âmbito da

profissão, ao salientar que para compreensão do Serviço Social no cenário

contemporâneo, para pensar suas relações e condições de trabalho, deve-se

considerar os sujeitos que a compõem, as particularidades sócio institucionais e a

complexidade e dinâmica das relações sociais em que os mesmos se inserem.

Relações sociais que são fortemente marcadas, por relações de gênero, de classe e

raça/etnia.

Pretende-se de tal modo, demonstrar, à importância para o Serviço Social da

articulação com a luta das mulheres e aproximação com as discussões das relações

sociais de gênero. À medida que se percebe o Serviço Social, para além da

presença majoritária de mulheres, ou seja, a partir das relações sociais de gênero.

Esse debate visa contribuir com a formulação de ações ideopolíticas, que considere

não a desmistificação da marca de gênero que acompanha a profissão, expressa

empiricamente na presença majoritária de mulheres, mas a possibilidade de uma

intervenção crítica, que possibilite uma articulação com as lutas do movimento

feminista e a desmitificação de padrões conservadores de gênero.

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2. RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO E SERVIÇO SOCIAL: UMA ARTICULAÇÃO

NECESSÁRIA

A aproximação ao objeto de estudo levou a instância do pensamento para

sistematizar o presente debate. Foi o real que contribuiu para apropriação de

determinadas categorias de análise que por sua vez possibilitaram indicar os

pressupostos que fundamentaram a análise da realidade observada.

Assim, o capítulo tem como central a reconstituição histórico-social da

inserção do Serviço Social como profissão sob a perspectiva da análise das relações

sociais de gênero. Entende-se que as relações sociais estão consubstanciadas,

posto que analisadas de forma unificada, se entende que o gênero e outras

categorias, por si só, são insuficientes para a compreensão e explicação da

realidade social em que se insere o nosso objeto de estudo. A partir dessa premissa,

houve a escolha de autoras que trabalham correlacionando as contradições de

classe, gênero e raça/etnia como enoveladas, destacando-se a consubstancialidade

e coextensividade dessas relações e contradições postas na realidade social.

Será discutido também, o desenvolvimento da profissão entrelaçado as

relações sociais de gênero, destacando a marca de gênero que acompanha a

profissão desde a sua gênese, em meio ao processo de consolidação profissional do

Serviço Social. Outro ponto importante para se situar teórico, político e

metodologicamente, implicou em uma análise teórica crítica em torno da categoria

gênero, a partir da perspectiva feminista.

2.1 Consubstancialidade e a Coextensividade das Relações Sociais:

pressupostos teórico – metodológicos

É preciso salientar a necessidade de análise dos conflitos de classe, gênero e

raça, como categorias que não devem ser concebidas, interpretadas e enfrentadas

de forma isolada. Para tanto, o estudo dos conceitos de consubstancialidade das

relações sociais e a coextensividade como sua propriedade essencial, são

importantes para compreender as práticas sociais desenvolvidas por homens e

mulheres, considerando tanto a interdependência das categorias supracitadas, como

o caráter móvel, ambíguo e ambivalente das mesmas.

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A sociedade, e, por conseguinte, o objeto de estudo, é aqui assumido em

termos de relações sociais, conformados em meio à dinamicidade das mesmas,

sendo preciso à definição de tais relações como também de suas propriedades.

Kergoat (2010) dispõe sobre essas questões ao trabalhar a dinâmica e

consubstancialidade e coextensividade das relações sociais. A autora procura

responder a perguntas como: por que é heuristicamente8 proveitoso apreender as

práticas em termos de relações sociais? Destaca-se para tanto, como caminho

metodológico a apreensão do caráter concreto e contraditório de tais práticas.

Toda relação social se apresenta como uma relação antagônica, que

conforme Kergoat (2010, p. 94) está:

Instaurada em torno de uma disputa. É uma relação de produção material e ideal: Colette Guillaumin mostrou, por exemplo, que a “racialização” é a construção ideológica e discursiva da natureza dos dominados, a “face mental” e cognitiva dos vínculos materiais de poder. Toda relação social é, assim, uma relação conflituosa. É preciso apreender o paradoxo que se instaura na conformação dessas relações, uma vez que, se apresenta [...] simultaneamente à melhoria da situação da mulher, em particular no mercado de trabalho, ocorre à persistência, às vezes a intensificação, da divisão sexual do trabalho. “Tudo muda, mas tudo permanece igual”.

Ao tomarmos essa perspectiva demonstramos o sentido de apreender o

movimento da profissão do Serviço Social em sua dinâmica, a partir desse circuito

de análise das relações sociais, conformando o movimento em que a profissão está

inscrita, em meio à tríade capital, trabalhadores e Estado, já que o movimento

dessas categorias implica no desenvolvimento e direcionamento da profissão. Sendo

assim, o Serviço Social é aqui analisado para além desse movimento, expressando

a sua complexidade, uma vez que, consideramos atreladas a essas categorias as

dimensões das relações sociais de gênero, de classe e de raça. O que demonstra a

análise das relações sociais de forma consubstanciada e como substrato central

para compreender os processos de trabalho em que se inscreve a profissão.

Salienta-se assim, portanto, o porquê de se usar “relações sociais” para

discutir as categorias gênero, raça e classe ao invés de “sistemas” ou

“imbricamento” dessas categorias apresentadas, pois muito mais que distinção de

caráter metodológico, isso implica a orientação de ações, formulações e opções

políticas. Nesse sentido, Falquet (2012, p. 13 apud CISNE, 2013, p. 110), assinala:

8 Heurístico. Que se refere à descoberta e serve de idéia diretriz numa pesquisa, de enunciação das

condições da descoberta científica (Dicionário básico de Filosofia. Japiassu e Marcondes,2001).

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Em primeiro lugar, porque a perspectiva de sistemas tende a fechar, a bloquear. Em seguida, porque ela corre o risco de produzir uma visão cujos diferentes sistemas aparecem como objetos bem delimitados, o que é improvável, por isso, são vistos como imbricados: eles parecem frequentemente justapostos, hierarquizados, no melhor dos casos interseccionados ou se encobrem parcialmente uns pelos outros. O conceito de relações [rapports] sociais por outro lado, permite pensar por meio da sociedade, os indivíduos e as classes. As relações [rapports] sociais podem efetivamente serem vistas como tensões dinâmicas, sem cessar em recomposição, que constroem oposições e polarizam o campo social com mais ou menos força segundo o ponto onde se encontra a relação [rapport] de origem dessas tensões. Nesse sentido, elas permitem também compreender melhor a posição relativa de diferentes sujeitos sociais submissos simultaneamente a várias dessas relações de força, que exercem sobre diferentes planos, permitindo uma visão multidimensional e histórica das coisas (tradução de CISNE, 20139).

Nesse processo, destacamos a apreensão dos fenômenos a partir de uma

perspectiva materialista, histórica e dinâmica da sociedade. Coloca-se como

principal objetivo desse caminho, a desnaturalização radical de construções que se

baseiam na identificação da diferença com desigualdade, ou negativização da

primeira, sem com isso perder de vista a dimensão concreta dessas relações

sociais.

Evidencia-se que os indivíduos sociais não existem independentemente da

atividade, da práxis10, e se constroem de tal modo na e pela relação social, o que

demonstra o caráter não estático do sujeito e, por conseguinte, do desenvolvimento

9 Texto original: “ En premier lieu, parce que la perspective des systèmes tend à clore, à enfermer.

Ensuite, parce qu’elle risque de produire une vision dans laquelle les différents systèmes apparaissent comme des objets bien délimités qu’on a du mal, de ce fait, à voir comme imbriqués: il paraissent souvent plutôt comme juxtaposés, hiérarchisés, dans le meilleur des cas intersécants ou se recouvrant partiellement les uns les autres. Le concept de rapports sociaux en revanche [...], permet de penser à la fois la société, les individus et les classes. Les rapports sociaux peuvent en effet être vus comme des tensions dynamiques, sans cesse en recomposition, qui construisent des oppositions et polarisent le champ social avec plus ou moins de force selon le point où l’on se trouve par rapport à l’origine de ces tensions. En ce sens, ils permettent aussi bien mieux de comprendre la position relative des différents sujets sociaux soumis simultanément à plusieurs de ces rapports de force, qui s’exercent sur différents plans, autorisant une vision multidimensionnelle et historique des choses” (IDEM, IBID) 10

A práxis é a categoria que compreende a complexidade do ser social desenvolvido, que se fundamenta originariamente a partir do trabalho, a mesma compreende a complexidade das relações sociais, tomadas numa perspectiva de totalidade. “O fato de todas as coisas serem produtos da práxis humana, serem expressões do seu modo de produção, isto é, expressarem a forma de vida própria da espécie humana, é a razão pela qual elas podem ser ou completamente abolidas da sociedade, ou parcialmente suprimidas ou mesmo alteradas a qualquer tempo, quer no que tange ao seu modo de funcionamento, quer ao seu significado, quer ao seu objetivo sócio-político etc., independentemente de se elas existem e funcionam de determinado modo há vários séculos ou há alguns dias” (LIMA, 2011, p.24).

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das relações sociais de classe, gênero e raça. Desse modo, considera-se que o

sujeito integra e interage de maneira permanente na realidade objetiva na qual está

inserido.

Essas afirmações tomam como verdadeiras a afirmação de Marx e Engels

(2009, p. 32), “não têm história, não têm desenvolvimento, são os homens que

desenvolvem a sua produção material e o seu intercâmbio material que, ao

mudarem essa sua realidade, muda também o seu pensamento e os produtos do

seu pensamento”. A história das pessoas consiste na história de suas relações

sociais, ou seja, os indivíduos se constroem e reconstroem conforme o curso da

realidade na qual se encontra, perpassada por relações de classe, de gênero e raça,

em estreito contato com as estruturas simbólicas da cultura, da política e da

economia (SAFFIOTI, 1997).

Diante dessa linha de análise, é imperativo destacar que no francês existem

duas formas de traduzir o termo relações sociais: rapport social e relation social.

Relation social remete às relações concretas que mantem os grupos e os indivíduos,

são relações interpessoais, cotidianas, que podem ser observadas empiricamente.

Já a rapport social refere-se às relações abstratas, estruturais, impessoais e que

apenas mudam por meio das lutas coletivas. São relações antagônicas e

contraditórias entre grupos ou classes sociais, que pré – configuram o social, e são

essas últimas que estamos tentando elucidar, no desenvolvimento da história, dos

indivíduos sociais e de suas relações (KERGOAT, 2009).

Dessa forma, uma rapport social se expressa através de antagonismos entre

dois grupos sociais, construída em torno de uma problemática. Como nos apresenta

Goldelier (1982, apud CISNE, 2013, p. 111), seria descrita como uma “relação de

produção material e ideal”, não é assim definida como uma simples relação entre

indivíduos, à medida que dizem respeito a relações sociais antagônicas.

É nesse sentido, que Kergoat (2010, p. 94) posiciona em sua tese:

As relações sociais são consubstanciais; formam um nó que não podem ser desatado no nível das praticas sociais, mas apenas na perspectiva da análise sociológica; e as relações sociais são coextensivas: ao se desenvolverem, as relações de classe, gênero e raça se produzem e co-reproduzem mutuamente.

Essas categorias de forma articulada indicam o caminho pelo qual

percebemos a complexidade em que surgem e se fundamentam as relações sociais,

importantes para análise das contradições de gênero no campo da precarização do

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trabalho dos/as assistentes sociais. Entendidas dentro de uma perspectiva

materialista, histórica e dialética, as relações de classe, gênero e raça, se

comportam em grande medida como relações sociais que se expressam no

antagonismo capital–trabalho, instauradas e complexificadas em torno de uma

disputa. O que tentamos demonstrar é o caráter de entrecruzamento das dimensões

de exploração, dominação e opressão, que estão tanto materializadas nas relações

de reprodução como de produção.

Concorda-se com as análises de Saffioti (2009), no que tange a elucidar as

sociedades capitalistas modernas como sociedades alicerçadas em relações

hierárquicas e contraditórias, destacando três contradições fundamentais: de classe,

gênero e de raça/etnia. A autora tenta demonstrar que essas relações não correm

paralelamente, mas se entrecruzam, evidenciando o nó entre essas três dimensões,

tanto no âmbito de uma individualidade, como do coletivo.

Destaca-se que “é o entrecruzamento dinâmico e complexo do conjunto das

relações sociais, cada uma imprimindo sua marca nas outras, ajustando-se as

outras e construindo-se de maneira recíproca” (KERGOAT, 2010, p. 100).

Ao analisar a participação da mulher no mercado de trabalho, pode-se

constatar um paradoxo que nos imprime a necessidade de não se analisar de forma

isolada as relações sociais. Veja-se que à medida que se aumentam os postos de

trabalho das mulheres, há uma perduração na segmentação horizontalizada e

verticalizada, a hierarquização entre empregos ditos femininos e masculinos,

conforme delineia os padrões conservadores das relações de gênero. Percebe-se

uma preeminência da mulher em assumir o trabalho doméstico, mesmo com a

ocupação em postos de trabalho na arena pública. Essa questão se faz presente

nos dias atuais, seguida da persistente desigualdade de rendimentos entre os

homens e as mulheres.

Esse emaranhado, não se coloca em um espaço exclusivo das relações de

gênero, mas no presente nó que se expressa na análise consubstanciada das

relações sociais de classe, gênero e raça. Nas palavras de Kergoat (2010) conclui-

se que no que tange ao paradoxo da inserção e manutenção da mulher no mercado

de trabalho:

[...], isso não apresenta nenhuma aporia ou contradição interna às relações sociais de sexo, mas aponta para o fato de que o capitalismo tem a necessidade de uma mão – de – obra flexível, que empenhe cada vez mais sua subjetividade: o trabalho doméstico

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assumido pelas mulheres libera os homens e, para as mulheres de alta renda, há a possibilidade de externalização do trabalho doméstico para outras mulheres. [...]. O suposto paradoxo aponta para a imbricação, na própria gênese da divisão sexual do trabalho produtivo e reprodutivo, de diferentes relações sociais, e de relações sociais que não podem ser abordadas da mesma maneira (KERGOAT, 2010, p. 94).

Diferentemente da autora citada, trabalha-se aqui em termos de relações

sociais de gênero, apreendendo como uma categoria que não substitui ou exclui as

dimensões das contradições de sexo e sexualidade. Destaca-se a perspectiva

metodológica das francesas de consubstancialidade e coextensividade, para análise

do termo relações sociais de gênero, tendo em vista a apreensão do nó das

categorias que compõem a realidade social observada. Contudo, temos a clareza

que as francesas aqui trabalhadas utilizam o termo relações sociais de sexo, em

detrimento do gênero, ao se evidenciar as disparidades de ordem metodológica e

politica em torno da elaboração do termo gênero - ponto que será melhor abordado

no último tópico do capitulo. O que nos cabe destacar de antemão, é que o termo

gênero, apresenta potencialidades de ordem metodológica e politica no trato e

compreensão das relações sociais, ao depender da perspectiva metodológica de

apreensão dessa categoria. Caracteriza-se assim, como um termo em disputa, não

estando relegado a agenda pós – moderna ou pós – estruturalista.

Nesse sentido, por vezes, faz-se necessário à utilização do termo sistema

patriarcal – racista – capitalista, sem perder de vista a dimensão analítica que se

empreende as relações sociais em seu sentido de rapport social, ao se considerar

que esse termo caracteriza o atual modelo de sociabilidade, sem perder de vista que

as relações de raça e gênero extrapolam esse modelo, pois mesmo tendo sido

incorporadas e adensadas pelo mesmo, a que se advertir que elas nem surgiram,

tampouco se esgotam nele. (CISNE, 2013)

É importante, destacar outra questão apontada por Kergoat (2010) no que

tange as propriedades das relações sociais para um melhor entendimento das

mesmas. A autora lança o exemplo centrado no sentimento que muitas mulheres

permutam com relação ao alcance rápido da igualdade, de que o sucesso

profissional é possível, sendo a divisão de tarefas uma questão de negociação entre

os casais, uma questão que inspira maturidade e “boa vontade”, nas palavras da

autora.

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31

Kergoat (2010) aponta que esse sentimento é verdadeiramente paradoxal, no

que corresponde ao que está posto na realidade social, acrescentamos que é tanto

no nível das práticas sociais, como no nível dos fenômenos sociais, ou seja, no nível

das relações sociais como um todo. Isso não quer dizer que o fato sob análise, não

possa ser alcançado, mas o caminho para isso indica a necessidade de mudanças

estruturais, pois o que se observa na realidade das sociedades ocidentais é uma

igualdade formal, ainda que limitada pelo arsenal ideológico do neoliberalismo e não

substantiva11, como defende Mészarós (2007).

Segundo Kergoat (2010, p. 95),

Essa ilusão vem do fato de que tanto especialistas como leigos frequentemente misturam dois níveis distintos de realidade, o das relações intersubjetivas e o das relações sociais. As relações intersubjetivas são próprias dos indivíduos concretos entre os quais se estabelecem. As relações sociais, por sua vez, são abstratas e opõem grupos sociais em torno de uma disputa. A distinção entre relação intersubjetiva e relação social permite compreender que, se a situação mudou de fato em matéria de relações intersubjetivas entre os sexos e nos casais, as relações sociais, porém, continuam a operar e a se manifestar sob suas três formas canônicas: exploração, dominação e opressão [...]. Ou seja, se de um lado há uma deslocamento das linhas de tensão, de outro, as relações de sexo continuam intactas.

O fato é que as relações sociais, como estão sendo expostas no decorrer do

estudo, se modificam no nível das práticas sociais coletivas, haja vista que as

relações sociais possuem um caráter não estático, passível de transformações,

destacando-se o seu caráter móvel e historicamente determinado.

É imprescindível notar que no atual cenário, há entre os estudos feministas

uma invocação recorrente do cruzamento das categorias de classe, gênero e raça.

Contudo, o cruzamento privilegiado é entre gênero e raça, havendo uma

minimização dos conflitos de classe, tendo como palco de destaque os Estados

Unidos.

11

A concepção de igualdade substantiva compreende a possibilidade de construção de outra forma de conduzir a vida humana, a sua perspectiva refere-se ao distanciamento da logica do principio formal de igualdade, cultivado e amplamente divulgado sob a forma de ideologia, o que não afeta a base desigual, do sistema sociometobólico do capital. Nestes termos, a igualdade substantiva, aponta para outra proposta de inter-relação entre os sujeitos contemporâneos, compreendendo o desenvolvimento de relações sociais que se baseiem em alternativas cooperativas entre os seres humanos, a que surgir um novo tipo de ser humano, que adere a novos parâmetros de reprodução sociometabólica, reivindicando a igualdade para além da logica formal, como uma possibilidade de construção de outra realidade social, que nasce e se impõe como premente necessidade de permanência dos próprios seres humanos nesse planeta (MÉSZÁRÓS, 2007).

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Os estudos desenvolvidos por mulheres negras, frequentemente oriundas de

classes populares, foi o que permitiu o avanço dos estudos, formulando avanços na

compreensão do duplo posicionamento, de proximidade e distância, em relação ao

poder exercido pelos brancos, a que se colocar que além de negras elas se inserem

numa divisão social de classe, demonstrando-se assim, não apenas um conflito, daí

se dispõe de um interlocking systems12, onde se empreende a compreensão entre

os sistemas de classe, raça e gênero (KERGOAT, 2009).

Nesse campo, entra em cena a ideia de interseccionalidade, já que se trata de

um instrumento de análise que empreende posições fixas, dificultando pensar uma

relação de discriminação como móvel e historicamente determinada. Essa leitura

empreendida pela ideia da interseccionalidade fragmenta as relações sociais, ao

destacar que as mulheres que sofrem mais de uma discriminação se acham em

setores isolados.

Empreende-se com isso uma divisão das mobilizações sociais em setores,

argumenta-se em torno de uma multiplicidade de categorias, que diante desse nível

de análise apresentam-se isoladas em si mesmas, ou superpostas, o que por vezes

obscurece ou mascara as relações sociais.

Kergoat (2010) considera a importância destes estudos, e dispõe sobre a

contribuição dos estudos pós-coloniais e do feminismo negro, à medida que

possibilitou desconstruir o pseudo universalismo das grandes teorias, destacando o

problema da heterogeneidade do grupo de mulheres. Contudo, não se deve acatar

sem cautela seus conceitos centrais, como a racialização dos antagonismos de

classe nos Estados Unidos, que toma como caminho a ideia de interseccionalidade,

explicada anteriormente e melhor detalhada por Kergoat (2010, p. 97), ao se retomar

a ideia de Kimberlé Crenshaw em seu artigo “Mappingthemargins”:

[...] maneira como o posicionamento das mulheres negras, na intersecção de raça e gênero, torna sua experiência concreta da violência conjugal, da violência sexual e das medidas para remediá-las qualitativamente diferente da experiência concreta das mulheres brancas. Trata-se, portanto de apreender a variedade das interações das relações de gênero e de “raça”, o mais próximo possível da realidade concreta das mulheres afro – americanas. O próprio título do artigo [“Mapeamento das margens”] é um resumo da crítica que faço a ele: pensar em termos de cartografia nos leva a naturalizar as categorias analíticas.

12

Cabe destacar a limitação que se apresenta na formulação da noção de “sistemas”, já que como apresentou Cisne (2013), com base nos estudos de Falquet (2012), o mesmo tende a fechar, a bloquear as analises, tendo em vistas que muitas vezes as categorias aparecem justapostas.

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Em outras palavras, a crítica se apresenta no sentido de que compreendemos

as relações de classe, gênero e raça como não compostas por meio de

superposições, ou seja, as mesmas não devem ser analisadas como superpostas,

tampouco adicionais ou como interseccionadas. A ideia que se apresenta nesse tipo

de análise das relações de gênero e raça, envereda por caminhos que podem levar

a análises positivistas, pois se as mesmas se apresentam como adicionais, ou seja,

somáveis, são encaradas como separadas e não enoveladas como propõem a

análise da consubstancialidade das relações sociais (CISNE, 2013, KERGOAT,

2010, SAFFIOTI 2004).

Como propõe Saffioti (2004, p. 125):

O importante é analisar estas contradições na condição de fundidas e enoveladas ou enlaçadas em um nó. [...] Não que cada uma dessas condições atue livre e isoladamente. No nó, elas passam a apresentar uma dinâmica especial, própria do nó. Ou seja, a dinâmica de cada uma condiciona-se à nova realidade. De acordo com as circunstâncias históricas, cada uma das contradições integrantes do nó adquire relevos distintos. E esta motilidade é importante reter, a fim de não se tomar nada como fixo aí inclusa a organização social destas subestruturas na estrutura global, ou seja, destas contradições no seio da nova realidade – novelo patriarcado – racismo – capitalismo – historicamente construída.

É diante disso, que reafirmamos a consubstancialidade e coextensividade das

relações sociais de gênero, classe e raça/etnia. Assim há a necessidade de

relacionar essas categorias nas análises sobre força de trabalho, uma vez que, a

sua apropriação pelo modo de produção capitalista conjuga além dos elementos de

classe, os de gênero e raça. Um exemplo desse processo está presente na seguinte

afirmação: “a força de trabalho que se vende é indissociável do corpo que a porta, e

as suas formas de apropriação e exploração estão definidas não só pelas relações

de classe como também de “raça” e gênero” (ÀVILA apud CISNE, 2013, 117).

Pode-se destacar outro exemplo, conforme exposto na obra de Silva (2005),

ao levantar questões a respeito das desigualdades relacionadas à exploração do

trabalho, a não reivindicação de melhorias, à opressão das mulheres negras e ao

trabalho doméstico focado neste segmento. A autora busca a reflexão das situações

das mulheres no trabalho tanto na esfera produtiva quanto no espaço doméstico,

partindo de três elementos presentes nas relações sociais que, a seu ver, são

fundantes para se pensar a realidade social na qual estamos inseridos: classe,

gênero e raça.

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Segundo Silva (2005), a opressão de gênero e raça tanto no âmbito

econômico quanto cultural em todos os aspectos da vida cotidiana e relações

humanas, constrói “estruturas” que sustentam o modo de vida social operando no

sentido de sua manutenção. As desigualdades sejam elas entre homens e mulheres;

negros e brancos; pobres e ricos definem a vida social e se estruturam a partir da

lógica de dominação, exploração e opressão presentes na base cultural de formação

da sociedade brasileira, frisa. Salienta, por fim, a importância de se pensar a

realidade de injustiças à qual estão submetidas às mulheres, a população negra e a

classe trabalhadora, tanto no espaço sindical quanto no movimento de mulheres.

Adverte-se que essa inserção afeta a vida das mulheres no âmbito do lazer,

da relação com a família e com a sua saúde, tanto mental quanto física, se instala,

pois, no interior da divisão social e técnica do trabalho há divisão sexual do trabalho,

e, esse emaranhado se delineia em meio ao nó anteriormente exposto por Saffioti

(2004).

Destaca-se que o tempo das mulheres é apropriado pelo capitalismo e pelo

patriarcado, evidenciando-se a falta de tempo das mulheres como uma das marcas

da sua subordinação. Articula-se a invisibilidade do trabalho doméstico, onde há um

tempo que não é contabilizado nem valorizado pela sociedade e pelo Estado, o que

acarreta de forma expressiva no cotidiano das mulheres.

Dessa forma, a luta das mulheres passa pela transformação desse cotidiano

em que o tempo de viver, o tempo para si e o tempo de trabalho é marcado pela

desigualdade de gênero e para tanto deve se estabelecer no nível da análise das

relações sociais um caminho que nos guie em termos de igualdade substantiva. Um

caminho que imprima a historicização das relações sociais, tendo em vista as

mesmas possuírem uma estrutura que permite sua permanência, mas também

passam por transformações em determinados períodos históricos, em meio às

contradições que se empreendem na sociedade, conformando eventos que podem

ou não acelerar o seu curso.

Compreender essas questões é de fato imperativo para se entender o porquê

do estudo das relações sociais ser tão importante, nos termo de Saffioti (2009/2004),

Kergoat (2010/2009), Falquet (2008) e Cisne (2013). A maneira como os dominados

reinterpretam e subvertem as categorias, é o que pode impedir ou levar a reificação

das mesmas. Assim, e isso se faz na práxis a perspectivade consubstancialidade e

coextensividade é o caminho que se aponta como forma de apreensão da realidade

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social, para não cair nessa armadilha, de unilateralizar e ou polarizar a realidade

social.

Salienta-se que as relações sociais ao conformarem um enovelado de

categorias, não excluem a existência de contradições entre as mesmas. Ao se

considerar uma perspectiva que empreende centralidade ao entrecruzamento

dinâmico e complexo do conjunto das relações sociais, onde cada categoria imprimi

sua marca nas outra, ajustando e construindo – se de forma recíproca.

Entende-se que as relações sociais conformam um nó que não pode ser

sequenciado e apreendido ao nível das práticas sociais, mas somente dentro de

uma perspectiva analítica, isto seria empreender-se o conceito de

consubstacialidade, o que demonstra a complexidade das relações sociais e

coextensividade na perspectiva que se empreende o dinaminismo dessas relações,

apontando-se para o fato de que as mesmas se produzem mutuamente, como

exposto no parágrafo acima.

Nesse campo, é “indispensável integrar plenamente em nossas análises os

efeitos conjugados de várias relações sociais de poder: de sexo (incluso

sexualidade), de classe e de raça” (FALQUET apud CISNE, 2013 117). A autora

destaca, citando Falquet (2008) que para tanto se torna fundamental considerar:

Sobretudo as interpretações das feministas racializadas e/ou proletárias e/ou lésbicas que devem, a meu ver, ser ouvidas e estudadas, se desejarmos produzir uma teoria e uma prática uteis a transformação social radical mais do que nunca necessária (IDEM).

Reforça-se a importância do caminho metodológico que deve se empreender

nas análises para não cairmos na reificação das relações sociais, que a realidade

não fecha em si mesma, ou seja, não há uma relação circular. O que demonstra

conforme aponta a Kergoat (2010, p.100) que “não se trata de fazer um tour de

todas as relações sociais envolvidas, uma a uma, mas de enxergar os

entrecruzamentos e as interpenetrações que formam um nó no seio de uma

individualidade ou um grupo”.

É por esse motivo que destacamos esse ponto na análise das contradições

de gênero nos processos de trabalho do Serviço Social, uma vez que, a profissão se

desenvolve em meio ao quadro das relações sociais, colocando-se no cenário

contemporâneo como uma profissão que carrega aspectos conservadores das

relações de gênero. É o que se poderá observar nos pontos seguintes, no que tange

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a presença majoritária de mulheres na profissão bem como a configuração das

relações de gênero em torno das demandas.

Essa perspectiva se rivaliza e se diferencia com uma das principais matrizes

teóricas nos estudos da categoria gênero, a perspectiva relacional defendida por

Joan Scott (1990). A mesma constata o gênero como uma percepção sobre as

diferenças sexuais, condicionadas e hierarquizadas socialmente e culturalmente no

curso do processo histórico, uma categoria que define e redefine a construção do

ser mulher e do ser homem pelo condicionamento de papéis adequados ao

masculino e ao feminino e este último quase sempre desqualificado tanto na esfera

pública, quanto na esfera privada, onde geralmente as mulheres aparecem de forma

mais expressiva.

Destaca-se à importância dessa contribuição conceitual, contudo sinaliza-se

sua limitação ao terreno do discurso, posto que insuficiente, tanto para explicar as

relações de exploração e opressão, ambas materializadas na vida social, como para

indicar as ações da superação destas relações, as quais extrapolam a via exclusiva

da conscientização.

Desse modo, a partir do debate exposto, ainda que consideremos a

importância da discussão do gênero em aspectos relacionais, opta-se pela utilização

do termo, compreendendo que o caminho metodológico a ser seguido advém da

perspectiva que considera a consubstancialidade e coextensividade das relações

sociais, uma perspectiva que compreende as relações sociais de exploração e

opressão interligadas e materializadas na vida social, visando à superação das

mesmas. O que se torna premente, de tal modo, é que, trabalhar com a categoria

gênero perpassa o posicionamento político, econômico, cultural e social acerca da

sociabilidade que se vive e a que se quer.

2.2 Articulando relações sociais de Gênero e Serviço Social

Situar o Serviço Social na dinâmica das relações sociais, significa a tentativa

de analisar e apreender as suas determinações no tocante ao seu surgimento e

desenvolvimento. Busca-se um caminho que interpele o como e por que o Serviço

Social emerge como profissão, institucionalizando-se como estratégia do capital no

enfrentamento das expressões da questão social no período monopolista, marcado

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pelas intensificações das contradições sociais postas por esse modo de

sociabilidade.

Outra questão muito importante para a análise corresponde à característica

marcante, até a contemporaneidade, da preeminente marca de gênero que

acompanha a profissão desde os seus primórdios, como irá se observar no que foi

exposto durante as entrevistas no decorrer da pesquisa. Nesse sentido, como

afirma Lima (2012, p. 98) com base nas análises de Bourdieu (1999):

Além da sua relação intrínseca com a questão social, há outras peculiaridades elimináveis que se fizeram presentes no nascimento do Serviço Social, a saber: a) sua ligação com o pensamento religioso e com a classe burguesa; b) sua constituição como uma profissão de mulheres e para mulheres. [...] essa profissão “feminina” em sua origem teve valores e práticas decorrentes, em parte dessa característica. O prazer de servir, a severidade e a modéstia são inculcados nas mulheres como se fossem atributos de feminilidade. As mulheres que tiveram sua subjetividade feminina construída a partir desses atributos encontravam sua vocação nessas profissões, pois estas remetiam a valores que lhes foram ensinados ao longo da vida.

É certo afirmar que a história do Serviço Social no Brasil está atrelada a

história da formação social brasileira, das rupturas e continuidades que marcam o

legado histórico de formação da sociedade brasileira.

Conforme Costa (1995), diante dessa perspectiva, podemos considerar que a

cultura profissional ao estar atrelada a realidade da formação social e histórica da

sociedade e sociabilidade econômica se expressa em processos de longa duração

reordenados culturalmente, segundo certos esquemas de significação das coisas

preexistentes nessa formação. Esquemas esses que são ordenados historicamente

e têm seus significados reavaliados na experiência prática, o que denota o

movimento da profissão assentado em bases exteriores a mesma.

Cabe pensar, diante desse contexto, que a visão dual do Brasil, o arcaico e o

moderno, se conformaram como presentes no desenvolvimento da profissão do

Serviço Social13, o que imprimie uma gama de contradições ao âmbito da profissão

13

“A inserção dos países “periféricos” na divisão internacional do trabalho carrega as marcas históricas persistentes que presidiram sua formação e desenvolvimento, as quais se atualizam redimensionadas no presente. Essas novas condições históricas metamorfoseiam a questão social (matéria prima do Serviço Social) inerente ao processo de acumulação do capitalista, adensando-a de novas determinações e relações sociais historicamente produzidas, e impõem o desafio de elucidar o seu significado social no presente” (IAMAMOTO, 2011, p. 107).

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tanto no âmbito da sua formação, como na prática, destacando desse modo,

divergências de orientações e ações políticas na história profissional.

As primeiras ações desenvolvidas pela assistência social, a questão da

moralização da classe operária e censura das suas práticas, submetendo-os a

confissão e a advertência, nos permite elucidar como se elabora a representação

das classes populares nessa sociabilidade.

O cunho de subalternidade, controle e moralização em torno dos

instrumentos utilizados14, permite evidenciar as relações entre as classes e à

perspectiva que empreende a classe dominante para a manutenção da ordem, o

ponto fundante a se apreender para analisar a contradição em que se desenvolve a

profissão do Serviço Social, em meio às relações sociais no sistema capitalista.

Destarte, a gênese da profissão está intimamente relacionada à consolidação

do sistema capitalista, precisamente no momento que marca a passagem do

capitalismo concorrencial ao monopólico, ou seja, o capitalismo monopolista

denominado por Lênin (1985) de Imperialismo. Esse é um período caracterizado

pela intensificação das contradições sociais em suas expressões de exploração e

alienação, na era do monopólio, onde se desenvolve o Serviço Social.

A produção capitalista funda-se na exploração do trabalho, que tem como

objetivo central a obtenção do lucro, através da subsunção do trabalho ao capital.

Dessa forma, para se estruturar o capital necessita de duas classes sociais

antagônicas15: os detentores da força de trabalho (proletário) e os donos dos meios

de produção (capitalistas). Nesta relação, a força de trabalho integra o conjunto de

mercadorias e sua exploração, pelo capitalista, se constitui como um eixo fundante

14

As profissionais que atuavam nessa época como assistentes sociais eram oriundas das classes dominantes. Desse modo, coloca-se que “se as características objetivas dos diferentes grupos profissionais (e os traços que os diferenciam entre si) correspondem globalmente, à função ideológica que estão chamados a desempenhar (e as suas diferenciações), elas devem, igualmente ser relacionados às estratégias próprias dos segmentos de classe em que esses profissionais são, em sua maioria, recrutados. Em outras palavras: as características dos grupos adquirem suas significações na escala das relações de dominação a que servem como instrumento, e, ao mesmo tempo, na escala das estratégias de reconversão especificas de seus grupos. Ao explicitar tais significações, descobre-se como e por que aqueles grupos delegados desempenham, efetivamente, seu mandato: é servindo a si mesmo que eles servem” Leroux (1986, p. 46). A autora aponta a lógica da adaptação à racionalidade capitalista em torno da construção dos instrumentos, questão essa que o Serviço Social vem redimensionando, em meio ao estabelecimento do seu compromisso com a classe-que-vive-do-trabalho, e o desenvolvimento da sua capacidade intelectiva para além dos determinantes da esfera institucional (GUERRA, 2010). 15

O conceito de classe é entendido como um “fenômeno histórico”, construído por homens e Nmulheres. na contradição da sociedade capitalista, “as classes se definem de acordo com sua relação de propriedade com os diversos meios de produção” (KATZ; COGGIOLA, 1996, p. 140, apud CISNE, 2013, p. 29).

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dessa ordem social, resultando no processo de mercantilização do conjunto das

relações sociais.

Sendo assim, as contradições postas por essa sociabilidade, determinadas na

relação capital–trabalho conforma-se à medida que os interesses das classes

sociais em jogo, disputam numa realidade irreconciliável.

Nessa premissa, à medida que aumenta o desenvolvimento das forças

produtivas, através do incentivo às novas tecnologias no âmbito do processo de

produção de valores de uso, se instaura necessariamente uma modificação na

relação capital x trabalho, colocada a partir do protagonismo do capital em sua

ordem social. Tal protagonismo revela-nos que o capital não se reduz apenas a um

conjunto de coisas – dinheiro, mercadorias, objetos – na medida em que este só

existe ao subordinar a força de trabalho à lógica que lhe dá sustentação, se

configurando como uma relação social, uma vez que não existe capital sem trabalho,

embora se saiba que não são gerados postos de trabalho na mesma proporção que

cresce a produção capitalista.

De acordo com Netto e Braz (2011), a produção de mercadorias no sistema

capitalista, tem como condições indispensáveis a divisão social do trabalho e a

propriedade privada dos meios de produção, diferenciando-se da produção mercantil

simples, uma vez que no modo de produção capitalista a propriedade privada não

cabe ao produtor direto – o trabalhador – mas ao capitalista que compra a força de

trabalho e os meios de produção, que integrarão o processo de geração de riquezas

em forma de mercadoria. A mercadoria Força de Trabalho distingue-se das demais,

pois enquanto as outras são vendidas pelo seu valor real, o trabalho cria um valor

maior do que o seu custo, pelo que valoriza o capital (TAVARES, 2004).

Nessa premissa, o trabalho, produtor de valores de uso e de valores de troca,

sob a ótica do capital, apresenta dois fenômenos característicos, que segundo Marx

(2002, p. 209) se constitui da seguinte forma:

O trabalhador trabalha sob o controle do capitalista a quem pertence o seu trabalho [...]. Além disso, o produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o trabalhador. O capitalista paga, por exemplo, o valor diário da força de trabalho. Sua utilização, como qualquer outra mercadoria [...], pertence-lhe durante o dia. O capitalista compra a força de trabalho e incorpora o trabalho, fermento vivo, aos elementos mortos constitutivos do produto, os quais também lhe pertencem. Do seu ponto de vista, o processo de trabalho é apenas o consumo da mercadoria que comprou a força de trabalho, que só pode consumir-lhe adicionando-lhe meios de

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produção. O processo de trabalho é um processo que ocorre entre coisas que o capitalista comprou, entre coisas que lhe pertencem.

Dessa forma, o capital, enquanto protagonista dessa relação social, em sua

intensa necessidade de comandar, tem por objetivo extrair o máximo de excedente

do trabalhador (mais-valia). Neste caso, o que importa ao capitalista, dentro do

processo de trabalho, é o processo de valorização do capital, já que este se opera

no tempo de trabalho excedente, ultrapassando o processo de criação de valores de

uso operado no tempo de trabalho necessário para produção. Não é demais lembrar

aqui que capital é trabalho não pago ao trabalhador, na medida em que se valoriza o

preço da força de trabalho correspondente ao tempo necessário de produção,

diminui-se o lucro do capitalista – seu objetivo central e sua razão de existir.

Nessa contradição, o antagonismo entre as classes sociais e o confronto

entre elas são determinantes para a transformação social, conforme Cisne (2010)

ressalta elucidando as análises DeIanni (1992):

Para Marx, em última instância, a historicidade, ou seja, a transitoriedade do capitalismo depende do desenvolvimento desses antagonismos e lutas. Fundamentalmente o confronto por meio do qual o capitalismo entra em colapso final é o confronto entre o proletariado e a burguesia, pois que para ele essas são as duas classes substantivas do regime (apud CISNE, 2010, p. 29).

Nesses termos, destaca-se que há um agravamento dos conflitos de classe

na ordem monopólica do capital, a desvalorização da mercadoria força de trabalho é

extenuante, e conseqüentemente percebe-se uma humanização das coisas e

desumanização do homem, que se torna uma mercadoria barata na sociabilidade

capitalista.

Esse terreno vem demandar da arena Estatal a sua intervenção, na tentativa

de manter a reprodução social bem como o controle desses conflitos, garantindo

assim, os interesses do sistema. É um processo, que expressa dualidade de

interesses, não podendo ser interpretado como unilateral, tendo em vista que essa

intervenção só se faz possível devido à manifestação da classe trabalhadora, diante

do aumento das desigualdades sociais.

Assim, conforma-se um processo histórico permeado por conflitos e

contradições, que vem se expressar dialeticamente, nos instrumentos e ações,

políticas delineadas pelo Estado burguês no trato com a Questão Social. O Estado é

chamado a intervir em vistas de garantir o desenvolvimento do sistema dentro da

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ordem. Desse modo, coloca-se a articulação entre as funções políticas e

econômicas do Estado, sendo por meio das políticas sociais (instrumentos da ação

profissional) que o Estado burguês irá garantir essa imbricação entre suas funções

políticas e econômicas, requisitando, para isso, profissionais especializados.

Nesse âmbito é importante compreender a Questão Social, base de fundação

do Serviço Social, como fruto do espraiamento do conjunto das desigualdades

sociais, econômicas e culturais, na arena politica, por meio da intervenção da classe

trabalhadora. Desse modo, adverte-se que a questão social, sendo desigualdade é

também rebeldia, à medida que envolve sujeitos que vivenciam essas desigualdades

e a elas resistem e se opõem, cobrando do Estado uma intervenção especializada

no trato dessas desigualdades.

São essas questões que nos levam a encarar o Serviço Social como

resultado das condições históricas – sociais concretas da ordem monopólica, dos

seus processos econômicos, sociopolíticos e teórico-culturais, que congregam

também relações sociais de gênero. É, assim, um processo dialético que envolve

diversos aspectos da sociabilidade capitalista e congrega contradições, não

podendo ser encarado de forma endógena a profissão, muito menos como uma

racionalização da assistência social (NETTO, 1996).

Nessa perspectiva, destacamos que a profissão se insere na dinâmica das

relações sociais, em meio ao processo de produção e reprodução social do sistema

capitalista, delineada em meio a interesses contraditórios, entre a reprodução do

controle e perpetuação da ideologia dominante e a perspectiva de transformação

social presente no projeto ético político, que só se delineará nos anos 1990 do séc.

XX, no Brasil.

Um fator importante, a ser conjugado a esse processo histórico, apresenta-se

no lastro cultural que preside a sociedade burguesa, tanto no campo do

conhecimento, como no campo dos valores. No campo do conhecimento

apresentamos conforme Iamamoto (2011, p. 234) a sociedade burguesa “regida por

leis invariáveis, assemelhadas aquelas que regem os fenômenos da natureza, não

passiveis de alteração, [...], que obscurece a ação transformadora dos homens na

produção e ultrapassagem do ordenamento social instituído”, expressando uma

perspectiva determinista e a-histórica que conduz necessariamente à naturalização

das relações sociais.

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No campo dos valores, destaca-se o ordenamento de princípios sociais

moralizantes, resignando as necessidades sociais às dificuldades subjetivas dos

indivíduos, apresentando o campo da subjetividade como não conjugado a fatores

sociais objetivos (materiais). Nesse sentido, as necessidades tendem a ser

espiritualizadas, transformando a ação dos profissionais que atuam na área social

como proposta numa reforma moral dos indivíduos sociais e suas famílias.

Esse lastro conservador que presidiu historicamente o Serviço Social, em

meio ao seu desenvolvimento na sociedade burguesa, demarcando uma antinomia

entre estrutura e sujeito, passou por uma serie de metamorfoses, adquirindo novas

roupagens, mas preservando-se, no essencial a manutenção da sociabilidade

capitalista. Tenta-se, assim, separar os indivíduos sociais das determinações

macroestruturais que conformam as classes sociais, o que recai diretamente no

exercício profissional das/os assistentes sócias, uma vez que, “a profissão dispõe de

condicionantes sociais, que ultrapassam a vontade e a consciência de seus agentes

individuais, ela é também fruto dos sujeitos históricos que a constroem

coletivamente, forjando respostas profissionais” (IAMAMOTO, 2011, p. 221).

É por essas questões que levantamos a necessidade de entender o Serviço

Social em meio à dinâmica das relações sociais, apresentadas em termos de

consubstancialidade e coextensividade como apresentado no tópico anterior.

Articulamos de tal modo, o movimento das classes sociais, do Estado e do capital,

nos processos de formação e trabalho profissional.

Sendo assim, permeado por contradições e determinações das relações

sociais de gênero, patriarcais e raça/etnia, tanto no que tange ao perfil das/dos

profissionais, como nas demandas que se apresentam cotidianamente no exercício

da profissão, como apontam os/as entrevistadas, ainda que sob negação dessa

premissa:

Avalio o seguinte, até pela própria vivência, eu vejo também os usuários mais a vontade, as usuárias digamos assim, porque em sua grande maioria são mulheres. Como a gente esta na atenção básica, o maior foco são as famílias então geralmente são mulheres, dificilmente nós chegamos para fazer uma visita domiciliar para ser o homem da casa que nos atenda, então geralmente é a mãe, é a chefe da família, ou a mãe ou a avó, depende de como aquela família esteja configurada. E assim até já aconteceu da gente atender famílias homoafetivas e a gente ver de todas as partes que o usuário tem mais liberdade de falar, de expor seus problemas, de se colocar mais com a figura da mulher. Eu já senti essa resistência, de realizar certo atendimento três vezes e não me sentir contemplado

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no que eu estava precisando para encaminhar determinado caso, das informações necessárias, então, eu achei por bem passar para outra colega. Eu senti um bloqueio naquele momento, porque já era o terceiro momento de visita, então nós já deveríamos ter construído algum vínculo, para pegar os dados, que eu estava precisando, para fazer o encaminhamento daquele caso, então eu chamei a colega disse qual era a minha preocupação enquanto profissional, e ela foi e começou do zero e deu certo demais. Então eu acho que é isso as famílias se sentem mais a vontade com a figura da mulher. Eu vejo isso constantemente no hospital, porque as famílias vão procurar a assistente social. (Entrevistado 9).

É certo que, tais significados e práticas variam de acordo com a classe, raça,

idade e época histórica. Faz-se necessário entender esse aspecto para

compreender os determinantes das relações de gênero presente na exposição

dos/as entrevistados/as. Vale salientar o caráter da não estaticidade das mesmas,

bem como o nível de complexidade que compõem seus arranjos, ao qual não pode

ser atribuído única causa ou determinante. A que se considerar no que foi exposto

pelo entrevistado 9 a presente divisão sexual do trabalho, tanto na execução do

serviço como no âmbito do atendimento das demandas.

É importante sinalizar que o processo de vinculação entre as mulheres e a

responsabilidade para com os problemas sociais é fruto de um processo histórico. A

habilidade para a caridade, a questão da ajuda, a reprodução voltada para o controle

da classe trabalhadora está entrelaçado a aspectos culturais, sociais e econômicos,

ou seja, a dinâmica sócio-histórica das relações sociais, o que contraria as seguintes

explicações:

É questão de cultura, de raiz, eu acho que está meio no sangue. Na minha turma de serviço social 2004.1 foi à turma que mais teve homem na Universidade, era referência por conta disso, acaba que é muito difícil você romper com a cultura de raiz que existe, aquela historia da caridade, da moça boazinha. Eu acho que, as pessoas acham que é uma profissão que é muito feminina, pela questão de que na cabeça deles nos fazemos o bem para as pessoas, somos ainda as moças boazinhas da caridade, elas tem uma ideia ainda muito forte de que nos ficamos na rua distribuindo cestas básicas, ate os usuários têm certa resistência à figura dos assistentes sociais homens (Entrevistada 5).

Tem sim a questão da construção social, mas acho que temos que ir também para uma discussão científica, não sei, se o ser mulher, fisiologicamente falando, dos hormônios, da construção do cérebro, se realmente enquanto mulher, ela tem a tendência a ter habilidade para algumas funções e talvez o homem para outras, acho que existe sim essa aptidão, não estou dizendo, por exemplo, que homens não podem ter aptidão para profissões que são eminentemente femininas, e o contrário também, acho que sim, mas também temos

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que esta atento a isso. Acho que isso vem mudando, as mulheres que alcançando outros espaços e também descobrindo outras aptidões, mas acho que isso é uma construção. Acho que muita coisa é subjetiva (Entrevistada 3).

De um lado aparece a necessidade de romper com a visão filantrópica e da

boa vontade atreladas ao Serviço Social, mas ao mesmo tempo se reproduz o

discurso que naturaliza os “dons” e habilidades delegadas ao feminino. Não se

compreende a presença majoritária das mulheres ligada a algo mais amplo, ou seja,

as relações sociais de gênero. Empreende-se o perigo de incorrer em respostas,

que tendem a ir pelo caminho que deslegitime o feminino como: a presença

masculina na profissão seria o avanço, seria a solução para se romper com essa

ideologia do favor e da boa vontade.

Não se compreende que por essa via se perpetua ações e orientações com

base na reprodução da sociedade machista, sexista e patriarcal. Destaca-se a

apreensão da ideologia fincada em bases positivistas.

O pedestal em que se colocava a mulher foi um dos pilares do positivismo ortodoxo no Brasil. Os positivistas elevaram as mulheres por meio do que se poderia considerar como sendo a transfiguração do culto da Virgem. A feminilidade, vista como um todo devia ser adorada e salva de um mundo perverso. Para os positivistas, a mulher constituía a base da família, a qual era pedra fundamental da sociedade. A mulher formava o núcleo moral da sociedade, vivendo, sobretudo através dos sentimentos, diferentemente do homem. Dela dependia a regeneração da sociedade (HAHNER apud ARY, 2000, p. 73).

A questão da linguagem e da vocação está permeada no seio do

desenvolvimento das relações sociais, atingindo tanto os indivíduos que compõem a

profissão, como os demais usuários dos serviços. No seio do desenvolvimento da

profissão, podemos destacar que:

As assistentes sociais apresentavam-se como a nova versão da mulher forte do evangelho. Como sugere HyacintheDubreuil – e como afirma a secretaria de superintendentes, que exerce a função de “encarregada de missão, no Ministério do Interior, no que se refere à organização social da politica de Estado” – elas encarnam uma das figuras de mãe: a mãe severa, “para quem o amor se

expressa nos sacrifícios” (LEROUX, 1986, p. 38).16

16

A obra de Leroux (1986) é fundamental para apreensão da questão do quanto as chamadas

competências femininas são constituintes a emergência do Serviço Social enquanto profissão naquele momento histórico. No entanto, registra-se que a autora, referenciada no estruturalismo, não destaca as contradições desse processo e, não vê as possibilidades de resistência a tais determinações.

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Tais assertivas que se estruturam no âmbito do desenvolvimento profissão e

demonstram a complexidade das relações de gênero, para além da constatação

empírica, como a presença majoritária de mulheres que compõem a profissão. A

pergunta que se faz diante de tal contexto é: a quem serve esse perfil profissional?

A questão centra-se, em compreender a racionalização e desenvolvimento da

profissão, em meio à sociabilidade do capital. Destaca-se que esse processo

compreende questões que não podem ser apreendidas na imediaticidade17 do

cotidiano profissional própria a racionalidade capitalista, mesmo que a questão

resulte do cotidiano. Desse modo, necessita-se empreender um amplo e contínuo

processo de abstração das relações sociais em que estamos inseridos, relacionando

a nossa condição de trabalhadores assalariados, na tentativa de apreender a

realidade social em suas complexas mediações.

O protagonismo deve estar na análise sócio-histórica dos determinantes

profissionais, conformando contradições de classe, gênero, raça/etnia e geração,

delineadas no movimento capital–trabalho e, consequentemente, na inserção da

profissão na divisão sócio técnica e sexual do trabalho, atendendo a uma

especialização do trabalho coletivo.

Netto (1996), afirma o reconhecimento da profissão como feminina,

destacando esse processo como universalizado e indiscutível. Essa questão

evidenciada nas exposições das/os entrevistadas/os, apresenta aspectos históricos,

de construção social de habilidades femininas e masculinas, pautados nas relações

sociais de gênero que norteiam a construção social do ser mulher e ser homem.

Conforme concepções conservadoras explicitam a divisão sexual do trabalho:

Sim, o serviço social é uma profissão eminentemente feminina. Primeiro pelo lastro conservador, que eu acho que a gente não rompeu totalmente com isso, ainda é uma luta. Tem também a questão das habilidades, talvez eu esteja equivocada, ou que seja uma leitura conservadora, não sei. Mas, assim acho que existe a questão das habilidades da própria construção feminina. Mas, acho que existe sim esse traço feminino na formação (Entrevistada 3, grifos nossos).

Ao se analisar a história da profissão percebe-se que diante desse

emaranhado de contradições, podemos reafirmar a presença da igreja católica

17

A imediaticidade é o procedimento da consciência comum, própria do cotidiano, que não questiona a gênese e não alcança a apreensão dos fundamentos e da complexidade da realidade social. A racionalidade capitalista empreende o modo de pensar pautado na imediaticidade, onde a realidade aparece de forma invertida (GUERRA, 2010).

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nesse processo de construção do caráter feminino a profissão, por meio da doutrina

social da igreja que delegava a mulher o papel de cuidadora. Assim, o Serviço Social

constrói-se como uma profissão tipicamente feminina, vinculando em seu

atendimento questões que foram historicamente delegadas ao público feminino.

Nesse cenário os profissionais de Serviço Social, precisam se adequar ao

perfil moral, ditado pela Igreja Católica, afirmando-se que essas características

facilitaria o trato com a Questão Social, vista como problema de ordem moral e de

responsabilidade das mulheres, fato este que contribuiu para a despolitização da

Questão Social.

De fato, é dentro dessa concepção que se encontram as primeiras assistentes

sociais no Brasil, como afirma Lima (2012, p. 99) ao destacar o trecho apresentado

por Maria Kiehl, na 4° semana de ação social de São Paulo, em 1940, apud

Iamamoto; Carvalho (2008, p. 175, 176):

Intelectualmente o homem é empreendedor, combativo, tende para a dominação. Seu temperamento prepara-o para a vida exterior, para a organização e para a concorrência. A mulher é feita para compreender e ajudar. Dotada de grande paciência, ocupa-se eficazmente de seres fracos, por isso, particularmente indicada a servir de intermediária, a estabelecer e manter relações. [...] De acordo com a sua natureza, a mulher só poderá ser profissional numa carreira em que suas qualidades se desenvolvam, em que sua capacidade de dedicação, de devotamento, seja exercida. [...] Como educadora, é conhecida a sua missão. Abre-se agora também com o movimento atual, mais um aspecto de atividade: o Serviço Social.

Apreende-se que esses aspectos se mostram por vezes presentes, na

atualidade, salientado a perenidade da marca de gênero na profissão - representada

na presença na presença majoritária de mulheres que compõem a profissão – o que

traz questões significativas para a profissão, em termos de reprodução das relações

sociais de gênero, com forte incidência ao alinhamento de padrões femininos e

masculinos dentro de profissões e na estruturação das mesmas. Como se pode

perceber, a partir da análise das falas anteriores e das seguintes, ao se reafirmar a

necessidade de algumas habilidades e a ligação com o gênero feminino:

Assim a questão do serviço social ser eminentemente feminina vem desde a gênese da profissão, surgiu dentro de todo aquele caráter ligado a igreja católica, e eram mulheres que executavam as práticas assistencialistas naquele momento e isso foi perdurando até os dias atuais. E assim acho que não é por questão de preconceito, dificulta também até por práticas culturais essa massividade de mulheres no serviço social para o reconhecimento da profissão, porque assim

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todo mundo sempre vai achar que a assistente social é aquela moça boazinha, que esta ali para prestar uma ajuda ou resolver o seu problema naquele momento, quando na verdade o significado social da profissão é bem mais amplo do que isso (Entrevistado 9).

Nota-se através das falas, como a do entrevistado/a 9, que o cuidado e a

sensibilidade como aspectos de boa vontade, relegados ao ideário feminino, ainda

estão presentes no âmbito profissional, o que restringe o significado social da

profissão.

Não sei se isso é um preconceito, mas que temos que está atentos, por exemplo, os homens que entram no serviço social algumas vezes acontece que são homossexuais. Aí tem essa questão dessa aptidão para lidar com essa demanda mais vulnerável, que necessita talvez de um consolo, de um trabalho mais sensível a isso (Entrevistada 3).

Desse modo, a que se perceber que os dons e atributos considerados

relegados ao universo feminino são socialmente e culturalmente construídos, com

base nas distinções das relações de gênero.

[...] Eu acho que é a história. Às vezes a gente pensa assim, quando vê um garoto fazendo o curso de serviço social, eu acho que na cabeça da gente, a gente fica pensando esse caba deve ser gay, ou então deve gostar muito de mulher por estar no meio delas, sabe? Porque é assim, é como o enfermeiro. [...] com o passar do tempo isso vai ser retirado, vai evoluir, vai se mudar. Mas tá muito arraigado ainda, na origem do serviço social. Eu acho essa presença majoritária de mulheres negativa, porque as pessoas olham pra mulher como uma figura boazinha, é uma figura maternal. Dizem que a assistente social é aquela moça boazinha que anda de carro ajudando as pessoas dando cestas básicas, sabe? EU acho que isso é péssimo e que esse perfil serve ao sistema econômico, mas ate então eu nunca havia pensado sobre isso (Entrevistada 2).

Nesse sentido, as entrevistas apontam para não dualidade desse processo.

Ainda que as/os profissionais destaquem a historicidade em torno do mesmo, esse

se apresenta como de difícil apreensão. Não se consegue observar a perenidade de

padrões e concepções conservadoras das relações sociais de gênero e a

funcionalidade desse processo ao trato despolitizado para com a questão social, que

emana da contradição capital – trabalho.

O cuidado e a sensibilidade como aspectos de boa vontade, relegados ao

ideário feminino, ainda estão presentes no âmbito profissional e as falas evidenciam

isso, o que restringe o significado social da profissão, com destaque à fala do

entrevistada/o 9.

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Contudo, cabe destacar a problemática além da presença das mulheres na

profissão, na tentativa de não se empreender uma análise endógena, nem

estabelecer o problema da subalternidade apenas a categoria mulheres, tomada

como categoria empírica. Há que se advertir para o que sinaliza Iamamoto e

Carvalho (2008, p. 171-172), sobre o processo de feminização da profissão,

apontando a origem social da mesma, bem como os aspectos culturais e

econômicos que norteiam o processo e essa é uma premissa de suma importância a

se destacar no âmbito da analise da perenidade do perfil majoritariamente feminino.

Aceitando a idealização de sua classe sobre a vocação natural da mulher para as tarefas educativas e caridosas, essa intervenção assumia [...] a consciência do posto que cabe à mulher na preservação da ordem moral e social e o dever de tornarem-se aptas para agir de acordo com suas convicções e suas responsabilidades. Incapazes de romper com essas representações, o apostolado social permite àquelas mulheres, a partir da reificação daquelas qualidades, uma participação ativa no empreendimento político e ideológico de sua classe, e da defesa de seus interesses.

Dessa forma, cabe destacar a predominância feminina da profissão desde as

suas origens, ligada a características enraizadas culturalmente e legitimadas ao

conservadorismo profissional, seguindo as análises de hierarquização dos papéis

conservadores de gênero, e, por conseguinte, da divisão sexual do trabalho18. Tal

constatação coloca ao Serviço Social a importância de apreender as relações

sociais de gênero e as orientações do movimento feminista para a profissão na

contemporaneidade, tendo em vista as diversas determinações que norteiam esse

processo.

De acordo com as análises de Cisne (2004), há que se referir que é com base

em ações e opções políticas, que as concepções e identidade de gênero, classe,

raça/etnia das/os profissionais irão direcionar política e culturalmente a profissão.

A autora destaca que análises simplistas com relação às relações de gênero

tendem a reforçar afirmativas que evidenciam o sexo como determinante de valores

e ações, não abordando aspectos históricos, sociais e culturais que norteiam a

construção dessas categorias e, a desnaturalização de práticas e atributos ditos

femininos ou masculinos, questões que estão intrínsecas não só ao processo de

institucionalização da profissão, mas no próprio cotidiano profissional. Aspectos,

18

A análise da divisão sexual do trabalho permite perceber nuanças da exploração capitalista muitas vezes despercebida devido à naturalização da subalternidade das mulheres nesta sociedade.

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esses que colocam a necessidade de ir além, de perceber o Serviço Social a partir

das relações de gênero.

Outrossim, reafirmamos com base na referida autora que “a marca feminina

do Serviço Social não se desenvolve naturalmente ou espontaneamente, ao

contrário, foi e é determinada por construções sociais e ideológicas concretas,

permeadas por interesses de classes” (CISNE, 2012, p. 25).

Nesse sentido, destacamos a seguinte exposição, demonstrando a

contradição que se gesta na questão das habilidades, dentro de uma perspectiva

política. Ainda que limitada, esses pressupostos possibilitam uma evidente

necessidade de articulação com as lutas sociais e consequentemente politização da

questão social, em vias de quebrar com posturas conservadoras das relações

sociais de gênero, e consequentemente com a subalternidade conferida ao feminino

e profissões com esse perfil:

E por outro lado acho que as mulheres também estão encabeçando porque as mulheres tem todo um histórico de discriminação, de exclusão, de precarização no seu dia-dia, de vulnerabilidade, de estar à margem, então as mulheres lutam muito por esse respeito. A maioria das lutas que temos pelas minorias é a mulher que está à frente. Então a mulher tem muito isso de lutar por aqueles que estão à margem da sociedade que é perversa (Entrevistada 3).

O ponto que se torna relevante a fim de evidenciar uma série de contradições e

não linearidade dos fatos, postas a esse processo, fundamenta-se no fato de que:

mesmo sendo a profissão no início da sua institucionalização, voltada ao trabalho

das mulheres burguesas, pelo fato destas serem consideradas mais adequadas e

em condições de educar os trabalhadores, com base na perspectiva do controle

social e reprodução da família. Cabe destacar o rearranjo que o capitalismo

empreende no desenvolvimento da relação capital x trabalho19.

Ora percebe-se, que com “o crescimento das atividades assistenciais, o

contato com outras realidades de classe, e a ascensão das mulheres como força de

trabalho, significou a ampliação da presença de outros segmentos de classe na

profissão” (MOREIRA, 2003, p. 92), o que abriu espaço para outra possibilidade de

profissionalização das mulheres operárias, que foram tão incentivadas ao trabalho

fabril, e que por muitas vezes vivenciaram, conforme as crises e necessidades do

19

Destaca-se com base em Mészáros (2006), uma reciprocidade dialética em que o rearranjo do capital sobre o trabalho implica na realocação das medidas que regem a constituição desses indivíduos enquanto trabalhadoras/es assalariadas/os.

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sistema, uma situação de flutuação entre o trabalho fora do âmbito doméstico e o

retorno ao mesmo, se vendo na necessidade de optar por carreiras que garantissem

a permanência no trabalho. E, a profissão do Serviço Social se constitui como uma

dessas alternativas.

Esse terreno, marcado por contradições de classe, gênero e raça/etnia,

expressa limites e possibilidades. Expressos por uma dualidade que se funda na

constituição de uma feminização conservadora em torno da profissão ou na

possibilidade de firmar uma prática que conteste os papéis conservadores de gênero

e possibilite à superação da subalternidade conferida às mulheres, vindo a contribuir

com os interesses do feminismo.

Tais considerações se tornam importantes, a fim de analisar o Serviço Social

dentro do desenvolvimento das relações sociais, da qual o gênero é parte integrante.

E, no caso do processo de institucionalização da profissão, essa se torna uma

categoria fundamental para análise, não só pela forte marca feminina que

caracteriza a profissão, mas também pela relação que se estabelece no curso da

história entre gênero e Questão Social, o fundamento central da profissão.

Diante da maneira como essas relações de gênero se expressam com

funcionalidade ao sistema capitalista, dotadas de uma nítida hierarquia, a qual a

classificação do gênero necessariamente comporta.

Essa hierarquia é um dos condicionantes que resulta e vêm explicar na/a

constante estrutural assimetria na engrenagem das relações entre os gêneros. De

fato, um dos aspectos concretos que demonstram essa teoria20 é o desprestígio

social, econômico e cultural, de profissões majoritariamente femininas, o que

repercute diretamente nas relações e condições de trabalho destas/es profissionais,

como exemplo o Serviço Social, como apontam algumas falas, a seguir, mesmo que

se posicionem contrariamente a esse fato:

Não compreendo desta forma, porque outras profissões, como lixeiro, que é eminentemente masculina, também é desvalorizada. Compreendo que foi uma profissão criada pelo sistema Capitalista, para atender os seus interesses e não dos usuários/as e nem tão pouco dos/as profissionais. A profissão ainda traz consigo outro problema que é não ter em seu produto final um objeto concreto. Assim a luta pela valorização destes profissionais tem que ser constante (Entrevistada 6).

20

A teria que tratamos aqui é dos estudos de gênero, dos estudos pós-coloniais, que tratam sobre a subalternidade no mundo contemporâneo, tomando a hierarquia de gênero, a subordinação feminina, como um protótipo a partir do qual pode-se compreender melhor o fenômeno do poder e da sujeição a este. (SEGATO, 1988)

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Eu acredito que não, porque se for pensar em outras áreas como, por exemplo: a enfermagem, nós vemos que é composta em sua maioria por mulheres e esse segmento é bem mais valorizado do que o assistente social, mas isso é muito relativo e muito complicado de se falar (Entrevistada 1).

Acho que a precarização social, assim essa questão de significado social da profissão não está pela questão da figura da mulher, mas pela questão de como a assistência nasceu, por exemplo, se o serviço social nascesse de homem fazendo caridade, hoje seria o inverso, mas naquele momento o contexto social era aquele. Visualizo as companheiras assistentes sociais, pessoas totalmente capacitadas, que tem um perfil técnico bom para estar atuando dentro de sua área (Entrevistado 9).

Como aponta a entrevistada 1, a questão da precarização social da profissão

atrelada a figura feminina, é realmente uma questão complicada de se analisar, não

sendo apreendida muitas vezes por parte dos profissionais que compõem a

profissão, pela maneira invertida em que se apresentam as relações sociais, nas

quais estamos inseridos.

O Serviço Social dentro do quadro da divisão social e técnica do trabalho,

encarado como um ramo de uma especialização do trabalho coletivo, responde a

uma parcela do trabalho, a uma espacialização do trabalho coletivo, diferentemente

da atividade da enfermagem, considerada pela entrevistada como mais valorizada

socialmente, ao destacar a enfermagem como uma profissão que também é

majoritariamente feminina. Contudo, se relacionamos o produto do trabalho e o ramo

de especialização dessas atividades, previmos a não possiblidade de equiparar os

termos de análise, salientando ainda que a mesma é desvalorizada com relação à

medicina, atividade eminentemente masculina, sendo que essas são desenvolvidas

no mesmo âmbito da área da saúde, claro que com suas especificidades.

A questão centra-se em aspectos históricos concretos das relações sociais,

que requer destacar. Ou seja, as profissões não têm em si, uma essência feminina,

mas, tornam-se profissões mais procuradas pelo publico feminino devido à ideologia

patriarcal contida na educação sexista e a sua relação material expressa na divisão

sexual do trabalho. Esses aspectos não podem ser desconsiderados ao se falar da

precarização profissão, a fim de não se encarar de forma simplista as relações

sociais, pois conforme se estabelece a relação histórica da sociedade, sexista,

patriarcal e machista, acredita-se que seria de certo ponto impossível o Serviço

Social, nascer como uma pratica masculina.

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Trata-se, diante dessa prerrogativa, de compreendermos que o Serviço

Social, diante da perene marca de gênero que acompanha a profissão, sendo

constituído em sua maioria por mulheres, não está isento da forma particular de

apropriação do trabalho feminino pelo capital.

Afirma-se esse como um processo dialético, destacando de tal modo, que

não se trata de entender que ao se incorporar mais mulheres a profissão seja

precarizada, como algo que surge espontaneamente, mas encarar as condições

históricas e concretas desse processo, encarar o Serviço Social a partir das relações

sociais de gênero, na medida em que destacamos que a profissão se articula com a

categoria gênero, na dinâmica das relações sociais.

Nesta perspectiva, cabe destacar a análise que Veloso (2001, p. 71), com

base em Kofes, na medida em que o mesmo aponta que:

[...] o gênero não se mostra como uma categoria de grande importância para se pensar o Serviço Social apenas pelo fato de este ser uma profissão com maioria esmagadora de mulheres. O fato de o Serviço Social ser uma profissão de maioria feminina é considerado como expressão de um modelo de relações de gênero específico, de uma lógica que rege a organização da sociedade, com a inserção diferenciada de homens e mulheres em determinadas profissões. A chamada “marca feminina” da profissão não é o problema em si, mas uma das determinações mais visíveis do gênero. Poder-se-ia afirmar, inclusive, que tal “marca feminina” constitui-se uma refração de gênero. A partir dela, pode-se constatar a questão, mas ela não é, em si mesma, a questão. Pensar a profissão levando-se em conta a presença esmagadora das mulheres em seu interior é de suma importância para o entendimento do serviço social. No entanto, a questão não se esgota aí. É necessário ir além. É necessário perceber o que está por trás da configuração deste quadro majoritariamente feminino. É necessário perceber a lógica que rege tal configuração. É imprescindível atentar para o fato de que o gênero estrutura este quadro. É necessário perceber o serviço social não apenas a partir das mulheres, tomadas como categoria empírica, mas também a partir das relações de gênero.

Assim, pode-se referir à recusa das análises endógenas da profissão, bem

como dos sujeitos que a compõem, salientando a problemática dentro do quadro da

divisão sexual do trabalho e buscar uma análise dialética de como o gênero implica

no processo de precarização destas profissionais. Cabe destacar, conforme Hirata e

Kergoat (2007, p. 597)

Embora a divisão sexual do trabalho tenha sido objeto de trabalhos precursores em diversos países, foi na França, no início dos anos 1970, sob o impulso do movimento feminista, que surgiu uma onda de trabalhos que rapidamente assentariam as bases teóricas desse

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conceito. Primeiro na Etnologia (Mathieu, 1991; Tabet, 1998), depois na Sociologia e na História.

Outrosim, a emergência do conceito teve um papel muito importante para

questionar o que era a definição clássica de trabalho. Nesse âmbito Kergoat foi

muito importante para sistematizar o conceito, considerando-se que há dois

princípios organizadores da divisão sexual do trabalho. Um deles é a separação,

essa ideia que separa o que é trabalho de homens e de mulheres. Outro é a

hierarquia, que considera que o trabalho dos homens vale mais do que o das

mulheres, destacando as relações assimétricas entre ambos os sexos.

Ao partir dessas considerações, as análises de gênero não devem descrever

as classificações/categorizações, mas também identificar como os significados

atribuídos a estas relações de gênero interferem e contribuem na construção do

mundo do trabalho e, em profissões como as do Serviço Social.

Diante disso, cabe evidenciar aspectos históricos que norteiam a construção

do processo de surgimento da figura da mulher na arena pública e da profissão do

Serviço Social, norteados por aspectos contraditórios imanentes ao próprio sistema,

na tentativa de apreender a complexidade desse processo e na não naturalização do

mesmo, no que tange a construção da identificação e inserção da mulher no campo

público.

Conforme Verdés-Leroux (1986), a partir do aprofundamento da questão

social, em consequência do processo de industrialização, que tendeu a reconfigurar

antigas relações em favor da produtividade industrial, que surgem por volta de 1917,

os primeiros serviços de assistência social de forma institucionalizada, funcionou

através da criação das superintendências, voltadas, em um primeiro momento, a

atender as mulheres operárias, especialmente com a preocupação moral quanto à

permanência destas fora de casa. Importante destacar, que o capital torna inapto e

apto o trabalho das mulheres, conforme as suas necessidades de reprodução e

controle social que juntamente com as crianças, foram necessárias no processo de

industrialização, em função da facilidade do capital de exercer o controle sobre

esses segmentos subalternizados socialmente. De fato, as mulheres exercem uma

função social essencialmente importante tanto no aspecto reprodutivo como

produtivo para manutenção do sistema.

Nas palavras de Moreira (2003, p. 92):

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À medida que a sobrevivência da força de trabalho ganha importância e que a disputa por postos de trabalho passa a se acirrar, as mulheres são incentivadas a priorizarem o papel advindo do regime patriarcal e da divisão sexual do trabalho. Isso pode também explicar a procura e presença das mulheres em profissões relacionadas às ocupações que exerciam junto à família.

O Serviço Social expressa bem essa função, possibilitando um espaço de

profissionalização para as mulheres, já que a profissão se aproxima de funções

melhor assimiladas culturalmente pelas mulheres, por estar voltada a reprodução da

família e ao controle social.

Nesse sentido, reafirmam-se as contradições que se instauram nesse

processo, estruturado por relações sociais de gênero, o que possibilita por sua vez

rupturas e continuidades em seu desenvolvimento, tento em vista a capacidade de

conhecimento dos sujeitos para se romper com padrões conservadores de gênero,

mediado pela sua orientação e ação politica.

Dessa forma destaca-se novamente os estudos de Veloso (2001, p. 86):

Percebeu-se que o gênero esteve presente na institucionalização da profissão, conformando a escolha tanto do sujeito quanto do objeto de intervenção profissional: a mulher. Esta era vista como portadoras dos valores que se pretendia veicular e reforçar no seio da classe trabalhadora. Por meio dela se pretendia estabelecer o controle dessa população. A contradição desse fenômeno se mostra quando busca a manutenção de um determinado status quo e permite, ao mesmo tempo, a possibilidade de emancipação de mulheres, por meio da própria profissão, e a resignação de valores e percepção crítica da sociedade, como ocorreu no caso do próprio Serviço Social. Basta citar, por exemplo, os avanços que este último vem promovendo no debate profissional, tanto na sua dimensão teórico – metodológicas quanto na prática – interventiva, como foram os casos dos processos de discussão do Código de Ética Profissional, do currículo e da formação profissional, da Lei Orgânica da Assistência Social.

Ao se estabelecer mudanças na profissão, o Serviço Social aponta para a sua

própria vinculação a dinâmica da sociedade, estando situado no foco do

antagonismo da luta de classes. Apresenta-se a seguinte fala diante dessa

perspectiva:

Assim eu percebo que a onda das lutas vem acontecendo, e vem tentando modificar o que esta posto ao longo dos anos e essa onda é composta em sua maioria por mulheres, se pensarmos quem está a frente da luta das minorias, podemos dizer que são elas, pois são elas que estão ocupando os cargos que defendem esses direitos, que tentam viabilizar e efetivar, é contraditório, é uma luta contra o próprio sistema (Entrevistada 1).

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Observa-se o nível de desenvolvimento da profissão ligado também à

organização e confrontação dos movimentos sociais, o que torna possível e viável a

articulação com o movimento feminista, diante do binômio exploração/opressão que

se apresenta no cotidiano profissional da/o assistente social e é necessariamente

atravessado e determinado por contradições das relações sociais de gênero, como o

próprio movimento de profissionalização das mulheres.

Chame-se atenção para esse fato, na tentativa de compreender e romper com

a funcionalidade da feminização de determinadas profissões para o capital, como

exemplo a profissão do Serviço Social, bem como compreender a marca de gênero,

que ainda acompanha na contemporaneidade e suas determinações e implicações,

em meio ao desenvolvimento profissional e a percepção por partes das profissionais

do caráter de gênero vinculado ao Serviço Social.

Isso é de suma importância, pois como aponta a seguinte fala,a mulher não

abriu mão de papeis, ela somou papeis e tarefas, questão que pode ser percebida

não só na fala, mas no próprio processo da pesquisa, com a aproximação ao campo

de estudos.

Sinceramente, não sei se isso é bom ou ruim. Gosto da minha liberdade, da minha autonomia, digo isso enquanto mulher e não como assistente social. Gosto do que eu tenho conquistado, mas por outro lado, enquanto mulher a sobrecarga que a mulher tem hoje na sociedade é intensa. E aí temos visto número de mulheres com câncer, infarto, problemas de saúde que eram masculinos, a mulher tem sido acometida disso. Mulheres com depressão, mulheres que estão abandonando seus lares, mulheres com dependência, mulheres envolvidas no tráfico. Na verdade a mulher não abriu mão de papéis, ela somou papéis e tarefas. E hoje a mulher esta sobrecarregada (Entrevistada 3).

Nessa perspectiva, percebe-se nitidamente a permanência dos modelos

conservadores em torno dos “papéis” tidos como femininos, que provocam uma

sobrecarga de trabalho e responsabilidade sobre as mulheres, a questão da

sobrecarga de trabalho da mulher na sociedade, o que repercute em adoecimento

físico e mental desses indivíduos sociais.

Diante desse processo, ressalta-se a importância, para o Serviço Social,

em se trabalhar a categoria gênero, como um instrumental para a análise e

enfrentamento tanto “questão social”, quanto para a percepção das especificidades

da marca de gênero, expressa no processo de “feminização” da profissão e as

implicações destas para a categoria profissional.

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Assim, diante de uma perspectiva que empreenda ações e opções

politicas libertadoras é que a categoria profissional poderá ter subsídios concretos

para combater a subalternidade e desprestígio social, conferidos historicamente às

profissões exercidas predominantemente por mulheres, como é o caso da mesma.

Diante desse contexto, ressalta-se a necessidade das/os profissionais

compreenderem o conceito de gênero e das relações de gênero21, e, apreender

como esses permeiam e se expressam no cotidiano profissional.

Esse é um campo de análise que leva em consideração aspectos sociais,

culturais e relacionais das distinções baseadas no sexo/gênero, dotando esta

categoria da dimensão histórica que a circunda, na tentativa de superar o

determinismo biológico e a construção de papéis conservadores de gênero na

sociedade (SCOTT, 1990), que norteiam a constituição de profissões

eminentemente femininas, como exemplo a de Serviço Social.

Ao discorrer sobre o conceito de gênero, abordando o mesmo como uma

categoria útil à análise histórica, a historiadora Joan Scott (1990, p.16) afirma que:

O gênero é um primeiro campo no seio do qual, ou por meio do qual o poder é articulado. O gênero não é único campo, mas ele parece ter constituído um meio persistente e recorrente de dar eficácia à significação do poder no Ocidente, nas tradições judaico-cristãs e islâmicas. [...]. Estabelecidos como um conjunto objetivo de referencias, os conceitos de gênero estruturam a percepção e a organização concreta e simbólica de toda a vida social. Na medida em que estas referências estabelecem distribuições de poder (um controle ou um acesso diferencial as fontes matérias e simbólicas), o gênero torna-se envolvido na concepção e na construção do poder em si mesmo.

A autora afirma o gênero como uma percepção sobre as diferenças sexuais,

condicionadas e hierarquizadas socialmente e culturalmente no curso do processo

histórico, “como uma primeira maneira de dar significado as relações de poder”

(Scott, 1990, p. 16), uma categoria que define e redefine a construção do ser mulher

e do ser homem, pelo condicionamento de papéis adequados ao masculino e ao

feminino, e este último quase sempre desqualificado tanto na esfera pública, quanto

21

Tratamos aqui de gênero e relações de gênero no sentido de que um compreende o outro, mas acredita-se que o uso do termo relações gênero, compreende as relações sociais nas quais o gênero esta imerso, parte então da conceituação do que é gênero e das contradições postas por uma dada sociabilidade e pelo movimento que o próprio termo expressa na realidade concreta, coloca-se as relações de gênero como aquele que traduz melhor o caráter histórico da construção de hierarquias entre os sexos.

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na esfera privada, onde geralmente as mulheres aparecem de forma mais

expressiva.

No entanto, em que pese a importância dessa contribuição conceitual é

importante sinalizar sua limitação ao terreno do discurso, posto que insuficiente,

tanto para explicar as relações de exploração e opressão, ambas materializadas na

vida social e expressas na análise do objeto de estudo, a partir das falas das/os

entrevistados, como para indicar as ações da superação destas relações, as quais

extrapolam a via exclusiva da conscientização.

Assim, o ponto importante, diante dessa prerrogativa, é que trabalhar com a

categoria gênero passa, assim, por um posicionamento político, econômico, cultural

e social acerca da sociabilidade que se vive e a que se quer. Sendo, diante dessa

perspectiva que apresentamos a análise da categoria gênero, no que pese a sua

importância para análise das relações sociais e superação da subalternidade

conferida ao feminino. É diante desse contexto, que buscamos desenvolver o tópico

seguinte.

2.3 Gênero: uma análise crítica em torno dos enfoques teóricos e

epistemológicos

As divergências teóricas, com base em epistemologias diferenciadas se

constroem e (re) constroem em torno da categoria gênero, e, por conseguinte, em

torno das relações sociais de gênero. Algumas teóricas, aqui trabalhadas, dispõem

sobre o atual estado de transição pelo qual passa a sociedade ocidental, marcado

por uma mudança profunda, mas ainda pouco compreendida, por expressarem uma

série de incertezas e incongruências que se estabelecem em meio a esse processo

social.

Acredita-se que as relações de gênero estão intimamente relacionadas com o

conjunto complexo das relações sociais, salientando as mudanças e variações dos

processos sociais existentes na sociedade ocidental e as construções sociais, em

torno dos processos objetivos e subjetivos que conformam os indivíduos sociais.

Os estudos em torno das relações de gênero, ou os estudos de gênero

surgem inseridos no movimento feminista, marcados principalmente pela influência

de feministas acadêmicas, datada a partir de fins do século XX, entre as décadas de

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1970 e 1980. O principal objetivo desses estudos centrou-se na necessidade de

desnaturalizar e historicizar as desigualdades entre homens e mulheres, analisadas,

pois, como construções sociais determinadas nas e pelas relações sociais, o que

denota a presente articulação entre subjetividade e objetividade, descartada pelas

teorias pós-modernas, claro que salientamos a importância que algumas teóricas

tiveram e ainda tem na conformação do termo gênero e nos seus estudos,

destacando a complexidade de arranjos teóricos em torno dos estudos de gênero.

Dentro desse quadro de construções epistemológicas e teóricas em torno do

gênero destacamos: a psicanalise, a filosofia pós-moderna, a pós – estruturalista, a

teoria feminista e porque não dizer a teoria feminista de orientação marxista, tendo

em vista essa possível articulação, questão essa que vamos trabalhar mais

posteriormente.

O foco de análise centra-se na observação de como as relações de gênero

são constituídas e experimentadas e como nós pensamos ou - fato igualmente

importante e que se mostrou presente no processo da pesquisa - não pensamos

sobre elas. Para tanto, exploraremos as “teorias feministas” e seu corolário, tendo

em vista, esta não ser encarada aqui de forma homogênea ou unificada na

construção social dos seus argumentos.

Algo que se conforma presente é o fato das relações de gênero incluir temas

que são geralmente considerados caracteristicamente feministas, mas não

necessariamente se limita a eles, como expõem as teorias pós-modernas nas

análises das “teorias feministas”22.

Nesse sentido, evidencia-se que a construção do conceito de gênero é

marcada por riscos de retrocessos para o movimento feminista. Na medida em que

se privilegia a ênfase nas relações de poder em detrimento das causas da

dominação/exploração, devido ao processo de crise dos paradigmas, que data-se

também a partir de fins do século XX, período do desenvolvimento dos estudos de

gênero, mais precisamente a década de 1980, como exposto no início do texto.

Nesse sentido, essas “crises de paradigmas” irão influenciar como aponta

Scoot apud Segnini (1994, p. 46):

No período caracterizado pela crise dos paradigmas macroestruturais nas ciências sociais, nos anos 1980, quando as buscas das causas da dominação/exploração foi cedendo espaço a ênfase nos

22

Destacamos a obra de Jane Flax “Pós-modernismo e as relações de gênero na teoria feminista” (1992).

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significados das relações sociais constitutivas das relações de poder, é que se desenvolve uma nova possibilidade teórica para análise das relações sociais: as relações de gênero.

Esse pensamento e possíveis riscos de retrocessos são proliferados pela

teoria pós-moderna, na medida em que ao se aprofundar o termo gênero questiona

métodos e teorias que levam em questão as macroestruturas e a universalidade nos

arranjos sociais. Desconsidera-se a relação entre objetividade e subjetividade, por

mais que essas também tenham como foco em comum nos estudos das relações de

gênero, a desnaturalização e desconstrução dos arranjos biologizantes em torno do

gênero, que vêm colocar as mulheres em uma relação de subalternidade social em

relação ao ser homem.

Nesse sentido, ao mesmo tempo em que estes estudos trazem uma

ampliação do escopo de análise das relações de subalternidade das mulheres, em

contrapartida eles se mostram permeados por contradições e armadilhas em seus

discursos, que tendem a fragilizar o ideário feminista e a luta das/os

trabalhadoras/es.

Uma crítica contundente em relação à “teoria feminista” por parte da filosofia

pós-moderna centra-se na fundamentação e prática política das feministas

socialistas. A autora aponta que:

As feministas socialistas localizam a causa fundamental dos arranjos de gênero na organização da produção ou na divisão sexual do trabalho. Contudo, seu sistema explicativo também incorpora falhas históricas e filosóficas da análise marxista. Como Balbus convincentemente argumenta, marxistas (inclusive as feministas socialistas) aplicam de forma acrítica as categorias que Marx formou a partir da sua descrição de um modo particular de produção de mercadorias a todas as áreas da vida humana em todos os períodos históricos. As feministas socialistas repetem esse privilegio da produção e a divisão do trabalho em relação à centralidade do próprio trabalho. O trabalho ainda é visto como essência da historia e do ser humano (FLAX, 1992, p. 231).

Afirma-se que tais concepções deturpam a vida na sociabilidade capitalista e

certamente não são apropriadas a todas as outras culturas. A autora lança a

pergunta “por que ampliar” o conceito de produção em vez de desalojá-lo ou

qualquer outro conceito central do poder autoritário?”, ao tentar exemplificar um dos

problemas decorrentes da apropriação “não-crítica” de conceitos marxistas.

Nesse sentido, cabe destacar que, as feministas socialistas colocam não uma

mera reprodução da teoria de Marx. Isso seria contradizer o próprio método do autor

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no que se trata de analisar a dinâmica da relação social no modelo econômico

capitalista, ou simplesmente uma ampliação do conceito de produção, mas sim a

incorporação de categorias não discutidas por Marx na dialética e a plausível

articulação da produção e reprodução social, quebrando com análises

economicistas, articulando questões de gênero, classe e raça na análise dos termos.

Trabalha-se com a “coextensividade23” dessas categorias, sem que a análise de

uma implicasse deixar a outra em plano secundário, trabalha-se com a noção de

sujeito sexuado.

De acordo com Hirata (2002, p. 277):

A preeminência do econômico que fez da força de trabalho um conceito - chave na análise marxista clássica das relações de dominação, sede lugar ao conceito de “sujeito sexuado”, inserido em uma rede de relações intersubjetivas. É essa passagem do primado do econômico e das relações de exploração para a afirmativa de uma ligação indissociável entre opressão sexual (e de classe) e exploração econômica (e de sexo) que permite, a meu ver, reconceitualizar o trabalho, dinamizá-lo, a partir da introdução de uma subjetividade efetiva, ao mesmo tempo “sexuada” e “de classe”, de acordo com a expressão de Kergoat. É a partir dessa abordagem teórica que ela conceitualiza “a divisão sexual do trabalho como uma disputa das relações sociais de sexo” (Kergoat, 1992, p. 18) e que dá um estatuto privilegiado ao antagonismo, ao conflito, à ideia de movimento social sexuado.

Nestes termos, coloca-se que a apreensão dos conceitos de Marx não é feita

de forma acrítica, como encaram as teorias pós–modernas, muito menos uma

hierarquização das relações sociais, o que se estabelece nesses estudos - e

fortalece a prática política do movimento feminista e os estudos de gênero, no

sentido de romper com a subalternidade conferida ao sexo feminino, - é a

exploração por meio do trabalho assalariado e a opressão do masculino sobre o

feminino são indissociáveis.

De acordo com Cisne (2012), o surgimento e no decorrer no seu

desenvolvimento, o conceito de gênero foi e é marcado por diversas perspectivas

ideológicas e teóricas. Esse processo se conforma tanto pelas polêmicas teóricas e

políticas no interior das ciências humanas e sociais, quanto por ser uma categoria

que situa-se recentemente no cenário acadêmico, político e social.

A partir disso cabe destacar que as orientações das teorias pós-modernas

para o feminismo se fundamentam na necessidade do mesmo se inserir em

23

“Conceito de origem filosófica que Kergoat (1984a) fez “migrar” para pensar a imbricação de duas relações sociais, as de classe e as de sexo. Ver também Kergoat (1978)” Hirata (2002, p. 277).

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contextos filosóficos mais amplos, onde ele é ao mesmo tempo parte e crítica. Os

discursos pós-modernos são todos (des) construtivos, enfatizam as diferenças, elas

afirmam buscar nos distanciar de crenças relacionadas à verdade, conhecimento,

poder, o eu e a linguagem, que são geralmente aceitas e servem de legitimação

para a cultura ocidental (FLAX, 1992).

A autora em questão destaca que as relações de gênero entram em qualquer

aspecto da experiência humana e são elementos constitutivos dela, se dispõe a

interação das relações de gênero e outras relações sociais, como as de classe e

raça, destacando as relações de gênero como não portadoras de uma essência

fixada, variando tanto dentro do tempo quanto além dele.

Destaca-se esse nível de análise, à medida que se pode destacar a

transversalidade da categoria gênero e sua essência a variações, bem como

apreensão da necessidade de se pensar sobre o que seria o gênero. Como as

relações de gênero se relacionam a outras relações sociais? E o que faz as relações

de gênero mudarem ao longo do tempo e do espaço? Como se dá a apropriação da

mesma nos diversos contextos históricos e culturais?

No nosso entendimento as teorias pós-modernas põem e indicam retrocesso

com relação à prática política da luta das mulheres e do feminismo, à medida que se

empreende a ênfase exacerbada nas diferenças empregada pela filosofia pós-

moderna. Gera-se a não proposição de alternativas ao movimento feminista e o

possível distanciamento a prática politica. Coloca-se outra problemática, na medida

em que, a mulher não é mais o centro da análise, observando certos estudos como

ditos ultrapassados.

Esses estudos vieram no sentido de analisar de forma relacional a

subordinação da mulher ao homem, coloca-se que estes não devem se limitar

apenas a categoria mulher, deve sempre ser analisado de forma relacional ao

homem. Entende-se o gênero tanto como categoria analítica, quanto como um

processo social de forma relacional. Afirma-se, com base nas análises de Flax

(1992), as relações de gênero como uma categoria destinada a abranger um

conjunto complexo de relações sociais, bem como a se referir a um conjunto

mutante de processos sociais historicamente variáveis, seria o que a autora destaca

como “totalidades temporárias na linguagem dialética” (1992, p. 228).

Nesse campo de análise, as relações de gênero se dão por meio de divisões

e atribuições diferenciadas, embasadas em construções assimétricas de traços e

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capacidades humanas, se constroem homem e mulher como categorias

excludentes. Destarte só se pode pertencer a um gênero, a subalternização da

mulher está vista pela forma como essa se estrutura como especular ao homem, os

indivíduos se inserem em um único gênero, nunca ao outro ou em ambos.

As relações de gênero são um campo de dominação do homem em relação à

mulher, categorias essas que variam conforme contextos históricos e culturais das

sociedades. “Essas relações de dominação e a existência das próprias relações de

gênero tem sido dissimuladas de várias maneiras, inclusive pela definição da mulher

como uma questão ou o “sexo” ou o outro e os homens como o universo” (FLAX

1992, p.228). Aqui os homens são tomados como livres das relações de gênero, não

determinados por essa categoria, em outras palavras se aplicam sem o gênero em

seus discursos intelectuais e político – ideológicos.

A autora destaca que:

Só recentemente os teóricos começaram a considerar a possibilidade de haver três historias em toda cultura – a “deles”, a “delas” e a “nossa”. A deles e a nossa são geralmente tomadas como equivalentes, embora em trabalhos contemporâneos possa haver algum reconhecimento da existência daquela desviante – a mulher (isto é, a historia das mulheres). Contudo, é ainda raro os intelectuais procurarem os efeitos difusos das relações de gênero em todos os aspectos de uma cultura, do mesmo modo que eles se sentem obrigados a investigar as relações de poder ou a organização da produção (FLAX, 1992, p. 229).

Nessa perspectiva, fala-se de uma limitação da teoria feminista ao definir seu

objeto de estudo como a mulher, assim, ele também, a certa medida, destaca

ironicamente o homem como livre ou não problemática das relações de gênero,

conforme esses estudos. Não se desconsidera que os homens são também

oprimidos e governados conforme os padrões das relações de gênero, considerando

que ambos no âmbito das relações sociais se conformam como prisioneiros desses

padrões, mesmo que por vezes isso se passe de forma obscurecida.

Admite-se aqui a importância dessa análise, conjuntamente ao

desenvolvimento dos estudos sobre a masculinidade, a fim de romper com as

amarras das relações conservadoras de gênero e fazer com que os homens se

percebam dentro desse quadro que limita desejos, emoções e impõem sentimentos

e sensações opressoras no desenvolvimento dos indivíduos, cerceando o seu

desenvolvimento objetivo e subjetivo na construção das relações sociais.

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Reconhece-se a importância desses estudos para uma transformação da

sociedade e das relações assimétricas de gênero, encarando o gênero como uma

categoria que permeia as relações sociais e parcialmente as constitui, conformando

hierarquias e padrões sociais conservadores e opressores. Contudo, como coloca

Cisne (2012, p. 84), “o problema é a expansão dessas discussões em detrimento do

debate especifico da condição da mulher nessa sociedade”, mesmo que a realidade

das condições de vida das mulheres trabalhadoras permaneça enormemente

precarizada, questão essa que iremos recuperar no decorrer do trabalho.

É preciso perceber os caminhos e ideologias que possibilitaram o

desenvolvimento e consolidação da teoria feminista, e, por conseguinte, dos estudos

de gênero, uma vez que os mesmos estão inscritos em um movimento delineado

fundamentalmente por crises e problemáticas epistemológicas. A importância da

“teoria feminista”, dentro dos estudos de gênero se faz notória, à medida que a

mesma se impõe como uma tentativa teórica inovadora de forte potencial crítico e

político, cabendo aos seus percursores compreenderem que essa destaca-se de

forma heterogenia em meio aos diversos processos históricos que a permeiam, para

assim apreender as diferentes leituras e possíveis armadilhas que se conformam

nesse processo, na tentativa de desenvolver uma prática política madura e eficaz,

no que tange ao objetivo da “teoria feminista”.

Uma unanimidade se coloca, no desenvolver do mais importante aspecto da

teoria feminista, se conformando no fato da mesma ter problematizado a existência

das relações de gênero. O gênero aqui, não é tratado como uma como um fato ou

categoria natural, mas como uma construção social, onde se empreende o

questionamento de categorias comumente aceitas. Uma perspectiva transformadora

se desenrola no que tange a conformação de modelos econômicos e de instituições

como a família, questionamentos quanto: a igualdade, justiça, legislação social e

papel do Estado, destacam-se na arena política, parece cabível se questionar as

facetas mais naturais da existência humana.

Conforme Hollanda (1994, p. 7) “é ainda curioso notar que este

reconhecimento se dá em meio ao polêmico prestígio do pluralismo neoliberal em

que as reinvindicações tradicionais do trabalho feminista teriam se desqualificado

como totalmente anacrônicas”.

Nesse campo, é importante ratificar como está posto esse debate sobre a

pluralidade, destacando desse modo como um fator importante para análise o fato

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de que é por meio do debate sobre o pós – modernismo que dispõe sobre a ideia do

surgimento de um pluralismo.

Ainda conforme Hollanda (1994, p. 10):

[...] pluralismo subsidiário das ideologias neoliberais e da economia de mercado em que diversos agentes sociais teriam livres canais de expressão, sugerindo, portanto a superação das lutas de caráter ortodoxo pelas igualdades e pela construção de uma identidade feminina, e a emergência de um novo momento da militância das mulheres, o pós – feminismo.

É imprescindível notar as distinções que se apresentam entre a as teorias pós

– modernas e o feminismo, para compreendermos os possíveis caminhos que essa

articulação pode levar se não for empregada a devida cautela nas análises em

questão, pois enquanto as teorias pós-modernas trabalham com o fim da história, do

social e do politico, algumas críticas feministas caminham na articulação de suas

questões com as determinações históricas e políticas.

Admite-se a efervescência e o avanço do debate teórico do feminismo, mas

no momento atual revela-se uma evidente apreensão quanto ao futuro e um possível

desgaste desses estudos, em meio a crise da representação e morte do social,

defendida pelas teorias pós – modernas. Desse modo, colocamos o impasse que as

analises centradas em símbolos e representações nos empreendem, a medida que

tendem a perder de vista a apreensão das determinações concretas dos fenômenos

sociais, necessários ao que defendemos como modelo teórico do feminismo e

possível quebra de posturas conservadoras de gênero.

De acordo com Cisne (2012), esse quadro de efervescência intelectual no

qual se desenvolve o conceito de gênero, conforma questionamentos e busca por

ferramentas conceituais mais apropriadas, na tentativa de desvendar a opressão

feminina. Esse processo incorre em riscos ao se enfatizar as relações de poder em

detrimento da busca das determinações da dominação/exploração do feminino, são

esses os riscos que tentamos evidenciar para a teoria feminista, como uma “teoria

dos estudos de gênero”.

Piscitelli (2002, p.7), destaca que:

Entre as acadêmicas que dialogam com as discussões feministas, o conceito de gênero foi abraçado com entusiasmo, uma vez que foi considerado um avanço significativo em relação às possibilidades analíticas oferecidas pela categoria “mulher”. Essa categoria passou a ser quase execrada por uma geração para a qual o binômio feminismo/mulher parece ter se tornado símbolo de enfoques ultrapassados.

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Nesse sentido, o gênero encarado como uma categoria relacional empreende

para essa nova geração de feministas a necessidade de estudar o feminino

relacionado ao masculino, na medida em que se compreende um definido em

relação ao outro. O problema não reside necessariamente nessa compreensão, mas

na questão da ênfase exacerbada nas diferenças, com base em análises que

coloquem como centro questões de representação e símbolos, em detrimento da

apreensão da determinação dos fenômenos sociais.

O conceito de gênero difunde-se com força inusitada na literatura feminista a

partir do ensaio de Gayle Rubin, “O tráfico das Mulheres: Notas sobre a economia

politica do sexo”. Conforme Cisne (2012) e Piscitelli (2002), Rubin estabelece uma

dicotomia na relação sexo/gênero. A autora elabora um sistema sexo/gênero em que

a categoria sexo teria o espaço biológico e o gênero se expressaria como uma

construção. Funcionaria de maneira, em que a matéria-prima, ou seja, o sexo

biológico humano e a procriação seriam modelados pela intervenção social humana,

onde se compreende a construção social e cultural em torno da categoria gênero.

“Estabelece-se, deste modo um trânsito entre natureza e cultura. A natureza fornece

os dados que demonstrariam que a diferença é, sobretudo, cultural” (CISNE, 2012,

p. 80).

Críticas são desencadeadas ao pensamento de Rubin a partir da década de

1990, na medida em que se coloca a permanência das bases naturais às quais a

autora tenta quebrar no seu sistema sexo/gênero. Piscitelli (2002) pondera que a

autora trabalha a partir da concepção de que o “parentesco criaria o gênero”. Sendo

assim, a autora não rompe com as bases naturais a quais propunha uma crítica. Na

perspectiva que destaca Piscitelli (2002, p. 18-19 apud CISNE, 2012, p. 80):

Para Rubin o parentesco criaria o gênero. [...] no que se refere às pré – condições necessárias para a operação dos sistemas de casamento, ela considera que o parentesco instaura a diferença, a oposição, exacerbando, no plano da cultura, as diferenças biológicas entre os sexos. Os sistemas de parentesco [...] envolveriam a criação de dois sexos dicotômicos, a partir do sexo biológico, uma particular divisão sexual do trabalho, provocando a interdependência entre homens e mulheres, e a regulação social da sexualidade [...]. Mas se na formulação de Rubin o sexo é concebido como um imperativo da cultura, que opõe homens e mulheres através de relações instauradas pelo parentesco, ainda se ancora em bases naturais.

Conforme Butler (2012), a divisão sexo/gênero funciona como uma espécie

de pilar fundacional da politica feminista e parte da ideia de que sexo é natural e

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gênero é socialmente construído, questão essa que a autora tenta descontruir, a

partir da desconstrução do conceito de gênero, no qual esta embasada essa parte

da teoria feminista na perspectiva que conceitua Rubin. Nesse sentido, destacamos

que há “variadas discussões em torno da categoria gênero. Algumas feministas

defendiam a substituição da categoria; outras, uma reformulação sem abandonar os

princípios da noção de gênero” (CISNE, 2012, p.80).

Na tentativa de descontruir o conceito de gênero, por meio da crítica a

dicotomia sexo/gênero, passa-se a contestar a questão do sexo como algo natural,

Butler (2012), estabelece interlocuções com diferentes autoras, entre as quais se

destaca Simone de Beauvoir:

Simone de Beauvoir sugere em O segundo sexo, que “a gente não nasce mulher, torna-se mulher”. Para Beauvoir, o gênero é “construído”, mas a um agente implicado em sua formulação, um cogito que de algum modo assume ou se apropria desse gênero, podendo, em principio, assumir algum outro. É o gênero tão variável e volitivo quanto parece sugerir a explicação de Beauvoir? Pode, nesse caso, a noção de “construção” reduzir-se a uma forma de escolha? Beauvoir diz claramente que a gente “se torna” mulher, mas sempre sob compulsão cultural a fazê-lo. E tal compulsão claramente não vem do “sexo”. Não há nada em sua explicação que garanta que o “ser” que se torna mulher seja necessariamente fêmea. Se, como afirma ela, “o corpo é uma situação”, não há como recorrer a um corpo que já não tenha sido sempre interpretado por meio de significados culturais; consequentemente, o sexo não poderia qualificar-se como uma facticidade anatômica pré-discursiva (2012, p. 26 – 27).

A autora indica os limites dessas análises de gênero que, segundo ela,

“pressupõem e definem por antecipação as possibilidades das configurações

imagináveis e realizáveis do gênero na cultura” (BUTLER, 2012, p. 28). Butler

compreende que o gênero:

[...] não deveria ser pensado como uma simples inscrição cultural de significado sobre um sexo que é considerado como “dado”. Gênero deveria designar o aparelho de produção, o meio discursivo/cultural através do qual a natureza sexuada ou o sexo “natural” são produzidos e estabelecidos como pré – discursivos (apud Piscitelli, 2002, p. 28).

Butler empreende a tentativa de retirar da noção de gênero a ideia de que ele

decorreria do sexo, discutindo em que medida essa distinção sexo/gênero é

arbitrária. Lançam-se questionamentos com base na crítica radical a esse sistema

sexo/gênero. A autora aponta:

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Seriam os fatos ostensivamente do sexo produzidos discursivamente por vários discursos científicos a serviço de outros interesses políticos e sociais? Se o caráter imutável do sexo é contestável, talvez o próprio construto chamado “sexo” seja tão culturalmente construído quanto o gênero; a rigor, talvez o sexo sempre tenha sido o gênero, de tal forma que a distinção entre sexo e gênero revela-se absolutamente nenhuma (idem, 2012, p. 25).

Nesse sentido, a autora passa a historicizar também a categoria sexo, como

algo idealizado e forçosamente materializado através do tempo. E destaca que: “já

está claro que colocar a dualidade do sexo num domínio pré–discursivo é uma das

maneiras pelas quais a estabilidade binária do sexo são eficazmente asseguradas”

(idem, 2012, p. 25). A questão central trabalhada por Butler é questionar dentro

dessa teoria o conceito de mulheres como sujeito do feminismo, destacando aí a

questão do binarismo.

Conforme Piscitelli (2002), Dona Haraway também compartilha dessa crítica à

categoria gênero, a autora nos coloca: um problema central que considera inerente

aos conceitos de gênero:

[...] os conceitos remetiam, necessariamente, a uma distinção com o sexo na qual nem o sexo, nem as raízes epistemológicas da lógica de análise implicada na distinção e em cada membro deste par, seriam historicizados e relativizados. [...], na insistência do caráter de construção social do gênero, o sexo e a natureza não foram historicizados e, com isso, ficaram intactas ideias perigosas relacionadas com identidades essenciais tais como “mulheres” ou “homens”.

Esses estudos estão alinhados à perspectiva desconstrutivista, marcados por

variações terminológicas, porém compartilhando de certos posicionamentos,

particularmente, a elaboração de uma série de questionamentos aos modelos ditos

totalizantes. Trabalha-se com a ideia de uma noção pulverizada de poder e a

dissolução do sujeito universal autoconsciente. Cabe destacar, dentro desse

movimento que empreende uma reformulação teórica, ao empreender

questionamentos ao conceito de gênero, este, está, por sua vez, associado a uma

reformulação, muitas vezes conflitiva aos pressupostos teóricos e políticos

feministas.

Nestes termos, cabe destacar apesar da importância do referido estudo que:

Em outras palavras, contrária à “teoria” queer que se recusa a classificar os indivíduos como homens e mulheres para não cair em binarismos, acreditamos, em concordância com o pensamento de Nicole Claude Mathieu, resgatado por Curiel e Falquet (2005, p.14)

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que “qualquer que seja as transgressões de gênero e da sexualidade que cada sociedade organiza ou permite, existe um gênero e, sobretudo, um sexo que está sempre abaixo na hierarquia social: o das mulheres” (tradução da autora). Mais que isso: “O problema não é, claro, a binaridade (que é um resultado), mas sua causa: a ideologia da diferença. Combater a binaridade pela sua expansão ou mesmo a “trans” identidade, não resolve nada se sua causa não é atacada. E, sobretudo, por trás da sua causa imediata (produz dois grupos que se proclamam diferentes), sua finalidade: garantir a divisão sexual do trabalho” (FALQUET, 2012, p. 146; tradução da autora, CISNE, 2013, p. 128).

Nesse momento, situa-se a preferência das teóricas francesas pelo termo

“relações sociais de sexo”, para compreender e definir os “papéis” de homens e

mulheres na sociedade. Às mesmas que elaboram a referida crítica anteriormente

evidenciada, mas optam por um direcionamento epistemológico diferenciado das

demais. Apresentam o termo “relações sociais de sexo”, por entenderem o sexo

como socialmente determinado, interpretado e traduzido na experiência e vivência

da sociabilidade.

A partir da apreensão e compreensão desse arcabouço teórico –

metodológico é que podemos analisar o objeto de estudo em questão. A

necessidade de apreender determinada categoria nas teorias feministas, surge

como uma demanda da experiência empírica, mantendo assim, uma ligação com o

processo da pesquisa e um novo olhar para o Serviço Social em meio a evidente

marca de gênero que acompanha a profissão, desde a sua gênese.

Nesse âmbito, optamos por analisar o termo gênero atrelado à dinâmica das

relações sociais e evidenciamos uma aproximação epistemológica com a

perspectiva das francesas em sua análise das “relações sociais de sexo” e as

feministas marxistas. Destaca-se dentro desse contexto, a importância desse debate

para o Serviço Social, por possibilitar a apreensão da complexidade que se

apresenta ao âmbito profissional e desenvolvimento da profissão, ao se considerar

que percebe a mesma a partir das relações sociais de gênero, como destaca Veloso

(2001), na análise da marca de gênero presente da profissão, expressa

empiricamente na presença majoritária de mulheres. E ainda, pela mesma

considerar as dimensões de exploração/opressão como processos que estão postos

na produção e reprodução das relações sociais, onde se insere o Serviço Social.

Esse debate é necessário por possibilitar uma ampliação do escopo de

análise, já que o mesmo permite evidenciar como se desenvolvem os discursos

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sobre a família e a sexualidade que escapam, em certa medida, a todo escopo

tradicional do marxismo. A sociabilidade do capital herdou e retrabalhou a

desigualdade social desenvolvida historicamente entre homens e mulheres,

utilizando-a de forma extensiva e transformando-a profundamente ao seu favor.

Desse modo, analisar, compreender e utilizar-se dos pressupostos teóricos e

metodológicos do feminismo, como uma teoria que embase a discussão das

relações sociais de gênero no âmbito produtivo e reprodutivo, considerando uma

perspectiva que ligue a emancipação das mulheres aos aspectos da luta de classes,

se faz imprescindível para análise das relações sociais e do objeto de estudo em

questão.

Desse modo, a fim de melhor evidenciar aspectos que possibilitem a

apreensão e compreensão do objeto de estudo em questão, iremos incorrer sobre

uma análise do espaço sócio ocupacional, em que se inserem as/os assistentes

sociais, atrelado a aspectos das relações sociais de gênero, evidenciando questões

históricas e sociais da construção da política de Assistência Social em seu contexto

expansionista, sem desconsiderar a dimensão de classe social24.

24

Consideramos em meio à complexidade das relações sociais as dimensões de raça/etnia, sexualidade e geração. Contudo, advertimos que essas não são o foco de análise do objeto de estudo em questão, de tal modo que não iremos nos deter em aprofundar e discutir as mesmas, considerando, no entanto, a sua importância na dinâmica das relações sociais.

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3. EXPANSÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: PRECARIZAÇÃO DO

TRABALHO E RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO

O processo da pesquisa manteve-se na lógica de atender os objetivos

formulados. Assim, esse capítulo busca caracterizar o espaço sócio-ocupacional,

onde se propôs estudar as contradições das relações sociais de gênero no contexto

de precarização do trabalho das/dos Assistentes Sociais. Trata-se de um campo

mediado por uma gama de contradições de classe, raça/etnia e de gênero, não

desconsiderando a questão da geração, nem dos aspectos pertinente à sexualidade,

mas esses não se mostraram tão evidenciados nesse trabalho, ate pela sua

delimitação do objeto de estudo.

Desse modo, será apresentado considerações acerca da Política de

Assistência Social no município de João Pessoa-PB, no contexto contemporâneo,

seus determinantes e particularidades, na tentativa de desvendar o campo onde se

insere o nosso objeto de estudo.

O objetivo é analisar as determinações da expansão da política de

Assistência Social no Brasil, considerando o movimento da política e da economia,

articulada as falas das/os entrevistados, bem como os aspectos contraditórios que

norteiam essa expansão. Destacam-se as condições e relações de trabalho dos

assistentes sociais, correlacionando o movimento das categorias de gênero e da

classe social, no desenvolvimento dessa política.

3.1 Contextualização da Assistência Social no contexto contemporâneo e

expressões da precarização do trabalho

É notório que desde os anos de 1990, vem ganhando força o discurso

recorrente de que as políticas sociais devem pautar-se por estratégias de combate a

pobreza. O que repercute prioritariamente para garantia de acesso a mínimos

sociais de sobrevivência, que, segundo essa concepção, assegura a igualdade de

oportunidades no acesso a bens e serviços, ou seja, esta em curso o deslocamento

do princípio de igualdade de condições e do questionamento aos limites postos ao

estabelecimento desse princípio em uma sociedade de classes.

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Dessa forma, há uma desconstrução da lógica que rege a base da

desigualdade social no sistema capitalista, sendo reduzida a uma questão de renda,

que contribui para ocultar e mistificar a realidade social.

A economia brasileira experimentou um crescimento de 7,5% em 2010,

segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012). Em valores

absolutos, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro totalizou R$ 3,675 trilhões. Foi o

maior avanço desde 1986, quando o país vivia o Plano Cruzado e também cresceu

7,5%. Esta representou a maior alta em 24 anos, foi influenciada pelo desempenho

robusto da demanda interna e pela baixa base de comparação do ano anterior,

quando o PIB registrou retração de 0,6%, devido aos efeitos da crise econômica

global de 2008.

Quando relacionamos estes dados de desenvolvimento da economia

brasileira correlacionado com o coeficiente de Gini25 que é 0,538 (PNUD, 2010),

podemos indicar que desenvolvimento econômico não significa necessariamente

desenvolvimento social, uma vez que, no Brasil, a história mostra que

desenvolvimento econômico não vem implicando em redução da desigualdade

social.

O enfrentamento da pobreza passa por uma intervenção, baseada em

Programas emergenciais, seletivos, focalizados e desvinculados da noção de direito

social, não tencionando o fundo público26, mas em perfeita sintonia, com as

orientações do grande capital acerca da redução da pobreza, eficaz em termos de

custos, através de programas sociais focados e compensatórios.

Nesta perspectiva, garantir e gastar recursos públicos com direitos sociais

universais é considerado um privilégio, logo, a orientação é que os governos cortem

os direitos sociais adquiridos e concentrem o gasto estatal nos pobres, combinando

a financeirização do fundo público com ações emergenciais para os deserdados da

sorte.

Na particularidade de João Pessoa - PB, a realidade é semelhante aos dados

nacionais. Em 2008, o seu PIB foi de R$ 7,6 bilhões, representado 29,5% do PIB da

25

O índice ou coeficiente de Gini é uma medida de concentração de riqueza ou desigualdade social,

aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de "0 a 1", onde o zero corresponde a completa igualdade de renda, ou seja, todos têm a mesma renda e 1 que corresponde à completa desigualdade, ou seja, quanto mais próximo de 1 maior a concentração de riqueza social. 26

Para uma melhor apreciação da questão do fundo público e sua relação com a politica social,

recomendamos Behring (2012).

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Paraíba, que foi de R$ 25,7 bilhões (IBGE, 2008). O IBGE, ainda, destaca que

houve um crescimento do PIB de 2008 de 13,33% em relação ao PIB registrado, em

2007, em João Pessoa. Contudo, embora o município tenha se destacado com o

melhor em Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), da Paraíba, segundo PNUD

(2000) com 0,783, o seu índice de Gini é o de 0,63 (PNUD, 2005), o que evidencia

uma expressiva concentração de renda e riqueza. Este indicador está relacionado

diretamente com a condição de pobreza, pois segundo o IBGE (2010), 25% da

população de João Pessoa vivem em condição de pobreza absoluta27.

Diante dos dados cabe enfatizar em que contexto se coloca a expansão da

Assistência Social no município. A politica se desenvolve em meio a um quadro de

agravamento das expressões da Questão Social, ou seja, surge como resultado do

aumento das demandas, o que não significa que o quadro de expansão acompanha

a extenuação das demandas, como demonstrado de forma enfática nas exposições

das falas:

Eu acho que não na proporção das demandas, porque assim, em uma casa lar que é uma casa de acolhimento institucional, a gente observa que existe uma demanda muito grande e que na mesma proporção a assistência social ela não acompanha, não atende e não acompanha o desenvolvimento de todas essas necessidades. Então, eu considero que não houve uma grande expansão da política de assistência social, quando observado o contingente de pessoas que necessitam do atendimento (Entrevistada 1). Sim, relacionado ao SUAS a gente sabe que a proposta realmente é de expandir atendimento a população usuária, mas na pratica a gente sabe que não alcança, por exemplo: quando relacionamos as demandas que há numa casa lar de atendimento a família também, podemos dizer que essas famílias terminam não sendo atendidas nas suas necessidades sociais totais, tanto é que as crianças vão permanecendo no abrigo por um tempo maior do que aquele que deveria ser o mínimo possível, então eu ressalto o não atendimento efetivo das demandas dessas famílias que são usuárias da assistência social. Agora, podemos dizer que a organização SUAS, a estruturação dos serviços, o aparato jurídico, realmente é um avanço, mas eu volto a dizer que demanda não é suprida, não é contemplada como deveria ser, é isso a estruturação dos serviços principalmente para a equipe técnica que trabalha, nos diversos programas, serviços e projetos da rede SUAS é clara, mas existe isso do não atendimento efetivo as demandas da população usuária (Entrevistada 1).

Neste contexto, a Assistência Social ganha, no interior da Seguridade Social,

uma centralidade no enfrentamento a pobreza, através dos Programas de

27

Rendimento médio per capita de até ½ do salário mínimo mensal, segundo o IPEA (2011).

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Transferência de Renda, como o Bolsa Família, fortalecido com o Plano Brasil sem

Miséria28 e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), desenhada e redesenhada

no atendimento das necessidades imediatas, como demonstra a entrevistada/o,

quando ressalta o não atendimento das necessidades sociais totais ou reais.

É dessa forma, que se destaca a expansão da política, no que tange as suas

limitações, não estando a certo ponto articulada a saúde, educação e previdência,

pelo condicionamento da própria dinâmica que desenha a seguridade social no

cenário contemporâneo. Uma dinâmica que posiciona a expansão da Assistência em

detrimento do investimento público das políticas de educação, previdência social e

saúde, que vem se consolidando como nichos para a valorização do capital.

Sendo assim, a seguridade social brasileira vive em meio à desarticulação

dos seus mecanismos de proteção, conformando uma unidade contraditória de

proteção social, onde a assistência social transforma-se no novo fetiche de

enfrentamento à desigualdade.

Como apontado no Plano Diretor de Reforma do Estado (PDRE), à busca

incessante pela recomposição das taxas de lucro, através de novas investidas para

a acumulação capitalista, se faz presente na formatação de padrões de proteção

social. O que vem repercutir diretamente no processo de mercantilização dos

serviços sociais, - saúde, previdência, educação - desencadeando o desmonte da

Seguridade Social brasileira, no qual a Assistência Social ganha um papel central,

se expandindo dentro das particularidades supracitadas.

Como afirma Mota (2008, p. 153):

A investida da classe dominante contra a seguridade social brasileira tratou de inflexionar o padrão de enfrentamento à “questão social”, dotando a política de Assistência Social de uma centralidade no trato das contradições sociais. Esta transformação, do nosso ponto de vista, deu-se de maneira que a Assistência Social deixa de ser uma política de acesso às demais políticas setoriais, assumindo uma centralidade na política social.

Nessa premissa, destacam-se as particularidades: a burguesia brasileira que

associada ao grande capital mundializado, incorporou à sua ordem as necessidades

sociais dos trabalhadores, ao inaugurar novas táticas e estratégias de dominação,

agindo conforme demanda dos organismos internacionais a exemplo o Fundo

28

O Plano Brasil sem Miséria, criado no Governo Dilma, volta-se para os brasileiros cuja renda

familiar per capita é de até R$ 77,00, pretende elevar a renda e as condições de bem-estar da população agregando transferência de renda, acesso a serviços públicos e inclusão produtiva.

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Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM). A nova estratégia consiste

em substituir mecanismo de coerção por persuasivos, colocando a ideologia de

adaptação à nova ordem do capital mundializado, seguido da inserção subalterna do

país a economia internacionalizada.

O processo de mundialização do capital em curso repercute profundas

mudanças na órbita das políticas sociais, em suas conhecidas diretrizes de

focalização, descentralização, desfinanciamento e regressão do legado dos direitos

do trabalho. Assim, redimensionam-se as requisições dirigidas aos assistentes

sociais, às bases materiais e organizacionais de suas atividades e as condições e

relações de trabalho por meio das quais se realiza o consumo dessa força de

trabalho especializada (IAMAMOTO, 1998).

A tendência geral de redução de direitos sob o argumento da crise fiscal e,

por conseguinte, a subordinação das políticas sociais à lógica macroeconômica de

financeirização do capital, se faz evidente no atual contexto, conforme destaca Davi

et al (2009, p. 58):

As políticas sociais são polarizadas por um tipo de requisição do capital, de inspiração neoliberal, que subordina os direitos sociais à lógica orçamentária, a política social à política econômica subvertendo os preceitos constitucionais, a viabilização de direitos, em especial os da seguridade pauta-se conforme as regras de um livro-caixa, do balanço entre crédito e déficit no cofre governamental.

Outrossim, “o Estado capitalista amplia a Assistência Social ao suprir as

necessidades que seriam de outras políticas sociais, embora ao fazê-lo subtraia os

direitos de outras frações da classe trabalhadora” (MOTA, 2008, p. 114). Assim,

funciona como o novo baluarte de integração a ordem capitalista, em contraposição

ao trabalho. A política de Assistência Social parece cumprir com o papel econômico

e político determinado pela classe dominante, na medida em que possibilita, ainda

que de forma precária, o acesso aos bens de consumo, se tornando fundamental

dentro do processo de redirecionamento do Estado, na reprodução material e social

da força de trabalho.

Os benefícios pagos pela Assistência Social, pelos programas de

transferência de renda, acabam assumindo peso no orçamento familiar, quando não

a única fonte de renda das famílias brasileiras, que se encontram as margens do

mundo do emprego, estabelecendo a contradição entre assistência e trabalho na

sua forma de emprego. Dessa forma, “a política de assistência social, via a

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transferência de renda, tem se constituído um elemento de acesso a bens e serviços

circunscritos no circuito de compra e venda de mercado” (SITCOVSKY, 2008, p.

155) 29.

DESPESAS REALIZADAS 2005 2006 2007 2008 2009 2010 % de

crescim período

1. Benefícios Previdenciários 146,0 165,5 185,2 200,8 224,8 254,8 74,5%

Previdenciários urbanos 114,5 128,9 143,4 153,6 178,9 198,0 72,9%

Previdenciários Rurais 27,3 32,3 36,6 41,7 44,8 55,4 102,9%

Previdenciários precatórios e requisições

4,0 4,3 5,1 5,3 32,5%

2. Benefícios Assistenciais 9,3 11,5 13,4 15,6 18,7 22,2 138,7%

Assistenciais – LOAS 7,5 9,6 11,5 13,7 16,8 20,3 170,6%

Assistenciais – RMV 1,7 1,8 1,9 1,9 1,8 1,8 5,8%

4. Benefícios de Transferência de Renda

6,7 7,8 8,9 10,6 11,8 13,4 100%

5. EPU - Benefícios de Legislação especial

1,0 1,2 1,6 2,0 2,0 2,1 110%

6. Saúde: pessoal ativo e outras e demais despesas do MS

34,5 40,7 45,7 50,2 58,2 61,0 76,8%

7. Assistência Social: pessoal ativo e outras despesas do MDS

1,6 2,1 2,3 2,5 2,7 3,0 87,5%

8. Previdência Social: Pessoal ativo e outras despesas do MPS

3,4 4,5 4,7 4,7 6,2 6,4 88,2%

9. Outras ações da Seguridade Social

2,5 2,9 3,5 3,9 7,1 7,5 200%

10. Benefícios do FAT30

11,3 14,9 17,9 20,6 27,0 29,1 157,5%

Quadro 02. Despesas liquidadas no orçamento da seguridade social no período de 2005 a 2010 Fonte: ANFIP

31, 2011. (grifos nossos)

Conforme aponta o quadro 02, pode-se constatar que nos últimos cinco anos

os gastos com essa política cresceram substancialmente se comparados com os

recursos da saúde e previdência social, totalizando respectivamente o percentual de

crescimento na saúde de 76, 8%, na previdência 74,5%, enquanto na assistência

social o investimento aumentou 138,7%, recaindo de forma mais intensa nos

programas de transferência de renda, a exemplo o Bolsa Família (BF) aumentando

em 100% os investimentos e no Benefício de Prestação Continuada (BPC) que

29

Do ponto de vista da captação dos recursos essa análise é pertinente. No entanto, o debate sobre

Assistência e Trabalho exige uma avaliação dos fatores culturais, sociais e econômicos do desenvolvimento do capitalismo na sociedade brasileira, o que não pretendemos aprofundar aqui. 30

A sigla FAT, representa o Fundo de Amparo ao Trabalhador que é um fundo contábil-financeiro

destinado ao custeio do programa do seguro-desemprego, do abono salarial e ao financiamento de programas de desenvolvimento econômico. 31

Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil

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cresceu cerca de 170,6%. O que demonstra o peso destes no orçamento da

seguridade social, e a afirmação desta política via programas de transferência de

renda.

Destaca-se que:

[...] a Seguridade cumpriu um papel importante ao financiar as políticas de reajustes reais para o salário mínimo, de programas de benefícios assistenciais de prestação continuada, do Bolsa Família e de outros benefícios de natureza assistencial (ANFIP, 2011, p. 10).

Esses aspectos aparecem na explicação das/os sujeitos da pesquisa, no que

tange a forma pela qual a política de Assistência Social vem se expandindo, à

medida que se afirma que: “Sim a Política de Assistência Social expandiu com os

programas de transferências de renda” (Entrevistada, 4).

Esse é um fato presente no desenvolvimento e efetivação da politica.

Contudo, quando analisamos as fontes dos recursos da assistência social, não

podemos chegar à conclusão que tem proporcionado uma verdadeira redistribuição

de renda no país, tendo em vista que o peso desse orçamento ainda recai de forma

mais expressiva sobre a folha de salário dos trabalhadores. E esse é um ponto

importante para se analisar o viés que se perpetua a expansão, ou seja, o contexto

neoliberal em que a mesma se efetiva e se desenvolve.

Conforme pauta a reforma tributária, proposta na PEC n°233/2008, o princípio

da diversidade das bases de financiamento da Seguridade Social, é deixado de lado,

colocando o maior peso no orçamento da Seguridade Social sobre os impostos

indiretos, o que faz recair sobre a produção e o consumo de bens e serviço,

prejudicando os trabalhadores, uma vez que, se mantém uma carga tributária com

estruturas regressivas, concentradora de renda e de riqueza, deixando alguns

segmentos da população quase imunes à tributação, desmantelando a legislação de

1988, no que tange ao orçamento da seguridade social (DAVI et al., 2009).

Assim, ao analisar a fonte dos recursos da Assistência Social, Sitcovsky

(2008, p. 159) afirma que, o quadro sumariamente delineado, não revela uma

transferência de recursos do capital para os trabalhadores, ou, se preferirem, dos

ricos para os pobres e, sim, sugere uma redistribuição de renda entre os

trabalhadores, tendo em vista que o maior peso recai sobre a folha de salários,

conforme pauta a reforma tributária de 2008 que contraria a pluralidade das fontes, a

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diversidade dos fatos geradores e a capacidade de diferenciação de diversos

segmentos econômicos.

Neste contexto adverso, o Sistema Único de Assistência Social – SUAS, se

apresenta como um sistema não contributivo, descentralizado e participativo que

tem por função a gestão do conteúdo específico da assistência social no campo da

proteção social brasileira, e vem demonstrar aspectos novos, empecilhos e desafios

a sua efetivação, de modo que embate com o ideário neoliberal de política pública

de Assistência Social. Esse é o caminho de análise que iremos nos incorrer agora.

3.1.1 O Atual Cenário de Expansão da Política de Assistência Social: aspectos

da regulamentação e implementação do Sistema Único de Assistência Social

A linha de análise que compreende o estudo desenvolvido, a respeito da

consolidação e expansão da Assistência Social, enquanto política pública de

responsabilidade do Estado e direito do cidadão, nos empreende uma perspectiva

que considere esse processo como algo em transição, em meio ao desvelamento de

novos valores afirmados na regulamentação do Sistema Único de Assistência Social

(SUAS) e a preeminência de traços da cultura patrimonialista, tecnocrática e

clientelista. O que coloca diversos desafios ao processo de expansão da política,

bem como ao cotidiano profissional dos sujeitos que a compõem e a constroem.

Adentra-se nessa questão, para salientar que o significado da expansão se

encontra para além da própria política, na tentativa de evidenciar as influências e

determinações da esfera político – cultural que permeia o conjunto das relações

sociais e carregam traços contraditórios a efetivação e expansão da política, como

inovações e preeminência de aspectos conservadores. Desse modo, cabe destacar

que o desenvolvimento e expansão da Assistência Social parte da dinâmica das

relações sociais, delineando aspectos econômicos, políticos e culturais desse

processo.

Esses aspectos estão postos na exposição das falas dos entrevistados, como

podemos observar abaixo:

[...] Então ela se expande em todos os sentidos, mas ela também falta ser implementada em todos os sentidos, mas ela se expandiu, por exemplo: a Assistência Social recebe um novo olhar, como política pública, ela é diferente da Assistência Social antes da

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constituição de 1988, hoje ela se constitui como um direito, contudo do ponto de vista do acesso aos usuários ela se apresenta como uma política bastante focalizada, ela não apresenta um caráter universal, ela é focalizada, ela apresenta diversos critérios, então nesse sentido a gente precisa crescer muito mais porque a gente fica escolhendo o mais miserável dentre os miseráveis para ser atendido, justamente por conta destas limitações no acesso à política (Entrevistado 2). Em termos, a política de Assistência Social se expandiu sim. O SUAS redesenhou a política de Assistência Social conferindo-lhe organização, racionalização e a padronização dos serviços, bem como ampliando o escopo de suas ações (Entrevistado 8).

De fato, as mudanças no campo teórico–normativo são evidentes em parte

das falas, que demonstram uma evolução ao nível organizacional da Assistência

Social. Mas o que a maioria demonstra em contrapartida a essa evolução, é o fato

de que se perpetua uma série de limitações, que são explicáveis pela via de

desenvolvimento em que se encontra a política, ou seja, pelo fato da mesma estar

inscrita na dinâmica de organização e gestão das políticas sociais, em um contexto

marcado de reestruturação produtiva e neoliberalismo.

Nesta perspectiva, considera-se o desafio de efetivação e implementação da

Assistência Social, atrelados ao processo de descentralização, uma vez que, o

mesmo se dá em meio ao ajuste fiscal concomitante a ofensiva neoliberal, que

subordina a política social à lógica macroeconômica de financeirização.

De acordo com Iamamoto (2009, p. 14):

A mundialização do capital tem profundas repercussões na órbita das políticas púbicas, em suas conhecidas diretrizes de focalização, descentralização, desfinancimento e regressão do legado dos direitos do trabalho. Ela também redimensiona as requisições dirigidas aos assistentes sociais, as bases materiais e organizacionais de suas atividades, e as condições e relações de trabalho por meio das quais se realiza o consumo dessa força de trabalho.

A assistência social é assim, determinada pelas dimensões econômicas e

políticas. Além destas determinações fundantes, outro aspecto não menos

importante que marca esta política é o traço cultural presente na nossa formação

social, que perpassa as três esferas de governo.

O fato é que a Assistência Social brasileira em sua institucionalização como

uma política social específica, se configurou como “[...] um universo estilhaçado de

organismos em cada uma das instâncias governamentais e entre elas. Ocorreu um

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entrelaçamento obscuro, sobreposto e desarticulado de políticas e órgãos”, o que

implica em dificuldades na operacionalização da política, no cotidiano profissional,

como ressaltam as interpretações das/os sujeitos da pesquisa que tange a expansão

da política (SPOSATI et al., 1995, p.23).

O que deve ser ressaltado é que o próprio sistema que a gente vive, o sistema capitalista, ele já breca, é como se fosse um paradoxo, é uma lei que é aberta, mas dentro do próprio sistema a gente fica se batendo, a gente trabalha com empresa pública, aí você vai ter que se moldar dentro daquilo que temos para trabalhar (Entrevistada 2). A assistência social tem se expandido sim, ela tem se expandido bastante. Nós sabemos que a sua expansão se dá de forma contraditória. [...] Essa tentativa de sair desse lastro assistencialista e conservador, e trabalhar no viés dos direitos, mas também tem paralelo a isso, nós sabemos que ela se expande porque há também um aumento significativo nas condições de precariedade, vulnerabilidade, empobrecimento da massa da classe dos trabalhadores. Então a assistência tem se expandido por isso, porque a demanda de trabalhadores que estão excluídos do processo produtivo e em área de vulnerabilidade e risco também tem aumentado. Isso é um traço muito claro da sociedade capitalista, da reestruturação produtiva, então ela se expande também nesse sentido, no sentido da demanda (Entrevistada 3).

Demonstra-se a necessidade de compreensão sobre a configuração das

políticas sociais no Brasil, a respeito da evidência históricas a que essas políticas

estão submetidas, uma historicidade marcada por pouca efetividade social e por

subordinação a interesses econômicos da classe dominante, o que rebate a

afirmação que coloca às políticas a capacidade de interferir no perfil de

desigualdade e pobreza que caracteriza a sociedade brasileira (COUTO et al, 2012).

Esses pressupostos são de extrema importância para se compreender, que

no caso da política de Assistência Social o quadro é ainda mais grave, pois quando

analisado o cenário histórico de desenvolvimento da política, vê-se que está:

Apoiada por décadas na matriz do favor, do clientelismo, do apadrinhamento e do mando, que configurou um padrão arcaico de relações, enraizado na cultura política brasileira, está área de intervenção do Estado caracterizou-se historicamente como não politica, renegada como secundária e marginal no conjunto das politicas públicas (COUTO; YAZBEK; RAICHELIS, 2012, p. 55).

Ressalta-se, dentro desse contexto histórico que empreende a expansão da

política, o seu marco histórico colocado na Constituição de 1988 (Capitulo II, artigos

194 a 204) e a Lei Orgânica da Assistência Social – Loas (1993), uma vez que,

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estas trouxeram a questão para um campo novo: o campo da Seguridade Social e

da Proteção Social pública, como demonstram as referidas autoras.

É interessante ressaltar que entre a Carta Constitucional e a aprovação da

LOAS passaram-se cinco anos, que representaram o não pagamento do único

benefício previsto na lei, já contido na Constituição no seu artigo 203. Com relação

ao benefício para idosos e portadores de necessidades especiais, passaram-se mais

dois anos, com severas restrições do ponto de vista do vínculo do benefício, a

seletividade se faz presente no seio do desenvolvimento da política e se perpetua

até hoje.

O que é evidente, diante desse processo, é a conjuntura adversa e paradoxal,

na qual se evidencia a profunda incompatibilidade entre ajustes estruturais da

economia e investimentos sociais do Estado, como já ressaltamos é um contexto

marcado pela reestruturação produtiva e neoliberalismo, onde o principal objetivo é a

recuperação das taxas de lucro, em favor da lógica de maximização do capital.

Nos termos de Sposati et al (1995, p. 7-8):

Sob a capa de filantropia, ajuda circunstancial, espaço de caridade, a assistência social não se mostra de pronto como forma de relação histórica – e contraditória – das classes sociais frente à desigualdade social. Não se mostra de pronto com seus vínculos na arena política ou ainda não permanece visivelmente ligada à luta no poder.

Nesse campo a uma serie de desafios postos no cotidiano profissional, dos

sujeitos históricos que constroem a política de Assistência, pois os traços

apresentados anteriormente ainda se mostram preeminentes, conforme as

exposições das falas, ainda que contenham avanços significativos no âmbito

organizacional da política.

Sim, é aquilo que eu coloquei. Ela tem cada dia mais tentado se consolidar na esfera dos direitos sociais. A questão também que nós formos analisar historicamente, a política de assistência é uma política jovem, não há como negar isso, se a gente for considerar 2005. E assim, vai se completar ainda dez anos, e dez anos para a construção de uma política que tem o lastro conservador muito maior, não só o lastro conservador, mas acho que a própria construção da sociedade brasileira nesse sentido de culpabilizar a pobreza, ou mesmo de vitimizar essa pobreza é muito forte. Então romper com isso, sair dessa área assistencialista, de vitimização ou culpabilização desse sujeito e trazê-lo para a esfera do direito, da autonomia, do protagonismo, é difícil transformar a consciência, principalmente em uma sociedade em que a educação não é valorizada. Então a educação acaba sendo apenas uma prática de alfabetização e não a educação na perspectiva de promover a autonomia e a consciência crítica do sujeito. Então acho que o ponto

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positivo da assistência é esse que ela esta sendo construída, na verdade (Entrevistada 3).

Nesse sentido, destaca-se que no Brasil, esse nascedouro da Assistência

Social nas ações de caridade e benemerência marcou toda a trajetória da sua

institucionalização no país, desde a criação da Legião Brasileira de Assistência

(LBA), em 1940, até aos dias atuais.

Boschetti (2003, p. 42-44) sintetiza “[...] as particularidades historicamente

sinalizadas por diversos autores como inerentes à prática da assistência social

brasileira” e destaca a sua subordinação a interesses clientelistas e políticos

econômicos dos governos. Seu tratamento como prática assistemática e

descontínua e a “[...] eterna confusão entre assistência e filantropia [...]”, muitas

vezes, é intencionalmente reforçada, visando manter a Assistência Social “[...] sob a

ótica do dever moral e submetida a interesses clientelistas e paternalistas”.

Essas questões são premissas na análise das exposições, no que tange a

dificuldades encontradas na efetivação da política em pleno contexto de expansão.

Cabe ainda destacar que, a Assistência Social se expande em uma sociedade onde

a exploração do trabalho, se torna extenuante, em termos quase ou semi-escravista,

carregando traços e consequências da formação socioeconômica e política do país,

uma vez que a mesma não está desvincula da dinâmica das relações sociais:

Eu ando um pouco pessimista na verdade, com relação a essa concretização da política de Assistência Social, porque voltando para a questão do atendimento das demandas, da totalidade das necessidades do indivíduo, da família, a gente percebe que isso não acontece de forma concreta, exemplo: uma família que requer um benefício de auxílio aluguel para que tenha novamente a guarda dos seus filhos e possa habitar novamente com seus filhos e seguir sua vida, esse auxílio aluguel, não é atendido de imediato, existe uma série de burocracias, existe uma série de impasses que não chega o benefício à demanda real. Então eu observo que de forma concreta a diversos entraves que nos coloca questões que fazem com que os direitos não sejam efetivados, as leis existem, sobre benefícios assistências e outras questões dos serviços, mas para chegar ao usuário, bem muitas vezes não chega, não temos condições de efetivar o trabalho como está posto, a própria lei muitas vezes não é respeitada. Nesse sentido, há uma grande dificuldade de efetivação dos direitos dos usuários por parte do corpo profissional, digo direito a moradia, a cidadania a dignidade da pessoa humana (Entrevistada 1). Assim a nível mais geral, na própria academia nos vemos a questão dessa expansão, a quebra do conservadorismo, a partir de 2004 a gente vê lutar para essa política ser efetivada, e assim até na época de estudante eu acompanhava como se dava a política de

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assistência no município de João Pessoa. E ela se expandiu a partir de 2006 aqui no município que se começa a implantar os programas e serviços, em 2005 surgiu o NAF que era o núcleo de apoio à família que hoje é o conhecido CRAS, e hoje esta estruturado aqui no município em todas as suas complexidades e com todos os serviços para um município de grande porte. Então assim, no sentido de implantação ela expandiu, agora no sentido de execução ainda existem muitas limitações (Entrevistado 9).

Essas mediações se interligam com a dinâmica das relações sociais no Brasil,

na terra do “você não sabe com quem está falando!”, onde os trabalhadores e as

massas populares sempre estiveram exclusos das regalias garantidas apenas aos

estamentos das oligarquias locais, seus doutores e coronéis, às “minorias

privilegiadas”, para lembrar Celso Furtado (1965; 1974), ou às frações de classe

com assento no poder. O que se pretende afirmar é que expansão não se perpetua

longe do caminho histórico trilhado pela Assistência ou dos condicionantes

estruturais do capital sobre as politicas sociais no geral.

A expansão como avaliada pelas/os sujeitas/os, não acompanha a demanda

extenuante em um contexto de restauração do capital, nem o poderia sem quebrar a

logica contemporânea do sistema. É necessário contextualizar que a massificada

pobreza, no Brasil, foi resultado de uma extrema desigualdade gerada e reproduzida

pelas mãos de uma classe dominante para manter suas regalias e seus arranjos

político-econômicos.

O Brasil, inserido na lógica macroeconômica de financeirização do capital

internacional, optou por um recolonialismo contínuo e permanente do país, através

de sua dependência e heteronomia ao sistema internacional e, para tanto, a classe

dominante revestiu-se sempre de uma ofensiva contrarrevolucionária, expressa em

continuadas estratégias e episódios de “modernizações conservadoras”

(FERNANDES, 1975), onde a Assistência ganha status no contexto da seguridade

social brasileira.

Não se pode incorrer por um campo de análise, que não leve em

consideração os fatos concretos, a fim de evidenciarmos os limites, as dificuldades e

as possíveis estratégias de avanço no quadro de expansão da política. É preciso, no

entanto, situá-la dentro do quadro de correlação de forças que permeia a relação

capital–trabalho e tentar construir estratégias que contrariem a perpetuação da

expansão da Assistência Social como um mecanismo de administração da pobreza.

Nesse sentido, chama atenção a seguinte posição da/o entrevistada/o:

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Existem elementos positivos e negativos nesta expansão. Vejo a política como um espaço complexo e contraditório inserido no interior da luta de classes, onde não devemos deixar de ver os interesses capitalistas neste processo de expansão e aumento dos serviços assistenciais. Na perspectiva do controle social apresentou avanços importantes como, por exemplo, a construção de um sistema descentralizado e participativo, e a articulação entre planos, fundos e conselhos (Entrevistada 8).

De fato, a política se expande em um contexto adverso e paradoxal, onde

retração dos investimentos sociais do Estado são palavras de ordem. Empreende-se

uma “incompatibilidade legitimada pelo discurso e pela sociabilidade engendrada no

âmbito do ideário neoliberal, que reconhecendo o dever moral do socorro aos pobres

não reconhece seus direitos” (COUTO; YAZBEK; RAICHELIS, 2012, p. 56).

Não é demais lembrar que se vive em um contexto de reestruturação

produtiva do capital, onde se empreende muito mais do que uma reorganização da

esfera produção da economia. À medida que, a atual recomposição do ciclo de

produção e reprodução do capital, ao determinar um conjunto de mudanças na

organização da produção material, provoca impactos nas modalidades de gestão e

consumo da força de trabalho, o que afeta as práticas sociais que intervêm no

processo de reprodução material e espiritual da força de trabalho, como exemplo o

Serviço Social, uma vez que, ao se redesenhar a estrutura econômica, se

empreende uma necessidade permanente de reconstruir a relação entre as formas

mercantis e o aparato estatal que lhe dá coerência e sustentação, o que vêm afetar

o conjunto das políticas sociais.

Conforme Mota e Amaral (2006, p. 34), o processo de reestruturação

produtiva no Brasil se caracteriza pelas seguintes questões “abrir capital, privatizar

empresas estatais, terceirizar, demitir trabalhadores e aumentar a produtividade em

ate 100%. [...], a produtividade cresceu graças aos novos processos de trabalho, aos

métodos de gestão e a custa da perda do emprego de milhões de brasileiros”.

Assim, adentra-se em um contexto onde os níveis de miserabilidade da população

são alarmantes.

Outrossim, o campo da Proteção Social, vai enfrentar os índices de

crescimento do desemprego, pobreza e indigência, em meio a desmontagem e

retração de direitos e investimentos no campo social.

No caso específico da política de Assistência Social, destaca-se que a

primeira Política Nacional de Assistência Social (PNAS) só foi aprovada em 1998,

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cinco anos após a regulamentação da LOAS, percebe-se a morosidade no

andamento dos processos regulatórios, uma vez que, da Carta Constitucional à

aprovação da Loas também se passaram 5 anos, como exposto anteriormente.

Ainda assim, a PNAS apresentou-se insuficiente e confrontada pelo paralelismo do

Programa Comunidade Solidária, instituído pela Medida Provisória n. 813, em

1/1/1995, no dia em que tomou posse, em seu primeiro mandato, o presidente

Fernando Henrique Cardoso.

Destacar essas medidas é importante para se compreender, no percurso

histórico do desenvolvimento da política de Assistência Social e efetivação do SUAS

a mescla de aspectos inovadores e conservadores que norteiam a política e

impossibilitam a sua efetivação plena, conforme seus parâmetros.

Nesse sentido, Telles (1998) ao se referir ao Programa Comunidade Solidária

destaca que:

Longe de ser fato episódico ou perfumaria de primeira dama, opera como uma espécie de alicate que desmonta as possiblidades de formulação da Assistência Social como politica regida pelos princípios universais dos direitos e cidadania: implode prescrições constitucionais que viabilizariam integrar a Assistência Social em um sistema de Seguridade Social, passa por cima de instrumentos previstos na Loas, desconsidera direitos conquistados e esvazia as mediações democráticas construídas (TELLES, 1998 apud COUTO; YAZBEK; RAICHELIS, 2012, p. 58).

A organização e estruturação da política de Assistência Social, em meio ao

aprofundamento das desigualdades sociais, passam por desacertos e adequações

ao sistema neoliberal. Contudo, cabe destacar que esse é um movimento que não

se faz sem resistência por parte dos sujeitos que constroem a política, via,

sobretudo, a articulação permanente de fóruns de Assistência Social. O que

conforme as autoras supracitadas revelam “capilaridade e expressão política do

controle social no encaminhamento de uma agenda que assegure direção social que

se contraponha a hegemonia neoliberal” (COUTO; YAZBEK; RAICHELIS, 2012, p.

59). Nesse âmbito, destaca-se as possibilidades nessa nova matriz da política de

Assistência Social, após a aprovação da PNAS e do SUAS em 2004.

No caso de João Pessoa a implantação do SUAS se conforma no ano de

2005 - vem enfrentado conjunturas adversas, postas pelo ideário neoliberal, onde

sujeitos comprometidos com a estruturação da política enquanto política pública de

direito, visam, na contra mão da corrente, a construção de um projeto de resistência

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e ruptura, na defesa dos direitos sociais dos usuários da Assistência Social. Os

próprios documentos aprovados em 2004 são fruto dessa organização e resistência

dos sujeitos sociais que constroem e defendem a política, como uma política pública

de direito, inscrita no âmbito da seguridade social.

A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) vem tornar claras as

diretrizes para efetivação e regulamentação da Assistência Social, como política

pública de direito do cidadão e responsabilidade do Estado. Esse processo é

mediado pela correlação e tensionamento de forças e interesses antagônicos,

presentes na sociedade capitalista, a estruturação da politica e do SUAS permite

evidenciar esse processo.

Conforme Couto, Yazbek, Raichelis (2012), a PNAS esta apoiada em um

modelo de gestão compartilhada, pactuada nos três níveis de governo, detalhadas

as atribuições e competências de cada ente federativo na provisão da atenção

socioassistencial, em consonância com a LOAS e as Normas Operacionais,

construídas a partir das indicações e deliberações das Conferências, dos Conselhos

e das Comissões de Gestão compartilhadas, o que nos permite compreender a

presença de vários sujeitos na defesa, construção e estruturação da política, em

meio às contradições sociais que perpassam esse processo.

A esse processo segue-se a normatização e estruturação do SUAS, como

aponta Couto; Yazbek; Raichelis (2012, p. 60):

À PNAS seguiu-se o processo de construção e normatização nacional do Sistema Único de Assistência Social – Suas, aprovado em julho de 2005 pelo CNAS (por meio da NOB n. 130, de 15 de julho de 2005). O Suas está voltado à articulação em todo território nacional das responsabilidades, vínculos e hierarquia, do sistema de serviços, benefícios e ações de assistência social, de caráter permanente ou eventual, executados e providos por pessoas jurídicas de direito público sob critério de universalidade e de ação em rede hierarquizada e em articulação com iniciativas da sociedade civil.

Admite-se nesse âmbito, uma série de avanços com a estruturação e

regulamentação do SUAS, para a consolidação da política de Assistência Social.

Pode-se destacar a superação de alguns problemas presentes na organização,

gestão e financiamento da política de assistência social, tais como: a histórica

insuficiente regulação na área do campo governamental e não-governamental e

imprecisão conceitual, serviços sem devida integração em sistema; segmentação

das ações; indefinição das competências entre os três níveis do governo;

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desenvolvimento de ações sem base de dados; insuficiente ação intersetorial; e

ausência de capacitação e política de Recursos Humanos.

Como apontam as/os entrevistadas/os, no que tange aos avanços com a

criação e regulamentação de novos serviços sócio-assistenciais, que acontece com

base nas regulamentações e medidas citadas anteriormente:

Acredito que houve sim, são muitos programas e projetos novos. É claro que é tudo muito defasado ainda, as ideias são ótimas, são maravilhosas, mas existe essa defasagem. Mas houve a expansão, hoje um número muito maior de pessoas tem acesso aos serviços, tanto na quantidade como qualidade, temos acesso a várias capacitações, cursos de extensão. Então tanto em aspectos qualitativos como quantitativos, houve uma expansão, mas isso não quer dizer que a qualidade é a melhor hoje, que dizer que melhorou bastante (Entrevistado 5). Sim, o SUAS trouxe um grande avanço para a política de Assistência Social, que antes era vista como “caridade” e não como um direito, a partir do SUAS o Estado começou a dar mais atenção para Assistência e com isso houve o aumento dos serviços socioassistênciais (Entrevistado 7).

Contudo, se o SUAS representa avanço no sentido político-jurídico de

reestruturação da política de assistência social regulamentada, segundo a Lei nº

3.077, 8 de junho de 2011, que altera a Lei n° 8.742, de 7 de dezembro de 1993,

que dispõe sobre a organização da Assistência Social, por outro lado, as

determinações socioeconômicas e políticas do capital impõem desafios para sua

implementação, a exemplo da hipertrofia da referida política via políticas focalizadas

e seletivas, com prejuízos das políticas universais. Dessa maneira, as demandas da

classe trabalhadora e o agravamento da desigualdade social determinadas pelos

imperativos do capitalismo neoliberal passam a ser enfrentadas por políticas

compensatórias. Neste sentido, a política de assistência social, recebe o status de

ser a política de proteção social para a maioria dos assalariados e desempregados,

e não parte integrante dela.

Dessa forma, é notório que a política de assistência social, traz consigo

aspectos conservadores e inovadores, dentro das particularidades históricas que

ocupa no contexto contemporâneo, se apresentando em uma fase na qual, muito

mais que uma política de proteção social, se constitui um “mito social” (MOTA,

2008). Aspectos esses que vão se mostrar presentes durante a exposição das falas

no decorrer do estudo, como exemplo da não efetivação da Intersetorialidade,

proposta no SUAS, a medida que as/os entrevistados apontam a não integralidade

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das políticas, o atendimento se finaliza na atenção a necessidade emergencial da

família, como se pode observar:

Existem aspectos positivos quanto à necessidade emergencial da família é suprida, mas, como aspecto negativo eu vejo que depois que as famílias acessam o beneficio e conseguem sair da situação emergencial em que se encontravam, ainda não conseguimos visualizar quais dessas famílias conseguiram se reestruturar economicamente de forma a não mais ser beneficiário de tal programa de transferência de renda (Entrevistada 4). Existem sim, equipamentos para atendimento a demanda, mas o fim a contemplação daquele beneficio, daquela resolução para aquela família, observa-se que há um grande caminho a se percorrer e muitas vezes esse caminho não se fecha, não se conclui, não tem um fim (Entrevistada 1).

Apresenta-se a inviabilidade de trabalhar de forma interesetorial, como propõe

a PNAS e o SUAS, de se desenvolver abordagens que considere a demanda em

suas necessidades multicausais, a fim de concretizar o fim no atendimento

ressaltado pela entrevistada/o 1. Se expressa uma tensão entre o que propõe a

PNAS e o SUAS e o que está posto na realidade social, onde se efetiva a política de

Assistência Social, a partir da evidente limitação e insatisfação evidenciadas na

exposição das falas.

A PNAS reafirma a necessidade de articulação com outras políticas,

indicando que as ações devem ser múltiplas e integradas no enfrentamento das

expressões da questão social, o que demonstra a presente necessidade de

efetivação dos pressupostos da Política Nacional, por parte das/os entrevistados.

Nesse âmbito, destacamos a importância e avanço que o trabalho a partir da

Intersetorialidade possibilita, à medida que a mesma expressa, conforme

Couto;Yazbek; Raichelis (2012, p. 61):

A articulação entre as politicas públicas, por meio do desenvolvimento de ações conjuntas destinadas à proteção social básica ou especial e ao enfrentamento das desigualdades sociais identificadas nas distintas áreas. Supõe a implementação de programas e serviços integrados e a superação da fragmentação da atenção pública às necessidades sociais da população. Envolve a agregação de diferentes políticas sociais em torno de objetivos comuns e deve ser principio orientador da construção das redes municipais. [...], transcender o caráter específico da política e potencializar as ações por elas desenvolvidas, ampliando a possibilidade de um atendimento menos compartimentado aos cidadãos que dela se utilizam.

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Conforma-se a evidência de forças políticas, que em meio a um contexto de

resistência disputam a direção social da Assistência Social, na perspectiva dos

direitos, a partir de reformulações conceituais, na estrutura organizativa e na lógica

da gestão e controle das ações na área, o que de forma positiva vem

instrumentalizar e viabilizar a direcionamento diferenciado dos indivíduos que

constroem a política de Assistência Social, no cotidiano da sua prática.

No tocante a PNAS, a NOB/SUAS/2006 prevê em seus princípios transformar

a política de assistência social em uma política realmente federativa, por meio da

cooperação efetiva entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal, destacando

a importância de fortalecer a articulação e cooperação das esferas de governo no

âmbito do espaço sub-regional.

Contudo, no que tange ao financiamento do SUAS no município, segundo

dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE) 32, a despesa empenhada no Fundo

Municipal de Assistência Social (FMAS) de João Pessoa, em 2010, foi de R$

5.176.533 milhões, representando 0,78% das despesas executadas da Prefeitura

Municipal de João Pessoa. Este dado indica uma inexpressiva participação do

FMAS nos recursos públicos deste município, indicando um desafio a ser superado

e que rebate na qualidade dos serviços bem como na formação dos trabalhadores

deste sistema, com base no que demonstra as falas das/os entrevistados:

As limitações são mais assim, no que diz respeito a financiamento e cofinanciamento. O cofinanciamento do MDS é um cofinanciamento baixo, e quando chega aos municípios, não dá de fato para a gente executar o que necessita e o financiamento que é a contrapartida dos municípios, isso é uma realidade de Brasil, porque nós não temos um percentual direcionado à assistência, o maior entrave acontece aí na questão do financiamento dos municípios, porque nós não temos, por exemplo, 15% como tem a educação já direcionando para aquilo, nós não temos. Então nós ficamos a mercê do que os municípios podem investir naquele momento. Houve uma expansão na implantação, de fato foi implantado, mas na execução ainda deixa a desejar, na efetivação, digamos assim. Condições concretas de efetivação são limitadas (Entrevistada 8). É justamente essa questão do financiamento. As estruturas físicas devem ser de contrapartida do município, e devido à assistência não ter uma receita, uma porcentagem de gastos anual, nós ficamos impossibilitados de construir um equipamento de acordo com a nossa necessidade. E a gente utiliza muito de outros equipamentos, por exemplo, a saúde tem 20% da verba de arrecadação municipal, então eles já têm um empoderamento financeiro melhor, eles

32

Dados disponíveis em: http://sagres.tce.pb.gov. Acesso em: 30 de out. 2013.

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constroem suas unidades de saúde e aquela que geralmente era uma unidade de saúde passa a ser um CRAS (Entrevistado 9).

O maior entrave que a gente tem é isso, por exemplo, o ministério ele passa um cofinanciamento para os municípios, e esse cofinanciamento não pode ser utilizado na compra de material permanente, na compra de automóveis, digamos assim, na construção. Um dos maiores entraves que nós temos é estruturação física mesmo. O CRAS hoje tem que ter um modelo que é determinado pelo MDS, através das orientações técnicas, que tem que ter tantas salas de atendimento, sala multiuso para utilização dos serviços de convivência e fortalecimento dos vínculos, e aqui no município de João Pessoa de 11 unidades nós só temos duas estruturadas conforme o MDS solicita, então no caso do pró-jovem adolescente que sou eu que coordeno, nós ficamos a mercê de estar utilizando o espaço de associações ou de um outro centro que seja da prefeitura, porque a estrutura física não é condizente com a nossa necessidade (Entrevistado 9).

Os desafios apresentados nas falas, diz respeito à estruturação dos serviços

sócio-assistenciais e regulamentação do orçamento municipal para a Assistência

Social. Esse momento, caracterizado por redução de gastos com a proteção social

básica e especial da Assistência Social, em 2010, num contexto que concilia uma

significativa demanda dos usuários e enormes desafios para a consolidação do

SUAS expressa, mais uma vez, a supremacia das exigências de rentabilidade

econômica sobre o atendimento às necessidades sociais, numa clara inversão e

descumprimento da primeira diretriz proposta pela LOAS e pela recente PNAS/2004

para a Assistência Social brasileira.

Reafirma-se, como ponto importante no que tange a análise das falas, que

com relação aos gastos orçamentários sobre o financiamento da Assistência Social

no Brasil, conforme com base nos dados da ANFIP (2011), de que o peso recai

sobre o Programa Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada, sendo

estes os responsáveis pelo incremento dos recursos destinados à assistência social,

especialmente a partir de 2004.

Essa questão vem comprometendo, uma articulação integrativa do Sistema,

que garanta o acesso à Assistência Social por todos aqueles que dela precisarem,

para além da condição da pobreza extrema ou absoluta, o que nos desafia à

interpretação desse fenômeno, marcado pela preeminência de programas de

transferência de renda, em detrimento do fortalecimento e ampliação dos serviços e

projetos.

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O que se destaca é a inexpressividade da evolução orçamentária no âmbito

dos serviços, e isso ocorre exatamente no período em que se propõem os desafios

de estruturar, através dos Centros de Referência de Assistência Social– CRAS e

Centros de Referência Especializados de Assistência Social - CREAS, a proteção

social básica e especial, conforme regulamentam a PNAS/2004 e a

NOB/SUAS/2005, indo de encontro com o que está posto nas exposições.

Podemos afirmar, também, que essa inexpressividade na evolução do

orçamento para o âmbito dos serviços socioassistenciais e a ausência de co-

financiamento dos estados, agregados ao contexto de baixa arrecadação dos

municípios também incidiram no fiasco que foi, até agora, o desafio de fortalecer a

gestão do trabalho no âmbito do Sistema, conforme propõe a NOB-RH/SUAS/2006 –

o que pressupõe a desprecarização das relações de trabalho, a qualificação e a

valorização dos quadros do SUAS, através da contratação efetiva (concursos) e da

criação e consolidação de planos de cargos, carreiras e salários – uma vez que,

como iremos apontar o aumento do número de trabalhadores sem vínculo

permanente responde a quase 100%, na política de Assistência Social em João

Pessoa – PB, do aumento total de trabalhadores na área.

3.1.2 Precarização e rotatividade das/os profissionais: repercussões da

expansão da política de Assistência Social

Os dados apresentados indicam um grande desafio na implementação e

gestão do SUAS, tanto na esfera da organização e efetivação dos serviços

socioassistenciais, quanto pela não implementação da NOB/Suas – RH (2006),

quando observamos no decorrer da pesquisa a (des) responsabilização na gestão

do trabalho por parte dos municípios, concomitante a tensão que perpassa a

Assistência Social, ao conviver com aspectos inovadores e conservadores.

Nesse contexto, a flexibilização das relações de trabalho delineada pela

restauração do capital, em seu meio a crise estrutural do capital, destaca-se como

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ponto importante no que tange a gestão do trabalho no âmbito do público a Reforma

Administrativa do Estado33.

Pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS),

durante o período de 2002/2005, indica que, em âmbito nacional 78,16% dos

assistentes sociais atuam em instituições públicas de natureza estatal, das quais

40,97% atuam no âmbito municipal, 24%, estaduais e 13,19% federais, o que indica

que a descentralização estabeleceu para o município a responsabilidade na gestão

do trabalho das políticas sociais. Evidencia-se que a grande parcela dos assistentes

sociais se enquadra, em sua maioria, como funcionários públicos, passando a sofrer

todos os rebatimentos da referida Reforma Administrativa do Estado, no que

compete a alteração da rigidez dos contratos por via de concurso público, abrindo

espaço para a flexibilização das relações de trabalho.

Ainda relacionando com os dados da pesquisa do CFESS (2005), os

contratos temporários incidem de maneira mais efetiva na esfera pública municipal,

uma vez que é responsável pela gestão e execução das políticas sociais, a partir

dos anos 1990, o que remonta a importância dos estudos no âmbito regional e

municipal, relacionando-os com a estrutura e dinâmica nacional e internacional.

Explicita-se um significativo crescimento do setor público municipal como

empregador da força de trabalho no âmbito das políticas sociais, fruto do processo

de descentralização político-administrativa, conforme estabelecido nas diretrizes da

Política Nacional de Assistência Social (PNAS), em 2004, com base na Constituição

Federal de 1988 e na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), documentos que

vão regulamentar e nortear a elaboração e implementação do Sistema Único de

Assistência Social (SUAS) a nível nacional e municipal.

Como retratado, esse processo vem demandando para a esfera municipal a

expansão do mercado de trabalho e o município assume a gestão desses

trabalhadores, sendo o responsável direto pela contratação e gerenciamento das

relações de trabalho no setor público. Nesse âmbito cabe à esfera federal a

coordenação e normas gerais34.

33

A Reforma Administrativa do Estado consiste na Reforma do Aparelho do Estado, concebida a partir

de três dimensões: a primeira, institucional-legal, trata da reforma do sistema jurídico e das relações de propriedade; a segunda é cultural, centrada na transição de uma cultura burocrática para um cultura gerencial; a terceira dimensão aborda a gestão pública a partir do aperfeiçoamento da administração burocrática vigente e da introdução da administração gerencial, incluindo os aspectos de modernização da estrutura organizacional e dos métodos de gestão. (BRASIL, 1995, p. 60) 34

Para uma análise mais detalhada desse processo ver Boschetti (2011).

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Essa nova configuração da gestão do trabalho no nível municipal responde a

uma combinação entre a demanda por serviços públicos e o novo padrão de

regulação do trabalho, ancorado em políticas neoliberais de desregulamentação na

abertura de mercados, como as privatizações, o desenvolvimento da subcontratação

e a externacionalização35 da produção.

Tais considerações nos remetem a uma análise, que leve em consideração as

contradições que permeiam o referido processo, já que ao mesmo tempo em que se

aumenta o mercado de trabalho, em resposta a demanda por serviços públicos, com

responsabilidade para os municípios, não se descentraliza os recursos, dando poder

fiscal aos municípios de gerenciar os mesmos, acrescendo além da precarização da

política social uma precarização do trabalho, conforme rege os ditames neoliberais.

Segundo mapeamento realizado, no período de setembro de 201236, pôde-se

constatar que embora se tenha significativa expansão do mercado de trabalho

das/dos assistentes sociais nessa política, esses profissionais vivem em meio a um

processo de precarização das relações de trabalho.

Gráfico 01: Ano de admissão das/os assistentes sociais

9%

41%50%

Ano de admissão2000 a 2005

2006 a 2010

2011 a 2012

Fonte: Elaboração própria, 2012.

Como podemos observar os dados revelam que, após a reorganização da

política de assistência social em 2005, houve significativo aumento no quadro de

contratações das/dos assistentes sociais nos serviços socioassistenciais. No

35

A externacionalização da produção fundamenta-se no processo de internacionalização da economia, que coloca no contexto de hiper-competição entre organizações e globalização a necessidade da desnacionalização da produção de bens de consumo, visando uma elevação da produtividade com redução dos custos, em decorrência da reestruturação e modernização como forma de resposta ao acirramento e aos novos contornos da concorrência internacional. Esse processo permite às empresas a possibilidade de repassar algumas atividades para terceiros, objetivando a transformação de custos fixos em custos variáveis, trata-se do processo de terceirização, outro mecanismo de precarização do trabalho. 36

O mapeamento é de autoria própria, em busca de atualizar os dados para traçar um perfil desses profissionais, para apontar o universo da pesquisa e retirar a amostra, bem como demonstrar tanto à relevância da pesquisa no referido contexto, como a viabilidade da mesma com base em uma primeira aproximação com os sujeitos da pesquisa.

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município de João Pessoa, a contratação das/os Assistentes Sociais no período de

2005 a 2012 representou em torno de 91% dos vínculos profissionais, período de

estruturação do SUAS no referido município. Contudo, metade destes se encontrava

no período de 2011 a 2012, o que demonstra uma intensa rotatividade dos

profissionais, seguida do sentimento de insegurança que tende a fragilizar a

execução dos serviços e precariza a vida social dos indivíduos que trabalham na

política. Como demonstra as seguintes exposições das/os entrevistadas/os:

Mulher, a gente fica num nível de stress louco. Se você for fazer uma pesquisa sobre stress nesse lugar, a gente tem tudo que não presta. De erupção na pele, de isso aqui todo duro, de todo dia tá perguntando “ei, tu tem esse analgésico aí?”. A gente trabalha com sofrimento psíquico aqui 24hs por dia, tu tem noção que a gente trabalha com mães que chegam aqui porque filho que foi apreendido, porque o filho tá drogado, que o filho tá roubando, porque roubou uma TV, que anda com uma chave no pescoço pra o menino não tirar as coisas, a gente vive sofrendo com essas pessoas, a gente não tem como não sofrer. Por mais que a gente seja profissional, a gente tá envolvido, e em contrapartida, a gente ainda tem o nosso sofrimento também, que é da insegurança, de você estar aqui ou não, ganhando pouco dinheiro ou não, de ganhar pouco ou não ganhar nada, tá entendendo? Então é muito complicado (Entrevistada 2). Existe porque não é concurso. Totalmente porque se você não tem uma segurança isso lhe causa um mal estar, isso lhe faz ceder a uma prática assistencialista, precarizada, clientelista. O Serviço Social além de um profissional é um trabalhador, então é claro que ele sente esses impactos (Entrevistada 3).

Tais afirmações só demonstram as permanentes mudanças na esfera do

trabalho, marcada pela reestruturação produtiva, que tem fortes rebatimentos na

reforma administrativa do Estado, assumindo uma tendência de fragilização da

classe trabalhadora, nesse caso, dos/as assistentes sociais enquanto trabalhadores

assalariados.

O fato que não pode passar despercebido é que essas mudanças incidem de

forma mais extenuante na vida das mulheres, ao consideramos a dupla e muitas

vezes tripla jornada de trabalho desses indivíduos, ao correlacionar o âmbito publico

e privado em que as mesmas estão inseridas. O tempo livre das mulheres é

apropriado pelo capital de modo mais complexo e forte ao se considerar a dimensão

das relações sociais de gênero que circundam o âmbito da análise. O que contribui

para o seu adoecimento profissional, sem desconsiderar que as profissões tidas

como femininas, como a exemplo, o Serviço Social, lidam com questões ligadas a

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esfera do cuidado e as mazelas sociais, sendo responsáveis por solucionar tais

problemas.

A partir do evidente desgaste emocional dessa força de trabalho, ressalta-se

a aprovação da Lei Federal nº 12.317 de 2010, que institui às 30 horas37 semanais

para os assistentes sociais. Em João Pessoa, vem sendo cumprida, reafirmando

uma tendência indicada pela pesquisa do CFESS (2005), quando a mesma observa

que a região Nordeste, é a região com uma maior incidência de cargas horárias

entre 20 e 30 horas semanais. Contudo, mostra também que a maioria destes

trabalhadores tem duplo vínculo, constatando-se que as condições de trabalho não

são modificadas significativamente, já que a carga horária continua a mesma ou até

superior a 40 horas semanais, o que corrobora com o adoecimento profissional,

como ressalta a entrevistada 2, quando relata a questão do stress atrelado a

precarização dos vínculos empregatícios.

Ora sabe-se que essa conquista não altera estruturalmente a organização do

trabalho, mas pode diminuir a sobrecarga de trabalho, impondo limites à exploração

do trabalho pelo capital, visando à diminuição do crescente quadro de adoecimento

profissional, resultante da reestruturação produtiva e do caráter dual da precarização

do trabalho dos Assistentes Sociais.

Esse processo de precarização interfere na qualidade dos serviços

socioassistenciais oferecidos pelo SUAS, posto que influencia diretamente a

organização e qualificação do atendimento, “a descontinuidade no/do trabalho

profissional, já que muitos trabalham em regime de plantão, incentiva intervenções

pontuais, de caráter eventual, visando respostas imediatas, sem continuidade”

(GUERRA, 2010, p. 721), o que dificulta a atuação do assistente social com base no

projeto ético político, colocando a tensão entre sua condição de trabalhador

assalariado – que sofre todos os rebatimentos das mudanças no mundo do trabalho

- e efetivação dos princípios éticos que regem a profissão.

Destarte, se inserem diversos imperativos ao mercado de trabalho dos

assistentes sociais, tanto nas demandas como nas relações de trabalho

determinadas pelos organismos empregadores, nesse caso o Estado. Assim,

podemos afirmar que se a implantação do SUAS promoveu o aumento deste espaço

37

Aprovada em 27 de Agosto de 2010 altera o artigo 5º da lei de regulamentação profissional (Lei

8662/1993) passando a vigorar com a seguinte redação: Art. 5º A duração do trabalho do assistente social é de 30 (horas) semanais.

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sócio-ocupacional para os assistentes sociais, para compor os quadros da proteção

social básica e proteção social de média e alta complexidade, enquanto exigência da

NOB/RH/SUAS (BRASIL, 2006), por outro lado, se constitui um desafio, uma vez

que o processo de descentralização se dá em meio ao ajuste fiscal concomitante a

ofensiva neoliberal, que subordina a política social à lógica macroeconômica de

financeirização.

No cenário nacional, Boschetti (2011) ressalta que diante desses

determinantes, o cenário de trabalho do Assistente Social no SUAS, uma das

políticas que emprega no âmbito da seguridade social brasileira, acompanha uma

expansão e precarização do trabalho conforme aponta os dados:

Especialmente no SUAS, dados divulgados recentemente mostram que o quadro de trabalhadores aumentou bastante entre 2005 e 2009, com acréscimo de 30,7%: saltou de 139.549 para 182.436. Esse aumento, contudo, foi acompanhado de intensa precarização das relações de trabalho, com ampliação de 73,1% de trabalhadores sem vínculo permanente (IBGE, 2009, p. 39). A pesquisa não registra a representação de assistentes sociais nesse universo de trabalhadores do SUAS, mas a mesma fonte revela que os gestores municipais sem nível superior correspondem a 41,1%, e os gestores assistentes sociais totalizavam 29,6%, seguidos por pedagogos (21,7%) e outras profissões (22%) (BOSCHETTI, 2011, p. 567).

Essas informações concordam com os dados coletados, no município de João

Pessoa-PB, afirmando a expansão do mercado de trabalho dos assistentes sociais

inseridos nesta política, a partir da implantação do SUAS, em 2005, e dos

programas de combate a pobreza, como exemplo o Bolsa Família, dentro do quadro

de expansão da política da Assistência Social, englobando as mudanças na esfera

política e econômica.

Tais processos que repercutem diretamente na configuração das demandas

profissionais e nas relações e condições de trabalho dos Assistentes Sociais, tanto

no SUAS, como nas demais políticas sociais, como podemos apreender nas

análises das seguintes exposições:

Compromete o desenvolvimento do programa ou serviço, há uma quebra na qualidade (óbvio, que pode ser pra melhorar, mas, é freqüente observados os espaços apenas como “cabide de empregos”) e depois reflete na precarização do trabalho, na desvalorização do Profissional (Entrevistada 4). [...] Essa rotatividade compromete o atendimento para o usuário, a questão do atendimento a demanda, é um processo que deve ser continuado e articulado. A gente foi para uma conferencia ano

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passado uma conferência estadual de assistência, uma das questões levantadas e debatidas, e saímos de lá com a garantia de que isso iria ser levado para o conselho nacional e que estaria lá como prioridade para votação e efetivação desse eixo que a gente abriu, era que profissional de CRAS e CREAS tinham que ser efetivados, de que deveria haver um concurso ou um meio legal que pudesse ser utilizado para essa efetivação, provavelmente só o concurso publico mesmo. [...], o usuário sofre com isso, quando o técnico que está acompanhando muda, principalmente aqui no CREAS que a gente lida com violação de direitos, principalmente idoso, criança abusados ou violentados, essas pessoas criam um vínculo porque elas ficam tendo um acompanhamento psicológico aqui e um acompanhamento jurídico na unidade, temos crianças aqui de 5 e 6 anos, a gente teve uma de 1 ano e 8 meses que a gente atende até hoje e essa criança já passou por três psicólogos, em intervalos de tempo curtos, de forma repetitiva, [...] é muita agressão, então uma vez que o quadro não é efetivo, o quadro de profissionais, essa agressão tende a se repetir e atrapalha a continuidade do processo, quando a substituição de profissionais vai ter que ter um processo de criação de vinculo com o usuário (Entrevistada 5).

As afirmações demonstram que as permanentes mudanças na esfera do

trabalho, marcadas pela reestruturação produtiva tem fortes rebatimentos na reforma

administrativa do Estado, assumindo uma tendência de fragilização da classe

trabalhadora. Neste caso dos assistentes sociais enquanto trabalhadores

assalariados. Como afirma Santos (2010, p. 147):

[...] a flexibilização e a desregulamentação favorecem ainda mais a fragilidade dos trabalhadores, forçando-os a uma condição de maior vulnerabilidade que contribui para o desmantelamento do Estado Democrático de Direito. Em face a fragilidade das organizações políticas dos trabalhadores, propostas de redução dos seus ganhos e de direitos apresentados no âmbito das negociações coletivas [...].

Os assistentes sociais, enquanto trabalhadores assalariados, não estão

imunes a esta lógica destrutiva do capital, agora mundializado para com o trabalho,

alertando para o fato de que este trabalho vem a sofrer esta precarização de forma

dual, no sentido de se constituírem enquanto trabalhadores assalariados,

trabalhando concomitantemente com políticas sociais precarizadas, voltadas para a

classe trabalhadora, a exemplo da política de assistência social, em meio às

contrarreformas do Estado brasileiro e sua relação político econômica com o

desmonte da Seguridade Social.

Outra questão importante para a análise se refere ao fato da grande maioria

desses profissionais permanecerem, majoritariamente, por uma composição de

mulheres, o que adverte para a necessidade de análise dentro da marca de

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feminização da política de Assistência Social. Essa é uma marca que desenvolve a

partir de determinações histórico-concretas, envolvendo aspectos sócio-culturais que

determinam a subordinação das mulheres e tendem a reforçar a naturalização dos

papéis conservadores de gênero.

Há que situar os dados atrelados as consequências da expansão do trabalho

feminino no processo de mundialização, expresso em três dimensões

complementares e contraditórias, que norteiam o processo da pesquisa: o

significativo crescimento do trabalho feminino, o crescimento renovado no setor de

serviços e, por conseguinte crescimento acompanhado de precarização e

instabilidade a essas profissionais.

A partir dessa perspectiva, faz-se necessário abranger as relações sociais

contraditórias que surgem e se aprofundam no curso do desenvolvimento do

capitalismo, que indicam a importância da análise do processo de regulação do

trabalho, centrada em uma perspectiva de sociedade divida em classes sociais,

atravessada por contradições de gênero e raça/etnia.

Nesse contexto, há uma tentativa de apreender a totalidade que constitui o

processo de precarização supracitado, o que nos leva a considerar não somente as

mudanças na relação capital x trabalho, mas também as relações sociais

desenvolvidas entre homens e mulheres.

3.2 AS RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO E A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA

SOCIAL

O percurso histórico de formação da sociedade brasileira demonstra que o

desenvolvimento das práticas assistenciais, esteve atrelado a um processo dialético

que une laços de proteção e dependência, a partir do esgotamento de recursos

naturais disponíveis, o que, por conseguinte, engendra uma crise no padrão de

subsistência, em meio a uma economia pouco monetarizada, com uma massa de

assalariados extremamente reduzida.

Destaca Costa (1995), ao tratar do processo histórico de formação da

proteção social brasileira, que a mesma se desenvolve em meio à dialética da

escravidão, colocando que esses processos constroem a complexidade da trama

social na qual as práticas assistenciais se movem, caracterizadas aqui como práticas

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descontínuas e desarticuladas, voluntaristas, benevolentes, da caridade e

solidariedade irracional. Tais assertivas indicam muitos dos elementos que dão

sustentação a ideologia do favor e dos clientelismos, que por sua vez, permeiam o

cotidiano das práticas assistenciais, evidenciados ainda hoje.

O desenvolvimento do capitalismo no Brasil, impulsionado pela crise de 1929,

não verifica uma diminuição dos índices de desigualdade social no país. Pelo

contrário, pois à medida que se desenvolve a indústria e o mercado, cresce,

simultaneamente, a classe – que – vive – do – trabalho e a agudização de sua

pobreza. Isso ocorre, pelo caráter sócio – histórico do desenvolvimento econômico

do país, expresso na sua incorporação subalternizada na economia mundial, e

antagonismo do sistema capitalista, expresso na contradição capital – trabalho, uma

vez que, o primeiro se desenvolve em meio ao fetichismo do segundo e

desvalorização da classe que o engendra.

Esse processo que expressa o antagonismo do capital e sua consequências

para o desenvolvimento das relações sociais, em meio à tomada de consciência dos

trabalhadores através do seu processo organizativo, coloca a Questão Social na

arena política, diferentemente ao período anterior a década de 1930, quando a

mesma era apreendida como um caso de policia. Sendo tratada, portanto, por meio

da repressão ou ações assistenciais geralmente desempenhadas pela Igreja

Católica.

Esse processo supracitado corrobora com a seguinte afirmação:

Processo de organização da classe trabalhadora provoca no Estado a necessidade de agir de forma diferenciada no trato com a “questão social”, pois, esta não podia mais ser controlada pela repressão policial, como era na Primeira República. Continuar tratando-a como questão policial seria suicídio, uma vez que a classe trabalhadora já mostrava claros sinais de autonomia, agravando ainda mais a impossibilidade de manter um sistema apenas sob controle coercitivo, sob pena da classe dominante ser destituída do seu poder pelas (os) trabalhadoras (es) (CISNE, 2012, p. 31).

Nesse âmbito, percebe-se o cerne de contradições em que se desenvolve a

proteção social, em especifico a politica de Assistência Social, materializada por

meios de proteção, dependência e controle. As medidas implementadas na Segunda

República, sob a presidência de Getúlio Vargas (1930 - 1945), conformaram-se

como medidas paliativas para amenizar conflitos de classe. Onde a assistência não

era um direito, reproduzindo relações de favor e clientelismo que continuam a

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marcar a historia da Assistência Social no Brasil, como bem demonstram os pontos

anteriores, quando relacionada à dificuldade de implementar, no cotidiano

profissional, a política como pública e de direito.

Neste contexto, destaca-se a política como um favorecimento do Estado aos

indivíduos que dela necessitem. O que corrobora com a tendência de subordinação

e dependência nela presentes, configurando esse como um modelo assistencialista,

cujos principais objetivos são reproduzir e assegurar a relação de dependência e

subordinação sobre a população usuária, como medidas para amenizar os conflitos

de classe (CISNE, 2012).

Leroux (1986) destaca que a Assistência Social, frequentemente interpretada

como uma das formas de caridade, ou confundida com assistência pública, definiu-

se, ao contrário, a partir de uma crítica a essas duas formas de Assistência Social, o

que expressa mais uma vez a complexidade do desenvolvimento da mesma.

A autora aponta que:

À benemerência cristã censura-se por não ter servido para nada, a não ser manter a pobreza, reproduzi-la, e por ter sido incapaz de opor-se à luta de classes e contribuir para a distensão social. No que diz respeito à assistência pública, considera-se que ela não somente é impotente, mas nociva – já que baseada no reconhecimento dos direitos sociais. Ao dar a entender que a noção de direito é cega e, sobretudo, acanhada, a assistência social camufla a sua queira real: é perigoso levar em consideração os direitos, pois isso equivale a admitir, ao mesmo tempo, que as dificuldades sociais não são apenas fenômenos singulares e aleatórios, [...], mas são, sim, a consequência de processos econômicos e sociais; e que a correção das desigualdades mais gritantes não se situa na esfera da benemerência e, sim, de uma negociação, que é função de uma correlação de forças (LEROUX, 1986, p. 13).

Em meio a esse processo se organizam um quadro de escolas de formação

de assistentes sociais, que manifestam certas exigências ao seu público, exigências

concernentes ao nível de cultura, bem como aos aspectos morais, referentes à

seriedade e ao espírito de devoção e engajamento social. Leroux (1986, p. 13),

destaca que se constrói em torno do processo formativo desses agentes “um

habitus, isto é, um código de apreensão e de respostas capaz de preservar a

legitimidade de sua intervenção, na previsão das suas dificuldades funcionais e

pessoais que não podem deixar de surgir do conflito de classes”.

A esses processos, agrega-se a visão elaborada sobre as classes populares,

caracterizadas pela oposição entre capital – trabalho, destacando-se a classe

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operária como grupo ameaçador, subversivo, o que coloca de certo modo o apelo ao

trato com base na moral e controle. Não aleatoriamente a ação se estabelece com

mulheres e crianças, e não com os próprios operários, destacando-se o apelo a

sentimentos individuais – amor filial, paternal, maternal - em detrimento da

organização coletiva do povo, que resultaria em manifestações promotoras da

desordem, revolta, que ameaçariam a ordem social.

Nesse âmbito, destaca-se que a Assistência Social, desenvolve-se atrelada a

aspectos do sistema patriarcal e capitalista, ressaltando a complexidade das

relações sociais em que vivemos. As mulheres são ensinadas a cuidar, educar,

acolher e servir aos demais indivíduos, sendo responsabilizadas pelo “bem – estar”

dos demais membros das famílias, e, por conseguinte, da sociedade. Ou seja,

diferentemente do homem, a mulher paga sua dívida com a sociedade com base no

seu sofrimento, sendo responsável pelas soluções das mazelas sociais da família e

da sociedade, não estando incumbidas às mulheres das necessidades de produzir,

tidos esses como atributos masculinos.

O que fundamenta a análise das seguintes exposições, no que tange ao

desenvolvimento de uma identidade feminina na política:

Bom, eu percebo assim, que é a questão também da identificação desse profissional ao se especializar, se capacitar para se tornar um profissional. De fato a grande maioria que atua na base são composta por mulheres, seja psicólogas, assistentes sociais, assim, a gente percebe que há uma minoria de homens se formando nessas especialidades que compõem a equipe técnica da rede SUAS [...] (Entrevistada 1). Eu ainda volto para questão da identidade desse profissional para com a politica, com os serviços, porque realmente são poucos os profissionais masculinos que estão disponíveis para atuar nessa área, na politica de Assistência Social, porque na formação em si, na base das profissões a uma predominância do publico feminino (Entrevistado 1).

Desse modo, esses aspectos ganham concretude na divisão sexual do

trabalho38, onde se destaca que cabe a mulher a reprodução social, não

expressando atributos naturais ou habilidades, mas sim aspectos construídos

socialmente com base nas distinções das relações sociais gênero e no sexo dos

indivíduos. A responsabilidade para com a reprodução social traz consigo todas as

características, habilidades e qualidades tidas naturalmente como femininas, 38

A divisão sexual do trabalho vai ser exposta e trabalhada no terceiro capítulo, sendo apenas

sinalizada aqui como procedimento para análise.

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características essas que se expressam no processo de institucionalização da

Assistência Social, tais como: bondade, abnegação, aspectos morais ligados à

sociedade e ao espírito de sacrifício e devoção, aspectos ressaltados por Leroux

(1986), na preeminência de controlar a questão social e ao mesmo tempo

desresponsabilizar as estruturas de poder do capital pelas suas expressões.

Outrossim, demonstra a identidade como algo que é socialmente construído e

que fundamenta as determinações histórico–concretas do gênero, em torno da

efetivação e execução da política. Torna-se evidente a perenidade da marca de

gênero que acompanha a Assistência Social, desde a sua gênese, baseada em

aspectos e determinações históricas – concretas fundadas em uma cultura de

subordinação do feminino/das mulheres, com nítidos interesses de classe.

Nesse âmbito, Cisne (2012, p. 35) destaca que, “o Estado utiliza-se da figura

da mulher, com todas as suas características, dons e papéis sociais difundidos

ideologicamente pela Igreja Católica para assegurar o controle da “questão social” e

ao mesmo tempo para se desresponsabilizar pelos problemas sociais”.

Esses pontos destacam-se a partir da necessidade de destacar uma

regularidade a se rever, que se trata da proeminência do público feminino, no

desenvolvimento e efetivação dessas práticas. Um ponto interessante, em meio ao

emaranhado em que se desenvolvem essas relações sociais é o caráter

contraditório e não unilateral das mesmas.

Nesse sentido, cabe destacar que ao passo em que se desenvolve a

presença majoritária feminina, não se verifica necessariamente um caráter ou um

agir de natureza humanitária, à medida que esse processo possibilita espaços de

profissionalização para algumas mulheres. Como destaca Leroux (1986, apud

VELOSO, 2001, p. 82):

A assistência social, criada com o objetivo de afastar a classe trabalhadora do socialismo, é essencialmente um assunto de mulheres, quer se trate de esposas de aristocratas que dominam os comitês de patrocínio [...], quer se trate de delegadas junto ao povo [...] e em busca, a todo custo, de uma alternativa para sua vida familiar.

Nesse sentido, a assistência social foi se constituindo como um espaço de

profissionalização feminina, em contrapartida a vida doméstica/familiar, à medida

que a mesma traz consigo o desenvolvimento de padrões conservadores de gênero,

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possibilitando a mulher o cumprimento do seu papel social na sociedade ligado ao

terreno do cuidado com os ditos “subalternos”.

O que não podemos desconsiderar trata-se de que, contraditoriamente

empreendem-se a esse processo, possibilidades de abertura de espaços para

mulher na arena pública, o que se expressa como uma conquista em meio a restrita

condição de gênero da mulher na sociedade. Considera-se que a partir da tensão

que existe nas relações sociais, as possibilidades das mulheres construírem um

caminho direcionado a quebra desses padrões conservadores. Na medida em que a

mesma se percebe como sujeito desse processo, permeado por opressão e

exploração social de classe, gênero e raça/etnia, no âmbito das relações sociais.

Esse processo ligado ao desenvolvimento da proteção social brasileira, em

especial da assistência social39, demonstra a complexidade em que se movem os

processos de trabalho no âmbito da política e as possibilidades que esse movimento

empreende.

No caso do Serviço Social, o que se torna muito visível, na angulação entre

desenvolvimento da proteção social e da profissão, no que tange a proeminente da

marca de gênero, é que as esferas públicas e privadas se entrelaçam nesses

campos da proteção social e do fazer profissional a que estamos nos referindo.

Onde a necessidade de atuar moralmente sobre os comportamentos e atitudes dos

indivíduos, se apresenta como um desafio a ser enfrentado no âmbito da política,

que tem como foco principal a família, uma instituição que permanece a produzir e

reproduzir a cultura machista/patriarcal/capitalista. Como podemos evidenciar na

seguinte fala:

A Assistência Social, mesmo sendo legalmente constituída como uma política pública, como um direito, ela ainda permanece reproduzindo a responsabilização das mulheres em “dar conta” das expressões da questão social. Embora com outra roupagem, permanece a imposição de que as mulheres têm o papel de harmonizar os conflitos sociais causados pela miséria advinda da “Questão Social”. (Entrevistada 8)

Percebe-se o mundo silencioso no cotidiano do feminino, a partir da

naturalização do processo que configura a divisão sexual do trabalho, no âmbito da

estruturação e execução dos serviços socioassistenciais. Destaca-se a

39

Não tratamos aqui do desenvolvimento da profissão como uma evolução da filantropia, nem tão

pouco da assistência social, o que se pretende trazer é o caráter contraditório, marcado por questões culturais, sociais e econômicas, em que se montam o desenvolvimento da esfera assistencial em um campo minado de continuidades e de rupturas.

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responsabilização tanto na execução dos serviços, como no âmbito do privado,

assegurando a reprodução social, tanto por meio do trabalho doméstico não

remunerado, de afazeres ligados a esfera do cuidado aos indivíduos que compõem

a família, quanto do trabalho feminino mal remunerado na esfera pública.

Apreende-se a Assistência Social, conformada em meio ao emaranhado de

contradições que da constituição à política na atualidade em sua totalidade, ao se

considerar que a mesma apresenta aspectos novos e a perpetuação de traços

conservadores, onde as relações sociais gênero é um deles, atrelado às categorias

classe social e raça/etnia. Questões que interessam, a fim de desenvolver uma

analise que compreenda a realidade social e as múltiplas expressões da questão

social, bem como as suas formas de enfrentamento.

O advento do SUAS reforçam componentes familistas e conservadores que

historicamente marcaram a política da Assistência Social. O trabalho gratuito

realizado pelas mulheres no interior das famílias e o reforço à divisão sexual do

trabalho, permanece na realização dessa política. Como exemplo disso, citamos o

Programa do Bolsa Família, no qual o recurso deve ser pago, prioritariamente às

mulheres, como destacam algumas entrevistas no que tange a questão da

responsabilização da mulher com a política de Assistência Social.

Referente a essa questão da mulher esta mais como o ponto nuclear da família, do usuário eu também avalio que seja mais nesse sentido cultural e também nesse sentido que a mulher está mais direcionada aos cuidados da família enquanto o homem trabalha, por isso acaba as mulheres tomando mais a chefia desse atendimento, de receber esse atendimento da assistência. Outro dia, eu fiz uma pesquisa interna e peguei os beneficiários do bolsa família de João Pessoa que são em torno de 55 mil e menos de mil são homens, que estão como chefe no cadastro único. Então isso ainda traz muito o homem enquanto trabalhador externo, mesmo que seja desempregado, ele saí à procura de fazer algum bico, e a mulher fica em casa para tomar conta das casas, dos filhos e assim por diante. (Entrevistado 9)

Para a categoria, isso não significou necessariamente um avanço, pois se por

um lado essa decisão atente a uma pauta feminista importante – por outro lado

haverá a cobrança de funções construídas e associadas historicamente às

mulheres, acrescentando ainda que a primeira a ser chamada não é só a mulher,

mas a mãe. Como evidencia a seguinte entrevistada:

Realmente a questão da mulher ser responsabilizada é como se esta fosse a “chefe” da família né, ela é vista, ela é procurada é demandada a uma certa responsabilidade na gerencia de alguns conflitos e problemas familiares que no caso são alvo da assistência

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social, e, isso ainda é presente. Acontece que em muitas das famílias assistidas não há figura masculina, então esse individuo ele assume uma grande responsabilidade em prover, em educar seus filhos. [...] em um contexto de casa lar, de casa de acolhimento não é diferente. A mulher que é a responsabilizada, ela é a encontrada para proceder-se os encaminhamentos [...] e isso é muito negativo, no sentido que não há o conjunto da família, o sujeito é quase sempre a mãe [...]. O modo como os próprios benefícios são direcionados, estruturados, demonstram que veem na mulher a responsabilidade sob essa família, pois são direcionados as mesmas, então a própria política tende a reforça essa responsabilização (Entrevistada 1)

Diante desse contexto, é preciso investigar o que esta por traz de tal medida,

se a mesma é formulada como uma ação que leva em consideração uma medida de

contraposição a feminização da pobreza ou se há uma instrumentalização da

mulher, utilizando-a para “otimizar” os parcos recursos desse programa. Conforme

pauta o conteúdo familista burguês, onde se empreende o controle, a reprodução

das diferenças sexuadas, tendo em vista o reforço da sua ideologia conservadora e

formação social.

Nestes termos Russo; Cisne; Brettas (2008, p. 153) destacam que:

É preciso levar em consideração que esses programas sociais do governo contribuem para ampliar a circulação da renda na economia e garantem o consumo provado das famílias. Associada a essa análise, ao focar a administração desse recurso pelas mulheres, o Estado tem assegurado não apenas o retorno imediato da renda para a economia, como também o investimento na garantia das condições mínimas da reprodução social. [...]. Como os recursos dos programas são mínimos, qualquer gasto que os desvie da garantia da reprodução social é significativo. O investimento na mulher, portanto, consiste numa possibilidade mais concreta de “racionalidade” no gasto familiar.

A mulher assume dentre as características que lhes são delegadas histórica,

social e culturalmente, a responsabilidade em empregar de melhor forma o dinheiro

do beneficio, com base na naturalização das atribuições do cuidado com a família.

Russo, Cisne, Brettas (2008) ao reconhecer a contradição que permeia esse

processo, afirma-se que na medida em que se empreendem argumentos com base

na ideia de que “na mão das mulheres o dinheiro é melhor empregado” 40, possibilita

apontar para um elemento que contrarie o papel do homem como mantenedor da

40

Essa conclusão é expressa na afirmação do relatório se 2004 do Banco Mundial, quando se afirma

que “a produção de saúde educação depende do conhecimento e práticas dos adultos envolvidos no trabalho. Trata-se ao mesmo tempo de uma demanda de capital de recursos humanos e da geração de renda. Os investimentos em recursos humanos das crianças são suscetíveis ao detentor do poder nos lares. As famílias em que o poder de negociação das mulheres é maior tentem a investir mais em saúde e educação (apud CISNE, 2007, p. 7).

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família, responsável pelas finanças e sustendo da mesma, papel historicamente

imputado aos mesmos. Sem desconsiderar que essas medidas em si, não reafirmam

a mulher mais poder do que os homens, mas sim se insere na dinâmica contraditória

do sistema capitalista, conformando algumas possibilidades.

Diante desse desafio, chama-se atenção para o fato de que na Política

Nacional de Assistência Social PNAS/2004 a família é entendida como “um conjunto

de pessoas que se acham unidas por laços consangüíneos, afetivos e, ou, de

solidariedade”. E a NOB/SUAS (2005, p. 90) compreende o conceito de família para

além de uma unidade econômica, entendendo-a “como núcleo afetivo, vinculado por

laços consangüíneos, de aliança ou afinidade, que circunscrevem obrigações

recíprocas e mútuas, organizadas em torno de relações de geração e gênero”.

[...] a centralidade na família é garantida à medida que na assistência social, com base em indicadores das necessidades familiares, se desenvolva uma política de cunho universalista, que para além da transferência de renda em patamares aceitáveis se desenvolva, prioritariamente em rede de proteção social que suportem as tarefas cotidianas de cuidado, e que valorizem a convivência familiar e comunitária (PNAS, 2004, p.14).

Esses pressupostos consideram as demandas sociais emergentes, tais como:

a longevidade, a inserção da mulher no mundo do trabalho (remunerado), a redução

do tamanho das famílias, a inserção cada vez maior da mulher no mundo do

trabalho e a migração das famílias, demandando das mesmas novas estratégias

para garantir a proteção dos seus membros e uma nova forma de intervenção do

Estado. O que contraditoriamente vêm quebrar com algumas visões conservadoras

que conformam o âmbito da instituição familiar, não significando é claro uma

emancipação das mulheres das tarefas que lhes são socialmente impostas.

Pois o que se observa é uma perenidade da responsabilização das mulheres

para com a família, com a educação e alimentação dos filhos, bem como dos demais

entes que compõem a estrutura familiar, além dos espaços que as mesmas vêm

ocupando no universo produtivo e nos espaços públicos, como um reflexo das lutas

do movimento feminista e uma demanda da própria sociabilidade do capital. Nesse

âmbito, destaca – se que as mulheres somam papéis não lhes restando um tempo

livre de trabalho, que é próprio à humanização do ser social.

O que se observa é que esta forte expectativa quanto à participação familiar

na provisão de proteção social, “contribui para a definição de um modelo de família

intensamente marcado pela desigualdade no tratamento de gênero” (CAMPOS,

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2008, p.25), na atualidade. Nesse sentido, apesar do reconhecimento legal na

PNAS/2004, normativas e orientações técnicas das mudanças nos formatos e na

dinâmica familiar interna e nas demais relações sociais. Adverte-se para a

naturalização dos papéis tradicionais de pai e de mãe, delegando à mulher o papel

de “cuidadora nata”.

Evidenciam-se esses pressupostos nos programas sociais, tanto no acesso,

quanto na gestão e socialização dos recursos, como o Programa Bolsa Família, no

qual cabe à mãe a administração e gestão dos recursos e o cumprimento das

condicionalidades.

Ainda que sob uma perspectiva de negação e naturalização dos fatos,

podemos perceber a afirmação de tais considerações na seguinte fala:

É com relação à mulher enquanto técnica sabe que eu não sei nem responder essa pergunta, que dizer tem coisa que é muito inata, eu acho que isso acontece, que dizer não tem para onde ocorrer a maioria na política de assistência são mulheres, mas eu só acho que simplesmente acontece.Quanto ao usuário, hoje, principalmente enquanto técnica de CREAS, eu não acredito que acontece uma centralização na figura da mulher, esse não é mais o alvo principal, o mito do amor materno, a matricialidade, são coisas ficaram no caminho, e que de inicio sim, o foco era esse, para chegar na família Silva por exemplo: você iria na matriarca. Hoje em dia não, até pelas novas configurações familiares que se tem hoje, tem família que quem responde no CREAS é o pai porque a mãe é usuária de drogas, que a mãe saiu para ser garota de programa e optou por não cuidar do filho, quando a gente vai pesar é tudo muito diverso 25% avôs, avós e netos, 25% mães e filhos, 25% pais e filhos, ou seja, isso é bem diferenciado. Então quando você pergunta dessa relação da assistência com a mulher enquanto usuária, eu diria que já foi mais forte, mas não seria esse o foco hoje. Eu fico ate meio aérea quando você me pergunta isso, porque eu não consigo visualizar essa relação como central na política, digo isso enquanto técnica de CREAS. (Entrevistada 5).

Ao se analisar os dados, postos no cotidiano profissional, considera-se que os

pais ou demais entes da família, só respondem diante de uma situação em que a

mãe está ausente ou não tem condições objetivas de responder ao que lhe é

imposto. Como exemplo do recorte da fala: “tem família que quem responde no

CREAS é o pai porque a mãe é usuária de drogas, que a mãe saiu para ser garota

de programa e optou por não cuidar do filho”, ou seja, o pai aparece quando não

existe a figura materna no seio familiar, não conseguimos observar uma divisão de

tarefas no âmbito privado, conforme demanda uma visão equitativa das relações

gênero, presente na PNAS/2004.

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Nestes termos, é preciso termos clareza de que na esfera cuidados e dos

trabalhos domésticos, apesar das alterações nas famílias quanto ao formato,

dinâmica interna e das novas demandas sociais a serem enfrentadas pelo grupo

familiar, ainda cabe à “mulher” na figura da mãe o trabalho do cuidado. Conforme

demonstra Campos (2010, p. 25):

Na realidade esse trabalho denominado de “cuidado" será feito pela mãe, ou, em geral por delegação desta, pelas filhas, e hoje, cada vez mais, pelas avós, dado o aumento da expectativa de vida no país. O fato é evidenciado tanto no curso dos programas sociais, como por estudos e estatísticas correntes. O encargo pelo trabalho doméstico segue a linha feminina, com uma participação masculina em ascensão lenta, mais direcionada ao convívio com os filhos.

Nessa perspectiva, ressaltamos uma das falas dos sujeitos da pesquisa, no

que tange a responsabilização e as contradições que surgem a partir desse

processo:

A responsabilidade é total, tanto para quem se beneficia como para quem é beneficiado, as mulheres tem como obrigação fazer a política funcionar. É um movimento dual, ao mesmo tempo que é positivo é negativo, pois há surgimento de lideranças femininas, um destaque das mulheres, mas também há uma sobrecarga (Entrevistada 7).

Nesse âmbito cabe considerar a argumentação de Russo, Cisne, Brettas

(2008), ao se referir que a mudança na percepção das figuras das mulheres e mães,

não significa que vivenciamos um período “matriarcal”, mas sim, há a existência da

“matrifocalidade”, um processo social destacado pelas mesmas ao se considerar os

limites dessa intervenção estatal e a reprodução de padrões conservadores de

gênero, com base no que explicita Miguel Vale de Almeida sobre esse conceito (s.d):

Aquilo a que se querem referir é a situações do que chamamos “matrifocalidade”, quando a gestão doméstico e familiar pelas mulheres lhes confere um espaço de relativo poder, que redunda na importância psicológica que depois assumem para os filhos. Mas esta matrifocalidade pode ser – e é, no caso da nossa sociedade – um “sub-sistema” do patriarcado e, em boa verdade, um sub-sistema de reprodução do patriarcado, o qual se define como um sistema baseada na distinção de dois gêneros correspondentes a dois sexos, tidos como complementares, mas vividos numa assimetria de poder, e assente na proibição da homossexualidade. O matriarcado pura e simplesmente não existe e usar a expressão mesmo que entre aspas pode acabar por fazer desviar a atenção do patriarcado, criando uma falsa simetria (apud RUSSO; CISNE; BRETTAS, 2008, p. 154).

Nesse sentido percebe-se que a exploração das mulheres permanece

inalterada, à preocupação governamental centra-se na potencialização dos recursos

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do Bolsa Família, como exemplificado anteriormente, ao invés de contribuir com a

igualdade para as mulheres, que contrariamente a isso se observa a soma de

papéis.

Conforme aponta Campos (2010, p. 26):

Em relação aos serviços de creches, para o total de crianças de zero a três anos de idade, segundo o IBGE (2006), a freqüência era de apenas 13,3%. Este acesso era ainda mais restritivo às famílias pobres, com rendimentos de até 1/2 salário mínimo per capita, com um percentual de 8,6%, bem abaixo da média, enquanto que, para as crianças de famílias com rendimento acima de três salários mínimos a taxa chegava a 35,8%. Este é certamente um fator de restrição ao trabalho das mulheres no mercado e de ampliação da sua carga horária semanal de serviços domésticos. Isso sem contar a insuficiência de serviços domiciliares de atendimento aos idosos dependentes, crianças com deficiência, serviços de ocupação do tempo livre, de socialização, de formação para a cidadania, de capacitação para o mercado de trabalho para jovens, adultos sem emprego, dentre outros eventuais membros das famílias.

Nesse sentido, não podemos identificar uma formulação de políticas

assistenciais que visem o reconhecimento político da mulher, de políticas que

possibilitem o desenvolvimento de ações que buscam a autonomia e emancipação

do feminino. A assistência segue reafirmando padrões conservadores de gênero,

onde a mulher aparece tanto na formulação, quanto na execução sob uma

perspectiva de responsabilização das mesmas em dar conta das expressões da

Questão Social.

Como demonstra a seguintes entrevistas essa responsabilização é quase que

total e automática:

Compreendo que essa responsabilização é cultural, uma vez que, è inerente à figura da mulher o “cuidar”, da casa, da família, dos filhos do marido. E como a Política de Assistência tem o papel de “cuidar” daqueles menos favorecidos, ou seja, de todos aqueles que dela precisar, a ligação à mulher é quase que automática (Entrevistada 6).

O que ressalta a angulação do patriarcado e capitalismo no desenvolvimento

e conformação da política. Já que permanece perene, na sociedade em que vivemos

a delegação das mulheres às esferas do cuidado, do acolher, cuidar, educar,

acalmar e servir, sendo responsabilizadas pelo bem estar da família e, por

conseguinte, da sociedade no âmbito da reprodução.

É nessa premissa que destacamos, que tanto no âmbito do trabalho

doméstico como na esfera pública, as mulheres são responsabilizadas pela

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reprodução social, o que explica, consequentemente, a responsabilização da mesma

para com a Questão Social. E, por conseguinte, explica o fato das profissões que

lidam diretamente com os segmentos acometidos pelas desigualdades sociais

serem constituídas majoritariamente por mulheres, destacando-se a presença

marcante desse público na área da Assistência Social, não apenas como usuárias,

mas também como gestoras e técnicas dos programas e serviços socioassistenciais.

Essa relação esta expressa desde os primórdios da Assistência Social, com a

instituição pioneira da Assistência Social no Brasil, a Legião Brasileira de Assistência

(LBA), criada em 1942, tendo como precursora a primeira dama Darcy Vargas,

mulher do então presidente na época Getúlio Vargas. Um fator importante é que

essa instituição tinha em seu estatuto, a garantia a ocupação desse cargo às

primeiras damas da República brasileira, o que nos evidencia um campo de analise

fértil para correlacionar a dinâmica da Assistência Social correlacionada ao gênero,

tendo em vista que essa marca se desenvolve, conformando aspectos históricos,

sociais e culturais, como bem demonstra a fala do seguinte entrevistado ao se

considerar a perenidade dessa marca de gênero na execução da política.

Essa relação entre a assistência social e o público feminino existe desde a gênese da própria política, a questão das damas da caridade, isso vem acompanhando o desenho e o entendimento da política ate os dias de hoje pelos próprios usuários, a questão da moça boazinha da assistência social, mesmo que não seja tão notório, quando se trata de executar a política, observamos algo muito enraizado culturalmente à questão das mulheres a frente da assistência, a caridade e todos esses aspectos conservadores que rondam a política, no interior, por exemplo, a gente ainda observa muito que as mulheres dos governantes é quem estão à frente da política. Então observo isso muito ligado a própria história da política, são aspectos conservadores ligados a figura da mulher e da política, como: ajuda, filantropia, benemerência, a questão do “cuidar” como um atributo feminino, isso ainda encontra espaço, apesar de vir mudando, nos do Serviço Social temos consciência que isso não é positivo, mas tem muita coisa que foge às vezes, a compreensão, digo é muito complexo, contraditório. (Entrevistada 7)

É de fato contraditório, as mulheres encontram na Assistência Social um

espaço para se inserir na dimensão pública, um espaço de profissionalização, em

contrapartida percebe-se uma extensão de suas atribuições no âmbito do privado,

sendo responsabilizadas pelo cuidado e bem estar dos indivíduos, com base em

características como o servir.

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Percebe-se a preeminência da divisão sexual do trabalho, onde cabem as

mulheres a responsabilização para com a esfera da reprodução social. Ressaltando-

se que todas as características e habilidades tidas como naturalmente femininas,

são acionadas, em vias de promover um controle da Questão Social e

desresponsabilização do capital pelas suas expressões. Nesse âmbito, destaca

Cisne (2012, p. 36) que:

O surgimento do que estamos chamando de “primeiro-damismo” aponta em duas direções ao mesmo tempo contraditórias e complementares. Se de um lado, podemos perceber um avanço, à medida que as mulheres passam a ter um certo reconhecimento social e deixam de se limitar ao espaço de casa, a espera do privado, e vão para o espaço público, para a esfera do político, por outro, a elas é conferido um lugar marginal. A posição que ocupam não esta relacionada a sua competência, mas com a sua vinculação a uma figura masculina e com ações extensivas as atividades domésticas, tidas como de mulheres. A LBA, portanto, era um complemento do lar. Um espaço em que o cuidado com o outro, o amor ao próximo e a manutenção da família e da moral patriarcal eram consideradas tarefas femininas.

Esses pressupostos reafirmam, a experiência assistencial como pertencente,

na longa duração, a práticas “naturais” da divisão sexual do trabalho diluídas no

mundo silencioso do cotidiano feminino, e não tratamos de uma mera oposição entre

homens e mulheres, mas da perenidade de ações conservadoras de gênero, que

conformam uma correlação de forças instauradas em torno da história social, cultural

e econômica do país, sendo favorável ao modo de produção capitalista. Deve-se

partir da análise que considere a esfera assistencial como um campo minado de

continuidades e de rupturas com costumes de velhas tradições, onde se torna muito

visível o entrelaçamento entre as esferas publica e privada (COSTA, 1995).

O que se destaca é que tanto no âmbito doméstico como no âmbito do

público as mulheres são responsabilizadas pela reprodução social, daí se

fundamenta a presença majoritária de mulheres em profissões que lidam

diretamente com as implicações cotidianas que incidem nas relações familiares,

domésticas e estão no âmbito das expressões da questão social.

À que se advertir conforme Cisne (2012) que a “escolha” da profissão não é

algo que simplesmente acontece, algo natural, mas sim, que segue uma tendência

marcada pela divisão sexual do trabalho na sociedade patriarcal – capitalista –

racista, onde cabem as mulheres as tarefas consideradas menos importante

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seguindo os princípios da hierarquia de gênero, que iremos trabalhar no próximo

capítulo.

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4. PROCESSOS DE TRABALHO, HIERARQUIA DE GÊNERO E DIVISÃO

SEXUAL DO TRABALHO: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA PARA O SERVIÇO

SOCIAL

O presente capítulo busca compreender a identificação da hierarquização dos

papeis pautados em padrões conservadores de gênero, entre as/os assistentes

sociais. Destacam-se os arranjos em torno da perenidade desse processo, que

conforma assimetrias entre as relações sociais de gênero. De tal modo, explicitamos

a divisão sexual do trabalho, como uma questão preeminente no âmbito do cotidiano

profissional, correlacionando os dados da pesquisa com a problemática e as

categorias supracitadas, no âmbito dos processos de trabalho.

Apresenta-se diante desse caminho, a necessidade de articular gênero,

hierarquia e divisão sexual do trabalho com o âmbito do Serviço Social, no que

tange aos processos de trabalho propriamente ditos, nas suas condições e relações

de trabalho e na perspectiva do atendimento às demandas. Aspectos explicitados

nos capítulos anteriores e recuperados aqui, no que se prevê a necessidade de

detalhamento dos processos já apontados.

4.1 A hierarquia de gênero em Serviço Social: velhos dilemas, novos desafios

Ao retratar a hierarquia de gênero no Serviço Social, delineia-se um caminho

que tenha como premissa, a construção social em torno da feminização de

determinados papéis, atividades e profissões como partes constituintes das

estratégias de produção e reprodução do capital41 e do patriarcado42 voltadas para a

desvalorização da força de trabalho, especificamente, da mulher43.

41

Entendemos a complexidade das relações de gênero e que as mesmas não se limitam a sociabilidade capitalista, sendo estas anteriores ao próprio sistema. Contudo, nossa análise se desenvolve dentro dessa sociabilidade, referenciando como a mesma tende a acirrar essas diferenciações entre os sexos no mercado de trabalho, buscando responder ao objeto de estudo em questão. 42

Coloca-se o patriarcado não apenas como um sistema de dominação, tendo por base a ideologia machista e sexista. A esse elemento conjuga-se um sistema de exploração, sendo o patriarcado o sistema de dominação-exploração mais antigo do ocidente, atingindo tanto o terreno político e ideológico quanto o terreno econômico, conforme aponta Saffioti (1987). 43

Cabe chamar atenção, para o fato de que não é somente o capital que se beneficia dessa relação, de desvalorização profissional, conforme o gênero dos indivíduos, mantendo-se inclusive uma hierarquia em profissões majoritariamente feminina. Aponta-se a necessidade de questionar se tais

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Nesse sentido, torna-se substrato central dessa análise, compreender o papel

da mulher na sociedade contemporânea, aliado ao percurso das lutas feministas

pela efetivação dos direitos das mulheres e a construção das relações sociais mais

igualitárias no campo do trabalho e nas diversas esferas da vida social. Para tanto,

os estudos de gênero são indispensáveis na tentativa de elucidar por quais razões

tem sido dedicado às mulheres o lado menos espetacular da sociedade ao longo do

tempo da construção histórica e social da sociedade ocidental.

A essas e outras questões, se confere à preeminência de uma construção

pautada por diferenciações com base no sistema sexo/gênero e classe social,

diferença entendida como um ordenamento que configura a hierarquia se

expressando em planos e densidades distintas no universo simbólico e concreto da

construção social das sociedades ocidentais. Conforme demonstra Heilborn (1993,

p. 55):

A mulher é sempre entendida como a negação do homem, na subsunção do termo mulher ao termo homem explicita-se a dimensão do todo. A palavra homem significando a um só tempo, humanidade, e a parte, através da oposição do masculino, ao feminino.

Identifica-se uma identidade negativada em torno da construção do feminino e

poder-se-ia dizer que as mulheres não existem, porque elas seriam uma estrutura

especular, ou seja, elas são o outro do homem, aquilo que o homem não é. Não se

observa uma definição positiva do termo mulher a partir da afirmação acima

mencionada. A diferença sexual não é estruturada positivamente, o outro se

configura como especulo, complemento, e até negação.

As atividades laborais tendem a ser menos prestigiadas socialmente, tendo

em vista o setor/lugar que ocupam no universo produtivo do capitalismo, incorporam

com maior densidade o público feminino. Ocorre um movimento dual e articulado: as

mulheres ocupam os campos menos prestigiados pelas assimetrias que regem o

ordenamento social e a esses cargos são naturalizados os postulados femininos e

acrescidos à subalternização conferida a esse gênero.

Essa é uma apreensão de difícil assimilação que é vista de forma unilateral

conforme apresenta a seguinte fala:

práticas, atributos e/ou qualidades ditas femininas, tendem a reforçar a construção dos papéis conservadores de gênero, correlacionando a desigualdade entre homens e mulheres, e a desvalorização dessa força trabalho ou se há resistência ao modelo conservador em busca da emancipação da mulher via concepções e práticas feministas.

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Agora eu não acho que o fato de ser uma profissão com maioria de mulheres influencie a precarização, eu acho que acontece o movimento contrário, por ser uma profissão precarizada socialmente, ela absorve muito mais o público feminino, porque se eu te digo o contrario é como se eu estivesse falando que a mulher desenvolve um serviço precário, que ela não tivesse capacidade e não é isso que acontece, acontece que vivemos em uma sociedade machista. A capacidade independe do sexo da pessoa ou do gênero, mas aí tem a questão da valorização cultural que ronda as profissões que são tidas como femininas ou masculinas. Sendo bem sincera, eu não acho que isso vai mudar, e se mudar, nem tão cedo. Hoje ainda existe pessoas racistas, por exemplo, as coisas podem se tornar mais suaves, mas isso está meio que no alicerce dessa sociedade, na estrutura dessa sociedade, você às vezes ameniza, mas sabe, o câncer é um bom exemplo para comparar, muitas vezes, antes de ser exterminado, ele já liberou varias células malignas e com dois três anos ele volta, mais forte, ele corrói o corpo. Então, com as mulheres é meio que assim, elas invadem espaços, mostram uma série de capacidades, mas a desvalorização é meio que funcional. Algumas questões vêm sendo quebradas, mas é como eu já falei (Entrevistada 5).

Tais considerações explicitam uma ordenação do mundo em termos de um

princípio de valor, o que promove densidades diferenciadas em cada plano e a cada

categoria em cena. Demonstra-se a hierarquia estruturada na fala, como eixo

estruturador do gênero, indo além de uma simples atividade classificatória que

dispõe categorizações sobre o real. Heilborn (1992, p. 104) reitera que há

possibilidade de fazer depender o conceito de gênero a questão da hierarquia, a

autora aponta o conceito tal qual como formulado por Dumont (1979), observando

que a hierarquia “organiza a estrutura binária dos modelos classificatórios, de modo

a um termo encompassar o outro. [...]. E aí, nesse sentido, verifica-se na possível

totalidade das sociedades ditas primitivas uma assimetria valorativa entre os

gêneros”. O que nos remete a inexistência de uma organização social simétrica

complementar entre os sexos.

A reavaliação de percepções do lugar da mulher como objeto e sujeito da

pesquisa é imprescindivelmente coerente, tendo em vista as subjetivações e

objetivações em torno desses processos, apoiado na multiplicidade e complexidade

dos arranjos, com base em aspectos culturais, sociais e econômicos. Adentra-se no

terreno da discussão do valor como exposto pelos autores elucidados, como um

operador da diferença ordenada, ou seja, hierarquizada, para além de disposições

taxonômicas, na medida em que cria e recria densidades de significação distintas,

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esboçando a não estaticidade das relações sociais, das quais o gênero e os

princípios hierárquicos são partes constituintes.

Tais evidenciações tendem problematizar o que se estabelece como uma

questão simplória de estruturação das diferenças com base no sistema sexo/gênero,

chamando a atenção para as falas das/os entrevistadas/os, como algo para além do

que as mesmas observam:

Inclusive tem uma questão que é muito interessante de ser colocada, é o fato dos homens assistentes sociais estão em sua maioria estão ocupando cargos de coordenação, de diretoria, dos sete homens que estudaram comigo apenas um está exercendo a função de técnico, como assistente social (Entrevistada 5). Eu acredito que ainda é visível e pesquisas apontam pra isto, uma hierarquização, quando se fala em relação de trabalho entre homens e mulheres (Entrevistada 4).

Trata-se de incursões que justapostas não tem chamado a devida atenção no

interior da profissão. Demonstra-se a inquietação, o interesse, mas a valoração,

como estruturadora da hierarquia presente nas falas, não ultrapassa questões

taxonômicas, que tendem a hierarquizar grupos com base em características

biológicas comuns, contribuindo assim para uma naturalização dessa hierarquia.

A valoração que é socialmente construída conforme padrões hierárquicos de

gênero apresentam aspectos etnocêntricos, ou seja, possui uma tendência a achar

as características de um grupo superior as dos outros grupos ou raças, a uma

hierarquização de valores pessoais e culturais em torno desse processo, seguido de

uma apropriação diferenciada da força de trabalho, conforme aspectos

conservadores de gênero, que tendem em subalternizar o trabalho feminino.

Evidencia-se que há uma preeminência de expressões de hierarquia no

interior das profissões, como exemplo, a de Serviço Social, advindas da própria

organização da sociedade, a classe-que-vive-do-trabalho que é completamente

heterogênea, estabelecendo diferenciações na divisão social e técnica do trabalho.

Nesse sentido, tenta-se demonstrar que as diferenças hierárquicas que constituem

as classes e atravessa as profissões liberais, são apropriadas pelo capital na sua

dinâmica de produção e reprodução de desigualdades associadas ao processo de

acumulação e valoração do capital.

É diante desse processo que destacamos a necessidade de incorporação da

discussão de gênero, das hierarquias, no estudo dos processos de trabalho,

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desenvolvidos, nesse caso pelo Serviço Social, não tão somente, pelos dados da

pesquisa desenvolvida, mas pelo que está posto na sociabilidade capitalista, dentro

do desenvolvimento e complexificação das relações sociais.

Passa-se a entender esse processo não apenas pela dinâmica econômica,

restrita a exploração capitalista sobre classe trabalhadora, mas pela apreensão de

que existem particularidades e diferenças entre os sujeitos que compõem a classe-

que-vive-do-trabalho e como o capital se apropria das mesmas para gerar lucro,

bem como reproduz as diferenças entre homens e mulheres sexual e socialmente

construídas.

Mészarós (2002, p. 1035) aponta que “o relacionamento entre os indivíduos e

sua classe é em si mesmo sujeito a fortes restrições críticas, pois sua articulação

prática necessariamente suscita a questão da representação, da hierarquia e da

dominação”. E esse processo é evidenciado não somente no interior dos partidos

políticos, no chão de fábrica ou organizações da sociedade civil, mas também no

interior das profissões e organização das mesmas. Trata-se de uma incursão

contraditória, onde as relações sociais de gênero e étnico-raciais reforçam o

desenvolvimento e posição que os indivíduos ocupam nos processos de trabalho.

Geralmente, no caso do Serviço Social, as mulheres tendem a lidar

diretamente com as famílias e ocupar os cargos de execução das políticas, cabendo

aos poucos homens na profissão a coordenação/direção dos serviços executados.

De acordo com o levantamento realizado para delinear o perfil, e assim,

definir a amostra da pesquisa em questão, pudemos evidenciar a hierarquização dos

cargos conforme aspectos das relações sociais de gênero, o que nos remete a

afirmar que tais questões não surgem como meras abstrações, mas sim, se

expressam na realidade concreta do cotidiano dessas/es profissionais.

Um dos pontos que nos leva a tal assertiva é o fato de que quando

analisamos a função, expressa no gráfico a seguir, que as/os profissionais exercem

no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), identificamos que os 71% que

ocupam a função de Assistentes Sociais são mulheres, e estão diretamente

vinculadas à execução dos serviços, lidando com as famílias assistidas, crianças e

adolescentes que têm os seus direitos negligenciados. Conforme pode-se perceber

no gráfico a seguir:

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Gráfico 02: Função exercida pelas/os assistentes sociais

6%

71%

1%

22%

Função

Assessoria técnica

Assistente Social

Diretora

Coordenação

Fonte: Primária, 2013.

As profissionais estão situadas nos postos que lidam de forma direta com os

indivíduos que estão em situação de risco ou vulnerabilidade social, em uma política

onde o controle social e a reprodução da família ainda são as palavras de “ordem”.

Os únicos dois homens que compõem o quadro de assistentes sociais inseridos no

Sistema Único de Assistência Social, em João Pessoa – PB estão dentro dos 22%

que ocupam os cargos de coordenação dos programas.

Apreender esse movimento do real, esboçando os processos pelos quais a

sociabilidade utiliza a diferenciação para hierarquizar essas atividades é

fundamental diante desse movimento. Nessa premissa, cabe destacar as análises

que Cisne (2004, p. 127) faz com base em Lobo (1991):

A subordinação da mulher e os “dons” ou habilidades ditas femininas são apropriados pelo capital para a exploração da mão-de-obra feminina, pois as atividades e trabalhos desenvolvidos por mulheres, ao serem vistos como atributos “naturais”, extensões de habilidades próprias do gênero feminino, são consideradas como dons e não trabalho. Nesse sentido, afirma Lobo: “Uma vez feminilizada, a tarefa passa a ser classificada como ‘menos complexa” (LOBO, 1991, p.150). Este “menos complexa” vem a ser a “justificação” de desprestígio e de desvalorização do trabalho feminino.

Esse processo, expresso na naturalização dos papéis ditos “femininos” é

apropriado e reproduzido pelo capital, ao contribuir diretamente para seus interesses

econômicos, sociais e culturais, tanto no âmbito da reprodução social, como na

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produção. Assim, para se compreender a expansão da “feminização” do mercado de

trabalho, faz-se necessário entendê-la como “parte de um processo mais amplo de

transformação do capitalismo, que vem sendo identificada com os processos de

globalização e de reestruturação produtiva” (ARAÚJO, 2000 apud CISNE, 2004, p.

133).

Expresso no cenário contemporâneo em três dimensões complementares e

contraditórias, a saber, do significativo crescimento do trabalho feminino, do

crescimento renovado no setor de serviços e a precarização e vulnerabilidade das

profissionais deste setor, onde se encaixa a/o profissional do Serviço Social.

Ainda nesse quesito pode-se destacar, diante das relações hierárquicas que

permeiam a incorporação de homens e mulheres no mercado de trabalho, as

análises de Antunes (1999, p. 109), na medida em que, o mesmo constata:

As relações entre gênero e classe nos permitem constatar que, no universo do mundo produtivo e reprodutivo, vivenciamos também a efetivação de uma construção social sexuada, onde os homens e as mulheres que trabalham são, desde a infância e na escola, diferentemente qualificadas e capacitadas para o ingresso no mercado de trabalho. E o capitalismo tem sabido se apropriar desigualmente dessa divisão sexual do trabalho.

Apresenta-se uma unidade dialética entre as subestruturas básicas de poder

da sociabilidade capitalista: classe, raça/etnia e as relações de gênero, conformam

um nó orgânico que vêm apresentando funcionalidade ao sistema, com base em

hierarquização das diferenças e a própria Lei Geral de Acumulação do Capital.

Dessa forma, “o importante é analisar estas contradições na condição de fundidas

ou enoveladas ou lançadas em um nó [...] Nó nó [...] [...] a dinâmica de cada uma

condiciona-se a nova realidade, presidida por uma lógica contraditória” (SAFFIOTI,

2004, p. 125).

Kergoat (2010) destaca a coextensividade das relações sociais de sexo,

classe e raça, ao afirmar que elas se reproduzem e (co) reproduzem mutuamente.

Destaca-se que essa relação se dá de forma consubstanciada, na perspectiva da

análise sociológica, não podendo ser destacado no nível das práticas sociais, do

cotidiano social.

A autora pontua que há em primeiro lugar um imperativo materialista,

advertindo que as relações de gênero, raça e classe, são também materializadas

nas relações de produção. Sendo assim, nelas se entrecruzam relações de

dominação, exploração e opressão. Diante disso, compreende-se de maneira não

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mecânica as práticas sociais desenvolvidas por homens e mulheres frente à divisão

social e sexual do trabalho. Tratamos de relações sociais, e assim, como em toda

relação social se expressa um conflito, marcado por contradições e paradoxos. Por

isso, Kergoat (2010, p. 99) alerta para a necessidade de se analisar

“minuciosamente como se dá a apropriação de um trabalho de um grupo por outro, o

que nos obriga a voltar às disputas (materiais e ideológicas) das relações sociais”.

Esse campo remete a uma incursão sobre a distribuição de poder estar muito

associada à discussão sobre o gênero e trabalho. Sabe-se que só a partir da

Revolução Industrial Inglesa é que se verifica a intensificação da inserção feminina

nas organizações, tenta-se quebrar com o ideal da mulher associado tão somente a

criação e geração de filhos, ou seja, restrito a esfera doméstica, em oposição à

esfera pública do trabalho.

De fato, existem diferenciações conforme o sexo dos indivíduos quanto à

constituição biológica, mas o que se torna necessário evidenciar é que estas

distinções, quando relacionadas ao trabalho, resultam de uma interação entre essas

condições “biológicas” e as culturais, expressando uma hierarquização das

assimetrias de gênero construídas e reforçadas socialmente pelas instituições

sociais44.

Tomamos a hierarquia como um tema fundamental nas Ciências Sociais,

como processos que explicitam relações de opressão e exploração por conter

caráter irreconciliável. Ou seja, não se refere à hierarquia como um nivelamento de

posições sociais, sem considerar a superação dos antagonismos estruturais que

embasam as mesmas. Nesse contexto, cabe destacar que Marx não trabalha com o

conceito de hierarquia, mas com o de luta de classes, onde sua interpretação do

capitalismo, bem como das possibilidades de sua superação, estão intimamente

ligados a essas lutas. Para Marx, as classes sociais se apresentam como realidades

objetivas, decorrentes de posições que os sujeitos ocupam na esfera produtiva, a

posses de bens, de capital define o pertencimento a uma das classes fundamentais

proletariado e burguesia.

44

A feminilidade e masculinidade são formadas por construções sociais, não se fundamentam em aspectos “biológicos”, reproduzem as condições contextuais desenvolvidas e reforçadas pelas instituições, como o sistema educacional que é um sistema pautado em orientações sexistas, as políticas públicas e organizacionais, família, religião, cultura e demais que constroem o emaranhado das relações sociais pautando questões subjetivas e objetivas na formação dos indivíduos.

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Cabe de tal modo, destacar que Marx abre caminho em sua teoria para

pensar as hierarquias sociais, uma vez que a consideramos em termos de opressão

e exploração, ainda que a categoria não se conclua na sua teoria da luta de classes.

Evidenciamos esse processo da seguinte forma, o modo de produção

capitalista tem seu fundamento central na lei geral da acumulação capitalista45, a

qual imprime ao sistema a lógica da produção socializada e apropriação privada da

riqueza socialmente produzida. Sendo assim, a produção capitalista funda-se na

exploração do trabalho, que tem como objetivo central a obtenção do lucro, através

da subsunção do trabalho ao capital. Dessa forma, essas posições na estrutura

social implicam na criação de interesses e orientações que possibilitariam uma ação

comum entre os membros de uma mesma classe.

Essa conjunção de fatores expressa dimensões hierárquicas, mas não se

pretende concluir esse debate focado em aspectos de posse de determinados bens

que tem uma importância na esfera do mercado. O que se busca demonstrar dentro

dessa teoria, é que no Brasil há algumas hierarquias que combinam a classe, raça,

cor e o gênero, enquanto construções sociais (AGUIAR, 2007).

Desse modo, a apreensão deve passar pelo processo que evidencia as

diferenças sociais, englobando aspectos que não estão necessariamente postos na

obra de Marx, em sua teoria das classes sociais, mas compreendem a dimensão

metodológica evidenciada pelo autor, em seu nível de complexidade de análise das

relações sociais, na sociabilidade capitalista. Nesse sentido, o conceito de cultura se

torna importante para se pensar essas diferenças humanas, na medida em que o

mundo social está intimamente ligado a um universo simbólico que lhe dá sentido e

significado.

As diferenças de raça, cor e gênero funcionam nesse caso como um fator

relevante no preenchimento das posições na estrutura de classes. Dessa forma,

essas categorias funcionam como um mecanismo arrolado de criação de

45

A lei geral de acumulação capitalista consiste no fato de que o mecanismo do próprio processo de acumulação aumenta, juntamente com o capital, a quantidade de “pobres laboriosos”, isto é, dos assalariados que transformam sua força de trabalho em força de valorização crescente do capital que está sempre se expandindo [...]. A lei da produção capitalista, que serve de base à pretensa lei natural da população, reduz-se simplesmente ao seguinte: a relação entre o trabalho gratuito que se transforma em capital e o trabalho adicional necessário para pôr em movimento esse capital suplementar. Não é de modo nenhum uma relação entre duas grandezas independentes entre si, de um lado a magnitude do capital, do outro o número dos trabalhadores; em última análise, é apenas a relação entre trabalho não-pago e trabalho pago da mesma população trabalhadora. Cresce-se a quantidade do trabalho gratuito fornecido pela classe trabalhadora e acumulado pela classe capitalista [...] (MARX, 2002, p. 718-724).

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desvantagens no acesso ao mercado de trabalho e outros setores da vida social,

como exemplo a educação formal, que por vezes é dada de forma diferenciada a

homens e mulheres, negros e brancos, imprimindo uma superioridade social a um

grupo em detrimento de outro, com base nos padrões sociais construídos e

estabelecidos.

Ainda conforme aponta Aguiar (2007), as pesquisas desenvolvidas por Marx e

antropólogos como Franz Boas destacam que o mundo social, tem uma

especificidade própria, diferente da ordem natural, essas questões se expressam

nas relações sociais de forma concreta, o que nos possibilita apreender as

expressões de assimetrias relacionadas ao gênero, classe e raça dos indivíduos

sociais, com base na construção social dessas categorias. Desse modo, coloca-se

que as hierarquias sociais se apresentam intimamente ligadas à distribuição de

poder, seja pelo espaço que se ocupa na esfera produtiva ou por questões de

prestígio social, encararmos tais aspectos por ora aglutinados, inter-relacionados.

O gênero se apresenta como uma das dimensões fundamentais dessas

hierarquias sociais. É mais precisamente na década de 1980 que esse conceito

passa a ser considerado para pensar essas hierarquias, com a ascensão dos novos

movimentos sociais. Eles vêm questionar os conceitos desenvolvidos pela tradição

ocidental. Chama-se atenção para o fato do movimento feminista e a chamada nova

esquerda imprimirem uma reestruturação teórica a partir da perspectiva feminista46

(BENHABIB, CORNELL, 1987).

Passa-se a questionar categorias fundamentais da ciência, teorias e

metodologias ocidentais. Algumas autoras apontam a necessidade de mudança do

paradigma marxista para o pensamento feminista (AGUIAR, 2007). Contudo,

observamos uma necessidade de adotarmos análises transversais apontando uma

perspectiva de gênero para além da classe social, defende-se uma ampliação da

leitura de Marx e uma crítica ao marxismo ortodoxo para melhor compreendermos

esse processo que tende a hierarquizar as assimetrias sociais e repercute nos

processos de trabalho.

Conforme demonstra Aguiar (2007, p. 85):

Podemos observar que o marxismo ortodoxo possui alguns pressupostos: o materialismo histórico que enquanto ciência busca

46

Cabe destacar que considerar o movimento feminista é importante e necessário, considerando a sexualização das análises, mas este não é o nosso principal objeto de estudo, não sendo por esse motivo aprofundado, mesmo considerando-o entrelaçado a categoria principal.

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generalizações semelhantes a leis; essa concepção coloca que as transformações sociais são determinadas em última análise pelas relações de produção; que a consciência de um grupo está ligada à posição ocupada na esfera econômica e nesse sentido as classes sociais são os atores coletivos mais importantes.

É importante considerar as críticas, desenvolvidas pelo movimento feminista

nesse estudo, pois ao questionar os modelos tradicionais de análise, e o marxismo

ortodoxo dogmático, o mesmo possibilita perceber as especificidades que estão para

além do campo produtivo, seguido da inter-relação entre produção e reprodução, e o

redimensionamento da relação público e privado, partindo para uma apreensão das

diferenciações e especificidades dos grupos sociais.

Conforme Anderson (1985) cabe considerar a alteração ótica irreversível que

o movimento feminista executou na teoria marxista. O mesmo ainda aponta que:

Como padrão de desigualdade, a dominação sexual é muito mais antiga historicamente, e muito mais profundamente arraigada na cultura, do que a exploração capitalista. Detonar suas estruturas requer uma carga igualitária muitíssimo maior de esperanças e energias psíquicas, do que a necessária para eliminar a diferença entre classes. Mas, se essa carga explodisse no capitalismo, é inconcebível que ela deixasse inalteradas as estruturas de desigualdade de classes – mais recentes e relativamente mais expostas. A explosão de uma inevitavelmente arrastaria consigo a outra. Qualquer movimento que encarne valores capazes de realizar uma sociedade sem hierarquia de gêneros seria constitutivamente incapaz de aceitar uma sociedade fundada na divisão em classes. Neste sentido, o governo do capital e a emancipação das mulheres são – histórica e praticamente – irreconciliáveis (ANDERSON, 1985, p. 105 – 106).

Nessa perspectiva, coloca-se que se boa parte das hierarquias se constroem

a partir da classe, existem outras diferenças que são geradoras de desigualdades e

que necessariamente não derivam da posição de classe, ou seja, é importante

destacar que existem certas hierarquias que se combinam à classe social, gerando

certas especificidades que o movimento operário desconsiderou, sendo questionado

pelo movimento feminista e sua teoria das relações sociais.

Diante disso, cabe destacar as apreciações de Duriguetto; Montaño (2013, p.

42) no entendimento das classes sociais, questão essa que corroboramos na medida

em que os mesmos explicitam que as classes se subdividem:

Não só pela sua participação no processo produtivo, mas também pela sua concorrência e diferenciação no mercado, assim como pelas suas diversas condições de vida. Os indivíduos deixam de ser

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meras “personificações de categorias sociais” e econômicas, são aqui indivíduos e grupos concretos.

Sendo assim, toma-se a heterogeneidade da classe trabalhadora,

considerando a especificidade dos sujeitos, as relações humanas, onde se

conformam as classes, já que encaramos esta como um fenômeno histórico. “Mais

do que isso a noção de classe contém a noção de relação histórica [...] essa relação

vem sendo corporificada em pessoas reais e num contexto concreto” (TOMPSON,

1963, apud CISNE, 2013, p. 42).

Ainda com relação ao que destaca CISNE (2013), não podemos considerar a

classe como um fenômeno abstrato, tampouco a-histórico. Sendo assim, apresenta-

se a existência de componentes como sexo, raça/etnia nessas relações sociais de

classe, ao destacar que os indivíduos são pessoas concretas, que não se

apresentam como homogêneas, se fazendo necessário estabelecer as

especificidades que surgem e conformam a complexificação dessas relações

sociais, tidas aqui como coextensivas, expressas no nível da análise sociológica.

Nesse sentido, ao se discutir as relações hierárquicas nos processos de

trabalho dos assistentes sociais, destacamos as análises de Danièle Kergoat que ao

contextualizar essa modalidade de divisão social, divisão social e técnica do trabalho

expressa que as mesmas “são acrescidas de uma hierarquia nítida do ponto de vista

das relações sexuais de poder” (HIRATA, 2009, p. 83). As diferenças sociais são

estruturadas por hierarquias, expressando relações de poder.

Assim, a temática das hierarquias sociais está intimamente ligada à

distribuição de poder. No caso da pesquisa, evidencia-se na questão de gênero à

que diferenciações estruturam as hierarquias gênero, expresso na fala das/os

entrevistadas/os.

Porque assim, é como eu coloquei não é que eu não tenha jeito para trabalhar com usuário, quando, por exemplo, há uma revisão dos cadastro do bolsa família, o plantão das chuvas que acontece a gente atua diretamente com a família, eu creio que seja cultural essa coisa de que a mulher tenha mais o jeito para a abordagem técnica. Eu não tenho o mínimo problema em estar trabalhando diretamente no atendimento a comunidade ou na gestão de um programa, até porque a gente também vai para dentro da comunidade, a gente vai fazer busca ativa, a gente vai fazer visita domiciliar, mas eu creio que seja mais por esse viés. E assim nós temos também muitas mulheres assistente sociais que estão em cargo de gestão. Eu não sei se é resistência, mas, eu respondo por mim, da minha parte não é resistência, eu não sei se é resistência dos companheiros homens

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assistentes sociais de estarem trabalhando diretamente com o atendimento, com as famílias, se há alguma resistência, algum tabu, algum preconceito nesse sentido (Entrevistado 9).

Esses atributos, por vezes passam quase que naturalizados no cotidiano da

vida social dos assistentes sociais. Conforme Stolcke (1991), antes da introdução do

termo gênero como categoria analítica nos estudos feministas na década de 1980,

as funções associadas às mulheres como a maternidade, o cuidado com a família,

com o lar, eram tidas como atributos “naturais” do sexo feminino.

Tal naturalização vem fundamentando uma série de desigualdades e

hierarquias, expressos de forma notória no cenário contemporâneo, na medida em

que as profissões ligadas que lidam diretamente com os problemas sociais com as

famílias, são tidas como femininas, como exemplo o Serviço Social, e no interior

destas as tarefas são divididas, conforme demonstra as falas dos entrevistados,

tendo por base os padrões conservadores de gênero.

Nesse sentido, reafirma-se que são nessas relações que tem por base

princípios de hierarquia social, que demarcam funções associadas ao sexo, lugares

sociais e padrões de comportamento, para que se possa apreender e afirmar como

o gênero é fundamental na construção das mesmas. Uma das primeiras formas de

hierarquia social revela-se na divisão sexual do trabalho, ponto que iremos abordar

agora.

4.1.1 A Reprodução da Divisão Sexual do Trabalho

A discussão da divisão sexual do trabalho como problemática questiona

categorias e métodos que tendem a ser naturalizado no curso da formação social e

histórica da sociedade, atribuindo um caráter assexuado às análises. Entende-se

muitas vezes de forma equivocada que as construções sociais das relações de

gênero não interferem na posição de subalternidade que as mulheres ocupam tanto

no âmbito do privado como do público. Tais assertivas são agravadas na

sociabilidade capitalista, tendo na hierarquia um dos princípios estruturadores dessa

divisão sexual do trabalho, seguido da separação de papéis sexuados.

Um primeiro ponto a ser destacado, no que se refere à incorporação do termo

divisão sexual do trabalho, é a observação da distribuição desigual de homens e

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mulheres no mercado de trabalho, associado à divisão desigual do trabalho

doméstico entre os sexos, não podendo este termo ser reduzido a uma mera

constatação de desigualdade, já que o mesmo nos permite ir além, sendo um

equivoco essa redução ou simplificação da questão. Destaca-se que as relações

entre homens e mulheres estão permeadas pelo poder, evidenciando dimensões de

exploração e dominação, que estão postas nesse processo.

Engels (2010, p. 64) aponta que:

A primeira divisão do trabalho é aquela existente entre homem e mulher para a procriação. E agora eu posso acrescentar: a primeira oposição de classe que se manifesta na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo (notar o caráter contraditório atribuído às relações de gênero) entre homens e mulheres no casamento conjugal e a primeira opressão de classe, com a opressão do sexo feminino pelo sexo masculino.

O importante a sublinhar é que se atribui o mesmo estatuto de classe social

ao conceito de opressão do sexo feminino pelo sexo masculino, mesmo que essas

apreciações sejam de certa forma limitada. Destaca-se o limite da formulação, no

que correspondem as contradições postas nas relações de gênero e relações de

poder, já que não são explicitadas as dimensões de dominação e exploração, nem

precisado o conceito de opressão na teoria social de Marx e Engels.

Sendo assim, ainda que seja de extrema relevância terem precisado o mesmo

estatuto teórico ao conceito de classe e ao conceito de relações de gênero, é

necessário enveredar em um caminho para além do que os mesmos apontam,

evidenciando-se a necessidade de congregar esforços na elaboração do conceito de

divisão sexual do trabalho, problematizando a imprecisão do conceito de poder dos

referidos autores, a fim de expandir os campos da análise e da formulação dos

conceitos.

Conforme Hirata (2002), a passagem das categorias neutras para categorias

sexuadas e o questionamento que essa passagem suscita em relação aos conceitos

e às teorias existentes nas ciências sociais, leva a uma reconversão importante, no

que tange a consideração das mulheres como sujeitos sociais, o que repercute em

efeitos de renovação teórica e analítica aos estudos desenvolvidos nas ciências

sociais. Abre-se a possibilidade de repensar o conceito de trabalho, ultrapassando,

por exemplo, as avaliações economicistas com relação à temática.

Isso nos permite problematizar alguns aspectos postos nas falas dos

entrevistados no que diz respeito à precarização do trabalho:

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Não, nesse sentido não. Não, é a questão do sistema econômico mesmo, as relações de trabalho, que mudaram independente do gênero, a gente tá envolvido nesse processo, mas eu acho que a precarização é um estado que a gente tá vivendo do capitalismo, e a gente tá no meio desse processo (Entrevistada2).

Acredito que não haja essa relação. Na verdade o que existe é a falta de compromisso por parte dos gestores com a categoria profissional (Entrevistada 8). Acho que não tem nada a ver com a figura da mulher essa questão da desvalorização da profissão (Entrevistado 9).

Colocar que as relações de trabalho mudam independente do gênero, é

perder a complexidade que se apresenta no emaranhado das relações sociais, das

quais as relações de gênero é parte constituinte e integrante. Destaca-se que as

relações gênero não são emanações a-históricas da mente humana, elas se

apresentam no terreno concreto da atividade humana histórica. Falar que as

relações de trabalho mudam independente dessa categoria é desconsiderar a

presente argumentação, é naturalizar o curso de profissões que se constituíram

como majoritariamente femininas.

Desse modo, coloca-se que não incorporar o conteúdo de gênero presente

nas relações de trabalho é produzir uma distorção que aproxima o discurso

sociológico da sociedade espontânea. Ambos partem da natural – portanto, invisível

e inquestionável – divisão sexual de papéis sociais e justamente isso que deve ser

questionado e evidenciado na marca de gênero que vêm acompanhando a profissão

desde a sua gênese (CISNE, 2012).

Nesse sentido, aponta-se em uma perspectiva de análise crítica sobre a

exploração e opressão que versam sobre o universo feminino, do entendimento de

que na maioria das sociedades, as mulheres trabalham mais do que os homens, ao

se analisar a esfera privada e pública desses indivíduos sociais. E ainda assim,

ganham menores salários, têm menor acesso à riqueza, e o conhecimento é

passado de forma desigual, embasado em princípios de uma educação sexista.

Os estudos de Cisne (2013), para além dessas questões, empreendem a

necessidade de apreender que a desigualdade tem por base a diferença

negativada47, no que diz respeito ao poder de decisão do público feminino para com

47

Retomemos as análises, desenvolvidas anteriormente sobre a construção de uma identidade

negativada em torno do feminino, colocando a mulher como uma estrutura especular do homem, evidenciando a diferença como opositora da igualdade.

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o masculino, demonstrando outra desvantagem das mulheres em relação aos

homens.

Esses pressupostos são extremamente necessários para entender como se

configura a exploração e opressão das mulheres, para contextualizar a importância

da categoria divisão sexual do trabalho, em sentido amplo, compreendendo que a

mesma possui determinações sociais que atendem a interesses convergentes com a

sociabilidade capitalista, uma vez que é marcada pela subalternização do trabalho

feminino em detrimento do masculino.

A que se destacar que as mulheres só têm acesso a funções qualificadas em

setores bem delimitados, tanto no chão de fábrica como em profissões liberais, as

que não são, senão a projeção da esfera mercante do trabalho doméstico

tradicionalmente reservado as mulheres. Aos trabalhos, tais como nas cozinhas

industriais, aos trabalhos que expressem o desenvolvimento de práticas de cuidado

e viabilização de direitos aos idosos, crianças, adolescentes, famílias e outras

questões ligadas a essa questão. A esses, por sua vez, correspondem baixos

salários, não tanto porque são desenvolvidos por mulheres, mas por muitas vezes

serem considerados uma extensão de atividades desenvolvidas gratuitamente por

mulheres. A isso acrescemos a maior vulnerabilidade da mulher ao desemprego.

Dessa forma, cabe destacar alguns aspectos apresentados na seguinte fala:

A questão da valorização, da precarização social da profissão é mais pela construção social e histórica de como nasceu. E naquela época quem estava mais direcionado eram as mulheres, mas eu acho que se a figura masculina tivesse construído a profissão nesse mesmo sentido, acho que hoje teríamos a mesma visualização, porque as engenharias, a medicina, já nasceram dentro da burguesia em um patamar alto, então hoje são profissões mais eminentemente masculinas, porque são profissões que requer algum tipo de força, e já assistência não, é o inverso. Mas, creio que não tenha nenhuma relação com isso não. Creio que seja devido a ter um significado social “menor” do que as outras profissões (Entrevistado 9).

Cabe aqui, exemplificar que no nível da análise dialética das relações sociais,

não tratamos apenas da presença majoritária de mulheres, que acompanha a

profissão desde a sua gênese ate os dias atuais, ou seja, o ponto de partida não se

apresenta nessa evidência tomada de forma empírica. A maneira como a realidade é

direcionada, diante da racionalidade capitalista, nos leva a ter essa certa incursão,

tomar apenas a presença majoritária de mulheres como categoria empírica, não

compreendendo a complexidade que rege esse processo, não apreendendo a marca

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de gênero, como um reflexo das relações sociais de gênero, o que acarreta numa

simplificação da questão, e, por assim dizer, reducionismo da mesma.

Trata-se de tal modo, de perceber a lógica que rege tal configuração, pois é

necessário apreender o que sustenta esse perfil majoritariamente feminino. Nesse

aspecto, é imprescindível atentar para o fato de que o gênero estrutura esse quadro

e perceber o Serviço Social não apenas a partir das mulheres, tomadas como

categoria empírica, mas também a partir das relações de gênero, que imprimem

resultados diretos e indiretos na estruturação do significado social menor que é

atribuído a profissão.

Não se pode afirmar que, se fossem os homens que direcionassem a

profissão, esse processo seria igual ou diferente. Trata-se de analisar o que levou a

esse processo ser direcionado pelas mulheres, trata-se como já falado considerar o

Serviço Social também a partir das relações de gênero.

Assim, a que se referir não à análise endógena da profissão, bem como dos

sujeitos que a compõem, mas de situar essa problemática dentro do quadro da

divisão sexual do trabalho e buscar uma análise dialética de como o gênero implica

no processo de precarização destas profissionais.

Cabe acrescentar no que corresponde a essas questões, a posição de

Saffioti, na medida em que, a mesma expressa com base em Combes e Haicault as

seguintes afirmações:

Ao lidar com as diferenças que separam os gêneros, é necessário muita cautela, a fim de não se contribuir para incrementar essa distância. O aumento das diferenças pode obscurecer as identidades de classe, estabelecendo fissuras político – ideológicas nestes grupamentos verticais e, portanto, introduzir cunhas em suas lutas. Por outro lado, tampouco se devem acentuar as diferenças entre homens e mulheres, para não se diluírem os efeitos da organização de gênero que torna as classes agregados humanos internamente diferenciados (Combes e Haicault, 1987). Teoricamente, não se pode ir além disto, mas análises concretas de fatos reais poderão mostrar como as vivênciais humanas apresentam um colorido de classe e um colorido de gênero (SAFFIOTI, 1992, p. 191).

Nesse sentido, revela-se a consubstancialidade entre as esferas produtivas48

e reprodutivas, apresentando essas como indissociáveis no âmbito das relações

48

Dessa forma, ao falarmos de produção, gostaríamos que não se entenda como economia, e que

não se conclua precipitadamente que ignoramos ou excluímos as dimensões politica e simbólica, que participam de forma expressiva, dos dois tipos de subordinação cujas as articulações procuramos apreender (COMBES; HAICAULT, 1987, p. 23).

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sociais e no estudo da divisão sexual do trabalho. Ou seja, a produção é dependente

da reprodução social e vice-versa, conformando-se uma relação dialética entre

ambas as esferas, o que demonstra a sua consubstancialidade.

Concorda-se que é no “seio de toda formação social coexistem uma produção

social de bens e um produção social de seres humanos, que são sempre distintas,

mas, ao mesmo tempo, relacionadas uma à outra” (COMBES; HAICAULT, 1987, p.

24). A primeira iremos denominar de produção e segunda de reprodução, conforme

exigências da análise. Compreendidas dessa forma, reafirmamos que produção e

reprodução são indissociáveis, uma se expressa como condição da outra,

expressando assim a consubstancialidade entre as referidas esferas.

Ainda conforme Combes e Haicault a que se acrescentar que:

Um modo de produção que transforma o próprio ser humano numa mercadoria apenas confirmam (e simbolizam) a subordinação da reprodução a produção, fato anterior ao capitalismo e capaz de sobreviver a ele. Certamente é bastante vago falar assim de subordinação ou submissão; mas, por enquanto, trata-se somente de enunciar ou retomar uma ideia simples, porém fundamental, para a nossa reflexão, sem prejulgar suas múltiplas consequências para a análise.

Dessa forma, as autoras formulam a hipótese que é importante problematizar

no que cabe a nossa análise, que essa subordinação se apoia numa outra

subordinação a das mulheres aos homens, a qual repousa na divisão sexual do

trabalho, categoria importante no referido estudo.

Cabe-nos aqui evidenciar que essa repartição dos sexos: homens

prioritariamente na produção e as mulheres na reprodução, não data do capitalismo.

Antes mesmo desse modo de produção homens e mulheres participavam de

maneira desigual da produção e reprodução social. Essa participação traduz uma

divisão sexual, que estrutura assim as relações entre os sexos sob uma base tanto

política como econômica49 da dinâmica social.

O capitalismo tende a se beneficiar da divisão sexual do trabalho, através

dos seus princípios estruturados que são: a separação de trabalho de homens e

mulheres e a hierarquização de tarefas conforme o sexo dos indivíduos, o capital

subverte não apenas as condições de produção de bens, mas também as condições

49

Cabe destacar que essa designação das mulheres para a reprodução social, veio sempre acompanhada de uma exclusão do campo sócio-político, expressa de forma notória até os dias atuais.

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da produção dos seres humanos.

Destaca-se que a reprodução social, por sua vez, é garantida pelas mulheres,

pela exploração patriarcal que sustenta o que poderíamos denominar de “modo de

produção doméstico” conforme Delphy (2009). Esse vem revelar o trabalho

desvalorizado das mulheres, que pode acontecer tanto nos limites de casa, como

fora dela. Pode-se afirmar que existe um único modo de produção, estruturado por

relações de classe, raça e sexo/gênero, “podemos denominá-lo de modo de

produção racista-patriarcal-heteronormativo-capitalista” (CISNE, 2013, p. 135).

Como ressaltou Engels (1964, p. 64) em citação anterior a “primeira divisão

do trabalho é aquela existente entre homem e mulher para procriação”, que

acontece no seio de uma relação conjugal (casamento), as mulheres tendem a

desempenhar funções consideradas como essenciais ao seu sexo, garantindo a

reprodução social, por meio de um trabalho não remunerado muitas vezes, a família

cumpre um papel fundamental na perpetuação dessas funções, reproduzindo o

sistema patriarcal, tanto em relações conjugais hetero, como também homoafetivas,

tendo em vista o processo de socialização dos indivíduos sociais que compõem o

seio familiar, as próprias mulheres tendem muitas vezes a reproduzir essa relação

de exploração e opressão na socialização dos filhos.

A família apresenta-se nesse sentido, como um campo onde se produz e

reproduz a cultura machista/patriarcal/capitalista, assegurando a reprodução social,

por meio do trabalho doméstico não remunerado. Conforma-se muitas vezes uma

relação de escravidão, o que destaca a gravidade desse trabalho remunerado que

passa despercebido nos estudos sobre a divisão social do trabalho.

Esse estudo sobre a instituição familiar na estruturação da exploração e

opressão das mulheres mostra-se necessário, embora insuficiente se não

entendermos que a divisão sexual do trabalho como mola propulsora desse

processo, mola propulsora do sistema patriarcal, que norteia ideológica e

materialmente o que estar posto nesse âmbito.

Há que se destacar que essa relação social antagônica entre os sexos,

expressa em nosso trabalho exprime-se indiferentemente, na produção e na

reprodução, ela não se expressa circunscrita ao âmbito familiar, como descrevem

alguns estudos que tendem a separar a produção da reprodução, assim, como a

relação social determinada entre capital e trabalho, não está circunscrita a esfera da

produção. Essa análise nos permite destacar que:

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É preciso [...], banir qualquer visão idílica de uma aliança entre os sexos na luta de classes: trabalhadoras e trabalhadores unidos contra o capital, esquecendo suas divergências como se fossem brigas de casal para serem resolvidas em outra instancia, nos lares ou, como se costuma dizer, na esfera privada, até mesmo nas alcovas ou para serem resolvidas mais tarde, em dias futuros, mais do que problemáticos para as mulheres. É necessário, igualmente, abandonar a alternativa: luta de sexos ou luta de classe. As mulheres em suas práticas, nunca são confrontadas a tal dilema, pelo menos nesses termos. Elas não podem – mesmo que quisessem – conduzir eficazmente uma luta sem a outra e, nesse sentido, são duplamente exploradas, onde quer que se encontrem (COMBES; HAICAULT, 1987, p. 29).

Dessa forma, mesmo quando a família não assegura, por meio do trabalho

doméstico não remunerado, a reprodução social, é o trabalho feminino

desvalorizado e mal remunerado que a garante.

Nesse sentido, destaca-se que a família é um campo de exploração do

trabalho feminino, mas não é único por excelência, ainda que o sistema familiar

possibilite a classe dominante, a forma mais barata possível para a reprodução de

novas gerações de massas trabalhadoras, processo proporcionado,

fundamentalmente, pela divisão sexual do trabalho.

É necessário destacar que:

Tem crescido enormemente, como já apontamos a exploração do trabalho feminino fora do âmbito doméstico. [...] confluímos com o pensamento de Falquet (2008), na análise sobre o “trabalho desvalorizado”, que engloba o que vai do trabalho não remunerado ao assalariado, mas, marcado por relações de exploração e precarização. Enfim, cremos que é o trabalho feminino desvalorizado, seja feito por uma mulher ou não pertencente a família onde o mesmo é realizado, que pode nos oferecer as pistas para o entendimento da apropriação capitalista atual sobre a reprodução social, garantida em grande medida pelas mulheres. Daí a centralidade da categoria divisão sexual do trabalho, mais que a família para exploração e opressão da mulher (CISNE, 2013, p.132).

Desse modo, falar em divisão sexual do trabalho nos permite constatar que as

desigualdades são sistêmicas, não simplificáveis, o que nos coloca a necessidade

de articulação dessa descrição com um pensamento “sobre os processos mediante

os quais a sociedade utiliza essa diferenciação para hierarquizar as atividades, e,

portanto os sexos, em suma, para criar um sistema de gênero” (HIRATA;

KERGOAT, 2007), que tende a reforça uma leitura naturalista dos processos que

reduzem práticas sociais a “papéis sociais” sexuados.

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Diante do exposto pontua-se a compreensão que Danièle Kergoat (2012, p.

214, apud CISNE, 2013, p. 136 - 137) apresenta sobre a divisão sexual do trabalho:

[...] a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais de sexo; essa forma é modulada historicamente e socialmente. Ela tem por características a destinação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a ocupação pelos homens das funções de forte valor social agregado (políticas, religiosas, militares etc.) (tradução da autora).

A divisão sexual do trabalho não é algo natural, tampouco, corresponde a

uma complementaridade e reciprocidade entre homens e mulheres, na medida em

que esta se expressa como uma relação de domínio, destacando a não neutralidade

da mesma, esboçando um sistema assimétrico.

Assim, os homens tendem a ocupar atividades mais valorizadas socialmente,

processo que pode ser evidenciado nas seguintes falas:

Sim, ainda é uma profissão eminentemente feminina, hoje eu percebo que o publico masculino tem procurado mais o curso de Serviço Social, mas existe ainda uma marca feminina que acompanha a profissão. Bom, eu percebo que muitas vezes o homem vai pela questão profissional em si, e a falta de valorização do profissional depois de formado não atrai o público masculino, porque a gente sabe que ainda precisa se definir um piso salarial, então essa desvalorização contribui para se permanecer uma maioria de mulheres na profissão, esse é um dentre os motivos, porque também existe a questão da identificação, do conhecer o que é o Serviço Social e isso muitas vezes não chega ate o público masculino também, mas eu vejo como muito forte a questão da desvalorização (Entrevistada 1).

Hoje como surge o debate sobre a importância do Serviço Social nas escolas, na saúde, na previdência, nas diversas políticas governamentais e não governamentais, a profissão se torna mais notória e chama atenção de um publico que ate então não atinava para o Serviço Social como uma possibilidade de profissão, que é o público masculino, os homens vêm ocupando devido a esse processo de ampliação e valorização. Apesar deles, ocuparem outros espaços mais valorizados que a Assistência Social (Entrevistada 1).

Essa questão aponta a divisão sexual do trabalho como algo que não é

estático ou a - histórico, mas que um sistema que expressa relações de classe entre

os dois sexos, ainda antes das definições ideológicas que acompanham as

atividades em si (como, por exemplo, a valorização das atividades masculinas).

“Afinal não é a ideologia que determina a desigualdade entre os sexos, posto que

ambas (ideologia e desigualdade) resultam das relações materiais concretas”

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(CISNE, 2013, p. 135) expressando sistemas montados com base em separação de

atividades e hierarquização das mesmas, com base na valoração estabelecida para

tais atividades.

Os trabalhos menos valorizados incorporam o público feminino, não com

base em características biológicas, mas fruto de um processo que antecede o

próprio termo divisão sexual do trabalho, as relações sociais sexuadas que se

estabelecem entre os sexos no âmbito cultural, econômico e social, o que demonstra

o seu caráter de construção histórica, sendo incorporado de forma funcional ao

sistema capitalista.

Desse modo, tenta-se dispor que as relações sociais sexuadas e a divisão

sexual do trabalho, representam expressões indissociáveis e que formam

epistemologicamente o mesmo sistema. As relações sociais sexuadas existem

anterior e posteriormente ao termo divisão sexual do trabalho, elas preexistem como

noção e são posteriores como problemática (HIRATA, 2002).

O que se localiza nesse campo analítico é a separação e hierarquização de

cargos e funções no que tange as diferenças sexuais dos sujeitos sociais envolvidos

no processo produtivo e reprodutivo de uma dada sociabilidade. Nesse sentido,

aponta-se a necessidade de ir além da descrição de indicadores, que medem as

desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho.

A chave centra-se para além dessa segmentação do trabalho entre esses

indivíduos sexuados, coloca-se na hierarquização de tais trabalhos de forma a

subalternizar os considerados naturalmente femininos em relação aos considerados

naturalmente masculinos. O que vai de encontro com os dois princípios

organizadores50 que regem essa forma particular de divisão sexual do trabalho: o da

separação (existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o da hierarquia

(o trabalho do homem vale mais que o trabalho da mulher), este último se torna de

suma importância no nosso trabalho, tendo em vista as diferenciações existentes

nos processos de trabalho desenvolvidos por homens e mulheres assistentes

sociais, no que repercute nos cargos e funções desenvolvidas.

A “naturalização dos processos socioculturais de discriminação contra a

mulher e outras categorias sociais constitui o caminho mais fácil e curto para

legitimar a “superioridade” dos homens, assim como a dos brancos, a dos

50

Esses princípios são estruturados e estruturadores conforme demonstra Kergoat (2010).

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heterossexuais, a dos ricos”, dispondo como superior o homem, adulto, branco e

burguês (SAFFIOTI, 1987, p. 11).

Veja-se o processo educacional que se assenta sobre uma base social

bastante desigual em todo o processo de conformação da sociedade brasileira. O

mesmo norteia a formação de pressupostos pautados na educação sexista que

compõem a trama social do processo aqui elucidado, ao conformar uma educação

diferenciada conforme aspectos ligados ao sexo/gênero dos indivíduos.

Autores como José Paulo Netto (1996) tem afirmado no que tange ao perfil

dos profissionais, que as/os assistentes sociais, nas últimas décadas, são pessoas

oriundas das camadas mais populares, pobres e constituída em sua maioria por

mulheres, pelas características que norteiam a profissão e seu movimento histórico

nas últimas décadas, trabalhando com famílias, adolescentes, com o segmento

LGBT51, com mulheres, questões relacionadas à violação de direitos, lidando

diretamente com as expressões da questão social, muitas vezes entendidas de

forma equivocada.

O senso comum avalia como uma necessidade ser o público feminino que

direcione a profissão, pelo fato de acreditar que a profissão exige certa sensibilidade

para lidar com as referidas questões, sensibilidade essa que é tida como uma

característica natural das mulheres, com base em pressupostos já expostos

anteriormente sobre uma divisão natural e quase inquestionável de papeis sociais,

atribuídos conforme aspectos conservadores de gênero.

O Serviço Social não possui em si uma essência feminina, mas, torna-se uma

profissão mais procurada pelo público feminino devido à ideologia patriarcal que se

expressa pela educação sexista, que atribui papeis e profissões diferenciadas entre

homens e mulheres, com base na valorização social destes.

Sendo assim, uma análise em torno da divisão sexual do trabalho se faz

imprescindível para entender o lugar que o Serviço Social ocupa na divisão sócio

técnica do trabalho, bem como o crescente quadro de precarização do trabalho a

que estão submetidos estes profissionais, em especial na política de Assistência

Social, lócus da nossa pesquisa.

51

Lésbicas, gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Sigla empregada a partir dos anos 1990 possui muitas variantes, inclusive com ordens diferentes das letras. Em algumas delas, acrescenta-se um ou dois T (para distinguir travestis, transexuais e transgêneros) e I “intersex”. No âmbito do movimento LGBT brasileiro não se reconhece politicamente as identidades transgênero e intersex (JUNQUEIRA, 2009, p.05).

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É nesse sentido que o desenvolvimento das profissões move-se no interior de

muitos processos históricos e com o Serviço Social não é diferente. Essa questão da

precarização da profissão relacionado ao público que a compõem, não se conforma

numa análise unilateral, mas em um processo complexo, emaranhado de

contradições, um processo dialético que envolve vários aspectos.

As falas das/os entrevistados indicam muito mais que caracterizações, nos

remetem a entender o mundo do trabalho, a partir de uma lógica não

homogeinizadora da classe social52, como se este conceito partisse apenas do

campo da produção, deslocando-se das relações sociais que conformam os sujeitos

sociais inseridos nos processos produtivos. Nesse sentido, chama-se atenção para

compreender a complexidade que rege a constituição da classe trabalhadora,

partindo de uma análise que englobe tanto as relações de produção como as

relações de reprodução, de forma a expressar uma consubstancialidade, como

maneira de melhor compreender as relações de dominação – exploração na

sociabilidade capitalista.

Conforme Segnini (1994, p. 44) a que se referir que:

As análises que procuram compreender as formas de dominação e exploração de uma classe de forma homogeneizadora, deixam de olhar para situações concretas de formas de uso da força de trabalho da mulher que se apropriam das discriminações sociais presentes na sociedade. [...]. Isso quer dizer que o capitalismo deve ser pensado não tão somente através da lógica do capital, mas através de um sistema de dominação social, cultural, político, ideológico e também econômico.

Essas considerações nos remetem ao uso diferenciado da força de trabalho,

conforme aspectos diferenciais entre as categorias: sexo, raça/etnia, geração e

sexualidade. Tais assertivas se tornam mais complexas e agravantes na atualidade,

uma vez que, nos encontramos em um contexto marcado pela crise estrutural do

capital. Na medida em que esta imprime “novos” modos de subordinação do trabalho

ao capital, instala-se um processo de reorganização no âmbito da produção

concomitantemente ao seu sistema ideológico, pautado em políticas

macroeconômicas de liberalização, privatização e desregulamentação, pelas quais

se cancelam direitos sociais e trabalhistas.

52

Aponta-se a necessidade de se estudar a classe como um todo, e não uma parte arbitrariamente escolhida dela, entendendo a complexificação da constituição das classes sociais na sociabilidade capitalista. Braverman (1974) coloca essa questão, ao recusar a ideia de uma “nova classe trabalhadora”.

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Desse modo, destaca-se que a hierarquização de papeis conforme padrões

conservadores de gênero e a divisão sexual do trabalho se tornam funcionais ao

sistema capitalista, pelo uso diferenciado da força de trabalho, vistas a obtenção de

lucro para o capital.

4.2 Processos de trabalho e as contradições do cotidiano profissional das/os

assistentes sociais

As metamorfoses do trabalho no capitalismo contemporâneo, considerando a

relação com as rápidas transformações na sociabilidade capitalista, deve-se ao

fenômeno da mundialização, que leva o sistema econômico a forte tendência de

concentração e centralização de capitais.

Tal complexidade expressa aspectos que vêm resultar em um aumento da

desigualdade de rendimentos, não favorecendo ao aumento da produtividade, muito

menos ao crescimento do emprego, como se espera em sua lógica de

homogeneização do desenvolvimento entre países desenvolvidos e

subdesenvolvidos, se expressando de forma diferenciada entre homens e mulheres

no mundo do trabalho, e no interior de profissões tidas como femininas.

De acordo com Hirata (2009, p. 86):

A mundialização é definida por economistas críticos como A Lipietz (1996), pela interdependência crescente de todos os mercados nacionais em direção a um mercado mundial unificado, o que ilustra a tendência histórica para internacionalização do capital. Mas o que é novo nesse processo é a intensidade dos fluxos, a variedade dos produtos e o número dos agentes econômicos implicados nesse movimento.

Esse processo ilustra a vocação do capital em internacionalizar a produção, o

que não significa um desenvolvimento homogeneizado da economia, como se

constata anteriormente, mas sim um aprofundamento do desenvolvimento desigual e

combinado entre as nações, e no interior destas entre as classes e grupos sociais,

com consequências precisas sobre a força de trabalho feminina e negra, em meio às

relações dialéticas entre imperialismo e dependência. Ainda nesse sentido, é preciso

destacar a complexidade que marca a constituição da classe-que-vive-do-trabalho,

diante desse emaranhado de contradições, postas pela sociabilidade capitalista.

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Segundo Antunes (1999), o capital inicia um processo de reorganização de

seu sistema ideológico e político de dominação, colocando como principais

alternativas: a reestruturação produtiva, o neoliberalismo e a financeirização do

capital, que implica na privatização do Estado, na desregulamentação das relações

de trabalho e na desmontagem do setor produtivo. A força de trabalho assume uma

nova conformação expressa na intensificação dos ritmos, tempos e processos de

trabalho que a expõem ao aumento da degradação de suas condições de trabalho,

da precarização e fragilização do emprego, do salário e da organização política.

Estes argumentos expressam uma forma de apropriação precária da força

viva de trabalho, em que o estatuto do trabalho e dos trabalhadores são conduzidos

a formas de gestão flexibilizadas, que traduzem o espaço de desregulamentação do

legado de leis trabalhistas, imposto pela lógica destrutiva do capital, agora

mundializado.

As políticas públicas e profissões como a de Serviço Social – que lidam

diretamente com as expressões da questão social – são direta e indiretamente

atingidas, ressaltando a forma expressiva como esse processo se coloca no cenário

profissional, uma vez que essas/es trabalham com políticas públicas sucateadas e

se inserem na divisão social, técnica e sexual do trabalho, como uma/um

trabalhador/a assalariada/o, estando submetido aos imperativos do capital.

Questões como essa podem ser evidenciadas na seguinte fala, quando

tentamos analisar a presente rotatividade nos vínculos empregatícios:

É meio contraditório um profissional que luta pela garantia de direitos, vê seus próprios direitos negados. Isso fragiliza muito o serviço, porque se trabalha com a comunidade a necessidade de vinculo é algo que deve se efetivar e essa rotatividade quebra com isso, fragiliza o atendimento, o serviço como um todo, nos trabalhamos em comunidades de risco, o PAIF demanda um acompanhando com as famílias e essa dança das cadeiras dificulta muito esse processo (Entrevistada 5). Sim, isso é uma realidade. Essa questão reflete negativamente na prática através da ausência da garantia de direitos no trabalho, questão de não haver férias, haver uma instabilidade profissional. A prestação de serviços ela traz muito essa questão da falta de direitos o que reflete na rotatividade dos quadros, os profissionais contratados vão buscando outras áreas, outras oportunidades que possam valorizar mais o seu trabalho, e isso vem influenciar no trabalho desenvolvido porque acarreta em uma descontinuidade do acompanhamento, então assim é ruim também para instituição e para os usuários essa rotatividade (Entrevistada 1).

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Na conferência agora que teve esse ano, o debate, o anseio dos trabalhadores do SUAS em traçar o orçamento próprio para a assistência é muito forte, de exigir concurso público para a política de assistência é muito forte. E isso incide na questão da precarização, porque o trabalhador do SUAS tem buscado não só efetivar o direito dos trabalhadores, do proletariado, mas também os próprios direitos dos trabalhadores inseridos nesse espaço, do trabalhador da assistência que é precarizado tanto quanto a sua demanda (Entrevistado 9).

Por ora nos propomos a desmistificar esse processo contraditório, que nos

aponta como natural o infortúnio da adversidade do desemprego e da precarização

das relações empregatícias, à tese da causalidade do destino ou causalidade

econômica, na medida em que as mesmas não expressam responsabilidade ou

injustiça na origem desse infortúnio, gerado a partir da já exposta Lei Geral da

Acumulação Capitalista e agravado no contexto contemporâneo através de

processos acometidos pela crise estrutural do capital.

Essa tese, empreendida pela ideologia neoliberal implica na adesão dos

cidadãos, à resignação ou falta de indignação e mobilização coletiva. Em suma, a

psicodinâmica do trabalho estudada por Helena Hirata e Danièle Kergoat (1988),

sugere conforme os estudos de Dejours (2007) que essa adesão ao discurso

economicista seria uma manifestação do processo de “banalização do mal”.

Algo a ser destacado nos estudos de Dejours (2007), é o destino do senso

moral e sua aparente abolição da participação na injustiça e no mal cometidos

conscientemente contra outrem, em particular no caso do nosso estudo. No

exercício ordinário do trabalho, conforme o autor os princípios do gerenciamento

pela ameaça, no contexto geral da precarização do emprego que reflete diretamente

no cotidiano profissional das/os assistentes sociais. Isso pode ser evidenciado

conforme o que apontam os entrevistados, ainda com relação à alta rotatividade dos

quadros:

Com certeza, a alta rotatividade desmotiva os profissionais, porque nas demissões e/ou admissões prevalece à questão política e não o profissionalismo. Desse modo, muitos profissionais exercem suas atividades de forma paliativa sem buscar destaque nas suas ações (Entrevistada 5). Reflete na nossa prática de uma forma bastante negativa, uma vez que a partir do momento que não temos uma estabilidade no trabalho, fica inviável para nos profissionais, lutarmos pelo direito dos usuários, uma vez que o nosso próprio direito não nos é dado (Entrevistada 2).

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Isso leva às contradições postas ao cotidiano profissional, desenhado e

redesenhado conforme os princípios da racionalidade capitalista. Tratamos das

limitações institucionais e da condição de trabalhador assalariado que tenciona a

aparente autonomia profissional. O gerenciamento pela ameaça como ressalta o

autor é percebido na aparente tensão existente nas relações empregatícias, e isso

decorre de maneira negativa nas limitações na efetivação do exercício profissional.

O adoecimento físico e subjetivo é uma decorrência desse processo, angústia de

participar de um ciclo que direciona sua prática de forma limitada e muitas vezes não

condizente com o que se propõem, se mostra presente nas falas.

O capital aqui mundializado, produz em seu movimento de valorização, a

invisibilidade do trabalho e banalização do humano. O mesmo “potencia

exponencialmente as desigualdades inerentes a essa relação social, as quais são

hoje impensáveis sem a ativa intermediação do Estado e das politicas econômicas e

sociais implementadas” (IAMAMOTO, 2011, p. 53), principal espaço de atuação

das/os assistentes sociais.

Esse processo por hora é mediado pelo que Vasapollo (2006, p. 45), coloca

no cenário contemporâneo, com relação à organização do trabalho na sociabilidade

capitalista e sua subsunção real ao capital.

É o mal-estar do trabalho, o medo de perder o próprio posto, de não poder mais ter uma vida social e viver apenas do trabalho e para o trabalho, com a angústia vinculada à consciência de um avanço tecnológico que não resolve as necessidades sociais. É o processo que precariza a totalidade do viver social.

Por quanto para além de questões maniqueistas, compreendemos tal

processo em âmbitos objetivos e subjetivos, no que diz respeito à maioria dos que

se tornam zelosos colaboradores de um sistema que funciona mediante a

organização regulada, acordada e deliberada da mentira e da injustiça social, em

meio a um sistema contemporâneo neoliberal em que o centro é a empresa.

O que se expõe nas análises a partir das falas dos/as entrevistados/as, é um

reflexo do campo de tensões em que se realiza o trabalho profissional, carregado

em si de contradições sociais atinentes a qualquer trabalho na sociabilidade

capitalista.

Destaca-se nesse processo algo que não esta totalmente visível nas falas se

considerarmos elas como um ponto de partida e não como um reflexo de processos

macrossociais. Desse modo, destacamos o fato das relações mercantis afetarem as

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mais desconhecidas/encobertas esferas da vida social, causando impacto na divisão

social do trabalho, dos direitos sociais e da constituição dos sujeitos sociais, se

“redimensionam funções e atribuições profissionais, como relações sociais e os

específicos processos de trabalho por meio dos quais se realizam a produção e

distribuição de bens e serviços” (IAMAMOTO, 2011, p. 255).

Diante desse processo, faz-se um ponto importante destacar mais uma vez a

heterogeneidade que marca a classe trabalhadora, as profissões como as de

Serviço Social, destacando as suas diversas experiências de vida e de trabalho dos

sujeitos sociais que conformam esse quadro, considerando a diversidade de

trajetória das categorias que a compõem, além das correspondentes repercussões

na subjetividade da referida classe, um ponto importante a ser considerado, uma vez

que ressalta-se a partir daí as determinações de gênero, étnico-raciais, as distintas

formas de inserção no mercado de trabalho (IAMAMOTO, 2011).

Conforme aponta a autora com base nos estudos de Pessanha e Morel

(1991), na tentativa de apreender a diversidade das formas capitalistas de produzir e

se reproduzir, salienta-se as particularidades locais e regionais desse processo.

Além de diferenciações internas nos grupos de trabalhadores e nas diversas

profissões, a partir do que esta exposto, no intuito de recusar uma análise que

empreende o tom unilateral ou unitário das classes sociais, perdendo o foco de que

existem diversas e variadas maneiras de se viver situações de opressão/exploração

e dominação. É importante trazer para o centro da analise o sujeito que trabalha,

dotado de “liberdade” de escolhas e de subjetividade.

A dimensão econômica do processo de trabalho, bem como suas implicações

políticas e ideológicas, relacionando com o que está posto no cotidiano profissional,

a regulação estatal dos conflitos, por vias de políticas sociais, salariais e sindicais,

para regulação do processo produtivo, se expressam de forma defasada. Como

exposto nas seguintes falas, a partir da insegurança das/os entrevistadas/os:

Nós estamos em área de risco, são 14 áreas de risco dentro de João Pessoa, por exemplo, no programa que coordeno precisamos de três assistentes sociais e nunca teve, então assim desempenho o papel de coordenador e executo o trabalho social. A gente já foi abordado em entrada de comunidade, já foi revistado por dono de boca, já pediram para olhar o carro da gente, para ver o que era, para ver se a gente era policia disfarçada que estava em alguma investigação. Eu, enquanto profissional já tenho dois processos que rolam na justiça por ameaça de morte. Então assim, as condições são mínimas. A gente trabalha nesse contexto, trabalhando em um horário e estudando em outro para ver se a gente se insere em

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algum campo que dê uma melhor estabilidade, por isso a grande rotatividade de profissionais (Entrevistado 9).

Influencia demais. Influencia porque assim para a gente desenvolver um bom trabalho, temos que estar com a mente sã. Então assim, todo mundo tem essa questão da precarização do vínculo do trabalho, então, por exemplo, quando muda a questão de um gestor, seja o gestor municipal, seja um gestor de secretaria, há certo abalo psicológico, porque não se sabe se nós iremos permanecer à frente do serviço ou mesmo dentro do espaço da secretaria ou não. Hoje a gente assim, ver um boom de faculdades de Serviço Social sendo abertas, porque diz que a área esta em crescimento, a política de assistência veio para trazer emprego para esse povo, porém a realidade não é essa, a partir do momento que o campo de trabalho se expandiu com a política de assistência, houve também essa mercadorização da educação que em toda esquina tem uma faculdade de Serviço Social. Então assim, o campo de trabalho não esta fácil, os concursos que são colocados para a categoria os salários são muito defasados, então quer queria quer não, os espaços que nós ocupamos hoje mesmo com essa questão da precarização do trabalho ainda oferece alguma média dependendo do cargo que você esteja que dá para sobreviver. Porque a nossa realidade é que até quem é concursado na nossa área esta difícil, então isso é essa questão de não efetivação é bem difícil, atrapalha na execução do nosso trabalho. Até porque desmotiva o profissional, até porque, por exemplo, alguns profissionais tem ideias a serem executadas a serviço da população e muitas vezes já escutei falas do tipo, estou pensando esse projeto, mas não vou implementa-lo porque não sei se estarei aqui no início do ano que vem. De certa forma isso fragiliza demais. Essa insegurança reflete sobre o público usuário, porque a partir do momento que não se esta seguro para desenvolver a sua função, então o serviço não vai chegar até o usuário da forma que ele necessita (Entrevistado 9).

Esse processo atrela-se a análise centrada no trabalho, em seu processo de

realização no mercado, em condições e relações sociais determinadas, mostra-se

necessariamente presente.

O foco, na centralidade atribuída à questão social no processo de

profissionalização do Serviço Social na sociedade brasileira, é de fato concernente

no que tange a formação da tríade que rege o movimento delineado no âmago dos

processos de trabalho do Serviço Social, sendo esses sujeitos sociais os seguintes:

proletariado urbano, burguesia industrial e frações de classe que compartilham o

poder do Estado, em conjunturas históricas determinadas. O que conforma a

profissionalização do Serviço Social em meio a um terreno contraditório,

emaranhado por interesses sociais dispare, e essa questão reflete direta e

indiretamente na prática cotidiana desse profissional.

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Aponta-se a “nova” organização capitalista do trabalho é caracterizada, cada

vez, mais pela precarização e desregulamentação que promove grandes prejuízos a

organização da classe trabalhadora, tanto do ponto de vista objetivo como subjetivo.

Neste sentido, o trabalho adquire uma dimensão negativa no modo de produção

capitalista, proporcionando, assim, outra cultura do trabalho, ao capturar a

subjetividade53 da classe trabalhadora.

Assim, a crise estrutural do capital imprime “novos” modos de subordinação

do trabalho ao capital, na medida em que se instala um processo de reorganização

no âmbito da produção concomitantemente ao seu sistema ideológico, pautando em

políticas macroeconômicas de liberalização, privatização e desregulamentação,

pelas quais se cancelam direitos sociais e trabalhistas.

Dessa forma, pretende-se analisar a fala como o fruto do intenso processo de

reestruturação da produção e do trabalho, tudo isso com maior intensidade nos

países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil.

Nesse caso, Druck (2009, p. 2) destaca que:

Considera-se que [...], a precarização do trabalho se constitui como um novo fenômeno, cujas principais características, modalidades e dimensões sugerem um processo de precarização social inédito no país nas últimas duas décadas, revelando mudanças na forma de organização/gestão do trabalho, [...]. O caráter desta nova precarização esta sustentado na idéia de que é um fenômeno que instala – econômico, social e politicamente – uma institucionalização da flexibilização e da precarização modernas do trabalho no Brasil, agora justificadas – na visão hegemonizada pelo capital -, pela necessidade de adaptação aos novos tempos globais [...].

Esta lógica vem a se evidenciar, a partir da instabilidade econômica

intensificada através da mundialização da economia sob domínio do capital

financeiro54, levando a diversas crises, que rebatem diretamente no mundo do

trabalho, o que traz maiores consequências para os grupos mais marginalizados,

como exemplo: as mulheres, os negros, o segmento LGBT, e os jovens, seguido de

“novas” formas de precarização das relações de trabalho55.

53

Ao ser analisada dentro do materialismo histórico a subjetividade da classe trabalhadora se

encontra intrínseca à própria subsunção do trabalho ao capital. Só que é sob o toyotismo que a captura desta subjetividade adquire o seu pleno desenvolvimento, passando a ser não apenas formal, mas uma subsunção real, satisfatório ao modo de produção capitalista, ao reproduzir modos de viver e pensar justados ao capitalismo. 54

O termo aqui referido de mundialização financeira tem destaque nos estudos de Chesnais (1996). 55

Constata-se aqui o “emprego atípico”, na forma de contratos temporários, por tempo determinado, trabalho informal, sem registro, sem direitos sociais e trabalhistas, com salários mais baixos e condições de trabalho mais precárias.

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Dessa maneira, nos grupos mais vulneráveis destaca-se a problemática das

trabalhadoras negras e brancas, das profissões que em são em sua maioria

composta por mulheres, como é exemplo a profissão de Serviço Social. Destaca-se

que a condição de trabalhador/a assalariado/a, submete esse trabalho aos dilemas

da alienação, compreendendo-se que o mesmo se realiza por meio de relações que

se submetem ao poder dos empregadores, o que restringe a relativa autonomia

posta no projeto profissional do Serviço Social.

Ao empreender tais mudanças, o capital promove a adaptação passiva do

trabalho, produzindo padrões de comportamento compatíveis com as necessidades

do modo de produção capitalista. Seja em termos de ajustes político-ideológicos ou

no campo da reestruturação industrial, implicando tanto no campo da produção,

como no da reprodução social. Dessa forma, “a direção dos processos políticos e a

produção do consentimento de classe, para empreender mudanças, transformam-se

nos novos baluartes da ação das classes dominantes, na atual conjuntura” (MOTA,

2006, p. 29).

Sendo assim, o conjunto de mudanças empreendidas sob o domínio do

capital mundializado e fetichizado impacta em transformações profundas na

organização da produção e do trabalho, no desenvolvimento das empresas

multinacionais, bem como na transformação dos Estados-nação em sua direção e

papel, em termos de elaboração e desenvolvimento de políticas públicas.

Com relação a essas assertivas, situa-se que a questão dos recursos

humanos é um desafio para administração pública no cenário atual, mas o que

pretendemos destacar é que esses desafios assumem características especificas no

caso da política de assistência social, lócus da pesquisa em questão. Isso ocorre

tanto pela sua tradição de não política – sustentada em estruturas institucionais

improvisadas - quanto ao colocar limites na estrutura do serviço, reduzindo

investimento na equipe de profissionais permanentes, ressaltando a rotatividade e

insegurança profissional diante da fragilidade dos vínculos, o que de certa forma

coloca limites para os/as profissionais romperem com o caráter de subalternidade

que historicamente marcou o trabalho nessa área.

Essas limitações estão intimamente articuladas com as seguintes falas, como

resultado de um processo amplo que afeta o cotidiano das/os profissionais de

Serviço Social, expondo os limites de operacionalização da política pelos

profissionais em questão, diante da precarização do trabalho e dos serviços:

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Olha, eu acho que o trabalho que toda a equipe que tem aqui, é um trabalho que é excelente, dentro do que a gente não tem, porque assim, a equipe do CREAS, é uma equipe que ela é comprometida com o trabalho, então assim, mesmo que as condições de trabalho sejam adversas, a gente tem reunião todas as sextas feiras pra ver como a gente supre essas carências. É como eu te disse, aqui a gente não tem espaço pra fazer oficina de mães, nem tem espaço pra fazer oficina pra adolescente, a gente faz naquele jeito de todo jeito, a gente leva o pessoal pra cozinha e gente faz na cozinha, é tudo dentro do que a gente tem, só que a gente procura repassar o sumo do sumo do sumo do que elas precisam saber pra melhor conviver com os filhos. Porque assim o CREAS MSE, trabalha com essa questão do fortalecimento do vínculo, principalmente quando o menino infraciona, porque quando ela infraciona toda família sofre, então você não pode trabalhar o menino sem trabalhar a família. Então quando a gente veio pra cá, o espaço que a gente tinha na outra casa a gente perdeu, o espaço de fazer as oficinas com as mães, e a gente ficou fazendo as oficinas com os meninos em um espaço que não é legal porque fica todo mundo passando. E a gente começou a perceber que a gente tinha que fazer com as mães de qualquer jeito, porque elas sofrem muito com a infração do filho. Então, vamos fazer de qualquer jeito, vamos avisar a SEDES que a gente vai fazer dessa forma, fizemos os planejamentos das oficinas e aqui a gente faz de qualquer jeito. Fazemos toda sexta-feira avaliação acerca do nosso trabalho, acerca da relação das colegas de trabalho. Fazemos capacitação, estudamos tudo que é de interesse para melhoria do trabalho da gente, fazemos estudo de caso. Então assim, eu acho que a qualidade de trabalho do CREAS MSE é muito boa, ela poderia ser 100% melhor se a gente tivesse condição de trabalhar, mas a gente não tem. A gente faz com o que a gente tem, deixa a desejar, deixa! (Entrevistada 2). Há algumas dificuldades, a gente consegue realizar um trabalho com muitas dificuldades, pela falta de recursos que normalmente ocorre, acarretando na falta de equipamentos que são utilizados cotidianamente para realização do trabalho, seja transporte, seja um equipamento eletrônico necessário e isso dificulta o acesso a outros serviços que poderia esta contemplando e encaminhando as crianças do acolhimento, pois na rede de acolhimento existem muitas parcerias de pessoas de empresas e, nesse sentido, que o trabalho se conduz também, porque somente com recursos específicos da Assistência não é possível (Entrevistada 1).

É necessário perceber que:

Por ser uma área, cuja mediação principal é o profissional, o trabalho da assistência social está estrategicamente apoiado no conhecimento e na formação teórica, técnica e politica do seu quadro de pessoal, e nas condições institucionais que a dispõe para efetivar sua intervenção (COUTO, YAZBEK, RAICHELIS, 2012, p. 80).

Diante desses processos, pode-se perceber as contradições em se

desenvolve o trabalho profissional, desenhando a complexidade que rege a

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constituição das relações sociais em que se desenvolve o trabalho profissional,

destacando ainda o universo heterogêneo dos trabalhadores e das demandas

apresentadas ao cotidiano dos profissionais.

Uma das entrevistas aponta um ponto bastante debatido no que tange a

expansão da política, correlacionada a suas dificuldades de implementação, e

repercussões no trabalho desenvolvido, expressando o outro campo de contradição

no desenvolvimento do trabalho profissional:

Eu acho que ela se expandiu, mas o que é necessário é que ela seja implementada, pois o que acontece é que se tem uma coisa no papel e outra coisa na realidade, o brasileiro é o cidadão do papel, então assim, essa política ela precisa ser realmente efetivada conforme, o que esta, disposto na legislação, inclusive sobre o que trata na NOB/RH, que a gente não tem as mínimas condições de trabalho, de salario, o salario é indecente, condições de trabalho ainda indecentes, a gente trabalha aqui nessa casa, mas a gente é de outra casa, ela não oferece a menor condição de se realizar algum trabalho, [...], então a gente faz de qualquer jeito, estamos esperando essa outra casa faz muito tempo, ela está sendo construída ainda, mas a gente não tem a menor condição, a questão do sigilo profissional fica comprometida, porque, por contas dos espaços a gente tem que se virar com o que a gente tem, entendeu? Então o real é uma coisa e o ideal é outra coisa (Entrevistada 2).

Nesse sentido, no caso específico da política e do trabalho desenvolvido

pelas/os assistentes sociais, cabe destacar que, apesar da NOB/SUAS - RH (2006)

prevê a formação de equipes de referência, formadas por servidores efetivos para

desenvolver as atividades oferecidas pela Assistência Social, o que se verifica é um

pequeno número de vínculos permanentes dos profissionais que atuam nessa área,

como demonstra a entrevistada, a legislação não é respeitada, o que fragiliza o

exercício profissional, a criação de vínculos, a questão da autonomia é fortemente

tensionada, diante da forma como se gesta esses processos de trabalhos56,

baseados na flexibilização dos vínculos empregatícios.

Além das falas, o gráfico a seguir demonstra que João Pessoa não está

imune a essa tendência que se apresenta nacionalmente:

56

A questão da autonomia profissional vem á tona pela falta de condições de exerce-lá conforme esta predisposto na legislação profissional. As condições de trabalho não dão o suporte necessário para que o profissional siga as suas atribuições conforme reiteram o código de ética e a lei que regulamenta a profissão Dessa forma corroboramos com Iamamoto (2011), quando a mesma afirma que: Essa autonomia é tensionada, pelas exigências dos empregadores – quanto aos propósitos, demandas, regulamentações especificas incidentes sobre o exercício assim como referentes a organização do trabalho e determinações contratuais: salário, jornada, entre outras. Portanto, o debate atual volta-se à consideração das especificas condições e relações sociais por meio das quais se realiza o exercício profissional no mercado, no marco de uma organização coletiva do trabalho – e suas implicações, enquanto trabalho concreto e abstrato.

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Gráfico 03: Situação funcional das/dos assistentes sociais

3%

48%46%

3%

Situação Funcional

Comissionado(a)

FMAS

Prestador(a) deServiço

Efetivo(a)

Fonte: Primária, 2013.

No período de 2010/2011 contabilizavam 55 assistentes sociais dos quais

dois tinham vínculo efetivo o que corresponde a 5,66% no total. Com atualização

destes dados podemos observar que houve significativo crescimento dos assistentes

sociais no SUAS57, aumentado para 72 o número de contratações, mas em nada se

alterou a situação destes com relação a situação funcional, sendo que em

porcentagem o número de efetivos caiu para 3% e quanto a contratos temporários

temos uma soma de 97%, conforme demonstra o gráfico.

Esses dados se tornam mais alarmantes quando comparados aos dados

nacionais, extraídos do MUNIC/IBGE – 2005, já que os mesmos revelam que 25%

dos trabalhadores da área de assistência social nas administrações publicas

municipais de todo pais não possuíam vínculos permanentes, sendo 20%

comissionados e apenas 38% estatutários e esse número ainda quando relacionado

apenas aos/as assistentes sociais do município de João Pessoa – PB é de 97%.

Comparando esses dados com os apresentados pelo Munic – IBGE de 2009,

verifica-se uma elevação de 30,7% de pessoas ocupadas na administração pública

municipal da assistência social, no período de 2005 – 2009, elevação essa que

também pode ser percebida no município de João Pessoa (COUTO, YAZBEK,

RAICHELIS, 2012).

57

Ressaltamos que apesar do número de contratações terem aumentado é limitado conforme o porte do município e a abrangência da politica, ainda existem serviços que contam apenas com um assistente social e outros em que não existe nenhum, o que contraria as normas estabelecidas para composição das equipes dos CRAS e CREAS.

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Sendo assim, essas autoras indicam que:

Nestes termos, a NOB/SUAS – RH (2006) representou um esforço político significativo de pactuação federativa nos espaços intergestores estaduais e federais, considerando as resistências e dificuldades políticas que tiveram que ser aparadas para viabilizar sua aprovação. Nesse sentido, pode-se afirmar que a NOB – RH não é a definição ideal e acabada às necessidades de recursos humanos para o funcionamento adequado do SUAS, mas é resultado do viável histórico, dentro da correlação de forças políticas que participaram do processo de negociação(COUTO, YAZBEK, RAICHELIS, 2012, p. 80 - 81).

A sociabilidade capitalista em suas condições atuais, com o advento da

globalização e finaceirização dos capitais e sistemas de produção, promovem

intensas mudanças nos processos de organização e relações e vínculos de trabalho,

são contextos em que geram processos continuados de destruição do legado de leis

trabalhistas, colocando a informalização, subcontratação, por tempo parcial ou

projeto, atingindo os/as assistentes sociais, em suas relações e condições de

trabalho. Como se falou anteriormente no decorrer do estudo realizado são

transformações societárias que atingem duramente o trabalho assalariado, atingindo

a subsunção real do trabalho ao capital, uma vez que, atinge sua realização

concreta e as suas formas de subjetivação.

Esse processo leva a redefinições do sistema de proteção social e como

coloca Couto, Yazbek e Raichelis (2012, p. 81):

Uma questão importante a ser destacada, e que de certa forma amplia o escopo da análise, é que não se trata apenas de questões relacionadas à gestão do trabalho, mas também e fundamentalmente das formas e modos de organização e das condições em que esse trabalho se realiza.

Cabe destacar, que o assistente social, afirma-se como um trabalhador

assalariado, tendo como principal empregador o Estado, além do empresariado,

logo, este, está inserido em uma relação de compra e venda de mercadorias. Sendo

assim, sua força de trabalho é mercantilizada no conjunto das relações sociais que

forjam essa sociabilidade. Um ponto concernente é traçar o debate em torno das

específicas condições e relações sociais por meio das quais se realiza o exercício

profissional.

Diante do exposto, cabe salientar que o trabalho profissional do assistente

social, ainda que dotado de relativa autonomia na sua condução, realiza-se pela

mediação das relações mercantis, pela mediação das relações do mercado de

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trabalho, ou seja, estes profissionais estabelecem as mais distintas relações

empregatícias, na medida em que compram essa força de trabalho por um

determinado tempo.

Nesse sentido, os profissionais estão sujeitos às ingerências institucionais, e,

estes estão sujeitos aos constrangimentos da alienação, sendo esta “apreendida

como um estado e menos como um processo que comporta contra tendências”

(NETTO, 1981apud IAMAMOTO, 2011). Isso leva a pensar na direção política do

trabalho desenvolvido, seguida da qualidade dos serviços socioassistenciais, e o

necessário respeito à autonomia dos profissionais, inseridos na rede Suas, em

especial os profissionais do Serviço Social, o que obviamente “não excluiu o controle

social e democrático do trabalho desenvolvido, especialmente pelos usuários dos

CRAS e dos CREAS” (COUTO, YAZBEK, RAICHELIS, 2012, p. 83).

Sabe-se que o Serviço Social, enquanto profissão inscrita na divisão social e

técnica do trabalho situa-se no processo de reprodução das relações sociais,

entendido em sua forma ampla, considerando o caráter abstrato e concreto desse

trabalho. Nessa perspectiva de análise, cabe evidenciar que o “Serviço Social,

sendo ela própria polarizada por interesses de classe contrapostos, participa,

também, do processo social reproduzindo e reforçando as contradições básicas que

conformam a sociedade do capital” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2008, p. 94), uma

vez que, o processo de reprodução das relações sociais é, também, o processo de

reprodução das contradições sociais que as conformam, tais questões se criam e se

recriam na totalidade da vida social se expressando no cenário cotidiano,

apreendida muitas vezes de forma dispare fragmentada.

Sendo assim, cabe destacar que as condições em que se realiza o trabalho

ultrapassam o cenário conjuntural de uma gestão governamental, é preciso ir além

para entender os processos que estão ocultos a essas afirmativas: correlações de

força, ideologias contrárias, questões: culturais, econômicas e sociais. É importante

situarmos o profissional do Serviço Social em suas dimensões socioculturais,

estabelecendo uma visibilidade à tensão entre realidade e as representações da

consciência dos profissionais, entre o ser e o representar58, já que as contradições

das relações sociais são muitas vezes obscurecidas na lógica de sua exposição.

58

Este campo de análise tende a desmitificar, entender o caráter “oficial” do mandato recebido pelo Estado, na medida em que, tende a ser representado ao reverso, acentuando, na relação com o “cliente”, motivações altruístas e desinteressadas, típica de uma “vocação de servir”. Trata-se de

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Esse emaranhado de contradições é evidenciado ainda que não tão

profundamente nas falas como exemplo dos condicionantes postos a realização do

trabalho:

É o que a gente colocou, por eu ainda estar no meio acadêmico e ter uma preocupação muito grande em ver, o que é que a política de assistência coloca para gente, o que é que o projeto ético-político coloca para a gente esta executando, para que nós possamos esta se configurando no meio que nós estamos inseridos. Mas, eu sinto dificuldade de execução, e sinto dificuldade de realizar minha prática diária dentro do que prega o nosso projeto ético-político pelas condições necessárias que não são dadas, então muitas vezes o profissional tem essa capacidade de execução, de efetivar essa política, mas para isso nós precisamos de condições necessárias. Então, eu avalio o meu trabalho nesse sentido ainda, não por incompetência técnica da minha parte, mas avaliou muito limitada, por conta dessas condições objetivas que nós não temos (Entrevistado 9).

Conforme ressalta Iamamoto (2011, p. 258):

É necessário extrapolar o foco corrente centrado na prática profissional, visto que esta se restringe a um dos elementos do exercício profissional historicamente situado: o próprio trabalho como atividade do sujeito que age, componente subjetivo do processo de trabalho. E caminhar para uma abordagem na óptica da totalidade da mesma, ampliando o foco da análise para o trabalho em seu processo de realização no mercado de trabalho, em condições e relações sociais determinadas.

Mais uma vez apresenta-se nesse cenário, a questão de romper com o

caráter assistencialista, ultrapassando as análises endógenas ao campo profissional,

a vontade idealista e pessoal de cada assistente social inserido na prática, uma vez

que, tal processo esta ligado à própria dimensão em que se insere o Serviço Social,

ou seja, na divisão sócio e técnica do trabalho, salientando o caráter concreto e

abstrato deste. Sendo o mesmo dotado da historicidade que assume na sociedade

burguesa, encarado como um trabalhador assalariado, inserindo-se assim, numa

relação de compra e venda de mercadoria, a fala seguinte expressa essa questão,

no que tange ao avanço da política:

A política ela expandiu, o nosso código de ética ele é excelente, a gente tem que ter serviços excelentes para a população, entende? Mas aí se sabe que não se tem a condição de se fazer isso, é uma contradição, ainda, mas que avançou, a sim,avançou, principalmente no que compete a nossa prática na política, se você diz, eu não sou um Assistente Social assistencialista, a minha função não é distribuir

situar o sujeito profissional como um ser social dotado de questões objetivas e subjetivas, formado em meio a diversas facetas da vida social, dotados de historicidade.

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cesta básica, a como isso representa um avanço, a gente esta tentando fazer com que a população entenda, com que a sociedade entenda e algumas colegas de trabalho entendam que a gente já avançou nesse sentido, a Assistência Social ela não é assistencialista mais, a gente tem outra preocupação, a gente tem outro compromisso com o público (Entrevistada 2).

Assim, ressalta-se que se estabelece muito mais do que um avanço dado de

forma endógena à profissão, correlacionado ao que Iamamoto (2011), destaca

anteriormente, a respeito da necessidade de se extrapolar o foco corrente centrado

na prática profissional. Sendo assim, partimos da premissa de que para se

compreender a profissão é necessário compreender a dinâmica das relações

sociais, em determinado contexto histórico, econômico, político e cultural, a fim de

compreender quais são as principais demandas que o Serviço Social recebe e como

se estabelecem os condicionantes que norteiam as respostas profissionais, na

dinâmica das relações sociais, entendidas aqui como um campo complexo

permeado por contradições sociais.

Nesse campo de análise, evidencia-se uma das linhas divisórias entre a

atividade assistencial voluntária, a dita prática assistencialista, desencadeadas por

dimensões puramente idealistas, pessoais e atividade profissional, que se

estabelece mediante uma relação contratual, que estabelece a partir de condições

concretas de obtenção dos meios de vida, desse trabalhador especializado.

Desse modo, estabelece-se uma série de tensões nesse circuito de compra e

venda de trabalho e o estabelecimento das leis que garantem os direitos dos

trabalhadores e dos usuários. Conforme demonstrado em uma das falas:

O que deve ser ressaltado é que o próprio sistema que a gente vive, o sistema capitalista, ele já breca, é como se fosse um paradoxo, é uma lei que é aberta, mas dentro do próprio sistema a gente fica se batendo, [...]. Nos assistentes sociais estamos dentro de todo esse processo de precarização dos vínculos empregatícios, meu trabalho ele não é seguro, eu dependo da boa vontade do prefeito, temos essa limitação. Esse fato não me permite ir buscar algumas informações, digo nos sabemos de algumas coisas, como por exemplo, que temos desconto em nosso contra cheque, acerca da contribuição para o INSS, mas o que acontece é que isso não esta sendo repassado no INSS, mas eu não posso reclamar, quando eu sair daqui, passar em um concurso [...] eu vou cobrar esse fato que veio ocorrendo durante meu exercício profissional na rede SUAS, então é um paradoxo, você tem os seus avanços no papel, você sabe que você tem direitos, porem a tua realidade, macro realidade, não te da condição de você cobrar, por conta da situação que vivemos (Entrevistada 2).

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Desse modo, cabe ressaltar que o contexto atual aponta para a radicalização

do projeto neoliberal e reestruturação do Estado, em meio à transnacionalização da

economia, o que demonstra total concretude nas falas das/os entrevistados/as no

que diz respeito aos condicionantes estruturais que brecam o estabelecimento das

leis e consequentemente dos direitos e políticas sociais, instrumento de trabalho do

assistente social.

As falas correspondem a esse movimento, tentando correlacionar o cotidiano

profissional com questões que estão postas no nível estrutural do sistema

capitalista, na medida em que as entrevistadas colocam a total insegurança no

trabalho, de forma a agravar a saúde das/os assistentes sociais:

Insegurança, dor de cabeça, insônia, stress. De chegar aqui e tá explodindo com a colega e depois ir pedir desculpa. Porque cada ano que termina e que se inicia você ta nessa loucura nesse lugar, entende? A gente faz o possível pra gente se policiar e pra gente não passar isso nunca pro usuário. Porque a gente sabe que isso é um problema aqui, mas a gente tem a consciência, todo mundo tem a consciência de que você não está num estado relaxado nesse período, inclusive minha coordenadora que nunca sabe se vai ficar, entendeu? Então assim, é péssimo. (Entrevistada 2).

Neste contexto, a questão da precarização do trabalho e as consequências da

mundialização do capital sobre a divisão social e sexual do trabalho, ou divisão do

trabalho entre sexos ganha notoriedade, uma vez que não podemos deixar de lado

que a maioria desses profissionais são mulheres e trabalham em uma política com

nítida marca de gênero. Isso nos leva a explicar como se configura o trabalho na

cena contemporânea, surgindo a partir daí questionamentos sobre os impactos que

esse processo traz para os antagonismos de gênero, de classe social e raça/etnia,

será que está tende a reforçá-los ou enfraquecê-los? Quais são as perspectivas

futuras de nossas sociedades assalariadas?

Os dados demonstram as consequências da expansão do trabalho feminino

no processo de mundialização, expresso em três dimensões complementares e

contraditórias: o significativo crescimento do trabalho feminino, o crescimento

renovado no setor de serviços e, por conseguinte crescimento acompanhado de

precarização e instabilidade a essas profissionais, isso esta pressuposto quase que

em todas as falas.

Algumas das entrevistadas percebem a questão de gênero que esta posta

nesse emaranhado que conforma o trabalho na assistência social e a dificuldade

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que os padrões conservadores de gênero estabelecem no desenvolvimento da não

subalternização da política e do trabalho nela desenvolvido:

A questão é que eu vejo também, e agora vai entrar não sei se porque o publico da assistente social é eminentemente feminino, a gente não luta pelos direitos que a gente tem, nem com relação aos serviços e nem com relação aos direitos que a gente tem enquanto profissional, de cobrar um salario digno entendeu? Eu não sei se é por conta da gente ser mulher, de ser em sua maioria composto por um quadro de mulheres, eu não sei, eu acho que a categoria da gente não se manifesta, praticamente [...] (Entrevistada 2).

Esses processos tendem a ter significados e consequências diversos, quando

relacionados aspectos geográficos, sociais, culturais e econômicos dos diversos

países do mundo. Até porque, estamos nos referindo a um processo de

mercantilização do trabalho em um contexto de mundialização da crise econômica,

em um contexto de mundialização da economia, que difere do conceito de

universalização, uma vez que, muitos países considerados periferias econômicas

são “excluídos” do processo.

É nesse cenário de complexas mudanças que encontramos as respostas as

novas configurações do trabalho, no capitalismo contemporâneo, na medida em que,

a interpenetração de capitais e de mercados redefine os campos de atuação do

capital e do trabalho. Trata-se de uma reciprocidade dialética em que o rearranjo de

um implica na realocação do outro, nos remetendo ao caráter de subsunção do

trabalho ao capital (MÉSZÁROS, 2006).

Desse modo, cabe destacar que estão presentes diversas facetas postas nas

dimensões que rondam a formação das classes sociais, entre elas a construção dos

padrões normativos/conservadores das relações sociais de gênero. Destaca-se

nesse âmbito a divisão sexual do trabalho, e, por conseguinte, a subalternização de

profissões ditas femininas, em meio a essa normatização de papeis que desenha e

redesenha as relações sociais de gênero, na sociabilidade capitalista.

Apreendem-se a precarização do trabalho das/os assistentes sociais,

correlacionado das determinações das relações sociais de gênero, como

demonstrado nos dados da pesquisa e analise do objeto de estudo, em especial

quando se avalia o processo de hierarquização dos papeis ditos femininos e

masculinos e a cultura patriarcal e machista que norteia a construção das profissões

e atribuições femininas, conferindo-lhes uma subalternidade que é funcional ao

sistema econômico, político e cultural do capital.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O caminho percorrido da empiria da pesquisa de campo à revisão

bibliográfica dos conteúdos e conceitos formulados em torno do objeto de estudo,

apontou a necessidade de articulação do conteúdo que discuta as relações sociais

de gênero com as análises dos fundamentos do Serviço Social, considerando a

dimensão concreta e abstrata dos processos de trabalho, nos quais estão

inseridas/os as/os assistentes sociais.

Observou-se, a partir da exposição das/dos entrevistadas/os, que há certo

obscurantismo do Serviço Social atrelado à dinâmica e complexidade das relações

sociais - considerada em termos de consubstancialidade e coextensivadade - as

categorias que compõem e constituem o desenvolvimento da profissão.

Desse modo, assim como Veloso (2001), acredita-se na importância e

necessidade de apreender o Serviço Social inserido na dinâmica das relações

sociais, que conforma determinações de classe, gênero e raça/etnia, tanto no

desenvolvimento da profissão como em suas demandas.

Considerou-se diante da marca de gênero que acompanha a profissão, a

necessidade de compreender o Serviço Social não apenas a partir das mulheres,

tomadas como categoria empírica, mas a partir das relações sociais de gênero que

constituem essa realidade social.

Conforme as concepções das/os entrevistadas/os, apesar de demonstrados

alguns avanços, ainda persistem elementos conservadores em torno das relações

de gênero, as quais constituem a profissão, sendo essas desconhecidas por

algumas/alguns sujeitos da pesquisa. Tal realidade corrobora com práticas que

tendem a naturalizar os “dons” ou habilidades construídas como femininas e a

subsunção de o quanto, de um lado são apropriados pelo capital para a exploração

da mão-de-obra das mulheres e, de outro, reproduzem a própria submissão de

gênero.

Nesse sentido, que as atividades e trabalhos desenvolvidos pelas mulheres

ao serem vistos como atributos “naturais”, extensões de habilidades próprias do

gênero feminino, contribuem para serem vistas como dons e não trabalho. Esse

processo contribui para os interesses econômicos, sociais e culturais do capitalismo

no âmbito da produção e reprodução social. Por seu turno, implica na

desvalorização de profissões apreendidas como femininas, a exemplo do Serviço

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Social, que reforçam “o lugar” das mulheres na sociedade.

Desconsiderar e/ou tangenciar esse movimento contribui para uma visão

endógena à profissão, por parte de alguns entrevistadas/os, diante da não

percepção crítica das implicações da marca de gênero que o Serviço Social carrega,

expressa na presença majoritária de mulheres e na formulação e execução do

atendimento as demandas.

Esse processo que tende a desconsiderar o movimento das relações sociais,

como imanentes ao desenvolvimento e consolidação da profissão, vêm dificultar o

seu processo de renovação e valorização. Pela não apreensão da mesma apoiada

no movimento das classes sociais, do capitalismo e do Estado, carregando consigo

elementos das contradições de gênero e raça/etnia, na conformação e complexidade

social desses arranjos, considerando que a profissão não se funda e se desenvolve

apartada do contexto que a demanda.

Aponta-se em meio à discussão do tema, a importância da associação ao

arcabouço teórico e metodológico do feminismo pautado na sua apreensão crítica.

Se entende, a correlação com a luta feminista como caminho ao aprofundamento

das análises dessa problemática, uma vez que, a presença majoritária de mulheres

na profissão é perene ao próprio desenvolvimento social da sociedade capitalista e

apresenta aspectos conservadores de gênero em relação ao feminino.

Destaca-se tanto as dimensões de opressão como a de exploração a que

estão submetidas às mulheres, o que reafirma aspectos que consolidam a

subordinação e discriminação ligadas ao gênero feminino. Não está, de tal modo, o

Serviço Social isento das formas e consequências da apropriação do trabalho

feminino pela sociabilidade capitalista.

Esse processo se tornou evidente por se apreender com o desenvolvimento

da pesquisa a necessidade desse olhar para o Serviço Social em meio a evidente

marca de gênero.

A incorporação desses elementos permite e permitiu a ampliação do escopo

de análise, já que a utilização dos pressupostos da “teoria feminista” possibilitou

evidenciar como se desenvolvem os discursos sobre a família e a sexualidade de

forma contundente, aspectos que escapam ao legado tradicional do marxismo.

Conclui-se que a sociabilidade do capital, herdou e retrabalhou a desigualdade

social desenvolvida historicamente entre homens e mulheres, utilizando-a de forma

extensiva e transformando-a profundamente ao seu favor.

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Os dados trabalhados permitiram evidenciar a desigualdade desenhada e

redesenhada entre homens e mulheres no desenvolvimento do sistema econômico e

social do capital. Destacam-se aspectos como a reprodução da divisão sexual do

trabalho e a hierarquização dos cargos no interior da profissão. Nitidamente

composta em sua maioria por mulheres, quando analisamos os dados do perfil

das/os assistentes sociais inseridos na política de Assistência Social do município de

João Pessoa – PB, não eliminará, pelo fato dessa constatação, as hierarquias

sociais e sexuais da sociabilidade contemporânea.

Tal realidade vem comprovar a hipótese deste trabalho, qual seja, a de que,

“as relações sociais de gênero interferem de forma direta e indireta na precarização

das relações e condições de trabalho das/os assistentes sociais”. A que se referir

que a análise empreendida na dinâmica das relações sociais, destacou a

reprodução de aspectos conservadores em torno da mulher e a resistência e/ou

preconceito ao masculino na Assistência Social e no Serviço Social.

Observa-se uma visão que tende a naturalizar a marca de gênero da

profissão, e, por conseguinte, a não apreensão da desvalorização profissional

atrelada a aspectos que perpassam o discurso associado as contradições de gênero

imputadas à profissão e a política de Assistência Social. Aspectos expostos por

alguns entrevistadas/os, ao não considerar as contradições das relações de gênero

no âmbito do exercício e na consolidação da profissão, passando, por vezes,

despercebidas ao trabalho profissional.

Constatou-se que tanto no âmbito do perfil profissional, das condições e

relações de trabalho, como das demandas apresentadas ao exercício das/os

assistentes sociais, o conteúdo das contradições das relações sociais de gênero se

fizeram presentes, em análise ao lócus da pesquisa. Destaca-se alguns pontos,

como:

1. O componente familista e conservador que historicamente marcou a política da

Assistência Social não foram rompidos;

2. A divisão sexual do trabalho se mostrou presente na execução dos serviços

sócio assistenciais e no direcionamento ao público usuário, com enfoque no

público feminino;

3. Empreende-se o discurso da autonomia pela via do “empoderamento”,

direcionando o principal benefício de transferência de renda, o Bolsa Família, as

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mesmas em detrimento do real conceito de emancipação das mulheres;

4. A precarização que acompanha o processo de expansão da política de

Assistência Social, por articular dimensões de gênero e classe (categorias em

destaque nessa síntese), incide tanto na dimensão concreta do trabalho, como

abstrata. Ou seja, diferencia e subalterniza as/os profissionais em relação a sua

própria categoria e, diante de uma composição majoritária das mulheres,

contribui para uma desvalorização mais ampla da profissão.

5. Há uma responsabilização da mulher para com a Assistência Social, na

perspectiva que destaca a realização do trabalho gratuito realizado pelas

mulheres no interior das famílias e o reforço à divisão sexual do trabalho, como

pontos estruturantes da política.

Afirma-se a dificuldade de ultrapassagem dos aspectos conservadores que

acompanham a política desde a sua gênese, como exemplo a “cultura” de

responsabilização das mulheres pela “reprodução social”, pelo “equilíbrio” e

“harmonia” da família e da sociedade, e, por conseguinte, de aspectos clientelistas e

naturalistas ligados a uma visão positivista dos fenômenos que se expressam na

realidade social.

Cria-se um paradoxo em torno desse contexto. A “feminização” do público

alvo da Assistência Social não ocorre apenas devido à condição de maior pobreza

na vida mulheres, mas também pela sua histórica responsabilização para com a

reprodução social. Elemento que passa despercebido por alguns sujeitos/as da

pesquisa, ao não considerar o conteúdo de gênero que norteia a formulação e

execução da política de Assistência Social.

Com base nessa responsabilização das mulheres para com a gestão dos

benefícios ofertados pela Assistência Social, a exemplo do Bolsa Família, destaca-

se que essa adquire novos contornos e se apresenta, no campo da aparência como

o reconhecimento político da mulher sob o discurso neoliberal de “empoderamento”

do feminino e da igualdade de gênero, discurso ressaltado pelo governo na

implementação e execução dessas medidas.

Contudo, o que se apresentou foi o reforço às atribuições conservadoras da

maternidade e afirmação da mulher como responsável “pelo que não deu certo na

sociedade”. Há a reafirmação da mulher como responsável pela reprodução social,

ou seja, pela promoção do bem-estar da família e da sociedade. Há isso não se

observa uma contribuição para a autonomia e igualdade de gênero, em termos de

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emancipação das mulheres, tendo em vista que a perspectiva e busca de autonomia

empregada pelo governo, se resume a medidas de instrumentalizá-las na otimização

dos parcos recursos governamentais destinados aos programas sociais, para o

fortalecimento do sistema sociometabólico do capital.

Nesse âmbito, observa-se que não existe uma preocupação, em termos

concretos, de buscar autonomia para as mulheres e emancipação das mesmas, bem

como a efetivação de medidas que contribuam para a inserção e valorização das

mulheres nos espaços públicos. Ressalta-se a necessidade de reconhecimento e

valorização do trabalho reprodutivo/doméstico das mulheres e condições dignas de

valorização das profissões eminentemente femininas, no âmbito privado e público. A

hierarquia de papéis e atribuições pautadas na diferenciação dos gêneros, com base

em ações conservadoras e desvalorizadoras do feminino, é, em ultima instância, no

que tange a discussão em curso, uma disputa de gêneros, seguindo a lei de

valorização do capital. Isso significa afirmar que não será possível eliminar essas

marcas fora dessa luta.

Chama-se atenção para a questão de que, diferentemente do homem, a

mulher demonstra seu valor para a sociedade com base no seu sofrimento, sendo

responsável pelas soluções dos problemas sociais da família e da sociedade, não

estando incumbidas as mulheres das necessidades de ou produzir, tidos esses

como atributos masculinos. Essas questões precisam ser apreendidas pelo Serviço

Social em vias de consolidar o direcionamento político da profissão e pautar a

necessária articulação com as lutas do movimento feminista.

Desse modo, a análise aqui evidenciada caminha no sentido de afirmar que a

expansão da Assistência Social e as relações e condições de trabalho nessa política

mantém uma articulação com as relações sociais de gênero, no nível do

desenvolvimento da política e da profissão do Serviço Social.

Ressalta-se o direcionamento estratégico da política, as características que

norteiam a execução dos serviços, o perfil da equipe técnica, composta em sua

maioria por mulheres, como frutos do processo que conforma dimensões histórico-

concretas em torno das mesmas. A dimensão das relações sociais de gênero se

mostra evidente, sendo desenhada e redesenhada na dinâmica da

consubstacialidade e coextensivadade das relações sociais no desenvolvimento das

práticas sociais.

Conclui-se que existe defasagem na incorporação dos estudos das relações

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de gênero no Serviço Social, especialmente pelo modo como se destaca o

desconhecimento por parte dos sujeitos/as da pesquisa dessa dimensão na

realidade social em que se efetivam os processos de trabalho.

A partir dessas considerações, pode-se afirmar que, quando analisadas a

dimensão concreta e abstrata do trabalho das/os assistentes sociais, as

contradições no cotidiano do trabalho assalariado, o gênero se mostram como

estruturantes, em conjunto com a classe social, das condições e relações no

exercício do trabalho profissional, bem como nos fundamentos da profissão.

Assim, espera-se que o conjunto de sistematizações ora apresentado,

contribua para estimular novas inquietações e investigações nesse campo teórico,

metodológico e político no Serviço Social, como promissor e constituinte da agenda

da profissão. Cujas marcas históricas estão inscritas nos projetos comprometidos

com uma ordem libertária para a humanidade.

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