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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
MARIA IVANEIDE ALVES
A DROGADIÇÃO COMO UM FENÔMENO SOCIAL: UM ESTUDO SOBRE AS
PRINCIPAIS CAUSAS DA EVASÃO NO TRATAMENTO DOS USUÁRIOS DO
CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS-
CAPS AD PARNAMIRIM-RN.
NATAL/RN
2016
MARIA IVANEIDE ALVES
A DROGADIÇÃO COMO UM FENÔMENO SOCIAL: UM ESTUDO SOBRE AS
PRINCIPAIS CAUSAS DA EVASÃO NO TRATAMENTO DOS USUÁRIOS DO
CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS-
CAPS AD PARNAMIRIM-RN.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN, como requisito para obtenção do título de bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Profª. Ma. Luciana do Nascimento
Simião
NATAL/RN
2016
AGRADECIMENTOS
A Deus por tantas oportunidades concedidas e pela sua presença
infinita em minha vida.
Aos meus pais Lucineide e Manoel e aos meus irmãos pelo amor
incondicional e incentivo durante todos os momentos da minha existência, em
especial meu irmão Ivanilson que esteve presente, acreditando em mim e
financiando todas as minhas necessidades ao longo do curso.
A minha Tia Ana Lúcia e a minha prima Samara pelo incentivo e por
estarem presentes em toda a minha jornada acadêmica, e pela força nos
momentos que pensei em desistir.
Aos meus avós, que sempre acreditaram que eu conseguiria ir além,
pessoas simples que sempre me passaram um enorme carinho e grandes
ensinamentos de vida. Em especial, minha avó Antônia, que faleceu no
decorrente ano e não poderá estar presente fisicamente neste celebre
momento, mas sei que estará em espírito.
Aos meus queridos amigos do grupo católico Jovens Sementes da Paz
- JOSP, por sempre me apoiarem e acreditarem em mim.
As minhas colegas de sala pela grande família que construímos, em
especial as minhas amigas Andriele, Ronize, Nayara, Jocilda, Lionete e Layssa
por sempre estarem comigo me apoiando assim como sempre estarei apoiando
vocês. Aos mestres pelos ensinamentos e aprendizagens durante a graduação.
A minha Supervisora de estágio Elizângela Brito Fernandes, pela
atenção e ensinamentos sobre os instrumentais da profissão, principalmente
pelo carinho com o qual sempre me tratou. Também, agradeço a todos os
profissionais do Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas – CAPS
ad pelo aprendizado do trabalho em equipe.
A minha orientadora Luciana do Nascimento Simião pelas
maravilhosas orientações no período do estágio obrigatório e no processo de
elaboração do presente Trabalho de Conclusão de Curso.
Enfim, a todas as pessoas que torceram, acreditaram e estiveram
presentes nesta etapa da minha vida, meu sincero: MUITO OBRIGADA!
“A reforma veio então para propor um
novo olhar sobre a loucura, porque as
pessoas veem o que estão
acostumadas a ver. [...] é preciso ver
diferente para mudar. ”
(Janio Muniz)
RESUMO
Na atualidade os principais serviços que disponibilizam tratamento para
pessoas com problemas relacionados ao uso abusivo de álcool e outras drogas
seguem os princípios do Sistema Único de Saúde brasileiro e são orientados
pela atual política de Saúde Mental. Objetivou-se através desta pesquisa, de
maneira geral, analisar as principais causas de evasão entre adolescentes do
CAPS ad no município de Parnamirim-RN. Os objetivos específicos:
problematizar a política de saúde e o atendimento em saúde mental no
contexto brasileiro da década de 1930 aos dias atuais, considerando o papel do
Estado no exercício das políticas, em tempos neoliberais; Historicizar a
contribuição do Serviço Social no campo da saúde mental; Analisar os serviços
prestados pela instituição vinculado à Secretaria de Saúde do Município, a
articulação com o sistema de garantia de direitos, seus desafios e perspectivas.
Foram utilizadas literaturas referentes à Política de Saúde Mental, a
participação do Serviço Social nessa Política, sendo ela uma profissão inserida
na divisão sociotecnica do trabalho, atuante em favor das demandas da classe
trabalhadora. As técnicas metodológicas foram a análise documental dos
prontuários dos usuários, entrevista aberta semiestruturada a 5 adolescentes
com idades entre 15 e 17 anos que não estão frequentando o CAPS ad.
Diferentes aspectos intrínsecos e extrínsecos foram referidos como favoráveis
à adesão e ao abandono do tratamento. Os dados encontrados apontados
podem contribuir para a elaboração de propostas de intervenções terapêuticas,
direcionadas a adolescentes usuários de drogas com a inclusão dos familiares
como apoio para a redução de danos.
Palavras-Chaves: Atenção Psicossocial, Política de Saúde Mental, Política de
redução de danos, adolescentes usuários de drogas, Serviço Social.
ABSTRACT
At present the main services that available treatment for people with associated
to abusive of alcohol and other drugs follow the principles of the Brazilian
Unique Health System and are oriented by the current mental health politics.
The objective of this research, in general, to analyze the main causes of
evasion in between adolescents CAPS ad in the municipality of Parnamirim-RN.
The specific objectives: Problematize health politic and mental health
attendance in the Brazilian context of the 1930 decade until today, considering
the state's role in the assignment of politics, neoliberal times; historicizing the
contribution of social service in the mental health field; to analyze the services
provided by the institution linked to the County Health Department, the link with
the duties assurance system, its challenges and perspectives. Literatures were
used referent to Mental Health Politic, the participation of Social Service in this
politic, it is a profession inserted in socio-technical division of labor, acting in
favor of the demands of the working class. The methodology techniques were
the documentary analysis of records of users, open interview semistructured 5
adolescents aged 15 to 17 who are not frequenting the CAPS ad. Different
intrinsic and extrinsic aspects were referred to as favorable and abandonment
of treatment. The appointed found data can contribute to the development of
proposals for therapeutic interventions aimedat adolescent drug users with the
inclusion of family as support for damage reduction.
Key Words: Psychosocial Care, Mental Health Politics, damage reduction
politics, adolescent drug users, Social Service.
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1: Rede de Saúde Mental distribuída nacionalmente .................40
GRÁFICO 2: Natureza das Instituições de Saúde Mental ...........................41
GRÁFICO 3: Perfil dos usuários do Serviço de Saúde mental.....................86
GRÁFICO 4: Público atendido no CAPS ad atualmente...............................93
GRÁFICO 5: Nível de escolaridade dos usuários adultos e adolescentes...94
GRÁFICO 6: Meios de subsistência..............................................................95
GRÁFICO 7: Demanda por bairro.................................................................96
GRÁFICO 8: Relacionamento familiar adultos e adolescentes.....................97
GRÁFICO 9: Saúde Clínica...........................................................................98
LISTA DE TABELAS
TABELA 1: Modalidades de Centros de Atenção Psicossocial existentes e o
contingente populacional de abrangência.....................................................39
LISTA DE SIGLAS
ABPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
ABSS – Associação Brasileira de Serviço Social
AGS – Agentes de Saúde
AIS – Ações Integradas de Saúde
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
CAPS – Centro de Atenção Psicossocial
CAPs – Caixas de Aposentadoria e Pensões
CCPAR –Centro Clínico de Referência
CEBES– Centro Brasileiro de Estudo de Saúde
CONASP – Conselho Nacional de Administração da Saúde Previdenciária
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social
CREAS– Centro de Referência Especializado de Assistência Social
DINSAM – Divisão Nacional de Saúde Mental
IAPs – Instituto de Aposentadorias e Pensões
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INSS – Instituto Nacional de Seguro Social
MPC – Modo de Produção Capitalista
MTSM – Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental
NAPS – Núcleo de Apoio Psicossocial
NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família
PNE – Política Nacional de Estágio
PRH – Programa Anual de Reestruturação da Assistência Hospitalar
RRAS – Redes Regionais de Atenção à Saúde
RAPS – Rede de Atenção Psicossocial
SESP – Serviço especial de Saúde
SISNAD– Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre Drogas
SUDS– Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
SUS– Sistema Único de Saúde
UBS– Unidade Básica de Saúde
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 13
2. REFORMA PSIQUIÁTRICA: PRIMÓRDIOS DA LUTA ANTIMANICOMIAL NO
BRASIL. ..................................................................................................................... 20
2.1. Processo histórico de construção e os desafios para a efetivação da
Política de Saúde no território Brasileiro. ........................................................... 21
2.2. Resgate histórico sobre a implementação da Política de Saúde Mental
no Brasil ................................................................................................................. 32
2.3. “Por uma sociedade sem manicômios”: Eclosão do movimento de
Reforma Psiquiátrica............................................................................................. 41
3. CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E CRISE: IMPACTOS NA POLÍTICA DE
SAÚDE MENTAL ....................................................................................................... 50
3.1. A Política de Saúde Mental no Capitalismo contemporâneo ................... 50
3.2. Legislação e Saúde mental no Brasil ........................................................ 60
3.3. Serviço Social e sua relação com a Saúde Mental ................................... 71
4. CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA E OS SUJEITOS ENVOLVIDOS:
ENTENDENDO OS FATORES QUE OCASIONAM O FENÔMENO DA EVASÃO
ENTRE ADOLESCENTES DO CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ÁLCOOL E
OUTRAS DROGAS – CAPS AD/ PARNAMIRIM-RN ................................................. 85
4.1. Histórico Institucional e caracterização do público usuário do CAPS ad
Parnamirim/RN ...................................................................................................... 85
4.2. Evasão entre adolescentes do CAPS ad: Suas diversas faces e
implicações .......................................................................................................... 102
4.3. “Sim aos cuidados, não à exclusão”: Reflexões e Apontamentos sobre a
realização da pesquisa ....................................................................................... 117
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 121
6. REFERÊNCIAS ................................................................................................. 125
7. APÊNDICE ........................................................................................................ 130
13
1. INTRODUÇÃO
O uso abusivo de álcool e outras drogas é um fenômeno social que
agrega em si uma série de variáveis que transcende sua particularização nos
indivíduos e atinge o status de questão social, posta uma realidade histórica
marcada pelo recrudescimento das relações sociais que obstaculizam e
vulnerabilizam as condições de existência das pessoas não apenas do ponto
de vista das condições materiais concretas, mas é, sobretudo, do ponto de
vista subjetivo. De modo que, sua análise requer um olhar atento à dinâmica
da vida em sociedade, saturando-o de determinações históricas.
Isto considerando que estamos imersos em um sistema opressor em
sua essência, em que o cotidiano expressa uma dinâmica perversa cujo vínculo
estrutural é inegligenciável, como fator analítico fundamental ao entendimento
desse problema social e de saúde pública, embora o seja frequentemente
naturalizado, tornado de responsabilidade dos indivíduos que vivenciam, em
detrimento da contribuição da sociedade e do Estado por sua existência.
E, a crise socioeconômica e política que evidencia tempos sombrios na
história do capitalismo, hoje concretiza a barbárie vivenciada concretamente
pelos setores mais oprimidos da sociedade, gerando outros agravos, como a
recorrência ao uso abusivo de álcool e outras drogas, que causa dependência
e provoca uma conjuntura caótica na vida dos indivíduos, no seu convívio
social, familiar e comunitário. Embora nossa análise, apesar de reconhecer os
riscos sociais e de saúde, não se confunda com o reforço da criminalização
dura do uso das drogas, em caráter moderado, com fins medicinais, dentre
outras formas, conforme expressa a cultura de comunidades tradicionais (como
indígenas, quilombolas, etc.). Essas últimas, originárias do conhecimento e
sabedoria milenar da cultura desses povos que muitas vezes expressam o
vínculo com suas divindades.
Dentre os diversos problemas enfrentados na contemporaneidade, está
o crescimento da comercialização e uso de substâncias psicoativas, tornando-
se mais um dos agravos que abalam a saúde dos indivíduos, sendo mais uma
possibilidade de elaborações de políticas que visam o enfrentamento da
problemática da drogadição e do uso de bebidas alcoólicas, com isso:
14
(...) devido à dependência decorrente de seu uso e os efeitos produzidos pela progressão no consumo, ao poliuso e ao uso crônico; à gravidade de seus efeitos, que ultrapassa o limite do biológico; e ao aumento vertiginoso da prevalência do consumo na população. (SANTOS JAT, 2012. p. 83)
Em sua atual gestão o Ministério da Saúde assume o papel desafiante
de prevenir, tratar e reabilitar aqueles que consomem álcool e outras drogas de
forma abusiva, assumindo uma característica/ dimensão. Assim como foi
sugerido durante a III Conferência de Saúde Mental, ocorrida no ano de 2001.
Na legislação está previsto que deverá ser ofertado à pessoa que
busca o tratamento para o uso de drogas opções de atendimento, de forma a
garantir a integralidade e a efetividade no tratamento, incluindo a atenção
específica direcionada à criança e adolescente que necessitem de tal
intervenção.
Diversos são os motivos para o início do uso de drogas na atualidade,
pois é possível estabelecer diferentes modos de relação com as drogas, de
maneira que nem sempre quem as usa ou experimenta desenvolve algum
problema relacionado à dependência. Ao longo da história, as substâncias
psicoativas estiveram inseridas em diferentes culturas, possibilitando diferentes
vínculos.
Para entender a questão do uso de drogas como um problema de saúde pública é necessário compreender a utilização dessas substâncias ao longo da própria história da humanidade. O uso de substâncias que alteram a percepção habitual da realidade e transformam estados psíquicos caminha, paralelamente, à trajetória do homem, desde épocas passadas até o período contemporâneo. (ALARCON; JORGE, 2012, p.212)
Na atualidade percebe-se o aumento do consumo de entorpecentes
para fins recreativos, a redução da idade de iniciação e a facilidade de
obtenção dos mesmos. Isso proporcionado pelas diferentes formas de
produção e preços mais acessíveis.
É fato que os problemas advindos do uso abusivo de drogas são
vários: conflito familiar, dificuldades para trabalhar e/ou estudar, problemas de
relacionamentos, relação conflituosa com a polícia (etc.).
15
Para o atendimento dessa demanda, o Ministério da Saúde estabelece
a Rede de Atenção Psicossocial direcionada a pessoas diagnosticadas com
transtorno mental e com necessidades provenientes do uso de crack, álcool e
outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Dentro dessa
Rede de atendimentos, estão os Centros de Atenção Psicossociais – CAPS
voltados para a demanda de álcool e outras drogas. Geralmente, os
atendimentos são direcionados a adolescentes e a adultos usuários de
substâncias psicoativas.
Os adolescentes são encaminhados a instituição por medidas judiciais,
que tem como objetivo inseri-los no tratamento especializado na tentativa de
reduzir os danos causados pelo uso de psicotrópicos, com isso, contribuir para
recuperação dos laços sociais e familiares rompidos.
O CAPS ad objetiva a garantia de tratamento para pessoas com
transtornos nos mais variados espaços/ dimensão da vida, decorrentes da
dependência química que, apresentam danos físicos e psíquicos, além de
riscos sociais, de forma a promover o ser humano em toda a sua
complexidade, trabalhando a superação do estigma da dependência química e
contribuindo com a reflexão dos usuários, sobre a retomada da cidadania como
um processo de reconstrução social e familiar.
São objetivos também relevantes: a manutenção da adesão ao
tratamento e a reinserção do indivíduo na sociedade. Sendo assim, o CAPS ad
tem como intenção evitar internações, garantir direitos sociais e reduzir danos
decorrentes do uso prejudicial de substâncias psicoativas.
Entretanto, ao longo do período destinado ao estágio obrigatório
percebi que essa adesão ao serviço diminuiu entre adultos e adolescentes,
este último podemos afirmar que consideravelmente. Em alguns casos chega
ao conhecimento dos profissionais dessa instituição que alguns indivíduos
acabaram sendo vitimados pela violência que assola a sociedade devido ao
tráfico e o consumo de drogas. Outros, segundo informes institucionais, eram
participativos e aceitavam bem o tratamento, porém, acabaram sumindo e a
instituição não obteve nenhum tipo de justificativa da parte deles.
Diante disso, o presente trabalho buscou analisar os principais fatores
que condicionam para a ocorrência da evasão dos usuários, especificamente
16
adolescentes com faixa etária de 15 a 17 anos de idade, atendidos pelo CAPS
ad, localizado no município de Parnamirim-RN.
É fato que o abandono do serviço de saúde mental no referido
município é uma característica marcante entre os pacientes, o que dificulta que
a assistência a sua saúde seja efetiva em toda a sua complexidade.
O interesse por essa temática, se deu através da inserção da
pesquisadora no campo de estágio durante o ano de 2015, pois houve a
percepção de que muitos adolescentes não estavam comparecendo ao serviço
quando solicitado pela justiça, outros comparecem, porém, não são assíduos.
Essa percepção em si, foi bem maior quando na elaboração do projeto
de intervenção, possibilitado pelo estágio em Serviço Social, foi solicitada a
quantidade de participantes nas oficinas terapêuticas, percebeu-se que de 40
usuários adultos que deveriam estar presentes nas atividades, 30 ou menos
ainda comparecem mesmo que alguns não sejam assíduos.
Já com o público adolescente esse número se torna bem mais crítico,
muitos são encaminhados ao serviço pelo Ministério Público, mas apenas 2 ou
3 comparecem a instituição, outros vão poucas vezes e, após determinado
tempo acabam desistindo.
Para o Serviço Social, não só para a profissional lotada no CAPS ad,
mas a todos de modo geral, trata-se de uma temática de grande relevância que
possibilita grandes debates, em muitos casos polêmicos. O que nos remete a
reflexão sobre alguns fatores, tais como: a inserção precoce de adolescentes
ao submundo das drogas, em que circunstâncias isso ocorre, e, principalmente
pensar os fatores que levam os adolescentes a não aceitarem o projeto
terapêutico criado para eles.
Os profissionais devem estar munidos de aporte teórico atualizado
referente a temática da drogadição dentro da Saúde Mental, para pensar
formas, estratégias e instrumentais eficazes de atuação profissional que
fortaleçam os fatores de proteção em conjunto com a equipe multiprofissional.
É importante pontuar que a questão do uso de drogas é um problema
de saúde pública, associado a criminalidade e práticas antissociais, abordando
as pessoas de diversas maneiras por vários motivos e em diferentes ambiente
e situações. É algo que afeta o convívio familiar e social. Cabe ao poder
17
público criar medidas e políticas públicas mais eficazes ou reorganizar as que
já existem para que passem a funcionar como estão previstas nas leis.
Na atual conjuntura do CAPS ad são notáveis os fatores que podem
levar a uma situação de evasão. As hipóteses levantadas abordam, que
possivelmente, esse fenômeno pode estar acontecendo devido ao aumento da
criminalidade: prisões, assassinatos e ao uso desenfreado de substâncias
psicoativas, que por sua vez geram doenças físicas psíquicas e podem chegar
a causar a morte do indivíduo.
É fato, também, que alguns acabam sendo ameaçados de morte e
necessitam de abrigo em pontos distantes de seus territórios de origem, a partir
disso há o abandono do tratamento. Em outros casos tem-se a religiosidade,
que de certa forma se torna um apoio para que eles deixem o uso das
mesmas. Dessa maneira, acreditam não necessitar mais de tratamento através
de medicamentos e das idas frequentes à instituição, o que os faz abandonar o
serviço e buscam a fé como o principal meio de amparo.
Também existe a possibilidade da falta de interesse pelo tratamento,
pois há preferência por continuar com o uso de drogas sem nenhum tipo de
ajuda. Em certos casos, existem aqueles que conseguiram encontrar trabalho
formal ou informal e a disponibilidade de tempo não permite que eles
compareçam as oficinas realizadas na unidade.
Sendo o CAPS ad criado com intuito de aceitar demanda espontânea e
também pensado para atender os princípios da Reforma Psiquiátrica, não cabe
a nenhum técnico forçar o indivíduo a aceitar aquilo que ele não quer, e sim
levá-lo a conhecer o que a instituição pode oferecer em termos de projeto
terapêutico. Nessa perspectiva, a última hipótese levantada, trata-se da relação
entre usuários e técnicos. Com base nisso, o fenômeno da evasão e a falta de
adesão ao projeto terapêutico individualizado ou em grupo por parte dos
usuários, pode estar associado a falta de atendimento qualificado e
humanizado por parte de profissionais não capacitados para atender a
demanda.
Metodologicamente a pesquisa foi pensada da seguinte forma:
inicialmente foi realizada uma pesquisa teórica trazendo a análise crítica,
através do método crítico-dialético em Marx. “[...] O método dialético de Marx
enquanto método de investigação e de exposição distingue, sem separar,
18
esses dois momentos, pressupondo que o objeto só pode ser exposto depois
de ser investigado, analisado, criticamente em suas determinações essenciais.
” (CHAGAS, 2016).
Sendo assim, a partir da pesquisa de campo foi possível observar os
fatos e o fenômeno da evasão entre adolescentes do CAPS em seu contexto
macro, e refletir por meio da coleta de dados o que ocorre na realidade a ser
pesquisada em conjunto com o aporte teórico que tratam sobre a temática.
Para que fosse realizada qualitativamente, foram realizadas algumas
visitas a instituição para obtenção de dados precisos relacionados aos usuários
que desistiram do tratamento. Esses dados foram adquiridos através dos
arquivos institucionais inativos obtidos a partir dos acolhimentos que foram
realizados quando os pacientes procuraram o CAPS pela primeira vez. Só para
constar, esses documentos foram analisados pela pesquisadora com o
consentimento da equipe multiprofissional da instituição.
Após essa primeira etapa, foi solicitada e aceita de antemão, a
contribuição da instituição e da Secretaria Municipal de Saúde para que fossem
realizadas buscas ativas a pelo menos 5 adolescentes que abandonaram o
tratamento com a finalidade de aplicação de um questionário semiestruturado
com perguntas abertas. A escolha foi feita de forma aleatória dentro da
totalidade de 52 prontuários (dos adolescentes) que foram consultados. Quanto
as buscas, seriam realizadas com o transporte do CAPS ad e com a ajuda da
profissional do Serviço Social.
Sobre as visitas, a perspectiva foi levar aos sujeitos um questionário
com perguntas abertas, para ser utilizado em forma de entrevista. Em relação à
escolha desse instrumental para a coleta de dados, deu-se pelo fato desta ser
uma técnica que permite uma melhor aproximação entre as pessoas. Porém,
especificamente com o público alvo escolhido foi realizada de forma tranquila,
tentando manter um parâmetro de conversa formal e informal, para que eles
não se sentissem pressionados e nem policiados devido a situação complexa
em que vivem.
Ao término do processo de visitas e entrevistas, deu-se início a
tabulação dos dados colhidos com os usuários, familiares e consulta as fichas
de acolhimento, separando as partes principais que vão de encontro a temática
proposta.
19
Inicialmente o capítulo 2 deste trabalho, e seus subitens abordam um
breve apanhado histórico que envolve a temática da Reforma Psiquiátrica,
tendo como fundamento a luta Antimanicomial, cujo o principal objetivo é a
manutenção dos vínculos sociais e familiares dos indivíduos com transtornos
mentais, e não a ideia de exclusão a partir de isolamento em Hospitais
Psiquiátricos. Luta essa que foi se consolidando com o advento da Constituição
Federal de 1988 em conjunto com o surgimento do Sistema Único de Saúde
(SUS). Com isso foi possível pensar uma nova forma de ação para que a
população com transtorno mental fosse vista sem nenhum tipo de distinção.
Nesse mesmo capítulo aponta-se os principais desafios enfrentados
pela Política de Saúde Mental para se efetivar em consonância com os
princípios que regem o Sistema Único de Saúde – SUS.
Dentro do contexto neoliberal problematizado no capítulo 3, a literatura
traz apontamentos sobre o processo de desinstitucionalização que provocou
consideráveis mudanças na rede de Saúde Mental em todo país. Apesar dos
avanços, quanto a luta pelo rompimento com o modelo Hospitalocêntrico, a
partir dos anos 1990, essa política começa a sentir os rebatimentos do
neoliberalismo.
Ainda durante a discussão do terceiro capítulo, em seu subitem 3.2
tornou-se imprescindível trazer a legislação referente a saúde mental, seus
avanços e retrocessos. O rumo da Política de Saúde Mental, será abordada
neste subitem, dentro do conjunto de normas legais reguladoras, apontando
para a contínua expansão e consolidação desta rede de atenção extra-
hospitalar.
No subitem 3.3 será analisada a inserção do Serviço Social na atenção
à Saúde Mental, que se deu na década de 1940. Atualmente existe dentro da
categoria profissional, a ideia reproduzida pelo senso comum pautado na ideia
de que a profissão no âmbito da Saúde Mental, é uma temática nova e a partir
desse pensamento, muitos assistentes sociais não se sentem preparados
metodologicamente para atuarem nessa área. Contudo, a literatura traz uma
reflexão contrária a essa ideologia. O Serviço Social na Saúde Mental tem sua
marca histórica acompanhada pelo movimento de reconceituação da profissão,
que modificou a forma de atuação dessa categoria, em especial no período pós
ditadura militar.
20
No capítulo 4 primeiramente será apresentado através de um histórico
institucional o local onde a pesquisa foi proposta, logo após, no subitem 4.2
temos a apresentação dos sujeitos envolvidos, os adolescentes e familiares
participantes das entrevistas. Bem como, serão apresentados os resultados
obtidos e analisados por autores referenciados ao longo do trabalho. No último
subitem (4.3) a pesquisadora faz suas reflexões sobre a presente temática
apontando os limites e os desafios para que fosse concretizada.
Mediante aos fatos apontados buscamos analisar os fatores sociais
que incidem na evasão dos usuários nos serviços do CAPS ad, voltados ao
trato terapêutico da demanda, ao constatar uma realidade de descontinuidade.
Especificamente, objetivou-se problematizar a política de saúde e o
atendimento em saúde mental no contexto brasileiro da década de 1980 aos
dias atuais, considerando o papel do Estado no exercício das políticas em
tempos neoliberais. Foram relevantes, também, abordar alguns marcos
históricos relacionados a contribuição do Serviço Social no campo da saúde
mental, partindo da atuação da profissão no modelo asilar até a
contemporaneidade com a Política de CAPS ad.
Além disso, as análises proporcionais à temática levantada recaem
sobre os serviços prestados pela instituição, circunstanciadamente, a respeito
das possíveis articulações da Rede de Atenção em Saúde Mental com o
sistema de garantia de direitos proporcionados pela promulgação da
Constituição Federal de 1988.
2. REFORMA PSIQUIÁTRICA: PRIMÓRDIOS DA LUTA
ANTIMANICOMIAL NO BRASIL.
A conjuntura atual apresenta significativas barreiras para a
concretização da universalização das políticas públicas. Vivenciamos o
enfrentamento das tendências de focalização, fragmentação e privatização que
assolam o conjunto de políticas sociais, incluindo aquelas destinadas a área da
saúde. Com base no que foi dito, o presente item visa trazer a análise histórica
sobre a trajetória da Política de Saúde no Brasil a partir da década de 1930 até
os dias atuais para melhor entendermos os acontecimentos relacionados a
21
saúde, de modo geral, e, em específico, na Saúde Mental apresentada nos
próximos itens.
2.1. Processo histórico de construção e os desafios para a
efetivação da Política de Saúde no território brasileiro.
Inicialmente entende-se que a política de saúde no Brasil, ao longo dos
anos, caracterizou-se por ser um eficaz instrumento de controle político e social
do Estado sobre a classe trabalhadora formal. De acordo com Bravo (2001,
p.2) com o advento da industrialização nos países centrais a assistência à
saúde dos trabalhadores ficou sob responsabilidade do Estado, em paralelo
com o surgimento da medicina social na Alemanha, França e Inglaterra.
A conquista de alguns direitos sociais pelas classes trabalhadoras foi mediada pela interferência estatal, no seu papel de manutenção da ordem social capitalista e de mediação das relações entre classes sociais. No século XX, esta interferência será aprofundada, com a elaboração de políticas para o setor e o surgimento de diversas propostas (BRAVO, 2001, p.2).
Porém, no Brasil, a intervenção do Estado só teve início a partir do
século XX, especificamente no ano de 1930. Anterior a essa época,
basicamente o século XVIII, aponta-se que a assistência médica se resumia a
filantropia e a prática liberal. Nesse mesmo período, o país continuava com o
estatuto de colônia ainda como sociedade rural, que sobrevivia por meio da
exportação de produtos agrícolas e minerais. Viviam sobre o domínio dos
grandes latifundiários articulado economicamente com o regime escravagista.
(BRAVO, 2013, p.111).
Segundo Bravo (2013, apud SINGER et al., 1978) o histórico desse
período tem como características a proliferação de doenças e pestilências,
dentre elas: varíola e febre amarela, elevando consideravelmente a taxa de
mortalidade daquele lugar. Eram, também, precárias as condições de
saneamento, existia o abastecimento de água, porém, não havia sistema de
esgoto. Grande era a precarização dos serviços de saúde em todo o Brasil,
sendo o seu maior índice no Rio de Janeiro, e os atendimentos médicos se
baseavam nos conhecimentos tradicionais sem a utilização da ciência.
22
Por não existir ensino superior no Brasil, se tornava impossível
relacionar diretamente a questão saúde aos médicos. Portanto, a medicina não
era tida naquele período como uma política especializada e específica
responsável pela situação de saúde da população.
Ainda sobre o século XVIII, dados analisados pela autora apontam que
houve um aumento do número de alunos brasileiros inscritos no curso de
medicina na Universidade de Coimbra, bem como o interesse pelo estudo da
flora brasileira baseada na contribuição da mesma nas virtudes terapêuticas.
(BRAVO, 2013). Já sobre as particularidades do século XIX ela traz a reflexão
que
Em decorrência das transformações econômicas e políticas, algumas iniciativas surgiram no campo da saúde pública, como a vigilância do exercício profissional e a realização de campanhas limitadas. Nos últimos anos do século, a questão saúde já aparece como reivindicação no nascente movimento operário. No início do século XX, surgem algumas iniciativas de organização do setor saúde, que serão aprofundadas a partir de30. (BRAVO, 2001, p.2).
Mediante as modificações no âmbito da medicina, durante o século
XIX, a autora BRAVO (2001) aponta reflexões pertinentes sobre duas das
principais características que nos possibilitam relacionar com a situação geral
da sociedade. A primeira está baseada à penetração da atuação médica na
sociedade brasileira e a segunda ao apoio científico indispensável ao Estado.
Já o início do século XX, a história da política de saúde está marcada
pela reflexão da problemática da saúde como “questão social” no Brasil “[...] no
bojo da economia capitalista exportadora cafeeira, refletindo o avanço da
divisão do trabalho, ou seja, a emergência do trabalho assalariado” (BRAVO,
2001, p.3).
Ainda de acordo com Bravo (2001, p.3), em 1920 a saúde pública
ganha novo destaque no discurso de poder com a tentativa de ampliação dos
atendimentos ofertados pela área por parte do poder central através da
Reforma Carlos Chagas, de 1923. Dessa forma, constituindo uma estratégia
para a ampliação do poder nacional frente à crise política vivenciada naquele
momento.
Neste período, também foram colocadas as questões de higiene e saúde do trabalhador, sendo tomadas algumas medidas que se constituíram no embrião do esquema previdenciário brasileiro, sendo a mais importante criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões
23
(CAPs) em 1923, conhecida como Lei Elói Chaves. As CAPs eram financiadas pela União, pelas empresas empregadoras e pelos empregados. (BRAVO, 2001, p.3).
Em 1930, a intervenção do Estado na saúde possibilitou o
planejamento de políticas sociais nacionais. Os reflexos da “Questão Social”
em geral e da saúde em particular, precisavam se transformar em questão
política com intervenção estatal e o surgimento de novos aparelhos que
atendessem, de algum modo, os trabalhadores assalariados das cidades. A
política de saúde dessa conjuntura foi formulada para atender nacionalmente,
com subdivisão em dois setores: o de saúde pública e o de medicina
previdenciária. (LIMA et al, 2016)
As políticas sociais eram organizadas pelas grandes empresas de
maneira que apenas elas conseguiam manter. O comando das CAPs era
designado pelo Presidente da República, sendo que os patrões e os
empregados participavam da administração. Os beneficiários recebiam
proporcionalmente de acordo com aquilo que havia contribuído. Para tanto,
eram previstos “[...] assistência médica-curativa e fornecimento de
medicamentos; aposentadoria por tempo de serviço, velhice e invalidez,
pensão para os dependentes e auxílio funeral”. (BRAVO, 2001, p.3).
A partir da década de 1930, as alterações que aconteceram na
sociedade, aponta o processo de industrialização como principal indicador para
tais momentos, bem como, a redefinição sobre o papel do Estado, o
surgimento das políticas sociais e outras respostas advindas pelas pressões
exercidas pelos trabalhadores que passaram a lutar por melhores condições de
trabalho.
A conjuntura de 30, com suas características econômicas e políticas, possibilitou o surgimento de políticas sociais nacionais que respondessem as questões sociais de forma orgânica e sistemática. As questões sociais em geral e as de saúde em particular, já colocadas na década de 20, precisavam ser enfrentadas de forma mais sofisticada. Necessitavam transforma-se em questão política, com intervenção estatal e as criação de nos aparelhos que contemplassem, de algum modo, os assalariados urbanos, que se caracterizavam como sujeitos sociais importantes no cenário político nacional, em decorrência da nova dinâmica de acumulação. (BRAVO, 2001).
24
Sob domínio do capital industrial, este processo se caracterizou pela
aceleração da urbanização e o aumento da massa trabalhadora em precárias
condições de higiene, saúde e habitação. Para Lima et al (2016)
O subsetor de saúde pública será predominante até meados de 60 e centralizou-se na criação de condições sanitárias mínimas para as populações urbanas e, restritamente, para as do campo. O subsetor de medicina previdenciária só virá sobrepujar o de saúde pública a partir de 1966.
Bravo (2001, apud BRAGA e PAULO, 1986, p.2) aborda dados
bastante relevantes sobre as principais alternativas pensadas para a saúde
pública, durante o período de 1930 a 1940.
Ênfase nas campanhas sanitárias;
Coordenação dos serviços estaduais de saúde dos estados de fraco pode político e econômico, em 1937, pelo Departamento Nacional de Saúde;
Interiorização das ações para as áreas de endemias rurais, a partir de 1937, em decorrência dos fluxos migratórios de mão-de-obra para as cidades;
Criação de serviços de combate às endemias (Serviço Nacional de Febre Amarela, 1937; Serviço de Malária no Nordeste, 1939; Serviço de Malária da Baixada Fluminense, 1940, financiados, os dois primeiros, pela Fundação Rckfeller – de origem norte-americana);
Reorganização do Departamento Nacional de Saúde, em 1941, que incorporou vários serviços de combate às endemias e assumiu o controle da formação de técnicos em saúde pública.
Ainda na década de 1930, houve também a criação da medicina
previdenciária com o surgimento dos Institutos de Aposentadorias e Pensões
(IAPs). O objetivo era a expansão para um grande número de categorias de
trabalhadores urbanos, os seus benefícios como forma de antecipar as
reivindicações dessas categorias.
Oliveira e Teixeira (1986, p. 61-65) analisam que foi entre os anos 30 e
40 no Brasil que aconteceu um processo de orientação para contenção de
gastos, totalmente contraditório ao modelo dominante no país no período
anterior, entre 1923 a 1930. Para esses mesmos autores, o principal
determinante para a contenção foi o aumento da massa de trabalhadores
inseridos nos meios de produção.
Diante dessa situação, a previdência procurou centrar seus esforços e
atenção na acumulação de reservas financeiras, bem mais do que na
25
prestação de serviços. O poder legislativo do período de 1930, decidiu pela
distinção entre previdência e assistência social, que antes não se tinha. A partir
disso foram definidos o limite do orçamento para as despesas destinadas a
assistência médico-hospitalar e farmacêutica.
Entre os anos de 1945 a 1964, os gastos direcionados a saúde foram
um pouco mais favoráveis, condicionando uma leve melhoria nas condições
sanitárias, apesar disso não conseguiu conter o quadro de doenças infecciosas
e parasitárias, bem como a eliminação das taxas de morbidade, mortalidade
infantil e a taxa de mortalidade geral.
Dentro do período citado, especificamente nos anos de 1950, começou
a ser montada a estrutura hospitalar de caráter privatista, cuja direção era
apontada na formação das empresas médicas, ligada aos interesses
capitalistas, com organização voltada a pressionar o Estado para que o mesmo
passasse a financiá-lo (BRAVO, 2001, p.6). Apesar do que foi abordado, a
autora afirma que:
Apesar das pressões, a assistência médica previdenciária até 1964, era fornecida basicamente pelos serviços próprios dos Institutos. As formas de compra dos Serviços médicos a terceiros aparecem como minoritárias e pouco expressivas no quadro geral da prestação da assistência médica pelos institutos. Esta situação vai ser completamente diferente no regime que se instalou no país após 1964. (BRAVO, 2001, p.6)
Durante a ditadura militar, os grandes problemas advindos dos reflexos
da “questão social” foram intensificados, tornando-os cada vez mais complexos
de serem amenizados. Diante disso:
Em face da “questão social” no período 64/74, o Estado utilizou para sua intervenção o binômio repressão-assistência, sendo a política assistencial ampliada, burocratizada e modernizada pela máquina estatal com a finalidade de aumentar o poder de regulação sobre a sociedade, suavizar as tensões sociais e conseguir legitimidade para o regime, como também servir de mecanismo de acumulação do capital. (BRAVO, 2001, p.6)
Para Bravo (2001) foi nesse período que aconteceu a imposição da
medicalização da vida social na Saúde Pública e, também, nos serviços
previdenciários. Com isso, a manifestação das modificações tecnológicas
ocorridas no exterior. E, em 1966, a Saúde Pública enfrentou um período de
26
queda, o que favoreceu ainda mais a medicina previdenciária após a
reestruturação do setor principalmente.
Porém, em 1964 o bloco de poder instalado no Brasil, não conseguiu
consolidar a tão almejada hegemonia, buscou paulatinamente garantir boa
relação com a sociedade civil. Foi preciso a estabelecer diretrizes para “[...] que
legitimassem a dominação burguesa e suas consequências políticas,
econômicas e sociais”. (BRAVO, 2001, p.7).
Segundo Bravo (2001), a política social, entre 1974 a 1979, objetivou
ações mais centradas ao que tange o enfrentamento da “questão social”, afim
de encaminhar as reivindicações e pressões da população. Sobre a Política
Nacional de Saúde a autora apresenta algumas dificuldades do setor para que,
de fato, o direito à saúde fosse efetivado, dentre elas:
(...) tensão entre a ampliação dos serviços, a disponibilidade de recursos financeiros, os interesses advindos das conexões burocráticas entre os setores estatal e empresarial médico e a emergência do movimento sanitário. As reformas realizadas na estrutura organizacional não conseguiram reverter a ênfase da política de saúde, caracterizada pela predominância da participação da Previdência Social, através de ações curativas, comandadas pelo setor privado. (BRAVO, 2001, p.7)
Passado todo o período de dominação ditatorial no Brasil, o país
vivenciou nos anos de 1980 o processo de democratização política, e provou
de uma forte e prolongada crise econômica que persiste até os dias. Tal
transição democrática gerou decepções, principalmente com seu giro
conservador no ano de 1988, o que não se traduziu em ganhos materiais para
a população.
Ainda na década acima citada, a política de saúde contou com a
participação da sociedade civil nas discussões sobre as condições de vida dos
brasileiros, bem como a mesma contribuiu no debate sobre algumas pautas
governamentais apresentadas para a área da saúde. Tratou-se de um longo
debate que permeou toda a sociedade. Dessa forma, a saúde passou a ser
discutida democraticamente, tomando uma dimensão política.
Dos personagens que entraram em cena nesta conjuntura, destaca-se: os profissionais de saúde, representados pelas suas entidades, que ultrapassaram o corporativismo, defendendo questões mais gerais como a melhoria da situação da saúde e o fortalecimento do setor público; o movimento sanitário, tendo o Centro Brasileiro de Estudo de Saúde(CEBES) como veículo de difusão e ampliação do debate em torno da Saúde e Democracia e elaboração de contra-
27
proposta; os partidos políticos de oposição, que começaram a colocar nos seus programas a temática e viabilizaram debates no Congresso para a discussão da política do setor e os movimentos sociais urbanos, que realizaram eventos em articulação com outras entidades da sociedade civil. (BRAVO, 2001, p.8-9).
Esse debate proporcionou elencar algumas propostas fundamentais
para a garantia e melhoria da Política de Saúde ofertada para a população. De
acordo com Bravo (2001, p.9) São elas:
A universalização do acesso; a concepção de saúde como direito social e dever do Estado; a reestruturação do setor através da estratégia do Sistema Unificado de Saúde visando um profundo reordenamento setorial com um novo olhar sobre a saúde individual e coletiva; a descentralização do processo decisório para as esferas estadual e municipal, o financiamento efetivo e a democratização do poder local através de novos mecanismos de gestão – os Conselhos de Saúde.
O marco principal para a discussão da questão saúde no Brasil,
aconteceu durante a preparação da 8ª Conferência Nacional de Saúde – CNS,
ocorrida no ano de 1986, em Brasília, contando com a participação de quatro
mil e quinhentas pessoas (4.500), dentre elas mil delegados. Com isso, o
conceito de saúde foi ampliado no sentido de apresentá-la como um direito
inerente a personalidade e à cidadania, a reformulação do Sistema Nacional de
Saúde e o financiamento do setor de modo amplo1, como resultante das
condições de alimentação, moradia, educação, lazer, transporte, emprego,
acesso a serviços de saúde e a posse da terra.
Esses são fatores determinantes e condicionantes da saúde como
destacados no artigo 3º da Lei Orgânica da Saúde de nº 8.080/90. A partir
dessa definição pode-se reconhecer o ser humano como um ser integral e a
saúde como qualidade de vida.
De acordo com o artigo 196 da Constituição Federal de 1988,
“(...) a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos; ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988).
Com base nesse artigo, podemos observar semelhanças entre
objetivos da Conferência e os que foram alcançados no texto da Constituição
1 De acordo com Bravo (2001) foram participantes da Plenária: “os sindicatos e centrais sindicais, associações profissionais e culturais, partidos políticos progressistas, movimentos populares, associações de usuários, entre outros”.
28
de 1988, pois foi através dos debates, que o relatório da 8ª Conferência
destacou as diretrizes para a reorganização do sistema e estabeleceu que a
mesma deveria “[...] resultar na criação de um Sistema Único de Saúde - SUS
que efetivamente represente a construção deum novo arcabouço institucional
separando totalmente saúde de previdência, através de uma ampla Reforma
Sanitária”.
Os princípios que deveriam orientar a organização do novo Sistema
Nacional de Saúde também foram apresentados naquela Conferência. Além de
serem elencadas propostas incluindo a definição de responsabilidade da União
entre Estados e Municípios na gestão do sistema de saúde. Todas essas
propostas foram importantes para que o texto constitucional aprovado em 1988
contemplasse grande parte das proposições debatidas na 8ª CNS.
As diretrizes estão determinadas na Lei Orgânica da Saúde que
regulamenta, em todo território nacional, as ações do SUS, estabelecendo as
prerrogativas para seu gerenciamento e descentralização, detalhando,
também, as competências de cada esfera governamental.
Enfatiza a descentralização administrativa por meio da municipalização
dos serviços e das ações de saúde com redistribuição de poder, competências
e recursos, direcionados aos municípios. Para tanto, são competências do
SUS: a definição de critérios, valores e qualidade dos serviços, trata da gestão
financeira; define o Plano Municipal de Saúde como base das atividades e da
programação de cada nível de direção do SUS e garante a gratuidade das
ações e dos serviços nos atendimentos públicos e privados contratados e
conveniados.
A lei orgânica do SUS 8080/1990, indica quais são seus princípios:
Universalidade –Atendimento a todos, sem distinções ou restrições, ofertando toda atenção necessária sem custos; Integralidade – o SUS deve oferecer a atenção necessária à saúde da população, promovendo ações continuas de prevenção e tratamento aos indivíduos e as comunidades, em quaisquer níveis de complexidade. Equidade –o SUS tem o dever de disponibilizar recursos e serviços com justiça, de acordo com as necessidades de cada um, dando maior atenção aos que mais necessitam. Participação Social –é direito e dever de a população participar das gestões públicas em geral, e da saúde em particular; é dever do Estado garantir as condições para essa participação, assegurando a gestão comunitária do SUS
29
Descentralização – é o processo de transferência de responsabilidade de gestão para os municípios, atendendo às determinações constitucionais e legais que embasam o SUS, definidor de atribuições comuns e competências específicas à União, aos estados, ao Distrito federal e os municípios.
Diante do que foi colocado vale salientar que é dever do Estado
proporcionar o acesso a política de saúde, bem como um atendimento digno e
de qualidade; hospitais e unidades de saúde com estruturas adequadas para
atender usuários, profissionais qualificados, medicamentos gratuitos, entre
outros.
Outro ponto discutido na 8ª CNS tratou-se da relação do poder público
com a rede privada que presta serviço a uma parcela da população, deve ser
fundamentado no controle efetivo do público para com o privado. Com isso a
conferência trouxe a discussão da implementação imediata e sobre novos
moldes, de um novo relacionamento entre eles. Seria implementado um novo
contrato-padrão entre instituições privadas que se relacionavam com o Instituto
Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS, esse novo
contrato seria regido pelos princípios do direito público, com isso o serviço
privado seria concessionário do serviço público.
- As novas relações devem possibilitar a intervenção governamental, que pode chegar à expropriação, sempre que caracterizada a existência de fraude ou conduta dolosa. Trata-se, por conseguinte, de aplicar no campo da saúde instrumentos de proteção da sociedade similares aqueles já adotados nas relações do governo com outros setores. (RELATÓRIO FINAL- 8ª CNS.p.15).
De acordo com o Relatório Final da 8ª CNS, nas localidades que se faz
necessária a ampliação da cobertura assistencial quando houver escassez de
serviços ofertados pelo poder público, procederia da seguinte maneira:
- o redirecionamento dos fundos públicos, tais como FAS/ Caixa Econômica Federal e FINSOCIAL/ Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, para financiamento exclusivo da rede do setor público estadual e municipal; -a suspensão imediata de financiamento, por parte desses fundos (FAS/CEF e FINSOCIAL/BNDES), para a ampliação, reforma e construção de estabelecimentos privados ou para compra de equipamentos. (RELATÒRIO FINAL – 8ª CNS.p.16).
30
Ainda segundo o Relatório, seria importante a constituição de um novo
Conselho Nacional de Saúde, que fosse integrado por representações dos
Ministérios da área social, dos governos estaduais e municipais e das
entidades civis de caráter nacional (filantrópicas), de forma que se encaixam os
partidos políticos, centrais sindicais e os movimentos populares. O principal
papel desses participantes tratava-se de avaliar o desempenho do novo
sistema de saúde que estava surgindo. Definindo assim, as políticas,
orçamentos e as ações que começariam a ser desenvolvidas.
O texto Constitucional apresentado por Sérgio Arouca, foi assinado por
mais de 50 mil eleitores, durante a Plenária da Constituinte. Visto que, após
vários acordos e pressão popular a favor da Reforma Sanitária, atende em
grande parte às pautas levantadas pelo movimento sanitarista. O que trouxe
prejuízo aos empresários do setor hospitalar e aos farmacêuticos. Os principais
aspectos analisados por Teixeira, (1989 apud BRAVO, 2001, p.10) sobre a
Constituinte foram:
O direito universal à saúde e o dever do Estado, acabando com discriminações existentes entre segurado/não segurado, rural/urbano;
As ações e Serviço de Saúde passaram a ser considerados de relevância pública, cabendo ao poder público sua regulamentação, fiscalização e controle;
Constituição do Sistema Único de Saúde integrando a todos os serviços públicos em uma rede hierarquizada, regionalizada, descentralizada e atendimento integral, com participação da comunidade;
A participação do setor privado no sistema de saúde deverá ser complementar, preferencialmente com as entidades filantrópicas, sendo vedada a destinação de recursos públicos para subvenção às instituições com fins lucrativos. Os contratos com entidades privadas prestadoras de serviços far-se-ão mediante contrato de direito público, garantindo ao Estado o poder de intervir nas entidades que não estiverem seguindo os termos contratuais;
Proibição da comercialização de sangue e derivados. (TEIXEIXA, 1989, apud BRAVO, 2001, p. 10).
Essas são algumas das propostas levantadas pelo movimento sanitário
que basicamente se tornaram uma conquista. Apesar de terem sido levantadas
outras demandas que não foram atendidas por confrontar os interesses
empresariais ou dos setores governamentais.
Quanto ao fator orçamentário, ficou pouco definido. Não fora
estabelecido um percentual sobre os orçamentos e nem de onde eles se
originariam. Com relação aos medicamentos, foi-se pensado que o novo
31
sistema seria capaz de fiscalizar sua produção. Aos trabalhadores não foi
possível a garantia do direito a recusa de trabalho comprovadamente insalubre
e nem de obter informações sobre a manipulação de produtos tóxicos no
ambiente de trabalho.2
Os anos de 1990, sob a influência da política de ajuste neoliberal, o
Estado passa por um redirecionamento do seu papel. Com isso, apesar dos
avanços trazidos pela Constituinte, houve forte ataque por parte da classe
dominante, aliado aos grupos dirigentes. “A Reforma Constitucional,
notadamente da Previdência Social e das regras que regulamentam as
relações de trabalho no Brasil é um dos exemplos dessa aliança”. (BRAVO,
2001, p.13).
Com o agendamento da reforma da previdência, a intenção foi que
houvesse o desmonte da proposta de Seguridades Social (o tripé que abarca
Saúde, Assistência Social e Previdência Social) contida na Constituição de
1988.
O Estado passaria a ser o regulador, deixando de ser responsável pelo
desenvolvimento econômico e social. Tudo para que o mercado pudesse atuar
sobre a sociedade com garantia de lucros. “O referido Plano propôs como
principal inovação a criação de uma esfera pública não estatal que, embora
exercendo funções públicas, devem fazê-lo obedecendo leis do mercado”.
(PEREIRA, 1995).
Os períodos que finalizam as décadas de 80 e 90 no Brasil, dentro da
Política de Saúde, foi marcado pelo embate entre duas correntes sobre o
Estado: o neoliberalismo em defesa da mínima participação do Estado e o
mercado como o principal regulador da economia; a segunda corrente buscava
a presença de um Estado democrático, demandado por políticas de ajuste
estrutural com foco em amenizar as desigualdades sociais (BERTOLOZZI,
1996 apud COHN, 1995).
Por fim, para a atualidade, de forma geral, Bravo (2001) traz a reflexão
que como aspectos de continuidade da política de saúde dos anos 1990,
destaca-se no atual governo a continuidade de Políticas focalizadas, precárias,
com terceirização dos recursos humanos, desfinaciamento e a falta de vontade
2 Análise problematizada por BRAVO, 2001.
32
de alguns governantes de viabilizar os direitos sociais adquiridos com a
Constituição Federal de 1988 proporcionados pelo tripé da Seguridade Social.
2.2. Resgate histórico sobre a implementação da Política de Saúde
Mental no Brasil
Considerando a particularidade brasileira no que se refere à saúde
pública e especificamente, a fração dela que é destinada a oferecer proteção
aos sujeitos com algum tipo de transtorno mental de natureza patológica ou
socialmente adquirida, assumimos como referencial histórico o lastro temporal
do século XIX aos diais atuais como ponto de partida da nossa reflexão.
3No período pré-republicano, em meados do século XIX, os ditos
“loucos” sobreviviam nas ruas e não internados em manicômios. Já no período
colonial, Medeiros (1993) afirma que a loucura era entendida como algo que
não necessitava de acompanhamento médico e terapêutico. Esse pensamento
foi um dos determinantes para a não elaboração de Políticas Públicas
direcionadas a essa demanda, bem como a exclusão dos mesmos das políticas
médico-hospitalares da época.
Os alienados, os idiotas e os imbecis foram tratados de acordo com suas posses. Os abastados e relativamente tranquilos eram tratados em domicílio e às vezes enviados para a Europa quando as condições físicas dos doentes o permitiam e nos parentes, por si ou por conselho médico, se afigurava eficaz a viagem. Se agitados punham-nos em algum cômodo separado, soltos ou amarrados, conforme a intensidade da agitação. Os mentecaptos pobres, tranquilos, vagueavam pela cidade, aldeias ou pelo campo entregues às chufas da garotada, malnutridos pela caridade pública. Os agitados eram recolhidos às cadeias onde, barbaramente amarrados ou piormente alimentados, muitos faleceram mais ou menos rapidamente (MEDEIROS, 1993, p. 75).
O autor acrescenta ainda, que o indivíduo diagnosticado com algum
tipo de transtorno mental era tolerado pela população, que os enxergavam de
maneira caridosa. Trata-se de um estigma bastante recorrente na
contemporaneidade. Dentre as várias rotulações existentes estavam: “os
alienados”, “os idiotas” e os “imbecis”. Foi nesse mesmo período do século XIX,
3 Dados apresentados segundo a Revista de Psicologia da UNESP (2007).
33
que as Santas Casas de Misericórdia passaram a atendê-los e muitos foram
retirados das ruas. (MEDEIROS, 1993).
No ano de 1930 foram idealizadas as primeiras organizações políticas,
em que médicos passaram a reivindicar a competência de lidar com a loucura,
afim de mobilizar a opinião pública em prol da construção de um hospital
psiquiátrico, pois haviam denúncias de maus-tratos nas Santas Casas do Rio
de Janeiro. (COSTA, 1981).
De acordo com Disete Costa (1981), o início da Psiquiatria no Brasil foi
marcado pela inauguração, em 1852, do hospício Pedro II, em homenagem ao
então Imperador D. Pedro II, o segundo momento foi marcado pela
Proclamação da República em 1889, que coincidiu com o advento da
psiquiatria científica, marcada pela aliança entre ciência psiquiátrica e os
projetos estatais de controle social.
Após a constituição da psiquiatria, o “louco” passou a ser considerado
“doentio” e suscetível a tratamento. Com a ideia de isolamento, o Hospício
Pedro II recebeu as primeiras intervenções de caráter experimental da recém-
criada ciência psiquiátrica, cujo modelo de atuação era com vigilância,
regulação de tempo e repressão. (COSTA, 1981).
No ano de 1881, a direção do Hospital Psiquiátrico foi assumida pelos
médicos, e com a Proclamação da República, o então denominado Hospício
Nacional dos Alienados passou a ser controlado pelo Estado e não mais pela
Santa Casa, com isso ocorreu o processo de laicização do asilo. Tendo como
primeiro diretor em 1886, Teixeira Brandão, o grande defensor da
medicalização. Enquanto deputado conseguiu a aprovação da primeira Lei
brasileira do alienado, fazendo do hospício o único lugar com possibilidades de
receber “loucos” com internação comprovada a partir de parecer médico.
(COSTA, 1981).
Ainda sobre a jornada da saúde mental no Brasil, Costa (1981) aponta
que no trabalho pela humanização da assistência na década de 1920 a 1940
Ulisses Pernambucano, médico psiquiatra, foi o pioneiro na luta contra as
barbáries e a violência sofridas pelos internos das Santas Casas.
34
Em 1931, inaugurou a Assistência aos Psicopatas de Pernambuco, trabalho pioneiro, especialmente no que se refere à concepção de um sistema assistencial. Tratava-se de uma rede de serviços que era composta por um Serviço de Higiene Mental, um Ambulatório e Serviço Aberto, um Hospital Psiquiátrico para agudos, um Manicômio Judiciário e uma colônia de Alienados (COSTA, 1981 apud CERQUEIRA, 1989),
Ulisses Pernambucano ficou conhecido como a primeira figura da
Reforma do modelo Hospitalocêntrico recém surgido, ou seja, a criação de
instituições abertas, mas ainda como uma forma de suprir o que faltava nos
hospitais psiquiátricos, como veremos a seguir os motivos que fizeram tanto o
Governo do Estado de São Paulo quanto o Governo Federal adotaram essa
política, determinando a subsequente expansão da rede de hospitais
psiquiátricos privados.
Os hospícios, hospitais e colônias, no final da década de 50, tinham como características a “superlotação, deficiência de pessoal, maus-tratos, condições de hotelaria tão más ou piores quanto as dos piores presídios, a mesma situação que Teixeira Brandão denunciava quase 100 anos antes” (Resende, 1987: 60). O panorama geral da assistência psiquiátrica era sombrio; o poder público muito pouco ou quase nada fazia, e o movimento internacional de desinstitucionalização do pós-guerra não repercutiu no país de maneira significativa (CERQUEIRA, 1989).
Segundo Costa (1981) os anos 70 foram marcados pelo início da
assistência psiquiátrica no Brasil. Um processo histórico duradouro de
formulação crítica, com o objetivo de questionar e elaborar propostas que
trouxessem mudanças ao modelo asilar. As pautas eram essencialmente a
exclusão e a violência do modelo Hospitalocêntrico. Os processos de
transformações vinham acontecendo em resposta as reivindicações no campo
da Atenção à Saúde Mental dando início a luta Antimanicomial.
Os passos a seguir datados a partir da década de 1960, de acordo com
Costa (1981), em primeira instância, foi o movimento pala transformação da
Saúde Mental no Brasil, logo após a I Conferência de Saúde Mental das
Américas, especificamente na cidade do Texas. Nesse momento foram
pensadas formas de acrescentar a proposição de realizar estudos
epidemiológicos e criação de serviços de modalidade comunitária, ratificando a
“Ata de Porto Alegre” que citava a possibilidade de ampliação da rede extra-
hospitalar, reestruturação do Serviço Nacional de Doentes Mentais, integração
35
da saúde mental à saúde pública e formulação de programas para capacitação
de pessoal.
Em 1969, acontece o terceiro encontro (Encontro de Vinã del Mar-
Chile), com participação do Ministro da Saúde do Brasil, nesse encontro foi
enfatizado a meta de implantação do Sistema Psiquiátrico Comunitário no
Brasil. Além desses encontros outros foram acontecendo ao longo dos anos
com a finalidade de extinguir os hospitais manicomiais, na tentativa de inserção
social e não mais de isolamento. Com isso, o movimento da Reforma
Psiquiátrica ganha maior ênfase no final dos anos 1970, com destaque para as
Conferências de Saúde Mental, as Portarias Ministeriais e a Lei 10.216/2001.
Em 1986, o Instituto Nacional da Previdência Social (INAMPS), através
da Portaria 3344, organizou um grupo assessor para definir e formular
propostas de normas operativas a Saúde Mental para uma rede própria que se
encaixasse nas diretrizes das Ações Integradas de Saúde (AIS) tendo como
objetivo a redução de internações psiquiátricas (COSTA, 1981).
Ainda conforme Costa (1981), foi no ano de 1987 a criação do primeiro
Cetro de Atenção Psicossocial (CAPS) que recebeu o nome do Professor Luiz
da Rocha Cerqueira, surgiu como forma intermediária entre o Hospital
Psiquiátrico e o Ambulatório de Saúde Mental do Estado de São Paulo. A partir
dessa primeira experiência foram possíveis a divulgação e a multiplicação do
CAPS (s) pelo Brasil. Com o surgimento desses Centros foi possível, pós
década de 1980, pensar o ideário e as práticas substitutivas ao modelo
Hospitalocêntrico. Em 1989, na cidade de Santos, Estado de São Paulo, a
gestão municipal inspirados na psiquiatria democrática da Itália aboliu o
hospital psiquiátrico, na busca pela desinstitucionalização implementou os
Núcleos de Apoio Psicossocial (NAPS) cuja responsabilidade era o
atendimento integral às demandas regionais. Na citação abaixo temos a
diferença entre CAPS/NASP
Já deram o primeiro passo especificando os CAPS como instância intermediária que supõe, portanto, a existência do Hospital Psiquiátrico, e o NAPS como dispositivo integral e substitutivo ao Hospital. Certamente compreenderemos melhor as vicissitudes da Reforma Psiquiátrica Brasileira quando compreendermos os fatores desse amálgama NAPS/CAPS. (COSTA, 1987).
36
O modelo de psiquiatria democrática italiana ganhou espaço com a
Constituição Federal de 1988, em que indicava os princípios da Reforma
Sanitária e entre estes se consagrava o Sistema Único de Saúde (SUS) que
viria a ser legalizado em 19 de setembro de 1990 pela Lei nº 8.080. O SUS
trouxe consigo a proposta de universalização da saúde e municipalização de
sua gestão, além dos princípios norte de suas ações que são: universalidade,
integralidade e equidade social.
O conceito de saúde abordado pela 8ª Conferência Nacional de Saúde
– CNS realizada em 1986, traz um sentido ampliado do conceito de saúde.
Dessa forma foi apresentada como direito de caráter não contributivo e de
acesso igualitário para quem dela necessitar, a reformulação do Sistema
Nacional de Saúde e o financiamento do setor. Em sentido macro, o trato da
saúde não se configura apenas ao trato de doenças físicas, mas também
mental e a prevenção das mesmas. Cabe aqui colocar as condições de
alimentação, moradia, educação, lazer, transporte emprego, saneamento
básico, acesso a serviços de saúde e a posse da terra. Esses fatores são
determinantes e condicionantes da saúde como destaca o art. 3º da Lei
Orgânica da Saúde nº 8.080/90. Que reconhece o ser humano como ser
integral e a saúde como qualidade de vida.
Direito a saúde significa, a garantia, pelo estado de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário as ações e serviços de promoção, proteção e recuperação de saúde, em todos os seus níveis, a todos os habitantes do território nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade. (RELATÒRIO FINAL – 8ª CNS, p. 15).
De acordo com o artigo 196 da Constituição Federal de 1988, a saúde
é direito de todos e dever do Estado, deverá ser garantida por meio de políticas
sociais e econômicas que possibilitem a redução de doenças e de outros
agravos
Retornando a década de 1990 temos o surgimento da lei nº 8.142 que
viria assegurar que os recursos financeiros fossem destinados às ações em
saúde repassados diretamente aos Municípios, Estados e Distrito Federal.
Logo, foram estabelecidas as condições institucionais para a implantação de
novas políticas de saúde, dentre elas a de Saúde Mental seguindo em paralelo
com as bases de lutas que norteiam a Reforma Psiquiátrica.
37
O movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira vem encampando propostas de desinstitucionalização reforçadas pela Luta Antimanicomial. Este projeto de mudança representado no nível federal pelo projeto de lei supracitado, e em alguns Estados da federação por projetos similares – como, por exemplo, no Rio Grande do Sul, em 1992; no Ceará, em 1993; em Pernambuco, em 1994; no Rio Grande do Norte, em 1995; em Minas Gerais, em 1995 e no Paraná, em 1995 – é o resultado de um dos mais importantes processos de mudanças culturais para a sociedade brasileira nesse final de século, que diz respeito a uma revisão dos aparatos científicos, administrativos, jurídicos e éticos, relacionados com a doença mental. (MEDEIROS; GUIMARÃES2002, p. 577).
Segundo Lima e Neto (2016) O início da Reforma Psiquiátrica no Brasil
é contemporâneo do “movimento sanitário”, eclodido nos anos 1970, que lutara
pela mudança dos modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde,
equidade na oferta dos serviços e protagonismo dos trabalhadores e usuários
dos serviços de saúde nos processos de gestão
(...) é um processo político e social complexo, composto de atores, instituições e forças de diferentes origens, e que incide em territórios diversos, nos governos federal, estadual e municipal, nas universidades, no mercado dos serviços de saúde, nos conselhos profissionais, nas associações de pessoas com transtornos mentais e seus familiares, nos movimentos sociais e nos territórios do imaginário social e da opinião pública. Compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica avança, marcada por impasses, tensões, conflitos e desafios. (LIMA; NETO apud DELGADO 2007, p. 39).
Ainda sobre a década de 1990 tem-se o histórico da realização da
Conferência Regional de Caracas, patrocinado pela Organização Pan-
Americana de Saúde, resultando na Declaração de Caracas. Foi um marco
fundamental que subsidiou as iniciativas de avaliação e reestruturação no que
tange à atenção em saúde mental no Continente. Após 15 anos de tal
acontecimento, o Brasil abriu as portas, em 2005, para a Conferência Regional
de Reforma dos Serviços de Saúde Mental (LIMA; NETO,2016). Logo abaixo
os autores apresentam trechos do Relatório da referida conferencia que aborda
à Reforma Psiquiátrica.
Embora contemporâneo da Reforma Sanitária, o processo de Reforma Psiquiátrica relação tem uma história própria, inscrita num contexto internacional de mudanças pela superação da violência asilar. Fundado, ao final dos anos 70, na crise do modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico, por um lado, e na eclosão, por outro, dos esforços dos movimentos sociais pelos direitos dos pacientes psiquiátricos, o processo da Reforma Psiquiátrica brasileira é maior do que a sanção de novas leis e
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normas e maior do que o conjunto de mudanças nas políticas governamentais e nos serviços de saúde. A Reforma Psiquiátrica é processo político e social complexo, composto de atores, instituições e forças de diferentes origens, e que incide em territórios diversos, nos governos federal, estadual e municipal, nas universidades, no mercado dos serviços de saúde, nos conselhos profissionais, nas associações de pessoas com transtornos mentais e de seus familiares, nos movimentos sociais, e nos territórios do imaginário social e da opinião pública. Compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios. (LIMA; NETO, 2016 apud RELATÓRIO DA CONFERENCIA REGIONAL DE
CARACAS, 1990, p. 08)
Assim, nesse contexto, ainda conforme a análise de Lima e Neto:
É somente no ano de 2001, após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, que a Lei Paulo Delgado é sancionada no país. A aprovação, no entanto, é de um substitutivo do Projeto de Lei original, que traz modificações importantes no texto normativo. Assim, a Lei Federal 10.216 redireciona a assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, mas não institui mecanismos claros para a progressiva extinção dos manicômios. Ainda assim, a promulgação da lei 10.216 impõe novo impulso e novo ritmo para o processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil. É no contexto da promulgação da lei 10.216 e da realização da III Conferência Nacional de Saúde Mental, que a política de saúde mental do governo federal, alinhada com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica, passa a consolidar-se, ganhando maior sustentação e visibilidade. (LIMA; NETO, 2016 apud RELATÓRIO DA CONFERENCIA REGIONAL DE CARACAS, 1990, p. 08).
Diante dessa perspectiva, possibilita-se afirmar que os hospitais
psiquiátricos são instituições deficientes e violadoras dos direitos humanos. Foi
a partir de tal avaliação que foi possível inserir, paulatinamente, no território
brasileiro a Reforma Psiquiátrica. Os direitos devem ser pensados
considerando o ser humano como sujeito de direitos de onde se reforça a sua
própria concepção e natureza, a dignidade humana; da mesma forma, eles só
terão sentido em um mundo que garanta o atendimento das necessidades
básicas e um nível de vida digno, que proporcione também o fortalecimento
dos vínculos familiares e sociais. E não será trancado em um hospital
psiquiátrico que isso irá ocorrer.
Enfrentamos ainda a existência de cerca de 60 mil leitos. Destes, cerca de 80% pertencem a uma rede privada conveniada que
39
consome quase meio bilhão de reais por ano dos recursos do SUS. Deste total, cerca de 20 mil leitos estão ocupados por pacientes-moradores. Este é o retrato mais perverso da psiquiatria. São pessoas completamente abandonadas pela família e pela sociedade, sem nenhuma perspectiva de vida e que representam, individualmente, em termos de custo ao Estado, cerca de R$ 1.000,00 por mês, repassados diretamente para estas instituições asilares. (BRASIL, 2002, p. 131)
Diante disso, foi na primeira década do ano 2000, que o Ministério da
Saúde designou oficialmente o CAPS como experiência substitutiva aos
hospitais psiquiátricos, dando atenção a demanda territorial, assimilando
alguns princípios que norteavam os NAPS. Com isso, o Município tem maior
responsabilidade sobre o que é demandado em um CAPS.
Atualmente, os municípios podem contar com cinco tipos diferentes de
Instituições Psicossociais, cada uma com atendimentos a uma demanda
específica. Para que seja implementado um CAPS faz-se necessário um
contingente populacional determinado, como podemos ver na tabela abaixo:
TABELA 1:
CAPS Existentes: Contingente Populacional:
CAPS I 70.000 (setenta mil) habitantes.
CAPS II 70.000 (setenta mil) a 200.000 (duzentos
mil habitantes).
CAPS III Maior do que 200.000 (duzentos mil)
habitantes.
CAPS i Em municípios de médio porte.
CAPS AD Inserido em cidades de médio porte.
Dados da Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde 2004, citado por SANTOS
(2010).
Com o nascimento desse novo modo de atendimento, são oferecidos
cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar,
possibilitando, também, a interação com a rede de serviços relativos a Saúde
Mental. São centros constituintes de um serviço comunitário cuja função é
cuidar de pessoas com transtornos mentais decorrentes de algum fator
40
biológico ou do uso abusivo de substâncias psicoativas, no seu território de
abrangência. (SANTOS, 2010, p.9).
O CAPS I é um serviço destinado a municípios com [...] demanda de crianças, adolescentes e adultos de ambos os sexos portadores de transtornos mentais severos e/ou decorrentes da dependência química, diagnosticados como neuróticos ou psicóticos graves, funcionando somente durante o dia. Já o CAPS II é um serviço [...] com as mesmas especificidades citadas para o CAPS I. O CAPS III, por sua vez, se destina a municípios que tenha contingente populacional maior do que 200.000 (duzentos mil) habitantes, oferecendo um serviço de internação durante vinte e quatro horas para pessoas em momentos de surto que necessitem ficar em observação pela equipe multiprofissional, disponível para pessoas adultas. O CAPS i oferece um serviço especializado para crianças e adolescentes portadores de transtorno mental, em municípios de médio porte, funcionando durante o dia. Por fim, o CAPS ad que oferece um serviço para usuários abusivos de álcool e outras drogas, geralmente inserido em cidades de médio porte, funcionando com tratamento terapêutico também durante o dia. (SANTOS, 2010, p. 8-9).
Santos (2010) traz em seu cenário institucional, alguns dados expostos
pela Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde no ano de 2004.
Que trata sobre a distribuição desses CAPS nacionalmente, bem como sua
natureza institucional. Vejamos suas colocações em forma de Gráficos:
Gráfico 1
Santos, (2010) apud Coordenação de Saúde Mental do Ministério da saúde (2004).
41
Gráfico 2
Santos, (2010) apud Coordenação de Saúde Mental do Ministério da saúde (2004).
Esses Centros surgem com um princípio norteador que se baseia no
respeito às diferenças e na promoção da equidade social, sendo responsáveis
pelo acolhimento de toda a demanda que se apresenta em seu território de
abrangência. Tem também como premissa o acolhimento de qualidade, em
ambiente adequado. Que possa incluir pacientes em situação de
vulnerabilidade social que não consigam acompanhar as atividades propostas
na unidade. Ademais, devem apresentar ideias de gerenciamento dos casos,
personalizando o projeto de cada paciente na unidade e fora dela,
desenvolvendo atividades que permitam a permanência dos usuários no
serviço.
2.3. “Por uma sociedade sem manicômios”: Eclosão do movimento
de Reforma Psiquiátrica
No item anterior trouxemos à reflexão que a condição da assistência à
pessoa em sofrimento mental tem sua trajetória histórica nas sociedades
ancorada em processos de exclusão social, em outras palavras, a anulação do
sujeito enquanto detentor de direitos, eximindo-o da sua cidadania efetiva.
42
Decorrente dessa condição de subjugação, subalternidade e anulação
social forçada, especificamente na década de 1970, setores da sociedade,
dispostos a discutir a “loucura” num viés mais crítico e histórico passaram a se
organizar, construir estratégias políticas e movimentar a luta pelo direito do
exercício da cidadania, mediante espaços dignos de atenção à saúde mental e
um trato humanizado da questão – o que demandaria a posteriori uma ação
sistemática e contínua do Estado nesse campo.
Nesse contexto, os movimentos sociais irão desempenhar um
importante papel no exercício das lutas. Os movimentos sociais, segundo Ghon
(1997) têm como característica fundante a realização de ações sociais e
políticas organizadas por sujeitos coletivos, de caráter social, articulados em
determinados cenários da realidade socioeconômica e política do país onde se
concentram.
Assim, criam um campo político forte dentro da sociedade civil. São
eles os responsáveis pela geração de inovações nas esferas estatais e não
estatais, possuem grande participação, direta e indiretamente na luta política.
Suas bases de suporte são as entidades e as organizações da sociedade civil,
bem como partidos políticos. Administram uma agenda de atuação construída a
partir das demandas socioeconômicas, que englobam as problemáticas
conflituosas da sociedade.
[...] o movimento social é a ação dos homens na história social, por ser construído a partir de determinados problemas sociais e de suas demandas, e ter como categorias teóricas de formação a participação, a experiência, os direitos, a cidadania, dentre outros. (TRENTINI 2010 apud GHON 1997, p.51).
Na década de 1970 foram contabilizadas, pelo Ministério da Saúde,
várias denúncias relacionadas à política brasileira de saúde mental, pois a
atenção era voltada a privatização da política de assistência psiquiátrica por
parte da previdência social, quanto às condições (públicas e privadas) de
atendimento psiquiátrico à população. Diante desse cenário, temos o
surgimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Foi possível contar com
pequenos núcleos estaduais, foram participantes os Estados de São Paulo, Rio
de Janeiro e Minas Gerais. Esses constituíram o Movimento de Trabalhadores
em Saúde Mental (MTSM).
43
Dados apresentados pelo Ministério da Saúde (2005) dão conta de que
no ano de 1978 aconteceram os primeiros registros de organização política do
movimento social de Luta Antimanicomial em nosso país. Surgiu a partir da
tomada de consciência do pluralismo de ideias dos trabalhadores da área da
saúde, bem como de integrantes do movimento sanitário, associações de
familiares, sindicalistas, membros de associações de profissionais e de antigos
internos de hospitais psiquiátricos.
Diante disso, é propício afirmar que tanto o movimento sanitarista
quanto o MTSM buscavam através de suas lutas, a transformação do sistema
de atenção à saúde, pois a crise desse setor era vista como reflexos da
situação política do Brasil. Uma política de privatização da saúde, direcionada a
prática de controle e reprodução das desigualdades sociais.
O Projeto do MTSM era tanto de transformação psiquiátrica quanto de organização do sistema assistencial psiquiátrico, que lutava pela questão do direito à cidadania das pessoas em sofrimento mental através de uma reconstrução democrática dos dispositivos terapêuticos e instituições do setor psiquiátrico. (TRENTÍNI, 2010, p.52).
Ainda sobre o período da década de 1970 foram organizadas pelo
movimento várias denúncias relacionadas à política brasileira de saúde mental,
pois a atenção era voltada a privatização da política de assistência psiquiátrica
por parte da previdência social, quanto às condições (públicas e privadas) de
atendimento psiquiátrico à população.
Denúncias e mobilização pela humanização dos hospitais psiquiátricos tanto públicos quanto privados, alguns dos quais foram identificados como verdadeiros campos de concentração;
Denúncia da indústria da loucura nos hospitais privados conveniados do então INAMPS;
Denúncia e reivindicações por melhores condições de trabalho nos hospitais psiquiátricos, principalmente no Rio de Janeiro;
Primeiras reivindicações pela expansão de serviços ambulatoriais em Saúde Mental, apesar do movimento não ter ainda
bem claro como deveriam ser organizados tais serviços. (ROSA, etal,
2008, p.23).
Com base nisso, é feita a primeira tentativa de mudança do sistema de
saúde que predominava na década de 1970 (o plano PREV-SAÚDE), tentativa
essa, que deu lugar a Reforma Sanitária, basicamente proporcionada pela
iniciativa do Movimento dos trabalhadores de Saúde em geral. Apontando para
44
um novo modelo de Sistema de Saúde regionalizado, integrado e
hierarquizado.
O MTSM é sobretudo um Movimento que através de variados campos
de luta, entra para a história por protagonizar e construir durante esse período
formas de denúncia pelos casos de violência sofridos pelos asilados em
manicômios, “da mercantilização da loucura, da hegemonia de uma rede
privada de assistência e a construir coletivamente uma crítica ao chamado
saber psiquiátrico e ao modelo Hospitalocêntrico4 na assistência às pessoas
com transtornos mentais”. (BRASIL, 2005).
É importante pensar a democracia enquanto processo direcionado a
organização e na formação de uma tomada de consciência coletiva da classe
trabalhadora para a construção de um projeto emancipatório. (TRENTÍNI,
2010).
Para Trentíni (2010) o MTSM é considerado o sujeito político
fundamental quando se trata do Projeto da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Sua
base de luta era subsidiada pela ideia de transformação psiquiátrica e,
também, de organização do sistema assistencial psiquiátrico, que lutava pelo
direito à cidadania das pessoas com transtornos mentais, isso através de uma
reconstrução democrática dos aparatos terapêuticos, bem como das
instituições psiquiátricas.
No ano de 1978, precisamente no Rio de Janeiro, eclode o Movimento
dos Trabalhadores da Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM) trazendo o
questionamento sobre a política psiquiátrica que era ofertada no país. Com isso
foi possível dar visibilidade social a uma problemática complexa,
multidimensional e carregada de um peso histórico negativo, onde “[...] tais
movimentos fazem ver à sociedade como os loucos representam a radicalidade
da opressão e da violência imposta pelo estado autoritário”. (BRASIL, 2015).
Como parte integrante do processo de construção da democracia em
nosso país, temos o surgimento do movimento da Reforma Psiquiátrica. Este
trouxe o debate sobre as possibilidades de substituição do modelo
Hospitalocêntrico, dentro do movimento intitulado de “sociedade sem
manicômios”, em luta para que a sociedade fosse capaz de abrigar as pessoas
4Modelo Hospitalocêntrico: Atenção assistencial em que o Hospital é o centro do Sistema de Saúde e o médico o principal tomador de decisões.
45
com transtornos mentais de caráter biopsicossocial ou adquirido pelo uso
abusivo de substâncias psicoativas. Essa é uma das principais pautas
apresentadas pelo movimento denominado de “Luta Antimanicomial” até os
dias atuais.
O Ministério da Saúde (2005) aponta outras pautas importantes,
levantadas pelo movimento de Reforma Psiquiátrica:
(...) mudança dos modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde, defesa da saúde coletiva, equidade na oferta dos serviços, e protagonismo dos trabalhadores e usuários dos serviços de saúde nos processos de gestão e produção de tecnologias de cuidado. (BRASIL, 2005, p. 6).
Em suas análises, Medeiros e Guimarães problematizam que:
O movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira vem encampando propostas de desinstitucionalização reforçadas pela Luta Antimanicomial. Este projeto de mudança representado no nível federal pelo projeto de lei supracitado, e em alguns Estados da federação por projetos similares – como, por exemplo, no Rio Grande do Sul, em 1992; no Ceará, em 1993; em Pernambuco, em 1994; no Rio Grande do Norte, em 1995; em Minas Gerais, em 1995 e no Paraná, em 1995 – é o resultado de um dos mais importantes processos de mudanças culturais para a sociedade brasileira nesse final de século, que diz respeito a uma revisão dos aparatos científicos, administrativos, jurídicos e éticos, relacionados com a doença mental. (MEDEIROS; GUIMARÃES 2002, p. 577).
Dados levantados pelo Ministério da Saúde (2005), apontam que a
Reforma Psiquiátrica brasileira, esteve inscrita em um contexto internacional de
mudanças que visam a superação do isolamento vivido por pessoas com
algum histórico de transtorno psicossocial.
O modelo Hospitalocêntrico fundado em meados da década de 1970,
em plena crise do modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico, em
contrapartida, pela eclosão dos movimentos sociais pautados na luta pelos
direitos dos pacientes psiquiátricos. O processo da Reforma Psiquiátrica
brasileira é maior do que a sanção de novas leis e normas e maior do que o
conjunto de mudanças nas políticas governamentais e nos serviços de saúde.
(...) é processo político e social complexo, composto de atores, instituições e forças de diferentes origens, e que incide em territórios diversos, nos governos federal, estadual e municipal, nas universidades, no mercado dos serviços de saúde, nos conselhos profissionais, nas associações de pessoas com transtornos mentais e
46
de seus familiares, nos movimentos sociais, e nos territórios do imaginário social e da opinião pública. Compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios. (BRASIL, 2005, p.6).
Ainda de acordo com o Ministério da Saúde (2005), a Reforma
Psiquiátrica brasileira apresenta-se como movimento contemporâneo ao
período da Reforma Sanitária, levando em conta as reivindicações dos anos
1970. Dessa forma, o autor evidencia que:
A experiência italiana de desinstitucionalização em psiquiatria e sua crítica radical ao manicômio é inspiradora, e revela a possibilidade de ruptura com os antigos paradigmas, como, por exemplo, na Colônia Juliano Moreira, enorme asilo com mais de 2.000 internos no início dos anos 80, no Rio de Janeiro. Passam a surgir as primeiras propostas e ações para a reorientação da assistência. O II Congresso Nacional do MTSM (Bauru, SP), em 1987, adota o lema “Por uma sociedade sem manicômios”. Neste mesmo ano, é realizada a I Conferência Nacional de Saúde Mental (Rio de Janeiro). Neste período, são de especial importância o surgimento do primeiro CAPS no Brasil, na cidade de São Paulo, em 1987, e o início de um processo de intervenção, em 1989, da Secretaria Municipal de Saúde de Santos (SP) em um hospital psiquiátrico, a Casa de Saúde Anchieta, local de maus-tratos e mortes de pacientes. É esta intervenção, com repercussão nacional, que demonstrou de forma inequívoca a possibilidade de construção de uma rede de cuidados efetivamente substitutiva ao hospital psiquiátrico. Neste período, são implantados no município de Santos Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) que funcionam 24 horas, são criadas cooperativas, residências para os egressos do hospital e associações. A experiência do município de Santos passa a ser um marco no processo de Reforma Psiquiátrica brasileira. Trata-se da primeira demonstração, com grande repercussão, de que a Reforma Psiquiátrica, não sendo apenas uma retórica, era possível e exequível. (BRASIL,2005).
Ressalta-se que, a despeito de todo o avanço marcado pelo alcance
dessa perspectiva de análise e concepção de Saúde Mental, bem como, do
entendimento do necessário avanço na direção da implementação da reforma
psiquiátrica, o que se percebe é que ainda, na atenção à Saúde Mental, os
hospitais psiquiátricos persistem na reprodução de um perfil institucional
predominantemente limitado, com reforço de antigas práticas manicomiais, de
isolamento e trato repressivo da “loucura”, portanto, caminhando na direção
oposta ao exercício dos direitos humanos.
As políticas públicas devem ser pensadas considerando o ser humano
como sujeito de direitos de onde se reforça a sua própria concepção e
47
natureza, a dignidade humana; da mesma forma, eles só terão sentido em um
mundo que garanta o atendimento das necessidades básicas e um nível de
vida digno, que proporcione também o fortalecimento dos vínculos familiares e
sociais. E não será no “cárcere privado” de um hospital psiquiátrico, cerceador
da liberdade e baseado em um modelo opressor, que isso irá ocorrer.
No Rio de Janeiro se iniciou em 1980 o processo chamado de “Co-Gestão” entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Previdência para administração dos hospitais públicos, que permitiu, por um lado, a abertura de um importante espaço político para lideranças do MTSM implementarem processos de reforma e humanização dos hospitais psiquiátricos públicos e, por outro lado, preparou o terreno para o lançamento do plano CONASP em 1982-83, que possibilitou a implementação gradativa em todo país do modelo sanitarista das chamadas “Ações Integradas de saúde” (ROSA, 2008, p.24).
Em 1982, com a vitória de governos oposicionistas (Tancredo Neves e
Franco Montoro), nos Estados de São Paulo e Minas Gerais, foi possível a
entrada de lideranças do MSTM nas secretarias estaduais de Saúde, o que
facilitou intervenções crescentes nos hospitais psiquiátricos estatais e privados
e, também, a implementação do Conselho Nacional de Administração da
Saúde Previdenciária (CONASP), proporcionando a expansão da rede
ambulatorial em saúde e saúde mental (ROSA, 2008, p.24).
A plataforma política do MTSM na década de 1980, tinha como
objetivos principais:
a) não criação de novos leitos em hospitais psiquiátricos
especializados, e redução onde possível e/ou necessário; b) regionalização das ações em saúde mental, integrando setores
internos dos hospitais psiquiátricos ou hospitais específicos com serviços ambulatoriais em áreas geográficas de referência;
c) controle das internações na rede conveniada de hospitais psiquiátricos privados via centralização das emissões de AIH nos serviços de emergência do setor público;
d) expansão da rede ambulatorial em saúde, com equipes multiprofissionais de saúde mental, compostas basicamente por psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais e, às vezes, também por enfermeiros, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos;
e) humanização e processos de reinserção social dentro dos asilos estatais, também com equipes multiprofissionais. (ROSA, 2008, p.24-25).
Em 1987 é implementado o Sistema Unificado e Descentralizado de
Saúde - SUDS, como uma consolidação das chamadas Ações Integradas de
Saúde - AIS, que emprega como diretrizes a universalização e a equidade, a
48
integralidade, a regionalização e implementação de distritos sanitários, a
descentralização, o desenvolvimento de instituições colegiadas gestoras e o
desenvolvimento de uma política de recursos humanos.5 Tais ações
constituíram uma estratégia de relevante importância para o processo de
descentralização da saúde e foram essenciais para a implementação do
Sistema Único de Saúde - SUS.
Foi através da Constituição de 1988, que foi criado o SUS, formado
pela articulação entre as gestões Federal, Estadual e Municipal, sob o poder de
controle social, exercido através dos “Conselhos Comunitários de Saúde”.
Segundo o Ministério da Saúde o Sistema deveria funcionar da seguinte forma:
[...] Estado democrático e da cidadania plena como determinante de uma “saúde como direito de todos e dever do Estado” previsto na Constituição Federal de 1988. Esse sistema alicerça-se nos princípios de acesso universal, público e gratuito às ações e serviços de saúde; integralidade das ações, cuidando do indivíduo como um todo e não como um amontoado de partes; equidade, como dever de atender igualmente o direito de cada um respeitando suas diferenças; descentralização dos recursos de saúde, garantindo cuidado de boa qualidade o mais próximo dos usuários que dele necessitam; Controle Social exercido pelos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde com representação dos usuários, trabalhadores, prestadores, organizações da sociedade civil e instituições formadoras (BRASIL,2005, p.13).
De acordo com a CF de 88, art.196.
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL,1988).
Portanto, é dever do Estado proporcionar o acesso a política de saúde,
bem como um atendimento digno e de qualidade, com hospitais, unidades de
saúde com estruturas adequadas para atender os usuários; profissionais
qualificados, medicamentos gratuitos entre outros.
O Ministério da Saúde (2005) afirma que foi no ano de 1989, que deu
entrada no Congresso Nacional o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado
(PT/MG), propondo uma lei que reconheça os direitos da pessoa com
5 Informações referenciadas segundo o Portal Saúde e Cidadania. (2016)
49
transtornos mentais e a extinção dos manicômios no país. “É o início das lutas
do movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativo e normativo”.
(BRASIL,2005).
Durante o ano de 1992, os movimentos sociais, inspirados pelo Projeto
de Lei Paulo Delgado, conseguem a aprovação em vários Estados brasileiros
as primeiras regulamentações que preconizam a substituição progressiva dos
leitos psiquiátricos por uma rede integrada de atenção à saúde mental. É a
partir deste momento que a política do Ministério da Saúde para a Saúde
Mental, acompanhando das solicitações e pautas que norteiam a Reforma
Psiquiátrica, começa a ganhar contornos mais definidos.
Já na década de 1990, o marco foi o compromisso firmado pelo Brasil
na assinatura da Declaração de Caracas e pela realização da II Conferência
Nacional de Saúde Mental, passando a entrar em vigor no país as primeiras
normatizações de cunho federais que regulamenta a implantação de serviços
de atenção Psicossocial com atendimentos diários, fundadas nas experiências
dos primeiros CAPS, NAPS e Hospitais-dia, e as primeiras normas para
fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos.
Neste período, o processo de expansão dos CAPS e NAPS é
descontínuo. As novas normatizações do Ministério da Saúde de 1992, embora
regulamentassem os novos serviços de atenção diária, não instituíam uma
linha específica de financiamento para os CAPS e NAPS. Do mesmo modo, as
normas para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos não
previam mecanismos sistemáticos para a redução de leitos. Ao final deste
período, o país tem em funcionamento 208 CAPS, mas cerca de 93% dos
recursos do Ministério da Saúde para a Saúde Mental ainda eram destinados
aos hospitais psiquiátricos.
Foi na primeira década do ano 2000, que o Ministério da Saúde
designou oficialmente o CAPS como experiência substitutiva aos hospitais
psiquiátricos, dando atenção a demanda territorial, assimilando alguns
princípios que norteavam os NAPS. Com isso, o Município passa a ter maior
responsabilidade sobre o que é demandado em um CAPS.
A Luta Antimanicomial possibilitou o desenvolvimento de pontos
extremamente importantes para a desinstitucionalização da loucura. Podemos
50
mencionar aqui o surgimento de relevantes serviços de atendimentos Extra-
Hospitalares que só foram possíveis com o advento da Reforma Psiquiátrica.
A Reforma ficou conhecida por protagonizar os acontecimentos do
Movimento de Luta Antimanicomial, objetivando a desinstitucionalização dos
hospitais psiquiátricos. Tem-se a compreensão sob a égide dos conjuntos de
transformações de prática, saberes, valores sociais e culturais.
É no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das relações
interpessoais que o movimento avança, um período marcado por impasses,
tensões, conflitos e desafios. Pode-se afirmar que não há como dissociar a
Reforma Psiquiátrica do movimento de Luta Antimanicomial, a partir desse
vínculo é projetada a finalidade de intervenção no então modelo vigente de
atendimento e lutando pelo fim da mercantilização da loucura.
Dessa forma, o que se busca, é a construção coletiva da crítica ao
saber psiquiátrico e ao modelo de assistência as pessoas com transtornos
mentais. Apesar do estigma ainda existente na presente sociedade,
percebemos que não é uma luta em vão, temos aí, a criação dos Centros de
Atenção Psicossociais como modelo substitutivos, que garantem novas
possibilidades de desenvolvimento reinserção familiar e social aos usuários.
3. CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E CRISE: IMPACTOS NA POLÍTICA
DE SAÚDE MENTAL
O processo de desinstitucionalização provocou consideráveis
mudanças quanto à rede de saúde, principalmente, na rede de atenção à
saúde mental em muitos Estados e Municípios do país. Apesar dos avanços
conquistados com a criação dos serviços substitutivos, na perspectiva de
romper com o modelo manicomial, já na entrada dos anos 1990, tal política
passa a sofrer os rebatimentos da investida neoliberal que ganha importância
na abordagem da política econômica do Brasil dentro da sociedade capitalista
consubstanciado em crises que afetam as políticas sociais.
3.1. A Política de Saúde Mental no Capitalismo contemporâneo
51
Segundo Tonet (2009.p.1) as formas de sociabilidade que passam por
uma crise profunda, agravam consideravelmente o sofrimento da humanidade.
Até mesmo os principais beneficiados pelo sistema social em que estão
inseridos não ficam livres dos problemas causados por ela.
As crises são constitutivas do modelo de organização econômica do
Modo de Produção Capitalista - MPC como descrita por Netto e Braz
(2009.p.157). Os referidos autores ainda evidenciam um momento real do
processo de construção sócio-histórica na qual se insere o desenvolvimento do
capitalismo desde sua emergência.
A análise teórica e histórica do MPC comprova que a crise não é um acidente de percurso, não é aleatória, não é algo independente do movimento do capital. Nem é uma enfermidade, uma anomalia ou uma excepcionalidade que pode ser suprimida no capitalismo. Expressão concentrada das contradições inerentes ao MPC, a crise é constitutiva do capitalismo: não existiu, não existe e não existirá capitalismo sem crise. (NETTO; BRAZ, 2009.p.157).
O caráter eventual das crises capitalistas se torna diferenciado
daqueles encontrados na sociedade pré-capitalistas, em que predominava a
diminuição da força de trabalho, ocasionando menor produção. Na sociedade
capitalista a crise decorre vinculada superprodução de valores-de-uso, que não
são consumidos; com isso “[...] a oferta de mercadorias torna-se excessiva em
relação à procura (demanda). ” (NETTO; BRAZ, 2007, p. 158).
Entretanto, em outras ocasiões, elas estavam relacionadas à
subprodução dos valores-de-uso, produzidas pela baixa do desenvolvimento
das forças produtivas, e, também, com os entraves ocorridos no âmbito das
relações de produção, responsáveis pela produção insuficiente dos valores-de-
uso, aumentando o empobrecimento e a miséria. (SILVA; MOURA, 2015, p.
105)
Nesta perspectiva, a mudança radical nas causas essenciais da crise,
demostram que a sociabilidade capitalista está colocada como base antagônica
e contraditória. De acordo com Marx (2011) apud Silva e Moura (2015), a lei de
acumulação capitalista, se diferencia pela crescente socialização da produção
social, contrária a apropriação privada da riqueza produzida, fundamentando a
exploração do trabalho.
52
Segundo Boschetti (2010) existe uma incompatibilidade estrutural do
sistema, em que seu fundamento está vinculado a forma como se organiza a
economia, que de modo crescente, busca a expansão e a acumulação de
capital; e as relações sociais, em que estão nas mãos de uma minoria a posse
dos meios de produção, enquanto uma maioria possui somente a sua força de
trabalho a ser vendida como uma mercadoria. Netto e Braz (2009) apontam
que as crises são uma resultante das contradições que permeiam o modo de
produção capitalista.
Historicamente, o sistema capitalista foi marcado por sua dinâmica de
crescimentos, seguindo de fases depressivas.
A crise é, pois, a perturbação ocorrida no movimento do capital – expresso a partir da fórmula D – M – D, na qual o capitalista investe dinheiro para produzir mercadorias, cuja finalidade é a obtenção de (mais) dinheiro do que aquele investido inicialmente –, em que a mercadoria produzida não consegue converter-se em (mais) dinheiro e, consequentemente, não realiza a mais-valia extraída no processo de exploração do trabalho, caracterizando uma fase regressiva da acumulação capitalista. (SILVA; MOURA, 2015, p. 105).
Somente quando há a conversão da mercadoria em dinheiro e a
extração da mais-valia, é que ocorre a expansão da acumulação do capital.
(NETTO; BRAZ, 2009). Com tudo, os ciclos econômicos marcam o período
entre uma crise cíclica do capital e outra. São subdivididos em quatro etapas: a
crise, a depressão, a retomada e o auge.6
Diante do viés contraditório em que está inserido o capitalismo, as
crises se apresentam como resultados da dinâmica desse sistema. Porém, não
existe apenas uma causa, dentre elas está a anarquia da produção. Nesta, não
há planejamento ou controle global determinado por esse modo de produção, o
que ocasiona descontrole. De maneira contrária, o capital não deve submeter-
se a qualquer tipo de controle, caso contrário sempre estará suscetível a crises,
“[...] o sistema do capital é orientado para a expansão e movido pela
acumulação. ” (SILVA; MOURA 2015 apud MÉSZÁROS, 2011, p. 100).
Dessa forma, a produção é comandada somente pelo capitalista com
seus interesses privados, tendo como premissa a obtenção do lucro, cuja
6Com base na reflexão de Silva e Moura (2015)
53
interrupção pode gerar a crise. Com isso, outra causa é a queda da taxa de
lucro, em que:
[...] a forma como cada capitalista, individual e privadamente, responde à queda da sua taxa de lucro; então, verificamos que a resultante da resposta da maioria dos capitalistas a essa tendência contraria a intencionalidade de cada um deles e seu efeito, enfim, acaba por efetivamente contribuir para a eclosão das crises. (NETTO; BRAZ, 2009, p. 161).
Por último, tem-se como causa das crises o subconsumo das massas
trabalhadoras. Tendo em vista que, a oferta de mercadorias é maior que a
capacidade de consumo da classe trabalhadora. Nesse sentido,
[...] a razão última de todas as crises reais é sempre a pobreza e a restrição ao consumo das massas em face do impulso da produção capitalista a desenvolver as forças produtivas como se apenas a capacidade absoluta de consumo da sociedade constituísse seu limite. (SILVA; MOURA, 2015 apud MARX, 1985, p. 24).
A crise é, contraditoriamente, o processo de interrupção da
acumulação da rotação do capital, mas, é também, o momento em que se
recupera violentamente a unidade das fases do processo produtivo e de
reprodução social do sistema (SILVA; MOURA, 2015 apud BEHRING, 2012).
Mediante a reflexão,
[...] as crises, expressando a contraditoriedade inerente ao sistema capitalista, são elas mesmas contraditórias: de uma parte, trazem à luz as contradições do sistema capitalista; de outro, criam as contradições para uma reanimação e um novo auge, isto é, para um novo ciclo. As crises são funcionais, pois constituem os mecanismos mediante os quais o sistema capitalista se restaura, sempre em níveis mais complexos e instáveis, as condições necessárias à sua continuidade. (NETTO; BRAZ, 2007, p. 162).
Com base nisso, a compreensão de que as crises são constitutivas ao
desenvolvimento do capital – demonstrando mais claramente sua face
contraditória –, a crise estrutural tem como caráter, o fator de universalidade,
pois abrange a totalidade do sistema em seu movimento; possui um alcance
global, atingindo grande parte dos países, se não todos. A crise estrutural deve
ser analisada, considerando os determinantes sociais, políticos e econômicos
que permeiam o sistema. Ou seja,
[...] em termos simples e gerais, uma crise estrutural afeta a totalidade de um complexo social em todas as relações com suas partes constitutivas ou subcomplexos [...]. Diferentemente, uma crise não estrutural afeta apenas algumas partes do complexo em questão, e assim, não importa o grau de severidade em relação às partes afetadas, não podendo pôr em risco a sobrevivência contínua da
54
estrutura global. (SILVA; MOURA, 2015 apud MÉSZÁROS, 2011, p. 797).
Netto e Braz (2009.p. 159) afirmam que a crise pode emergir por
incidente econômico ou político, de maneira que diminuem consideravelmente
as operações comerciais, as mercadorias ficam estagnadas, a produção
diminui ou paralisa, os preços e os salários apresentam baixa; as empresas
apresentam quebra, há o aumento do desemprego, atingindo a classe
trabalhadora que entra em pauperização absoluta.
Não se trata de nenhum economicismo, ou seja, de afirmar que a causa direta e imediata de todos os problemas atuais da humanidade está na economia. Trata-se apenas de deixar claro que a raiz mais profunda da crise que o mundo vive hoje está nas relações que os homens estabelecem entre si na produção da riqueza material. (TONET, 2009, p.1)
Esses são aspectos recorrentes e aprofundados na
contemporaneidade com a crise do capital, cuja a solução não reside na defesa
do neoliberalismo (participação mínima do Estado na economia e o mercado
como principal regulador) e nem na tentativa de retomar resultados alcançados
no período histórico da crise de 1929 – a maior crise cíclica registrada no
Sistema Capitalista – através da adoção do padrão Keynesiano-fordista7, que
contribuiu para a expansão e crescimento do capitalismo durante três décadas.
(SILVA; MOURA, 2015 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2009).
Portanto, para Mészáros (2011), os rebatimentos das estratégias
utilizadas pelo sistema capitalista, pensadas para minimizar as consequências
da mesma dentro do processo de expansão e acumulação do capital, na
procura por recompor as taxas de lucro, envolve transformações societárias
importantes no âmbito do Estado, “[...] especialmente, no tocante ao
desenvolvimento das políticas sociais, em que se registram limites e
retrocessos para a sua efetivação como, por exemplo, para a política de saúde
pública”. (MÉSZÁROS, 2011).
7O Fordismo foi um modelo de produção caracterizado pela produção padronizada em larga
escala e consumo em massa. Flexibilização do Trabalho, com salários ascendentes proporcionando a movimentação do capital e garantias trabalhistas; participação sindical forte. A doutrina era keynesiana (Welfare State, ou estado de bem-estar social), defendia a intervenção do Estado na economia em vários aspectos. (Portal Resuminhos, 2016)
55
Diante da atual crise estrutural do capital, tem-se buscado meios de enfrentamento às suas consequências. As respostas a este cenário requisitaram estratégias como a restruturação produtiva, a financeirização do capital e o neoliberalismo, cujas sequelas podem ser percebidas através das profundas transformações societárias ocorridas na sociedade no pós-1970. (SILVA; MOURA, 2015, p.108).
Conforme Netto (1996), o Welfare State foi vivenciado pelos países
capitalistas centrais, com o ideário de ampliação dos direitos sociais,
consequentemente, a expansão das políticas sociais. Porém, com a eclosão da
crise estrutural em 1970, dá-se início a conjuntura de regressão dos direitos
sociais, por meio de cortes nas políticas de cunho social, bem como a redução
da participação do Estado no social, pressuposto do pensamento neoliberal.
Essa realidade dentro da política de saúde pública no Brasil, aponta
para os rebatimentos do ajuste neoliberal, tendência para o desmonte das
políticas sociais, que passam a ter um perfil fragmentado, seletivo e focalizado;
além da precarização dos serviços sociais que são ofertados a população.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, entra uma nova
fase trazendo a democratização das ações e funções estatais. Mas, esse
cenário incide em aspectos políticos e socioeconômicos, um campo
contraditório de ideias. De um lado a constituição cidadã, abordando a
ampliação de direitos sociais, principalmente ao estabelecimento da
Seguridade Social; composta pela Saúde, Previdência e Assistência Social. Por
outro lado, tem-se o pensamento neoliberal que começa a influenciar na
efetivação das Políticas Públicas no Brasil.8
O neoliberalismo, ao contrário do processo de redemocratização, defende o fortalecimento da iniciativa privada, a redução do valor da força de trabalho e do tempo necessário à produção dos bens, além de incentivar a liberdade de mercado e, sobretudo, a não intervenção do Estado direcionada a área social (SILVA; MOURA, 2015 apud MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010).
O modelo neoliberal, historicamente, chega ao Brasil e ganha força
durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, se
materializando através “da elaboração do Plano da Reforma do Estado,
encaminhado ao Congresso Nacional em agosto de 1995”. (SILVA; MOURA,
2015, p.109).
8Conforme Silva e Moura (2015.p.109).
56
O pensamento defendido pelo plano de reforma problematizava o
entendimento de que as funções estatais eram de “[...] coordenar e financiar as
políticas públicas e não de executá-las. ” (SILVA; MOURA, 2015 apud
REZENDE, 2008, p. 25). A execução ficaria sob a responsabilidade, a princípio,
da sociedade civil e de instituições privadas em parceria com o Estado.
Sobre outros serviços além dos inseridos no tripé da Seguridade
Social, Silva e Moura (2015) afirmam que:
Dentro do plano supramencionado, aqueles serviços sociais competitivos, tais como a educação, a cultura, a saúde, entre outros, que se adequavam às características da concorrência de mercado e, portanto, eram geradores de lucratividade, deveriam ser transferidos do âmbito do Estado para a condução da iniciativa privada, que assumiria a responsabilidade de executá-los com maior eficiência e menor custo (REZENDE, 2008).
Portanto, há uma redefinição das funções do Estado sob a premissa de
encontrar solução para a crise estrutural do capital financeiro que teve início na
década de 1970 até a atualidade. A finalidade é a retomada do crescimento
econômico. Levando em consideração as particularidades da formação
histórico-social do Brasil, o neoliberalismo tenta derrubar os princípios
constitucionais democráticos e afastando as ações estatais do campo social,
com redução dos investimentos no âmbito da Seguridade Social especialmente
na área da saúde.
O programa de contrarreforma encontra na mercantilização dos direitos sociais fonte de lucratividade para o grande capital, em que os serviços sociais antes de responsabilidade do Estado passam a ser transferidos para a iniciativa privada. Com o processo de privatização, estabelece-se uma pactuação com instituições privadas, que passam a participar ativamente da gestão das políticas sociais públicas antes, prioritariamente, de responsabilidade estatal. (SILVA; MOURA, 2015, p.109)
Esse processo, criticamente denominado de contrarreforma do Estado,
trouxe retrocesso para a efetivação do Sistema Único de Saúde - SUS, pois
para o neoliberalismo era, e, continua sendo prescindível o avanço para
transformar à saúde em uma mercadoria que garanta retorno viável ao
desenvolvimento do Sistema Capitalista. O neoliberalismo entra em cena
defendendo o modelo privado de atendimento no setor de saúde. Diante disso,
57
destaca-se a existência, na atualidade, de um tensionamento que diverge os
três projetos relacionados à saúde: “o projeto de reforma sanitária, o do SUS
possível e o privatista”. (SILVA; MOURA, 2015, p.110). Destaca-se, portanto:
[...] o projeto SUS possível é defendido pelas lideranças que diante dos limites da política econômica defendem a flexibilização da reforma sanitária, mas a nomeiam esse processo de reatualização, modernização ou mesmo continuidade desta. [...] [Portanto] as conquistas da reforma sanitária vão dando lugar as propostas hegemônicas do SUS possível e do projeto privatista (SILVA; MOURA, 2015 apud SOARES, 2012, p. 93, grifos da autora).
Ainda sobre a problemática da implementação do SUS, de acordo com
as reflexões das autoras Silva e Moura (2015):
[...] refere à dificuldade da consolidação dos princípios democráticos instituídos com a implementação do SUS mediante a conjuntura socioeconômica atual. Emerge deste contexto uma relativa distinção entre o SUS na prática cotidiana, em sua forma de execução e materialidade, e o SUS conceitual, que se propõe enquanto direito de todos e dever do Estado. Isso ocorre em todos os setores que compõem o conjunto da política de saúde pública brasileira
Com base nisso, afirmamos que o desenvolvimento neoliberal passa a
ser enfrentado como um desafio frente a execução das políticas sociais e
particularmente na área da saúde, atacando princípios importantes do SUS;
que preconiza a saúde como um direito universal. O que também atinge de
maneira direta a política de saúde mental do Brasil.
Para o campo da saúde mental, desdobrou-se desse contexto o
processo de Reforma Psiquiátrica brasileira. Deste modo, atualmente o estado
da saúde mental brasileira é destacada como resultante do Movimento da
Reforma Psiquiátrica que se iniciou a partir de 1979 (SILVA; MOURA, 2015
apud DELGADO,1987). Foram pensadas alternativas diferenciadas destinadas
ao tratamento psiquiátrico centrado, até então, nos grandes hospitais.
O movimento de Reforma Psiquiátrica, mundialmente falado, foi
inspirado no projeto de Franco Basaglia, médico italiano psiquiatra e
sanitarista, que propôs o rompimento do modelo Hospitalocêntrico,
intencionando não somente a desospitalização, mas também o rompimento
com práticas e valores do modelo manicomial.
58
Sobre essa análise as autoras Silva e Moura (2015) consideram que
essa forma de enxergar o sofrimento psíquico, através da Reforma Psiquiátrica,
interferia de certa forma nas relações de poder de caráter neoliberais. Isso
ocorria por causa das lutas pela conquista dos direitos das pessoas egressas
em instituições psiquiátricas, tendo como principal questionamento a crítica a
estigmatização da loucura. “A Reforma em questão objetivava que as pessoas
em sofrimento psíquico vivessem com qualidade de vida, sendo reconhecidas
na sociedade como cidadãos dotados de direitos” (SILVA; MOURA, 2015,
p.110).
O sentido de doença, então, passa a ser diferenciado, deixando de ser
considerada doença mental e passa a ser vista como questão de saúde mental.
Foi pensando nisso, que buscou-se reformular o atendimento, que nos dias
atuais está baseado na ação comunitária integrando o contexto familiar e
social.
O processo de desinstitucionalização provocou consideráveis mudanças quanto à rede de saúde, principalmente, na rede de atenção à saúde mental em muitos Estados e municípios do país. Apesar dos avanços identificados a partir da criação dos serviços substitutivos, na perspectiva de romper com o modelo manicomial, já na entrada dos anos 1990, tal política passa a sofrer os rebatimentos da investida neoliberal que ganha notoriedade na abordagem da política econômica do Brasil. (SILVA; MOURA. 2015, p. 111).
Diante dessa conjuntura geradora de perdas para as políticas sociais,
em que há uma desresponsabilização do Estado quanto à garantia dos
serviços sociais, bem como das respostas destinadas à questão social
mediante as políticas sociais, tal contexto acarreta, ainda, repercussões
demasiado danosas para o mundo do trabalho.
O neoliberalismo busca uma flexibilidade no processo de trabalho que
segue a linha da desregulamentação dos direitos trabalhistas e sociais. Um dos
fenômenos que marcaram a década de 1990, foi o processo de globalização
que trouxe mudanças importantes nas relações sociais, vale destacar: as
transformações no processo de reprodução da força de trabalho e na
reorganização do mercado. Diante disso, salientamos que o neoliberalismo
sempre redireciona para o corte de gastos sociais, desativação dos programas
e a redução da participação do Estado em sua responsabilidade. Dessa forma,
59
afirmamos que a política neoliberal, com seu ajuste, não afeta somente a
economia, mas redefine o campo político institucional e as relações sociais.
(BEHRING, 2011).
Os reflexos da redução do Estado frente à influência neoliberal, na qual
persiste a redução orçamentária por parte do governo em gerir os serviços
sociais, afeta a política de Saúde Mental, enquanto novo modelo assistencial
proposto pela Reforma Psiquiátrica. Baseado nessa afirmação, observa-se
aberturas para o setor privado, com o ideário de obtenção de lucro através da
comercialização da saúde.
A desresponsabilização do Estado incide não somente sobre a
diminuição dos serviços prestados, mas também, na assistência à população
usuária da rede de saúde mental. Com isso tem-se, o incentivo a utilização de
medicamentos para o tratamento de pessoas com transtorno mental
ocasionados pelos danos referentes as formas de atendimentos precarizados
devido ao corte de gastos. “A busca da medicalização através da indústria
farmacêutica e do tratamento baseado em remédios como saída para o
atendimento em massa”. (SILVA; MOURA, 2015 apud BARBOSA, 2006, p. 91-
92).
Sobre as relações de trabalho, as referidas autoras fazem as seguintes
análises:
(...) a precarização ocorrida nas relações de trabalho na contemporaneidade, compatíveis com as formas de desresponsabilização do Estado, refletem no âmbito da política de saúde mental. Silva (2010) destaca que tal cenário não tem promovido as condições necessárias para que os trabalhadores da referida política possam desenvolver a assistência proposta pela Reforma, naqueles espaços em que a mesma deve ser operacionalizada. (SILVA; MOURA, 2015, p.111)
A redução da participação do Estado, quanto ao custeio das condições
necessárias para a efetivação da política de saúde mental, recebe influência
direta das ideias neoliberais, objetivando manter a ordem social estabelecida
pelo capitalismo. Dentro dessa perspectiva, os gastos sociais são considerados
desnecessários comprometendo, assim, o desenvolvimento da política
supracitada.
Essa conjuntura afeta fortemente as políticas sociais, não seria
diferente no campo da saúde mental, haja vista que essa situação está
60
deixando os usuários diagnosticados com transtorno mental desprovidos de
meios de amparo social e de benefícios para o seu bem-estar físico, mental e
social.
Dentro do contexto neoliberal há o desmonte das políticas públicas, de
maneira que são impostos limites à atuação dos/as profissionais, à medida em
que a realidade atual propõe que aconteça a redução dos gastos sociais.
“Não se consubstanciam direitos sociais sem políticas públicas que os concretizem e liberem indivíduos e grupos tanto da condição de necessidade quanto do estigma produzido por atendimentos sociais descomprometidos com a cidadania. ” (POTYARA, 2011. p.99).
A sociedade confere poderes exclusivos ao Estado para que o mesmo
exerça a garantia de direitos sociais, apesar de fazê-lo de forma limitada cabe
a ele essa função.
Dentro da historicização da precarização da Política de Saúde Mental,
estão os vínculos trabalhistas, sendo estes, em grande escala, instituídos por
meio de contratos temporários. Isso reflete, também, nas formas de
atendimento ao público usuário.
Portanto, a discussão aqui abordada é fundamentada a partir da
objetivação de que a política de saúde mental, partindo da sua construção
jurídico-formal até a sua concretização, está inserida na sociabilidade
capitalista de tal maneira que recebe influências determinadas pelas
condicionantes conjunturais sócio-históricas em que vivemos.
O Brasil vivencia hoje uma forte crise em sua economia, que está
gerando grandes agravos para as políticas públicas. Estamos sentindo isso não
só no aumento dos preços de bens de consumo, mas, também, em diversos
setores que necessitam de investimentos para sua funcionalidade.
Com base no que aqui foi problematizado, percebe-se a necessidade
de olhares mais atentos a essa política e ao seu processo de desenvolvimento
no país. Considerando que a Política de Saúde Mental passa por momentos de
desafios que geram problemas para a efetivação dos seus avanços, tendo em
vista o contexto histórico atual, representado por um cenário, em que o capital
busca se recuperar da crise estrutural de seu sistema.
3.2. Legislação e Saúde Mental no Brasil
61
A Política de Saúde Mental no decorrer da última década, passou por
importantes e significativas transformações, evoluindo em definitivo passando
do modelo Hospitalocêntrico, para um modelo de atenção diversificada, de
base territorial comunitária.
É dever de honestidade conceitual e política reconhecer que esse
consenso político ainda não se encontra plenamente refletido no conjunto da
atenção em saúde mental do SUS, pois continua sendo despendido parcela
significativa dos seus recursos com a área hospitalar. Mas, o rumo da Política
de Saúde Mental, que será abordada no presente subitem, dentro do conjunto
de normas legais reguladoras, é evidente, e aponta para a contínua expansão
e consolidação desta rede de atenção extra-hospitalar.
Segundo os autores Bardálio e Júnior (2013, p.376) para a história da
saúde mental, durante seu processo histórico, a loucura é encontrada como a
frequente identificação do sujeito tido como “louco” tratado como diferente,
como o não tolerável pela sociedade cuja a ideia era de excluir quem não fosse
tido como “normal”.
Sempre existiu o temor da sociedade com relação ao desconhecido, o receio quanto a essa pessoa que se expressa de forma confusa, com comportamentos peculiares, e muitas vezes, perturbadores da ordem pública, sem que pareça ter noção dos danos que possa provocar ou do esforço que se faz no sentido de conter ou minimizar os seus atos. (BARDÁLIO; JÚNIOR, 2013, p.376).
A sociedade, para programar ações efetivas relacionadas às pessoas
consideradas “estranhas” passou a selecioná-los, levando em consideração a
dificuldade estabelecidas sobre os limites da normalidade, em paralelo ao
comportamento humano.
Ainda de acordo com Bardálio e Júnior (2013), a legislação de Saúde
Mental no Brasil acompanhou as transformações do pensamento sobre a
loucura, desde o momento em que as ideias sobre psiquiatria passaram a ser
questionadas pela corrente antipsiquiátrica.
O principal questionamento dessa corrente, estava baseado no
conhecimento científico da psiquiatria convencional, alegavam fragilidades nas
próprias bases que fundamentavam a existência da doença mental.
(BARDÁLIO; JÚNIOR, 2013, p.378).
62
Para esses teóricos, a loucura não era doença, mas um reflexo do desiquilíbrio social e familiar do meio onde o indivíduo se encontra inserido, devendo o empenho em sua cura se localizar nessas causas, excluindo as disfunções orgânicas tão propagadas (...) (BARDÁLIO; JÚNIOR, 2013, p.378).
No período da década de 1960, a cidade italiana de Trieste,
protagonizava as primeiras organizações políticas de Reforma Psiquiátrica, que
se alastraria por vários países nas décadas seguintes, inclusive pelo Brasil.
Seu principal incentivador foi Franco Basaglia, que não optou pela negação da
doença, e propôs a reformulação do estudo relacionado a psiquiatria9. Com
base nisso, os referidos autores ainda trazem a reflexão de que:
(...) desenvolveu-se ao doente mental a sua identificação enquanto cidadão, haja vista que essa identificação lhe foi tirada quando de seu tratamento em instituição asilar, quando adquiriu o estigma de incapaz, perigoso ou antissocial. Essa inovação da metodologia empregada se fez por meio do Hospital-dia, que permitia a continuidade da inserção do indivíduo em seu meio social e familiar na constância do tratamento. (BARDÁLIO; JÚNIOR, 2013, p.379).
Como já aprofundado no subitem 2.3 da presente pesquisa, a realidade
brasileira vivenciou o desenrolar da Reforma Psiquiátrica a partir da década de
1970, em meio a crescentes organizações políticas de alguns setores da
sociedade com intuito de lutar pela redução da repressão a liberdade individual
traduzido em manicômios.
Além disso, procurou-se uma nova perspectiva de modelo assistencial,
que promovesse a saúde mental, ao invés de direcionar a ação apenas no que
já existia, ou seja, no desequilíbrio psíquico já instalado. (SILVA; MOURA,
2015, p.110).
Em 1989, o Congresso Nacional brasileiro recebe o projeto de lei do
Deputado Petista do Estado de Minas Gerais, Paulo Delgado, “[...] propondo a
regulamentação dos direitos das pessoas com transtornos mentais e a extinção
dos manicômios do país”. (BARDÁLIO; JÚNIOR, 2013, p.380).
Também é imprescindível problematizar a lei 8.142/90 que regulamenta
a participação da sociedade civil na gestão do SUS, como um grande ponto
das mudanças no Sistema de Saúde. A partir dessa legislação foram criadas
9Segundo os autores Bardálio e Júnior (2013).
63
duas instâncias colegiadas expressas nas Conferências de Saúde e nos
Conselhos de Saúde. Sobre as conferências de saúde, o Ministério da Saúde
(2007) afirma que elas são realizadas a cada quatro anos com a representação
dos vários segmentos sociais e tem por objetivo avaliar a situação de saúde da
população, analisar os avanços e retrocessos do SUS e propor as diretrizes
para a formulação da política de saúde de modo geral.
Em primeiro lugar, garante a representação dos seguintes segmentos: governo, prestadores de serviços, profissionais de saúde e usuários. Em seguida, define a paridade da composição de usuários em relação aos demais segmentos. Isto significa que 50% do número total de conselheiros será de representantes dos usuários enquanto que os outros 50% será de representantes dos demais segmentos. Neste caso, o Conselho Nacional de Saúde recomenda que as vagas sejam distribuídas da seguinte maneira: 25% para trabalhadores de saúde e 25% para prestadores de serviços públicos e privados. (DEPARTAMENTO DE SAÙDE, 2014)
Com base nos dados acima apresentados, é cabível afirmar que
participação dos cidadãos no controle social deve ser vista pela ótica dos níveis
de concessão dos espaços de poder e, portanto, pela sua maior ou menor
ruptura com a estrutura tradicionais e autoritárias. Pois, configura-se a
possibilidade de os cidadãos assumirem um papel relevante no processo de
dinamização da sociedade, e vem reforçar o exercício de um controle mais
permanente e consistente dos usuários na gestão das políticas públicas,
sustentando no acesso à informação sobre as reais condições das políticas
sociais, em especial da saúde.
Por isso, o controle social e a participação dos cidadãos aproximam-se
das necessidades da comunidade tendo em vista a identificação das
comunidades e a melhoria das intervenções no âmbito da saúde através do
planejamento participativo das ações a serem realizadas pelo serviço de
saúde, contribuindo dessa forma para a implementação do SUS pautada nos
seus princípios.
Mediante a essa problematização, é relevante trazer a reflexão sobre o
ano de 1992, em que os movimentos sociais, por inspiração ao Projeto de Lei
de Paulo Delgado, conseguem aprovar em diversos Estados do Brasil as
primeiras leis que preconizavam a substituição progressiva dos leitos
psiquiátricos, por uma rede de atenção à saúde mental. Depois desse período,
64
a política do Ministério da Saúde para a saúde mental começa a modificar
paulatinamente os contornos do atendimento psiquiátrico. (ROSA, 2008, p.26).
Entende-se ser de grande importância trazer pontos da legislação
complementar estadual de São Paulo aprovada no ano de 1995 n° 791/95
sobre o código de saúde, que aponta disposições em seu Artigo 33 dedicando
uma seção a saúde mental:
Artigo 33 - No tocante à saúde mental, o SUS, estadual e municipal, empreenderá a substituição gradativa do procedimento de internação hospitalar pela adoção e o desenvolvimento de ações predominantemente extra-hospitalares, na forma de programas de apoio à desospitalização que darão ênfase à organização e manutenção de redes de serviços e cuidados assistenciais destinada a acolher os pacientes em seu retorno ao convívio social, observados, ainda, os seguintes princípios: I - Desenvolvimento, em articulação com os órgãos e entidades, públicas e privadas, da área de assistência e promoção social, de ações e serviços de recuperação da saúde de pessoas acometidas de transtorno mental e sua reinserção na família e na sociedade; II - A atenção aos problemas de saúde mental, em especial os referentes à psiquiatria infantil e à psicogeriatria, se realizará, basicamente, no âmbito comunitário, mediante assistência ambulatorial, assistência domiciliar e internação de tempo parcial, de modo a evitar ou a reduzir, ao máximo possível, a internação hospitalar duradoura ou de tempo integral; III - Toda pessoa acometida de transtorno mental terá direito a tratamento em ambiente o menos restritivo possível, o qual só será administrado depois de o paciente estar informado sobre o diagnóstico e os procedimentos terapêuticos, e expressar seu consentimento; IV - A internação psiquiátrica será utilizada como último recurso terapêutico, e objetivará a mais breve recuperação do paciente; V - Quando necessária a internação de pessoa acometida de transtorno mental, esta se dará, preferentemente, em hospitais gerais; VI - A vigilância dos direitos indisponíveis dos indivíduos assistidos será realizada de forma articulada pela autoridade sanitária local e pelo Ministério Público, especialmente na vigência de internação psiquiátrica involuntária. (BARDÁRO; JÚNIOR, 2013, p.380).
Dinis e Matheus (2013) afirmam que foi com o advento do SUS, que a
saúde pública protagonizou vários fatores de mudanças, e as duas últimas
décadas assistem à efetivação da reforma da Assistência psiquiátrica do Brasil.
Sobre esses acontecimentos os referidos autores expõem que:
Em 1990 é criada a Coordenação Geral de Saúde Mental (CGSM), no lugar da Divisão Nacional de Saúde Mental, que até aquele momento exercia funções de planejamento de campanhas de saúde mental e manutenção de alguns hospitais psiquiátricos públicos. A CGSM passa a efetivamente coordenar a política de saúde mental do país e,
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potencializada pela emergência do SUS, implanta ações de grande impacto no sistema público de saúde, como redução de leitos em hospitais psiquiátricos e o financiamento de serviços na comunidade. (DINIS; MATHEUS, 2013.p.21 apud BORGES e BAPTISTA, 2008).
Já no ano 2000, datada mais especificamente em 11 de fevereiro,
destaca-se a Portaria GM (Gabinete do Ministro) n° 106. De acordo com os
autores Bardáro e Júnior (2013) foi a que instituiu os serviços prestados pelas
Residências Terapêuticas, as quais recebiam os portadores de transtornos
mentais advindo de internações psiquiátricas de longa permanência, e que já
não haviam mais vínculos sociais e familiares.
Sobre as residências, foram pensadas como uma modalidade
assistencial substitutiva de internação psiquiátrica prolongada. Foi estabelecido
que a medida que fossem feitas transferências pacientes do Hospital
Especializado para o serviço de Residência Terapêutica, seriam amenizados o
credenciamento com o SUS, bem como o número de leitos nos hospitais
psiquiátricos.
Segundo Souza (2012, p.13), foi somente em 6 de abril de 2001 que a
lei federal n.º 10.216, de autoria do Deputado Paulo Delgado, foi sancionada no
Brasil. O aparato legal “(...) dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais” (SOUZA, 2012, p.13). De maneira que
redireciona o modelo assistencial em Saúde mental.
Com a promulgação da Lei 10.216/2001 passou a existir a
possibilidade de oferta de tratamento em “Serviços de Base Comunitária”, para
atendimento, reabilitação psicossocial e integração social fora da unidade
hospitalar, mas não foi claramente instituído com a finalidade de extinguir
progressivamente as instituições psiquiátricas.
A promulgação da Lei federal n.º 10.216 impõe novo impulso e novo ritmo para o processo de reforma Psiquiátrica no Brasil. É no contexto da promulgação da lei n.º 10.216 e da realização da III Conferência Nacional de Saúde Mental que a Política de Saúde Mental do governo federal, alinhada com as Diretrizes da reforma Psiquiátrica, passa a se consolidar, ganhando maior sustentação e visibilidade. (BARDÁRO; JÚNIOR, 2013, p.382).
São muitas as leis que possibilitam as transformações na Saúde
Mental desde a década de 90 até os dias atuais. Entre elas também se
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encontra a lei federal n.º 10.708, de 31 de julho de 2003, preconizando o
auxílio-reabilitação, que garante o acompanhamento dos usuários acometidos
por transtorno mental. Esse auxílio faz parte de um programa de
ressocialização dos pacientes internados em hospitais psiquiátricos
denominado de “De volta para casa” coordenado pelo Ministério da Saúde.10
Ainda sobre o processo das legislações que norteiam a saúde mental
no Brasil, conforme os autores Bardáro e Júnior (2013, p. 384). Temos:
A portaria n.º 52, de 20 de janeiro de 2004 institui o Programa anual de Reestruturação da Assistência Psiquiatra Hospitalar no SUS – 2004.propõe que o processo de mudança do modelo assistencial deve ser conduzido de modo a garantir uma transição segura, onde a redução dos leitos hospitalares possa ser planificada e acompanhada da construção concomitante de alternativas de atenção no modelo comunitário.
E, também, o Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar:
(...) o Programa Anual de Reestruturação da Assistência Hospitalar Psiquiátrica no SUS (PRH); a instituição do Programa de Volta Para Casa e a expansão de Serviços como os Centros de Atenção Psicossocial e as Residências Terapêuticas, permitiram a redução de leitos psiquiátricos no país e o fechamento de vários hospitais psiquiátricos (BARDÁRO; JÚNIOR, 2013, p.384).
Com isso se consolida a Reforma Psiquiátrica como política de
Governo, conferindo aos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS o valor
estratégico para mudança do modelo de assistência, e que passou a defender
a construção de uma política de saúde mental, também, para os usuários de
álcool e outras drogas, estabelecendo o controle social como garantia do
avanço da Reforma Psiquiátrica no país.
Os CAPS são os principais equipamentos de referência em Saúde
Mental do SUS, regulamentados pela portaria MS/GM n.º 336, de 20 de
fevereiro de 2002 e pela portaria MS/GM n.º 2.841, de 20 de setembro de
2010). E que estão inseridos em uma Rede, como vemos na citação abaixo:
(...) atualmente a ênfase das políticas públicas em saúde mental do Sistema Único de Saúde – SUS é a construção da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS, regulamentada pela Portaria n.º 3.088, de 23
10Reflexão sobre a legislação de Saúde Mental abordada por Bardáro e Júnior (2013).
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de dezembro de 2011, do Ministério da Saúde, como integrante das Redes Regionais de Atenção à Saúde – RRAS definidas pelo decreto n.º 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamenta a Lei Orgânica da Saúde (lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990). (BARDÁRO; JÚNIOR, 2013, p.382).
De acordo com a autora Rocha (2012) surgimento dos CAPS e
Ambulatórios reafirmam os avanços no campo dos direitos humanos aos
usuários com diagnóstico de transtorno mental, isso através de tratamentos
terapêuticos que promovam a saúde mental dos mesmos.
“A portaria 224/92 estabelece as diretrizes e normas do atendimento
em ambulatórios, Centros e Núcleos de Atenção psicossocial, normas de
internação e leitos psiquiátricos”. (ROCHA, 2012.p.24). Sobre o atendimento
ambulatorial a portaria define que a atenção à saúde:
(...) deverá incluir as seguintes atividades desenvolvidas por equipes multiprofissionais: - atendimento individual (consulta, psicoterapia, dentre outros); - atendimento grupal (grupo operativo, terapêutico, atividades socioterápicas, grupos de orientação, atividades de sala de espera, atividades educativas em saúde); - visitas domiciliares por profissional de nível médio ou superior; - atividades comunitárias, especialmente na área de referência do serviço de saúde. (ROCHA, 2012, p.24 apud Portaria 224 de 1992).
Portanto, a normatização desses serviços leva em consideração a
variedade de atendimentos em saúde mental que são assegurados como
reflexo das demandas proporcionadas pela Reforma Psiquiátrica. Os
ambulatórios passam a ser parte importante na composição da rede de baixa e
média complexidade, “atendendo o doente mental em seu território e
comunidade, sob a perspectiva de sanar e administrar os problemas mentais
com psicotrópicos, aliados a terapias e políticas sociais [...]”. (ROCHA, 2012,
p.24).
A legislação é o aparato de extrema importância no processo de
construção da Política de Saúde Mental. Ela propõe a defesa dos direitos dos
indivíduos acometidos por transtornos mentais, bem como o direito ao
tratamento e a proteção contra a discriminação e marginalização econômica.
Nessa perspectiva, considera-se a lei como produto da Política de Saúde
Mental e como parte estratégica para consolidação dessa Política. (DINIS;
MATHEUS, 2013 apud WHO, 2003).
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Além da defesa dos direitos, a legislação é responsável pela regulação
do sistema de atendimento em saúde mental, com base em seu financiamento,
credenciamento dos técnicos e serviços, padrões mínimos de qualidade, entre
outros.
Uma das principais estratégias no Brasil para se implementar a política de saúde mental passa pela regulamentação do sistema, por meio do arcabouço normativo dentro do SUS. O Ministério da Saúde publicou, de1990 a 2010, 68 portarias versando sobre a área de Saúde Mental: regulamentação dos serviços, formas e valores no financiamento, criação de programas e grupos de trabalho. (DINIS; MATHEUS, 2013 apud BRASIL, 2004)
Com o surgimento da chamada epidemia de crack – droga derivada da
cocaína – fez com que surgissem campanhas de combate ao uso de drogas,
impulsionada a partir de 2009. A partir desse momento, o crack entra
definitivamente na agenda política, estando presente nos meios de
comunicações, em debates e eventos relacionados a saúde e segurança
pública. Graças a estas campanhas, o discurso contra a reforma da falta de
leitos psiquiátricos ganhou força, especialmente através da pressão dos
psiquiatras, desta vez sob o argumento da necessidade da criação de novos
leitos e centros especializados em saúde mental para tratar os usuários de
drogas. (SOUZA, 2012, p.16).
Inseridos na questão de saúde mental, estão os usuários de álcool e
outras drogas e as políticas públicas voltadas para redução de danos causados
por substâncias psicoativas, normatizados pela legislação n° 11.343/2006.
Temos a instituição do SISNAD (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre
Drogas), tal sistema prevê medidas para a prevenção do uso indevido, atenção
e reinserção dos usuários e dependentes de drogas.
Essa lei é o marco jurídico que reconhece as diferenças entre usuários,
a pessoa em uso indevido, o dependente e o traficante de drogas, com
tratamento diferenciado, porém sem descuidar e negligenciar os mecanismos
de repressão ao tráfico. Vejamos alguns pontos importantes da lei, que deram
um novo norte ao paradigma sobre o uso dessas substâncias:
Art.5° O SISNAD temos seguintes objetivos: I – contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a torna-lo menos vulnerável a assumir comportamentos de risco para o uso
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indevido de drogas, seu tráfico ilícito e outros comportamento correlacionados; III – promover a integração entre políticas de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua produção não autorizada e ao tráfico ilícito e as políticas setoriais dos órgãos do Poder Executivo da União, Distrito Federal e Municípios; §1° As medidas submetem-se quem para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas a preparação de pequena quantidade de substâncias ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
A presente legislação pressupõe que os usuários e dependentes, não
estarão sujeitos a privação de liberdade, os mesmos passarão a cumprir
medidas socioeducativas aplicadas pelos Juizados Especiais Criminais. É aqui
que entra o papel do Estado na formulação de políticas ou programas sociais
que atendam a essa demanda.
Antes da promulgação da lei supracitada, os sujeitos eram vistos como
uma ameaça à sociedade. Com isso, eram restritos a ações policiais, quase
sempre violentas, e também submetidos a encaminhamentos a hospitais
psiquiátricos como pessoas com transtorno mental. Com essa nova lei, o
usuário processado por posse de drogas para o uso próprio deverá ser
encaminhado a uma instituição que definirá um projeto terapêutico grupal e
individualizado, como medida de ressocialização e para redução de riscos e os
danos que afetam a saúde desses indivíduos.
Nesse contexto, torna-se claro a urgência e emergência para com as
questões referentes aos indivíduos que fazem uso abusivo de substâncias
psicoativas. Mesmo estando bem longe de um Estado de Bem-Estar Social, o
Estado através da reforma psiquiatra trouxe alguns ganhos com equipamentos
de saúde mental (CAPS) para os usuários que necessitam de tratamento em
todo o território nacional.
As políticas voltadas para a saúde mental vêm se configurando com
uma grande importância na sociedade, visto que tivemos avanços no que diz
respeito a essa área. Dentre outras políticas, hoje a população pode usufruir do
serviço de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas – CAPS ad. No âmbito
jurídico existem leis e portarias que normatizaram diretrizes para a criação e o
funcionamento desses. O Relatório Anual do CAPS (2014) revela que:
70
A Lei 10.216/2001 dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. A Lei indica uma direção para a assistência psiquiátrica e estabelece uma gama de direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais; regulamenta as internações involuntárias, colocando-as sob a supervisão do Ministério Público, órgão do Estado guardião dos direitos indisponíveis de todos os cidadãos brasileiros. (RELATÓRIO ANUAL DO CAPS AD PARNAMIRIM/RN 2014).
Diante desse cenário, a pessoa acometida por transtorno mental passa
a ter direito às melhores possibilidades de tratamento, como preconiza a
Constituição Federal de 1988, quando afirma que a saúde é direito universal,
devendo ser realizado com humanidade e respeito. Também lhes é assegurado
a proteção contra qualquer forma de exploração e o direito de receber as
informações necessárias sobre sua doença. Cabe aos profissionais da Saúde,
autoridades públicas e poder judiciário zelar pelo direito desses sujeitos.
De acordo com a lei federal n.º 10.216/2001 em seu primeiro Artigo,
Art.1. ° Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e o grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.
Em qualquer das internações psiquiátricas, seja ela compulsória, com
determinação judicial ou nas internações de modo geral, a constatação de
qualquer tipo de transtorno mental deverá passar pelo cumprimento da lei
acima citada.
O artigo 4° dessa mesma (Lei 10.216/2001), também, expressa o
redimensionamento do modelo de assistência á saúde mental, elencando como
prioridade a reinserção social do sujeito no meio social a qual pertence,
explicitando o fim das internações eternas e do enclausuramento da loucura.
“Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. § 1º O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio. ”
A rede de saúde mental no Brasil, atua de maneira articulada e
comunitária, para prestar, de forma eficaz, os atendimentos necessários as
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pessoas diagnosticadas com transtorno mental. Sendo responsabilidade do
Estado o desenvolvimento da Política de saúde mental, na promoção de ações
que contribuam no tratamento desses sujeitos, devendo ser prestadas em
instituições de saúde mental que ofereçam assistência nessa área.
No tocante as ações desenvolvidas na área de atenção à Saúde
Mental, temos a inserção do Serviço social, elaborando ações para que haja a
viabilização dos direitos dos usuários dos Serviços psiquiátricos. Como será
problematizado no subitem a seguir.
3.3. Serviço Social e sua relação com a Saúde Mental
Existe, dentro da categoria profissional, o discurso reproduzido pelo
senso comum pautado na ideia de que o Serviço Social perpassando a Saúde
Mental, se trata de uma temática nova, por isso, encontram muitas dificuldades
ao atuar nesta área. Muitos Assistentes sociais não se sentem alicerçados
metodologicamente. Entretanto, esta ideologia é historicamente contestável e,
por outro lado, as origens de tantos dilemas podem estar relacionadas ao fruto
de uma herança história que marca a atuação desses profissionais.
Rocha (2012), traça um breve histórico que determina a inserção do
Serviço Social na Saúde Mental. Com base nisso, foi a partir da década de
1940, possivelmente por ser um período que marca a “consolidação da
formação profissional e de chegada dos primeiros agentes profissionais ao
mercado de trabalho no Brasil” (ROCHA, 2012.p.34).
O modelo histórico do Serviço Social na área psiquiátrica brasileira é muito diferente da estuniense. No Brasil, o Serviço Social começou como assistência aos trabalhadores para “amenizar” a relação entre capital e trabalho, através da intervenção nas refreções mais imediatas da “questão Social”, tais como fábricas, previdência, assistência social (BISNETO, 2011 apud IAMAMOTO e CARVALHO,1998).
Nesse período, o Serviço Social de forma imediata passou a integrar a
lista de profissões da área da saúde. Entretanto, ainda não constituiria o
quadro de profissionais a atuarem na psiquiatria, pois era vista como campo de
atuação separada no Serviço Social, isso consequentemente estava
72
relacionado à baixa demanda de assistentes sociais trabalhando
exclusivamente com a saúde mental. (BISNETO, 2011, p.21).
Segundo Vasconcelos (2008) após o período de formação dos/as
primeiros Assistentes sociais. As escolas de Serviço Social, passaram a tentar
inserir esses profissionais nos hospitais psiquiátricos, com a função direcionada
ao atendimento na área de Assistência Social. Sua atuação caracterizou-se
como porta de entrada dos hospitais psiquiátricos, com traços de
subalternidade:
(...) aos médicos, e à direção da instituição, atendendo prioritariamente as suas demandas por levantamentos de dados sociais e familiares dos pacientes e/ou de contatos com os familiares para preparação para alta, de confecção de atestados sociais e de realização de encaminhamentos, em um tipo de prática semelhante, porém mais burocratizada e massificada (...) (ROCHA, 2012 apud VASCONCELOS, 2000, p. 187)
Neste sentido, destaca-se as dificuldades de discussões burocráticas,
superficiais e assistencialistas da época, devido a insuficiência de aporte
teórico referente à inserção do/a Assistente Social no campo da saúde mental.
As intervenções aconteciam de forma acrítica, sem nenhum tipo de
questionamento sobre a forma de atuação da instituição em sua totalidade e,
também, sobre as intervenções profissionais em sua totalidade.
Para Rocha (2012) o objetivo do trabalho profissional não estava
direcionado na reflexão sobre as condições objetivas para a reabilitação
psicológica dos sujeitos diagnosticados com transtorno mental, todavia, existia
a culpabilização das famílias pela situação em que eles viviam. Por outro lado,
“os relatórios sociais serviam, em muitos dos casos, para legitimar internações
irresponsáveis fruto de interesses econômicos presentes na medicina
mercantilizada” (ROCHA, 2012, p. 34-35).
Dessa maneira, as justificativas para a internação ou a continuidade da
mesma, estavam condicionadas em conformidade com a situação de pobreza
em que se encontravam os usuários. A pobreza era associada como a principal
barreira para um possível retorno do indivíduo ao âmbito familiar. O trabalho
do/a Assistente Social estava centrado nos interesses da medicina
mercantilizada, proporcionando a legitimação das práticas manicomiais
existentes nesse período.
73
As práticas profissionais não colocavam como objetivo a mudança de concepção, do contexto e da prática profissionais dentro da instituição como um todo, nem tinham uma proposta de reabilitação psicossocial efetiva que abrangesse o conjunto das dimensões existenciais e sociais do usuário. (ROCHA, 2012 apud VASCONCELOS, 2000, p. 188)
Diante desde processo, caracterizado pelo Serviço Social conservador,
a psicologização11 das relações sociais marca a prática profissional no cenário
brasileiro, isto é, o foco é direcionado a culpabilizar o sujeito e a adaptação à
ordem estabelecida. Segundo Siqueira (2014, p. 243)
A ordem social, para ser preservada na sua normalidade, deve enfrentar essas formas de patologias e desajustes. A pobreza é aqui concebida como uma patologia, como um desajuste, que deve ser curado, extirpado do organismo saudável. O indivíduo (pobre), responsável pela sua situação de “desajuste”, de “patologia”, deve ser “refuncionalizado”, “curado” da sua condição, como forma de devolver a normalidade ao sistema.
No período pós-64 temos a primeira direção para a renovação do
Serviço Social - perspectiva modernizadora, através dela o Serviço Social
tentou afastar-se do senso comum, da filantropia e de sua vinculação com a
Igreja católica. Um esforço para adequar a profissão, já que possui como um
de seus objetos de atuação a intervenção inserido no arsenal de técnicas
sociais e estratégias a serem utilizadas no decorrer do desenvolvimento
capitalista.
É a esta concepção desenvolvimentista que se conecta a perspectiva renovadora configurada nos documentos de Araxá e Teresópolis: o processo de desenvolvimento é visualizado como elenco de mudanças que, levantando barreiras aos projetos de eversão das estruturas socioeconômicas nacionais e de ruptura com as formas dadas de inserção na economia capitalista mundial, demanda aportes técnicos elaborados e complexos – além, naturalmente, da sincronia de “governos” e “populações” -, com uma consequente valorização da contribuição profissional dos agentes especializados em “problemas econômicos e sociais.” (NETTO, 2010, p. 166-167)
11O fenômeno da psicologização diz respeito a uma prática de buscar explicações e soluções
de todos os problemas, numa perspectiva direcionada a uma abordagem clínica individualizada, não se levando em conta a realidade de inserção social e familiar dos sujeitos. (BEAUTHENEY,2016) “(...) desviando o enfoque da transformação social para a transformação individual como meio de soluções de problemas”. (BISNETO, 2011, p. 54)
74
Porém, afirma Netto, (2010) que essa perspectiva, não era uma
tendência contestadora da ordem vigente e do tradicionalismo que
influenciavam o Serviço Social. O que lhe confere peculiaridade é a nova
fundamentação para tornar a profissão legitimada, identificando o papel e os
procedimentos cabíveis para a atuação dos profissionais.
A atuação dos assistentes sociais, com base nos apontamentos
levantados por Rocha (2012.p.36).
(...) caracterizou-se por ajustar os indivíduos ao modelo de desenvolvimento social do ciclo autocrático, sendo o assistente social um profissional privilegiado para reproduzir o binômio que caracterizou este ciclo: repressão x assistência. Este fato serviu para legitimar o status quo, contribuir para a neutralização dos conflitos e, principalmente, culpabilizar os indivíduos pelas mazelas do desenvolvimento tardio do capitalismo, assim, a proposta de trabalho era caracteriza pelo ajustamento e manipulação em prol da adaptação dos sujeitos à ordem estabelecida.
A emergência da autocracia burguesa na década de 60 marca o início
de profundas mudanças na saúde mental e, também, na categoria profissional
dos/as assistentes sociais. De imediato, houve a diminuição da visibilidade
social dentro dos hospitais psiquiátricos, por outro lado, a partir de experiências
de países como Inglaterra e Estados Unidos, foram criadas várias
Comunidades Terapêuticas pelo Brasil. Segundo Vasconcelos:
Durante o período militar, com a repressão aos dispositivos de luta e participação política mais ampla na sociedade, a relativa pouca visibilidade social dentro dos muros dos hospitais psiquiátricos e a influência de experiências internacionais anteriores e do projeto pioneiro da Clínica Pinel de Porto Alegre (VASCONCELOS, 2008, p. 189).
Historicamente, essas comunidades, surgiram com o propósito de
tratamento de neuroses acometidas por soldados ingleses, combatentes de
guerra. Nesse período, a terapia era centrada em abordagens de cunho
educativo, peças teatrais e debates sobre variadas temáticas. Tudo isso dentro
deum ambiente de convivência grupal. (DAMAS, 2013, p.12).
Na mesma década, de 1950, as Comunidades Terapêuticas foram
pensadas como alternativa ao tratamento manicomial com contribuição do
Serviço Social.
75
Neste sentido, representavam o embrião de práticas questionadoras da psiquiatria clássica, que apostavam em uma aliança com os familiares para construir uma rede de acompanhamento externo, e, por outro lado, mas não dissociado, investindo na democratização e humanização das práticas hospitalares, estimulando a criação de espaços coletivos de participação. Neste processo o Serviço Social teve importante contribuição na intervenção junto aos familiares dos internos e uma maior complexidade técnica, advinda do movimento de modernização da profissão, fortemente embasada no domínio de técnicas. (ROCHA, 2012, p.36)
Contudo, apesar de seu surgimento ser proposto como alternativa ao
modelo manicomial, muitas delas facilmente passaram a adotar o asilamento,
característicos do modelo Hospitalocêntrico.
Nessa mesma década, Rocha (2012) aponta que durante a ditadura foi
ampliado o número de manicômios, impulsionado pela centralização e
privatização da área da saúde, fortalecendo assim a “indústria da loucura”.
Houve a abertura de clínicas privadas mantidas pelo INAMPS. Esse
movimento trouxe rebatimentos no âmbito do Serviço Social, pela possibilidade
de maior inserção de Assistentes Sociais no mercado de trabalho, o que se
consolidou no ano de 1973.
(...) é a partir de 1973 – quando o INPS enfatizava a importância da equipe interprofissional para a prestação de assistência ao doente mental, numa de suas tentativas de melhorá-la - que se abriu um maior espaço para o Serviço Social nas Instituições Psiquiátricas. (BISNETO, 2011 apud SOUZA, 1986, p. 118).
Nessa perspectiva, a inserção do/a profissional, Assistente Social, na
saúde mental passou a reproduzir a lógica imposta pela autocracia burguesa.
Ainda segundo Rocha (2012), eram profissionais demandados para inserir e
compatibilizar os setores da sociedade civil à modernização conservadora do
Estado, responsáveis por mediar conflitos sob a ideia de silenciar a classe
trabalhadora sobre a dicotomia repressão versus assistência.
A atuação do Serviço Social em saúde mental é marcada por uma forte indefinição teórica, oriunda da dificuldade do aporte teórico construído pela perspectiva modernizadora em responder às crescentes expressões da questão social e, principalmente, na perspectiva de pensar o fazer profissional em um campo fortemente marcado pela subjetividade, recaindo, sempre e recorrentemente, na psicologização das relações sociais, embora, neste momento, a profissão é demandada pelo Estado para efetivação das crescentes políticas públicas, que tinham por objetivo conter as massas. (ROCHA, 2012, p. 37).
76
É importante destacar, também, que o exercício profissional foi
fortemente orientado pelas lógicas de atuação de caso, grupo e comunidade,
modelos de intervenção sob influência do desenvolvimentismo - fenomenologia
e marxismo, influências tradicionais e emergentes - quando a profissão
mantinha uma linha tecnicista (BISNETO, 2011, p. 58) elaborando estratégias
para amenizar conflitos e controlar o cotidiano das classes. Os profissionais
passaram a atuar também em estabelecimentos filantrópicos, privado e
conveniados além dos manicômios estatais já existentes desde a década de
1940.
Conforme Bardaro e Júnior (2013) não se pode desconsiderar os
avanços, até mesmo aqueles oriundos das comunidades terapêuticas, que
possibilitaram a inspiração da transformação de paradigmas profissionais a
partir da década de 1980. Estas experiências acabaram proporcionando uma
influência ao Serviço Social, garantindo o envolvimento político e
comprometimento com o processo de transformação institucional; levantando
questionamentos sobre subalternidade profissional e, também, sobre a divisão
do trabalho em saúde mental, com fortes tendências ao trabalho
interdisciplinar.
No bojo dessas mudanças sinalizadas no trabalho do Serviço Social em Saúde Mental, devemos levar em conta que as possibilidades de avanços numa perspectiva de crítica das práticas profissionais são influenciadas pelo movimento de resistência democrática à ditadura, que, dentre inúmeras denúncias, publicizavam, no cenário nacional, a “indústria da loucura”. Este movimento estabelece relações com o processo de reforma sanitária através do questionamento da política de saúde da ditadura, isto é, há uma confluência na convicção de que o modelo curativo, mercantilizado da saúde era impossível de responder às demandas da população. (ROCHA, 2012, p.38)
Portanto, a análise sobre o avanço e profissionalização do Serviço
Social no âmbito da saúde mental, aponta que devemos sempre manter vivo o
contexto de críticas ao regime e modelo de sistema vigente de obtenção de
lucro através da exploração da classe trabalhadora.
A reorganização da política de Saúde mental no Brasil, abarcou
importantes mudanças no trato da atenção ao paciente com transtorno mental
e na rede de serviço disponibilizada e, a partir dessas mudanças, é
imprescindível fazer o elo com o movimento de reconceituação do Serviço
77
Social articulado ao surgimento de instituições e modelo de atenção
direcionado a esse público usuário.
No campo da Saúde Mental a década de 1990 inaugurou um novo modelo de atenção, no qual o foco de atuação não estava centrado na patologia, mas sim no sujeito e no seu ambiente de vida, portanto, há uma ruptura com a psiquiatria clássica. Neste processo de quebra dos paradigmas da psiquiatria tradicional, as práticas profissionais voltam-se para além da patologia, ou seja, a medicina deixa de ser central na Saúde Mental - embora o paradigma da superioridade deste campo do saber precisa ser cotidianamente combatido -, há o reconhecimento de que o processo de reabilitação do doente mental não se dá somente na relação médico-paciente, com o foco na doença cura. (ROCHA, 2012, p. 39)
Consequentemente, a reabilitação do indivíduo deixou de ser vista
como uma patologia suscetível a tratamento, mas sim, o tratamento do sujeito
não só no plano subjetivo. Devido a essa nossa perspectiva alterou-se o termo
para tratamento Psicossocial.
Sobre esse processo, a autora Rocha (2012) levanta a discussão de
que a partir desse momento, o Serviço Social na psiquiatria deixou de ser a
profissão com características de subalternidade à categoria médica, e passa a
ter seu espaço sócio-ocupacional, o que abriu margem aos profissionais
utilizarem técnicas de investigação das condições objetivas da vida do usuário
com transtorno mental, deixando de lado o método de culpabilização dos
sujeitos.
Com isso foi possível potencializar e integrar políticas públicas que
respondessem as demandas, com garantia das condições objetivas de saúde
aos usuários das Políticas de Saúde Mental.
Ao construir o paradigma da reabilitação psicossocial em detrimento do paradigma da patologização dos indivíduos, a reforma psiquiátrica parte do reconhecimento de que a dimensão social da vida dos indivíduos é um aspecto central em sua reabilitação psicológica ou psiquiátrica, ou seja, reconhece-se que os modos de vida, os ambientes de vivências e as condições sociais dos sujeitos podem favorecer a reabilitação ou, por outro lado, acirrar ainda mais o sofrimento mental. (ROCHA, 2012, p.40)
As experiências do cerceamento devido as internações manicomiais,
baseadas na exclusão/ desumanização, provou de forma negativa que os
78
ambientes e os determinantes sociais influenciam em grande parcela na
recuperação dos pacientes.
Como já foi abordado no item 2.3 do presente trabalho, as
transformações no âmbito da Política de Saúde Mental foram fortemente
impulsionadas pelo Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental, portanto,
exige novas posturas profissionais, que estejam de acordo com o novo modelo
de atenção proposto.
A construção desse novo modelo de atenção, é caracterizado como
descentralizado, em que o manicômio deixa de ser o aparato central da rede de
serviços, o que vai demandar cada vez mais profissionais comprometidos com
os princípios conquistados através da reforma psiquiátrica brasileira fortemente
capazes de contribuir para a materialização da política de saúde mental.
Somente resgatando a integralidade da seguridade, é possível
responder os reflexos da questão social em suas diversas determinações, isto
é, com a articulação da assistência, saúde e previdência podemos atender às
demandas postas pelos sujeitos e romper com a fragmentação das políticas
públicas. Conforme com Bisneto (2003, p.115) apud Rocha (2012):
(...) este movimento enfatiza a importância da reabilitação social dos portadores de sofrimento mental, por meio de programas nas áreas de trabalho, habitação, lazer (práticas que não são especificamente “psi”), ressaltando a necessidade de se estabelecer uma cidadania efetiva para o usuário de Saúde Mental: os aspectos sociais são essenciais para um serviço integralizado de assistência
Diante desses aspectos, cabe abordar o processo de transformação
vivenciada pelo Serviço Social, para então, pensar se a saúde mental pós-
reforma é um espaço sócio-ocupacional do/a assistente social, considerando
as mudanças vivenciadas na política e na profissão.
A década de 1980 é apontada como um momento único para a
profissão, em que ocorre a ruptura com as bases conservadoras que
perpassavam toda a história do Serviço Social. Certamente, apenas com a
clareza acerca do projeto profissional hegemônico da profissão em âmbito
brasileiro avançaremos na problematização sobre o trabalho profissional na
área da saúde mental.
Sobre a perspectiva de intenção de ruptura, Netto (2010) argumenta
que a proposta era de um projeto profissional com a perspectiva teórica de
79
superação e crítica radical das práticas profissionais conservadoras, muito
presentes no Serviço Social desde sua gênese. As crises que afetaram o
regime autocrático perpassaram o Serviço Social, que devido à sua inserção na
divisão social e técnica do trabalho, acabou se aproximando dos movimentos
sociais e dos setores críticos da classe trabalhadora.
Este fato deve-se, em grande medida, pela ocupação do cenário nacional ao longo da década de 1980 por estes movimentos, que, ao exigir do Estado ampliação de sua intervenção no campo dos direitos, colocava indiretamente à profissão questionamentos acerca de seu posicionamento ético-político. A expressão deste amplo movimento popular que permeava a sociedade brasileira manifesta-se nas greves operárias do ABC Paulista na década de 1980, amplificadas em greves gerais, desembocando no processo constituinte de 1989. Este contexto certamente contribuiu para a hegemonização da perspectiva de intenção de ruptura, para uma crítica radical ao trabalho profissional e para a construção de um projeto profissional afinado e comprometido com os interesses da classe trabalhadora. (ROCHA, 2012, p.42)
Com base nisso, o fato acima apresentado é fortemente impulsionado
pelo movimento de reconceituação do Serviço Social latino-americano;
proporcionado pelo retorno das obras marxistas às universidades, pelo contato
dos profissionais com a população usuária “[...] através da clássica prática da
década de 1970 do desenvolvimento de comunidade; pelo contexto
efervescente que perpassa toda a década de 1980”. (ROCHA, 2012, p. 42).
Neste sentido, o processo de renovação do Serviço Social possibilita a
reformulação das bases teórico-práticas, ético-políticas e teórico-metodológicas
do trabalho profissional como unidade indissolúvel e articulada, o rompimento
com o conservadorismo que sempre esteve presente na história do Serviço
Social. Passando a levantar uma ampla crítica teórica as correntes de
pensamento que eram subsídio para a atuação do/a assistente social: a
fenomenologia, positivismo e o humanismo cristão.
Portanto, o projeto profissional marxista apresenta a possibilidade de
uma sociedade antagônica à capitalista, ou seja, vincula-se a categoria
profissional aos interesses da classe trabalhadora, buscando contribuir
historicamente para a superação da dominação.
O projeto profissional no Brasil reconhece a dimensão contraditória das demandas que se apresentam à profissão, expressão das forças sociais que nelas incidem: tanto o movimento do capital, quanto os direitos, valores e princípios que fazem parte das conquistas e o
80
ideário dos trabalhadores. São essas forças contraditórias, inscritas na própria dinâmica dos processos sociais, que criam as bases reais para a renovação do estatuto da profissão conjugadas à intencionalidade de seus agentes. (...) O Serviço Social é reconhecido como uma especialização do trabalho, parte das relações sociais que fundam a sociedade do capital. Estes são, também, geradoras da questão social em suas dimensões objetivas e subjetivas, isto é, em seus determinantes estruturais e no nível da ação do sujeito, na produção social, na distribuição desigual dos meios de vida e do trabalho, nas suas objetivações políticas e culturais. (ROCHA, 2012 apud IAMAMOTO, 2008, p. 182: Grifos da autora)
A renovação profissional permitiu que os profissionais interpretassem
corretamente a funcionalidade do seu trabalho dentro da sociedade capitalista,
ou seja, o reconhecimento de que os assistentes sociais são demandados pelo
Estado que atende aos interesses do capital, para a execução e formulação
das políticas sociais que, dentro dessa sociabilidade serve para reproduzir a
exploração da força de trabalho.
As materializações destas mudanças se manifestam no Código de
Ética dos/as assistentes sociais (1993), nas Diretrizes Curriculares (1996) e na
Lei de Regulamentação da Profissão (1993). Estas legislações integram o
projeto profissional em suas dimensões ético-política, teórico-prática e técnico-
operativa, atribuindo a este projeto um direcionamento marxista.
Uma marca na trajetória do Serviço Social é a Associação Brasileira de
Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) antiga Associação Brasileira
de Serviço Social - ABSS. Tem se caracterizado como um processo
democrático representado pela participação intensa dos indivíduos que
possibilitam a construção da formação profissional, através de debates
enraizados nas unidades de formação acadêmica. Vem sendo assim, desde a
elaboração do currículo mínimo de 1982 que trouxe a afirmação da nova
direção social hegemônica na formação acadêmica desses profissionais12.
O projeto profissional procura absorver as transformações societárias
protagonizadas pelo Brasil ao longo da década de 1980, reordenando o
trabalho profissional, separando as respostas profissionais dos interesses de
12O que culminou na elaboração das Diretrizes Curriculares para a graduação em Serviço
Social, aprovada pela categoria em 1996 e aperfeiçoado pela Comissão de Especialistas em documento de 1999, bem como a aprovação da Política Nacional de Estágio (PNE) em 2012. Disponibilizado pelo Portal da ABEPSS em: http://www.abepss.org.br/historia
81
seu empregador e vinculando-se aos interesses históricos da classe
subalterna.
De acordo com Barroco, a perspectiva de intenção de ruptura
consolidou:
(...) a negação da base filosófica tradicional, nitidamente conservadora, que norteava a ética da ‘neutralidade’, e afirmação de um novo perfil técnico, não mais um agente subalterno e apenas executivo, mas um profissional competente teórico, técnica e politicamente. (BARROCO, 2009, p. 200).
Com base nos estudos Iamamoto (2008), a autora Rocha (2012) afirma
que o projeto profissional crítico que surge com a hegemonização da
perspectiva de intenção de ruptura, contribuiu para consolidar um novo
direcionamento ao trabalho profissional, de maneira que rompe com o
conservadorismo que marcava a profissão, levando em consideração, as
seguintes mudanças:
um novo trato teórico aos instrumentais utilizados pela categoria profissional, rompendo com a utilização das técnicas de forma burocrática, para dominação, fiscalização e enquadramento dos indivíduos; um novo direcionamento teórico de compreensão da realidade, negando as inspirações de origem positivistas e humanistas-cristãs, comprometidas com a reprodução da ordem burguesa; uma nova compreensão acerca dos valores, de suas origens e sua universalidade, resultando na construção de uma ética profissional radicalmente crítica no campo valorativo e material, aprofundando as mediações com valores ontológicos, coerentes com o projeto societário da classe trabalhadora.
Sendo o Serviço Social uma profissão inscrita na divisão socio-técnica
do trabalho, inserida na teia de relações sociais, possui princípios e parâmetros
que norteiam o fazer profissional, podemos citar o primeiro princípio, que trata
da relação profissional que o mesmo tem que estabelecer com os usuários,
com outros profissionais e com todos os indivíduos na luta para que haja
“reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas
políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos
indivíduos sociais”. (CÓDIGO DE ÉTICA DO ASSISTENTE SOCIAL, 1993,
p.121).
A profissão fundamentada nos princípios éticos-políticos, tem em vista
a luta por direitos sociais, busca a construção da cidadania e autonomia dos
usuários, estimulando a integração social e familiar. Por isso, torna-se
82
indispensável a atuação desse profissional em todas as áreas, principalmente
para a de saúde mental.
Pensar a atuação do/a assistente social na referida área exige uma
análise do contexto social, econômico e político que o país vive. O modo de
produção é capitalista, onde o direito é uma arena de conflitos. Contexto de
regressão de direitos, de políticas focalizadas e seletivas, em que as políticas
públicas sofrem rebatimentos do estado neoliberal. As políticas públicas,
sociais, lutas de classes são exemplos de mediações.
A autonomia do profissional é tensionada pela compra e venda da força
de trabalho especializada, donde é chamado para responder as demandas de
forma imediata, prejudicando assim a análise crítica da realidade. Sendo
assim, a profissão se configura e se recria dentro das relações entre o Estado e
a sociedade civil, com as particularidades, determinantes de ordem
macroestruturais. Iamamoto assinala que:
Assim, as alterações que incidem no chamado “mundo do trabalho” e nas relações entre o Estado e a sociedade- que têm resultado em uma radicalização da questão social-, atingem diretamente o trabalho cotidiano do assistente social. O trabalho profissional, é, pois, parte do trabalho coletivo produzido pelo conjunto da sociedade, operando a prestação de serviços sociais que atendem a necessidades sociais e realizando, nesse processo, práticas socioeducativas, de caráter político-ideológico, que interferem no processo de reprodução de condições de vida de grandes segmentos populacionais alvos das políticas sociais. (IAMAMOTO, 2015, p.23).
É imprescindível entendermos que a “Questão Social” está
intrinsicamente relacionado com a relação capital/trabalho. Várias são as
expressões dela, por exemplo, a pobreza, é tida como responsabilidade do
indivíduo, é tida como fenômeno natural dissociada do contexto macro. Ainda
por cima, presenciamos diariamente a marginalização da pobreza. O
tratamento do Estado dado à “Questão Social” resume-se a problemática de
ordem individual, moral e psicológica. Netto (1996) afirma que:
As contradições do sistema capitalista não podem ser resolvidas somente por meio da prática dos assistentes sociais e que a questão social não é objeto privativo dessa categoria profissional. Contudo, o que define a especificidade do Serviço Social em relação à questão social é a sua apreensão como decorrência da contradição entre o capital e o trabalho. Hegemonicamente, os assistentes sociais entendem que, para a construção de uma sociedade sem desigualdades, é preciso transformar a ordem social capitalista e,
83
para isso ocorrer, é necessária a união dos trabalhadores em torno dos seus interesses de classe.
Sobre a problemática da “questão social” e o Serviço Social, Santos
(2012) afirma que:
“O movimento por meio do qual o debate da “questão social” se consolidou entre assistentes sociais aponta o essencial dessa conceituação, ou seja, o fato de a “questão social” resultar das relações de exploração do trabalho pelo capital. Entretanto, por ser a variável que provoca as respostas da classe dominante no contexto do capitalismo dos monopólios, pela via das políticas sociais, fica clara a necessidade de ampliar a compreensão em torno da “questão social” considerando-a também em suas dimensões histórico-concretas”. (SANTOS, 2012, p. 432-433).
Para Iamamoto (1983), o capitalismo surgiu com suas contradições
inerentes a sua continuidade, entre elas estão: o discurso da igualdade e a
realização da desigualdade. Traz, também, a afirmação de liberdade do
indivíduo e a igualdade dos direitos e deveres dos cidadãos, estas foram às
condições para que obtivessem um bom funcionamento da economia de
mercado.
Se de um lado temos promessas de igualdade e suas contradições de
desigualdade, por outro temos a desigualdade inerente pela organização da
sociedade assentada em relação de poder e exploração, que se dá pela classe
dominante (capitalista) que desde sua gênese passou a explorar a força de
trabalho dos sujeitos desprovidos dos meios de produção.
Iamamoto (1983) ainda traz a análise sobre os Serviços Sociais que
são prestados à população, dentro uma perspectiva neoconservadora,
apresentam-se como uma forma de devolver ao trabalhador o valor por ele
criado, e que foi apropriado pelos capitalistas e pelo Estado, eles poderão ser
públicos ou privados.
Aparecem como boas ações advindas do poder público e do capital,
como forma de mostrar uma face humanitária do capitalismo. Tais serviços
representam a consolidação da conquista da classe trabalhadora, sua
generalização trouxe o reconhecimento da cidadania dos operários na
sociedade burguesa.
Entretanto, ainda existem motivos para continuar as organizações
políticas da classe pauperizada, como por exemplo: a defesa de salários reais,
84
direito à educação, saúde, cultura, moradia, mais emprego etc. Essas
reivindicações ao serem absorvidas pelo Estado e pela classe patronal,
passam a ser devolvidas aos trabalhadores em forma de benefícios indiretos,
que são organizados por instituições assistenciais, porém de forma burocrática
e sob controle do Estado.
São serviços que favorecem o trabalhador até determinado ponto, por
um lado, se configura como resultado das suas conquistas, por outro lado, eles
passam a ser organizados pela classe dominante, que faz uso de instrumentos
políticos para o reforço do seu poder frente ao conjunto da sociedade para
mediar conflitos e manter a classe subalterna controlada e gerando lucro para o
capital.
(...) cuja mentalidade é moldada por valores aristocráticos combinados ao que há de mais conservador em termos do imperialismo mundial, a lógica de valorização do capital comanda muito mais uma reestruturação organizacional do que produtiva e tecnológica. O objetivo primordial é a remoção do obstáculo representado pelo trabalho organizado e o reforço à sua precarização via redução de direitos e aumento do desemprego. (SANTOS, 2007, p.27)
Aliado ao neoliberalismo, percebe-se que essa conjuntura afeta
fortemente as políticas sociais, não seria diferente no campo da Saúde Mental.
Considerando que essa situação deixa os usuários dessas políticas
desprovidos de meios de amparo social e de benefícios para o seu bem-estar
físico, mental e social. Como estudamos na disciplina de Política Social,
durante o período letivo de 2014.1, dentro do contexto neoliberal há o
desmonte das políticas públicas, de maneira que são impostos limites a
atuação dos profissionais, à medida em que a realidade atual propõe que
aconteça a redução dos gastos sociais e a precarização das políticas públicas.
Iamamoto (2010), vem trazendo em suas análises, que a assistência
está situada no campo contraditório, em que temos a afirmação e negação
doas direitos. A assistência do estado não contribui para o processo de
emancipação das classes sociais. A autora argumenta que existem propostas
de críticas ao neoliberalismo, mas que as críticas não apresentam um
aprofundamento que aborde a luta de classes e a hierarquização das classes
sociais bem como uma possível mudança das relações de poder na sociedade.
85
E o assistente social, enquanto trabalha com as políticas públicas,
sendo o Estado o seu maior empregador, o mesmo vai responder aos
interesses do capital, pois sua situação também é de trabalhador assalariado,
de um vendedor de força de trabalho, que encontra limites para a sua atuação.
Sua autonomia irá depender das suas possibilidades, necessidades, suas
condições de trabalho, das demandas do seu empregador, vão interferir na sua
autonomia, no significado social da profissão.
4. CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA E OS SUJEITOS ENVOLVIDOS:
ENTENDENDO OS FATORES QUE OCASIONAM O FENÔMENO DA
EVASÃO ENTRE ADOLESCENTES DO CENTRO DE ATENÇÃO
PSICOSSOCIAL ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS – CAPS AD/
PARNAMIRIM-RN
Após esse breve apanhado histórico, político, social e econômico
vinculados aos processos de lutas para a melhoria das políticas de Saúde
Mental no território Brasileiro, desde a década de 1930 até os dias atuais, nos
ateremos a problemática proposta no decorrer do presente capítulo.
4.1. Histórico Institucional e caracterização do público usuário do
CAPS ad Parnamirim/RN
De todas as Instituições referidas no subitem 2.2, a partir de agora,
trataremos de analisar aquela em que estive inserida enquanto estagiária de
Serviço Social. Trata-se do CAPS ad (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e
outras Drogas), de natureza pública municipal, que atende à demanda
populacional da cidade de Parnamirim no Estado do Rio Grande do Norte.
Conforme preconizado na Portaria 336/GM, datada em 19 de fevereiro de 2002, que veio atualizar as normas da Portaria nº 224/92, em consonância com as diretrizes do SUS, os Centros de Atenção Psicossociais tornam-se legalmente o sistema alternativo de tratamento para os portadores de transtornos mentais. Ademais, a Portaria nº 224/92 indica e recomenda a liberação de leitos para pacientes portadores de transtornos mentais em hospitais gerais de referência. (SANTOS, 2010, p.10).
Segundo Santos (2010), junto ao desenvolvimento econômico e
crescimento populacional a cidade Trampolim da Vitória, também assim
denominada, apresenta os reflexos negativos dessa ascensão como outras
86
tantas cidades do Brasil e do mundo. Dentre esses está a drogadição muito
vinculada a “Questão Social”.
A Lei Municipal 1.430/2009 autorizou a criação da Rede que atende o
dependente químico no município, a partir de então iniciou-se a mobilização de
ações e estratégias para trazer a cidade uma política voltada a redução de
danos ocasionados pelo uso de substâncias psicoativas. Além disso, foi
organizado um matriciamento, no qual participaram 2.214 (dois mil, duzentos e
quatorze) pessoas entrevistadas por Agentes de Saúde (AGS) no decorrer de
junho a outubro do ano de 2009.
Através dessa iniciativa foi possível mapear e identificar o perfil dos
usuários de Serviços de Saúde Mental. Com as informações em mãos poderia
se ter uma ideia sobre a média do consumo de drogas lícita e ilícitas no
território Parnamirinense. Vejamos no gráfico:
GRÁFICO 3: PERFIL DOS USUÁRIOS DO SERVIÇO DE SAÚDE
MENTAL
Santos (2010) apud Relatório do Matriciamento em Parnamirim/RN (2009).
87
Vejamos através da leitura do gráfico o alto índice de consumidores
psicotrópicos em Parnamirim/RN. O que fez com que os órgãos públicos
buscassem a implementação do CAPS ad com o objetivo de enfrentamento a
problemática.
O projeto para essa finalidade foi enviado em junho de 2009 para o
Ministério da Saúde afim do recebimento de recursos federais necessários.
Sabe-se que mesmo após a intervenção do Ministério Público determinando
que fosse executado o Projeto tanto do CAPS ad quanto do CAPS i, esse
último tratava-se de uma Organização Não Governamental - ONG que recebia
apoio financeiro e Humano da Prefeitura, eles só vieram receber a verbas
federais no mês de março de 2010.
Parnamirim está localizada na região metropolitana de Natal (Capital
do Rio Grande do Norte), com população de 202.456 (duzentos e dois mil,
quatrocentos e cinquenta e seis) habitantes (IBGE, 2014). Salienta-se que o
município de Parnamirim se inclui nas condições de implantação do
equipamento de saúde mental- CAPS ad, preconizado pelo Ministério da
Saúde, Portaria 336/GM, em 19 de fevereiro de 2002. Logo abaixo temos a
localização Geográfica da Instituição destacado em vermelho.
Fonte: www.parnamirim.rn.gov.br
88
A missão do CAPS ad é justamente disponibilizar atendimentos diários
a pessoas que sofrem com transtornos mentais, decorrentes do uso abusivo de
álcool e outras drogas, oferecendo cuidados clínicos e reabilitação
psicossocial, dentro de uma perspectiva individualizada de evolução contínua.
Elabora ações tanto para atendimentos individuais quanto grupais (terapêuticos
e operativos), realiza oficinas terapêuticas e visitas domiciliares.
O serviço tem como objetivo a garantia de tratamento para pessoas
com transtornos comportamentais decorrentes da dependência química que
apresentam danos físicos e psíquicos, além de riscos sociais promovendo o ser
humano em toda a sua complexidade, trabalhando a superação do estigma da
dependência química e contribuindo com a reflexão dos usuários, sobre a
retomada da cidadania como um processo de reconstrução social e familiar.
O CAPS ad foi fundado no dia 04 de março de 2010 na referida cidade,
no início o logradouro era a Rua Luiz Soares da Câmara, n° 8, no bairro
Passagem de Areia, com o atendimento de segunda a sexta-feira, das 8h às
16h. Suas atividades eram direcionadas apenas ao público adulto usuários de
álcool e drogas.
No mesmo ambiente funcionavam o CAPS i (Centro de Atenção
Psicossocial Infantil), o CAPS ad (Adulto dependente do Álcool e outras
Drogas), CAPS iad (Infantil e adolescente-usuários de Álcool e outras Drogas)
e CAPS II (Transtorno-Adulto). Com o surgimento das dificuldades ligadas ao
espaço físico, as atividades eram organizadas da seguinte forma: nas
segundas, terças e quartas-feiras eram feitas marcações de consultas e
encaminhamentos para outras instituições, nas quintas e sextas-feiras
aconteciam as atividades terapêuticas, acolhimentos, atendimento médico,
reuniões e encaminhamentos.
Em 2013, especificamente no mês de maio, houve a transferência do
CAPS ad para o bairro Liberdade, Rua Tomaz Antônio Gonzaga, 251. Os dias
de funcionamento foram mantidos até a conjuntura atual e houve a inserção do
público adolescente ao serviço. Hoje os adultos são atendidos na parte da
manhã, das 8h às 12h e os adolescentes das 13h às 16h, ambos de segunda a
sexta-feira. Atualmente, a equipe é composta por profissionais de nível
superior: 1 Médico Psiquiatra, 1 Clínico Geral, 1 Assistente Social, 1
Coordenadora Técnica, 1 Educador Físico, 1 Pedagoga, 1 Psicóloga, 1
89
Terapeuta Ocupacional, 1 Enfermeira, 2 Nutricionistas e, também, de nível
médio, uma Técnica de Enfermagem, Artesã, Auxiliar de Serviços Gerais,
Cozinheira, um Monitor, Motorista e Porteiro.
Conforme o Art. 4º da Portaria 336/GM, alínea “d” propõe que o CAPS
ad funcione com uma equipe de profissionais de nível superior, são eles:
Psicólogo, Assistente Social, Enfermeiro, Terapeuta Ocupacional, Pedagogo ou
outro profissional necessário ao projeto terapêutico.
O CAPS ad é uma instituição pública, subordinada à Secretaria de
Saúde do Município de Parnamirim/RN, coordenado pela Estratégia de Saúde
da Família e Gerência de Saúde Mental do município, está entre as 3
instituições de saúde Mental existentes na cidade.
A instituição realiza encaminhamentos movimentando a Rede
Socioassistencial do Município, cabe aqui citar as Unidades Básicas de Saúde
- UBSs. Lá, os usuários são atendidos para consultas odontológicas,
preventivos com relação a saúde da mulher. São também encaminhados para
os Centros de Referencias de Assistência Social - CRAS e para a Secretaria
Municipal de Assistência Social.
No Centro Clínico de Referência (CCPAR), os usuários encaminhados
pelo CAPS ad são atendidos em diversas especialidades médicas. E quando
necessitam de medicamentos podem ir até o Galpão da Prefeitura, levando a
receita médica para poder obter o remédio. As receitas podem ser entregues
pelo psiquiatra da instituição, pelo Clínico Geral ou pela Enfermeira. Essa
última pode receitar apenas alguns tipos de medicamentos, só os que são
autorizados, outros apenas o médico registrado no Conselho Regional de
Medicina quem pode prescrever ao paciente.
Além desses encaminhamentos acima citados tem também os do
Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, pois vários usuários recebem
benefícios ou vão em busca de orientações com a Assistente Social da
instituição. Então ela se encarrega dos procedimentos para encaminhá-los até
o órgão da previdência social e também a Secretaria Municipal de Habitação
responsável pelo Programa Minha Casa, Minha Vida.
Sobre a correlação de forças dentro do ambiente de trabalho,
percebemos que sempre houve e sempre haverá conflitos, porque, existe o
pensamento hegemônico capitalista que embasa muitas profissões, o que
90
destoa do pensar da profissional do Serviço Social. Deve-se ter unidade no que
diz respeito a matéria de intervenção da equipe no que tange ao
direcionamento das ações de acordo com as diretrizes da política em questão,
sempre na direção dos direitos.
O entendimento sobre as questões relacionadas a temática trabalhada
no CAPS ad e como o usuário deve ser visto será sempre um ponto a ser
confrontado. De acordo com a profissional do serviço social, atuante na
instituição há 6 (seis) anos, o usuário deve ser visto como um sujeito de direitos
e que ela busca pautar seus atendimentos em ações éticas, nos interesses
coletivos, orientando-os na perspectiva da emancipação humana e de ser
protagonista na construção de um novo olhar sobre sua vida e de como se
relacionar com esse “novo” mundo.
Quanto as condições de estrutura é perceptível que há ausência de
outras salas para o atendimento, principalmente, psicossocial que acaba
interferindo de maneira negativa na eficácia dos atendimentos; a falta de leito
para descanso feminino; faltam banheiros melhores estruturados e destinados
a esse público, uma cozinha apropriada de acordo com recomendações da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA; faltam mesas para
atendimento nas oficinas; refeitório; material para elaboração das atividades
terapêuticas; uma linha telefônica independente (as ligações têm que ser
solicitadas à secretaria de saúde), entre outros.
Com relação ao repasse de recursos é algo complicado, pois, a
instituição ainda não possui cadastro no Ministério da Saúde. Segundo dados
coletados na referida instituição, quando há necessidade de materiais para que
as atividades aconteçam são feitos memorandos de solicitação, que nem
sempre são atendidos. Então, a equipe mobiliza estratégias de
encaminhamento dos serviços, considerando esses entraves administrativos.
Assim, como preconiza o Ministério da Saúde, o CAPS ad - Parnamirim
possui na sua equipe multiprofissional, o/a Assistente Social. Desde o início do
serviço que apenas uma assistente social faz gozo de seu trabalho na
instituição. A profissional encontra-se lotada como profissional com carga
horária de 40 horas semanais.
O que se observa nesta instituição é um compromisso da profissional
de Serviço Social com a qualidade dos serviços prestados à população, que
91
segue a premissa da leitura crítica das demandas, num diálogo horizontal e
respeitoso, humanizada. Logo, uma postura profissional alinhada ao Projeto
Ético-Político da categoria em questão. Segundo Azevedo & Miranda (2010)
CAPS ad tem por finalidade proporcionar atendimento à população, respeitando-se a adstrição do território, oferecendo-lhe atividades terapêuticas e preventivas, tais como: atendimento diário aos usuários dos serviços, dentro da lógica de redução de danos; gerenciamento dos casos, oferecendo cuidados personalizados; condições para o repouso e desintoxicação ambulatorial de usuários que necessitem; cuidados aos familiares dos usuários dos serviços e ações junto aos usuários e familiares, para os fatores de proteção do uso e da dependência de substâncias psicoativas.
Dessa forma, podemos dizer que existem objetivos em comuns, que na
medida do possível se conversam. Pois, existem objetivos profissionais que
são diferentes dos institucionais. Embora a assistente social estabeleça
finalidades ao seu trabalho, as instituições, as políticas públicas, o contexto
macro impõem empecilhos à concretização das finalidades.
A saúde mental é composta por vários dispositivos assistenciais que
proporcionam atenção psicossocial aos pacientes com transtornos mentais. A
Portaria 224/92, estabelece o componente de atenção hospitalar de referência,
que orienta a liberação de leitos para esses pacientes em hospitais, nesse
sentido temos em Parnamirim o Hospital Regional Deoclécio Marques de
Lucena, que deveria disponibilizar leitos para esses pacientes, mas,
oficialmente não o faz. Sendo assim, o Estado disponibiliza leitos do Hospital
Psiquiátrico Doutor João Machado para esse fim e assim, o hospital fica
sobrecarregado com a quantidade de pacientes.
De acordo com o coordenador estadual de saúde mental, psiquiatra
Adriano Araújo (2014), o número de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) é
insuficiente, pois, o Estado possui apenas 38, tendo em vista que Rio Grande
do Norte tem 167 municípios. Ele acrescenta que,
A melhor cobertura de CAPS está na 7ª Regional de Saúde (Natal, Parnamirim, Macaíba, São Gonçalo e Extremoz), área que tem mais serviços para tratamento de transtornos mentais, álcool e drogas junto com Mossoró e São José de Mipibu. Na região de Assú só tem um serviço e Angicos e Afonso Bezerra já sinalizaram a abertura de CAPS. Pau dos Ferros tem problema sério de referência e precisa de mais serviços. Na política nacional de saúde mental, o Estado assume o papel de regulador e coordenador das redes da atenção à saúde de modo geral, que inclui a rede de atenção psicossocial. Em curto prazo serão abertos dois leitos pediátricos no Maria Alice
92
Fernandes com equipe completa, inclusive com psiquiatras. Em Mossoró, o Hospital São Camilo passou da rede particular para a prefeitura e em Caicó depois da desativação do Hospital Milton Marinho, o CAPS tipo III, com atendimento 24 horas, tem 10 leitos e mais 8 leitos em hospitais gerais.
Segundo Guaraci Barbosa, membro da Associação Norte-Rio-
Grandense de Psiquiatria e do Sindicato dos Médicos do RN, os hospitais
gerais são incapazes de prestar atendimento especializado a pacientes com
transtornos mentais.
Para a caracterização do público usuário enquanto estagiária no ano
de 2015, foi realizado juntamente com a assistente social, uma pesquisa nas
fichas de acolhimento dos usuários, no total foram estudados trinta e quatro
(34) prontuários dos pacientes. A partir da coleta de informações, foi possível
realizar o estudo do perfil socioeconômico da população atendida no CAPS ad,
pertencente ao sexo feminino e masculino, adolescente e adultos residentes
em Parnamirim.
O levantamento de informações revelou-nos a predominância do
público adulto do gênero masculino totalizado em 85%. Os homens têm idade
compreendida entre 19 e 62 anos. Enquanto o feminino é contabilizado em 6%.
As mulheres têm idade compreendida entre 32 a 33 anos. Os adolescentes do
sexo masculino e feminino representam 9%, com idade entre 15 a 17 anos.
93
GRÁFICO 4:
Pesquisa realizada no ano de 2015. Dados obtidos através dos prontuários do CAPS ad pela
pesquisadora do presente trabalho.
Um dos dados que chamam atenção é o elevado número de indivíduos
(adultos e adolescentes) que apresentaram ter o Ensino Fundamental
Incompleto em 50%, com idade entre 15 a 60 anos. Os sujeitos que possuem o
Ensino Fundamental Completo representam 9%, com idade entre 36 a 62 anos.
Os usuários que possuem Ensino Médio completo expressam 13%, com idade
entre 49 e 58 anos. Os pacientes que possuem Ensino Médio Incompleto
demarcam 12%, com idade 27 a 53 anos. Os indivíduos que possuem o Ensino
Superior completo são compostos por 3%, na faixa etária de 42 anos. Os não
alfabetizados compreendem a estatísticas em (13%), com idade 33 a 58 anos.
É perceptível que alguns são inteirados, atualizados, participativos, sensíveis e
detêm conhecimentos.
94
GRÁFICO 5:
Pesquisa realizada no ano de 2015. Dados obtidos através dos prontuários do CAPS ad pela
pesquisadora do presente trabalho.
Não é difícil entender o alto índice de usuários que não possui
benefício e nem tem ocupação (41%), pois, as drogas em sua maioria tiram a
liberdade e autonomia dos sujeitos para trabalhar e estudar. Muitas vezes, o
preconceito se faz presente quando se busca um emprego e tem-se a
informação de que aquele sujeito faz ou fez uso de substâncias psicoativas,
tudo se complica diante da negativa de trabalho.
Um número bastante expressivo (41%) recebe benefício, seja por
aposentadoria por idade, afastamento do trabalho para tratamento por tempo
indeterminado, poucos recebem o Benefício de Prestação Continuada – BPC,
alguns recebem o auxílio doença e outros o Bolsa Família.
Um número pequeno encontra-se empregado 5%, conseguem conciliar
tratamento e atividade laborativa. Existe um número que não é tão grande,
13%, mas expressa que alguns usuários conseguem alguma atividade
remunerada, mesmo não possuindo uma profissão com registro na carteira de
trabalho, é o chamado trabalho informal, comumente chamado de “bico”, outros
dependem da ajuda de familiares e amigos para subsistir.
95
GRÁFICO 6:
Pesquisa realizada no ano de 2015. Dados obtidos através dos prontuários do CAPS ad pela
pesquisadora do presente trabalho.
Todos os usuários são residentes dos bairros do Município de
Parnamirim/RN. Sendo que no gráfico apresentamos um atendimento feito a
uma pessoa do município de Natal. Alguns usuários pegam comprovante de
residência de familiares ou amigos residentes no município, por isso, são
atendidos como se fossem moradores da cidade. Os bairros, do município de
Parnamirim, compreendidos no gráfico são tidos como periféricos afastados do
centro da cidade, onde o índice de criminalidade e uso de drogas crescem
consideravelmente.
96
GRÁFICO 7:
Pesquisa realizada no ano de 2015. Dados obtidos através dos prontuários do CAPS ad pela
pesquisadora do presente trabalho.
A pesquisa evidenciou relação familiar satisfatória em 70%. É um
número bastante expressivo, já que se configura como maioria. Mas, temos
que ter cuidado nessa questão, pois, as informações dos usuários são auto
declarativas, por se tratar de um problema tão complexo, e alguns omitem
informações para o técnico que está fazendo a ficha de acolhimento. No
entanto, quando há reunião com os familiares, percebemos que as relações
não são bem harmônicas, como declaram no momento do acolhimento.
O número de indivíduos que disseram não possuir relação familiar ficou
contabilizado em 17%. Entretanto, nem todos podem contar com o apoio da
família nesse momento difícil. Não é novidade afirmar que as drogas afetam de
várias formas a vida do indivíduo, trazendo prejuízos pessoais e
sociofamiliares. Sabemos que com a ajuda da família o processo de tratamento
se torna menos complexo. Abaixo temos o gráfico que revela essas
estimativas:
97
GRÁFICO 8:
Pesquisa realizada no ano de 2015. Dados obtidos através dos prontuários do CAPS ad pela
pesquisadora do presente trabalho.
Outro aspecto a ser ressaltado e de grande relevância na vida de
qualquer pessoa é a sua saúde. Podemos observar o grande número de
doenças crônicas decorrentes do uso de substâncias psicoativas em 55% do
público atendido no CAPS ad.
É notável, também, o número de usuários que não possuem doenças
crônicas, representado em 45%. O preconceito, discriminação e estigma aos
usuários são elementos que interferem no acesso ao tratamento, eles são
vistos como perigosos, violentos e únicos responsáveis pela sua condição. Eles
são estigmatizados e isso os excluem do direito ao cuidado à saúde, no sentido
de que muitos usuários sentem desânimo ou medo de sofrerem o estigma pelo
uso de drogas.
Em certos casos, pode haver o estigma internalizado, que se
caracteriza com a concordância da visão negativa da sociedade e estereótipos
negativos a si mesmo. Pode-se afirmar que todo contexto acaba que excluindo
o “cuidado” que todos devem ter não só com a saúde, mas, também,
desconsidera outras questões ou responsabilidades.
98
GRÁFICO 9:
Pesquisa realizada no ano de 2015. Dados obtidos através dos prontuários do CAPS ad pela
pesquisadora do presente trabalho.
O público atendido no CAPS ad, usufrui de alguns projetos e serviços.
Os critérios que definem o acesso a eles são os seguintes: ser dependente de
substâncias psicoativas, se for maior de 18 anos será acolhido para fazer
tratamento pela manhã, se for adolescente fará o tratamento à tarde. Eles
podem ser encaminhados pela Justiça, Conselho Tutelar, Centro de Referência
de Assistência Social - CRAS, Centro de Referência Especializada de
Assistência Social - CREAS, Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF,
Unidade Básica de Saúde - UBS, entre outras instituições, além da demanda
espontânea.
Quando o indivíduo chega pela primeira vez ao CAPS ad, de forma
espontânea ou encaminhado, o técnico o convida para conversar em uma sala
reservada, explica o que é, e como funciona a instituição. Depois, explica que
precisa aplicar um questionário e solicita a documentação original e xerox do
RG, Cartão do SUS e comprovante de residência.
O profissional deverá observar como será construído o Projeto
Terapêutico Singular do usuário, a partir daí são feitos os encaminhamentos
para psiquiatra, psicólogos e para as oficinas; é feito o agendamento para os
atendimentos e observa se há necessidade de inseri-lo no serviço de
99
transporte do CAPS. Vale salientar que o acolhimento pode ser feito por
qualquer profissional de nível superior, porém, em geral, mesmo quando a
demanda é espontânea, as pessoas vêm ao CAPS ad e solicitam atendimento
com a Assistente Social. Já existe um entendimento entre as pessoas que esse
profissional os irá encaminhar para outras especialidades e outros serviços.
Na instituição, os usuários são divididos em três modalidades:
intensivos frequentam todos os dias, necessitam de atendimento diário; semi-
intensivo frequentam duas ou três vezes por semana, necessitam de
acompanhamento frequente; e não intensivo comparecem apenas para o
atendimento médico, a frequência é menor. Todas as modalidades irão
depender do quadro clínico dos pacientes.
O CAPS ad possui um transporte que faz a locomoção de alguns
usuários (adolescentes, adultos da modalidade intensiva) que moram distante
da unidade e não possuem meios e nem condições de se deslocar para o
acompanhamento terapêutico. Mas, o transporte não atende a toda a demanda
e por isso, existe um rodízio para buscá-los e deixá-los.
Apesar dos esforços para manter o atendimento, atualmente a
instituição vem apontando baixo índice de participação de usuários no
tratamento, em sua maioria o público adolescente não está comparecendo ao
CAPS. Diariamente são recebidos pelos profissionais vários documentos do
Ministério Público solicitando respostas sobre o acompanhamento a esse
público em específico.
Com base nisso, se caracteriza como importante a problematização
sobre as principais causas para que o processo de evasão aconteça no âmbito
institucional, bem como apresentar as medidas que estão sendo
providenciadas para sanar esse fenômeno.
A princípio a proposta geral da presente pesquisa foi analisar as
múltiplas determinações (históricas, sociais, econômicas, culturais e de saúde)
do fenômeno “evasão” dos usuários adolescentes do Centro de Atenção
Psicossocial-CAPS AD Parnamirim-RN.
De maneira a abordar a problematização sobre a política de saúde e o
atendimento em saúde mental no contexto brasileiro da década de 1980 aos
dias atuais, considerando o papel do Estado no exercício das políticas, em
tempos neoliberais. Bem como, historicizar a contribuição do Serviço Social no
100
campo da saúde mental, partindo da experiência do CAPS-AD Parnamirim-RN.
Trazer a análise dos serviços prestados pela instituição in lócus de pesquisa
vinculado à Secretaria de Saúde do Município, a articulação com o sistema de
garantia de direitos, seus desafios e perspectivas. Com base nisso, identificar
as múltiplas expressões do fenômeno “evasão”.
Na atual conjuntura do CAPS ad, as hipóteses apontadas pela
pesquisadora são analisadas pelos muitos fatores que podem ocasionar uma
situação de evasão em uma instituição que faz atendimento a usuários em
situações complexas. Acreditamos que isso vem acontecendo devido ao
aumento da violência no município: prisões, assassinatos e ao uso
desenfreado de substâncias psicoativas que por sua vez geram doenças e
podem chegar a causar a morte do indivíduo.
É fato, também, que alguns acabam sendo ameaçados de morte e
buscam esconderijos em outras localidades, com isso há o abandono do
tratamento. Em outros casos tem-se a religiosidade, que de certa forma, se
torna um apoio para que eles deixem o uso das mesmas. Dessa maneira,
acreditam não necessitar mais de tratamento através de medicamentos e das
idas frequentes a instituição, abandonam o serviço e buscam a fé como o
principal meio de amparo. Também existe a possibilidade da falta de interesse
pelo tratamento, pois há preferência por continuar com o uso de drogas sem
nenhum tipo de ajuda.
Possivelmente há aqueles que conseguem encontrar trabalho formal
ou informal e a disponibilidade de tempo não permite que eles compareçam as
oficinas realizadas na unidade. Sendo o CAPS ad criado com intuito de aceitar
demanda espontânea e também pensado para atender os princípios da
Reforma Psiquiátrica, não cabe a nenhum técnico forçar o indivíduo a aceitar
aquilo que ele não quer, e sim levá-lo a conhecer o que a instituição pode
oferecer em termos de Projeto terapêutico.
É possível que o fenômeno da evasão e a falta de adesão ao Projeto
terapêutico individualizado ou em grupo por parte dos usuários, esteja
vinculado a falta de atendimento qualificado e humanizado por parte dos
profissionais não capacitados para atender a demanda.
Para análise das hipóteses acima levantadas, inicialmente foi proposta
a pesquisa teórica trazendo a análise crítica da temática, através do método
101
crítico-dialético em Marx, que abre espaço para os métodos de investigação e
de exposição. Sendo assim, a partir da pesquisa de campo pode-se observar
os fatos e o fenômeno da evasão entre adolescentes do CAPS em seu
contexto macro, e refletir por meio da coleta de dados o que ocorre na
realidade a ser pesquisada em conjunto com o aporte teórico que tratam sobre
a temática.
Para que a pesquisa fosse realizada de maneira qualitativa, foram
pensadas, a princípio, algumas visitas a instituição para obtenção de dados
precisos relacionados aos usuários que desistiram do tratamento. Esses dados
foram adquiridos através dos arquivos institucionais inativos obtidos, a partir
dos acolhimentos que foram realizados quando os mesmos procuraram o
CAPS pela primeira vez. Só para constar, esses documentos seriam
analisados pela pesquisadora deste trabalho, com o consentimento da equipe
multiprofissional da instituição.
Após essa primeira etapa, foram realizadas buscas ativas a pelo
menos 6 adolescentes que abandonaram o tratamento com a finalidade de
aplicação de um questionário semiestruturado com perguntas abertas. Essas
buscas seriam feitas com o transporte do CAPS ad e com a ajuda da
profissional do Serviço Social da instituição. Também fora elaborado um
questionário para o pessoal da equipe para saber se estão sendo criadas
medidas para combater o fenômeno da evasão.
Sobre as visitas, a ideia foi levar aos sujeitos um questionário com
perguntas abertas, para ser utilizado em forma de entrevista, em relação à
escolha desse instrumental para a coleta de dados, deu-se pelo fato desta ser
uma técnica que permite uma melhor aproximação entre as pessoas. Porém,
especificamente com o público alvo que escolhi deverá ser realizado de forma
tranquila, tentando manter um parâmetro de conversa formal e informal, para
que eles não se sintam pressionados e nem policiados devido a situação
complexa em que vivem. Seria solicitado a permissão para gravar as
conversas, o que não era esperado êxito quanto a isso, entretanto, para uma
boa pesquisa e coleta de dados é importante estar preparado com um bloco de
anotações para a transcrição do que é dito em entrevistas.
Ao término do processo de visitas e entrevistas, foi dado início a
tabulação dos dados, separando as partes principais que vão de encontro a
102
temática proposta, trazendo os principais autores que fazem o debate sobre o
assunto.
A pesquisa foi realizada com sujeitos adolescentes (entre 15 e 17 anos
que não estão comparecendo a instituição), aqueles que foram encaminhados
pelo Ministério Público e que deveriam participar das atividades oferecidas pelo
tratamento especializado, residentes no município de Parnamirim.
4.2. Evasão entre adolescentes do CAPS ad: Suas diversas faces e
implicações
Para a realização da presente pesquisa foi elaborado um questionário
semiestruturado com perguntas abertas, direcionado ao público adolescente.
Neste subitem serão expostos os principais fatores que interferem no processo
de reabilitação psicossocial desses sujeitos, bem como, apontamos ser
relevante trazer as reflexões de alguns autores que tratam da temática
adolescência, álcool e drogas e atenção psicossocial. Devido à complexidade
da temática abordada, e por se tratarem de adolescentes usuários de drogas,
serão utilizados nomes fictícios para preservar a identidade dos mesmos.
De acordo com a Política de Saúde brasileira são adolescentes
aqueles com faixa etária de 10 a 14 anos, adolescentes jovens de 15 a 19 anos
e adultos jovens de 20 a 24 anos. Com base nesses dados é possível a
formulação de ações na área da saúde voltadas para o público em questão.
(FERREIRA et al., 2007).
No atendimento a essa população usuária da área da saúde, em
específico da saúde mental, está o CAPS ad. Portanto, foram sujeitos do
presente estudo 5 (cinco) adolescentes que atualmente não estão
comparecendo ao CAPS ad para as atividades terapêuticas oferecidas pela
instituição. Sendo 3 (três) adolescentes são do sexo masculino e 2(duas)
sendo do sexo feminino, as idades variam entre 15 e 17 anos e 3 (três) se
caracterizam como sendo pardos, 1(um/a) Negra e 1(um/a) branca.
Determinados apontamentos relevantes para a pesquisa não foram
possíveis analisar por se tratar de usuários de drogas em conflitos sociais,
familiares e com a lei. Isso dificultou a apreensão de alguns dados ao que
tange a totalidade dos entrevistados.
103
Alguns questionamentos levantados, não quiseram responder ou não
lembravam, outros sujeitos não foram encontrados, porém, foi feita uma
reunião com as mães de dois deles que aceitaram ser entrevistadas, o que
possibilitou a obtenção de dados. Também foram feitas análises das fichas de
acolhimento que os 5 usuários responderam aos técnicos da instituição no
período em que iniciaram o tratamento terapêutico.
A adolescência é um período marcado pelas mudanças e adaptações
que ocorrem na vida do indivíduo, uma fase de transição para a fase adulta. É
um momento caracterizado como crítico, em que há o desenvolvimento de
competências pessoais, aquisição de habilidades e tomada de decisões.
Além disso, trata-se de um momento em que o adolescente busca a
descoberta daquilo que é “novo”, algo que ele possa se identificar, geralmente
isso ocorre com associações a grupos. O consumo de drogas entre
adolescentes vem ganhando amplitude dentro da sociedade contemporânea. A
medida que seu consumo ocorre precocemente, as consequências ou
prejuízos também irão aparecer cada vez mais cedo na vida desses sujeitos.
De acordo com Yasbek (2007), é crescente a violência contra esse público em
específico. A autora ainda afirma que:
Empurradas precocemente pela pobreza crescente em direção ao mercado de trabalho, quando não para a vida na rua, crianças e adolescentes paradoxalmente não melhoram muito os baixos níveis de vida das suas famílias. Sem possibilidades de escolarização e profissionalização, ocupam posições ocupacionais desqualificadas e com baixos salários, situação que muitas obedientemente tendem a reproduzir na vida adulta. Outras acabam por se inserir no mundo da delinquência. (YASBEK, 2007, p.14)
Com base nisso, afirmamos que é direto da criança e do adolescente o
crescimento e desenvolvimento em família, comunidade, longe dos fatores que
proporcionem a violência. Entretanto, sabe-se que muitas crianças e
adolescentes, em todos os lugares do mundo, vivem em situação de rua,
inseridos em um sistema de exploração infantil ou em instituições (abrigos). No
Brasil, por motivos de pobreza e violência, bem como pelas formas
equivocadas de proteção, institucionalizam os sujeitos ao invés de recorrer a
superação da violação (RIZZINI, et al. 2006, p.9).
104
De acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 277
É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 2012c, s/p).
O aparato constitucional estabelece que as crianças e adolescentes
brasileiros deverão ser protegidos por uma série de normas e legislações
estabelecidas. Sendo, portanto, dever da sociedade e do poder público a
proteção desses sujeitos contra todas as formas de violência.
Referente a pesquisa realizada, trazemos as características gerais dos
pesquisados, o primeiro adolescente a ter sido entrevistado será chamado de
Leo. O garoto tem 15 anos de idade, atualmente reside com a família nuclear
biológica, composta pelos genitores e uma irmã mais nova. Iniciou o uso das
drogas aos 9 anos de idade, e ainda se encontra sob ameaça de morte em
razão de sua relação com o uso de drogas.
O segundo participante da pesquisa, se trata de uma garota que será
chamada de Dany. Dany tem 16 anos, faz uso de drogas desde os 10 anos de
idade. Atualmente reside com a mãe e o padrasto no bairro de Passagem de
Areia no município de Parnamirim. Também, encontra-se sob ameaça de
morte, pelo mesmo motivo do nosso primeiro entrevistado.
Segundo dados levantados pelo Índice de Homicídios na Adolescência
– IHA, com base na pesquisa realizada em 2012, cerca de 42 mil adolescentes,
com idades entre 12 e 18 anos, poderão ser vítimas de homicídios nas cidades
brasileiras que possuam mais de 100 mil habitantes entre os anos de 2013 e
2019.
Tais apontamentos ainda dão conta de que para cada mil pessoas com
12 anos completos no ano de 2012, cerca de 3,32 correm o risco de serem
vítimas de assassinatos antes dos 19 anos de idade. Apresentando um
aumento de 17% em relação a 2011, em que o IHA ficou em torno de 2,84.
105
A região Nordeste apresenta maior ocorrência de homicídios contra
adolescentes, chegando a 5,97. Por outro lado, o Sudeste aponta números
bem menores, por volta de 2,25 jovens em cada mil adolescentes.
O IHA aborda, também, a relação do perfil dos adolescentes inseridos
em maior situação de vulnerabilidade social, a pesquisa revela alto índice de
possibilidade do maior número de vítimas de homicídios entre adolescentes
serem negros, cerca de 2,96, sendo esse total duas vezes superior aos
brancos. Relacionado aos adolescentes do sexo masculino, há o índice de
11,92 vezes superior ao das meninas, sendo o principal instrumento utilizado a
arma de fogo.
De acordo com esta 5ª edição do IHA, o Rio Grande do Norte está
entre os estados brasileiros com mais riscos de homicídios entre a população
supracitada. Ele aparece com 6ª colocação no ranking, em que adolescentes
entre 12 e 18 anos encontram-se sob risco de morte. E entre as cidades com
mais de 200 mil habitantes, Parnamirim encontra-se na 12ª colocação, com
índice de 6,81 adolescentes assassinados a cada mil habitantes.
O terceiro adolescente participante da pesquisa será chamado de
David, ele tem 15 anos de idade, mora com a avó paterna e um irmão mais
novo que tem 13 anos. A mãe é falecida e o pai não é participante ativo da vida
do filho. Segundo informações colhidas com a avó do garoto, o mesmo faz uso
de drogas desde os 13 anos de idade.
Devido a dinâmica da vida cotidiana e, também, mediante a
complexidade da temática abordada, não foi possível conversar com David,
como era proposto para a realização da pesquisa. Entretanto, foi organizada
uma reunião com os responsáveis pelos adolescentes, como já dito
anteriormente, com isso foi possível conversar com a avó de David e levantar
alguns questionamentos. O que contribuiu muito com os objetivos do presente
trabalho.
O quarto adolescente com pseudônimo de Félix, tem 15 anos de idade,
reside com a mãe e 1 irmão. Apesar dos pais serem separados o pai
demonstra ser participante ativo na vida dos filhos. Iniciou o uso de drogas aos
13 anos de idade, e os pais só vieram descobrir no ano de 2015.
A quinta e última adolescente pesquisada se trata de Paula, atualmente
com 17 anos de idade. Iniciou o uso das drogas (Tabaco, maconha, cocaína,
106
bebida alcoólica, medicamentos e depois Crack) aos 12 anos de idade. A
mesma residia em um abrigo para meninas organizado pela filantropia.
Atualmente mora com sua companheira com a qual mantem uma relação
homoafetiva.
Segundo Montaño (2002), a diminuição da responsabilidade do Estado
frente a “questão social”, mediante a transferência das responsabilidades do
Estado para o “terceiro setor”, identificado como sociedade civil, altera de certa
maneira a orientação e a funcionalidade das políticas sociais.
O questionário referente a presente pesquisa, levou em consideração,
também, a questão da inserção dos pesquisados em Comunidades
Terapêuticas para fins de tratamento. Nenhum deles procuraram as referidas
instituições com esse intuito. Porém, Leo já foi encaminhado pela promotoria
do município a uma delas para que houvesse garantia de proteção a vida do
mesmo.
O período de estágio no CAPS ad proporcionou grandes reflexões.
Dentre elas, o papel do Estado frente as políticas públicas, como já
mencionado anteriormente. As falhas são enormes e os serviços públicos não
dão conta de atender a demanda conforme o que é preconizado pelas
legislações.
Com isso, temos o surgimento de instituições organizadas pela
sociedade civil que atendem usuários de álcool e outras drogas, sobretudo, as
Comunidades Terapêuticas, praticamente todas são despreparadas para lidar
com usuários de álcool e drogas.
A princípio os sujeitos devem pagar uma taxa que pode chegar a 1
salário mínimo para ajudar a manter a unidade que, também, recebe doações.
Quando não possuem nenhum tipo de benefício ou salário também podem
fazer o tratamento lá, porém, isso deve trazer um retorno. Que acontece a
partir do uso da força de trabalho: arrancando mato, limpando a sede da
instituição, organizando plantações e vendendo objetos de consumo em
transportes coletivos e nas residências.
A Reforma Psiquiátrica Brasileira aponta para uma nova concepção de
atenção à saúde mental que possibilite a garantia de nova perspectiva de
atenção psicossocial, que não seja voltada para o modelo de privação de
liberdade.
107
A proposta da então reforma psiquiátrica, é um processo de
desinstitucionalização dos sujeitos diagnosticados com transtorno mental e
comportamental, com a inclusão dos usuários de álcool e drogas na
perspectiva de redução de danos físicos e psicossociais causados por essas
substâncias.
Neste sentido, as Comunidades Terapêuticas vão de encontro à Lei
10.216/2001, por ter como principal método o isolamento social, a internação e
por utilizar como premissa o paradigma da abstinência, tida como principal
meio de retirar o usuário das condições de uso de drogas totalmente contrário
ao que prega a Política Nacional de Redução de Danos em álcool e outras
drogas.
Sejam de fundamentação religiosa ou médica, as CT’s têm sido inspiradas num modelo proibicionista, de guerra contra as drogas, centradas no objeto e não no sujeito e violação dos direitos das pessoas em tratamento. Assim, o modelo CT não só é uma afronta à Lei 10.216/2001 e aos anos de construção da Reforma Psiquiátrica Brasileira, mas também ao caráter laico do Estado brasileiro. (CRESS/RN, 2016)
Dessa maneira, o Conselho Regional de Serviço Social do Rio Grande
do Norte – CRESS/RN, aponta a importância de reafirmar que as ações das
comunidades terapêuticas necessitam do entendimento científico sobre sua
eficácia e seu funcionamento. Atualmente elas não oferecem praticamente
nenhum parâmetro de avaliação, fiscalização e controle social. Muitas delas
são administradas por instituições religiosas que pregam a “libertação do uso”
através da abstinência, oração e ocupação da mente através do trabalho.
Questionados sobre o nível de escolaridade, apenas Félix encontra-se
frequentando o ensino regular matriculado no 6° ano do Ensino Fundamental.
Os demais interromperam os estudos ainda no ensino fundamental, apenas
David demonstra interesse em continuar os estudos através do supletivo.
Dados obtidos através do senso do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios -
Pnad 2012 demonstram que entre os jovens de 15 a 17 anos, a estatística de
adolescentes que não estudam e nem trabalham chega a 59,6% da população
que se encontram nessa faixa etária.
108
Levantado o questionamento sobre a vida laboral dos adolescentes, foi
constatado que 4 deles não exercem atividades trabalhistas. Apenas Paula
está inserida no mercado de trabalho e busca qualificações profissionais
através de cursos disponibilizados pelo o Programa Nacional de Acesso ao
Ensino Técnico e Emprego. Sobre isso, o Estatuto da Criança e do
Adolescente preconiza em seu Art. 60 que “É proibido qualquer trabalho a
menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz” e, em seu
Art. 65 “Ao adolescente aprendiz, maior de quatorze anos, são assegurados os
direitos trabalhistas previdenciários”.
A relação entre baixo rendimento ou evasão institucional e uso de
drogas não é apontado como um debate recorrente na literatura, não da
mesma forma que é a temática da evasão escolar entre estudantes. Nesse
último caso, a exclusão da educação formal pode eliminar a escola enquanto
uma via de acesso as políticas de prevenção às drogas, embora os
adolescentes não percebam a escola enquanto fator de proteção.
Quando é proporcionado a reflexão sobre as causas que podem levar
um adolescente ao consumo de drogas, é imprescindível levar em
consideração, que não são motivos pequenos. Geralmente, existe uma série de
fatores que acabam interferindo no contexto social, familiar, escolar, econômico
e cultural em que o mesmo está inserido. (PRATTA; SANTOS, 2009 apud
Galduróz et al., 1997).
Sobre o início do uso de entorpecentes, a mãe do adolescente Félix
afirmou que quem ofereceu a droga ao garoto foi seu filho mais velho. “Ele foi
quem ofereceu no quintal de casa” (mãe de Félix). Ela ainda relata que só
começou a suspeitar no ano de 2015, após o assassinato do irmão mais velho
de Félix. Nesse mesmo período o garoto passou a apresentar um
comportamento agressivo, tendo em vista, de acordo com a genitora, que ele
sempre foi um garoto tranquilo. Em casa faz uso de cigarro comum em respeito
à presença materna, fora da residência consome maconha.
Já o adolescente Leo, em entrevista, afirmou que o convite para fazer
uso de drogas partiu de um conhecido, porém ele não quis falar muito sobre o
início do uso, e em respeito a situação de vulnerabilidade em que o mesmo se
encontra e pela complexidade do presente estudo, foi preferível evitar o reforço
da pergunta, para que não gerasse desconforto entre as partes, entrevistado e
109
pesquisador. Contudo Leo iniciou aos 9 anos de idade com o uso da maconha,
cocaína, cigarro comum e álcool.
No caso de Dany, foram os “amigos” que ofereceram os entorpecentes.
A usuária tem um histórico de vários conflitos com a mãe e o padrasto,
possivelmente esses conflitos familiares podem ter sido um dos fatores que
contribuíram para que ela adentrasse no submundo das drogas.
Com base no relato dos usuários sobre a questão do início do uso de
psicotrópicos, os autores Pratta e Santos (2009) procuram relacionar os fatores
de risco vinculando-os ao abuso de drogas em categorias mais gerais, da
seguinte forma:
a) Fatores Familiares: neste caso são ressaltados aspectos do contexto familiar como história de alcoolismo ou de uso de drogas na família, permissividade ou autoritarismo e conflitos familiares; b) Problemas comportamentais: nesta categoria os autores pontuam aspectos como comportamento antissocial, negativismo, baixa adaptabilidade, impulsividade, agressividade, experiência sexual precoce e problemas de atenção; c) Fatores escolares: neste grupo estão localizados aspectos como repetência precoce, falta de compromisso escolar além da não realização das tarefas escolares solicitadas; d) Amigos/companheiros que utilizam drogas; e) História de abuso sexual; f) Fatores sociais: como fácil acesso às drogas, tolerância ao álcool e às drogas ilícitas, vizinhança desorganizada, deteriorada e superpopulosa. (PRATTA; SANTOS, 2009.p. 33)
Contudo, a relação familiar, em alguns casos, é vista como estímulo
para a busca pela política de redução dos danos causados pelas drogas e o
álcool no organismo por se encontrar fragilizada, segundo os adolescentes,
como decorrência do uso de drogas. Com isso eles, de certa forma, acabam se
culpabilizando pelas desavenças no âmbito familiar, isso pode ser
externalizado através da procura pela instituição, pela aceitação em estar lá
conhecendo como funciona o tratamento.
Dos adolescentes pesquisados 4 deixaram claro, através de entrevista
com a pesquisadora e com os técnicos da instituição, que possuem bom
relacionamento familiar, com exceção de Dany, que enfrenta vários conflitos
com a mãe e o padrasto.
Sobre as famílias trazemos as potencialidades da vida cotidiana
doméstica que se caracteriza pelo atendimento às necessidades físicas e
psicológicas dos diferentes membros da família. É no seu contexto social que
se salvaguarda a saúde e se lida com as doenças. A família representa, na
110
verdade, a unidade básica de atenção à saúde; é o primeiro nível de atenção à
saúde. Nesse sentido, o cuidado familiar constitui o fundamento do cuidado
comunitário.
Portanto, torna-se fundamental a presença dos familiares durante os
atendimentos e reuniões, trazendo dúvidas e conhecendo melhor o trabalho do
CAPS ad, para que assim possam interagir de forma mais ativa com o
processo terapêutico, como também incentivar diretamente os usuários a
participarem das atividades.
Um dos objetivos do CAPS é incentivar para que as famílias participem
da melhor forma possível do cotidiano dos serviços. Os familiares são, muitas
vezes, o elo mais próximo que os usuários têm com o mundo, e por isso são
pessoas muito importantes para o trabalho do CAPS. No caso, a família
também necessita de um acompanhamento psicológico, de certa forma, pois é
complicado se manter sempre forte em determinadas situações que envolvem
os usuários de drogas ou álcool. Nas reuniões familiares que acontecem no
CAPS ad percebemos que alguns familiares se encontram cansados, mas que
apesar disso continuam lutando para retirar aquele familiar da dependência
química.
Sobre a renda familiar, a avó de David respondeu que sobrevivem, ela
e os dois netos, com um salário mínimo disponibilizado pelo INSS, ela não
soube informar o tipo de benefício que está recebendo. Já a mãe de Félix, após
a separação, deixou o trabalho para se dedicar aos filhos, sobrevivem
atualmente através da pensão alimentícia paga pelo pai dos garotos.
A pensão alimentícia está relacionada as prestações devidas,
realizadas para que os indivíduos que a recebe possa subsistir, realizar o
direito à vida, tanto física como intelectual e moral.
Ainda sobre a renda dos adolescentes e familiares, a adolescente
Paula atualmente está trabalhando e provendo suas necessidades. Não
obtivemos informações sobre a renda de Dany e Leo.
Os adolescentes entrevistados não recebem nenhum benefício voltado
para eles, pois não estão frequentando o ensino regular devido as
consequências do uso abusivo de drogas. O adolescente Leo relatou que a
mãe só recebe o Bolsa família de sua irmã mais nova, pois o garoto não está
estudando.
111
Na vivência desses adolescentes destaca-se, também, a ausência de
atividades motivadoras, propícias ao desenvolvimento pessoal, ou que
proporcionem prazer e diversão (seja por meio de atividades lúdicas, culturais
ou esportivas), e, ainda, tais momentos de diversão restritos aos “eventos
sociais” (festas) parecem estar relacionados ao maior consumo de drogas.
Isso nos permite diversas reflexões sobre as possibilidades reais de
lazer em determinados contextos que não festas ou na rua, ou mesmo sobre o
quanto é efetivo o direcionamento das atividades no tempo livre, sem trabalhar
questões como as escolhas, pressão do grupo ou alívio de estresse.
(...) os homens e as mulheres continuarão a enfrentar problemas, a indagar por que vivem e por que morrem, empenhados em encontrar sentido para suas vidas limitadas – alguns, muitos, se encontrarão vulnerabilizados, formas de cooperação e apoio mutuo serão requisitados e desenvolvidos. (NETTO, 2001, p. 49)
A promoção da saúde se faz presente por meio da educação, da
aquisição de um estilo de vida saudável, do desenvolvimento de aptidões e
capacidades individuais, da vivência em ambientes saudáveis. Os principais
métodos de cooperação e apoio para o enfrentamento, do que se tem como
reflexo da “questão social” se trata, então, da formulação de políticas públicas
que prezem pelo desenvolvimento pessoal e social dos sujeitos.
Destaca-se, que está vinculada a sociedade e ao poder público a
busca pela garantia de implementação dessas políticas direcionadas a
qualidade de vida, bem como a análise deforma crítica da realidade,
promovendo a transformação dos condicionantes da saúde.
Quando direcionada a questão sobre o apoio familiar durante o
tratamento, no caso de Paula, a parceira homoafetiva foi citada como estímulo
para a redução do uso de drogas. Dessa forma:
A família contemporânea não deixa de ser uma instituição, apesar das mudanças. Valores como amor, cuidado, proteção, investimento, apoio na velhice, afinidades conjugais, sexualidade, intimidade, entre outros são valores que remetem os deveres familiares atuais, para além da consolidação do casamento (PEREIRA; SCHIMANSKI, 2013).
112
Na sociedade, as instituições sociais produzem e reproduzem
discursos do senso comum. Aquilo que se aprende é ensinado e construído
pelas instituições e a família como uma delas é responsável por disseminar tais
discursos que rotulam e trazem um posicionamento patriarcal que nega a
existência das novas formas de família na contemporaneidade.
Nesse sentido, podemos identificar que os discursos em torno da
família ideal vêm sendo construídos historicamente. Por outro lado, quando se
trata de novas configurações identifica-se que os discursos podem ser
reconstruídos, os quais vão possibilitando novas formas de se pensar a
instituição família.
O início do tratamento terapêutico no CAPS ad, de todos os
adolescentes, se deu essencialmente por encaminhamentos, sejam eles
judiciais (associados a atos infracionais ou acompanhamento por Conselho
Tutelar) ou realizados pelos familiares enquanto demanda espontânea.
Em conformidade com os diferentes modelos de tratamento
especializados para a questão das drogas, em todos se observa que o
indivíduo pode se envolver com o tratamento proposto ou abandoná-lo, isto é,
não aderir ao tratamento, isso trata-se de uma questão relativa de
condicionantes da realidade cotidiana.
Segundo Espinola (2013) Apesar da “adesão” ter como premissa se
manter abstinente em relação à droga, pode-se ir além e sugerir que adesão a
um tratamento envolve o estabelecimento de vínculo entre usuário do serviço e
equipe multiprofissional, de forma que haja compromisso mútuo nas atividades
integradas ao tratamento e, decorrente disso, o favorecimento de mudanças no
comportamento em relação ao uso da droga. Como no caso do usuário Leo,
que questionou o porquê de o transporte não estar passando em sua
residência e alegou estar com saudades da equipe do CAPS ad.
A afirmação do adolescente nos propicia a reflexão de que os métodos
utilizados na instituição proporcionam a eles diversas reflexões sobre o
cotidiano de suas vidas. Trazem de certa forma perspectivas para o
desenvolvimento pessoal e o rompimento com o que é ilícito. De acordo com
Martins (2002, p.9)
Tudo de sensato e fundamentado que se fizer e propuser no sentido de acelerar a inclusão social e política das populações pobres no
113
processo de desenvolvimento econômico, para com ele compatibilizar o ritmo do desenvolvimento social, será historicamente bem-vindo. Tanto no âmbito do estado e das políticas públicas quanto no âmbito da sociedade civil. Seria igualmente perverso recusar a diversidade das inspirações e das ações de intervenção na realidade problemática.
Martins (2002, p.44) ainda aborda que a exclusão está interligada ao
plano de vivência e da sobrevivência. Existe a tentativa de negação da
realidade, como algo que não se quer reconhecer. “Falar de exclusão ao
“excluído” é humilhá-lo um gesto de prepotência interpretativa próprio de quem
pertence ao mundo do mando e não ao mundo dos nós e da partilha”. Não é
algo que está pautado apenas na renda, sobre isso a autora Yasbek (2007,
p.23) reflete que:
Embora a renda se configure como elemento essencial para a identificação da pobreza, o acesso a um patamar de “mínimos sociais [...] compreendido por um conjunto de bens e serviços sociais ao lado de outros meios complementares de sobrevivência, precisa ser considerado para definir as situações de pobreza.
Questionados sobre os motivos pelos quais não estão frequentando a
instituição para o tratamento terapêutico, Leo e a mãe de Félix responderam
que o carro da instituição não estava passando para ir buscá-los em suas
residências. De acordo com a mãe de Leo o garoto passou vários dias
desaparecido, consequentemente devido ao uso de drogas.
A genitora de Félix comentou que as vezes o filho não tem vontade de
sair de casa, de ir à igreja ou até mesmo ao CAPS, porém, quando o pai dele
conversa com ele e argumenta sobre a importância do tratamento, da interação
com outras pessoas, o garoto logo se anima.
Em conversa informal com a diretoria do CAPS ad, foi repassada a
informação de que o regulamento interno da instituição prevê, que o motorista
deverá buscar os pacientes que não possuem meios para se locomover para a
realização do tratamento. Contudo, o paciente não estando em casa em três
tentativas consecutivas nos dias combinados, o mesmo será desligado da lista
do transporte, cedendo a vaga para outro usuário.
Ainda de acordo com a diretoria, o transporte foi conquistado por
iniciativa do Serviço Social da instituição para facilitar o comparecimento dos
indivíduos adultos e adolescentes ao CAPS, mesmo sendo uma instituição que
114
recebe demanda espontânea e por medidas judiciais, não caberia a instituição
demandar um transporte para ir buscá-los nas residências.
Sobre a ausência de Dany na instituição, atualmente, não está
frequentando a instituição por causa dos vários conflitos em que se encontra.
Suas características são de uma pessoa violenta quando está sobre o efeito de
substâncias psicoativas. É autora de várias infrações, em que ameaça as
vítimas com arma de fogo. Aparentemente uma pessoa sem controles dos seus
atos quando utiliza drogas. A garota possui histórico de apreensão no Centro
de Internação para Adolescentes Infratores (CIAD) e encaminhamentos ao
Conselho Tutelar do Município.
O Ministério Público solicitou ao CAPS ad a realização de busca ativa a
residência de Dany, para saber da adolescente o porquê do não
comparecimento dela ao tratamento, e, também para convidá-la a voltar. Ela
afirmou que gostaria de retomar as atividades terapêuticas.
Já a adolescente Paula, afirma ter deixado o uso de drogas e que
arrumou emprego. Aparentemente tem boas relações familiares e com a
companheira com a qual vive atualmente. Com relação ao adolescente David,
não conseguimos obter tais informações.
Familiares e adolescentes participantes da pesquisa afirmaram ser de
grande importância o atendimento realizado pelo CAPS ad, sendo uma
instituição que sabe acolher o adolescente o compreendendo em toda sua
complexidade.
Dos 5 adolescentes, apenas Leo, Dany e Félix esboçaram o desejo de
retomar ao tratamento. De David não obtivemos resposta e Paula diz ter
deixado em definitivo o uso de drogas.
Não houve dificuldades apontadas para a realização das atividades
terapêuticas segundo os pesquisados. Porém, mediante os fatos aqui
apresentados, pode-se afirmar que o (re) envolvimento com as drogas foi o
fator preponderante elencadas como barreiras ao tratamento desses
adolescentes, exceto no caso de Paula.
O serviço é bastante relevante frente a proposta de garantir a
participação da família para reverter a situação, solicitação de audiências para
mostrar aos familiares a importância de acompanhar seus filhos no CAPS ad e
115
na escola; matriciamento em instituições da rede para divulgar a instituição e a
importância de trabalhar interagindo e articulando a rede socioassistencial.
Sobre a atuação do CAPS ad, os usuários apontam satisfação e um
vínculo com a equipe multiprofissional, apesar da inquietação psicológica
devido ao consumo de psicotrópicos, e das atividades, que em muitos casos,
não conseguem realizar, apesar disso eles gostam de estar na instituição.
Caracteriza-se como essencial a capacitação dos profissionais. A
Portaria 336-02 do Ministério da Saúde que subsidia a atuação dos CAPS (s),
alínea “e”, preconiza ser de extrema importância “supervisionar e capacitar as
equipes de atenção básica, serviços e programas de saúde mental local no
âmbito do seu território e/ou módulo assistencial. ” (BRASIL,2002). Uma vez
que a forma do atendimento pode ocasionar um impacto no atendimento direto
aos usuários que necessitam acessar tal atendimento, pode-se afirmar que, à
medida em que se capacita os profissionais há também a melhoria na
qualidade do serviço, o que pode evitar transtornos futuros relacionados a
segurança dos funcionários, como, também, a evasão de usuários.
Diante isso, é importante afirmar que o acolhimento se trata de uma
prática relevante, uma vez que a Reforma Psiquiátrica se caracteriza pela
criação de novos serviços e estratégias que geram o cuidado no campo da
Saúde Mental. A partir da ideia de desinstitucionalização territorialização e
acolhimento, operar uma transformação no modelo assistencial.
Entretanto, ainda existem lacunas nesse modelo de atenção e na forma
como esses serviços são gerenciados, e também, como o usuário é acolhido.
Dentro da realidade dos CAPSs, o primeiro contato com o usuário é crucial
para o processo de acompanhamento e tratamento, assim, pode-se nessa fase
estabelecer vínculos entre a equipe multiprofissional e o sujeito com
diagnóstico de uso abusivo de substâncias psicoativas.
Os usuários desse tipo de serviço caracterizam-se, além de outros
fatores, por ser fortemente marcada pelo sentimento contraditório em relação a
si e à necessidade de um tratamento. As pessoas que buscam o CAPS contra
a dependência geralmente chegam ao serviço com motivações conflitantes,
tornando-as mais sensíveis ao modo como são abordadas pelos técnicos.
As presentes reflexões reafirmam a ideia de que é necessário o
acolhimento desses sujeitos mediante a oferta de uma escuta qualificada e
116
terapêutica pela equipe multiprofissional, sem nenhum tipo de preconceito para
com o sujeito, reconhecendo e respeitando suas necessidades e diferenças.
Sobre a intervenção do CAPS ad, o adolescente Leo afirmou que se
sentiu bem na instituição, e que, segundo ele, diminuiu por um período o uso
do psicotrópico.
A PNAD reconhece ainda que é incerto o grau de envolvimento de
cada usuário, pois o uso de substâncias psicoativas pode variar em cada caso,
uma vez que existem diferentes padrões de uso, não somente a dependência.
Dessa forma, é necessário pensar diferentes ações assistenciais, como a
prevenção, o tratamento e a reinserção social, que atendam aos usuários de
acordo com o grau de problemas vivenciados.
Constatou-se através da realização desta pesquisa que o uso de
drogas é o principal fator que leva os usuários adolescentes a abandonarem o
tratamento, mas que ainda assim, a família continua sendo a base para um
trabalho qualificado, pois trata-se da instituição de maior importância na vida
desses adolescentes. Percebemos que a maioria dos entrevistados tem boa
relação familiar, que se esforçam para deixar o vício, porém, situações diversas
de negação de direitos, conflitos sociais, afetam as possibilidades de
reinserção ao convívio comunitário.
Torna-se fundamental a presença dos familiares durante os
atendimentos e reuniões trazendo dúvidas e conhecendo melhor o trabalho do
CAPS ad, para que assim possam conhecer de forma mais ativa o processo
terapêutico, como também incentivar diretamente os usuários a participarem
das atividades.
Dos resultados a que chegamos podemos indicar que a maioria dos
casos de evasão institucional estão relacionados ao aprofundamento do vício,
do consumo de entorpecentes. Dos 5 adolescentes entrevistados 4 deles não
se sentem motivados a comparecer a instituição, ou possuem relações como
tráfico e dívidas de drogas, em razão disso estão sob ameaça de morte,
precisando de medidas protetivas. 1 (uma) das adolescentes encontra-se
trabalhando e segundo ela deixou as drogas.
Dois deles falaram que o transporte não estava passando para buscá-
los, entretanto, existe uma contradição entre as falas. A direção da instituição
afirma que o motorista passou nas residências, mas os adolescentes não
117
respondiam. A mãe de um deles afirmou que o filho passou dias desaparecido
e sem paradeiro, isso pode ter sido a causa dos desencontros.
4.3. “Sim aos cuidados, não à exclusão”: Reflexões e
Apontamentos sobre a realização da pesquisa
São vários fatores que podem determinar o tipo de comportamento que
o indivíduo poderá apresentar, isso poderá advim da forma como se dá a
relação familiar dessas pessoas ou até mesmo como forma de resposta por
não haver aceitação das regras sociais que são colocadas.
De acordo com o Portal Natividade Gomes Augusto (2014) as leis
podem ser originadas através de diversas fontes, em muitos casos criadas e
impostas por sistemas religiosos, político e até mesmo econômico. Isso faz
com que a sociedade seja complementada por um conjunto de regras, normas
e ações, pensamentos e sentimentos que vão além da consciência individual.
Elas definirão a forma como o indivíduo deverá se comportar, as
condutas que são tidas como certas e as que não são apropriadas. Ainda de
acordo com o Portal Natividade (2014) a quebra de regras está condicionada
pelo modo como o sujeito vê as leis. Se nele não existir uma consciência de
obediência a moral que é colocada como a adequada, o mesmo será visto pela
sociedade como uma pessoa de comportamento desviante.
Dentro desse contexto estão justamente os adolescentes, bastante
conhecidos como aquele segmento que historicamente se opõe as regras
sociais. O autor Giovani Levi (1996, p.11) nos diz que a juventude é uma fase
difícil, pois se inicia o processo de formação e de transformação de cada um,
tanto do corpo quanto do espírito, também é o começo de tomadas de decisões
definitivas na vida em comunidade.
Diante do que foi dito, Levi (1996) vai tratar as categorias adolescência
e juventude, como o momento das tentativas sem futuro, das vocações
incertas, das aprendizagens profissionais e militares, bem como a descoberta
da sexualidade. Como foi apontado antes, acabam sendo momentos cheios de
incertezas e que alternam entre êxitos e fracassos. É pensada como uma fase
de transição no ciclo da vida, da infância para a maturidade, que segundo a
autora Helena W. Abramo (1997, p.29) é um momento crucial no processo de
118
socialização e integração dos indivíduos com a sociedade, isso a partir da
aquisição de elementos culturais e de responsabilidades e atitudes de adultos.
A adolescência é o momento de preparação de sujeitos sociais
interiorizados com gênese nos valores, normas e comportamentos adquiridos
socialmente. É perceptível que a sociedade espera que os jovens sejam a
continuidade de todo o processo de sociabilidade, sendo algo que pode se
realizar ou não. Com isso as ações relativas a adolescência irá recair sobre o
seu processo de socialização e também sobre suas possíveis disfunções, ou
seja, a fuga das leis, valores culturais colocados pelos integrantes da
sociedade.
As oficinas terapêuticas ofertadas pelo CAPS ad são momentos
cruciais para que os jovens possam expor os seus sentimentos, e em algumas
atividades extravasar as sensações que para eles os impedem de viver da
forma como almejam. Elas possibilitam o esquecimento, mesmo que
temporário, de situações cotidianas negativas vivenciadas por eles ao logo de
sua trajetória de vida.
Muitos jovens da nossa sociedade usam as drogas como tentativa de
fugir da realidade, por não aguentar o pai que bate na mãe, os conflitos com os
pais decorrente da fase da adolescência, tida como um período complicado.
De acordo com a leitura das referências indicadas e com a visita
realizada na instituição, destacou-se a importância desse serviço, pois, a
maneira como é realizado pode sim proporcionar mudanças satisfatórias ou
não, na vida desses adolescentes e jovens para os quais o serviço é voltado,
como também para as suas famílias, através do acompanhamento sistemático
envolvendo os familiares.
É fato que as dificuldades são muitas para alcançar os objetivos do
serviço, mas particularmente, é notável o compromisso ético-profissional nas
ações dos/as profissionais da instituição. Percebe-se, também, a preocupação,
dedicação e respeito na prestação do serviço realizado, principalmente das
profissionais do Serviços Social e da Psicologia, que apesar de enfrentarem
barreiras por causa da falta de materiais e da atuação neoliberal com cortes de
gastos, lutam para tornar o serviço mais eficaz.
Foram perpassadas diversas barreiras para que a pesquisa fosse
concretizada. A primeira delas foi a questão do transporte para a realização do
119
instrumental Busca Ativa. O CAPS ad encontra-se atualmente sob regime de
escala por falta de alimentação na instituição para os pacientes. Com isso, não
há possibilidades de os mesmos profissionais estarem no mesmo dia in lócus.
Mediante a tal acontecimento as solicitações do Ministério Público para
realização de visitas domiciliares foram se acumulando. Como as respostas
tinham que ser imediatas, os profissionais precisaram do transporte, por esse
motivo houve a impossibilidade de entrevistar os adolescentes nas datas
previstas pelo cronograma.
A segunda dificuldade foi encontrar 5 (cinco) adolescentes usuários
que deixaram de frequentar a instituição, mas apesar disso o trabalho não
deixou de ter qualidade, com reflexões pontuais e importantes apontadas por
vários autores, para a discussão referente a saúde mental e uso de drogas na
adolescência.
Sobre o primeiro entrevistado, pode-se afirmar que foi relativamente
fácil encontrá-lo, pois o garoto encontrava-se em sua residência.
Aparentemente bem mais magro do que quando iniciou as atividades no CAPS.
A mãe do garoto informou que ele havia sumido por vários dias e que não
sabia por onde ele andava e nem o que estava fazendo. Como já dito no item
anterior o rapaz encontra-se ameaçado de morte, devido ao envolvimento com
as drogas. Ele estava aguardando resposta da promotoria de justiça sobre um
encaminhamento do mesmo a um abrigo para garantir sua integridade física.
Minhas impressões sobre a entrevista com Leo, foi de alguém que se
relaciona bem com seus familiares, que gosta de ir à instituição e dos
profissionais que trabalham lá. Falou em entrevista que é um lugar que o faz se
sentir bem e queria retornar.
Sobre a adolescente Paula, percebi que aparentemente trata-se de
uma jovem que tem objetivos, que colocou como perspectiva de vida deixar as
drogas e se qualificar, ter uma melhor condição de vida. Encontrou o apoio da
sua atual companheira, dentro da conjuntura do que se entende por novas
configurações de família.
Relacionado a David, não consegui conversar com ele, porém houve
uma reunião com os responsáveis pelos adolescentes na instituição, na qual a
avó dele compareceu e falou sobre o neto. Segundo a avó do garoto, o rapaz
120
tem vontade de continuar seus estudos. As características dele são de alguém
que necessita de mais aproximação da família, principalmente do pai.
A reunião com os familiares, da qual participei surgiu por iniciativa da
instituição como forma de combater a evasão entre adolescentes, cujo o
principal objetivo foi levar os familiares a entenderem como funciona o
tratamento e saber como os mesmos estão em suas relações familiares. O que
acabou contribuindo com a pesquisa. Só para constar, se tratou de uma
coincidência muito agradável, que foi de encontro a minha proposta de estudo.
As minhas percepções sobre Félix são de um garoto calmo, comento
isso porque já tive contato com ele em outras ocasiões enquanto estagiária.
Além da tranquilidade o garoto, também, expressa um amor incondicional por
sua família. Porém, a mãe relatou na reunião que ele andava muito alterado e
agressivo há alguns dias atrás, logo após a separação dos pais. Que apesar do
ocorrido sempre estão acompanhando e incentivando seu desenvolvimento
social, pessoal e saída das drogas.
Assim como no caso de Félix, também, tive uma aproximação, só que
maior, com a adolescente Dany enquanto estagiária do CAPS ad. Percebi nela
uma fonte de carência afetiva, revolta e falta de consciência nos atos que
comete. Um dia pensou estar grávida, questionei o que aconteceria caso fosse
comprovada a gravidez, ela respondeu que a criança seria a força para que ela
saísse das drogas, que mudaria de vida.
É difícil interpretar e compreender a mente humana, somos cheios de
complexidades, pensamentos contraditórios. Apesar disso, em suas ações,
Dany apresenta um comportamento de revolta contra o sistema e contra a
repressão policial que acontece quando ela é apreendida. Percebi isso quando
perguntei o que ela gostaria de ser quando concluísse os estudos, a resposta
foi policial, porque a polícia tem liberdade para fazer o que quiser, sem
punições aparentes.
Ainda sobre as dificuldades encontradas para a elaboração deste
trabalho, cito aqui a procura por referências bibliográficas, apesar de não ser
uma temática nova, pouquíssimos autores tratam sobre evasão institucional de
adolescentes usuários de drogas. Não é um assunto tão discutido em trabalhos
acadêmicos, quanto a evasão escolar.
121
Nesse sentido, conclui-se que há um grande desafio a ser enfrentado
coletivamente por todos os envolvidos sejam eles gestores, profissionais,
entidades e serviços. Desafio este, importante para um bom desempenho da
política de Saúde Mental, pois, neste trabalho foi apontado o apoio familiar
como peça fundamental na execução da Política de Saúde Mental.
Abordar a questão da família não é uma tarefa fácil, tendo em vista as
diferentes formas e mudanças no seio dessa instituição, além das
peculiaridades existentes em cada sociedade e períodos históricos. Apesar
disso, a família continua sendo a base de todo ser humano, fundamentando os
processos essenciais do desenvolvimento psíquico do sujeito.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho surgiu com o propósito de responder o
questionamento sobre as principais causas que levam aos adolescentes
abandonarem o tratamento ofertado pelo serviço especializado do CAPS ad,
que tem como proposta a redução de danos causados pelo uso abusivo de
substâncias psicoativas. Com isso, foi elencado como objetivo geral a análise
sobre as múltiplas determinações (históricas, sociais, econômicas, culturais e
de saúde) que causam a “evasão” dos usuários adolescentes do Centro de
Atenção Psicossocial álcool e outras drogas - CAPS AD Parnamirim-RN.
Através de pesquisas bibliográficas, consultas aos prontuários dos
usuários e, também, por meio de entrevistas com adolescentes e familiares, foi
possível levantar dados expressivos sobre a temática.
Para chegar ao debate sobre essa temática, foi característico e
imprescindível trazer os apontamentos sobre a política de saúde desde 1930,
passando pelo advento da Constituição Federal de 1988, em que a saúde
passa a ser vista como um direito de todos, não apenas de quem contribuía
com a previdência. Mediante a essa afirmação, se torna papel do Estado
garantir a universalidade do novo sistema, denominado de Sistema Único de
Saúde - SUS.
122
Considera-se, também, o papel do Estado no exercício das políticas
públicas em tempos neoliberais, em que predomina os cortes nos gastos
direcionados aos serviços públicos, bem como a redução da participação
estatal, sendo assim, proposta a mercantilização da saúde.
Através dos autores referenciados ao longo do trabalho, foi possível
analisar o conteúdo histórico do início da Política de Saúde Mental, em que os
indivíduos eram tratados com discriminação e isolamento. Inicialmente em
Santas Casas de Misericórdia, como uma forma de higienização das cidades,
isso porque a maioria eram moradores de rua, logo depois passaram a ser
tratados em hospitais psiquiátricos, na perspectiva do modelo Hospitalocêntrico
de cerceamento de liberdade.
Foi a partir do Movimento de Reforma Psiquiátrica, paralelo ao
movimento de Reforma Sanitária em 1970, que se deu início a luta pela
mudança nos modelos de atendimentos aos portadores de transtornos mentais.
Especificamente a luta Antimanicomial começou por iniciativa dos
Trabalhadores em Saúde Mental, que não aceitavam a ideia de “tratar” por
meio privação de liberdade, maus tratos e afastamento da família e do convívio
em sociedade.
O Serviço Social no campo da Saúde Mental, surgiu com a função
voltada para a assistência social, como caridade. Sua atuação era
caracterizada por ser a porta de entrada dos hospitais psiquiátricos, meramente
com traços de subalternidade e burocracia, sem nenhum tipo de criticidade.
Era um trabalho direcionado apenas para as condições objetivas dos
sujeitos e não em sua totalidade, reabilitar através da psicologização e
culpabilização das famílias dos pacientes pelos agravos da saúde dos
indivíduos com transtorno mental. O que foi sendo modificado a partir do
movimento de reconceituação da profissão no período pós-64, com a intenção
de ruptura com os dogmas da igreja católica e o conservadorismo.
O profissional de Serviço Social, na atual conjuntura, possui uma
grande importância para o funcionamento dos serviços de Saúde Mental, uma
vez que esses serviços, após a reformulação, apresentam uma formação
direcionada a uma postura política, ética de comprometimento com a
efetivação dos direitos aos usuários, a realização do trabalho sempre deverá
123
ser realizada da melhor forma possível, apesar dos vários entraves
relacionados a atuação neoliberal na sociedade capitalista.
No cotidiano profissional, o diálogo com os usuários é permanente.
O/A assistente social tem o domínio para orientar, informar e encaminhar não
só aos usuários como também aos familiares destes, isso com certeza, tem
uma grande diferença na resolução da questão e/ou problema, quando os
usuários sabem o caminho que devem percorrer, maiores são as chances de
obter os resultados os quais se quer chegar.
No processo de desinstitucionalização da loucura, na década de 2000,
o Ministério da Saúde lança os CAPS como modelos substitutivos dos hospitais
psiquiátricos, dentre eles está o voltado para álcool e drogas, na perspectiva de
redução de danos.
Esses Centros foram elaborados para realizar atendimentos diários a
sujeitos com transtornos mentais provenientes do uso de substâncias
psicoativas. A instituição disponibiliza cuidados clínicos e reabilitação
psicossocial e familiar.
Com base nos objetivos específicos da pesquisa, também foi possível
trazer a análise sobre os serviços prestados pelo CAPS - ad município de
Parnamirim-RN. São vários os encaminhamentos realizados pela instituição
com o intuito de garantir os direitos dos usuários do serviço, dentre eles estão:
benefícios da previdência social, a Centros Clínicos, ao Programa Minha Casa
Minha Vida, UBSs para consultas preventivas e com dentistas, a Unidade de
Pronto Atendimento, etc. Com essas e outras ações de articulação em rede, é
possível ampliar o sistema de garantia de direitos, cuidando do usuário em toda
a sua complexidade.
Percebeu-se que apesar de todo esse acompanhamento, os usuários
adolescentes apresentam baixo índice de participação nas atividades
terapêuticas propostas pela instituição, baseado nisso surgiu o interesse pela
pesquisa.
Em síntese, pode-se afirmar que os objetivos específicos da pesquisa
foram alcançados, pois para se ter um melhor entendimento sobre a temática,
é preciso uma investigação aprofundada, com a contribuição de autores, para
compreender como surgiu a Política de Saúde Mental no Brasil e todo o seu
processo para paulatinamente acabar com o modelo centrado em hospitais
124
psiquiátricos. E, também, para se ter a ideia sobre as motivações que fizeram
os adolescentes não comparecerem ao CAPS.
Dessa forma, o objetivo principal da pesquisa foi alcançado tendo em
vista as considerações iniciais deste capítulo. Apesar das barreiras
encontradas, esse tema é de grande relevância, não para culpabilizar o sujeito,
mas para buscar formas para que a política de saúde mental ganhe mais
eficácia, principalmente para o público adolescente com inserção familiar como
apoio, já que a família é a instituição base na vida dos sujeitos sociais.
125
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130
7. APÊNDICE
I – QUESTIONÁRIO REALIZADO COM OS USUÁRIOS DO CAPS AD
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
DISCENTE PESQUISADORA: Maria Ivaneide Alves, Matrícula:
2012961629
QUESTIONÁRIO: Para os usuários
1. Perfil: preenchimento dos dados pessoais, familiares, das condições de
moradia, da raça, etnia, identidade de gênero e sexualidade.
2. Qual sua ocupação atual? Trabalha e/ou estuda? Se não, no que isso
interfere na sua vida? Você identifica alguma relação disso com o uso
abusivo de drogas?
3. Recebe algum benefício do governo e o considera importante?
4. Qual (ais) tipo (s) de droga (s) você utiliza (ou)?
5. Como e quando começou a utilizar drogas? Por qual motivo?
6. Por que não frequenta mais o CAPS?
7. Você considera importante o atendimento que é realizado no CAPS? Se
não, o que você considera que falta para o serviço atender mais as
necessidades dos usuários?
8. Pensa em retornar?
9. Frequenta algum outro espaço que auxilie no tratamento (ONG, Centro
de recuperação, Instituições Religiosas, etc.)?
10. Quais as principais dificuldades que você encontrou para realizar o
tratamento?
11. Sua família contribui no seu tratamento e o que isso significa para você?
É importante ou não para você?
131
II – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Título da Pesquisa: Estudo sobre as principais causas da evasão entre
adolescentes usuários do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras
drogas- CAPS ad Parnamirim-RN.
Pesquisador (a): Maria Ivaneide Alves
Estudante do Curso de Serviço Social da UFRN
OBJETIVO:
Este estudo envolve pesquisa, tendo como objetivo principal analisar as
múltiplas determinações (históricas, sociais, econômicas, culturais e de
saúde) do fenômeno “evasão” dos usuários adolescentes do Centro de
Atenção Psicossocial-CAPS AD Parnamirim-RN.
DA OBSERVAÇÃO E DAS ENTREVISTAS:
A pesquisa envolverá observação e entrevistas com 05 (cinco)
adolescentes, que possuem prontuário na Instituição, porém, não estão
comparecendo ao tratamento terapêutico. Aqueles, pois, que concordarem
em participar da pesquisa, devem saber que esta tratará da sua ausência
no Projeto Terapêutico ofertado pelo CAPS AD.
SOBRE OS RISCOS:
Não há riscos físicos relacionados à participação neste estudo, uma vez
que não haverá nenhuma intervenção que possa trazer danos à saúde,
nem utilização de nenhuma substância físico-química nos participantes do
mesmo. Os únicos riscos que poderiam porventura acontecer se restringem
a constrangimento em relação a alguma pergunta efetuada. Nesse caso, o
entrevistado deve exercer o pleno direito de não a responder. Ainda assim,
se no período de ocorrência desta pesquisa, algum indivíduo pesquisado
apresentar algum transtorno de ordem psicológica, o (a) pesquisador (a)
assume o compromisso de encaminhá-lo para atendimento na Clínica de
Psicologia da UFRN.
SOBRE OS BENEFÍCIOS:
Os benefícios associados à participação nesta pesquisa são de ordem
coletiva, uma vez que as respostas dadas poderão contribuir para dar
visibilidade acadêmica a temática aqui exposta.
CONFIDENCIALIDADE DO ESTUDO:
O registro da participação neste estudo será mantido em sigilo. Será
garantida a confidencialidade na coleta, tabulação e análise dos resultados.
Somente o (a) pesquisador (a) e a orientadora da pesquisa terão acesso às
informações. Se qualquer relatório ou publicação resultar deste trabalho, a
identificação do entrevistado só será revelada se este o permitir.
DANOS ADVINDOS DA PESQUISA:
132
Apesar de não estar previsto, se houver algum dano ou se algum problema
ocorrer decorrente deste estudo, o participante será indenizado, sendo isto
providenciado pelo (a) pesquisador (a). Além disso, se no período de
ocorrência desta pesquisa, algum indivíduo pesquisado apresentar algum
transtorno de ordem psicológica, o (a) pesquisador (a) assume o
compromisso de encaminhá-lo para atendimento na Clínica de Psicologia
da UFRN.
PARTICIPAÇÃO VOLUNTÁRIA:
Toda participação é voluntária. Não há penalidade para alguém que decida
não participar deste estudo. Ninguém também será penalizado se decidir
desistir de participar do estudo, em qualquer época.
PERGUNTAS:
Estimulamos que os pesquisados façam perguntas a respeito desta
pesquisa. Caso haja alguma pergunta, deve contatar o (a) pesquisador (a)
Maria Ivaneide Alves, no endereço ([email protected]). Deve
contatar também a Profa. Luciana do Nascimento Simião no endereço
CONSENTIMENTO DO ENTREVISTADO PARA PARTICIPAÇÃO:
Estou de acordo com a participação na pesquisa acima explicada. Fui
devidamente esclarecido quanto aos objetivos da mesma e sobre a
entrevista a qual serei submetido. Foi garantido o meu direito a qualquer
esclarecimento solicitado durante o desenvolvimento da pesquisa, assim
como o direito de desistir da participação em qualquer momento, sem que a
desistência implique em qualquer prejuízo para a minha pessoa. A minha
participação na pesquisa não implicará em custos ou prejuízos adicionais,
sejam esses custos ou prejuízos de caráter econômico, social, psicológico
ou moral, sendo garantido o anonimato e o sigilo dos dados referentes a
minha identificação, se eu assim o quiser.
Nome do entrevistado (letra de forma): ____________________________.
Assinatura do Entrevistado: _____________________________________.
Testemunha 1: _____________________________________________.
Testemunha 2: _____________________________________________.
COMPROMISSO DO (A) PESQUISADOR (A)
Eu discuti as questões acima apresentadas com os indivíduos participantes
no estudo ou com os seus representantes legalmente autorizados. É minha
opinião de que o indivíduo entende os objetivos, assim com os riscos e
benefícios deste projeto e as obrigações do (a) pesquisador (a).
_______________________________. Data: ___/___/___.
Nome do pesquisador
RG e CPF