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UNIVERSIDADE PAULISTA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO VOZES EM MOVIMENTO: Os sujeitos no debate sobre a Usina Hidrelétrica Estreito Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Comunicação e Cultura Midiática da Universidade Paulista-UNIP, para a obtenção do título de Mestre em Comunicação e Cultura Midiática. LIGIA REGINA GUIMARÃES CLEMENTE SÃO PAULO 2016

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UNIVERSIDADE PAULISTA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

VOZES EM MOVIMENTO:

Os sujeitos no debate sobre a Usina Hidrelétrica Estreito

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Comunicação e Cultura

Midiática da Universidade Paulista-UNIP,

para a obtenção do título de Mestre em

Comunicação e Cultura Midiática.

LIGIA REGINA GUIMARÃES CLEMENTE

SÃO PAULO

2016

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UNIVERSIDADE PAULISTA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

VOZES EM MOVIMENTO:

Os sujeitos no debate sobre a Usina Hidrelétrica Estreito

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Comunicação e Cultura

Midiática da Universidade Paulista-UNIP,

para a obtenção do título de Mestre em

Comunicação e Cultura Midiática.

Orientadora: Prof.ª Dra. Carla Reis Longhi.

LIGIA REGINA GUIMARÃES CLEMENTE

SÃO PAULO

2016

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Clemente, Ligia Regina Guimarães.

Vozes em movimento : os sujeitos no debate sobre a Usina Hidrelétrica Estreito. / Ligia Regina Guimarães Clemente. - 2016.

165 f. : il. color.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista, São Paulo, 2016. Área de Concentração: Comunicação e Cultura Midiática. Orientadora: Prof.ª Dra. Carla Reis Longhi.

1. Sujeitos. 2. Usina Hidrelétrica Estreito. 3. Formações discursivas. I. Longhi, Carla Reis (orientadora). II. Título.

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LIGIA REGINA GUIMARÃES CLEMENTE

VOZES EM MOVIMENTO:

Os sujeitos no debate sobre a Usina Hidrelétrica Estreito

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Comunicação e Cultura

Midiática da Universidade Paulista-UNIP,

para a obtenção do título de Mestre em

Comunicação e Cultura Midiática.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

_______________________/__/___

Profª. Dra. Carla Reis Longhi - (Orientadora)

Universidade Paulista – UNIP

_______________________/__/___

Profª. Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves

Universidade Metodista de São Paulo – UMESP

_______________________/__/___

Profª. Dra. Barbara Heller

Universidade Paulista – UNIP

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DEDICATÓRIA

À nossa pequena e amada Cecília

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AGRADECIMENTOS

Essa jornada não se constrói sozinha. É importante lembrar e agradecer àqueles que

contribuíram para que ela se concretizasse.

A Deus, primeiramente, sempre.

Aos meus pais, Luzia e Eudes, por todo amor, dedicação e incentivo.

Ao Mauro, marido, amigo, companheiro de estudos, de trabalho, de troca de fraldas e

de todas as viagens que a vida tem nos presenteado.

A dona Elvira, por todo carinho e suporte que tem nos dado.

Ao meu irmão querido, cunhadas, cunhados, sobrinhos e demais familiares, pelo apoio

e imensa torcida.

À CAPES, pela concessão da bolsa PROSUP/modalidade taxa, que tornou viável a

realização desta pesquisa.

À minha orientadora, Prof.ª Dra. Carla Longhi, por toda a contribuição ao longo destes

dois anos, pela paciência, dedicação e amadurecimento que me proporcionou.

Aos professores da UNIP, aos colegas do Mestrado e ao secretário Marcelo, pelas

trocas de conhecimento, amizade e excelente convívio.

Aos colegas da UFMA/Imperatriz (diretor, técnicos e estagiários), que possibilitaram o

afastamento de minhas atividades durante este período.

Às professoras Barbara Heller e Elizabeth Gonçalves, pela disponibilidade e

contribuições na defesa da qualificação.

Aos integrantes dos GT’s da Intercom, ULEPPIC, Ibercom e Simpósio Comunicação e

Cultura, pelas importantes trocas estabelecidas, que muito agregaram a esta pesquisa.

Aos amigos, Pâmela Pinto (pela revisão e direcionamentos), Yane, Andreia, Kamila,

Mariela, Sarita, Rômulo e Ricardo, pelas conversas sinceras, conselhos, apoio e carinho.

A todos aqueles que contribuíram direta e indiretamente nesta caminhada.

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“O ato humano primordial deve conter

resposta à pergunta que se faz a todo recém-

chegado: ‘quem és?’”

(Hannah Arendt).

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RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi compreender como foram construídos os discursos sobre os

sujeitos das esferas do Mercado, do Estado e da Sociedade Civil, que integram o debate sobre

a implantação da Usina Hidrelétrica Estreito. Situada nos estados do Maranhão e Tocantins e

com reservatório de abrangência em 12 municípios desses dois estados, o processo de

instalação desse empreendimento foi marcado por diversas tensões entre os diferentes

sujeitos. Considera-se o processo de instalação de usinas como campos de poder, de conflitos,

de negociações e de tomada decisões, em que diversas vozes disputam espaços e conquistas.

Para reconstruir esse campo de saber ao qual pertencem esses processos e perceber o feixe de

relações históricas e institucionais de onde emergem esses discursos, delinearam-se algumas

práticas que precedem a construção desta usina; e dada à multiplicidade de esferas e sujeitos

que compõem o prisma discursivo sobre a usina em análise, foi necessário lançar um olhar a

partir de vários lugares de fala. Apoiando-se no suporte teórico-metodológico de Michel

Foucault, foram identificadas as Formações Discursivas (Conceitos, Objetos e Modalidades

Enunciativas) em cada corpus de análise estabelecido: site do Consórcio Estreito Energia, site

do Ministério de Minas e Energia, site do Movimento dos Atingidos por Barragens e as

notícias publicadas nos jornais “O Estado do Maranhão” e “Folha de S. Paulo”. Como parte

dos resultados, observou-se um Mercado muito mais protagonista do que o Estado na

condução dos processos da UHE Estreito, no qual o primeiro, enquanto concessionário

responsável, executa e este segundo acompanha e endossa a realização do projeto. As

comunicações executadas pelo Ceste e pelo MME têm um caráter de prestação de contas

sobre a condução de um projeto hidrelétrico e a do MAB realça as lutas e conquistas de uma

sociedade civil organizada em prol das famílias atingidas. No jornal O Estado do Maranhão,

por exemplo, nota-se uma tendência de endossar e repercutir as mesmas Formações das

esferas do Estado e do Mercado e de desconsiderar as que oriundam da Sociedade Civil. Na

Folha de S. Paulo detecta-se uma desconstrução das práticas que emergem do Mercado e

Estado. Esse mosaico Mercado/Estado/Sociedade Civil possibilitou uma melhor dimensão de

como esses diferentes sujeitos se articulam e também detectar de onde eles vêm, quais

procedimentos os interditam e os definem; quais valores carregam e quais posturas interferem

na construção do discurso sobre o tema.

Palavras-chave: Sujeitos. Usina Hidrelétrica Estreito. Formações Discursivas.

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ABSTRACT

The objective of this research was to understand how the discourses about the subjects of

Market, State and Civil Society spheres that are part of contest about the implementation of

Usina Hidreletrica Estreito were built. Located in the states of Maranhão and Tocantins and

scope of reservoir in 12 municipalities of these two states, the installation process of this

endeavor was marked by various tensions among the different subjects. It is considered the

installation process plants as power branches, conflicts, negotiations and decision making, in

which different voices vying for spaces and achievements. To rebuild this knowledge branch

which these processes belongs to and realize the beam of historical and institutional relations

where these discourses emerge, some practices before the construction of this plant have been

drawn; and due to the multiplicity of spheres and subjects that make up the discursive

perspective on the plant in question was necessary to cast a glance from various places of

speech. Based on theoretical and methodological support of Michel Foucault, the Discursive

Formations were identified (concepts, objects and enunciative modalities) in each established

corpus of analysis: news from the site of Consórcio Estreito Energia, news from the site of

Ministério de Minas e Energia, Movimento dos Atingidos por Barragens and news published

in the newspapers "O Estado do Maranhão" and "Folha de S. Paulo". As part of the results, It

was observed a Market much more protagonist than of the State in the conduct of UHE

Estreito proceedings, wich the first one, as concession holder responsible, executes and the

last one monitors and endorse the realization of the project. Communications performed by

Ceste and the MME have an accountability character on driving a hydroelectric project and

the MAB highlights the struggles and achievements of civil society organizations in support

of the affected families. In the newspaper O Estado do Maranhão, for example, there is a

tendency to endorse and pass the same formations of state spheres and the market and

disregard those originate from Civil Society. In Folha de S. Paulo is detected a deconstruction

of the practices that emerge from the Market and State.This mosaic Market/State/Civil

Society enabled a better dimension of how these different subjects are articulated and also

detect where they come from, what procedures define and interdict them; which values they

carry; which postures interfere in the construction of discourse on the subject.

Keywords: Subjects. Usina Hidrelétrica Estreito. Discursive Formations.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Fontes de energia em Operação, em Construção e ainda não-iniciadas ............... 33

Gráfico 2 – Fluxograma de autorizações para início da construção ....................................... 46

Gráfico 3 – Categorias de notícias site do Ceste: 2010, 2012 e 2013 ..................................... 55

Gráfico 4 – Notícias por Editoria Folha .............................................................................. 114

Gráfico 5 – Notícias por Editoria em O Estado ................................................................... 115

Gráfico 6 – Comparativo de notícias por categorias na Folha e em O Estado MA ............... 117

Gráfico 7 – Notícias da Folha por categoria........................................................................ 118

Gráfico 8 – Notícias de O Estado por categoria .................................................................. 119

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Localização da UHE Estreito ............................................................................... 42

Figura 2 – Organograma do Ministério de Minas e Energia .................................................. 73

Figura 3 – Página Especial de O Estado sobre a UHE Estreito............................................ 122

Figura 4 – Cobertura de O Estado sobre Temporada de veraneio ........................................ 130

Figura 5 – Fotos-legendas sobre protestos em O Estado em 09/04/2013 e 22/10/2013 ........ 132

Figura 6 – Jornal O Estado 28 de novembro de 2012 .......................................................... 135

Figura 7 – Cronograma da UHE Estreito em infográfico da Folha de S. Paulo.................... 140

Figura 8 – Folha de S. Paulo, 28 de outubro de 2012 .......................................................... 147

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Resumo do modelo da Análise: Objetos, Modalidades Enunciativas e Conceitos 26

Tabela 2 – Quadro de notícias para seleção e análise ............................................................ 27

Tabela 3 – Proposta metodológica de análise para esta pesquisa ........................................... 28

Tabela 4 – Empreendimentos em Operação em 2015 no país ............................................... 33

Tabela 5 – Empreendimentos em Construção em 2015 no país ............................................. 34

Tabela 6 – Dados Técnicos UHE Estreito ............................................................................. 43

Tabela 7 – Acionistas das usinas hidrelétricas implantadas no rio Tocantins......................... 50

Tabela 8 – Atividades do Programa de Comunicação Social ................................................ 53

Tabela 9 – Notícias para análise - site Ceste ......................................................................... 56

Tabela 10 – Notícias sobre a UHE Estreito no site do Ministério de Minas e Energia ........... 74

Tabela 11 – Concepções sobre o Atingido ............................................................................ 78

Tabela 12 – Valores das indenizações em hidrelétricas do Tocantins .................................... 82

Tabela 13 – Notícias - site do MAB sobre a UHE Estreito selecionadas para análise ............ 92

Tabela 14 – Categorias de Notícias no site do MAB ............................................................. 92

Tabela 15 – Sujeitos dos quais se fala no site do MAB ....................................................... 103

Tabela 16 – Sujeitos que falam no site do MAB ................................................................. 103

Tabela 17 – Notícias por Editorias na Folha sobre a UHE Estreito ..................................... 113

Tabela 18 – Notícias por Editorias em O Estado do MA ..................................................... 115

Tabela 19 – Categoria “Andamento das obras” em O Estado do MA.................................. 124

Tabela 20 – Quadro-síntese dos sujeitos nas análises .......................................................... 154

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AID – Área de Influencia Direta

AII – Área de Influência Indireta

ANAB – Associação Nacional dos Atingidos por Barragens

ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica

BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CESTE – Consórcio Estreito Energia

CGH – Centrais Geradoras Hidrelétricas

CI’s - Centros de Informação

CMSE- Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico

CNPE – Conselho Nacional de Política Energética

CONAMA - Conselho Nacional de Meio Ambiente

CPT – Comissão Pastoral da Terra

CRAB - Comissão Regional de Atingidos por Barragens

EIA-RIMA - Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental

EPE- Empresa de Planejamento Energético

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

IVC – Instituto Verificador de Comunicação

LI - Licença de Instalação

LO - Licença de Operação

LP - Licença Prévia

MA - Maranhão

MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens

MME - Ministério de Minas e Energia

MP – Ministério Público

MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

MW - Megawatt

ONG – Organização Não- Governamental

ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico

ONU – Organização das Nações Unidas

PAC - Programa de Aceleração do Crescimento

PBA – Projeto Básico Ambiental

PCH – Pequenas Centrais Hidrelétricas

PIB – Produto Interno Bruto

PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PT – Partido dos Trabalhadores

SIN – Sistema Interligado Nacional

SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente

TCM – Termos de Compromissos Mútuos

TJ – Tribunal de Justiça

TO - Tocantins

UHE - Usina Hidrelétrica

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 14

1 A DISCUSSÃO SOBRE USINAS HIDRELÉTRICAS E A UHE ESTREITO: O

MERCADO E O ESTADO ................................................................................................ 31

1.1 Um panorama da produção energética no Brasil ....................................................... 32

1.1.1 Um breve histórico ........................................................................................... 35

1.2 Noções sobre desenvolvimento e desenvolvimento sustentável ................................. 38

1.3 A Usina Hidrelétrica Estreito .................................................................................... 41

1.3.1 A Legislação ..................................................................................................... 44

1.4 Os sujeitos e os atores sociais ................................................................................... 48

1.5 Os sujeitos na Esfera do Mercado: Análise do site do Ceste ...................................... 51

1.5.1 Formação Discursiva no site do Ceste ............................................................... 54

1.5.1.1 Categoria “Interinstitucional” ..................................................................... 56

1.5.1.2 Categoria “Economia” ................................................................................ 63

1.5.1.3 Categoria “Comunicação” ........................................................................... 64

1.6 Os sujeitos na Esfera do Estado: Análise do site do Ministério de Minas e Energia .. 69

2 OS SUJEITOS NA ESFERA DA SOCIEDADE CIVIL .............................................. 77

2.1 As Ferramentas de Participação da Sociedade ........................................................... 83

2.2 Os Movimentos Sociais e a Luta do Movimento dos Atingidos por Barragens .......... 87

2.3 Formações Discursivas no site do MAB ................................................................... 91

3 O DEBATE PÚBLICO SOBRE A UHE ESTREITO: OS SUJEITOS NA ESFERA

MIDIÁTICA..................................................................................................................... 107

3.1 A Esfera Pública: o lugar do comum ....................................................................... 107

3.2 Os jornais O Estado do Maranhão e Folha de S. Paulo na cobertura sobre a UHE

Estreito........................................................................................................................... 111

3.2.1 Da classificação por editorias .......................................................................... 113

3.2.2 Categorizações em O Estado do Maranhão e Folha de S. Paulo ....................... 116

3.3 Formações Discursivas em O Estado do Maranhão ................................................. 120

3.3.1 Categoria “Relacionamento Institucional” ...................................................... 120

3.3.2 Categoria “Andamento das obras” .................................................................. 124

3.3.3 Categoria “Tensões” ....................................................................................... 127

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3.3.4 Categoria “Ações Positivas”............................................................................ 133

3.4 Formações Discursivas na Folha de S. Paulo .......................................................... 138

3.4.1 Categoria “Tensões” ....................................................................................... 143

CONCLUSÕES ................................................................................................................ 151

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 163

APÊNDICES .................................................................................................................... 164

APÊNDICE A – Notícias selecionadas da Folha S. Paulo sobre a UHE Estreito ........... 164

APÊNDICE B – Notícias selecionadas do Jornal O Estado MA sobre a UHE Estreito ... 165

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa se insere na área de concentração “Comunicação e Cultura Midiática”,

do Programa de Pós Graduação em Comunicação da Unip, na Linha de Pesquisa

“Contribuições da Mídia para a Interação entre Grupos Sociais”, que congrega pesquisas

orientadas às práticas e processos midiáticos inscritos em grupos sociais, privilegiando a

análise de poder e resistência.

Aborda como temática principal as relações que permeiam as construções de usinas

hidrelétricas no Brasil, especificamente a Usina Hidrelétrica Estreito, localizada nos estados

do Maranhão e Tocantins, e a visibilidade que os sujeitos das diferentes esferas que fazem

parte do debate, das negociações e acordos adquirem durante as várias fases do processo.

Esses sujeitos são categorizados a partir das esferas do Mercado, do Estado e da Sociedade

Civil.

Para compreender as Formações Discursivas, que se configuram a partir dos sujeitos e

objetos relativos à UHE Estreito, torna-se necessário versar também sobre temáticas

subjacentes a esse cenário de tensões e negociações, tais quais: a tríade

desenvolvimento/crescimento/liberdades dos sujeitos; os processos que envolvem o fluxo de

aprovação da legislação ambiental exigida no país; o papel do mercado e das multinacionais

da concessionária da Usina em análise e a atuação do Estado, enquanto responsável legal do

empreendimento; além também da atuação dos movimentos sociais, como o Movimento dos

Atingidos por Barragens e as ferramentas de participação social na tomada de decisões ao

longo do processo; assim como a postura da mídia, enquanto articuladora dos discursos desses

diversos sujeitos, ressignificando o debate e os colocando novamente em circulação.

O objetivo geral desta pesquisa é compreender como foram construídos os discursos

sobre os sujeitos das esferas do Mercado, do Estado e da Sociedade Civil envolvidos no

debate sobre a implantação da Usina Hidrelétrica Estreito a fim de refletir sobre a visibilidade

que eles adquirem no espaço público da esfera midiática.

Os objetivos específicos consistem em:

Mapear os sujeitos envolvidos no processo de instalação da UHE Estreito;

Identificar as Formações Discursivas (Conceitos, Objetos e Modalidades

Enunciativas) em cada corpus de análise estabelecido nas esferas do Estado,

Mercado e Sociedade Civil.

Identificar as Formações Discursivas construídas na abordagem da mídia impressa

sobre a UHE Estreito;

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Comparar as recorrências discursivas entre a produção noticiosa do Estado,

Mercado, Sociedade Civil e na mídia impressa;

Perceber como cada sujeito ou ator social é construído discursivamente em cada

esfera e na mídia;

Refletir sobre a visibilidade que esses sujeitos adquirem no debate público.

A preocupação que norteia esta pesquisa surge no contexto de instalação de grandes

empreendimentos no país, principalmente os que implicam em mudanças no cenário, no meio

ambiente, na vida de comunidades locais; mas cujas construções são justificadas na

conjuntura macroeconômica e compõem uma delicada teia de tensões entre as partes

envolvidas.

Debates que polarizam as argumentações sobre os impactos de naturezas diversas

versus o desenvolvimento motivado por grandes obras vêm à tona sazonalmente, quando

ganham alguma visibilidade na mídia, sobretudo em decorrência de ações factuais

concernentes às fases das construções, como paralisações, protestos, acidentes de trabalho,

catástrofes ambientais, inauguração de grandes estradas, ferrovias, usinas e, em casos como

no qual se debruça esse estudo, a construção de usinas hidrelétricas.

Demora-se aqui a construir uma observação sobre usinas hidrelétricas considerando

que a instalação destas se configura em campos de poder, de conflitos, de negociações e de

tomadas de decisões. São diversas vozes, com interesses muitas vezes não uníssonos e que

disputam espaços e conquistas.

Intenta-se nesse estudo, enquanto pesquisador, adotar uma postura que se desvie de

uma perspectiva puramente radical ambientalista, assim como não se deixar sucumbir ao

discurso feroz desenvolvimentista. Interessa aqui, principalmente, observar e compreender os

meandros, os processos (por isso a escolha da abordagem do discurso como prática social) e

perceber como esses sujeitos plurais inerentes a esses processos são representados em vários

suportes institucionais e midiáticos.

Dentro desta perspectiva delimitou-se como objeto de estudo desta pesquisa os

discursos materializados nas notícias jornalísticas referentes à UHE Estreito publicadas nas

diferentes esferas que participam do debate sobre o empreendimento:

a) Esfera do Mercado: notícias produzidas pelo site do Consórcio Estreito Energia

(Ceste), responsável pelo empreendimento;

b) Esfera do Estado: notícias veiculadas no site Ministério de Minas e Energia

(MME);

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c) Esfera da Sociedade Civil: notícias veiculadas no site do Movimento dos Atingidos

por Barragens (MAB);

d) Esfera da Mídia Impressa: notícias publicadas no jornal de maior circulação no

Maranhão, “O Estado do Maranhão”, e um dos jornais de maior circulação no país, “Folha de

S. Paulo”.

O recorte temporal de análise desta pesquisa compreenderá determinadas fases entre

início da instalação, em 2008, até os desdobramentos do funcionamento da hidrelétrica, em

2013. Dentro desse recorte, atém-se a algumas fases específicas e de maior repercussão da

imprensa sobre ações em torno da Usina, mais especificamente: 2008 - quando foram

iniciadas as obras civis da barragem (período de muitos conflitos, invasão e paralisações das

obras); 2010 - fase da construção da barragem propriamente dita, início do enchimento do

reservatório e repercussão; 2012 - contexto da inauguração da usina e 2013 - desdobramentos

pós-inauguração usina.

Essas narrativas abordaram diversos aspectos concernentes ao “desenvolvimento” que

a Usina traria ao país e aos os “impactos” econômicos, ambientais, sociais e culturais que

causaria à comunidade local.

Neste estudo, parte-se do entendimento de que o processo de construção de um

empreendimento de grande porte como uma usina hidrelétrica envolve diversos sujeitos e

atores sociais, tais quais: o poder público, o Consórcio responsável pelas obras, associações e

sociedade civil organizada, movimentos sociais, organizações não governamentais e

comunidade impactada direta e indiretamente (ribeirinhos, agricultores, comerciantes,

indígenas e outros). Cada um desses atores se posiciona a respeito do empreendimento,

constrói leituras e, por vezes, muda o modo de compreender a sua própria relação com o

ambiente que está sendo transformado. Como mediadora nesse embate atua a mídia, que

seleciona e escolhe quais fontes entram no debate público, dá voz a esses atores e, por vezes,

ressignifica discussões.

Esta pesquisa é ancorada na problemática da Usina Hidrelétrica Estreito, situada nos

estados do Maranhão e Tocantins e com reservatório de abrangência em 12 municípios desses

dois estados. Foi projetada para uma potência total de 1.087 MW (o suficiente para abastecer

uma cidade com quatro milhões de habitantes ou, por exemplo, quatro vezes a cidade de São

Luís, capital do Maranhão), com um reservatório de 555 km2

de superfície, sendo 400 km2

de

terras inundadas e com 5.400 x 106

m3

de volume de água. As obras localizaram-se nos

municípios de Estreito - MA e Aguiarnópolis - TO e a represa, no Rio Tocantins. Atinge

diretamente os municípios de Estreito e Carolina, no estado do Maranhão, e os municípios

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tocantinenses de Aguiarnópolis, Babaçulândia, Barra do Ouro, Darcinópolis, Filadélfia,

Goiatins, Itapiratins, Palmeirante, Palmeiras do Tocantins e Tupiratins.

A operação da usina foi projetada para ser incorporada aos Sistemas Norte/Nordeste e

Norte/Sul/Sudeste, por intermédio da rede básica do sistema interligado. O Consórcio Estreito

Energia – CESTE, formado pelas empresas multinacionais GDF Suez-Tractebel Energia,

Vale, Alcoa e Intercement, é responsável pela construção e operação da UHE Estreito. O

contrato da Usina é de 35 anos, inaugurada em 2012 devendo funcionar até o ano de 2047.

Teve investimento na ordem de R$ 5 bilhões e compõe uma das grandes metas do Programa

de Aceleração do Crescimento (PAC) 2 na área energética do país desta década. O processo

de instalação do empreendimento foi marcado por diversos conflitos e despertou alguma

forma de debate na imprensa sobre as questões relativas aos impactos trazidos a nível local

(questões ambientais, socioeconômicas e territoriais), assim como o potencial

desenvolvimento para a matriz energética brasileira trazido pela barragem.

Para compreender o contexto da construção de hidrelétricas hoje é necessário perceber

que aumentar o potencial energético do país tem sido uma grande preocupação de

especialistas desde a década de 1970, quando grandes projetos hidrelétricos começaram a ser

implantados no Brasil (BANCO MUNDIAL, 2008). Considerada uma “energia limpa”, mais

segura, mais duradoura e menos custosa quando comparada com outras formas de geração de

energia, a hidroeletricidade tem sido o meio mais utilizado pelo país para suprir sua demanda

por energia.

No entanto, se por um lado a hidroeletricidade apresenta vantagens em termos das

técnicas e dos custos financeiros – ela é a força da correnteza de um rio utilizada para

produzir energia elétrica e fortalecer a matriz energética do país – por outro lado, o processo

de instalação de uma usina provoca mudanças no cenário natural, como o desvio do rio, o

alagamento de áreas antes habitadas, a realocação de comunidades ribeirinhas; pressupondo

também outras transformações a níveis econômico e sócio-cultural. Para as comunidades

atingidas, comumente afloram sentimentos de desenraizamento e desterritorialização. Entes

que foram enterrados naquele local; a casa que foi dos avós; o umbigo do filho mais velho que

ficou enterrado no quintal; memórias submersas na água e a construção de um novo cenário

em nome do progresso.

Durante o intervalo temporal que compreende a aprovação da concessão ambiental

pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para

a instalação de uma usina até a última turbina entrar em operação entra em cena o debate

sobre o desenvolvimento que a obra proporcionará ao país e os impactos causados a nível

local.

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Para a construção da UHE Estreito houve um remanejamento, a princípio, de mais de

três mil propriedades. O valor pago às famílias indenizadas e as medidas de mitigação e

compensação aos 12 municípios diretamente atingidos também foram alguns motivos

recorrentes de insatisfação da comunidade. Como medida para compensar os impactos, o

Ibama analisou e aprovou o Projeto Básico Ambiental (PBA) proposto pelo Consórcio, que

propõe 39 programas ambientais, que devem ser desenvolvidos nas comunidades e na região

visando prevenir, mitigar e compensar as interferências sociais e ambientais ocasionadas pelo

empreendimento.

A abordagem sobre hidrelétricas pela mídia constitui um complexo objeto de estudo,

já que a construção de barragens e a produção hidrelétrica são consideradas processos técnico-

racionais permeados por relações subjetivas e simbólicas, por isso, não são neutros. São

empreendimentos do escopo estruturante do país, que envolvem volumosos investimentos

financeiros e de grandes dimensões socioambientais.

Para se mapear o estado da arte das pesquisas nessa temática, fazendo-se uma consulta

às bases de dados nacionais sobre pesquisas realizadas na última década em torno de

hidrelétricas: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações - BDTD, Repositórios

Institucionais em Ciências da Comunicação - Reposcom, periódicos da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes; da Associação Nacional dos

Programas de Pós-Graduação em Comunicação – Compós; da Sociedade Brasileira de

Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom - e do Observatório de Barragens,

percebe-se que elas situam-se principalmente e, em sua maioria, nas grandes áreas das

Ciências Exatas e Humanas, como as que mensuram o volume dos impactos ambientais, a

validade dos Estudos Ambientais e novas configurações territoriais após a construção de

barragens.

Tendo como objeto de análise especificamente o caso da UHE Estreito, foram

constatadas pesquisas que resultaram em dissertações de programas de Mestrado, como:

“Terras indígenas e o Licenciamento Ambiental da Usina Hidrelétrica de Estreito: uma

análise etnográfica de um conflito socioambiental”, de 2007, na área da antropologia; “As

relações sócio-territoriais na construção da Usina Hidrelétrica de Estreito - MA e a (re)

produção do espaço urbano das cidades de Carolina - MA e Filadélfia - TO”, de 2009, na área

da geografia, e “Os Impactos do processo de Licenciamento Ambiental: Análise da

Administração Estatal do Conflito Socioambiental, Interétnico e Multicultural da Usina

Hidrelétrica Estreito”, de 2010.

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Analisando os processos de comunicação envolvendo barragens, uma tese de

doutorado (tendo como objeto a Usina de Foz do Chapecó- RS), posteriormente publicada no

livro “Comunicação e barragens: o poder da comunicação das organizações e da mídia na

implantação de hidrelétricas”, em 2014, por Carlos Locatelli, traz questionamentos sobre a

postura da mídia no trato sobre hidrelétricas que ainda merecem ser respondidos.

Ainda percebe-se uma lacuna nos estudos de comunicação a partir das problemáticas

que envolvem a instalação de grandes empreendimentos hidrelétricos. Novos estudos,

portanto, que visem compreender melhor as representações e a visibilidade dos sujeitos

envolvidos em processos tal qual a instalação da UHE Estreito poderão vir a contribuir

também para uma discussão sobre o papel da mídia na cobertura de implantação de grandes

projetos e seus desdobramentos de ordens política, econômica, social e cultural.

Dentro da organização deste estudo, optou-se por uma escolha teórico-metodológica

que contemplasse desvendar os discursos construídos em torno das problemáticas e sujeitos

envolvidos na questão das usinas hidrelétricas. E tendo como ponto de partida a noção de

discurso como um conjunto de enunciados encadeados na mesma formação discursiva e que

fazem parte de uma conjuntura histórica e institucional - que em alguns termos permite ou

proíbe sua realização – e também esse discurso enquanto lógica de poder, encontrou-se na

obra de Michel Foucault um caminho apropriado para as análises.

Ele considera que “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os

sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos

apoderar” (FOUCAULT, 2009, p. 20). Nessa perspectiva, o discurso já é, a princípio, um

objeto de desejo. E a problemática central desta pesquisa também parte de um contexto de

uma sociedade regida por interdições (e permissões) do discurso e permeada por relações de

poder, as quais se tentará compreender.

É próprio da lógica metodológica foucaultiana remontar a estrutura interna de um

saber. Dentro dessa mesma forma de organização, busca-se aqui desconstruir as práticas

discursivas para em seguida reconstruí-las a fim de compreender o conjunto de enunciados

sobre um projeto hidrelétrico. Foucault fala em detectar uma regularidade “uma ordem em seu

aparecimento sucessivo, correlações em sua simultaneidade, posições assinaláveis em um

espaço comum, funcionamento recíproco, transformações ligadas e hierarquizadas”

(FOUCAULT, 2000, p. 43). Restabelecer tais conexões (não visíveis a um primeiro olhar)

apontadas por Foucault que se busca nessas análises.

Lembra-se aqui que a obra de Foucault é vasta e complexa (ao abordar instituições

como a psiquiatria, a medicina, a sexualidade e o direito), podendo-se compreender mais

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didaticamente seu pensamento em três momentos: quando ele propõe uma arqueologia do

saber, em que desenvolve um método arqueológico do pensamento e do discurso; quando

tematiza o poder por meio de uma geneaologia e a terceira, em seus estudos sobre a ética.

Esta pesquisa apropria-se também dos procedimentos foucaultianos para se pensar

eixos de conhecimentos que estruturam a compreensão de searas de saber/poder que

permeiam os processos de instalação de grandes empreendimentos e definem processos de

cunhos econômicos, políticos sociais. Lança-se, assim, nesse estudo, na genealogia da

discussão sobre temas como desenvolvimento, crescimento econômico, legislação ambiental,

formação dos movimentos sociais de resistência e, também, sobre o papel de interesse público

da mídia, encontrar pistas para compreender as Formações Discursivas desse discurso

enquanto prática.

Nesta análise atém-se principalmente a alguns conceitos que ele constrói sobre o

discurso, sobretudo nas obras “A ordem do Discurso”, “Microfísica do Poder” e “Arqueologia

do Saber”, tendo em mente que o fio condutor do pensamento foucaultiano é a preocupação

com o sujeito, tanto nas relações desse sujeito com os saberes, com o poder e consigo mesmo.

E é essa preocupação com o sujeito que baliza esta pesquisa.

Sob o método arqueológico do saber, Foucault vê esse sujeito enredado em lógicas de

saber, construídas como verdades e definindo relações de poder. É necessário, portanto,

compreender como se dão esses jogos de verdade (elementos que regem as práticas, como,

por exemplo, as concepções de desenvolvimento de onde parte a postura do Estado, o aparato

legal e o modelo energético conduzido no país).

Busca-se também compreender na obra de Foucault pistas para se pensar o poder

saindo apenas do viés repressivo (no vetor do rei soberano sobre seus súditos) para também se

pensar as lógicas de saberes a partir de relações de poder e discursos.

Em sua aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 1970, Foucault levanta

alguns apontamentos sobre a “Ordem do Discurso”. O primeiro deles é o pressuposto de que a

produção do discurso em toda sociedade é “ao mesmo tempo controlada, selecionada,

organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que tem por função conjurar

seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível

materialidade” (2009, p.8). Nessa obra Foucault elenca procedimentos externos e internos de

exclusão do discurso. Segundo ele, a palavra proibida (interdição), a segregação da loucura

(separação) e a vontade de verdade são os três grandes sistemas de exclusão e que se apoiam

sobre um suporte institucional.

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O que Foucault propõe é que há um sistema de poder que age sobre o discurso; que

esses mecanismos externos e internos delimitam o que é verdade, o que tem legitimidade e o

que pode ser concebido como um saber qualificado. A partir dessa concepção tentará se

perceber quais assuntos e sujeitos fazem parte de um sistema de exclusão e/ou interdição

nesse debate. Irá se problematizar as formas de participação popular permitidas pelas vias

legais, como audiências públicas, foros e comitês; assim como a percepção das fontes

consultadas nas abordagens sobre as barragens (representantes do Concessionário e do

Estado, ribeirinhos, famílias atingidas, representantes de organizações sociais) e os temas que

ganham ou não projeção na mídia (manifestações, impactos, condução do processo de

instalação da usina, parcerias institucionais, questões ambientais, políticas, econômicas e

sociais).

Dentro do campo jornalístico, a sua essência baseia-se também em jogos que atendam

a princípios de ordenação do discurso, quando, por exemplo, interdita determinados assuntos

da ordem do dia; quando seleciona e classifica os sujeitos que falam (e exclui os que não

falam) e quando busca, no saber científico, a resposta para sua vontade de verdade. As

investigações aqui tentam encontrar tanto como se dá essa ordenação a partir de lugares de

fala institucionais (como do Ceste, do Ministério de Minas e Energia e do Movimento dos

Atingidos por Barragem), assim como a partir da esfera midiática (nos jornais O Estado do

Maranhão e Folha de S. Paulo).

Foucault (2009) fala que os procedimentos de controle (seleção, organização e

redistribuição da produção) funcionam como rarefação do discurso, da “rarefação dos sujeitos

que falam; ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas exigências ou se

não for, de início, qualificado para fazê-lo” (p.37). E destaca três coerções do discurso: as que

limitam seus poderes, as que dominam suas aparições aleatórias e as que selecionam os

sujeitos que falam.

Ao conjecturar que o discurso está na ordem das leis e nos propor métodos de análise,

de desconstruir os procedimentos que regem o discurso, de compreender o gênesis de sua

formação, mostra também a possibilidade de subversão dessas leis. Ao montar uma

genealogia do poder, Foucault fornece pistas sobre que o poder se exerce em rede, que o

poder não está em um lugar específico, em um indivíduo ou em uma instituição, mas está

difuso no tecido social. Ele destaca que há uma intrínseca relação entre poder e saber, que não

há relação de poder sem constituição de um campo de saber, como também, reciprocamente,

todo saber constitui novas relações de poder.

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Observa-se na obra de Michel Foucault que, por meio de análises históricas de

relações de poder, é possível compreender a produção de saberes. Ao propor que os saberes

são historicamente construídos, desmonta a concepção de verdades acima da história, de

verdades naturalizadas, dadas.

Em “Microfísica do Poder”, Foucault (1997) traça uma genealogia em que traz a tona

o “retorno do saber” e a chamada insurreição dos saberes, em uma preocupação de “ativar

saberes locais, descontínuos, desqualificados, não legitimados, contra a instância teórica

unitária que pretenderia depurá-los, hierarquizá-los, ordená-los em nome de um conhecimento

verdadeiro, em nome de uma ciência detida por alguns” (p.171).

Foucault considera insurreição dos saberes nem tanto contra os conteúdos e métodos

de uma ciência, mas contra a instituição e ao funcionamento de um discurso científico

organizado no interior da sociedade. Segundo ele a genealogia deve combater os efeitos de

poder próprios a um discurso considerado como científico. Ele coloca algumas questões sobre

a ambição de poder que a pretensão de ser ciência traz consigo:

Que tipo de saber vocês querem desqualificar no momento em que vocês dizem: ‘é

uma ciência’? Que sujeito falante, que sujeito de experiência ou de saber vocês

querem ‘menorizar’ quando dizem: ‘eu que formulo este discurso, enuncio um

discurso científico e sou um cientista’? Qual vanguarda teórico-política vocês

querem entronizar para separá-la de todas as numerosas, circulantes e descontínuas

formas de saber? (FOUCAULT, 1997, p.172).

Ele fala de um estranho paradoxo em querer agrupar em uma mesma categoria de

saber dominado os conteúdos do conhecimento histórico, erudito, e os saberes locais, das

pessoas, desqualificados pela hierarquia dos conhecimentos e das ciências. No entanto,

problematiza-se também nesse estudo sobre quais sujeitos e quais vozes constituem os saberes

no campo que se abarca aqui, do processo de instalação de grandes empreendimentos

hidrelétricos, e como os saberes locais e os institucionalizados são tecidos nessa trama a qual

se propõe descosturar.

O poder, nessa abordagem, é entendido não somente como um mecanismo de

opressão, mas também um mecanismo produtivo, já que há uma intrínseca relação entre poder

e saber. Foucault mostra que os discursos emergem de relações entre verdades, saberes,

práticas sociais e instituições e que é importante compreender as condições de existência

desse discurso.

Ao considerar essa noção de poder, cabe lembrar que, ao traçar uma análise pelo

poder, Foucault atenta para algumas precauções metodológicas. A primeira delas é o estudo

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pelas práticas, captando o poder em suas ramificações, nas formas mais regionais e locais, nas

extremidades cada vez menos jurídicas de seu exercício. Propõe também uma análise externa,

em vez de interna, do poder: “em vez de perguntar como o soberano aparece no topo, tentar

saber como foram constituídos, pouco a pouco, progressivamente, realmente e materialmente

os súditos, a partir da multiplicidade dos corpos, das forças, das energias” (FOUCAULT,

1997, p.183).

Outra precaução é analisar o poder como algo cíclico, que só funciona e se exerce em

rede; assim como fazer uma análise ascendente do poder, partindo de um exame histórico de

como os mecanismos de controle passam a funcionar. Tomando exemplos como a exclusão da

loucura, procurar nos agentes reais – família, vizinhança, médicos – e não na burguesia, pois a

burguesia não se preocupa com os loucos ou os delinquentes, e sim pelo conjunto de

mecanismos que controlam, punem e reformam. Ele reforça, ainda, que para o poder exercer-

se é necessário pôr em circulação um saber, que não são ideologias. Em tese, Foucault propõe

com essas precauções estudar o poder fora do modelo delimitado por um domínio

centralizador, como o Leviatã, e sim a partir de técnicas e táticas de dominação.

Posto isso, cabe antecipar que esta pesquisa baliza-se nessa percepção de que o poder

se constrói em rede, difusamente no tecido social e, assim como Foucault propõe uma análise

pelas práticas, pelas ramificações, esse estudo também parte do corpus empírico para

compreender como se dão essas relações e as Formações Discursivas sobre os sujeitos

tratados no caso da Usina Hidrelétrica Estreito.

Apropriando-se dos conceitos estudados na obra “Arqueologia do Saber” (2000),

construiu-se aqui um modelo analítico que permitirá encontrar as Formações Discursivas e

será utilizado como norteador metodológico em todos os capítulos deste estudo.

É importante ter em mente, no entanto, que o próprio Foucault, em entrevista por

Rouanet e J. G. Merquior (1996) em “O homem e o Discurso”, coloca que a Arqueologia do

Saber não se trata completamente de uma teoria nem completamente uma metodologia. Ainda

assim, a apropriação desses procedimentos de desvendar a ordem interna que constitui um

determinado saber é suficiente para responder a proposta desta pesquisa.

Seguindo essa lógica, na estruturação da dissertação optou-se pela não tessitura de um

capítulo especificamente teórico sobre Análise de Discurso ou sobre como Foucault situa suas

proposições sobre discurso, mas de delinear, a princípio, como se constrói o entendimento

sobre as relações entre regularidades e dispersões por meio das Formações Discursivas e as

apropriações que se esquadrinham ao longo das análises de todo esse estudo.

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Assim, considerando-se as Regras de Formação, tentará se definir aqui as

regularidades em meio da dispersão, como Foucault define:

No caso em que se puder descrever, entre em certo número de enunciados,

semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de

enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade

(uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por

convenção, que se trata de uma formação discursiva (FOUCAULT, 2000, p.43).

A partir do corpus selecionado, as notícias se configuram como a regularidade em

meio à dispersão, mas que pela análise demonstrarão uma regularidade que não se percebe

desde a primeira vista; objetiva-se, então, localizar os Objetos, Modalidades Enunciativas e os

Conceitos.

Chamaremos de regras de formação as condições a que estão submetidos os

elementos dessa repartição (objetos, modalidade de enunciação, conceitos, escolhas

temáticas). As regras de formação são condições de existência (mas também de

coexistência, de manutenção, de modificação e de desaparecimento) em uma dada

repartição discursiva (FOUCAULT, 2000, p.43-44).

Da Formação dos Objetos do discurso, Foucault se referia em seus estudos às grandes

áreas de conhecimento que estruturam discursos que aceitamos como dados, como a

medicina, o direito e a psicanálise. Já aqui se buscam os Objetos que são construídos nos

discursos sobre as hidrelétricas, para tal, seguem-se os procedimentos os quais ele aponta ser

necessário, inicialmente:

a) Demarcar as superfícies primeiras de sua emergência; “a possibilidade de limitar

seu domínio, de definir aquilo de que fala, de dar-lhe o status de objeto – ou seja, de fazê-lo

aparecer, de torná-lo nomeável e descritível” (FOUCAULT, 2000, p.47);

b) Descrever as instâncias de delimitação e

c) Analisar as grades de especificação.

Das condições para que apareça um objeto de discurso, Foucault aponta as condições

históricas nesse processo de nomeação de algo. “Para que dele várias pessoas possam dizer

coisas diferentes, as condições para que ele se inscreva em um domínio de parentesco com

outros objetos, para que possa estabelecer relações de semelhança, de vizinhança, de

afastamento, de diferença, de transformação” (FOUCAULT, 2000, p.51).

A noção de Objeto levantada por Foucault vai além da questão linguística

signo/significado, sentido; trata de práticas que formam sistematicamente os objetos de que se

falam. Sistematicamente porque pressupõe uma recorrência, uma prática e leva em

consideração condições históricas, relações institucionais, econômicas e sociais de produção

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desse discurso. As relações discursivas não são nem internas ao discurso (língua) nem

externas (circunstanciais), mas no limite: discurso enquanto prática.

Não são os objetos que permanecem constantes, nem o domínio que formam;

mesmo seu ponto de emergência ou seu modo de caracterização; mas o

estabelecimento de relação entre as superfícies em que podem aparecer, em que

podem ser delimitados, analisados e especificados (FOUCAULT, 2000, p.54).

Busca-se, assim, encontrar aquilo que se torna nomeável e descritível a respeito da

UHE Estreito a partir de suportes institucionais e da mídia, considerando os “feixes de

relações” e o conjunto de regras que permitem formar esses objetos.

Se há também uma preocupação em descrever uma coexistência de enunciados

dispersos, Foucault fala sobre a Formação das Modalidades Enunciativas e levanta a

necessidade de se “encontrar a lei de todas essas enunciações diversas e o lugar de onde vêm”

(FOUCAULT, 2000, p.57) e, para isso, é preciso identificar:

a) A primeira questão: quem fala?

Quem no conjunto de todos dos sujeitos falantes, tem boas razões para ter esta

espécie de linguagem? Quem é seu titular? [...] Qual é o status dos indivíduos que

têm – e apenas eles – o direito regulamentar ou tradicional, juridicamente definido

ou espontaneamente aceito, de proferir semelhante discurso? (FOUCAULT, 2000,

p.57).

Com esses questionamentos é possível refletir sobre os sujeitos que são autorizados a

falar nas notícias em análise, quais falam e quais são silenciados.

b) É necessário descrever também os lugares institucionais de onde as fontes obtém

seu discurso “e onde este encontra sua origem legítima e seu ponto de aplicação (seus objetos

específicos e seus instrumentos de verificação)" (FOUCAULT, 2000, p.58).

c) “As posições do sujeito se definem igualmente pela situação que lhe é possível

ocupar em relação aos diversos domínios ou grupos de objetos” (FOUCAULT, 2000, p.59).

Esse sujeito questiona, ouve, observa e anota. A posição desse sujeito no discurso não é dada,

nem construída a priori, e sim por um feixe de relações.

Ao mapear também as Modalidades Enunciativas esta pesquisa tem o intuito de

perceber quais sujeitos falam; como os aparatos institucionais do Mercado, do Estado, da

Sociedade Civil Organizada e da própria mídia se colocam nesse movimento de vozes.

O terceiro elemento que compõe a Formação Discursiva é a formação dos Conceitos,

que se dá, segundo Foucault, da necessidade de “descrever a organização do campo de

enunciados em que aparecem e circulam” (FOUCAULT, 2000, p.63). E compreende:

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a) Formas de sucessão, disposição enunciativas:

Quer seja a ordem das inferências, das implicações sucessivas, e dos raciocínios

demonstrativos; ou a ordem das descrições, os esquemas de generalização ou de especificação progressiva aos quais obedecem, as distribuições espaciais que

percorrem; ou a ordem das narrativas e a maneira pela qual os acontecimentos do

tempo estão repartidos na sequência linear dos enunciados (FOUCAULT, 2000,

p.63-64).

Trata-se da correlação entre os enunciados; a hierarquia da estrutura textual.

b) Formas de coexistência, campo de presença:

Nesse campo de presença, as relações instauradas podem ser da ordem da

verificação experimental, da validação lógica, da repetição pura e simples, da

aceitação justificada pela tradição e pela autoridade, do comentário, da busca de significações ocultas, da análise do erro (FOUCAULT, 2000, p.63-64).

Essas relações podem ser tanto implícitas quanto explícitas. Ele fala também do

domínio da memória, compreendido no campo enunciativo, que se refere aos enunciados que

não se definem mais, não são mais discutidos, nem configuram um domínio de validade.

c) Definir procedimentos de intervenção, que não são os mesmos para todas as

Formações Discursivas, segundo Foucault.

A partir do estabelecimento de relações entre Objetos, Modalidades Enunciativas e

Conceitos que se pretende encontrar a conexão entre as dispersões e regularidades nas

Formações Discursivas sobre a Usina Hidrelétrica Estreito. Apresenta-se a seguir um quadro-

resumo retomando os elementos que compõem essas Formações, conforme a proposta

metodológica em “Arqueologia do saber”, da qual se apropria aqui para construção da análise.

Tabela 1 – Resumo do modelo da Análise: Objetos, Modalidades Enunciativas e Conceitos

ELEMENTO DA FORMAÇÃO DISCURSIVA DESCRIÇÃO-RESUMO

OBJETOS

(o que o define)

Superfície de Emergência (onde surgem os

discursos);

Instâncias de delimitação (quais as áreas que as

qualificam e código usado para pensar o tema)

MODALIDADES ENUNCIATIVAS

(de onde vêm)

Quem fala?

Lugares institucionais;

Posições dos sujeitos.

CONCEITOS

(organização do campo)

Formas de sucessão de argumentação;

Disposição enunciativa; inferências, descrições,

esquemas; narrativas e/ou composição de estruturas

(dramatização);

Presença/Ausências; procedimentos de intervenção.

Fonte: Elaborado pela autora a partir de Foucault (2000).

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Foucault não faz história das idéias nem história das ciências, e sim a análise da

possibilidade da ordem, da positividade histórica, a partir da qual um saber pode se

constituir, a partir do qual teorias e conhecimentos, reflexões e ideias são possíveis.

E é nesse espaço de ordem que o saber se constitui (ARAÚJO, 2007, p. 90).

É da tentativa de reconstruir uma ordem nessas dispersões que constituem o saber

relativo a esse campo complexo, que envolve questões como produção de energia elétrica,

desenvolvimento, sustentabilidade, movimentos sociais, território, meio ambiente, mercado,

Estado, negociações e visibilidade dos sujeitos, que se envereda nesse estudo.

Metodologicamente, o corpus desta pesquisa segue um recorte temporal que

compreende quatro fases do processo da instalação da UHE Estreito:

Fase de Análise 01 – ano de 2008: Quando foram iniciadas as obras civis da

barragem. (No mês de março houve manifestações e invasão ao canteiro de obras);

Fase de Análise 02 – ano de 2010: fase da construção da barragem propriamente

dita, início do enchimento do reservatório e repercussão;

Fase de Análise 03 – ano de 2012: contexto da inauguração da usina;

Fase de Análise 04 – ano de 2013: desdobramentos pós-inauguração usina.

De cada esfera considerada neste estudo, observa-se a construção discursiva a partir de

um corpus: no caso da esfera do Mercado, o site institucional do Ceste; na esfera do Estado: o

site do Ministério de Minas e Energia; na esfera da Sociedade Civil: o site do Movimento dos

Atingidos por Barragens e na esfera da mídia impressa: os jornais “Folha de S. Paulo” e “O

Estado do Maranhão”.

Tabela 2 – Quadro de notícias para seleção e análise

ESFERA MERCADO ESTADO SOCIEDADE

CIVIL MÍDIA IMPRESSA

TOTAL

CORPUS

FASE Site Ceste Site MME Site MAB Folha S.

Paulo

O Estado

do MA

2008 --- 02 --- 09 10

2010 96 04 06 04 28

2012 10 03 02 02 13

2013 35 04 02 -- 13

Total de notícias mapeadas

inicialmente 141 08 10 15 64 244

Total de notícias

analisadas 12 02 10 09 17 50

Fonte: Elaborado pela autora (2015).

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A partir do mapeamento inicial da produção de notícias dos cinco suportes elencados

(que totalizam, a princípio, 244 notícias sobre a UHE Estreito), é feita uma seleção das

publicações (seguindo critérios de categorização temática para se perceber a maior recorrência

em cada tema), chegando-se a um corpus médio de 50 notícias a serem consideradas para as

análises; tendo como objetivo em seguida compreender como são representados os sujeitos do

Mercado, do Estado e da Sociedade Civil a partir de vários pontos de vista e lugares de

enunciação.

Assim, será possível responder aos seguintes questionamentos: que construções

discursivas são feitas sobre o Mercado? (A partir de lugares de fala do Estado, da Sociedade

Civil, da Mídia Impressa e como ele se autorreferencia?) Que construções discursivas são

feitas sobre o Estado? (A partir do Mercado, da Sociedade Civil, da Mídia Impressa e como

ele se autorreferencia?) Que construções discursivas são feitas sobre a Sociedade Civil? (A

partir do Estado, do Mercado, da Mídia Impressa e como ela se autorreferencia?).

Chegar a estas respostas e obter um “quadro espelhado” dessas representações a partir

das visões dos sujeitos das várias esferas envolvidas no processo de construção de hidrelétrica

dará uma noção mais abrangente sobre os processos que compõem as escolhas de temas e de

fontes que são legitimadas no ato discursivo. Possibilitará perceber os sujeitos de fala (quem

tem o direito da fala e quais são os sujeitos enunciados), os lugares de fala, os rituais do lugar

de fala (lugar institucional obtém o seu discurso) e também as formas de interdições e sobre o

que se fala.

Encontrar as Formações Discursivas (Objetos, Conceitos e Modalidades Enunciativas)

dos corpus de cada esfera selecionada nos levará à percepção de como os sujeitos do Estado,

do Mercado e da Sociedade Civil têm visibilidade no debate sobre a UHE Estreito e como se

dá movimento de vozes dos sujeitos participantes desse jogo.

Tabela 3 – Proposta metodológica de análise para esta pesquisa

Fonte: Elaborado pela autora (2015).

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Além das notícias, objetos desta análise, são consultadas, quando necessário, algumas

fontes primárias para subsidiar o estudo, como documentos disponibilizados oficialmente pela

ANEEL, Ibama, Consórcio Estreito Energia, Banco Mundial, Plano Nacional de Energia

2030, Associação Nacional de Atingidos por Barragens; as atas das audiências públicas e das

reuniões dos Comitês de cogestão, o Estudo e Relatório dos Impactos Ambientais

(EIA/RIMA), os programas do Plano Básico Ambiental, Plano de Remanejamento e outros

que se buscou para entender o aparato legal que antecede os discursos sobre a Usina.

Na estruturação deste estudo optou-se por construir cada capítulo abarcando tanto

discussões teóricas quanto análises de cada corpus desenhado. E, como já apontado, dada à

complexidade de subtemáticas que o assunto da construção das hidrelétricas sugere, necessita-

se recorrer a referenciais teóricos multidisciplinares para melhor compreender os cenários e

contextos de onde emergem os discursos que serão analisados.

Assim, este estudo está organizado em três capítulos de problematizações e análises. O

capítulo 1 “A discussão sobre Usinas Hidrelétricas e a Usina Hidrelétrica Estreito: O Mercado

e o Estado” faz a contextualização da construção de hidrelétricas (os processos e conjunturas

históricas no país desde o regime militar até os dias de hoje, com as obras do Programa de

Aceleração do Crescimento) para se compreender parte desse “feixe de relações” que

delimitam a prática. Traça um panorama da produção energética no país. Discute algumas

concepções sobre desenvolvimento, desenvolvimento sustentável, território e sistemas de

ideias que sustentam os discursos sobre a construção de hidrelétricas e baliza, a partir daí,

uma correlação entre concepções sobre desenvolvimento/crescimento/liberdades que definem

diversas questões quando se pensa a construção de grandes empreendimentos. Apresenta a

Usina Hidrelétrica Estreito e detalha os segmentos inerentes à Usina (O Estado; O mercado; a

Sociedade Civil); evidencia as multinacionais que compõem o Ceste, os documentos, a

legislação, os Estudos de Impactos Ambientais e as ferramentas institucionais (explica como

funciona o jogo). Discute a esfera do mercado e contempla a análise das notícias do site

institucional do Ceste. Aborda também o papel do Estado na construção de usinas

hidrelétricas, assim como a análise do site do Ministério de Minas e Energia. Tenta-se

desvendar nesse capítulo a partir de que lugar (institucional e histórico) e quais procedimentos

institucionais (legislação e documentos) compõem as formações do Mercado e do Estado.

O capítulo 2 “Os sujeitos na esfera da sociedade civil” aborda a esfera da sociedade

civil e a atuação de movimentos sociais, como o Movimento dos Atingidos por Barragens

(MAB). Também discute as ferramentas de debate e participação da sociedade civil nos

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processos de tomada de decisão nos cenários de instalação de hidrelétricas e são analisadas as

Formações Discursivas do site do Movimento dos Atingidos por Barragens.

O capítulo 3 “O Debate público sobre a UHE Estreito: Os sujeitos na esfera

midiática”, além de discutir algumas especificidades sobre o campo da comunicação, da

esfera midiática e sobre o papel da mídia, traz a análise dos jornais impressos Jornal O Estado

(MA) e Folha de S. Paulo para compreender como os sujeitos do Mercado, do Estado e da

sociedade civil têm visibilidade na esfera que seria articuladora desses diversos discursos e

sujeitos e como se dão esse movimento de vozes no debate em questão.

Ao final da tessitura desses três capítulos de discussões e análises pretende-se

recompor esse prisma de dispersões e compreender o debate sobre a Usina Hidrelétrica

Estreito em sua pluralidade de visões, aspectos e condições de existência discursiva.

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1 A DISCUSSÃO SOBRE USINAS HIDRELÉTRICAS E A UHE ESTREITO: O

Mercado e o Estado

Inaugurar, aqui, essa Usina de Estreito eu acho que para mim, hoje, é um momento

especial porque nós estamos, na verdade, comemorando anos a fio de determinação,

trabalho, empenho e teimosia. Porque tem muito de teimosia para fazer essa usina,

considerando todos os problemas de ordem institucional, regulatória e de

equacionamento econômico-financeiro. Estreito, como foi recordado aqui, faz parte

de um determinado momento na vida do país que houve uma série de obstáculos à

construção de usinas de uma forma, eu diria assim, mais ágil. Mas eu queria saudar aqui os empreendedores, porque essa usina ela foi feita pelo empenho desses

empreendedores e disso eu sou testemunha (Discurso da Presidenta Dilma Rousseff

durante a inauguração da UHE Estreito, em 17 de outubro de 2012).

Inicia-se esse trabalho com a fala da Presidenta Dilma Rousseff durante a cerimônia

de inauguração da UHE Estreito, quatro anos após o início das obras, quando ela destaca, em

seu discurso, a teimosia para se construir uma usina como a de Estreito. Ela aponta como

exemplos entraves de ordem institucional, regulatório e de equacionamento econômico-

financeiro. Aqui se interpreta também essa teimosia como um atributo exigido aos sujeitos

que se enfrentam em um campo de poder (BOURDIEU, 1998), de negociações, de ações

estratégicas, de táticas de resistência, de conflitos, negociações e tomadas de decisões, como o

que se configura quando se fala de implantação de usinas hidrelétricas.

A Usina Hidrelétrica sobre a qual esta pesquisa se debruça é a UHE Estreito,

construída no rio Tocantins, nos municípios de Aguiarnópolis – TO e Estreito – MA, com

potência instalada de 1.087.000 kW. Durante o processo de instalação, iniciado em 2008 até

sua inauguração, em 2012, e após o seu pleno funcionamento nos anos conseguintes, o

contexto da usina foi palco de tensões entre os diferentes sujeitos, em um processo que

perpassa também pela esfera pública da visibilidade.

Como esta pesquisa tem como objetivo norteador compreender como são

representados os atores sociais do Mercado, do Estado e da Sociedade Civil a partir de vários

pontos de vista e lugares de fala, parte-se de uma noção de que “o ato humano primordial e

especificamente humano deve, ao mesmo tempo, conter resposta à pergunta que se faz a todo

recém-chegado: ‘quem és?’” (ARENDT, 2007, p.191); leva-se, então, em consideração aqui

os discursos que constituem esses sujeitos.

Neste capítulo busca-se observar as esferas do Mercado e do Estado para começar a se

compreender as diversas instâncias que compõem o prisma da UHE Estreito. A esfera do

Mercado é formada, sobretudo, pelos empreendedores, também saudados do discurso de

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inauguração da Usina pela Presidenta; e a do Estado, pelos órgãos responsáveis pelo

planejamento, autorização e fiscalização da produção e distribuição de energia no país.

Pretende-se descobrir como são formados os Conceitos, Objetos e Modalidades

Enunciativas nos discursos do Mercado e do Estado, (seguindo-se proposta metodológica

baseada nos estudos de Foucault), por meio da análise do corpus dos sites do Ceste e do

Ministério de Minas e Energia. Inicia-se, então, esta investigação a partir do olhar do aparato

institucional que rege a Usina para se entender esse debate entre diferentes vozes.

Antes de apresentar adiante mais detalhadamente o processo de instalação deste

empreendimento e suas nuances, assim como discutir neste capítulo as duas esferas (Mercado

e Estado), é oportuno fazer um breve panorama da produção energética do país hoje e retomar

um histórico da construção de barragens no Brasil para se compreender parte desse “feixe de

relações” de onde emergem esses discursos.

1.1 Um panorama da produção energética no Brasil

A capacidade de geração energética do país se apresenta hoje também como uma

moeda em termos de potencial econômico, de produzir e gerar insumos, de movimentar

indústrias e o comércio de bens e serviços.

De acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL (2015) há

investimentos na utilização das seguintes fontes de energia exploradas no Brasil: eólica, que

utiliza a força dos ventos para acionar uma usina elétrica; fotovoltaica, que utiliza a energia

recebida diretamente do Sol; hidrelétrica, que utiliza a energia hidráulica (dos rios) na

geração de energia elétrica; maré, que utiliza a energia obtida pela cinética das ondas do mar

e termelétrica, que utiliza a energia obtida pela combustão de combustível fóssil, biomassa

ou pela energia térmica liberada em reações nucleares. A fonte de energia mais utilizada

(ANEEL, 2015) é a hídrica, com 1159 empreendimentos em operação e que correspondem a

66,56% do total da potência produzida no país.

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Gráfico 1 – Fontes de energia em Operação, em Construção e ainda não-iniciadas

Fonte: ANEEL (2015).

Traçando-se um panorama dessa capacidade de geração do Brasil de acordo com

dados da ANEEL (de janeiro de 2015) tem-se um cenário em que o país possui um total de

3.600 empreendimentos em operação, totalizando 134.012.522 kW de potência instalada. A

Agência contabiliza ainda 210 empreendimentos em construção e mais 573 empreendimentos

com construção não iniciada, previstos para os próximos anos, que juntos devem adicionar

uma capacidade 36.752.425 kW de geração no país.

Tabela 4 – Empreendimentos em Operação em 2015 no país

Empreendimentos em Operação

Tipo Quantidade Potência Outorgada

(kW)

Potência Fiscalizada

(kW)

%

Central Geradora Hidrelétrica 486 302.528 304.164 0,23

Central Geradora Eólica 232 5.065.125 4.980.689 3,72

Pequena Central Hidrelétrica 472 4.774.642 4.751.509 3,55

Central Geradora Solar Fotovoltaica 317 19.179 15.179 0,01

Usina Hidrelétrica 201 87.308.965 84.169.838 62,81

Usina Termelétrica 1.890 39.343.950 37.801.143 28,21

Usina Termonuclear 2 1.990.000 1.990.000 1,48

Total 3.600 138.804.389 134.012.522 100

Fonte: ANEEL (2015).

Na tabela seguinte são apresentados os empreendimentos atualmente em construção no

país1.

1 Obs.: Os valores de porcentagem que a Aneel trabalha são referentes à Potência Fiscalizada. A Potência

Outorgada é igual à considerada no Ato de Outorga. A Potência Fiscalizada é igual à considerada a partir da

operação comercial da primeira unidade geradora.

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Tabela 5 – Empreendimentos em Construção em 2015 no país

Empreendimentos em Construção

Tipo Quantidade Potência Outorgada (kW) %

Central Geradora Hidrelétrica 1 848 0

Central Geradora Eólica 128 3.401.386 15,17

Pequena Central Hidrelétrica 40 444.539 1,98

Usina Hidrelétrica 11 15.269.142 68,08

Usina Termelétrica 29 1.960.715 8,74

Usina Termonuclear 1 1.350.000 6,02

Total 210 22.426.630 100

Fonte: ANEEL (2015).

De acordo com o Relatório de Fiscalização da ANEEL que apresenta a atualização do

Parque Gerador do Brasil até o dia 31 de dezembro de 2014, a capacidade instalada no Brasil,

em 2014, chegou a 133,9 mil megawatts (MW) provenientes de 202 Usinas Hidrelétricas,

1935 termelétricas, 228 eólicas, 02 usinas nucleares, 487 Pequenas Centrais Hidrelétricas, 497

Centrais Geradoras Hidrelétricas e 311 usinas solares. A maior potência é proveniente de

usinas hidrelétricas (62,80%), seguida de termelétricas, com 28,25%, e das Pequenas

Centrais Hidrelétricas, com 3,58%. Compõem ainda a matriz 1,49% de potência de usinas

nucleares, 3,65% de eólicas, 0,23% das centrais geradoras e a menor porcentagem (0,01%) é

proveniente de geradora solar fotovoltaica. Esse tipo de energia solar, também considerada

alternativa, além de representar a menor porcentagem de fonte utilizada atualmente também

não consta no quesito de quantidade de empreendimentos atualmente em construção no país.

No entanto, outra fonte de energia também renovável, a eólica, apesar da baixa potência

utilizada atualmente (3,72%), apresenta 128 empreendimentos em construção, prevendo uma

potência de 15,17%, a segunda após a hidrelétrica no quadro de empreendimentos em

construção.

Da capacidade instalada total do país até 2014, 84 mil MW são de hidrelétricas, 4,7

mil MW são de pequenas centrais hidrelétricas (PCH), 4,8 mil MW de eólicas e 37,8 mil MW

de termelétricas. Esse cenário permite compreender com mais clareza numérica o quanto a

energia hídrica, em especial a hidrelétrica, vem sendo a mais utilizada e considerada mais

viável em termos de volume produção de energia gerada a partir do número de

empreendimentos operados.

Compreender como o Brasil deu um salto de uma potência instalada por usinas

hidrelétricas de 13.274 MW no ano de 1974 para os atuais 84 mil MW em 2014 requer

recorrer a um breve histórico da construção de barragens nesses últimos 40 anos.

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1.1.1 Um breve histórico

As primeiras instalações hidrelétricas no país já datam de 1884, com a Usina Ribeirão

do Inferno, localizada em Diamantina – Minas Gerais. Mas foi no século seguinte, a partir dos

anos 1950, que a construção de usinas hidrelétricas começou a se tornar tendência frente à

promessa do potencial desenvolvimento industrial e econômico, período em que o país

também começava a abrir as portas para o capital estrangeiro.

Durante o regime militar, principalmente nos anos 1970, o Brasil começou a vivenciar

a construção de grandes projetos hidrelétricos. Nesse período, não coincidentemente,

começaram a se fortalecer no país as doutrinas da Escola Superior de Guerra (ESG), que

definiam, em seu manual, diretrizes para uma visão de segurança nacional integrada ao

desenvolvimento econômico, especificando ações contra-ofensivas de controle e proteção,

que perpassavam também por uma estratégia econômica (ALVES, 2005).

Em termos da defesa global do continente e do país, no contexto da estratégia de

defesa ocidental, o desenvolvimento econômico e infra-estrutural do Brasil é

essencial para compensar a extrema vulnerabilidade de seus amplos espaços vazios.

Golbery denomina as extensões de terras inaproveitadas e despovoadas de ‘vias de penetração’ que devem ser eficazmente ‘tamponadas’. A política econômica que

defende, assim, não se destina a obter o apoio da população, mas a integrar o

território nacional (ALVES, 2005, p. 57).

Nesta perspectiva, as práticas do regime militar estavam preocupadas com uma

ocupação territorial de proteção de fronteiras geográficas e também com um modelo de

desenvolvimento capitalista que reforçasse o potencial produtivo do país e o tornasse atraente

para o investimento multinacional e também garantisse o apoio da população (embora a

melhoria do padrão de vida não fosse prioridade). As usinas hidrelétricas compunham

também parte dessas práticas, que envolviam questões territoriais e econômicas e alçavam o

país a um caráter competitivo do ponto de vista estrategicamente militar.

Encabeçando essa lista de grandes empreendimentos daquele período situa-se a UHE

Sobradinho, construída em 1977, no Rio São Francisco, no estado da Bahia, com um lago

artificial de 4.214Km2, com capacidade para 37,5 bilhões m

3, que encobriu quatro cidades e

desalojou cerca de 70 mil famílias. Na mesma ocasião em que começou a ser construída a

segunda maior usina do mundo, a binacional Itaipu, cuja construção durou de 1973 a 1984, no

Rio Paraná, pertencendo ao Brasil e Paraguai, cujo processo de instalação desapropriou mais

de 40 mil famílias. Registra-se ainda, nesse período, a construção das usinas de Tucuruí (de

1976 a 1984), de Balbina (1985 a 1989) e de Samuel (1982 a 1996), as três integrantes do

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bioma Amazônico e que também suscitam até hoje o amplo debate sobre o cumprimento da

legislação ambiental.

Um documento elaborado pelo Banco Mundial, intitulado “Licenciamento Ambiental

de Empreendimentos Hidrelétricos no Brasil: Uma Contribuição para o Debate” (2008),

reconhece a total falta de participação da população atingida na tomada das decisões no

processo de instalação de usinas durante o regime militar.

No período pós-64, com a ausência de participação da sociedade civil nas decisões e

com o monopólio estatal do setor elétrico, os atores locais ficavam completamente

isolados e vulneráveis às decisões tomadas pelas empresas do setor. Essas, por sua

vez, ignoravam os direitos das comunidades locais impactadas pelas hidrelétricas e,

acreditando defender um interesse social maior da sociedade brasileira, implantavam

as usinas ao menor custo possível. O benefício refletia-se em tarifas menores, mas

com altos custos sociais e ambientais locais que se estendiam a longo prazo (BANCO MUNDIAL, 2008, p. 14).

Por outro lado, o documento reconhece um avanço após o período de

redemocratização do país, com a adoção da Constituição Federal de 1988 e as consequentes

radicais mudanças que ocorreram no setor elétrico “As comunidades locais, com ampla

capacidade de mobilização e frequentemente apoiadas por ONGs e, via de regra, ainda

respaldadas pelas ações do Ministério Público (MP), têm hoje um grande poder de negociação

no âmbito das concessionárias do setor elétrico, garantindo seus legítimos direitos” (BANCO

MUNDIAL, 2008, p. 14). É interessante, no entanto, ponderar sobre esse “grande poder

negociação” sobre a qual o texto se refere.

Paralelo às mudanças políticas, ambientais, sociais e econômicas que ocorriam

naquela época, a discussão sobre usinas hidrelétricas ganhou lugar em um segmento da

grande mídia com a telenovela da emissora Globo, chamada “Fogo sobre Terra”, da autora

Janete Clair. Indo ao ar em 1975, a novela abordava em seu enredo a questão das barragens,

mostrando o conflito do sertanejo que vivia naquela terra e se recusava a deixar a cidade, em

oposição aos que defendiam a construção da barragem em nome do progresso. Ao final da

trama, a barragem é inaugurada e as águas engolem a cidade. A personagem Índia Nara, tida

como louca, preferiu morrer submersa sob as águas da barragem, em um protesto silencioso.

O protagonista, Pedro, que também tinha o desejo de permanecer na cidade até a morte, foi

convencido pela sua mulher grávida a deixar a localidade e seguir em frente por amor ao seu

filho que iria nascer. O dilema presente versus futuro, atraso versus progresso, impactos

versus preservação estava posto também na obra ficcional no final da década de 1970 e

suscitava, àquela época, o debate na sociedade sobre as barragens.

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De acordo com o Plano Nacional de Energia 2030 (2007), elaborado pelo Ministério

de Minas e Energia, a estrutura de consumo de energia no país sofreu significativas variações

entre 1970 e 2004; citando-se principalmente os processos de industrialização e urbanização,

os ciclos de crescimento e os períodos de estagnação econômica, o que provocou alterações

no consumo e nas participações relativas dos energéticos no consumo final.

O processo de industrialização levou à necessidade de aumento da oferta interna de

energia, e justifica também o aumento da dependência externa de energia de 1972 a

1980, até que houvesse tempo para expansão da capacidade instalada nacional,

quanto o forte crescimento da produção de energia primária entre 1979 e 1985. Esse crescimento é mais acentuado nas fontes não renováveis em função do consumo de

derivados de petróleo na indústria (BRASIL, 2007, p. 163).

A legislação no setor elétrico passou por algumas reformulações nas décadas de 1990

e 2000, principalmente por permitir investimentos do capital privado no setor, o que antes era

mérito somente das estatais. Podendo-se citar como preponderante nessas mudanças a Lei

9.074/95, que estabeleceu normas para outorga das concessões e permissões de serviços

públicos, incluindo os serviços de aproveitamento energético e a exigência de licitação para

linhas de transmissão de energia, e o decreto Nº 2003/96, que regulamentou a produção de

energia elétrica por produtor independente e autoprodutor.

No entanto, mesmo com abertura para o capital privado investir na geração de energia,

o país viveu algumas crises energéticas, como as de 1999, 2001, 2002, 2009, com “apagões” -

termo alcunhado pela mídia em 1999 (que designa frequentes interrupções ou falta de energia

elétrica), quando dez estados e o Distrito Federal ficaram cerca de quatro horas no escuro. O

Brasil passou por um período de racionamento de energia, mesmo com diversos

empreendimentos hidrelétricos licitados e concedidos; a demora em obter a Licença

Ambiental era tida como o principal motivo de atraso da operação das hidrelétricas.

Em 2004, foram promulgadas as leis 10.847/2004 e 10.848/2004, que implicavam

diretamente em mudanças sobre o licenciamento dos empreendimentos hidrelétricos. A lei

10.847 criava a Empresa de Pesquisa Energética – EPE, que, dentre outras atribuições, ficava

incumbida da realização da avaliação ambiental integrada do conjunto dos empreendimentos

hidrelétricos previstos; a lei 10.848/2004, que dispunha sobre as novas regras para a

comercialização de energia elétrica, incluindo a prerrogativa de empreendimentos

hidrelétricos só poderem ir a leilão depois de obtida a Licença Prévia – LP. A discussão sobre

o papel do Estado e a influência direta sobre as usinas hidrelétricas será retomada mais

adiante.

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Percebe-se neste estudo que discutir sobre a construção de grandes empreendimentos

implica também em refletir sobre modelos e concepções de desenvolvimento, como também

um contrapeso com os possíveis impactos de diversas ordens e efeitos colaterais dessas

condutas; cabe, portanto, recorrer a algumas noções sobre o conceito de desenvolvimento e

também ao (muitas vezes banalizado ou distorcido) “desenvolvimento sustentável”.

1.2 Noções sobre desenvolvimento e desenvolvimento sustentável

A visão de mundo da nossa época atual é construída sob uma perspectiva de que o

homem é um grande transformador do mundo, como já descrevia Celso Furtado, em 1974.

O economista José Eli da Veiga, na obra “Desenvolvimento sustentável - o desafio do

século XXI” (2010), traça alguns apontamentos e questionamentos para tentar desvendar os

enigmas: como pode ser entendido e mensurado o desenvolvimento? E como pode ser

entendida e mensurada a sustentabilidade? Para delinear algumas respostas, o autor já

renuncia à opção de conceber desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico e

recusa a consequente forma de mensuração por meio de indicadores tradicionais, como o

Produto Interno Bruto (PIB) e a renda per capita.

Outra concepção, bem pessimista, que Veiga (2010) aponta é de que desenvolvimento

não passa de uma quimera, de uma ilusão, de uma manipulação ideológica criada a partir do

período pós Guerra Fria, em que grandes potências como os EUA tratariam de desenvolver os

países mais pobres. “Elaborada por técnicos do MIT (Massachusetts Institute of Technology),

propunha-se a desenvolver e modernizar (os dois termos equivaliam-se) as sociedades

‘tradicionais’ ou ‘atrasadas’, de forma a construir uma ‘sociedade internacional aberta’, sob a

hegemonia norte-americana” (HERCULANO, 1992, p.20). Para autores como Giovanni

Arrighi (1997), é irrisória a parcela de países periféricos e pobres que saem dessa condição e

passam para o “pequeno núcleo orgânico” no centro do mundo. Josué de Castro (1971)

defende a tese de que o mundo sempre viveu sob mitos ou ideias-forças e que o grande mito

do século XX seria o do desenvolvimento.

Para Rivero (2002) e Veiga (2010) nessa visão de desenvolvimento como mito são

ignorados os processos qualitativos histórico-culturais.

Confundem crescimento econômico com o desenvolvimento de uma modernidade

capitalista que não existe nos países pobres. Com tal perspectiva, eles só percebem fenômenos econômicos secundários, como o crescimento do PIB, o comportamento

das exportações, e ou a evolução do mercado acionário, mas não reparam nas

profundas disfunções qualitativas, estruturais, culturais, sociais e ecológicas que

prenunciam inviabilidade dos ‘quase-Estados-nação subdesenvolvidos’ (VEIGA,

2010, p. 23).

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Veiga (2010) propõe, então, pensar o desenvolvimento sob uma terceira via, entre

essas duas visões: a que reduz desenvolvimento a apenas crescimento e a que o considera

inexequível. Nessa terceira perspectiva, também defendida por Amartya Sen (1999), a

liberdade é o principal fim e meio do desenvolvimento. Liberdade de escolhas, de

oportunidades para as pessoas, inclusive de viver longamente. As principais fontes de

privação dessa liberdade seriam “pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e

destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência

de Estados repressivos” (VEIGA, 2010, p. 34). Essa é uma ideia tanto política quanto

econômica, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2004), que leva

em conta desde a proteção dos direitos humanos até o aprofundamento da democracia.

Embora reconheça que o crescimento é um fator importante para o desenvolvimento,

Veiga (2010) considera crescimento como uma mudança quantitativa, enquanto o

desenvolvimento seria uma mudança qualitativa. Celso Furtado (2004) sintetiza o pensamento

de que deve haver um projeto social subjacente ao desenvolvimento. “Dispor de recursos para

investir está longe de ser condição suficiente para preparar um melhor futuro para a massa da

população. Mas quando o projeto social prioriza efetiva melhoria das condições de vida dessa

população, o crescimento se metamorfoseia em desenvolvimento” (FURTADO, 2004, p.484).

Existem díspares conceitos e correntes de pensamento sobre o desenvolvimento. É um

tema complexo e alvo de discussões em diferentes áreas do conhecimento. Não se pretende

aqui, obviamente, esgotar o tema ou tratá-lo em toda sua amplitude, mas levantar essas

concepções é importante para uma investigação acerca da instalação de usinas hidrelétricas,

permitindo perceber que somente a possibilidade da construção de um grande

empreendimento, influenciando o crescimento econômico do país e viabilizando sua

industrialização não se traduz literalmente em alcançar o desenvolvimento. Os processos

precisam considerar todos os atores sociais envolvidos e primar também pela liberdade destes.

É necessário aliar um projeto social à mola propulsora do crescimento econômico.

Após a época de ouro dos anos 1950 e 1960, de vertiginoso crescimento em quase

todo o mundo, começou-se a discutir, principalmente pelos movimentos ambientalistas, sobre

os limites dos recursos naturais.

Veiga (2010) apresenta algumas vertentes de pensamento sobre a sustentabilidade.

Uma delas, concebida por parte dos economistas, de que não exista um dilema entre

conservação ambiental e crescimento econômico. Seguindo o mesmo raciocínio de que é

necessário “esperar o bolo crescer para depois partir” países têm que crescer primeiro para

depois distribuir a renda; no trato ao meio ambiente, esses países passariam por uma curva

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(conhecida como curva ambiental de Kuznets ou “U” invertido) – enquanto estivessem

crescendo degradariam o meio ambiente, quando alcançassem o topo dessa curva (e uma

renda per capita de $8 mil dólares), agiriam em tendência inversa, deixariam de degradar e

passariam a proteger o meio ambiente.

Outra corrente, defendida por pesquisadores como Herman E. Daly, traz conceitos da

Engenharia mecânica para a Economia, como a Lei da Entropia, em que se defende a ideia de

uma “condição estacionária”, na qual a economia teria uma melhora qualitativa, sem um

crescimento quantitativo; isso implicaria, por exemplo, a substituição de fontes de energia

finitas, como o petróleo, por fontes renováveis e alternativas.

A noção de sustentabilidade, antes especificamente das engenharias de pesca e

florestal - que se referia à capacidade de capital natural que se poderia utilizar sem causar

prejuízos futuros, começou a ser usada em termos mais abrangentes no final dos anos 1970. A

expressão “desenvolvimento sustentável”, como um conceito amplo para o progresso

econômico e social passou a ser aceita em conferências internacionais de meio ambiente,

sendo consagrada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento, a “Rio 92”.

Ignacy Sachs (2004), que estuda o tema desde a Conferência de Estocolmo (1979)

(quando o termo desenvolvimento sustentável começou a ser defendido), propõe também um

caminho do meio, “que evita simultaneamente o ambientalismo pueril, que pouco se preocupa

com pobreza e desigualdades, e o desenvolvimento anacrônico, que pouco se preocupa com

gerações futuras” (VEIGA, 2010, p.171).

Em vinte anos, desde a “Rio 92”, Sachs faz uma análise de que pouco se alterou na

abordagem que harmoniza os objetivos sociais, ambientais e econômicos do

“desenvolvimento sustentável” (antes chamado de “ecodesenvolvimento”). Segundo ele,

continuam válidas as oito dimensões que devem ser consideradas: social, cultural, ecológica,

ambiental, territorial, econômica, política nacional e política internacional. Não à toa, quando

se fala sobre a construção de barragens, essas oito dimensões constituem o cerne das

principais discussões e também de um não consenso por parte dos atores envolvidos.

Na tentativa de conciliar as temáticas do crescimento econômico com a do meio

ambiente, Sunkel (2001) e Veiga (2010) apontam que é fundamental relacionar conhecimento

nos três âmbitos: a) o dos comportamentos humanos, econômicos e sociais - objeto da teoria

econômica e das demais ciências; b) o da evolução da natureza - objeto das ciências

biológicas, físicas e químicas; c) o da configuração social do território - objeto da geografia

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humana, das ciências regionais e da organização do espaço. Uma ideia, portanto, que exige

uma interdisciplinaridade para ser assentida.

José Eli Veiga (2010, p. 192) após analisar várias teses sobre o desenvolvimento e

sobre sustentabilidade faz um questionamento: “Quais as razões que nos levam a julgar

necessária essa qualificação do desenvolvimento? Trata-se simplesmente de um

aperfeiçoamento da noção de desenvolvimento ou, ao contrário, estaríamos reconhecendo a

necessidade de sua negação/ superação?”. E mais à frente faz outra pergunta, inquerindo se a

noção de desenvolvimento sustentável não aponta para o surgimento de uma nova utopia. Um

caminho que Hobsbawm (1995) indica é de que deveria se chegar a um equilíbrio entre

humanidade e recursos renováveis, mas segundo ele mesmo reconhece, esse equilíbrio é

incompatível numa economia mundial baseada num mercado livre global e busca ilimitada

pelo lucro (embora o futuro não-capitalista que o autor defenda não se confunda com uma

utopia socialista).

Após discorrer sobre esses conceitos, nota-se que a ideia de desenvolvimento

sustentável parece se encaixar nas conferências internacionais sobre meio ambiente, mas que

ainda é uma ideia de difícil concretização. A busca por esse equilíbrio talvez seja o resultado

mais próximo que se almeja como fruto das negociações, aprimoramento, cumprimento e

fiscalização das legislações, exigências e acordos entre o Estado, a sociedade civil,

movimentos sociais e os empreendedores de barragens, no caso desta problemática. Como

esses processos ocorrem na prática depende, em certa medida, também de como cada ator

social e sujeito dessas esferas exerce seu papel, embora se reconheça que apresentem pesos

desiguais nas arenas de tomadas de decisões.

1.3 A Usina Hidrelétrica Estreito

Apresenta-se agora, objeto de disputa de diversos grupos e atores sociais, a UHE

Estreito, que foi construída utilizando o potencial do caudaloso rio Tocantins, este formado a

partir da confluência dos rios Paranã, das Almas e Maranhão, cujas nascentes localizam-se

nas serras do Paranã e dos Pirineus, no estado de Goiás, com altitudes médias de 1.100 m. O

Rio Tocantins apresenta uma extensão total de 2.400 km e deságua na Baía de Marajó-PA.

Além da UHE Estreito, o rio Tocantins abriga as usinas de Cana Brava (Minaçu - GO), Serra

da Mesa (Alto Tocantins - GO), São Salvador (São Salvador do Tocantins e Paranã-TO), Luiz

Eduardo Magalhães (Miracema do Tocantins e Lajeado-TO) e Usina Hidrelétrica de Tucuruí

(PA).

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Figura 1 – Localização da UHE Estreito

Fonte: www.uhe-estreito.com.br.

Situada nos Municípios de Estreito (MA) e de Aguiarnópolis e Palmeiras do Tocantins

(TO), a UHE Estreito está localizada a 766 km da capital do estado do Maranhão, São Luís, e

a 513 km da capital do estado do Tocantins, Palmas. Com um reservatório de 400 km² de

áreas inundadas, foram considerados atingidos diretamente os 12 municípios: Estreito e

Carolina (no Maranhão) e Aguiarnópolis, Babaçulândia, Barra do Ouro, Darcinópolis,

Filadélfia, Goiatins, Itapiratins, Palmeirante, Palmeiras do Tocantins e Tupiratins (no

Tocantins). A energia gerada pela UHE Estreito é distribuída por todo o território brasileiro,

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pois integra o Sistema Interligado Nacional (SIN), sistema operado pelo Operador Nacional

do Sistema Elétrico (ONS). A tabela abaixo apresenta outros dados técnicos referentes ao

projeto da usina.

Tabela 6 – Dados Técnicos UHE Estreito

Dados Técnicos Reservatório

Extensão: 260,23 km

Capacidade: 5.400 x 106 m³

Áreas inundadas: 400 km²

Barragem Tipo de estrutura / Material: Terra / Enrocamento

Comprimento total da crista: 534,13 m

Altura máxima: 57 m

Comprimento da barragem (sem vertedouro e casa de força): 480 m

Elevação da crista da barragem: 159,0 m

Sistema extravasor Tipo: Vertedouro de superfície

Vazão de projeto: 62.719 m³/s

Número de vãos: 14 Comportas: tipo segmento

Largura das comportas: 19,10 m

Altura das comportas: 22,50 m

Sistema Adutor Tomada de água: tipo gravidade

Comportas: tipo ensecadeira

Largura das comportas: 7,70 m

Altura das comportas: 16,30 m

Energia Potência da usina: 1.087 MW

Energia Firme: 584,9 MW médios

Queda bruta máxima: 22 m

Fonte: www.uhe-estreito.com.br.

Recorrendo-se ao histórico da UHE Estreito, tem-se que, de acordo com o Ministério

de Minas e Energia, ela foi relacionada como um empreendimento de geração de energia

elétrica necessário para atender ao aumento da demanda nacional já no final da década de

1990, no Plano Decenal de Expansão da oferta de energia elétrica (2000/2009).

Em julho de 2002, as empresas Suez Energy South America Participações Ltda., BHP

Billiton Metais, Vale, Alcoa Alumínio S.A. e Camargo Corrêa Energia venceram o leilão

promovido pela Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL para a implantação da Usina

Hidrelétrica Estreito. No mesmo período, foi iniciado o Programa de Comunicação Social do

Consórcio junto às comunidades da área de influência da UHE Estreito. (As ações incluíam a

criação de Centros de Informação, a divulgação de ações em rádios e TVs regionais, a

distribuição de material impresso sobre o empreendimento e a realização de reuniões com a

comunidade e suas associações organizadas). Ainda em 2002, foi realizada a primeira rodada

de audiências públicas nas Cidades de Carolina e Estreito, no Maranhão, e Babaçulândia,

Filadélfia e Aguiarnópolis, no Tocantins; realizadas novamente no ano de 2005.

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Entre 2005 e 2006, o Ibama emitiu, respectivamente, a Licença Ambiental Prévia -

atestando a viabilidade técnica e ambiental da UHE Estreito - e a Licença de Instalação,

autorizando o início da construção da Usina. Em 2008, principiaram as obras da construção

civil. O rio Tocantins começou a ser desviado em 2009; em 2010 o Ibama emitiu a Licença de

Operação, autorizando o enchimento do reservatório da UHE Estreito, e no mês de novembro

o então presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, acionou o fechamento da primeira

comporta do vertedouro, simbolizando o marco inicial do enchimento do reservatório. A

UHE Estreito foi inaugurada em outubro de 2012, quando a presidenta da República, Dilma

Rousseff, acionou simbolicamente a oitava unidade geradora. Assim, a Usina passou a

oferecer sua capacidade total de 1.087 MW de energia.

Essas balizas oficiais das fases da Usina foram permeadas de conflitos e paralisações

das obras. O Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do empreendimento

foram diversas vezes questionados pelos movimentos sociais, indígenas, sem-terra e

ribeirinhos, pelo Ministério Público Federal e pela Justiça Federal, por considerarem ausência

das áreas indígenas nos estudos, entendendo que seriam atingidas as Terras Indígenas Apinajé

e Kraó, no Tocantins, e Krikati e Gavião, no Maranhão2. Foram recorrentes também invasões

ao canteiro obras da Usina, como a dos manifestantes do Movimento dos Atingidos por

Barragens (MAB) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), acampando

nas obras da barragem em março de 2008.

Por outro lado, de acordo com dados do Ceste (2015), a UHE Estreito repassou aos

municípios atingidos, durante o período de junho de 2011 a junho de 2015, um total de R$

94.304.397,95, como pagamento da Compensação Financeira pela Utilização de Recursos

Hídricos (CFURH) (popularmente chamada de royalties). O valor é repassado mensalmente

pela Usina, aos estados do Tocantins, Maranhão e Goiás, além de órgãos do Governo Federal

em decorrência do uso da água para a geração de energia, como forma de compensar pelo uso

das terras dos municípios da região.

1.3.1 A Legislação

Empreendimentos que apresentem natureza de potencial dano, poluição ou degradação

do meio ambiente devem atender a legislações ambientais específicas para que suas

2 Almeida (2007) faz uma análise etnográfica do conflito socioambiental envolvendo Terras Indígenas e o

Licenciamento Ambiental da UHE Estreito.

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instalações sejam autorizadas pelos órgãos responsáveis. Faz-se pertinente conhecer essa

legislação no caso de usinas hidrelétricas e como funcionam os mecanismos legais que

definem os impactos ambientais, as compensações que devem ser executadas pelo

empreendimento, assim como as que definem quem é o atingido, as alternativas apresentadas

às famílias e as ferramentas legais de negociação entre as partes.

Para que sejam emitidas licenças ambientais e a permissão para construir usinas

hidrelétricas é necessária a realização do chamado Estudo de Impactos Ambientais (EIA). No

caso da UHE Estreito, o EIA foi realizado em 2001, pela empresa CNEC Engenharia como

condição para emissão da Licença Prévia pelo Ibama3. Esse estudo relata, no quesito

“impactos socioambientais”, que a UHE Estreito resultaria num saldo inicial de 5.937

habitantes atingidos, compreendidos em 268 famílias da zona urbana e 1.019 famílias da zona

rural. Registra, também, impactos sobre 301 imóveis urbanos atingidos e 909 imóveis rurais.

O Estudo reconhece e avalia os impactos ambientais e sociais para a região: “A intervenção

sobre o espaço físico para implantar a UHE Estreito (TO/MA) atinge também o espaço social

constituído, provocando, de modo considerável, alterações no cotidiano da população

residente nas proximidades do empreendimento” (CNEC, 2001, p.67).

O EIA aponta as principais tendências da mudança social decorrente da implantação

do empreendimento, evidenciando, principalmente, os processos sociais que atingem as

populações rural (ribeirinha e ilhéus) e urbana, que se encontram na área a ser afetada pelo

reservatório e afirma que o meio socioeconômico é o que abarca os impactos mais

representativos das alternativas de barramento do empreendimento, classificado em quatro

diferentes grupos:

Econômico (a base econômica efetiva e potencial da área estudada): potencial dos

recursos naturais e potenciais áreas de lavouras; Social (as populações urbana e rural

afetadas): integração à vida social, alterações no nível de emprego, na posse dos

meios de produção e trabalho e interferências culturais; Regional (quilometragem de

estradas): Infra-estrutura de articulação produtiva e social da região; e institucional

(divisão político-territorial): municípios atingidos em mais de 10% e sedes municipais relocadas (CNEC, 2001, p. 34).

3 O EIA da UHE Estreito está subdividido em 15 capítulos que abrangem o contexto regional do

empreendimento, sua caracterização, a legislação ambiental incidente, planos e projetos co-localizados,

concepção geral do trabalho com a definição das áreas de estudo, os estudos básicos e diagnóstico ambiental

das áreas de influência indireta e direta (AII e AID), a análise integrada com compartimentação ambiental

consolidando as informações dos meios físico, biótico e socioeconômico, a identificação, caracterização e

avaliação de impactos ambientais, a proposição de programas ambientais, a avaliação de quadros

prospectivos, e demais informações inerentes ao estudo.

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O Estudo de Impactos Ambientais, além de descrever a área a ser afetada pelo

empreendimento, apresenta alternativas, como indenização, desapropriação por utilidade

pública ou não e o reassentamento habitacional. “A desapropriação é o procedimento

administrativo pelo qual o Poder Público ou seus delegados, mediante prévia declaração de

necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um

bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização” (CNEC, 2001, p.88).

Nos termos do art. 10, da Lei 9.074/95, com a redação dada pela Lei 9.648/98, “cabe à

Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, declarar a utilidade pública, para fins de

desapropriação ou instituição de servidão administrativa, das áreas necessárias à implantação

de instalações de concessionários, permissionários e autorizados de energia elétrica”.

O fluxograma a seguir (BANCO MUNDIAL, 2008) apresenta o percurso de

condicionantes as quais o empreendimento é obrigado a seguir desde o EIA, que permite a

Licença Ambiental Prévia, a elaboração do Projeto Básico Ambiental (PBA), até a Licença de

Instalação e Operação autorizando a construção da Usina.

Gráfico 2 – Fluxograma de autorizações para início da construção

Fonte: BANCO MUNDIAL (2008, p.15).

O PBA é um conjunto de programas ambientais a serem executados pelo Consórcio

nas áreas de meio ambiente, desenvolvimento social e econômico, saúde, educação, turismo e

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lazer, cultura e comunicação como forma de mitigar os impactos previstos no EIA e

atendendo a condicionantes da Licença Prévia. A UHE Estreito deve cumprir a realização de,

a princípio, 35 programas previstos no PBA. Um dos programas será um pouco mais

explorado adiante, o Programa de Comunicação Social:

1. Monitoramento e Gerenciamento Ambiental;

2. Controle Ambiental na Fase de Construção;

3. Monitoramento Climatológico;

4. Monitoramento Sismológico;

5. Proteção e Recuperação Ambiental de Áreas Degradadas pelas Obras –

PRAD;

6. Monitoramento de Pontos Propensos a Instabilização de Encostas e Taludes

Marginais;

7. Monitoramento Hidrogeológico;

8. Pesquisa Científica do Meio Físico;

9. Monitoramento da Qualidade das Águas;

10. Desmatamento e Limpeza da Área de Inundação;

11. Revegetação da Faixa de Proteção do Reservatório;

12. Conservação da Ictiofauna;

13. Resgate e Salvamento da Fauna Terrestre;

14. Controle de vetores;

15. Educação Ambiental à população rural e urbana;

16. Atendimento médico sanitário para a população residente na AID;

17. Relocação e Apoio às Atividades Comerciais e de Serviços Afetados;

18. Fomento às atividades produtivas locais, aproveitamento dos usos múltiplos

do reservatório e identificação de novas oportunidades de investimento;

19. Apoio à comunidade lindeira e à produção familiar de subsistência;

20. Recomposição dos Sistemas de Infraestruturas Regionais e de Apoio;

21. Recomposição das Áreas Urbanas;

22. Implantação das Unidades de Conservação;

23. Plano Diretor do Reservatório;

24. Prospecção Arqueológica Intensiva;

25. Salvamento/Resgate Arqueológico;

26. Valorização do Patrimônio Cultural, Histórico e Paisagístico;

27. Ações para Reposição de Perdas e Relocalização da População rural e

Urbana;

28. Comunicação Social;

29. Atendimento Médico-sanitário e de Educação Ambiental e Sanitária aos

Trabalhadores da Obra;

30. Monitoramento e Controle de Macrófitas Aquáticas;

31. Monitoramento Hidrossedimentométrico e de Vazões dos Tributários;

32. Apoio à Atividade de Extrativismo de Frutas Nativas e Babaçu;

33. Apoio à população migrante;

34. Monitoramento de quelônios;

35. Apoio às Comunidades Indígenas (CNEC, 2005).

Continuando a exposição sobre a legislação que rege os diversos aspectos da

instalação da usina, aborda-se também a questão dos sujeitos atingidos por barragens. Desde

26 de outubro de 2010, com o Decreto Nº 7.342, a ferramenta utilizada pelos estudos

hidrelétricos que define quem é ou não considerado atingido é o Cadastro Socioeconômico

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realizado com os moradores das áreas afetadas: “Art. 1o Fica instituído o cadastro

socioeconômico, como instrumento de identificação, qualificação e registro público da

população atingida por empreendimentos de geração de energia hidrelétrica”.

Vainer (2007) discute que a noção de “atingido por barragem” não é meramente

técnica ou econômica, mas é um conceito em disputa, que diz respeito à legitimação e ao

reconhecimento de direitos e demandas.

Estabelecer que determinado grupo social, família ou indivíduo é, ou foi, atingido

por determinado empreendimento significa reconhecer como legítimo – e, em alguns

casos, como legal – seu direito a algum tipo de ressarcimento ou indenização,

reabilitação ou reparação não pecuniária. Isto explica que a abrangência do conceito

seja, ela mesma, objeto de uma disputa (VAINER, 2007, p.01).

No caso da UHE Estreito, ser reconhecido como atingido e, consequentemente, ter

direito a uma compensação foi motivo de diversas tensões entre os moradores das áreas direta

e indiretamente atingidas do reservatório e o Consórcio responsável pelo empreendimento.

Citam-se, ainda, ferramentas institucionais que permitem, de alguma forma, qualquer

diálogo entre as partes envolvidas (ainda que não signifique que as queixas sejam atendidas),

como a realização de audiências públicas e os comitês de cogestão. O site do Ibama registra a

realização de cinco audiências públicas sobre a UHE Estreito nos municípios atingidos no ano

de 2002 e outras cinco, em 2005. Um relatório técnico do Ibama de 22 de julho de 2002

registra, dez anos antes de a usina ser inaugurada, rejeição da população quanto ao

empreendimento:

Quanto às audiências, foram realizadas as cinco previstas nas cidades anteriormente

citadas, com apresentação dos trabalhos de levantamentos realizados pelos

consultores da CNEC/Engenharia, e coordenação das Audiências Públicas sendo

efetuada por técnicos do IBAMA/SEDE. No decorrer das atividades públicas, pode-

se observar que a comunidade presente demonstrava rejeição/dúvidas quanto ao

empreendimento, utilizando-se de faixas, cartazes e manifestações durante os

eventos. (INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS

NATURAIS RENOVÁVEIS, 2002).

A questão sobre os atingidos, realocação das famílias e indenizações será mais

aprofundada no capítulo II – sobre a Sociedade Civil.

1.4 Os sujeitos e os atores sociais

Dando prosseguimento ao objetivo inicial desta pesquisa, de observar como os

diversos sujeitos que fazem parte do complexo processo de instalação da UHE Estreito sob

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diferentes lugares de fala, cabe apresentar quem são esses sujeitos, que podem ser lidos

também como organizações e instituições, a partir da classificação por esferas. Compõem,

assim, cada esfera:

a) ESFERA DO MERCADO: Consórcio Estreito Energia (Ceste) - empreendedor da

Usina; Empresas terceirizadas de diversos setores.

b) ESFERA DO ESTADO: Presidência da República; Ministério de Minas e Energia;

Ministério da Pesca; Ministério do Meio Ambiente; Ibama; ANEEL; MP; BNDES;

Operador Nacional do Sistema (transmissão); Governo MA; Governo TO;

Prefeituras dos 12 municípios atingidos; Câmara de Deputados; Câmaras de

Vereadores; Assembleia Legislativa (MA); Assembleia Legislativa (TO).

c) ESFERA DA SOCIEDADE CIVIL: Movimento dos Atingidos por Barragens;

ONG’s; associações de pescadores, de barqueiros, de barraqueiros, de

trabalhadores, de moradores; população atingida direta e indiretamente; igrejas;

comitês de cogestão;

d) ESFERA DA MÍDIA: mídia local e nacional.

A esfera do mercado é formada principalmente pelo Consórcio Estreito Energia

(Ceste), responsável pela construção e operação da Usina Hidrelétrica Estreito. O Consórcio é

constituído pelas seguintes empresas multinacionais: 40,07% da franco-belga GDF Suez-

Tractebel Energia; 30% de uma das maiores mineradoras do mundo – a Vale; 25,49% da

americana Alcoa – maior produtora de alumínio do mundo e 4,44% da brasileira InterCement

pertencente ao Grupo Camargo Corrêa, que atua na produção de cimentos e seus derivados.

De acordo com os dados da ANEEL (2014), a cadeia societária da UHE Estreito fica assim

dividida: 40.07% para Companhia Energética Estreito S.A.; 25.49% para Estreito Energia

S.A.; 4.44% para InterCement Brasil S.A.; 30% para Vale S/A.

Sobre as empresas que compõem o Ceste, as empreendedoras da UHE Estreito,

observa-se que se trata de grandes corporações multinacionais que atuam principalmente na

área da mineração e de produção de energia no Brasil e em outros países ao redor do mundo.

No quadro a seguir apresenta-se uma relação das usinas hidrelétricas implantadas no rio

Tocantins, com seus respectivos consórcios e acionistas conforme nacionalidade e percentual

de participação.

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Tabela 7 – Acionistas das usinas hidrelétricas implantadas no rio Tocantins

Empreendimento Consórcio Acionistas Percentual de

participação

Nacionalidade

dos acionistas

majoritários

UHE Serra da

Mesa

Consórcio CPFL Paulista

CPFL Energia 63,0%

Brasil VBC (Camargo

Corrêa) 37,0%

UHE Cana

Brava

Consórcio

Companhia Energética Meridional

Tractebel Energia 100,0% Bélgica

UHE São

Salvador

Consórcio Energia de São Salvador

Tractebel Energia 100,0% Bélgica

UHE Peixe

Angical

Consórcio

Enerpeixe S.A.

EDP Energias do Brasil SA

50% Portugal

Eletrobras Furnas 40.0%

UHE Lajeado Consórcio Lajeado

Energia

EDP Lajeado Energia S/A

73%

Portugal CEB Lajeado Energia

S/A 20%

Paulista Lajeado

Energia S/A 7,0%

UHE Estreito Consórcio Estreito

Energia

Tractebel Energia 40,1%

Bélgica

Vale 30,0%

Alcoa 25,5%

Camargo e Correa 4,4%

UHE Tucuruí Centrais Elétricas do

Norte do Brasil S/A Eletronorte 100,0% Brasil

Fonte: ANEEL (2008).

Compondo a esfera do Estado situam-se os órgãos responsáveis pelo planejamento,

autorização e fiscalização da produção e distribuição de energia no país. Mesmo sendo uma

obra de autarquia federal, há diversos acordos e convênio com as esferas estaduais e

municipais, prevendo compensações para as áreas atingidas, frutos de negociações e pressões

tanto a nível executivo quanto legislativo.

A Esfera da Sociedade Civil é entendida como aquela composta pelo conjunto de toda

a população da região do entorno da barragem. Esses atores sociais, por vezes, estão

organizados em associações ou e movimentos sociais e reivindicam direitos; ora posicionam-

se radicalmente contra as barragens, ora entram em acordo por meio de negociações.

Dando visibilidade a determinados aspectos da discussão ou fatos relativos à UHE

Estreito e articulando os discursos entre esses sujeitos situa-se a mídia local e nacional. Como

os municípios da área diretamente atingida pelo reservatório não possuem veículos de

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comunicação com estrutura que permite cobertura jornalística de forma continuada,

selecionou-se para esta observação o jornal impresso de maior circulação no Maranhão e que

fez uma ampla cobertura jornalística sobre a instalação da Usina, “O Estado do Maranhão”, e

um veículo de porte nacional, considerado pelo Instituto Verificador de Comunicação - IVC

(2014) um dos jornais de maior circulação do país, e que também se dedicou ao tema da

barragem de Estreito, a “Folha de S. Paulo”.

O que será instigante observar ao longo desta análise é que cada esfera e seus

respectivos sujeitos e organizações que as compõem tecem determinadas relações de poder e,

muitas vezes, distintos interesses em relação à UHE Estreito.

Ainda neste capítulo será analisado como o Ceste constrói o discurso a respeito do

Estado, da Sociedade Civil e enquanto própria esfera do Mercado, e também como a esfera do

Estado situa esses sujeitos a partir da sua própria produção discursiva.

1.5 Os sujeitos na Esfera do Mercado: Análise do site do Ceste

Fazer uma observação sobre a comunicação do Ceste e seu site institucional, em

específico, requer considerar que as principais diretrizes são apontadas em um dos programas

ambientais do PBA, o Programa de Comunicação Social. O Programa, elaborado pela

empresa CNEC Engenharia S.A. (2005), a mesma que realizou o Estudo e o Relatório de

Impactos Ambientais (EIA/Rima), reconhece que durante a implantação da usina podem

ocorrer problemas e conflitos, assim como dificuldades de negociações com os diferentes

grupos sociais e institucionais que têm causas e interesses diversificados, sendo assim

necessário buscar mecanismos facilitadores da condução do processo de interação e

negociação social entre o empreendedor e esses atores, pautando-se na comunicação social.

Diante de um projeto dessa dimensão e a sua interferência no espaço que o cerca,

identifica-se a importância fundamental da comunicação social de forma a

minimizar os efeitos de sua implantação junto às comunidades afetadas direta ou

indiretamente pelo empreendimento. Mas para que ela surta os efeitos desejados, isto é, a promoção da integração entre comunidade-empreendimento, o processo

deve estar pautado na participação, na transparência e na informação (CNEC, 2005,

p.01).

O Programa estipula o público-alvo, as metas, os procedimentos metodológicos e o

conteúdo das ações de comunicação. De acordo com o documento, o público visado deve ser

a população das áreas de influência direta e indireta do empreendimento, bem como a

população migrante; e deve ser dada ênfase à comunicação com as comunidades diretamente

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afetadas, entidades civis e poderes públicos municipais competentes. Dentre as principais

metas previstas “as ações de comunicação social deverão contribuir para tornar parcelas

representativas das comunidades afetadas pela UHE Estreito, parceiras e apoiadoras do

projeto” (CNEC, 2005, p.03).

As ações do Programa de Comunicação Social foram delineadas para vigorar durante

o período de planejamento, construção e operação do empreendimento, estendendo-se por

mais um ano após o enchimento do reservatório, “com o intuito de monitorar os possíveis

problemas que poderão advir pós implantação do mesmo” (CNEC, 2005, p.03). O Programa

prevê a elaboração de um Plano de Comunicação com definições de estratégias, linguagem a

ser utilizada de acordo com o público, a ser executado por uma empresa terceirizada, mas

subordinada à Diretoria de Socioeconomia e à Gerência de Projetos Econômicos do Ceste. As

atividades de Comunicação previstas no PBA visam tanto ações dirigidas “batendo de porta

em porta” nas casas das famílias atingidas, quanto nos Centros de Informação e atendimento

ao migrante e também a ações voltadas para a mídia, formação da opinião pública e

relacionamento com o público interinstitucional.

O plano especifica, ainda, os conteúdos a serem trabalhados e a quais públicos devem

se destinar. Dos principais temas prescritos:

Importância do empreendimento no contexto regional e nacional;

Apresentação do projeto;

Cronograma de Obras;

Impactos e programas ambientais e cronograma de implantação;

Receitas e Impostos a serem gerados pela implantação da UHE Estreito;

Empregos diretos e indiretos gerados com a implantação da UHE Estreito;

Política de mitigação e compensação social das famílias urbanas diretamente

atingidas pelo empreendimento;

Política de mitigação e compensação social das famílias rurais diretamente atingidas

pelo empreendimento;

Sobrecarga nos serviços sociais básicos: saúde, educação, segurança pública,

habitação; Saúde da população: doenças sociais e endêmicas;

Conteúdo e Implantação dos Programas Ambientais;

Oferta de vagas e moradias;

Atendimento disponível na área da saúde, educação e cursos profissionalizantes

(CNEC, 2005, p. 6-7).

O quadro a seguir, reproduzido do Programa de Comunicação Social, detalha as

atividades a serem realizadas, a fase (se fase de Instalação e/ou fase de Operação da usina) e

as respectivas finalidades.

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Tabela 8 – Atividades do Programa de Comunicação Social

Fases Atividades Finalidades

I Mobilização das equipes: 3

núcleos Lotadas nos Centros de Atendimento de Estreito,

Babaçulândia e Carolina, tendo como função o atendimento

sistemático do público, planejamento e execução das ações

do plano.

I Instalação dos Centros de

Atendimento de

Estreito, Carolina e

Babaçulândia

Local de atendimento à população para informar, divulgar,

esclarecer dúvidas e receber queixas e sugestões.

I Instalação de telefone

gratuito nos Centros

de Atendimento

Facilitar o contato com a população, especialmente, aquelas

comunidades mais distantes.

I/O Criação do Núcleo de

Atendimento ao

Migrante

Esse núcleo tem a função de receber, orientar os migrantes

quanto a vagas ofertadas na obra e região, capacitação de

mão-de-obra, ofertas de moradia e hospedagem e infra-

estrutura de atendimento nas áreas sociais (saúde, educação e segurança). Deverá, ainda, buscar parcerias com

instituições públicas e privadas (prefeituras, secretarias

estaduais, Senai, Senac, ONGs, etc.) no sentido de

viabilizar esse atendimento.

I/O Caixas de Sugestões Deverão ser colocadas várias caixas em locais estratégicos e

de fácil acesso para a população visando a coleta de

sugestões, dúvidas e queixas visando alimentar e

redirecionar as informações.

I/O Plano de Ação Elaborar o plano de ação com intuito de estabelecer um

processo sistemático e permanente de atividades, abordando

os diferentes temas de interesse no qual os vários

segmentos sociais possam formar suas opiniões.

I/O Monitoramento e Avaliação

das Ações Periodicamente (6 meses) deverá ser realizada uma

avaliação do alcance das ações implantadas juntos aos

vários públicos no sentido de dar novos rumos às mesmas,

caso necessário.

I/O Interação com os Programas

Ambientais Acompanhar a implantação dos programas ambientais

esclarecendo-os à população.

I/O Instalação de “Quiosques” ou

“Postos de Informação”

temporários

A instalação dos postos avançados com intuito de

aproximar dos moradores mais distantes e esclarecer sobre

as dúvidas.

I/O Programas em rádios locais Criar o “Momento Ceste” veiculando notícias sobre o

empreendimento.

I/O Boletim Informativo ou

Jornal Criar um boletim ou jornal informativo, bimestral,

enfocando notícias sobre o empreendimento, os programas e também notícias da região.

I/O Criação de um website para o empreendimento

Divulgar o empreendimento na internet; os estudos sobre fauna, flora, entre outros.

I/O Campanhas Educativas Campanhas e oficinas culturais em escolas, eventos e festejos integrantes do calendário dos municípios e mesmo

aproveitando-se datas comemorativas (dia da árvore, meio

ambiente, etc.) em conjunto com as prefeituras locais,

secretarias municipais de educação e saúde, entidades civis

e

comunidade.

I/O Seleção e produção de

material de divulgação

Matérias para divulgação junto ao público: folhetos,

boletins, cartilhas, folder, vídeos e brindes.

I Reuniões de apresentação e

discussão

Realizar reuniões junto à comunidade em geral

apresentando o plano de trabalho da comunicação social.

I Maquete Física do

Empreendimento

Disponibilizar para visitação a todas as sedes municipais da

área de influência direta do empreendimento.

Fonte: CNEC (2005). Plano de Comunicação Social.

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Analisar a produção discursiva do Ceste a partir do site institucional www.uhe-

estreito.com.br requer considerar que ela faz parte de uma conjuntura legal exigida pelo

Ibama, o PBA; e que este Programa específico do PBA já antecede um Plano de Comunicação

comum às atividades da Comunicação Organizacional, indicando quais assuntos devem ser

trabalhados, a quais públicos devem se dirigir, visando como fim, conforme apontado, tornar

as comunidades afetadas em parceiras e apoiadoras da usina.

1.5.1 Formação Discursiva no site do Ceste

O site www.uhe-estreito.com.br entrou no ar em 2010. Além da publicação de notícias

sobre a UHE Estreito, estão disponíveis outras informações sobre o funcionamento de uma

usina, especificações sobre o empreendimento e informações institucionais- com explicações

sobre o PBA e ações sociais; um roteiro com 24 perguntas e respostas sobre a usina; vídeo e

jingle institucionais; monitoramento climatológico e de balneabilidade das praias do entorno

do reservatório e links para sites da ANEEL, MME, EPE, ANA e Ibama.

Para analisar a produção discursiva noticiosa do Consórcio Estreito Energia mapeou-

se previamente a totalidade de 141 notícias publicadas nos anos de 2010, 2012 e 2013 e

categorizou-se de acordo com os temas abordados. As categorias foram elaboradas pela autora

e alistadas a partir de uma avaliação do tema e enfoque que prevalecem em cada matéria do

site.

A categoria “Comunicação” corresponde às notícias sobre ações de comunicação e

diálogo entre o Consórcio e a comunidade local; “Cronograma das Obras” sobre o

andamento da construção da hidrelétrica; “Cultura” sobre ações culturais desenvolvidas pelo

Consórcio nas localidades atingidas (como cinema e exposições); “Economia”, referentes a

ações de incentivo a atividades econômicas na região; “Educação” sobre ações como cursos

de qualificação; “Esporte”, sobre ações desportivas (como torneios e premiações) realizadas

pelo Ceste; “Infraestrutura” sobre ações relativas à infraestrutura nos 12 municípios;

“Interinstitucional” (a maior categoria registrada em 2010) são notícias relativas a ações de

cunho interinstitucionais, como convênios, visitas e parcerias entre o Ceste e governos

municipais e estaduais, dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário a nível local, nacional

e, por vezes, internacional. As categorias “Meio Ambiente”, “Saúde”, “Social” e “Turismo”

também se referem às notícias relativas às suas respectivas áreas temáticas, compreendendo as

ações que o Consórcio desenvolve para mitigar os impactos na região.

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Gráfico 3 – Categorias de notícias site do Ceste: 2010, 2012 e 2013

Fonte: Site Ceste, categorizado pela autora (2015).

No ano de 2010, registrou-se um total de 96 notícias no site do Ceste somando-se

todas as categorias; em 2012 (ano da inauguração), apenas 10 e em 2013 (ano conseguinte à

inauguração) foram registradas 35. Da totalidade de notícias em 2010, o maior registro

equivale às notícias de caráter interinstitucional, 22% (e ainda 20% em 2012 e 17% em 2013),

seguidas das que tratam de temas relativos de incentivo às atividades econômicas (17% em

2010, 10% em 2012 e 37% em 2013).

A partir desta categorização, seguindo o critério da recorrência em meio à dispersão,

chegou-se a um corpus mais específico de 12 notícias dentro das temáticas intituladas aqui de

“Interinstitucional” e “Economia”, pois são as que foram mais frequentes na produção do

noticiário do Ceste. Como também é interessante se observar como o Consórcio considera a

sua própria relação de diálogo como a comunidade, então serão analisadas também notícias da

categoria “Comunicação”. Assim, selecionaram-se as seguintes notícias a serem consideradas

para a análise:

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Tabela 9 – Notícias para análise - site Ceste

Data Título Categoria

26/02/2010 Ministro Lobão visita Usina de Estreito e destaca evolução da obra

Interin

stitucio

nal

25/03/2010 Obra de arte é doada pelo CESTE à Assembleia Legislativa do Maranhão

26/04/2010 Comitiva de parlamentares franceses destaca potencial energético brasileiro em

visita à UHE Estreito

06/05/2010 Governadora diz que UHE Estreito traz mais desenvolvimento para Maranhão

30/11/2010 Presidente Lula fecha primeira comporta da UHE Estreito (MA) e dá início ao

enchimento do reservatório

18/10/2012 Presidenta Dilma inaugura Usina Hidrelétrica Estreito

01/08/2013 CESTE inaugura sede da Associação dos Barraqueiros de Palmeiras do

Tocantins/TO

04/11/2010 CESTE apresenta Plano de Oportunidades a empreendedores de Aguiarnópolis e

Palmeiras do Tocantins (TO)

Eco

nom

ia

31/10/2013 Famílias recebem orientação para desenvolver novas atividades econômicas

30/12/2013 Comerciantes recebem capacitação

19/04/2010 CESTE reúne Comitês de Co-gestão no canteiro de obras da UHE Estreito

Com

un

icaçã

o

28/04/2013

CESTE disponibiliza serviços de informação e orientação sobre a UHE Estreito

Fonte: Site Ceste, categorizado pela autora (2015).

Será feita aqui a descrição da formação dos objetos da esfera do Mercado, em que se

tenta compreender a “superfície de emergência desses discursos”; o que os torna nomeáveis;

áreas que qualificam o discurso; distinguir quem fala, o lugar institucional e posição dos

sujeitos nas modalidades enunciativas e a formação dos conceitos, com disposição

enunciativa e argumentos.

1.5.1.1 Categoria “Interinstitucional”

As notícias de caráter interinstitucional tratam, principalmente, da relação entre o

Consórcio e outras instituições que legitimam e viabilizam suas ações. Na notícia “Ministro

Lobão visita Usina de Estreito e destaca evolução da obra”, de 26 de fevereiro de 2010, a fala

do ministro endossa o andamento da obra dentro do cronograma estabelecido e o seu orgulho

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enquanto figura política maranhense de ter uma hidrelétrica em curso durante a sua gestão e

no estado brasileiro do qual é natural:

Lobão falou do orgulho de ver o empreendimento construído durante sua gestão no

MME e de estar situado, também, no Maranhão. ‘Essa obra é um bem não só para os

estados do Maranhão e Tocantins, que a sediam, como para o Brasil’, disse ele durante pronunciamento feito também para uma multidão de trabalhadores que

pararam suas atividades por alguns minutos para participar da solenidade

(CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA, 26/02/10).

O ministro aproveitou a ocasião da sua visita para anunciar outra usina hidrelétrica

também no Maranhão:

O ministro destacou a gestão do Ceste, que tem conseguido manter a UHE Estreito

dentro do cronograma previsto e, principalmente, agradeceu aos trabalhadores da

obra, a quem se dirigiu para anunciar o empenho dos governos federal e estadual

para que outras obras dêem continuidade aos milhares de empregos gerados até

agora. ‘Estamos tomando providências para que a hidrelétrica de Serra Quebrada,

em Imperatriz, seja iniciada no momento em que a de Estreito estiver sendo

finalizada’, anunciou (CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA, 26/02/10).

A notícia aponta que a fala do Ministro é direcionado aos trabalhadores da obra, mas

este faz referência ao bom trabalho executado pelo Consórcio e remete aos Governos Federal

e Estadual como co-protagonistas na realização do empreendimento.

Observa-se que dos sujeitos que falam, além do Ministro Edson Lobão, o diretor-

presidente do Ceste, José Renato Ponte, que presta contas sobre o investimento “Já foram

investidos mais de R$ 500 milhões na execução de ações socioambientais, para que este

empreendimento se insira na região de forma sustentável e sob o alicerce da responsabilidade

social” (CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA, 26/02/10). Fala também o prefeito do

município de Estreito, José Gomes Coelho, que na notícia:

[...] fez questão de demonstrar ao ministro a satisfação do município com a

implantação da UHE Estreito [...] elogiando também o compromisso social do Ceste

que já entregou ao município diversas obras, como sedes das Polícias Civil e Militar,

do Corpo de Bombeiros, ambulâncias, viaturas policiais, reformas de escolas, postos

de saúde, dentre outras” (CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA, 26/02/10).

Além de evidenciar um suposto consenso e afinação entre os segmentos da esfera do

Estado sobre a usina, a notícia funciona também com uma ferramenta de accountability

(dimensão de prestação de contas, transparência) tanto por parte do Diretor, quanto do

Prefeito. Os acordos estariam sendo cumpridos.

A notícia “Obra de arte é doada pelo CESTE à Assembleia Legislativa do Maranhão”,

de 25 de março de 2010, explica que a obra de arte “O Povo”, do artista plástico Jesus Santos,

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foi doada pelo Ceste à pinacoteca da Assembleia Legislativa do Maranhão. No evento de

assinatura do termo de entrega da obra, realizado no plenário da Assembleia, teve a presença

do diretor-presidente do Ceste, José Renato Ponte, e do chefe do poder legislativo, deputado

Marcelo Tavares. A notícia especifica, ainda, que o painel “O povo”, de 24 metros quadrados,

foi afixado no auditório “Fernando Falcão” da nova sede da Assembleia Legislativa, em 2009,

ano anterior à data em que ocorrera a entrega oficial.

Dos sujeitos de fala da notícia, apenas o diretor-presidente do Ceste, José Renato

Ponte, tem espaço, “que durante a solenidade também fez uma apresentação sobre a

implantação da UHE Estreito, foi uma honra entregar à Assembleia Legislativa uma obra de

arte de grande importância para a cultura do Maranhão” (CONSÓRCIO ESTREITO

ENERGIA, 25/03/10). Nem os deputados nem o artista colocam-se a respeito do ato na

notícia. Não se trata, obviamente, de uma abordagem sobre as artes plásticas no Maranhão.

Há uma justaposição de códigos que não são perfeitamente claros: áreas de conhecimento da

produção de eletricidade, das artes e do Poder Legislativo. Há uma dissonância para se

compreender a formação do domínio do objeto na análise. Não é respondida na notícia, por

exemplo, porque o Ceste doaria uma obra de arte à Assembleia Legislativa, a causalidade da

ação. Entretanto, infere-se que as relações institucionais pressupõem ao Consórcio construir

um bom relacionamento também com o Poder Legislativo.

Como o Ceste é um consórcio formado por multinacionais, esse bom relacionamento

com os parlamentares perpassa as fronteiras do país e estende-se ao continente europeu. O

registro “Comitiva de parlamentares franceses destaca potencial energético brasileiro em

visita à UHE Estreito”, de 26 de abril de 2010, detalha a ocasião em que uma comitiva de

nove pessoas composta por parlamentares franceses, o embaixador da França no Brasil, Yves

Saint Geours, e executivos da GDF Suez, empresa franco-belga e principal acionista do Ceste,

visitaram as instalações da usina.

Impressionado com a estrutura construída entre os estados do Maranhão e Tocantins,

o deputado e presidente da comissão de energia da Assembléia Legislativa da

França, Jean Claude Lenoir, destacou o crescimento do setor energético brasileiro e

a rapidez com que as hidrelétricas são construídas. ‘É impressionante ver tamanha

estrutura construída em tão curto espaço de tempo. Para nós é importante

conhecermos os projetos de grande relevância que estão sendo construídos no

mundo, a exemplo da UHE Estreito no Brasil’, declarou (CONSÓRCIO ESTREITO

ENERGIA, 26/04/10).

Além do Presidente da Comissão, também são sujeitos de fala na notícia o embaixador

da França no Brasil, Yves Saint Geours, e o diretor presidente da GDF Suez América Latina,

Jan Flachet, que:

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Ressaltou a importância da UHE Estreito para o grupo, um dos maiores em projetos

de geração de energia em todo o mundo e, também, a oportunidade de apresentar

projetos desenvolvidos no Brasil para os parlamentares franceses. ‘Ficamos

honrados em receber a comitiva em nossas instalações e poder apresentá-la grandes

projetos como a UHE Estreito que estará gerando energia limpa e renovável até o

fim do ano’, disse Flachet, lembrando das condições favoráveis para este tipo de

empreendimento no país. ‘O Brasil tem um enorme potencial hídrico que possibilita

o desenvolvimento de projetos especiais como esse, ao contrário da França que já

teve seu potencial utilizado’, concluiu (CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA,

26/04/10).

A estrutura narrativa mostra a UHE Estreito como um exemplo de vanguarda na

produção de energia elétrica para o mundo. Por outro lado, é possível também perceber a

visita como uma espécie de aval dado pela empresa GDF Suez, como maior acionista da

usina, em observar o andamento das obras e articuladora da expedição da comitiva dos

parlamentares.

Várias autoridades visitam o canteiro de obras da usina ao longo de todo o período de

instalação até a inauguração. Essas visitas podem ser observadas como atos simbólicos de

participação, de ligação e reforçam as relações interinstitucionais que o Consórcio precisa

articular.

A notícia “Governadora diz que UHE Estreito traz mais desenvolvimento para

Maranhão”, de 06 de maio de 2010, registra a ocasião da visita ao canteiro de obras da Usina

pela então Governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB). Na fala da governadora são

reforçadas as ideias de que o empreendimento traria desenvolvimento ao estado e ao país e é

elogiado pelo cumprimento da legislação ambiental:

Surpresa com o que viu e ouviu a Governadora não mediu elogios às ações de

responsabilidade ambiental e social desempenhadas pelo Ceste e nem palavras para

reconhecer a importância da obra para o Maranhão e, especialmente, para o país. ‘O

Maranhão se sente feliz de estar presente neste projeto, uma das prioridades do

Governo Lula e do PAC’, ressaltou Roseana Sarney, antes de iniciar a visita ao

canteiro de obras da UHE Estreito (CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA,

06/05/10).

A notícia detalha a comitiva que acompanha a Governadora: secretários, deputados

estaduais, o Prefeito do município de Estreito, Zequinha Coelho, e a recepção pelo Presidente

do Ceste, José Renato Ponte, pelo diretor de Saúde, Segurança e Meio Ambiente do Ceste,

Dimas Maintinguer, e pelo Assessor da Presidência do Ceste, Luiz Artur Arantes.

A visita é narrada, com detalhes, sobre os funcionários que cumprimentaram e fizeram

fotos com a governadora.

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Durante a visita, Roseana Sarney foi cercada pelos funcionários da Usina, que a

cumprimentaram e pediram para fazer fotos. Maurício Alves, que trabalha na

concretagem foi um deles. Contente, ele exibia no celular a foto tirada ao lado da

Governadora do Maranhão. Roseana Sarney disse estar impressionada com a

grandiosidade da obra e fez questão de observar o empenho dos trabalhadores. ‘Isso

aqui não funciona sozinho. Aqui temos um grande complexo movido por milhares

de homens. Devemos muito a esses trabalhadores’, ressaltou (CONSÓRCIO

ESTREITO ENERGIA, 06/05/10).

A governadora enaltece a mão de obra dos trabalhadores da usina. A ela, enquanto voz

institucional autorizada a falar, cabe reconhecer o empenho dos trabalhadores. O trabalhador,

enquanto voz interditada na maioria das vezes, sente-se contente ao exibir o celular com a

foto da governadora.

A construção do objeto do discurso é identificada segundo a própria nomeação do

título da notícia, que referencia que a Usina traz mais desenvolvimento para o Maranhão. No

mesmo contexto de desenvolvimento, a governadora vincula as ideias de responsabilidade

ambiental, social, importância da obra para o Maranhão e para o país. Aglutinar essas imagens

na mesma construção de conceitos relativiza os efeitos colaterais da construção da usina.

Em 30 de novembro de 2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a convite

do Ceste, fechou uma das 14 comportas do vertedouro, dando início ao enchimento do

reservatório da usina, considerada a última grande etapa do empreendimento antes do início

de operação, em 2012.

A notícia “Presidente Lula fecha primeira comporta da UHE Estreito (MA) e dá início

ao enchimento do reservatório”, de 30 de novembro de 2010, descreve também a comitiva

que o acompanha, o ministro de Minas e Energia, Marcio Zimmermann; a ministra do Meio

Ambiente, Izabella Teixeira; ministro interino da Pesca e Aquicultura, Cleberson Carneiro

Zavaski; os governadores do Maranhão, Roseana Sarney, e do Tocantins, Carlos Gaguin, e os

senadores Edison Lobão (PMDB) e João Alberto (PMDB), além de outras de autoridades da

região e empresários.

O Presidente Lula destacou a importância do empreendimento para o país: ‘Esta

hidrelétrica servirá de modelo para como tratar corretamente e respeitosamente os moradores que aqui vivem, os moradores, os pescadores e os que trabalham na

agricultura’. Lula ressaltou que Estreito mostrou que empresários e movimentos

sociais podem viver em acordo para o benefício de toda a população, se referindo

ao Convênio assinado pelo Ministério da Pesca e Aquicultura, CESTE, IBAMA e

Colônia de Pescadores para implantação do Projeto do Complexo Integrado de

Escoamento, Processamento e Beneficiamento da Produção Pesqueira da Área de

Influência da Usina Hidrelétrica Estreito (CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA,

30/11/10).

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A fala do Presidente aponta a UHE Estreito como um modelo a ser seguido pelos

acordos entre movimentos sociais e empreendedores, a partir do exemplo do convênio citado

entre Ministério da Pesca e Aquicultura e pescadores da região.

Além do Presidente da República, têm lugar de fala na notícia o presidente da GDF

SUEZ no Brasil, Mauricio Bahr, e o presidente do Ceste, José Renato Ponte, que também

prestou contas das ações e investimentos:

Foram investidos R$ 4 bilhões, geramos renda, empregos, melhor qualidade de vida

para a população da região e mais energia para o país, afirmou. José Renato

ressalvou que o Projeto Básico Ambiental (PBA), composto por 39 programas

sócio-ambientais, está sendo cumprido de forma integral, com a aplicação de mais

de R$ 600 milhões de investimentos (CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA,

30/11/10).

A notícia detalha o enchimento do reservatório, que se daria em três etapas, quando

seriam alcançadas as cotas de 145m, 150m e 156m, assim como os programas e os

procedimentos a serem adotados. Também têm destaque as parcerias com o poder público,

governos estaduais, municipais, associações e comunidade:

Com o objetivo de assegurar o desenvolvimento da região sobre todos os aspectos

(educação, segurança, saúde, meio ambiente e infraestrutura), o Ceste firmou

parcerias com os governos estaduais, municipais, associações e comunidades.

Desde o início do empreendimento, o consórcio reaparelhou hospitais, reformou e

ampliou postos de saúde, doou ambulâncias, tratores e viaturas policiais e construiu

novas sedes para as polícias civil e militar, escolas, casa de abrigo para idosos e creches. Com as prefeituras da região, o Ceste foi além e estabeleceu,

voluntariamente, Termos de Compromisso Mútuo (TCM), levando benefícios

diretos à população (CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA, 30/11/10).

Os possíveis impactos e transtornos ocasionados aos 12 municípios atingidos em razão

do enchimento do reservatório são evanescidos frente à enumeração dos investimentos

financeiros e compensações à comunidade. Quando o Presidente da República fecha,

pessoalmente, uma das comportas e dá início simbólico e real ao enchimento do reservatório

da usina, acompanhado por políticos do poder municipal, estadual e federal, uma noção de

desenvolvimento, enquanto um projeto que sai do papel e entra em operação, é endossado,

realiza-se plenamente, com um aparente apoio de todas as instâncias e sujeitos.

A atenção da mídia volta-se para a UHE Estreito em 18 de outubro de 2012, quando a

Usina é, enfim, inaugurada pela então Presidenta Dilma Rousseff, como confirma o registro

“Presidenta Dilma inaugura Usina Hidrelétrica Estreito”:

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A presidenta Dilma incluiu no seu discurso os benefícios gerados para as

comunidades locais, presente nos 12 municípios inseridos na área de abrangência da

Usina. ‘Estou feliz de estar na região que abrange Maranhão e o Tocantins, dois

espaços importantes para o cenário de energia no Brasil. O país precisava voltar a

investir em fornecimento de energia elétrica, e foi o que essas empresas fizeram por

meio do consórcio formado. Ressalto que além de energia, existem os investimentos

sociais realizados por meio do empreendimento’, relatou a presidenta

(CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA, 18/10/12).

Além da Presidenta Dilma, tem espaço de fala na notícia o presidente do Ceste, Carlos

Castanho, que:

Enfocou a importância do fornecimento de energia elétrica para o Brasil, por meio

da produção da Usina de Estreito, e ainda ressaltou que o empreendimento exerce o papel de promover o desenvolvimento social. ‘O empreendimento é mais que um

fornecedor de energia, ele é inclusão e desenvolvimento social. Paralelo às

oportunidades que surgiram junto ao empreendimento, nós estamos disponibilizando

ao Sistema Interligado Nacional 1.087 MW, energia essa suficiente para abastecer

uma cidade com 4 milhões de habitantes’, ressaltou (CONSÓRCIO ESTREITO

ENERGIA, 18/10/12).

O objeto discursivo construído é o fornecimento de energia elétrica para o todo o país,

objetivo primeiro da usina. A fala da Presidenta reconhece o trabalho das empresas como

executoras do projeto na conjuntura em que o Brasil necessitava voltar a investir no

fornecimento de energia elétrica. O saldo em investimentos sociais soma-se à produção de

energia, visto como uma mão dupla de condições de crescimento.

Nota-se como recorrente no discurso das autoridades sobre a hidrelétrica a associação

com a noção de desenvolvimento, agregado a dados como os números de empregos gerados e

a mitigação de impactos socioambientais. A abordagem sobre desenvolvimento aproxima-se

da concepção de crescimento econômico, mensurada por indicadores, e a concepção sobre

preservação ambiental é construída cosmeticamente (BUENO, 2007), sem, muitas vezes,

aprofundamento nos parâmetros nem considerando os aspectos multidisciplinaridade que o

termo abarca.

Quando a Usina entra em operação, após quatro anos de tensões, cumprindo a sua

função com a geração de 1.087 MW de energia, os processos compreendidos no intervalo

entre os grandes marcos da obra são dissimulados pela concretização do empreendimento em

pleno funcionamento. O que se torna nomeável: a legislação foi cumprida, os acordos

realizados e a energia está sendo gerada e beneficiando o país.

Dentro dessa categoria de notícias de caráter interinstitucional, além do

relacionamento com a classe políticos, nota-se também o relacionamento do Ceste com as

associações organizadas, por exemplo, a Associação de Barraqueiros de Palmeiras do

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Tocantins/TO, entidade que atua em prol das famílias proprietárias de barracas (pontos

comerciais de comidas e bebidas) na Praia do Pedral, no rio Tocantins. É uma atividade

econômica ligada ao turismo da região.

Em “CESTE inaugura sede da Associação dos Barraqueiros de Palmeiras do

Tocantins/TO”, de 01 de agosto de 2013, nomeia-se que “20 famílias proprietárias das

barracas da Praia do Pedral, em Palmeiras do Tocantins/TO, concretizaram mais um passo

importante para fortalecer a atividade turística no município” (CONSÓRCIO ESTREITO

ENERGIA, 01/08/13). Das vozes autorizadas a falar, uma representante do CESTE, Elizabeth

Pacífico, que destaca: “É mais uma obra que comprova o interesse e a disposição do CESTE

em contribuir com o desenvolvimento da região” (CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA,

01/08/13) e da Presidente da Associação: “a presidente Vera Lúcia Conceição agradeceu o

apoio do CESTE e ressaltou a importância da obra para a Associação. ‘Era um sonho que se

tornou realidade’, comemorou” (CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA, 01/08/13).

Mais uma vez registra-se a ideia de desenvolvimento. Na fala da Presidente da

Associação o Consórcio realizou um sonho das famílias. O Consórcio, na notícia, é colocado

como um sujeito que mudou para melhor a vida dos moradores da região.

1.5.1.2 Categoria “Economia”

Das notícias da categoria aqui nomeada de “Economia” referem-se a ações do Ceste

que visam incentivar a economia local como alternativa às atividades antes realizadas no

entorno do rio, haja vista que, com o remanejamento das famílias que antes moravam e

sobreviviam economicamente do rio Tocantins, passou a ser necessário se adaptar a uma nova

realidade e redescobrir novas potencialidades econômicas em outras localidades, como se

observa em “CESTE apresenta Plano de Oportunidades a empreendedores de Aguiarnópolis e

Palmeiras do Tocantins (TO)”, de 04 de novembro de 2010:

Agricultura Urbana, Apicultura, Artesanato, Aproveitamento dos Frutos do Cerrado,

Negócios em Área Urbana, Piscicultura, Turismo, Viveiros de Produção de Mudas

de Plantas Nativas, Produção de Farinha, Cultivo de Plantas para Produção de

Biodiesel e Criação de Pequenos Animais são áreas elencadas com boa demanda a

ser aproveitada nas cidades alcançadas pela implantação da UHE Estreito. Segundo a gerente de Projetos Econômicos do Ceste, Cassandra Gelsomino Molisani, tais

negócios foram apontados em pesquisas e encontros realizados na região. E para que

seja tirado melhor proveito da informação pelos moradores, o Plano de

Oportunidades de Negócios tem sido apresentado em cada um dos 12 municípios da

área de abrangência da Usina de Estreito (CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA,

04/11/10).

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Vale observar que passar as informações e despertar o olhar para o potencial

econômico da região é um primeiro passo no processo, no entanto, não é garantia de que essas

novas atividades serão realizadas efetivamente e influenciar positivamente a economia da

região.

Das modalidades enunciativas nesta categoria de análise, há uma repetição na estrutura

textual dessas notícias que relatam capacitação, parcerias, reuniões, como se observa nos

títulos “Famílias recebem orientação para desenvolver novas atividades econômicas”, de 31

de outubro de 2013 e, ainda, em “Comerciantes recebem capacitação”, de 30 de dezembro de

2013. O objeto discursivo é atuação desenvolvida pelo Consórcio, enquanto sujeito ativo que

realiza as ações, que são recebidas pelos sujeitos passivos da situação.

Dos que têm espaço de fala nessas três notícias em análise desta categoria, enumera-

se: a gerente de Projetos Econômicos do Ceste, Cassandra Gelsomino Molisani; a Secretária

Municipal de Educação de Palmeiras do Tocantins, Vera Lúcia; o presidente da Câmara

Municipal de Palmeiras do Tocantins, Vereador Mardônio Alves de Castro, e uma moradora

de Aguiarnópolis, Lenita Matias da Silva, esta última também elogiando a ação do Consórcio.

1.5.1.3 Categoria “Comunicação”

Outra categoria de notícia selecionada nesta análise, intitulada “Comunicação”, se

refere ao que o Consórcio considera como ações de diálogo, aproximação e comunicação com

a comunidade, “CESTE reúne Comitês de Co-Gestão no canteiro de obras da UHE Estreito”,

de 19 de abril de 2010, e “CESTE disponibiliza serviços de informação e orientação sobre a

UHE Estreito”, de 28 de abril de 2013. A notícia primeira define o que são os comitês de

cogestão:

Criados em 2007 para ser um instrumento de comunicação e relacionamento do

Ceste com a comunidade, os Comitês de Co-Gestão da UHE Estreito estão presentes

nos 12 municípios da área de abrangência do empreendimento, nos estados do

Maranhão e Tocantins, e reúnem 255 membros. São representantes do poder público

e de grupos organizados de seus municípios, que durante as reuniões expõem seus

questionamentos e sugerem ações a serem realizadas pelo Consórcio Estreito

Energia (CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA, 19/04/10).

Participam dos Comitês representantes do Ceste, do Ibama e dos moradores de

municípios atingidos. Das vozes autorizadas a falar, enumera-se a da Gerente de Projetos

Econômicos do Ceste, Cassandra Gelsomino Molisani, que:

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Ressalta a importância dos Comitês de Co-gestão como principal interlocutor entre o

Ceste e a comunidade. ‘Temos buscado reforçar os canais de diálogo entre os

Comitês e o empreendimento, bem como oportunizar a comunidade a chance de

acompanhar de perto o que tem sido planejado para cada um dos municípios’,

comenta (CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA, 19/04/10).

Dos sujeitos que falam, registra-se ainda a Analista de Projetos Econômicos do Ceste,

o Gerente de Contratos do Ceste, o Engenheiro Sênior do Consórcio, o Prefeito de Palmeiras

do Tocantins (TO), presidente da Associação dos Barraqueiros da Ilha do Cará, em

Palmeirante (TO), e um integrante do Comitê de Cogestão de Carolina (MA), Renilson

Pereira, afirmou que:

Os encontros têm um saldo positivo. ‘Todas as vezes que a gente se encontra para

tratar de um tema de interesse coletivo é sempre bom. Esses encontros que o Ceste faz, no momento em que nós estamos discutindo os assuntos, nos remetem a um

bom diálogo’, destacou (CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA, 2010).

Todos que falam na notícia analisada corroboram a mesma inferência: a de que as

reuniões dos comitês são boas, pois permitem o diálogo. No entanto, não são explicitadas as

pautas discutidas nas reuniões (geralmente polêmicas e tensas, quando confrontadas com as

atas das reuniões dos comitês, que costumam relatar cobranças por parte dos atingidos,

solicitação de mais informações e novas reuniões).

Ainda na categoria “Comunicação”, a notícia de 28 de abril 2013, “CESTE

disponibiliza serviços de informação e orientação sobre a UHE Estreito”, publicação realizada

após inauguração e funcionamento da usina, faz uma abordagem sobre as ferramentas de

comunicação utilizadas pelo empreendimento e começa com a seguinte narrativa:

Da porta da sua casa, a comerciante Luiza França Miranda observa o enchimento do

reservatório da Usina Hidrelétrica Estreito (UHE Estreito), que se encontra em

estágio final. Residindo há sete meses no Município de Palmeirante (TO), ela é dona

de um pequeno estabelecimento localizado em frente ao Rio Tocantins. Com a

formação do reservatório, ela afirma se encantar com o novo cenário que adorna a

paisagem local. ‘Acho lindo ver o rio subir com toda a sua beleza’, afirma. Cheia de curiosidades sobre a Usina de Estreito e sobre o enchimento do reservatório, a

comerciante tirou suas dúvidas com a equipe de mobilizadores sociais do Ceste

Móvel ali mesmo, em Palmeirante, e bem próximo de sua residência (CONSÓRCIO

ESTREITO ENERGIA, 28/04/13).

A ambientação e descrição de uma moradora que “acha lindo o rio subir com toda sua

beleza” é o argumento utilizado no texto para assinalar que os moradores estão sendo bem

informados, que esclareceram todas suas possíveis dúvidas sobre a Usina e conseguem “se

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encantar com o novo cenário que adorna a paisagem local”. O clima de tensão de outrora

cedera lugar à harmonia e contemplação.

Para a Diretora de Socioeconomia do Ceste, Norma Villela, os mecanismos de

comunicação adotados pelo Ceste refletem a preocupação do mesmo em manter

informada a comunidade com a qual o Consórcio se relaciona. ‘Toda dúvida precisa

ser esclarecida. Para isso, contamos com os serviços de comunicação, que

consideramos imprescindíveis’, afirmou (CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA,

28/04/13).

A notícia cumpre a função de prestação de contas quanto aos serviços de comunicação

do Consórcio elencando as ações desenvolvidas pelos quatro Centros de Informação (CI’s),

localizados nos municípios de Carolina e Estreito (MA) e Babaçulândia e Filadélfia (TO); o

próprio website o qual se analisa aqui; atendimentos pelo serviço de telefonia 0800; o serviço

itinerante “Ceste Móvel”; visitas ao Centro de Informação e publicação de boletins

informativos.

Nota-se que toda a produção discursiva do site do Ceste atende ao caráter de

accountability, de prestação de contas das ações que o Consórcio desenvolve, com o objetivo

de responder às prerrogativas de mitigação dos impactos sociais e ambientais exigidos no

PBA.

Os processos de accountability costumam ser classificados em três formas de

realização (O’DONNELL, 1998; PERUZZOTTI e SMULOVITZ, 2001): vertical (em

contextos de eleições), horizontal (controles exercidos pelo Judiciário, Executivo e

Legislativo e no contexto intra-estadual estatal) e social (quando há a manifestação da

sociedade civil por meio de pressões e ações midiáticas).

Neste capítulo se observa o discurso do noticiário do Ceste como ferramenta de

accountability (principalmente horizontal), que responde a cobranças para o cumprimento da

legislação, dos acordos entre o Consórcio e municípios, nos Termos de Compromisso Mútuo -

TCM; do cumprimento ao cronograma de obras e também da presença do Governo Federal

em acompanhar as fases do processo.

Maia (2006) aponta que accountability se confunde com legitimidade dos processos:

Numa dimensão normativa, a questão da accountability estabelece uma estreita

relação com a legitimidade – a propriedade de que os procedimentos de um regime

para fazer e implementar a lei sejam aceitos por seus sujeitos. No entanto, o

problema da accountability também inclui a busca por mecanismos institucionais

destinados a controlar o desempenho das instituições públicas e a julgar o modo pelo

qual os representantes e os agentes públicos agem concretamente na disposição de

seus poderes e deveres (MAIA, 2006, p.05).

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No noticiário do Ceste, os diretores, gerentes e presidentes do Consórcio são os

sujeitos autorizados a falar, com legitimidade para responder sobre os controles e avaliações

(checks and balances) os quais o empreendimento é submetido e cobrado tanto por parte das

representações sociais quanto das autarquias do Estado. Os sujeitos do Estado também têm

espaço no noticiário do Ceste dividindo o papel institucional de responsáveis pelo

empreendimento.

Cabe pontuar também que a produção discursiva no site do Ceste está inserida nos

preceitos da comunicação organizacional e/ou empresarial, mediada por estratégias e

ferramentas que visam posicionar positivamente a imagem do Consórcio e do funcionamento

da hidrelétrica perante a opinião pública. Do conceito de comunicação organizacional,

Kunsch define:

Pressupõe uma junção da comunicação institucional, da comunicação mercadológica

e da comunicação interna, que formam o composto da comunicação organizacional.

Este deve formar um conjunto harmonioso, apesar das diferenças e das

especificidades de cada setor e dos respectivos subsetores. A soma de todas as

atividades redundará na eficácia da comunicação nas organizações (KUNSCH,

1997, p. 115).

Para Kunsch (1997), não há diferença entre comunicação empresarial ou

organizacional. Bueno (2003) ratifica, conceituando ambas como:

Um conjunto de planos, ações, políticas e produtos planejados por uma organização

com o fim de atar um relacionamento contínuo com os stakeholders. Quando

falamos em Comunicação Institucional, tratamos de uma ideia política defendida pela organização, não uma simples propaganda ou publicidade de certo produto, mas

sim uma exposição de um ponto de vista de uma posição política (BUENO, 2003,

p.29).

Os stakeholders são considerados “todos os públicos que impactam ou são impactados

pelas decisões e pela própria existência de uma organização” (BUENO, 2009, p.281),

incluem-se, além dos proprietários, investidores e diretores, os empregados, credores,

comunidades locais, meios de comunicação, a classe política e sociedade como um todo. São

os públicos a quem a Comunicação do Ceste está direcionada estrategicamente, com objetivos

claros e metas.

Já conceituadas também essas mediações que perpassam as construções que o

Consórcio faz sobre os sujeitos e esferas que fazem parte do processo, retoma-se ao nosso

questionamento inicial do ponto de vista da produção discursiva do Ceste: quem seria a

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sociedade civil? Quem seria o Estado? Quem seria o próprio empreendedor, na figura do

Consórcio? De que nomeações, definições pode-se apreender?

Quanto ao sujeito atingido por barragem, foi feita uma importante constatação na

pesquisa sobre a produção discursiva do site do Ceste. Embora seja o termo “atingido”

utilizado em toda a legislação do tema (Estudos de Impactos Ambientais, etc.), observa-se

(tanto se fazendo uma busca por palavra-chave no site ou lendo todas as notícias mapeadas),

no site do Consórcio há uma notória interdição do vocábulo “atingido” ou “impactado”, em

substituição por sinônimos com peso semântico de menor influência sobre a vida do que sofre

a ação, como “interferido” ou “alcançado”.

Foucault (2009) elenca procedimentos externos e internos de exclusão do discurso.

Segundo ele, a palavra proibida (interdição), a segregação da loucura (separação) e a vontade

de verdade são os três grandes sistemas de exclusão e que se apoiam sobre um suporte

institucional. Quando Foucault fala em interdições do discurso, da palavra proibida, remete-se

nesta análise também à escolha cuidadosa das palavras que podem ou não entrar no jogo.

Como apontado anteriormente em Vainer (2007), o conceito de “atingido” não é

meramente técnico, mas diz respeito à legitimação e ao reconhecimento de direitos e

demandas. Quando o Consórcio interdita no léxico o “atingido” corre o risco de deixar de

reconhecer o conceito de legitimação do sujeito o qual se refere e as práticas que agregam

valor ao sentido da palavra, minimizando a ação da usina a somente uma “interferência”, que

pode ser mitigada.

Nas demais abordagens sobre a sociedade civil pelo site do Ceste, o que se pode

completar após a análise é que, na visão do Consórcio, não há impactados, há uma sociedade

que sofre “interferência” e essa interferência é mínima e é compensada pelas ações

mitigatórias; e em alguns casos mudou a vida dessas comunidades para melhor. Relembra-se

que no Programa de Comunicação Social (CNEC, 2005) há a orientação de tornar uma

comunidade, antes contrária ao empreendimento, em parceira e apoiadora do projeto.

O Estado, na visão do Consórcio, cumpre o seu papel político e econômico de prover

energia elétrica para o país, satisfazendo uma necessidade coletiva e promovendo o

crescimento econômico. As figuras políticas do poder executivo local, estadual e federal,

poder legislativo e judiciário ora são protagonistas no processo de implantação da Usina, ora

endossam e legitimam essas ações.

O Mercado, como uma autorreferência do próprio Consórcio, nessa produção

discursiva externa o cumprimento com a legislação exigida, executa os Programas Básicos

Ambientais e presta conta de suas ações.

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Trata-se de uma estrutura argumentativa, seleção de fontes e posicionamentos

institucionais de sujeitos que se repete em toda a produção noticiosa do site do Ceste.

Configuram sua formação discursiva, em que se percebe a regularidade, de noções bem

específicas e contínuas sobre produção energia, cumprimento à legislação mitigação de

impactos em prol do crescimento econômico do país.

1.6 Os sujeitos na Esfera do Estado: Análise do site do Ministério de Minas e Energia

Para dar continuidade à proposta inicial desta pesquisa, de desvendar as Formações

Discursivas sobre a UHE Estreito a partir de diferentes lugares de fala, é oportuno também

transitar pela esfera do Estado para compreender algumas nuances sobre como esse discurso

institucional é produzido.

Como já foi antecipado, situam-se nessa esfera do Estado os órgãos responsáveis pelo

planejamento, autorização e fiscalização da produção e distribuição de energia no país. No

caso da implantação da UHE Estreito, integram essa esfera do Estado: Presidência da

República, Ministério de Minas e Energia, Ministério da Pesca, Ministério do Meio

Ambiente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), Agência

Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Ministério Público, Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Operador Nacional do Sistema (ONS),

Governo do Maranhão, Governo do Tocantins, Prefeituras dos 12 municípios atingidos,

Senado e Câmara de Deputados, Câmara de Vereadores, Assembleia Legislativa (MA) e

Assembleia Legislativa (TO).

Para esta análise, de maneira mais aplicada, foram selecionadas as notícias do site

institucional do Ministério de Minas e Energia que versam sobre a UHE Estreito no recorte

temporal de 2008, 2010, 2012 e 2013, período que coincide com a gestão do ministro

maranhense Edson Lobão.

Pensar o papel dessa esfera do Estado na construção de usinas hidrelétricas requer

também uma breve reflexão sobre as mudanças que ocorreram no setor elétrico com a entrada

do capital privado.

Sabe-se que o Estado ao longo dos anos exerceu o papel de protagonista na economia

da maioria dos países e que, a partir dos anos 1980, com o fortalecimento do neoliberalismo, o

debate sobre a atuação dos Estados e dos mercados se acirrou, passando essa intervenção do

Estado na economia a ser severamente criticada e a serem implementadas políticas que

visavam a reduzir seu escopo e tamanho, principalmente nos países em desenvolvimento.

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Nos anos 1990, essa maior participação do setor privado foi se acentuando na maioria

dos países emergentes, descentralizando o foco econômico somente da atuação do Estado. No

setor elétrico, foi um cenário propício para a expansão das governanças híbridas, com a

presença de agentes públicos e privados (no caso do Brasil, a Eletrobrás e a Petrobras). Com

essa menor participação do Estado no planejamento da expansão do setor elétrico brasileiro e

o planejamento e gestão de hidrelétricas passando a ser mediado pela entrada do capital

privado os empreendimentos de geração de energia passaram por alguns problemas, como

primazia da racionalidade técnica e econômica e relacionamento conturbado com as

comunidades atingidas.

Nas décadas de 1990 e 2000 a legislação do setor elétrico passou por algumas

reformulações. “As mudanças ocorridas em 2004 restabeleceram a maior presença de órgãos

estatais no planejamento do setor elétrico e trouxeram de volta o interesse de Estado como

importante balizador da expansão hidrelétrica” (SOUSA; JACOBI, 2010). Sousa e Jacobi se

referem às leis promulgadas em 2004, que criavam a Empresa de Pesquisa Energética – EPE

(incumbida da realização da avaliação ambiental integrada do conjunto dos empreendimentos

hidrelétricos previstos) e a sobre a Lei que rege novas regras para a comercialização de

energia elétrica (incluindo o requisito da Licença Prévia para empreendimentos hidrelétricos

irem a leilão).

Vainer (2007), no entanto, denuncia uma ruptura nesse período que atingira a

articulação entre a legislação para o setor elétrico, a legislação ambiental e o ciclo do projeto

hidrelétrico.

O processo de licenciamento ambiental foi subvertido sem que ficassem claras as

responsabilidades e atribuições do poder concedente e da agência que o representa

(ANEEL), da empresa concessionária e das agências ambientais (estaduais ou nacional), criando uma terra de ninguém na qual passou a vigorar a improvisação,

cujos custos passaram a recair, como de hábito, sobre as populações atingidas e

sobre o meio ambiente. A recente criação da Empresa de Planejamento Energético

(EPE) não parece ter sido capaz de dar uma solução à questão, uma vez que se

tornaram anacrônicas as regras para licenciamento herdadas da segunda metade dos

anos 1980, sem que a renovação legal-institucional em marcha desde a privatização

tenha equacionado as questões que se impõem (VAINER, 2007, p. 121).

Ele aponta uma precipitação e ligeireza com que o processo de reestruturação da

legislação do setor vem sendo conduzido “e o grande risco de assistirmos, no futuro próximo,

a um agravamento dos problemas resultantes do tratamento irresponsável dos impactos sociais

e ambientais de grandes projetos do setor elétrico” (VAINER, 2007, p. 122).

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Ao longo desse processo histórico de redefinição de um modelo energético no país,

Vainer (2007) destaca que entre os anos 1980 e 1990, por outro lado, houve uma intensa

pressão social e que o setor elétrico passou por uma dinâmica interna que favorecia a

reavaliação de suas condutas e padrões e questiona se seria uma causalidade ou ironia da

história a leitura de que no momento em que o Estado e as empresas estatais passavam a ser

alvo de um maior controle social, e que os processos de decisão começavam a ganhar certa

transparência e abriam mais espaços à participação, assistiu-se a um deslocamento do centro

das decisões do setor público para o setor privado.

Ao tratar a energia como uma commodity como outra qualquer, ao conceber a produção, transmissão e distribuição de energia elétrica como uma indústria –

melhor seria dizer um negócio – como outra qualquer, a reestruturação fez tábula

rasa de todo o debate ambiental dos últimos vinte anos, bem como da experiência

recolhida na implantação de grandes projetos hidrelétricos. A pretensão de

externalizar a questão social e ambiental, isto é, considerá-la como externa ao

empreendimento, representou lamentável recuo em relação à consciência, que

parecia consolidada mesmo nas agências multilaterais, de que a questão social e

ambiental é intrínseca aos grandes projetos, deles inseparável (VAINER, 2007, p.

129).

As questões sociais e ambientais e o papel do Estado em garantir que as demandas

nessas áreas sejam garantidas compõem um prisma complexo de discussões na implantação

de hidrelétricas até os dias de hoje. No caso da UHE Estreito, esse embate permeou também

todo o processo de instalação da Usina, desde os leilões e audiências públicas até mesmo a

fase após a usina inaugurada e já em funcionamento.

Retoma-se ao discurso oficial proferido pela Presidente Dilma Rousseff, durante a

solenidade de inauguração da UHE Estreito, em 17 de outubro de 2012, na qual ela destaca o

empenho dos empreendedores em superarem os obstáculos para se construir uma usina de

forma mais ágil.

Mas eu queria saudar aqui os empreendedores, porque essa usina ela foi feita pelo

empenho desses empreendedores e disso eu sou testemunha. Eu sou testemunha

porque foram várias vezes que eu participei de reuniões em que, de uma forma ou de

outra, nós tínhamos ali eu como, eu acho mais... emprestando uma coisa que o

Estado tem de ter, que é a capacidade de escutar e de, na medida do possível, tentar

equacionar em conjunto com o setor privado os impedimentos para a construção de

um projeto desses (Discurso da Presidenta Dilma Rousseff, na cerimônia de

inauguração da UHE Estreito. Estreito - MA, 17 out. 2012).

Ela esclarece que o motivo pela demora em se concluir a UHE Estreito se deu pelo

fato da Usina ter sido licitada em um modelo e construída em outro. “Acredito que ela só foi

construída porque tinha o outro modelo, porque esse outro modelo tornava eficaz essa

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construção produtiva e, obviamente, lucrativa também para os empreendedores” (Discurso da

Presidenta Dilma Rousseff, na cerimônia de inauguração da UHE Estreito. Estreito - MA, 17

out. 2012). O modelo de construção de Usinas Hidrelétricas ao qual a UHE Estreito está

submetido passa por uma clara imbricação entre a atuação dos setores público e privado, e é

importante ter essa noção clara também para perceber o lugar institucional de onde emergem

esses discursos oficiais construídos sobre a Usina.

Dentro do organograma do Governo Federal selecionou-se para este observação a

comunicação institucional do Ministério de Minas e Energia, órgão da administração federal

direta, que representa a União como Poder Concedente e formulador de políticas públicas,

bem como indutor e supervisor da implementação dessas políticas nos segmentos de geologia,

recursos minerais e energéticos; aproveitamento da energia hidráulica; mineração e

metalurgia; petróleo, combustível e energia elétrica. É de competência também do MME zelar

pelo equilíbrio conjuntural e estrutural entre a oferta e a demanda de recursos energéticos no

país.

O Ministério de Minas e Energia foi criado em 1960. Antes de sua criação, os assuntos

de minas e energia eram de competência do Ministério da Agricultura. Em 1990 o MME foi

extinto e suas atribuições foram transferidas para o Ministério da Infraestrutura, mas ele

voltou novamente a ser criado em 1992. Em 1997, foi criado o Conselho Nacional de Política

Energética (CNPE), pela Lei n° 9.478, vinculado à Presidência da República e presidido pelo

ministro de Minas e Energia, cuja atribuição era propor ao Presidente da República políticas

nacionais e medidas para o setor.

Em 2004, foi criado o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), cuja

função é acompanhar e avaliar permanentemente a continuidade e a segurança do suprimento

eletroenergético em todo o território nacional. Foi também autorizada a criação da Empresa

de Pesquisa Energética (EPE). Vinculada ao Ministério de Minas e Energia, a EPE tem por

finalidade prestar serviços na área de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o

planejamento do setor energético.

São vinculadas também ao MME as empresas Eletrobrás e Petrobras, que são de

economia mista. A Eletrobrás controla as empresas Furnas Centrais Elétricas S.A.,

Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF), Companhia de Geração Térmica de

Energia Elétrica (CGTEE), Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. (Eletronorte), Eletrosul

Centrais Elétricas S.A. (Eletrosul) e Eletrobrás Termonuclear S.A. (Eletronuclear). Entre as

autarquias vinculadas ao Ministério estão as agências nacionais de Energia Elétrica (ANEEL)

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e do Petróleo (ANP) e o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), como se

visualiza no organograma do órgão, a seguir.

Figura 2 – Organograma do Ministério de Minas e Energia

Fonte: www.mme.gov.br.

O corpus de análise deste tópico é o noticiário sobre a UHE Estreito produzido pelo

Ministério de Minas e Energia publicado no site www.mme.gov.br, sitiado no Portal Brasil, do

Governo Federal. Essa produção noticiosa é mediada pelos preceitos que regem a

comunicação pública, segundo define Jorge Duarte:

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A comunicação pública diz respeito à interação e ao fluxo de informação

relacionados a temas de interesse coletivo. O campo da comunicação pública inclui

tudo que diga respeito ao aparato estatal, às ações governamentais, partidos

políticos, terceiro setor e, em certas circunstâncias, às ações privadas. A existência

de recursos públicos ou interesse público caracteriza a necessidade de atendimento

às exigências da comunicação pública (DUARTE, 2010 p.03).

No âmbito da comunicação pública, de acordo com o autor, as informações costumam

atender aos papeis das seguintes categorias: institucionais (responsabilidades e funcionamento

das organizações – estrutura, políticas, serviços e funções dos agentes públicos, poderes,

esferas governamentais, entes federativos, entidades); de gestão; de utilidade pública; de

prestação de contas; de interesse privado; mercadológicos e de dados públicos.

Pretende-se identificar nesta observação o que compõe as Formações Discursivas do

Ministério de Minas e Energia no trato dado à UHE Estreito; a partir do seu lugar de

enunciação, que Objetos discursivos sobre a Usina são construídos. Para isso, mapearam-se as

notícias que se referem à temática da usina no recorte temporal que vem sendo adotado em

toda a pesquisa. Assim, chegou-se ao quadro de oito notícias, que por apresentarem tanto

formato quanto abordagem de assuntos repetitivos, levou-nos à análise de duas delas,

partindo-se do procedimento metodológico de observar as recorrências e compreender as

regularidades em meio à dispersão nas principais Modalidades Enunciativas, Conceitos e

Objetos no discurso do MME sobre a UHE Estreito.

Tabela 10 – Notícias sobre a UHE Estreito no site do Ministério de Minas e Energia

Título da notícia Data da publicação

Usina Hidrelétrica de Estreito é incluída no REIDI 14 mar de 2008

Edison Lobão visita Usina Hidrelétrica de Estreito 26 fev de 2010

UHE Estreito: Lobão confirma início de operação para o segundo

semestre 01 mar de 2010

Lula e Zimmermann visitam obras da usina de Estreito 30 nov 2010

Reunião faz balanço da gestão do MME 19 fev 2012

Setor de energia recebe R$ 33,8 bilhões no primeiro ano do PAC 2 07 mar de 2012

Presidenta inaugura Hidrelétrica de Estreito e destaca investimento

em energia elétrica no País 17 out de 2012

Ações do PAC em Energia já chegam a R$ 108,1 bilhões 22 fev de 2013

Fonte: Categorizado pela autora (2015).

Sobre os sujeitos que falam e sobre quem se fala nesse conjunto de notícias fica

explícita a fala do ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, por vezes substituído por um

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ministro interino; assim como é recorrente a fala da Presidência da República. Pelo próprio

lugar de fala de onde emergem esses discursos, justifica-se a prioridade dada ao aparato

institucional na composição dessas Modalidades Enunciativas. Percebe-se também um

posicionamento de orgulho e satisfação por parte do ministro Edson Lobão por ser um

político maranhense, da mesma localidade onde a obra é construída, que compõe uma

configuração favorável na trama tecida do relacionamento institucional entre as figuras

políticas que transitam esse campo. Nota-se também que outros sujeitos, como a sociedade

civil, não aparecem nesses discursos.

Os Objetos, aquilo que se nomeia nesse conjunto de enunciados, atendem ao caráter de

accountability, de monitoramento e prestação de contas sobre a construção da usina. É

recorrente a abordagem sobre “visitas à usina”, que consistem no aval por parte do Estado

sobre as ações do concessionário da usina, o Ceste.

Dessa noção de prestação de contas destacam-se, principalmente, os tópicos sobre

geração de empregos durante a fase de obras, valores de investimentos e prazos cumpridos.

Somente durante a fase de implantação do empreendimento estão sendo gerados

cerca de 6.500 empregos diretos e 16.500 indiretos, totalizando 23.000 postos de

trabalho. Além disso, tem sido priorizada a contratação da mão-de-obra local.

De acordo com o ministro, um total de R$ 92 bilhões de investimentos em grandes

obras, como a Usina Hidrelétrica de Estreito e outros empreendimentos nas regiões

Norte e Nordeste, até 2013, vão representar aumento de mais de 35% no setor elétrico em relação ao período entre 2005 e 2008. Lobão comemorou essas

estimativas porque, segundo ele, mostram o acerto da política adotada pelo governo

federal para a área que ele comanda há dois anos (MINISTÉRIO DE MINAS E

ENERGIA, 26/02/10).

O olhar, a partir do Governo Federal sobre a UHE Estreito, é que ela compõe uma

importante peça no fortalecimento do setor energético do país, como se observa no registro

sobre a inauguração da Usina, em 17 de outubro de 2012.

A Presidenta Dilma Rousseff destacou nesta quarta-feira, 17 de outubro, durante

solenidade de inauguração da Usina Hidrelétrica de Estreito, no Maranhão, o esforço

do governo para estabilizar o setor elétrico e evitar a falta de energia no País:

- Fizemos um grande esforço para estabilizar o setor elétrico no Brasil, para que não

haja racionamento, para que as melhores práticas de segurança sejam implantadas e

isso é um projeto que passa por uma cooperação entre os setores público e privado–

afirmou a Presidenta (MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA, 17/10/12).

A estabilização do setor elétrico no país perpassa, na composição desse Objeto

discursivo, pela ação conjunta dos setores públicos e privados; e o papel do Estado construído

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passa a ser do fiscalizador e de parte no processo da construção das hidrelétricas e não, de

protagonista.

Essas breves observações a partir a voz do Ministério de Minas e Energia ajudam a

compreender como o discurso oficial e institucional sobre a UHE Estreito é construído, o que

é evidenciado (fortalecimento do setor, investimentos e atuação Estado em parceria com o

Mercado) e o que é silenciado (por exemplo, questões ambientais e sociais referentes às

famílias atingidas). Esse discurso é regido por regras que o definem enquanto Comunicação

pública, da esfera Federal, mas esse lugar de fala ajuda a compor o mosaico do conjunto de

enunciados sobre esse tema que ao qual se debruça nos capítulos que se seguem.

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2 OS SUJEITOS NA ESFERA DA SOCIEDADE CIVIL

O objetivo deste capítulo é pensar o conjunto de enunciados que compõem as

formações da UHE Estreito a partir do olhar, valores e demandas da esfera da sociedade civil.

Além de apresentar e discutir os sujeitos e dinâmicas desta esfera, pretende-se compreender

como o Movimento dos Atingidos por Barragens constrói os discursos sobre o Estado, o

Ceste e a própria sociedade civil na sua produção de notícias.

Se cada sujeito e instituição ocupam determinada posição em relação à Usina,

compreender esse posicionamento a partir da esfera da sociedade civil requer mapear,

descrever e situar quem são esses sujeitos e suas organizações sociais. É válido considerar

que aproximadamente 300 mil famílias são remanejadas compulsoriamente em razão das

hidrelétricas no país atualmente (NUTTI, 2007; BESSA et al., 2009; BESSA et al., 2011).

Desse total, cerca de 60% dos habitantes são da área rural em diferentes regiões e situações de

sobrevivência, como ribeirinhos, posseiros, pequenos proprietários; os demais 40% são

pertencentes a núcleos populacionais urbanos (NUTTI, 2007).

No caso da UHE Estreito, compõem esse prisma da sociedade civil: ribeirinhos;

meeiros; posseiros; Movimento dos Atingidos por Barragens; ONG’s; associações

comunitárias; associações de pescadores, de produtores rurais, de barqueiros, de barraqueiros,

de trabalhadores, de oleiros, de quebradeiras de coco, de lojistas, de chacareiros; igrejas;

membros dos comitês de cogestão e toda a população direta e indiretamente atingida dos

municípios do Tocantins e do Maranhão.

Sobre a definição de ser atingido direta ou indiretamente, o glossário da resolução nº

305, de 12 de junho de 2002, do Conama, define como Área de Influência Direta (AID) sendo

a área necessária à implantação de obras/atividades, bem como aquelas que envolvem a

infraestrutura de operacionalização de testes, plantios, armazenamento, transporte,

distribuição de produtos/insumos/água, além da área de administração, residência dos

envolvidos no projeto e entorno. Já Área de Influência Indireta (AII), como o conjunto ou

parte dos municípios envolvidos, tendo-se como base a bacia hidrográfica abrangida. E aponta

que na análise socioeconômica, esta área pode ultrapassar os limites municipais e, inclusive,

os da bacia hidrográfica. Essas nomeações e enquadramentos em categorias pré-estabelecidas

também são objetos de disputa, que vão além do caráter técnico que os termos abarcam.

As definições sobre o sujeito atingido por barragem variou bastante nos últimos 30

anos, de acordo com os contextos políticos e socioculturais do país, e também como fruto de

discussões e pressões das diversas esferas envolvidas. Assim, a forma como o atingido é

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concebido e os princípios que essa concepção abarca podem definir as práticas pelas quais a

instituição vai reconhecer os direitos desse sujeito.

Locatelli (2014) e Vainer (2007) traçaram um quadro com uma síntese de concepções

sobre o atingido que vêm sendo utilizadas por projetos hidrelétricos no país desde os anos

1980, sendo as visões mais usadas: a “territorial-patrimonialista”, a “hídrica” e a de “mudança

social”, como se observa:

Tabela 11 – Concepções sobre o Atingido

Concepção Características Tendência de uso

Territorial -

patrimonialista

Direito de desapropriação por interesse público; “O território atingido é concebido como sendo a

área a ser inundada e a população atingida é constituída pelos proprietários fundiários da área

a ser inundada”; Indenização mediante a títulos.

Empreendedores BNDES.

Hídrica

Efeitos do empreendimento estritamente a área a ser inundada. Exclui os que não têm área alagada,

mas têm sua estrutura produtiva prejudicada.

BNDES; Legislação; Empreendedores; MME; ANEEL;

Ibama; Eletrobas.

Mudança social

Empreendimento como mudança social nos planos econômico, político, cultural e ambiental,

em várias dimensões e escalas espaciais e temporais.

Parte da literatura acadêmica, movimentos sociais, MAB, Banco

Mundial, Comissão Mundial de Barragens.

Fonte: Locatelli (2014); Vainer (2007).

Vainer (2007) explica que na abordagem “territorial- patrimonialista” considera-se

o atingido como proprietário da terra. O problema centrava-se majoritariamente em uma

questão de patrimônio fundiário e desconsiderava, na maioria dos casos, os impactos sociais e

ambientais.

Em poucas palavras, nesta concepção, não há propriamente impactos, nem

atingidos, e menos ainda qualquer coisa que possa ser entendida como direitos dos

atingidos; o que há é o direito de desapropriação por utilidade pública exercido pelo

empreendedor, cujo departamento de patrimônio imobiliário negociará com os

proprietários o valor justo de suas propriedades (VAINER, 2007, p.02. grifo dele).

A concepção “hídrica”, continuando a classificação proposta por Vainer, pode ser lida

como uma reformulação da “territorial-patrimonialista”; entende o atingido como o

inundado nesse processo e, mesmo quando reconhece quem não possui os títulos da terra

(ocupantes, posseiros, meeiros), restringe espacialmente os efeitos da barragem aos sujeitos

que têm suas terras inundadas. “Neste caso, atingido passa a ser entendido como inundado e,

por decorrência, como deslocado compulsório – ou, como é corrente na linguagem do Banco

Mundial, reassentado involuntário” (VAINER, 2007, p.04). Destaca também que essa

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concepção foi fortalecida pela legislação referente a compensações financeiras, já que esta

considera que os municípios a serem compensados são aqueles que têm parte de seus

territórios inundados.

Há, ainda, uma terceira abordagem que considera o empreendimento como um grande

deflagrador de mudanças sociais, econômicas, políticas, culturais e ambientais. Vainer destaca

que nessa perspectiva o foco deixa de ter ênfase no direito do empreendedor e passa a

priorizar o das famílias afetadas.

Trata-se, com efeito, de um processo de mudança social que interfere com várias

dimensões e escalas, espaciais e temporais. Neste processo de mudança, além de

alterações patrimoniais (novos proprietários) e morfológicas (nova geomorfologia,

novo regime hídrico, etc.), instauram-se novas dinâmicas sócio-econômicas, novos

grupos sociais emergem na região de implantação, novos interesses e problemas se

manifestam (VAINER, 2007, p.04).

O mérito dessa abordagem é considerar dimensões além das financeiras e de

recompensas materiais. Todo o processo que envolve a instalação de hidrelétricas,

remanejamento da população, mudança no cenário habitado, implica também em mudanças

estruturais das comunidades ribeirinhas, que adentram em outros campos imateriais, como o

cultural, da memória, da tradição, da religiosidade e do simbólico.

Toma-se como exemplo aqui alguns depoimentos dos atingidos por usinas

hidrelétricas situadas ao longo do curso do rio Tocantins exibidos no documentário4

“Tocantins: Rio Afogado” (2005). Dentre os entrevistados, os atingidos pela UHE Estreito

relatam suas impressões sobre as mudanças que a barragem traria, como o relato de Raimundo

Vicente, morador da Ilha de São José, no município de Babaçulândia, que mais tarde

praticamente desapareceria submersa pelas águas do reservatório.

Aqui a Ilha de São José é habitada de babaçu, é habitada de criação; aqui nós temos

nossa lavoura que produz diariamente. Essa barragem vai acabar com tudo, com

tudo completamente e agora o que vamos fazer? Além da terra, essa natureza que a

gente muito ama. Um velho que nem eu que posso dizer fui acabado de criar aqui,

cheguei aqui com a idade de 12 anos e tô com a idade de 66 anos conheço muito

bem o modo de se labutar aqui e o amor que todos nós tem aqui. Dinheiro nenhum nos vai pagar, a indenização, dinheiro nenhum paga nem a nossa amizade que a

gente tem com a terra quem dirá o valor da terra, da criação e da produção (sic)

(TOCANTINS, 2005).

4 O documentário é uma co-produção do diretor João Luiz Neiva Brito, Virtual Criação & Produção, TV

Palmas e Fundação Padre Anchieta -TV Cultura, com o intuito de discutir ecologia e desenvolvimento

socioeconômico a partir da problematização de três projetos de construção de usinas hidrelétricas ao longo do

rio Tocantins (uma hidrelétrica em funcionamento há 10 anos, Serra da Mesa -GO; uma em fase de

construção, Peixe-Angical -TO; e uma em processo de licenciamento ambiental, a de Estreito -MA).

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O município de Babaçulândia foi o mais atingido pela usina de Estreito. Cerca de 193

imóveis atingidos e uma área de 7.286 hectares alagada, de acordo com o previsto no EIA

(2001). “Trata-se de um impacto de natureza negativa causado diretamente pelo

empreendimento, cuja duração é permanente, sendo também localizado, irreversível, de

ocorrência certa e imediata” (CNEC, 2001, p.126). Raimundo Vicente problematiza, em seu

relato, além do valor monetário da propriedade, o fator da subjetividade, do apego e amor à

terra, que é imensurável no quesito que compõe o valor da indenização no processo de

desapropriação e remanejamento das famílias atingidas.

Outro relato deste mesmo documentário que se pode considerar neste exemplo é o da

quebradeira de coco babaçu, do povoado de Palmatuba, também localizado no município de

Babaçulândia- TO. De acordo com o EIA, “o enchimento do reservatório causará a inundação

total do povoado Palmatuba, pertencente ao município de Babaçulândia” (CNEC, 2001,

p.126). Maria Zélia dá o seu relato no documentário enquanto continua exercendo sua

atividade laboral, atrás de uma enorme pilha de coco babaçu: “esse rio, se nós ficar sem ele, é

igual ficar assim sem um parente, igual um parente quando morre. Nós só não briga porque a

gente não tem força, se nós tivesse um grupo, nós brigava mesmo porque nós temos que

brigar porque é nosso (sic)” (TOCANTINS, 2005).

O coco babaçu5 era principal fonte de renda das mulheres de Palmatuba antes do

enchimento do reservatório. A extração do coco é uma atividade manual fatigante, quase

exclusivamente feminina e passada tradicionalmente por gerações de mãe para filha. Avalia-

se que o enchimento do reservatório e o alagamento dessas terras significa para esse grupo

também uma mudança no seu próprio fazer humano (ARENDT, 2007), nas suas relações com

o trabalho, com o território, com a tradição, com a sua própria voz e forma de viver.

Em outro relato, a ribeirinha Maria Barros também apresenta angústias e incertezas

quanto à proximidade da concretização da barragem, à época da gravação do documentário,

em 2005: “O que acho é que não vem nada bom não. Na minha gestão só vem o que é ruim,

mas a palavra da gente não vale coisa nenhuma se é que eles querem fazer. Que que adianta a

gente dizer que não quer se passam por riba de todos os dito?” (TOCANTINS, 2005). Maria

Barros demonstra a fragilidade que sente enquanto indivíduo frente à grandiosidade que o

empreendimento representa. Nessa disputa de poder entre os atores sociais envolvidos ela

5 O babaçu é fruto de uma palmeira que costuma atingir até 20m de altura, comum em alguns estados do Norte,

Nordeste e Centro-Oeste. Do fruto são extraídos amêndoas para produção de leite e óleo; da casca, se produz o

carvão; as palhas da palmeira são utilizadas na construção de casas. Também são produzidos sabonete e outros

cosméticos, assim como artesanato das palhas e casca da palmeira. Um quilograma da amêndoa do coco custa,

em média, R$0,50.

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reconhece a mínima possibilidade do atingido ser escutado e atendido. Ela também externa

seu sentimento em relação ao rio, sua perspectiva pessimista para o futuro, corroborando com

o nome e ideia fio condutor do documentário, de um rio afogado:

A saudade, as lembranças, isso não vai apagar nunca no meu coração, só em pensar

até choro. Convivi demais com o rio. Não tô mais convivendo porque não tenho

mais muita coragem de ir lá em baixo, mas daqui tô matando minha saudade de

olhar pra ele toda hora, vai acabar tudo né? Vai acabar o nome de rio Tocantins, rio

afogado e morto também porque ele não significar mais nada (sic) (TOCANTINS,

2005).

Pertencente ao povo Krahó, o indígena Alberto Harpyhy também coloca seu ponto de

vista e impressões sobre a usina no documentário, problematiza sobre o modelo de

desenvolvimento que vem sendo gerido no país, coloca em xeque a escolha da construção de

usinas hidrelétricas como a melhor opção e, como habitante daquele território, questiona a

participação da população na condução do processo das barragens.

Essa é uma preocupação que a gente tá tendo, nós indígena, com o pensamento que

o branco tá trazendo. Eles quer trazer desenvolvimento pro nosso país, né? Mas eu

fico pensando se não tem um outro jeito de trazer o desenvolvimento pro nosso país

ser ter tantas mil barragens que tem no Brasil e ainda é mais construindo

barragem. Tudo que é construído em torno da nossa área, a gente não é comunicado,

não é consultado nada. As coisas é feito sozinho como se fosse daquela nação. O

Brasil não tá sendo só do branco não. O Brasil também é o do índio. Como na

história que hoje as pessoas falam: o índio é o primeiro brasileiro, o segundo

brasileiro somos nós. Mas o segundo, nessas horas assim, não consultam o primeiro

brasileiro se pode fazer ou não. As coisas tá sendo feito sozinho como se eles fossem

dono sozinho né? A gente é dono também (TOCANTINS, 2005).

Sobre a relação do homem com o território em que habita, Milton Santos (1987)

pontua que nela perpassa também a questão da cidadania.

Cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor,

cidadão, depende se sua localização no território. O seu valor vai mudando,

incessantemente, para melhor ou pior, em função das diferenças de acessibilidade

(tempo, frequência, preço). Independentes de sua própria condição. Pessoas, com as mesmas virtualidades, a mesma formação, até mesmo o mesmo salário têm valor

diferente segundo o lugar em que vivem: as oportunidades não são as mesmas. Por

isso, a possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção, do

ponto do território onde se está (SANTOS, 1987, p. 81).

Ser reconhecido como atingido, ter direito a uma indenização e/ou ser remanejado

para outra localidade é um processo complexo, que perpassa à questão que a legislação

abarca; de acordo com os depoimentos expostos no documentário, envolve questões mais

umbilicais sobre o homem e seu território, seu espaço, que não encontram lugar nas

negociações e acordos entre os atingidos e o empreendedor.

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No caso da UHE Estreito, o Plano de Remanejamento da População incluiu as opções

para os moradores das áreas afetadas: indenização do imóvel, pago em espécie; carta de

crédito rural ou urbana (que possibilitara a aquisição de outro imóvel escolhido pelo atingido)

ou reassentamentos coletivos rural ou urbano. A página oficial do Ceste informa que:

Para a construção da UHE Estreito foi necessário o remanejamento de mais de 3.000

propriedades, o que inclui a aquisição de imóveis e o deslocamento de cerca de 2.000 famílias de proprietários e não proprietários de imóveis, que residiam na área

do atual reservatório e da respectiva área de preservação permanente. Essas famílias

foram remanejadas para reassentamentos coletivos construídos pelo CESTE ou para

locais escolhidos pelas próprias famílias, adquiridos por meio de cartas de crédito

emitidas pelo CESTE. Vale ressaltar, ainda, que quase 100% das propriedades

foram adquiridas por meio de negociações amigáveis (CONSÓRCIO ESTREITO

ENERGIA, 2014).

O MAB apresenta na tabela a seguir uma comparação do valor das indenizações da

UHE Estreito com outras usinas construídas no rio Tocantins, Peixe Angical e São Salvador:

Tabela 12 – Valores das indenizações em hidrelétricas do Tocantins

Usinas

Hidrelétricas

Licença

de

Instalação

Proposta para

proprietários

(hectare=ha)

Proposta para

ocupantes

(hectare=ha)

Peixe Angical Abril 2002

Carta de crédito de R$ 53 mil + indenização das benfeitorias, ou

reassentamento: de 1 a 80 ha, recebe 80 ha

Carta de crédito de R$ 53 mil, ou 27,3 ha em reassentamento

São Salvador Julho 2005

Carta de crédito de R$ 70 mil (atualização monetária de Peixe Angelical) + indenização das

benfeitorias, ou reassentamento: de 1 a 80 ha, recebe 80 ha

Carta de crédito de R$ 70 mil, ou 27,3 ha em reassentamento

Estreito Dezembro 2006

Carta de crédito de R$ 57 mil ou 40 ha em reassentamento

Carta de crédito de R$ 37 mil ou 12 ha em reassentamento (40 ha para

pecuaristas)

Fonte: Repórter Brasil (2008).

Vainer (2007) defende que o problema principal relativo às políticas de

equacionamento e tratamento dos impactos sociais e ambientais de projetos se deve menos à

delimitação conceitos e critérios e mais às empresas e corpo técnico formados na concepção

“territorial-patrimonialista” e “hídrica”, simplesmente indenizatória.

Os documentos de orientação da Eletrobrás – I e II Planos Diretores de Meio

Ambiente, em particular – já de há muito tempo estabeleceram parâmetros cuja

aplicação estrita teria certamente evitado muitos dos conflitos que se arrastam até

hoje, elevando desnecessariamente custos – tanto financeiros quanto sociais,

políticos e institucionais (VAINER, 2007, p.13).

Ele questiona a atuação das empresas de consultorias que realizam os Estudos e os

Relatórios de Impactos Ambientais. Como consequência, Vainer destaca que os documentos

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que teriam como objetivos primeiros levantar os impactos e mitigações às vezes se constituem

em documentos de “propaganda” do empreendimento, e as agências ambientais acabam

licenciando projetos em que atingidos não foram identificados corretamente nem

equacionados. Tomando-se o exemplo da empresa de consultoria que realizou os Estudos de

Impactos Ambientais da UHE Estreito, a CNEC Engenharia S.A., pode-se atentar para o dado

de que esta empresa, criada em 1959, foi incorporada desde 1969 pelo grupo Camargo Corrêa,

um dos acionistas da usina, detalhe que corrobora com o questionamento de Vainer sobre a

total isenção dessas empresas de consultoria.

Notar que as concepções sobre o atingido sofrem alterações diacronicamente é

reconhecer que as pressões por parte da esfera da sociedade civil conseguem algum êxito na

busca por mudanças no ponto de vista de como esse sujeito e o processo podem ser

observados e conduzidos, inclusive repensando a noção sobre desenvolvimento discutida no

capítulo anterior, levando em conta as diversas dimensões que o processo acarreta no local e

na vida das pessoas atingidas por barragens. Reside aí também o papel do Movimento dos

Atingidos por Barragens, enquanto movimento social, de cobrar e ser sujeito ativo na

conquista dessas mudanças. No tópico a seguir serão abordadas as possibilidades que a

sociedade civil encontra para participar das decisões e do debate sobre a instalação de usinas

no país.

2.1 As Ferramentas de Participação da Sociedade

A participação popular nas tomadas de decisões em variadas situações enfrentadas

pela sociedade é tida como uma dimensão primordial da democracia. Neste tópico

apresentam-se as ferramentas que têm permitido, em algum grau, essa participação popular no

processo de instalação de usinas hidrelétricas no país.

A Declaração Final da Conferência Rio 92 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

aponta, no princípio 10, a necessidade da participação dos cidadãos em vários níveis, no

enfrentamento das questões ambientais.

A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível

apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo

deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que

disponham autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades

perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em

processos de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a

conscientização e a participação pública, colocando a informação à disposição de

todos (DECLARAÇÃO DO RIO SOBRE MEIO AMBIENTE E

DESENVOLVIMENTO, 1992).

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No caso de hidrelétricas, Locatelli (2011) problematiza no artigo sobre comunicação e

constrangimentos ao acesso a informações na construção de barragens no Brasil, no qual

denuncia percalços que o cidadão enfrenta ao tentar ter acesso a documentos como o Cadastro

Socioeconômico, EIA-RIMA, PBA e relatórios periódicos do Ibama. Acrescenta-se ainda à

observação dele que tal opacidade também pode ser verificada no caso da UHE Estreito

como, por exemplo, no acesso a documentos tais quais o Plano de Remanejamento, atas de

audiências públicas e de reuniões dos comitês de cogestão.

A Comissão Mundial de Barragens constatou, após examinar uma amostra de 150

barragens construídas em todo o mundo, que:

A participação nos processos de planejamento de grandes barragens e a

transparência desses processos não costuma ser nem abrangente nem aberta. [...] A

participação das populações afetadas e a avaliação dos impactos ambientais e sociais

só costuma ocorrer tardiamente no processo, e tem alcance limitado (COMISSÃO MUNDIAL DE BARRAGENS, 2000, p. 23).

As ferramentas que possibilitam alguma forma de participação popular no processo de

instalação de barragens começaram a ser implantadas nos últimos 30 anos no país. As

audiências públicas foram instituídas em 1986; no ano de 1996 foi criada a Comissão

Interinstitucional de acompanhamento dos Programas Ambientais e remanejamento das

populações afetadas; em 2003 foi constituído o 1º Foro de Negociação e também começou a

vigorar a Lei nº 10.650/2003 do Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama (que garante

o acesso público aos documentos e aos processos administrativos que tratam do meio

ambiente) e, em 2008, pela primeira vez no país foi utilizado o mecanismo de comitês de

cogestão, experiência executada na UHE Estreito.

O Ibama define as audiências públicas como:

Uma das etapas da avaliação do impacto ambiental e o principal canal de

participação da comunidade nas decisões em nível local. Esse procedimento consiste

em apresentar aos interessados o conteúdo do estudo e do relatório ambiental,

esclarecendo dúvidas e recolhendo as críticas e sugestões sobre o empreendimento e

as áreas a serem atingidas (INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E

RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS, 2015).

No caso da UHE Estreito, a primeira rodada de audiências públicas foi realizada em

2002, nas cidades de Carolina e Estreito, no Maranhão, e Babaçulândia, Filadélfia e

Aguiarnópolis, no Tocantins; realizadas novamente no ano de 2005. O documentário

“Tocantins: Rio Afogado” (2005) registrou trechos das audiências públicas da UHE Estreito

em 2005, ocasião em que foram captados depoimentos de moradores, tais como:

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Nós não queremos acreditar que o Ibama vai conceder essa Licença. Eu quero dizer

que o povo ribeirinho já estão sofrendo só por ver os comentários da construção da

barragem porque eles estão conscientes que as indenizações que eles vão receber

não dá pra levar a vida (sic) (TOCANTINS, 2005).

E também: “Até agora todas as barragens que foram planejadas no Tocantins foram

construídas. Começa de Serra da Mesa, Cana Brava, Lajeado e Tucuruí, eu tô mentindo? E

parece que esse aí vai sair também porque se depender do Ibama tudo já tá prontinho (sic)”

(TOCANTINS, 2005).

Constata-se, porém, tanto pelo MAB quanto por pesquisas acadêmicas (VIOTTI,

1999; BESSA et al., 2011; LIMA, 2013), indícios de que as audiências públicas ainda são

ferramentas consideradas insuficientes sob a ótica do processo participativo; que ainda

prevalece o caráter de institucionalização tanto pelas empresas do setor quanto pelo órgão

licenciador e que há também interesses particularizados e que a participação, de fato, da

população atingida ainda é incipiente.

Outro mecanismo de participação popular, os comitês de cogestão, têm caráter

consultivo (de esclarecimentos, não de negociação), presididos pelos prefeitos dos municípios

atingidos, constituídos por entidades e lideranças municipais, população atingida,

representantes dos poderes executivo e legislativo, pelo Ceste e pelo Ibama. A premissa

básica do comitê é, segundo o Ibama, discutir assuntos de interesse da municipalidade, das

comunidades e dos grupos sociais afetados pela Usina e de esclarecimentos quanto à

implementação dos Programas Ambientais (INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO

AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS, 2008). O Ceste define esse

mecanismo:

Periodicamente, o CESTE realiza reuniões com os Comitês de Cogestão de cada

município abrangido pela UHE Estreito, onde são apresentadas as ações

desenvolvidas pelo empreendimento e sanadas as principais dúvidas da

comunidade. Esse diálogo aberto com a comunidade, por meio dos Comitês de

Cogestão, faz parte do compromisso social que rege o Consórcio (CONSÓRCIO

ESTREITO ENERGIA, 2015).

No entanto, algumas dissonâncias no processo podem ser observadas, como no

exemplo relatado na reportagem da ONG Repórter Brasil (2008):

O procurador Pedro Henrique Castelo Branco, do MPF de Imperatriz (MA), argumenta que, em muitos municípios, o funcionamento dos comitês de co-gestão é

irregular. ‘O prefeito de Estreito (MA), presidente do comitê, assinou a ata da

reunião como representante do consórcio. Isso é um absurdo. Ele é representante do

povo que o elegeu, e não do consórcio’ (UHE, 2008).

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A falta de divulgação para a formação dos comitês ou mesmo a marcação tardia de

reuniões são registradas em atas das reuniões, como a de 27 de setembro de 2011, consultada

nesta pesquisa, realizada em Estreito- MA, justificando a pouca participação dos membros

integrantes. Ainda na reportagem do Repórter Brasil (2008) o procurador do MPF pontua

também que em muitos municípios, como Estreito (MA) e Darcinópolis (TO), os comitês

foram formados sem divulgação. “Isso, segundo o procurador, compromete a legitimidade

dessas instâncias. ‘Ele não pode ser considerado legítimo porque não representa a todos. Não

tem a imparcialidade necessária ao seu funcionamento’” (UHE, 2008).

Avaliando essas ferramentas de participação na construção de empreendimentos

hidrelétricos, recorre-se aqui a dois estudos: a dissertação em Ciências do Ambiente, “A

implantação de usinas hidrelétricas no Tocantins: Processo decisório, participação e

experiência dos agentes envolvidos”, de Lima (2013), e o artigo “Foro de Negociação e

Comitês de Cogestão em empreendimentos hidrelétricos no Brasil: uma análise sob a

perspectiva da governança, do controle social e da participação cidadã”, de Bessa et al.

(2011), para se comparar os instrumentos Comitê Interinstitucional, Foro de Negociação e

Comitês de Cogestão.

Lima (2013) compara as três ferramentas de participação utilizadas nas usinas de

Lajeado (Comitê Interinstitucional), São Salvador (Foro de Negociação) e Estreito (Comitês

de Cogestão) e conclui que o comitê de cogestão de Estreito foi identificado, pela análise

documental e relatos, como a pior estratégia de negociação. Ela verifica que praticamente não

houve participação dos agentes, não houve discussão nem negociação, apenas imposição. “As

decisões chegam já tomadas e de maneira irreversível, levando a concluir com esse trabalho

que há uma ineficiente participação social na tomada das decisões e a evidente desigualdade

no acesso às informações” (LIMA, 2013).

Bessa et al. (2011) observam que tanto o Foro de Negociação quanto o Comitê de

Cogestão apresentam indícios de mecanismo de governança, pautado na perspectiva

democrática. No entanto, chamam atenção para algumas nuances:

[...] que estão nas entrelinhas do processo de participação democrática e

representativa, comumente denominada de sociedade civil organizada, tanto no

âmbito do Foro quanto do Comitê. Um desses aspectos que deve se atentar é se o

empreendedor do setor elétrico está buscando estrategicamente apenas a legitimação dos seus procedimentos institucionais e desempenho organizacional (BESSA et al.,

2011).

Se essa participação dos atores envolvidos funcionar apenas para legitimar as ações

dos empreendedores do setor energético, entende-se aqui que esses procedimentos precisam

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ser revistos. Reconhece-se que a exigência da implantação dessas ferramentas como requisito

para as Licenças Ambientais é uma avanço importante na linha histórica da construção de

barragens no país, mas a forma como o processo é conduzido ainda deixa grandes lacunas na

garantia da participação efetiva da população, principalmente no mérito do caráter apenas

consultivo para influenciar na tomada de decisões.

O papel de movimentos sociais como o Movimento dos Atingidos por Barragens será

destacado no tópico a seguir, em que se tenta compreender o processo de consolidação do

movimento e sua perspectiva sobre o modelo energético atualmente seguido no país e a

consequente construção discursiva a partir do site do MAB.

2.2 Os Movimentos Sociais e a Luta do Movimento dos Atingidos por Barragens

Como lembra Vizer (2007), o ressurgimento das democracias nas décadas de 1980 e

1990 levou a uma maior tendência de trabalhar com as comunidades locais em um plano de

igualdade, “para construir (em muitos casos reconstruir) as bases plurais das formas

institucionais de um regime democrático” (VIZER, 2007, p.30).

Nesse contexto do regime militar, o Brasil vivia o processo de instalação das primeiras

usinas hidrelétricas, que atendiam a metodologias de trabalho abruptas e muitas vezes ferindo

os direitos das famílias ribeirinhas, como relata o documento da Associação Nacional de

Atingidos por Barragens (ANAB):

Milhares de atingidos por barragens foram vítimas da ditadura militar,

principalmente nos anos 1970, sendo expropriados de suas casas, terras e trabalhos

sem qualquer tipo de direito ou reparação pela construção de barragens, tais como

Sobradinho, Itapiraca, Tucuruí, Itaipu e Passo Real. Os ‘afogados’ não eram reconhecidos como sujeitos de direitos pelas empresas construtoras e pelo Estado,

que considerava os desalojados como uma questão a ser resolvida do âmbito da

reforma agrária (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ATINGIDOS POR

BARRAGENS, 2013, p.07).

Nesse período do final dos anos 1970 e início dos anos 1980 surgiam várias forças de

trabalhadores, como o Movimento Sem Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores

(CUT) e o Partido dos Trabalhadores (PT), e a organização dos atingidos por barragens dava

seus primeiros passos. Em um primeiro momento, os acampamentos do Movimento dos Sem-

Terra abrigavam também os atingidos, como em Itaipu (PR), ocasião em que criaram o

Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná (Mastro) (ASSOCIAÇÃO

NACIONAL DE ATINGIDOS POR BARRAGENS, 2013).

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Vizer analisa que na América Latina, os movimentos dos 3 “T” (Movimento dos Sem

Terra, Sem Teto e Sem Trabalho) seguem sendo as bandeiras mais dinâmicas para as ações

coletivas: “contra toda previsão ‘pós-industrialista’, a globalização e as políticas neoliberais

dos anos 90 aprofundaram, em poucos anos, a marginalização, o desemprego e os conflitos

sociais, gerando as condições pra uma forte cultura urbana do protesto e a reorganização dos

movimentos de reivindicação social” (VIZER, 2007, p.42-43).

A organização do MAB teve raízes nos focos de resistência locais de usinas do

Tucuruí (PA), Itaipu (binacional com Paraguai), Itá e Machadinho, no sul no país e

Sobradinho e Itaparica, no Nordeste. Nessas regiões os atingidos iniciaram revoltas, lutas por

indenizações justas e formaram organizações locais e regionais de resistência. Eram as

chamadas Comissões de Atingidos, CRAB (Comissão Regional dos Atingidos por Barragens)

na região Sul, CAHTU (Comissão dos Atingidos pela Hidrelétrica de Tucuruí) e CRABI

(Comissão Regional dos Atingidos do Rio Iguaçu).

As ações localizadas resultaram, paulatinamente, em ações articuladas para um

movimento de caráter nacional. Em 1989, foi realizado o “Primeiro Encontro Nacional de

Trabalhadores Atingidos por Barragens”, com a participação de representantes de várias

regiões do país. “Foi um momento onde se realizou um levantamento global das lutas e

experiências dos atingidos em todo o país. Foi então decidido constituir uma organização

mais forte a nível nacional para fazer frente aos planos de construção de grandes barragens”

(MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 2014).

A partir de março de 1991, com a realização do I Congresso dos Atingidos de todo o

Brasil, o MAB começou o processo de consolidação como um movimento autodenominado

nacional, popular e autônomo, de massa, com direção coletiva, organizando e articulando as

ações contra as barragens a partir das realidades locais. Foi instituído o 14 de março como

o Dia Nacional de Luta Contra as Barragens, com atividades em todo o país.

A realização do 1° Encontro Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens, em

2003, em Brasília, ajudou a reafirmar (MAB, 2014) a luta popular como o único instrumento

capaz de obter conquistas concretas para o povo. Outras ações como a histórica Marcha

Nacional Águas pela Vida, com cerca de 600 militantes que percorreram de Goiânia à

Brasília, para exigir do Governo Federal o cumprimento dos direitos dos atingidos reforçaram

a percepção para os atingidos de que “a luta pelos direitos só se concretiza ao ser feita com o

questionamento à construção das hidrelétricas e ao modelo energético de forma geral”

(MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 2014).

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Vizer traça as principais características dos movimentos sociais como os “3T”, que se

observa aqui semelhanças com o Movimentos dos Atingidos por Barragens:

1. Desenvolver (práticas e dispositivos instrumentais de ação);

2. Com o fim de transformar (as relações e as práticas de poder instituídas: p. ex.,

no governo, o sistema legal, as formas de propriedade, etc.);

3. Por meio da mobilização (ações de resistência instituintes);

4. Apropriando-se conflitivamente (de tempos e espaços) públicos (cortes de rotas,

tomadas de edifícios e empresas fechadas etc.);

5. Motivados para cultivar (vínculos, instituições de agrupamento e contenção); 6. Motivados e inspirados criativamente (o enorme universo da cultura, a

comunicação e as formas simbólicas) (VIZER, 2007, p.46).

Laclau (1986) descreve três características que definem as organizações tradicionais

como partidos políticos, sindicatos e movimentos sociais: a identidade dos atores de acordo

com categorias relacionadas à estrutura social (por exemplo, camponeses, burgueses e

trabalhadores); o tipo de conflito definido por um paradigma revolucionário e os espaços dos

conflitos reduzidos a uma dimensão política fechada e unificada (representação de interesses,

institucionalidade política).

Atualmente o MAB está organizado em 16 estados do Brasil (BA, CE, GO, MA, MG,

MT, PA, PB, PE, PI, PR, RO, RS, SC, SP e TO), levantando bandeiras pelos direitos dos

atingidos por barragens, por um modelo energético popular que leve em conta as necessidades

do povo e carregando o lema “Água e energia não são mercadorias! Água e energia são para

soberania!”.

O MAB é estruturado nos grupos de base e possui coordenações a nível local, estadual

e nacional. De acordo com o movimento, integram o MAB:

Participam dos Grupos de Base todas as famílias ameaçadas ou atingidas direta e

indiretamente por barragens. Na prática, isso significa organizar todos aqueles que

moram nas comunidades atingidas e estão dispostos a lutar. Participam dos grupos,

não só as famílias que possuem terras nas comunidades, mas também aquelas que de

alguma forma dependem economicamente da comunidade atingida para viver ou do

próprio rio, ou seja, os arrendatários, os posseiros, os pescadores, os meeiros, os parceiros, os agregados, os trabalhadores rurais sem-terra, entre outros

(MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 2014).

Sobre as ações contra violações dos direitos humanos, o MAB (2014) informa que eles

têm lutado em defesa dos direitos humanos e também realizado denúncias sobre as violações

sofridas. O site do Movimento expõe que em 2005 a então relatora da Organização das

Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos, Hina Jilani, na ocasião de sua vinda ao Brasil,

visitou um acampamento de atingidos na barragem de Campos Novos (SC) e constatou a

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violação dos direitos e recomendou mais ação contra as empresas. “Naquele momento havia

somente na bacia do rio Uruguai 107 atingidos por barragens processados por defenderem

seus direitos. Dali em diante, ainda muitos atingidos foram criminalizados e até presos em

várias regiões do país” (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 2014).

Vizer coloca que a apresentação (de um indivíduo, de uma comunidade, uma

instituição, ou um movimento social enquanto ‘agente’) perante os outros, gera as marcas da

representação social que identifica o agente como um ator social diferenciado.

As instituições, as empresas, os partidos políticos, os esportistas e os artistas, as

ONGs, e os movimentos sociais..., todos buscam de forma deliberada gerar e

sustentar uma imagem pública que os represente e os sustente. É uma luta

encarniçada e permanente pela construção de um capital ‘próprio’, dentro do

universo - simbólico - da sociedade (VIZER, 2007, p.47-48).

Para o MAB, o tema da energia deve fazer parte da estratégia de luta popular do

conjunto das organizações do Brasil e do mundo. O Movimento considera "modelo" como o

padrão necessário ao desenvolvimento das forças produtivas e com a distribuição da riqueza à

classe trabalhadora com adequada sustentabilidade ambiental e garantia da soberania nacional

e energética. E faz uma avaliação da organização do atual modelo do setor elétrico do país

identificando como principais características:

Privatização e controle das corporações transnacionais privadas sobre a energia;

O setor elétrico foi transformado em vários negócios (geração, transmissão,

distribuição, comercialização) organizados e comandados com mecanismos e

lógica de funcionamento do capital financeiro;

A internacionalização das tarifas para que a energia se convertesse na principal

mercadoria;

Aumento da exploração sobre os trabalhadores da energia e violação dos direitos

dos atingidos;

Organização de uma estrutura de Estado capturada e colocada para atender aos

interesses das corporações privadas e do sistema financeiro (MOVIMENTO

DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 2014).

Sob esse ponto de vista, o Movimento questiona para que e para quem se planeja e se

organiza o setor energético brasileiro. Para eles, não é uma luta apenas pelas comunidades

atingidas, pois toda a população sofre consequências desse modelo.

A luta na energia é parte da luta anti-imperialista, que necessita muita pressão popular para enfrentar e derrotar as grandes corporações transnacionais, portanto é

uma luta de caráter internacional. Devem ser lutas que coloquem no centro a

construção de aliança entre camponeses e operários e também com as populações

urbanas que vivem nas periferias das cidades (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS

POR BARRAGENS, 2014).

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O desafio, portanto, reconhecido pelo próprio MAB, é fortalecer ou criar organizações

e movimentos sociais em cada país e transformar a energia em luta popular, sob o

entendimento de que água e energia não sejam mercadorias.

Conhecendo o lugar institucional a partir da onde o Movimento está ancorado

pretende-se, a seguir, compreender as Formações Discursivas do MAB observando-se as

recorrências construídas no noticiário publicado no site institucional

www.mabnacional.org.br, seguindo-se a metodologia que vem sendo adotada neste estudo.

2.3 Formações Discursivas no site do MAB

Se as disputas entre o Consórcio, a sociedade e os movimentos sociais pelo

reconhecimento de direitos ocorrem sob o intermédio de ferramentas previamente

institucionalizadas, como o pertencimento a um cadastro e ao enquadramento a categorias já

definidas pela executora do empreendimento, a representação das práticas também faz parte

de uma arena de disputa simbólica sob o crivo de diversas instâncias midiáticas.

Nessa arena de representações e vozes dos sujeitos, o site www.mabnacional.org.br

funciona como uma ferramenta institucional do Movimento dos Atingidos por Barragens,

como porta-voz das ações realizadas nas lutas em prol dos atingidos por barragens de todo o

país, denunciando perdas de direitos e destacando as conquistas alcançadas pelo movimento.

O site é muitas vezes utilizado por jornalistas como fonte na produção do noticiário sobre a

atuação de hidrelétricas.

Os movimentos sociais (MS) buscam construir e manter meios próprios que

divulguem suas ideias e suas políticas. Desconfiam dos primeiros (os meios de

comunicação de massa) e compartilham muitas posturas com os meios radicais.

Como meios de organização, não precisam justificar-se na pseudoneutralidade dos

primeiros, mesmo que pratiquem a denúncia crítica dos terceiros. Essa denúncia

crítica está centrada, geralmente, nos temas específicos da agenda do movimento,

enquanto os meios radicais abrem e ampliam sua agenda a temáticas diversas (VIZER, 2007 p.33-34).

No site em análise, além da publicação de notícias sobre barragens classificadas de

acordo com as cinco regiões do país, com início de postagens a partir de 2009, é possível

acessar também outras produções institucionais do movimento, como o jornal institucional

“Jornal do MAB”; entrevistas em áudio; poesias; músicas; jingles, vídeos, cartilhas, fotos;

assim como um acervo de publicações acadêmicas sobre hidrelétricas, incluindo livros,

dissertações, teses e artigos. A produção noticiosa do Movimento é realizada por uma equipe

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composta de quatro jornalistas, sediados em São Paulo, mas que contam com a colaboração

de militantes do MAB distribuídos em diversos pontos do país.

Para este estudo foram mapeadas primeiramente a totalidade de 33 notícias

jornalísticas do site que fazem menção à UHE Estreito, no período de 2010 a 2013 (período

que compreende das fases de instalação ao início de operação da usina). Do total das 33

notícias, 18 se referiam especificamente à UHE Estreito e destas, 10 se encaixam no recorte

temporal especificado no estudo: 2008 (início das obras civis) - o site não apresenta registro,

pois ainda não estava no ar; 2010 (início do enchimento do reservatório); 2012 (contexto da

inauguração da usina) e 2013 (desdobramentos pós-inauguração usina). Chegou-se ao

seguinte corpus de análise no site do MAB:

Tabela 13 – Notícias - site do MAB sobre a UHE Estreito selecionadas para análise

Título na notícia

Data de

publicação

1. Atingidos por barragens realizam acampamentos na próxima semana 12 mar 2010

2. Atingidos por barragens reforçam acampamento de 9 meses no Tocantins 16 mar 2010

3. Atingidos por barragens continuarão mobilizados rumo a Brasília 18 mar 2010

4. Atingidos pela UHE de Estreito realizam marcha por direitos em Tocantins 19 ago 2010

5. Atingidos pela UHE Estreito continuam marcha por direitos 30 ago 2010

6. Marcha dos atingidos chega a Estreito 02 set 2010

7. Atingidos pela barragem de Estreito cobram resolução de problemas 15 mar 2012

8. Atingidos por Estreito entregam pauta a presidenta Dilma 20 out 2012

9. Ministro da Pesca e Aquicultura inaugura salas multiuso em Estreito 25 fev 2013

10. Atingidos trancam hidrelétrica de Estreito, em Tocantins 11 jul 2013

Fonte: www.mabnacional.org.br/ Elaborado pela autora (2015).

Mapeando a totalidade do corpus dessas 10 notícias e as classificando de acordo com

os temas abordados, chega-se a essas duas categorias temáticas: “Ações do Movimento” e

“Relacionamento interinstitucional”:

Tabela 14 – Categorias de Notícias no site do MAB

Ações do

Movimento

Relacionamento

Interinstitucional

Total de

notícias

08 02 10

Fonte: Elaborado pela autora (2015).

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A partir da análise das notícias publicadas no site institucional www.mab.org.br sobre

a UHE Estreito pretende-se compreender as Formações Discursivas do Movimento, a

representação sobre os sujeitos das esferas do Estado, Mercado e Sociedade Civil retomando a

metodologia proposta a ser seguida em todo este trabalho: encontrar os Objetos, Conceitos e

Modalidades Enunciativas.

As seis primeiras notícias do quadro de análise, classificadas como “Ações do

Movimento”, no ano de 2010, compõem a formação de um objeto de ações de resistência do

movimento contra as hidrelétricas, como marchas, manifestações e acampamentos. Na

publicação “Atingidos por barragens realizam acampamentos na próxima semana”, de 12 de

março de 2010, na ocasião em que o Movimento realizou atividades em todo o país, como

parte da Jornada do Dia Internacional de Luta contra as Barragens, pela água, pelos rios e pela

vida, comemorado no dia 14 de março, o sujeito de fala na notícia é José Josivaldo Alves, da

coordenação nacional do MAB. Sobre a UHE Estreito, fica especificado:

Em Tocantins, os atingidos pela barragem de Estreito reforçarão o acampamento

iniciado em julho do ano passado. Eles farão uma grande assembléia de avaliação

dos nove meses de acampamento e exigirão o reconhecimento de todas as famílias

como atingidas, para que tenham os seus direitos reconhecidos, assim como aconteceu com os atingidos pela barragem de Lageado, também construída no Rio

Tocantins, no sul do Estado (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR

BARRAGENS, 12/03/10).

Seis dias depois, em 16 de março 2010, a publicação “Atingidos por barragens

reforçam acampamento de 9 meses no Tocantins” destaca a situação dos atingidos pela Usina

Hidrelétrica de Estreito, acampados desde julho do ano anterior próximo ao canteiro de obras

da barragem, reforçando a mobilização da jornada de lutas do Dia Internacional de Luta

contra as Barragens. Na notícia, o MAB acusa o Ceste, responsável pela obra, por não garantir

suporte e compensação à população atingida. “Entre os impactados pela hidrelétrica estão:

quatro comunidades indígenas, ribeirinhos, habitantes de 12 municípios, além de fauna e flora

da região” (MAB, 2010).

O coordenador regional do MAB, Cirineu da Rocha, retoma o exemplo da Usina de

São Salvador, também construída no rio Tocantins, na qual, segundo ele, houve diálogo com

os atingidos e todas as famílias foram indenizadas e denuncia a falta de diálogo no caso de

Estreito, em que a empresa até o momento não teria aberto possibilidade de diálogo. “Em

Estreito, o consórcio é muito truculento, além de não ter aberto diálogo, em muitos casos

despejou as famílias de suas casas e centenas delas sequer foram reconhecidas como atingidas

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pela barragem” (MAB, 2010). E conclui o posicionamento relativo a questões sociais,

ambientais e financeiras do ponto de vista do Movimento sobre a Usina.

A barragem de Estreito é o exemplo do que não pode acontecer com um rio, com as

pessoas e com o meio ambiente. Essas empresas simbolizam a ganância dos

capitalistas sobre os nossos recursos naturais, além disso, elas negam nossos

direitos, e com recursos do BNDES, estão transformando o rio Tocantins num

imenso lago, disse o coordenador. Estreito é a sétima usina hidrelétrica no Rio

Tocantins, para o qual estão previstas pelo menos outras três (MOVIMENTO DOS

ATINGIDOS POR BARRAGENS, 16/03/10).

Em 18 de março 2010, a notícia “Atingidos por barragens continuarão mobilizados

rumo a Brasília” contabiliza os saldos das ações do movimento que, segundo eles,

denunciaram a violação dos direitos dos atingidos no processo de implantação de barragens,

cobraram a dívida que as empresas e governos têm com a população e exigiram o

cancelamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, entre outras barragens projetadas para os

rios brasileiros.

Em Tocantins, os atingidos pela Usina Hidrelétrica de Estreito, acampados há nove

meses próximo ao canteiro de obras da barragem, assim devem permanecer. O MAB

acusa o consórcio Ceste, responsável pela obra, por não garantir suporte e

compensação à população atingida. ‘O consórcio é formado pelas empresas Suez,

Vale, Alcoa, BHP Billiton Metais e Camargo Corrêa Energia. São todas

transnacionais que não se importam com a vida das pessoas, apenas com o lucro que

a usina vai gerar, por isso não vamos arredar o pé’, afirmou Cirineu da Rocha,

coordenador do MAB (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS,

18/03/10).

Algumas recorrências que compõem as Formações Discursivas podem ser notadas

com clareza na fala do movimento, como antíteses que são apresentadas nesse cenário: a ação

das multinacionais em oposição à sociedade local - o dilema global x local; lucros x impactos;

estratégias institucionalizadas x táticas de resistências.

Ainda nessa notícia, são enumeradas conquistas alcançadas em diversas regiões do

país com as ações, como audiências com as empresas construtoras das barragens e

cadastramentos das famílias atingidas que ficaram sem terra. Na região Sul, o cadastro pelo

Incra de quase mil e quinhentas famílias, que fortaleceram o debate sobre o Projeto de

Recuperação e Desenvolvimento das comunidades e municípios atingidos pelas barragens, no

sentido de elaborarem projetos para produção de alimentos, a serem apresentados ao BNDES,

principal financiador das usinas da região. Em Sobradinho, após a ocupação do escritório da

Companhia Hidrelétrica do São Francisco – CHESF pelos atingidos por barragens do Rio São

Francisco, este órgão assumiu o compromisso de receber uma comissão do MAB em

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audiência no mesmo mês, em Recife, sede da companhia. E em Rondônia, os atingidos por

barragens foram recebidos pelo Consórcio Enersus, formado pelas empresas GDF Suez,

Chesf, Eletrosul e Camargo Corrêa. Pela primeira vez esse consórcio recebera os atingidos em

audiência desde que chegara à região.

A notícia “Atingidos pela UHE de Estreito realizam marcha por direitos em

Tocantins”, de 19 de agosto de 2010, anuncia a marcha de 125 km que seria realizada entre os

municípios de Araguaína (TO) e Estreito (MA), com início no dia 23 de agosto e previsão de

chegada para o dia 01 de setembro. Realizada pelo MAB, MST, CPT, colônia de pescadores,

movimento de direitos humanos e movimento de mulheres, durante o trajeto, os manifestantes

debateriam com a sociedade os problemas da construção da barragem, os direitos dos

atingidos e o plebiscito pelo limite da propriedade da terra. O principal objetivo desta marcha

foi cobrar das empresas responsáveis pela barragem vários pontos da pauta de reivindicações

que, segundo eles, não avançaram no último período, enquanto permaneceram acampados em

frente ao canteiro de obras, por mais de um ano.

O texto denuncia que a usina foi iniciada com graves irregularidades (desde a

concessão até a implantação das obras pelo consórcio) e que as negociações junto aos

atingidos não avançaram. Eles reclamam da falta de clareza sobre os critérios utilizados para

definir os valores das indenizações e que diversas famílias não teriam perspectiva de vida,

pois até então não haviam sido reconhecidas como atingidas. Acusa, ainda, o Ceste de violar

os direitos humanos ao não reconhecer várias categorias de trabalhadores como atingidos,

entre eles os pescadores, extrativistas, oleiros, vazanterios, barraqueiros e barqueiros.

Ao invés de discutir os direitos dessas categorias, as empresas vêm cooptando,

articulando falsas lideranças para confundir e dividir as comunidades, prometendo

empregos, prestação de serviços, doando recursos para festas, computadores, carros e outras coisas’, afirma Cirineu da Rocha, coordenador do MAB na região. Segundo

dados do Movimento, desde 2004 a Suez está enviando 100% do lucro líquido à sua

matriz na França, ‘portanto o discurso de desenvolvimento pregado pelas empresas é

falso, porque o lucro vai todo embora e nós ficamos na miséria, sentencia Rocha

(MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 19/08/2010).

Nessa fala, o coordenador do MAB denuncia uma articulação entre o Consórcio e

“falsas lideranças”. Não fica claro nesse contexto o que legitima ou não quais lideranças

seriam aptas a discutir e negociar com o Consórcio, mas observa-se que as recompensas e

mitigações não podem ser confundidas com troca de favores ou “promessas de emprego,

prestação de serviço, recursos para festas, computadores e carros”. É possível notar que há um

caminho que o Consórcio deve percorrer para chegar até os atingidos, mediado pelo MAB ou

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outras organizações da sociedade civil que sejam tidas como legítimas. Também se nota

novamente um posicionamento antiimperialista contra as multinacionais, apontadas em

oposição à pobreza da comunidade local em uma apropriação de áreas de saberes para

legitimar o discurso questionador da concepção desenvolvimentista.

Continuando a linha narrativa da marcha, a matéria “Atingidos pela UHE Estreito

continuam marcha por direitos”, publicada em 30 de agosto 2010, contabiliza 600

participantes, que têm com intuito da marcha pressionar para que as empresas responsáveis

pela obra os indenizem e reconheçam seus direitos. A matéria lembra que a construção da

usina modificaria o leito do rio Tocantins, alterando o habitat e o movimento dos peixes. E

identifica problemas apontados pelos pescadores: essa modificação influenciaria na

quantidade, na disponibilidade e na qualidade do pescado existente na região e, a partir do

desvio do rio Tocantins para a construção da barragem, a passagem dos barcos descendo o rio

em direção à cidade de Estreito teria sido obstruída, tirando dos pescadores e de outras

pessoas o direito de locomoção.

O processo de implementação da usina de Estreito tem sido um dos mais perversos

dos últimos tempos no setor elétrico. A falta de diálogo, de critérios, e, sobretudo, de

participação das famílias atingidas nas negociações tem causado a violação dos

direitos humanos, tais como: o direito à alimentação, à terra e ao rio para trabalhar, à

moradia digna, à saúde, entre outros, afirmou Cirineu da Rocha, coordenador do

MAB (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 30/08/10).

Outro coordenador do Movimento, Flávio Gonçalves, reforça que o objetivo da

marcha é chamar atenção dos representantes do Consórcio Estreito Energia para que eles

discutam os prejuízos que a usina tem causado às famílias atingidas e que a empresa se nega a

ouvi-los.

O MAB lembra que, além da UHE Estreito, já foram construídas outras barragens no

rio Tocantins (Serra da Mesa, Cana Brava, São Salvador, Peixe Angical, Lajeado, e Tucuruí)

e que haveria projetos para construção de outras usinas, como Ipueiras, Tupiratins, Serra

Quebrada e Marabá e denuncia que as empresas de energia estariam transformando o rio

Tocantins em um imenso lago e deixando as famílias na miséria.

Milhares de pessoas já foram e serão atingidas. A maioria delas sobrevive da pesca,

do plantio das vazantes e da coleta de frutos de uma maneira muito íntima com o

espaço, daí a necessidade urgente do reconhecimento de pescadores, extrativistas,

oleiros, vazanterios, barraqueiros e barqueiros como atividades a serem impactadas e

assim pensarmos, construirmos e implementarmos políticas que levem em

consideração essas categorias, afirmam os coordenadores do MAB do Tocantins

(MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 30/08/10).

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Além da denúncia, a principal luta é o reconhecimento dos trabalhadores ribeirinhos

como categorias atingidas, prejudicadas e dignas de ressarcimento e compensações.

Compondo o desfecho da narrativa sobre a marcha, a notícia “Marcha dos atingidos

chega a Estreito”, de 02 de setembro 2010, avalia o saldo de conquistas que a ação conseguiu

após cerca de quase mil atingidos incluindo, segundo eles, ribeirinhos, indígenas, pescadores,

garimpeiros e várias outras categorias de trabalhadores atingidos pela obra, percorrerem 125

quilômetros.

O coordenador regional do MAB, Cirineu Rocha, fez uma avaliação positiva da

marcha. “Por onde passamos nesses 10 dias, conversamos com a população das cidades,

tivemos apoio de muitas organizações, sindicatos e do ministério público. Foi um bom

momento para denunciarmos as atrocidades que o Consórcio Ceste está cometendo contra os

atingidos” (MAB, 2010). A principal conquista, segundo o coordenador, foi a entrega da

pauta de reivindicações ao Ceste e o agendamento de uma reunião.

Os manifestantes querem o cumprimento de propostas dos pescadores, o

reconhecimento de meeiros, arrendatários e extrativistas, entre outras categorias, que

foram cadastrados pelo Incra mas não recebem tratamento do consórcio, definição e

cumprimento de acordos com os povos indígenas, negociação para resolver problemas estruturais nos reassentamentos, revisão das áreas consideradas de risco,

com possíveis novas indenizações, reconhecimento e indenização de barqueiros e

barraqueiros e reposição das áreas públicas alagadas (em especial a dos

assentamentos) para assentar famílias carentes (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS

POR BARRAGENS, 02/09/10).

A notícia informa, ainda, que os atingidos permaneceriam no acampamento próximo

ao canteiro de obras e aguardariam o resultado das negociações, enquanto participariam de

mutirões para coleta de assinaturas e votação para o plebiscito pelo limite da propriedade da

terra, agendado para o dia 7 de setembro de 2010.

Observa-se no conjunto dessas seis notícias descritas na categoria intitulada “Ações do

Movimento” no ano de 2010 a construção de uma linha narrativa de atividades que marcam a

resistência do MAB frente às empresas e consórcios de produção de energia. Tanto a

articulação nacional, com frentes em diversas barragens locais concomitantemente, quanto à

marcha específica do caso dos atingidos pela UHE Estreito.

Identificando-se a Formação dos Objetos desse grupo, apropriando-se dos conceitos de

Foucault já descritos anteriormente, tem-se que as principais construções marcadas

recorrentemente no discurso do MAB são a de pressão sobre o governo (dono da barragem); a

falta de diálogo do empreendedor com os atingidos; a visão de que as multinacionais se

preocupam com o lucro, enquanto a comunidade local está na miséria; e, principalmente, que

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as manifestações do MAB (como marchas) conseguem respostas positivas com os

empreendedores como o agendamento de reuniões para discutir as pautas de reivindicações e

até conseguir, de fato, que elas sejam atendidas.

Das Modalidades Enunciativas observadas nesse grupo de notícias, os sujeitos

autorizados a falar são os coordenadores do próprio movimento, a nível regional ou local, já

que o que se pretende dizer se autorrefere ao MAB. Excluem-se nessa constatação as falas de

representantes do Estado, do Consórcio ou mesmo da sociedade civil.

Da Formação dos Conceitos observa-se uma recorrência na estrutura argumentativa,

contemplando as denúncias contra o Consórcio, a adesão das atividades do Movimento por

parte da sociedade e a contabilização do êxito das conquistas em um processo de tensões e

negociações.

O contexto do ano de 2010, no qual se insere esse primeiro grupo de notícias, marca a

fase oficial da construção da barragem propriamente dita, com a emissão da Licença de

Operação pela Ibama, início do enchimento do reservatório com ato simbólico do então

presidente da República do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, acionando o fechamento da

primeira comporta do vertedouro.

Nesse mesmo período do ano de 2010, no site do Ceste, analisado no capítulo anterior,

foram registadas 96 notícias (o maior registro por ano ao longo do recorte temporal de

análise), com ênfase nas abordagens de caráter interinstitucional (relacionamento do CESTE

com os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, em instâncias municipal, estadual, federal

e internacional). Infere-se aqui que, no mesmo período em que o Consórcio reforçava seus

laços institucionais para legitimar suas ações de forma estratégica, o MAB realizava

manifestações a fim de pressionar o Consórcio e legitimar-se por meio de táticas de

resistência.

Michel de Certeau (1994), em sua obra sobre “A Invenção do Cotidiano”, redescobre

um herói sem nome, não enquadrando mais os atores de nomes próprios e brasões sociais; o

anônimo que é cada um ao mesmo tempo e ninguém, o homem comum (ordinário), que

protagoniza o cotidiano nas suas práticas diárias da cidade. Para ele, “o enfoque da cultura

começa quando o homem ordinário se torna o narrador, quando define o lugar (comum) do

discurso e o espaço (anônimo) de seu desenvolvimento” (CERTEAU, 1994, p.63). E indica

também que esse sujeito cotidiano oferece uma sorrateira resistência à opressão das

instituições sociais.

Ao definir duas lógicas de ação, as estratégias e as táticas, Certeau considera que a

nacionalidade política, econômica e científica foram construídas segundo esse modelo

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estratégico que ele define como: “o cálculo das relações de forças que se torna possível a

partir do momento em que um sujeito de querer e poder é isolável de um ‘ambiente’; ela

postula um lugar capaz de servir de base a uma gestão de suas relações com uma

exterioridade distinta” (CERTEAU, 1994, p.46). E entende que a tática, ao contrário, só tem

por lugar o do outro. “Pelo fato do seu não-lugar, a tática depende do tempo, vigiando para

‘captar no vôo’ possibilidades de ganho. O que ele ganha, não o guarda. Tem constantemente

que jogar com os acontecimentos para os transformar em ‘ocasiões’” (CERTEAU, 1994,

p.47). Considera práticas cotidianas como falar, ler, circular como táticas e as “maneiras do

fazer”, como vitórias do “fraco” sobre o mais “forte”.

Pensar as ações do MAB enquanto “maneiras de fazer” que constituem práticas pelas

quais os manifestantes se reapropriam do espaço e driblam a rigidez das estratégias

institucionais é considerá-las como táticas, segundo essas definições de Certeau. E embora se

compartilhe aqui da arqueologia sobre a qual Foucault constrói sua tese sobre o poder,

considerar essa criatividade e astúcia nas táticas é reconhecer que essa “anti-disciplina”

esboçada por Certeau, que ora flerta e ora contraria o pensamento da Microfísica do Poder, de

Foucault, que considera o sistema de dispositivos da disciplina e da vigilância (construído no

século XIX) estaria sendo “vampirizado” por outros procedimentos e fora do modelo

panóptico6.

Observando-se o outro grupo de quatro notícias que compõem a narrativa da relação

Usina x MAB nos anos de 2012 e 2013, duas enquadram-se, ainda, na categoria de “Ações do

Movimento” (manifestações e protestos) e duas em “Relacionamento Interinstitucional” (a da

inauguração da Usina e a da sala multiuso).

Retomando o contexto de 2012, ano da inauguração oficial da Usina, em que a

cobertura da grande imprensa preocupou-se, principalmente, em contabilizar os benefícios

gerados pela UHE Estreito e compensação dos impactos (como será observado no próximo

capítulo) o site do MAB fez dois registros sobre o caso da UHE Estreito.

A notícia “Atingidos pela barragem de Estreito cobram resolução de problemas”, de

15 de março de 2012, registra uma manifestação, como parte da jornada nacional de lutas do

MAB, que marca o Dia internacional de luta contra as barragens, pelos rios, pela água e pela

6 O modelo do Panóptico, estudado por Foucault em suas análises sobre o poder e a sociedade disciplinar, pode

ser entendido como um poder individualizante que se exerce sobre o corpo de cada indivíduo, que passa a ter

controle sobre si mesmo, após ter sido confinado em instituições. No edifício do Panóptico, em formato de

anel, com um pátio e uma torre no centro, o vigilante - localizado na torre - observa os indivíduos em suas

celas sem que estes possam ver quando e por quem estão sendo observados.

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vida, celebrado mundialmente em 14 de março. Relata que cerca de 350 atingidos das cidades

de Estreito, Babaçulândia, Itaguatins, Filadélfia, Palmeirante e Carolina participaram da

marcha que percorreu as principais ruas de Carolina, no Maranhão, e em seguida foram para o

escritório do CESTE. “Sabendo da mobilização, além de retirar todos os móveis e

documentos do escritório, o consórcio levou tudo para o canteiro de obra, em Estreito” (MAB,

2012). Segundo o MAB, os atingidos reivindicavam, com a ação, o reassentamento das

famílias cadastradas pelo Incra, a indenização aos pescadores pela morte dos peixes e a

implementação das vilas dos pescadores e a realocação das famílias que estavam nas áreas de

riscos.

Nós, atingidos, queremos a garantia de continuarmos sobrevivendo com o nosso

trabalho, quem é pescador pescando, quem é oleiro fazendo seus trabalhos com o

barro, quem é agricultor plantando, pois foi tirado de nós a terra, o rio e que iremos

fazer para sobreviver?, questiona Luiz Moura, uma liderança do Movimento (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 15/03/12).

Em outubro do mesmo ano, a Usina foi inaugurada pela então presidente Dilma

Rousseff. Na ocasião, o site publicou em 20 de outubro de 2012 a notícia intitulada

“Atingidos por Estreito entregam pauta a presidenta Dilma”.

Durante a inauguração da UHE Estreito, nesse 17 de outubro (quarta-feira), a presidenta Dilma Rousseff recebeu a pauta do Movimento dos Atingidos por

Barragens (MAB). A pauta é resultado de anos de luta e organização das famílias

atingidas por esta barragem que em muitos momentos sofreram por falta de diálogo

e intransigência dos representantes dos CESTE, dona da barragem. Desde o início

das obras, os atingidos já fizeram mais de três acampamentos e uma marcha de mais

de uma centena de quilômetros sempre na busca da terra e das condições de

sobrevivência das famílias. A presidenta se comprometeu em dar os devidos

encaminhamentos principalmente no tocante a terra para as famílias cadastradas pelo

INCRA e no desenvolvimento do projeto do pescado. ‘Estreito é um marco para o

setor elétrico brasileiro e para pesca, pois foi a partir do processo de luta dos

pescadores que os mesmos foram reconhecidos como atingidos. Para pensar, propor,

construir o desenvolvimento é necessário dialogar, garantir o direito das famílias atingidas’, afirmou Cirineu da Rocha, militante do MAB (MOVIMENTO DOS

ATINGIDOS POR BARRAGENS, 20/10/12).

Diferentemente do enfoque que os veículos da grande mídia deram à notícia – a

inauguração propriamente dita da Usina – o site do MAB deu enfoque à pauta que estava

sendo entregue à presidenta, recapitulando os anos de luta do movimento e a falta de diálogo

dos representantes do Consórcio. Em sua fala, o militante do MAB reconhece a importância

da obra para o país, situa o Estado no lugar institucional de responsável pelo empreendimento

e pela situação de vida dos atingidos e reforça o lugar institucional do Movimento de

mediador nas conquistas do direito das famílias atingidas por meio do diálogo e ações.

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Outro marco temporal que compõe esta análise é o ano de 2013, ano conseguinte à

inauguração da UHE Estreito, período em que a usina já se encontrava em pleno

funcionamento; assim, os acordos já deveriam ter sido cumpridos; a fase do sentimento de

incertezas já teria se revertido, pois a barragem já era um fato concreto na vida dos moradores

dos 12 municípios afetados e do país.

Nesse período o MAB registra duas notícias. Em 25 de fevereiro de 2013, contabiliza,

pela primeira vez, benefícios conquistados com a publicação “Ministro da Pesca e

Aquicultura inaugura salas multiuso em Estreito”. A notícia relata que o Ministro da Pesca e

Aquicultura, Marcelo Crivella, inaugurou sete salas multiuso no Complexo Integrado do

Pescado em Estreito. O local tem capacidade para processar e armazenar em câmara fria

1.500 kg de pescado por dia, além de ser usado para capacitação de pescadores e reuniões,

beneficiando cerca de 1.500 famílias do Tocantins e Maranhão. E informa que, além das

salas, também seriam disponibilizados caminhões frigoríferos, atracadouros, um centro de

processamento do pescado (frigorífero) e um centro de alevinagem. “O ministro elogiou as

potencialidades naturais da região e a atuação do Movimento dos Atingidos por Barragens

pela construção de uma unidade em torno dos direitos das famílias atingidas por barragens,

após anos de luta” (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 25/02/13).

Com o intertítulo “Lutas por direitos”, essa notícia esclarece que as salas multiuso e os

direitos conquistados pelos atingidos são fruto de intensas lutas nos últimos anos e relembra

que os atingidos pela UHE de Estreito ficaram cerca de um ano acampados em frente ao

canteiro de obras entre 2009 e 2010 e realizaram uma marcha, entre os meses de agosto e

setembro de 2010, de mais de 100 km entre as cidades de Araguaína e Estreito, reivindicando

vários direitos na época negados, como a inclusão dos pescadores como atingidos pela

barragem.

Luiz Abreu de Moura, Coordenador do MAB e presidente da Cooperativa de

Pescados e Aquiculturas do Médio Tocantins (COOPERATINS), observou que ‘este

é um momento de comemoração dessa conquista para os nós pescadores do

Maranhão, Tocantins e do Brasil, como um marco que aconteceu devido à luta dos

trabalhadores’ (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 25/02/13).

Da Formação dos Objetos nas notícias de caráter interinstitucional, nota-se como

recorrente a busca pelo ponto de equilíbrio entre as partes, que é o acordo da negociação; no

entanto, esse acordo é sempre frisado como sendo obtido via luta e mobilização do MAB. Na

notícia da inauguração da Usina, em que o MAB entrega uma pauta à presidenta Dilma

Rousseff, o coordenador do MAB, Cirineu Rocha, reconhece que Estreito é um marco para o

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setor elétrico brasileiro e para a pesca porque, segundo ele, foi a partir do processo de luta dos

pescadores que os mesmos foram reconhecidos como atingidos. E pontua, ainda, que para

construir o desenvolvimento é necessário dialogar, garantir o direito das famílias atingidas.

Essa mesma estrutura é observada na notícia em que o Ministro da Pesca e Aquicultura

Marcelo Crivella inaugurou as salas multiuso no Complexo Integrado do Pescado em

Estreito. O objeto é a conquista de direitos mediada pela ação do movimento.

Nesses casos os Conceitos e as Modalidades Enunciativas se repetem tal qual o

primeiro grupo analisado, quem fala é o próprio MAB. Embora as negociações sejam feitas

com o Estado e o Mercado, estes não têm lugar de fala na produção discursiva do MAB (com

exceção observada apenas no caso em que o Ministro da Pesca que fala, elogiando o MAB).

A última notícia publicada no ano de 2013 sobre a UHE Estreito é “Atingidos trancam

hidrelétrica de Estreito, em Tocantins”, de 11 de julho, que relata que cerca de 900 atingidos

trancaram a entrada da Usina em um protesto organizado pelo MAB e pelo MST,

reivindicando o reassentamento imediato das mais de 800 famílias que montaram um

acampamento desde a inauguração da usina, que ocorrera no dia 17 de outubro do ano

anterior. Além disso, os atingidos exigiram o abastecimento de água, tanto para as famílias

acampadas como para as assentadas, e um programa de compensação econômica para os

pescadores, por causa da diminuição drástica dos peixes desde a construção da barragem.

Não aceitaremos que uma obra que gera tanto lucro para empresas privadas deixe

mais de 800 famílias atingidas sem terra, sem água e sem energia. O estado

brasileiro não pode mais se omitir e esperamos a imediata aprovação de uma política

nacional de direitos para os atingidos por barragens, afirmou o coordenador nacional

do MAB, Cirineu da Rocha (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR

BARRAGENS, 11/07/13).

Observa-se a construção de uma linha narrativa que se encadeia na seguinte ordem:

ações do MAB – negociação/acordos com o Consórcio e Estado – e novamente ações do

MAB. Compondo esse quadro de análise uma tática perene de conflitos em meio a acordos,

que não culmina, aparentemente, em um acordo final e decisivo.

Tem-se um quadro-resumo a seguir com um mapeamento dos sujeitos sobre quem se

fala no discurso do site do MAB. Estes sujeitos estão classificados por esferas sociais do

Estado, do Mercado, da Sociedade e da Sociedade Civil Organizada, permitindo notar quem

são os sujeitos sobre os quais o MAB se refere no seu discurso e os lugares que ocupam.

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Tabela 15 – Sujeitos dos quais se fala no site do MAB

Esfera Sujeitos dos quais se fala E

stad

o

BNDES; Governo Federal; Governos (Estadual e Municipal); Incra; Ministério de Aquicultura e

Pesca; Ministério Público; Ministro da Pesca e Aquicultura, Marcelo Crivella; Presidência da República; Presidenta Dilma Rousseff; Presidente Lula

Mer

cad

o

CESTE – Consórcio Estreito Energia; Diretoria do Ceste; Empresas que compõem o CESTE; empresas transnacionais; outras Usinas; representantes dos

CESTE (dona da barragem).

Soci

edad

e Agricultores; arrendatários; barqueiros; barraqueiros; comunidades que vivem às margens do rio

Tocantins; extrativistas; famílias impactadas; garimpeiros; manifestantes; meeiros; oleiros;

pescadores do Tocantins e Maranhão; povos indígenas; ribeirinhos; trabalhadores não

reconhecidos como atingidos; vazanterios.

Soci

edad

e

Civ

il

Org

an

izad

a

Comissão Pastoral da Terra (CPT); Cooperativa dos Pescadores e Piscicultores do Médio Tocantins (Cooperantins); Movimento de Direitos Humanos; Movimento de Mulheres;

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Movimento Sem Terra (MST).

Fonte: Elaborado pela autora (2015).

No quadro-resumo a seguir são identificados, nas 10 notícias analisadas, quem é o

sujeito que fala, quem é qualificado para falar; quem obedece aos critérios que regem o

discurso. Em todas as 10 notícias, pelo menos um dos membros da coordenação no MAB ou

de outra instituição civil organizada tem sua voz no texto veiculado. Apenas em uma, do total

das notícias analisadas, o atingido (“pescadores”, que não necessariamente membro do

Movimento) foi ouvido e pôde detalhar seu posicionamento perante a construção da UHE

Estreito. Em um dos registros um membro do Estado (Ministro da Pesca) também fala, ao

elogiar o MAB.

Tabela 16 – Sujeitos que falam no site do MAB

Esfera Quem Fala Recorrência das falas dos

sujeitos nas notícias em análise

Est

ad

o

Ministro da Pesca e Aquicultura, Marcelo Crivella 1

Mer

cad

o

------

0

Soci

edad

e

“Pescadores”

1

Soci

edad

e

Civ

il

Org

an

izad

a

Cirineu da Rocha, coordenador regional do MAB; Flávio Gonçalves, coordenador do Movimento

8

1

José Josivaldo Alves, da coordenação nacional do MAB 2

Luiz Moura, presidente da Associação de Pescadores Cooperatins

2

Fonte: Elaborado pela autora (2015).

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Reitera-se que a análise das formações de um discurso pressupõe estudo de práticas,

de disputas, de processos, por isso, não estanques. Em um dos segmentos que constituem a

esfera da sociedade civil, no caso o Movimento dos Atingidos por Barragens, pôde-se

perceber alguns elementos recorrentes nas Formações Discursivas que tendem a ser refletidos

no brilho da visibilidade por parte da produção noticiosa do próprio MAB.

Observa-se que, embora a coletividade e articulação do Movimento enquanto

Sociedade Civil Organizada garanta as conquistas e negociações nos espaços que são

permitidos, a fala do sujeito atingido (enquanto indivíduo) tem pouca visibilidade também na

produção noticiosa do MAB. Os sujeitos autorizados e legitimados a falar quase sempre são

as lideranças do Movimento.

Para o MAB fica bem definido quem é cada sujeito de cada esfera considerada neste

estudo. Na visão do Movimento, o Estado é responsável pela barragem e pela condição de

vida dos atingidos - que sofrem os danos e também usufruem das compensações que possam

vir a surgir; o Consórcio Ceste é o “dono da barragem”, composto por empresas

multinacionais que se preocupam mais em gerar riquezas em benefício próprio do que com a

comunidade local; a sociedade civil, que antes vivia do rio, sofre os efeitos negativos da

barragem e só consegue ter esses impactos mitigados graças à mediação e atuação do MAB.

Sob a luz dos estudos de Foucault, infere-se nestas análises que há um sistema de

poder que age sobre o discurso, e este emerge de relações entre verdades, saberes, práticas

sociais e instituições; daí a necessidade de se compreender as condições de existência desses

discursos. Percebe-se que as Formações Discursivas construídas pelo Movimento dos

Atingidos por Barragens sob a égide da luta de “Água e energia são para soberania!”

pressupõe a representatividade de sujeitos das diversas esferas sociais elencadas na análise;

dando a visibilidade aos conflitos enfrentados pelo indivíduo atingido e que encontra no

Movimento, enquanto sociedade civil organizada, espaço de legitimação de lutas; acusando e

cobrando o sujeito da esfera do Mercado e pressionando o Estado, o posicionamento de

retomada da ordem e a garantia dos direitos que foram prejudicados em prol do discurso do

desenvolvimento do país.

Sobre atores sociais Bourdieu pontua que o ator não é aquele que atua conforme o

lugar que ocupa na organização social, “mas o que modifica o ambiente material e, sobretudo,

social no qual está inserido, ao transformar a divisão do trabalho, os modos de decisão, as

relações de dominação e as orientações culturais” (BOURDIEU, 1993). O que pressupõe uma

consciência “glocal” (global e local) sobre direitos e demandas.

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Pondera-se que, embora o MAB seja uma entidade representativa, não representa a

unanimidade dos sujeitos atingidos pela UHE Estreito; também que há contradições entre o

MAB e outras organizações da sociedade civil no entorno da UHE Estreito e que nos

processos de tensões e negociações que envolvem a sociedade, o MAB, o Ceste e o Estado há

oscilações entre conflitos, acordos, estratégias e táticas que compõem uma delicada teia de

relações. Como assinala o exemplo da reportagem publicada pela Repórter Brasil, que relata

que, no contexto da manifestação de 12 de março de 2008, a colônia de pescadores Z-35

(composta por cerca de 450 pescadores em Estreito e Carolina - MA) distribuiu um panfleto

em que se declarava contra a interrupção das obras, intitulado “carta de repúdio aos

manifestantes do MAB e MST”.

O texto dizia que os pescadores da Z-35 eram favoráveis ao empreendimento e

‘testemunhas do apoio e incentivo que vem sendo dado pela barragem para todos os

pescadores da região’. ‘Graças a Usina de Estreito, nossa colônia de pescadores já

conta com computadores e outros equipamentos que nos permitem conectar com a

internet’, completava o panfleto. O clube das mães Frei Gil, de Estreito (MA),

também distribuiu panfleto com o mesmo teor, argumentando que a iniciativa trouxe

emprego a seus filhos no município (UHE, 2008).

Ainda assim, do ponto de vista da comunicação dos movimentos sociais, reconhece-se

a contribuição do MAB pra o jogo democrático, que pressupõe liberdades e participação

popular.

A participação popular pode facilitar o devir de uma nova práxis da comunicação. A

participação e a comunicação representam uma necessidade no processo de constituição de uma cultura democrática, de ampliação dos direitos de cidadania e da

conquista da hegemonia, na construção de uma sociedade que veja o ser humano

como força motivadora, propulsora e receptora dos benefícios do desenvolvimento

histórico (PERUZZO, 1998, p.296).

Observa-se que a tônica da discussão que envolve grandes empreendimentos e

impactos perpassa pelas noções da tríade desenvolvimento – crescimento – liberdades dos

sujeitos. Essa liberdade, no contexto da esfera pública x esfera privada, demarcava a esfera da

pólis grega, era exclusividade da esfera política, dos iguais, segundo Arendt (2007), em

contraposição à esfera privada, que era a esfera da necessidade.

A igualdade, portanto, longe de ser relacionada com a justiça, como nos tempos

modernos, era a própria essência da liberdade; ser livre significava ser isento da

desigualdade presente no ato de comandar, e mover-se numa esfera onde não existia

governo nem governados (ARENDT, 2007, p. 42).

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No processo de instalação de barragens, essa igualdade de condições no debate, de

vozes, de isegoria, por meio das ferramentas democráticas que poderiam dar visibilidade aos

sujeitos envolvidos (como os comitês de cogestão e audiências públicas) nem sempre se

realiza plenamente. Cabe também considerar que os processos concernentes à instalação de

uma usina hidrelétrica ocorrem em paralelo às representações que são dadas às práticas. No

entanto, pressões e lutas a nível simbólico, em que instituições e sujeitos ganham espaço e

visibilidade na esfera midiática (articuladora desses múltiplos discursos), podem influenciar

na conquista de direitos, como o das famílias remanejadas, alterando e promovendo uma

revisão sobre como o processo pode ser reconduzido, de forma mais justa e remoldando os

procedimentos a serem adotados, inclusive, em futuros empreendimentos de mesma natureza.

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3 O DEBATE PÚBLICO SOBRE A UHE ESTREITO: OS SUJEITOS NA ESFERA

MIDIÁTICA

Buscou-se até aqui tentar reconstruir as superfícies de emergência dos discursos que

compõem o amplo debate sobre a Usina Hidrelétrica Estreito. A partir da voz institucional do

Consórcio Estreito Energia - que representa a esfera do Mercado, da voz do Ministério de

Minas e Energia - enquanto representante do Estado e do Movimento dos Atingidos por

Barragens - enquanto sociedade civil organizada - tratou-se de compreender quem são esses

sujeitos, de que lugar eles falam e se posicionam em relação à Usina; que Objetos eles

constroem e quais Modalidade Enunciativas e Conceitos eles privilegiam.

Se essas vozes estão em movimento, se há um jogo de forças e de poder que se coloca

no conjunto desses enunciados, cabe uma investigação sobre como a mídia se porta nesse

debate; como ela interdita ou articula esses sujeitos; quais assuntos são destacados ou

silenciados; a partir de que locais eles falam e quais falas institucionais são rearticuladas ou

apenas reverberadas.

Seguindo essa proposta, o objetivo principal deste capítulo é refletir sobre como se deu

o debate público sobre a UHE Estreito na esfera midiática, tendo como objeto de análise dois

veículos da mídia impressa, um local, o jornal O Estado do Maranhão e outro de alcance

nacional, a Folha de S. Paulo. Retomam-se algumas noções clássicas sobre o que é público,

esfera pública e a ideia de publicidade em Hannah Arendt (2007), Jurgen Habermas (1994) e

Rousiley Maia (2009), com o intuito de refletir sobre essa esfera midiática, que perpassa por

diversas transformações, mas que carrega em sua essência a função de tornar público e

aparente aquilo deveria ser de interesse comum a todos.

3.1 A Esfera Pública: o lugar do comum

Pensar a esfera da comunicação requer um pequeno esforço de retomar os conceitos

que a definem e a qualificam como lugar público, da ação e do discurso. Para se construir esse

percurso, recorre-se à exposição sobre esferas pública e privada de Hannah Arendt (2007).

Arendt, em “A condição Humana” (2007, p.15), em sua reflexão sobre a Vita Activa e

o Fazer Humano, considera as três atividades básicas da vida humana: o Labor, o Trabalho e a

Ação. Em síntese, o Labor tem um estatuto de naturalidade, de necessidade vital de

sobrevivência; assegura a existência da espécie; tudo que é produzido é consumido, por isso é

repetido circularmente. Já o Trabalho garante a durabilidade do mundo, é o artificialismo da

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existência humana, a mundanidade. Tem um caráter cultural e seu objetivo é construir um

mundo artificial que funcione; situa-se oposto ao Labor porque o seu processo artificial é

acabado e fechado, encerra-se na finalização do objeto. A Ação, por sua vez, ainda segundo

Arendt, pressupõe pluralidade; só se realiza na relação com o outro, é coletiva, interpessoal e

intersubjetiva. É uma atividade dos homens livres na esfera pública, não pode se executar na

esfera íntima.

Na ação e no discurso os homens mostram quem são, revelam ativamente suas

identidades pessoais e singulares, e assim apresentam-se ao mundo humano,

enquanto suas identidades físicas são reveladas, sem qualquer atividade própria, na

conformação singular do corpo e no som singular da voz (ARENDT, 2007, p. 192).

Na Grécia Antiga se deu a gênese da concepção de esfera privada e esfera pública.

Com o surgimento da cidade-estado o homem recebia, além da sua vida privada, uma espécie

de segunda vida, que era o seu bios politikos; e o cidadão, então, pertencia a “duas ordens de

existência”, se diferenciado aquilo que era próprio (idion) daquilo que era comum (konion). A

esfera da pólis era, portanto, da liberdade, exclusividade da esfera política; enquanto que a

esfera privada era a da necessidade. Nesse cenário, as decisões do ser político, na polis, se

davam mediante as palavras e a persuasão e não através da força e da violência. Aristóteles

pontuava que a esfera pública, do domínio da vida política, se exercia por meio da ação

(práxis) e do discurso (lexis).

Arendt define que o comum é o próprio do mundo e define seu lugar no mundo e na

relação com os outros. A esfera pública, para ela, é o lugar do comum: “significa tudo o que

vem a público pode ser visto e ouvido por todos e tem a maior divulgação possível. Para nós,

a aparência – aquilo que é visto pelos outros e por nós mesmos – constitui a realidade”

(ARENDT, 2007, p.59). Nesses termos, a esfera midiática pode ser compreendida não

necessariamente como a esfera a pública, mas como a esfera da aparência.

Habermas (1984) traz à tona a discussão sobre os conceitos de “públicos” e aponta

como uma definição possível “aquilo que é acessível a qualquer um”, quando como se fala em

locais públicos, por exemplo; mas também lembra a convenção de se nomear de público

aquilo que está sob poder do Estado, como no caso dos “prédios públicos”, (que não

necessariamente precisam estar acessíveis à visitação). As noções de publicidade e de opinião

pública, para Habermas, carregam ainda significados correlatos da noção daquilo que é

comum. “O sujeito dessa esfera pública é o público enquanto portador da opinião pública; à

sua função crítica é que se refere a ‘publicidade’ (Publizität) como, por exemplo, o caráter

público dos debates judiciais” (HABERMAS, 1984, p.14).

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Corroborando com Arendt sobre a característica da aparência, Habermas diz que:

Só à luz da esfera pública é que aquilo que é consegue aparecer, tudo se torna visível

a todos. Na conversação dos cidadãos entre si é que as coisas se verbalizam e se

configuram; na disputa dos pares entre si, os melhores se destacam e conquistam a

sua essência: a imortalidade da fama (HABERMAS, 1984, p.16).

Para Habermas, entender a esfera pública é compreender a nossa própria sociedade. É

um conceito histórico que ele resgata, dos gregos à sociedade burguesa e à capitalista, para

compreender as incongruências de uma modernidade. E essa esfera pública pensada por ele,

apesar de apresentar diversas contradições, poderia ser um espaço de livre expressão e ação

comunicativa.

Quando se recorre a esses conceitos clássicos para avaliar as discussões sobre

temáticas como a das usinas hidrelétricas, tem-se em mente que o ambiente de argumentação

típico da esfera pública ao qual ele se refere nem sempre se efetiva pelas ferramentas

institucionalizadas no caso das barragens (como audiências públicas, foros e comitês

participativos) e cabe, então, à luz da aparência da esfera midiática tornar visíveis ou opacos

sujeitos, demandas e problemáticas.

Maia (2009) faz uma análise das mudanças na evolução do pensamento de Habermas

sobre as funções que a comunicação de massa exerce nos processos discursivos de

legitimação nas sociedades democráticas. Ela compara as abordagens deste autor tanto nas

fases em que ele considerou os media de massa prejudiciais às práticas democráticas quanto

nas fases em que Habermas defendeu um potencial ambivalente dos media, capazes tanto de

obstruir quanto de sustentar uma esfera pública vigorosa.

Segundo Maia, Habermas aponta, em “Mudança Estrutural da Esfera Pública”, uma

esfera pública estabelecida a partir da relação entre os meios de comunicação e o princípio da

publicidade. Sendo esta publicidade capaz de sustentar os processos de representação política

e preponderante para a formação da opinião pública.

Através da comunicação tão livre e desimpedida quanto possível, os cidadãos podem

discutir questões políticas, processar suas expectativas, seus anseios e interesses,

discernir o que querem e de que precisam enquanto indivíduos ou membros de

coletividades. Em particular, a publicidade é requerida para a inclusão de pessoas

em debates sobre regras, políticas ou decisões que as afetam. Neste caso, o segredo

pode, muitas vezes, resultar na exclusão daqueles com demandas legítimas (MAIA,

2009, p.50).

Habermas tematiza o surgimento da esfera pública burguesa nos séculos XVII e

XVIII, formada por indivíduos privados “que se reuniam para debater assuntos de interesse

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geral, configurando-se, assim, uma instância de controle e legitimação, pelo demos, do poder

exercido pelo Estado” (MAIA, 2009, p.50). Nessa abordagem ele destaca o surgimento da

imprensa, que atendia a duas funções nessa esfera pública: de mediar o uso público das razões

de pessoas privadas e da circulação dessas opiniões em domínios não privados. “Só existe

uma imprensa em sentido estrito a partir do momento em que a transmissão de informações

regularmente torna-se pública, ou seja, torna-se por sua vez acessível ao público em geral”

(HABERMAS, 1984, p.30).

Com essa circularidade e possibilidade de se discutir em pé de igualdade sobre

assuntos de interesses comuns, passa a surgir, nesse contexto, uma opinião pública nessa

sociedade burguesa, inclusive com capacidade crítica de contrapor-se e questionar o poder do

Estado. “Uma das metas de Habermas em Mudança Estrutural é mostrar que ‘tipo’ de esfera

pública adequada à política democrática depende tanto da quantidade de sujeitos que dela

participa quanto da qualidade da discussão argumentativa” (MAIA, 2009, p. 50).

A esfera privada, para Habermas (1984), compreende a sociedade civil burguesa em

sentido mais restrito, o setor onde se dão as trocas de mercadorias e do trabalho social e inclui

também a família e sua respectiva esfera íntima. Enquanto que a esfera pública política advém

da esfera literária e intermedia, por meio da opinião pública, o Estado e as necessidades da

sociedade. A esfera pública burguesa se desenvolve num âmbito de tensões entre Estado e

Sociedade e com a expansão das relações econômicas de mercado, surge a esfera do “Social”.

À medida que o setor público se imbrica com o setor privado, este modelo se torna

inútil. Ou seja, surge uma esfera social repolitizada, que não pode ser subsumida,

nem sociológica nem juridicamente, sob as categorias do público ou do privado.

Neste setor intermediário se interpenetram os setores estatizados da sociedade e os

setores socializados do Estado sem a intermediação das pessoas privadas que

pensam politicamente (HABERMAS, 1984, p. 208).

Essa diluição de fronteiras entre os domínios do privado e do público (em que

organizações privadas assumem papel de poder público e o Estado passa a entrar no reino do

privado) e mudanças ocasionadas pelo capitalismo e pelas estruturas do Estado levaram à

desintegração da esfera pública, segundo Habermas. O sentido original de publicidade passa a

ser subvertido, e o jornalismo crítico é suprimido pelo manipulativo.

O investimento no setor da publicidade, um desenvolvimento de public relations

conforme modernos métodos de gestão, mostra que a ‘publicidade’, grandemente

espoliada de suas funções originais, está agora sob o patrocínio das administrações,

das associações e dos partidos, mobilizada de um outro modo no processo de

integração entre Estado e sociedade (HABERMAS, 1984, p. 231-232).

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Maia (2009) reconhece, no entanto, as principais críticas feitas por outros estudiosos

sobre o pensamento habermasiano e cita entre elas, principalmente, o caráter excludente de

seus estudos (de focar a esfera pública burguesa e excluir os proletários, que também foram

atuantes no debate político e fundamentais na organização da vida pública do século XIX) e a

postura elitista do autor (de negligenciar o papel dos movimentos sociais e menosprezar o

papel democratizante da expansão da educação e do voto). Maia compara que em outras fases

de seus estudos Habermas assume novas condutas, como em “Teoria da Ação Comunicativa”,

em que reconhece que os media são perpassados por contradições e justifica o seu potencial

ambivalente; e em “Direito e Democracia”, em que através de múltiplos níveis de troca

argumentativa, ele sustenta a possibilidade dos media de preencherem algumas das

expectativas normativas para a sustentação de uma esfera pública ativa.

Pensando o poder dos media, não sob uma perspectiva de manipulação direta, mas

como uma luta por influência, Habermas observa uma relação que os profissionais dos media

estabelecem com os agentes políticos e sociais para processar os conteúdos. Ele elenca os

atores que visitam a arena de visibilidade dos media:

(a) lobistas representando grupos de interesse; (b) agentes de advocacy que

representam ou causas de interesse comum ou grupos marginalizados, incapazes de

vocalizar seus interesses efetivamente; (c) especialistas, credenciados com

conhecimento científico ou profissional oriundos dos sistemas funcionais; (d)

empreendedores morais que geram atenção pública por questões previamente

negligenciadas; (e) intelectuais os quais gozam de reputação em alguma área (como

escritores e acadêmicos) e que se engajam espontaneamente no debate público, com

a declarada intenção de promover interesses gerais (HABERMAS, 2006, p.416).

Apropria-se nesse estudo dessas contribuições expostas de Arendt e Habermas nas

abordagens sobre aquilo que é público, princípios e subversão da ideia de publicidade e sobre

a formação da opinião pública para, a partir daí, se pensar como se dá o debate sobre a UHE

Estreito na esfera midiática, quais atores sociais têm oportunidade de visitar essa arena da

visibilidade e de que maneira são apresentados e estruturados esses discursos.

3.2 Os jornais O Estado do Maranhão e Folha de S. Paulo na cobertura sobre a UHE

Estreito

Apresentam-se aqui os veículos da mídia impressa selecionados para esta análise: o

jornal de maior circulação no Maranhão, O Estado do Maranhão, e um dos jornais de maior

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circulação no país, Folha de S. Paulo, segundo dados do Instituto Verificador de

Comunicação – IVC (2015).

Os dois jornais possuem versão impressa e on line e circulam diariamente. Ambos

veicularam notícias referentes às diversas fases da construção da UHE Estreito, desde 2005,

quando tiveram início as audiências públicas, até a inauguração do empreendimento, em

2012, e o desdobramento do funcionamento da hidrelétrica, nos meses conseguintes e

repercutindo o debate sobre os prejuízos e benefícios da Usina na sociedade.

O jornal O Estado do Maranhão foi fundado em 1973 e pertence ao conglomerado de

comunicação no Maranhão da família Sarney, o Sistema Mirante de Comunicação. Com

tiragem média de 15 mil exemplares por dia, IVC (2014), o Estado circula com os cadernos e

editorias diários: Primeira Página, Cidade, Alternativo, E+ (Esporte), O Mundo, O País,

Política, Polícia, Economia, Portos, Vida, Geral, Ph, Em Cena (Coluna Social); Classificadão;

e os semanais: Revista da TV, Dom, Na Mira e o Caderno Sustentável.

Sediado na capital, São Luís, O Estado possui dois repórteres que atuam como

correspondentes no interior do estado, lotados nos municípios de Imperatriz e Caxias, fazendo

a cobertura jornalística também em cidades circunvizinhas; possui ampla circulação na capital

e alcança quase todos os municípios do Maranhão.

Outro suporte de análise escolhido neste estudo foi o jornal Folha de S. Paulo.

Fundado em 1921 e pertencente ao Grupo Folha (um conglomerado de cinco empresas,

fundado pelo empresário Octavio Frias de Oliveira), o jornal Folha de S. Paulo ocupa o

primeiro lugar em tiragem e circulação entre os diários de todo país (IVC, 2015), com média

de 365.429 exemplares diários, e também lidera em edições digitais, com média de 161.200

visitações diárias.

De acordo com seu próprio site, o veículo autodefine que a sua liderança no mercado

se deve “aos princípios editoriais do Projeto Folha: pluralismo, apartidarismo, jornalismo

crítico e independência” (FOLHA, 2015). Com o slogan “Um Jornal a Serviço do Brasil”, o

jornal publica diariamente os cadernos A: com as editorias Primeira Página, Opinião, Painel,

Poder e Mundo; B: Mercado; C: Cotidiano, Saúde, Ciência, Folha Corrida; D: Esporte; E:

Ilustrada e Acontece (que circula apenas em São Paulo).

O grupo Folha tem como “Visão” organizacional consolidar-se como o mais influente

grupo de mídia do país e elenca como seus princípios e valores: independência econômica e

editorial; compromisso com o leitor; ética; defesa da liberdade de expressão; defesa da livre

iniciativa; pioneirismo; respeito à diversidade. A missão do grupo é anunciada como:

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Produzir informação e análise jornalísticas com credibilidade, transparência,

qualidade e agilidade, baseadas nos princípios editoriais do Grupo Folha

(independência, espírito crítico, pluralismo e apartidarismo), por meio de um

moderno e rentável conglomerado de empresas de comunicação, que contribua para

o aprimoramento da democracia e para a conscientização da cidadania (FOLHA,

2015).

A estrutura da Folha de S. Paulo, no que diz respeito a sucursais e correspondentes no

Brasil, é de duas sucursais no Rio de Janeiro e em Brasília e nove correspondentes

distribuídos nas cidades de Campinas e Ribeirão Preto (SP), Curitiba (PR), Belo Horizonte

(MG), Fortaleza (CE), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Recife (PE) e Salvador (BA). O

jornal possui também uma rede de jornalistas freelancers nas principais capitais e cidades

mais importantes do interior dos estados, que são acionados quando há demandas factuais, o

que também permitiu a cobertura, por vezes in loco, dos assuntos relativos à UHE Estreito.

Esses dois veículos da mídia impressa foram selecionados para estas análises por

ambos terem se dedicado, de algum modo, à cobertura de temas pertinentes à Usina

Hidrelétrica Estreito a longo prazo; além de também serem veículos consolidados no

mercado, o que permite também metodologicamente as investigações a partir de suas

publicações. Dentro do recorte temporal estipulado (2008, 2010, 2012 e 2013), observam-se

as Formações Discursivas nos dois jornais atentando-se para a classificação por editorias e a

partir da organização em categorias temáticas.

3.2.1 Da classificação por editorias

Torna-se oportuno observar nos veículos elencados para esta análise como a cobertura

sobre a UHE Estreito foi distribuída nas editorias dessas publicações para começar a se

encontrar pistas sobre a partir de quais lugares os veículos definem a abordagem sobre o tema.

Observa-se que da totalidade de 15 notícias da “Folha de S. Paulo” mapeadas sobre a

Usina de Estreito nos anos de 2008, 2010, 2012 e 2013 distribuem-se nas editorias “Brasil”,

“Poder” e “Mercado”.

Tabela 17 – Notícias por Editorias na Folha sobre a UHE Estreito

Editoria Nº de Notícias

Folha Brasil 02

Folha Mercado 08

Folha Poder 05

Total 15

Fonte: Categorizado pela autora (2015).

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No gráfico a seguir, detalha-se a divisão por editorias da Folha de S. Paulo, sendo:

13% na Editoria Brasil; 33%, na editoria Poder e 54% na editoria Mercado.

Gráfico 4 – Notícias por Editoria Folha

Fonte: Categorizado pela autora (2015).

A Editoria “Brasil” da Folha (que concentra 13% das notícias sobre a Usina), à época

do ano de 2008 integrava o “Primeiro Caderno”, com notícias de cunho político, econômico e

social do país. A editoria “Poder”, que contempla 33% dos registros de análise, é definida

pelo próprio site da Folha:

No primeiro caderno da Folha, a editoria se dedica à vida política, institucional e aos

movimentos sociais. Procura oferecer ao leitor informações pluralistas e

apartidárias, para que ele exerça sua cidadania. É, ao mesmo tempo, um instrumento

fundamental para os formadores de opinião, que nele encontram análises sobre os

últimos acontecimentos (FOLHA, 2015).

A editoria “Mercado” registra 54% das notícias analisadas sobre a UHE Estreito (o

maior registro). De acordo com o veículo, a editoria aborda:

A conjuntura econômica, brasileira e internacional, e o mundo dos negócios são o

principal alvo do caderno Mercado. Com informações precisas, linguagem clara e

elucidativa, o caderno orienta quanto a investimentos, traz indicadores econômicos e faz a cobertura de temas que mereçam atenção especial em função da conjuntura

econômica (FOLHA, 2015).

Observa-se, em uma primeira análise da distribuição de notícias em editoriais, o lugar

de fala que a Folha enquadra a temática sobre a UHE Estreito predominando a visão sobre o

tema a partir de uma perspectiva do viés de interesse econômico que o empreendimento

carrega.

No veículo local, jornal O Estado do Maranhão, a divisão por editorias durante o

mesmo recorte temporal se dá sob a seguinte classificação:

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Tabela 18 – Notícias por Editorias em O Estado do MA

Editoria Nº de Notícias

Cidades 31

Consumidor 01

Economia 14

Especial 03

Esporte 04

Estado 04

Geral 07

Total de notícias 64

Fonte: Categorizado pela autora (2015).

A maioria das notícias (48%) na cobertura de O Estado sobre a UHE Estreito se

enquadra na editoria “Cidades”, definida pelo site do veículo como a seção que aborda “tudo

o que acontece nas ruas, nos bairros e nas comunidades em formato dinâmico e editorial

claro” (O ESTADO, 2015). A editoria “Economia”, definida por contemplar o cenário e as

análises da economia brasileira e internacional, comporta 22% das publicações sobre a UHE

Estreito. E 11%, situam-se na editoria “Geral”, de caráter mais abrangente de cobertura local e

nacional.

Gráfico 5 – Notícias por Editoria em O Estado

Fonte: Categorizado pela autora (2015).

Esse primeiro panorama permite observar a partir de que locais ambos os veículos

situam para o leitor uma ordem e classificação da cobertura sobre a Usina Hidrelétrica no

espaço editorial dos jornais elencados, e é possível conjecturar a visibilidade que os sujeitos e

temas adquirem a partir dessa disposição editorial.

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Há uma prevalência na Folha de S. Paulo em abordar o tema a partir da editoria

“Mercado”, que se dedica a questões econômicas; enquanto que em O Estado houve uma

predominância em tratar o assunto a partir da editoria de “Cidades”, incorporando o

empreendimento ao cotidiano local do Maranhão. Essa classificação não abarca ainda o

enquadramento temático como cada assunto é tratado, mas já fornece pistas sobre essa

disposição espacial e editorial que os veículos em análise situam os assuntos ao longo da

cobertura sobre as fases de implantação e funcionamento da UHE Estreito.

Dando prosseguimento à empreitada de buscar as recorrências, de descrever a

dispersão, compreende-se que o reentrante direcionamento do assunto em determinadas

editorias ajudam a construir, antes mesmo do texto, uma lógica de organização de um campo;

é a articulação do Conceito, ao qual Foucault se refere, que compõe as Formações Discursivas

na descrição dos acontecimentos.

O jornal Folha de S. Paulo ao situar a maioria das discussões sobre a Usina a partir do

escopo do Mercado, já situa o ponto de vista que marca a própria voz do veículo, a partir de

que lugar a discussão sobre o assunto deve ser pensada: de um olhar vigilante para as

implicações econômico-financeiras que a UHE Estreito carrega (embora dentro de abordagens

quase sempre permeadas por relações políticas e partidárias).

No jornal O Estado do Maranhão as editorias que mais abarcam as notícias sobre a

UHE Estreito são as de Cidades e de Economia. O olhar a partir do qual o jornal, dentro do

seu todo, hierarquiza o tema é concebendo o empreendimento enquanto uma mola propulsora

do desenvolvimento da região; estipula uma relação local-nacional: o estado maranhense

despontando como um lugar economicamente importante no cenário do país.

A partir dessas pistas, a priori, poderá se lançar de forma mais contundente nas

análises adiante e identificar que sujeitos e acontecimentos têm visibilidade na abordagem

desses veículos, como os sujeitos da esfera do Estado, do Mercado e da Sociedade Civil

compõem essas articulações discursivas.

3.2.2 Categorizações em O Estado do Maranhão e Folha de S. Paulo

Além de mapear as publicações nos jornais impressos Jornal O Estado (MA) e Folha

de S. Paulo a partir de suas editorias, optou-se também por classificar os grupos de notícias a

partir de categorizações temáticas que tendem a se repetir ao longo do recorte temporal

desenhado. Lembra-se que essa categorização foi construída pela autora ao considerar a

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temática predominante em cada texto e formando um consequente agrupamento das notícias

que abordam os mesmos tópicos estabelecidos.

Relembrando os contextos e fases da usina que compõem os recortes nesta análise: o

ano de 2008, que marca o início das obras civis da barragem (período de muitos conflitos,

invasão e paralisações das obras); 2010 - a fase da construção da barragem propriamente dita

(período de diversos acordos entre o Ceste e instituições de diversas naturezas, culminando

com a visita do então presidente Lula, que acionou o fechamento da primeira comporta do

vertedouro, simbolizando o marco inicial do enchimento do reservatório); 2012, que se trata

da inauguração da usina com a presença da comitiva da presidenta Dilma Rousseff e o ano de

2013, quando se dão os desdobramentos pós-inauguração da usina.

Da totalidade de notícias mapeadas inicialmente dentro desse recorte temporal, 15

publicações da Folha e 64 do jornal O Estado (gráfico 6), observou-se as recorrências

temáticas e agruparam-se as notícias de acordo com as categorias predominantes denominadas

aqui: “Ações Positivas”, “Andamento das Obras”, “Relacionamento Institucional” e

“Tensões”7.

Gráfico 6 – Comparativo de notícias por categorias na Folha e em O Estado MA

Fonte: Categorizado pela autora (2015).

A categoria “Ações Positivas” abarca o grupo de notícias que divulgam de maneira

predominantemente unilateral as ações que o Consórcio desenvolve na região afetada; quase

sempre fruto de negociações entre o veículo e a assessoria de imprensa do Consórcio, as

notícias têm caráter de releases e enaltecem a ação do Ceste, como em, por exemplo, “UHE

7 Os títulos das notícias selecionadas dos jornais O Estado do Maranhão e Folha S. Paulo e suas respectivas

categorias estão disponíveis no apêndice deste trabalho.

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preserva fauna de área de usina hidrelétrica” e “Ceste qualifica 173 alunos na área de turismo”.

Essa categoria só foi identificada no jornal O Estado do Maranhão, não se aplicando aos registros

da Folha de S. Paulo.

No grupo “Andamento das obras” enquadram-se as notícias que fornecem espécies de

boletim sobre em qual fase da obra civil a Usina se encontra; lembrando que o processo das

obras teve início concretamente em 2008 e foi concluído em 2012, sendo várias vezes

paralisadas por conflitos e decisões judiciais.

Em “Relacionamento Institucional” são classificadas as notícias que tratam de

acordos, parcerias, visitas, contratos e ajustes entre o Ceste e pessoas e/ou instituições do

Poder Público (Executivo, Legislativo ou Judiciário), movimentos sociais, associações e

outros tipos de públicos.

A categoria “Tensões” abarca notícias que abordam diversas formas de negociações e

relações tensas, como o confronto direto MAB x Ceste, conflitos judiciais (como anulação da

licença da usina), greves, invasões, protestos e denúncias sobre a situação de famílias

atingidas. Embora se considere também que as tensões abordadas em ambos os veículos são

de naturezas diversas.

Considerando-se essas categorias temáticas e o recorte temporal em análise (2008,

2010, 2012, 2013), chega-se a esse quadro de classificação no jornal Folha de S. Paulo:

Gráfico 7 – Notícias da Folha por categoria

Fonte: Categorizado pela autora (2015).

Observa-se que na cobertura da Folha a categoria “Tensões” teve maior destaque, com

nove notícias, da totalidade de 15 (sendo oito publicações no ano de 2008 e uma em 2012). O

veículo manteve um equilíbrio nos informes sobre o “Andamento das Obras” no período de

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2008, 2010 e 2012 (uma em cada ano) e registrou três notícias da categoria “Relacionamento

Institucional” no ano de 2010. Nota-se também que não há registro na categoria “Ações

Positivas” em nenhuma fase da obra. Outra observação que pode ser constatada pela

visualização do gráfico é que no ano de 2013 (ano conseguinte à inauguração da obra) o

jornal também não publica nenhuma notícia sobre a Usina de Estreito. Mais a frente se

identificará as Formações Discursivas construídas dentro dessas categorias.

Fazendo-se a mesma leitura a partir de categorizações de notícias no Jornal O Estado

do Maranhão nota-se uma nítida diferença em relação à Folha quando se trata da categoria

“Ações Positivas” (não contemplada na Folha) e figurando como maior categoria no jornal O

Estado (registrando 32 notícias: cinco em 2008; 15 em 2010; oito em 2012 e quatro em 2013).

A segunda categoria de maior registro no Estado é a de “Tensões”, com 15 no total, mas com

maior registro no ano de 2013, ano seguinte à inauguração da Usina. Também vale a pena

atentar para que essas tensões que tratam essas notícias são de natureza local, relativas

principalmente a situações de enchentes e ao período de veraneio das praias pluviais do rio

Tocantins; não são das mesmas tensões que se observa na Folha, por exemplo.

Gráfico 8 – Notícias de O Estado por categoria

Fonte: Categorizado pela autora (2015).

Fazendo-se a leitura do gráfico 8, destaca-se a ampla cobertura do veículo O Estado no

ano de 2010 (nas categorias Ações Positivas, Andamento das Obras e Relacionamento

Institucional). Esse período trata-se de um contexto estratégico para o Consórcio, que se

articulava com diversas instituições e conseguia ampla visibilidade na imprensa; registrando

maior número de publicações em O Estado, inclusive maior que no contexto da inauguração

da usina, em 2012.

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Essa dupla leitura e classificação - tanto por editorias quanto por categorias temáticas -

do grande grupo de publicações dos dois veículos em análise, nesse extenso recorte temporal,

permite buscar as regularidades na dispersão, segundo a proposta metodológica baseada em

Foucault que vem se seguindo até aqui. E a partir desse quadro de notícias mapeadas e

classificadas que se adentra a seguir nas análises mais aplicadas das Formações Discursivas,

na busca pela identificação do que define esses discursos (os Objetos), dos sujeitos que falam

ou são silenciados (as Modalidades Enunciativas) e das estruturas de argumentação e

narrativas (os Conceitos).

3.3 Formações Discursivas em O Estado do Maranhão

Tendo como foco observar a visibilidade que a esfera midiática construiu a cerca da

Usina Hidrelétrica Estreito, prossegue-se aqui à investigação sobre as Formações Discursivas

na mídia impressa local e nacional, iniciando-se pelo jornal O Estado do Maranhão. Para

compreender como se estabelece esse campo discursivo mantém-se a categorização

construída para se encontrar as recorrências discursivas nos grupos de notícias que tratam

sobre “Relacionamento Institucional”, “Andamento das Obras”, “Tensões” e “Ações

Positivas”.

A análise do campo discursivo é orientada de forma inteiramente diferente; trata-se de

compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua situação; de determinar

as condições de sua existência, de fixar seus limites da forma mais justa, de estabelecer suas correlações com os outros enunciados a que pode estar ligado, de

mostrar que outras formas de enunciação exclui (FOUCAULT, 2000, p.31).

Tais procedimentos de perceber o que é singular no enunciado e de estabelecer

correlações entre enunciados, segundo a orientação de Foucault, requer considerar o que está

no limite do discurso (nem interno, nem externo a ele); a conceber esse discurso enquanto

prática, no feixe de relações. Dessas relações que também se tentará compreender nessas

análises.

3.3.1 Categoria “Relacionamento Institucional”

No quadro de notícias que tratam da temática do relacionamento institucional entre o

Consórcio e representantes das esferas do Mercado e do Estado (como acionistas, Presidência

da República, Ministros e Secretários) cabe observar qual o posicionamento desses sujeitos

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em relação ao empreendimento e notar as instâncias de delimitação desses discursos, a

formação dos Objetos que definem a Usina a partir desses lugares de fala. São exemplos de

notícias que integram esse grupo: “Grupo do PAC visita a UHE Estreito”, de 29 de junho de

2010; “Lula afirma que a UHE será modelo para outros projetos”, de 01 de dezembro de 2010;

“Ceste e acionistas comemoram o avanço das obras da UHE Estreito”, de 07 de dezembro de

2010, e “Secretaria aponta benefícios de UHE Estreito para o MA”, de 21 de outubro de 2012.

Dos sujeitos que figuram nas notícias dessa categoria sobre o relacionamento com o

Consórcio tem-se: comitiva do Programa de Aceleração do Crescimento, como representantes

da Casa Civil, Ministério das Minas e Energia, Ministério do Planejamento e do Ibama;

solenidades das quais participam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a governadora

Roseana Sarney, além do então senador e ex-ministro de Minas e Energia, Edison Lobão; os

ministros de Minas e Energia, Márcio Zimermam; do Meio Ambiente, Isabela Teixeira, e

interino de Aquicultura e Pesca, Cléberson Zaski; o prefeito de Estreito (MA), Zequinha

Coelho (PDT); o governador do Tocantins, Carlos Guaguim; o presidente do Tribunal de

Justiça do Maranhão (TJ), Jamil Gedeon; secretário de Estado de Minas e Energia do

Maranhão, Ricardo Guterres e acionistas das empresas que compõem o Consórcio - GDF

Suez/Tractebel Energia, Vale, Alcoa e Camargo Corrêa.

Da principal recorrência observada nessas visitas e cerimônias por parte desses

sujeitos é o aval, a parceria e aprovação sobre o andamento das obras e a boa perspectiva do

empreendimento para a região. São recorrentes nas falas as construções de que a usina prima

por algumas formas de “sustentabilidade”:

Para o coordenador do Ibama na área de estrutura de energia, Guilherme de

Almeida, o empreendedor da UHE Estreito está realizando esforços para garantir a

sustentabilidade da obra. ‘Estamos acompanhando de perto a obra, com vistorias e análise de relatórios para poder equacionar todas as questões socioeconômicas e

ambientais, de forma a garantir que o empreendimento seja um sucesso’, ressaltou o

coordenador do Ibama (O ESTADO, 29/06/10).

Assim como na fala do presidente do Ceste, José Renato Ponte, na ocasião da visita da

comitiva do PAC à obra: “A comitiva pode conferir que estamos construindo a Usina de

Estreito com foco na sustentabilidade” (O ESTADO, 29/06/10).

A Usina como um referencial de crescimento econômico para o Maranhão e para o

país também compõe um dos Objetos dessa categoria, como se observa também na fala do

Presidente Lula, em solenidade em 2010, e na do Secretário de Estado de Minas e Energia do

Maranhão, Ricardo Guterres, durante a inauguração, em 2012.

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Texto 1: Lula destacou que a usina simboliza um marco para o desenvolvimento

econômico do país. ‘Para nós, uma hidrelétrica é sempre importante, porque o

consumo de energia significa a construção da possibilidade de mais trabalho, mais

emprego e mais renda. Uma hidrelétrica desse porte, um investimento de mais de R$

4 bilhões, que gerou milhares de emprego e que vai gerar milhares de megawats, vai

contribuir de forma extraordinária com o desenvolvimento da região e do Brasil’,

declarou o presidente (O ESTADO, 01/12/10).

Texto 2: Na visão de Guterres, o Maranhão, na atual administração da governadora

Roseana Sarney, se consolidou como um estado produtor de energia, especialmente

de energia limpa e renovável, impactando positivamente em termos econômicos e

ambientais. ‘É uma mudança histórica, pois, de um estado de economia unicamente extrativista, ampliou seus horizontes, gerando bases sólidas, neste século XXI, para

receber o progresso sustentável. Isso, aliado à exploração, de dentro dos parâmetros

ambientais corretos, de suas grandes reservas minerais, de petróleo e gás’, avaliou

(O ESTADO, 21/10/2012).

No texto 02 o secretário reforça a conjuntura política, lembrando que a usina enquanto

marco histórico se dá no governo Roseana Sarney. Em ambas as falas a Usina é situada como

uma mola propulsora de desenvolvimento para o país a partir do Maranhão, sua importância

local é refletida no âmbito nacional.

Na ocasião em que o então presidente Lula acionou simbolicamente uma das

comportas, em 2010, o jornal O Estado publicou uma seção “Especial” de duas páginas de

notícias sobre a Usina, dando voz principalmente ao Presidente Lula (que dividia o palanque

com a governadora Roseana Sarney), em que ele defende a UHE Estreito como modelo a ser

seguido para outros projetos.

Figura 3 – Página Especial de O Estado sobre a UHE Estreito

Fonte: O Estado (2010).

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Na cobertura do mesmo evento no veículo Folha de S. Paulo o assunto da Usina foi

desviado para o relacionamento entre Lula e a família Sarney (e sua resposta ao repórter),

assim como o caso WikiLeaks.

O texto destaca a fala do Presidente Lula em que diz que a UHE Estreito será modelo

e representará um grande passo para o desenvolvimento econômico para o Maranhão e para o

país inteiro. Também que a possibilidade de geração de energia mais próxima do estado abre

campo para novos investimentos locais.

Acho que representa a possibilidade de desenvolvimento para o estado. À medida

que tem uma hidrelétrica e que você pode começar a convencer empresários a virem

investir, tanto no Tocantins quanto no Maranhão, você vai ter uma energia mais

próxima, mais barata e que, portanto, vai significar mais desenvolvimento, declarou.

(O ESTADO, 01/12/10).

A noção de modelo defendida pelo Presidente diz respeito ao relacionamento com os

movimentos sociais e ao remanejamento das famílias atingidas.

O presidente destacou que a grande evolução da UHE foi ter tratado a questão do

realocamento de famílias de forma digna para todos os atingidos pelo

empreendimento. ‘Estamos usando essa hidrelétrica quase como um modelo do que

será daqui para a frente. Ou seja, levar em conta a necessidade de tratar corretamente

e de forma respeitosa todos os trabalhadores que aqui moravam’, assinalou o presidente.

Fizemos um acordo, um protocolo com o pessoal do MAB [Movimento dos

Atingidos por Barragens], para que a gente acompanhe de perto, e eu tenho certeza

de que Dilma vai acompanhar de perto, para que se crie um novo paradigma e nunca

mais a gente precise ter conflito de pessoas desalojando os pobres para fazer uma

hidrelétrica. Ou seja, se uma hidrelétrica significa desenvolvimento, crescimento

econômico, tem que significar também oportunidade para as pessoas que moram ali,

complementou o presidente (O ESTADO, 01/12/10).

As principais críticas que poderiam ser direcionadas ao processo que envolve a

construção de barragens, como os impactos ambientais e os prejuízos a famílias ribeirinhas,

na formação dos Objetos discursivos são anuladas e revertidas; e ainda é reforçada a noção de

que a Usina trará somente benefícios, avanços econômicos e alçar a região a um patamar de

lugar desenvolvido, sem contradições nem percalços.

O conjunto dos enunciados do jornal O Estado tece uma linha muito clara e definida

de endossamento de uma lógica econômica liberal, que ressalta o desenvolvimento nos

moldes de crescimento econômico. O veículo, sendo propriedade do grupo Sarney, também

cumpre o propósito de legitimar e dar visibilidade aos parceiros políticos. O aval das

principais figuras da esfera do Estado tanto nos domínios Federal, Estadual e Municipal

validam o modelo e conduta adotada pela UHE Estreito.

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Nota-se também que a Formação Discursiva dessa categoria no jornal O Estado em

muito se assemelha à mesma categoria analisada na produção discursiva pelo próprio Ceste,

em seu site institucional. Há uma composição Estado-Mercado que forma o espectro de

validação do empreendimento, que é repercutida no escopo dessas notícias.

3.3.2 Categoria “Andamento das obras”

Essa categoria agrega as notícias que fazem alguma espécie de registro da fase em que

a obra se encontra. Observando-se o conjunto de 11 notícias mapeadas nessa categoria no

Jornal O Estado nos anos de 2008 a 2013 é possível reconstruir todo o histórico da obra,

acompanhando o detalhamento de cada fase, com a porcentagem do cronograma concluído.

Compõem a linha narrativa de todo o percurso do cronograma seguido até a sua inauguração,

como se observa:

Tabela 19 – Categoria “Andamento das obras” em O Estado do MA

Nº Notícia Editoria

Data

1 Atraso nas obras da UHE eleva risco de racionamento

de energia Economia

13 de junho de 2008

2 Obras da UHE Estreito completam três anos Economia 14 de fevereiro de 2010

3 Ceste começa energização de linha de transmissão

Cidades

18 de março de 2010

4 Parede diafragma na barragem da UHE Estreito

começa a ser construída Economia 19 de junho de 2010

5 UHE Estreito alcança novo marco com descida do

maior rotor Kaplan Geral 13 de agosto de 2010

6

UHE Estreito tem 85% do cronograma físico de

obras concluídos

Economia

25 de setembro de 2010

7

Obras da Hidrelétrica Estreito já estão 90%

concluídas, diz o Ceste

Especial

01 de dezembro de 2010

8 UHE Estreito transforma região Economia 05 de dezembro de 2010

9 Finalizada a montagem da primeira Unidade

Geradora da UHE Estreito Consumidor 15 de dezembro de 2010

10 Dilma inaugura a UHE Estreito e destaca

importância da obra Economia 18 de outubro de 2012

11 Coluna Estado Econômico - Mais energia Economia 24 de fevereiro de 2013

Fonte: Categorizado pela autora (2015).

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Quando a obra foi paralisada, em 2008, devido à Justiça Federal do Maranhão ter

anulado a licença de instalação da Usina, em decisão fruto de uma Ação Civil Pública

proposta pelo Ministério Público Federal no Tocantins e no Maranhão, o enfoque trabalhado

no noticiário do Estado de 13 de junho de 2008 contemplou o risco de racionamento de

energia que a paralisação das obras causaria ao país e não, o motivo que levou à anulação da

licença. O principal Objeto desta categoria é construído em torno do imperativo da Usina

enquanto sinônimo de crescimento econômico e propulsor de oportunidades e a sua

grandiosidade, reforçada pelo destaque dado aos números e especificações da obra no

conjunto das notícias, como a contagem de homens trabalhando na obra, medidas de toneladas

de concreto, dimensões dos motores e turbinas, como se observa nos quatro exemplos

selecionados a seguir.

Ex. 1: Segue em ritmo acelerado a construção da Usina Hidrelétrica Estreito. No

maior canteiro de obras do Brasil, atualmente com mais de 10 mil homens

trabalhando, foi iniciada recentemente a construção da parede diafragma. É uma

estrutura de proteção da fundação da barragem, em que será empregada tecnologia

alemã, utilizada pela primeira vez no Brasil em construção de barragens e que

impermeabilizará áreas de até 45 metros de profundidade, garantindo mais

segurança e confiabilidade à barragem (O ESTADO, 19/06/10).

Ex. 2: A Usina Hidrelétrica Estreito (UHE) conquistou mais um marco em sua

construção, com a descida do rotor Kaplan da primeira unidade geradora.

Constituída de ogiva, cubo do rotor, cinco pás (ou hélices), cone guia e tampa interna, a “Árvore Kaplan”, como também é conhecida essa gigantesca estrutura,

representa a parte móvel ou rotativa da turbina, que, com a força das águas, irá

realizar a movimentação do rotor do gerador (última peça a ser instalada), o que

resultará na produção da energia. Pesando mais de 470 toneladas e medindo 14

metros de altura por 9,5 metros de diâmetro, a peça é a maior do tipo já instalada no

Brasil e uma das maiores do mundo (O ESTADO, 13/08/10).

Ex. 3: Ao todo, dos cerca de 1 milhão de metros cúbicos de concreto a serem

utilizados até o final da obra, suficientes para a construção de 12 estádios do porte

do Maracanã, restam apenas 60 mil metros cúbicos a serem lançados. Na estrutura

do vertedouro, localizada no lado tocantinense do canteiro de obras, as últimas 14

comportas estão sendo montadas. Já a barragem de terra, que ligará as estruturas do vertedouro à casa de força, deve ser concluída no fim deste mês (O ESTADO,

25/09/10).

Ex. 4: Apesar de ter o mesmo princípio de funcionamento de qualquer gerador

elétrico utilizado para alimentar fazendas, por exemplo, o rotor do gerador da Usina

de Estreito tem medidas impressionantes: 550 toneladas de peso, 13,70 metros de

diâmetro, 2,20 de altura e velocidade de rotação de 69,3 RPM (O ESTADO,

15/12/10).

Atentando-se para a formação dos Conceitos (as formas de sucessão de argumentação

e disposição enunciativa) nessa categoria nota-se uma utilização da linguagem própria do

Marketing no texto jornalístico como recurso para destacar a pujança da construção da usina,

como no exemplo 01: “segue em ritmo acelerado a construção da Usina...”, “no maior

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canteiro de obras do Brasil”; no exemplo 02: “essa gigantesca estrutura”, “é a maior do tipo já

instalada no Brasil e uma das maiores do mundo”; no exemplo 03: “1 milhão de metros

cúbicos de concreto a serem utilizados até o final da obra, suficientes para a construção de 12

estádios do porte do Maracanã” ou no exemplo 04: “o rotor do gerador da Usina de Estreito

tem medidas impressionantes”. À imponência na obra agrega-se a ideia de crescimento

econômico e de oportunidades para um estado que historicamente e durante várias décadas

apresentou baixos indicadores sociais.

No texto que trata da inauguração da obra pela Presidenta Dilma Rousseff há

recorrência tanto na fala dela quanto na do presidente do grupo GDF Suez Brasil e do

Ministro de Minas e Energia de que “a hidrelétrica de Estreito prova que é possível obter

crescimento e produzir energia, e, ao mesmo tempo, respeitar o meio ambiente”; que “mais do

que apenas uma hidrelétrica geradora de energia, a usina de Estreito se tornou um vetor de

desenvolvimento e inclusão social e econômica para a região” e que “além de gerar energia

limpa, será um fomentador do crescimento econômico do país, mostrando também que é

possível conciliar desenvolvimento com meio ambiente” (O ESTADO, 18/10/2012).

Esse estatuto de accountability, de prestação de contas - seja sobre o cumprimento

com a legislação ambiental ou investimentos - observado como principal papel do site

institucional do Ceste na análise no capítulo I, também é muito frequente na construção das

formações do Jornal O Estado.

Reservatório - O lago formado pela hidrelétrica ocupa uma área de 400 km². Para a

formação do reservatório, foram adquiridas mais de três mil propriedades e

remanejadas cerca de 2 mil famílias de proprietários e não proprietários. Parte dessa

população vive hoje em reassentamentos construídos pelo Ceste.

Em cinco anos de construção, foram utilizados mais de 50 mil toneladas de aço, o

que precisaria de duas mil carretas para transportar todo o material. Já o volume de

concreto utilizado na obra foi cerca de um milhão de metros cúbicos.

Dos 250 hectares previstos para serem reflorestados, já foram executados mais de

200 hectares. No total, o Ceste plantou cerca de 300.000 mudas, o equivalente a 1.500 mudas por hectare.

A construção do empreendimento também envolveu ações socioambientais previstas

no Plano Básico Ambiental (PBA). Neste processo, foram cumpridos 39 programas

sociais e ambientais e estabelecidos 12 termos de compromisso com os municípios

na área de influência da usina. Isso representou mais de R$ 600 milhões em

investimentos nas áreas de saúde, educação e segurança pública (O ESTADO,

18/10/12).

A retomada de todo o cronograma da obra, desde junho de 2002, com a licitação da

Agência Nacional de Energia Elétrica, vencida pelo Ceste, até a então inauguração em

outubro de 2012 reproduz os marcos oficiais também apresentados no site do Consórcio;

excluindo, por exemplo, as paralisações e contratempos; diferentemente da cobertura da Folha

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de S. Paulo, que enfatizou esses dados na publicação sobre a inauguração da usina, intitulando

um infográfico do cronograma de dez anos de “A Via-crúcis da construção de Estreito”.

Nessa categoria, o jornal O Estado se situa como porta-voz do Consórcio Estreito

Energia, privilegiando somente essa voz institucional, informando o leitor sobre cada fase da

usina ao longo dos cinco anos observados na tabela, reverberando a mesma formação de

Objetos do empreendedor: enfatizando a grandiosidade da obra, numa noção agregada de

desenvolvimento.

3.3.3 Categoria “Tensões”

Concebe-se a instalação de usinas hidrelétricas como um campo de poder, de

diferentes forças que se inter-relacionam, se interpõem, se estabelecem em um jogo de trocas

quase sempre desigual. Perceber como esse jogo de negociações mais claramente conflituosas

é representado na mídia é um caminho a ser trilhado quando se observa essa abrangente

categoria intitulada “Tensões”, que agrega os textos que discorrem sobre conflitos e

negociações de diferentes naturezas, envolvendo posições polarizadas dos sujeitos que

participam da discussão sobre a Usina.

Nessa observação, consideram-se ainda algumas subdivisões de alguns contextos ao

longo desse período de 2008 a 2013: como as invasões ao canteiro de obras, em 2008;

paralisação judicial, também em 2008; enchentes no rio Tocantins (causadas pela vazão da

usina), em 2012; o impasse sobre as praias de veraneio, em 2013, e as manifestações das

famílias atingidas, também em 2013. Essas subdivisões temáticas se diferem, em partes, da

cobertura da Folha de S. Paulo, na medida em que abordam especificidades da região, como a

influência direta do rio na vida dos moradores, a ocorrência de enchentes e a interferência na

formação das praias fluviais temporárias.

Com a invasão do canteiro de obras da usina pelo Movimento dos Atingidos por

Barragens chama atenção a publicação de duas notícias em datas próximas, com a mesma

construção textual dos títulos “Ocupação da UHE Estreito preocupa a direção do Ceste”, de

14 de março de 2008, e “Invasão da UHE preocupa empresários”, 17 de março de 2008. Em

ambas as notícias os sujeitos de fala, a direção do Ceste e o empresariado local repudiam os

protestos e se mostram preocupados com o reestabelecimento da ordem. Nota-se inclusive a

repetição do título com o verbo “preocupa” em referência tanto à direção do Ceste quanto aos

empresários.

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Terminada a invasão, a notícia de 20 de março de 2008 relata que o Ceste procura

famílias para acordos, sem intermediários.

A direção do Consórcio Estreito Energia (Ceste) informou, ontem, que não entraria

em acordo com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), por não ter

ligação direta com os seus dirigentes. De acordo com o consórcio, só serão

procuradas para acordos as famílias que terão que ser remanejadas para outras

localidades e pessoas ligadas ao fórum (O ESTADO, 20/03/08).

Ao longo das análises se observará que esse relacionamento entre o MAB e o

Consórcio sofreu alguns movimentos de aproximações e distanciamentos, acordos e

distensões, mas cabe ressalvar também que, principalmente em situações de confrontos, a voz

do Movimento é explicitamente interditada na fala do jornal. Nesse caso, o Consórcio deixa

claro que não negociaria com o MAB, e o veículo segue a mesma postura de interdição da

versão do movimento enquanto autor de protestos e reivindicações.

Foucault (2009) coloca que “por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca

coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e

com o poder” (p. 10); trata-se de uma visão de que o discurso é em si também um objeto de

desejo, aquilo pelo que se luta, pelo que se quer apoderar; é esse também um desejo pelo qual

os sujeitos que deveriam compor esse debate aspiram.

O outro contexto de tensão que perpassou o cronograma das fases da UHE Estreito foi

a paralisação judicial em junho de 2008, noticiada em O Estado apenas com o registro de que

o Ceste havia divulgado uma nota informando a interrupção das obras em obediência à

decisão da Justiça Federal do Maranhão, que anulou a licença de instalação do

empreendimento e que, em caso de recusa à ordem judicial, o Consórcio estaria sujeito a

multa de R$ 15 milhões. A outra notícia com o desdobramento do mesmo assunto também faz

o registro que ANEEL recorre ao TRF para que obras da UHE sejam retomadas. A discussão não

é desdobrada no jornal, funciona apenas como o registro do cumprimento às ordens judiciais:

Em tom de apelo, o recurso apresentado pela Aneel ao Tribunal Regional Federal

aponta que manter a suspensão da obra de Estreito é uma decisão que ‘afeta a

credibilidade do Brasil como país capaz de atrair os investimentos em infra-estrutura

para sustentar o crescimento sustentável de sua economia’ (O ESTADO, 19/06/08).

Uma enchente no rio Tocantins na cidade de Imperatriz - MA no mês do janeiro de

2012, ano da inauguração do empreendimento, foi noticiada pelo jornal O Estado sob a

perspectiva da tensão entre diversos sujeitos envolvidos, com o título: “Enchente causa

impasse entre prefeituras, Ceste e ribeirinhos - Polêmica começou após a enchente da semana

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passada”. Segundo a notícia, o nível do rio no município de Imperatriz passou a estar sujeito à

vazão da usina, que dependendo das chuvas rio acima poderia abrir ou fechar as comportas do

reservatório, e uma cheia repentina teria pegado os moradores de surpresa e deixado 300

famílias desabrigadas.

O impasse principal tratado no texto se dá em torno do Consórcio ter informado ou

não (e se com devida antecedência) às autoridades competentes sobre a abertura das

comportas, assim como o prejuízo causado aos municípios atingidos pela enchente.

Trecho 01: Moradores foram unânimes em reclamar da Prefeitura de Imperatriz por

não terem recebido aviso prévio da cheia. Sem esse alerta, a maioria das famílias

não teve tempo de retirar de casa seus pertencentes, como é o caso de um

comerciante do Porto das Balsas que perdeu grande parte do estoque de

mercadorias;

Trecho 02: Essa é uma informação que só o Ceste tem. A gente tem de ter essa

informação antecipada, porque em três horas e meia não tem como retirar 300 ou

400 famílias de uma área. Não se consegue nem montar estrutura para isso, explicou

Francisco das Chagas, que apoia a iniciativa dos moradores;

Trecho 03: Na única nota oficial enviada à imprensa até agora pela Assessoria de Comunicação do Consórcio Estreito Energia (Ceste) disse que fez o devido

comunicado antecipado sobre a abertura de comportas para a respectiva vazão de

água aos coordenadores da Defesa Civil nos Estados do Maranhão e Tocantins (O

ESTADO, 15/01/12).

Podem-se enumerar os diversos sujeitos que se posicionam sobre o assunto na notícia:

o presidente da Associação de Moradores do bairro Beira-Rio, prefeituras dos municípios de

Imperatriz e de Porto Franco, Superintendência Municipal de Defesa Civil, moradores,

presidente da Colônia de Pescadores Z-31, o ouvidor-geral do Município e o Ceste (por meio

de Assessoria). Observa-se nessa circunstância da enchente, ao longo de toda a cobertura do

Estado, um posicionamento mais crítico frente à Usina, dando destaque ao impasse e dando

voz a outros sujeitos (e não somente a fala institucional do Consórcio).

Outras seis notícias dessa categoria “Tensões” se referem também à relação entre os

moradores e o rio Tocantins, que foi afetada pela vazão das comportas da barragem. Trata-se

da formação das praias pluviais quando baixa o nível do rio Tocantins e formam bancos de

areias. Nesse período, geralmente no meio do ano, conhecido como “temporada de veraneio”

as praias temporárias se apresentam como uma opção de turismo e lazer e também como uma

atividade econômica, com a construção de barracas para comércio de comidas e bebidas. As

praias do Cacau e do Meio, em Imperatriz, por exemplo, atraem em média 15 mil pessoas por

final de semana, segundo dados da Associação de Barraqueiros da Praia do Cacau.

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Antes da construção da usina a formação das praias ficava a cargo do período de

estiagem do rio. Com a barragem, o fechamento das comportas passou a ser o fator definidor

do período de veraneio e muitas discussões foram centradas no prolongamento desse intervalo

em meio a negociações com o Ceste, que por vezes acatava ou não a solicitação da

comunidade local.

Figura 4 – Cobertura de O Estado sobre Temporada de veraneio

Fonte: O Estado (2013).

Trata-se de uma problemática local, principalmente no município de Imperatriz

(indiretamente atingido pela usina e localidade onde o jornal possui jornalista em sua equipe),

que ganhou certa visibilidade no jornal O Estado, que publicou seis notícias no ano de 2013

sobre os desdobramentos das negociações do Ceste sobre o período de veraneio, a cobrança

por praias permanentes por políticos da região e do público usufruindo das atividades de lazer

no rio Tocantins durante a temporada.

Embora classificadas dentro da categoria “Tensões”, esse grupo de notícias aborda

uma tensão de natureza diversa das outras abordagens como invasão ao canteiro de obras,

paralisações judiciais ou mesmo sobre o prejuízo causado por enchentes como consequência

do funcionamento da usina; no entanto, trata-se da defesa de uma atividade econômica e de

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lazer, cujo intervalo de duração depende da negociação com o Consórcio e essas negociações

ganham destaque e atenção do veículo.

Ainda nessa categoria de análise, cabe uma observação sobre a cobertura do jornal no

caso de protestos contra a UHE Estreito, como os casos dos dois registros feitos sobre

manifestações realizadas pelos moradores de áreas atingidas no ano seguinte à inauguração do

empreendimento, um em 09 de abril de 2013 e outro em 22 de outubro de 2013. Em ambos os

casos, a cobertura do jornal foi feita por meio de fotos-legendas, publicadas na parte inferior

da página 03.

Exemplo 01: CAROLINA - Famílias do município de Carolina atingidas pela obra

da Usina Hidrelétrica Estreito (UHE) saíram às ruas na semana passada em

manifestação contra o impacto que a construção causou. Segundo os manifestantes,

muitos prejuízos estão sendo conferidos por estas famílias. Elas alegam problemas

nas casas que estão com a estrutura comprometida. Os moradores ribeirinhos que

perderam suas casas também denunciaram o caos deixado pelo Consórcio Estreito

Energia (Ceste), responsável pelo empreendimento. O problema que perdura desde o

início das obras, há cerca de seis anos, previa como ação de compensação pela

construção da UHE no município 32 programas sociais. Entre as principais

demandas, a criação da praia de Carolina. Os moradores temem agora o fim das obras e o abandono total das ações previstas. Os manifestantes articulam novos

protestos (O ESTADO, 09/04/13).

Exemplo 02: ESTREITO - Dezenas de moradores do município de Estreito

realizaram manifestação, no fim de semana, para reivindicar soluções imediatas do

Consórcio Estreito Energia (Ceste), responsável pela construção e operação da

Usina Hidrelétrica Estreito (UHE). De acordo com os manifestantes, o consórcio

não atende às demandas já encaminhadas para amenizar os problemas ocasionados

com o investimento. Ainda segundo eles, devido ao aumento do volume do lençol

freático, várias casas estão ameaçadas de desabamento. Desde o início deste ano, a

Prefeitura de Carolina tenta, com o Ceste, intermediar soluções que atendam tanto à

demanda das famílias quanto ao cumprimento de acordos firmados para amenizar os

prejuízos causados ao município com a construção do empreendimento (O ESTADO, 22/10/13).

Com a inauguração da Usina, em 2012, as condicionantes ambientais e programas já

deveriam ter sido executados com o objetivo de mitigar os impactos às comunidades locais.

As duas fotos-legendas citadas descrevem problemas, denúncias e insatisfação da comunidade

perante o Consórcio em dois momentos do ano de 2013, no primeiro e o no segundo semestre.

A problemática, no entanto, não teve espaço no jornal para uma reportagem elaborada com os

depoimentos das diversas fontes e atores sociais envolvidos apresentados no texto: as famílias

atingidas, o poder local – prefeituras e o Consórcio.

Na figura a seguir, observa-se o espaço que as duas fotos-legendas ocupam na mancha

gráfica do veículo nas duas ocasiões, ambas na parte inferior da página 03, ao lado de

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anúncios; além da escolha do próprio estilo textual de foto-legenda ou texto-legenda8 se

enquadrar como um tipo de texto jornalístico usado para temas de menor relevância dentro da

gramática jornalística.

Figura 5 – Fotos-legendas sobre protestos em O Estado em 09/04/2013 e 22/10/2013

Fonte: O Estado (2013).

A escolha do tipo de gênero textual utilizado para tratar, de forma resumida e que

parece esgotar o assunto dentro de uma temática que carrega diversas denúncias, indignação

por parte dos ribeirinhos e cobranças ao Consórcio revela uma postura do veículo de poupar o

Ceste de discussões mais profundas. As reais tensões que se estabelecem nessa ocasião são

resumidas e relegadas a uma condição de uma visibilidade rarefeita, quase nula; que passa

facilmente despercebida no todo.

8 Definição: Texto-legenda - Também chamado de foto-legenda. Legenda ampliada que, em combinação com a

foto ou ilustração a que se refere, deve esgotar o assunto de que trata. Deve ser curto, objetivo e combinar as

qualidades do bom texto com as da boa legenda. Textos-legendas têm sempre título em maiúsculas.

Dependendo da foto, o título pode fugir ao padrão sujeito ativo/verbo no presente. Eventualmente, o título

pode recorrer a trocadilho ou outras formas de humor (Manual de redação da Folha, 1996. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/manual_edicao_t.htm).

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Ao explicar a formação dos Conceitos do discurso, Foucault fala que é necessário

descrever a organização do campo de enunciados em que aparecem e circulam.

Essa organização compreende, inicialmente, formas de sucessão e, entre elas, as

diversas disposições das séries enunciativas [...]; os diversos tipos de correlação dos

enunciados [...]; os diversos esquemas retóricos segundo os quais se pode combinar

grupos de enunciados (como se encadeiam, umas às outras, descrições, deduções,

definições, cuja sequencia caracteriza a arquitetura de um texto) (FOUCAULT,

2000, p. 63-64).

Esse exercício de observação das correlações de enunciados - nessa apropriação

metodológica que se vem fazendo a partir da arqueologia foucaultiana ao longo da cobertura

jornalística - permite perceber os Objetos e temas que o jornal O Estado privilegia: a Usina

Hidrelétrica enquanto a concretização da promessa de desenvolvimento, atendendo a todas as

exigências legais e ambientais, sem deixar lacunas para as contradições; já que as reais

tensões são silenciadas ou sublimadas ao longo desses encadeamentos que compõem a

Formação Discursiva desse debate.

Observando-se ainda algumas das recorrências nessa categoria nota-se que a maioria

das notícias do jornal enquadra-se na editoria Cidades, o que já situa a maioria dos assuntos

tratados a partir de um enfoque local, da Usina inserida no cotidiano dos maranhenses. Sendo

que as notícias que trataram das paralisações por ordem judicial enquadram-se na Editoria de

Economia, compondo a formação dos Objetos da relevância do empreendimento para o

escopo estruturante do país.

Embora essa categoria “Tensões” seja um espaço propício para a pluralidade de vozes,

já que aborda (ou deveria abordar) as negociações entre os diversos sujeitos que fazem parte

do debate sobre a usina, detecta-se uma predominância da fala do Consórcio Estreito Energia.

Observa-se uma maior recorrência das outras falas quando a tensão é mais local, como no

caso das enchentes e da discussão em torno do período de veraneio. No entanto, as famílias

atingidas quando estão organizadas em protestos e manifestações não encontram espaço para

o debate no veículo.

3.3.4 Categoria “Ações Positivas”

A maior categoria de notícias desta análise foi intitulada de “Ações Positivas”, com 32

registros de notícias no período do recorte que vem sendo adotado, do total de 64 mapeadas:

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metade das publicações do Estado sobre a UHE Estreito se encaixam nesta categoria como

registros positivos sobre o empreendimento.

Essa categoria foi identificada somente no jornal O Estado do Maranhão (não sendo

encontrada como tal no jornal Folha de S. Paulo) e nela se enquadram notícias que enaltecem

as ações realizadas pelo Consórcio Estreito Energia na região atingida, quase sempre

repercutindo a fala institucional do Ceste. São alguns exemplos dos títulos dessa categoria:

“Famílias interferidas por usina de Estreito são orientadas pelo Ceste”; “Ceste inaugura obras

sociais em Estreito”; “UHE preserva fauna de área de usina hidrelétrica”; “Ceste qualifica 173

alunos na área de turismo”; “Ceste faz balanço de obras e benefícios para Carolina”.

Trata-se de um grande grupo de notícias com uma estrutura que se repete, na mesma

formação de Conceitos, em que o Ceste realiza a ação em benefício da região e a fala dos

sujeitos do Consórcio é priorizada.

Selecionou-se aqui uma notícia dessa categoria para a análise, a reportagem intitulada:

“Ceste assegura benefícios e investe no desenvolvimento sustentável da área da UHE”,

publicada em 28 de novembro de 2012, período próximo à inauguração da usina. Esse texto

funciona como uma prestação de contas positiva da ação do empreendimento na região:

“Consórcio Estreito Energia, empreendedor da usina hidrelétrica instalada no Rio Tocantins,

em 5 anos, investe em ações e projetos que visam promover a sustentabilidade da região”.

É importante situar o contexto dessa notícia, na qual no dia anterior à publicação, em

27 de novembro de 2012, na editoria Cidade, página 03 do mesmo jornal, foi publicada uma

notícia enumerando 400 ações do Ministério Público Federal na região tocantina. Dentre essas

ações destacadas, uma contra o Consórcio Estreito Energia, por não ter atendido uma

condicionante da licença ambiental do empreendimento e por ser apontada como responsável

direto pela grande cheia do rio Tocantins, que desabrigou famílias de ribeirinhos em

Imperatriz no mês de janeiro do corrente ano; e informando que procuradores pediram à

Justiça a condenação do Consórcio em R$ 10 milhões referentes aos danos morais coletivos e

individuais provocados à comunidade ribeirinha e solicitando à Agência Nacional de Energia

Elétrica (ANEEL) a fiscalizar o empreendimento para impedir novos abusos.

O texto em análise, publicado no dia seguinte, faz parte de um contexto em que o

Consórcio precisava reposicionar sua imagem positivamente perante a opinião pública. A

reportagem selecionada destaca as atuações do empreendimento, enumerando os benefícios

para a comunidade e aborda o remanejamento de três mil propriedades durante o período de

janeiro de 2008 a outubro de 2010.

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Figura 6 – Jornal O Estado 28 de novembro de 2012

Fonte: O Estado do MA.

De acordo com a diretora de Socioeconomia do consórcio, Norma Villela, a ação foi

realizada para assegurar que a mudança das famílias pudesse ocorrer da melhor

maneira possível. As famílias diretamente interferidas foram informadas sobre as

opções oferecidas pelo Plano de Remanejamento da População, podendo escolher

entre a indenização de seu imóvel, pago em espécie; a carta de crédito rural ou

urbana, possibilitando a aquisição de outro imóvel escolhido pelo próprio

beneficiário; o reassentamento coletivo rural ou urbano, em locais dotados de

infraestrutura construída pelo Ceste e o lote urbano, possibilitando a construção pelo beneficiário de sua nova moradia em terreno concedido pelo consórcio. ‘Por meio

do plano, muitas famílias realizaram o sonho de mudar para uma nova casa e de se

tornarem, de fato, proprietárias de um imóvel’, disse Norma Villela (O ESTADO,

28/11/12. Grifo nosso).

Um dos pontos que podem ser observados ao longo da construção discursiva do jornal

O Estado sobre as famílias atingidas é a substituição da nomeação de “atingidas” ou

“impactadas” por vocábulos de peso semântico de menor influência sobre a vida do que sofre

a ação, como no exemplo grifado, “famílias diretamente interferidas”.

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Discutiu-se nos capítulos anteriores que o termo “atingido” já carrega em si o

reconhecimento de direitos e conquistas e o quanto a mudança de concepções sobre esse

atingido altera o seu modo de vida e a garantia desses direitos. Na análise do site institucional

do Ceste constatou-se a notória interdição desse termo em toda a sua produção e esse mesmo

cuidado na seleção dos vocábulos também é percebido nessa reportagem publicada em O

Estado e na maioria das notícias do jornal sobre o tema. Pode-se dizer que este veículo,

enquanto arena de visibilidades, ajuda a conformar um sistema de exclusão do discurso, aos

moldes do pensamento de Foucault:

Em uma sociedade como a nossa, conhecemos, é certo, procedimentos de exclusão. O mais evidente, o mais familiar também é a interdição. Sabe-se bem que não se tem

o direito de dizer tudo, que não se pode falar tudo em qualquer circunstância, que

qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa. Tabu do objeto, ritual da

circunstância, direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala: temos aí o jogo

de três tipos de interdições que se cruzam, se reforçam ou se compensam, formando

uma grade complexa que não cessa de se modificar (FOUCAULT, 2009, p.09).

A interdição é um dos procedimentos de exclusão do discurso apontado por Foucault

em seus estudos, e esse caso da supressão do termo “atingido” em substituição por

“interferido” permite uma leitura sobre o tipo de interdição do tabu de um objeto que é

silenciado; o atingido enquanto tal é retirado da ordem das coisas ditas e se torna invisível na

esfera do aparente.

O plano de remanejamento das famílias, do qual fala a notícia, contempla as quatro

opções elencadas na reportagem. No entanto, trata-se de uma ação compulsória, fechada

dentro das alternativas oferecidas. As novas locações das famílias, o valor das indenizações e

as próprias condições de infraestrutura das residências, como água potável, são argumentos de

insatisfação das famílias remanejadas que não encontram espaço neste texto. O

remanejamento é visto pela diretora de socioeconomia do Consórcio como um “sonho”

realizado pelas famílias graças ao empreendimento.

As famílias de Dalva Moreira de Azevedo, que mora em Carolina, e Maria Nilza

Lopes Soares, de Babaçulândia (TO), conquistaram o sonho. Dalvinha, como é mais

conhecida, morava na beira do Rio Tocantins, numa casa simples, sem reboco, com

dois quartos pequenos, onde, além dela, moravam o marido e duas netas. A situação

de Maria Nilza foi semelhante. Com outras 21 famílias, ela morava em área

interferida pela usina no município de Babaçulândia. As duas integram o grupo de

822 famílias que receberam cartas de crédito rural e urbana para poderem escolher

suas novas propriedades, como forma de mitigar essas mudanças. Hoje, Dona

Dalvinha mora em uma casa grande, com três quartos, sala, copa e cozinha, uma

área de serviço e ainda um quintal. Ela acrescenta que seus filhos também foram indenizados pelo Ceste (O ESTADO, 28/11/12. Grifo nosso).

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Tanto o ritual da circunstância quanto o direito exclusivo do sujeito que fala privilegia

a diretora de Socioeconomia do Ceste. As famílias apresentadas na reportagem ocupam lugar

de destaque na imagem que compõe a disposição gráfica da página, com a representação dos

dois remanejados colhendo hortaliças do quintal (Figura 6), no entanto, esse mesmo sujeito

não possui sua própria fala no texto verbal da notícia. O jornalista descreve o “sonho”

conquistado pela família, utilizando a personagem para ilustrar um exemplo e deixar

subtendido que as demais famílias foram remanejadas também de forma tão bem sucedida

quanto ao do exemplo.

Fazendo-se ainda uma leitura sobre o espaço que o jornal dispõe sobre o assunto e

sujeitos, nota-se a discrepância entre o grande destaque visual dado a essas famílias quando

compõem um quadro de concretização das ações do Consórcio na região, se comparado com o

exemplo da figura 5, em que as famílias saem às ruas para protestar contra o Ceste e não

encontram espaço de representação. Compreende-se que tais sujeitos, mesmo quando

aparecem, não necessariamente desfrutam de uma real visibilidade e participação no debate.

Nesse caso em análise, a utilização da imagem desses sujeitos está a serviço de uma manifesta

prestação de contas das ações do Consórcio, que tem sua fala institucional reverberada no

veículo.

O jornal O Estado do Maranhão tem uma tendência de enfocar o empreendimento sob

a luz do desenvolvimento (enquanto crescimento) e ao progresso trazido ao estado, reforçando

também a noção superficial e plastificada de “sustentabilidade” ou “desenvolvimento

sustentável”. Bueno (2007) aponta que esses conceitos, como o de desenvolvimento

sustentável, têm sido usados amplamente de forma genérica na área da comunicação para

legitimar ações empresariais.

O desenvolvimento sustentável que deve ser objeto de preocupação do jornalismo

ambiental é aquele que reduz as desigualdades, que denuncia a apropriação da água

doce pela empresa agroindustrial, que alerta o impacto real das novas usinas

hidroelétricas, [...] tem a ver com a qualidade de vida dos cidadãos e extrapola a

vertente meramente econômica. Tem a ver inclusive com o monopólio dos meios de

comunicação, que impede o livre embate de ideias e se sustenta pelo consumo

exacerbado, quase sempre danoso ao meio ambiente (BUENO, 2007, p.21).

Por em xeque a prática jornalística na cobertura de grandes temas de dimensões

sociais e ambientais requer situar também esse jornalismo (que muitas vezes tem sido

confundido com marketing verde ou ecopropaganda), classificado como jornalismo

ambiental, mas que, antes de qualquer classificação, é jornalismo “e deve ter compromisso

com o interesse público, com a democratização do conhecimento, com a ampliação do debate.

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Não pode ser utilizado como porta-voz de segmentos da sociedade para legitimar poderes e

privilégios” (BUENO, 2007, p. 14).

É sobre esse debate que se tem debruçado ao longo destas análises, sobre quem e

como tem a possibilidade de visitar essa arena de debate para se perceber quais Objetos

discursivos são construídos nessa problemática.

O jornalismo ambiental, como saber ambiental, não é propriedade dos que detêm o

monopólio da fala, mas deve estar, umbilicalmente, sintonizado com o pluralismo e

a diversidade. O jornalismo ambiental deve potencializar o diálogo entre o

catedrático e o pescador, entre o agrônomo e o trabalhador rural, o mateiro e o biólogo e não deve estigmatizar a sabedoria dos pajés. As fontes no jornalismo

ambiental devem ser todos nós e sua missão será sempre compatibilizar visões,

experiências e conhecimentos que possam contribuir para a relação sadia e

duradoura entre o homem (e suas realizações) e o meio ambiente (BUENO, 2007,

p.14).

Habermas (1984) já estabelecia essa relação entre uma esfera pública adequada à

política democrática e a quantidade de sujeitos que dela participa, assim como a qualidade da

discussão argumentativa; mas esse pluralismo, diversidade de fontes e compatibilizações de

visões não é exatamente o que se constata quando se investiga a cobertura da mídia impressa

sobre as usinas hidrelétricas, como o caso da UHE Estreito.

À luz de Foucault se reflete sobre os procedimentos que regem tanto a visibilidade ou

a interdição de temas e sujeitos como os que compõem esse debate estão regidos por uma

ordem do discurso que não é aleatoriamente construída. No jornal O Estado há um “feixe de

relações”, das quais se conhece algumas, que influenciam sua produção discursiva. O seu

posicionamento político e olhar editorial a partir do qual concebe o empreendimento define a

visibilidade que, por exemplo, os sujeitos da esfera do Estado e do Mercado adquirem e os

sujeitos da esfera da sociedade civil, principalmente dos Movimentos Sociais e suas

demandas, são sublimados frente à importância econômica da Usina e suas implicações.

3.4 Formações Discursivas na Folha de S. Paulo

As análises do jornal O Estado do Maranhão permitiram observar as recorrências que

compõem as Formações Discursivas a partir de um olhar mais regional e localizado sobre a

UHE Estreito, no entanto, é pertinente também compreender essas formações a partir de uma

mídia de alcance nacional, como a Folha de S. Paulo, que se autointitula “um jornal a serviço

do Brasil”; o que está em jogo e é valorizado no conjunto dos enunciados sobre uma Usina

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localizada no Maranhão e Tocantins, mas que apresenta alguma relevância no cenário

nacional, numa contextura que envolve dimensões econômicas, políticas, ambientais e sociais.

Continua-se aqui a tentativa de descrever as dispersões seguindo-se os mesmos

procedimentos adotados ao longo da análise, buscando-se encontrar as Modalidades

Enunciativas, Objetos e Conceitos, considerando também as classificações e encadeamentos

construídos nas publicações da Folha de S. Paulo.

Retoma-se que todo o noticiário sobre a UHE Estreito no veículo está distribuído em

13% na Editoria Brasil, 33% na editoria Poder e 54% na editoria Mercado, o que se toma

como pista sobre a partir de qual o olhar o jornal hierarquiza os temas em seus espaços

editoriais. Também são consideradas as mesmas categorias que vêm sendo adotadas, que, no

entanto, apresentam características diversas das do veículo O Estado do Maranhão.

Refletindo-se, de início, sobre a categoria “Ações Positivas” - que figura como o maior

tipo de publicação no jornal O Estado sobre a Usina e que não apresenta nenhum registro na

Folha de S. Paulo - permite começar a traçar o lugar discursivo deste veículo de não repercutir

a fala institucional do Consórcio Estreito Energia tal qual faz o jornal Estado (de maneira

explícita e óbvia). A Folha, pelo contrário, posiciona-se de maneira crítica quanto ao

empreendimento, mas essa “oposição” não é construída a partir um posicionamento social ou

ambiental; é dada em meio a constrangimentos de ordem político-partidários, que ecoam nas

ações de desdobramentos da construção da usina, como se observa mais detalhadamente nas

análises de cada grupo de notícias.

Considerando-se a categoria de análise “Andamento das obras” na Folha tem-se um

grupo de notícias composto por duas notas, uma de 2008 e outra de 2010, na coluna fixa

“Mercado Aberto”, da editora de Mercado, e uma notícia de 2012 registrando a inauguração

da Usina. O Objeto construído nas notas é o informe rápido e curto sobre qual etapa a obra se

encontra, como se observa em:

A construção da hidrelétrica de Estreito, entre Maranhão e Tocantins, inicia neste

mês a terceira etapa da obra. Começa a ser erguida a barragem, que ligará duas

estruturas já prontas: a casa de força, em que ficarão as turbinas, e o vertedouro, por onde será escoado o excedente de água no período de cheias. A barragem deve ficar

pronta ainda neste semestre, e a primeira turbina deve entrar em operação em fase de

teste no final do ano. A usina tem capacidade instalada de 1.087 MW (FOLHA,

03/02/10).

A notícia sobre a inauguração da Usina, em 17 de outubro de 2012, foi classificada

neste estudo também na categoria “Andamento das Obras” pelo enfoque predominante ao

prazo de conclusão do empreendimento, como já se apresenta no título “Com dois anos de

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atraso, Dilma inaugura nova usina hidrelétrica no Maranhão” e no lead que reforça que a

usina é inaugurada após dez anos da assinatura do contrato de concessão. O corpo do texto

explica que “A hidrelétrica é oriunda de leilão realizado em 2002, ainda no governo Fernando

Henrique Cardoso, mas sua construção só começou em 2007. Isso porque o licenciamento

ambiental ficou travado e só saiu em dezembro de 2006” (FOLHA, 17/10/12).

Com a apresentação de um infográfico intitulado “A via-crúcis da construção de

Estreito – Obra sofreu com entraves judiciais e trabalhistas” a notícia destaca os percalços ao

longo de dez anos que atrasaram a inauguração da usina.

Figura 7 – Cronograma da UHE Estreito em infográfico da Folha de S. Paulo

Fonte: Folha de S. Paulo (2012).

Na notícia, registra-se a fala da Presidente Dilma Rousseff, que explicou que a usina

só foi concluída graças à “teimosia” das partes envolvidas: “Estreito foi licitada em um

modelo, mas construída em outro [modelo]. E só foi finalizada por causa disso, porque

tornamos eficaz e lucrativa a construção” (FOLHA, 17/10/12).

São enumerados, no texto, os motivos de atrasos da obra: “Além de não ter contrato

para venda de energia, o atraso no licenciamento ambiental de Estreito e problemas

geológicos no leito do rio Tocantins -- não verificados nos estudos de viabilidade-- atrasaram

a obra” (FOLHA, 17/10/12). A notícia relata que essa demora em iniciar a construção teria

alterado o cronograma da obra e adiado o acionamento da primeira turbina de 2008 para 2010.

E cita que os cinco anos de obra também registraram paralisações motivadas por decisões da

Justiça Federal e por greves de operários.

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O enfoque pelo tema do “atraso no cronograma” é justificado não necessariamente

pela consequência para a matriz energética, mas pelo encarecimento da obra, com o registro

de que “Os problemas geológicos que apareceram ao longo da obra e a demora na construção

encareceram o empreendimento em R$ 1 bilhão” (FOLHA, 17/10/12). No confronto de

fontes, a notícia aponta que “Segundo o Ceste (Consórcio Estreito Energia), a obra cumpriu o

cronograma após ser iniciada” (FOLHA, 17/10/12), mas essa sentença é contradita em todo o

corpo da notícia e no infográfico apresentado.

O cumprimento ou descumprimento do cronograma e as consequências,

principalmente econômicas, desses prazos compõem um traço crítico de descrédito ao

Governo Federal ao conduzir o andamento das obras e compõem o principal Objeto

discursivo em torno dessa categoria.

Na categoria intitulada “Relacionamento Interinstitucional”, que trata sobre o

relacionamento entre o Consórcio Ceste e demais instituições, foram registradas no noticiário

da Folha as visitas dos representantes da esfera do Estado, os presidentes Lula e Dilma à

Usina no ano de 2010. No entanto, a recorrência observada nesse grupo de notícias recai no

desgaste das figuras políticas dos presidenciáveis e um expressivo desvio do assunto da usina

propriamente dita.

Em 01 de dezembro de 2010, o presidente Lula participara da cerimônia do

fechamento simbólico da primeira comporta da Usina. Na ocasião, a Folha, que enviou equipe

de repórteres até Estreito, publicou duas notícias que não tratam em nenhum aspecto sobre

quaisquer problemáticas que envolvem a UHE Estreito.

A notícia cujo título é “Lula acusa repórter de preconceito e o manda ‘se tratar’”

começa com o seguinte texto:

Durante o fechamento simbólico da primeira de 14 comportas da Usina Hidrelétrica

Estreito, no rio Tocantins, no Maranhão, o presidente Lula se irritou com uma

pergunta sobre se agradeceria o apoio da "oligarquia Sarney", acusando o repórter de

"preconceito".

Lula dividia o palanque com a governadora reeleita Roseana Sarney (PMDB) e seu

marido, o empresário Jorge Murad, em cuja empresa a Polícia Federal encontrou,

em 2002, R$ 1,34 milhão em dinheiro vivo, cuja origem não foi identificada.

O presidente, durante seu discurso, voltou a mencionar um suposto golpe em curso

contra seu governo, em 2005, na esteira das denúncias do mensalão, relatando uma conversa que teve com o senador José Sarney (PMDB) (FOLHA, 01/12/10).

O ato simbólico ao qual o presidente participava serviu apenas como circunstância, no

noticiário da Folha, para ter acesso à fala da figura do político e tematizar outros assuntos da

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ordem do dia daquele momento, como o “mensalão” e o relacionamento político - e

historicamente alvo de discussões - entre Lula e a família Sarney.

A resposta que o presidente deu a um repórter do jornal “O Estado de S. Paulo” (e não

à Folha) “‘Eu agradeço [aos Sarney] e a pergunta preconceituosa sua é grave para quem está

há oito anos comigo em Brasília. Significa que você não evoluiu nada do ponto de vista do

preconceito, que é uma doença’, disse Lula” (FOLHA, 01/12/10); e em seguida

complementou sua fala na notícia:

“‘O presidente Sarney é o presidente do Senado. E o Sarney colaborou muito para que

a institucionalidade fosse cumprida. Você devia se tratar, quem sabe fazer psicanálise, para

diminuir um pouco esse preconceito’, concluiu” (FOLHA, 01/12/10). O destaque no enfoque

do noticiário compõe a Formação do Objeto de desgaste da imagem do presidente e também

da sua relação delicada com a imprensa.

Na mesma ocasião do dia 01 de dezembro, o jornal também publicou outra notícia

cujo título e subtítulo são “Telegramas são ‘insignificantes’, diz Lula- Presidente afirma que

documentos divulgados pela WikiLeaks sobre o Brasil não ‘merecem ser levados a sério’”,

que também aborda outra pauta comum àquele momento, o vazamento de telegramas

confidenciais remetidos pela Embaixada dos Estados Unidos em Brasília.

De vez em quando aparecem essas coisas. Acho que coisas que eu vi do Brasil [nos

telegramas vazados pela organização WikiLeaks] são tão insignificantes que não

merecem ser levadas a sério, disse Lula, depois de visitar obras da Usina Hidrelétrica Estreito, no Maranhão (FOLHA, 01/12/10).

Nessa categoria, a modalidade enunciativa é construída pela legitimidade da fala do

presidente Lula, mas o seu posicionamento enquanto sujeito é construído na tensão, seja

politicamente, ou com a imprensa e não perpassa pela sua relação com o Consórcio

responsável pela Usina. O evento simbólico ao qual o presidente participara, o acionamento

da comporta da usina, é ignorado e serve apenas como circunstância para o veículo entrevistar

o presidente sobre outros assuntos que pautavam a agenda política àquela ocasião. Na mesma

circunstância dessas publicações o jornal O Estado publicou duas páginas de uma seção

especial sobre a Usina, com foco na fala do presidente Lula e destacando também o

relacionamento político com a família Sarney.

Na Folha, o silenciamento sobre a usina e as suas consequentes problemáticas em

circunstância na qual deveria ser supostamente o foco principal das atenções também compõe

uma dissonância na Formação do Objeto desse discurso. O não-dito, a ausência, na

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configuração do campo enunciativo de Foucault (2000), delineiam o campo de presença/

ausência na validação do discurso enquanto verdade.

3.4.1 Categoria “Tensões”

A categoria intitulada “Tensões” abarca o maior número de registro na análise do

veículo Folha de S. Paulo. Nela foram agrupadas as notícias que abordam conflitos de

diversas naturezas entre os sujeitos que participam das negociações em torno da usina. Desse

grupo de notícias, ainda pode-se subdividir essas temáticas entre as que tratam do confronto

direto entre o Movimento dos Atingidos por Barragens e o Consórcio Ceste, que incluem

invasões ao canteiro de obras; as que tratam das batalhas judiciais (como anulação da licença

da usina); protestos e greves dos trabalhadores e também as que contemplam denúncias das

famílias atingidas na tensa negociação com a concessionária da usina.

Em março de 2008 o jornal Folha de S. Paulo publicou em sequência as notícias sobre

a invasão do canteiro da Usina Hidrelétrica Estreito: “Manifestante sem terra é baleado diante

de canteiro de obras de hidrelétrica no MA”, “Manifestantes invadem usina em Rondônia” e

“Militante do MST é baleado diante de canteiro de obras de hidrelétrica”. As publicações

datam de 12 e 13 de março, período em que o MAB realizou uma série de protestos em

diversas usinas no país, em alusão ao Dia Internacional de Luta contra Barragens,

comemorado em 14 de março.

Observam-se algumas recorrências que marcam esse grupo de notícias, como a de que

se trata de ações concomitantes do MAB em diversas usinas do país (além da UHE Estreito,

usinas no Paraná, Paraíba, Belo Horizonte, Rondônia, Ceará e Rio Grande do Sul).

No trato sobre o caso da UHE Estreito a ênfase das notícias foi dada ao fato do

manifestante ligado ao Movimento dos Sem Terra, Welinton da Silva Silva, de 18 anos, ter

sido atingido por um tiro em um acampamento montado em frente ao canteiro de obras da

usina. A discussão se deu em torno desse acontecimento, quem teria disparado o tiro, o estado

de saúde do jovem baleado e a punição do culpado. Dos sujeitos que falam, a Assessoria do

Ceste informou que não iria se manifestar sobre o episódio e que as obras continuavam

paralisadas. Coube à então Secretária Estadual de Segurança Cidadã do Maranhão, Eurídice

Vidigal, esclarecer na notícia que o tiro foi decorrência de uma briga entre o manifestante e

um trabalhador da obra e informar que mais 40 policiais seriam deslocados para fazer a

segurança da área e também que, em consequência desse ocorrido, o número de manifestantes

acampados já havia caído de 300 pessoas para cerca de 70 no dia seguinte.

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As notícias que cumprem o papel de cobrir a narrativa sobre os desdobramentos dos

protestos dão destaque ao fato de maior apelo sensacionalista, como o crime. O motivo

primeiro das manifestações fica relegado a um segundo plano na visibilidade do noticiário,

com o registro conciso nas últimas linhas da publicação “Os manifestantes reivindicam o

aumento das indenizações pagas aos atingidos pela barragem e ampliação do estudo de

impacto ambiental da obra” (FOLHA, 13/03/08). O Objeto construído no conjunto das

enunciações é de que a manifestação encabeçada pelos movimentos sociais, como o MAB,

causa a desordem, cabendo ao Estado retomar a ordem vigente e restaurar a tranquilidade para

população.

Capra (1982) questiona o olhar fragmentário do jornalista na conduta sobre assuntos

que merecem um olhar mais holístico.

Em vez de se concentrar em apresentações sensacionalistas de acontecimentos

aberrantes, violentos e destrutivos, repórteres e editores terão de analisar os padrões

sociais e culturais complexos que formam o contexto desses acontecimentos, assim

como noticiar as atividades pacíficas, construtivas e integrativas que ocorrem em

nossa cultura (CAPRA, 1982, p. 400).

Essa crítica é oportuna nesta análise quando se pode notar que o rompante de um

conflito como o que está em questão, que se caracteriza por um confronto direto e corpo a

corpo entre sujeitos que buscam diferentes objetivos em meio a uma negociação, exige

espaços em que estes possam ser ouvidos no debate, seja na arena entre as instâncias do

Consórcio, Estado e Sociedade, seja na reverberação que a mídia constrói sobre essa

negociação. O conflito no veículo é tratado a partir de um ponto de vista de que tais ações do

MAB causam a desordem e espalham insegurança, e esses sujeitos, enquanto causadores de

tumulto, não ganham visibilidade no noticiário sobre as reais demandas e pautas de

reivindicação (como o aumento das indenizações e a ampliação do estudo de impacto

ambiental) e possíveis implicações, e o tratamento do assunto fica na superficialidade daquilo

que é mais imediato e violento.

Dois dias após o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) iniciar uma série

de protestos no país para marcar o dia internacional contra as barragens, o sem-terra

Welinton da Silva Silva, 18, foi atingido anteontem à noite por um tiro no

acampamento montado em frente ao canteiro de obras da hidrelétrica de Estreito

(MA). Até a tarde de ontem, Silva permanecia internado no hospital do município,

mas não corre risco de morte. Segundo lideranças do MAB, ele é ligado ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Ontem a polícia prendeu um

suspeito de ter feito o disparo (FOLHA, 13/03/08).

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O outro subgrupo de cinco notícias e notas dentro da categoria “Tensões” aborda a

batalha judicial e os desdobramentos da paralisação das obras em junho de 2008, quando a

Justiça Federal no Maranhão anulou a Licença de Instalação da Hidrelétrica de Estreito,

paralisando as obras até que fosse emitida nova Licença de Instalação pelo Ibama, e o Ceste

seguisse a exigência de complementar o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental para

ampliar a área do reservatório da hidrelétrica. O juiz alegou que houve irregularidades no

termo de referência e no Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) e solicitou a

realização de novas audiências públicas depois de concluídos os novos estudos em todos os

municípios afetados nas bacias dos rios Tocantins e Araguaia. A desobediência à

determinação acarretaria multa de R$ 15 milhões.

A exigência pela Justiça de novos estudos de impacto ambiental em praticamente toda

a bacia do rio Tocantins foi considerada o item mais polêmico da decisão judicial.

A exigência judicial surpreendeu devido à ampliação da área de influência indireta do empreendimento. ‘O Ibama já disse que é impossível fazer um estudo com as

dimensões exigidas na decisão judicial’, afirma Luciana Hoff, adjunta de

contencioso da PGF (Procuradoria-Geral Federal). A área de estudo definida pela

Justiça abrange da barragem da usina de Lajeado (próxima a Palmas) até Tucuruí

(PA) (FOLHA, 18/06/08).

Os objetos da formação discursiva nessa narrativa composta pelo grupo de notícias são

construídos a partir dos argumentos dos prejuízos causados pela paralisação da obra:

O governo teme o efeito que a parada completa da obra provocará sobre os

investimentos estrangeiros orientados para projetos de infra-estrutura. Em tom de

apelo, o recurso apresentado pela Aneel ao Tribunal Regional Federal aponta que

manter a suspensão da obra de Estreito é uma decisão que ‘afeta a credibilidade do

Brasil como país capaz de atrair os investimentos em infra-estrutura para sustentar o

crescimento sustentável de sua economia (sic)’. O texto conclui: ‘A ausência de tais investimentos poderá acarretar, em um futuro muito próximo, a possibilidade de

nova crise nos moldes da ocorrida em 2001’ (FOLHA, 18/06/08).

Além de uma nova crise energética e um eventual afastamento de investidores

estrangeiros no setor, a ANEEL alega que a interrupção da obra poderia gerar R$ 930 milhões

por ano em prejuízos devido à substituição da energia de Estreito pela geração térmica a partir

de 2012, o que acarretaria em aumento de custos para os consumidores finais.

O desfecho desse impasse é resolvido segundo a publicação “TRF derruba liminar

contra obra de Estreito”, que relata que o Tribunal Regional Federal de Brasília derrubou a

liminar que suspendia as obras da Usina Hidrelétrica de Estreito, segundo decisão do

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presidente do TRF, Jirair Aram Meguerian. As obras seriam retomadas, assim como o

cronograma do empreendimento.

Observa-se que nem as possíveis irregularidades no termo de referência e no Estudo e

Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) nem a necessidade ou não de ampliação desse

estudo, assim como a realização de novas audiências públicas voltam a ser discutidos no

noticiário. O poder notório da esfera jurídica inicia e encerra a discussão sobre a paralisação

da obra. Trata-se do triângulo poder/direito/verdade, considerado por Foucault (1997) na

Microfísica do Poder, no qual se considera as regras do direito que delimitam o poder e os

efeitos de verdade que o poder produz.

O sistema do direito, o campo judiciário são canais permanentes de relações de

dominação e técnicas de sujeição polimorfas. O direito deve ser visto como um

procedimento de sujeição, que ele desencadeia, e não como uma legitimidade a ser

estabelecida. Para mim, o problema é evitar a questão – central para o direito – da soberania e da obediência dos indivíduos que lhe são submetidos e fazer aparecer em

seu lugar o problema da dominação e da sujeição (FOUCAULT, 1997, p. 182).

Foucault questiona sobre quais regras de direito as relações de poder lançam mão para

produzir discursos de verdade. No caso das construções de barragens há um fio condutor que

alinhava todos os processos e negociações, que é a instância que delimita o que é ou não

permitido, que concede as licenças ambientais, de construção e operação da usina. A

legislação, o aparato legal, define, nomeia e constrói também as relações de dominação e

sujeição, do que deve ou não fazer parte do jogo. Esse estatuto de verdade da esfera jurídica

compõe um Objeto quase sempre inquestionável e centrípeto, que impermeabiliza a

participação de outras vozes nessas tomadas de decisões.

Ainda analisando as formações construídas dentro da categoria “Tensões”, selecionou

uma notícia que apresenta a tensa relação e negociações entre famílias atingidas e o Consórcio

Estreito Energia no contexto em que a usina já havia sido inaugurada. É a publicação, na

editoria Poder, de 22 de outubro de 2012: “Nova hidrelétrica afeta vida de moradores no MA

– Usina de Estreito, no Tocantins, altera rotina e cultura da população local e destrói

agricultura de subsistência”, realizada pelos repórteres da Folha de S. Paulo, que foram in

loco à região cobrir os efeitos e resultados negativos trazidos pelo barragem.

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Figura 8 – Folha de S. Paulo, 28 de outubro de 2012

Fonte: Folha de S. Paulo (2012).

Na reportagem, o lead “A construção da hidrelétrica de Estreito (MA), inaugurada

neste mês pela presidente Dilma Rousseff, forçou ex-moradores de áreas afetadas pela

barragem a viver em acampamentos sem eletricidade ou em assentamentos com racionamento

de água” denuncia uma situação compulsória de remanejamento (com a escolha do verbo

“forçou”) para designar a condição de mudança para um novo espaço; assim como as

condições dessa nova forma de vida.

O Ceste (Consórcio Estreito Energia), responsável pela hidrelétrica, diz que 2.000

famílias afetadas foram removidas e indenizadas. Parte delas, segundo o Ceste, foi

reassentada em outros locais. Há outras 900 famílias, porém, que reivindicam

indenização. Elas não receberam nada porque não eram donas das terras onde moravam ou não tinham documentos que provavam a posse das áreas. Para

pressionar o governo federal a indenizá-las, montaram acampamentos provisórios,

onde vivem sem eletricidade, perto da usina. Segundo o MAB (Movimento dos

Atingidos por Barragens), há cerca de 400 famílias em acampamentos nas cidades

de Babaçulândia, Barra do Ouro e Filadélfia (no Tocantins) e Carolina (MA)

(FOLHA DE S. PAULO, 28/10/12).

Nesse trecho, o texto mostra uma discrepância entre as instituições envolvidas (Ceste e

MAB) sobre o número de famílias afetadas. Esse não consenso sobre o número de afetados é

oriundo da concepção sobre o atingido, na qual o Consórcio tende a ter uma visão territorial-

patrimonialista (conforme discutido no capítulo 2), em que o direito a indenização se

consolida mediante a apresentação do título da terra. A tática para pressionar o Consórcio

tende a ser os acampamentos montados pelo MAB, conforme descrito na reportagem.

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Nota-se na composição do Conceito da Formação Discursiva (disposição dos

enunciados) que o repórter narra o modo de vida no acampamento pelo “lado de dentro”,

descrevendo a rotina das famílias: “Em Babaçulândia, o acampamento foi montado à beira do

rio Tocantins. As casas são de palha e de madeira e as famílias vivem da agricultura. Plantam

feijão, milho, mandioca e tomate. O passatempo é forró no rádio de pilha. ‘Luz é na base da

lamparina’, diz Gilberto de Araújo, 38” (FOLHA, 28/10/12). O autor deixa o leitor perceber

um grande contrassenso que se configura quando um ex-morador ribeirinho tem o

fornecimento de luz à base de lamparina, dentro de um contexto no qual o transtorno vivido

pela personagem, causado pela usina hidrelétrica, tem como propósito o fortalecimento da

matriz energética do país. E esse sujeito, além de exercer as atividades laborais, como plantio,

mesmo desprovido de energia elétrica, ouve rádio de pilha e dança forró: é também um ser

dotado de raízes culturais que tentam se sustentar no meio da adversidade.

Ele morava numa casa no mesmo terreno da sogra, com a mulher e dois filhos. Viviam da agricultura e tiveram de sair por causa da barragem --o local foi alagado.

‘Eu plantava muito, rendia mais de R$ 2.000 por mês’, diz. Só a dona da terra foi

indenizada, e Gilberto ficou sem casa (FOLHA, 28/10/12).

De todas as notícias em análise na Folha, essa é a única que fica explícita a fala do

atingido propriamente dito, sujeito dotado de fala que relata a situação vivenciada sobre seu

próprio ponto de vista. Assim como é colocado também um confronto de fontes, com

explicitação do Consórcio sobre a indenização das famílias.

OUTRO LADO O Ceste (Consórcio Estreito Energia) afirma que aprovou a

indenização de 70% das famílias que solicitaram a inclusão no plano de remanejamento de afetados pela hidrelétrica de Estreito. Segundo o consórcio, até

mesmo famílias que não eram proprietárias das terras onde moravam foram

indenizadas. Em nota, diz que ‘foram remanejadas mais de 500 famílias não

proprietárias’. Já o governo federal afirma que existem cerca de 900 famílias no

entorno da hidrelétrica que reivindicam indenização por terem sido impactadas e que

será realizada ‘em breve’ uma reunião para discutir a situação (FOLHA, 28/10/12).

O Objeto é construído a partir dos prejuízos causados à população local, apesar da

usina já haver sido inaugurada e o impasse entre as partes, até então, não solucionado.

Enumerando-se os diversos sujeitos que aparecem no texto para se pensar as Modalidades

Enunciativas tem-se: o Consórcio Estreito Energia, o Movimento dos Atingidos por

Barragens, famílias atingidas e o Governo Federal. Percebe-se uma tensão entre aqueles que

falam e a possibilidade de negociação para que haja menos transtornos caso o Governo

Federal cumpra com o seu papel e reconheça os direitos do atingidos.

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As Formações Discursivas nas publicações da Folha sobre a UHE Estreito ao longo de

quatro anos de cobertura são construídas a partir de uma clara postura crítica ao Governo

Federal e lançando sempre um olhar de vigilância em diversos aspectos: da necessidade de se

instalar hidrelétricas para fortalecer a matriz energética do país, do cumprimento de um

cronograma e de um orçamento e da forma como o processo é conduzido.

Nas diversas temáticas e categorias observadas o principal sujeito que vem à tona é o

Governo Federal; no entanto, no encadeamento dos enunciados observa-se que essa

visibilidade é construída às avessas, sob a égide de cobrança, dúvida e até mesmo descrença e

descrédito quanto à execução completa do empreendimento em meio a um desgaste da

imagem dos presidentes em exercício no trato dado à usina.

Das Modalidades Enunciativas, da proposição dos sujeitos que falam, nota-se uma

pluralidade e confrontamento de fontes apenas nesse último exemplo de análise, de 28 de

outubro de 2012. Essa prática é negligenciada no trato dado às notícias sobre os protestos e

manifestações e nas fases anteriores à inauguração da usina.

O ponto de vista do nacional apontado para o local recai sob o caráter econômico e

financeiro que a UHE Estreito carrega, permeado pela relação político partidário que ela

envolve, muito mais que as dimensões ambientais e sociais no Objeto desse discurso.

Nesse campo amplo e complexo, que envolve a construção, instalação e operação de

barragens, é necessário refletir também sobre as relações poder-saber que se estabelecem.

Nota-se que entram em jogo também posicionamentos de interesses diversos – político,

institucionais, ambientais, econômicos e sociais. Que cada esfera de poder participa do

contínuo movimento de negociações com as forças que lhe são próprias de suas naturezas e

que essas forças ocupam pesos desiguais e desproporcionais.

Observando a partir das construções das Formações Discursivas que cada esfera ajuda

a moldar, destaca-se o aparato de suas próprias comunicações institucionais neste estudo

pensados a partir do site institucional do Consórcio Estreito Energia - Ceste, do Ministério de

Minas e Energia e do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB; permitindo

compreender o que esses locais de fala privilegiam e de como se posicionam em relação ao

empreendimento; e, mais que isso, observar como a esfera midiática - aqui materializada nos

jornais Folha de S. Paulo e O Estado do Maranhão - reverbera, rearticula e reposiciona o

debate e essas vozes.

Nessa esfera midiática - discutida no início no capítulo a partir dos conceitos mais

primordiais daquilo que é comum, aparente e plural – permite compreender como são

colocadas à luz da visibilidade as principais problemáticas; quem é convocado para o debate;

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o que permanece e apenas ressoa de um discurso institucional, o que é posto em circulação

novamente, e nos permite chegar próximo de se apreender sobre como se dá a Formação

Discursiva sobre a UHE Estreito, levando-se em conta que os enunciados dispersos no tempo

formam um conjunto quando se referem a um único e mesmo Objeto.

As representações construídas sobre a UHE Estreito a partir dos dois veículos se

distinguem em alguns aspectos: A Usina Hidrelétrica de Estreito a partir do olhar do jornal O

Estado do Maranhão é pujante, necessária, alçou a região de um estado pobre para um lugar

de destaque no cenário econômico nacional, promovendo o desenvolvimento econômico do

Maranhão e do país; isso graças também ao bom trânsito político e institucional entre o

governo do Maranhão (Governadora Roseana Sarney) e o Governo Federal. A Usina, ainda

sob essa construção discursiva, se preocupou com uma agenda sustentável, cumpriu com as

condicionantes ambientais e sociais. Já a UHE Estreito, a partir do olhar nacional da Folha de

S. Paulo, se fazia necessária para o fortalecimento da matriz energética do país, no entanto, a

condução de todo o processo – do leilão à inauguração, passando pelo cumprimento de

condicionantes ambientais e desdobramentos após sua instalação – é questionado e encarado

sob uma sombra de descrédito, principalmente pela relação político- partidária que envolve a

esfera do Estado responsável pelo empreendimento.

Em ambos os veículos o tema é construído discursivamente nesse conjunto de

enunciados deste amplo recorte temporal, permeados por relações de poder, de regularidades,

de princípios de ordenamentos, de exclusão, de rarefação que se tentou buscar em meio à

dispersão para se tentar compreender esse jogo.

Os sujeitos das esferas consideradas nas análises – preocupação inicial desta

investigação – não transitam de forma igual na arena de debate dessa esfera midiática, nem

mesmo de forma equilibrada. As forças que delimitam o ritual da circunstância e o direito

exclusivo do sujeito que fala privilegiam as fontes já tidas como legítimas daquele saber e

daquele campo. No entanto, é valido destacar que essas vozes não estão estanques na

constituição desse Objeto; estão se atualizando constantemente a cada novo enunciado, e tais

movimentos são plausíveis de novas investigações.

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CONCLUSÕES

Buscou-se durante todo esse estudo remontar as regularidades em meio à dispersão,

segundo aporte baseado em Foucault, de reconstruir esse campo de saber ao qual pertencem

os processos de instalações de usinas hidrelétricas e o caso, em específico, da UHE Estreito.

Para se realizar esse percurso e perceber o feixe de relações histórica e institucionais

de onde emergem esses discursos, delinearam-se algumas práticas que precedem a construção

desta Usina. Retomou-se o contexto histórico de construções de barragens no país, desde as

condutas menos democráticas durante o regime militar até os procedimentos que regulam o

setor nos dias atuais; os avanços na legislação e as ferramentas institucionalizadas que regem

esses processos.

Dada à multiplicidade de esferas e sujeitos que compõem o prisma discursivo sobre a

Usina em análise foi necessário lançar um olhar a partir dos vários lugares de fala de sujeitos

que, além de participar das negociações, também compõem as Formações Discursivas sobre a

Usina. Por isso, construíram-se as análises a partir do Ceste, do Ministério de Minas e Energia

e do Movimento dos Atingidos por Barragens para, em seguida, se perceber esse debate

também na mídia impressa. Esse mosaico Mercado/Estado/Sociedade Civil possibilitou uma

melhor dimensão de como esses diferentes sujeitos se articulam e também detectar de onde

eles vêm, quais procedimentos os interditam e os definem; quais valores carregam; quais

posturas interferem na construção do discurso sobre o tema.

No primeiro capítulo, tentou-se buscar as regras que definem esse jogo a partir do

Mercado e do Estado e constatou-se um Mercado muito mais protagonista do que o Estado na

condução dos processos da UHE Estreito, no qual o primeiro, enquanto concessionário

responsável, executa e este segundo acompanha e endossa a realização do projeto.

Foi pertinente avizinhar a discussão com as principais noções sobre desenvolvimento e

desenvolvimento sustentável para também se encontrar pistas sobre a partir de quais preceitos

a dinâmica das instalações de usinas vem sendo pensada pelo Estado e pelo Mercado no país.

E como apontado, saindo-se de um viés cosmético de desenvolvimento sustentável, seria

necessário ainda serem atendidas as oito dimensões: social, cultural, ecológica, ambiental,

territorial, econômica, política nacional e política internacional, que são cernes das principais

discussões que envolvem as barragens. Assim como deve ser imprescindível também priorizar

a liberdade como principal fim e meio do desenvolvimento (liberdade de escolhas e de

oportunidades para as pessoas).

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Garantir todas essas liberdades, no entanto, não deixa de ser um caminho difícil a se

trilhar quando se trata de uma seara que envolve ações compulsórias, como a desapropriação

de imóveis prevista pela ANEEL, por exemplo, (em caso de áreas necessárias às instalações

de permissionários e autorizados de energia elétrica), ainda que mediante ao pagamento de

indenizações. Dentro dessa dinâmica, o fortalecimento da matriz energética nacional e os

diversos impactos a nível local precisam ser equacionados por esses setores responsáveis e

que têm mais peso nas decisões nessa arena de poderes.

Deixou-se claro desde o início deste trabalho que a nossa preocupação não foi,

primeiramente, discutir a viabilidade dos empreendimentos hidrelétricos nem de assumir uma

postura radical ambientalista, tampouco feroz desenvolvimentista; mas, enquanto pesquisador

no âmbito da Comunicação, primou-se por observar os processos, os meandros, o discurso

enquanto prática social.

Enumerando-se, ainda, os achados no capítulo 1, com as Formações Discursivas da

comunicação do Ceste e do Ministério de Minas e Energia, que permitiram reconstruir esse

multifacetado conjunto de enunciados, levou-se em consideração que essas práticas

comunicacionais são regidas por códigos da Comunicação Organizacional e Pública,

respectivamente, que delimitam e enquadram esses discursos já a priori. Assim como há um

aparato institucional e legal que também regimentam e predizem como essa comunicação

deve ser executada, como é o caso do Plano Básico Ambiental (PBA) e o Programa de

Comunicação Social ao qual o Ceste deve corresponder e as diretrizes ao qual a comunicação

do MME está submetida.

Em ambas as esferas a noção de accountability é tida como prioridade; prestar contas e

reposicionar suas imagens perante a opinião pública e, como prescreve o próprio Programa de

Comunicação, tornar as comunidades atingidas em parceiras e apoiadoras do projeto. Trata-

se, portanto, de Formações Discursivas construídas a partir de estratégias e planejamentos

previamente definidos, que também compõem esse todo ao qual se tentou compreender.

Além da percepção a partir do Estado e do Mercado, foi relevante realizar essa

remontagem da produção discursiva também a partir da sociedade civil, especificamente do

Movimento dos Atingidos por Barragens, trabalhado no capítulo 2. Observou-se que existe

um aparato próprio dos movimentos sociais que rege a comunicação do MAB; que há uma

crítica ao modelo energético conduzido no país e uma ideia-lema (de que água e energia não

são mercadoria e, sim para a soberania), que guiam as ações e práticas discursivas do

Movimento.

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Se, por um lado, as comunicações executadas pelo Ceste e pelo MME têm um caráter

de prestação de contas sobre a condução de um projeto hidrelétrico, a do MAB realça as lutas

e conquistas de uma sociedade civil organizada em prol das famílias atingidas, tendo também

como centrais as questões territoriais e a garantia de direitos.

Outra questão crucial para se pensar o real debate entre os sujeitos envolvidos nas

negociações são as ferramentas de participação popular ao longo das fases de instalação das

usinas hidrelétricas. Como discutido, diacronicamente houve um aprimoramento na legislação

nesse aspecto, mas as ferramentas disponíveis (como audiências públicas, foros de negociação

e comitês de cogestão) ainda são insipientes e pouco efetivas de fato na influência sobre

decisões a serem tomadas; costumam ser apenas consultivas e, em muitas vezes, apenas para

cumprir as normas exigidas.

Se essas ferramentas de participação previamente institucionalizadas nem sempre são

eficazes, a representação que se faz desses sujeitos nas outras instâncias ganha ainda mais

relevância, inclusive na busca por conquistas. E nessa ordenação discursiva de sujeitos e

temas que têm visibilidade ou não na questão de barragens, observou-se que a produção

oriunda do Mercado e do Estado têm mais força de reverberação do que a que emerge da

sociedade civil; como se observou no exemplo notório do termo atingido (concepção que

carrega em si o reconhecimento por legitimidade de direitos), que é reforçado pelo MAB, mas

é claramente interditado no discurso do Ceste e tem essa interdição muitas vezes refletida na

mídia impressa. Se compararmos, por exemplo, duas declarações feitas sobre o mesmo

processo de condução da instalação da usina, no mesmo período, mas em suportes midiáticos

diferentes e por autores diferentes, como a fala do presidente Lula no site do Ceste: “Esta

hidrelétrica servirá de modelo para como tratar corretamente e respeitosamente os moradores

que aqui vivem, os moradores, os pescadores e os que trabalham na agricultura”

(CONSÓRCIO ESTREITO ENERGIA, 30/11/10), e a seguinte proposição feita pelo MAB:

“O processo de implementação da usina de Estreito tem sido um dos mais perversos dos

últimos tempos no setor elétrico. A falta de diálogo, de critérios, e, sobretudo, de participação

das famílias atingidas nas negociações tem causado a violação dos direitos humanos”

(MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS 30/08/10), indaga-se sobre, afinal,

qual processo encontrará legitimidade para se construir enquanto monumento no conjunto do

tempo? São essas formações que viemos discutindo aqui.

Foi intuito de esta pesquisa perceber como são construídos esses múltiplos sujeitos a

partir de diversos pontos de vista e, ao cruzar as análises dos três capítulos, chega-se, enfim,

ao seguinte “quadro espelhado”:

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Tabela 20 – Quadro-síntese dos sujeitos nas análises

Sujeitos

A partir do:

Mercado Estado Sociedade Civil

Mercado

(site Ceste)

Cumpre com a legislação

exigida, executa os

Programas Básicos

Ambientais e presta

conta de suas ações.

Cumpre o seu papel

político e econômico de

prover energia elétrica

para o país, satisfazendo

uma necessidade coletiva

e promovendo o

crescimento econômico.

As figuras políticas

endossam e legitimam

essas ações.

Não há atingidos. Há

uma sociedade que sofre

“interferência”, que é

mínima e compensada

pelas ações mitigatórias;

e, em muitos casos, o

Ceste mudou a vida

dessas comunidades para

melhor.

Estado

(site MME)

Divide com o Estado o

importante papel de

prover energia elétrica

para o país.

Realiza o accountability

de monitoramento e

prestação de contas sobre

a construção de

empreendimentos; além

de prover a geração de

energia, cria empregos e

desenvolve o país e a região.

A população recebe os

benefícios dos projetos

hidrelétricos, tanto a

nível local quanto

nacional; os impactos são

mitigados graças ao

cumprimento da

legislação.

Sociedade Civil

(site MAB)

É o “dono da barragem”,

composto por empresas

multinacionais que se

preocupam mais em

gerar riquezas em

benefício próprio do que

com a comunidade local.

É responsável pela

barragem e pela condição

de vida dos atingidos e

poderia ser mais atuante

na garantia do

atendimento das

demandas.

População atingida, que

antes vivia do rio, e sofre

os efeitos negativos da

barragem e só consegue

ter esses impactos

abrandados graças à luta

e atuação do MAB.

Mídia impressa

O Estado do MA

Tende a cumprir a

legislação exigida,

respeitando as

condicionantes sociais e

ambientais, deixando a

desejar apenas em algumas poucas

exceções.

Promove o

desenvolvimento

econômico do Maranhão

e do país, fortalece a

matriz energética e gera

empregos.

A noção de atingidos é

relativizada; reconhece-

se apenas uma pequena

“interferência” da usina

sobre a vida dos

moradores; mas maioria das mudanças

ocasionadas pela usina

foram positivas.

Folha S. Paulo

É questionado sobre

como conduz todo o

processo devido à

ineficaz ingerência da

esfera do Estado.

É responsável pelo

fortalecimento energético

do país e por diminuir o

risco de apagão; no

entanto, não conduz de

forma efetiva o processo

da UHE Estreito

(principalmente pela

relação político- partidária enquadrada

pelo jornal).

É impactada, mas

passível de ser

recompensado caso o

Consórcio e o Governo

cumpram seu papel de

forma efetiva.

Fonte: Elaborado pela autora (2015).

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Ao se construir o corpus desta pesquisa foi pertinente pensar o tema a partir de um

viés institucional e suas dimensões para, em seguida, lançar este olhar sobre as representações

e movimento dessas vozes na mídia impressa (aqui selecionados um veículo local e outro de

alcance nacional) para se notar com maior clareza a postura da mídia no debate: sujeitos e

temas interditados ou articulados, enfatizados ou silenciados e como as falas institucionais são

desconstruídas, reconstruídas ou apenas ecoadas.

Na observação sobre o sujeito atingido (indivíduo), que teve pouca visibilidade nas

esferas do Estado e do Mercado, percebeu-se que ele também encontrou pouco espaço de

expressão no site do MAB, já que este prioriza a divulgação das ações do Movimento

enquanto sociedade civil organizada; e notou-se que também na mídia impressa essa

visibilidade foi rarefeita e, muitas vezes, enviesada.

No capítulo 3, em que se discutiu sobre a mídia, recorreu-se a algumas noções mais

clássicas sobre o público, a esfera pública e a ideia de publicidade para se refletir sobre uma

esfera midiática (que, mesmo passando por diversas transformações, carrega em sua essência

a função de tornar público e aparente aquilo que deveria ser de interesse comum a todos) para,

então, se problematizar como os discursos sobre a UHE Estreito são construídos nessa esfera

da aparência e quais sujeitos e atores sociais visitam e como visitam essa arena.

Ficou claro que não há um debate igual entre esses diferentes sujeitos. No jornal O

Estado do Maranhão, por exemplo, há uma tendência de endossar e repercutir as mesmas

Formações das esferas do Estado e do Mercado e desconsiderar as que oriundam da

Sociedade Civil (principalmente as que tratam de ações de manifestação contra a usina). Na

Folha de S. Paulo nota-se uma desconstrução das práticas que emergem do Mercado e Estado,

assim como também há uma postura de ignorar o discurso produzido pelo MAB. Ambos os

veículos são de natureza editoriais diferentes, localizações espaciais distintas e também

emergem de lugares discursivos com valores e necessidades desiguais; os Objetos,

Modalidades Enunciativas e Conceitos, portanto, constroem díspares Formações Discursivas.

Das temáticas abordadas, algumas foram recorrentes em ambos os veículos, como o

cronograma das obras, os impasses judiciais, relações entre figuras políticas e o consórcio, no

entanto, cabe destacar que as pautas ambiental e social foram muitas vezes negligenciadas na

cobertura jornalística analisada.

Falou-se brevemente sobre o Jornalismo Ambiental, lembrando que ele é antes de

qualquer classificação, Jornalismo e, como tal, deveria ter como compromisso o interesse

público, com a democratização do conhecimento, com a ampliação do debate; e não apenas

ser porta-voz de segmentos específicos da sociedade para legitimar poderes e privilégios.

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E dentro de uma prática jornalística que prima por esses valores, deveria haver

pluralidade de fontes e não somente aquelas legitimadas pelos muros da academia (síndrome

do Lattes ao qual Bueno, 2007, se refere) ou pelas instituições hegemônicas; mas deveriam

ser convocados para o debate todos nós, inclusive o homem comum, o ribeirinho, o que não

necessariamente é representante de um saber acadêmico sistematizado, mas que detém um

saber popular genuíno; é conhecedor da sua dada realidade, da sua relação com o espaço em

que habita e das suas demandas para uma possível compatibilização de visões, experiências e

conhecimentos.

Na cobertura de uma mídia diária, quase sempre monotemática, essa pluralidade de

vozes e abordagens sobre uma mesma problemática é dificilmente observada. Comparando-

se, por exemplo, com a ampla cobertura feita pela Agência de notícias ONG Repórter Brasil,

que se propôs fazer uma “radiografia” das questões que envolveram a implantação da UHE

Estreito, por meio de uma série de cinco grandes reportagens publicadas em 2008 no site

www.reporterbrasil.org.br (que atende a uma estratégia de distribuição gratuita de conteúdo e

licença aberta para livre reprodução).

A série se propôs a fazer uma radiografia do impasse sobre a barragem, com variadas

fontes que representam interesses diversos em relação à usina. As reportagens estruturaram-se

assim: no subtópico “Impasse” buscou elucidar os conflitos na esfera jurídica da construção

da barragem; em “Pressão”, o jogo de interesses em nível local; em “Vidas Inundadas”, os

impactos sociais e ambientais do empreendimento, contemplando os casos de ribeirinhos e

indígenas e em “Horizontes”, o que se poderia esperar dali em diante. Contempla, inclusive,

dissonâncias entre os próprios movimentos sociais e a comunidade atingida. Há, portanto, um

importante caminho ainda a ser trilhado na cobertura de amplos temas, como o de

empreendimentos de grande porte do setor energético do país.

Espera-se ter contribuído com esta pesquisa, a partir do caso estudado da UHE

Estreito, para a reflexão sobre a temática da produção da hidroeletricidade no país e as

representações construídas sobre ela. Seguiu-se a proposta de reconstruir as estruturas internas

que constituem um saber (apropriando-se do método arqueológico), levando em consideração

os suportes histórico e institucional, que permitem ou proíbem a realização desses discursos,

construídos nas relações e nos enunciados em pleno funcionamento.

Esta temática da energia elétrica se torna cada vez mais pertinente e plausível de

pesquisas em diversas áreas do conhecimento e não menos importante sob o olhar do

pesquisador na área de Comunicação. No entanto, detecta-se, ainda, como pontuais as

pesquisas na área de comunicação que se debruçam sobre o tema, e aponta-se como um

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caminho frutífero de análises os processos de comunicação que envolvem não só os

procedimentos para provimento de energia oriunda da fonte hídrica, como também os que

envolvem a de origem termelétrica, nuclear, eólica e solar.

Além da mídia tradicional, a interação, a participação popular e as formas de produção

de conteúdo autônoma conquistadas em outras mídias, como as diferentes mídias sociais,

constituem também interessantes percursos de análises para pesquisas futuras.

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O ESTADO DO MARANHÃO: São Luís. Diário. Ano 2008 a 2013. Disponível em:

<http://imirante.com/oestadoma/>. Acesso em: 12 mar. de 2014.

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APÊNDICES

APÊNDICE A – Notícias selecionadas da Folha S. Paulo sobre a UHE Estreito

Nº TÍTULO VEÍCULO

/EDITORIA

DATA

CATEGORIA

TEMÁTICA

1. Manifestante sem terra é baleado

diante de canteiro de obras de

hidrelétrica no MA

Folha Poder 12 de março

de 2008

Tensões

2. Manifestantes invadem usina em

Rondônia

Folha Brasil 12 de março

de 2008

Tensões

3. Militante do MST é baleado diante

de canteiro de obras de hidrelétrica

Folha Brasil 13 de março

de 2008

Tensões

4. Justiça anula licença para a usina

hidrelétrica de Estreito

Folha Mercado 07 de junho

de 2008

Tensões

5. Processo paralisa obras da

hidrelétrica de Estreito

Folha Mercado 18 de junho

de 2008

Tensões

6. TRF derruba liminar contra obra de

Estreito

Folha Mercado 24 de junho

de 2008

Tensões

7. Coluna

Mercado Aberto (Notinhas)

Folha Mercado 22 de julho de

2008

Tensões

8. Coluna

Mercado Aberto (Notinhas)

Folha Mercado 29 de julho de

2008

Tensões

9. Coluna

Mercado Aberto (Notinhas)

Folha Mercado 25 de agosto

de 2008

Andamento das obras

10. Coluna Mercado Aberto (Notinhas)

Folha Mercado 03 de fevereiro de

2010

Andamento das obras

11. Dilma vai a 1ª inauguração como

eleita

Folha Poder 30 de

novembro de

2010

Relacionamento

institucional

12. Lula acusa repórter de preconceito

e o manda "se tratar"

Folha Poder 01 de

dezembro de

2010

Relacionamento

institucional – tensões

políticas –

(Na ocasião da visita,

Lula é questionado sobre

o apoio da oligarquia

Sarney)

13. Telegramas são "insignificantes", diz Lula

Folha Poder 01 de dezembro de

2010

Relacionamento institucional – tensões

políticas -

(Na ocasião da visita,

Lula fala sobre o

Wikileaks - o assunto

UHE é desviado)

14. Com dois anos de atraso, Dilma

inaugura nova usina hidrelétrica no

Maranhão

Folha Mercado 17 de outubro

de 2012

Andamento das obras

15. Nova hidrelétrica afeta vida de

moradores no MA

Folha Poder

28 de outubro

de 2012

Tensões

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APÊNDICE B – Notícias selecionadas do Jornal O Estado MA sobre a UHE Estreito

Título Editoria Data

Categoria

temática

1. Ocupação da UHE Estreito

preocupa a direção do Ceste

EMA, Editoria

Geral

14 de março de

2008

Tensões

2. Invasão da UHE preocupa

empresários

EMA, Editoria

Geral

17 de março de

2008

Tensões

3. Ceste procura famílias, sem

intermediários, para acordos

EMA, Editoria

Geral

20 de março de

2008

Tensões

4. Aneel recorre ao TRF para que obras

da UHE sejam retomadas EMA, Editoria

Economia 19 de junho de

2008

Tensões

5. Parede diafragma na barragem da

UHE Estreito começa a ser

construída

EMA, Editoria

Economia

19 de junho de

2010

Andamento das

obras

6. Grupo do PAC visita a UHE

Estreito

EMA, Editoria

Economia

29 de junho de

2010

Relacionamento

institucional

7. UHE Estreito alcança novo marco

com descida do maior rotor Kaplan

EMA, Editoria

Geral

13 de agosto de

2010

Andamento das

obras

8. UHE Estreito tem 85% do

cronograma físico de obras

concluídos

EMA, Editoria

Economia

25 de setembro

de 2010

Andamento das

obras

9. Lula afirma que a UHE será modelo

para outros projetos

EMA, Especial 01 de dezembro

de 2010

Relacionamento

institucional

10. Ceste e acionistas comemoram o

avanço das obras da UHE Estreito

EMA, Editoria

Economia

07 de dezembro

de 2010

Relacionamento

institucional

11. Finalizada a montagem da primeira Unidade Geradora da UHE Estreito

EMA, Editoria Consumidor

15 de dezembro de 2010

Andamento das obras

12. Enchente causa impasse entre

prefeituras, Ceste e ribeirinhos

EMA, Editoria

Cidades

15 de janeiro de

2012

Tensões

13. Dilma inaugura a UHE Estreito e

destaca importância da obra

EMA, Editoria

Economia

18 de outubro

de 2012

Andamento das

obras

14. Secretaria aponta benefícios de

UHE Estreito para o MA

EMA, Editoria

Geral

21 de outubro

de 2012

Relacionamento

institucional

15. Ceste assegura benefícios e investe

no desenvolvimento sustentável da

área da UHE

EMA, Editoria

Cidades

28 de novembro

de 2012

Ações positivas

16. Foto- legenda Manifestação

EMA, Editoria

Cidades

09 de abril de

2013

Tensões

17. Foto- legenda Manifestação EMA, Editoria

Cidades

22 de outubro

de 2013

Tensões