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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC/SP
SIMONE BUENO
Uso dos materiais curriculares por professores de
Matemtica
DOUTORADO EM EDUCAO MATEMTICA
Tese apresentada Banca Examinadora do
Programa de Estudos Ps-Graduados em
Educao Matemtica da PUC-SP, como
exigncia parcial para obteno do ttulo de
Doutora em Educao Matemtica, sob a
orientao do Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud.
SO PAULO
2017
PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC/SP
SIMONE BUENO
Uso dos materiais curriculares por professores de
Matemtica
DOUTORADO EM EDUCAO MATEMTICA
Tese apresentada Banca Examinadora do
Programa de Estudos Ps-Graduados em
Educao Matemtica da PUC-SP, como
exigncia parcial para obteno do ttulo de
Doutora em Educao Matemtica, sob a
orientao do Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud.
SO PAULO
2017
Autorizo, exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial
desta tese por processos de fotocopiadora ou eletrnicos.
Assinatura: ________________________________________ So Paulo, ___ / ___ /
_____.
Banca Examinadora
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
meu filho, Rafael, que mesmo diante de tantas adversidades pude contar com seu Apoio nessa trajetria. Entre Graduao, Mestrado e Doutorado Foram mais de dez anos... Apesar dos momentos de ausncia, voc foi forte, amigo, companheiro E ter voc ao lado sempre me apoiando me impulsionou para que eu continuasse e nunca desistisse. Obrigada por entender minha
Luta e de corao eu quero que voc, filho querido, sinta-se tambm titulado.
Agradeo Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES) pela Bolsa de Estudos concedida, o que permitiu o desenvolvimento desta pesquisa.
E de repente o sonho virou realidade. Quero agradecer a todos que de algum modo contriburam para a realizao desse trabalho. Primeiramente agradeo Deus, luz espiritual, por me iluminar e amparar nessa trajetria. minha famlia, em especial, minha mezinha querida, que sempre por perto comemorou cada vitria. Agradeo tambm meu irmo Alexandre, pelos dilogos e por olhar nossa me nesses momentos de ausncia. Ao Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud, por me orientar com competncia, compromisso e carinho, contribuindo definitivamente para a concretizao deste sonho. Aos professores examinadores desta pesquisa Prof. Dr. Ana Lucia Manrique, Prof. Dr. Cristina Maranho, Prof. Dr Francisco Jos Brabo Bezerra e Prof. Dr Adriano Vargas Freitas, pela leitura criteriosa e importantes observaes no Exame de Qualificao. Aos colegas do doutorado, em especial, Edvonete Almeida e Hrica Cambraia, pela amizade, convvio e incentivo nesta jornada. Aos colegas do Grupo de Pesquisa Desenvolvimento Curricular em Matemtica e Formao de Professores, em especial, Gilberto Janurio e Ktia Lima, pelas reflexes e discusses. Aos professores do doutorado, em especial Fumikazu Saito, Benedito Antonio da Silva, Sonia Barbosa Camargo Igliori e Clia Maria Carolino Pires, pelos ensinamentos e contribuies para meu crescimento acadmico. Aos professores da escola investigada, por contriburem para que esta tese fosse possvel. Aos amigos que durante os momentos mais conturbados foram colocados em segundo plano, mas compreenderam e tiveram carinho nesse momento,
Muito obrigada !
Procuro semear otimismo
e plantar sementes de paz e justia.
Digo o que penso, com esperana.
Penso no que fao, com f.
Fao o que devo fazer, com amor.
Eu me esforo para ser cada dia melhor,
pois bondade tambm se aprende.
Mesmo quando tudo parece desabar,
cabe a mim decidir entre rir ou chorar,
ir ou ficar,
desistir ou lutar;
porque descobri,
no caminho incerto da vida,
que o mais importante o decidir!
Cora Coralina
BUENO, Simone. Uso dos materiais curriculares por professores de Matemtica. 2017.
164f. Tese (Doutorado em Educao Matemtica). Faculdade de Cincias Exatas e
Tecnologia. Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. So Paulo.
RESUMO
Nesta pesquisa, no nvel de doutorado, temos por objetivo investigar de que modo os
materiais curriculares so utilizados por professores de Matemtica. O trabalho caracteriza-
se por pesquisa qualitativa. Os dados foram coletados a partir do trabalho de campo, do
material de anlise e observao das aulas de quatro professores de Matemtica, em uma
escola pblica, com foco na postura do professor ao utilizar os materiais curriculares. Para
compreender a relao das professoras com os materiais curriculares, nos baseamos nos
estudos que destacam os recursos de cada lado da relao e apontam os diferentes tipos de
uso: a reproduo, adaptao e criao. Complementando nosso referencial, buscamos
autores que discorrem sobre currculo. Com relao aos fatores que influenciaram os
professores no uso dos materiais curriculares, consideramos que a formao, a participao
em cursos aps a graduao, a confiana no contedo, o conhecimento pedaggico do
assunto e a colaborao, so fatores que podem ter contribudo com o modo que os
professores diferiram na utilizao de seus materiais. Nas interaes dos professores com
os materiais curriculares, pudemos perceber que em alguns momentos os professores
reproduziam, em outros adaptavam e em uma mesma aula improvisavam. Consideramos
que os resultados dessa pesquisa possam juntar-se a outras e contribuir para entender que
uso o docente faz dos materiais curriculares e que impactos estes materiais tm na sua
prtica ao trabalhar situaes de aprendizagem matemtica.
Palavras-chave: Materiais curriculares. Currculos de Matemtica. Relao professor-
materiais curriculares. Educao Matemtica.
BUENO, Simone. The use of curriculum materials by Mathematics teacher. 2017. 164f.
Thesis (Doctoral in Mathematics Education). College of Exact Sciences and Technology.
Pontifical Catholic University of So Paulo. So Paulo.
ABSTRACT
In this research, at the doctoral level, we aim to investigate how the curricular materials are
used by teachers of Mathematics. The work is characterized by qualitative research. The
data were collected from the fieldwork, the material of analysis and observation of the
classes of four teachers of Mathematics, in a public school, focusing on the posture of the
teacher when using the curricular materials. In order to understand the relationship
between teachers and curricular materials, we use the Brown (2009) study, which
highlights the resources on each side of the relationship and points out the different types
of use: reproduction, adaptation and creation. Complementing our referential, we seek
authors who talk about curriculum, Pires (2004, 2008, 2011, 2012), Shulman (1986) and
Sacristn (2000). Regarding the factors that influenced teachers in the use of curricular
materials, we consider that training, participation in courses after graduation, trust in
content, pedagogical knowledge of the subject and collaboration are factors that may have
contributed to the way That teachers differed in the use of their materials. In the
interactions of the teachers with the curricular materials, we could perceive that in some
moments the teachers reproduced, in others they adapted and in the same class improvised.
We consider that the results of this research can join to others and contribute to understand
what use the teacher makes of the curricular materials and what impacts these materials
have in their practice when working in mathematical learning situations.
Keywords: Curricular materials. Mathematics curricula. Relationship teacher-curricular
materials. Mathematical Education.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
DCE The Design Capacity for Enactment
DCForM Grupo de Pesquisa Desenvolvimento Curricular em Matemtica e Formao
de Professores
EJA Educao de Jovens e Adultos
EM Everyday Mathematics
ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio
HTPC Hora de trabalho pedaggico coletivo
IDEB ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica
INL Instituto Nacional do Livro
MEC Ministrio da Educao
NCTM National Council of Teachers of Mathematics
PCN Parmetros Curriculares Nacionais de Matemtica para o Ensino
Fundamental
PCNEM Parmetros Curriculares Nacionais de Matemtica para o Ensino Mdio
PDC Pedagogical design capacity
PEAMAT Grupo de Pesquisa Processo de Ensino e Aprendizagem em Matemtica
PNLD Programa Nacional do Livro Didtico
PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo
SARESP Sistema de Avaliao do rendimento Escolar do Estado de So Paulo
SBG Silver Burdett Ginn
SEE-SP Secretaria de Estado da Educao de So Paulo
SME-SP Secretaria Municipal de Educao de So Paulo
UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: A objetivao do currculo no processo do seu desenvolvimento ..................... 44 Figura 2: The Design Capacity for Enactment framework DCE ........................................... 60 Figura 3: Trs fases da Anlise de Contedo................................................................................. 101 Figura 4: Material reproduzido e utilizado pelo professor Jos em uma das aulas assistidas ........................................................................................................................................................ 111 Figura 5: Atividade proposta pelo professor retirada de um site de internet .............. 113 Figura 6: Representao grfica de uma funo polinomial de 1 grau proposta no livro usado pelo professor Jos ........................................................................................................... 114 Figura 7: Exerccio adaptado pelo professor Jos ...................................................................... 116 Figura 8: Exerccios proposto pelo professor Jos ..................................................................... 117 Figura 9: Aluno acessando contedo do simulado ENEM....................................................... 119 Figura 10: Proposio de jogo apresentada no livro ................................................................. 123 Figura 11: Atividade Jogando com os mltiplos .......................................................................... 124 Figura 12: Trilha confeccionada e adaptada pela Professora Snia .................................. 125 Figura 13: Atividade em folha quadriculada proposta pela Professora Snia .............. 127 Figura 14: Exerccios adaptados pela professora Iara ............................................................. 130 Figura 15: Exerccios propostos pela professora Iara .............................................................. 132
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Pesquisas desenvolvidas no mbito do Programa de Ps-Graduao em Ensino, Filosofia e Histria das Cincias da UFBA-UEFS ............................................................ 27 Quadro 2:Pesquisas desenvolvidas no mbito do Programa de Ps-Graduao em Educao Matemtica da UFMS .............................................................................................................. 29 Quadro 3: Pesquisas desenvolvidas no mbito Programa de Estudos Ps-Graduados em Educao Matemtica da PUC-SP ................................................................................................... 31 Quadro 4: Definies de alguns autores sobre materiais curriculares ............................... 53 Quadro 5: Fatores que influenciaram o uso de materiais curriculares por professores-estudantes ......................................................................................................................................................... 71 Quadro 6: Categorias de Anlise ......................................................................................................... 104 Quadro 7: Sntese da caracterizao dos professores participantes da pesquisa ....... 135
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Professores participantes por anos de experincia e de gnero ....................... 84 Tabela 2: Preocupaes dos professores sobre a implementao de novos materiais85 Tabela 3: Itens que constituem as construes de apoio para professores iniciantes 90 Tabela 4: Construes de apoio .............................................................................................................. 92
SUMRIO
CAPTULO 1 ................................................................................................................................................. 17
APRESENTAO DA PESQUISA ................................................................................................................... 17
1.1 PRIMEIROS PASSOS E INSERO NO GRUPO DE PESQUISA ............................................................................. 17 1.2 CARACTERIZAO DO PROJETO GLOBAL DE PESQUISA ...................................................................................... 22 1.3 ESTUDOS SOBRE A TEMTICA .................................................................................................................... 25 1.4 FORMULAO DO OBJETIVO E QUESTES NORTEADORAS ................................................................................. 32 1.5 CARACTERIZAO DA PESQUISA ................................................................................................................. 34 1.6 ESTRUTURAO DOS CAPTULOS DA TESE ..................................................................................................... 36
CAPTULO 2 ................................................................................................................................................. 38
ALGUMAS IDEIAS ACERCA DE CURRCULO .................................................................................................. 38
2.1 O EMERGIR DO TERMO CURRCULO ............................................................................................................. 38 2.2 INTERAES DO CURRCULO ..................................................................................................................... 41 2.3 ORGANIZAO CURRICULAR ..................................................................................................................... 43 2.4 CONSIDERAES SOBRE O CAPTULO ........................................................................................................... 46
CAPTULO 3 ................................................................................................................................................. 47
ESTUDOS SOBRE O USO DE MATERIAIS CURRICULARES ............................................................................. 47
3.1 SOBRE A ORIGEM E AS INVESTIGAES DOS MATERIAIS CURRICULARES ................................................................ 47 3.2 CARACTERIZANDO MATERIAL CURRICULAR .................................................................................................... 53 3.3 INTERAO DO PROFESSOR COM O MATERIAL CURRICULAR............................................................................... 58 3.4 CONSIDERAES SOBRE O CAPTULO ........................................................................................................... 61
CAPTULO 4 ................................................................................................................................................. 63
A RELAO DE PROFESSORES COM MATERIAIS CURRICULARES ................................................................ 63
4.1 UM ESTUDO SOBRE A UTILIZAO DE MATERIAIS CURRICULARES DE MATEMTICA POR PROFESSORES-ESTUDANTES ....... 64 4.1.1 Contexto da pesquisa de Behm e Lloyd ...................................................................................... 64 4.1.2 O modo como os professores-estudantes utilizaram o material curricular ................................. 66 4.1.3 Professores-estudantes e o uso dos materiais curriculares de Matemtica ................................ 69 4.1.4 Fatores que podem ter influenciado professores-estudantes no uso dos materiais curriculares . 69 4.1.5 Concluses do estudo ................................................................................................................ 76
4.2 UM ESTUDO SOBRE AS PREOCUPAES DOS PROFESSORES RELATIVAS ADOO DE NOVOS MATERIAIS CURRICULARES DE MATEMTICA ............................................................................................................................................. 77
4.2.1 Mudanas em Educao Matemtica ........................................................................................ 79 4.2.2 Preocupaes dos professores ................................................................................................... 79 4.2.3 Contexto e objetivos do estudo .................................................................................................. 81 4.2.4 Anlise dos Dados ...................................................................................................................... 85 4.2.5 Descobertas do estudo no tocante s preocupaes de professores iniciantes e professores experientes ......................................................................................................................................... 87 4.2.6 Concluses do estudo ................................................................................................................ 92
4.3 PONDERAES ACERCA DO CAPTULO .......................................................................................................... 94
CAPTULO 5 ................................................................................................................................................. 96
O CENRIO DE PESQUISA, ROTEIRO DE OBSERVAO E CATEGORIAS DE ANLISE.................................... 96
5.1 O CENRIO DA PESQUISA ......................................................................................................................... 97 5.2 COLETA DOS DADOS PELA PESQUISADORA .................................................................................................... 99 5.3 ROTEIRO DE OBSERVAO E CATEGORIAS DE ANLISE .................................................................................... 102
CAPTULO 6 ............................................................................................................................................... 107
A PESQUISA DE CAMPO REALIZADA: ATORES ENVOLVIDOS E A RELAO DOS PROFESSORES COM OS MATERIAIS CURRICULARES ....................................................................................................................... 107
6.1 PROFESSORA EDNA: PERFIL E USO DO MATERIAL CURRICULAR ......................................................................... 107 6.2 PROFESSOR JOS: PERFIL E USO DO MATERIAL CURRICULAR ............................................................................ 109 6.3 PROFESSORA SNIA: PERFIL E USO DO MATERIAL CURRICULAR ........................................................................ 120 6.4 PROFESSORA IARA: PERFIL E USO DO MATERIAL CURRICULAR .......................................................................... 128 6.5 CONSIDERAES SOBRE O CAPTULO ......................................................................................................... 132
CAPTULO 7 ............................................................................................................................................... 134
ALGUMAS REFLEXES SOBRE AS OBSERVAES REALIZADAS NAS AULAS .............................................. 134
CAPTULO 8 ............................................................................................................................................... 150
CONSIDERAES E PERSPECTIVAS ............................................................................................................ 150
REFERNCIAS ............................................................................................................................................ 159
APNDICE .................................................................................................................................................. 165
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM O PROFESSOR .................................................................................................... 165 DIRIO DE BORDO ..................................................................................................................................... 167
17
CAPTULO 1
Apresentao da Pesquisa
Escrever to re-fazer o que esteve sendo pensado nos diferentes momentos de nossa prtica, de nossas relaes com, to re-criar, to re-dizer o antes dizendo-se no tempo de nossa ao quando ler seriamente exige de quem o faz, repensar o pensado, re-escrever o escrito e ler tambm o que antes de ter virado o escrito do autor ou da autora foi uma certa leitura sua. (Paulo Freire, 1992, p. 54).
Nesta seo apresento os principais momentos da minha formao acadmica. Em
cada uma das subsees, descrevo momentos relevantes que auxiliaram na minha
constituio como pesquisadora em Educao Matemtica.
Gostaria de discorrer sobre as experincias, expectativas e reflexes acerca de
minha trajetria educacional e profissional, no entanto, se optasse em explanar os
pormenores das situaes vivenciadas, ficaria um trabalho muito extenso. Desse modo,
optei por resumir as experincias e aprendizagens de minha trajetria at o presente
momento.
1.1 Primeiros passos e insero no Grupo de Pesquisa
Este trabalho surgiu de algumas inquietaes, reflexes e experincias vivenciadas
ao longo de minha trajetria acadmica e profissional e est intimamente ligado a uma
crena de cunho pessoal de que a pesquisa, enquanto produo do conhecimento, torna o
cidado crtico e capaz de transformar o contexto onde est inserido. Severino (2007), ao
conceituar pesquisa, responde questo o que vem a ser produzir conhecimento?. Esse
autor afirma que
o que se quer dizer que conhecimento se d como construo do objeto
que se conhece, ou seja, mediante nossa capacidade de reconstituio
simblica dos dados de nossa experincia, apreendemos os nexos pelos
quais os objetos manifestam sentido para ns, sujeitos cognoscente...
Trata-se, pois, de redimensionar o prprio processo cognoscitivo, at
porque, em nossa tradio cultural e filosfica, estamos condicionados a
entender o conhecimento como mera representao mental, mas esta no
18
o ponto de partida do conhecimento, e sim o ponto de chegada, o
trmino de um complexo processo de constituio e reconstituio do
sentido do objeto que foi dado nossa experincia externa e interna.
(SEVERINO, 2007, p. 24)
Nesta perspectiva, em minha trajetria escolar, ao aprender, pude construir o meu
conhecimento e, como educadora, pude orientar a aprendizagem dos alunos, despertando
suas potencialidades.
Minha vida acadmica comeou no ano de 1992, quando passei no vestibular para
Cincias Biolgicas. Neste momento realizei meu sonho de ingressar no ensino superior e
pude vislumbrar as descobertas de como a graduao poderia contribuir na ampliao de
meus horizontes. Comecei a me destacar como aluna durante as aulas de Matemtica, e no
campo profissional, comecei a lecionar em uma escola da Rede Pblica Estadual
ministrando aulas de Cincias e Matemtica.
Ao me graduar em Cincias Biolgicas, por exigncia da Secretaria Estadual da
Educao do Estado de So Paulo, para que eu pudesse ter aulas atribudas nas escolas da
Rede Estadual, seria necessrio fazer uma complementao em minha formao e, desse
modo, tive que retomar meus estudos para obter o diploma em Licenciatura Plena. Por um
momento, pensei em fazer uma complementao em Qumica, mas a esta altura j estava
apaixonada pela arte em ensinar Matemtica e cada vez mais participava de cursos e
oficinas pedaggicas que tratavam de assuntos relativos ao ensino de Matemtica e gostava
de me especializar nesta disciplina. Em 2000, retorno Universidade e ingresso no curso
de Licenciatura Plena em Matemtica.
Em minha experincia docente, pude verificar o que j percebia desde o tempo em
que eu era estudante, que os alunos apresentavam grande dificuldade no estudo da
Matemtica. De acordo com Silveira (2002, p. 1),
o fato de a matemtica reprovar significativamente o aluno na escola ser
aceito sem contestaes pela comunidade escolar, leva-nos a fazer
algumas reflexes sobre o fracasso do aluno na disciplina, levando em
conta a justificativa de que "matemtica difcil". A anlise das
formulaes discursivas dos alunos quando falam desta dificuldade, bem
como os fatos histricos que contriburam para que este pr-construdo
que diz "matemtica difcil" e por consequncia "matemtica para
poucos" mantivesse seus resqucios ao longo do tempo, manifestado
assim por toda comunidade escolar e pela mdia, se faz necessrio. A
ressignificao do pr-construdo uma interpretao da dificuldade da
matemtica, mas que mesmo mostrando facetas diferentes, corrobora com
a sua manuteno.
19
Essa autora evidencia que a expresso Matemtica para poucos remonta
Antiguidade e dela advm a expresso de que a Matemtica difcil. Nesse sentido,
os efeitos do discurso pr-construdo que oferecem a dimenso do
hiperconceito da matemtica, o que se deve a sua metalinguagem, que
considerada de difcil acesso. No o discurso em si que oferece este
hiperconceito matemtica, porque ele relativo memria, j que est
disperso em todas as falas, em todos os lugares de significao e por sua
vez esconde-se nas relaes entre os sujeitos, aluno e professor. Estes
lugares de significao dados matemtica interferem na relao entre o
sujeito que ensina e o sujeito que aprende. A ruptura destes significados
impossibilitada, pois os efeitos do discurso pr-construdo esto apagados
pela pedagogizao da matemtica, a qual fica mediando o acesso aos
saberes que constituem o discurso matemtico (SILVEIRA, 2011, p. 766-
767).
Desse modo, se por um lado, eu percebia um desconforto em muitos alunos com
reais dificuldades em aprender Matemtica, por outro lado, percebia as angstias de alguns
professores, incluindo a minha, relativa busca de materiais e alternativas metodolgicas
para a aprendizagem dos alunos.
Antes e depois de concluir a Licenciatura em Matemtica eu procurava repassar aos
alunos algumas atividades de Matemtica cujas orientaes e direcionamentos eu buscava
nos livros didticos, paradidticos e por meio de algumas atividades que eu adaptava.
Nos desafios do cotidiano escolar pude observar e compartilhar as angstias de
alguns educadores, incluindo a minha, relativa busca de alternativas metodolgicas para
qualificar a aprendizagem dos alunos.
Muitas vezes, em conversas rpidas na hora do intervalo, ou mesmo em reunies de
HTPC1, pude observar como os educadores buscavam respostas para trabalhar com os
alunos. As discusses possibilitaram perceber que o meu fazer em sala de aula estava
entrelaado com o fazer de outros educadores e medida que discutamos sobre as
dificuldades encontradas em nosso cotidiano escolar, pude constatar que, mesmo a escola
adotando um livro didtico comum disciplina de Matemtica, cada professor tinha o seu
1 A definio de HTPC (Hora de Trabalho Pedaggico Coletivo) dada pela Portaria CENP n 1/96 - L.C. n
836/97. Segundo esta portaria os objetivos da HTPC so: I. Construir e implementar o projeto pedaggico da
escola; II. Articular as aes educacionais desenvolvidas pelos diferentes segmentos da escola, visando
melhoria do processo ensino-aprendizagem; III. Identificar as alternativas pedaggicas que concorrem para a
reduo dos ndices de evaso e repetncia; IV. Possibilitar a reflexo sobre a prtica docente; V. Favorecer o
intercmbio de experincias; VI. Promover o aperfeioamento individual e coletivo dos educadores.
Atualmente, a HTPC obrigatria para todos os professores e tem durao de 2 a 3 horas semanais,
dependendo da carga horria semanal do docente. Contedo disponvel em http://educacaotiete.sp.gov.br/wp-
content/uploads/2014/11/1-Comentario-Portaria-CENP-01-96.pdf, acessado em 08 nov. 2014.
http://educacaotiete.sp.gov.br/wp-content/uploads/2014/11/1-Comentario-Portaria-CENP-01-96.pdfhttp://educacaotiete.sp.gov.br/wp-content/uploads/2014/11/1-Comentario-Portaria-CENP-01-96.pdf20
modo de trabalhar. Alguns educadores seguiam risca o livro didtico adotado pela escola,
outros, no entanto, optavam por utilizar alm deste, outros livros didticos, fazendo
adaptaes que julgavam necessrias e, alguns tambm optavam por trabalhar com livros
paradidticos, apostilas, transparncias, ou outro tipo de material que julgavam mais
conveniente.
Penso que o fato de participar de oficinas pedaggicas oferecidas pela Secretaria de
Estado da Educao de So Paulo e cursos de especializaes, permitiram que eu tivesse
um olhar diferenciado nos processos de ensino e de aprendizagem em Matemtica.
A experincia adquirida em sala de aula e a reflexo sobre a prtica educativa me
motivaram a ingressar em um curso de graduao em Pedagogia, pois sentia necessidade
de uma ao pedaggica mais significativa.
Desse modo, acredito que a graduao me proporcionou bases slidas de
conhecimentos mas, ainda assim, as considerava no suficientes para a formao da
profissional que almejava ser. Como educadora, sempre acreditei na necessidade de erguer
pilares para a construo contnua do aperfeioamento do saber e sempre considerei de
suma importncia minha participao em cursos de atualizaes, congressos, ps-
graduaes, entre outros.
Neste sentido, meu caminhar teria que prosseguir e em meu horizonte vislumbrava
o Mestrado e o Doutorado como parte do meu projeto de vida.
Como mestranda, me aproximei do grupo de pesquisa Desenvolvimento Curricular
em Matemtica e Formao de Professores (DCForM), coordenado pela Prof. Dr. Clia
Maria Carolino Pires, e do projeto de pesquisa O Currculo de Matemtica na Educao
de Jovens e Adultos: dos intervenientes prtica em sala de aula, do Programa de
Estudos Ps-Graduados em Educao Matemtica da Pontifcia Universidade Catlica de
So Paulo (PUC-SP). O contato com o Grupo possibilitou a oportunidade de entender, por
meio de pesquisa, o processo de organizao e desenvolvimento curricular de Matemtica
para a Educao de Jovens e Adultos (EJA)2, considerando os diferentes intervenientes
curriculares destacados por Sacristn (2000), como: documentos oficiais, material didtico,
2 Em busca de ampliar o debate e responder essas questes, compuseram o projeto outras trs pesquisas: (i)
Adriano Vargas Freitas: O estado da arte da Educao de Jovens e Adultos (Doutorado); (ii) Ktia Lima:
Currculo de Matemtica da Educao de Jovens e Adultos: uma anlise baseada em livros didticos
(Mestrado); e (iii) Gilberto Januario: Currculo de Matemtica da Educao de Jovens e Adultos: anlise de
prescries na perspectiva cultural da Matemtica (Mestrado).
21
avaliao, planejamento escolar, e a prtica do professor ao mediar/promover situaes de
aprendizagem.
Inserida nesse projeto, investiguei o currculo de Matemtica moldado e praticado
por uma professora de Matemtica que atuava na Educao de Jovens e Adultos e seus
conhecimentos profissionais, sob a perspectiva do currculo enculturador, proposto por
Alan Bishop. A pesquisa pautou-se pela questo diretriz: De que modo o currculo de
Matemtica praticado pelo professor em uma turma da Educao de Jovens e Adultos?.
Nesta pesquisa procurei investigar quais elementos enculturadores estavam presentes no
currculo praticado e quais opes metodolgicas eram contempladas nas interaes em
sala de aula.
Os dados foram coletados a partir do trabalho de campo e por meio de observaes
das aulas de uma professora de Matemtica que lecionava em uma turma da Educao de
Jovens e Adultos de uma escola pblica do estado de So Paulo, com foco na postura do
professor ao selecionar e desenvolver os contedos propostos. Este estudo baseou-se em
trabalhos acerca do Currculo de Matemtica, da perspectiva cultural da Matemtica e do
currculo enculturador, tendo como referencial terico Alan Bishop (1988, 1999, 2002),
estudos de Clia Maria Carolino Pires ( 2000, 2004, 2008, 2011), no que diz respeito
organizao curricular e Ole Skovsmose (2010), no que se refere a critrios de escolha dos
contextos dentro de um ambiente de aprendizagem matemtica.
O foco da investigao estava relacionado com a postura da professora ao
selecionar e desenvolver os contedos propostos. As opes metodolgicas contempladas
na atividade em alguns momentos faziam referncia Matemtica pura e em outros
momentos as situaes oportunizavam o paradigma da investigao, pois os alunos
assumiriam o processo de explorao. Mediante as observaes das aulas da professora e
com base na categoria de anlise construda a partir dos referenciais tericos utilizados. No
decorrer da atividade proposta pela professora, foram encontradas situaes que
favoreciam a enculturao matemtica e ao estimular a articulao entre os diversos temas
a professora favorecia em suas aulas a articulao em rede.
Desse modo, na dissertao, procurei investigar de que modo o currculo de
Matemtica era praticado por uma professora que trabalhava na Educao de Jovens e
Adultos. Ao acompanhar e observar as aulas da professora participante da pesquisa,
constatei que ao fazer a transposio do currculo apresentado em currculo praticado pelos
22
alunos, a professora fez uso de vrios materiais curriculares, e novos questionamentos
comearam a me perturbar, afinal, por que ela utilizou esses materiais e quais fatores
poderiam ter influenciado em sua escolha? No entanto, nesse momento o foco de minha
investigao era o modo como o currculo era praticado, quais elementos enculturadores
estavam presentes e quais opes metodolgicas eram contempladas nas interaes em sala
de aula.
Aps a concluso do meu trabalho de pesquisa, em maro de 2013, o modo como o
professor utiliza o material curricular e quais fatores podem influenciar suas escolhas
comearam a instigar meus questionamentos e, em busca de aperfeioar meus
conhecimentos, ingressei no doutorado no Programa de Estudos Ps-Graduados em
Educao Matemtica da PUC-SP, prosseguindo no Grupo de Pesquisa Desenvolvimento
Curricular em Matemtica e Formao de Professores (DCForM), coordenado pela Prof.
Dr. Clia Maria Carolino Pires. No grupo participei das primeiras discusses que levaram
proposio de um projeto denominado "Relaes entre professores e materiais que
apresentam o currculo de Matemtica: um campo emergencial", o qual passarei a
descrever.
1.2 Caracterizao do projeto global de pesquisa
Ao justificar a proposio do projeto "Relaes entre professores e materiais que
apresentam o currculo de Matemtica: um campo emergencial", Pires (2012) considera
que
estudar as relaes entre professores e materiais que apresentam o
currculo de Matemtica tem se mostrado um campo de investigao a ser
explorado. Pesquisas sobre currculos prescritos de Matemtica mostram
que, embora eles possam expressar propostas interessantes e inovadoras,
elas parecem ter dificuldades de se incorporarem prtica dos
professores em sala de aula. Os currculos moldados pelos professores e
efetivamente praticados em sala de aula so uma realidade pouco
conhecida. Embora existam pesquisas sobre o assunto, elas ainda so
isoladas e no configuram um campo emergencial (PIRES, 2012, p. 2).
No texto base de apresentao desse projeto, elaborado por Pires (2012),
estabelecido um paralelo entre a situao brasileira e alguns dados apresentados nos
estudos de Gwendolyn M. Lloyd, Janine T. Remillard, And Beth A. Herbel-Eisenmann
(2009). Nesse texto a autora assinala que
23
nos Estados Unidos, h um nmero crescente de pesquisas na rea de
Educao Matemtica que procuram entender o que acontece com
professores e alunos quando do uso de materiais que apresentam os
currculos prescritos. Tomam como pressuposto a concepo de que os
professores so os principais atores no processo de transformao dos
ideais curriculares, capturados nas formas de tarefas Matemticas, planos
de aula e recomendaes pedaggicas, nos eventos reais em sala de aula.
Desse modo, consideram essencial compreender o que os professores
fazem com os materiais curriculares de Matemtica, porque e como
fazem suas escolhas e como os materiais influenciam a atividade de sala
de aula (PIRES, 2012, p. 4).
Embora o campo de pesquisa sobre o uso de recursos curriculares por professores
esteja crescendo, ainda insuficientemente desenvolvido. Nesse sentido, Pires (2012)
sinaliza que
nos Estados Unidos, estudos de professores usando livros didticos de
Matemtica, ou sobre a influncia dos livros didticos no currculo
comeam a surgir por volta dos anos 70. Ao longo dos anos, o interesse
por essas pesquisas tem oscilado, ora aumentando, ora diminuindo.
Tambm ao longo do tempo, pesquisadores tm trazido contribuies
sobre a relao currculo e professor. No entanto, antes da dcada de 90,
este campo nunca reuniu impulsos ou coeso em torno de um conjunto
particular de questes. Na primeira dcada do atual milnio, contudo, o
campo cresceu consideravelmente, sinalizando um aumento no interesse
pelas questes sobre como os professores usam os materiais curriculares
e se estes de fato podem influenciar as prticas em sala de aula e o ensino
de forma mais ampla (PIRES, 2012, p. 4).
Pires (2012) destaca que no Brasil os estados da federao e municpios
desenvolveram suas propostas curriculares para a Educao Bsica, conforme consta no
Relatrio de Anlise de Propostas Curriculares de Ensino Fundamental e Ensino Mdio,
publicado em 2010 pelo Ministrio da Educao (MEC)3 (BRASIL, 2010) e, assinala a
existncia de semelhana entre as propostas na medida em que levam em conta orientaes
nacionais.
3 Documento da Secretaria de Educao Bsica, Diretoria de Concepes e Orientaes Curriculares para
Educao Bsica. Foram analisadas propostas das secretarias municipais das capitais, compondo uma
amostra de 13 propostas de Ensino Fundamental. A anlise incidiu sobre um total de 60 propostas, sendo 34
de Ensino Fundamental (incluindo as 13 citadas e 21 de secretarias estaduais) e 26 propostas de Ensino
Mdio. No apresentaram propostas de Ensino Fundamental os estados: Roraima, Maranho, Paraba, Rio
Grande do Norte, Sergipe e Piau. De Ensino Mdio, apenas o estado de Rondnia no apresentou proposta.
Para o Ensino Fundamental as propostas elaboradas pelas secretarias municipais das capitais e includas no
estudo foram: Fortaleza, Campo Grande, Boa Vista, Macap, Macei, Joo Pessoa, Recife, Goinia, Cuiab,
Vitria, So Paulo, Curitiba e Florianpolis.
24
A autora assinala que no Brasil os materiais curriculares mais difundidos e
utilizados so os livros didticos e que certamente h pesquisas sobre eles na rea de
Educao Matemtica, mas sem ter o foco em como os professores os utilizam e se estes
de fato influenciam as prticas nas aulas de Matemtica. A autora destaca que seria
importante investigar o estado de conhecimentos produzidos em nosso pas sobre o tema e
afirma que
sem dvida, os materiais curriculares mais difundidos e utilizados so os
livros didticos. Certamente h pesquisas sobre eles na rea de Educao
Matemtica, mas provavelmente sem o foco em como os professores os
utilizam e se, e como, estes de fato influenciam as prticas nas aulas de
Matemtica. Por outro lado, Secretarias de Educao, h algum tempo
vm oferecendo materiais curriculares a seus professores. No caso do
Estado de So Paulo, podemos citar alguns exemplos importantes:
Geometria Experimental Secretaria Estadual da Educao de So Paulo
destinado a alunos de 3, 4 e 5 sries do Ensino de Primeiro Grau
1980. Atividades Matemticas Secretaria Estadual da Educao de So
Paulo destinado a alunos de 1 a 4 sries do Ensino de Primeiro Grau
1990. Experincias Matemticas Secretaria Estadual da Educao de
So Paulo destinado a alunos de 5 a 8 sries do Ensino de Primeiro
Grau 1994. Cadernos de Apoio e Aprendizagem Secretaria Municipal
da Educao de So Paulo destinado a alunos de 1 ao 9 ano do Ensino
Fundamental 2010. Livretos de Alunos e Dirios do Professor
Secretaria Estadual da Educao de So Paulo destinado a alunos de 1
ao 5 ano do Ensino Fundamental 2012. (PIRES, 2012, p. 2)
Nesse contexto, Pires (2012) considera a importncia de estudos sobre esses
materiais, especialmente com o foco na relao que o professor estabelece com eles, e
desse modo justifica a criao do projeto de pesquisa, que tem como objetivos gerais:
i. configurar as necessidades de investigar as relaes dos professores com materiais
de Matemtica, como campo emergencial de pesquisa no Brasil;
ii. realizar estudos sobre materiais que apresentam o currculo de Matemtica, como
foco na relao que o professor estabelece com eles;
iii. identificar caractersticas dos materiais que favorecem e que dificultam uma melhor
interao com os professores.
Na elaborao dos anteprojetos individuais dos componentes desse projeto foi
organizada uma listagem de temticas a serem investigadas por doutorandos e mestrandos,
que foram melhor definidas medida em que o grupo se apropriava do tema.
25
Inserida nesse projeto global de pesquisa, minha investigao tem como objetivo
realizar estudos sobre a relao de professores com os materiais curriculares e tem como
foco de investigao o uso dos materiais curriculares por professores de Matemtica.
Com a sada da professora Clia Pires da PUC-SP, em fevereiro de 2015 passei a
fazer parte do Grupo de Pesquisa Processos de Ensino e Aprendizagem em Matemtica
(PEAMAT) que tem como coordenador o Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud. Desse modo,
minhas investigaes passaram a ser desenvolvidas sob a orientao desse professor,
dentro do Programa de Estudos Ps-Graduados em Educao Matemtica da PUC-SP.
Considero ser relevante destacar ter optado at esse momento por uma apresentao
com nfase na primeira pessoa do singular devido necessidade de comunicar uma
experincia muito particular, a qual deu origem ao trabalho. A partir desse momento
adotarei, na maior parte da tese, a primeira pessoa do plural, por melhor expressar a
cooperao mtua entre orientanda e orientador, produzindo um efeito de vnculo entre
nossas ideias, que acaba por convergir para uma escrita coletiva.
1.3 Estudos sobre a temtica
No perodo de desenvolvimento desta pesquisa, realizamos um levantamento de
trabalhos cientficos desenvolvidos no Brasil com o propsito de localizar a literatura
existente sobre o tema, e em nossas buscas identificamos trs programas de ps-graduao
que investigam os materiais curriculares de Matemtica e a relao que os professores
estabelecem com eles:
Programa de Ps-Graduao em Ensino, Filosofia e Histria das Cincias da
Universidade Federal da Bahia em parceria com a Universidade Estadual de
Feira de Santana (UFBA-UEFS);
Programa de Ps-Graduao em Educao Matemtica da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul (UFMS);
Programa de Estudos Ps-Graduados em Educao Matemtica da Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP).
Por meio do Programa da UFBA-UEFS, no perodo compreendido entre 2009 e
2011, os professores-pesquisadores Andria Maria Pereira de Oliveira e Jonei Cerqueira
Barbosa, desenvolveram o projeto O papel dos materiais curriculares educativos nas
prticas pedaggicas dos professores: o caso da modelagem matemtica. Nesse projeto o
26
foco de investigao era compreender como professores, que no tm contato prvio com
modelagem matemtica, abordam materiais curriculares educativos em suas aulas.
Entre 2011 e 2015 esses pesquisadores propuseram o projeto intitulado A
aprendizagem dos professores de Matemtica com materiais curriculares educativos.
Nesse estudo, o foco da investigao passou a ser as mudanas nas prticas pedaggicas
dos professores que ensinam Matemtica em decorrncia da utilizao de materiais
curriculares educativos que apresentem atividades com conexes entre matemtica, outras
disciplinas, o dia a dia e o conhecimento profissional sobre o uso dessas atividades.
Em busca de ampliar as pesquisas, em 2013, propuseram o projeto Materiais
curriculares educativos sobre matemtica em ambientes virtuais e as anlises dos
professores. Esse projeto tem como foco de investigao entender quais anlises os
professores de Matemtica fazem de materiais curriculares disponibilizados em ambientes
virtuais e apresenta como fundamentao a teoria dos cdigos de Basil Bernstein.
Em decorrncia da proposio desses trs projetos do Programa de Ps-Graduao
em Ensino, Filosofia e Histria das Cincias da UFBA-UEFS, foram concludos quatro
estudos de mestrado e dois estudos de doutorado, os quais apresentamos no Quadro 1, da
pgina seguinte.
Com o intuito de direcionar nossos estudos e conhecermos as investigaes que
versam sobre materiais curriculares, realizamos uma sntese das pesquisas desenvolvidas
no Programa de Ps-Graduao em Ensino, Filosofia e Histria das Cincias da UFBA-
UEFS.
No estudo A Recontextualizao Pedaggica de Materiais Curriculares Educativos
sobre Modelagem Matemtica nas Prticas Pedaggicas, Silva (2013) utilizou conceitos
da teoria dos cdigos de Basil Bernstein. Os resultados apontaram cinco princpios:
discusso sobre o tema; contedo da grade curricular; estrutura do material curricular;
relao entre sujeitos na prtica pedaggica e investigao de situao-problema, e cinco
estratgias adotadas pelos professores no tocante a enquadrar o programa no ambiente de
modelagem, cumprir o programa da grade curricular; estudantes prosseguirem resoluo
da tarefa e realizarem o que foi solicitado na tarefa.
Ao pesquisar A transformao de textos de materiais curriculares educativos por
professores de matemtica nas prticas pedaggicas: uma abordagem sociolgica com a
lente terica de Basil Bernstein, Aguiar (2014) investigou como professores
recontextualizam os textos dos materiais curriculares educativos nas prticas pedaggicas e
27
quais princpios regulam essa operacionalizao da recontextualizao. Os resultados
apontaram que os professores operam a recontextualizao dos textos contidos nos
materiais curriculares educativos para atender a princpios presentes na prtica pedaggica
e estes contribuem para as diferentes recontextualizaes dos textos dos materiais
curriculares educativos.
Quadro 1: Pesquisas desenvolvidas no mbito do Programa de Ps-Graduao em Ensino, Filosofia e
Histria das Cincias da UFBA-UEFS
Pesquisador Ttulo do Trabalho Fase
Lilian Arago da
Silva
Uma anlise do texto pedaggico do planejamento
do ambiente de modelagem matemtica com a lente
terica de Basil Berstein (Mestrado)
Concludo em
2013
Maiana Santana da
Silva
A recontextualizao de materiais curriculares
educativos sobre modelagem matemtica por
professores nas prticas pedaggicas (Mestrado)
Concludo em
2013
Airam da Silva Prado
As imagens da prtica pedaggica nos textos dos
materiais curriculares educativos sobre modelagem
matemtica (Mestrado)
Concludo em
2014
Wagner Ribeiro
Aguiar
A transformao de textos de materiais curriculares
educativos por professores de matemtica nas
prticas pedaggicas: uma abordagem sociolgica
com a lente terica de Basil Bernstein (Mestrado)
Concludo em
2014
Jamille Vilas Bas de
Souza
Professores de matemtica e materiais curriculares
educativos: participao e oportunidades de
aprendizagens (Doutorado)
Concludo em
2015
Thaine Souza Santana
A recontextualizao pedaggica de materiais
curriculares educativos por futuros professores de
matemtica non estgio de regncia (Doutorado)
Concludo em
2015
Wedeson Oliveira
Costa
A participao de professores de Matemtica e
anlise de materiais curriculares elaborados em um
trabalho colaborativo (Mestrado)
Concludo em
2015
Jakeline Amparo
Villota Enrquez
Estratgias utilizadas por professores que ensinam
Matemtica na implementao de tarefas (Mestrado)
Concludo em
2016
Airam da Silva Prado
As imagens da prtica pedaggica em materiais
curriculares educativos sobre matemtica e suas
transformaes em contextos escolares (Doutorado)
Iniciado em
2014
Paulo Diniz Materiais curriculares educativos e a aprendizagem
de professores em Moambique (Doutorado)
Iniciado em
2013
Fonte: Dados disponibilizados pelos coordenadores dos projetos de pesquisa.
28
A pesquisa As imagens da prtica pedaggica nos textos dos materiais curriculares
educativos sobre modelagem matemtica, Prado (2014) utilizou o quadro terico de Basil
Bernstein na construo do conceito de imagem da prtica pedaggica considerando a
dimenso interacional (relaes entre sujeitos) e a dimenso estrutural (relaes entre
discursos e espaos). Os estudos desse autor evidenciaram que a imagem da dimenso
interacional est centrada tanto no professor como compartilhado com os estudantes. Na
dimenso estrutural, a imagem da prtica pedaggica apresentada nos materiais pode ser
descrita como flexibilizadora, disciplinadora e de acumulao.
Santana (2015), na sua tese intitulada A recontextualizao pedaggica de
materiais curriculares educativos operada por futuros professores de matemtica no estgio
de regncia, investiga como futuros professores de Matemtica operam a
recontextualizao de textos dos Materiais Curriculares Educativos nas prticas
pedaggicas no estgio de regncia. Por meio desse estudo o autor sugere que as diferenas
nas modalidades de prtica pedaggica comunicadas por meio da teoria, podem inferir que
h diferentes princpios de comunicao que regulam a recontextualizao pedaggica dos
materiais operada por futuros professores.
Na tese Professores de matemtica e materiais curriculares educativos:
participao e oportunidades de aprendizagens, Souza (2015) apresenta trs investigaes
distintas: a aprendizagem docente, a participao do professor de Matemtica ao utilizar
materiais curriculares educativos, bem como as oportunidades de aprendizagens do
docente neste uso. A anlise do estudo permitiu caracterizar trs oportunidades de
aprendizagens: oportunidades de aprendizagens relacionadas abordagem comunicativa na
sala de aula, oportunidades de aprendizagens relacionadas aos cenrios para investigao e
oportunidades de aprendizagens relacionadas ao desenvolvimento profissional.
Na dissertao A participao de professores de matemtica e anlise de materiais
curriculares elaborados em um trabalho colaborativo, Costa (2015) analisou a
participao de professores de matemtica na elaborao de tarefas matemticas que
constituem um material curricular educativo em um trabalho colaborativo e as tarefas
matemticas produzidas por esses professores, utilizando os constructos tericos
apresentados por Jean Lave e Etienne Wenger. Os resultados apontaram que a participao
dos professores pode ocorrer de trs modos distintos: contemplando objetivos comuns do
grupo, compartilhando sobre modos de elaborar questes matemticas investigativas ou
29
exploratrias e produzindo tarefas na perspectiva das prticas que participam outros
professores de matemtica.
No perodo de 2012 a 2014, o professor-pesquisador Marcio Antonio da Silva, do
Programa da UFMS, desenvolveu o projeto Investigaes sobre o desenvolvimento
profissional de professores que ensinam Matemtica por intermdio de suas relaes com
os livros didticos.
No projeto, o foco foi investigar como as relaes/interaes estabelecidas entre os
docentes e os livros didticos influenciam o desenvolvimento profissional dos professores
que ensinam Matemtica, utilizando os estudos de Brown (2002, 2009) e Remillard,
Herbel-Eisenmann, Lloyd, (2009).
O Programa da Educao Matemtica da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul (UFMS) rene trs estudos de mestrado concludos, conforme pode ser observado no
Quadro 2.
Quadro 2:Pesquisas desenvolvidas no mbito do Programa de Ps-Graduao em Educao Matemtica da UFMS
Pesquisador Ttulo do Trabalho Fase
Cristiano da Silva dos
Anjos
Crenas de um professor de Matemtica que
emergem em suas interaes com um livro didtico
do ensino mdio (Mestrado)
Concludo em
2014
Jackeline Riquielme
de Oliveira
Relaes estabelecidas entre professores de
Matemtica do Ensino Mdio e Livros Didticos, em
diferentes fases da carreira (Mestrado)
Concludo em
2014
Shirlei Paschoalin
Furoni
Conhecimentos mobilizados por professores de
Matemtica do Ensino Mdio em suas relaes com
Livros Didticos (Mestrado)
Concludo em
2014
Fonte: Dados disponibilizados pelo coordenador do projeto de pesquisa.
Em relao a esse projeto, na dissertao Crenas de um professor de matemtica
que emergem em suas interaes com um livro didtico do ensino mdio o conceito de
crenas foi fundamentado com base nos estudos de Alba Thompson e para a interpretao
da relao entre os recursos pessoais do professor e os recursos curriculares do livro
didtico foram utilizados os estudos de Brown. Nas anlises do estudo o autor assinala que
a falta de reflexo crtica do docente sobre o seu sistema de crenas resultou em
incoerncias entre o seu pensamento e suas prticas, a necessidade de repensar as crenas
tradicionalistas no contexto da formao de professores de Matemtica e a urgncia de
30
reflexo a respeito de quais estruturas de recursos curriculares so projetadas nos livros
didticos e de que maneira poderiam ampliar as capacidades docentes.
Ao pesquisar as Relaes estabelecidas entre professores de matemtica do ensino
mdio e livros didticos, em diferentes fases da carreira, a pesquisadora investigou como
os professores se relacionam com o livro em sua prtica buscando compreender como a
experincia influencia os professores na utilizao do livro, utilizando os estudos de Brown
(2009), que aborda sobre as relaes que os professores estabelecem com os materiais
curriculares; Huberman (1995); Marcelo Garca (1999); Gonalves (2009) e Tardif (2000),
que tratam das fases da carreira de um professor. A pesquisadora evidencia que as
apropriaes que os docentes fazem dos livros didticos so influenciadas por
caractersticas profissionais variadas, como conhecimentos, experincias e objetivos de
ensino e pela identidade que os professores assumiram no perodo de observao, assim,
cada professor se desenvolve profissionalmente a seu modo e, portanto, a carreira no
igual para os professores.
No estudo Conhecimentos mobilizados por professores de matemtica do ensino
mdio em suas relaes com livros didticos a pesquisadora adotou os estudos de Brown
para discutir a relao entre os professores de Matemtica e os livros didticos, e estudos
de Shulman que trata das vertentes da base de conhecimento para o ensino. Na anlise do
estudo o autor pode evidenciar que os professores interagiram de vrias maneiras com os
livros didticos durante suas prticas pedaggicas, utilizando os recursos dos livros e os
seus prprios recursos.
O Programa de Educao Matemtica da Pontifcia Universidade Catlica de So
Paulo (PUC-SP), por meio da professora-pesquisadora Clia Maria Carolino Pires, passou
a desenvolver em 2012 o projeto Relaes entre professores e materiais que apresentam o
currculo de Matemtica: um campo emergencial, envolvendo seis pesquisadores,
conforme dados relacionados no Quadro 3.
Dentre as pesquisas desse projeto, destacam-se dois estudos de mestrado que
contriburam para a elaborao e desenvolvimento das pesquisas de doutora, os quais
passaremos a apresentar uma sntese.
No estudo Relaes entre professores e materiais curriculares no ensino de
nmeros naturais e sistema de numerao decimal, Lima (2014) analisou como os
professores que atuam nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental da Rede Estadual Paulista
31
interpretam e colocam em prtica os diferentes tipos de orientaes didticas apresentados
nos materiais curriculares de apoio ao professor e de que modo esses professores utilizam
os materiais para ampliar os conhecimentos numricos de seus alunos. Nesse estudo, a
referida autora identificou a ocorrncia de diferentes tipos de uso do material pelas
professoras, elencados por Brown (2009), e em relao aprendizagem dos nmeros
naturais e do sistema de numerao decimal, a pesquisadora assinala que os objetivos
foram alcanados de acordo com os conhecimentos de cada uma para articular e explorar
os recursos do material, e assinala que alm de reconhecer a existncia da relao, o
material deve ser objeto e recurso de formao dos profissionais, aprofundando tanto os
contedos matemticos como os conhecimentos didticos a eles referentes.
Quadro 3: Pesquisas desenvolvidas no mbito Programa de Estudos Ps-Graduados em Educao Matemtica da PUC-SP4
Pesquisador Ttulo do Trabalho Fase
Silvana Ferreira Lima
Relaes entre professores e materiais curriculares
no ensino de nmeros naturais e sistema de
numerao decimal (Mestrado)
Concludo em
2014
Dbora Reis Pacheco
O uso de materiais curriculares de Matemtica por
professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental
para o tema Espao e Forma (Mestrado)
Concludo em
2015
Wagner Barbosa de
Lima Palanch
Currculos de Matemtica: uma contribuio para o
mapeamento de produes e identificao de novas
demandas de pesquisa (Doutorado)
Concludo em
2016
Gilberto Januario
Marco conceitual para estudar a relao entre
materiais curriculares e professores de Matemtica
(Doutorado)
Concludo em
2017
Katia Lima
Relao professor-materiais curriculares em
Educao Matemtica: uma anlise a partir de
elementos dos recursos do currculo e dos recursos
dos professores (Doutorado)
Concludo em
2017
Simone Bueno Uso de materiais curriculares por professores de
Matemtica (Doutorado)
Concludo em
2017
Fonte: Dados disponibilizados pela coordenadora do projeto de pesquisa
O estudo de Pacheco (2015), intitulado O uso de materiais curriculares de
Matemtica por professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental para o tema Espao e
4 A partir de janeiro de 2015, as pesquisas de Gilberto Januario e Katia Lima passaram a ser orientadas pela
Prof. Dr. Ana Lcia Manrique; e as pesquisas de Wagner Barbosa de Lima Palanch e Simone Bueno
passaram a ser orientadas pelo Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud.
32
Forma, teve por objetivo investigar como duas professoras dos anos iniciais se relacionam
com materiais curriculares especficos do bloco Espao e Forma. Para compreender a
relao das professoras com os materiais curriculares, a investigao baseou-se nos estudos
de Brown (2009), que destaca os recursos curriculares e seus diferentes tipos de uso; os
estudos de Van Hiele (Crowley, 1994); Parzysz (1988;2006) alm de Piaget e Inhelder
(1993), no tocante ao tema espao e forma. A pesquisadora evidencia que os professores
utilizam os materiais curriculares de diferentes modos e estes modos de uso podem refletir
as concepes e conhecimentos dos professores em relao ao material e a temtica
explorada. A autora destaca que a qualidade da prtica docente depende das contribuies
do material e dos recursos do professor e assinala a necessidade do atualizar-se
constantemente em relao aos contedos e as prticas didticas, apropriando-se dos
materiais utilizados em sala como ferramentas que auxiliam sua prtica.
Ao todo, esses trs programas de ps-graduao desenvolveram cinco projetos de
pesquisa sobre materiais curriculares de Matemtica e envolveram 19 investigaes, entre
dissertaes e teses.
Consideramos que esse nmero representa um movimento ainda tmido, no interior
dos programas de ps-graduao e de pesquisadores engajados nas investigaes.
Consideramos, assim, a necessidade de mais pesquisas sobre essa temtica.
Desse modo, nossa investigao tem o propsito de juntar-se a outras pesquisas que
estudam o currculo de Matemtica e acrescentar outro vis focando o uso de materiais
curriculares por professores de Matemtica. Entendemos que proceder a anlise do
currculo ganha significado nas salas de aula das escolas, requer que se faam estudos
sobre as relaes que os professores estabelecem com os materiais curriculares. Somente
por meio de pesquisas poderemos entender que uso esse profissional faz dos materiais
curriculares e que impactos estes materiais tm na prtica do professor, ao trabalhar
situaes de aprendizagem matemtica.
1.4 Formulao do objetivo e questes norteadoras
Aps a apresentao da literatura relevante sobre materiais curriculares e
considerando que o tema amplo e complexo, para delimitar nosso estudo, nos
concentraremos no uso dos materiais curriculares por professores de Matemtica.
Mesmo sendo fundamental ao docente, o entendimento conceitual de currculo,
muitas vezes, este vem associado a programas e a disciplinas. Esse fato provoca a reflexo
33
sobre a prtica pedaggica do profissional frente seleo e utilizao do material
curricular ao trabalhar os contedos abordados no currculo. Na percepo de Sacristn
(1999), a prtica pedaggica entendida como uma ao do professor no espao de sala de
aula, fato esse que pode interferir significativamente na construo do conhecimento do
aluno.
Desse modo, ao considerarmos a prtica pedaggica como uma ao do professor
na dinmica do processo curricular, os professores conferem vida e significado ao
currculo, pois a partir do professor, o currculo moldado e posto em prtica podendo ou
no se efetivar enquanto currculo e comprovar sua eficincia.
Mas, o currculo no pode ser encarado como uma simples lista de contedos a ser
cumprida, na verdade ele representa a sntese de conhecimentos e valores que caracterizam
um processo social expresso pelo trabalho pedaggico concebido nas escolas.
O currculo escrito contm os conhecimentos e as competncias que sero
desenvolvidas pelos alunos. No entender de Goodson (2008, p. 21), [...] o currculo
escrito nos proporciona um testemunho, uma fonte documental, um mapa do terreno
sujeito a modificaes; constitui tambm um dos melhores roteiros oficiais para a estrutura
institucionalizada da escolarizao.
Nesse contexto, o modo como o professor utiliza e explora o material curricular,
pode ter um papel decisivo na aprendizagem dos alunos.
Estudos sobre a relao que os professores estabelecem com os materiais
curriculares tm sido destacados por Brown (2009). Esse autor considera que os
professores interagem com os materiais curriculares de diferentes modos e quanto
melhores e mais detalhados os materiais curriculares disponveis para o professor, maiores
sero as possibilidades para preparar a aula.
Nesse cenrio de investigao, o modo como os professores utilizam esses
materiais e selecionam as atividades para promover a aprendizagem tem instigado nosso
questionamento.
Desse modo, a presente pesquisa tem como objetivo realizar estudos sobre a relao
de professores com os materiais curriculares.
Ao delimitar o problema de pesquisa nos propomos a investigar as seguintes
questes:
34
Quais materiais os professores utilizam para traduzir as orientaes curriculares?
Quais fatores influenciam a utilizao dos materiais curriculares de Matemtica por
professores?
Quais as interaes dos professores com os materiais curriculares ao adaptar, criar
ou improvisar o material de acordo com os objetivos que se pretende alcanar?
Qual percepo do professor no uso do livro didtico?
A partir dos dados coletados e da anlise realizada, esperamos que os resultados
obtidos possam ser traduzidos em propostas que orientem e fomentem a reflexo do
professor frente ao currculo de Matemtica e, possam contribuir para um processo
reflexivo na formao inicial, continuada ou em curso de professores que ensinam/mediam
processos de aprendizagem matemtica.
Em busca de respostas para nossas questes de pesquisa e como ferramenta para
discorrer sobre o currculo de Matemtica, utilizamos como aporte terico para nossas
reflexes alguns construtos tericos oriundos da publicao Mathematics Teachers at Work
- Connecting Curriculum Materials and Classroom Instruction, coordenada por Janine T.
Remillard, professora associada de Educao da Faculdade de Educao da Universidade
da Pensilvnia, Beth A. Herbel-Eisenmann, professora assistente de Formao de
Professores da Michigan State University e Gwendolyn Monica Lloyd, professora do
Departamento de Matemtica da Virginia Tech.
Esta anlise representa a primeira coletnea de pesquisas sobre o uso que
professores fazem de materiais curriculares de Matemtica e o impacto no ensino, e,
embora o campo de pesquisa sobre o uso de materiais curriculares pelos professores esteja
crescendo, ainda carece de uma base terica e conceitual5.
1.5 Caracterizao da pesquisa
Nosso trabalho tem por objetivo realizar estudos sobre a relao de professores com
os materiais curriculares. Desse modo, foi necessrio buscar um contato direto com os
professores na tentativa de desvendar suas percepes, dificuldades, quais adaptaes so
5 Desta obra, selecionamos trs artigos que apresentam contribuies para o tema que elegemos investigar e que iremos utilizar como referencial na elaborao de nossa tabela de categorizao: The TeacherTool
Relationship, Theorizing the Design and Use of Curriculum Materials (Matthew W. Brown), Factors
Influencing Student Teachers Use of Mathematics Curriculum Materials (Stephanie L. Behm e Gwendolyn
Monica Lloyd; e o artigo de Constantinos Christou, Maria Eliophotou - Menon and George Philippou
intitulado Beginning Teachers Concerns Regarding the Adoption of New Mathematics Curriculum
Materials
35
feitas por eles no material que lhe apresentado e de que modo o currculo de fato
praticado em sala de aula ao utilizar os materiais curriculares.
Este estudo ser guiado pelos princpios que norteiam o trabalho acadmico na
abordagem qualitativa. Bogdan e Biklen (1994) descrevem esse tipo de pesquisa enquanto
uma [...] metodologia de investigao que enfatiza a descrio, a induo, a teoria
fundamentada e o estudo das percepes pessoais (p. 11). No entender de Creswell (2010)
a pesquisa qualitativa envolve as questes e os procedimentos que emergem, os dados
tipicamente coletados no ambiente do participante, a anlise, dos dados indutivamente
construda a partir das particularidades para os temas gerais e as interpretaes feitas pelo
pesquisador acerca do significado dos dados (p. 26).
Quaisquer que sejam as distines que se possam fazer em relao caracterizao
das vrias formas dos trabalhos cientficos, Severino (2007) assinala que todos eles tm em
comum a necessria procedncia de um trabalho de pesquisa e de reflexo que seja
pessoal, autnomo, criativo e rigoroso (p. 214). No tocante a esses princpios nosso
estudo ser guiado pelo carter:
pessoal: a escolha do tema de pesquisa assim como sua realizao um ato poltico,
que se constitui como uma problemtica vivenciada. O carter pessoal do trabalho
est impregnado de elementos de uma dimenso social, o que confere seu sentido
poltico;
autnomo: entende-se a autonomia como a capacidade de um inter-relacionamento
com outros pesquisadores, com os resultados de outras pesquisas. Esse inter-
relacionamento dialtico, pois ele nega, ao mesmo tempo que afirma a relevncia
de outras contribuies;
criativo: este um elemento essencial na construo do conhecimento cientfico,
nesse momento no basta apenas aprender ou apropriar-se da cincia acumulada,
mas ser colaborador no desenvolvimento da cincia, e fazer avanar esse
conhecimento buscando seu desvelamento e sua explicao a partir de uma
perspectiva criativa e inovadora;
rigor: este princpio diz respeito ao compromisso assumido, no havendo lugar para
senso comum, mediocridade, espontanesmo ou diletantismo. Ao pesquisador cabe
empenho e compromisso, sem os quais no h cincia nem resultado vlido. Um
trabalho relevante exige muita leitura, perseverana, sendo imprescindvel
fundamentao terica.
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Desse modo, a coleta dos dados foi feita por meio de trabalho de campo, tendo
como sujeitos de pesquisa quatro professores, que ministram aulas de Matemtica no
Ensino Fundamental II e Ensino Mdio do Ensino Regular, em uma escola da Rede
Estadual de Ensino de So Paulo, localizada na regio do ABC.
Entendemos que a pesquisa qualitativa proporciona maior autonomia e
flexibilidade para avaliar a situao estudada, por meio dela podemos observar as
interaes em sala de aula e obter dados descritivos sobre os atores envolvidos, no caso
as interaes dos professores participantes do estudo com os materiais curriculares.
1.6 Estruturao dos captulos da tese
O primeiro capitulo refere-se introduo do nosso trabalho, em que apresentamos
os primeiros passos e a insero no grupo de pesquisa, justificando a escolha pelo tema e a
formulao dos objetivos.
No segundo captulo discorremos sobre algumas ideias acerca de currculo e de que
modo o currculo se faz presente. Utilizamos como referencial Schulman (1986), Grundy
(1987), M. Apple (1991), Stenhouse (1991), Bishop (1999), Pacheco (2001), Pires (2008),
e em especial o trabalho do pesquisador espanhol Jos Gimeno Sacristn (2000).
No terceiro captulo, com a finalidade de situar as novas discusses, apresentamos
as contribuies tericas de Brown (2009) referente s interaes dos professores com os
materiais curriculares e os diferentes tipos de uso.
Na busca por fundamentos tericos para sustentar nosso estudo, a partir da leitura
do livro Mathematics Teachers at Work: Connecting Curriculum Materials and Classroom
Instruction, no quarto captulo, selecionamos dois artigos que constam no livro e que
apresentam contribuies para o tema que elegemos para investigar. O artigo de Stephanie
L. Behm e Gwendolyn Monica Lloyd, intitulado Factors Influencing Student Teachers
Use of Mathematics Curriculum Materials; e o artigo de Constantinos Christou, Maria
Eliophotou-Menon e George Philippou intitulado Beginning Teachers Concerns
Regarding the Adoption of New Mathematics Curriculum Materials, traduzidos e
discutidos por nosso grupo de pesquisa.
No primeiro artigo, os autores descrevem o modo como trs professores-estudante
utilizam o material curricular de Matemtica, e no segundo artigo, os autores procuram
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evidenciar as preocupaes dos professores, relativas adoo de novos materiais
curriculares de Matemtica.
No quinto captulo, apresentamos o cenrio e o contexto da pesquisa, delineando o
modo como os dados foram coletados e apresentamos o roteiro de observao e as
categorias de anlise pautadas em nosso referencial terico.
No sexto captulo descrevemos o perfil dos atores envolvidos e a relao dos
professores com os materiais curriculares. Para compreender o uso que os professores
fazem do material curricular, respondendo nossas questes de pesquisa, detalhamos os
recursos e os materiais utilizados pelos professores participantes da pesquisa.
No stimo e ltimo captulo tecemos algumas reflexes sobre as observaes
realizadas nas aulas e as consideraes finais sintetizam nossas concluses e indicam os
prximos passos a percorrer.
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CAPTULO 2
Algumas ideias acerca de Currculo
O currculo se tece em cada escola com a carga de seus participantes, que trazem para cada ao pedaggica de sua cultura e de sua memria de outras escolas e de outros cotidianos nos quais vive. nessa grande rede cotidiana, formada de mltiplas redes de subjetividade, que cada um de ns traamos nossas histrias de aluno/aluna e de professor/professora. O grande tapete que o currculo de cada escola, tambm sabemos todos, nos enreda com os outros formando tramas diferentes e mais belas ou menos belas, de acordo com as relaes culturais que mantemos e do tipo de memria que ns temos de escola (LOPES, 2006).
Neste captulo discorremos sobre o conceito currculo. Para a escrita referenciamo-
nos, em especial, no trabalho do pesquisador espanhol Gimeno Sacristn (2000), que
compreende o currculo em diferentes nveis ou fases: currculo prescrito, currculo
apresentado aos professores, currculo moldado pelos professores, currculo em ao e
currculo avaliado.
importante o entendimento desses nveis, pois em nosso estudo analisamos a
relao do professor com os materiais curriculares. Na relao estabelecida pelo professor
com esses materiais, o docente tem uma importante margem de autonomia na modelao
do currculo que lhe apresentado e que ser posto em prtica.
2.1 O emergir do termo currculo
Estudos no campo do currculo revelam que diferentes pesquisadores tm se
debruado sobre esse tema, evidenciando algumas definies do termo ao longo do tempo,
o que possibilita ampliar e diversificar cada vez mais estudos nesse campo.
Sacristn (2000) sinaliza que as definies sobre currculo so numerosas e
refletem diversas acepes. No entender desse autor,
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o currculo uma prxis antes que um objeto esttico emanado de um modelo
coerente de pensar a educao ou as aprendizagens necessrias das crianas e dos
jovens, que tampouco se esgota na parte explcita do projeto de socializao
cultural nas escolas. uma prtica, expresso, da funo socializadora e cultural
que determinada instituio tem, que reagrupa em torno dele uma srie de
subsistemas ou prticas diversas, entre as quais se encontra a prtica pedaggica
desenvolvida em instituies escolares que comumente chamamos de ensino.
uma prtica que se expressa em comportamentos prticos diversos. O currculo,
como projeto baseado num plano construdo e ordenado, relaciona a conexo
entre determinados princpios e uma realizao dos mesmos, algo que se h de
comprovar e que nessa expresso prtica concretiza seu valor. uma prtica na
qual se estabelece um dilogo, por assim dizer, entre agentes sociais, elementos
tcnicos, alunos que reagem frente a ele e professores. (SACRISTN, 2000, p.
15-16)
Portanto, podemos aferir que o currculo uma prtica e envolve relaes sociais e
culturais abrangentes que so determinantes para o processo de aprendizagem, podendo
interferir no desempenho do educando em sala de aula. Sabaini (2007, p. 3) considera que
o currculo processo constitudo por um encontro cultural, saberes, conhecimentos
escolares na prtica de sala de aula e locais de interao professor e aluno.
Lopes e Macedo (2013) consideram que por estar suscetvel a diferentes enfoques
paradigmticos e usados em momentos distintos do desenvolvimento curricular, o
significado de currculo foi se redimensionando e adquirindo diversos significados ao
longo da histria. Estes autores afirmam que
embora simples, a pergunta o que currculo no tem encontrado resposta fcil.
Desde o incio do sculo passado ou mesmo desde um sculo antes, os estudos
curriculares tm definido currculo de formas muito diversas e vrias dessas
definies permeiam o que tem sido denominado currculo no cotidiano das
escolas. Indo dos guias curriculares propostos pelas redes de ensino ao que
acontece em sala de aula, currculo tem significado, entre outros, a grade
curricular com disciplinas/atividades e cargas horrias, o conjunto de
ementas e os programas das disciplinas/ atividades, os planos de ensino dos
professores, as experincias propostas e vividas pelos alunos. H, certamente,
um aspecto comum a tudo isso que tem sido chamado currculo: a ideia de
organizao, previa ou no, de experincias/situaes de aprendizagem realizada
por docentes/redes de ensino de forma a levar a cabo um processo educativo
(LOPES E MACEDO, 2013 p. 14, grifos nossos).
justamente na construo, implantao, elaborao dos modelos das propostas
curriculares e expresso de determinadas prticas pedaggicas que se define que tipo de
sociedade se quer construir, o que a escola faz, para quem faz ou deixa de fazer. Desse
modo, prtica pedaggica e currculo, ao constiturem-se como prxis, perfazem o estatuto
do processo.
No tocante prtica pedaggica, Fernandes (2006) a considera como uma
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prtica intencional de ensino e aprendizagem no reduzida questo
didtica ou s metodologias de estudar e de aprender, mas articulada
educao como prtica social e ao conhecimento como produo histrica
e social, datada e situada, numa relao dialtica entre prtica-teoria,
contedo-forma e perspectivas interdisciplinares (FERNANDES, 2006, p.
447).
Desse modo, o conhecimento um processo que se constitui num espao-tempo
onde transitam diferentes histrias, culturas e conflitos. Para Shulman (1986), a base de
conhecimento no ensino envolve conhecimentos, compreenses e habilidades que o
docente dispe no ensino de uma determinada matria e envolve: i) o conhecimento
especfico do contedo; ii) o conhecimento pedaggico do contedo; iii) o conhecimento
curricular do contedo. Em relao ao conhecimento especfico do contedo, esse autor
considera como
[...] aquele conhecimento que vai alm do conhecimento da matria em si e
chega na dimenso do conhecimento da matria para o ensino. Eu [Shulman]
ainda falo de contedo aqui, mas de uma forma particular de conhecimento de
contedo que engloba os aspectos do contedo mais prximos de seu processo
de ensino. [...] dentro da categoria de conhecimento pedaggico do contedo eu
incluo, para os tpicos mais regularmente ensinados numa determinada rea do
conhecimento, as formas mais teis de representao dessas ideias, as analogias
mais poderosas, ilustraes, exemplos e demonstraes numa palavra, os
modos de representar e formular o tpico que o faz compreensvel aos demais.
Uma vez que no h simples formas poderosas de representao, o professor
precisa ter em mos um verdadeiro arsenal de formas alternativas de
representao, algumas das quais derivam da pesquisa enquanto outras tm
sua origem no saber da prtica (SHULMAN, 1986, p. 9, grifos nossos).
No entanto, o autor considera ser importante articular esse conhecimento ao
conhecimento pedaggico do objeto de estudo. Em relao a este conhecimento, ele
pondera que
dentro da categoria do conhecimento pedaggico do objeto estudado, eu incluo,
na maioria dos tpicos ensinados, regularmente na rea de um professor, as
formas mais teis de representaes dessas ideias, as analogias, ilustraes,
exemplos, explicaes e demonstraes mais poderosas resumindo, as
maneiras de representar e formular a matria para torn-la compreensvel para
outros [...] tambm inclui uma compreenso do que torna a aprendizagem de um
tpico especfico fcil ou difcil: as concepes e preconcepes que os alunos
de idades e formao diferentes trazem para o ensino (SHULMAN, 1986, p. 9).
Nesta perspectiva, o conhecimento pedaggico do contedo vai alm do
conhecimento do contedo propriamente dito, e se destaca pelo conhecimento de
estratgias por parte do docente e que possibilitam a aprendizagem dos alunos.
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Shulman (1986) tambm considera de suma importncia ao docente o
conhecimento do currculo, alm de conhecer a variedade de materiais disponveis que
possam ser selecionados no ensino de sua disciplina, incluindo nesta categoria os
conhecimentos relacionados aos programas oficiais (no caso do Brasil, os Parmetros
Curriculares Nacionais).
Entendemos que o conhecimento do currculo se constitui como um processo
dinmico e complexo que resulta das mltiplas relaes que se estabelecem entre
diferentes atores, em contextos diversos, e est carregado de valores e pressupostos que
precisamos decifrar. Nessa perspectiva, advm a importncia do conceito de currculo
como projeto,
cujo processo de construo e desenvolvimento interativo, que implica
unidade, continuidade e interdependncia entre o que se decide ao nvel do plano
normativo, ou oficial, e ao nvel do plano real, ou do processo de ensino-
aprendizagem. Mais ainda, o currculo uma prtica pedaggica que resulta
da interao e confluncia de vrias estruturas (polticas, administrativas,
econmicas, culturais, sociais, escolares, ...) na base de quais existem
interesses concretos e responsabilidades compartilhadas. (PACHECO, 2001,
p. 20, grifos nossos)
Nesse contexto, consideramos que as teorizaes sobre o currculo devem conhecer
os caminhos pelos quais percorreram seus estudos, sua construo cultural, analisando suas
teorias e prticas, e considerar que o sistema educacional serve a certos interesses que se
refletem no currculo, envolvendo relaes sociais, culturais e polticas abrangentes e
determinantes e que podem interferir no desempenho dos alunos.
2.2 Interaes do Currculo
O currculo no pode ser associado a apenas um documento didtico, pensar no
currculo pensar em como interage um grupo de pessoas imersas na educao, em que
o currculo nunca apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de
algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nao. Ele
sempre parte de uma tradio seletiva, resultado da seleo de
algum, da viso de algum grupo acerca do que seja conhecimento
legitimo. produto das tenses, conflitos e concesses culturais,
polticas e econmicas que organizam e desorganizam um povo (APPLE,
1991, p. 50, grifos nossos).
A essa concepo converge a de Tomaz Tadeu da Silva (2005, p. 15), ao afirmar
que
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o currculo sempre resultado de uma seleo: de um universo mais amplo
de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir,
precisamente o currculo. As teorias do currculo, tendo decidido quais
conhecimentos devem ser selecionados, buscam justificar por que esses
conhecimentos e no aqueles devem ser selecionados (SILVA, 2005, p. 15,
grifos nossos).
Bishop (1999) considera que o comportamento de um grupo de pessoas determina
sua cultura, e ao interagir com diferentes grupos, troca e compartilha experincias e
conhecimentos. No entender desse autor o contato entre diferentes culturas contribui para
promover o crescimento cultural; portanto, o currculo, numa perspectiva cultural, enfatiza
a necessidade de se explicitarem os valores da Matemtica nos currculos, buscando
relacionar as pessoas e sua cultura Matemtica.
Pacheco (2011, p. 77) considera que
em todo o projecto de formao, o currculo adquire centralidade, pois
no s conhecimento, como tambm um processo que adquire forma e
sentido, de acordo com a organizao em que se realiza e em funo do
espao e tempo em que se materializa.
Entendemos que o currculo ao se modelar dentro de um sistema escolar expressa
interesses e foras que gravitam sobre o sistema educativo em um determinado momento.
Desse modo, o desenvolvimento curricular torna-se uma tarefa complexa, pois resulta da
interao entre vrias instncias, como cultural, poltica, social, escolar, administrativa e
econmica.
Sacristn (2000) considera que a escola, de um modo geral, sob qualquer modelo de
educao, adota uma posio e orientao seletiva frente cultura que se concretiza no
currculo que transmite. Nesse contexto, o sistema educativo serve a certos interesses que
se refletem no currculo.
Nesse contexto consideramos que o currculo se configura como elemento bsico
de articulao das prticas educativas e por meio dele refletem o esquema socializador,
formativo e cultural que a instituio escolar possui. Assim,
as profundas relaes entre currculo e produo de identidades sociais e
individuais, tantas vezes destacadas nas teori