6
Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/141 Comunicações Geológicas (2013) 100, Especial I, 77-82 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X Utilização da espectrometria de raios gama na caracterização das fácies ricas em matéria orgânica do Sinemuriano- Pliensbaquiano da Bacia Lusitânica (Portugal) Outcrop gamma-ray spectrometry applications to the Sinemurian- Pliensbachian organic-rich facies of the Lusitanian Basin (Portugal) G.G. Correia 1,2,* , L.V. Duarte 2,3 , A.C. Pereira 2,3 , R.L. Silva 2 , J.G. Mendonça Filho 4 Recebido em 15/01/2013 / Aceite em 10/05/2013 Disponível online em Junho de 2013 / Publicado em Junho de 2013 © 2013 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Resumo: Este estudo contém informação detalhada obtida a partir de técnicas de espectrometria de raios gama desenvolvidas na Bacia Lusitânica em unidades ricas em matéria orgânica do intervalo Sinemuriano–Pliensbaquiano (formações de Água de Madeiros e Vale das Fontes). Envolveu medições de radiação gama (campo total) e de espectrometria de raios gama, tanto no campo como em laboratório, quantificação de carbono orgânico total (COT) e caracterização mineralógica por difracção de raios-X. As medições foram efectuadas em duas das áreas aflorantes mais importantes da margem ocidental da Bacia Lusitânica (S. Pedro de Moel e Peniche). Os dados de afloramento foram posteriomente comparados e correlacionados com dados de sub-superfície, evidenciando-se a sua importância no reconhecimento dos ciclos de fácies Transgressivo– Regressivos de 2ª ordem. Destacam-se ainda as relações altamente significativas entre o U e o COT, embora, algumas excepções possam ser determinadas por características mineralógicas e geoquímicas particulares. Palavras-chave: Espectrometria de raios gama, fácies orgânicas, Jurássico Inferior, Bacia Lusitânica. Abstract: This work provides detailed information of outcrop gamma-ray logging from the Sinemurian–Pliensbachian organic-rich units (Água de Madeiros and Vale das Fontes formations) of the Lusitanian Basin. The study included total and spectral gamma-ray measurements in outcrop and laboratory, Total Organic Carbon (TOC) content and whole-rock mineralogical characterization by X- ray diffraction, carried out in the two most important outcrop areas of the Western Lusitanian Basin (S. Pedro de Moel and Peniche). The outcrop data was compared with subsurface information. From our results, we emphasize the relation between U and TOC. A significant to highly significant correlation is generally observed between these two variables, however other lithological and geochemical parameters of the organic-rich facies may determine some variations. Keywords: Outcrop gamma-ray spectrometry, Organic-rich carbonates, Lower Jurassic, Lusitanian Basin. 1 Departamento de Engenharia do Petróleo, Faculdade de Engenharia Mecânica. Universidade Estadual de Campinas/Centro de Estudos de Petróleo, Campinas, CEP: 13083-970 São Paulo, Brasil. 2 IMAR-Centro do Mar e Ambiente, Universidade de Coimbra, Largo Marquês de Pombal, 3000-272 Coimbra, Portugal. 3 Departamento de Ciências da Terra. Faculdade de Ciências e Tecnologia. Universidade de Coimbra, Largo Marquês de Pombal, 3000-272 Coimbra, Portugal. 4 Departamento de Geologia, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Cidade Universitária, CEP: 21949-900, Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, Brasil. *Autor correspondente / Corresponding author: [email protected] 1. Introdução A ocorrência de vestígios de hidrocarbonetos na margem ocidental ibérica tem sido atribuída à particular evolução tectono-estratigráfica das bacias mesozóicas e às suas sucessões sedimentares post-rift. Os intervalos geradores e reservatório abrangem um complexo mosaico com vários tipos de fácies depositadas em sub-bacias limitadas por falhas e estruturas diapíricas cujo desenvolvimento está intimamente relacionada com as quatro fases de abertura do Atlântico Norte entre o Triásico Superior Cretácico Inferior (Alves et al., 2002 e referências aí incluídas). Em várias regiões da Europa Ocidental (NW da Alemanha, Holanda, NE da Inglaterra, Bacia de Paris) o Jurássico Inferior é representado por fácies ricas em matéria orgânica depositadas em mares epicontinentais. Nestas secções os teores de carbono orgânico total (COT), chegam a ultrapassar os 20% (Lüning & Kolonic, 2003). Na Bacia Lusitânica (BL), este mesmo intervalo compreende uma espessa sequência sedimentar materializada por alternâncias margo-calcárias que caracterizam grande parte do intervalo Sinemuriano superiorToarciano da bacia (Fig. 1A). A deposição destas fácies, com origem predominantemente marinha e inseridas no ciclo de 1ª ordem Triásico Superior– Caloviano (Azerêdo et al., 2003), foi condicionada por um mar epicontinental, sustentado pelo desenvolvimento de uma rampa carbonatada inclinada para noroeste. Neste contexto, o intervalo Sinemuriano superior–Pliensbaquiano é caracterizado pela ocorrência de fácies ricas em matéria orgânica constituindo um dos intervalos com maior potencial gerador da Bacia Lusitânica (Duarte et al., 2010 e referências aí incluídas). As técnicas de espectrometria de raios gama, aplicadas no campo e no laboratório, têm sido amplamente utilizadas no conhecimento de séries com matéria orgânica (ver, por Artigo original Original article

Utilização da espectrometria de raios gama na ... · técnicas de espectrometria de raios gama desenvolvidas na Bacia Lusitânica em unidades ricas em matéria orgânica do intervalo

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Utilização da espectrometria de raios gama na ... · técnicas de espectrometria de raios gama desenvolvidas na Bacia Lusitânica em unidades ricas em matéria orgânica do intervalo

Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/141 Comunicações Geológicas (2013) 100, Especial I, 77-82 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X

Utilização da espectrometria de raios gama na caracterização das fácies ricas em matéria orgânica do Sinemuriano-Pliensbaquiano da Bacia Lusitânica (Portugal) Outcrop gamma-ray spectrometry applications to the Sinemurian-Pliensbachian organic-rich facies of the Lusitanian Basin (Portugal) G.G. Correia1,2,*, L.V. Duarte2,3, A.C. Pereira2,3, R.L. Silva2, J.G. Mendonça Filho4 Recebido em 15/01/2013 / Aceite em 10/05/2013

Disponível online em Junho de 2013 / Publicado em Junho de 2013

© 2013 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP

Resumo: Este estudo contém informação detalhada obtida a partir de técnicas de espectrometria de raios gama desenvolvidas na Bacia Lusitânica em unidades ricas em matéria orgânica do intervalo Sinemuriano–Pliensbaquiano (formações de Água de Madeiros e Vale das Fontes). Envolveu medições de radiação gama (campo total) e de espectrometria de raios gama, tanto no campo como em laboratório, quantificação de carbono orgânico total (COT) e caracterização mineralógica por difracção de raios-X. As medições foram efectuadas em duas das áreas aflorantes mais importantes da margem ocidental da Bacia Lusitânica (S. Pedro de Moel e Peniche). Os dados de afloramento foram posteriomente comparados e correlacionados com dados de sub-superfície, evidenciando-se a sua importância no reconhecimento dos ciclos de fácies Transgressivo–Regressivos de 2ª ordem. Destacam-se ainda as relações altamente significativas entre o U e o COT, embora, algumas excepções possam ser determinadas por características mineralógicas e geoquímicas particulares.

Palavras-chave: Espectrometria de raios gama, fácies orgânicas, Jurássico Inferior, Bacia Lusitânica. Abstract: This work provides detailed information of outcrop gamma-ray logging from the Sinemurian–Pliensbachian organic-rich units (Água de Madeiros and Vale das Fontes formations) of the Lusitanian Basin. The study included total and spectral gamma-ray measurements in outcrop and laboratory, Total Organic Carbon (TOC) content and whole-rock mineralogical characterization by X-ray diffraction, carried out in the two most important outcrop areas of the Western Lusitanian Basin (S. Pedro de Moel and Peniche). The outcrop data was compared with subsurface information. From our results, we emphasize the relation between U and TOC. A significant to highly significant correlation is generally observed between these two variables, however other lithological and geochemical parameters of the organic-rich facies may determine some variations.

Keywords: Outcrop gamma-ray spectrometry, Organic-rich carbonates, Lower Jurassic, Lusitanian Basin. 1Departamento de Engenharia do Petróleo, Faculdade de Engenharia Mecânica. Universidade Estadual de Campinas/Centro de Estudos de Petróleo, Campinas, CEP: 13083-970 São Paulo, Brasil. 2IMAR-Centro do Mar e Ambiente, Universidade de Coimbra, Largo Marquês de Pombal, 3000-272 Coimbra, Portugal. 3Departamento de Ciências da Terra. Faculdade de Ciências e Tecnologia. Universidade de Coimbra, Largo Marquês de Pombal, 3000-272 Coimbra, Portugal.

4Departamento de Geologia, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Cidade Universitária, CEP: 21949-900, Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, Brasil. *Autor correspondente / Corresponding author: [email protected]

1. Introdução

A ocorrência de vestígios de hidrocarbonetos na margem ocidental ibérica tem sido atribuída à particular evolução tectono-estratigráfica das bacias mesozóicas e às suas sucessões sedimentares post-rift. Os intervalos geradores e reservatório abrangem um complexo mosaico com vários tipos de fácies depositadas em sub-bacias limitadas por falhas e estruturas diapíricas cujo desenvolvimento está intimamente relacionada com as quatro fases de abertura do Atlântico Norte entre o Triásico Superior – Cretácico Inferior (Alves et al., 2002 e referências aí incluídas).

Em várias regiões da Europa Ocidental (NW da Alemanha, Holanda, NE da Inglaterra, Bacia de Paris) o Jurássico Inferior é representado por fácies ricas em matéria orgânica depositadas em mares epicontinentais. Nestas secções os teores de carbono orgânico total (COT), chegam a ultrapassar os 20% (Lüning & Kolonic, 2003). Na Bacia Lusitânica (BL), este mesmo intervalo compreende uma espessa sequência sedimentar materializada por alternâncias margo-calcárias que caracterizam grande parte do intervalo Sinemuriano superior–Toarciano da bacia (Fig. 1A). A deposição destas fácies, com origem predominantemente marinha e inseridas no ciclo de 1ª ordem Triásico Superior–Caloviano (Azerêdo et al., 2003), foi condicionada por um mar epicontinental, sustentado pelo desenvolvimento de uma rampa carbonatada inclinada para noroeste. Neste contexto, o intervalo Sinemuriano superior–Pliensbaquiano é caracterizado pela ocorrência de fácies ricas em matéria orgânica constituindo um dos intervalos com maior potencial gerador da Bacia Lusitânica (Duarte et al., 2010 e referências aí incluídas).

As técnicas de espectrometria de raios gama, aplicadas no campo e no laboratório, têm sido amplamente utilizadas no conhecimento de séries com matéria orgânica (ver, por

Artigo original Original article

Page 2: Utilização da espectrometria de raios gama na ... · técnicas de espectrometria de raios gama desenvolvidas na Bacia Lusitânica em unidades ricas em matéria orgânica do intervalo

78 G.G. Correia et al. / Comunicações Geológicas (2013) 100, Especial I, 77-82

exemplo, Bessa & Hesselbo, 1997; Svendsen & Hartley, 2001; Correia et al., 2012). Neste contexto, dada a natureza rica em matéria orgânica da sucessão margo-calcária do Jurássico Inferior da BL , estas técnicas foram aplicadas em sectores chave desta bacia, nomeadamente em S. Pedro de Moel e Peniche (ver, por exemplo, Oliveira et al., 2006; Duarte et al., 2010, 2012). O intervalo estudado (Sinemuriano Superior–Pliensbaquiano) abrangeu sobretudo a Formação (Fm.) de Água de Madeiros e os seus dois membros, Membro (Mb.) de Polvoeira e Mb. da Praia da Pedra Lisa (PPL), e a Fm. de Vale das Fontes, nomeadamente o Mb. Margo-calcários com níveis betuminosos (MCNB) (Duarte & Soares, 2002). Entre os vários objectivos deste trabalho contam-se: 1) a tentativa de medir e correlacionar a qualidade da relação entre a concentração de urânio (U) e a quantidade de matéria orgânica de forma a utilizar este elemento na estimativa dos valores de carbono orgânico total (COT); 2) a utilização dos perfis de variação vertical dos raios gama na definição sequencial e de ciclicidade, concretamente, no reconhecimento de ciclos de fácies Transgressivos-Regressivos (T-R) de 2ª ordem (Duarte, 2007; Duarte et al., 2010); 3) correlação dos dados de superfície com curvas de variação de raios gama em sondagens. Toda esta análise foi igualmente suportada por estudos litostratigráficos detalhados, análises geoquímicas e mineralógicas (por difracção de RX).

2. Materiais e métodos

O trabalho de campo foi concentrado nas unidades litostratigráficas mencionadas, em três afloramentos

distintos que foram recentemente alvo de estudos de pormenor: Polvoeira (Duarte et al., 2012), Água de Madeiros (Duarte et al., 2010, 2012) e Portinho da Areia do Norte (Silva et al., 2011). Os dois primeiros afloramentos estão localizados na zona costeira de S. Pedro de Moel, o último, na península de Peniche (Fig. 1B). Os estudos de espectrometria de raios gama foram realizados através de um espectrómetro de raios gama portátil (modelo GR-130G da Exploranium®). De forma a evitar erros de leitura associados com a heterogeneidade dos afloramentos, foi seguido um rigoroso procedimento que poderá ser analisado em detalhe em Correia (2011).

O trabalho laboratorial envolveu a análise de 45 amostras de rocha. Todos os parâmetros analisados (radiação gama, geoquímica e mineralogia) foram obtidos a partir da mesma porção de rocha evitando erros associados com a variação lateral e vertical. Os elementos U, Th e K foram quantificados através de um espectrómetro de bancada Ortec® existente no Laboratório de Radioactividade Natural da Universidade de Coimbra. As análises mineralógicas foram efectuadas com o equipamento de Difracção de Raios-X existente no Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra. Os dados de COT e resíduo insolúvel (RI) foram determinados por um analisador de carbono SC-144DR LECO® no laboratório do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foram ainda analisadas as diagrafias de dois furos de sondagem (14 A-1 e Alj-2) adquiridos na Divisão de Pesquisa e Exploração de Petróleo (DPEP) com o objectivo de correlacionar os dados de afloramento com os dados de subsuperfície.

Fig.1. A - Reconstrução da posição das actuais massas continentais do Atlântico Norte há cerca de 180 Ma com os mares epicontinentais a Oeste (azul claro) e do Tetis a Este (azul escuro) (adaptado de Skogseid, 2010); B - Mapa geológico simplificado com a distribuição espacial das unidades carbonatadas do Jurássico Inferior da Bacia Lusitânica, com a localização dos perfis e dos furos de sondagem analisados (modificado de Duarte et al., 2010; base cartográfica do Google Earth). 1 – Secção da Polvoeira e Água de Madeiros; 2 – Secção do Portinho da Areia Norte. Fig.1. A - Reconstruction of the Atlantic North early rifting (180 Ma) with epicontinental seas to the West (light blue) and the Tethys sea to the East (dark blue) (modified from Skogseid, 2010); B - Simplified geological map and spatial distribution of the carbonate units of Lower Jurassic age of the Lusitanian Basin, with the locations of the studied sections and wells (modified from Duarte et al., 2010). 1-Polvoeira and Água de Madeiros sections; 2-Portinho da Areia Norte section.

A B

NN

Page 3: Utilização da espectrometria de raios gama na ... · técnicas de espectrometria de raios gama desenvolvidas na Bacia Lusitânica em unidades ricas em matéria orgânica do intervalo

Espectrometria de raios gama em séries ricas em matéria orgânica 79

3. Resultados e discussão

No que respeita à caracterização de fácies os dados obtidos evidenciaram um amplo intervalo de valores de radiação gama total, variando entre 26 e 210 cps (ver tabelas 1 e 2). Entre as diferentes unidades analisadas, as menores intensidades foram obtidas nas secções mais carbonatadas e com fracções argilosas menos importantes, como são os casos da Fm. de Coimbra (analisada apenas a extremidade superior no perfil da Polvoeira) e do Mb. PPL (< 50 cps). Por outro lado, os picos mais elevados (> 150 cps) foram obtidos nas sequências mais margosas e com fácies orgânicas como são os casos do Mb. de Polvoeira e do Mb. MCNB, valores suportados sobretudo pela precipitação de U autigénico (ver discussão em Correia et al., 2012). As concentrações mais elevadas de Th foram observadas no Mb. MCNB, consistentes com a prevalência das fracções argilosas igualmente visíveis a partir dos dados de difracção de raios-X.

Tabela 1. Dados estatísticos (máximo, mínimo, média, desvio padrão) de radiação gama total e dos elementos radioativos de U, Th e K das

unidades litostratigráficas analisadas em S. Pedro de Moel e Peniche pertencentes ao intervalo Sinemuriano superior–Pliensbaquiano.

Table 1. Statistical data (maximum, minimum, average, standard deviation) regarding the total gamma-ray and the U, Th and K elements from the analysed Upper Sinemurian–Pliensbachian units of S. Pedro de

Moel and Peniche.

Formação

(Membro) GR (cps) U (ppm) Th (ppm) K (%) Th/U U (ppm) Th (ppm) K (%) Th/U

Máx 63 0,5 0,9 0,0 1,6 --- --- --- ---Mín 32 0,5 0,9 0,0 1,6 --- --- --- ---

Fm. Coimbra Média 44 --- --- --- --- --- --- --- ---DP (δ) 7,7 --- --- --- --- --- --- --- ---Medições 32 1 1 1 --- 0 0 0 ---Máx 210 11,6 7,3 1,8 1,4 11,0 7,9 3,1 1,8

Água de Madeiros Mín 51 1,6 0,6 0,5 0,1 4,1 1,7 0,8 0,2(Mb. da Polvoeira) Média 112 7,1 3,2 1,0 0,5 6,5 4,9 2,2 0,8

DP (δ) 34,2 2,4 1,5 0,3 --- 1,7 1,6 0,6 ---Medições 345 34 34 34 --- 25 25 25 ---Máx 120 5,3 3,2 1,0 1,1 5,1 7,8 2,7 1,5

Água de Madeiros Mín 26 1,2 0,0 0,0 0,0 1,0 0,0 0,1 0,0(Mb. PPL) Média 50 3,4 1,7 0,3 0,5 2,5 2,7 1,0 0,9

DP (δ) 22,2 1,9 1,2 0,4 --- 1,8 3,6 1,2 ---Medições 104 5 5 5 --- 4 4 4 ---Máx 118 7,1 4,8 0,2 0,7 2,6 6,8 2,8 2,6

Vale das Fontes Mín 60 7,1 4,8 0,2 0,7 2,6 6,8 2,8 2,6(Mb. MCUP) Média 85 7,1 4,8 0,2 0,7 2,6 6,8 2,8 2,6

DP (δ) 18,0 --- --- --- --- --- --- --- ---Medições 20 1 1 1 --- 1 1 1 ---Máx 181 12,0 7,2 0,9 0,8 5,3 7,8 3,0 4,1

Vale das Fontes Mín 100 5,2 1,8 0,0 0,2 1,1 3,0 1,1 1,1(Mb. MCFB) Média 137 9,7 4,4 0,4 0,5 2,8 5,5 2,0 2,2

DP (δ) 19,3 1,9 1,6 0,3 --- 1,2 1,6 0,5 ---Medições 134 15 15 15 --- 13 13 13 ---Máx 106 4,2 6,6 1,4 1,1 2,0 5,8 2,2 5,8Mín 56 0,3 1,0 0,2 0,3 0,7 0,5 0,7 0,7

Fm. Lemede Média 85 2,6 2,4 0,7 0,7 1,2 2,2 1,0 2,2DP (δ) 8,8 1,1 1,8 0,4 --- 0,5 2,1 0,6 ---Medições 125 9 9 9 --- 5 5 5 ---

ParâmetrosLaboratórioCampo

Tabela 2. Dados de radiação gama total e dos elementos radioativos de U, Th e K característicos dos diferentes litótipos observados em S. Pedro de

Moel e Peniche.

Table 2. Total gamma-ray, U, Th and K data for the different lithologies observed at S. Pedro de Moel and Peniche.

Litologia Unidades GR (cps) U (ppm) Th (ppm) K (%) amostras

Calcários Formações de Água de 55 1,5 0,6 0,3 3

Calcários margosos Madeiros e Vale das 112 1,5 3,1 1,3 1

Margas calcárias Fontes 114 1,8 4,9 1,8 4

Fm. Água de Madeiros 144 6,7 5,2 2,4 11

Fm. Vale das Fontes 148 2,8 7,0 2,5 6

Margas negras Fm. Água de Madeiros 155 6,4 4,9 2,0 15

(Black Shales) Fm. Vale das Fontes 148 3,7 4,7 1,7 5

Margas

Numa análise de conjunto (Fig. 2), os teores de U e COT apresentam padrões de evolução vertical similares entre si. O Mb. de Polvoeira em S. Pedro de Moel é caracterizado pelos valores médios mais elevados de COT (7%) e U (6,5 ppm). Outro aspecto preponderante é o desfasamento parcial entre a curva do U e do Th. Este facto é sobretudo evidente no Mb. de Polvoeira com uma relação baixa de Th/U (0,8), suportado sobretudo pela precipitação de U autigénico (com uma origem totalmente distinta do U detrítico, Th e K) e que assume uma importante percentagem do conteúdo total de U (4,8 ppm de U autigénico e 1,7 ppm de U detrítico) (ver discussão em Correia et al., 2012). Diversos autores (ver, por exemplo, Lüning & Kolonic, 2003) sugerem que a precipitação de U autigénico ocorra em ambientes deposicionais profundos e, sobretudo, pouco oxigenados, como é o caso do Sinemuriano superior na região de S. Pedro de Moel.

Com base nos dados de laboratório, foi possível determinar a existência de uma correlação significativa entre o U e o COT (r = 0,72). Se se tiver em conta apenas o U autigénico, a correlação melhora substancialmente, confirmando a precipitação preferencial do U autigénico juntamente à deposição e preservação da matéria orgânica.

Na Fig. 3 é possível observar-se 3 amostras que apresentam U/COT anómalo e que diminuem a qualidade da correlação (r = 72 contra r = 0,87). Estas amostras são muito ricas em carbonato, o que segundo Lüning & Kolonic (2003) pode afectar a relação U/COT. Em ambas as secções, as relações U/COT são baixas (0,3 e 0,7 ppm/wt%COT para a Fm. de Vale das Fontes e Fm. de Água de Madeiros, respectivamente). Estes baixos valores são característicos de sistemas carbonatados e, tal como foi sugerido por Lüning et al. (2005), podem também estar relacionadas com a imaturidade térmica das amostras em estudo. Estes resultados são semelhantes aos obtidos por diferentes autores para formações datadas do Jurássico Inferior da Europa Ocidental (ver, por exemplo, Lüning & Kolonic, 2003).

Para além da caracterização litológica e geoquímica, os dados de espectrometria de raios gama obtidos em superfície revelam-se de grande utilidade na identificação de ciclos de fácies T–R de 2ª ordem anteriormente estabelecidos para a Bacia Lusitânica (SUS e SP in Duarte, 2007; Duarte et al., 2010), em especial no reconhecimento dos intervalos de máxima inundação. Por último, foi também possível utilizar os perfis de raios gama obtidos em afloramento na definição litostratigráfica de dois furos de sondagem realizados em sectores vizinhos da área estudada (14 A-1 e Alj-2; ver localização na Fig. 1B). A comparação com os dados de espectrometria das duas sondagens permitiu o reconhecimento das unidades Mb. de Polvoeira, Mb. PPL, Fm. de Vale das Fontes e Fm. de Lemede (Duarte & Soares, 2002), permitindo uma melhor compreensão dos dados de subsuperfície, nomeadamente da parte inferior do Grupo Brenha, designação muito utilizada na indústria petrolífera e que abrange todo o Jurássico Inferior e Médio a seguir à unidade sinemuriana (Fig. 2). Os diferentes padrões observados ao longo das curvas de raios gama sugerem

Page 4: Utilização da espectrometria de raios gama na ... · técnicas de espectrometria de raios gama desenvolvidas na Bacia Lusitânica em unidades ricas em matéria orgânica do intervalo

80 G.G. Correia et al. / Comunicações Geológicas (2013) 100, Especial I, 77-82

sobretudo alterações energéticas nos ambientes deposicionais podendo ser associados a eventos

transgressivos ou regressivos dos diferentes ciclos deposicionais.

Fig.2. Comparação dos dados de radiação gama total, U, Th e COT, ciclos T–R de 2ª ordem e perfis parciais de raios gama dos furos de sondagem 14 A-1 e Alj-2. As linhas a tracejado representam os limites estratigráficos de cada unidade. Fm. C. (Formação de Coimbra); MCUP (Margas e calcários com Uptonia e Pentacrinus); MCG (Margas e calcários grumosos); T (transgressão); R (regressão); MI (máxima inundação); API (American Petroleum Institute); cps (choques por segundo); TVD (profundidade vertical total) (adaptado de Correia et al., 2012; cronostratigrafia de Comas-Rengifo et al., 2013). Fig.2. Comparison of the total gamma-ray, U, Th, and TOC content, 2nd order T–R facies cycles and partial gamma-ray well logs (14 A-1 and Alj-2). The dashed lines represent the stratigraphic limits of each unit. Fm. C. (Coimbra Formation); MCUP (Marls and limestones with Uptonia and Pentacrinus); MCG (Lumpy marls and limestones); T (trangressive); R (regressive); MI (maximum flooding); API (American Petroleum Institute); cps (counts per second); TVD (total vertical depth) (adapted from Correia et al., 2012; chronostratigraphy from Comas-Rengifo et al., 2013).

Page 5: Utilização da espectrometria de raios gama na ... · técnicas de espectrometria de raios gama desenvolvidas na Bacia Lusitânica em unidades ricas em matéria orgânica do intervalo

Espectrometria de raios gama em séries ricas em matéria orgânica 81

Fig.3. Diagramas de correlação Uautigénico/COT. (A) Uautigénico/COT das amostras seleccionadas da Fm. de Água de Madeiros e do Mb. MCNB da Fm. de Vale das Fontes. Estão indicadas as 3 amostras com valores anómalos; (B) Mesma relação Uautigénico/COT com exceção das 3 amostras anómalas. Fig.3. (A) Uauthigenic/TOC crossplot of selected samples from the Água de Madeiros Fm.and MCNB Mb. from the Vale das Fontes Fm.. Three anomalous samples were highlighted; (B) Identical crossplot excluding the anomalous samples.

4. Conclusões

Neste trabalho são evidentes as enormes potencialidades da utilização da espectrometria de raios gama de afloramento em séries margo-calcárias alternantes ricas em matéria orgânica. Os dados recolhidos revelaram concentrações elevadas de U autigénico (Th/U = 2.2 e 0.8) e valores médios de COT de 3% e 7% para o Mb. MCNB e o Mb. da Polvoeira respectivamente, sugerindo a deposição em ambientes pouco oxigenados. Para o intervalo estudado foram obtidas relações U/COT bastante significativas, suportando a utilização do U determinado no campo com o recurso a espectrómetros portáteis na estimativa do COT e quantidade de matéria orgânica. A relação U/COT é baixa, consistente com sistemas carbonatados do Jurássico e com a imaturidade térmica dos afloramentos estudados.

Os dados de raios gama apresentam uma boa correspondência com os ciclos de fácies T–R de 2ª ordem anteriormente apresentados. Estas técnicas revelaram uma grande utilidade na integração e compreensão de dados de afloramento com dados provenientes de furos de sondagem, evidenciando a sua importância na indústria petrolífera.

Agradecimentos

Este trabalho é uma contribuição para o projecto, PTDC/CTE-GIX/098968/2008 (FCT-Portugal e COMPETE-FEDER).

Referências

Alves, T. M., Gawthorpe, R. L., Hunt, D. W., Monteiro, J. H., 2002. Jurassic tectono-sedimentary evolution of the Northern Lusitanian Basin (offshore Portugal). Marine and Petroleum Geology, 19, 727-754.

Azerêdo, A.C., Duarte, L.V., Henriques, M.H., Manuppella, G., 2003. Da dinâmica continental no Triásico aos mares do Jurássico Inferior e Médio. Cadernos de Geologia de Portugal. Instituto Geológico e Mineiro, 43.

Bessa, J. L., Hesselbo, S. P., 1997. Gamma-ray character and correlation of the Lower Lias, SW Britain. Proceedings of the Geologists Association, 108, 113-129.

Comas-Rengifo, M. J., Duarte, L. V., Goy, A., Paredes, R., Silva, R.L., 2013. El Sinemuriense Superior (cronozonas Oxynotum y Raricostatum) en la región de S. Pedro de Moel (Cuenca Lusitánica, Portugal). In: Duarte, L.V., Silva, R.L., Azerêdo, A.C. (Eds), Fácies carbonatadas ricas em matéria orgânica do Jurássico da Bacia Lusitânica. Novos contributos paleontológicos, sedimentológicos e geoquímicos. Comunicações Geológicas, 100, Especial I, 15–19.

Correia, G., 2011. Aplicações da Espectrometria de Raios Gama no Estudo de Séries Carbonatadas. O caso do Jurássico Inferior da Bacia Lusitânica. Tese de Mestrado em Geociências (especialidade em Geologia do Petróleo) não publicada, Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra, Coimbra, 97.

Correia, G. G., Duarte, L. V., Pereira, A., Silva, R. L., 2012. Outcrop gamma-ray spectrometry: Applications to the Sinemurian-Pliensbachian organic-rich facies of the Lusitanian Basin (Portugal). Journal of Iberian Geology, 38, 373-388.

Duarte, L. V., 2007. Lithostratigraphy, sequence stratigraphy and depositional setting of the Pliensbachian and Toarcian series in the Lusitanian Basin (Portugal). In: Rocha, R. B. (Ed), The Peniche section (Portugal). Contributions to the definition of the Toarcian GSSP, Lisbon. International Subcomission on Jurassic Stratigraphy, 17-23

Duarte, L. V., Silva, R. L., Mendonça Filho, J. G., Poças Ribeiro, N., 2012. High-resolution stratigraphy, Palynofacies and source rock potential of the Água de Madeiros Formation (Lower Jurassic) of the Lusitanian Basin, Portugal. Journal of Petroleum Geology, 35, 105-126.

Duarte, L. V., Silva, R. L., Oliveira, L. C. V., Comas-Rengifo, M. J., Silva, F., 2010. Organic-Rich facies in the Sinemurian and Pliensbachian of the Lusitanian Basin, Portugal: Total organic carbon distribution and relation to transgressive-regressive facies cycles. Geologica Acta, 8, 325-340.

Page 6: Utilização da espectrometria de raios gama na ... · técnicas de espectrometria de raios gama desenvolvidas na Bacia Lusitânica em unidades ricas em matéria orgânica do intervalo

82 G.G. Correia et al. / Comunicações Geológicas (2013) 100, Especial I, 77-82

Duarte, L. V., Soares, A. F., 2002. Litostratigrafia das séries margo-calcárias do Jurássico Inferior da Bacia Lusitânica. Comunicações do Instituto Geológico Mineiro, 89, 135-154.

Lüning, S., Kolonic, S., 2003. Uranium spectral gamma-ray response as a proxy for organic richness in black shales: Applicability and limitations. Journal of Petroleum Geology, 26, 153-174.

Lüning, S., Shahin, Y. M., Loydell, D., Al-Rabi, H. T., Masri, A., Tarawneh, B., Kolonic, S., 2005. Anatomy of a world-class source rock: Distribution and depositional model of Silurian organic-rich shales in Jordan and implications for hydrocarbon potential. American Association Petroleum Geologists Bulletin, 89, 1397-1427.

Oliveira, L. C., Rodrigues, R., Duarte, L. V., Lemos, V. B., 2006. Avaliação do potencial gerador de petróleo e interpretação paleoambiental com base em biomarcadores e isótopos estáveis de carbono da secão Pliensbaquiano - Toarciano inferior (Jurássico Inferior) da região de Peniche (Bacia Lusitânica, Portugal). Boletim de Geociências da Petrobras, 14, 207-234.

Silva, R. L., Duarte, L. V., Comas-Rengifo, M. J., Mendonça Filho, J. G., Azerêdo, A. C., 2011. Update of the carbon and oxygen isotopic records of the Early–Late Pliensbachian (Early Jurassic, ~187 Ma): Insights from the organic-rich hemipelagic series of the Lusitanian Basin (Portugal). Chemical Geology, 283, 177-184.

Skogseid, J., 2010. The Orphan Basin - a key to understanding the kinematic linkage between North and NE Atlantic Mesozoic rifting. In: Pena dos Reis, R., Pimentel, N. (Eds), II Central & North Atlantic Conjugate Margins Conference. Re-descovering the Atlantic, New winds from an old sea. Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra. Lisbon, 13-23.

Svendsen, J. B., Hartley, N. R., 2001. Comparison between outcrop-spectral gamma ray logging and whole rock geochemistry: Implications for quantitative reservoir characterisation in continental sequences. Marine and Petroleum Geology, 18, 657-670.