Upload
lamkien
View
213
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Variação no desempenho
neuromotor. Um estudo gemelar
Dissertação apresentada com vista à obtenção do
grau de Mestre em Ciências do Desporto, área de
especialização em Desenvolvimento Motor, nos
termos do Decreto-Lei nº 216/92, 13 de Outubro.
Liliana Sílvia Moutinho Barja de Brito
Orientador: Prof. Doutor José António Ribeiro Maia
Porto, Outubro de 2011
II
Ficha de Catalogação
SMBB, L (2011). Variação no desempenho neuromotor. Um estudo gemelar.
Porto: Dissertação de Mestrado, em Ciências do Desporto na área do
Desenvolvimento Motor, apresentada à Faculdade de Desporto da
Universidade do Porto.
Palavras-chave: Desempenho neuromotor; gémeos.
III
AGRADECIMENTOS Gostaria de compartilhar com todos os que de alguma forma me
acompanharam nesta experiência. Por tudo o que aprendi, pelo estimulo que
recebi, pelo amadurecimento pessoal, profissional e académico. Pelas
inúmeras dificuldades em seguir em frente. Muito e muito obrigado.
Aos colegas do serviço de Fisiatria do Centro Hospitalar do Alto Ave, por toda a
ajuda, compreensão, paciência e pela motivação.
À coordenadora da Fisiatria do Centro Hospitalar do Alto Ave, Fisioterapeuta
Goreti Francisco, pela receptividade, compreensão e ajuda demonstrada desde
o primeiro minuto.
À Directora da Fisiatria do Centro Hospitalar do Alto Ave, Dra Maria Inês
Ruvina, pela disponibilidade em autorizar a utilização das instalações do
serviço, para a realização deste estudo.
À Dra Maria José Costeira, Neonatologista, pela sua sabedoria e colaboração
académica que foram uma preciosa ajuda e incentivo.
A todas as famílias de gémeos, que participaram e integraram a amostra deste
estudo, pela paciência e disposição.
Aos colegas portugueses e brasileiros, da Faculdade de Desporto do Mestrado
de Desenvolvimento Motor pela camaradagem e cooperação, em especial para
a Sónia Vidal e para o João Fernandes.
Aos meus colegas de estudo, Alexandre e Mara, cúmplices na recolha de
dados e fundamentais na realização deste estudo.
Ao meu colega Manuel João Fernandes, meu companheiro e amigo de jornada.
IV
A todos os professores da Faculdade de Desporto que ao longo destes anos de
intensa formação contribuíram decisivamente para alargar os meus horizontes
e são exemplos que não esquecerei.
Aos meus pais, por toda a ajuda.
Ao Joaquim, pela colaboração, apoio e incentivo.
Ás minhas filhas, Maria e Francisca, pelo tempo roubado na realização deste
trabalho.
Ao Professor Doutor José Maia, serei eternamente grata por todo o tempo que
me dispensou, pelas horas de orientação, pela prontidão, pela dedicação e
constante motivação para a realização deste trabalho. Obrigado pela mão
amiga que não me deixou desistir, mesmo em horas muito difíceis. Grata pelos
ensinamentos, pela sabedoria e riqueza académica e pessoal, que me servirão
de exemplo a seguir ao longo da vida.
A todos o meu mais sincero, Obrigado!
V
Índice Geral
AGRADECIMENTOS III
ÍNDICE GERAL V
ÍNDICE DE FIGURAS VII
ÍNDICE DE QUADROS VIII
ÍNDICE DE TABELAS IX
RESUMO XI
ABSTRACT XIII
RÉSUMÉ XV
LISTA DE ABREVIATURAS XVII
CAPÍTULO I 1
INTRODUÇÃO GERAL 3
ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO 11
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 13
CAPÍTULO II 19
METODOLOGIA GERAL 19
PROCEDIMENTOS GERAIS 21
AMOSTRA 22
DETERMINAÇÃO DE ZIGOTIA 22
INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO NEUROMOTOR 23
CONTROLO DA QUALIDADE DA AVALIAÇÃO 25
PROCEDIMENTOS ESTATÍSTICOS 28
CAPÍTULO 3 31
ESTUDO EMPÍRICO 31
MATERIAL E MÉTODOS 36
AMOSTRA 36
AVALIAÇÃO NEUROMOTORA DE ZURICH 36
DETERMINAÇÃO DE ZIGOTIA 37
CONTROLO DA FIABILIDADE DE AVALIAÇÃO 38
PROCEDIMENTOS ESTATÍSTICOS 38
RESULTADOS 40
DISCUSSÃO 46
CONCLUSÕES 51
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 53
VI
CAPÍTULO 4 59
INTRODUÇÃO 61
CONCLUSÃO 72
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 73
CAPITULO 5 75
ERA UMA VEZ… 75
CAPITULO 6 91
CONCLUSOES GERAIS 91
CAPITULO 7 97
ANEXOS 99
VII
ÍNDICE DE FIGURAS Figura1 Material utilizado na recolha de sangue para determinação da
zigotia. Lancetas utilizadas para picada do dedo. Papel
utilizado para recolha da amostra sanguínea, fornecido pelo
IPATIMUP, que procedia á sua avaliação
23
Figura 2 Material utilizado na bateria de testes ZNA: tabuleiro, caixa
com 14 pinos plásticos, caixa com 12 pinos metálicos, pinos
plásticos e metálicos suplentes, plataforma listada para testar
equilíbrio estático, bastão para testar equilíbrio estático,
plataformas de inox para testar equilíbrio dinâmico com dois
bastões e 8 metros de elástico.
24
Figura 3 Diagramas de dispersão relativo aos fenótipos T1 a T7
(componentes de tempo)
43
Figura 4 Diagramas de dispersão relativos aos fenótipos AM1a AM5
(movimentos associados)
44
Figura 5 Marcos Motores “Grossos” 63
Figura 6 Valores do desempenho centrados no tempo da realização
das tarefas
68
Figura 7 Valores do desempenho centrados nos movimentos
associados na realização das tarefas
69
Figura 8 Valores do desempenho centrados nos tempos da
performance e movimentos associados na realização das
tarefas em bloco
70
Figura 9 Valores do desempenho centrados nos tempos da
performance e movimentos associados por divisão das tarefas
por componentes
71
VIII
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1 Dimensão amostral das diferentes
zigotias. Medias e desvios padrão
(M±dp) da idade
22
Quadro 2 Totalidade de sujeitos, média e desvio
padrão da idade dos gémeos da
amostra
36
Quadro 3 Média e desvio padrão das tarefas da
bateria de testes ZNA para os gémeos
MZ e DZ
40
Quadro 4 R2 atribuído ás diferentes covariáveis
que influenciam a variância total de cada
fenótipo T1 a T4 8 componentes de
tempo)
41
Quadro 5 Correlação intraclasse e respectivos
intervalos de confiança do desempenho
nas classes de gémeos MZ e DZ
42
Quadro 6 Estimativa de heritabilidade 45
IX
ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 Valores do coeficiente de correlação
intraclasse e respectivos intervalos de
confiança para o tempo de performance
de todas as tarefas e movimentos do
ZNA. Resultados intra- avaliadores e
entre avaliadores (D- dominante, ND-
não dominante)
26
Tabela 2 Valores do coeficiente de correlação
intraclasse e respectivos intervalos de
confiança para os movimentos
associados de todas as tarefas e
movimentos associados do ZNA.
Resultados intra- avaliadores e entre
avaliadores (D- dominante, ND- não
dominante)
27
Tabela 3 Tarefas neuromotoras da bateria de
avaliação de Zurich
37
Tabela 4 Valores de apgar em cada membro do
par
62
Tabela 5 Percentis e médias em meses para
marcos motores “grossos”
64
Tabela 6 Curvas de crescimento estatural e
ponderal dos 0 aos 24 meses da Laura
e da Sara
65
Tabela 7 Curvas de crescimento estatural e
ponderal dos 4 aos 14 anos da Laura e
da Sara
66
X
XI
RESUMO A variação do desempenho neuromotor em crianças e jovens é de extrema
relevância em termos clínicos e pedagógicos. Não obstante a evidência de
informação normativa, existem poucos dados sobre o contributo analítico e
interpretativo da sua enorme variação. Os gémeos MZ e DZ proporcionam uma
oportunidade excelente de se estudar variados aspectos da variabilidade do
desenvolvimento neuromotor.
Os objectivos do estudo são: (1) descrever aspectos da similaridade -
dissimilaridade do desempenho neuromotor; (2) explorar a sua agregação
fraterna em gémeos MZ e DZ; (3) estimar a magnitude do contributo genético e
ambiental
Amostraram-se 191 crianças (78 MZ e 113 DZ) provenientes do Hospital Geral
de Santo António, do 1º encontro de gémeos da cidade da Maia e do Centro
Hospitalar do Alto Ave, com idades médias de 8,9±3,1 anos. A bateria
escolhida foi a Zurich Neuromotor Assessment (ZNA) que avalia o tempo de
performance e a qualidade dos movimentos associados. Os resultados foram
analisados no STATA 10. O nível de significância foi de 0,05.
Os resultados mostram que a variância explicada pelo sexo e idade nos
diferentes desempenhos nas componentes de tempo varia entre 4% e 27% e
nas componentes de movimentos associados entre 2% e 21%. Os gémeos MZ
apresentam valores de coeficiente de correlação intraclasse superiores aos
gémeos DZ, na quase totalidade dos fenótipos estudados com excepção para o
equilíbrio estático e para as tarefas das extremidades superiores e inferiores.
Tarefas como movimentos simples/complexos, extremidades
superiores/inferiores, bem como as tarefas motoras adaptativas finas, foram
aquelas cujos valores denotaram factores genéticos mais acentuados.
XII
Concluí-se que existe maior homogeneidade na performance neuromotora em
gémeos MZ; É clara a presença de factores genéticos na variação
interindividual do desenvolvimento neuromotor, especialmente em fenótipos
como movimentos simples/complexos, as extremidades superiores/ inferiores,
bem como as tarefas motoras adaptativas finas.
Palavras-chave: Desempenho neuromotor, gémeos
XIII
ABSTRACT
The variation of the neuromotor performance in children and young people is
extremely important in both clinical and pedagogical contexts. Despite the
evidence of normative information, there is little data on the analytical and
interpretative contribution of its enormous variation. The MZ and DZ twins
provide an excellent opportunity to study different aspects of the variability of
the neuromotor development.
The objectives of the study are: (1) to describe aspects of similarity -
dissimilarity of neuromotor performance, (2) to explore its fraternal aggregation
in MZ and DZ twins, (3) to estimate the magnitude of the genetic and the
environmental contributions.
There was a sample of 191 children (78 MZ and 113 DZ) from the General
Hospital of Santo António, the 1st Twin’s Meeting of the city of Maia and the
Hospital Center of Alto Ave, with average ages of 8,9 ± 3,1 years. The battery
chosen was the Zurich Neuromotor Assessment (ZNA), which measures the
time of performance and the quality of the associated movements. The results
were analyzed in STATA 10. The significance level was 0,05.
The results show that the variance explained by sex and age in the different
performances in the components of time varies between 4% and 27% and in
the components of associated movements between 2% and 21%. The MZ twins
present values of intraclass correlation coefficient higher than the DZ twins, in
almost all the phenotypes studied, except for the static balance and the tasks of
upper and lower limbs. Tasks such as simple/complex movements, upper/lower
limbs as well as the fine adaptive motor tasks were those whose values denote
more pronounced genetic factors.
It was concluded that there is a greater homogeneity in neuromotor
performance in MZ twins; The presence of genetic factors in interindividual
XIV
variation of the neuromotor development is clear, especially in phenotypes as
simple/complex movements, the upper/lower limbs, as well as the fine adaptive
motor tasks.
Keywords: Neuromotor Performance, twins
XV
RÉSUMÉ
La variation dans la performance neuromotrice chez les enfants et les jeunes
est extrêmement importante en termes de clinique et de l'enseignement. Malgré
les preuves de l'information normative, il y a peu de données sur la contribution
analytique et interprétative de ses variations énormes. Les jumeaux MZ et DZ
fournissent une excellente occasion d'étudier divers aspects de la variabilité du
développement neuromoteur.
Les objectifs de l'étude sont: (1) décrire des aspects de similitude -
dissemblance de la performance neuromotrice, (2) d'exploiter son agrégation
fraternel en jumeaux MZ et DZ, (3) estimer l'ampleur de la contribution
génétique et de l'environnement.
Il y avait un échantillon de 191 enfants (78 MZ et 113 DZ) de l'Hôpital Général
de Santo António, de la 1ère réunion de jumelles en Maia et du Centre
Hospitalier de l'Alto Ave, avec des âges moyennes de 8,9 ± 3,1 ans. La batterie
choisie était Zurich Neuromotor Assessment (ZNA) qui mesure le temps de la
performance et la qualité des mouvements associés. Les résultats ont été
analysés dans STATA 10. Le niveau de signification a été de 0,05.
Les résultats montrent que la variance expliquée par le sexe et par l’âge dans
les différents performances dans les composantes du temps varie entre 4% et
27% et dans les composantes de mouvements associés entre 2% et 21%.Les
jumeaux MZ présente des valeurs de coefficient de corrélation intraclasse
supérieures aux jumeaux DZ dans presque tous les phénotypes étudiés, sauf
l’équilibre statique et les tâches des membres supérieures et inférieures. Les
tâches comme des mouvements simples/complexes, des membres
supérieures/inférieures et les tâches de motricité adaptative fine étaient ceux
dont les valeurs indiquent des facteurs génétiques plus prononcées.
XVI
On conclu qu'il y a une plus grande homogénéité dans les performances
neuromotrices de jumeaux MZ; Il y a une présence claire des facteurs
génétiques dans la variation interindividuelle du développement neuromoteur,
en particulier dans les phénotypes comme des mouvements
simples/complexes, les membres supérieures/inférieures et les tâches de
motricité adaptatif fine.
Mots-clés: Performance neuromoteur, jumeaux
XVII
LISTA DE ABREVIATURAS CoM Coordenação Motora
dp desvio-padrão
et al . e colaboradores
IC Intervalo de confiança
i. e. Isto é
t Correlação intra-classe
DM Desenvolvimento motor
MZ Gémeos monozigóticos
DZ Gémeos dizigóticos
ZNM Zurich neuromotor assessment
M Média
IPATIMUP Instituto de Patologia a Imunologia Molecular da Universidade do
Porto
Tgest Tempo de gestação
Despcont Prática desportiva
Apgar 5 Índice de apgar 5
XVIII
1
Capítulo 1
INTRODUÇÃO GERAL
2
3
Introdução
Quando se quer estudar o desenvolvimento da criança e do jovem, é
incontornável a abordagem ao estudo do seu comportamento motor numa
perspectiva de lifespan. É mais do que evidente que a dimensão extremamente
complexa do desenvolvimento pode ser aproximada, num certo sentido, a partir
do território do Desenvolvimento Motor (DM). Para Clarck (1994) o DM pode
ser percebido como o conjunto de mudanças no comportamento motor ao
longo da vida e os processos inerentes e responsáveis por essas mesmas
mudanças. Neto (2002) refere-se ao DM como sendo o aspecto do
comportamento e controlo motor que está directa ou primariamente relacionado
com o estudo das transformações na prestação motora durante os diferentes
momentos de evolução da vida do indivíduo. Aspectos como crescimento e
maturação, habilidades motoras fundamentais, nível de condição física,
habilidades motoras finas e perceptivas, ou até mesmo elementos como o auto
–conceito, integração social ou expressividade motora devem ser
equacionados dentro de uma abordagem multifacetada de Desenvolvimento
Motor. Também Bouchard et al. (1997) descrevem, ainda que de modo muito
sintético, o DM como sendo um processo pelo qual o individuo adquire
competências numa variedade de movimentos, usualmente num contexto de
instruções especificas com ou sem prática deliberada em contextos sócio-
culturais bem delimitados.
O DM pode ser simplesmente descrito, também, como um processo de
alterações no nível de funcionamento de um indivíduo, onde uma maior
capacidade de controlar movimentos é adquirida ao longo do tempo. Esta
contínua alteração no comportamento ocorre pela interacção entre as
exigências da tarefa (físicas e mecânicas), a biologia do indivíduo
(hereditariedade, natureza e factores intrínsecos, restrições estruturais e
funcionais do individuo) e o ambiente (físico e sócio cultural, factores de
aprendizagem ou de experiência), caracterizando-se como um processo
dinâmico no qual o comportamento motor surge das diversas restrições que
rodeiam o comportamento (Newell, 1986; Barela, 2001).
Concepções sistémicas e dinâmicas do desenvolvimento exploram ao máximo
a noção de influências recíprocas de processos biológicos e psicológicos e
4
condições do ambiente ou contexto (Ford & Lerner, 1992). Assim, individuo e
contexto “interagiriam dinamicamente” no desenvolvimento e, em virtude dessa
interacção, cada uma das partes seria transformada pela outra. Segundo tal
concepção, as características de um organismo podem ser afectadas por
diferenças genéticas e/ou ambientais, mas são constituídas pela acção
conjunta de genes e ambientes (Connoly, 1986).
Dos primeiros estudos realizados nesta área, meramente descritivos, avançou-
se para perspectivas mais integradoras e abrangentes, que contemplaram
aspectos do Controlo e Aprendizagem Motora, Desenvolvimento Perceptivo,
Análise Biomecânica e Factores Psico e Sócio – Afectivos.
Dos muitos autores e investigadores que se debruçam sobre o DM, formulando
ao longo dos anos diferentes teorias e linhas orientadoras, podem-se
caracterizar dois movimentos: filogenéticos (centrados na maturação) e
ontogenéticos (dependentes da aprendizagem), movimentos estes que têm
sido centrais nas discussões do Desenvolvimento e Aprendizagem Motora,
dando origem, segundo Newell (1986), a duas correntes teóricas:
maturacionistas (mais centradas nos factores genéticos) e behavioristas (mais
de acordo com factores ambientais).
Eis então que surge uma abordagem diferente associada aos sistemas
dinâmicos (1980-2000) com uma nova aproximação ao controlo motor (Kelso et
al., 1980; Kugler et al., 1982). As pesquisas baseiam-se na teoria dos sistemas,
teoria do caos, termodinâmica e outros campos que estando para além do
Comportamento Motor e da Psicologia, ofereceram uma nova teoria para o
estudo da coordenação motora e do controlo motor. Clark e Oliveira (2006)
sugerem que a partir do ano 2000, a investigação em DM, entra numa nova era
baseada nas “ Neurociências”, sendo suportada pela utilização de modelos e
técnicas de neuro-imagem. Esta era aparece na sequência da evolução das
tecnologias não invasivas que permitem investigar a função cerebral e a
utilização de modelos que permitem combinar comportamentos, imagens e
aproximações computacionais para compreender o comportamento motor.
A criança actua no seu meio ambiente e expressa-se através do seu sistema
neuro-perceptivo-motor. Na idade escolar, as habilidades motoras são
contributos substanciais de aspectos da sua performance académica,
5
influenciando a sua competência em áreas de desenvolvimento como a
comunicação verbal e não verbal, interferindo profundamente nos seus
sentimentos de bem-estar e de auto-estima (Polatajko, 1999).
As disfunções motoras ligeiras e moderadas são um problema significante,
ocorrendo em 6% das crianças da população geral (American Psychiatric
Association, 1994). Profissionais – como Neurologistas e Pediatras – que se
vêm confrontados com presumíveis “clumsy children”, sentem-se
eventualmente “convidados” a investigar se a sua performance motora,
qualidade de movimentos e postura estão enquadrados dentro dos parâmetros
ditos normais, ou se pelo contrário são a expressão de um atraso de
desenvolvimento. Complicações motoras graves são facilmente reconhecidas
pela maior parte das pessoas. Menos óbvio, mas muito mais frequentes, são as
complicações menores que raramente são relatadas como desordens
neurológicas específicas. Sinais neurológicos subtis são mais difíceis de
detectar e estão presentes frequentemente em crianças pequenas (Deuel &
Robinson, 1987). Estes sinais neurológicos subtis, não servem apenas como
marcadores de leve deficiência motora, eles estão relacionados com distúrbios
comportamentais como a hiperactividade, a impulsividade, dificuldades de
aprendizagem, conduta agressiva antisocial, fraco desenvolvimento cognitivo e
depressão. Um sólido conhecimento do desenvolvimento neuromotor normal é
um pré requisito para todos os profissionais que lidam com crianças normais ou
com distúrbios desenvolvimentais.
A ideia de tendências inatas e o conceito de maturação biológica pretendem
explicar os padrões e as sequências de DM que são os mesmos para todas as
crianças. Por outro lado, a natureza também pode contribuir para variações de
um indivíduo para outro (Bee, 2008).
O estudo das contribuições genéticas ao comportamento individual, chamado
de Genética do Comportamento, tornou-se uma área de pesquisa
particularmente empolgante e influente nos últimos anos e tem contribuído
bastante para o renovado interesse pelas raízes biológicas do comportamento
(Bee, 2008).
Usando duas abordagens principais de pesquisa – o estudo de gémeos
idênticos (MZ) e fraternos (DZ) e o estudo de crianças adoptadas – os
geneticistas do comportamento demonstraram que a hereditariedade afecta
6
uma gama notavelmente ampla de fenótipos como a altura, a forma corporal,
as habilidades cognitivas especificas, etc. (Bee, 2008). A herança genética de
uma criança também pode afectar o seu meio ambiente (Plomin, 1995) de duas
maneiras. Em primeiro lugar, a criança herda os genes dos seus pais, que por
sua vez também “criam” o meio ambiente em que ela cresce. Assim sendo,
saber algo sobre a herança genética de uma criança permite-nos predizer de
alguma forma algo sobre o seu meio ambiente. Há no entanto que enfatizar
que nenhum geneticista do comportamento afirma que a hereditariedade é a
única causa do comportamento ou a mais central. Na verdade, como salienta
Plomin (1995), a pesquisa da Genética do Comportamento tem sido tão
importante para mostrar o efeito significativo do meio ambiente quanto para
provar a centralidade da hereditariedade.
Não obstante a informação disponível, ainda escassa, há um claro défice de
estudos que explorem a magnitude dos contributos genético e ambiental no
desempenho neuromotor de crianças e jovens. Os gémeos MZ, DZ e múltiplos,
conforme já foi referido, providenciam uma oportunidade excelente de se
estudar, pelo menos do ponto de vista descritivo, aspectos da plasticidade do
desenvolvimento motor e de algum modo ajudar a esclarecer aspectos que são
importantes na coordenação motora. Os resultados dos estudos gemelares
sugerem que há atrasos no “ timing” de alguns marcos motores, principalmente
no controlo da cabeça, na posição de sentar sem suporte e no andar (Hajnal et
al, 2004). Também os gémeos DZ são mais rápidos do que os MZ no “timing”
do sentar, gatinhar, colocar-se em pé e no andar. São referidos problemas
motores que variam entre 5.7% e 28.6% (Hajnal et al, 2004).
É emergente o reconhecimento que a maioria dos caracteres ou traços dos
sujeitos, i.e., os fenótipos, é influenciada por múltiplos genes e uma variedade
enorme de factores do envolvimento. A Genética Quantitativa tornou-se o
paradigma central de análise e atribuição de significado á variação fenotipica
presente no seio da população (Lynch & Walsh, 1998). Os estudos de Genética
Quantitativa aplicada aos humanos lidam, sobretudo, com delineamentos de
famílias nucleares e gemelares (Khoury et al., 1983; Neale & Cardon, 1992).
Esta última estratégia amostral, a gemelar, e toda a sua construção conceptual
e analítica constitui uma parte importante do presente estudo. Francis Galton,
7
no final do século XIX, propôs o delineamento gemelar clássico, sendo
habitualmente um dos mais utilizados na interpretação dos efeitos genéticos e
ambientais (Bouchard et al., 1997). Os gémeos MZ, ou idênticos, são resultado
da fertilização de apenas um óvulo, partilhando os mesmos genes idênticos por
descendência; os DZ, ou fraternos, resultam da fertilização de dois óvulos
independentes, partilhando apenas, em média, 50% dos genes idênticos por
descendência.
As metodologias gemelares estabelecem estratégias para identificar as
contribuições genéticas e ambientais de um dado fenótipo, representado de
modo contínuo ou discreto, dado que permitem estimar a magnitude das
influências genéticas através do cálculo de factores genéticos (a2), e dos
factores ambientais que se dividem em duas sub-componentes: o ambiente
comum (c2) e o ambiente único (e2) (Hewitt et al., 2001).
Estão disponíveis na literatura textos bem interessantes, de complexidade
crescente, sobre o uso de informação gemelar, bem como a sua análise e
interpretação (Bouchard et al. 1990; Neale et al. 1995).
Muita da pesquisa efectuada em gémeos acerca das características inerentes
ao Desenvolvimento Motor foi realizada com a Bayley Scales of Infant
Development. Gémeos MZ e DZ não apresentam diferenças significativas nas
competências motoras adquiridas nas escalas de desenvolvimento motor
(Dales, 1969). Mesmo nos gémeos prematuros com diferentes pesos á
nascença, não foram encontradas diferenças significativas intrapar no
desenvolvimento motor durante os primeiros dois anos de vida (Fujikura et
Froelich, 1974; Wilson et al, 1972). Por outro lado, os gémeos MZ e DZ tendem
a apresentar maior consistência nas aquisições motoras, quando comparados
com irmãos comuns durante os primeiros 5 anos de vida (Cook et al., 1984;
Dales, 1969; Wilson et al., 1972). O desenvolvimento de outros movimentos
específicos durante a infância, como saltar, correr, etc, genericamente
apresentam maior concordância entre os gémeos MZ (Gesell, 1954).
A informação disponível acerca da influência dos factores genéticos no
desenvolvimento neuromotor é reduzida, havendo pesquisa no modelo animal
referente aos efeitos de mutações de alguns genes candidatos em padrões
8
coordenativos (Voikar et al., 2002; Saleh et al., 2003; Lalond et al., 2003;). No
que diz respeito a trabalhos realizados com humanos, podemos referir o
trabalho de Francks et al. (2003), que realizou um estudo cujo objectivo foi
pesquisar a dependência do desempenho na relação entre a leitura,
lateralidade e CoM a factores genéticos.
Pouco se sabe acerca da similaridade ou dissimilaridade nos padrões de
movimento entre gémeos e irmãos. Um estudo realizado por Sklad (1972),
analisa aspectos específicos da corrida entre gémeos com idades
compreendidas entre 11 e 15 anos. A variação intrapar é mais reduzida nos
gémeos MZ e no sexo masculino. Isto sugere uma contribuição genotípica na
variação dos aspectos da corrida. Por outro lado, a pequena diferença entre as
raparigas MZ e DZ, sugere que a corrida nas raparigas está mais sujeita a
influências ambientais, como factores sociais e motivacionais.
Mais recentemente, Goya et al., (1991; 1993), realizaram um estudo sobre
natação, estilo crawl, em 10 pares de gémeos MZ e DZ. Os resultados
encontrados são consistentes com os do estudo de Sklad, (1972). Indicam
ainda uma importante influência ambiental neste estilo de natação, como a
prática e a experiência.
Não obstante a informação disponível, sentimos necessidade de estudar o
contributo genético e ambiental do desempenho neuromotor de crianças e
jovens com populações gemelares. Para avaliar o desempenho neuromotor
dos gémeos constituintes da população em estudo, foi utilizada a bateria Zurich
Neuromotor Assessment (ZNM), desenvolvida pelo Centro de Crescimento e
Desenvolvimento do Hospital Universitário de Zurich (Largo, Fischer e Cafish,
2002). A avaliação neuromotora de Zurich está construída em termos
normativos com base em distintas tarefas motoras balizadas em tempos de
performance e qualidade do movimento (movimentos associados da
extremidade contralateral, ipsilateral, face, cabeça e tronco). Toda a avaliação
é registada em vídeo para posterior pontuação.
9
Os estudos de caso permitem uma descrição mais exaustiva e uma reflexão
mais aprofundada sobre a problemática da gemelaridade, constituindo uma
ferramenta valiosa de investigação.
Os estudos de caso gemelares têm sido utilizados variadíssimas vezes na
tentativa de perceber o que revelam acerca do desenvolvimento humano
(Seagal, 2000). Num certo sentido, é uma tentativa de fazer pelos estudos
gemelares o que Oliver Sacks fez pelos estudos clínicos - restaurar o sujeito
Humano a partir do centro.
Foi escolhida uma abordagem empírico – descritiva por se considerar a mais
adaptada em relação aos objectivos do estudo e também para complementar a
abordagem anterior mais centrada em propósitos inferenciais. Os dois estudos
de caso são uma resposta á necessidade clínica de esclarecimento e
intervenção no domínio da individualidade intra–gemelar, bem como da
urgência em perceber aspectos relevantes das trajectórias de histórias de vida
gemelar (Seagal, 2005).
Durante a recolha de informação gemelar com a escala ZNM, o interesse sobre
as questões gemelares deixou de ter uma abordagem meramente cientifica,
para passar a ser encarada de uma forma muito mais emocional. Estudar
famílias gemelares não passa somente pela análise directa de dados
objectivos. Daqui a ideia de compilar as histórias, emoções, dificuldades e
alegrias que é ser Família Gemelar.
Estas abordagens, quer empírica quer científica, bem distintas, não se
excluem. Pelo contrário. São faces de um mesmo diamante. Um exercício de
ciência não se limita ao formalismo de um modo muito unilateral de pensar e
agir.
A presente pesquisa pretende acrescentar informações que favoreçam o
aumento do conhecimento sobre variação no desenvolvimento neuromotor,
com informação de natureza gemelar.
10
Os objectivos deste estudo são os seguintes:
1. Descrever aspectos da similaridade-dissimilaridade do
desempenho neuromotor de gémeos MZ e DZ.
2. Explorar a agregação fraterna nos níveis de desempenho
neuromotor em gémeos MZ e DZ.
3. Estimar a magnitude do contributo genético e ambiental no
desempenho neuromotor de gémeos MZ e DZ.
4. Mapear, em dois pares de gémeos, aspectos relativos ao:
- Comportamento desenvolvimental do peso e altura.
- Correspondência percentílica estatuto – ponderal.
- Comportamento diferencial no desempenho neuromotor.
5. Relato de vivências gemelares.
11
ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
Este trabalho está estruturado de uma maneira distinta do padrão tradicional de
elaboração de dissertações de Mestrado, uma vez que se optou pelo “ Modelo
Escandinavo”. A dissertação é composta por seis capítulos, cuja estrutura está
na tabela 1. Nos capítulos três e quatro encontram-se artigos que foram
redigidos seguindo as orientações das normas específicas da Faculdade de
Desporto da Universidade do Porto; no entanto, parte destes artigos serão
formatados segundo as normas de publicação de cada periódico. As
referências bibliográficas são apresentadas no fim de cada capítulo.
Tabela – Capítulos da Dissertação e seus principais objectivos.
Capítulo I
Introdução geral, pertinência, objectivo do estudo e estrutura da dissertação.
Capítulo II Metodologia Geral
Estudo Empírico Capitulo III Factores genéticos e ambientais nos níveis de desempenho neuromotor.
Um estudo em gémeos
Capitulo IV
Estudo de caso Referente a um par de gémeos MZ
Capítulo V
Relatos de vivências numa família gemelar
Capitulo VI
Conclusões Gerais
Capitulo VII
Anexos
12
13
Referências Bibliográficas
American psychiatric association. Diagnostic and statistical manual of mental
disorders (DSM-IV). (1994) American Psychiatric Association, Washington, DC
Barela JA. (2001) Ciclo percepção-acção no desenvolvimento motor. In
Teixeira LA,(organizadora). Avanços em Comportamento Motor 1 ed. São
Paulo: Movimento, 40-61
Bee H. (2008). A criança em desenvolvimento. Artmed Editora
Bouchard C, Perrusse L Leblanc C. (1990) Using MZ twins in experimental
research to test for the presence of a genotype-environment interction effect.
Acta Geneticae Medicae et Gemellogiae, 39(1):85-9
Bouchard C, Malina R, Pérusse L (1997). Genetics of fitness and physical
performance. Human Kinetics. Champaign.
Clark JE. (1994) Motor development. Encyclopedia of Human Behavior. San
Diego: Academic Press, 3:245-255
Clark JE, Oliveira MA. (2006) Motor behavior as a scientific field: A view from
the start of the 21st century. Brazilian Journal of Motor Behavior, 1(1):1-19
Connolly KJ, Forssberg H. (1986) Neurophysiology and neuropsychology of
motor development. Clin.Dev.Med.Oxford:MacKeith Press, 28:143-144
Cook CF, Broadhead GD. (1984) Motor performance of pre-school twins and
singletons. Phys. Educ, 41:16-20
Dales RJ. (1969) Motor and language development of twins during the first
three years. J Genet Psychol, 114:263-71
14
Deuel RK, Robinson DJ. (1987) Motor signs.In: Tupper DE, Ed. Soft
neurological Signs. Grune & Stratton,Orlando, 95-129
Francks C, Fisher SE, Marlow AJ, MacPhie IL, Taylor KE, Richardson AJ, Stein
JFS, Monaco AP. (2003) Familial and genetic effects on motor coordination,
laterality, and reading-related cognition. Am J Psychiatry, 160:1970-1977.
Fujikura T,Froelich LA. (1974) Mental and motor development in monozygotic
co-twins with dissimilar birth weights. Pediatrics, 53:884-89
Gesell A. (1954) The ontogenesis of infant behaviour. In: Carmichael L, Ed.
Manual of Child Psychology. New York: Wiley, 335-73
Goya T, Amano Y, Hoshikawa T, Matsui H. (1991) Longitudinal study on
selected sports performance related with the physical growth and development
in twins. XIII th Internacional Congress on Biomechanics Book of Abstracts.
Perth:Unioversity of Western Australia,139-41
Goya T, Amano Y, Hoshikawa T, Matsui H. (1993) Longitudinal study on the
variation and development of selected sports performance in twins:Case study
for one pair of female monozygous (MZ) and (DZ) twins.Sport Sci,14:151-168
Hajnal BL, Braun-Fahrlander C, Siebenthal KV, Bucher H, Reno L. (2004)
Improved outcome for very low birthweight multiple births. Journal of Pediatric
and Neurology, 87-93
Hewitt J, Emde R, Plomin R. (2001) The twin method: what we can learn from a
longitudinal study. In: Emde R, Hewitt J. Infancy to early childhood: genetic and
environmental influences on development change. Oxford University Press
Kelso JAS, Tuller B. (1980) A dynamical basis for action systems. In: MS
Gassaniga,ED. Handbook of cognitive neuroscience. New York: Plenum Press,
143-168
15
Khoury MJ, Beaty TH, Cohen BH. (1983) Fundamentals of genetic
epidemiology. New York,Oxford University
Kugler PN, Kelso JA, Turvey MT. (1982) On the control and co-ordination of
naturally developing systems. In JAS Kelso, JE Clark, Ed. The development of
movement control and co-ordination. New York: John Wiley, 5-78
Lalond R, Hayzoun K, Selimi F, Mariani J, Strazielle C. (2003) Motor
coordination in mice with hotfoot, Lurcher, and double mutations of the Grid2
gene encoding the delta-2 excitatory amino acid receptor. Physiology and
Behavior, 80: 333-339
Largo R, Fischer J, Caflish J, Ed. (2002) Manual of zurich neuromotor
assessement. Department of growth and development. University Children´s
Hospital. AWE Publishing. Zurich.
Lynch M, Walsh B. (1998) Genetics and analysis of quantitative traits.
Massachusetts, Sinnauerb Associates
Neale M, Eaves L. (1995) Research design and methods to study the genetic
epidemiology of obesity. In:DB A, FX P-S,Ed. Obesity treatment. New York:
Plenum Press, 225-38
Neale MC, Cardon LR. (1992) Methodology for genetic studies of twins and
families. Kluwer Academic Publishers. Dordrech
Neto R. (2002) Manual de avaliação motora. Porto Alegre: Artes Médicas
Newell KM, Corcos DM. (1986) Variability and motor control. Leeds: Human
Kinetics
16
Polatajko HJ. (1999) Developmental coordination disorder (DCD): Alias the
clumsy child syndrome. In: Whitmore K, Hart H, Willems G,Ed. A
neurodevelopmental approach to specific learning disorders. MacKeith Press.
London,119-133
Plomin E, Defries JC. (1995) Origins of individual differences in infancy: The
Colorado adoption project. New York: Academic Press
Seagal N. (2005) Indivisible by two. Lives of extraordinary twins.Harvard
University Press. Cambridge, Massachussetts. London, England
Saleh MC, Monteros AE, Zerpa GAA, Fontaine I, Piaud O, Djordjijevic, Baroukh
N, Otin ALG, Ortiz E, Lewis S, Fiette L, Santambrogio P, Belzung C, Connor
JR, Vellis J, Pasquini JM, Zakin MM, Baron B, Guillou F. (2003) Myelination and
motor coordination are increased in transferring transgenic mice. Journal of
Neuroscience Research, 72: 587-594
Sklad M. (1972) Similarity of movement in twins. Wychowanie Fizycznie I Sport.
16:119-41
Võikar V, Rauvala H, Ikonen E. (2002) Cognitive deficit and development of
motor impairment in a mouse model of Niemann-Pick type C disease.
Behaviour Brain Research,132:1-10
Wilson RS, Harpiring EB. (1972) Mental and motor development in infant twins.
Developmental Psychology, 7:277-287
17
18
19
Capítulo 2
Metodologia Geral
20
21
Procedimentos gerais
Todo o trabalho tendente á recolha de informação começou em Outubro de
2006, com o pedido ao Conselho de Administração do Centro Hospitalar do
Alto Ave junto do qual foi apresentado sumariamente o projecto da presente
investigação e solicitada a sua colaboração no sentido de fornecer informação
acerca dos gémeos nascidos neste estabelecimento hospitalar. O mesmo
procedimento foi utilizado no Hospital Geral de Santo António no Porto.
Com o intuito de se proceder á recolha dos dados foram enviadas
convocatórias hospitalares a fim de se receber os pais e respectivos gémeos
em consulta de desenvolvimento neuromotor.
Nesta consulta foi obtida informação acerca do histórico obstétrico da mãe e
pormenores relativos ao desenvolvimento neuromotor dos gémeos, para além
de dados relativos a doenças familiares (anexo 1). De seguida era colhida
informação tendente à determinação da zigotia através de questionário de
Peeters e recolha sanguínea para análise posterior do seu DNA. Era explicada
aos membros do par o conteúdo e estrutura da avaliação da bateria ZNM
(Zurick Neuromotor Assessment). Cada membro do par realizava as provas
sem que o outro membro estivesse presente. As provas foram filmadas com
câmara SONY digital, modelo DCR – DVD 105E. As actividades referentes a
cada par de gémeos eram filmadas em DVD individual para posterior avaliação
dos movimentos associados (os detalhes das provas efectuadas encontram-se
explicitados no ponto relativo a Instrumento e Procedimentos de Avaliação
Neuromotora). O posicionamento da câmara de filmar variava consoante a
prova a ser efectuada. Para a prova do tabuleiro, a câmara era colocada
frontalmente à criança, em filmagem de meio corpo. Para as actividades
realizadas em posição de sentado, a câmara era posicionada num ângulo de
45º para que todo o corpo da criança fosse visível. Na posição de pé a câmara
posicionava-se frontalmente de modo a visualizar todo o corpo da criança. Em
actividades que requeriam movimento, a câmara era colocada frontal ou
lateralmente de forma a ver todo o corpo da criança.
Evidentemente que a recolha dos dados não foi efectuada sem que
previamente se tivesse fornecido todos os esclarecimentos acerca do estudo,
dos seus propósitos, alcances e procedimentos e os pais tivessem assinado
22
um consentimento informado permitindo que os seus filhos participassem no
estudo.
Dada a relevância que a informação assumia para os gémeos e suas famílias
foram elaborados relatórios individuais que a posteriori lhes foram enviados.
Continham não apenas dados relativos aos resultados dos testes realizados
mas também explicações acerca do seu significado.
Amostra
Esta investigação integra uma amostra de grupo de gémeos dos dois sexos,
pertencentes ao escalão etário que se situa entre os 5 e os 18 anos de idade
cronológica e de diferente zigotia (i.e., Monozigóticos, MZ e Dizigóticos, DZ),
cuja distribuição se apresenta no quadro
Quadro 1:Dimensão amostral das diferentes zigotias. Médias e desvios – padrão (M±dp) da idade.
Zigotia Sexo Nº de Pares Totalidade
sujeitos Idade (M±Dp)
MZ ♂♂ 20 41 8.1±2.8 ♀♀ 19 37 9.6±3.3
DZ ♂♂ 12 25 7.6±2.6 ♀♀ 15 30 9.1±4.0
DZ ♀♂ 25 58 9.4±2.7
Determinação da Zigotia
A determinação da zigotia foi efectuada em duas etapas com recurso a dois
métodos: um método indirecto, através da aplicação do questionário de Peeters
et al. (1998), respondido pelas mães durante a consulta de Avaliação do
Desenvolvimento Neuromotor, o qual contém itens de semelhança e confusão
gemelar (ver anexo 2). A cotação das respostas foi efectuada sempre pelo
mesmo investigador. Este questionário, desenvolvido na Bélgica, apresentou
uma elevada validade concorrente numa amostra de gémeos portugueses face
à informação providenciada pelo ADN (Fernandes e Maia, 2006).
23
O método directo consiste numa recolha de sangue (pequena picada no dedo)
a cada um dos membros de cada par de modo a permitir a determinação
automática do tamanho dos fragmentos específicos ampliados por PCR
(Polimerase Chain Reaction) relativamente ao loci altamente polimórficos
(STRs ou micro satélites). Os genótipos gerados simultaneamente, quanto a
uma bateria mínima de 16 destes marcadores foram analisados no laboratório
do IPATIMUP da Universidade do Porto. O cálculo da probabilidade de
monozigotia toma em consideração as frequências alélicas de cada marcador
na região norte e centro do país.
Figura 1 – Material utilizado na recolha de sangue para determinação da zigotia:
Lancetas utilizadas para a picada do dedo
Papel utilizado para recolha da amostra sanguínea, fornecido pelo IPATIMUP, que procedia à sua avaliação
Instrumento e procedimentos de avaliação neuromotora
Com o intuito de avaliar diferentes aspectos do desenvolvimento neuromotor de
gémeos recorremos á bateria de testes Zurich Neuromotor Assessment (ZNM).
A ZNM foi desenvolvida pelo Hospital Pediátrico de Zurich, Suiça, por uma
equipa liderada por Largo (Largo et al., 2001; Largo & Caflish, 2001; Largo,
Fischer et Rousson, 2003), está equipada de um manual explicativo (Zurich
Neuromotor Assessement examination set, 2002) acompanhado de CD
demonstrativo das tarefas e instrumentarium que se encontra ilustrado na
Figura 2:
24
Figura 2 – Material utilizado na bateria de Testes ZNM: Tabuleiro, caixa com 14 pinos plásticos, caixa com 12 pinos
metálicos, pinos plásticos e metálicos suplentes, plataforma listada para testar equilíbrio estático, bastão para testar
equilíbrio estático, plataformas de inox para testar equilíbrio dinâmico com dois bastões e 8 metros de elástico.
Utilizada em vários estudos (Largo et al., 2001; Largo & Caflisch, 2001; Largo,
Fischer et Rousson, 2003), em crianças com idades compreendidas entre os 5
e os 18 anos de idade, esta bateria permite estandardizar a avaliação de
diferentes aspectos do desenvolvimento neuromotor. Inclui sequências de
movimento simples e complexas, bem como tarefas adaptativas.
O exame completo, com um examinador experiente da ZNM, demorará cerca
de uma hora. Existem duas versões de avaliação: a versão clínica e a versão
de investigação. A versão clínica avalia a performance cronometrada
(velocidade) e inclui uma avaliação simples da qualidade de movimento
(movimentos associados contralaterais). A versão de investigação também
avalia a performance temporizada e, em adição, permite uma avaliação mais
compreensiva da qualidade das funções motoras (movimentos associados de
todo o corpo), sendo para tal efectuada a filmagem de todas as tarefas
motoras. Posteriormente, a partir da filmagem, é possível quantificar em grau (0
a 3) e frequência (0 a 10 ou 0 a 20) nos movimentos associados ocorridos
aquando da realização da tarefa proposta. Entende-se por movimentos
associados os movimentos involuntários nas zonas do corpo que não estão
envolvidos activamente na tarefa; quanto menos movimentos associados e
menor a evidência dos mesmos, maior será a qualidade dos movimentos.
A bateria é constituída por tarefas que incluem movimentos repetidos dos pés,
mãos e dedos das mãos; movimentos alternados dos pés e mãos; movimentos
sequenciais dos dedos das mãos; performance adaptativa; tabuleiro e equilíbrio
dinâmico; equilíbrio estático; postura e marcha.
25
As tarefas obedecem a uma sequência, sendo que primeiramente são
efectuadas 2 tarefas no tabuleiro, seguidas dos movimentos alternados e
sequenciais. Em seguida, tarefas de equilíbrio estático e dinâmico. As duas
primeiras tarefas são realizadas em posição de sentado e as restantes em pé.
É de extrema importância a explicação e motivação do examinado para a
realização de cada tarefa, bem como a temperatura agradável do local, a boa
luminosidade e a roupa que permita a correcta visualização das diferentes
partes do corpo envolvidas na avaliação.
É necessária a determinação da dominância lateral. Em crianças pré –
escolares, sentados a uma mesa, com ambas as mãos em cima da mesma,
são instruídos á realização de três tarefas: desenhar um círculo; escovar os
dentes; cortar papel com uma tesoura. A mão utilizada mais frequentemente
pela criança é considerada como a mão dominante. Em crianças escolares é-
lhes questionado acerca da mão com que escrevem. O lado dominante no
membro superior será considerado igualmente dominante para o membro
inferior.
Controlo da qualidade da avaliação
Face à circunstância de se utilizar duas amostras provenientes de dois
hospitais e da exigência de se pontuar o desempenho a partir das filmagens, foi
necessário obter informação relativa á consistência/qualidade de cada
observador e entre observadores.
Dado que neste projecto estiveram envolvidos 3 pesquisadores, foi definido
pontuar 10 crianças retiradas aleatoriamente da amostra. Foram efectuadas
duas avaliações distintas com o intervalo de uma semana. Os principais
resultados encontram-se nas Tabelas 1 e 2, sendo apresentados de forma
semelhante ao sugerido no manual do ZNM (Largo et al, 2002). Deles emerge
a possibilidade em estimar a fiabilidade intra e entre – avaliadores.
26
Tabela 1: Valores do coeficiente de correlação intraclasse (t) e respectivos intervalos de confiança (IC 95%) para o
tempo de performance de todas as tarefas e movimentos do ZNA. Resultados intra - avaliadores e entre – avaliadores
(D= dominante; ND= não dominante)
Tarefas Intra- observador
(IC 95%)
Inter- observador
(IC 95%)
Movimentos
repetidos
Dedos D 0.996 (0.984-0.999) 0.993 (0.985-0.997)
Nd 0.989 (0.960-0.997) 0.979 (0.957-0.990)
Mãos D 0.992 (0.971-0.998) 0.988 (0.975-0.994)
Nd 0.973 (0.903-0.993) 0.967 (0.932-0.984)
Pés D 0.793 (0.393-0.943) 0.769 (0.572-0.882)
Nd 0.999 (0.995-1) 0.996 (0.991-0.998)
Movimentos
alternados
Mãos D 0.998 (0.993-1) 0.988 (0.995-0.999)
Nd 0.999 (0.997-1) 0.999 (0.998-1)
Pés D 0.897 (0.660-0.973) 0.889 (0.782-0.945)
Nd 0.999 (0.997-1) 0.999 (0.998-1)
Movimentos
sequenciais Dedos
D 0.990 (0.962-0.997) 0.989 (0.976-0.994)
Nd 0.991 (0.967-0.998) 0.986 (0.971-0.993)
Tarefas
Adaptativas Tabuleiro
D 0.978 (0.921-0.995) 0.974 (0.947-0.988)
Nd 0.996 (0.987-0.999) 0.994 (0.988-0.997)
Equilibrio Dinâmico D 0.999 (0.998-1) 0.999 (0.998-1)
Nd 0.997 (0.987-0.999) 0.998 (0.996-0.999)
Equilibrio Estático D 0.999 (0.998-1) 1
Nd 0.998 (0.991-0.999) 0.998 (0.995-0.999)
27
Tabela 2: Valores do coeficiente de correlação intraclasse (t) e respectivos intervalos de confiança (IC95%) para os
movimentos associados de todas as tarefas e movimentos do ZNA. Resultados intra – avaliadores e entre - avaliadores
(D= dominante; ND= não dominante)
Tarefas Intra- observador
(IC 95%)
Inter- observador
(IC 95%)
Movimentos
repetidos
Dedos D 0.958(0.935-0.973) 0.959 (0.947-0.99768)
Nd 0.973 (0.958-0.982) 0.917 (0.895-0.935)
Mãos D 0.975 (0.961-0.984) 0.953 (0.939-0.963)
Nd 0.989 (0.983-0.993) 0.989 (0.986-0.992)
Pés D 0.915 (0.871-0.945) 0.910 (0.885-0.929)
Nd 0.984 (0.975-0.990) 0.970 (0.962-0.977)
Movimentos
alternados
Mãos D 0.986 (0.978-0.991) 0.974 (0.967-0.980)
Nd 0.919 (0.877-0.947) 0.915 (0.891-0.933)
Diadocinésias D 0.802 (0.707-0.868) 0.809 (0.761-0.849)
nd 0.863 (0.794-0.910) 0.879 (0.847-0.905)
Pés D 0.833 (0.751-0.889) 0.837 (0.795-0.871)
Nd 0.961 (0.941-0.871) 0.957 (0.945-0.967)
Movimentos
sequenciais Dedos
D 0.859 (0.788-0.907) 0.885 (0.854-0.909)
Nd 0.914 (0870-0.944) 0.893 (0.864-0.916)
Tarefas
Adaptativas Tabuleiro
D 0.888 (0.827-0.929) 0.925 (0.900-0.943)
Nd 0.868 (0.796-0.916) 0.935 (0.914-0.951)
Postura
(marcha)
Em bicos de pés 0.924 (0.876-0.954) 0.919 (0.892-0.939)
Nos calcanhares 0.993 (0.989-0.996) 0.962 (0.949-0.972)
Bordo externo do pé 0.959 (0.932-0.975) 0.912 (0.895-0.940)
Bordo interno do pé 0.918 (0.866-0.950) 0.900 (0.866-0.924)
Os resultados das tabelas anteriores mostram a elevada consistência, intra e
entre observadores, para o tempo de performance de todas as tarefas e
movimentos do ZNM, bem como para os movimentos associados. Os valores
variam entre 0.99 e 0.79 (intra observador) e 0.76 e 1 (entre observador). O
mesmo pode ser verificado na tabela de movimentos associados, com valores
que variam desde 0.99 e 0.80 para avaliações intra avaliadores e 0.98 e 0.80
para entre avaliadores.
28
Procedimentos estatísticos
Para cada variável foi efectuada a análise descritiva e correspondente estudo
exploratório.
Quando se lida com amostras gemelares de dimensão reduzida, como é o
caso desta pesquisa, é necessário remover o efeito de diferentes covariáveis,
tais como sexo, idade, de forma a obter fenótipos mais precisos. É habitual
recorrer-se á regressão múltipla e calcular os resíduos das covariáveis
significativas. Estas passarão a ser as novas variáveis. Foi então decidido
considerar somente gémeos MZ e DZ. Foram considerados os resíduos de
regressão em cada fenótipo considerando idade, sexo, tempo de gestação,
prática desportiva e índice de apgar como covariáveis.
No seio de cada zigotia foi calculado o coeficiente de correlação intraclasse
(medida de semelhança–dissemelhança intrapar). O coeficiente de correlação
intraclasse é uma estatística frequentemente utilizada para sumariar o grau
de homogeneidade de uma classe de valores; espera-se que a classe dos
gémeos MZ para um qualquer traço fenotipico seja mais homogénea que a
classe dos gémeos DZ.
Foram elaborados gráficos de dispersão, que pretendem ilustrar aspectos
distintos associados á possibilidade de identificar efeitos genéticos nas
variáveis em estudo. Aquilo que se espera da configuração dos resultados é
que os pares de pontos estejam contidos numa elipse mais alongada nos
gémeos MZ do que nos gémeos DZ.
Foram calculadas estimativas de heritabilidade. A heritabilidade é uma
estatística que expressa o quanto da variância numa determinada
característica é devida a factores genéticos.
A performance da avaliação neuromotora da ZNM é expressa sob a forma e
desvios em relação média da população de referência, i.e., em scores z de
acordo com a idade e sexo. Como é bem conhecido, existe uma relação
estreita entre valores z e percentis. Os valores normativos referidos nos
outputs do software que analisa o desempenho têm somente valores z para
desempenhos extremos e percentis para uma banda de performance situada
entre os P3 e o P97. A avaliação vai ser analisada em componentes em bloco
(quatro tempos de performance e um de movimentos associados) e não em
29
componentes diferenciais. Todas as análises foram realizadas no software
STATA 10.
30
31
Capítulo 3
Estudo Empírico
32
33
Factores genéticos e ambientais nos níveis de desempenho neuromotor.
Um estudo em gémeos
A análise e interpretação do desempenho (motor) de crianças e jovens são
normalmente pensados em termos de duas perspectivas distintas – normativas
e diferencialistas (Baltes, 1987). Enquanto a primeira focaliza a sua atenção em
termos modais, i.e., o que é mais frequente e “universal” num conjunto de
dados, a segunda interessa-se pela atribuição de significado á variação inter-
individual. Talvez não seja de admirar que a apresentação do desempenho sob
a forma de cartas centílicas seja um dos modos mais adequados de expressar
quantitativamente o posicionamento normativo. Contudo, é também evidente
que para cada valor discreto de idade, existe uma forte variação representativa
da “ideia de normal” que se situa entre percentis (Pi) tão extremos quanto o P3
e o P97.
Há relatos bem extensos de aspectos do desempenho motor de crianças e
jovens no lato território das aptidões (Bouchard et al., 1994; Beunen et al.,
1999; Maia et al., 2003), das habilidades motoras genéricas e específicas
(Bouchard et al., 1983; Beunen et al., 1988; Malina et al., 1991), diferentes
aspectos do desenvolvimento neuromotor (Malina et al., 1997; Maia et al.,
2001; Haywood et al., 2005) e coordenação motora grossa (Malina et al., 2001;
Maia et al., 2003; Bustamante et al., 2007; Vidal, 2008; Coelho de Deus, 2008).
Diferentes baterias de testes de elevada versatilidade permitem tal avaliação,
quantificação objectiva e variabilidade interpretativa.
Um dos maiores desafios colocados a qualquer investigador no domínio do
desempenho motor é a atribuição de significado á presença de diferenças entre
sujeitos que é normalmente expressa por uma estatística bem simples – a
variância. Uma das formas mais interessantes de explorar a extensão de
variação presente na performance motora, não obstante ser polémica em
termos de procedimentos de análise (Bouchard et al., 1997; Neale et al., 1992),
é a que recorre a delineamentos gemelares comparando gémeos
monozigóticos (MZ) e dizigóticos (DZ). A sua história é longa e recheada em
diferentes domínios de investigação (Rutter, 2006), e a sua aplicação às
Ciências do Desporto tem sido extremamente fértil em termos de estudo de
34
aspectos fisiológicos, de produção de força muscular, etc. (um resumo extenso
desta utilização está disponível em Bouchard et al., 1997). Recentemente tem
sido utilizado em diferentes domínios da epidemiologia da actividade física (ver
por exemplo, em língua portuguesa, Sapage et al., 2004; Seabra, 2007).
Ora não obstante a evidência de informação normativa, acerca do
desenvolvimento neuromotor (veja-se o exemplo dos estudos realizados na
Suiça por Largo et al., 2001; Caflish et al., 2001; Largo et al., 2003), existe
pouca informação disponível acerca do contributo analítico e interpretativo da
enorme variação que se encontra no desenvolvimento neuromotor de crianças
e jovens. Os gémeos MZ e DZ proporcionam uma oportunidade excelente de
se estudar variados aspectos da plasticidade do desenvolvimento neuromotor.
As metodologias gemelares estabelecem estratégias para identificar as
contribuições genéticas e ambientais de um dado fenótipo, representado de
modo contínuo ou discreto, dado que permitem estimar a magnitude das
influências genéticas através do cálculo de factores genéticos (a2) e dos
factores ambientais que se dividem em duas sub-componentes: o ambiente
comum (c2) e o ambiente único (e2), (Hewitt et al., 2001).
A Bayley Scale of Infant Development, contribuíu para muita da pesquisa
efectuada, acerca das características inerentes ao Desenvolvimento Motor em
Gémeos. Este tipo de escalas avaliativas (Dales, 1969), permitem-nos verificar
a elevada consistência na aquisição de competências motoras, quer nos
gémeos MZ, quer nos DZ.
Mesmo nos gémeos prematuros com diferentes pesos á nascença, vamos
encontrar ao longo dos primeiros dois anos de vida, uma grande semelhança
intrapar no desenvolvimento motor (Fujikura e Froelich, 1974; Wilson et al.,
1972). Os gémeos MZ e DZ, vão apresentar igualmente uma maior similaridade
na aquisição de competências motoras, quando comparados com irmãos
comuns durante os primeiros 5 anos de vida (Cook et al., 1984; Dales, 1969;
Wilson et al., 1972).
Aspectos específicos da corrida entre gémeos com idades entre 11 e 15 anos,
foram analisados por Sklad, (1972), verificando-se uma reduzida variação
intrapar nos gémeos MZ e no sexo masculino. Isto sugere uma contribuição
genotipica na variação dos aspectos da corrida. Por outro lado a pequena
diferença encontrada nas raparigas MZ e DZ, sugere que a corrida no sexo
35
feminino esta mais sujeita a influências ambientais, como factores sociais e
motivacionais.
Dada a insuficiência em termos informacionais, acerca da variação do
desempenho neuromotor em crianças e jovens e dada e sua relevância em
termos clínicos e pedagógicos, pensamos ser importante interpretar, de modo
distinto, a variação que ocorre nas cartas centilicas, para um qualquer valor de
idade do desempenho neuromotor. Daqui que os objectivos da presente
pesquisa sejam os seguintes:
1. Descrever aspectos da similaridade–dissimilaridade do desempenho
neuromotor de gémeos MZ e DZ
2. Explorar a agregação fraterna nos níveis de desempenho neuromotor
em gémeos MZ e DZ
3. Estimar a magnitude do contributo genético e ambiental no desempenho
neuromotor de gémeos MZ e DZ
36
Material e Métodos
Amostra
A amostra foi escolhida dos registos de nascimentos (1990, 2002) do Centro
Hospitalar do Alto Ave, do Hospital Geral de Santo António do Porto e do 1º
Encontro de Gémeos realizado na cidade da Maia. A realização deste estudo
foi autorizada pelas comissões de ética de cada hospital; de cada família foi
obtido o consentimento informado.
As crianças foram avaliadas entre Novembro de 2006 e Abril de 2007, sendo
excluídas previamente todas as que sofressem de paralisia cerebral ou atraso
mental.
Foram convocadas 170 famílias. No entanto, somente compareceram 83 pares
de gémeos, 7 trigémeos e 1 quadrigémeos com idades compreendidas entre os
5 e os 17 anos de idade; 94 são do sexo masculino, 97 do sexo feminino; 78
são monozigóticos (MZ) e 113 são dizigóticos (DZ).
Quadro 2: Totalidade de sujeitos, média e desvios – padrão (M±dp) da idade dos gémeos da amostra.
Zigotia Sexo Nº de Pares Totalidade sujeitos Idade (M±Dp)
MZ ♂♂ 20 41 8.1±2.8 ♀♀ 19 37 9.6±3.3
DZ ♂♂ 12 25 7.6±2.6 ♀♀ 15 30 9.1±4.0
DZ ♀♂ 25 58 9.4±2.7
Avaliação Neuromotora de Zurich
A bateria utilizada para a avaliação, Zurich Neuromotor Assessment (ZNM), foi
desenvolvida pelo Hospital Pediátrico de Zurich (Largo et al, 2002). A Avaliação
Neuromotora de Zurich (Tabela 1) está construída em termos normativos com
37
base em distintas tarefas motoras balizadas em tempos de performance e
qualidade de movimento (movimentos associados da extremidade contralateral,
ipsilateral, face, cabeça e tronco).
Tabela 3:Tarefas neuromotoras da bateria de testes ZNM
Movimentos repetidos Dedos
Mãos
Pés
Movimentos Alternados Mãos
Diadocinésias
Pés
Dedos
Tabuleiro
Equilíbrio Dinâmico Saltos laterais
Saltos frontais
Equilíbrio Estático
Marcha Sobre os dedos
Sobre os calcanhares
Sobre o bordo externo do pé
Sobre o bordo interno do pé
Determinação da Zigotia
A determinação da zigotia refere-se à possibilidade de classificar os pares de
gémeos em MZ ou DZ, e foi efectuada com recurso ao método directo. Este
consiste numa recolha sanguínea a cada um dos membros de cada par para
permitir a determinação automática do tamanho dos fragmentos específicos
ampliados por PCR relativamente a loci altamente polimórficos (STRs ou micro
satélites). Os genótipos gerados simultaneamente, quando a uma bateria
mínima de 16 destes marcadores, foram analisados no laboratório do Instituto
de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP) que
38
permite identificar com precisão os gémeos MZ dos DZ, considerando a
frequência alélica dos diferentes marcadores para a região norte e centro do
país.
Controlo da Fiabilidade de Avaliação
O controlo da fiabilidade da avaliação da bateria de testes ZNM foi realizado
em duas etapas: entre – avaliadores e intra – avaliadores. Para realizar este
controlo foram observados 10 registos de vídeo de 10 crianças, pontuados por
3 avaliadores, que reavaliaram as mesmas 10 crianças passadas uma semana.
Os resultados denotam uma elevada fiabilidade intra e entre observador
(0.793-0.999 e 0.769 e 1, respectivamente), para o tempo de performance de
todas as tarefas e movimentos do ZNM bem como para os movimentos
associados.
Procedimentos Estatísticos
Para cada variável foi efectuada a análise descritiva e correspondente estudo
exploratório.
Ao lidar com amostras gemelares de dimensão reduzida, como é o caso
desta pesquisa, torna-se necessário a remoção do efeito de diferentes
covariáveis, como o sexo e a idade de forma a obter fenótipos mais precisos.
É habitual recorrer-se á regressão múltipla e calcular os resíduos que
passarão a ser as novas variáveis. Considerou-se então somente gémeos MZ
e DZ..
Foi calculado o coeficiente de correlação intraclasse no seio de cada zigotia
que é uma estatística frequentemente utilizada para sumariar o grau de
homogeneidade de uma classe de valores; espera-se que a classe dos
gémeos MZ para um qualquer traço fenotípico seja mais homogénea que a
classe dos gémeos DZ.
39
Foram construidos gráficos de dispersão, pretendendo ilustrar aspectos
distintos associados á possibilidade de identificar efeitos genéticos nas
variáveis em estudo. Espera-se, da configuração dos resultados, que os
gémeos MZ obtenham pares de pontos contidos numa elipse mais alongada,
do que nos gémeos DZ.
Foram calculadas estimativas de heritabilidade a fim de expressar o quanto
da variância numa determinada característica é devida a factores genéticos.
Todos os cálculos foram realizados no STATA 10.
A performance da avaliação neuromotora da ZNM é expressa sob a forma e
desvios em relação média da população de referência, i.e., em scores z de
acordo com a idade e sexo. Como é bem conhecido, existe uma relação
estreita entre valores z e percentis. Os valores normativos referidos nos
outputs do software que analisa o desempenho têm somente valores z para
desempenhos extremos e percentis para uma banda de performance situada
entre os P3 e o P97. A avaliação vai ser analisada em componentes em bloco
(quatro tempos de performance e um de movimentos associados) e não em
componentes diferenciais
40
RESULTADOS
O Quadro 3 contém informação descritiva básica das tarefas da bateria ZNM
nos cinco grupos de gémeos.
Quadro 3:Média e desvio-padrão das tarefas da bateria de testes ZNM para os gémeos MZ e DZ.
FENÓTIPOS
MZ DZ
♂♂ ♀♀ ♂♂ ♀♀ ♂♀
n=20 n=19 n=12 n=15 n=25
M±dp M±dp M±dp M±dp M±dp
Tarefas Puramente Motoras -1.98 1.82 -1.84 1.82 -1.66 1.25 -2.17 1.33 -1.9 1.42
Tarefas Motoras Adaptativas Finas -2.66 2.01 -1.63 1.64 -2.31 1.9 -2.08 1.73 -1.75 1.25
Tarefas Motoras Adaptativas Grossas -1.74 1.33 -1.87 2.09 -2.04 1.39 -2.02 1.5 -2.52 1.9
Equilíbrio Estático -0.62 0.96 -0.39 0.77 -0.82 1.52 -0.35 0.78 -0.3 0.93
Movimentos Simples/ Complexos 0.09 1.32 0.79 1.41 -0.33 1.24 0.14 1.16 -0.01 1.29
Extremidades superiores/ Inferiores -1.88 0.84 -1.55 1.15 -1.95 0.66 -1.82 0.77 -2.1 1.16
Tarefas puramente Motoras/ Lado Dominante/ Lado Não Dominante -0.18 0.87 -0.12 0.7 -0.24 1 -0.15 0.82 -0.05 0.86
Somatório dos Movimentos Associados 0.91 0.82 0.77 0.94 1.16 0.95 1.08 0.54 0.86 0.7
Tarefas Puramente Motoras/ Adaptativas
0.18 0.56 0.45 0.56 0.33 0.32 0.35 0.33 0.4 0.34
Tarefas Motoras Adaptativas/ Postura 0.68 0.86 1.02 0.52 0.83 0.62 0.82 0.55 0.8 0.67
Tarefas Extremidades Superiores/ Extremidades inferiores -0.3 0.62 -0.13 0.45 -0.15 0.44 -0.3 0.46 -0.08 0.61
Tarefas Puramente Motoras/ Lado Dominante/Lado Não Dominante -0.02 0.59 -0.14 0.65 0 0.46 0.11 0.33 0.19 0.41
É possível identificar a existência de uma significativa variabilidade inter-
individual quando analisadas as provas da bateria ZNM, quer nos gémeos MZ,
quer nos DZ.
No entanto, é possível destacar a maior proximidade de valores, encontrados
nos gémeos MZ.
41
O quadro 4 mostra as covariáveis significativas e o valor da variância que
explicam de cada um dos nove fenótipos, situando-se entre os 4% e os 27%
para os fenótipos T1-T4 (componentes do tempo), e entre os 2% e os 21% nos
fenótipos AM1-AM5 (componentes de movimentos associados). Por exemplo,
nas tarefas motoras adaptativas finas, apenas 4% da variância total é explicada
pelo sexo do sujeito; já nas tarefas puramente motoras a capacidade
explicativa das variáveis idade, idade2 e despcont, é de 27%; nas tarefas
motoras adaptativas/postura, apenas 2% da variância total é explicada pelo
sexo do sujeito, enquanto que idade 2 e sexo é atribuída 21% da variância total
do somatório dos movimentos associados.
Quadro 4: R2 atribuído às diferentes covariáveis que influenciam a variância total de cada fenótipo: T1-T4
(componentes do tempo); Am1-Am5 (componentes de movimentos associados)
Fenótipos (T1-T4) Covariáveis R² ajustado (%)
Tarefas Puramente Motoras (T1) Idade, idade2, despcont 27%
Tarefas Motoras Adaptativas Finas (T2) Sexo 4%
Tarefas Motoras Adaptativas Grossas (T3) Tgest, idade2xsexo 5%
Equilíbrio Estático (T4) Idade, idade2 12%
Fenótipos (Am1-Am5) Covariáveis R² ajustado (%)
Somatório dos movimentos associados (AM1) Idade2xsexo 21%
Tarefas Puramente Motoras / Adaptativas
(AM2) Idade, sexo, despcont 11%
Tarefas Motoras Adaptativas / Postura (AM3) sexo 2%
Tarefas Puramente Motoras / Lado dominante /
Lado não Dominante (AM5) Apgar5, despcont 8%
O quadro 5 mostra os valores da correlação intraclasse (t) e respectivos
intervalos de confiança (IC95%) nos diferentes domínios de desempenho dos
gémeos MZ e DZ, salientando em somente sete das doze tarefas os valores
mais elevados nos gémeos MZ (representações gráficas das distribuições
estão na figura 3).
42
Quadro 5: Correlação intraclasse e respectivos intervalos de confiança do desempenho nas classes de gémeos MZ e
DZ.
Fenótipos (T1-T7) MZ DZ
tep IC95%t tep IC95%t
Tarefas Puramente Motoras (T1) 0.780.06 0.65;0.90 0.590.09 0.42;0.76
Tarefas Motoras Adaptativas Finas (T2)
0.720.08 0.57;0.87 0.380.11 0.16;0.60
Tarefas Motoras Adaptativas Grossas (T3)
0.590.10 0.38;0.79 0.470.10 0.27;0.67
Equilíbrio Estático (T4) 0.450.13 0.20;0.70 0.640.08 0.49;0.80
Movimentos Simples / complexos (T5)
0.540.11 0.32; 0.77 0.440.11 0.23; 0.65
Extremidades superiores / inferiores (T6)
0.260.15 0.00; 0.55 0.420.11 0.20; 0.63
Tarefas Puramente Motoras / Lado dominante / Lado não Dominante (T7)
0.080.16 0.00; 0.39 0.020.13 0.00; 0.27
Fenótipos (AM1- AM5)
MZ DZ
tep IC95%t tep IC95%t
Somatório dos movimentos associados (AM1)
0.790.06 0.67;0.91 0.510.10 0.32;0.71
Tarefas Puramente Motoras/ Adaptativa (AM2)
0.520.12 0.28;0.75 0.170.13 0.00;0.42
Tarefas Motoras Adaptativas / Postura (AM3)
0.830.05 0.73;0.93 0.670.07 0.52;0.81
Tarefas Extremidades Superiores/ Extremidades Inferiores (AM4)
0.140.16 0.00;0.44 0.000.13 0.00;0.25
Tarefas Puramente Motoras / Lado dominante / Lado não Dominante (AM5)
0.180.17 0.00 ;0.52 0.040.14 0.00 ;0.32
43
-6 -5 -4 -3 -2 -1 0 1
T11
-10
-5
0
5
T1
2
MZDZ
GEMELAR
-10 -5 0 5
T21
-10
-5
0
5
T2
2MZDZ
Gem
-10 -5 0 5
T31
-10
-5
0
5
T3
2
MZDZ
GEMELAR
-5 -4 -3 -2 -1 0 1 2
T41
-5
-4
-3
-2
-1
0
1
2
T4
2
MZDZ
GEMELAR
-3 -2 -1 0 1 2 3 4
T51
-4
-3
-2
-1
0
1
2
3
4
5
6
T5
2
MZDZ
GEMELAR
-5 -4 -3 -2 -1 0 1
T61
-5
-4
-3
-2
-1
0
1
2
T6
2
MZDZ
GEMELAR
A figura 3 pretende ilustrar, através dos diagramas de dispersão, aspectos
distintos associados á possibilidade de identificar efeitos genéticos nas
variáveis em estudo.
Figura 3: Diagramas de Dispersão relativos aos fenótipos T1 a T7 (componentes de tempo)
44
-4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5
T71
-3
-2
-1
0
1
2
3
T7
2
MZDZ
GEMELAR
-2 -1 0 1 2 3
AM11
-3
-2
-1
0
1
2
3
AM
12
MZDZ
GEMELAR
-3 -2 -1 0 1 2
AM21
-2
-1
0
1
2
AM
22
MZDZ
GEMELAR
-2 -1 0 1 2 3
AM31
-2
-1
0
1
2
AM
32
MZDZ
GEMELAR
-4 -3 -2 -1 0 1 2 3
AM41
-5
-4
-3
-2
-1
0
1
2
3
AM
42
MZDZ
GEMELAR
-3 -2 -1 0 1 2
AM51
-2
-1
0
1
2
AM
52
MZDZ
GEMELAR
Figura 4: Diagramas de Dispersão relativos aos fenótipos AM1 a AM5 (componentes de
movimentos associados)
45
A partir dos resultados das correlações intraclasse foram calculadas as
estimativas de h2 (Quadro 6) para as 12 tarefas.
Em quatro das doze tarefas foram encontrados valores que reflectem a
importância dos factores genéticos, de 18% na tarefa t1 a 80% na tarefa t3.
Nas tarefas restantes, os factores genéticos não parecem exercer qualquer
efeito.
Quadro 6: Estimativa da Heritabilidade
FENÓTIPOS h2
Tarefas Puramente Motoras (T1) 0.18
Tarefas Motoras Adaptativas Finas (T2) 0
Tarefas Motoras Adaptativas Grossas (T3) 0.8
Equilíbrio Estático (T4) 0
Movimentos Simples/ Complexos (T5) 0.68
Extremidades superiores/ Inferiores (T6) 0.52
Tarefas puramente Motoras/ Lado Dominante/ Lado Não Dominante (T7)
0
Somatório dos Movimentos Associados (AM1) 0
Tarefas Puramente Motoras/ Adaptativas (AM2) 0
Tarefas Motoras Adaptativas/ Postura (AM3) 0
Tarefas Extremidades Superiores/ Extremidades inferiores (AM4)
0
Tarefas Puramente Motoras/ Lado Dominante/ Lado Não Dominante (AM5)
0
46
DISCUSSÃO
Esta pesquisa pretendeu estimar a importância dos factores genéticos e
ambientais nos níveis de desenvolvimento neuromotor, recorrendo a um
delineamento gemelar.
A avaliação do desempenho neuromotor continua a ser uma tarefa difícil por
três grandes motivos: (1) a dificuldade em construir baterias de testes de fácil
aplicabilidade e de relevância clínica; (2) a reduzida fiabilidade dos registos em
idades inferiores a 7 anos; (3) a ausência de dados normativos para cada uma
das tarefas incluídas numa qualquer bateria de testes (Largo et al, 2002). No
estudo presente foi constatada uma fiabilidade elevada entre avaliadores e
intra avaliador para a frequência e grau das componentes de tempo e
movimentos associados, salientando bem a elevada consistência na avaliação
do desempenho, sendo que valores muito similares foram reportados no estudo
realizado por Seitz et al (2005).
Um dos aspectos fundamentais da avaliação do desempenho neuromotor
refere-se, precisamente, na determinação da consistência do padrão de
desempenho de cada sujeito, i.e., em que plano se situa a performance
neuromotora de cada actividade realizada. A literatura disponível neste domínio
não apresenta uma solução única e consensual referindo, por isso mesmo,
uma escolha diversificada de instrumentos de avaliação (Evensen et al, 2004;
Pharoah et al, 1994), de que a bateria ZNA é um exemplo de elevado valor. A
bateria de testes utilizada nesta pesquisa foi construída de modo clinicamente
sólido, tem salientado a sua relevância em estudos escolares e pediátricos, a
que se associa uma fundamentação metodológica muito robusta (Largo et al,
2002).
47
Tal como referem Bouchard et al. (1997), quando se lida com amostras de
gémeos de dimensão reduzida, tal como acontece nesta pesquisa, há que
considerar somente gémeos MZ e DZ independentemente do seu sexo. Face á
circunstância de haver diferenças sexuais, de idade e prática desportiva, a
decisão de remoção dos seus efeitos pretende obter uma medida mais refinada
de desempenho neuromotor. Esta é uma estratégia habitual em pesquisas
deste género (Neale e Cardon, 1992). Por exemplo, no estudo realizado por
Maia et al (2003), com gémeos dos 6 aos 12 anos acerca dos seus níveis de
actividade física e aptidão física associada á saúde, da variância total das
diferenças no seio de cada zigotia, a quantidade de variância explicada pelos
efeitos aditivos (sexo e idade) foi de 20%. Na presente pesquisa estas
covariáveis explicam quantidades distintas de variância total nos diferentes
desempenhos: nas componentes de tempo (T1-T4) entre 4% (tarefas motoras
adaptativas finas) e 27% (tarefas puramente motoras); nas componentes de
movimentos associados (AM1-AM5) entre 2% (tarefas motoras
adaptativas/postura) e 21% (somatório dos movimentos associados).
A variabilidade intra-individual e entre indivíduos de origem gemelar é
normalmente explicada em termos genéticos e ambientais (Hewitt et al., 2001).
Os gémeos ou múltiplos providenciam uma oportunidade excelente de se
estudar aspectos da plasticidade do desenvolvimento motor e de algum modo
ajudar a esclarecer aspectos que são importantes na vasta área da
coordenação motora. Como partilham todos os genes idênticos por
descendência, nos gémeos MZ, a associação entre as diferenças intra-par, são
48
devidas, essencialmente a diferenças ambientais (Morley, Dwyer & Carlin,
2003). Segundo Morley (2006), a partir da análise da associação intra-par e
entre pares consegue-se estimar o papel de factores partilhados entre
membros do mesmo par versus factores que afectam o gémeo individualmente,
bem como factores genéticos.
Tal como foi referido anteriormente, um dos objectivos deste estudo foi
descrever e interpretar a semelhança/dissemelhança na performance
neuromotora em gémeos de diferente zigotia. Os gémeos MZ apresentaram
valores de coeficiente de correlação intraclasse superiores aos gémeos DZ, em
grande parte dos fenótipos estudados. O equilíbrio estático e as tarefas para as
extremidades superiores e inferiores foram a excepção. Estes resultados são
concordantes com as pesquisas realizadas por Akerman e Fischbein (1992),
que estudaram 145 pares de gémeos até aos 18 anos, nas funções
locomotoras, sociais, comunicação e performance, constatando similaridade
intra-par de gémeos MZ e DZ. Verificaram igualmente que ao longo da idade os
pares de gémeos MZ se tornam mais semelhantes do que os gémeos DZ. O
mesmo ocorreu em Chatterjee e Das (1995) ao mostrarem que a variância
intra-par para a capacidade vital, salto vertical e frequência cardíaca era mais
elevada nos DZ relativamente aos MZ; não foram reportadas diferenças nos
valores de semelhança intra-par nos gémeos MZ e DZ na flexibilidade e
agilidade. Já Maia et al., (2004) verificaram maior heterogeneidade nos níveis
de actividade física de gémeos DZ. Sklad (1972) analisou aspectos específicos
da corrida entre gémeos com idades compreendidas entre 11 e 15 anos e
verificou que a variação intrapar foi mais reduzida nos gémeos MZ e no sexo
masculino.
49
Extensa revisão sobre variações interculturais no desenvolvimento motor de
crianças sugere claramente que a sequência e o tempo/idade de diferentes
manifestações motoras não são universais (Cintas, 1988). De maneira geral, os
estudos sugerem que o desenvolvimento motor é especialmente influenciado
pelas práticas maternas utilizadas no cuidado diário, seguidas pelo treino de
habilidades motoras específicas, pelo nível de escolaridade das mães e pelo
nível socioeconómico das famílias (Schmidt et al., 1988; Durmazlar et al.,
1998).
Como principal factor ambiental responsável pelas variações encontradas,
estão a diversidade de praticas maternas no cuidado diário e o treino especifico
de habilidades motoras, especialmente a estimulação postural e vestibular, que
podem originar padrões motores distintos durante o 1º ano de vida e serem
responsáveis por variações no desenvolvimento motor normal (Brill, 1986)
Podemos verificar na presente pesquisa que o equilíbrio estático e as tarefas
para as extremidades superiores e inferiores foram as que demonstraram maior
componente de influência ambiental.
Estes resultados são semelhantes aos dos outros autores, cujas pesquisas
foram sumariadas em Bouchard et al., (1997).
Um estudo conduzido na Turquia utilizando o Denver Development Screening
Test (Frankenburg et al., 1990), encontrou poucas e inconsistentes diferenças
entre meninos e meninas. Porém, as diferenças entre os grupos socioculturais
foram marcantes. No grupo de mães com maior escolaridade, as crianças
mostraram melhor desempenho na motricidade apendicular e na linguagem
(Durmazlar et al., 1998).
50
Estas diferenças no ambiente em torno da criança não são triviais e podem
influenciar o desenvolvimento. Daí a importância de serem estudadas e
entendidas a fim de elaborar estratégias para estimular o desenvolvimento.
È importante salientar três aspectos que são limitações desta pesquisa. Em
primeiro lugar a reduzida dimensão amostral e a enorme variação na
informação que implicam distintas histórias de vida. Em segundo lugar o local
escolhido para a realização deste estudo, i.e., um hospital que poderá causar
alguma ansiedade e receio, embora não tenhamos nenhuma medida objectiva
desta assunção. A terceira limitação prende-se com a ausência de informação
relativa á fiabilidade do desempenho dos gémeos por ausência de repetição
das tarefas.
51
Conclusões
De acordo com os resultados encontrados podemos concluir que:
Existe maior homogeneidade na performance neuromotora em gémeos MZ do
que em gémeos DZ.
É notória a presença de factores genéticos na variação interindividual do
Desenvolvimento Neuromotor, especialmente em fenótipos como movimentos
simples/complexos, as extremidades superiores/ inferiores, bem como as
tarefas motoras adaptativas finas.
O ambiente parece provocar um efeito estimulador que interage com a biologia
humana para produzir o comportamento.
A variabilidade nos níveis de Desenvolvimento Neuromotor é muito complexa,
exigindo uma forma plural de o entender. Daqui que este estudo alerte e
reclame novas extensões a esta abordagem, para melhorar a capacidade
interpretativa e intervenção clínica e pedagógica.
52
53
Referências Bibliográficas Akerman AB, Fischbein S. (1992) Within-pair similarity in MZ and DZ twins from
birth to eighteen years of age. Acta Genetica Medica Gemeollogica, 41(2-3):
155-64
Beunen G, Malina RM. (1988) Growth and physical performance relative to the
timming od the adolescent spurt. In: Pandolf KB, Ed. Exercise and Sport
Sciences Reviews, 16:503-540. MacMillan Publishing Company. New York
Beunen G, Thomis M. (1999) Genetic determinants of sports participation and
daily physical activity. Internacional Journal of Obesity. London, 3:1-9
Bouchard C, Malina R, Pérusse L (1997). Genetics of fitness and physical
performance. Human Kinetics. Champaign
Bouchard C, Shephard R, Stephens T. (1994) Physical activity,fitness and
health: Internacional proceedings and consensus statement. Human Kinetics.
Champaign
Bouchard C, Tremblay A, Leblanc C, Lortie G, Savard R, Theriault G. (1983). A
method to acess energy expenditure in children and adults. American Journal
Clinical Nutrition, 37:461-467
Brill B. (1986) Motor development and cultural attitudes. In: Whiting HTA, Wade
MG. Themes in motor development. Martinus Nijoff Publishers. Boston, 35:
297-313
Bustamante A (2007). Análisis interactivo de la coordinación motora, actividad
física y del índice de masa corporal en escolares peruanos. Estudio transversal
en niños de ambos sexos de los 6 a los 11 años de edad. Tese de Mestrado,
Universidade do Porto. FADEUP
54
Chatterjee S,Das N. (1995). Physical and motor fitness in twins. Japanese
Journal of Physiology, 45:519-534.
Cintas, H. (1988). Cross-cultural variation in infant motor development. Physical
& Occupational Therapy in Pediatrics, 8:1-20
Coelho de Deus R. (2008) Estabilidade e mudança nos níveis de coordenação
motora de crianças da região autónoma dos Açores. Tese de mestrado.
FADEUP
Cook CF, Broadhead GD. (1984) Motor performance of pre-school twins and
singletons. Phys. Educ. 41:16-20
Dales RJ. (1969) Motor and language development of twins during the first
three years. J. Genet. Psychol. 114:263-271
Durmazlar N. (1998) Turkish children`s performance on Denver II: Efect of sex
and mother`s education. Developmental Medicine & Child Neurology,40:411-
416
Evensen KAI, Vik T, Helbostad J, Indeadavik MS, Kulseng S, Brubakk AM.
(2004) Motor Skills in adolescents with low birthweight. Archives Diseased
Children Fetal Neonatal, 89:451-455
Fujikura T, Froelich LA. (1974) Mental and motor development in monozygotic
co-twins with dissimilar birth weights. Pediatrics, 53:884-89
Hewitt J, Emde R, Plomin R (2001). The twin method: what we can learn from a
longitudinal study. In: Emde R, Hewitt J. Infancy to early childhood: genetic and
environmental influences on development change. Oxford University Press
55
Kramer M. (2008) Invited commentary: association between restricted fetal
growth and adult chronic disease: is it causal? Is it important? American Journal
of Epidemiology, 152(7):605-608
Lalond R, Hayzoun K, Selimi F, Mariani J, Strazielle C. (2003) Motor
coordination in mice with hotfoot, Lurcher, and double mutations of the Grid2
gene encoding the delta-2 excitatory amino acid receptor. Physiology and
Behavior,80:333-339
Largo RH, Caflisch JA, Hug F, Muggli K, Molnar A, Molinari L. (2001)
Neuromotor development from 5 to 18 years: Part 2: Associated movements.
Developmental Medicine and Child Neurology, 43:444-453
Largo R, Fischer J, Caflisch J, Ed. (2002) Manual of zurich neuromotor
assessment. Department of growth and development. University Childrens`s
Hospital. AWE Publishing. Zurich
Largo RH, Fischer JE, Rousson V. (2003) Neuromotor development from
kindergarten age to adolescence: developmental course and variability. Swiss
Med WKLY,133:193–199
Maia JAR. (2001) Aspectos genéticos da actividade física. Um estudo
univariado em gémeos. In: Maia JAR,Ed. Actas do seminário de genética e
practicas desportivo-motoras.Porto.FCDEF-UP
Maia J, Garganta R, Seabra A, Lopes V. (2004) Heterogeneidade nos níveis de
actividade física de crianças dos 6 aos 12 anos. Um estudo em gémeos.
Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 4(1):39-50
Maia J, Lopes V, Seabra A, Garganta R. (2003) Efeitos genéticos e do
envolvimento dos níveis de actividade física e aptidão física associada á saúde.
Um estudo em gémeos dos 6 aos 12 anos de idade do Arquipélago dos Açores
(Portugal). Revista Brasileira Ciência e Movimento, 11(4):37-44
56
Malina R. (1991) Programas das disciplinas de motor development and
performance e human physical growth and development. Universidade do
Texas. Austin. Comunicação Pessoal
Morley R. (2006) Fetal origins of adult disease. Seminars in fetal neonatal
medicine, 11:73-78
Morley R, Dwyer T, Carlin JB. (2003) Studies of twins: can they she light on the
fetal origins of adult disease. Twin Research,6:520-525
Neale MC, Cardon LR. (1992) Methodology for genetic studies of twins and
families. Kluver Academic Publishers. Dordrecht.: effect of sex and mother`s
education. Developmental Medicine & Child Neurology, 40:411-416
Pharoah PO, Stevenson CJ, Cooke RW, Stevenson RC. (1994) Clinical and
subclinical deficits at 8 years in a geographically defined cohort of low
birthweight infants. Archives Diseased Childhood,70:264-270
Rutter M. (2006) Genes and behavior:nature-nurture Interplay explained.Library
of Congress-United Kingdom. Blackwell Publishing
Saleh MC, Monteros AE, Zerpa GAA, Fontaine I, Piaud O, Djordjijevic, Baroukh
N, Otin ALG, Ortiz E, Lewis S, Fiette L, Santambrogio P. Belzung C, Connor
JR, Vellis J, Pasquini JM, Zakin MM, Baron B, Guillou F. (2003) Myelination
and motor coordination are increased in transferring transgenic mice. Journal of
Neuroscience Research 72:587-594
Sapage I, Maia J. (2004) Factores genéticos e ambientais nos níveis e padrões
de actividade física. Um estudo em gémeos. Visão e contextos
Schmidt RA. (1988) Motor control and learning. Champaign. Human Kinetics,
2.ed
57
Seabra A.(2007) Níveis de actividade física e prática desportiva: um estudo
epidemiológico em crianças, jovens e famílias nucleares. Tese de
Doutoramento. FADEUP
Seitz J, Jenni OG, Molinari L, Caflisch J, Largo RH, Hajnal B L. (2005)
Correlations between motor performance and cognitive functions in children
born ˂ 1250g at school age. Neuropediatrics, 37:6-12
Sklad M. (1972) Similarity of movement in twins. Wychowanie Fizycznie I Sport.
16:119-41
Vidal SRCM, Bustamante A, Lopes VP, Seabra A, Silva RMG, Maia JAR.
(2008) Construção de cartas centílicas da coordenação motora de crianças dos
6 aos 11 anos da Região Autónoma dos Açores, Portugal
Võikar V, Rauvala H, Ikonen E. (2002) Cognitive deficit and development of
motor impairment in a mouse model of Niemann-Pick type C disease.
Behaviour Brain Research. 132:1-10
Wilson RS, Harpiring EB. (1972) Mental and motor development in infant twins.
Developmental Psychology 7:277-28
58
59
Capítulo 4
Estudos de Caso
60
61
INTRODUÇÃO
Durante o tempo dispendido para a recolha de informação gemelar com a
escala de avaliação ZNA (Zurich Neuromotor Assessment), o meu interesse
sobre as questões gemelares deixou de ter uma abordagem meramente
cientifica, para passar a ver de uma forma muito mais emocional tudo o que diz
respeito aos gémeos e suas famílias.
O contacto directo com estas famílias tão especiais, e a possibilidade de
experienciar as suas vivências quer através da observação directa das
mesmas, quer perante as histórias maravilhosas que amavelmente me iam
contando, tornou a minha pesquisa uma tarefa deveras gratificante, sem
qualquer sombra de dúvida.
E foi com esta convicção de que estudar famílias gemelares não passa
somente pela análise directa de dados objectivos, que nasceu a ideia de
compilar as histórias, emoções, dificuldades e alegrias que é ser Família
Gemelar. A primeira parte do trabalho reflecte todo um conjunto de sentimentos
e vivências retratadas pela figura de duas gémeas monozigóticas e a sua mãe,
no seu dia a dia. O texto é tão-somente, a tentativa de descrever, as
particularidades diárias do que é ser gémeo e mãe de gémeos.
Na segunda parte do trabalho, é feita uma abordagem mais científica em
formato de estudo de caso acerca do desenvolvimento neuromotor de um par
de gémeas monozigóticas. Este estudo de caso permite uma descrição mais
exaustiva e uma reflexão mais aprofundada sobre a problemática da
gemelaridade.
Estas duas abordagens, bem distintas, não se excluem. Bem pelo contrário.
São duas faces de uma mesma moeda. Um exercício de ciência não se limita
ao formalismo de um modo muito peculiar de pensar e agir.
62
Introdução
O estudo de caso refere-se a duas gémeas monozigóticas, do sexo feminino,
nascidas em 1994, e que residem actualmente na região de Guimarães.
A Laura e a Sara, como lhe chamamos, são adolescentes simpáticas,
divertidas e que mantêm uma conversa agradável. Têm pele e cabelos claros e
uma aparência muito semelhante.
Tratou-se de uma gravidez programada, vigiada e que decorreu dentro dos
parâmetros normais., pelos padrões clínicos da ginecologista. As gémeas
nasceram de cesariana com 34 semanas e com 2.100g e 42cm a Laura e
2.200g e 43cm a Sara. Com valores de Apgar¹, mencionados na Tabela 1, e
não necessitando de reanimação nem de internamento, por reunirem boas
condições gerais de saúde.
Tabela 4: Valores do Apgar* em cada membro do par
Laura Sara
1º minuto 9 10
5º minuto 9 10
Tiveram um “desenvolvimento motor” muito semelhante (conforme figura 5),
sendo que sentaram aos 7 meses, gatinharam aos 10 meses, iniciaram marcha
autónoma aos 12 meses, começaram a falar aos 18 meses e perfizeram
controlo esfincteriano aos 24 meses.
*Método de avaliação global do estado de uma criança à nascença, fundado na pesquisa de sinais
clínicos mais característicos e fáceis de detectar, para realizar um balanço geral: A= aspecto; P= pulso;
G= contracção do rosto; A= actividade e R= respiração. Considera-se que um total de 10 pontos
representa o melhor resultado possível (Médicos de Portugal).
63
Figura 5: Marcos Motores “Grossos”.
O seu posicionamento nestes marcos motores reflecte em pequeno atraso
relativo aos valores ditos normais, mas sem relevância. As gémeas sentaram
entre o P75/P90, gatinharam ao P90, e iniciaram marcha ao P50,
64
Tabela 5: Percentis e médias em meses para marcos motores “grossos”
Percentis Sentar sem apoio
Meses (95% I.C.)
Gatinhar
Meses (95% I.C.)
Andar sem apoio
Meses (95% I.C.)
1º 3.8 (3.7, 3.9) 5.2 (5.0, 5.3) 8.2 (8.0,8.4)
3º 4.1 (4.0, 4.2) 5.8 (5.7, 5.9) 9.0 (8.8,9.2)
5º 4.3 (4.2, 4.4) 6.1 (6.0, 6.3) 9.4 (9.2,9.6)
10º 4.6 (4.5, 4.7) 6.6 (6.5, 6.8) 10.0 (9.9,10.1)
25º 5.2 (5.1, 5.3) 7.4 (7.3, 7.5) 11.0 (10.8,11.1)
50º 5.9 (5.8, 6.0) 8.3 (8.2, 8.4) 12.0 (11.9,12.1)
75º 6.7 (6.6, 6.8) 9.3 (9.2, 9.5) 13.1 (13.0,13.3)
90º 7.5 (7.4, 7.6) 10.5 (10.3, 10.7) 14.4 (14.2,14.6)
95º 8.0 (7.9, 8.2) 11.3 (11.1, 11.6) 15.3 (15.0,15.6)
97º 8.4 (8.2, 8.6) 12.0 (11.7, 12.3) 16.0 (15.7,16.3)
99º 9.2 (8.9, 9.4) 13.5 (13.0, 13.9) 17.6 (17.1,18.0)
Média (dp) 6.0 (1.1) 8.5 (1.7) 12.1 (1.8)
Retirado WHO (Wold Health Organization) Multicentre Growth Reference Study Group.
WHO Motor Development Study: Windows of achievement for six gross motor
development milestones. Acta Paediatrica Supplement 2006; 450:86-95.
Segundo informação da mãe e das próprias, foram sempre meninas com bom
aproveitamento escolar, socialmente bem integradas e sem queixas de
relevância por parte dos professores. Apesar de muito parecidas fisicamente,
sempre apresentaram algumas diferenças, principalmente no que consta a
competências motoras, sendo que a Laura sempre demonstrou maior aptidão
para as actividades relacionadas com a actividade física. A Laura pratica
natação e a Sara estuda piano.
As tabelas seguintes indicam o crescimento estatural e ponderal dividido em
duas partes: dos 0 aos 17 meses e dos 2 aos 14 anos.
65
Tabela 6: Curvas de crescimento estatural e ponderal dos 0 aos 24 meses da Laura e da Sara
Retirado e adaptado de www.cdc.gov/growthcharts. Desenvolvido por
National Center for Health Statistics in collaboration with the National
Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion (2000)
66
Tabela 7: Curvas de crescimento estatural e ponderal dos 4 aos 14 anos da Laura e da Sara
Retirado e adaptado de www.cdc.gov/growthcharts. Desenvolvido por
National Center for Health Statistics in collaboration with th National
Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion (2000).
67
O seu crescimento, quer em peso quer em altura, foi muito semelhante e sem
grandes oscilações, enquadrando-se sempre entre os percentis P50/ P75.
Actualmente, encontram-se com o peso de 60kg, a Laura e 61 kg a Sara e
165cm e 164 cm, respectivamente.
É importante referir que a avaliação da performance neuromotora, com base na
bateria de testes ZNA, é expressa em valores da normal reduzida (scores z)
em função da idade e sexo. Um valor z negativo reflecte um desempenho
abaixo da média (performance lenta, movimentos associados frequentes e
evidentes); um valor z positivo implica uma performance acima da média
(tempos rápidos, poucos e fracos movimentos associados).
Como é bem conhecido, existe uma relação estreita entre valores z e percentis.
Os valores normativos referidos nos “outputs” do software do desempenho são
valores z para casos extremos e percentis para uma banda de performance
situada entre P3 e o P97 (ver figura 2).
Em relação aos tempos dos desempenhos, a Laura apresenta uma igualdade
nos tempos das tarefas entre o lado dominante e não dominante, quer nas
tarefas de movimentos repetidos dos pés e das mãos, movimentos alternados
dos pés e inversão de 12 pinos num tabuleiro (- 3 desvios padrão). Tem
também tempos idênticos para os movimentos repetidos dos dedos e
alternados das mãos com valores situados no P3. Quanto aos movimentos
sequenciais dos dedos situam-se entre valores do percentil 25, quer no lado
dominante, quer no não dominante. No equilíbrio dinâmico apresentou valores
muito baixos, na ordem dos – 3 e -4 desvios padrão, respectivamente para a
frente e para os lados. No equilíbrio estático foi um pouco melhor, com valores
entre o percentil 3 e 25.
Relativamente à Sara, existe igualmente muita semelhança de desempenho
entre o lado dominante e não dominante nas tarefas de movimentos repetidos
dos pés, dos dedos e movimentos alternados dos pés com – 3 desvios padrão.
O mesmo ocorre para os movimentos sequenciais dos dedos e inversão de 12
pinos no tabuleiro com valores de percentil 25, e equilíbrio dinâmico quer para
os lados, quer para a frente com valores percentílicos de 3. Nos movimentos
68
repetidos das mãos vamos encontrar diferenças entre o lado dominante com –
3 desvios padrão e o não dominante com – 4 desvios padrão. Assim como nos
movimentos alternados das mãos em que o lado dominante apresenta valores
na ordem do percentil 10 e o não dominante no percentil 3. No equilíbrio
estático existem diferenças mínimas entre os lados dominante e não
dominante, situados entre o percentil 3 e – 3 desvios padrão.
Analisando as duas irmãs, encontram-se muitas semelhanças em quase todas
as actividades, situando-se quase todas abaixo do percentil 3, com excepção
para os movimentos sequenciais dos dedos em que ambas obtiveram valores
na ordem do percentil 25.
Figura 6: Valores do desempenho centrados no tempo da realização das tarefas ( Dominante, Não
Dominante e Bilateral)
Quanto aos movimentos associados, a Laura apresenta, para os movimentos
repetidos dos pés e no lado dominante um valor entre P50/ P75 e para o lado não
dominante P25 .
Para os movimentos repetidos das mãos e dedos, diadocinésias e movimentos
Quanto aos movimentos associados, a Laura apresenta para os movimentos
repetidos dos pés e no lado dominante um valor entre P50/ P75 e para o lado não
dominante P25.
Para os movimentos repetidos das mãos e dedos, diadocinésias e movimentos
sequenciais dos dedos, os tempos foram iguais para os lados dominante e não
LAURA SARA
69
dominante, situando-se entre P50/ P75. A excepção é para a tarefa de tabuleiro
em que os valores são na ordem do P90 .
Na Sara encontramos semelhança entre os lados dominante e não dominante
dos movimentos repetidos e alternados das mãos e diadocinésias no P75 e no
tabuleiro no P50. É visível uma variabilidade maior nos movimentos repetidos e
alternados dos pés e repetidos dos dedos em que no lado não dominante os
valores se situam entre P25/ P50; no lado dominante, os valores situam-se no
P75; nas actividades relacionadas com a marcha, a Laura apresenta valores
entre P50/ P90 e a Sara entre o P10/ P90.
Da comparação entre as duas gémeas podemos verificar que a Laura
apresenta-se nos movimentos associados, actividades situadas noP25/90 um
pouco melhor que a Sara, que se situa no P10/90. De salientar o equilíbrio
dinâmico em que ambas apresentam valores muito baixos, na ordem dos – 4
desvios padrão.
Figura 7: Valores do desempenho centrados nos movimentos associados na realização das tarefas (
Dominante, Não Dominante e Bilateral)
LAURA SARA
70
Existem diversas vantagens em usar as tarefas propostas por esta bateria de
testes sobre forma de componentes. São mais fáceis de interpretar, a
fiabilidade é maior e facilita a observação com propósitos neuro- biológicos e
clínicos (Largo et al, 2002).
Nas componentes por bloco (figura 8) as tarefas puramente motoras incluem:
movimentos repetidos, alternados e sequenciais; as tarefas adaptativas “ finas”:
o tabuleiro; adaptativas grossas: as duas tarefas do equilíbrio dinâmico e por
fim, o último componente que é o equilíbrio estático.
Na comparação das duas irmãs, verificamos que nas actividades puramente
motoras e adaptativas estão muito abaixo da média com valores entre os – 3 e
-4 desvios padrão, com excepção da Sara para a tarefa de tabuleiro com
valores no percentil 3, ainda assim muito baixo. Em relação à qualidade de
movimentos de todas as tarefas, ambas as irmãs apresentaram valores no P50 .
Figura 8: Valores do desempenho centrados nos Tempo da Performance e Movimentos Associados na realização das
tarefas em bloco
O quadro representado na figura 9 apresenta a divisão das tarefas por
componentes para os tempos e movimentos associados. Do tempo de
performance simples versus complexa (movimentos repetidos vs movimentos
sequenciais e alternados); de extremidade superior versus inferior (movimentos
de dedos, mãos vs pés); dominante versus não dominante nas tarefas
puramente motoras (movimentos repetidos, alternados e sequenciais) e na
performance adaptativa (tabuleiro).
Nos movimentos associados uma componente puramente motora versus
tarefas adaptativas (movimentos repetidos, alternados, sequenciais e
LAURA SARA
71
diadocinésias vs tabuleiro). As componentes anteriores versus postura
(marcha), maior evidência nas extremidades superiores ou inferiores
(movimentos dos dedos vs pés), lado dominante versus não dominante nas
tarefas motoras (movimentos repetidos, alternados, sequenciais e
diadocinésias) e também nas tarefas adaptativas (tabuleiro).
Figura 9: Valores do desempenho centrados nos Tempo da Performance e Movimentos Associados por divisão das
tarefas por componentes
A Laura apresenta um tempo de melhor performance nas funções motoras
mais complexas (movimentos sequenciais e alternados), do que nas simples
(movimentos repetidos), de evidência mais rápida nas extremidades superiores
(dedos e mãos) e com uma lateralidade motora não muito definida. Demonstra
ainda que produz mais movimentos associados para actividades puramente
motoras (movimentos repetidos, alternados, sequenciais e diadocinésias) com
o lado não dominante quando comparado com o lado dominante.
A Sara apresenta igualmente uma performance predominantemente complexa,
mais rápida nas extremidades superiores e sem lateralidade bem vincada. Os
outros componentes encontram-se dentro de valores ditos normais.
LAURA SARA
72
Conclusão
As gémeas atingiram os marcos motores de maior relevância ao mesmo tempo
e sem atrasos dignos de registo (entre os P75 / P90). O crescimento do peso foi
muito uniforme assim como o estatural, mantendo-se sempre em valores de
P50, que se manteve até à actualidade.
Na performance dos tempos revela-se uma semelhança nos resultados,
encontrando-se normalmente baixos (< P3). Nas actividades puramente
motoras, ou seja, movimentos repetidos e alternados, e adaptativas, equilíbrio
estático e dinâmico, encontram-se muito abaixo da média (- 3z). Com excepção
para os movimentos sequenciais, posicionadas no P25 e na tarefa do tabuleiro
da Sara, posicionada no mesmo percentil.
Relativamente á qualidade de movimentos, são muito homogéneas, situadas
entre os P25 / P90.
A Sara e a Laura apresentam um tempo de performance melhor nas funções
motoras mais complexas (movimentos sequenciais), de evidência mais rápida
nas extremidades superiores.
Ambas revelam indefinição na lateralidade.
A Sara possui maior quantidade de componentes dentro das amplitudes
normais, mas sem grande relevância.
73
Referências Bibliográficas
Growt charts. (2000) Desenvolvido por National Center for Health Statistics in
collaboration with the natonal Center for Chronic Disease prevention and Health
Promotion. Disponivel em www.cdc.gov/growthcharts.
Largo R, Caflish JA, Hug F, Muggli KB Molnar AA. (2001) Neuromotor
development from 5 to 18 years. Part 1 (timed performance) and Part 2
(associated movements). Developmental Medicine and Child Neurology,
43:436-453
Largo R, Fischer JE, Rousson V. (2003) Neuromotor development from
kindergarten age to adolescente: developmental course and variability. Swiss
Medicine, 133:193-199
Médicos de Portugal (2008). Disponível em
http://www.médicosdeportugal.iol.pt/action/10/glo-id/1060/menu/2
WHO (World Health Organization) Multicentre Growth Reference Study Group.
(2006). Motor development study: Windows of achievement for six gross motor
development milestones. Acta Pediatric Supplement, 450:86-95
74
75
Capitulo 5
Era uma vez...
76
77
Era uma vez duas meninas, de dez anos de idade, que se chamavam Laura e
Sara (ou Sara e Laura – estas coisas nunca são pacificas entre gémeos!).
Durante um animado jantar com família e amigos, a Laura exclama com um
sorriso de orelha a orelha: “- Eu sou a única pessoa aqui que me vejo a mim própria sem ser ao espelho!”
“ Não, não és!” reclama a Sara, “eu também consigo. E mais, vejo-te a ti ao
mesmo tempo!”
“Eu também”, respondeu a Laura, agora com menos entusiasmo, como se, de
repente, não conseguisse decidir se isso era, afinal, uma coisa boa ou uma
fatalidade.
Monozigóticas, haviam-se habituado desde sempre a viver com e, cada vez
mais a reflectir sobre essa condição de semelhança e diferença, partilha e
ciúme, cumplicidade e competição que caracteriza os Gémeos e Múltiplos. A
aparente contradição de se ser igual (eu vejo-me em ti) e no entanto diferente
(vejo-te a ti) e única (eu sou a única pessoa que…).
Pensando bem, a separação entre o eu e o outro é tão essencial como difícil de
definir e os gémeos parecem trazer ao mundo a encarnação dessa
ambivalência. Será talvez, por isso, que habitam os mitos da antiguidade e as
constelações. Só por curiosidade:
-A constelação de gémeos é facilmente identificável no céu de Inverno a partir
das suas duas estrelas mais brilhantes: Castor e Pollux. Castor, soldado e
famoso domador de cavalos e Pollux, campeão de boxe; eram filhos do Deus
Grego Zeus.
-O episódio mais famoso da fundação de Roma liga dois bebés gémeos: Remo
e Rómulo a uma Loba. Diz-se então que o rei usurpador Amúlio mandou matar
Rómulo e Remo, netos do seu irmão e herdeiros do trono de Alba Longa. O
serviçal encarregado desta repugnante tarefa teve tanta pena dos meninos que
decidiu abandona-los á sua sorte, num cestinho de vime, na corrente do rio
Tibre. O cestinho por sorte foi encontrado por uma Loba, influenciada por Marte
– pai dos gémeos, que alimentou os meninos.
É sabido que há um crescente interesse nos múltiplos por parte da classe
médica e cientifica e muita pesquisa em curso também, mas penso que os
resultados mais surpreendentes virão quando se passar para além da análise
78
dos factores fisiológicos e mesmo dos psicológicos e se chegar à observação
dos aspectos relacionais mais íntimos da gemelaridade.
Esta vontade de saber foi não só a origem de um projecto de investigação,
mas continua ainda a alimentar o meu interesse pelos gémeos e as suas
famílias.
O estudo sobre “Variação no Desenvolvimento Neuromotor. O contributo da
Informação Gemelar”, implicou a vinda ao Hospital dos gémeos e suas famílias.
Todas as famílias se mostraram extremamente solícitas.
Embora fisioterapeuta há já alguns anos, não sabia nada dos problemas
específicos relacionados com o cuidar de gémeos e nunca imaginara que
fossem tão numerosos. No fim deste estudo, o meu interesse já não se centra
somente na “Variação do Desenvolvimento Neuromotor”, mas passa a incluir
tudo o que implica ser mãe de gémeos, ou ser gémeo.
Desde então, conheci inúmeras famílias de gémeos e nunca deixei de ficar
fascinada com as inúmeras facetas da gemelaridade que enriquecem e, ao
mesmo tempo complicam a vida não só dos gémeos em si, mas também de
todas as pessoas que a eles estão ligadas, desde o momento da sua
concepção.
Os gémeos despertam o interesse de todos, como qualquer mãe que leve os
seus filhos á rua pode verificar. Por outro lado, muitas pessoas sentem-se
também confusas quando encontram duas pessoas, sejam elas crianças ou
adultos, que constituem duas individualidades distintas, mas são, ao mesmo
tempo, indistinguíveis e inseparáveis, uma da outra. Os gémeos atraem, mas
são também um mistério.
O meu percurso na procura de conhecimentos sobre os gémeos, levou-me por
caminhos fascinantes, que tentarei partilhar:
- O que significa ter dois bebés ao mesmo tempo e amá-los ao mesmo tempo?
- O que acontece quando um gémeo apresenta um desenvolvimento muito
diferente do outro, embora com um aspecto muito semelhante?
- Quais as consequências de nascer com dois, três ou mais irmãos da mesma
idade?
- De que forma é afectado o desenvolvimento da personalidade?
- Como é partilhar constantemente as experiências escolares, os amigos?
79
Evidentemente, tudo acaba por assentar nesta capacidade de sentir (e sentir-
se bem com) a diferença no seio da semelhança.
A notícia de que vão nascer gémeos parece causar quase sempre um grande
impacto.
Para alguns, é manifestamente um impacto agradável. Para outros e,
principalmente se se tratar de uma gravidez não planeada, ou acontecer no
seio de uma família com problemas financeiros, o impacto pode ser bastante
negativo.
Para a maior parte dos pais parece tratar-se de uma mistura de sentimentos.
Por um lado, preocupa-os a forma como irão enfrentar a situação, tanto do
ponto de vista financeiro, como prático (não ter mãos suficientes para tudo, a
casa era pequena, o carro, etc.). Por outro lado a ideia de ter dois bebes, é
fascinante. Ver duas crianças a explorar e desfrutar da vida juntas, parece ser
bastante compensador. Existem mesmo pais, que sentem imenso prazer, com
o tratamento de “celebridade” de que repentinamente são alvo por parte da
família, dos amigos e mesmo do pessoal da saúde.
E depois do nascimento?
O período de vinculação dos pais aos recém-nascidos, torna-se por vezes
numa tarefa não muito fácil. Não é fácil ao ser humano relacionar-se com dois
ou mais bebés ao mesmo tempo. As famílias relatam a tendência que sentem
em dar mais atenção a este do que aquele bébé. Há receio de amar mais o
bébé que é mais tranquilo. Existe predisposição para a comparação entre eles.
E nenhuma destas ocorrências parece trazer sentimentos de bem-estar. O
problema de criar um relacionamento com os dois bebés é tanto maior, se os
pais não os conseguirem distinguir. Convenhamos que, se de cada vez que
tentamos interagir com o bébé tivermos de recorrer á pulseirinha que diz, tratar-
se do Pedro ou do Luís, a magia com toda a certeza desvanecerse-á.
A dificuldade em estabelecer vínculos com bébés, muito prematuros
(extremamente frequente em gravidezes gemelares) e que tiveram de
permanecer na incubadora é também muito angustiante. A falta de pegar no
bébé e participar nos seus cuidados; a magia do toque, do cheiro, do calor, do
afecto que o contacto físico estabelece nas nossas relações. De referir, no
entanto, que todas as mães foram unânimes, ao dizer que tais situações
desaparecem ao fim dos primeiros meses.
80
Incrível, também, a diferença tão precoce de personalidade, que as mães
referem, nos seus gémeos. Muitas delas passíveis de serem observadas, ainda
na maternidade.
Diferenças patentes no comportamento, na forma de chorar e até na relação
que estabelecem entre eles. Existem bébés que desenvolvem desde logo uma
relação harmoniosa, tocando-se e acariciando-se, enquanto outros parecem
estar em “guerra” constante. Este padrão de comportamento, permanece
muitas vezes pela vida fora.
O crescimento dos bébés gémeos pode ser bastante frustrante para os pais.
“ Pus-me a olhar para elas durante a festa do primeiro aniversário e dei-me
conta de que, pura e simplesmente, não tinha tido tempo para as gozar, para
brincar com elas e dar-lhes miminhos. Cada minuto da minha vida tinha sido
ocupado com a alimentação, a roupa para lavar e as outras tarefas domésticas”
– o comentário desconsolado de uma mãe em relação ás suas gémeas.
Quase todas as mães de gémeos consideram que os primeiros anos são
extremamente complicados e, muito embora a maioria pareça conseguir
“aguentar o barco”, por vezes o preço a pagar, parece ser bastante elevado.
Há demasiadas mães que acham que procurar ou aceitar a ajuda dos outros
significa que falharam.
“ Quando soube que iria ter gémeos, fiquei absolutamente encantada!” – dizia a
mãe de duas gémeas idênticas. “ Era como um sonho tornado realidade! Vesti-
as com muito primor e sempre com roupas iguais. Com muitos vestidos
lindíssimos que precisavam de ser lavados á mão e que demoravam imenso
tempo a passar a ferro.” Se uma das bébés se sujava, apressava-se a trocar a
roupa de ambas, para que permanecem-se sempre iguais. Escusado será dizer
que, passado pouco tempo, estava extenuada de tanto trabalho. “-Fiquei
profundamente arrependida de não ter aceite a ajuda oferecida desde o
princípio. Uma mãe menos cansada proporciona uma convivência mais
agradável e mais serena para todos…”.
Elas tinham quase três anos e olhavam de olhos bem abertos, e com toda a
atenção, para uma menina desenhada a muitas cores num livro de histórias.
Era um livro engraçado, mas não mais nem menos engraçado do que os
81
muitos outros livros que povoam a nossa casa, com direitos muito especiais,
como o de não terem de estar arrumados, nem precisarem de explicação para
aparecerem no chão, nos sofás, na cozinha, por baixo da mesa, por cima da
mesa, ou mesmo no banho.
Mas elas olhavam e olhavam, e o olhar era tão atento, e tão inquiridor, as
páginas eram percorridas uma a uma e voltavam a percorrê-las tantas vezes
que parei a observá-las:
- Mãe! A Mana?
Quatro olhos me fixaram, as mãos ainda agarradas ao livro.
- A Mana? Que Mana? - Disse eu.
- A Mana da menina? - Disseram ambas. E balançava-lhes o olhar entre mim e
a “menina”, num misto de desorientação e de certeza de que a mana estaria ali
em algures, talvez numa folha perdida ou escondida num desenho mais
rebuscado.
Folheei rapidamente o livro. Havia outras figuras, outras meninas e sugeri-lhes
a ideia de que talvez uma delas fosse a mana – mas obviamente a proposta
não foi aceite. É evidente que procuravam uma mana gémea, muito parecida,
quase igual á menina.
Não consigo descrever os sentimentos que me assaltaram. Como explicar-lhes
que nem todas as pessoas vêm ao mundo aos pares!
-“A menina desta história não tem mana.”, respondi, e uma inexplicável tristeza
tomou conta do silêncio que se seguiu. “ Mas a mãe também não tem mana,
nem a vossa amiguinha Mariana…. Vocês têm imensa sorte em ter-se uma á
outra, é bom não é?
- “ Tem mana, sim!”
- “ Tem!”
- “ Tem! Onde está?”
Decididamente a menina tinha que ter mana. Era importante, capital, urgente.
Olhei com mais atenção para a figura da menina no livro – uma menina que se
parecia tanto com elas. O mesmo tom de pele, o mesmo cabelo, os olhos.
Talvez estivesse aí a razão da existência, absolutamente evidente para elas,
de uma mana, algures.
Talvez. E, de novo, a sensação incomoda de saber tão pouco sobre a
gemelaridade, no fim de contas sobre as minhas filhas, que pareciam tão
82
naturalmente olhar o mundo como qualquer criança da sua idade e que, afinal,
procuravam a mana da heroína da história.
É na fase pré-escolar que as crianças passam a ter plena consciência de que
são gémeas, com todas as vantagens de dispôr sempre de um companheiro
para brincar e todos os inconvenientes de ter de partilhar objectos e pessoas,
inclusivé a própria mãe. Nesta fase em que qualquer criança tem muitas
necessidades, que são sempre urgentes, é particularmente difícil respeitar essa
partilha, algo que ainda não está em condições de entender.
Extremamente difíceis de entender são também os comentários de conhecidos
e desconhecidos a propósito dos gémeos, e a incomodativa apetência de
quase todos pela rápida definição dos dois pela oposição:
“ – Esta sorri mais, é mais alegre, não é? Esta é mais sisuda, parece mais
fechada!”
Por vezes parecia que a mãe das crianças ia ser ouvida, ia poder dizer que
não, não é… Mas essa oportunidade acabava quase sempre por ser coisa rara.
No início da minha carreira maternal e com a pressa com que surgia o
julgamento, tentava colocar-lhe tímidos obstáculos. Mas infelizmente, os
gémeos, são quase sempre carta branca para os comentários. Existem as
versões soft : “- São gémeas? Vi logo! Iguaizinhas! Bem, esta parece um
nadinha mais loira, e mais branquinha. E esta aqui é menos risonha, não é?”
E as versões hard: “ – São iguaizinhas. E de feitio também? Sempre ouvi dizer
que os gémeos costumam ser diferentes como o dia e a noite! Estas também
são assim? Ah, já estou a ver, esta é mais simpática e esta… bem mais sisuda!
Pois é, não podia ser tudo bom, não é?”
“ – Ai, que engraçado, gémeas! Que sorte, minha senhora, quase sempre uma
sai enfezadinha, às vezes nem chega a vingar, mas estas… mas há sempre
uma que é má, não é? Olha deve ser esta! Que esta aqui é muito querida, sorri
muito!”
Ao longo dos anos aprendi a “desviar-me”, com maior ou menor gentileza, de
tais encontros e do desconforto que sempre deixavam, não só em mim, mas
também nas minhas filhas, que ouviam, observavam, olhavam-se,
83
minuciosamente, tentando discernir as diferenças de tom de pele, de cor de
olho, da largueza do sorriso.
“- Mãe, por que é que a senhora disse que ela é mais simpática?”
Pois disse. Disse e foi á sua vida. Mas o pior é que o que disse foi ouvido e, de
alguma forma interiorizado. Por isso, por favor, a todas as “senhoras”, sempre
que virem gémeos, considerem:
Que crescer juntos e ao mesmo tempo implica quase sempre, a comparação
automática, a quase obsessiva procura da diferença que faz a diferença, que
exprime a identidade; ou seja, uma sensibilidade extrema a todos os
comentários que toquem essa área.
Que em consequência de observações aparentemente inócuas e feitas com a
melhor das intenções, são escalpelizadas, analisadas as suas componentes,
observadas á lupa todas as inerentes sugestões: um mais claro passa a
implicar um menos claro; um que sorri mais sugere um que sorri menos…
Que há alternativa á etiquetagem, embora menos simples e imediata;
reconhecer que cada gémeo é único e um todo.
Que consequentemente, sempre que encontrarem gémeos e se sentirem com
vontade de ser comunicativas e simpáticas, podem sempre perguntar, por
exemplo: “- Então e hoje, sentem-se bem? Que sorridente que estás!”
Porque o dia se segue á noite, que se segue ao dia, e a alternativa ao
contraste é a alternância. Ou não fosse o mundo feito de diferenças! O dia e a
noite co – existem nas 24 horas que cada gémeo é. O sorriso dá lugar ao choro
e o choro ao sorriso e nem todos temos de sorrir da mesma forma!
À hora de deitar, ouvi uma das minhas filhas chamar-me do quarto, baixinho,
meio em segredo. Fui lá:
-“ O que é?”
- “ Estou preocupada, mãe!”
- “ Diz o que foi! Algum problema na escola?”
- “ Não tem nada a ver com a escola. É comigo!”
Alarmes, campaínhas, sirenes no meu coração. E a tentativa da continuar a
aparentar calma.
- “ E queres falar sobre isso!”
84
- “ É que às vezes, isto é, tantas, tantas vezes, eu penso uma coisa e ela
também. Oh mãe, mas é ao mesmo tempo, sem dizermos nada uma á outra. E
eu não quero. Quando isso acontece, fico com vontade de não ser gémea.
Porque eu quero ter pensamentos diferentes, só meus!”
Angústia a três dimensões, A vida é bem diferente da superfície de um
espelho!
Afinal, cresceram na presença uma da outra, segundo a segundo, confrontadas
com as semelhanças, diferenças, comparações… e encontraram formas de
viver com isso – a roupa que tinha que ser diferente (ou igual!) e as lutas de
quem usa o quê hoje – por vezes na variante da negação “ mas também me
apetece usar isso hoje, e porque é que não hei-de levar também esta t-shirt,
até parece que somos parecidas, não há nada de mais diferente que nós, mas
será que as pessoas não vêm!”
Confundi-as muito pouco vezes, para regozijo de ambas e espanto de toda a
gente – e os esforços que eu fazia – para encorajar estes sentimentos de
identidade! E tudo parecia resultar razoavelmente bem, mesmo com umas
quedazitas aqui e ali, umas trocazitas de nomes quando vistas de perfil, coisas
de nada, quase fáceis de esquecer.
- “ Oh mãe, achas normal?”
- “ É hoje que vamos tirar as fotografias?”
- “ Que fotografias?”
- “ As do passaporte. Olha que a viagem é já para a semana!”
Sete horas da tarde, estafada, que seca! Só faltava ter que sair outra vez, e
agora onde é que as levo! Os professores lembram-se de cada coisa! (Que
pensamento tão maldoso! Que bom que vai ser para elas!)
- “Pois, mas agora, não sei, já é tão tarde…”
Bem, mas o universo conspira a favor da viagem. E eis-me de novo ao volante,
por entre carros a escorrer água e vidros embaciados. Estacionamos. A pingar,
chegamos a um sítio que dizia Fotos a computador. Negociações, “primeiro eu,
primeiro tu”, e finalmente, senta-se uma em frente á maquina. Mais para este
lado, mais para aquele, mais a sorrir, menos de frente.
- “ A senhora quer vir escolher a pose que fica melhor á menina?”
Pronto. E agora é a vez da tua irmã. O fotógrafo repete.
85
- “ A senhora quer vir escolher? (Não deixe lá, escolha o senhor, apetece-me
dizer! Ele nota o cansaço.) Mas pode vir escolher a menina, pode levantar-se,
sim, que eu fixo a fotografia, vê isto é uma tecnologia nova, só nós é que temos
disto por estes lados…”
Ela levanta-se e olha a sua própria imagem no ecrã.
- “ Não gosta desta posição?” – avança o senhor solícito – Não há problema, é
só sentar-se e filma-se de novo.”
Vejo-a confusa e ouço:
- “ Esta não sou eu!”
Levanto-me e vou ver.
- “ Como, claro que és tu! Mas então…”
O fotógrafo abre um sorriso incerto. Levanta-se a que primeiro foi fotografada e
vem ver…
- “ Pois não. Essa sou eu.”
O fotógrafo passa a mão pela cabeça e olha-me de lado.
- “ Oh minha senhora, eu contra mim falo, mas até já pensei, para que vai
pagar tantas fotografias? Tirava só de uma e pronto. (Silêncio) Bom, isto era só
uma ideia, claro!”
Não sei se ouvi o que ele disse mais. Sei que cada uma tirou as suas 4
fotografias, e que ninguém as convenceu de que a maquina não tivesse tido
um “ataquinho computoral”. Eu estava demasiado cansada para conversas
sobre a identidade (“Oh mãe, acha normal o que ele fez?), e foi por isso que
nem mencionei os colares. Azul, o de uma, de varias cores, o de outra… tão
bonitos, que ficavam nas fotografias.
A calculadora diz-me que hoje é o 5114º dia de vida da Laura e da Sara neste
planeta. Faz hoje 14 anos que o ar entrou triunfalmente pelos meandros dos
seus minúsculos pulmões e lhes deu as boas vindas. Ao que elas
responderam, sensatamente, com gritos de fazer mover montanhas –
individualmente ou em dueto, harmoniosa ou desencontradamente. Estavam
lançados os dados, para sempre, da sua lutadora natureza.
“ As garotas têm garra.” Diria o pediatra.
Dos seus 2.100 kg e 42 cm a Laura e 2200 kg e 43 cm da Sara.
86
Têm, sim senhor. Chegaram para engolir o ar ás golfadas e marcar bem cada
pisada. Vieram para pôr á prova a minha natureza tímida, com alguma
tendência para a melancolia. Á minha tela pastel trouxeram o carmesim, e
também os verdes, os azuis e o laranja da exuberância.
E não chegaram sós. Chegaram em mútua companhia e com uma história
longa de 8 meses de carícias e arremessos no murmúrio das águas, em
preparação sábia para o resto das suas vidas. Tantas vezes construí no meu
espírito imagens desse tempo anterior ao nascimento e lamentei que a técnica
não tivesse tornado possível ter dele imagens reais. Por isso, não há palavras
que exprimam o impacto que em mim tiveram as fotografias intra uterinas de
fetos múltiplos, que vi, da autoria, e da arte, de Donald Keith. Ele próprio
gémeo, começou por colocar o seu laboratório á disposição da pesquisa
médica, mas logo as imagens falaram por si e de suporte passaram a estrelas.
Foi numa dessas fotografias, em tamanho gigante, que vi a forma do meu
imaginário. Dois fetos de 6 meses, o braço de um pousado sobre o pescoço do
outro, o qual por sua vez, mamava no nariz do primeiro.
A fotografia era tão grande ou maior do que eu. Viam-se os pormenores, os
filamentos venosos, quase se descobria uma expressão e aos sentidos me
vieram canções de embalar e o som das fadas sussurrando mistérios. Foi
assim, mais uma vez pela mão da tecnologia, que tive uma experiência nada
tecnológica. Tratava-se, obviamente de gémeos monozigóticos, mas mesmo na
dizigosia é possível imaginar interacções e cumplicidades.
Como dizia, há 14 anos e mais uns meses devem ter elas encontrado posições
de grande intimidade. Há tanto tempo e parece ontem. Simultânea visão que
tenho das bebés nas adolescentes, como se os anos fossem segundos, como
um filme em fast forward. Traz-me isto á lembrança – e desculpem esta
indiscrição – os meus vizinhos. De há um tempo para cá temos vizinhos
quadrigémeos, todos dizigóticos. Quando me levanto dou-lhes os bons dias da
janela do meu quarto. A mãe não se pode dizer que seja simpática, desaparece
mal me vê. Presumo que esteja envergonhada por se ter instalado tão perto de
nós, a devassar totalmente a nossa intimidade. Imagino como se deve agora
arrepender amargamente, exposta que está ao (nosso) olhar alheio. É o que
acontece a passarinhos atrevidos que vêm ter os filhos na casa dos outros!
87
Chegadas de férias, demos com esta família de múltiplos a habitar o ramo mais
farfalhudo de uma árvore que quase nos entra pela casa adentro e durante as
semanas seguintes não ousamos abrir janelas nem cortinas desse lado da
casa. A mãe, tranquilizada, ficou. E assim temos vindo a observar, por pequena
abertura da janela, o crescimento em fast forward dos passarinhos. Em três
semanas passaram de umas manchas informes a adolescentes, graças ao
constante pousar da mãe na borda do ninho, que ao primeiro sinal da sua
chegada, eles detectavam.
Houve conversas radicais cá em casa, sobre a justiça ou injustiça da divisão da
comida por parte da mãe pássaro, que rapidamente passou a ser confundida
com a mãe das minhas filhas e suas inúmeras injustiças de há um, dois, doze
meses, cinco anos (memórias de elefante), quando deu (dei) isto a uma e não
deu (dei) á outra.
E veio – me á memoria saudades dos tempos em que muito pequeninas,
faziam outro tipo de disputas. Disputas de épocas, em que outrora com sete
meses, e sentadas, e com 10 meses a gatinhar, com dificuldade dividiam
brinquedos e brincadeiras.
Da aventura do ano, acompanhado da deslocação autónoma, e das
travessuras conjuntas, do estimulo recíproco, e da minha constante angústia.
Angustia essa, que viria a agudizar-se quando para meu espanto, começam a
desenvolver uma comunicação nada vulgar, mas perfeitamente legítima, para
elas. O mesmo pediatra que outrora as viu cheias de “garra”, explicaria a “
linguagem secreta” dos gémeos, e o”jogo de sussurro”, no qual um tenta
pronunciar uma palavra que depois vai devolvendo ao outro, como se fosse
uma bola, modificando-a ao ponto de ela já não ter qualquer relação
reconhecível com a palavra original. Felizmente, para todas, somente uma fase
passageira.
O seu crescimento, quer em peso, quer em altura, quer em sabedoria,
decorreu, sempre em parâmetros normais, não obstante, as comparações
minuciosas, que ambas insistiam em fazer. E escolaridade, adiante, (e da
persistente dúvida, sobre, se o melhor é estarem juntas ou separadas!), as
comparações criteriosas, umas vezes mais pacificas que outras, somente têm
servido, para intensificar esta união.
88
Embora fizessem tudo em conjunto, os interesses por vezes variavam e Laura
adorava a natação, enquanto a Sara gostava de tocar piano. E curiosamente,
apesar das semelhanças físicas e até fisiológicas, tão características dos
gémeos monozigóticos, as diferenças em termos de prestações, eram mais
que evidentes. Que o diga o professor de educação física, que por
variadíssimas vezes se debateu com as divergências das princesas, que com
muita dificuldade aceitavam o facto de uma ter melhores performances
dinâmicas, enquanto que a outra era muito mais eficaz em tudo o que diz
respeito a motricidade fina, nomeadamente movimentos repetidos, alternados e
sequenciais dos dedos da mão. E provavelmente esta apetência natural seria
determinante nas futuras escolhas delas.
E, apesar das minhas longas pregações acerca da individualidade, deparo-mo
frequentemente com a imagem de duas meninas crescidas vestidas de igual,
penteadas iguais e com verniz a condizer… (o que eu me esforcei, para vesti-
las diferente!).
Mas, a adolescência… chega, sem avisar. Uma criança até aí tão dócil, não
suporta, odeia, não pode passar sem, e os extremos sucedem-se numa
confusão de emoções. Uma criança até aí contente com a vida põe a cabeça
entre as mãos e suspira longamente, sentada na cama entre CDs e jeans 10
tamanhos acima do seu. “ O que é?” A cabeça vai mais fundo. “ Ninguém me
entende!” Joga-se o mundo em cada cartada enquanto o corpo dispara, nem
sempre harmoniosamente, e o espelho da casa de banho passa a fazer parte
integrante da vida até á obsessão, reenviando as angustias da borbulha que lá
está e também da que lá não está … na pele, mas que está, entranhadamente,
na convicção. “ Oh, mãe! Mas olha, não vês, está enooorme!” (olho
intensamente) (continuo a olhar intensamente, os olhos quase trocados e não,
não vejo nada!) “ Realmente, ninguém me compreende!” Um caminho para a
independência feito de constantes pedidos de ajuda, oferecida e imediatamente
recusada, um crescimento emocional tão desigual como o das formas do corpo
que se avolumam mais aqui e, só depois, mais ali. Desorientação para quem
cresce e para quem vê crescer, ginástica de adaptação constante a novas
relações e novas distâncias. Para os pais, por vezes, o pânico.
89
Chego a ter dúvidas, tão radicais como as conversas, sobre se a mãe de quem
falávamos naquele preciso momento era a que voava ou a que estava ali a
conversar sobre a que voava.
É verdade que todas as mães têm muito em comum – sejam elas pessoas,
pássaros ou dinossauros. E as mães de múltiplas ainda têm mais em comum.
Há uma tribo na Africa Austral que lhes dá um nome próprio: nnalongo. Deve
ser porque têm de ter braços muito compridos. Eu acho bonito, e soa bem
quando se pronuncia devagar.
Um dia, vi a nnalongo de penas dar umas boas bicadas nos seus múltiplos,
precisamente quando começaram a querer voar, todos mais ou menos ao
mesmo tempo. Pensei, então, que reconfortante deve ser ter alguém tão
chegado a nós a partilhar o primeiro salto no escuro. Não é por acaso que
tantos estudos referem a boa auto – estima dos múltiplos, e a sua capacidade
de independência, normalmente mais desenvolvida e mais precoce do que a
das crianças singulares.
Mais ou menos três semanas, ou mais ou menos 14 anos depois, e embora
daí, vamos voar sozinhos. Neste caso, sozinhos, juntos. Vejo a mãe a limpar
ciosamente as penas das pequenas asas que já batem vigorosamente a
ensaiar o voo. Terá ela forma de os ajudar a escolher o momento certo para o
salto? Olho com preocupação. O ninho começa a mexer. A mãe pássaro olha-
os, por sua vez, e espera. A mim só me resta aprender a lição. E esperar com
ela que o salto das minhas adolescentes as leve bem alto por cima dos lobos
maus, para um sítio bom. Pelo menos, não vão sós…!
90
91
Capitulo 6
Conclusões Gerais
92
93
Conclusões Gerais
A variação do desempenho neuromotor em crianças e jovens é de extrema
relevância em termos clínicos e pedagógicos.
O conhecimento de aspectos que envolvem o desenvolvimento motor,
contribuem para alertar profissionais e pesquisadores para a necessidade tanto
do diagnóstico de alterações neuromotoras quanto do encaminhamento para
programas de intervenção.
A avaliação do desenvolvimento motor e a interpretação adequada devem ser
ferramentas valiosas a serem utilizadas, tanto na detecção de alterações
quanto na padronização de dados de normalidade de uma população
Os gémeos MZ e DZ proporcionam uma oportunidade excelente de se estudar
variados aspectos da variabilidade do desenvolvimento neuromotor.
Não obstante a evidência de informação normativa, existem poucos dados
sobre o contributo analítico e interpretativo da sua enorme variação.
Esta pesquisa visa interpretar de modo distinto, a variação que ocorre, no
desempenho neuromotor, tendo como objectivos: (1) descrever aspectos da
similaridade-dissimilaridade do desempenho neuromotor; (2) explorar a
agregação fraterna nos níveis de desempenho neuromotor em gémeos MZ e
DZ; (3) estimar a magnitude do contributo genético e ambiental no
desempenho neuromotor de gémeos MZ e DZ.
De acordo com os objectivos estabelecidos em cada capítulo, da revisão da
literatura efectuada, do tratamento dos dados e estudos de caso, emergem os
seguintes resultados:
94
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Capitulo III: Factores genéticos e ambientais nos níveis de desempenho
neuromotor.
Um estudo em gémeos
Existe maior homogeneidade na performance neuromotora em gémeos MZ do
que em gémeos DZ.
É clara a presença de factores genéticos na variação interindividual do
desenvolvimento neuromotor, especialmente em fenótipos como movimentos
simples/complexos, as extremidades superiores/ inferiores, bem como as
tarefas motoras adaptativas finas.
Os factores ambientais parecem provocar um efeito estimulador que interage
com a biologia humana para produzir as diferenças no comportamento.
O equilíbrio estático e as tarefas para as extremidades superiores e inferiores,
são o exemplo disso, mostrando que subsequentemente ao seu
desenvolvimento, determinados marcos motores são refinados através da
prática e instrução, integrados em sequências de movimentos mais complexos.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
95
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Capitulo IV: Estudos de Caso referentes a um par de gémeos MZ
As gémeas atingiram os marcos motores de maior relevância ao mesmo tempo
e sem atrasos dignos de registo (entre os P75 / P90).
O crescimento do peso foi muito uniforme assim como a estatura, mantendo-se
sempre em valores de P50, que se manteve até à actualidade.
Na performance relativa aos tempos, encontra-se uma semelhança nos
resultados, estando normalmente baixos (< P3).
Nas actividades puramente motoras e adaptativas ou seja, movimentos
repetidos e alternados, equilíbrio estático e dinâmico, respectivamente,
encontram-se muito abaixo da média (- 3z). Com excepção para os
movimentos sequenciais, posicionadas no P25 e na tarefa do tabuleiro da Sara,
posicionada no mesmo percentil.
Relativamente á qualidade de movimentos, são muito homogéneas, situadas
entre os P25 / P90.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
96
Concluí-se que existe maior homogeneidade na performance neuromotora em
gémeos MZ.
É clara a presença de factores genéticos na variação interindividual do
desenvolvimento neuromotor, especialmente em fenótipos como movimentos
simples/complexos, as extremidades superiores/ inferiores, bem como as
tarefas motoras adaptativas finas.
97
98
99
Capitulo 7
Anexos