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ANÁLISE O Que a EpidemiologiaPodeAindaFazerdeRelevan Marisa de Souza Cardim * Belarmino Alves de Azevedo ** Anastácio Ferreira Morgado *** * Psicóloga da Asfoc/Fiocruz. ** Médico do Setor de Psicolo- gia e Psiquiatria do H. Evandro Chagas/Fiocruz. *** Professor Adjunto da Ensp/ Fiocruz. Trata-se de uma sucinta revisão de alguns aspectos da epidemiologia ainda mal conhecidos, por serem polêmicos ou cujo desenvolvimento é recente ou apenas se esboça. Enquanto método, haveria duas epidemiologias: uma em que se esmera cada vez mais no rigor metodológico e análise sofisticada dos dados em computador; a outra contenta-se com métodos simples, alia-se fortemente com as ciências sociais, a economia e as ciências do comportamento, com o objetivo de achar soluções para os problemas de saúde. A importância das conseqüências dos fatores sócio-econômicos sobre a saúde foi avaliada a partir de publicações das pesquisas epidemiológica e clínica; aquela importância aumentou no primeiro tipo de pesquisa e tende a desaparecer no segundo. A questão de avaliar o estado de saúde de populações ficou sem avançar, pois, sem operacionalizar indicadores de saúde positiva, de fato avalia-se estado de doença. Enfim, reconheceu-se o advento algo original de um desdobramento promissor da epidemiologia: o estudo das representações da Antropologia, tais como mitos, crenças, comportamento e instituições. VARIAÇÃO EM TORNO DO MÉTODO O modelo base de análise em epidemiologia funda- se na estatística, mas a sua classificação enraíza-se na patologia. Estuda-se o fenômeno de saúde repre- sentado por uma ou mais variáveis: dependentes e explicativas, consideradas relevantes para um dado problema de saúde. Os métodos estatísticos emprega- dos permitem, segundo a etapa do trabalho epidemio- lógico, colocar em evidência uma associação entre va- riáveis e o fenômeno de saúde, mas raramente chega a afirmar uma associação causal. Na maioria das vezes esses estudos se restringem a descrever a população estudada e a "grupos de risco".

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ANÁLISE

O Que a Epidemiologia Pode Ainda Fazer de Relevante?

Marisa de Souza Cardim *Belarmino Alves de Azevedo **

Anastácio Ferreira Morgado ***

* Psicóloga da Asfoc/Fiocruz.** Médico do Setor de Psicolo-gia e Psiquiatria do H. EvandroChagas/Fiocruz.*** Professor Adjunto da Ensp/Fiocruz.

Trata-se de uma sucinta revisão de alguns aspectosda epidemiologia ainda mal conhecidos, — por serempolêmicos ou cujo desenvolvimento é recente ou apenasse esboça. Enquanto método, haveria duasepidemiologias: uma em que se esmera cada vez maisno rigor metodológico e análise sofisticada dos dadosem computador; a outra contenta-se com métodossimples, alia-se fortemente com as ciências sociais,a economia e as ciências do comportamento, — como objetivo de achar soluções para os problemas desaúde. A importância das conseqüências dos fatoressócio-econômicos sobre a saúde foi avaliada a partirde publicações das pesquisas epidemiológica e clínica;aquela importância aumentou no primeiro tipo depesquisa e tende a desaparecer no segundo. A questãode avaliar o estado de saúde de populações ficou semavançar, pois, sem operacionalizar indicadores desaúde positiva, de fato avalia-se estado de doença.Enfim, reconheceu-se o advento algo original de umdesdobramento promissor da epidemiologia: o estudodas representações da Antropologia, tais como mitos,crenças, comportamento e instituições.

VARIAÇÃO EM TORNO DO MÉTODO

O modelo base de análise em epidemiologia funda-se na estatística, mas a sua classificação enraíza-sena patologia. Estuda-se o fenômeno de saúde repre-sentado por uma ou mais variáveis: dependentes eexplicativas, consideradas relevantes para um dadoproblema de saúde. Os métodos estatísticos emprega-dos permitem, segundo a etapa do trabalho epidemio-lógico, colocar em evidência uma associação entre va-riáveis e o fenômeno de saúde, mas raramente chegaa afirmar uma associação causal. Na maioria das vezesesses estudos se restringem a descrever a populaçãoestudada e a "grupos de risco".

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Este "modelo dominante" desenvolvido pelos epi-demiologistas foi evoluindo e sendo progressivamenteadaptado, à medida que a epidemiologia expandiu seudomínio de estudo. O modelo inicial, expresso emtermos probabilísticos, tem sido transportado tambémpara as doenças não-transmissíveis, como também noestudo dos fatores sócio-econômicos de desenvolvi-mento social sem atrelá-lo a doenças. A estatísticaé, um instrumento útil para determinar se os fatoresocorreram por acaso; muitas vezes os resultados nãosão significativos apenas devido ao tamanho da amos-tra e, com isto, boas teorias são eliminadas.

No seio do método epidemiológico, constata-sefacilmente um fenômeno ao mesmo tempo vantajosoe preocupante. De certa forma, a pesquisa nesta áreaé,cada vez mais, realizada com "duas epidemiologias".Uma destas refina-se no rigor formal dos tipos deestudos epidemiológicos (descritivo, caso-controle ecoorte) e na análise estatística. A "outra epidemio-logia" é mais flexível no formal e, arrojadamente,tenta articular-se com as demais disciplinas voltadaspara o processo saúde-doença na população. A pers-pectiva desta epidemiologia é de um grande desafiopara os que nela trabalham. Em suma, os epidemio-logistas precisam estudar outras áreas, enquanto eco-nomistas, sociólogos, antropólogos, administradoresde serviço etc, precisam aprender epidemiologia. Deum lado isto é estimulante, mas, de outro lado, com-portam-se riscos de improvisações apressadas e atébanalizações de um ou outro ramo da ciência.

Entre as "duas epidemiologias" já há conflitosque, embora menores do que os existentes entre osclínicos e epidemiologistas, são suficientemente impor-tantes para serem mencionados. Um bom indicadoré o da dispersão das pesquisas publicadas pelos epide-miologistas não-ortodoxos em um elenco de revistas— de saúde pública, medicina social, de serviços popu-lacionais, de antropologia etc.

Na busca do rigor, sobretudo no método de sele-ção de variáveis, por exemplo, de fatores de risconum dado grupo de pessoas, pode-se eclipsar o objetoe, conseqüentemente, não mostrar de fato o problemana população. Essa é uma clássica falha epistêmica,onde se superestima o valor do instrumento, sem aten-tar para a soberania do objeto e o raciocínio investiga-dor (raisonnement, reasoning). Não somos os únicosa ter essa opinião; por exemplo, por reconhecer aenorme importância de um particular raciocínio, apro-ximando-se aos cânones de J.S. Mill em muitos pontosda obra de Freud, que Castiel (1) identificou o paida psicanálise como sendo, também, um epidemio-logista. Sawyer (5) focaliza a potencial contribuiçãoda pesquisa social para o controle da Malária, com

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a inclusão de várias disciplinas de ciências sociais;criticou com propriedade a análise epidemiológica exis-tente, a qual busca soluções puramente técnicas paraum problema social. Citando o exemplo do controleda Malária na Região Amazônica, onde a doença temaumentado em 1.500%, mostra que o ambiente físicoe social dessa região requer diversificação das estraté-gias de controle existentes.

Alguns problemas populacionais como a migra-ção-emigração, a violência, o estresse e os transtornosmentais têm desafiado a pesquisa populacional há algu-mas décadas. O estresse ilustra bem isso, porque empi-ricamente ninguém duvida de seu papel em acarretar,no mínimo, grande desconforto pessoal e conflitos in-terpessoais. Embora os estudiosos em psicossomáticae psicossociologia sejam convictos de que o estresseseja um fator causai importante de muitas afecções,a maior parte dos estudos têm se revelado não convin-centes para estabelecer tal associação. Entretanto, emcondições extremas de estresse, a verdade da associa-ção foi demonstrada, como no estudo de Reid (4)entre os aviadores combatentes da Royal Air Force,na Segunda Guerra Mundial. Uma parte de seus resul-tados encontra-se na tabela I, de onde se destacamas seguintes observações:

1 — Desenvolver "neurose" antes do embarque noavião ou durante a operação de bombardeio corre-lacionou-se significativamente com "ansiedade"decorrente de:a) risco de morrer, indicado pelas taxas de baixas(mortes) de aviadores nos bombardeios preceden-tes;b) taxas de desaparecidos durante as missões;c) taxas de novatos na tripulação, ou seja, quea inexperiência no embarque aumenta o estresse.

2 — Desenvolver "neurose" não se correlacionou sig-nificativamente com as medidas de esforço nasoperações de bombardeio.

O estudo de Reid e a experiência do dia-a-diade cada um indicam, pois, que o estresse é morbigê-nico. É provável, então, que os resultados pouco con-vincentes das pesquisas sobre estresse decorram defalhas no desenho ou na abordagem metodológica dosestudos.

REDE DE CAUSALIDADE

Atualmente discute-se muito sobre a multicausa-lidade de uma doença, porém os estudos realizadospelos investigadores demonstram que é mais uma retó-rica discursiva, porque neles buscam-se uma ou poucas

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causas para a doença. De fato não se tenta compreen-der a doença como resultado da interação de fatoresque atuam dentro de uma convincente "rede de causali-dade". Lembrando-se do marco conceitual da epide-miologia da tríade agente-hospedeiro-ambiente, se nãose pensa nela, esquecem-se dos fatores atuantes nohospedeiro e no ambiente.

No modelo da rede de causalidade, freqüente-mente não se levam em conta os fatores sócio-eco-nômicos, isto é, estes não são apreendidos no processogerador do dano. Esta abordagem macroscópica dainfluência da organização econômica e social foi tenta-da por alguns autores, citados por Goldberg (3), osquais integraram diversas variáveis, representando di-retamente o impacto do sistema social sobre o danona população. Densidade populacional, a populaçãoativa nos diversos setores da economia, a produçãoe consumo de certos bens, a densidade de serviçosmédicos etc foram as variáveis "macroscópicas" esco-lhidas por aqueles autores. Os resultados obtidos poreles mostram que, em geral, estas variáveis macroscó-picas possuem um poder explicativo muito importante.Podemos lembrar a bem evidenciada ligação entre Pro-duto Nacional Bruto e mortalidade geral ou mortali-dade por tuberculose. Claro que não incluir as variáveismacroscópicas na categoria dos fatores independentessignifica podar os galhos mais robustos da rede decausalidade. Desenvolver indicadores operacionaisdessas variáveis é um desafio que se coloca para osepidemiologistas que se preocupam em achar soluçõespara os problemas de saúde.

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INDICADORES DE SAÚDE NA AVALIAÇÃO DOPROCESSO SAÚDE-DOENÇA

As taxas de mortalidade têm sido tradicionalmen-te o indicador mais usado para diagnosticar a situaçãode saúde, porque é fácil calculá-las, por razões concei-tuais (a morte não se presta a ambigüidade) e funcio-nal: preocupação com grupos específicos, como mortesprematuras na comunidade, em parturientes etc.

O indicador de morbidade também tem sido muitoutilizado, mas sem atentar-se devidamente para o fatode que o conceito de caso seja extremamente variáveltanto geográfica quanto cronologicamente. Emboraúteis, estes dois indicadores são insuficientes e limita-dos; eles não refletem o peso dos problemas de saúde,seja ao nível individual ou coletivo. Por exemplo, astaxas de incidência e prevalência são calculadas combase no número de casos de doenças ou de anomaliascongênitas, não permitindo diferenciar, para uma mes-ma doença, os casos que se acompanham de perturba-ções funcionais, que impedem a atividade habitual dodoente, daqueles que são compatíveis com um prosse-guimento destas atividades.

Os indicadores de morbidade repousam sobre asobservações individuais, as quais são em seguida agre-gadas, de forma a fornecer uma medida da doençade um grupo ou de uma população. Vários autores,principalmente sociólogos, criticam estes indicadorese assinalam o fato de que os problemas de saúde queaparecem num grupo ou população não são simples-mente a soma dos problemas individuais que aí seencontram. Nas comunidades existem problemas desaúde específicos por suas ligações sociais, institucio-nais, geográficas etc como também a definição de saú-de já possui natureza social e psicológica. Goldberg(3) insiste que não existe definição operacional dasmedidas de morbidade de uma população que integremas dimensões sociológica e psicológica.

Dentro dessas limitações, toma-se muito difícilevidenciar a relação entre doença e situação sócio-eco-nômica; esta fica somente como um fator de açãoindireta, expressando-se de maneira polimorfa e não--específica que acentua ou atenua certas manifestaçõesda doença. Avaliar o efeito dos fatores sócio-econô-micos sobre a saúde através da quantificação das doen-ças e de óbitos redunda em uma estimativa parciale infiel daquele efeito.

Ocorrem numerosas tentativas de se operacionali-zar o estado de saúde, isto é, de como decidir quetal estado de saúde de uma população é melhor queo de outra população. Tais tentativas foram bastantecriticadas por sua subjetividade, com, conseqüente-

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mente, resultados inconsistentes. A principal críticaprovém do fato de que uma tal comparação levantanecessariamente o conceito de saúde positiva. Essanoção constitui a evidência de maior impacto, de queos chamados "indicadores de saúde" avaliam apenasuma parte, a partir da qual pretende-se avaliar o tododa saúde. Se ampliadamente empregados, estes indica-dores incluem os "riscos sociais" (por exemplo, estres-se ocupacional, conflitos na família), além das taxasde mortalidade e morbidade. De fato, há populaçõessemelhantes nesses indicadores, mas que diferem muitoquanto a níveis de bem-estar social, satisfação obtidano emprego, tempo que é reservado para prática delazer e genuíno sentimento de utilidade no meio emque vive. Todo o problema aqui e definir esses concei-tos e, a partir deles, operacionalizar indicadores. Essaé uma tarefa muito difícil, pois muitas variáveis impor-tantes de saúde positiva são de natureza subjetiva.Para avaliar isso de fato, só há um meio: basear-seno que o indivíduo relata sobre ele próprio. E issolevanta a questão da confiabilidade do relato verbalde categorias do sujeito, sem contar com nenhum ele-mento de variação através de um referencial externoao sujeito. Entretanto, se é ciência de boa qualidadeou não, seria um absurdo desprezarem-se os dadosde relato verbal por uma não-credibilidade colocadaa priori. Embora seja louvável a tendência a desenvol-ver indicadores objetivos de saúde positiva, ocorreránecessariamente uma grande limitação, se a dimensãosubjetiva não for levada em conta. Os caminhos aber-tos na direção das pesquisas que examinem a saúdepositiva são:a) alargar o campo da saúde, introduzindo-se novas

dimensões positivas;b) propor novos meios de medir os fenômenos que

não eram vistos pelos métodos anteriores;c) abolição do monopólio médico sobre a apreciação

dos problemas de saúde e,d) o indivíduo isolado ou em grupo como fonte de

referência idônea de julgamento.

ESTUDOS DE EPIDEMIOLOGIA SOCIAL

Alguns autores preocuparam-se em avaliar a im-portância dos determinantes sócio-econômicos da saú-de, dentre os quais citamos o estudo de Vincent, citadopor Goldberg (3) e Fletcher (2). Vincent estudou aevolução do interesse dado pelos epidemiologistas aosfatores sócio-econômicos, a partir dos abstracts publi-cados de 1965 a 1976 pela National Library of Ameri-can Medicine. O estudo de Fletcher e Fletcher foivoltado para os artigos originais, relatando os resulta-dos de trabalhos de pesquisa clínica publicados de

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1946 a 1976 em três grandes revistas anglosaxônicas(Journal of the American Medical Association, NewEngland Journal of Medicine e Lancet). O essencialdos dois referidos estudos pode ser visualizado e com-parado mediante os gráficos I e II.

Embora o método e o contexto dos trabalhos deVincent e de Fletcher e Fletcher sejam diferentes,o fenômeno estudado por eles é o mesmo — e precisa-mente por isso referentes às perspectivas da pesquisaem Epidemiologia social.

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Pela comparação, destacamos as seguintes obser-vações:1 — Comum aos dois estudos é o pequeno valor conce-

dido aos fatores sócio-econômicos na geração doprocesso saúde-doença.

2 — Nos artigos oriundos de pesquisas epidemiológi-cas, o valor daqueles fatores foi constantementecrescente nos sucessivos triênios estudados. Em-bora não se forneça teste estatístico para as dife-rencas, é provável que estas sejam significativas,pois o tamanho da amostra foi grande.

3 — Nos estudos realizados por clínicos, o valor daque-les fatores foi muito pequeno e, ainda mais impor-tante que isto, o referido valor foi se reduzindoesmagadoramente, ao longo das décadas estuda-das.

É importante acrescentar que, no estudo de Flet-cher e Fletcher, uma outra variável tão importantequanto a sócio-econômica — o estado emocional dospacientes — foi praticamente desprezada, com o correrdas décadas, a partir de 1956. Por outro lado, estesautores encontraram um progressivo aumento da im-portância de variáveis nitidamente tecnológicas, exa-mes de laboratório, por exemplo, que foram, respecti-vamente, de 79,0%, 80,0% e 90,0% nas mencionadasdécadas.

O que se pode comentar a partir dessas observa-ções? As razões para tais resultados podem ser princi-palmente atribuídas à posição secundária da pesquisaem Saúde Pública e das disciplinas diretamente envol-vidas no seu campo: Sociologia e Economia da Saúde9Epidemiologia. Na pesquisa clínica, o reducionismoà biologia pode também ter sido importante, o queocorre freqüentemente hoje em dia. A este respeitopode-se citar o exemplo da pesquisa em doenças men-tais, que tem se restringido praticamente às ciênciasdo cérebro.

Outra observação importante é que isso indicaum alheamento crescente da pesquisa clínica, face aocontexto da vida dos pacientes. Isto é, essa pesquisarefletiria o trabalho clínico cada vez mais especiali-zado, num percurso em que há um afunilamento naseleção do fenômeno observado. Em 1946 os clínicosgerais viam a pesssoa inteira e, para muitos, o corpoia além da pele, englobando também o corpo familiare social. Nas décadas posteriores, o olhar do clínicofoi se afunilando, num processo focalizante, de cadavez mais observar apenas um detalhe. Do corpo socialfoi se reduzindo à observação do corpo até a da pele,depois de um órgão, de células, dos cromossomos e,enfim, de apenas um gen.

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Também é importante comentar que a diferençana valorização dos fatores sócio-econômicos por epide-miologistas e clínicos foi crescente, com o risco dese formar um abismo entre um e outro, com absolutaimpossibilidade de um trabalho integrado pelos doisgrupos. Esse abismo é de suma importância, com ummutue isolamento e exclusão progressivos.

PERSPECTIVAS E AVANÇOS A CURTO PRAZODA EPIDEMIOLOGIA

Tudo indica que o mais promissor avanço da epi-demiologia é sua aplicação para ordenar e interpretardados da Antropologia, o que foi bem delineado recen-temente por Sperber (6). Uma nova moda que "pega"e logo desaparece e certos traços culturais que perma-necem quase indefinidamente não diferem de epidemiae nível endêmico, respectivamente. A distribuição geo-gráfica, cronológica e por atributos de pessoa dos maisdiferentes dados empíricos colhidos pelo antropolo-gista contribui muito para conhecer melhor os fenôme-nos dessa área. Para Sperber, o mais fundamental éque a epidemiologia constitui importante alternativapara compreender as "transformações" que sofrem osfenômenos culturais, enfim, uma nova via de acessoao que ocorre na aculturação. Destaca-se que tal usonão compreeende a noção de "dano na população",isto é, não há incorporação da vertente oriunda dapatologia; o que Sperber mostrou foi o lado da inteligi-bilidade do método para constituir uma "epidemiologiadas representações" dos fenômenos da Antropologia.

A aplicação do método epidemiológico aos dadosgerados no meio hospitalar e ambulatorial tem tido,recentemente, um progresso enorme nos países desen-volvidos. Vandenbroucke (8) descreve-a como sendouma "nova ciência", com um objeto particular, noqual a produção científica aumenta muito, com novasrevistas, cursos etc. No Brasil observa-se o surgimentode novos serviços em hospitais, que se inserem nessaassim chamada epidemiologia clínica. Contudo, comoacentua Tênis (7), as possibilidades de aplicação daepidemiologia são muitas, as quais vão, pouco a pouco,sendo redescobertas, como é o caso da aplicação naclínica. Esse autor enfatiza que todos os grupos popu-lacionais podem ser classificados de acordo com níveisde exposição a riscos, os quais são muito reais paraserem deixados de lado como se não fossem práticos.As atividades de saúde pública não têm feito valera noção de risco; esse conceito é a mais importanteconquista teórica da epidemiologia, que visa um fimdos mais práticos, mas que talvez tenha que ser redes-coberto.

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Some new approaches on the use of epidemiology wereconcisely reviewed in this paper. Firstly, theimportance of the health consequences ofsocio-economic factors, which have increased inepidemiologic research, and decreased too much instudies from the clinical research area. Thepopulation's health state evaluation was thendiscussed, when was remarked that without operationalindicators of positive health that evaluation isnecessarily limited. Attention was also paid to progressin methods, from which two epidemiologic approacheshave been developed. In one of them rigour in methodsand in data analysis by computer are endlesslysearched for, while health solve-problem is focusedin the other. Therefore, epidemiology cannot beseparated from social, economic and behaviorsciences, which altogether may achieve that goal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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