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O TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO NO BRASIL. UM OLHAR SOBRE O ESTADO DO PARÁ Juliete Miranda Alves 1 Andrelina da Luz Dias 2 INTRODUÇÃO O objetivo inicial deste trabalho é realizar um levantamento sobre os dados referentes ao trabalho análogo à escravidão no Brasil, destacando o Pará, cuja atividade ilegal ocorre com maior incidência em áreas rurais, principalmente a escravidão por dívida. No Pará, segundo os dados fornecidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), de 2008 a 2013, 480 estabelecimentos em áreas rurais e urbanas (considerando pessoa física e jurídica) foram autuados por trabalho escravo, sendo 468 (97,5%) em áreas rurais nas seguintes atividades laborais: carvoarias, fazendas, empresa agropecuária e de mineração. Nos dados fornecidos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) nos mesmos anos, os imóveis denunciados foram 397, nas mesmas atividades registradas pelo MTE. O atual conceito de trabalho escravo distingue-se daquele praticado na antiguidade ou no período colonial brasileiro. No período colonial a escravidão era um sistema baseado na propriedade, ou seja, era um direito de domínio de um homem 1 Socióloga, professora e pesquisadora. ONU-FAO/IDESP/ Núcleo de Estudos Sociais. Email: [email protected] 2 Estatística, pesquisadora do IDESP. Coordenadora do Núcleo de Estudos Sociais. Email: [email protected]

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Trabalho sobre trabalho escravo

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O TRABALHO ANLOGO ESCRAVIDO NO BRASIL. UM OLHAR SOBRE O ESTADO DO PARJuliete Miranda Alves

Andrelina da Luz Dias

INTRODUOO objetivo inicial deste trabalho realizar um levantamento sobre os dados referentes ao trabalho anlogo escravido no Brasil, destacando o Par, cuja atividade ilegal ocorre com maior incidncia em reas rurais, principalmente a escravido por dvida. No Par, segundo os dados fornecidos pelo Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE), de 2008 a 2013, 480 estabelecimentos em reas rurais e urbanas (considerando pessoa fsica e jurdica) foram autuados por trabalho escravo, sendo 468 (97,5%) em reas rurais nas seguintes atividades laborais: carvoarias, fazendas, empresa agropecuria e de minerao. Nos dados fornecidos pela Comisso Pastoral da Terra (CPT) nos mesmos anos, os imveis denunciados foram 397, nas mesmas atividades registradas pelo MTE. O atual conceito de trabalho escravo distingue-se daquele praticado na antiguidade ou no perodo colonial brasileiro. No perodo colonial a escravido era um sistema baseado na propriedade, ou seja, era um direito de domnio de um homem sobre outro. No Brasil, a utilizao da mo de obra escrava se deu com a vinda dos portugueses, e perdurou por quase quatrocentos anos, perodo que compreendeu entre 1500 at 1888, ano da assinatura da lei urea. Em razo deste histrico, nos documentos internacionais no se utiliza o termo trabalho escravo, mas sim trabalho forado, formas contemporneas ou anlogas escravido (CASTILHO, 1999). Contudo, em vrias teses, trabalhos acadmicos em geral e mesmo em documentos da CPT e MDE, o nome trabalho escravo tem sido consagrado nestas literaturas pela prtica das atividades exercidas, principalmente pelo cerceamento da liberdade e ameaas impostas em algumas situaes encontradas quando trabalhadores foram resgatados pelas autoridades competentes. O documento principal o qual vamos nos referir neste artigo, da Organizao Internacional do Trabalho (OIT). Segundo este rgo, o trabalho forado ou compulsrio todo tipo de trabalho ou servio exigido de uma pessoa sob a ameaa de pena e para o qual no se tenha oferecido espontaneamente. Ocorre quando o trabalho imposto pelo Estado, ou por empreendimentos privados, ou por indivduos que tm o poder de controlar os trabalhadores atravs de privaes severas, como a violncia fsica ou o abuso sexual, restringindo a liberdade das pessoas, detendo seus salrios ou seus documentos, obrigando-os a ficar no trabalho ou retendo-os por meio de uma dvida fraudulenta da qual eles no podem escapar. O trabalho forado um crime e uma violao dos direitos humanos fundamentais.

O trabalho forado ou anlogo escravido se apresenta com variadas formas de explorao: a escravido para trabalhos domsticos; a prostituio forada, sobretudo, no caso de mulheres e meninas; o trfico de pessoas definido pelo recrutamento, guarda, compra e transporte de pessoas atravs do uso da fora, fraude ou coao, com o objetivo de sujeit-las a atos no voluntrios, tais como os relacionados explorao sexual comercial (incluindoprostituio) e o uso de mo de obra para o trabalho baseado na servido por dvida. De acordo com dados do relatrio da OIT (2005) sobre trabalho anlogo a escravido, em todo mundo cerca de 12 milhes de pessoas foram vitimas de trabalhos forados e, dentre estas, de 40% a 50% tm menos de 18 anos. Quanto legislao referente a este tema, podemos destacar duas: a primeira a Conveno n. 29 da OIT, de maio de 1957, que dispe sobre a expresso trabalho forado, ou obrigatrio,compreendendo-o como todo trabalho ou servio exigido de uma pessoa sob a ameaa de sano e para o qual no se tenha oferecido espontaneamente (artigo 2). Considerando trabalho forado todo aquele trabalho obrigatrio, exercido no s com a subordinao jurdica prevista em lei, do empregador em relao ao empregado, mas com sujeio e subjugao, devido falta de liberdade no desempenho da atividade laboral. A segunda legislao a do Cdigo Penal brasileiro, em seu artigo 149 de 2003, compreendendo o trabalho anlogo escravido como, reduzir algum a condio anloga de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forados ou a jornadas exaustivas, quer sujeitando-o a condies degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoo em razo de dvida contrada com o empregador ou preposto (...). A pena a recluso, de dois a oito anos, e multa, alm da pena correspondente violncia. A aplicao desta penalidade esta sujeita a comprovao do ato ilegal. Diante do exposto, e das diferentes formas de escravido contempornea no mundo, neste artigo nos deteremos nos dados relativos ao trabalho anlogo escravido no Brasil, com especial ateno ao estado do Par, em uma das formas de trabalho forado mais recorrente entre os resgatados encontrados neste estado; a escravido por dvida (MDE, 2013). A explorao do trabalho humano por meio da servido por dvida se caracteriza como a forma em que o trabalhador fica obrigado, perante o empregador, a saldar o dbito contrado em virtude da prpria prestao do trabalho. Nessa prtica, opera-se acoisificaodo trabalhador envolvido, na medida em que ele se torna instrumento de trabalho, sem contraprestao pelo emprego da sua fora produtiva. Contudo, mesmo o trfico de pessoas e a escravido sexual recorrem constantemente a supostas dvidas contradas com compra de passagens, alimentao e alojamento.A escravido por dvida um trabalho forado e degradante. O trabalho degradante a explorao de esferas do trabalho e o descumprimento da legislao trabalhista. Todavia, no constitui trabalho forado desde que o trabalhador possa abandonar o emprego, ou seja, pedir demisso, desvinculando-se da relao empregatcia. Dessa forma, podemos afirmar que todo trabalho forado degradante, mas nem todo trabalho degradante forado. De acordo com o relatrio da OIT de 2001, o trabalho forado no mundo tem duas caractersticas em comum: o uso da coao e a negao da liberdade. No Brasil, o trabalho escravo resulta da soma do trabalho degradante com a privao de liberdade. Alm de o trabalhador ficar atrelado a uma dvida, tem seus documentos retidos e, nas reas rurais, normalmente fica em local geograficamente isolado. importante frisar que essa relao de trabalho no est associada somente s reas rurais, apesar da sua predominncia, o trabalho escravo tem sido cada vez mais flagrado nas grandes cidades. Em 2013, segundo dados da CPT, o nmero de libertaes no meio urbano foi maior que o do meio rural pela primeira vez na histria, contabilizando 2.208 trabalhadores libertados, 56% nas cidades (1.228). Em 2012, os nmeros indicavam que menos de um tero (30%) dos resgatados estavam na rea urbana. Uma das explicaes para esta mudana o nmero crescente de grandes obras de construo civil e hidreltricas pelo pas, principalmente a partir do Programa de Acelerao do Crescimento (PAC) do governo Federal. A construo civil encabea o ranking de setores com mais libertaes no ano de 2013: foram no total 914 (41%). (CPT, 2014).Os dados do estado do Par, apontados no incio deste artigo, demonstram que 97,5% dos trabalhadores resgatados em situao de trabalho anlogo escravido se concentram em reas rurais, justificando com este fato uma investigao mais criteriosa do que representam estes dados. O Instituto de Desenvolvimento Social Econmico e Ambiental do Estado do Par (IDESP), reconhecendo a importncia deste assunto para a sua agenda de pesquisa, apresenta neste artigo uma anlise inicial dos resultados levantados de dados da Comisso Pastoral da Terra (CPT), do Ministrio do Trabalho e Emprego (MDE) e do Ministrio de Desenvolvimento Social E Combate a Fome (MDS). O artigo est assim organizado: no primeiro momento apresentaremos a metodologia. Esta forma de organizao justifica-se pelos dados coletados, pois no se tratando de trabalho formal ou institudo legalmente, os nmeros apresentados, como citado anteriormente, foram retirados do site da CPT, do MTE, e do MDS.

Da CPT, analisamos as informaes existentes nos Cadernos de conflitos do campo, nos ltimos 5 anos, e no site do MTE, o cadastro semestral de pessoas fsicas ou empresas autuadas pela explorao do trabalho escravo e os nmeros relativos aos resgatados. Do MDS levantamos os dados sobre os municpios com maior incidncia de trabalho escravo. Nesta situao em particular, o objetivo inicial caracterizar brevemente (devendo ser aprofundado em futuras pesquisas), estes municpios com suas principais atividades produtivas e se contam com rgos especiais de proteo a pessoa como: Centro de Referncia Especializada de Assistncia Social (CREAS) e Centro de Referncia de Assistncia Social (CRAS). Principalmente o CREAS, responsvel pela promoo do atendimento s famlias ou indivduos que enfrentam adversidades, inclusive perseguio poltica.

No segundo momento, retomaremos algumas explicaes sociolgicas sobre o ressurgimento do trabalho escravo na Amaznia e uma breve exposio do histrico de organizao de setores da sociedade e os instrumentos legais de combate a esta modalidade de trabalho anloga escravido. No terceiro momento apresentaremos o perfil do trabalho escravo no Brasil destacando o Par, com as atividades que mais empregam este tipo de mo e obra. E no quarto momento, destacaremos os dados relativos aos ltimos cinco anos sobre o trabalho escravo, com os nmeros de denuncias e nmeros de libertados, entre estes menores de idade.1- PROCEDIMENTOS METODOLGICOS Em relao s Tabelas 1 e 2 (maiores detalhes com todos os municpios e o nmero de trabalhadores resgatados, ver no anexo 1) identificamos no Brasil, ressaltando o Par, os municpios que ao longo dos cinco anos (2009-2013) aparecem repetidamente em nmero de denncias e de libertos e em nmero de menores de idade. Contudo, os dados relativos aos menores, esto nas denncias, pois no h uma separao nos sites analisados. O que se observou foi que, algumas vezes o nmero de menores resgatados em trabalho escravo, foi ate maior que o denunciado. As fontes analisadas foram da CPT nos anos de 2009 a 2013. Os dados citados foram retirados do Caderno de conflitos que se subdivide em: assassinatos no campo, tentativas de assassinato, acampamentos, ameaados de morte, reas em conflito, conflitos pela gua, desrespeito trabalhista, conflitos por terra, aes de resistncia, ocupaes, superexplorao do trabalho, violncia contra a ocupao e a posse, violncia contra a pessoa e trabalho escravo.

No Par, destacamos dezesseis (16) municpios, que apresentaram repetidamente o trabalho escravo nos ltimos cinco anos, contudo, alguns desde 2000, segundo fontes da CPT (2000) e do MTE (2000), se destacam com estes indicadores negativos de trabalho anlogo escravido, como So Felix do Xingu, gua Azul do Norte, Rondon do Par e Goiansia. E foram nesses municpios que fizemos o levantamento a partir dos Relatrios de Informaes Sociais do MDS (2014), sobre suas atividades produtivas e se contam com rgos especiais de atendimento a pessoa, o CRAS e CREAS. Sendo que esse ltimo de acordo com a definio expressa na Lei N 12.435/2011 a unidade pblica estatal de abrangncia municipal ou regional que tem como papel constituir-se em lcus de referncia, nos territrios, da oferta de trabalho social especializado no Sistema nico de Assistncia Social (SUAS) famlias e indivduos em situao de risco pessoal ou social, por violao de direitos. Seu papel no SUAS define, igualmente, seu papel na rede de atendimento. Portanto, cabe ao CREAS atender trabalhadores sujeitos ao trabalho escravo, por ser tratar de violao de direitos.

O CRAS por sua vez, uma unidade pblica estatal descentralizada da poltica de assistncia social sendo responsvel pela organizao e oferta dos servios socioassistenciais da Proteo Social Bsica do Sistema nico de Assistncia Social (SUAS) nas reas de vulnerabilidade e risco social dos municpios e Distrito Federal e representa a principal estrutura fsica local para a proteo social bsica s famlias por meio do servio de Proteo e Atendimento Integral a Famlias (PAIF).

As denncias registradas nos dados da CPT, no representam o nmero de resgatados e nem a punio dos envolvidos. Mas um indicador importante porque representa que algum denunciou, comunicando aos rgos ou instituies competentes a possibilidade de trabalho escravo. Estas denncias so investigadas. O nmero de libertos ou resgatados representa a comprovao em um estabelecimento ou empresa, de que houve trabalho anlogo escravido. neste momento em que so aplicadas as medidas legais por parte do Ministrio Pblico do Trabalho (MPT).As operaes de averiguao do trabalho escravo so distribudas por Unidade da Federao. E constitui-se na ao de uma equipe formada por auditores fiscais do trabalho, procurador do Ministrio Pblico do Trabalho (MPT), agentes da polcia federal (eventualmente, delegado) e motoristas, com vistas a verificar in loco denncia de prtica de trabalho forado. A operao tambm pode ser impulsionada a partir do planejamento interno do MTE. Uma operao pode abranger a fiscalizao de um ou mais estabelecimentos.H outro ponto de anlise importante a ser considerado; quanto aos trabalhadores cujos contratos foram formalizados no curso da ao fiscal, ou seja, na comprovao do ato ilegal. Esse se refere ao nmero de trabalhadores sem Carteira de Trabalho e Previdncia Social (CTPS) assinada e que, no curso da ao fiscal, tiveram o seu contrato formalizado. Esse nmero nem sempre corresponder exatamente ao nmero de resgatados, pois alguns trabalhadores podem ser encontrados, no mesmo estabelecimento, em situao de irregularidade trabalhista e no reduzidos condio anloga a de escravos. Existe ainda a hiptese de os trabalhadores possurem a CTPS assinada e mesmo assim estarem submetidos condio que caracteriza o trabalho anlogo escravido. O trabalhador resgatado refere-se ao trabalhador encontrado em situao anloga a de escravo incurso em uma ou mais hipteses do artigo 149 do Cdigo Penal brasileiro. So elas: trabalho forado, servido por dvida, jornada exaustiva e/ou trabalho degradante. Neste sentido, quando citamos trabalho escravo no Brasil, nos referimos a estas situaes ilegais de relaes de trabalho segundo o artigo do Cdigo Penal Brasileiro. No caso Paraense os nmeros apresentados de denunciados e resgatados so referentes a servido por dvida, que tambm se revestem por relaes de trabalho degradantes e com jornadas exaustivas impostas ao trabalhador. Em se tratando de trabalho escravo, o pagamento de indenizao, vem das verbas salariais devidas ao empregado e decorrente do rompimento do contrato de trabalho por causa dada pelo empregador e compreende saldo de salrios, de frias, dcimo terceiro (gratificao natalina), entre outros. No se confunde com as multas impostas pela auditoria trabalhista ou com as indenizaes por danos morais propostas pelo Ministrio Pblico do Trabalho (MPT).Optamos por utilizar a expresso trabalho escravo segundo o critrio adotado pela CPT e OIT, mas h uma ampla discusso sobre este conceito entre juristas, socilogos, historiadores e movimentos sociais, que no desenvolveremos, por no ser o objetivo desse artigo.2 ALGUMAS EXPLICAES SOBRE O RESURGIMENTO DA ESCRAVIDO POR DVIDA NA AMAZNIAPara Martins (1997) o trabalho escravo ressurge aps a expanso da fronteira agropecuria para a Amaznia, nas aberturas de fazendas e na expulso de posseiros durante a dcada de 1970. Para esse autor, a escravido contempornea permite ao grande proprietrio acumular mais, usando o ser humano como mercadoria de troca. Nessa situao, as relaes de trabalho permitem a acumulao primitiva de capital por parte de fazendeiros ou empresas no momento principalmente do desmatamento, da abertura de fazendas ou da implantao de carvoarias.Os meios das formas degradantes de trabalho escravo, no podem ser compreendidas isoladas do contexto de municpios (principalmente na Amaznia) que apresentam fragilidades nas instituies locais e em suas atividades produtivas, h outros elementos considerar na persistncia desse problema.Referimo-nos dificuldade de denunciar e de resolver este grave problema, pois, de uma forma perversa a escravido, refora ou representa a sobrevivncia de pequenas penses, pousadas, comrcio, que vivem e dependem financeiramente dos trabalhadores aliciados pelos gatos . Esses intermedirios pagam muitas vezes adiantados reforando um ciclo de dependncia dos pequenos comrcios e penses, dificultando a denncia. A suposta divida contrada pelo trabalhador no comea na fazenda, ela inicia quando o trabalhador aceita trabalhar para um fazendeiro e ou empresa que muitas vezes sequer ele sabe o nome, a relao direta com quem o arregimenta, o gato. O mecanismo de endividamento se estende mais ainda quando o trabalhador se desloca para o lugar do trabalho (fazenda, carvoaria, etc.) e compra bens necessrios sua sobrevivncia: material de higiene pessoal, biscoito, pilhas, equipamentos de trabalho, etc. vendidos a um preo exorbitante em cantinas que deveriam fornecer gratuitamente esses produtos, endividando-os, prendendo-os ao trabalho por dvidas ilegais e interminveis, j que impedidos de sair enquanto no quitados seus dbitos com os aliciadores. Os trabalhadores ainda tm de pagar por tudo aquilo que deveria ter sido fornecido gratuitamente pelo empregador, como os equipamentos de proteo individual (mscara, botas, chapu, capacete. etc.) ou ferramentas essenciais ao desempenho do trabalho (foice, esmeril etc.). O trabalhador no pode se afastar enquanto no acaba o servio, ou termine de pagar a dvida. Em muitos casos, quando acaba o servio e ele no quitou a dvida ele repassado como instrumento de troca para outro fazendeiro, como forma de pagamento pela dvida contrada no trabalho anterior. Essa relao de trabalho assimtrica baseada na dependncia a um patro encontra-se na histria da Amaznia, no sistema de aviamento , condenada pela Declarao Universal dos Direitos do Homem, e adotada em 1948, pela Organizao das Naes Unidas (ONU). A escravido por divida e outras formas de trabalho forado e sua persistncia, devem ser analisadas, principalmente na Amaznia, neste quadro de dependncia dos pequenos lugarejos, h um silncio dos envolvidos direta e indiretamente que impede a denncia desta forma degradante de relaes de trabalho escravo. Outra questo precisa ser mais bem investigada, o fato de que alguns trabalhadores quando so libertados, voltam novamente a serem escravizados em uma nova tarefa. A reincidncia comum revelando que o trabalhador no tem alternativa, ou mesmo porque o prprio trabalhador no se v como escravo.A escravido contempornea no so formas de trabalho, ou resqucios de formas primitivas de produo. Concordamos com Martins (1997), que reconhece na escravido contempornea um componente do prprio capitalismo, referindo-se especificamente ao Brasil, para quem "o capitalismo no s compatvel com o trabalho no livre, como, em certas situaes, prefere-o a uma fora de trabalho livre" (MARTINS, 1997). Ainda segundo a CPT, essa relao servil de trabalho pode apresentar nmeros superiores, se considerarmos que os dados da CPT e do MTE so referentes s denncias e o flagrante de pessoas fsicas ou jurdicas autuadas pelo Ministrio Pblico do Trabalho. Isto no significa que no haja mais trabalhadores escravizados, h em torno deste grave problema social um medo constante em denunciar.

Em relao s denncias estas so averiguadas pelo Ministrio Pblico Estadual (MPE) que investiga situaes em que os obreiros so submetidos a trabalho forado, servido por dvidas, jornadas exaustivas ou condies degradantes de trabalho, como alojamento precrio, gua no potvel, alimentao inadequada, desrespeito s normas de segurana e sade do trabalhador, falta de registro em carteira, maus tratos e violncia. Apesar dos diferentes esforos realizados em combater estas atividades laborais degradantes, levadas pelo grupo mvel de combate ao trabalho escravo, e do Cadastro do Ministrio do Trabalho e Emprego, que atualiza de seis em seis meses a relao de empresas ou pessoas fsicas autuadas pela explorao do trabalho escravo. Os nmeros apresentados neste artigo representam a persistncia de relaes trabalhistas ainda baseadas na escravido. No Brasil diversas organizaes governamentais e no governamentais se notabilizam pela erradicao do trabalho escravo, com destaque para o Ministrio Pblico do Trabalho (MPT), o Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE), a Organizao Internacional do Trabalho (OIT), a Comisso Nacional para a Erradicao do Trabalho Escravo (CONATRAE), a Associao Nacional dos Juzes do Trabalho (ANAMATRA), a Comisso Pastoral da Terra (CPT), a organizao no governamental Reprter Brasil, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e a Secretaria de Estado de Justia e Direitos Humanos (SEJUDH) que no Par atravs da Coordenao de Proteo dos Direitos dos Trabalhadores Rurais e de Combate ao Escravismo e Trfico organizam aes voltadas conscientizao e a importncia em denunciar estas violaes trabalhistas e toda forma de trfico humano no Brasil. Esta tambm uma rea de atuao da ONU, que criou em 1991, a Comisso Executiva do Fundo Voluntrio contra as Formas Contemporneas de Escravido, para servir de suporte a diferentes rgos e agentes que trabalham com a violao das relaes trabalhistas, em especial o problema da escravido.

2.1 - O COMBATE AO TRABALHO ESCRAVOPara subsidiar sanes diretas as empresas e pessoas autuadas por escravido foi criada pela portaria interministerial de 12 de maio de 2011, o cadastro do Ministrio do Trabalho e Emprego, de empresas ou pessoas autuadas por explorao do trabalho escravo. A lista suja como chamada, considerada uma referncia internacional na construo de mecanismo de combate ao trabalho escravo. Em 2011, ocadastro foi elogiado pela ento relatora especial da ONU para as Formas Contemporneas de Escravido, a advogada Armnia Gulnara Shahinian, que ao apresentar o relatrio de sua visita ao Brasil no Conselho de Direitos Humanos das Naes Unidas citou a medida como um exemplo. Em 2012, a iniciativa tambm foi elogiada norelatrio The Global Slavery Index, divulgado pelaorganizao no governamental Walk Free. A lista suja tambm citada como refernciapela OIT. Contudo, este instrumento ainda no um consenso, contestado por fazendeiros e empresas que alegam o grau de constrangimento a qual so submetidos. De qualquer forma tem sido um instrumento essencial para quem busca informaes sobre as questes que envolvem trabalho escravo e forado no Brasil.

Em 1994 foram criadas as primeiras normas administrativas procedimentais voltadas para o trabalho rural no mbito do MTE, com procedimentos de fiscalizao no meio rural e contou com a participao de entidades do Frum Nacional Permanente contra a Violncia no Campo. Neste mesmo ano foi criado um termo de cooperao, entre o Ministrio Pblico Federal, Ministrio Pblico do Trabalho e Policia Federal.

Em 1995, na presidncia de Fernando Henrique Cardoso, criou-se o Decreto 1.538, constituindo o Grupo Interministerial para Erradicao do Trabalho Forado (GERTRAF). E nesse mesmo ano a criao do Grupo Especial de Fiscalizao Mvel, para atuao especifica no meio rural. Em 12 de setembro de 2002 foi institudo a Comisso Nacional de Erradicao do Trabalho Escravo (CONAETE) e ainda foi sancionada a lei n 10.608 que instituiu o seguro desemprego especial para os comprovadamente resgatados em situaes de trabalho forado, condio anloga a de escravos. Em 31 de julho de 2003 no governo de Lus Incio Lula da Silva, foi institudo o Conselho Nacional de Erradicao do Trabalho escravo (CONATRAE), sob a coordenao da Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Esse Conselho elaborou um plano contendo 76 aes, cuja responsabilidade de execuo compartilhada por rgos do Executivo, Legislativo, Judicirio, Ministrio Pblico, entidades da sociedade civil e organismos internacionais. Ainda no ano de 2003, foi criado o Cadastro de infratores do Ministrio da Integrao Nacional, relativo a recomendao aos rgos pblicos que se abstenham de conceder financiamento ou qualquer outro tipo de assistncia a empresas ou pessoas julgadas pelo trabalho escravo. Em 12 de maio de 2011, como citado anteriormente, foi criada a portaria interministerial, com o Cadastro de empregadores infratores que estabelece a divulgao do nome da pessoa ou empresa aps deciso administrativa final relativa infrao. Ela feita depois da ao fiscal, quando h identificao de trabalhadores submetidos a trabalho escravo. A lista passa por atualizaes maiores a cada seis meses.Nesse breve histrico de organizao das instituies e sociedade civil, no poderamos deixar de destacar o trabalho pioneiro da Comisso Pastoral da terra, que desde 1975 (ano em que foi fundada, e no caso do Par, sua primeira sede foi no municpio de Marab) vem trabalhando com as denncias no s de trabalho escravo no Brasil, mas de diferentes conflitos agrrios: assassinatos no campo, ameaas, violao dos direitos trabalhistas. A CPT tem sede em todos os estados da Federao. Seu banco de dados alimentado com informaes importantes desde 1985. Sua participao efetiva no Frum Nacional Permanente contra a Violncia no Campo. tambm uma entidade importante para o trabalho do MTE, pois como mantm sedes em todos os estados da Federao, so delas que vem grande parte das denncias de trabalho escravo e outros conflitos agrrios.3- O PERFIL DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL DESTACANDO O PARO Atlas do trabalho escravo (2009) no Brasil caracteriza os trabalhadores escravizados predominantemente em reas rurais como sendo do sexo masculino, analfabeto funcional, migrante maranhense, do norte de Tocantins ou oeste do Piau.A CPT, desde 1995 at 2013, concluiu que quase dois teros dos 28.702 trabalhadores libertados tinham entre 18 e 34 anos (63,6%). 35,3%, eram analfabetos e 38,4 % haviam estudado at o 4 ano incompleto e 95,3% eram homens (CPT, 2014).Analisando os dados relativos s denncias, retiradas das informaes existentes na CPT, desde o ano de 1986, e dos registros de trabalhadores libertados pelo Grupo Mvel de Fiscalizao do Ministrio do Trabalho, a partir de 1995, nota-se que o trabalho escravo ocorre, sobretudo, nas seguintes atividades econmicas: desmatamento para pecuria, em companhias siderrgicas, carvoarias, mineradoras, madeireiras, usinas de lcool e acar, destilarias, empresas de colonizao, garimpos, fazendas, empresas de reflorestamento/celulose, agropecurias, empresas relacionadas produo de estanho, empresas da rea de citricultura, olarias, cultura de caf, produtoras de sementes de capim e seringais.Recentemente houve um crescimento nacional do trabalho escravo na construo civil. Vejamos os dados relativos a 2013 no quadro 1.Quadro 1. Posio das atividades dos cinco municpios com as maiores incidncias de condio de trabalho escravo Brasil

PosioEstadoMunicpioAtividadeQuantidade

1MGConceio do Mato DentroConstruo Civil173

2SPGuarulhosConstruo Civil111

3RJRio de JaneiroAlimentao93

4CEGranjaColeta da palha da carnaba85

5GOItaberaConstruo Civil70

Fonte: DETRAE/ MTE, 2014.

Elaborao: IDESP/ Ncleo de Estudos Sociais, 2014De acordo com as informaes divulgadas pela Diviso de Fiscalizao para Erradicao do Trabalho Escravo (DETRAE), do MTE, das cinco aes fiscais encontradas com as maiores quantidades de trabalhadores em condies anlogas s de escravo, quatro foram de rea urbana, sendo trs na construo civil.

No quadro 2, observa-se que o estado do Par destaca-se como um dos cinco estados em que mais ocorreram aes fiscais do Grupo Especial de Fiscalizao (GEFM). Quadro 2 - Posio dos cinco estados com as maiores incidncias de aes fiscais Brasil.

PosioEstadoAes fiscaisGEFMSRTE

1Par68626

2Mato Grosso301515

3So Paulo260323

4Minas Gerais25025

5Gois25717

Fonte: DETRAE, 2014

Elaborao: IDESP/Ncleo de Estudos Sociais, 2014

As aes fiscais fiscalizam o cumprimento dos direitos trabalhistas. O GEFM formado pela participao conjunta de auditores fiscais do Trabalho, de membros do Ministrio Pblico do Trabalho, do Ministrio Pblico Federal, da Advocacia-Geral da Unio, da Defensoria Pblica da Unio e das foras policiais (Polcia Federal e Polcia Rodoviria Federal). O GEFM est diretamente vinculada ao DETRAE e tambm da atuao dos auditores fiscais do Trabalho lotados nas Superintendncias Regionais do Trabalho e Emprego (SRTE) em todo pas.4- DADOS RELATIVOS AO TRABALHO ESCRAVO (2009-2013)

As Tabelas 1 e 2 destacam nos ltimos cinco anos, um panorama geral dos estados brasileiros e municpios paraenses, em que empresas ou pessoas fsicas foram denunciadas e resgatadas do trabalho escravo, entre esses, menores de idade. Na Tabela 1, os Estados so: Gois, Maranho, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul Minas Gerais, Par, Pernambuco, Rio de Janeiro e Tocantins. Na Tabela 2 no Estado do Par, os municpios que repetidamente aparecem nos registros da CPT, so eles: Marab, Novo Repartimento, Rondon do Par, So Flix do Xingu, Ourilndia do Norte, Itupiranga, gua Azul do Norte, Medicilndia, Pacaj, So Geraldo do Araguaia, Abel Figueiredo, Goiansia, Tom Au. Brejo Grande, Palestina, So Geraldo do Araguaia.Tabela 1 Trabalhadores denunciados e liberados em situao de trabalho escravo dos estados brasileiros 2009-2013EstadoTrabalhadores denunciadosTrabalhadores liberados

2009201020112012201320092010201120122013

Maranho152174121731772710763312

Mato Grosso78000347800015

Minas Gerais2692078205626920782056

Par11323791826871431583455332645

Pernambuco33400003340000

Rio de Janeiro71514573007151297300

Tocantins4253867159131274392715921

Gois040533465310405117960

Mato Grosso do Sul0012820460068046

Total31051348214198461818551232483612185

Fonte: CPT. 2014

Elaborao: IDESP/ Ncleo de Estudos Sociais, 2014

Tabela 2 - Trabalhadores denunciados e liberados em situao de trabalho escravo, Brasil e municpios do Par 2009-2013Estado e MunicpioTrabalhadores denunciadosTrabalhadores liberados

2009201020112012201320092010201120122013

Brasil31041350214198461818551232483612185

Par11323791826871431583455332645

Marab32016134161

Novo Repartimento28344207203

Rondon do Par1851011483

So Flix do Xing13010996364758761425

Ourilndia do Norte94511647

Itupiranga6729

gua Azul do Norte531946

Medicilndia42344234

Brejo Grande/Palestina/

So Geraldo do Araguaia30

Abel Figuereido3224

Goiansia25422719

Tom Au350

Altamira8282

Pacaj5812588

Fonte: CPT. 2014

Elaborao: IDESP/ Ncleo de Estudos Sociais, 2014

Na Tabela 2, os municpios com a presena de trabalho anlogo a escravido, considerando os anos de 2009 a 2013, esto na regio de integrao de Araguaia, Carajs e Rio Capim e nos ltimos anos se estendendo para a regio do Xingu, nos municpios de Altamira e Pacaj. Em Altamira, o crescimento demogrfico por conta da Hidreltrica Belo Monte, fez acelerar a migrao para o municpio se estendendo para toda a Transamaznica. Atualmente, Altamira conta com aproximadamente 100 mil habitantes (IBGE, 2009). Segundo dados de Alves (2013) em pesquisa realizada com comunidades diretamente impactadas pela Hidreltrica Belo Monte. A migrao causada principalmente pela construo da hidreltrica, contudo, nem todos os trabalhadores so empregados na barragem, restando o trabalho nas fazendas. Em Altamira no ano de 2012 em duas fazendas foram regatados 82 trabalhadores e em Pacaj 58. Em 2013, no municpio de Medicilndia, foram 34 homens libertados em fazendas de cacau e tomate. Levantando- se como hiptese que em ultima instncia esses trabalhadores migrantes formam um contingente humano utilizado no trabalho escravo.

Na Tabela 3, destacamos o percentual de trabalhadores denunciados e libertados dos Estados j citados na Tabela 1 (Gois, Maranho, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Tocantins), destacando o Par. Tabela 3. Trabalhadores denunciados e liberados por situao de trabalho escravo no Brasil e Par 2009-2013.

AnoBrasilPar

Trabalha-dores denuncia-dosTrabalha-dores liberadosTrabalha-dores liberados em relao os denuncia-dos (%)Trabalha-dores denuncia-dosTrabalha-dores liberadosTrabalha-dores liberados em relao os denuncia-dos (%)

20093104185559,8113215814,0

20101350123291,337934591,0

2011214148322,61825329,1

201298461262,268732647,5

201361818529,91434531,5

Fonte: CPT. 2014

Elaborao: IDESP/ Ncleo de Estudos Sociais, 2014.A Tabela 3 mostra o desequilbrio entre a denncia e o resgate. No caso do estado do Par, como a maioria das autuaes ocorre em reas rurais (segundo dados expostos na introduo deste artigo), a distncia entre as localidades um fator importante a ser considerado dificultando a ao do grupo mvel, pois permite que o dono do imvel seja alertado da ao fiscal.

A Tabela 4 mostra o nmero total de resgatados pelo MTE nos anos de 2009 at 2013, nos Estados de Gois, Maranho, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Par, Rio de Janeiro e Tocantins.Tabela 4. Acumulativo do nmero de resgatados pelo MTE, registrados por estado - 2009-2013AnoEstados Brasileiros

GOMAMGMSMTPARJTO

200932816142122308326521353

201034311951181225595892

201131012641738991233111106

201220167394498356314231

2013133714461018614112941

Total1.3155442.1895696901,822833823

Fonte: Relatrios Especficos de Fiscalizao para Erradicao do Trabalho Escravo (2009-2013).Elaborao: IDESP/ Ncleo de Estudos Sociais, 2014.Na Tabela 4, registramos o nmero total de resgatados em todos os imveis que sofreram ao fiscal. O Par teve 1.822 trabalhadores resgatados. Essas libertaes foram em reas rurais, diferentes de Minas Gerais com 2.189 cujas libertaes foram em reas rurais e urbanas: usinas de acar, soja, laranja, mas tambm na construo civil.

No ano de 2013, houve mudana nos nmeros de trabalhadores resgatados no estado do Par: de 563 em 2012, para 141 em 2013. Pode-se aferir como hiptese que a fiscalizao aumentou (o que de fato aconteceu), unindo esforos do governo estadual e federal. Contudo no se pode dizer que h uma tendncia evolutiva para reas urbanas. Mais preocupante a reincidncia do trabalho forado em determinados municpios, em se tratando do estado do Par. Sobre essa reincidncia deve-se tambm considerar, dois pontos de vulnerabilidade: 1- O nmero de trabalhadores que retornam ao trabalho escravo est tambm relacionado a sua baixa escolaridade e pouca qualificao, no lhes restando outra alternativa; 2- A concentrao de atividades, madeireiras e em municpios que aparecem nos cinco anos na Tabela 2, revelam a fragilidade das instituies locais, principalmente na ausncia de rgos especializados no atendimento a pessoa, bem como tambm a ausncia de outras atividades produtivas que possam gerar emprego e renda.

Considerando esta fragilidade das instituies locais, levantamos alguns dados a partir dos municpios do Par, que repetidamente aparecem na lista suja do MDE e nos registros da CPT desde 2000, so eles: So Felix do Xingu, gua Azul do Norte, Rondon do Par e Goiansia do Par. Sobre suas atividades produtivas, observamos que esto concentradas na explorao madeireira e na pecuria. E quanto aos rgos especiais de atendimento a pessoa (CREAS e CRAS), destacando-se o CREAS pelo objetivo principal em tambm atender situaes de violao dos direitos humanos, incluindo trabalhadores resgatados em trabalhos forados. Registra-se que em alguns desses municpios sequer contam com um CREAS. Vejamos mais claramente esta informao em nmeros coletados do MDS (2014):- Agua Azul do norte: Conta com uma populao de 25.899 habitantes (Censo, 2010). Tem CRAS e nenhum CREAS. - Goiansia do Par: Conta com uma populao de total de 30.436 (Censo, 2010). Tem um CRAS e nenhum CREAS.- Rondon do Par: Conta com uma populao de 46.964 (Censo, 2010) e tem dois CRAS e um CREAS- So Felix do Xingu: Conta com uma populao de 91.340 (Censo 2010) e tem 1 CRAS e um CREAS. Esses indicadores dos municpios so ainda insuficientes para uma anlise mais cuidadosa. Ser igualmente importante levantar os investimentos municipais, estaduais e federais desenvolvidos localmente para coibir a prtica do trabalho escravo e verificar a atuao dos CREAS, com os trabalhadores resgatados.

Retornado a Tabela 4, destaca-se Minas Gerais em 2013, com 446 trabalhadores resgatados, So Paulo com 419 (no foi registrado na tabela, mas estes nmeros esto no relatrio geral do DETRAE/MDE (2013)), e Par com 141. Em Minas Gerais em setores da construo civil e em So Paulo principalmente nos setores de confeces. No caso do Par, todos os resgatados estavam em reas rurais.

A maior parte das aes fiscais no Brasil ocorre ainda no meio rural, em fazendas e empresas (MTE, 2014). No caso do crescimento deste trabalho servil em reas urbanas em setores da construo civil e confeces, necessita de uma anlise mais refinada, sobre os fatores que levaram a esta ascenso, o perfil deste trabalhador (origem, escolaridade, formas de arregimentao). Muitos dados apontam para imigrantes da Bolvia, Venezuela, Peru, Haiti, etc. De qualquer forma ainda h um fosso grande entre reas rurais e urbanas no Brasil, com o predomnio da primeira baseada ainda em relaes subservientes que contam com a desinformao dos trabalhadores e a fragilidade das instituies locais. CONSIDERAES FINAIS

Os dados relativos a 2013 apontam que o trabalho escravo cresceu na construo civil e em fabricas de confeces. S em Minas Gerais, foram 2.189 resgatados (tabela 5) em usinas de acar, plantaes de soja e laranjais e em grande parte na construo civil. Nesse sentido, importante desconstruir a concepo que vigora principalmente veiculada e divulgada pelos meios de comunicao, de que o trabalho escravo uma atividade ilegal que ocorre somente em reas rurais na Amaznia. Os dados so reveladores e servem como reflexo de que estas formas de trabalho degradantes ocorrem tambm em regies economicamente mais industrializadas.

H avanos importantes sobre esse grave problema, resultado dos esforos conjuntos de entidades governamentais e no governamentais, como a aprovao pelo Senado Federal em maio de 2014, da emenda constitucional que destina propriedades onde for encontrado trabalho escravo reforma agrria ou a programas habitacionais. O PEC do trabalho escravo representa uma antiga demanda dos movimentos sociais, reivindicada desde a dcada de 1980, contudo, a aprovao esbarra no conceito do que trabalho escravo. A definio legal do que escravido contempornea est detalhada no artigo 149 do Cdigo Penal, que foi atualizado por meio da Lei 10.803/2003, fruto de um processo coletivo do qual participaram pessoas de diferentes reas preocupadas com o combate a essa grave violao de direitos humanos. A lei compreende tambm que jornadas exaustivas e condies degradantes envolvem uma profunda humilhao que pode levar at morte, portanto devem ser punidas como trabalho anlogo escravido.

E neste ponto principalmente que h uma discusso conceitual. Os ruralistas com uma bancada expressiva no Congresso Nacional defendem que o conceito seja revisto, para eles h escravido apenas nos casos em que a submisso se d com base em violncia fsica direta e ameaa. Portanto a jornada exaustiva por si s no caracteriza trabalho forado.

Como se pode notar este um tema delicado que esbarra em vrias posies ideolgicas. Contudo, urgente este debate, pois se olhamos para os dados referentes aos anos 2000 at 2013, segundo o DETRAE-MTE, o Brasil contabilizou em nmeros de resgatados 46.478 trabalhadores em situao anloga escravido, em 3.741 estabelecimentos fiscalizados em todo o Brasil, mostrando a relao ainda perversa a nvel nacional da excluso de trabalhadores das relaes de trabalho conquistadas a mais de 100 anos.Neste sentido, com estes dados, no demais ressaltar que na Constituio Federal, o valor social do trabalho um dos fundamentos do Estado Democrtico de Direito (artigo 1, IV da Constituio Federal), A ordem econmica funda-se na valorizao do trabalho humano, citando como princpios a busca do pleno emprego e a funo social da propriedade (artigo 170, III e VIII e artigo 186 da Constituio Federal). E o primado do trabalho reside na base da ordem social (artigo 193 da Constituio Federal). Apesar da garantia em lei de que ningum ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, o trabalho anlogo a escravido infelizmente persiste, e a sua soluo no esta somente no fortalecimento das instituies jurdicas, na denncia, mas tambm na organizao da sociedade civil, ampliando inclusive a participao de movimentos sociais neste compromisso da sociedade por relaes de trabalho justas.BIBLIOGRAFIAADORNO, Srgio. Excluso socioeconmica e violncia urbana. Revista Sociologias,n.8Porto AlegreJuly/Dec.2002.ALVES, Juliete Miranda. Luta e Resistncia dos movimentos sociais a Hidreltrica Belo Monte na Transamaznica- PA. In: Revista IDEAS: Interfaces em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. Rio de Janeiro: Editora da UFRRJ, v. 07, n 2, 2013.

ASSELIN, Victor. Grilagem: Corrupo e violncia em terras do Carajs. Petrpolis, RJ: Editora Vozes, 1982.BRASIL, Ministrio do Trabalho e Emprego. Cadastro de empresas e pessoas autuadas por explorao do trabalho escravo. Anos 2000 a 2014.

_______, Ministrio do Trabalho e Emprego. Cadastro de empregadores. Disponvel em: Acesso em: 05 agosto. 2014.

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CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Em busca de uma definio jurdico-penal de trabalho escravo. In: Comisso Pastoral da Terra. Trabalho escravo no Brasil contemporneo. So Paulo: Loyola, 1999.CPT COMISSO PASTORAL DA TERRA. Caderno Conflitos no Campo Brasil. Todos os nmeros entre 1986 e 2007. Goinia/So Paulo: CPT-Loyola, 1986-2007. CPT/Loyola, 1999. ESTERCI, Neide. Escravos da Desigualdade: estudo sobre o uso repressivo da fora de trabalho hoje. Rio de Janeiro: CEDI/ Koinonia, 1994.______________. A dvida que escraviza. In: COMISSO PASTORAL DA TERRA. Trabalho escravo no Brasil contemporneo. So Paulo: CPT/Loyola, 1999. p. 101-125.FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando fora da prpria sombra: a escravido por dvida no Brasil contemporneo. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2004.OIT ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Erradicao do trabalho forado. Braslia, 2005. Disponvel em: http://www.oitbrasil.org.br/prgatv/in_focus/trab_esc.php. Acesso em: 0 de agosto de 2014.

HERV, Thry, MELLO, Neli Aparecida, HATO, Jlio, GIRARDI, Eduardo Paulon Atlas do Trabalho Escravo No Brasil. So Paulo: Amigos da Terra, 2009.

MARTINS, Jos de Souza. A escravido nos dias de hoje e as ciladas da interpretao: (reflexes sobre riscos da interveno subinformada). In: COMISSO PASTORAL DA TERRA. Trabalho escravo no Brasil contemporneo. So Paulo: CPT/ Loyola, 1999.___________________. Fronteira a degradao do outro nos confins do humano. So Paulo: Editora Contexto, 1997.ANEXO 1: Comparativo dos Estados e Municpios Brasileiros com denncias de trabalho escravo - 2009- 2013

(continua)Estado e MunicpioTrabalhadores denunciadosTrabalhadores liberadosMenores

200920102011201220132009201020112012201320092010201120122013

Maranho15217412173177271076331253320

Aailandia8768392475173052412

Santa Luzia6538494927223326121

Itinga do Maranho52

Tasso Fragosso50

Bom Jardim6833682

Mato Grosso7800034780001500000

Sapezal7878

Matup1915

So Flix15

Minas Gerais269207820562692078205602000

Poracatu170170

Limoeiro do Oeste9999

Sacramento3333

Comendador Gomes2323

Capinpolis207207

Oliveira42422

Diamantina4040

ANEXO 1: Comparativo dos Estados e Municpios Brasileiros com denncias de trabalho escravo - 2009- 2013

(continuao)

Estado e MunicpioTrabalhadores denunciadosTrabalhadores liberadosMenores

200920102011201220132009201020112012201320092010201120122013

Par11323791826871431583455332645986160

Marab32016134161

Novo Repartimento28344207203111

Rondon do Par18510114837

So Flix do Xing1301099636475876142504

Ourilndia do Norte945116471

Itupiranga6729

gua Azul do Norte531946

Medicilndia423442343

Brejo Grande/Palestina/So Geraldo do Araguaia30

Abel Figuereido3224

Goiansia254227195

Tom Au350

Altamira8282

Pacaj581258816

Pernambuco33400003340000170000

Aliana24524516

Escada89891

ANEXO 1: Comparativo dos Estados e Municpios Brasileiros com denncias de trabalho escravo - 2009- 2013

(continuao)

Estado e MunicpioTrabalhadores denunciadosTrabalhadores liberadosMenores

200920102011201220132009201020112012201320092010201120122013

Rio de Janeiro71514773715129735

Campos de Goytacazes71514773715129735

Tocantins4243867159131274392715921600001

Caseara274274

Tocantinpolis15060

Araguacema3839

Goiatins65

Bandeirantes do Tocantins451

Porto Alegre do Tocantins40

Chapada da Natividade2727

Natividade2121

Darcilndia103103

Araguatins5656

ANEXO 1: Comparativo dos Estados e Municpios Brasileiros com denncias de trabalho escravo - 2009- 2013

(concluso)

Estado e MunicpioTrabalhadores denunciadosTrabalhadores liberadosMenores

200920102011201220132009201020112012201320092010201120122013

Gois04053346531040511796000020

Aragaas143143

Jovinia9999

Britnia8282

Jussara8181

Goiansia200

Gouvelndia6548

Santa Terezinha6969

Abadia de Gois1515

Oxirs1616

Rio Verde43432

Bonpolis2222

Mato Grosso do Sul001282046006804600000

Navirai128268

Itaquirai3434

Dourados1212

Total2835114320599845621586102540161212996119201

Fonte: CPT, Relatrio Conflitos no Campo, 2014

Elaborao: IDESP/ Ncleo de Estudos Sociais, 2014. Sociloga, professora e pesquisadora. ONU-FAO/IDESP/ Ncleo de Estudos Sociais. Email: [email protected]

Estatstica, pesquisadora do IDESP. Coordenadora do Ncleo de Estudos Sociais. Email: [email protected]

O termo posseiro foi muito utilizado pela literatura sociolgica nas dcadas de 1970 e 1980 para tratar de trabalhadores rurais migrantes que buscavam terras para seu sustento. Uma boa definio pode ser encontrada no conceito de Terra de trabalho e terra de negcio de GARCIA (1987) e MARTINS (1997).

O gato e o empreiteiro que est encarregado de arregimentar os trabalhadores e os desloca para os locais de servio. Neste caso o gato faz ao trabalhador uma proposta de emprego, com a promessa de ganhar um bom dinheiro e se prope a pagar as suas dirias no hotel e ainda lhe oferece um adiantamento.

O aviamento na Amaznia um sistema de adiantamento de mercadorias a crdito. Comeou a ser usado na regio na poca colonial, mas foi no ciclo da borracha que se consolidou como sistema de comercializao e se constituiu como uma relao econmica da sociedade amaznica. No sistema de aviamento o comerciante ou aviador adianta bens de consumo e alguns instrumentos de trabalho ao produtor, e este restitui a dvida contrada com produtos extrativos e agrcolas. , pois, uma forma de crdito, e gerador de uma extrema dependncia entre patres e empregados.

O Decreto Estadual n. 1.066, de 19 de junho de 2008, assegura no art. 1 A regionalizao do Estado do Par e tem como objetivo definir regies que possam representar espaos com semelhanas de ocupao, de nvel social e de dinamismo econmico e cujos municpios mantenham integrao entre si, quer fsica quer economicamente, com a finalidade de definir espaos que possam se integrar de forma a serem partcipes do processo de diminuio das desigualdades regionais: