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Resumo: O presente trabalho debruçar-se-á sobre as duas companhias de Teatro profissionais da cidade de Coimbra e os espaços que estas ocupam: A Escola da Noite/Teatro da Cerca de São Bernardo e O Teatrão/ Oficina Municipal de Teatro. Seguindo a figura do programador cultural procuraremos perceber de que forma é que o trabalho que estas estruturas conduzem no espaço urbano pode ser transformador tanto para as próprias como para as áreas que ocupam. Esta análise integra ainda a conjuntura política em que o funcionamento destes espaços municipais está integrado. Palavras-chave: teatro, espaço urbano, programador cultural, antropologia urbana Resume: The following work focus on two professional theater groups of the city of Coimbra and the buildings in which they are located: A Escola da Noite/ Teatro da Cerca de São Bernardo and O Teatrão/Oficina Municipal de Teatro. Following the figure of the cultural programmer we intend to understand the ways in which the work of these groups on the urban space can be transforming for their on activities as in for the areas that they occupy. This analysis integrates the political bubble in which these structures, located in city buildings, operate. Keywords: theater, urban space, cultural programmer, urban anthropology.

estudogeral.sib.uc.pt · Web viewComo podemos observar, com o caso alemão a título de exemplo, as artes e os decisores de poder sempre estabeleceram relações entre si, variando

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Resumo:

O presente trabalho debruçar-se-á sobre as duas companhias de Teatro profissionais da cidade

de Coimbra e os espaços que estas ocupam: A Escola da Noite/Teatro da Cerca de São

Bernardo e O Teatrão/ Oficina Municipal de Teatro. Seguindo a figura do programador

cultural procuraremos perceber de que forma é que o trabalho que estas estruturas conduzem

no espaço urbano pode ser transformador tanto para as próprias como para as áreas que

ocupam. Esta análise integra ainda a conjuntura política em que o funcionamento destes

espaços municipais está integrado.

Palavras-chave: teatro, espaço urbano, programador cultural, antropologia urbana

Resume:

The following work focus on two professional theater groups of the city of Coimbra and the

buildings in which they are located: A Escola da Noite/ Teatro da Cerca de São Bernardo and

O Teatrão/Oficina Municipal de Teatro. Following the figure of the cultural programmer we

intend to understand the ways in which the work of these groups on the urban space can be

transforming for their on activities as in for the areas that they occupy. This analysis

integrates the political bubble in which these structures, located in city buildings, operate.

Keywords: theater, urban space, cultural programmer, urban anthropology.

Índice

Introdução 3

1 Políticas da Cultura e Espaço Urbano Na Europa Pós-Guerra

1.1 A Antropologia Urbana 5

1.2 Políticas de Democratização e Apoio à Cultura no Pós-Guerra 7

1.3 As Indústrias Culturais e Criativas 14

1.4 Portugal e o seu Modernismo Tardio 19

1.5 O Papel do Poder Local 22

1.6 Aparecimento e Definição do Programador Cultural 24

2 Coimbra: Do Teatro Universitário Ao Teatro Profissional

2.1 Teatro em Coimbra 28

2.2 Escola da Noite 30

2.3 O Teatrão 33

2.4 A Construção do Teatro da Cerca de São Bernardo 34

2.5 A Construção da Oficina Municipal de Teatro 38

2.6 A Câmara Municipal de Coimbra e os Apoios ao Teatro 41

3 O Programador Cultural no Contexto Teatral: Os Casos da Escola da Noite e d’O Teatrão 48

4 Relação entre teatro e espaço urbano

4.1 O Teatrão e o Vale das Flores 63

4.2 A Escola da Noite e a Relação com a Baixa 71

4.3 O papel da Câmara Municipal de Coimbra 75

Conclusão 80

Introdução

Na contemporaneidade é difícil ignorar a força e o dinamismo que as cidades

concentram no seu território, quer pelo número de indivíduos, quer pelo número de

instituições que nela se situam. Estes indivíduos e instituições, pela forma como ocupam e

praticam o espaço são agentes transformadores do mesmo. O crescimento dos espaços

urbanos nas últimas décadas permitiu que se assistisse à emergência de novas instituições e

novos actores contribuindo para a diversidade de experiências que os espaços urbanos

concentram.

Ao debruçarmo-nos sobre estas áreas e a sua pluralidade, podemos identificar

inúmeros objectos de estudo que, pela sua vitalidade e pela dimensão abrangente e

congregadora, nos permitem perceber fenómenos inerentes à dinâmica urbana na actualidade.

É neste contexto que surge o interesse em instituições teatrais situadas em contextos

urbanos. A actividade artística, especialmente a actividade performática de cariz teatral, por

possuir uma vertente inerente agregadora de indivíduos na formação de públicos e por nos

conteúdos apresentados incluir inúmeras vezes aspectos do quotidiano de maneira a reflectir

sobre estes, afigura-se como extremamente interessante quando se procura perceber quais os

aspectos transformadores que os organismos inserem no território e de que forma é que

integram a pluralidade das áreas urbanas nas suas criações.

Situadas na cidade de Coimbra, A Escola da Noite e O Teatrão são duas companhias

de teatro profissionais que desenvolvem a sua actividade em edifícios que constituem

propriedade municipal, nomeadamente o Teatro da Cerca de São Bernardo e a Oficina

Municipal de Teatro.

O facto de ocuparem estes espaços faz com que além das responsabilidades de criação,

as companhias estejam também encarregues de definir uma programação de actividades

culturais que complementem as encenações próprias. A tarefa de programação, assumida por

estas estruturas, faz emergir uma figura nova no panorama artístico, a figura do programador

cultural.

Este actor desempenha um papel importante neste contexto dado que a sua acção se

localiza intrinsecamente entre vários domínios nomeadamente os de cariz social, financeiro,

artístico e, por estas estruturas serem propriedade municipal, politico.

A programação é, assim, construída dentro de várias influências e constrangimentos

que estes mundos oferecem à actividade deste profissional.

3

Torna-se assim claro que, pela mobilidade e dinâmica, seguir as pisadas deste actor

seria um caminho favorável para a persecução da percepção das dinâmicas urbanas.

Os programadores culturais poderão, portanto, oferecer uma visão sobre as áreas

urbanas, quer pelo engajamento que a actividade artística promove nas áreas onde se situa,

quer pela influência que a pluralidade de actores e instituições que esta integra tem na

programação que as companhias procuram construir para os espaços. Assim procuraremos

responder às seguintes questões: De que forma é que o programador é um agente

preponderante nas dinâmicas artísticas das companhias em que se insere? / Será a actividade

das companhias transformadora das áreas urbanas que integram? / Poderá o trabalho das

companhias ser o reflexo dos desafios que as zonas em que se situam lhe oferecem?

Pretendemos através da condução de entrevistas com os diferentes intervenientes desta

realidade, assim como com o acompanhamento e frequentação das actividades das

companhias e com a contextualização histórica da existência das mesmas e do panorama

cultural da cidade de Coimbra obter componentes que nos permitam formular as respostas a

estas questões.

4

1 Políticas da Cultura e Espaço Urbano na Europa do Pós-Guerra

1.1 A Antropologia Nas Cidades

Em 2014, o Relatório World Urbanization Propects, elaborado pela Divisão das

Nações Unidas Para a População do Departamento dos Assuntos Económicos e Sociais,

concluía que 54% da população mundial vivia em áreas urbanas. Atingindo o seu valor

máximo neste ano, é de notar que o crescimento populacional sustentado em áreas urbanas é

uma tendência que se verifica há várias décadas, tendo a sua origem na Revolução Industrial e

no êxodo rural que acompanhou este fenómeno. É ligada a estas tendências de êxodo e

concentração em áreas urbanas que surge a Antropologia Urbana.

É certo que a vivência urbana representava e ainda representa um desafio para o olhar

antropológico, historicamente situado em contextos exóticos e isolados. Na verdade, este

“reposicionar” do olhar antropológico é um processo que tem vindo a acontecer desde os anos

70 motivado pela crescente relevância dos processos de urbanização aliados à quebra de

financiamento para investigações nas ditas “sociedades exóticas”, fruto dos processos de

descolonização em curso (Cordeiro, 2003:4).

Hannerz, no seu livro Exploring the City, livro este que traça importantes considerações sobre

a prática da Antropologia Urbana, define que “the city for our purposes, is (like other urban

communities) a collection of individuals who exist as social beings primarily through their

roles, setting up relations to one another through these . Urban lifes, then, are shaped as

people join a number of roles together in a role repertoire and probably to some degree adjust

them to each other. The social structure of the city consists of the relationships by which

people are linked through various components of their role repertoires” (Hannerz, 1980:249).

Albergando cada vez mais agentes e instituições, a cidade torna-se palco de fenómenos

sociais que se revelam de extrema importância para o antropólogo. Dada a sua dimensão e

volume demográfico, no contexto urbano o confronto com a alteridade é imediato. As

variáveis são quase infindáveis. Diferentes instituições põem em prática inúmeros processos

sociais em simultâneo, num ritmo mais intenso do que em qualquer outro cenário. Aqui o

individuo e a sociedade estão espelhados no espaço que ocupam, e as transformações que

estes operam e de que são vítimas têm resultados quase imediatos e visíveis. Pondo em

confronto estas dimensões num mesmo espaço, a cidade potencia o valor da antropologia em

“making people reflect on the variability of the human condition and on their own particular

situation” (Hannerz, 1980:7).

5

As cidades afiguram-se, assim, áreas que exigem para si o reposicionamento do olhar

antropológico fruto desta diversidade e das transformações que esta opera nos seus espaços.

Um olhar sobre a cidade é um olhar sobre aqueles que a ocupam, é um olhar sobre as acções

destes e a forma como praticam o espaço em que estão inseridos. Carlos Fortuna vai ainda

mais longe e diz-nos que cada vez mais “a cidade torna-se uma alegoria da sociedade e, (…) o

que se diz sobre uma parece poder dizer-se cada vez mais sobre a outra” (Fortuna, 1997:4).

Os estudos antropológicos que incidem sobre a cidade podem abordar várias temáticas e

assumir formas muito variadas dado que as relações que se estabelecem nestes espaços podem

ser olhadas de várias perspectivas. A isso faz referência Carlos Fortuna quando nos diz que

“não são apenas os estudos sobre cidades particulares que sobressaem, mas emergem também

como objectos singulares de pesquisa empírica, e em detrimento da meta narrativa urbana, os

seus (re)arranjos socio-espaciais específicos, a sua economia simbólica, a natureza dos seus

edifícios, monumentos e outros marcadores, ou as suas ruas, parques e zonas de comércio.”

(Fortuna, 1997:4). Tal como a cidade, também o discurso sobre a mesma se torna

fragmentado e assume varias dimensões, através de várias vozes. A cidade, a dimensão e a

pluralidade que esta encerra só assim pode ser compreendida.

Esta importância que o espaço urbano tem adquirido no meio académico também é

cada vez mais latente no quotidiano de quem ocupa estas áreas. Discussões sobre

planeamento do território, qualidade de vida nas cidades, património, cultura, reabilitação e

outros domínios citadinos tornam-se cada vez mais uma constante na vida daqueles que

integram o espaço urbano e que com a sua existência contribuem para a sua construção. O

relacionamento entre cidade e sociedade pode então ser visto como uma via dupla, em que a

cidade actua sobre a sociedade, sobre os indivíduos que a compõem através da organização do

espaço, por exemplo, e como a sociedade modifica a cidade e esses mesmos espaços através

da sua acção.

O discurso antropológico, por se mover em vários domínios, acompanhando a vida dos

seus agentes, em espaços que agora terão de ser delimitados pela acção dos próprios, é o meio

privilegiado para se compreender esta multiplicidade e a vivência citadina. Simultaneamente,

as temáticas que trabalham a intercepção dos domínios cidade e espaço afiguram-se como

extremamente importantes, uma vez que exploram a construção de representações nestes

contextos através do confronto em termos muito imediatos e próprios com a alteridade, assim

como as relações que são estabelecidas com as diversas instituições que nele se fazem

exercer. O individuo e o espaço ganham novas dimensões no contexto urbano que à

antropologia em tudo interessa explorar.

6

1.2 Políticas de Democratização e Apoio À Cultura No Pós-Guerra

O pós-guerra decorrente da segunda guerra mundial foi um período vital quando

falamos em transformações urbanas. Devastada pelos efeitos da guerra, a Europa concentrava-

se agora em levar a cabo os seus projectos de reconstrução que envolveriam as áreas do

planeamento urbano e, como tal, modificariam a cidade e trariam para o centro das

preocupações a definição das áreas urbanas. Antes de avançarmos neste ponto, é urgente

esclarecermos o conceito de cultura e o sentido que lhe queremos aqui atribuir.

Em 2001, a UNESCO na sua Declaração Universal da Diversidade Cultural considera

“a cultura como o conjunto dos traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e

afectivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e

das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições

e as crenças” (Paiva, 2014:12). Esta definição, pela sua abrangência não se adequa com a

persecução de um objecto analítico por parte da antropologia. Na verdade, neste campo

científico, a definição de cultura, pela dimensão de fenómenos que abarca nunca foi algo

consensual e definido em termos absolutos, sendo oferecida por vários autores e correntes

teóricas uma aproximação a um significado que permite que o conceito de cultura seja

operacionalizado nos termos dos trabalhos que desenvolvem ou das correntes teóricas em que

se inserem.

Para uma noção antropológica da cultura podemos recorrer a título de exemplo, à de

Comaroff e Comaroff, autores que definem cultura como “o espaço semântico, o campo de

signos e práticas no qual os seres humanos constroem e representam a si mesmos e aos outros

e, portanto, as suas sociedades e histórias. Ela não é meramente uma ordem abstracta de

signos ou de relações entre signos, nem tampouco a soma de práticas habituais. Nem pura

linguagem, nem pura parole, nunca constitui um sistema fechado e totalmente coerente. Muito

pelo contrário: Cultura sempre contem em si mensagens, imagens e acções polivalentes,

potencialmente contestáveis. Ela é, em resumo, um conjunto de significantes-em-acção

situados na história e desenrolando-se ao longo dela, significantes ao mesmo tempo materiais,

simbólicos, sociais e estéticos” (Comaroff e Comaroff, Trad. Dulley e Janequine, 2010:34).

Esta definição permite operacionalizar o conceito de cultura, não o limitando como entidade

fechada e estática mas dando-lhe um sentido fluido e mutável, tomando a antropologia como

seu papel a análise desses processos onde a cultura se manifesta.

7

Neste sentido, o problema da abrangência do conceito e dos objectos de estudo é

encarado adoptando uma visão metodológica que tenta captar a realidade nos seus próprios

termos: polifónica, plural e simultânea. Os processos com que nos confrontamos são tomados

como fragmentos de uma realidade que os envolve e que integra outros fragmentos que

podem ou não ocorrer em simultâneo e moldar as práticas que nela se inserem. E é nesta

dinâmica que nasce a unidade a que chamamos de cultura. Contudo, estes fragmentos não

devem ser tomados como unidades limitadoras: “os fenómenos que observamos podem ter os

seus fundamentos na actividade humana quotidiana; contudo, essa actividade, ainda que rural

ou periférica, está sempre envolvida na constituição de estruturas e movimentos sociais mais

amplos” (Comaroff e Comaroff, Trad. Dulley e Janequine, 2010:40).

Muitas vezes, o nosso discurso quotidiano opõe-se a esta concepção ampla que a

antropologia oferece à cultura e limitamos a aplicação deste vocábulo a domínios específicos,

como por exemplo ao domínio artístico ou das actividades de produção criativa, sejam elas de

cariz performativo, visual ou outro.

O conceito de cultura é assim, através deste discurso, direccionado para actividades

que exigem algum labor criativo, actividades através das quais o individuo pode criar um

conjunto de significados através de sinais que são usados e reutilizados pelas mesmas. Assim,

podemos denotar que tal como a antropologia, também o mundo artístico ofereceu uma

reinvenção do conceito de cultura que se opõe ao sistema aberto e fluido sobre o qual a

antropologia, tomando a definição dos Comaroff, o entende. Neste sentido, as actividades

artísticas encerram a cultura nos espaços de exercício da sua prática e fruição, assim como no

espaço social dedicado às práticas artísticas. Carlos Fortuna e Augusto Santos Silva, no seu

artigo Cidade do Lado da Cultura: Espacialidades Sociais e Modalidades da Intermediação

Cultural oferecem uma visão de cultura que se opõe à abrangência da definição antropológica

começando num primeiro momento por considerar que “a cultura, nas suas mais diversas

concepções e manifestações, tem uma espacialidade própria. Desde logo num sentido físico

mais restrito, a espacialidade da cultura diz respeito aos lugares e equipamentos

especializados sejam eles teatros, auditórios, museus ou galerias, onde se experimentam actos

estéticos de criação artística. Mas a espacialidade da cultura é também e sobretudo uma

espacialidade social e política mais ampla” (Fortuna e Santos Silva, 2001:410). E com esta

espacialização em mente prosseguem definido cultura como um “campo relativamente

espacializado de actividades expressivas e performativas, sujeito a uma lógica global de

mercado, e relacionado directamente com grupos, práticas e representações sociais diversas”

(Fortuna e Santos Silva, 2001:424). A cultura é assim direccionada para uma classe artística

8

que a espacializa nos seus espaços de exercício, contrapondo-se à visão integradora,

abrangente e polifónica de todos os fenómenos sociais apresentada anteriormente de

Comaroff e Comaroff como meio de operacionalizar este conceito e realidade por parte da

antropologia.

Os fragmentos que a antropologia delimita de forma a operacionalizar a sua definição

de cultura no contexto das suas investigações, são, no mundo artístico, momentos

performativos ou manifestações artísticas, em que o individuo, num espaço específico físico e

social é confrontado com sinais e signos que, fruto de uma inteligibilidade partilhada entre os

artistas e os públicos, permitem pensar uma realidade exterior ao espaço performativo onde

acontecem. É esta dinâmica que o mundo artístico designa por cultura fechando este conceito

nos fenómenos sociais partilhados entre indivíduos e actividades de cunho artístico.

Em termos históricos, esta associação da cultura às artes é preponderante no século

XVIII na Alemanha, quando um debate ideológico e de valores opôs as classes da nobreza e

burguesia, na definição dos seus termos de identificação própria. Apoiado na obra O Processo

Civilizador de Nobert Elias, é importante referir que, originário em França, o conceito de

civilização e consequentemente de indivíduos civilizados, pretendia distinguir a classe nobre

das restantes como mais elevada, diferente pela sua postura e forma de estar social, assim

como pela intelectualidade que se opunha à barbárie das outras classes. Esta caracterização,

rapidamente se disseminou no seio da sociedade francesa que, tomando-a como característica

abrangente da mesma, se opõe aos restantes países pela conduta civilizada que proclamava

possuir. “Em pouco tempo, a ideia de civilidade dominava todas as cortes da Europa e a corte

francesa era a grande referência para todas as outras cortes” (Carvalho et al., 2013:37).

Com pretensões de ascender a este “degrau superior da existência humana”, a nobreza

alemã começa a adoptar postulados que os franceses tinham como sendo civilizados,

incluindo até a própria língua francesa em detrimento do alemão. No final do século XVIII a

economia alemã apresentou melhorias face à situação precária em que se encontrava

anteriormente, o que abriu espaço para o desenvolvimento das artes, nomeadamente da

literatura de língua alemã, que contrariava assim os princípios civilizadores. A classe

burguesa alemã seria a principal impulsionadora deste crescimento artístico, utilizando o

desenvolvimento artístico como meio diferenciador, dedicando assim o “seu tempo ao

desenvolvimento artístico e intelectual, procurando romper cada vez mais com os costumes e

a filosofia da aristocracia “civilizada” (Carvalho et al., 2013:40). A classe burguesa alemã

diferenciava-se assim da civilização nobre, definindo-se como intelectualmente superior

através da valorização da produção artística, criando assim o conceito de cultura alemã de

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burguesia, que encontrou eco nas Universidades, onde “os professores e religiosos

divulgavam essa ideologia para todo o território alemão, ampliando cada vez mais a ideia de

cultura e aumentando o desprezo pela aristocracia dos ‘bons modos’ ou aristocracia

civilizada” (Carvalho et al 2013:43).

Podemos então denotar que o conceito de cultura nasce ligado a uma visão intelectual

e artística de valorização individual e de uma classe, não integrando os domínios económicos

ou políticos na sua retorica e que por esta razão se mantem ligado a este domínio no discurso

actual quando nos referimos às práticas artísticas.

No decurso deste trabalho, pretendemos abordar o conceito de cultura no sentido das

práticas artísticas, uma vez que essa é a retórica utilizada pelos actores e pela sociedade em

que se inserem nos discursos que utilizam, sejam eles provenientes do meio artístico, politico

ou social. Contudo o trabalho deste conceito com os domínios da política e da cidade, não

permitirá que a visão sobre o mesmo se possa manter tão espacializada do ponto de vista

físico e social, podendo isso ser demonstrado através das redes em que estes actores se

movem e da possível influência ou não que este domínio exerce na sociedade e vice-versa.

Neste sentido a definição de cultura que pretendemos trabalhar é enunciada por Beck et al no

artigo “Consumo e Cultura: Modos de Ser e Viver a Contemporaneidade” que nos diz que “O

conceito de cultura vem destacando o seu caracter fundamentalmente produtivo e criativo

visto como acção, como actividade, como experiência que produz identidades e diferenças.

(…) Podemos ainda considerar que a cultura envolve uma rede de representações e discursos,

adquirindo diferentes significados no social. Ou seja, a moda, a música, o cinema, etc, são

exemplos dessa rede de discursos e representações sociais de consumo que carregam marcas

culturais, as quais adquirem diferentes significados relacionados com os distintos grupos que

os produzem e que são também por eles produzidos” (Beck, 2014:89). Consideramos esta

definição como a mais adequada ao trabalho que pretendemos levar a cabo pois considera a

cultura como sendo um fenómeno dinâmico, acções que levam à criação de representações

levando em conta as actividades artísticas e a sua importância para a construção destas

representações no seio das sociedades em que se inserem, permitindo assim integrar os

diferentes domínios e discursos a que viremos a dar enfoque.

Tendo em mente esta dinâmica e mutabilidade do conceito de cultura nas várias

paisagens ideológicas em que se insere, é importante esclarecer de que forma é que a cultura

artística espacializada se envolveu com a cidade e com as políticas que nesta intervêm,

nomeadamente o poder local e o Estado.

10

Como podemos observar, com o caso alemão a título de exemplo, as artes e os

decisores de poder sempre estabeleceram relações entre si, variando o teor das mesmas

consoante a época em que nos focamos. Contudo, a visão de que o acesso às artes era um

direito que a todos deveria ser concedido e a realização desta ideia pelo aparelho estatal surgiu

primeiramente em França. Esta visão é a primeira aproximação da relação que a cultura e o

Estado mantêm actualmente no seio dos mais variados estados nação, incluindo Portugal.

Jeanne Laurent, politico Francês, que ocupou o cargo de Vice-Director de

Espectáculos e Música inserido na Direcção Geral das Artes Francesa entre 1946 e 1952, foi

pioneiro no desenvolvimento de uma nova relação entre o Estado e cultura, aproveitando o

contexto de renovação urbana promovido pelo segundo pós-guerra. A sua actividade levou à

implementação de um programa de descentralização do Teatro francês, com vista a torna-lo

acessível e a populariza-lo entre os habitantes da província. O sucesso desta acção e a

aproximação entre política e cultura levou à ideia de que era necessário fazer mais e melhor

pela Cultura e que esse trabalho era da responsabilidade do poder estatal. Limitada a uma

Direcção Geral das Artes, com verbas muito reduzidas, urge a necessidade da criação de um

Ministério para aumentar não só as verbas, mas também a acção estatal no apoio à cultura.

Jeanne Laurent foi uma das vozes que concebeu uma série de argumentos a este respeito,

criando mesmo um plano a sete anos que além de reconhecer a necessidade de mais

financiamento para a cultura por via estatal, previa uma reforma social que aproximaria os

criadores artísticos do estado. Acresce a isto o facto de em 1956, Robert Binchet, Alto

Funcionário da Secretaria de Estado para as Artes e Letras, ter redigido e publicado um artigo

nos “Chaiers de la Republique”, o “Pour un ministere de Arts” em que defende a criação de

um verdadeiro Ministério das Artes descrevendo a suas tarefas pormenorizadamente e

insurgindo-se contra o abandono a que a III República tinha vetado a cultura. Esta concepção

que via a cultura como um direito atingiu inúmeros políticos e intelectuais franceses e a sua

compilação pode ser encontrada no livro de 2012, Cultura e Estado: A Politica Cultural em

França, 1955-2005 por Gentil e Poirrier. Conceitos como a democratização cultural, o apoio

do Estado à cultura, educação para as artes, que só serão introduzidos na discussão no

panorama português décadas mais tarde, estão no centro do debate na França no início dos

anos 50. No seguimento deste debate, é criado em 1959 o primeiro Ministério da Cultura,

chefiado por André Malraux. O Decreto-lei de 24 de Julho de 1959, que estabelece a sua

criação, apoia-se no postulado de tomar a cultura como um direito para legitimar a sua

missão: “O ministério encarregado dos assuntos culturais tem a missão de tornar acessíveis as

principais obras da humanidade e, primeiro, da França ao maior número possível de

11

Franceses; garantir o mais vasto público para o nosso património cultural e favorecer a

criação de obras de arte e do pensamento que o enriqueçam” (Gentil e Poirrier, 2012:19).

A sua acção, inovadora para o panorama anterior da intervenção estatal no acesso à

cultura, passa pela criação de uma Rede Nacional de Casas de Cultura, por todo o território

francês na tentativa de permitir uma democratização cultural através de um acesso facilitado à

cultura. No entanto, esta intervenção começou também a cobrir a cultura de uma retórica

estatal, através da questão das inclusões e das exclusões pela sua institucionalização através

das escolhas que eram feitas em relação ao que passaria por estas casas de cultura.

Ao longo do exercício deste cargo, André Malraux também expressou o seu desejo de

tornar a cultura gratuita, nomeadamente o Teatro, como forma de combater a “ganância” dos

privados em lucrar com este ramo expressando-o em vários discursos como: “Mas, senhoras e

senhores, no que se refere aos teatros nacionais, deveríamos chegar não a uma mera

desoneração, mas sim à gratuidade. O teatro gratuito! (…) É preciso admitir que, um dia,

faremos pela cultura o que Jules Ferry fez pela educação: a cultura será gratuita” (Cit. In

Gentil e Poirrier, 2012:63).

Podemos constatar que a facilitação do acesso à cultura através da disseminação de

infraestruturas como as casas de cultura e a procura da gratuitidade ou de preços reduzidos

para a fruição de actividades artísticas norteou a acção dos decisores políticos que viam a

cultura como um direito a ser garantido pelo Estado. Contudo, estas medidas foram

consideradas pelos críticos como insuficientes para a dimensão da tarefa, uma vez que

julgavam a escassez de público pela dificuldade de acesso à cultura e ignoravam as questões

de estética e de conteúdo que essas mesmas estruturas albergavam. Em 1964, o Serviço de

Estudos e Pesquisas do Ministério dos Assuntos Culturais Francês leva a cabo uma pesquisa

conduzida pelo sociólogo Francês Pierre Bourdieu e por Alain Darbel com Dominique

Schnapper que culmina na obra O Amor Pela Arte. Nesta, o autor defende que a diminuição

de barreiras entre a cultura (que neste caso seria entendida como erudita, algo que

discutiremos adiante) e as classes da população que anteriormente à adopção destas medidas

não teria acesso à mesma, não era suficiente para as aproximar: “If it is indisputable that our

society offers to all the pure possibility of taking advantage of the works on display in

museums, it remains the case that only some have the real possibility of doing so” (Bourdieu e

Darbel, 1991:37). Esta possibilidade é debatida através do conceito de “necessidades

culturais”, que regem a procura de actividades artísticas pelos indivíduos que necessitam

satisfazê-las. Essa necessidade de satisfação é adquirida, segundo Bourdieu, através da

educação, uma vez que é patente em indivíduos com um nível de escolaridade mais elevado,

12

verificando-se o maior número de vezes que estes visitam museus e a maior demora que as

suas visitas apresentam, apesar de a acessibilidade física e económica estar garantida a todos.

O tempo despendido por visita, por cada classe e consequente nível médio de educação,

também pode ser teorizado na dificuldade que as classes com um grau menor de formação

(que despendem menos tempo em média nas suas visitas) podem ter na apreensão do

significado das obras com que são confrontadas, podendo este argumento atentar contra os

princípios democratizadores da cultura expressos anteriormente pela retórica estatal, uma vez

que se verifica que a facilidade física de acesso às artes não constituía de facto uma

democratização das mesmas, uma vez que a sua produção ainda é direccionada às classes para

quem a arte sempre foi acessível e inteligível, pois são partilhados com os produtores da

mesma. Em jeito de conclusão podemos dizer que “Os resultados de pesquisas foram de

encontro a essa suposição, mostrando que as barreiras simbólicas eram factor preponderante,

impedindo que novos segmentos da população tivessem acesso à oferta da cultura ‘clássica’”

(Botelho in Lacerda e Gomes, 2013:44).

Apesar da visão crítica apresentada, o postulado da democratização cultural foi

seguido por outros países Europeus. Em 1949, uma Autorização Real, documento que

capacita a existência de certas organizações no Reino Unido definindo as suas funções, cria o

Bristh Council of Arts, um organismo público sobre a alçada governamental, dedicado à

promoção das Artes e da Cultura Britânicas.

Financiado pelo Governo Britânico e pelas receitas provenientes da Lotaria Nacional,

o Bristh Council of Arts foi um importante órgão de apoio às actividades culturais na Grã-

Bretanha, sendo a sua acção comparável à de um Ministério da Cultura, igualmente debatida

no seio do Parlamento.

Em 1994, este organismo sofre uma restruturação e é dividido em 3 organismos

independentes: O Arts Council England, Scottish Arts Council e o Arts Council of Wales.

Actualmente sobre a alçada do Ministério da Cultura, Desporto e Media, o British Council of

Arts apoia actividades culturais que se estendem sobre os mais variados espectros culturais,

assim como programas de educação para as artes nas escolas, inclusivos para todas as classes.

O seu plano de acção a 10 anos (2010-2020) e a definição de uma política holística que

integra não só o valor económico mas também social e de promoção de uma educação

artística para todos, constitui uma política inovadora no que diz respeito à concertação

estratégica para o apoio à cultura.

Através dos casos históricos da França e da Inglaterra podemos observar que as

políticas de apoio à cultura floresceram no pós-guerra, ganhando o domínio artístico uma

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importância acrescida na reconstrução pós-guerra, tanto no sentido urbano como no sentido

identitário, sendo utilizado para a refundação de uma identidade nacional através da

preocupação em difundir e democratizar o acesso a actividades artísticas vistas como um meio

de produção de referentes simbólicos. A disseminação desta ideia e destas políticas culmina

na introdução do direito à cultura em 1966, no Pacto Internacional Pelos Direitos

Económicos, Sociais e Culturais, que assim, considera que é dever do Estado garantir aos seus

cidadãos o direito “de participar da vida cultural; beneficiar do progresso científico e suas

aplicações; beneficiar da protecção dos interesses morais e materiais que decorrem de toda a

produção científica, literária ou artística de que cada um é autor” (art. 15, I Cit in Lepos,

2015:204).

Podemos atestar então que a ligação do Estado à cultura se torna cada vez mais forte

nesta e nas décadas seguintes, sendo consagrada em legislação internacional. Este facto graça

outra importância a esta dinâmica, uma vez que a entrada na esfera jurídica e o

reconhecimento da sua importância forçam o seu aparecimento nos Estados em que esta não

existe e o seu crescimento nos restantes onde já haveria a ligação, levando assim ao

crescimento dos apoios e iniciativas assim como a formação de uma consciência social focada

nas artes e na sua actividade, originando o crescimento dos públicos e do sector artístico.

1.3 As Indústrias Culturais e Criativas

Este crescimento do apoio do Estado à cultura levou ao crescimento do sector, tanto

em termos da oferta, como da importância que esta assumia na sociedade. Podemos

argumentar que este fenómeno ocorreu de uma maneira generalizada na Europa, não

atingindo contudo Portugal, que se encontrava mergulhado num regime ditatorial onde o

apoio do Estado à cultura era um meio de propaganda ideológica. No entanto, por toda a

Europa, o segundo pós-guerra trouxe mudanças importantes em termos socias, políticos e

económicos. Mais tarde, a queda dos postulados modernistas abriu caminho para as

concepções pós-modernistas que se caracterizavam por um abandono de narrativas

totalizantes e da procura de verdades absolutas e por uma dissolução de barreiras e o

abandono da diferenciação que estas criavam dentro da sociedade: “Post modernism envolves

a dissolving, not only between high and low cultures, but also boundaries between diferent

forms such as tourism, art, education, photography, television, music, sport, shopping and

architeture” (Urry, 1990:74). Esta dissolução de barreiras tomou uma faceta importante do

ponto de vista artístico e social, pois, com o crescimento tecnológico e de população das áreas

14

urbanas criam-se as condições para o que seria apelidado de cultura de massas. Originária dos

Estados Unidos da América, com a entrada da televisão nos lares, a massificação de formas,

imagens, músicas e expressões culturais estendeu-se até à Europa. Esta, acessível a todos quer

em termos físicos aliada à disseminação tecnológica, quer em termos abstractos pela partilha

de representações que a tornavam inteligível a todos, diferenciava-se da cultura erudita cujo

acesso e compreensão funcionariam como meio de distinção social de classe.

Esta dualidade seria negada à luz dos postulados pós-modernistas, que transformam no

seu discurso algumas das características atribuídas à cultura de massas de forma pejorativa em

oposição às formas eruditas como por exemplo o dualismo distracção/contemplação e valor

económico/valor intrínseco, em características com um sentido valorativo, legitimando a sua

existência e consumo do mesmo modo que a cultura erudita. “Postmodern cultural forms are

not consumed in a state of contemplation (as at the classical concert) but of distraction.

Postmodern culture affects the audience via its immediate impact, though what it does for

one, through regimes of pleasure, and not though the formal proprieties of aesthetical

material. And this serves to undermine any strong distinction between high culture enforced

by an elite knowledgeable about the aesthetics of a given sphere (painting, music, literature)

and the popular or low culture of the masses. Post modernism is anti-hierarquical, opposed to

such vertical differentiation”(Urry, 1990:76).

A quebra de barreiras não só entre classes e formas de cultura, mas também entre

domínios sociais leva que a relação entre a economia e a cultura cresça: “Commerce and

culture as indissolubly interwined in the post modern” (Urry, 1990:77). Esta conjectura, aliada

ao panorama capitalista de maximização de lucros em que nasce a cultura de massas leva a

que o sector privado veja o sector cultural como um bom investimento e que para estes

direccione os seus recursos o que constitui um desafio para a relação entre a cultura e o

Estado. Poderiam os interesses privados tomar o lugar do Estado no apoio à cultura? Ver a

cultura como meio de riqueza constituía uma afronta ao valor artístico do que era produzido?

Haveria diferenças entre actividades apoiadas pelo Estado e actividades apoiadas pelos

privados no que diz respeito à sua qualidade artística?

Esta tríade que envolve o Estado, a cultura e os privados adensa-se a partir de duas

mudanças significativas na relação que estes domínios estabelecem com o da cultura. Da parte

do Estado, como já mencionado anteriormente, nasce a necessidade de tomar a cultura como

um direito de fruição de todos os cidadãos, o que leva à condução de apoios para o sector

artístico, e na contemporaneidade à integração das artes nos programas de educação. Da parte

do sector privado, o desenvolvimento do capitalismo promove a entrada da lógica de mercado

15

no sector cultural tomando estas actividades como produtos. Esta “economização da cultura”

é definida como sendo “a tendência para integrar procedimentos e funções características da

organização empresarial nas várias etapas de circulação dos bens culturais, valorizando-se o

papel da gestão planeamento, programação, divulgação e marketing cultual” (Gomes et, al

2006:121).

O sector privado, reconhecendo a capacidade que as actividades culturais têm em criar

e transmitir representações direccionam os seus fundos para o apoio das mesmas, dando

origem a um fenómeno apelidado de marketing cultural. Este é definido por Rubim “como

uma zona instável de trocas, nas quais se intercambiam recursos financeiros e valores,

iminentes ao produto cultural ou dele derivados, como prestigio e legitimidade, repassados

sob a forma de qualidades agregadas a uma imagem social” (Rubim, 1998:144)

Para o campo cultural, que naturalmente precisa destes investimentos para a realização

das suas actividades, torna-se necessário balançar estes dois domínios e a forma como estes

influenciam a sua produção correndo o risco de se deixar instrumentalizar pela retorica estatal

ou o de ficar presa às demandas económicas do sector privado.

No amago deste debate, ganha força o conceito proposto em 1944 de ‘indústrias

criativas’ pela mão de Adorno e Horkheinner, filósofos e sociólogos alemães, no sentido de

descrever a forma como o capitalismo e a massificação danificavam, no entender deles, a

cultura e a estética das obras, apagando a arte tradicional e favorecendo em contrapartida,

repetições de formas estéticas já conhecidas com vista a agradar o público e com isso, garantir

os lucros através destas repetições seguras. O termo indústria criativa apresentaria assim uma

conotação negativa. A intromissão da economia e dos privados no sector cultural valorizaria

no momento da produção o valor de mercado da obra, desprezando o seu valor artístico

intrínseco.

À medida que o debate foi avançando, novas perspectivas emergiram. As indústrias

culturais e criativas começaram a ser vistas como fonte de aumento e diversificação da oferta,

sendo abertas à experimentação de novas formas de exercício artístico e à integração de novos

profissionais no sector, o que contribui para a sua constante revitalização. A sobrevivência e

crescimento deste sector dependem, claro, dos meios que este dispõe para o desempenho da

sua actividade. Neste sentido a intervenção dos privados pode ser um meio de promoção da

oferta do sector cultural, que, com o seu crescimento, torna-se incomportável para o

orçamento que o ministério dispõe para o seu apoio.

Assim, a relação entre cultura e economia deixou cada vez mais de ser motivo de

crispação, uma vez que a cultura abriu espaço para investimentos privados que ajudaram à sua

16

expansão e diversificação, apresentando resultados positivos dentro do meio. A cultura

precisava da economia assim como a economia precisava dos retornos e da dinâmica que as

actividades culturais lhe ofereciam.

Esta ligação levou à introdução de domínios como a moda, o design e a arquitectura

no espectro das actividades artísticas, onde permaneceram juntamente com artes mais

tradicionais como o Teatro e a dança por exemplo. Ao juntar estas actividades ao seu ramo de

acção a cultura aproximou-se das empresas e da cidade e tornou-a numa actividade

economicamente competitiva. “A UNESCO considera aliás, que o futuro da cultura está

dependente do papel das indústrias culturais e criativas, situando-as descomplexadamente no

contexto do comércio globalizado e das cidades cooperativas capazes de abrigar alguns dos

segmentos mais dinâmicos do capitalismo contemporâneo” (Paiva, 2014:20).

As indústrias culturais e criativas beneficiam da sua permanência em territórios

urbanos, uma vez que a sua actividade pode chegar a um maior número de indivíduos, além

das parcerias e colaborações que podem estabelecer com outros agentes, como parte da

dinâmica intrínseca que estas possuem. A sua permanência no espaço urbano possibilita-lhes

também um maior acesso a equipamentos e meios para a concretização dos seus projectos e

muitas vezes a fruição também de algum tipo de apoio por parte do poder local.

Ao mesmo tempo, através deste dinamismo as áreas urbanas integram-nas como um

meio de valorização territorial e económico, estabelecendo através da sua actividade relações

com o espaço e com os indivíduos que o compõem promovendo a coesão social, dada a

partilha de signos e significados que constroem em relação com quem deles usufrui, criando

uma inteligilidade comum a partir da produção artística. No entanto, este discurso de coesão

social, proveniente de inúmeros agentes culturais como forma de valorizar o impacto das suas

actividades, é contrariado por David Harvey na sua obra A Condição Pós-moderna. Nesta, ele

argumenta que as barreiras entre certas concepções que o pós-modernismo descartava, ainda

se mantêm presentes na forma como, por exemplo, os consumidores de arte se tentam

destacar dos demais pelo seu consumo e na forma como certas representações artísticas

prevalecem sobre outras sustentadas no seu valor monetário. As condições de produção

artística e os discursos à cerca desta devem ser analisados dado que “the more it turns in upon

itself or the more it sides with this or that dominant class in society, the more the prevailing

sense of the symbolic and moral order tends to shift” (Harvey, 1990:348).

A questão das indústrias criativas e a sua fixação no espaço urbano é também vista como

forma de promover uma identidade cultural do lugar dado que estas são tidas como meio

diferenciador e gerador de atractividade no espaço, muitas vezes como resposta à degradação

17

e desertificação dos centros urbanos. Este modo de acção é desde os anos 80 defendido e

posto em prática por Charles Landry, criador do conceito de Cidades Criativas. Segundo este

a criatividade surge como meio de reabilitação das cidades, que através desta e do seu sector

cultural se tornam mais competitivas e oferecem maior qualidade de vida. Desde os anos 80

que com o seu grupo de trabalho faz consultadoria e põe este conceito em prática sendo que

“desde meados dos anos oitenta, o objectivo principal deste grupo centrou-se na revitalização

social e económica das cidades e como as actividades culturais podem ajudar neste processo.

Este grupo – Comedia – trabalha na elaboração de estratégias urbanas, no estudo de qualidade

de vida e no desenvolvimento da indústria cultural para a cidade e região” (Milão, 2006:33).

Exemplos da aplicação prática deste conceito em cidades por todo o mundo podem ser

encontrados em The Creative City de 1995 por Charles Landry. O conceito de cidades

criativas toma a criatividade como força motriz para a construção de uma cidade e de uma

sociedade melhores, no sentido em que é através da promoção deste valor e das actividades a

ela ligadas que se gerará uma melhor qualidade de vida. Podemos então encontrar na obra de

1995 de Charles Landry um conjunto de condições que têm de ser satisfeitas na procura da

cidade criativa ou de espaços criativos recaindo um deles sobre os bairros urbanos e a

concentração de indústrias culturais e criativas: ”Creative people and projects need to be

based somewhere. A creative city require land and buildings at affordable prices, preferably

close to other cultural amenities. These are likely to be available in urban fringes and in areas

where uses are changing, such as former part and industrial zones. Cheap spaces reduce

financial risk and therefore encourage experiment”(Landry, 1995:30). Contudo, esta procura

por estes espaços urbanos pode dar origem a um fenómeno conhecido por gentrificação na

medida em que os efeitos positivos gerados pela instalação destas indústrias criativas ou de

actividades comerciais são tomados pela especulação imobiliária que através da subida das

rendas e dos bens de serviços dificulta gradualmente a permanência dos moradores que

ocupavam estas áreas, geralmente de rendas baixas, vendo-se assim estes impossibilitados de

assegurar a sua manutenção nestes espaços. Em Vida e Morte nas Grandes Cidades, após

expor a importância que a diversidade e a comunhão de diferentes indivíduos têm para a

construção do dinamismo urbano e para a construção de áreas promotoras de bem-estar e

criatividade, Jane Jacobs descreve o processo de gentrificação: “A diversified mixture of uses

at some place in the city becomes outstandingly popular and successful as a whole. Because

of the location’s success, which is invariably based on flourishing and magnetic diversity,

ardent competition for space in this locality develops. (…) The winners in the competition for

space will represent only a narrow segment of the many uses that together created success.

18

(…) If tremendous numbers of people, attracted by convenience and interest, or charmed by

vigor and excitement, choose to live or work in the area, again the winners of the competition

will form a narrow segment of population of users. Since so many want to get in, those who

get in or stay in will be self-sorted by the expense” (Jacobs, 1961:243).

As possibilidades de reabilitação destas áreas através das actividades culturais, apesar

de valorizarem os territórios, funcionam como um processo de diferenciação e de exclusão

para aqueles que se vêem impossibilitados de corresponder ao aumento do custo de vida. Os

fenómenos de gentrificação nunca poderão portanto corresponder a fenómenos de reabilitação

urbana pelo caracter de exclusão e destruição das dinâmicas sociais que impõem. Os bairros

de Harlem e Soho como principais exemplos deste fenómeno de gentrificação são descritos

por Neil Smith em The New Urban Frontiers: Gentrification and the Revanchist City.

Estas perspectivas reforçam o cuidado que as abordagem à territorialização de

iniciativas culturais têm que ter em conta, uma vez que diferentes actores comportam

diferentes narrativas e diferentes pontos de vista dos efeitos que as suas acções têm nos

territórios em que se inserem, e se de facto são promotoras ou criadoras de desigualdades.

O Estado também pode ter um papel nesta discussão através dos discursos que produz,

maioritariamente mediado pelas actividades e instituições que promove e que apoia e o

impacto que estas podem ter nas áreas onde se inserem. Assim, considero importante

reflectirmos adiante como é que estes argumentos e exemplos provenientes da Europa do

segundo pós-guerra foram integrados em Portugal nos anos 80 na sua abertura ao exterior

após a revolução de 25 de Abril de 1974.

1.4 Portugal e o seu Modernismo Tardio

As transformações anteriormente mencionadas nos domínios da cultura, da

intervenção do Estado nesta e da cidade também chegariam a Portugal, um pouco mais tarde e

tomando uma forma diferente.

Entre 1933 e 1974, Portugal encontrava-se mergulhado num regime totalitário,

conhecido como Estado Novo. Partilhando com outros regimes fascistas características como

a limitação das liberdades individuais, no domínio cultural, essas limitações passaram por a

imposição de uma fiscalização de todas as obras produzidas e consequente censura de todos

os conteúdos que não se coadunavam com a retórica que o Estado Novo pretendia transmitir.

19

A prevalência do Estado fazia-se sentir no domínio da produção cultural

instrumentalizando este sector através das limitações impostas às temáticas abordadas,

levando assim a uma padronização cultural por parte do Estado Novo, usando a cultura como

instrumento para o exercício do seu poder e a reprodução do seu discurso.

Ultrapassado este período, torna-se necessário repensar a relação que ligava o Estado à

cultura, decorrente da mudança de panorama político, económico e social. Os primeiros anos

depois da Revolução de 25 de Abril de 1974 foram de grande indefinição tanto no campo

político, como no campo cultural, com as estruturas artísticas a enfrentarem problemas na

criação de dinâmicas próprias e na identificação de uma identidade criativa nacional. Neste

período foi criada a Comissão consultiva para as Actividades Teatrais que esboçou o Projecto

Lei do Teatro. Este apesar de nunca ter sido implementado “criou a ideia de teatro como

serviço público” no vocabulário nacional (Vasques, 1999:2) e com isso, trouxe também a

fundação do Centro Dramático de Évora. Contudo, os avanços eram escassos e, na década de

1980, o que começava agora a nascer em Portugal já era um dado adquirido por toda a

Europa. Portugal, irá, assim, integrar algumas componentes das políticas que abordámos

anteriormente em relação aos sectores cultural e político, individualizando o seu caso face aos

seus congéneres, adoptando um modernismo tardio, caracterizado pelos programas de

construção de infraestruturas e pela organização de grande eventos culturais de repercussão

europeia e internacional, como que numa tentativa de absorver e alcançar toda a influência e

trabalho que já vinha a ser desenvolvido no estrangeiro.

Com a tomada de posse do IX Governo Constitucional é criado o primeiro Ministério

da Cultura que exerce funções entre 1983 e 1985, ganhando assim o domínio da cultura um

ministério autónomo, invertendo a ligação Estado-cultura de controlo para apoio.

A integração de Portugal na União Europeia, em 1986, vem acelerar o crescimento

cultural já em curso. Com a integração nesta comunidade, Portugal encontrava-se mais

exposto a influências e políticas externas, passado o período totalitário em que havia alguns

entraves a esta exposição. Além disso, Portugal pode também usufruir de um conjunto de

fundos comunitários que abrangeram o sector cultural. Estes subsídios foram aplicados na

organização de eventos como Lisboa Capital Europeia da Cultura em 1994, a Exposição

Mundial de Lisboa em 1998 e Porto Capital Europeia da Cultura em 2001. Estes eventos

foram importantes para a integração portuguesa e da sua produção cultural nos circuitos

europeu e internacional, assim como para a criação de públicos através do grande número de

actividades culturais que foram desenvolvidas neste período. Dada a sua envergadura, estes

eventos levaram ao crescimento do sector cultural devido à mobilização de meios e pessoas

20

que a sua dimensão envolveu. O crescimento do sector é acompanhado pelo natural

crescimento da oferta, que tem acesso a estas plataformas de exposição a outro nível. Em

1998, a Lei do Mecenato, que estimula pessoas singulares e colectivas a doar fundos à cultura

com a promessa de retorno na forma de incentivo fiscal em redução dos impostos, além do

retorno social de contribuir para a promoção da cultura, começa a ter influência na realidade

artística portuguesa ao encontrar retorno junto de empresas e cidadãos individuais,

demonstrando a crescente relevância que a cultura ganhava na sociedade.

Com estes desenvolvimentos, surge à semelhança do que aconteceu pela Europa, a

visão da cultura como um direito para todos os cidadãos e da necessidade da garantia da sua

fruição pelo Estado, dando origem à criação e disseminação de infraestruturas pelo território

nacional, no sentido de promover o acesso à cultura junto de outros indivíduos que não só

aqueles que habitam na capital e nas grandes cidades. O conceito de democratização cultural e

a sua aplicação que já tínhamos observado em França integra agora as políticas portuguesas.

A entrada na União Europeia constituiu, como refere Augusto Santos Silva, o apoio

fundamental que faltava a Portugal para arrancar com o seu projecto cultural nacional,

dotando o território de infraestruturas: “As últimas décadas de integração europeia trouxeram

novas oportunidades de financiamento, de criação e desenvolvimento de projectos e foram a

alavanca para as autarquias alargarem a sua intervenção à cultura, após superarem a

necessidade de construção de infra-estruturas físicas ligadas às necessidades colectivas

básicas” (Silva in Damaso 2013:1).

Com a construção e renovação de mais de 130 equipamentos culturais distribuídos por

todo o território nacional, foram criadas infraestruturas que possibilitariam o desenvolvimento

de actividades culturais numa área mais alargada do território nacional. Acompanhando o

alargamento deste território cultural, o governo estabelece também uma série de programas

como a Rede de Teatros Históricos, a Rede Nacional dos Teatros e Cineteatros, destinados a

apoiar e a atribuir financiamentos a estas infraestruturas. Estas redes, na sua maioria já

extintas, revelaram-se importantes nesta primeira fase das novas políticas culturais do Estado,

uma vez que permitiram que este não se alienasse completamente da cultura após a

concretização das obras e facilitaram a circulação de projectos até territórios que

anteriormente não teriam tido a oportunidade de os receber. Contudo, a sua extinção não

acontece por acaso, dado que estas redes apresentavam debilidades que não conseguiram ser

ultrapassadas. Apesar da constituição destas redes, não houve a concepção de um plano

estratégico para a valorização destes novos espaços. Não foi tida em conta a necessidade de

dinamização dos mesmos, nem os territórios e públicos específicos que este integrava, sendo

21

as possibilidades de captação de público inexploradas no seio destas redes. Olhando para este

facto e apontando as suas debilidades, Carlos Vargas escreve para o “Observatório Politico”

aquilo que ele considera ser o real objectivo alcançado por estas Redes: “Assim, os

denominados programas ‘Rede de Teatros Históricos’, ‘Rede nacional de Teatros e

Cineteatros’ e a ‘Rede Municipal de Espaços Culturais’ foram meras fórmulas para colocar

em negociação no espaço politico a possibilidade de intervenção em equipamentos culturais

por parte do poder local. Por detrás destas denominações não encontramos programas que

revelem uma estratégia para o território, quer para os artistas, quer para os públicos” (Vargas,

2011:6).

As décadas 80 e 90 foram assim marcadas pela expansão do sector cultural em

Portugal, quer através da construção de infraestruturas, quer pela realização de eventos com

projecção europeia e internacional que captaram profissionais e visibilidade para o sector.

Através destas duas dinâmicas, foram lançadas as bases para uma nova etapa para o sector

cultural português. Após a construção de infraestruturas e a captação e formação de

profissionais na área, era agora hora de dinamizar estas estruturas e fomentar a actividades

destes profissionais. Só assim seria possível crescer.

1.5 O Papel do Poder Local

A disseminação de equipamentos culturais pelo território português criou

interrogações quanto à questão da sua gestão e financiamento. Com a Rede Nacional de

Teatros e Cine Teatros a revelar-se insuficiente e a ser extinta na década de 90, uma estratégia

nacional integrada para estes equipamentos tornava-se mais difícil, e, a fonte de dinamismo

para estes veio do poder local, dado que muitos equipamentos culturais recém construídos já

se encontravam sob a alçada das autarquias, o que possibilitava uma maior proximidade entre

o equipamento, o que nele ocorre e o território onde se situa. O espaço que a cultura tinha

ganho nos organismos de Estado, conquistava-o agora a nível local, com a criação de

departamentos em vários municípios que trabalhariam exclusivamente o domínio da cultura,

com orçamento destinado para o apoio e promoção de actividades artísticas, promovendo

também a sua ligação com outros domínios, nomeadamente os da educação e da reabilitação

urbana.

Tendo a cultura ganho um papel mais relevante e sendo o poder local o seu maior

potenciador junto da sociedade, não é de estranhar que em 1999 esta relação entre poder local

e cultura tenha sido legislada através do decreto-lei 159/99 que estabelece o quadro de

22

transferência de atribuições e competências para as autarquias locais: “A lei reconhece aos

órgãos municipais competências para planear, executar e gerir centros de cultura e de ciência,

bibliotecas, teatros, museus… apoiar projectos e agentes culturais não profissionais,

actividades culturais de interesse municipal e a construção e conservação de equipamentos

culturais de âmbito local” (Melo, 2007:39). Assim, fruto da intervenção regular que as

autarquias já tinham neste domínio, é criado um conjunto de procedimentos que atesta e

sistematiza esta importância e esta relação que tinha vindo a ser estabelecida. Natália

Azevedo, socióloga, referia em 2003, a importância que a cultura teria adquirido junto do

poder local: “A cultura tem tido, nos últimos dez anos um enfoque político significativo no

contexto das autarquias. O enquadramento jurídico e organizacional das questões culturais, os

orçamentos, os projectos e actividades têm não só configurado modos locais de relação com a

cultura, como garantido ao poder local uma particular visibilidade politica e social. Criar e

dinamizar equipamentos com valências culturais tornou-se um dos objectivos estruturantes

das políticas culturais municipais” (Azevedo, 2003:201).

A entrega da gestão destes equipamentos ao poder local traz um conjunto de vantagens

uma vez que permite trabalhar os edifícios e as actividades que estes promovem numa óptica

mais direccionada para o espaço e território onde se inserem, sendo também possível integrar

as opiniões e visões do público na sua gestão, devido à proximidade do poder local face à

gestão estatal. Em territórios com vários agentes culturais, as Câmaras Municipais poderiam

intervir como elemento de concertação entre os mesmos, promovendo o diálogo e podendo

até integrá-los em estratégias municipais culturais a longo prazo. Com a entrada das

autarquias nas questões da cultura torna-se também possível o aumento e diversificação de

financiamento para estas actividades culturais, uma vez que o poder local passa a contribuir,

juntamente com o Estado que não se alheia da sua responsabilidade de apoio à cultura, com

verbas para o exercício da mesma.

A intervenção das autarquias no domínio cultural também pode trazer alguns

problemas. Sendo que cada autarquia tem autonomia para gerir os recursos culturais de que

dispõe, a importância atribuída aos mesmos por cada uma pode trazer discrepâncias a nível

nacional, no que diz respeito ao acesso e promoção de actividades culturais, assim como ao

nascimento e fixação de novos agentes culturais em determinadas áreas.

Sendo parte de um organismo municipal, pretende-se que o sector da cultura nas Câmaras

Municipais não deixe de ter uma visão holística e integrada da actividade cultural de que se

ocupa, não se resumindo por isso a sua actividade à gestão destes espaços. Assim sendo, de

forma a maximizar as potencialidades dos mesmos, as autarquias celebram contractos de

23

gestão com companhias de Teatro, dança ou equipas de gestão artística que se ocupam

exclusivamente dos mesmos e que reúnem maior foco nesta actividade do que qualquer

quadro municipal poderia dispor. É ligado a este contexto e à integração de uma lógica de

mercado nas actividades culturais, que emerge a figura do programador, passando da sua

existência limitada no tempo criada pela organização dos grandes eventos anteriormente

referidos ou actividades esporádicas, a uma mais constante e crescente presença situada nestes

espaços.

1.6 Aparecimento e Definição do Programador Cultural

O programador cultural é uma profissão relativamente recente no contexto português.

Com passados artísticos diferentes e múltiplos, assim como a proveniência das suas áreas de

formação, os programadores culturais afiguram-se, no entanto, como personagens cada vez

mais importantes na introdução e expansão da cultura, assim como na dinamização dos

espaços em que a sua acção incide.

A figura do programador cultural emerge apoiada nos grandes eventos culturais de

dimensão internacional, cuja organização Portugal levou a cabo nos anos 90. Assim, como

nos diz Cláudia Madeira, num artigo dedicado a estes profissionais Novos Notáveis – Os

Programadores Culturais, o programador neste contexto “é tomado, tal como os notáveis que

faziam a mediação entre a aldeia e a cidade, como o mediador entre a escala nacional e a

escala internacional, como o detentor dos conhecimentos que lhe possibilitam fazer uma

selecção ou tomar uma decisão sobre os projectos artísticos que lhe são apresentados”

(Madeira, 2000:3).

Findo este período de organização destes eventos de projecção mundial, o

programador cultural volta o seu exercício para os espaços culturais e a sua actividade passa

da periocidade esporádica dos eventos para a constante da existência e necessidade de

programação dos espaços culturais. A entrada do programador em vários teatros e cine-teatros

prende-se com a cedência da sua gestão e programação por parte das autarquias a companhias

artísticas. Esta opção tem por base dois motivos: o primeiro, referido anteriormente, tem que

ver com a falta de profissionais qualificados, à época, no ramo artístico, principalmente nas

áreas de gestão e programação uma vez que esta actividade não era requerida anteriormente

por falta de dinamismo e como tal, não houve a criação de meios para a formação. Os

programadores culturais apresentam currículos muito diversos e a sua formação incide numa

vertente mais prática das actividades culturais que gerem, o que legitima a sua acção no meio

24

artístico onde prevalece a opinião dos pares como meio de legitimação de qualidade. O

segundo motivo relaciona-se com a redução de custos na exploração destes espaços.

Verificou-se que a instalação de uma companhia já existente num destes espaços culturais era

uma opção mais vantajosa do ponto de vista económico, uma vez que evitava criar de raiz

estruturas institucionais para essa função, rentabilizando para isso as estruturas

administrativas e os profissionais inerentes à existência das companhias só por si. Ao ceder

estes espaços a estruturas artísticas já concebidas as autarquias criam logo novas

possibilidades tanto para as estruturas como para os espaços. Por um lado, os espaços

culturais ganham um público estabelecido pela reputação anterior da actividade artística

destes grupos e dos seus envolvidos, construindo assim a sua reputação no território.

Com esta centralização das actividades, estes grupos artísticos, além dos novos

desafios de gestão de programação que enfrentam, têm acesso a melhores condições para o

exercício da sua actividade, assim como a possibilidade de privar com outros profissionais

através da programação e o acesso a financiamento. Particularmente incidente sobre a área do

teatro, o aparecimento do programador cultural é um passo do crescimento que esta área sofre

com o aumento do número de infraestruturas no território nacional aliado à integração na

visão capitalista das actividades culturais. Este processo de “economização da cultura”, como

já referimos anteriormente, veio abrir oportunidades ao desenvolvimento de novas funções e

ocupações na organização de actividades no sector cultural e artístico, consideradas decisivas

para a visibilidade da produção e para uma efectiva recepção. “Gestores, programadores,

comissários, técnicos de marketing e outros intermediários culturais, tornam-se, pois, figuras

cada vez mais requisitadas pelas organizações culturais que reconhecem a indispensabilidade

das suas intervenções especializadas” (Gomes, 2006:122).

Os programadores são vistos como responsáveis pela dinamização destes espaços de

que ficam encarregues, procurando com a sua acção ajudar na rentabilização do espaço, numa

época onde a cultura é vista com um bem mercantilizável, assim como na criação de uma

narrativa artística que permita o enriquecimento dos territórios e do público a que a eles

acorre, do ponto de vista cultural e social. É assim de destacar a importância que esta figura,

apesar da sua recente ascensão, adquire tanto no campo artístico, como no campo social.

Os programadores culturais, nesta realidade, são a personificação da intercepção dos

mundos da cultura, da política e da cidade, tendo a sua acção de se estender a estes domínios

quando o seu trabalho se concretiza em função de um edifício cultural. Trabalhando em

diálogo com artistas e criadores, aproximam o processo de criação ao processo de produção e

difusão, mediando a acção cultural dos criadores com a política cultural autárquica, ao mesmo

25

tempo que os seus inputs e a sua visão dos públicos e das condicionantes económicas pode

afectar o processo de criação.

A função do programador é fulcral para o exercício das artes no sentido em que as

suas escolhas legitimam a existência e o sucesso de certos espectáculos informando o público

e os pares do meio artístico da existência de valor numa obra, em detrimento de outras.

Permitem que estes acedam a financiamentos e a públicos diversos. Em relação aos públicos,

a acção do programador permite a construção de um imaginário artístico através da exposição

a certas obras em detrimento de outras, moldando também a estética do individuo,

confrontando-o com as formas artísticas que acha legítimas para o espaço, o território e a

narrativa que este pretende construir. O programador constrói a imagem e a relevância que o

espaço cultural adquire, através da reputação que este ganha com a programação e criação

artística que nele se concentra. Contudo, programar actividades culturais para um determinado

espaço, ou sobre a alçada de um determinado evento não constitui tarefa fácil. Programar

envolve fazer escolhas, pensar o público, o espaço e a cidade. Programar envolve fazer

inclusões e exclusões e construir uma retórica que confira coerência a essas escolhas. Na

verdade, o processo através do qual se fazem estas mesmas escolhas não é linear e inclui

muitas variáveis: “Deste ponto de vista, é preciso ter em atenção que opções se tomam ao

programar, são também elas condicionadas por uma serie de factores que muitas vezes vão

para além do critério artístico e do gosto pessoal de quem programa. É óbvio que o gosto

pessoal estará sempre presente, em graus diferentes, em qualquer programa de teatro, no

entanto, quem trabalha nesta área sabe que factores como a disponibilidade financeira, o

equilíbrio e diversidade das áreas e disciplinas apresentadas, o processo interno de decisão das

estruturas, entre outras, condicionam em grande parte o resultado final apresentado ao

público” (Afonso, 2007:109).

A questão do programador teatral apresenta especificidades próprias, face aos seus

congéneres. Em primeiro lugar, o teatro é uma arte que só se manifesta quando ocorre,

querendo isto dizer que só vemos os resultados do seu trabalho no momento da apresentação

do espectáculo, sendo o sucesso da actividade do programador reflectido mais no imediato,

contrariando o que se passa por exemplo com a pintura e artes plásticas, que se prestam à

contemplação, à redescoberta e à durabilidade do seu registo no espaço e no tempo. Em

segundo lugar, os programadores culturais que trabalham na área do teatro deparam-se, na

actualidade, com a necessidade de captar públicos para os espectáculos nesta área, uma vez

que os números, apesar de em crescimento, longe estão dos espectadores de cinema ou de

concertos de música, por exemplo. Face a este facto, o programador cultural no campo do

26

teatro e as estruturas sobre a sua alçada têm integrado nos seus trabalhos, actividades

vocacionadas para a infância e com um cariz pedagógico, funcionando como que uma

educação para as artes e expondo as crianças à importância do teatro, no mesmo grau de

relevância com que somos todos os dias confrontados com exibições de filmes ou anúncios de

concertos, criando assim hábitos de cultura para o teatro, através deste trabalho de inclusão

desta vertente pedagógica na programação.

Programar não se afigura de todo uma tarefa fácil. Quando situado num espaço

cultural, o programador torna-se o elemento de mediação entre vários mundos. O mundo

criativo requere a sua presença, como forma de valorizar os espectáculos através da sua

selecção, o mundo social exige que a sua acção traga dinamismo e que satisfaça as

necessidades culturais de que os territórios e público onde o espaço cultural se integra

padecem, acrescendo ainda a necessidade política de retorno económico face ao dinheiro que

autarquias e Estado investem nestas estruturas. A acção dinâmica do programador neste

contexto situado poderá ser decisiva na importância que os edifícios culturais ganham no

contexto urbano, criando assim novas centralidades tendo por base a impulsão da cultura, no

seio das cidades.

27

2 Coimbra: Do Teatro Universitário ao Teatro Profissional

2.1 Teatro na Cidade de Coimbra

A história do teatro em Coimbra está ligada a um dos organismos mais reconhecidos e

que constitui a marca da cidade no mundo: a Universidade de Coimbra. Sem uma companhia

de teatro profissional instalada na cidade, durante muitos anos, a vitalidade teatral da cidade

de Coimbra surge através de grupos de teatro amadores, os grupos provenientes do teatro

universitário.

O TEUC (Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra) é o grupo teatral mais

antigo em actividade na cidade de Coimbra e o grupo de teatro universitário mais antigo ainda

em actividade da Europa. Este grupo é criado em 1938 sobre a designação de Grupo Cénico

da Secção de Fado Académico de Coimbra, secção esta pertencente à Associação Académica

de Coimbra à qual o TEUC se mantem agregado ainda hoje e onde se encontram as suas

instalações, o Teatro de Bolso. A criação do TEUC traz a Coimbra a possibilidade de explorar

caminhos criativos que até então se revelavam impossíveis para quem queria contactar com o

mundo do teatro. O TEUC, apesar de intrinsecamente direccionado para a comunidade

estudantil, trabalha em Coimbra autores clássicos do teatro grego, assim como obras mais

contemporâneas, incluindo autores portugueses. A sua actividade permitiu a emergência de

alguns profissionais como Paulo Quintela e, através de uma política que procurava

diversificar os encenadores com quem trabalhavam, expõe os actores e públicos a diferentes

estéticas e visões promovendo o seu enriquecimento.

A par do TEUC, anos mais tarde, em 1954, nasce o CITAC (Circulo de Iniciação

Teatral da Academia de Coimbra), usufruindo também do estatuto de organismo autónomo da

AAC (Associação Académica de Coimbra) e de instalações (o Teatro-Estúdio) no edifício

desta. Apostando também na formação, o CITAC persegue caminhos dentro do ramo do

experimentalismo teatral, destacando-se assim do TEUC, e introduzindo esta vertente no

panorama da cidade de Coimbra. Os respectivos sítios na internet enumera as inúmeras

performances que estas estruturas levaram a cabo em Coimbra, sendo também de assinalar o

artigo de Alexandra Silva de 2012, intitulado Teatro Universitário em Coimbra na Década de

1980 como referente para uma contextualização história do trabalho destas estruturas.

A existência desta vivacidade no ramo do teatro universitário na cidade de Coimbra

foi extremamente importante, dado que durante anos estes organismos foram os principais

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responsáveis pela dinamização do teatro em Coimbra e pela introdução de estéticas e

vanguardas temáticas que, derivando do carácter associativo destes grupos, muitas vezes

versavam tomadas de posição políticas e sociais de ruptura. Este facto aliás traria alguns

dissabores na época que antecedeu o 25 de Abril, pois, estando Portugal mergulhado num

regime totalitário, as produções eram alvo de controlo e censura, sendo inclusive o CITAC

fechado pela PIDE (Policia Internacional e de Defesa do Estado, ou seja, a força policial ao

serviço do regime salazarista) em 1970, para reabrir em 1975, depois de derrubado o regime.

O teatro universitário constituiu também uma fonte de formação prática para novos

profissionais, promovendo anualmente cursos direccionados para estudantes nas áreas da

criação e produção, que mais tarde poderiam, como aliás se verificou, vir a revelar aspirações

em continuar a exercer esta vocação. Não tendo Coimbra nenhuma escola ou curso de teatro à

época, a formação oferecida por estes grupos neste contexto universitário era a única via de

educação artística no ramo teatral em Coimbra. Outro factor demonstrativo da vitalidade e

importância que estes grupos de teatro universitário traziam à cidade de Coimbra pode ser

observado na sua participação e organização de festivais internacionais de teatro,

nomeadamente a Semana Internacional de Teatro Universitário (SITU) organizada pelo

TEUC, com periocidade de 2 em 2 anos (passando em 1986, a designar-se BUC – Bienal

Universitária de Coimbra) que tornava Coimbra palco de inúmeras apresentações de grupos

de teatro universitários das mais variadas proveniências internacionais, sendo o seu sucesso

comprovado pelos cerca de 10 mil espectadores que este evento angariava: “pela SITU foram

passando algumas das mais interessantes propostas do teatro universitário europeu, que ali

encontraram o seu melhor palco, sendo este festival uma das mais importantes realizações do

género na Europa e considerado, por organizações estrangeiras, como o lugar privilegiado

para o confronto entre as várias escolas de teatro e os vários grupos universitários

independentes” (Silva, 2012: 89). A vitalidade cultural de Coimbra era impulsionada e

renovada por estes grupos, com mais espaço criativo depois do 25 de Abril, que em contacto

com este panorama internacional, integravam novas estéticas e ocupavam novos espaços da

cidade nomeadamente exposições em montras de casas comerciais, no criptopórtico do Museu

Nacional Machado de Castro e no foyer do Teatro Académico Gil Vicente (Silva, 2012: 90),

no caso do TEUC. O CITAC, integrando este caminho da exploração espacial na sua estética

experimental, desenvolve no período pós-25 de Abril performances e happenings em diversos

espaços da cidade, ocupando até carruagens de comboios e procurando a interacção com o

público através de sketches não ensaiados que pediam a colaboração da assistência.

29

Esta exploração espacial, além de importante do ponto de vista criativo, pelas novas

possibilidades que traz, é também importante para a cidade que integra no seu quotidiano

estes acontecimentos culturais e a actividade dos principais dinamizadores teatrais da cidade.

Alexandra Silva evidencia este facto ao realçar que: “Tal como os locais ocupados pelo

TEUC para as suas exibições, esta forma como os estudantes ocupam o espaço urbano e se

relacionam com o património histórico e arquitectónico é, também, uma forma de resistência.

Gerou, por um lado, um interessante diálogo entre Academia e cidade, redescobrindo-se

novas e diversificadas formas de contacto entre estudantes, população e património, e levou à

criação de espaços onde a performatividade ganhou particular realce, ao subverterem-se os

respectivos espaços de intervenção” (Silva, 2012:91).

O início dos anos 80 vê nascer em Coimbra outro grupo de Teatro não profissional,

desta vez desvinculado do teatro universitário, a Cooperativa Bonifrates. Sendo um grupo não

profissional, os membros da Bonifrates têm as mais diversas formações profissionais e

assumem o teatro como “forma de intervenção cívica e cultural na vida da cidade” (Bonifrates

– Quem Somos). Pela Bonifrates passaram nomes que viriam a ser preponderantes na cena

teatral coimbrã como Manuel Guerra e Deolindo Pessoa.

Nos anos 80 e 90, com princípios semelhantes aos das políticas de descentralização

francesas, começam a surgir companhias de teatro profissional por todo o território nacional,

fenómeno a que Coimbra não é alheia.

2.2 A Escola da Noite

A primeira companhia de teatro profissional da cidade de Coimbra surge em 1992. O

seu nascimento é promovido pela existência de um panorama favorável que cria condições até

agora nunca reunidas simultaneamente para a existência de uma companhia de teatro

profissional. Em primeiro lugar, A Escola da Noite nasce da identificação, por parte de um

conjunto de indivíduos saídos do TEUC, da impossibilidade que enfrentavam ao quererem

prosseguir uma carreira no mundo do teatro e de não terem plataformas para tal na cidade de

Coimbra, seja do ponto de vista educativo, investindo na formação teórica, seja do ponto de

vista prático, engajando no trabalho de alguma companhia já existente. A vontade deste grupo

de ex-membros do TEUC encontra uma realidade favorável para a concretização dos seus

intentos, acompanhando o início e crescimento de várias iniciativas de âmbito teatral na

cidade de Coimbra, como descreve António Augusto Barros, um dos membros fundadores da

Escola da Noite e seu actual Director Artístico e responsável pela programação: “Nós

30

estávamos em 1991 quando tomámos a decisão, no final desse ano. Portanto, estávamos a

entrar em 1992 e havia aqui um contexto favorável ao teatro. Para além de haver teatro a

vários níveis em Coimbra, havia também o contexto em que o Teatro Académico Gil Vicente

(TAGV) tinha uma nova direcção artística, deu uma volta muito grande nessa altura na sua

programação, e eu digo, enfim, declarando interesses, porque eu a partir de 90 fui escolhido

por concurso público para dirigir o TAGV. Esse era um dos dados contextuais. O outro é que,

para além dos grupos universitários, existia também um festival de teatro universitário com

grande repercussão que passava por ser um dos melhores festivais de teatro do país que era a

BUC - Bienal Universitária de Coimbra, organizada, com relativa autonomia também por

gente do TEUC. Para além disso foi lançada a ideia de criar um instituto, o Instituo de Teatro

Paulo Quintela, dedicado a estudos teatrais e de investigação e anunciava-se esta [A Escola da

Noite] companhia de Teatro profissional” (Entrevista – António Augusto Barros a 3/12/2015).

Este florescimento de iniciativas e novas dinâmicas para o teatro na cidade de Coimbra

em 1992, acontece num ano em que a cidade acolhe um evento de proporções nacionais que

viria a dar renovado vigor ao trabalho teatral na cidade: a eleição de Coimbra como a primeira

Capital Nacional do Teatro. Esta eleição viria a ser o impulso decisivo que levaria à criação

da companhia de teatro profissional, A Escola da Noite, como nos relata António Augusto

Barros: “O secretário de Estado da Cultura da altura, que se chamava Pedro Santana Lopes,

decide criar uma iniciativa, que era a Capital do Teatro, do País. Tinha feito uma tentativa em

Évora, mas foi apenas uma tentativa e queria faze-lo de uma forma mais sólida e chamou para

isso um encenador, o Ricardo Pais. O Ricardo Pais conhecia o contexto em que estava

Coimbra, tinha acabado de ser director do Teatro Nacional D. Maria, na altura e eu tinha feito

parte da direcção dele e vim para o TAGV quando terminou essa experiência. E portanto o

Ricardo Pais, para além de me conhecer pessoalmente sabia que havia este novo contexto em

Coimbra com o TAGV a mudar muito e sabia também destes projectos de criar o Instituto de

Teatro, de criar uma companhia profissional. Portanto, o Ricardo Pais, que foi convidado pelo

Santana Lopes, para fazer a Capital do Teatro mas sem indicação em que cidade, é que propôs

Coimbra, conhecedor deste contexto. E para nós que tínhamos a intenção, mas ainda não

tínhamos concretizado essa intenção de criar formalmente a companhia, A Escola da Noite,

foi um contexto em que de repente, sendo nomeada Capital do Teatro Coimbra, e aparecendo

uma companhia profissional, nós podíamos beneficiar disso mesmo, desse investimento

teatral em Coimbra, e foi o que aconteceu. Nós tínhamos decidido isso nos últimos meses de

1991, e em 1992 estava a começar a Capital do Teatro em Coimbra, que depois se estendeu

por 93. Nós a 27 de Março de 1992 estávamos a estrear o nosso primeiro espectáculo”

31

(Entrevista – António Augusto Barros a 3/12/2015). “Amado Monstro” a partir de "Amado

Monstruo", de Javier Tomeo com adaptação teatral de J. J. Préau, Jacques Nichet e Joëlle

Gras, estreia a 27 de Março de 1992, sob alçada d’A Escola na Noite no Teatro Académico

Gil Vicente. Em cena durante 18 sessões, a primeira encenação de A Escola da Noite atrai um

total de 2556 espectadores. Como fundadores desta companhia de teatro profissional podemos

identificar 13 membros: António Augusto Barros (encenador), Sofia Lobo (actriz), Ana Rosa

Assunção (gráfica e figurinista), Rui Valente (produtor), João Mendes Ribeiro (cenógrafo),

José Neves (actor), Lígia Roque (actriz), José Abreu Fonseca (actor), José Santana (técnico de

som), Manuel Guerra (encenador), Jorge Ribeiro (técnico de luz), Rosário Romão (actriz) e

António Jorge (actor) (A Escola da Noite – Weblog - Fundadores).

O nascimento d’A Escola da Noite e a sua primeira apresentação auguram-lhe um

futuro próspero. Por um lado, a sua existência vinha combater uma lacuna há muito

identificada que se prendia com a não existência de uma companhia profissional de teatro em

Coimbra, o que constituía uma quebra com o dinamismo que o teatro universitário inseria na

cidade. Por outro lado, com Coimbra a ser eleita Capital Nacional de Teatro para o ano de

1992, esta companhia dispunha à partida de um financiamento atribuído e de um meio

promotor da sua actividade, assim como uma abertura maior da cidade e dos públicos à

existência de eventos culturais desta natureza.

A Escola da Noite define-se no seu dossier de apresentação como companhia em

formação, que pretende "’fazer caminho caminhando’, sem o espartilho de grandiloquentes

postulados estéticos e culturais prévios (como se cada grupo devesse ter uma ‘filosofia’ ou

uma ‘estética’ privadas…), que se tornam obsoletos no fragor dos primeiros embates. Sabe-se

o que se quer fazer e como, mas pouco se intui do resultado do confronto da matéria teatral

com o seu público, com a sua crítica, ou dos reflexos do funcionamento da ética do grupo e da

prática artística em cada um dos seus elementos. (…) ‘Fazer um Teatro à medida das nossas

dúvidas’ foi a fórmula que encontrámos para afirmar que não nos limitaremos a reproduzir

fórmulas. Tentaremos que o nosso trabalho reflita, em cada momento, as nossas questões à

norma, ao fazer teatral. (…)” (A Escola da Noite - Weblog- Dossier de apresentação in

História Breve). Esta apresentação transmite não só a ideia de jovialidade do grupo na época

da sua criação como também o seu passado ligado ao teatro universitário que desemboca no

seu desejo em quebrar estéticas e postulados tradicionais. O convite a encenadores de fora

para realizarem trabalhos pontuais com a companhia também integrava este postulado

fundacional da diversificação das estéticas, da formação e da construção de uma companhia

aberta: “não queríamos fechar-nos no nosso próprio projecto, queríamos desenvolver

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linguagens artísticas comuns, queríamos criar linguagens próprias, mas queríamos faze-lo em

confronto com outros criadores, com a visão de outros criadores” (Entrevista - António

Augusto Barros a 03/12/2015).

É sob este panorama dinâmico no campo teatral e com estes objectivos

impulsionadores à criação e formação que nasce a primeira companhia profissional de teatro

na cidade de Coimbra. No entanto, a constituição de grupos teatrais profissionais na cidade

nos anos 90 não se ficaria por aqui.

2.3 O Teatrão

Dois anos após ter surgido a primeira companhia de teatro profissional em Coimbra,

nasce em 1994, O Teatrão – Companhia de Teatro para a Infância, no seio da mesma cidade e

com a mesma vertente profissional na criação teatral.

O nascimento desta companhia, apesar de 2 anos volvidos, é também fruto do evento

Coimbra Capital de Teatro de 1992. Esta iniciativa, dada a sua dimensão, abarcou diferentes

valências dentro da prática teatral, sendo uma delas, o teatro para infância. Manuel Guerra,

professor e encenador, também ele um antigo membro do TEUC, seria indicado como

responsável pela programação deste segmento, fruto da sua ligação ao teatro para a infância e

da proximidade que mantinha com professores e educadores de infância através do ensino da

unidade curricular de Expressão Dramática na Escola Superior de Educação de Coimbra. É

fruto deste trabalho que no ano de 1993, Manuel Guerra é abordado pelo Secretário de Estado

da Cultura, Pedro Santana Lopes, que o desafia para a criação e instalação na cidade de

Coimbra de uma companhia de teatro profissional, vocacionada para o teatro para a infância.

O Teatrão nasce assim com esta missão, a da encenação de peças voltadas para um

público infantil, trabalhando autores clássicos e contemporâneos ou mesmo criações próprias.

Com um público-alvo assumidamente infantil é natural assumirmos que além da criação, a

missão desta companhia envolva também uma componente pedagógica de educação para as

artes e criação de hábitos de ida ao teatro nas crianças, algo expresso nas suas encenações e

no projecto pedagógico que criam anos mais tarde: “O Teatro e a arte em geral têm uma

função de intervir na sociedade, de criar indivíduos activos, capazes de questionar o seu

mundo e de intervir sobre ele activamente. O Teatro tem a possibilidade de permitir ver o

mundo de forma diferente, de alargar horizontes. É em torno desta ideia que a actividade da

companhia se faz. Se todos os espectáculos d’ O Teatrão são produzidos tendo por base a

proposta de discussão em torno de alguma inquietação que nos move, enquanto cidadãos e

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artistas, o projecto pedagógico d’ O Teatrão nasce também deste contexto, sendo transversal a

todas as actividades promovidas pela companhia” (O Teatrão - Apresentação).

Aceite o desafio, O Teatrão apresenta a 22 de Junho de 1994, no Auditório do Instituto

Português do Desporto e da Juventude em Coimbra, a peça “Eles devem andar loucos”, da

autoria e encenação de Manuel Guerra, que se manteve em cena durante 56 sessões nas quais

participaram 5947 espectadores. Da equipa d’O Teatrão à data da sua fundação faziam parte

Manuel Guerra, Helena Faria, Nuno S. Silva, Pedro Tochas e Vítor Torres, colaborando

também neste período nomes como José Luís Ferreira, Susana Paiva, Margarida Mendes Silva

e Carlos Madeira e encenadores como Deolindo Pessoa e José Caldas (O Teatrão – Primeiros

Anos).

Além do passado ligado ao Teatro universitário, nomeadamente ao TEUC e do seu

nascimento ser impulsionado pela realização de Coimbra Capital do Teatro em 1992, ambas

as companhias partilham um factor que será determinante tanto na sua relação com o poder

local, como com o espaço urbano, os públicos e a cidade e que levará ao cruzamento das suas

histórias: ambas nascem sem um espaço definido para a concretização da sua actividade,

apresentando as suas encenações em espaços difusos pela cidade nos primeiros anos. A

procura activa de soluções por parte das companhias e do poder local, assim como a

intervenção estatal mudaria o rumo da história durante os anos seguintes.

2.4 Construção do Teatro da Cerca de São Bernardo

Fundada em 1992, A Escola da Noite, até ao ano de 1996 não encontra um espaço fixo

para a exposição das suas encenações. Durante este período realiza apresentações em espaços

diversos da cidade, como Teatro Avenida, o Edifício das Caldeiras, o Teatro Académico Gil

Vicente e o Cine-Teatro S. Teotónio. Porém, a companhia demonstrava ter outras ambições:

“Nós sempre quisemos, como companhia que queria ser uma companhia de Coimbra, estar no

centro da cidade, de preferência no coração da cidade. Quando aparecemos em 92 o panorama

era muito pobre em espaços e nós sabíamos disso” (Entrevista - António Augusto Barros a

03/12/2015). Conscientes das limitações que enfrentavam como companhia de teatro

profissional por não possuírem sede própria para o exercício das suas encenações, A Escola

da Noite torna-se um organismo activo na procura de soluções para este problema, explorando

vários espaços da cidade que não tendo as características necessárias para a prática teatral,

poderiam ser adaptados para a mesma. É nesta busca que, em 1995 encontram uma garagem,

localizada no Pátio da Inquisição, propriedade da Câmara Municipal de Coimbra que era

34

usada como espaço de arrumação. Esta garagem desperta o interesse da companhia, que com

as devidas obras, considera tornar a garagem o seu espaço de apresentação. Assim, em 1995,

3 anos depois do início da sua actividade profissional, A Escola da Noite firma um contrato

que prevê a cedência e utilização deste espaço assim como a atribuição, pela primeira vez

desde a sua existência, de um financiamento anual de apoio à sua actividade por parte da

Câmara Municipal de Coimbra. A 13º encenação da Escola da Noite “Amores” a partir da

“Tragicomédia D. Cristóbal” e de “O Retábulo de D. Cristobal” de Federico Garcia Lorca

com encenação de António Augusto Barros foi a primeira a ser estreada neste espaço.

O estabelecimento da companhia neste espaço foi um passo muito importante na sua

história e crescimento. Por um lado, situava o seu trabalho numa área central na vida da

cidade de Coimbra, o Pátio da Inquisição localizado na Baixa, zona de reconhecida

importância histórica e quotidiana, cumprindo um desejo expresso d’A Escola da Noite, o de

trabalhar com e para a cidade, partindo de uma posição central. Por outro, ao estabelecer-se, a

companhia cativava o seu público para um espaço específico e constante que a identificaria e

centralizaria o seu trabalho, tomando-o como referência cultural no espaço: “Criámos aqui um

movimento cultural no centro da cidade, com grande dinamismo, no Pátio da Inquisição que

não era o que é hoje, era um parque de estacionamento. Começaram a vir autocarros de

crianças, de escolas, pessoas de todo o lado, houve uma grande curiosidade com a primeira

companhia de Teatro profissional (…). Começamos a criar aqui a nossa linguagem, a nossa

diferença. Em determinada altura isso teve algum impacto e a Câmara decidiu também

renovar esta parte em particular da cidade” (Entrevista - António Augusto Barros a

03/12/2015).

A actividade desta companhia estaria também ligada a partir de 1996 à Cena Lusófona

– Associação Portuguesa para o Intercâmbio Cultural através da participação de alguns dos

seus membros na fundação e constituição da mesma como, por exemplo, António Augusto

Barros. Esta participação integraria A Escola da Noite num contexto internacional, mais

especificamente ligado à lusofonia, com as vertentes de criação e formação teatral com e para

os países lusófonos.

A garagem onde a companhia desenvolvia a sua actividade por possuir uma altura

insuficiente para o desenvolvimento da prática teatral e possuir uma estrutura degradada,

tornou-se insuficiente para continuar a albergar o dinamismo e as ambições d’A Escola da

Noite. Assim, a renovação que era necessária para esta área da cidade de Coimbra, era

também necessária para este espaço d’A Escola da Noite.

35

Desde o ano de 1997 que a Câmara Municipal de Coimbra tinha na sua posse um

projecto de renovação para o Pátio da Inquisição, concebido pelo Arquitecto João Mendes

Ribeiro, personalidade ligada A Escola da Noite através da concepção de várias cenografias

para a companhia. Este projecto previa “como estratégia da cidade a definição do pólo

cultural neste área, que inclui a reabilitação do edifício pré-existente, a construção de edifícios

de construção de raiz e a requalificação do espaço público.” (Entrevista - João Mendes

Ribeiro a 15/02/2016). As intenções desta concepção arquitectónica fazem dela o primeiro

passo para a requalificação urbana da Baixa e da Rua da Sofia. Este projecto ficaria parado na

Câmara Municipal, até 1999, ano que a visita de Manuel Maria Carrilho, Ministro da Cultura,

despoleta a assinatura de uma série de protocolos que serviriam como medidas de combate a

lacunas previamente identificadas na área cultural em Coimbra, como por exemplo, a

insuficiência estrutural das instalações d’A Escola da Noite e dos Encontros de Fotografia em

Coimbra que, por sua vez, viriam a impulsionar as obras de renovação do Pátio da Inquisição

para a instalação condigna destes dois organismos culturais. Além de criar instalações para

estes dois grupos e mais tarde para a Cena Lusófona, o projecto previa a edificação de uma

livraria de arte e de um café-concerto entre a zona do Pátio da Inquisição e da Cerca de São

Bernardo, assim como a saída gradual dos serviços camarários que estavam instalados nesta

zona, tornando-o num verdadeiro pólo cultural da cidade.

A assinatura do protocolo de construção de um novo teatro e de renovação do Pátio da

Inquisição previa a conclusão do Teatro da Cerca de São Bernardo para o ano de 2002, sendo

a obra fruto de um financiamento tripartido entre 3 entidades: a Câmara Municipal de

Coimbra, o Ministério da Cultura e o Ministério do Equipamento. A renovação desta zona

traria contudo um problema: para acontecer, a garagem onde A Escola da Noite levava a cabo

a sua actividade nos últimos anos teria de ser demolida, deixando a companhia novamente

desalojada e com um futuro incerto. Surge assim a necessidade de encontrar um espaço

provisório que pudesse alojar não só A Escola da Noite, mas também O Teatrão que também

não dispunha de condições dignas para a prática teatral, as quais abordaremos adiante.

A Escola da Noite, em conjunto com O Teatrão e de forma mais preponderante com a

Câmara Municipal na pessoa da vereadora da cultura Teresa Portugal, tomaram como

demanda a procura de novos espaços onde as companhias pudessem exercer a sua actividade,

por tempo provisório. Contudo, esta busca revela-se infrutífera e a solução encontrada passa

pela construção de um novo teatro, além daquele que estava a ser construído no Pátio da

Inquisição. Este com características diferentes seria de edificação rápida e simbolizaria o

cruzar da história das duas companhias de teatro profissional num mesmo espaço – A Oficina

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Municipal de Teatro, localizada no Vale das Flores. Este, tal como o Teatro da Cerca de São

Bernardo, seria um teatro municipal e, como tal, propriedade da Câmara Municipal de

Coimbra.

A Oficina Municipal de Teatro abriu porta no ano de 2002, ano em que inicialmente

estaria prevista a conclusão do Teatro da Cerca de São Bernardo, no Pátio da Inquisição. Este

espaço permitiu À Escola da Noite usufruir de um espaço provisório para as suas encenações

através da ocupação da Sala Grande, espaço este que constituía uma melhoria face à garagem

adaptada no Pátio da Inquisição. Como parte do compromisso estabelecido pela Câmara

Municipal, como entidade a quem pertencia este novo espaço, a’O Teatrão foram destinadas

duas salas e um escritório, sendo as suas apresentações feitas noutro edifício da cidade.

Os sucessivos atrasos, tanto na concepção de uma solução que permitisse a demolição

da garagem como no processo da obra em si, levaram a que a situação provisória d’A Escola

da Noite se elevasse de dois para seis anos, tendo o seu término em 2008 com a abertura do

Teatro da Cerca de São Bernardo.

A mudança d’A Escola da Noite da Oficina Municipal de Teatro para o Teatro da

Cerca de São Bernardo, apesar de só se concretizar em 2008, começou a ser negociada dois

anos antes em 2006. Com membros e trabalho amadurecidos e com um novo espaço, A

Escola da Noite não só regressa ao centro da cidade depois de seis anos numa área mais

periférica, mas também encara a possibilidade de crescer e extravasar o domínio da criação:

“Por um lado a questão central era mudarmo-nos para o centro da cidade, onde tínhamos

trabalhado e depois, era melhorar a possibilidade de sermos não só estrutura residente e de

criarmos os nossos próprios espectáculos, como podermos gerir o teatro e a sua programação”

(Entrevista - António Augusto Barros a 03/12/2015).

Face a esta situação, em 2006, a Câmara Municipal e A Escola da Noite encetaram

negociações com base em dois protocolos diferentes: Um protocolo de residência e um

protocolo de gestão do Teatro da Cerca de São Bernardo. A assinatura do protocolo de

residência não teve qualquer entrave por parte das duas entidades, uma vez que desde 1999,

com a decisão da construção deste edifício, que esta situação estava prevista. O protocolo de

gestão, contudo, não teve a mesma recepção. O diferendo, que desenvolveremos num ponto

adiante, prendeu-se fundamentalmente com a definição da responsabilidade da programação

do espaço: se esta ficaria entregue a A Escola da Noite ou ao pelouro da cultura da Câmara.

O acordo entre as partes acaba por ditar que esta responsabilidade ficaria a cargo d’A

Escola da Noite, assumindo-se o já director artístico e encenador da companhia, António

Augusto Barros, como programador cultural, desde a mudança em 2008 até à actualidade. O

37

facto de se tornar estrutura decisora no que concerne à programação cultural deste espaço

constitui o principal desafio que A Escola da Noite assume na mudança, sendo um passo

importante na sua evolução como entidade artística e de referência no panorama urbano da

cidade de Coimbra. O desafio pode ser ponderado pelos custos de manutenção que o novo

espaço acarreta, além da necessidade de angariar fundos para a oferta de uma programação de

qualidade, assim como o peso que constitui para uma equipa que anteriormente não tinha esta

tarefa em mãos, ocupando-se unicamente da produção dos seus espectáculos. A Escola da

Noite entra assim numa nova fase, em que além de companhia residente, acarreta também

responsabilidades de programação e dinamização de um espaço cultural. É neste contexto que

a actividade d’A Escola da Noite se desenvolve até à actualidade, mantendo uma

programação regular situada principalmente no Teatro da Cerca de São Bernardo.

2.5 Construção da Oficina Municipal de Teatro

A Oficina Municipal de Teatro, localizada no Vale das Flores, Coimbra, é um edifício

propriedade municipal, casa da companhia de Teatro profissional, O Teatrão.

Criada em 1994, só em 2002, é que O Teatrão vê a construção de um espaço

tipologicamente adequado para a encenação teatral destinado para a sua actividade e, só em

2008, é que o ocupa plenamente. A indefinição quando à ocupação de um espaço cultural leva

a que até 2003, a actividade d’O Teatrão aconteça por vários espaços da cidade, sendo os mais

frequentes o auditório do Instituto Português do Desporto e da Juventude e, posteriormente, o

Cine-Teatro são Teotónio.

Em 1999, com a assinatura do protocolo para a construção do Teatro da Cerca de São

Bernardo, há a constatação de que A Escola da Noite teria de se retirar da garagem ocupada

neste espaço para dar início às obras. Neste processo, tanto a Câmara como a companhia

encetam uma busca entre alguns edifícios na cidade, que se revela infrutífera. Assim, A

Escola da Noite, O Teatrão e a Câmara Municipal de Coimbra chegam a um compromisso

que estipula a construção da Oficina Municipal de Teatro, que albergaria numa primeira fase,

A Escola da Noite na Sala Grande e a O Teatrão na sala de ensaios e em dois escritórios para

a execução de tarefas administrativas.

A urgência de construção desta estrutura, dado que Coimbra possuía duas companhias

de Teatro despojadas de espaços condignos para a sua actividade e se preparava para receber

um evento cultural de dimensão nacional intitulado Coimbra Capital Nacional da Cultura,

fazia com que a Oficina Municipal de Teatro tivesse de ser edificada num curto espaço de

38

tempo, e como tal, seria estruturalmente diferente do Teatro da Cerca de São Bernardo que

tinha um prazo de construção à data da sua idealização de 3 anos. Com este estado de

urgência em mente, A Escola da Noite sugeriu que se contactasse o Engenheiro João Aides,

que tinha sido o responsável pelo projecto do Teatro Experimental de Aveiro, um edifício que

poderia ser um modelo para aquele que se pretendia edificar em Coimbra, dado o período de

curta duração da sua construção. Depois deste contacto, ficou definido que o projecto da

Oficina Municipal de Teatro teria características semelhantes ao Teatro Experimental de

Aveiro. O projecto foi entregue aos arquitectos Gonçalo Louro e a Cláudia Santos que

optaram pela edificação de um pavilhão industrial com adaptações acústicas promovendo

assim a rapidez da construção que ficou concluída no mesmo ano da sua projecção, 2002.

Face à necessidade de estacionamento que o espaço tinha e dado que as condições da sua

construção levavam à utilização de materiais que não se adequavam à estética urbana do

centro de Coimbra, a Câmara Municipal de Coimbra definiu que este edifício ocuparia um

terreno situado no Vale das Flores, uma zona periférica da cidade.

A construção da Oficina Municipal de Teatro constitui uma viragem na história d’O

Teatrão. Com a conclusão deste espaço cultural, A Escola da Noite instala a sua actividade e

as suas apresentações na Sala Grande e O Teatrão instala os serviços administrativos em dois

escritório e na sala de ensaios, onde inicia o seu projecto pedagógico das Classes de Teatro. O

crescimento da companhia está também espelhado no alargamento do público para o qual as

suas criações se destinavam, passando o seu trabalho a direccionar-se de forma gradual para

outras audiências, nomeadamente a infanto-juvenil, em 2002, com “Xmas Qd Kiseres” de

Jorge Louraço Ferreira com encenação de António Mercado e Manuel Guerra, e por

conseguinte o público adulto em 2004 com “Passagem” com encenação de António Mercado.

Em 2003, sendo Coimbra Capital Nacional da Cultura e uma vez que a Oficina

Municipal de Teatro não dispunha de outra sala de espectáculos a não ser a Sala Grande

ocupada pel’A Escola da Noite, O Teatrão realoja a actividade no Museu dos Transportes.

Este espaço revelar-se-á de extrema importância para O Teatrão, uma vez que é nele que esta

companhia exerce pela primeira vez as funções de programação, além das de criação artística.

Localizado na Rua da Alegria, elo de ligação entre a Baixa e a Universidade, o Museu dos

Transportes localizava-se numa zona mais central da cidade e nele O Teatrão cresceu, tanto

em termos artísticos como na relevância e reconhecimento que a sua actividade traria para a

cidade.

A responsabilidade acrescida não se revelou tarefa fácil, como é notado por Isabel

Craveiro, actual Directora Artística d’O Teatrão, que na época dividia o seu trabalho entre a

39

produção e a apresentação de peças como actriz da companhia: “Houve imensas mudanças

porque do ponto de vista estrutural é muito diferente tu teres uma estrutura que apenas

produz, que administra uma equipa que se junta para fazer uma produção ou teres uma

estrutura fixa que de repente se alarga, e que está preocupada não apenas com a sua própria

criação, mas com inúmeros problemas administrativos, financeiros, de gestão que envolvem a

programação de um espaço. E depois obviamente, os grandes ganhos artísticos que isso traz,

porque eu entro em contacto com uma data de criadores depois obrigam-te também a um

exercício muito forte de pensar como é que se faz a comunicação, como é que se pensa no

público, espectáculos, com que criadores é preciso ir falar ou não, quem é que nós escolhemos

para trazer … isso tudo é muito empolgante e foi muito interessante na altura nós fazermos”

(Entrevista - Isabel Craveiro a 27/11/2015).

Com a actividade constante e de qualidade reconhecida pela comunidade coimbrã que

criaram no Museu dos Transportes, O Teatrão além de dinamizar um espaço que não era

visitado anteriormente, conseguiu também neste período alargar as suas produções, os seus

membros e colaboradores e também os seus públicos. O resultado positivo alcançado pela

companhia com as actividades de criação e programação no Museu dos Transportes, fez com

que em 2008 com a ocupação definitiva da Oficina Municipal de Teatro, apos a saída d’A

Escola da Noite, fossem atribuídas à companhia pela Câmara Municipal de Coimbra essas

mesmas competências em relação a este espaço. Ao contrário d’A Escola da Noite, que

enfrentava o desafio de num novo espaço, definitivo, começar a ser também responsável pela

programação, para O Teatrão a mudança mais preponderante que um espaço definitivo trouxe

foi o da periferia do mesmo no contexto da cidade de Coimbra. Este espaço e a sua ligação,

como nos diz Isabel Craveiro, constituem um desafio para a actividade da companhia até ao

momento presente: “Esta zona da cidade é uma zona sem hábitos de espaços culturais.

Tirando ali o centro recreativo do Norton de Matos não há (…) propriamente uma tradição

porque é uma zona relativamente nova, é uma zona de expansão e na verdade tem sido

bastante difícil que as pessoas que vivem aqui à volta se relacionem com a programação d’O

Teatrão” (Entrevista - Isabel Craveiro a 27/11/2015).

A construção da Oficina Municipal de Teatro, apesar de trazer melhores condições

para O Teatrão, trouxe também devido à sua localização novos estímulos, nomeadamente em

relação ao público. O trabalho constante da companhia tem vindo a actuar no contexto

espacial do Vale das Flores e urbano na cidade de Coimbra no sentido de esbater essa

periferia.

40

2.6 A Câmara Municipal de Coimbra e a sua Relação com o Teatro Profissional

O período que decorre entre a criação das companhias profissionais de teatro sob as

quais nos termos debruçado e a actualidade, envolve, no contexto político autárquico da

cidade de Coimbra, um conjunto de 4 executivos camarários que assumiram funções ao longo

deste período e que nesse exercício contactaram com as companhias e com a cultura,

assumindo sensibilidades diferentes.

A criação d’A Escola da Noite e d’O Teatrão, em 1992 e 1994, respectivamente,

ocorrem durante o primeiro mandato de Manuel Machado que se inicia em 1989. Durante este

primeiro mandato, o executivo de Manuel Machado depara-se com o facto

da autarquia estar mergulhada numa dívida, o que não permitiria que o potencial governativo

se pudesse exercer ao máximo. Este facto, como referiu Teresa Portugal, vereadora da cultura

deste executivo, limitou os intentos da Câmara Municipal em várias áreas, entre as quais a

cultura não foi excepção. Contudo, não era só o factor financeiro que tinha limitado até à

época a intervenção autárquica na cultura, sendo complementado com a falta de visão e

dinamismo de que o poder local padecia perante este sector, faltando os incentivos ao seu

crescimento e fruição.

O executivo de Manuel Machado constitui uma mudança, ainda que subtil, no que era

a relação do poder local com a cultura. Com Teresa Portugal como vereadora, após ver o

mandato renovado e as contas regularizadas, o pelouro da Cultura apoiou variados agentes

culturais de Coimbra e elaborou um plano estratégico no que diz respeito à sua acção perante

este sector. A Câmara Municipal de Coimbra começou a tomar como sua a responsabilidade

da oferta cultural da cidade, não se centrando apenas nos apoios, mas também intervindo

como promotora de actividades culturais.

O crescimento que descrevemos anteriormente da actividade teatral em Coimbra foi

assim acompanhado por uma maturação da parte do poder local na sua relação com a cultura e

com os agentes culturais, embora com algumas condicionantes face aos problemas financeiros

que enfrentou, condicionantes essas que são reflectidas na falta de apoio de que A Escola da

Noite padeceu nos seus primeiros 3 anos de existência.

Uma vez que Manuel Machado esteve à frente dos desígnios da autarquia da cidade de

Coimbra até ao ano de 2001, foi sua a responsabilidade de em 1999 receber em Coimbra a

visita do então Ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho e de, nesta visita, assinar o

protocolo que previa a construção de um novo teatro no Pátio da Inquisição e, assim, resgatar

e encetar o projecto para a reconstrução desta área e a sua transformação num pólo cultural.

41

Como já referimos anteriormente, estas obras exigiam um realojamento d’A Escola da Noite,

pelo que a companhia em conjunto com a Câmara Municipal partiram em busca de espaços

disponíveis temporariamente para a relocalização da companhia. Teresa Portugal, vereadora

da cultura, revelou que se “empenhou activamente” nesta busca, e não só em realojar A

Escola da Noite mas também dar melhores condições a’O Teatrão (Entrevista - Teresa

Portugal a 05/03/2016). Após estabelecer diálogo com as duas companhias, e face às

necessidades espaciais de que a cidade padecia no que dizia respeito a equipamentos culturais,

fica alinhada a construção da Oficina Municipal de Teatro como referimos anteriormente, não

só para servir os interesses imediatos d’A Escola da Noite, mas também para acolher as

actividades da eleição de Coimbra como Capital Nacional da Cultura para o ano de 2003.

A continuidade destes projectos e desta visão é posta em causa quando em 2001,

ocorre um novo processo eleitoral autárquico, que tem como principais oponentes Manuel

Machado e Carlos Encarnação. O primeiro sai derrotado, tomando assim posse um novo

executivo que tem Mário Nunes como vereador da Cultura. Neste período de transição é

abandonada a concretização plena do projecto que tornaria o Pátio da Inquisição um pólo

cultural da cidade de Coimbra. Actualmente neste espaço, que foi melhorado, situam-se o

Teatro da Cerca de São Bernardo, o Centro de Artes Visuais, a Cena Lusófona e a Mercearia

da Arte. Contudo o projecto previa a construção de um café-concerto e de uma livraria

cultural e, sobretudo, previa também a retirada dos serviços camarários instalados nesta área,

o que não se concretizou na opinião do arquitecto João Mendes Ribeiro, responsável pelo

projecto pela “falta de interesse da Câmara Municipal de Coimbra” (Entrevista - João Mendes

Ribeiro a 15/02/2016).

Um ano depois da tomada de posse deste novo executivo municipal, acontece em 2003

um grande evento de dimensão nacional – Coimbra é nesse ano a Capital Nacional da Cultura.

Como é sabido, as companhias teatrais profissionais da cidade ainda ocupavam os seus

espaços transitórios na Oficina Municipal de Teatro e no Museu dos Transportes pelo que foi

nestes que desenvolveram as suas actividades no âmbito deste evento. A classe cultural

coimbrã foi muito crítica na forma como este evento foi gerido dado que a eleição de Coimbra

Capital Nacional da Cultura foi anunciada apenas um ano antes da sua realização assim como

a equipa responsável pela sua execução. Este facto era encarado como prejudicial para o

sucesso do evento, uma vez que daria às entidades culturais pouco tempo de preparação para

um acontecimento desta dimensão. Apesar de Coimbra Capital Nacional da Cultura ter

decorrido dentro da normalidade, anos após o seu término, a marca que um evento desta

dimensão deixa na sociedade, nos agentes culturais e na paisagem é pouco expressiva para um

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evento desta dimensão revelando assim o pouco sucesso, justificado pela Câmara Municipal

com a insuficiência de financiamento que esta actividade padeceu.

Ultrapassado o período da Capital Nacional da Cultura, o executivo de Carlos

Encarnação teve de gerir a situação que os sucessivos atrasos na construção do Teatro da

Cerca de São Bernardo causaram e as consequências que estes trouxeram para as actividades

das companhias que ficaram apreensivas pela situação transitória que parecia ser cada vez

mais permanente.

Nesta conjuntura, as relações entre o poder local e as companhias mantiveram-se

relativamente estáveis até ao ano de 2006, altura em que surgem os primeiros sinais de

crispação entre A Escola da Noite e a autarquia. No primeiro trimestre deste ano A Escola da

Noite enfrentava uma situação complicada a nível financeiro, colocando em causa a

continuidade da sua actividade. Esta precariedade financeira teria sido promovida pelo atraso

no pagamento do subsídio de 2005 por parte da Câmara Municipal de Coimbra no valor de 75

mil euros.

Avolumando esta problemática, o executivo camarário anunciou também um corte nos

apoios à companhia para o ano de 2006, apoiado nos problemas orçamentais que a autarquia

atravessava. O mau estar entre a companhia e a autarquia foi exacerbado pelas declarações do

vereador da Cultura, Mário Nunes, que perante a comunicação social apelidou de “protocolos

gravosos” os que ligavam a Câmara Municipal de Coimbra à Escola da Noite e ao TAGV e a

actividade desta companhia como “lesiva do interesse do município” (Fonseca, 2006:34).

A interferência que esta conjuntura teve na actividade criativa d’A Escola da Noite

pode ser constatada não só pelas declarações da mesma anunciando cortes na programação e

pelo endereço de uma carta ao executivo camarário na qual descreviam um “estrangulamento

financeiro sem precedentes” (Fonseca, 2006:34), mas também através da própria divulgação

para o espectáculo em cena durante este período. Assim, o cartaz de “Profundo” apresentava

as “desculpas” d’A Escola da Noite ao Dr. Mário Nunes pelos “prejuízos” que a actividade da

companhia tinha causado ao município.

Com o mau estar vivido entre A Escola da Noite e o poder local exposto em haste

pública nos meios de comunicação social locais e nacionais, a opinião pública toma uma

posição e gera-se uma comoção local expressa na elaboração de um manifesto intitulado

“Saneamento Básico da Cultura” por um grupo de cidadãos reunidos sobre o nome de

“ProUrbe” em que expressavam: “Recusamo-nos a pactuar, com o nosso silêncio, com a

humilhação destes e de todos os agentes que têm prestado um serviço público na cidade de

Coimbra. Os profissionais da cultura não a merecem, mas, acima de tudo, a cidade não

43

merece ser exposta ao ridículo desta forma. Exige-se da Câmara Municipal, e do seu

Presidente, que esteja à altura das responsabilidades e das legítimas aspirações de uma cidade

que pode e deve afirmar-se regional, nacional e internacionalmente, pela cultura e pelo

conhecimento” (PróUrbe - Sanear). Entre os signatários que constituíam este grupo de

cidadãos podemos encontrar o nome de várias figuras ilustres da cena cultural e política da

cidade, em particular, a já mencionada e ex-vereadora da cultura Teresa Portugal. No seu

entender e como conhecedora do contexto, Teresa Portugal, considera que o mandato de

Mário Nunes foi danoso para o trabalho que se tinha vindo a desenvolver, em parte

potenciado pela “visão provinciana” que este tinha do sector cultural, o que fez com que a

riqueza etnográfica da área rural circundante de Coimbra fosse equiparada às actividades

culturais que se desenvolviam no espaço urbano, não no sentido do seu valor artístico mas

expressando-se na dotação financeira atribuída e no patrocínio do seu exercício e da sua

mostra na área urbana (Entrevista - Teresa Portugal a 05/03/2016). É de destacar que o

depoimento desta ex-veradora da cultura face a esta situação foca-se na acção de Mário Nunes

pois sendo Teresa Portugal a antecessora de Mário Nunes é esta a posição que esta se

encontra mais capacitada para julgar. Contudo, o manifesto de que é signatária faz uma crítica

à actuação global da Câmara Municipal de Coimbra.

É debaixo deste período de consternação e tendo como protagonistas os actores que

temos vindo a referenciar nas disputas anteriores, que no ano de 2006 começam a ser

negociados os protocolos de residência e de gestão do Teatro da Cerca de São Bernardo.

O protocolo de residência foi assinado sem qualquer problema por ambas as partes

uma vez que em 1999, aquando a celebração do protocolo da construção do Teatro da Cerca

de São Bernardo foi desde logo acordado que a sua edificação seria para colmatar a falta de

condições de que A Escola da Noite padecia. As possibilidades que este novo espaço oferecia

e o investimento feito justificavam que a actividade neste fosse constante e não se limitasse às

encenações d’A Escola da Noite.

Para assegurar e responsabilizar uma entidade por esta acção de programação seria

necessário a assinatura de um protocolo de gestão o que se revelou um processo mais

complicado e que veio a encetar mais uma divergência entre A Escola da Noite e a autarquia.

O diferendo nasce da vontade da Câmara Municipal de Coimbra em querer assumir os

desígnios da programação do espaço através do pelouro da cultura, mas dispondo para este

efeito dos serviços e do pessoal d’A Escola da Noite. Além disso, discutia-se também o facto

de a Câmara Municipal de Coimbra querer proceder à instalação de alguns funcionários num

44

gabinete do Teatro da Cerca de São Bernardo em que A Escola da Noite queria instalar os

seus serviços administrativos.

Contrariando a posição camarária, A Escola da Noite apresenta uma proposta de

gestão do espaço sustentada na premissa de que “A Escola da Noite é detentora de experiência

profissional, conhecimentos, recursos técnico e humanos e que dispõe a colocá-los ao serviço

da gestão do Teatro da Cerca de São Bernardo e que essa situação é vantajosa do ponto de

vista artístico – pela construção de uma identidade programática-, na formação de públicos e

no trabalho com o público escolar;” (A Escola da Noite – Protocolo de Gestão Do Teatro da

Cerca de São Bernardo)

Com a celebração deste protocolo a nível de programação A Escola da Noite

compromete-se que a mesma obedeça a critérios de qualidade e exigência artística,

nomeadamente:

“a) Equilíbrio entre diferentes formas de expressão artística;

b) Equilíbrio entre diferentes segmentos de público-alvo;

c) Estratégias de comunicação, publicidade e captação e fidelização de públicos;

d)Uma adequada articulação entre as produções próprias e as iniciativas exteriores que

venham a ser acolhidas;

e)Uma adequada e rigorosa gestão de orçamento para a programação que venha a ser definido

em função dos recursos captados” (A Escola da Noite – Protocolo de Gestão Do Teatro da

Cerca de São Bernardo)

A Escola da Noite, com a celebração deste protocolo, assumiria também a gestão

administrativa do Teatro, que contempla os recursos humanos e a celebração de contractos e

também os domínios da produção, comunicação e marketing além da já assegurada residência

e consequente criação. “Propusemo-nos, nomeadamente, a assumir as funções de gestão e

programação do Teatro, para além do papel que nos está reservado enquanto companhia

residente. Mantemos essa disponibilidade e esse interesse, na certeza de que esta solução é a

que melhor garante a criação de uma identidade artística e de uma coerência programática

para este equipamento e aquela que, além disso, é a mais rentável do ponto de vista

económico (porque permite optimizar recursos humanos e financeiros)” (A Escola da Noite –

Posições Públicas – O Ponto da Situação).

É nestes termos que a proposta de gestão é aceite pela Câmara Municipal de Coimbra

e é sob estes moldes que se exerce a ocupação definitiva em 2008 pel’A Escola da Noite do

Teatro da Cerca de São Bernardo. Com a retirada desta companhia da Oficina Municipal de

Teatro, abria-se espaço para a ocupação plena deste por parte d’O Teatrão, e foi nesta

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instância que esta companhia também negociou com a Câmara Municipal a assinatura de

protocolos de residência e gestão. Neste caso, a assinatura dos protocolos decorreu sem

problemas e O Teatrão assegurou a residência e a programação do espaço, o que espelha a

postura adoptada tanto pela Câmara que não colocou obstáculos a que estas actividades

fossem exercidas plenamente pela equipa d’O Teatrão, como por parte da companhia que vê

como essencial a manutenção de uma boa relação com a autarquia: “A relação com o poder

local é boa, sempre foi e isso tem que ser. Vou passar a explicar, acho que quem mexe com

dinheiro público tem que ter várias capacidades. Tem que ter a capacidade de perceber que

está a mexer com dinheiro que não é deles e que nós estamos a fazer um serviço público para

as pessoas. Isso é uma grande responsabilidade para nós, mas também é uma grande

responsabilidade de quem nos dá o dinheiro, certo? Então, nós e Câmara Municipal que

financia O Teatrão partilhamos uma responsabilidade grande que é a de criar um serviço para

dar aos cidadãos desta cidade. E portanto, independentemente de nós pensarmos de maneiras

diferentes, essa responsabilidade obriga-nos a termos que trabalhar juntos” (Entrevista - Isabel

Craveiro a 27/11/2015).

Com a ocupação dos novos espaços pelas respectivas companhias e a mudança de

executivo que leva à saída de cena de Mário Nunes, as relações entre a autarquia e as

companhias melhoram e conduzem-nos até à situação actual.

Entre este período, o poder local ainda passa um período de instabilidade provocado

pela demissão de Carlos Encarnação, abandonando o seu terceiro mandato um ano após a sua

eleição motivado pela discórdia com as decisões do governo que havia cancelado a obra do

Metro Mondego, tomando o seu lugar o então vice-presidente João Paulo Barbosa de Melo.

Em 2013, há um novo período de eleições autárquicas que marca o regresso de Manuel

Machado à presidência da Câmara Municipal de Coimbra.

Actualmente o Presidente da Camara de Coimbra mantem-se Manuel Machado, e a

sua vereadora da Cultura é Carina Gomes. Esta, além de caracterizar como positiva a relação

que a autarquia mantem com ambas as companhias, vê desta forma a responsabilidade do

poder local para com os equipamentos de que é detentor e onde estão instaladas estas

estruturas: “Como proprietária desses teatros, a Câmara Municipal de Coimbra tem,

naturalmente, o dever de zelar pela sua boa utilização e abertura a públicos diversos,

garantindo que as estruturas que os gerem o fazem da melhor forma possível. Assim, a CMC

apoia a sua actividade e incentiva uma programação de qualidade, adequada ao espaço e à

dimensão da cidade, mantendo-se atenta e disponível para colaborar em todos os programas

que constituam uma mais-valia para a dinâmica cultural da cidade. Por outro lado, incentiva

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as companhias residentes a melhorar o seu plano de comunicação e divulgação, no sentido de

levar mais público aos seus espectáculos” (Entrevista - Carina Gomes a 02/02/2016).

A acção positiva da autarquia pode ser atestada, por exemplo, na intervenção com um

apoio reforçado a nível financeiro a’O Teatrão, após um duro corte no financiamento que este

auferia por parte da Direcção Geral das Artes. Contudo a actuação da Câmara Municipal

ainda continua a revelar algumas debilidades do ponto de vista dos agentes culturais,

nomeadamente no que diz respeito à falta de um plano estratégico para a cultura e da

concertação e diálogo que isso traria para os mesmos e para optimização dos recursos que esta

dispõe, sendo este um dos problemas indicados por Teresa Portugal na sua entrevista. A acção

da Câmara Municipal também poderia potenciar a relação da cultura com outros domínios de

acção municipal como a requalificação urbana e coesão e integração social, factores que

discutiremos adiante.

3 O Programador Cultural no Contexto Teatral: Os Casos d’A Escola da Noite e d’O Teatrão

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A Escola da Noite e O Teatrão são estruturas que ao longo da sua história sofreram

mudanças significativas no que diz respeito à sua relação com o espaço e infraestruturas que

ocupam, como pudemos observar no capítulo anterior.

Neste capítulo iremos debruçar-nos sobre a actividade destas companhias nos espaços

que ocupam actualmente, atribuindo um enfoque especial à figura do programador. Para

podermos tomar estas companhias como instrumentos de análise, é caro à antropologia que se

exerça um exercício de delimitação, tanto dos actores que integram estas instituições assim

como do alcance das suas actividades.

Tomamos como definição analítica para estas estruturas o conceito de “mundos da

arte” descrito por Becker em 1982 no seu livro Art Worlds e cuja definição é: “Art worlds

consist of all the people whose activities are necessary to the production of the characteristic

works which that world, and perhaps others as well, define as art. Members of art worlds

coordinate the activities by which work is produced by referring to a body of conventional

understanding embodied in common practice and in frequently used artifacts. The same

people often cooperate repeatedly, even routinely, in similar ways to produce similar works,

so that we can think of an art world as an established network of cooperative links among

participants” (Becker, 1982:34).

Estes “mundos da arte”, assim definidos, não têm fronteiras e tomam a configuração

de redes que ligam os seus intervenientes durante a concretização de um projecto artístico

sobre o qual cooperam, cessando-se ou reconfigurando-se com o seu término. Definir a

identidade dos intervenientes dos “mundos da arte” d’A Escola da Noite e d’O Teatrão

afigura-se como uma tarefa simples, uma vez que são as próprias companhias que os

identificam num exercício da atribuição de autoria dos trabalhos que estes indivíduos

constroem em cooperação. Pela extensão que estes mundos da arte podem tomar haverá

profissionais que não estarão referenciados dado que a sua influência, ainda que presente no

resultado final, não contribui de forma directa para a construção deste, mas sim, para a

construção de componentes que virão a intervir no projecto.

Assim, podemos observar que ambas as companhias possuem uma organização mais

ou menos semelhante sendo constituídas por uma equipa artística, uma equipa técnica e uma

equipa administrativa. Apesar de serem profissionais com competências diferentes todos

integram o mesmo mundo da arte da instituição onde se inserem pois a sua acção é

indispensável no projecto de cooperação que é gerir e ocupar os edifícios pelos quais são

responsáveis, pelo que além da criação consideramos que, pela sua complexidade, a

actividade de programação também está embebida de uma vertente artística pelo exercício de

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procura de coerência e narrativa a que obriga. Esta vertente artística da actividade de

programação encontra-se aberta a discussão, sendo que “na perspectiva de alguns

profissionais e analistas da área [pode ser] equiparado a uma obra, pela pessoal conjugação de

descobertas e escolhas (assumpção de risco) que comporta” (Gomes et al., 2006:122). Em

todo o caso, consideramos esta perspectiva como aquela a adoptar para a prosseguição dos

nossos intentos.

É então de notar que, a nível artístico ambas as companhias possuem um director

artístico e actores, sendo que A Escola da Noite lista ainda um cenógrafo e uma figurinista.

Neste domínio, O Teatrão identifica um dramaturgo como integrante da sua equipa artística.

No seio da equipa técnica ambas as companhias são semelhantes enunciando profissionais

diferenciados responsáveis pelo som, pela iluminação e pela fotografia. Finalmente a nível

administrativo ambas as companhias registam a presença de um administrador e de um

responsável pela contabilidade, apresentando A Escola da Noite uma responsável pela

imagem gráfica e O Teatrão responsáveis pela gestão cultural e financeira, comunicação e

assessoria de imprensa e pela produção executiva (A Escola da Noite – Equipa Actual e O

Teatrão – Equipa).

Decorrente da especificidade do trabalho que desenvolvem, albergando classes de

teatro para todas as idades e pelo percurso voltado para a infância o qual ainda se mantem

expresso na importância que atribui à educação pelas artes, O Teatrão possui ainda um

conjunto de pedagogos e uma responsável pela coordenação pedagógica, sendo que a maioria

destes pedagogos não desempenham esta função exclusivamente, aliando-a à actividade de

actores da companhia.

No entanto, retirando esta situação, decorrente da actividade diferenciadora que a

companhia leva a cabo, podemos atestar que existe uma similaridade na forma como as

companhias se organizam, definindo assim cargos idênticos dentro da sua estrutura. Estas

semelhanças não podem ser tomadas como um acaso, tratando-se portanto de uma das muitas

convenções por que se regem os mundos da arte.

Este sistema de convenções que impera nos mundos da arte é introduzido por Becker

quando se refere à utilidade das mesmas na concretização de um projecto: “People who

cooperate to produce a work of art usually do not decide things in afresh. Instead, they rely on

early agreements that have become part of the conventional way of doing things in that

art”(Becker, 1982:29). Assim, “the possibility of artistic experience arises from the existence

of a body of conventions that artists and audiences can refer to in the making sense of the

work” (Becker, 1982:29).

49

Face ao que referirmos anteriormente, se tomarmos as companhias O Teatrão e A

Escola da Noite como mundos da arte, onde os seus actores cooperam na concretização do

projecto de criação artística e programação para os espaços da Oficina Municipal de Teatro e

do Teatro da Cerca de São Bernardo através da utilização de convenções que podem justificar

a organização semelhante que as suas estruturas adoptam, estaremos perante o nosso objecto

de análise.

Com um sistema de convenções em marcha, podemos questionar-nos como é feita a

integração de novos elementos nestes mundos da arte, dado que não possuem conhecimento

sobre as convenções da mesma. Esta situação pode ser explicada através do depoimento de

Ricardo Correia, ex-actor d’A Escola da Noite que colaborou com a companhia entre 2002 e

2006, quando descreve a sua experiência inicial neste processo: “Na altura veio muita gente,

era para aumentar o elenco d’A Escola da Noite para 6 ou 7 actores, acho eu. Então entrámos

6 pessoas, todas recém-licenciadas ou que estavam a começar o trabalho profissional. Mas foi

assim um casting muito engraçado, foi muito bem feito, era como se fosse uma espécie de

workshop onde eles davam a conhecer o trabalho deles e também nos integravam em

propostas” (Entrevista a Ricardo Correia em 11/03/2016).

Este workshop, como é descrito, pode ser visto, à luz da exposição que temos vindo a

fazer sobre os mundos da arte, como uma forma de integrar os novos profissionais nas

convenções da companhia e no trabalho que esta desempenha.

Os projectos que estas companhias desenvolvem são o que marca, de facto, a sua

identidade enquanto instituição artística. Isto porque, apesar das convenções, estas só se

expressam na forma de concretização destes projectos como elementos facilitadores, não

actuando sobre o conteúdo artístico dos mesmos.

Uma breve consulta ao reportório de encenações que estas duas companhias levaram a

cabo, indica que as temáticas e autores abordados são muito variados, mas que os elementos

constantes que se verificam advêm de gostos pessoais dos programadores/directores

artísticos/fundadores das mesmas. Passamos a ilustrar esta afirmação com os exemplos d’A

Escola da Noite e d’O Teatrão.

No que concerne a‘O Teatrão, verifica-se a existência de um reportório voltado para o

teatro de infância dada a exclusividade que a companhia oferecia a produções voltadas para

este público. Embora as encenações desta companhia já contemplem um público mais adulto,

esta vertente do teatro infantil ainda se encontra patente no projecto pedagógico que levam a

cabo e no discurso dos próprios quando caracterizam o seu papel e as suas acções.

50

A vocação da companhia para o teatro infantil foi definida no momento da sua

fundação, quando em 1993 o Secretário de Estado da Cultura, Pedro Santana Lopes, aborda

Manuel Guerra, responsável pela programação de teatro para a infância no evento “Coimbra

Capital do Teatro” de 1992 para a criação de uma companhia de Teatro profissional voltada

para o público infantil. Assim, esta companhia adopta a vocação de um dos seus fundadores

tomando como componente da sua identidade e missão a criação de espectáculos para a

infância.

Apesar de actualmente Manuel Guerra já não fazer parte da equipa d’O Teatrão e de a

companhia já integrar encenações para públicos adultos na sua criação e programação, a

atenção ao público infantil não deixa de estar patente nos trabalhos da companhia através do

projecto pedagógico. Este projecto leva a cabo actividades que em articulação com a

programação d’O Teatrão permitem à companhia “desenvolver e refletir sobre a actividade

criativa, criando pontes e construindo redes de sentidos entre as várias actividades bem como

acentuar a tónica na componente formativa no âmbito das experiências artísticas” (O Teatrão

– Projecto Pedagógico). Este projecto pedagógico, além de conter em si workshops e

actividades pontuais de férias, tem como principal montra da sua expressão as Classes de

Teatro. Estas, iniciadas também sob a orientação de Manuel Guerra aquando a ocupação da

sala de ensaios da Oficina Municipal de Teatro, são a grande actividade deste projecto

pedagógico, tanto pela sua duração como pelo número de participantes que cativam. As

classes dividem-se por 4 escalões e cada escalão tem uma classe de iniciação e uma de

continuação. Adiante pretendemos discutir a relevância que esta vertente pode ter para a

companhia e para a cidade. A menção deste facto neste capítulo pretende demonstrar a

importância que a actividade do programador exerceu na definição da identidade da

companhia e de actividades que tomaram e que actualmente ainda tomam forma no seio desta.

A ligação à infância está ainda patente na existência da modalidade do “Bilhete Família” que

oferece descontos como incentivo para que as famílias frequentem o teatro, muitas vezes

famílias com membros menores.

A Escola da Noite, à semelhança d’O Teatrão, também possui características na sua

identidade artística enquanto companhia decorrentes de processos levados a cabo pelo seu

director artístico/programador. Se nos debruçarmos sobre as encenações que esta companhia

levou a palco durante estes 25 anos de actividade, encontramos uma particular incidência por

textos da autoria de Gil Vicente. Esta vontade em desenvolver este autor é algo que nas

palavras de António Augusto Barros está patente desde a formação da companhia:

“Queríamos fazer Gil Vicente de uma outra maneira. E portanto começamos também, a curto

51

prazo, logo no início, a fazer uma abordagem a Gil Vicente que depois fomos, tocamos

sempre desde o momento da fundação até aos nossos dias” (Entrevista António Augusto

Barros a 03/12/2015).

Além da ligação a Gil Vicente, é também patente na história d’A Escola da Noite a

ligação aos países lusófonos da qual nascerá uma instituição a que actualmente se encontram

vinculados de seu nome “Cena Lusófona – Associação Portuguesa Para o Intercâmbio

Cultural”. A Cena Lusófona foi criada em 1995 com sede na cidade de Coimbra. As suas

actividades passaram pela realização de um festival de teatro rotativo pelos vários países de

língua portuguesa, a inventariação de espaços para a prática teatral nestes países, a

constituição de um centro de Documentação e Informação, a publicação de uma revista

especializada e de uma colecção de dramaturgia de língua portuguesa e a organização de um

estágio internacional de actores lusófonos que inclui três acções de formação que culminam

numa co-produção internacional. Desde 2015 que esta associação ocupa a Ala Central do

Colégio Das Artes no Pátio da Inquisição.

A Escola da Noite e o Teatro da Cerca de São Bernardo são elementos constituintes

desta associação e participam destas actividades. António Augusto Barros acumula funções de

director artístico da companhia e de presidente desta associação e explica-nos como é que esta

relação foi desenvolvida: “Eu sempre tive uma atenção especial em relação a África e a outras

culturas, interessava-me muito a pesquisa sobre rituais, rituais iniciáticos, festas várias que se

realizavam nas várias culturas em presença na CPLP (Comunidade de Países de Língua

Portuguesa), gostava muito de conhecer um pouco isso, investigar um pouco isso e trabalhar

com gente de lá. Sempre me interessou muito, fiz viagens a África mesmo antes de se

constituir A Escola da Noite e em determinada altura nós tivemos, enquanto A Escola da

Noite, um convite da Fundação Gulbenkian para levar justamente Gil Vicente à Guiné Bissau.

E nós fomos, levámos o Auto da Índia à Guiné Bissau, o que constituiu lá um grande êxito”

(Entrevista - António Augusto Barros a 03/12/2015).

A recepção que tiveram junto desta comunidade veio a despertar a vontade de estender

esta colaboração com os países de língua portuguesa, de fomentar este intercâmbio, não só de

forma esporádica através de festivais mas também de forma continuada. E é no sentido de dar

resposta a esta necessidade que parte de António Augusto Barros a ideia de criação desta

associação.

Apesar deste interesse pessoal, como foi conotado pelo próprio, do programador d’A

Escola da Noite ter extravasado o trabalho da companhia e se ter materializado numa entidade

própria, A Escola da Noite manteve uma atenção especial a estas questões na sua

52

programação e matriz: “essa é uma das características, essa atenção ao intercâmbio, às outras

culturas que se expressam também em língua portuguesa tudo isso acabou por ser também

uma marca d’A Escola da Noite que nós temos desenvolvido muito e que nos diferencia”

(Entrevista - António Augusto Barros a 03/12/2015).

Através destes exemplos, ilustrámos a forma como os programadores e os seus

interesses e aptidões individuais podem influenciar a identidade e o trabalho das companhias

em que se inserem. Esse facto é mais preponderante nestes casos uma vez que os

programadores são também membros fundadores das ditas companhias. Contudo, no caso d´O

Teatrão, apesar de Manuel Guerra não estar presente, o projecto pedagógico actualmente em

marcha integra-se na visão desenvolvida por Manuel Guerra para a companhia, na procura de

contribuir para a construção de “indivíduos activos”, como definem a sua missão, começando

pelas camadas mais jovens.

A importância dos programadores nos mundos da arte em que se inserem não se limita

só à forma como influenciam as suas criações e identidade. A acção destes profissionais no

momento de apresentação de uma peça de arte, seja ela de que tipo for, é decisiva como

descreve Becker quando se refere à acção dos intermediários: “Artists, having made a work,

need to distribute it, to find a mechanism which will give people with the taste to appreciate it

access to it and simultaneously will repay the investment of time, money, and materials in the

work so that more time, materials and cooperative activity will be available with which to

make more work (…). Fully develop art worlds, however, provide distribution systems which

integrate artists into their society’s, economy, bringing art works to publics which appreciate

them and will pay enough so that work can proceed” (Becker, 1982:93).

Tendo nós já definido o programador como figura que para levar a cabo o seu trabalho se

move em diferentes domínios, nomeadamente dentro do contexto artístico onde as obras são

criadas, mas também com preocupações económicas em termos de rentabilidade e

responsabilidades sociais no sentido da construção de um imaginário e de referências

artísticas através da inclusão de determinadas obras em detrimento de outras, é fácil

identificar nesta figura as características do intermediário de que Becker fala. A sua acção é

fulcral para o desenvolvimento das actividades artísticas no seio do espaço em que se insere.

Ao ser responsável pela programação, este individuo possibilita outros criadores de aceder às

instalações onde a sua actividade programática se situa e regula também o tempo em que esta

se exerce. Este elemento é decisivo para os mundos da arte, na medida em que se a uma

determinada obra não é possibilitado o acesso pelo público a sua apreciação não se exerce e,

53

como tal, o trabalho será sempre incompleto, não se concretizando no momento da sua

apresentação, algo especialmente caro as actividades de cariz performativo como o teatro.

Esta relação é encarada por Becker como sendo um sistema. Obras que não se

adequem ao sistema mais dificuldades enfrentam na sua distribuição. A não adequação, pode

expressar-se em várias dimensões, seja por dificuldades estruturais do espaço em acomodar o

espectáculo, dificuldades orçamentais ou incompatibilidade entre a obra e a narrativa artística

programada. Esta relação, contudo, é apresentada por Becker como tendo dois sentidos:

“Systems change and accommodate to artists just as artists change and accommodate to

systems” (Bercker, 1982:95).

Uma análise à programação d’A Escola da Noite desde Setembro de 2015 até Junho de

2016 permite-nos destacar alguns factos para melhor percebermos este exercício de gestão e

programação. Inicialmente, podemos verificar que em Setembro são realizadas pela primeira

vez actividades que se vão estender ate ao mês de Junho, com presença constante na

programação da companhia sendo elas “Os Sábados para a Infância” e o “Clube de Leitura

Teatral”, em parceria com o Teatro Académico Gil Vicente. É de destacar os meses de

Setembro e Outubro como um exemplo de como a programação pode ser um exercício de

coerência e de complemento a actividades de criação própria da companhia. Com a estreia da

peça “A Canoa” por parte d’A Escola da Noite, que incide sobre a temática da violência

doméstica, além das sessões de apresentação da peça para o público e para escolas, a

programação do teatro incluía também actividades paralelas a esta temática como dois

debates, o primeiro em parceria com o “Grupo Violência - Informação, Investigação e

Intervenção”, e o segundo com a “Promundo” e o CES – Centro de Estudos Sociais, após a

exibição da reportagem da SIC - “O Amor Não Mata”.

Sobre esta questão das parcerias é de destacar as actividades que em colaboração com

organizações ou eventos levados a cabo na cidade de Coimbra, preenchem a programação do

Teatro da Cerca de São Bernardo neste período. Para lá das já mencionadas, contam-se

também colaborações em actividades realizadas no teatro com a RUC – Rádio Universidade

de Coimbra, a “CORES- Associação de Apoio a Crianças e Jovens em Risco”, a Universidade

de Coimbra na ocasião do “Congresso Internacional de Língua Portuguesa”, o “Projecto

Intimate” do CES, o “Enconto Nacional de Estudantes de Design”, a “Campanha de

Prevenção de Maus Tratos na Infância e Juventude”, a “SOS Racismo”, o Ateneu de Coimbra

e a “APA- Associação Portuguesa de Antropologia”. Estas parcerias podem funcionar como

um meio de ligação à cidade e levam ao Teatro da Cerca de São Bernardo públicos

diversificados em função da diversidade de instituições com que colaboram.

54

É importante realçar a relevância dada aos artistas que desenvolvem a sua actividade

na cidade de Coimbra na programação d’A Escola da Noite ao longo deste período. Os

“Sábados para a Infância” são preenchidos com actividades artísticas coordenadas por Leonor

Barata, Cláudia Sousa, Vânia Couto, Luís Pedro Madeira e Ana Biscaia. Vânia Couto e Ana

Biscaia tiveram a oportunidade de integrar a programação com projectos artísticos que

desenvolvem paralelamente aos que integram os “Sábados para a Infância”, como os

Macadame, banda de Vânia Couto e a apresentação do livro “Poemas a Conta-gotas” com

ilustrações de Ana Biscaia. Neste caso, a colaboração em projectos anteriores neste mundo da

arte prosperou e deu oportunidade a estes artistas de integrar a programação da companhia

com outros projectos. Os concertos de “A Jigsaw”, “Quatro e Meia”, “Segue-me à Capela” e a

apresentação do espectáculo da “Bonifrates” são exemplos da integração de artistas locais na

programação do teatro.

Por fim, teremos que destacar as companhias teatrais profissionais que neste período

integraram a programação d’A Escola da Noite, nomeadamente o Teatro Meridional no

âmbito do “Congresso Internacional de Língua Portuguesa”, o Teatro de Montemuro

integrado num dos dias dos “Sábados para a Infância”, o CENDREV – Teatro Dramático de

Évora que, pela tradição que tem em encenar Gil Vicente, integrou uma actividade em

conjunto com A Escola da Noite que incidia na apresentação de textos de Gil Vicente a

escolas e, por fim, a apresentação da co-produção internacional “Os Desaparecidos” pelas

companhias O-Team e Pathos Munchen da Alemanha e a Companhia de Teatro de Braga

(parceiros da Escola da Noite também na Cena Lusófona) que voltou em Junho com a peça

“No Alvo”. Durante o período designado, A Escola da Noite também andou em digressão

com a peça “A Canoa” que depois da apresentação em Coimbra, de 17 de Setembro a 14 de

Outubro e de 30 de Janeiro a 3 de Fevereiro, rumou a Braga, Évora, Saragoça, Barcelos e

Figueira da Foz.

Através da análise deste período da programação, que corresponde a uma temporada, e

dos pontos salientados, podemos observar que A Escola da Noite introduz o Teatro da Cerca

de São Bernardo como agente dinâmico na cidade de Coimbra, ao acolher diversas

organizações e, como tal, diversos púbicos no âmbito das actividades que alberga. Podemos

também notar que muitas destas actividades se inserem na narrativa que A Escola da Noite

constrói, seja de uma forma mais pontual com a encenação da peça “A Canoa” acompanhada

pelos debates e documentários em torno da temática da violência doméstica, seja a longo

prazo cumprindo os pressuposto da sua missão e identidade, com conteúdos que incidem

sobre questões dos países lusófonos como debates e exibição de documentários e a

55

colaboração com o “Congresso da Língua Portuguesa” em parceria com a Universidade de

Coimbra. A ligação a Gil vicente, presente na matriz da companhia desde a sua formação,

também esteve presente durante este período de programação. Por último, é de salientar a

colaboração com artistas que desenvolvem outros projectos artísticos e colaboram com outros

agentes na cidade de Coimbra.

Uma análise a igual período da programação d’O Teatrão revela-se igualmente

informativa das especificidades desta companhia. Em Setembro, a estreia da peça “As Três

Irmãs (Making Of)” levou O Teatrão a trocar a Oficina Municipal de Teatro por

apresentações na Casa Municipal da Cultura, no Museu de Santa-Clara–A-Velha e na Liga

dos Combatentes, retornando em Outubro para um período de exibição na Oficina Municipal

de Teatro. Esta encenação propunha-se a tratar questões que incidiam sobre o presente de

Portugal e “perceber onde estamos enquanto sociedade – e para onde queremos ir” (O Teatrão

– Blog- As Três Irmãs (Making Of)), o que se relaciona com a vontade expressa da

companhia em estimular a intervenção e a participação dos cidadãos através da sua

actividade.

Esta peça introduziu também uma componente nova na relação d’O Teatrão com o seu

público, o “crowdfunding”. Como resposta aos cortes no financiamento por parte da Direcção

Geral das Artes e na tentativa de não deixar este impasse ter um impacto na programação já

alinhavada, O Teatrão recorreu a uma plataforma online que permitiu a doação de fundos

exclusivamente para a realização desta produção, integrando a comunidade como

patrocinadora da encenação, promovendo um engajamento directo e não exclusivamente pela

aquisição de um bilhete. Assim, o indivíduo que efectua a doação poderia nem sequer assistir

à performance, tendo no entanto tomado parte activa na mesma. “As Três Irmãs (Making Of)”

teve ainda uma temporada em Maio na Oficina Municipal de Teatro.

Durante o período de análise definido, a juntar a esta encenação, ainda houve lugar a

mais duas estreias n’O Teatrão. Estas foram, mais especificamente, reposições de peças

estreadas em anos anteriores: “As Três Rainhas Magas” em cena nos meses de Dezembro e

Janeiro por ocasião das festividades natalícias e “D. Quixote de Coimbra” em cena nos meses

de Fevereiro e Março. Tanto para uma como para outra, foram levadas a cabo, por parte da

equipa e de voluntários, acções de promoção na Baixa de Coimbra, área mais central da

cidade em oposição ao Vale das Flores onde se situa a Oficina Municipal de Teatro. Estas

encenações incidiam em temáticas voltadas para o público infantil, sendo no caso d’“As Três

Rainhas Magas” complementada com actividades para a família nas quais os participantes

partilhavam as suas vivências natalícias.

56

Em Junho, com a estreia de Teatro no Pátio, O Teatrão voltou a descentralizar a sua

actividade, levando a cabo apresentações em 5 locais diferentes da cidade: o Largo S.

Salvador, o Beco das Cruzes, a Rua do Cabido, a Rua dos Coutinhos e o Parque Verde do

Mondego, no âmbito da Feira Cultural de Coimbra.

Fora da cidade de Coimbra, a companhia deslocou-se a Almada, numa permuta com

os “Artistas Unidos”, a Lisboa, à Figueira da Foz e à Tábua. Houve espaço para colaborações

com outras organizações da cidade, nomeadamente o Jardim Botânico, a Escola Superior de

Educação de Coimbra e o Centro de Formação Nova Ágora, a Escola Secundária Avelar

Brotero, a Escola Secundária da Quinta das Flores e o Centro de Formação Minerva na

ocasião da organização da Mostra de Teatro Escolar.

Paralelamente à criação, O Teatrão desenvolveu actividades voltadas para o público

infantil que consistiram na organização, durante as férias escolares, de visitas guiadas a locais

importantes da cidade.

Existiram ainda actividades de outras disciplinas que não o teatro, como o concerto

dos Fandango, a iniciativa “Condomínio Vale das Flores” e o ciclo de conferências “Casa

Território: Sujeito, Democracia e Pertença” com três sessões em três espaços diferentes: o

Mosteiro de Santa Clara, o Convento de S. Francisco e a Quinta das Lágrimas.

Sobre este período de Setembro a Junho há algumas considerações que podemos tecer.

Em primeiro lugar, é importante salientar a questão da descentralização. Além de, como é o

caso d’A Escola da Noite, apresentarem as suas criações noutras cidades, também dentro de

Coimbra O Teatrão mostrou grande mobilidade entre espaços diferentes da cidade. Tendo a

temporada o mote “Andar a Pé, Ver de Perto”, a peça d’“As Três Irmãs (Making Of)” foi

exemplo disso, sendo encenada em quatro localizações diferentes. As duas outras encenações

que estrearam na temporada com esta temática, apesar de tomarem a Oficina Municipal de

Teatro como espaço performativo, os seus actores, encarnando as personagens que

interpretavam, dirigiram-se à Baixa onde abordavam os transeuntes como acção promocional

para o trabalho que desenvolviam na Oficina Municipal de Teatro. Também o ciclo de

conferências organizado pel’O Teatrão que pretendia problematizar temáticas relativas ao

território e pertença, teve lugar em três espaços diferentes da cidade, assim como as visitas

programadas para as crianças em tempo de férias escolares.

No entanto, apesar deste desenrolar da acção em espaços diferenciados, a questão da

relação da companhia com o Vale das Flores é algo pertinente nas dinâmicas de criação e

gestão que pautam o trabalho d’O Teatrão. Embora abordaremos esta questão em detalhe no

próximo capítulo, quando focarmos a relação das companhias com os espaços onde se situam

57

os edifícios sede, é de salientar que durante esta temporada O Teatrão levou a cabo um

projecto voltado para esta zona intitulado “Condomínio Vale das Flores”. Será possível

identificar níveis de engajamento diferenciados entre as duas companhias no que diz respeito

às escalas socio-espaciais identificadas, como o bairro, a cidade, a região, o nacional e o

internacional, fruto dos pressupostos definidos na sua missão e objectivos traçados para as

suas actividades.

Em relação à programação apresentada, é importante ressaltar a manutenção de

relações e da coerência face à identidade e missão definidas no momento da sua fundação.

Ilustrando este facto, podemos atestar a ligação à Escola Superior de Educação de Coimbra,

que no mês de Janeiro apresentou a encenação “5x Por Semana Contra a Parede”, como

resultado final da formação destes alunos. Esta apresentação é, alias, um acontecimento anual

na programação d’O Teatrão, o que atesta a continuidade da relação forjada por Manuel

Guerra, que era docente desta instituição no momento de fundação da companhia.

Por último, torna-se necessário abordar a questão dos cortes inesperados que a

companhia sofreu no financiamento atribuído por parte da Direcção Geral das Artes e da

influência que estes tiveram na programação anunciada. Com a temporada “Andar a Pé, Ver

de Perto” já programada quando a noticia dos cortes se abateu sobre a companhia, a

programação sofreu algumas alterações: “Então, reduz-se o número de actores, fazem-se,

recauchutam-se peças para gastar menos dinheiro, as pessoas ficam vários meses sem receber

dinheiro, contratam-se estagiários. (…) Obviamente corta-se a programação, fazemos peças

com menos actores, não contratamos encenadores de fora, tudo mais pobre” (Entrevista -

Isabel Craveiro a 27-11-2015). As reposições das peças “As Três Rainhas Magas” e “D.

Quixote de Coimbra”, estreadas no ano 2006 e 2009, surgem como resposta a este contexto

desfavorável que a companhia enfrentou como resultado da não atribuição de 125 mil euros

provenientes da modalidade acordo tripartido e de 185 mil euros da modalidade de apoio

bienal. A exclusão de actividades da programação não é para o público uma face visível dos

cortes, uma vez que o processo de programar é invisível ao espectador, a não ser no seu

resultado final. Contudo, a mudança de paradigma económico condicionou a actividade

programática da companhia, que cancelou toda a programação externa para o segundo

semestre, assim como os concertos na sala “Tabacaria” da Oficina Municipal de Teatro. Os

cortes obrigaram também a modificações no mundo da arte d’O Teatrão, causando

despedimentos e reduções de horário na tentativa de honrar as despesas fixas desta estrutura.

Através dos factos apontados podemos verificar que as companhias teatrais

profissionais da cidade de Coimbra geram dinâmicas diferenciadas em termos de público e no

58

que diz respeito às temáticas artísticas que abordam. Esta actividade é em grande parte

fomentada pelo trabalho do programador, que articula diferentes agentes na construção de

uma temporada de actividades.

A acção programática é central na manutenção e definição da identidade da

companhia, o que no mundo artístico e social constitui a sua reputação. As escolhas que

compõem a actividade de programar são de grande importância, tanto para artistas como para

a instituição: “Distribution has a crucial effect on reputations. What is not distributed is not

known and thus cannot be well thought of or have historical importance. The process is

circular: what does not have good reputation will not be distributed”(Becker, 1982:95).

A identidade artística defendida nos pressupostos fundacionais da companhia em

função das valências e interesses que os seus membros pretendiam explorar e a sua

manutenção e renovação através da acção programática é fulcral ao sucesso da companhia e

ao impacto e imagem que o seu trabalho tem perante a sociedade. Esta imagem é também

tomada a nível pessoal pelos integrantes dos mundos da arte nos seus percursos individuais de

trabalho e criação.

O teatro enfrenta ainda uma especificidade diferente na sua relação com as reputações:

“Since the performing arts do not produce objects which can be stored, exhibited, and sold,

they distribute art differently from gallery systems. (…) They differ in selling the audience

not objects, but tickets to see something done. Objects can be sold after potential buyers see

them; performances must be presold” (Becker, 1982:119).

Assim, através da construção destas programações e de narrativas que as

acompanham, os programadores procedem a um exercício de construção e manutenção de

reputações que colocam os edifícios teatrais na dinâmica urbana enquanto espaços que

chamam para si a frequentação, fruto das actividades que albergam. A actividade destes

profissionais não é um exercício efectuado a curto/médio prazo com a programação de cada

temporada, mas funciona como uma actividade a longo prazo de construção/manutenção das

reputações já estabelecidas.

Como o programador se move entre vários domínios e a sua actividade exige que

extravase o mundo da arte em que se insere, também as reputações, como resultado da sua

actividade, são levadas em conta em diferentes domínios. No domínio social, as reputações

podem funcionar como meio de atracção para públicos e organizações que se queiram

associar a estas reputações e formar parcerias. A nível artístico é de ressaltar que a

legitimação da qualidade destas estruturas e das suas propostas advém muitas vezes do

julgamento que os seus pares exercem sobre as mesmas, dado que estes elementos, por

59

possuírem as ferramentas consideradas necessárias para tornar inteligível o sentido das

criações fruto da sua educação e prática artística, legitimam os seus juízos sobre as mesmas e

acabam por contribuir para a reputação construída. A nível económico, visto que a maior

fonte de subsistência advém de subsídios atribuídos pelo Estado dado os elevados custos de

manutenção que estas estruturas possuem, a reputação que sobressai do seu trabalho pode

constituir um elemento decisor na atribuição ou não destes mesmos subsídios. Estes domínios,

além de considerarem as reputações na imagem que fabricam das estruturas, também

influenciam as mesmas e a actividade de programar.

O trabalho que estas estruturas levam a cabo é o meio para obterem as reputações que

pretendem. Na definição da sua missão e na relação que pretendem construir com os públicos,

as companhias expõem os pressupostos que norteiam a construção das suas programações,

sendo que o seu efeito nas reputações só pode ser discutido numa escala a longo prazo e não

pode ser limitado a uma temporada, ainda que a mesma seja reflexo da continuidade de acção

dos princípios anteriormente definidos.

A reputação é uma componente reveladora da relação que os mundos da arte mantêm

com os públicos e com a sociedade em que se inserem. A ligação e o lugar que pretendem

ocupar na sociedade é indicado priori, definido de forma objectiva no momento de criação de

ambas as companhias. A programação pode ou não ser o conjunto de práticas que promove

esta vontade discursiva.

A juventude e o desejo em profissionalizar a sua actividade estão reflectidos na

definição da missão d’A Escola da Noite, ao enunciarem-se como “companhia em formação

que pretende ‘fazer caminho caminhando’ e na vontade em se reinventarem enquanto

indivíduos renunciando ao “espartilho de eloquentes postulados estéticos e culturais prévios”.

Este caminho pela dúvida constitui a relação que a companhia pretende encetar com o público

e a reputação da mesma constrói-se na procura conjunta de satisfação destas necessidades –

“importante para nós será que o público possa ler o nosso percurso e, nessa base, ir

estabelecendo connosco protocolos baseados no encontro possível das suas necessidades

culturais com a nossa evolução” (A Escola da Noite - Weblog- Dossier de apresentação in

História Breve)

Este discurso reflecte-se ao nível das práticas pela diversidade de autores encenados ao

longo dos anos, assim como a extensão a encenadores convidados, não se limitando aos tais

postulados estéticos. A jovialidade e a importância atribuída à irreverência e reinvenção são

asseguradas pela introdução de novos profissionais no mundo da arte, que no seu currículo

60

contam com pouca experiência ou mesmo saídos directamente da formação universitária em

áreas artísticas, fazendo da prática teatral no seio da companhia meio de formação.

As premissas definidas pel’O Teatrão demonstram a vontade de construir uma

reputação que assente num trabalho engajado com o público considerando que “o Teatro e a

arte têm uma função de intervir na sociedade, de criar indivíduos activos, capazes de

questionar o seu mundo e de intervir sobre ele activamente. O Teatro tem a possibilidade de

permitir ver o mundo de forma diferente, de alargar horizontes. É em torno desta ideia que a

actividade da companhia se faz.”. Nas palavras da directora artística Isabel Craveiro, o

objectivo “É não estar ali a fazer para uma parede, é fazer para aquelas pessoas, querer que

elas se manifestem e isso de alguma forma é um Teatro engajado, um Teatro que é feito com a

generosidade de querer discutir alguma coisa com alguém” (Entrevista – Isabel Craveiro a

27/11/2015).

Esta vontade espelha-se em matéria prática nas temáticas abordadas nas criações da

companhia e na constituição do projecto pedagógico que como forma de formar indivíduos e

de lhes fornecer uma visão artística e espírito crítico que os traz para o debate e para a

participação na vida artística de criação da companhia. “Operando em estreita articulação com

o trabalho artístico, o projecto pedagógico permite-nos não só apurar a reflexão sobre a

actividade criativa, mas também estabelecer pontes e redes de sentidos entre esta e as

restantes desenvolvidas: isto traduz-se activamente na concretização de projectos e eventos

que, tanto na sua estrutura formal como no seu conteúdo programático, se relacionam

intimamente com o momento que O Teatrão atravessa e com os desafios com que este se

depara e lança à comunidade” (O Teatrão – Apresentação).

Há uma preocupação em inserir a comunidade e de problematizar a participação dos

espectadores, procurando torna-los agentes opinativos e oferecendo-lhes as plataformas para

tal em actividades que incitam ao diálogo com o mundo da arte, como o “Condomínio Vale

das Flores”, os mais variados workshops e a organização de conferências com carácter

participativo.

Será importante referir que as reputações não traduzem consensos. Contudo, ao serem

o resultado da cooperação celebrada nos mundos da arte, são o reflexo das transformações

sociais que a actividade artística pode introduzir nos espaços que ocupa. Neste capítulo, ao

introduzir o conceito dos mundos da arte quisemos exacerbar o caracter colectivo e

cooperativo na concepção de um projecto artístico. Destacámos a figura do programador por

considerar a actividade que supervisiona o elemento agregador dos actores que compõem o

mundo da arte e por a programação por que é responsável ter influência em vários domínios

61

sobre os quais este actor se move e que ultrapassam o mundo da arte, o que se revela

importante quando tentamos perceber o efeito transformador da arte no espaço urbano.

Ao destacar os movimentos e decisões deste actor no contexto das redes dos mundos

da arte, como fizemos ao acompanhar a programação e as justificativas para a mesma

implementadas durante uma temporada, mostramos que “art is social in being created by

networks of people acting together, and proposes a framework for the study of different

modes of collective action, mediated by accepeted newly developed conventions”

(Becker,1982:369).

No próximo capítulo pretendemos mostrar como é que a acção dos programadores e

das actividades que desenvolvem nos mundos da arte podem ou não ser transformadoras dos

espaços urbanos em que se inserem. Se neste capítulo focamos a acção do programador e das

suas actividades no seio da companhia e na resposta a alguns desafios inerentes a esta

actividade e ao mundo da arte do qual fazem parte, no próximo, procuraremos discutir como é

que essa acção pode extravasar estas instituições e ser ou não resposta a outros problemas.

62

4 A Relação Entre Teatro e Espaço Urbano

As estruturas teatrais pela sua acção, além de produzirem dinâmicas relacionais dentro

de portas, onde as suas actividades artísticas se realizam, também podem surtir o mesmo

efeito fora de portas, nas áreas que os edifícios ocupam.

Para os casos de estudo d’A Escola da Noite/Teatro da Cerca de São Bernardo e d’O

Teatrão/Oficina Municipal de Teatro, podemos discutir a possibilidade da influência da

actividade artística nas zonas da Baixa e do Vale das Flores, respectivamente. A preocupação

com a integração das áreas e das comunidades que as habitam nos conteúdos programáticos

destas estruturas pode ser importante não só em termos de captação de público, mas também

no que diz respeito à qualidade de vida nestes territórios, tendo como exemplo positivo deste

efeito a abordagem do conceito de cidades criativas e, como exemplo negativo, o fenómeno

apelidado de gentrificação, ambos expostos no primeiro capítulo desta dissertação.

4.1 O Teatrão e o Vale das Flores

O Vale das Flores é uma zona relativamente nova da cidade de Coimbra, resultante do

processo de expansão e crescimento da cidade nos anos 90. Esta área pode ser caracterizada

como uma “zona de expansão e consolidação urbana da cidade de Coimbra, o Vale das Flores

representa uma nova centralidade que começou a ser planeada na década de 90 pelos serviços

técnicos do município, com a localização nesta área de duas grandes superfícies comerciais,

uma via estruturante que surge no seguimento da mais recente ponte sobre o Mondego, um

novo quartel de bombeiros e ainda escolas do ensino primário, secundário, politécnico e

universitário” (Pereira, 2016).

Actualmente, podemos verificar a grande concentração de serviços que esta zona

oferece, acrescentando-se aos já citados um conservatório de música, um centro de saúde e

várias empresas, especialmente o Instituto Pedro Nunes. A localização deste grande número

de serviços, principalmente na área sul do Vale das Flores, aliada à densidade habitacional

edificada a norte constituem os aspectos potenciadores desta nova centralidade que se

pretendia criar.

Como zona de expansão, a disponibilidade urbanística que possuía permitiu que, na

procura de soluções para a construção de um novo edifício teatral, a opção tomada fosse um

terreno nesta área, entre uma superfície comercial e o quartel de bombeiros.

63

O caracter de urgência da construção do teatro, que, não priorizava as preocupações

estéticas com a forma exterior da construção, aliado à necessidade de estacionamento que o

espaço requeria reforçaram a opção tomada para esta zona. A mudança e estabelecimento d’O

Teatrão neste espaço aconteceu no ano de 2006. Com a actividade estabelecida anteriormente

no Museu dos Transporte, localizado na Rua da Alegria, entre a Baixa de Coimbra e a Alta

Universitária, a mudança para o Vale das Flores retira-os desta área central de ligação e

passagem entre duas zonas com um dinamismo próprio, para uma zona onde se tentava criar

uma nova centralidade.

Contudo, esta nova centralidade não se verifica na prática do espaço, como relata

Isabel Craveiro, em termo de comparação com o Museu dos Transportes: “Muita diferença

porque as… quer dizer, em relação ao museu dos transportes, o museu ficava num sítio

interessantíssimo que apesar de não ficar no centro, centro, quer dizer fica no centro da

cidade. (…) Tirando ali o centro recreativo do Norton de Matos não há (…) propriamente

uma tradição porque é uma zona relativamente nova, é uma zona de expansão e na verdade

tem sido bastante difícil que as pessoas que vivem aqui à volta se relacionem com a

programação d’O Teatrão” (Entrevista - Isabel Craveiro a 27/11/2015).

Tendo nós já caracterizado a actividade e os intentos que O Teatrão persegue, como

aqueles que procuram a promoção de indivíduos culturalmente investidos e participativos, é

de notar as mudanças significativas que esta nova área oferece para a persecução destes

objectivos, com a lacuna de hábitos culturais de que padece, podendo esta ser derivada do

facto do Vale das Flores ser uma área recente, como já mencionamos.

Torna-se necessário, portanto, criar estratégias que promovam as actividades desta

estrutura na vida desta população, integrando-a no seu quotidiano, promovendo a criação de

hábitos artísticos, uma vez que a companhia continua a procurar esta ligação com o público,

considerando este aspecto fundamental na sua actividade enquanto estrutura artística.

A par das criações artísticas próprias, na procura deste contacto com a população, O

Teatrão desenvolveu e ampliou a sua ideia de projecto pedagógico com actividades

diversificadas: “O grande instrumento de participação desta população que vive aqui à volta é

o projecto pedagógico. Isso tem sido de facto o grande motor de criação do público e de

fixação de público d’O Teatrão” (Entrevista - Isabel Craveiro a 27/11/2015).

O projecto pedagógico é composto por actividades que, pela relação que procuram ter

com a comunidade e pelo facto desta participação ser essencial à sua realização, merecem

algum destaque, nomeadamente, As Classes de Teatro, O Bando à Parte, o Condomínio Vale

das Flores e o recém implementado Projecto educativo.

64

As Classes de Teatro, pela afluência que geram e pelo facto de serem um projecto com

15 anos de actividade constante, são a componente mais emblemática deste projecto

pedagógico. Idealizadas pelo fundador d’O Teatrão, Manuel Guerra, como já referimos

anteriormente, as Classes, que começaram por ser direccionadas para a infância, abrangem

agora todos os escalões etários. Nos últimos anos tem sido possível até assistir a uma maior

procura por parte de adolescentes e adultos, sendo que todas as classes funcionam em horário

pós-laboral.

A companhia define esta actividade como “um espaço de aprendizagem e de

experiências na área do Teatro. Este programa é desenvolvido a partir do jogo dramático

construído através da exploração dos indutores de acção dramática: objecto, imagem, som,

espaço e texto.” (O Teatrão – Classes). A formação que muitos dos membros d’O Teatrão

possuem na área de Teatro e Educação leva-os a verem estas classes que ministram não como

um meio de formação para futuros artistas, até porque a carga horária é limitada a 1h30min

por semana, mas como um complemento à lacuna artística que o sistema de educação possui,

funcionando assim como um meio de enriquecimento pessoal a nível de competências sociais

para os seus participantes.

As Classes, pela afluência que geram com as nove turmas que as constituem em

funcionamento, são um meio de dinamismo para a Oficina Municipal de Teatro e para o Vale

das Flores, pela assiduidade que esta actividade requer durante os meses de Outubro a Junho.

Estes alunos podem também desenvolver uma maior atenção às actividades da companhia,

uma vez que o projecto pedagógico é construído em articulação com a programação do teatro.

No entanto, a carga ligeira que as Classes oferecem, com apenas uma sessão por semana,

pode não ser suficiente para construir esta relação e potenciar esta actividade através da

formação de novos públicos que frequentariam outras actividades do teatro para lá da sessão

semanal da sua classe.

Contudo, é de salientar que as Classes de Teatro, por serem uma actividade com um

alto grau de participação, por indivíduos de várias zonas da cidade, introduzem algum

dinamismo a esta zona periférica que poderia não ser frequentada por estes indivíduos caso

não houvesse esta iniciativa.

Outro projecto sobre o qual debruçaremos a nossa atenção tem o nome de “Bando à

Parte”. Destinado para jovens entre os 14 e os 20 anos de idade, o projecto é apresentado

pel’O Teatrão através do seguinte parágrafo: “Interessa cada vez mais que os cidadãos em

geral e os jovens em particular desenvolvam um processo de interrogação sobre a sociedade

em que vivem, refletindo sobre ela e atuando positivamente sobre as comunidades em que se

65

inserem. A actividade artística é um instrumento essencial para estimular esta reflexão crítica,

desenvolvendo ao mesmo tempo a criatividade e estabelecendo pontes com outras províncias

de sentido. O BANDO À PARTE pretende ter impacto na criação de cidadãos esclarecidos e

com capacidade crítica, autónomos, com capacidade de ação individual e com uma ligação

profunda com o espaço urbano e social que os rodeia assim, como com as suas diferenciadas

pertenças culturais” (O Teatrão – Bando à Parte).

A primeira edição ocorreu entre 2010 e 2011 e era constituída por um grupo de jovens

provenientes de bairros sociais da cidade de Coimbra, como o Bairro da Rosa e do Ingote. O

segundo ciclo deste projecto trabalhou com jovens de várias nacionalidades e não se limitou a

jovens provenientes de áreas desfavorecidas, procurando promover a heterogeneidade e a

multiculturalidade do grupo.

O Bando à Parte era um projecto de formação artística direccionado para jovens que

de outra forma não teriam oportunidade de usufruir de actividades e formação de cunho

artístico. O projecto oferecia ao grupo aulas que versavam as áreas do teatro, da música e da

dança e incluía também visitas a alguns locais emblemáticos da cidade, assim como a

oportunidade de assistir a algumas encenações d’O Teatrão e concertos integrantes da sua

programação. A evolução do impacto que a integração no Bando à Parte teve na vida de cada

participante foi acompanhada através de reuniões com os directores de turma e as famílias de

cada membro ao longo do tempo de duração do projecto. A esta actividade de periocidade

regular acresce a recepção e integração nas actividades do grupo, durante um breve período,

de jovens provenientes de organizações de outros países, com as quais foi estabelecido um

intercâmbio e um exercício final, que consistiu na encenação de um espectáculo que integrou

a programação da companhia para essa temporada.

Segundo o Relatório Intercalar de Janeiro-Julho d’O Teatrão de 2012, as metas deste

projecto e da formação oferecida, tal como as Classes de Teatro, não tem como objectivo

principal a formação de futuros profissionais das artes mas sim a “construção de identidades

baseadas na promoção de capacidades de relacionamento interpessoais e inter grupais” (Siva,

2013:6).

O desenvolvimento deste trabalho integrado no projecto pedagógico pretendia intervir

em pequenos grupos e usar a componente artística como via enriquecedora de competências

sociais e culturais de indivíduos que não possuíam meios para aceder a estes.

Simultaneamente faria chegar a actividade d’O Teatrão a grupos que anteriormente não

tinham contacto com a mesma, promovendo a companhia e incentivando-os a deslocarem-se e

66

explorarem a zona do Vale das Flores, nomeadamente, as famílias dos envolvidos que seriam

convidadas a assistir ao seu exercício final.

Contudo, a vaga de desistências e a dificuldade detectada em acompanhar o progresso

destes jovens, no sentido de perceber se o ingresso neste projecto teria surtido algum impacto

noutros domínios da sua vida, promovendo a continuidade do engajamento artístico que se

pretendia criar, são pontos menos conseguidos com a actividade do Bando à Parte

identificados pel’O Teatrão.

Assim podemos considerar que esta componente do projecto pedagógico se esgota na

sua intenção, não produzindo dinâmicas notórias no que diz respeito à aproximação desta

estrutura a outras zonas da cidade que não o Vale das Flores.

Esta aproximação, na procura do combate da aparente periferia a que O Teatrão se

considera vetado em comparação com locais como o Museu dos Transportes (apesar do

projecto de construção desta zona de expansão ser a introdução de uma nova centralidade),

pode ser conseguido com o “Projecto Educativo para Coimbra”, actividade mais recentemente

idealizada para integrar o projecto pedagógico.

Este projecto oferece actividades artísticas promovidas pel’O Teatrão junto de 15 IPSS

(Instituições Particulares de Solidariedade Social) sendo elas: o Centro Paroquial e Bem-Estar

de Almalaguês, Centro Bem Estar Social de Brasfemes, o Centro Comunitário de São José, o

Centro Social de São Pedro, Centro Social de Nossa Senhora da Conceição, o Centro Social

Integrar, o Centro Social Paroquial São João do Campo, o Centro de Apoio à Terceira Idade

de São Martinho do Bispo, Associação Cultural e Recreativa de São Paulo de Frades, o

Centro Social Cultural Recreativo de Quimbes, o Centro de Apoio Social de Souselas, o

Centro Social e Paroquial de Taveiro, a Obra Social de Torre de Vilela e o Centro Social

Nossa Senhora dos Milagres (Caritas) em Cernache.

Por abranger instituições de várias áreas e por criar uma rede tão ampla de acção, esta

actividade pode produzir um impacto maior em zonas diversificadas da cidade de Coimbra,

levando o trabalho d’O Teatrão a novos públicos, perseguindo também o seu intento de

descentralização já mencionado.

Este projecto, com um ano de existência, faz com que seja prematuro avaliar o seu

impacto na oferta cultural e principalmente educativa, assim como na aproximação da cidade

à companhia e vice-versa através do contacto mais próximo que é estabelecido. O trabalho

nestas instituições poderá ter efeitos benéficos nesse sentido, uma vez que promove o

contacto com a actividade teatral na infância promovendo a criação de hábitos culturais.

67

Podemos salientar que a qualidade e o potencial do Projecto Educativo para Coimbra

foram atestados pela Câmara Municipal de Coimbra através da atribuição por votação

unanime de um financiamento de 25 000 euros para este projecto ,acompanhado das

declarações que consideram que “trata-se de um projecto que constitui uma mais valia na

programação cultural e pedagogia concelhia, na medida em que se dirige a um público-alvo

especifico, descentralizando a oferta educativa e procurando chegar directamente aos

destinatários, envolvendo crianças e idosos num programa concertado que promove o

envolvimento da comunidade a que se dirige e a inclusão social” (Moura, 2015).

Estas declarações e o apoio concedido vêm comprovar o potencial e os benefícios que

a Câmara Municipal vê neste projecto, encontrando nele um meio de acesso à educação

artística e da promoção, através das artes, da inclusão social. Permite também que os

membros d’O Teatrão possam levar o seu trabalho a zonas geograficamente mais afastadas do

Vale das Flores e assim ter contacto com públicos que de outra forma não se encaminhariam à

Oficina Municipal de Teatro.

As actividades que temos vindo a focar, com a excepção das Classes de Teatro, levam

muitas vezes o trabalho da companhia para outras zonas que não o Vale das Flores, não

promovendo a relação dos públicos com a Oficina Municipal de Teatro, nem a relação desta

com o Vale das Flores, pelo menos no contexto imediato em que essas actividades se

desenrolam.

A construção desta relação com o Vale das Flores é algo que tem integrado as

preocupações da companhia, desde o momento da mudança em 2006. Neste sentido a

actividade de programação e criação constante da companhia e o “Condomínio Vale das

Flores”, actividade integrante do projecto pedagógico, podem afirmar-se como respostas, no

sentido de combater esta lacuna relacional entre o teatro e todos aqueles que frequentam e

habitam o Vale das Flores: “Aqui há volta há muito mais serviços do que casas. De resto tens

uma faculdade aqui que, durante os anos todos que isto aqui esteve, pensavam que era um

hangar para construção de cenários. Começaram a entrar cá no ano passado e há dois anos

através da associação de estudantes. Por e simplesmente não vêm. E é atravessar a rua. E a

gente convida… E isto são serviços. Mas quer dizer e as pessoas que vivem aqui à volta? Tu

tens que desenvolver formas de que elas se vinculem ao projecto. Então uma delas é esta ideia

do condomínio, a gente criar um condomínio. Tem sido uma ideia participada, muito

participada, porque envolve sempre uma espécie de uma festa. Já fizemos piqueniques, já

fizemos aqui fora no jardim com contadores de histórias e as pessoas contavam histórias,

envolvemos algumas associações de moradores… Mas é um trabalho que tem que ser de

68

extrema regularidade, tens que andar sempre a bater à porta das pessoas, convida-las para vir,

elas não têm o hábito de vir ao Teatro. Se calhar os mais velhos, ainda guardam uma memória

de ir ao Teatro, Teatro de revista, Teatro popular, maior que as gerações mais novas. Não

foram habituadas a ir, ponto. Vão ao cinema, vão a uma data de sítios, mas ao Teatro não

vêm. Depois, os universitários não vêm. Não vêm porque, não há autocarro. Não vêm porque

há imensas coisas para fazer. Estou a ser pessimista, é claro que vêm, vêm alguns mas numa

cidade com tantos mil… mais de 40 mil alunos no ensino superior em Coimbra…E para onde

é que eles vão?” (Entrevista -Isabel Craveiro a 27/11/2015).

Como descrito pela directora artística/programadora Isabel Craveiro o “Condomínio

Vale das Flores” é o projecto que mais está ligado à zona que a Oficina Municipal de Teatro

ocupa, quer pelos valores que a sua idealização intrínseca procura promover, quer pela sua

realização em actividades de convívio e partilha.

O Condomínio Vale das Flores procura criar esta ideia de proximidade entre os

“vizinhos” d’O Teatrão por serem estes os que apresentam maior facilidade de deslocação à

Oficina Municipal de Teatro.

Em suma “procura a dar a conhecer a Oficina Municipal de Teatro e o trabalho que lá

se faz aos moradores do bairro envolvente, junto da Escola Secundária da Quinta das Flores,

junto do Conservatório de Música, junto de associações de pais da ISEC (Instituto Superior de

Engenharia de Coimbra), dos pais e dos alunos das classes” (Silva, 2013:5).

A aproximação a estes moradores é feita através de abordagens verbais e pela

distribuição de panfletos pelos prédios, porta à porta, em contacto directo pela equipa d’O

Teatrão. No entanto, reside a dificuldade de encontrar estes indivíduos em casa na hora dos

contactos.

Esta actividade, que se realiza desde 2010, encontrou nos anos anteriores uma

participação elevada, como foi mencionado anteriormente, promovendo o convívio e a

aproximação à estrutura d’O Teatrão, com a realização de uma sardinhada, sessões de

histórias, um concerto ao ar livre, visita à Oficina Municipal de Teatro e ainda a visualização

de duas encenações d’O Teatrão.

No ano de 2015, tive a oportunidade de estar presente no dia 19 de Dezembro na

Oficina Municipal de Teatro, data escolhida para a realização do “Condomínio Vale das

Flores”. Antes do espectáculo, para o qual foram convidadas as famílias de funcionários de

empresas vizinhas como a IteCons, o Instituo Pedro Nunes e os Bombeiros Sapadores de

Coimbra, foram recebidas pela equipa d’O Teatrão e foram alvo de pequenas entrevistas que

pretendiam investigar a sua relação com a Zona do Vale das Flores, com O Teatrão e as suas

69

tradições natalícias, já que este era o tema da programação que acompanhava a encenação a

que iriam assistir. Com estes relatos, registados em vídeo, procurava-se elaborar o postal

natalício d’O Teatrão, com caracter comunitário.

Contudo, pude verificar que estes convidados não preenchiam a lotação da sala e que

não havia várias famílias da mesma empresa, apenas uma por organização vizinha, o que

considero insuficiente para a aproximação d’O Teatrão a estas, devido à dimensão que

apresentam e o número de funcionários que comportam.

É notória a relação que O Teatrão procura estabelecer com a comunidade através das

actividades que referimos anteriormente, quer seja em contextos de maior proximidade, como

com o Condomínio Vale das Flores, seja em contextos mais distantes e disseminados pelo

território.

A figura do programador coordena a actividade desta companhia em várias frentes,

quer articulando o projecto pedagógico com a criação e programação artística, quer na

construção de uma narrativa coerente para a temporada, quer na resposta aos

constrangimentos financeiros, quer na divulgação destas actividades, sendo a face visível

deste trabalho em meios de informação mediáticos de alcance local e nacional.

À parte das iniciativas desenvolvidas no projecto pedagógico, as actividades de

criação e a programação também constituem uma fonte de visitas e como tal uma

oportunidade para criar uma nova atractividade para o Vale das Flores, algo que pode

redefinir o estatuto periférico que esta zona ocupa na prática da cidade pelos que nela

habitam, como é citado por Isabel Craveiro, quando esta refere a dificuldade de captação de

públicos após a mudança para esta zona.

Em relação às actividades de criação e programação sabemos que ainda predomina um

enfoque especial (mas não exclusivo) em encenações para a infância. Este facto, além da sua

importância histórica e identitária para a companhia, pode assumir uma nova relevância na

relação que se procura estabelecer com a comunidade, uma vez que “embora as estruturas

especializadas no domínio educativo/formativo representem ainda um estreito segmento da

oferta cultural e artística, as acções pedagógicas integram cada vez mais o leque de

actividades promovidas para estruturas de criação/produção. Funcionam essencialmente como

acções complementares às desenvolvidas nestas organizações e visam, em primeira instância,

o alargamento e diversificação da oferta com o intuito de recrutar novos públicos” (Gomes et

al, 2006:128).

Estas declarações, produzidas numa análise às “Entidades Culturais e Artísticas em

Portugal” sobre a alçada do Observatório Das Artes no ano de 2006, demonstram a vitalidade

70

e a promessa que o sector do teatro para a infância e as actividades de cariz pedagógico

significavam no seio dos criadores e produtores artísticos. A actividade d’O Teatrão surge

assim como exemplo do que estas declarações previam ao estabelecer conexões com o

território e com os seus públicos essencialmente através de iniciativas de cariz pedagógico e

vocacionadas para a infância.

Como forma de conclusão deste ponto é possível afirmar que a mudança d’O Teatrão

para o Vale das Flores teve um impacto positivo, pois veio atenuar as carências culturais que

se faziam e ainda se fazem sentir nesta área. Aliado à edificação do Conservatório de Música

em 2010 na mesma zona, a actividade d’O Teatrão pode ser uma força decisiva para combater

esta lacuna e promover assim a nova centralidade que se pretendia criar aquando a expansão

da cidade. A instalação de um edifício teatral nesta zona constitui um passo para a criação de

hábitos culturais nos moradores e frequentadores diários do Vale das Flores, algo que não

existia antes da edificação da Oficina Municipal de Teatro, mas que a actividade d’O Teatrão

pretende criar através do estabelecimento de uma relação de proximidade.

No entanto, esta carência de hábitos culturais constituiu um desafio para a companhia,

que anteriormente estava alojada numa área central da cidade, tendo que orientar agora as

suas actividades para a captação de públicos, direccionando-a não só para os residentes do

Vale das Flores, mas incluindo também cidadãos residentes noutras áreas, actuando assim de

forma descentralizada no sentido de se estabelecer como um factor de atractividade no Vale

das Flores. Assim, além dos efeitos transformadores que a criatividade e as estruturas

culturais podem ter com a programação e encenações regulares, O Teatrão, com o seu

projecto pedagógico e iniciativas descentralizadas por todo o território de Coimbra, procura

estabelecer uma relação de maior proximidade com o público, criando assim uma dupla via

em que ao mesmo tempo que amplia a sua rede de acção no território, se procura solidificar e

afirmar o seu papel dinâmico no Vale das Flores.

4.2 A Escola da Noite e a Baixa

Desde a sua fundação que a companhia A Escola da Noite assumiu que queria ser uma

companhia para a cidade de Coimbra e, como tal, situar a sua actividade numa área central.

Durante os primeiros anos de existência, face à carência de espaço culturais onde pudessem

instalar-se de forma permanente, as suas encenações realizaram-se em vários auditórios da

cidade que, ao mesmo tempo, recebiam manifestações artísticas de outras organizações.

71

A necessidade de estabelecerem a sua identidade num espaço próprio em que, pela

fruição permanente de infraestruturas, pudessem crescer e aprofundar a sua actividade, levou

a que, depois de uma procura activa, propusessem à Câmara Municipal de Coimbra a

ocupação de uma garagem, propriedade municipal no Pátio da Inquisição.

Esta mudança foi o encetar de uma relação que se viria a prolongar até à actualidade.

O Pátio da Inquisição é um pequeno enclave que se situa na zona da Baixa de Coimbra. “A

Baixa Coimbrã não tem limites definidos, mas pode-se considerar como limites genéricos: a

zona verde e rotunda da Casa do Sal a norte, o Parque Doutor Manuel Braga a sul, o Mercado

Municipal D. Pedro V a este e o Rio Mondego a oeste” (Tenente, 2015:17).

Na época em que A Escola da Noite acordou a ocupação da garagem no Pátio da

Inquisição, esta zona apresentava um aspecto diferente do que possui agora. Antes das obras

de requalificação em 2003, servia de parque de estacionamento e era composta

maioritariamente por serviços camarários, não havendo, portanto, razão aparente que

motivasse deslocações ao Pátio, com a excepção dos trabalhos destes serviços.

Com a mudança d’A Escola da Noite para esta zona, toda esta dinâmica mudou. Como

primeira companhia de teatro profissional da cidade, a curiosidade que a actividade artística

despertou aliava-se à resposta que a existência desta companhia fornecia à lacuna cultural de

actividade teatral da cidade de Coimbra. A vitalidade introduzida nesta zona à época é assim

descrita por António Augusto Barros: “Foi assim que arrancámos e criamos aqui o movimento

cultural no centro da cidade, com grande dinamismo, no Pátio da Inquisição que não era o que

é hoje, era também outro parque de estacionamento. Começaram a vir camionetas de crianças,

de escolas, gente de todo o lado, houve uma grande curiosidade, primeira companhia de teatro

profissional…Houve milhares de pessoas que passaram a vir aqui ao Pátio da Inquisição ver

teatro. Começamos a criar aqui a nossa linguagem, a nossa diferença” (Entrevista António

Augusto Barros a 03/12/2015).

A instalação d’A Escola da Noite é portanto considerada por António Augusto Barros,

director artístico da companhia, como um momento transformador para esta zona da cidade e

para a companhia que começa assim a dar os primeiros passos na criação da sua linguagem e

identidade, apoiando-se para isso nesta ligação criada com o Pátio da Inquisição.

A vitalidade que esta actividade introduziu, especialmente através da atracção de

públicos mais jovens integrados em visitas escolares, poderia ter tido um papel importante no

combate ao envelhecimento das zonas históricas, fenómeno comum a que a zona da Baixa não

é alheia, apesar de a sua constituição apresentar uma facção de moradores mais jovem do que

se esperava (ver Fortuna et al 2005,8 in Construção Magazine 13).

72

A atracção destes públicos mais jovens poderá ter sido devido às encenações de textos

de Gil Vicente que povoam a história da companhia desde a sua fundação. Por este autor ser

leccionado em contexto escolar, a oportunidade de assistir a encenações de uma companhia

profissional dos conteúdos leccionados afigura-se como enriquecedor para a formação dos

alunos e uma oportunidade para A Escola da Noite interagir com público mais jovem e de o

atrair ate à zona do Pátio da Inquisição e da Baixa.

O dinamismo que A Escola da Noite trouxe à Baixa não passou despercebido e prova

disso mesmo é que, quando a Câmara Municipal de Coimbra tomou a decisão de renovar a

zona do Pátio da Inquisição, o projecto escolhido, do arquitecto João Mendes Ribeiro,

também ele ligado A Escola da Noite com trabalhos cenográficos, versava a recuperação do

Pátio com vista à criação de um pólo cultural na cidade de Coimbra.

Para além da construção de um edifício teatral nesta zona destinada às actividades d’A

Escola da Noite, o projecto “reforçaria o âmbito cultural que aquele lugar foi adquirindo com

as construções de espaços para o Centro de Artes Visuais e a Escola da Noite. A ideia era

instalar na Ala Nascente do Colégio das Artes um café concerto e uma livraria de arte,

relacionada com o espaço público e entre o Pátio da Inquisição e a Cerca de são Bernardo”

(Entrevista - João Mendes Ribeiro a 15/02/2016).

Os efeitos positivos que a actividade d’A Escola da Noite introduziu nesta área

motivaram o poder local a investir na vertente criativa para esta zona da cidade, procurando

assim criar condições para a instalação de novas estruturas artísticas no sentido de expandir o

dinamismo que esta a actividade d’A Escola da Noite introduzira nesta área.

Após alguns contratempos, descritos anteriormente no segundo capítulo, chegamos à

situação actual. A par d’A Escola da Noite, encontram-se neste momento instalados no Pátio

da Inquisição o CAV- Centro de Artes Visuais e a Cena lusófona – Associação para o

Intercâmbio Cultural. A retirada dos serviços camarários para a instalação da livraria e do

café-concerto previstos nunca chegou a concretizar-se e, como tal, o projecto de criação do

pólo cultural nunca foi posto em prática na sua plenitude. Ainda assim, A Escola da Noite

ganhou um novo espaço, o Teatro da Cerca de São Bernardo, que lhe trouxe melhores

condições mas também maior responsabilidade, pois passaram a ser a entidade responsável

pela programação aliada à actividade de criação que já desempenhavam.

Esta actividade de criação e programação situada neste espaço é sem dúvida um factor

de afluência a esta zona, como é possível denotar pela ocupação do Pátio da Inquisição nos

dias de espectáculo, em oposição às restantes noites.

73

Numa breve incursão por esta área da cidade de Coimbra, podemos encontrar cartazes

de divulgação da programação do Teatro da Cerca de São Bernardo em inúmeros

estabelecimentos comerciais. Contudo, a capacidade de transformar estes e outros habitantes

da Baixa em visitantes efectivos é algo que parece não fazer parte das preocupações imediatas

que norteiam as actividades desenvolvidas pela companhia.

Por um lado, o trabalho desta companhia, ao contrário d’O Teatrão, encontra-se

encerrado nas instalações do Teatro da Cerca de São Bernardo e raramente se desenvolve fora

deste, como aconteceu nos primeiros anos onde podemos encontrar na programação

performances de rua no Pátio da Inquisição. A regressão do número destes eventos é

consequência da diminuição do orçamento disponível para a companhia, segundo A Escola da

Noite, que com encargos relativos às novas infraestruturas deixa de poder comportar inúmeros

eventos. A população que habita e trabalha na Baixa pelo contacto com actividades de cariz

cultural no seu quotidiano poderia despoletar a curiosidade pelo trabalho da companhia

situado no Teatro da Cerca de São Bernardo.

A apresentação da encenação “A Cidade” a 9 de Junho de 2016 pode constituir um

momento de aproximação ao público, uma vez que A Escola da Noite optou por apresentar

uma parte da encenação que se encontrava a desenvolver, integrando no processo de criação

ainda em curso a resposta do público a esta apresentação. Como tive oportunidade de assistir,

a lotação não se encontrava esgotada, mas o público era composto por indivíduos de idades

bastante diversas, como crianças, jovens e indivíduos mais velhos. A possibilidade de

acompanhar e tomar parte do processo de criação, assim como a gratuitidade do evento,

podem constituir elementos de aproximação ao público e geram novos visitantes que,

entusiasmados por poderem acompanhar um processo ao qual geralmente não têm acesso, se

dirigem À Escola da Noite.

A criação de uma relação com a zona da Baixa poderia ser fundamental no contributo

que as artes e a criatividade podem fornecer em processos de reabilitação urbana, como

aquele que a Câmara Municipal de Coimbra tem em marcha para esta área, questão que

aprofundaremos no ponto adiante. No entender d’A Escola da Noite, constrangimentos

económicos de vária ordem e a carência de concertação entre várias entidades que atuam no

segmento da reabilitação urbana, são factores determinantes para que a actividade da

companhia não consiga ter uma papel mais presente na Baixa e na vida da populações que

nela habitam, não conseguindo assim tomar um papel preponderante neste projecto de

reabilitação.

74

Apesar deste facto, é de notar que, historicamente, a actividade desta companhia

sempre teve um papel positivo nesta área atraindo visitantes de várias proveniências ao Pátio

da Inquisição, quer pelo interesse que as criações e programação da companhia despertam,

quer pela colaboração com outras organizações, que trabalhando em temáticas especificas

enriquecem e diversificam a programação e o público que frequenta o Teatro da Cerca de São

Bernardo. Estes factos contribuem, ainda que não directamente com esse objectivo em vista,

para a dinamização da Baixa, uma vez que promovem a visita a esta zona por parte de

indivíduos que não têm por hábito a sua frequência.

4.3 O Papel da Câmara Municipal de Coimbra

A Oficina Municipal de Teatro e o Teatro da Cerca de São Bernardo, apesar de

entregues ao Teatrão e À Escola da Noite respectivamente, não deixam de ser infraestruturas

municipais e como tal a Câmara Municipal de Coimbra não deixa de ter uma responsabilidade

sobre estas.

Para Carina Gomes, actual vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra,

“Como proprietária desses teatros, a Câmara Municipal de Coimbra tem, naturalmente, o

dever de zelar pela sua boa utilização e abertura a públicos diversos, garantindo que as

estruturas que os gerem o fazem da melhor forma possível. Assim, a CMC apoia a sua

actividade e incentiva uma programação de qualidade, adequada ao espaço e à dimensão da

cidade, mantendo-se atenta e disponível para colaborar em todos os programas que constituam

uma mais-valia para a dinâmica cultural da cidade. Por outro lado, incentiva as companhias

residentes a melhorar o seu plano de comunicação e divulgação, no sentido de levar mais

público aos seus espectáculos” (Entrevista - Carina Gomes a 02/02/2016).

Após um período atribulado, o estabelecimento destas duas companhias nestes

respectivos espaços veio acompanhado de contractos de residência e gestão que, além da

cedência do espaço, definiam que o apoio municipal se manifestaria sob a forma de

financiamento repartido com a Direcção Geral das Artes. De notar que, além de terem que

custear as suas actividades de criação e agora de programação, as companhias estão

responsáveis pela manutenção dos espaços em que se inserem e pelas despesas que o

funcionamento constante deste acarreta, ainda que não recebam financiamento destinado

especificamente a nenhum destes encargos.

Actualmente, a Câmara Municipal e estes organismos mantem um bom

relacionamento institucional, respeitando o acordado nos respectivos protocolos. Contudo,

75

existem discrepâncias na forma como as companhias teatrais vêem a acção da Câmara no que

diz respeito ao domínio da cultura.

A Escola da Noite ,apesar de considerar que mantem boas relações com o poder local,

denota que o apoio financeiro que neste momento recebe é insuficiente para fazer face aos

encargos permanentes que a sua actividade constitui: “temos um contracto com a Câmara para

gerir e programar o teatro só que, e em especial nos últimos tempos com a crise, com os

cortes de subsidio do Ministério da Cultura e da Câmara Municipal… o dinheiro que nos dá a

Câmara Municipal não dá sequer para pagarmos metade das despesas fixas do teatro. Estou a

falar de água, luz, gás, limpeza, ter o teatro aberto, sem actividade nenhuma. Quer dizer a

Câmara dá, metade daquilo que a Câmara dá que são 20 000 euros para o teatro, mais de

metade é gasto na luz, só a luz. Portanto estamos aqui numa situação sobretudo a partir dos

últimos anos desgastante e é muito penalizadora, inclusivamente muita gente não conhece e

julga que nós podíamos fazer melhor e não podemos. (…) Não temos sequer esse dinheiro

para ter o teatro aberto a sério, temos que deslocar dinheiro que recebemos do Ministério da

Cultura para meter aqui no teatro, isto já é uma casa grande, já não é a garagem, são 11 mil

euros por causa do ar condicionado, por causa do gás e não temos um tostão para

programação” (Entrevista - António Augusto Barros a 03/12/2015).

As questões económicas podem tornar-se mais urgentes com a abertura do Convento

de S. Francisco, um equipamento cultural de grandes dimensões que, ficando também sob a

alçada municipal, alocará nele recursos financeiros destinados à cultura.

Por outro lado, O Teatrão refere que o facto de a sua actividade envolver a

responsabilidade de lidar com dinheiros públicos faz com que as relações com a Câmara

tenham de ser positivas uma vez que partilham este encargo. No que diz respeito a este facto,

os cortes que a companhia foi alvo por parte da Direcção Geral das Artes constituem

“naturalmente uma preocupação para o município” (Entrevista - Carina Gomes a 02/02/2016).

Face a esta situação, a Câmara Municipal de Coimbra mostrou-se disponível para reunir com

O Teatrão na procura de soluções e reforçou o apoio financeiro no sentido de viabilizar e criar

condições mais favoráveis para a companhia dar continuidade ao trabalho.

A questão financeira toma um papel principal no discurso que medeia a relação das

companhias com o poder local. Apesar de podermos imputar ao apoio financeiro a

importância que a Câmara Municipal de Coimbra atribui às actividades artísticas que estas

desempenham, o seu papel pode fazer-se sentir noutros domínios.

76

A Câmara Municipal de Coimbra como proprietária destes espaços e patrocinadora das

actividades das companhias e da programação que estas constroem pode ter um papel

preponderante na relação que estas mantem com a área que ocupam.

No caso do Vale dos Flores, a iniciativa de tornar esta zona uma área de expansão da

cidade de Coimbra possibilitou a existência de um maior cuidado urbanístico no seu

planeamento, nomeadamente no que diz respeito aos acessos e oferta de infraestruturas que

contribuem para um maior conforto dos que habitam e visitam esta área, como por exemplo

um parque e grande oferta de estacionamento.

A opção de instalar O Teatrão nesta zona veio enriquecer culturalmente um zona que,

apesar da sua riqueza em serviços dos mais variados domínios, não apresentava actividades de

cariz artístico.

O apoio à divulgação, que a Câmara Municipal vê como parte da sua acção perante

estas estruturas, pode ser importante como meio de combate à distância que a companhia

alega face a áreas mais centrais. O facto de a rede de transportes que abrange esta área

circular até horários mais tardios pode tirar do caminho constrangimentos nas deslocações

daqueles que, não habitando no Vale das Flores, desejam visitar a Oficina Municipal de

Teatro.

No caso da Escola da Noite, o papel que a Câmara Municipal de Coimbra pode ter

noutros domínios que não financeiro torna-se uma questão mais urgente e profunda, pelo

facto do teatro se localizar numa área alvo de um processo de reabilitação urbana, em que a

intervenção artística e criativa poderia ter um papel decisivo.

A intervenção de organismos municipais como a Coimbra Viva – Sociedade de

Reabilitação Urbana (Coimbra Viva – SRU) centra-se ao nível do edificado, nomeadamente

no sector habitacional e na procura de moradores mais jovens para esta área: “A estratégia de

actuação da Coimbra Viva - SRU passa pela revitalização das funções e ocupações das

actividades instaladas, pela reabilitação do edificado existente, espaços públicos e

equipamentos existentes, procurando contribuir para o desenvolvimento económico,

comercial e cultural da Baixa, para que se contrarie o processo de envelhecimento da

população que se regista actualmente, sendo para isso necessário dotar a Baixa de boas

condições de habitabilidade” (Tiago, 2010:41).

Contudo, a tarefa de reabilitação poderia estender-se a outros domínios que não só o

habitacional, que através da colaboração com outros organismos poderiam atribuir outras

valências à zona da Baixa. Esta opinião é partilhada pela vereadora da cultura Carina Gomes:

“Como é do conhecimento geral, os centros históricos – e Coimbra não é excepção –

77

apresentam um conjunto de problemas comuns, como a desertificação, o envelhecimento da

população, a precaridade do parque habitacional ou acessibilidades difíceis, por exemplo.

Para a sua revitalização, tem de haver uma estratégia concertada, que passa não só pela

reabilitação do edificado, mas também pela atracção de pessoas, através de programas de

animação e culturais e através do comércio” (Entrevista -Carina Gomes 02/02/2016).

Neste sentido, a conclusão do projecto do pólo cultural na zona do Pátio da Inquisição

torna-se mais urgente, pelo enriquecimento que as actividades artísticas poderiam trazer a esta

área e pela relação que estas instituições podem estabelecer com o espaço e as pessoas que o

rodeiam, através das actividades que levam a cabo. Torna-se urgente também a elaboração de

uma estratégia concertada, tal como foi apontado pela vereadora Carina Gomes, na qual a

Câmara Municipal pode ter um papel importante na concertação das diferentes organizações

que se situam nesta zona e nela levam a cabo actividades que pelo cariz relacional são um

meio de atracção de pessoas, nomeadamente A Escola da Noite, o Centro de Artes Visuais, o

Jazz Clube ao Centro e a Agência de Promoção da Baixa.

Actualmente, a actividade que esta companhia leva a cabo encontra-se isolada destes

pressupostos e, não existindo uma estratégia concertada, a contribuição das actividades

artísticas para a reabilitação desta área torna-se muito mais difícil, pois a sua acção não chega

a ser tão abrangente e transformadora como poderia ser. As instituições culturais instaladas

nesta zona apresentam duras críticas à acção da Câmara Municipal para a conservação destes

espaços, dado que se neles não se promover o bem-estar, a acção das instituições artísticas

torna-se ineficaz para a atracção de cidadãos. António Augusto Barros refere que “As ruas

estão mal vigiadas, mal policiadas, hoje à merce de consumidores e traficantes de droga,

sujas…” (Entrevista - António Augusto Barros a 03/12/2015), enquanto que o director do

Centro de Artes Visuais, em 2013, faria a seguinte caracterização desta zona: “basta olhar

para o Pátio [da Inquisição], a sujidade, a falta de cuidado, o estado do acesso à Cerca de São

Bernardo” (Pereira, 2013).

Uma acção concertada entre estes agentes e a Câmara Municipal, assim como a

promoção do bem-estar através de um maior cuidado com a limpeza e segurança desta zona,

seriam factores decisivos para a reabilitação desta área e o combate da desertificação que se

faz sentir. Contudo, o facto de o poder local ver esta área como segura e considerar que estas

organizações “tendo já o seu público fidelizado, contribuem em grande medida para uma

intervenção directa na Baixa de Coimbra” poderá dificultar o entendimento e a procura de

objectivos de maior impacto para a revitalização desta área. Sem este entendimento e acção,

tal como resume António Augusto Barros, a actividade destas estruturas exerce-se de forma

78

mais limitada: “Nós fazemos o que podemos para contrariar isso, basta termos a porta aberta,

estarmos aqui, enfrentarmos as dificuldades, estamos nelas, mas não tem a eficácia que podia

ter” (Entrevista - António Augusto Barros a 03/12/2015).

Como podemos observar, a intervenção Camarária junto destas companhias faz-se

sobretudo a nível financeiro e de infraestruturas, cedendo os fundos e os espaços para a

realização das suas actividades, sendo esta uma relação com vantagens para ambos os lados,

uma vez que ao depositar os encargos programáticos nestas estruturas o poder local oferece a

possibilidade de usufruto de actividades culturais aos seus cidadãos. Contudo, podemos

concluir que o poder local poderia ter uma acção mais preponderante, maximizando o alcance

da actividade destas companhias nomeadamente na vertente social e do espaço urbano, como,

a título de exemplo, auxiliando O Teatrão na sua missão de captação de públicos e integrando

o trabalho d’A Escola da Noite num plano estratégico de revitalização urbana. Para a

persecução destes intentos é necessário também que as estruturas artísticas se mostrem abertas

à colaboração com o poder local e organismos estatais, oferecendo a sua experiência como

praticantes do espaço em que as companhias inserem como input decisivo para as acções

transformadoras nestes.

A actividade dos programadores torna-se fulcral no estabelecimento destes

compromissos institucionais e sociais. Como meio de ligação entres vários domínios, a figura

do programador é fulcral no contacto dos mundos da arte com outros organismos, entre eles o

poder local. Pelas suas funções intrinsecamente o levarem a experienciar e a mediar a relação

artística com os cidadãos, o espaço e a cidade, o seu trabalho pode ser decisivo para que se

estabeleçam compromissos que levem a actividade artística a ter um impacto nos espaços

urbanos onde se insere, como por exemplo na revitalização do espaço urbano ou na

dinamização de áreas periféricas do mesmo. O conhecimento que o poder local pode fornecer

aos programadores no que diz respeito à caracterização destas áreas de um ponto de vista

holístico e da população que nelas habita e trabalha pode fornecer ao programador elementos

que o levem a integrar na sua programação actividades artísticas que permitam estabelecer

uma relação com estes espaços urbanos.

79

Conclusão

Ao longo das últimas páginas focámos o nosso olhar na acção do programador e nas

redes onde este se move para percebermos de que forma é que as instituições teatrais em foco

se relacionam com o espaço urbano e de que forma é que este e os actores que o compõem são

afectados pelas actividades artísticas. Através de entrevistas levadas a cabo com vários

intervenientes institucionais tanto dos mundos da arte em questão como do poder local e com

os próprios programadores, assim como um acompanhamento próximo das suas actividades

de programação durante uma temporada e a sua frequentação e ainda, com a reconstituição

histórica das companhias, das programações e do panorama cultural da cidade com recurso a

relatos e a documentação noticiosa local e nacional procurámos perceber de que forma é que

estas estruturas e o seu processo de fixação nos espaços que agora ocupam poderá ou não ter

influência nestas áreas urbanas e de que forma é que a realidade destas e os desafios que

apresentam constituem um factor de relevância para o trabalho da companhia.

Procuramos com as iniciativas levadas a cabo responder a três questões levantadas na

fase inicial desta investigação: De que forma é que o programador é um agente preponderante

nas dinâmicas das companhias em que se insere? / Será a actividade das companhias

transformadora das áreas urbanas que integram? / Poderá o trabalho das companhias ser o

reflexo dos desafios que as zonas em que se situam lhe oferecem?

Em primeiro lugar, teremos que salientar a preponderância que a figura do

programador adquire no seio das companhias onde este estudo foi levado a cabo, o que vai de

encontro à primeira questão levantada para este projecto. Tanto O Teatrão como A Escola da

Noite possuem identidades artísticas próprias perpetuadas também pela acção dos

programadores.

No caso da Escola da Noite, António Augusto Barros é um dos membros fundadores

da companhia e como tal, o trabalho da mesma foi e continua a ser embebido nos seus

interesses pessoais, como podemos observar pela incidência em actividades focadas na

Comunidade de Países da Língua Portuguesa e na parceria com a Cena Lusófona, sendo este

interesse por estes países e comunidades expresso pelo próprio.

Quanto a’O Teatrão, apesar do seu fundador Manuel Guerra, já não se encontrar em

funções, a sua actual programadora Isabel Craveiro, na sua acção de programação continua a

exercer as premissas delineadas na fundação da companhia na sua vocação essencial de

80

estrutura teatral para a infância fruto da apetência demonstrada para esta área por Manuel

guerra.

Foi então possível verificar que no seio destas estruturas artísticas de cunho teatral que

observámos, a figura do programador é vital para que sejam levadas a cabo as

responsabilidades de criação e programação de que estas estruturas estão encarregues. No seio

destas, os seus gostos ou apetências pessoais revelam-se e trespassam o individuo sendo

integrados no trabalho e na identidade das estruturas.

No seguimento deste ponto e com incidência na segunda questão levantada, foi

possível denotar que a instalação de estruturas artísticas nestas áreas e a actividade que levam

a cabo foram e são pontos de influência positiva na mesma.

Tanto a instalação d’O Teatrão no Vale das Flores como d’A Escola da Noite na Baixa

são factores de atractividade de cidadãos que face à oferta cultural que estas áreas oferecem, a

elas acorrem, sendo de ressaltar que no caso destas estruturas a sua instalação nestas zonas foi

o primeiro foco cultural das mesmas, sendo portanto responsáveis pela criação de hábitos

culturais situados nestas localizações.

Contudo é de notar que actualmente e em referência à última questão, apesar dos

constrangimentos financeiros, a actividade e a consequente influência destas estruturas

poderia ser mais incidente no quotidiano das áreas que ocupam.

No caso d’O Teatrão, apesar do conjunto de actividades descentralizadas que levam a

cabo darem a conhecer a estrutura aos cidadãos de Coimbra, a escassa participação e eficácia

das actividades direccionadas para o Vale das Flores amputa a missão da companhia em ligar-

se aos quotidiano e ao que a rodeia. Continuar a apostar cada vez mais no projecto pedagógico

e reforçar a divulgação e contacto com a população residente no Vale das Flores num horário

pós laboral podem ser pontos que ajudem a colmatar os problemas de participação local

identificados pela companhia.

No caso d’A Escola da Noite foi mencionado que à época da sua instalação no Pátio

da Inquisição, a curiosidade gerada pelo trabalho da primeira companhia de teatro da cidade,

foi um factor de atractividade para a área da Baixa.

Contudo, após 25 anos de actividade constante, a curiosidade esbateu-se e o

reconhecido mérito do trabalho da companhia para a dinamismo da baixa poderia ser

expandido participando em propostas de reabilitação urbana, oferecendo uma componente

humana, social e artística a um projecto que se tem vindo a concentrar em conjunturas

habitacionais e económicas.

81

No que diz respeito à dimensão local é possível que pela oferta e identidade

diferenciada, estas estruturas não concorrem entre si, o que pode explicar a sua longevidade.

No panorama cultural da cidade parece uma consequência da vitalidade e tradição do teatro

universitário e amador, criando uma oferta plural no âmbito da produção teatral.

Ao longo dos anos, a Câmara Municipal de Coimbra tem vindo a proporcionar

condições mais condignas como a edificação dos espaços que agora ocupam e a

implementação de um financiamento regular para os dois organismos o que aponta para um

reconhecimento da importância de ambas as estruturas no campo cultural da cidade de

Coimbra.

Por último, e apoiando-nos um pouco no que já foi referido, é de notar que a acção do

programador e consequentemente das companhias se processa a diversos níveis, de forma

mais intensa nuns do que noutros.

A relevância do trabalho do programador no contexto da companhia e a nível local foi

referida em pontos anteriores sendo possível acrescentar a importância deste ultimo no

trabalho d’OTeatrão pela forma como a acção desta companhia integra iniciativas cujo

alcance se pretende local e regional.

A estes, acrescem os níveis de acção nacional e internacional que se revelam mais

preponderantes no trabalho d’A Escola da Noite, quer nos discursos fundacionais que revelam

estas aspirações, quer a nível prático nas digressões e recepções de outras companhias de

várias proveniências assim como a ligação à Cena Lusófona e à Comunidade de Países de

Língua Portuguesa.

Assim, seguindo as pisadas do programador e a rede de actores que a sua acção

constitui podemos descortinar algumas das dinâmicas interrelacionais entre espaço urbano e

estruturas artísticas. Como proposta futura de aprofundamento desta temática, seria possível

dar seguimento a esta investigação realizando um trabalho etnográfico mais denso sobre as

actividades da companhia, ultrapassados agora os constrangimentos iniciais de compreensão

da dimensão complexa de relações que envolve estas organizações e que caracteriza o

panorama cultural de Coimbra. Neste sentido seria possível integrar ainda um foco maior nos

públicos na sua vivência enquanto utilizadores e transformadores do espaço urbano e das

estruturas artísticas sendo a sua visão exterior dos processos de composição do trabalho destas

uma outra perspectiva que poderá oferecer novas questões nas relações destas instituições e

actores com o espaço urbano.

82

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João Mendes Ribeiro – Arquitecto – 15/02/2016

Isabel Craveiro – Programadora Cultural e Directora Artística d’O Teatrão - 27/11/2015

Carina Gomes – Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra - 02/02/2016

Ricardo Correia – Actor e Director Artístico da Casa da Esquina – 11/03/2016

Teresa Portugal – Ex-Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra – 05/03/2016

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