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VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012, UNESP- Franca/SP.
Os processos de trabalho na indústria naval: relação entre a produtividade e o
agravamento à saúde dos trabalhadores
Bianca da Costa Teixeira1
Resumo Atualmente pode-se observar um estímulo por parte do
governo federal em relação às atividades das indústrias navais e, com
isso, observa-se um crescimento do fluxo de empregabilidade da força
de trabalho empregada nesta produção. No entanto, é preciso entender
a que condições estão submetidos tais trabalhadores quando o índice
de agravos à saúde se revela alarmante neste setor produtivo. O estudo
realizado propõe analisar, avaliar e investigar alguns fatores que
evidenciam a relação entre os processos de trabalho na indústria naval
e o índice de adoecimento e acidentes de trabalho, tendo como objeto
empírico, o Estaleiro Mauá S.A.
Palavras-chave: Saúde do trabalhador. Processos de trabalho.
Indústria naval. Adoecimento. Acidente de Trabalho.
Abstract Nowadays some motivation from the federal government
related to the activities of the naval industries can be observed, and so,
an increase in the flow of employability of the workforce in this
production can be noticed. But, one must understand the conditions
that these workers are subjected when the alarming levels of health
problems in this productive sector are shown. The study proposes to
analyze, evaluate and investigate some factors that show the
relationship between the work processes in the naval industry and the
indication of illness and accidents at work, having Estaleiro Mauá S.A
as empirical object.
Keywords: Worker’s health. Work processes. Naval Industry. Illness.
Accident at work.
Introdução
O interesse em explorar a temática da saúde do trabalhador parte da minha
experiência de estágio na indústria naval Estaleiro Mauá S.A onde, mediante análise da
instituição e reflexão acerca da rotina de atendimento do Serviço Social, foi possível
apreender que a demanda que se apresenta de forma mais recorrente à profissão consiste
na procura, por parte dos empregados, por orientação quando são encaminhados ao
INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social – seja por motivo de doença seja por
acidente de trabalho.
Para ilustrar tal afirmação é válido ressaltar que, em um levantamento realizado em
fevereiro de 2012 com alguns dados disponilizados pela instituição, pode-se inferir que
1 Graduanda em Serviço Social na Universidade Federal Fluminense. E-mail:
2
VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012, UNESP- Franca/SP.
diante de uma média de três mil trabalhadores ativos2, o número de trabalhadores
afastados do trabalho vem conformando um quadro, cuja média é de aproximadamente
seiscentos empregados, ou seja, 20% do quadro total da força de trabalho na empresa se
encontra com a saúde comprometida.
Neste sentido, o presente trabalho propõe analisar alguns fatores que influenciam o
adoecimento dos trabalhadores e o índice de acidentes de trabalho em indústria naval,
visando explicar os impactos negativos na saúde dos mesmos. É importante considerar
que a apreensão da questão do agravamento à saúde do trabalhador transcende a
discussão que envolve apenas a doença e o sujeito que adoece. Há outros elementos a
serem discutidos e que estão imbricados ao adoecimento da força de trabalho. Dentre os
quais, o próprio modo de produção capitalista, as relações de trabalho existentes, o
desenvolvimento das forças produtivas e as formas de organização que o trabalho
assume nas diferentes fases deste sistema econômico. É importante ressaltar, porém, que
não se trata de considerar a questão do adoecimento dos trabalhadores simplesmente na
dinâmica do sistema capitalista, mas explicitar que sob tal contexto presenciamos o
agravamento desta problemática.
Portanto, este trabalho constitui um estudo relevante para o Serviço Social à medida
que se pretende evidenciar alguns determinantes sociais que interferem no processo de
adoecimento e acidentes de trabalho em uma área da indústria, onde pouco se discute
sobre a saúde do trabalhador. Embora fomentadas pelo governo na atualidade e
atreladas ao discurso da geração de empregos, as atividades navais possuem
características que merecem ser mais bem observadas e avaliadas diante da
problemática do agravamento da saúde desta força de trabalho inserida no setor naval de
produção. E conhecer a realidade e as contradições existentes em sua conjuntura
possibilita construir estratégias de intervenção para melhoria das condições de trabalho
dos profissionais da indústria naval, a partir da autonomia relativa profissional, e ir além
do que é posto pela instituição, na busca de fortalecer o projeto ético-político
profissional do Serviço Social e o seu comprometimento com a classe trabalhadora.
No que se refere à metodologia, esta pesquisa constitui parte do Trabalho de
Conclusão de Curso para obtenção do título de bacharel em Serviço Social3 e, neste
sentido, foram utilizados para o alcance dos objetivos propostos por este trabalho, além
2 Referimo-nos a trabalhadores “ativos” àqueles que estão realizando suas atividades laborais na empresa.
3 Sob orientação da Prof.ª Dr.ª Maria das Graças Osório P. Lustosa, docente na UFF – Universidade
Federal Fluminense, realizada em 2012.
3
VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012, UNESP- Franca/SP.
do levantamento bibliográfico de literaturas referentes ao tema apresentado, dados
institucionais4, previamente autorizados pelo Estaleiro Mauá S/A para este fim.
Breve histórico da indústria naval brasileira
Para maior compreensão dos estudos acerca da saúde do trabalhador em âmbito
naval de produção é imprescindível resgatar a historicidade do surgimento das
atividades navais e os interesses que impulsionaram o desenvolvimento deste setor, pois
a problemática do adoecimento do trabalhador é histórica e em diversas situações foi
posta num nível de pouco interesse ou preocupação com as suas causas e, deste modo,
pode-se dizer que conformou um cenário de certa invisibilidade das doenças ou
acidentes relacionados com o trabalho. Neste sentido, é válido ressaltar quando Alves
(2007) faz menção à relevância que a esfera econômica impõe à dinâmica da vida
social:
É claro que não podemos reduzir a dinâmica da sociedade burguesa, a constelação
histórico-social que surge a partir do século XVI no Ocidente, à lógica da produção de
mais-valia (…). Entretanto, a economia ou a esfera da produção de mais-valia, no
sentido preciso de base material da produção social, é a instância diretamente
determinante da reprodução social desta sociedade mercantil complexa, que é o
capitalismo (ALVES, 2007, p.16).
Sendo assim, convém destacar que o Estabelecimento de Fundição e Estaleiros da
Ponta d’Areia, hoje denominado Estaleiro Mauá S.A, foi o primeiro estaleiro que se
instalou no Brasil em 1846, na qual o Barão de Mauá veio a tornar-se proprietário.
Além de construir parte dos navios utilizados na Guerra do Paraguai, também se registra
a construção de mais de 70 navios – a vapor e a vela – para fins de navegação de
cabotagem no país, demonstrando a relevância que o transporte marítimo tinha naquela
época. Já no decorrer do ano 1890, as atividades navais se estagnaram devido às
dificuldades estruturais em termos de disponibilidade de matéria-prima5, que eram
quase inexistentes na indústria e território brasileiro neste período. Desta forma, a
estratégia encontrada foi: fazer encomendas aos estaleiros europeus – o que consistiu
obstáculo para a implantação de uma indústria de construção naval pesada no país, por
ser muito dependente de importações.
4 Levantamento realizado com base em dados oficiais da empresa, tais como arquivos de empregados
afastados do trabalho, dossiês, prontuários médicos, etc. 5 “Enquanto a madeira era a base da construção naval, o Brasil, com uma ampla reserva florestal,
avançou, porém, quando mudou para o ferro, o crescimento foi mais lento, e quando o aço chegou o setor
foi quase extinto, o que não significou a renovação da frota naval” (FILHO, 2011, p. 316).
4
VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012, UNESP- Franca/SP.
O deslanche da industrialização brasileira ocorreu na década de 1950, com o
governo do presidente Juscelino Kubitschek, “[...] quando o padrão de acumulação deu
seu segundo salto” (ANTUNES, 2006, p.16) e abriu espaço para o capital estrangeiro
participar do desenvolvimento do país. É possível observar que, em relação ao
comportamento das indústrias navais, foi nesse contexto que elas obtiveram maior
desenvolvimento, mediante o fomento às empresas do setor de bens de capital, com
Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek. A Meta 28, que previa o
desenvolvimento do setor naval com o apoio governamental6, foi financiada a partir da
aprovação da Lei 3.381/584, que criou o Fundo da Marinha Mercante (FMM),
mostrando que, inicialmente, a produção e comercialização de navios estavam
diretamente relacionadas à marinha mercante. Além disso, após a implantação, em
1950, da grande indústria siderúrgica – Companhia Siderúrgica Nacional em Volta
Redonda/RJ – iniciou-se o fabrico de aço a partir do ferro, os principais insumos do
referido setor industrial econômico, que veio como solução ao problema da falta de aço
para a construção de navios.
Marca-se, portanto, uma grande expansão ao desenvolvimento da indústria de
construção naval no Brasil,
caracterizada pelo significativo aumento da mão-de-obra ocupada (de 1.430
trabalhadores em 1960, para 16.500, em 1969) e das contratações do setor (de 79 mil
de toneladas de porte bruto em 1960, para 1 milhão em 1969) (BORGES & SILVA, 1993 apud JESUS & GITAHY, 2009, p.3902).
Isto contribuiu para que o país ganhasse status de uma das maiores potências da
indústria naval do mundo (FILHO, 2011). Neste sentido, as atividades da indústria
naval brasileira continuaram em expansão em 1970, mediante o estímulo de políticas
específicas para o setor7. Em relação à força de trabalho empregada podem-se
quantificar aproximadamente quarenta mil entre os anos de 1978 e 1979 (PASIN, 2002
apud JESUS & GITAHY, 2009, p.3902). Contudo, a partir da década de 1980 o cenário
muda e a indústria naval enfrenta crises de produtividade, tanto em âmbito nacional
quanto mundial.
6 As estratégias de desenvolvimento do setor envolviam a criação de uma reserva de mercado para os
navios de bandeira nacional no transporte de carga, complementada com restrições a importações de
embarcações. Isso garantiu uma demanda para a produção de navios por estaleiros brasileiros (JESUS &
GITAHY, 2009).
7 Tais políticas constituem o Plano de Emergência de Construção Naval – PECN – e os Programas de
Construção Naval - I PCN e II PCN (JESUS & GITAHY, 2009, p.3902).
5
VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012, UNESP- Franca/SP.
Não se deve desconsiderar a relação desta crise com aquela que revelou a
inoperância do fordismo no que se refere a sua produtividade, conformando um cenário
de crise econômica até os dias atuais. No contexto brasileiro, a crise gerou impactos
mais acentuados do que nos países centrais (TEIXEIRA, 2009) e, no decorrer da década
de 1980, as empresas passaram a adotar os novos padrões organizacionais da
acumulação flexível (ANTUNES, 2006). Como observa Behring (2008), trata-se de
uma crise de superprodução, que fez agravar o desemprego e disparar as taxas de
inflação, em que a resposta do capital a essa crise vem sendo enfrentada por dois tipos
de ajustes estruturais: a reestruturação produtiva8 e o neoliberalismo.
Sob o ângulo histórico, é interessante ressaltar os desdobramentos que a atividade
naval assumiu no decorrer da década de 1990, quando se iniciou um processo de
recuperação desta indústria, por intermédio da Lei do Petróleo e o Programa Navega
Brasil9, fomentando o crescimento da exploração e refino de petróleo. Com a ampliação
da demanda por plataformas e embarcações, isto significou retomada das atividades
navais brasileiras.
Todavia, é relevante analisar as condições de inserção desta mão-de-obra na
indústria naval. Antunes (2006) destaca que a acumulação industrial durante o governo
JK revelou uma estrutura com suas bases em “superexploração da força de trabalho,
dado pela articulação entre baixos salários, jornada de trabalho prolongada e fortíssima
intensidade em seus ritmos”. Um ponto interessante é que as taxas de acumulação foram
tão intensas durante este governo que, apesar da condição subordinada do Brasil, o país
“chegou a alinhar-se, em dado momento, entre as oito grandes potências industriais
(ANTUNES, 2006, p.17)”.
Portanto, a exploração do trabalhador e a precarização do trabalho são elementos
que devem ser investigados no que diz respeito aos impactos causados à saúde dos
trabalhadores, pois, um trabalhador subordinado ao capital, aos ritmos da maquinaria,
leva a um aumento do índice de acidentes de trabalho (LOURENÇO, 2009). Além
disso, o modo fordista de produção se caracteriza como um intenso processo de
exploração não apenas físico como espiritual do trabalhador. Pode-se atribuir a este
8 Reestruturação Produtiva aqui apreendida como um dos imperativos da restauração capitalista.
9 A lei do petróleo consiste na lei 9.478/97 de 06 de agosto de 1997, que dispõe sobre a política energética
nacional. E o programa navega Brasil foi lançado em 2000, quando modificou o acesso a linhas de crédito
para armadores e estaleiros e, além disso, contribuiu para o aumento da participação limite do FMM nas
operações da indústria naval e da ampliação do prazo de empréstimo (PASIN, 2002 apud JESUS &
GITAHY, 2009, p. 3906).
6
VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
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processo rebatimentos ou impactos expressivos nas condições de vida e moradia a que
estavam submetidos os trabalhadores, em especial à saúde dos trabalhadores de
indústria naval. A partir da centralidade do modo de produção na mercadoria, Lourenço
(2009) contribui com seus estudos ao nos dizer que:
À medida que o processo de trabalho é alienado, aumenta-se a exploração e
subordinação dos trabalhadores e ainda anulam-se as condições para a autonomia e
emancipação humana iminentes ao sentido do trabalho, uma vez que a ausência de
controle sobre os meios de produção, processos e organização do trabalho e os seus
produtos pode se constituir nos fatores integrantes da totalidade social que inscreve os
agravos à saúde do trabalhador. Além disso, o desenvolvimento do mercado mundial
e da grande indústria gerou também as cidades industriais, a maioria, sem
planejamento e, num período, em que as políticas públicas tardavam em se afirmar.
Assim, os ambientes de trabalho e os ambientes domésticos (geralmente
aglomeramentos humanos em cortiços) se tornaram propícios à propagação de
doenças infectocontagiosas que somadas a fome e a desnutrição geraram altas taxas
de mortalidade (LOURENÇO, 2009, p. 58).
Em suma, o trabalho aparece subordinado ao capital, com marcas da alienação10
.
Isto é, enquanto única esfera de produção de riqueza, o trabalho não se revela como
fruto da produção social e coletiva, cujos excessos, em geral, se expressam ou são
oriundos das revoluções industriais.
Características do trabalho na indústria naval
Há uma diversidade de atividades laborais nas indústrias navais, onde cada
trabalhador é especializado para atuar em uma etapa da produção – neste caso, na
produção e reparo de navios. Para este estudo, explicitaremos, no entanto, apenas
algumas funções, dentre as quais é possível observar maior incidência de trabalhadores
em situação de adoecimento e/ou acidente de trabalho, como nos mostra o gráfico a
seguir:
10
Alienação: “No sentido que lhe é dado por Marx, ação pela qual (ou estado no qual) um indivíduo, um
grupo, uma instituição ou uma sociedade se tornam (ou permanecem) alheios, estranhos, enfim, alienados
[1] aos resultados ou produtos de sua própria atividade (e à atividade ela mesma), e/ou [2] à natureza na
qual vivem, e/ou [3] a outros seres humanos, e (…) também [4] a si mesmos (às suas possibilidades
humanas construídas historicamente)” (BOTTOMORE, 2001, p. 5)
7
VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012, UNESP- Franca/SP.
125
69
85
97
50
49
29
41
2043
Índice de adoecimento por atividade exercida
Soldador
Chapeador
Esmerilhador
Mont. de Andaime
Maçariqueiro
Encanador
Eletricista
Pintor
Faxineiros
Outros
Gráfico elaborado pela autora
Cabe, portanto, entender as características e as particularidades dessas atividades,
bem como o tipo de doença que acometem estes trabalhadores, para então fazer
apontamentos sobre a possibilidade do nexo causal entre a profissão e a causa do
adoecimento. Sobretudo, é importante observar que quando se trata das condições e
meio ambiente de trabalho nas indústrias de construção e reparação naval – segundo a
NR 3411
– há alguns riscos inerentes à cada atividade da produção que merecem ser
evidenciados, a fim de evitar possíveis danos à saúde dos trabalhadores.
De acordo com o quadro de funções do Estaleiro Mauá, um soldador tem como
atribuição realizar serviços de soldagem para fins de montagem ou recuperação de peças
e equipamentos, com utilização dos instrumentos de trabalho arco elétricos, eletrodo
revestido, arame tubular ou outro material de adição apropriado. Um esmerilhador, por
sua vez, é responsável por desbastar e limpar peças metálicas, mediante equipamentos e
ferramentas de corte e polimento ou até mesmo manualmente. Já o chapeador tem o
papel de confeccionar, reparar e instalar peças em chapas de metal; fabricar ou reparar
caldeiras, tanques, reservatórios e outros recipientes de chapas de aço; recortar, modelar
e trabalhar barras perfiladas de materiais ferrosos e não ferrosos para fabricar
esquadrias, portas, grades, vitrais e peças similares. A atividade de maçariqueiro requer
serviços de corte de peças e chapas de metal utilizando maçarico – um instrumento que
produz uma chama para fins de modelagem e corte de materiais.
É interessante evidenciar que as quatro funções acima descritas estão inclusas numa
categoria denominada “Trabalho a quente”, que englobam aquelas atividades que
utilizam a solda, o esmeril, o maçarico, instrumentos de corte e outros que geram fontes
11
Norma Regulamentadora, No. 34 (BRASIL, MTE, 2012).
8
VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
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de ignição – aquecimento, centelha, ou chama12
. Observa-se ainda que tais funções
representem um número elevado de empregados encaminhados ao INSS. A função de
soldador, como se pôde observar é a função que mais adoece no Estaleiro Mauá S.A e,
os motivos que os levam a afastar-se do trabalho revelam alto índice de diagnósticos
médicos relacionados a comprometimento da coluna, conforme será explicitado a
seguir. Isto porque, “apesar da crescente automatização das máquinas, persiste o esforço
físico em diferentes atividades de trabalho” (RIBEIRO & LACAZ, 1984, p.48), levando
a “um aumento sem precedentes das lesões por esforço repetitivo (LER), que reduzem a
força muscular e comprometem os movimentos, configurando-se como doenças típicas
da era da informatização do trabalho” (ANTUNES, 2006, p.21).
Dentre as atividades que são classificadas como “Trabalho em altura”, podemos
evidenciar os montadores de andaime, que executam a montagem e desmontagem de
andaimes na área industrial. Trata-se de uma atividade onde está presente o risco de
queda. Além disso, a postura incorreta na montagem e desmontagem de andaimes pode
contribuir para lesões e traumatismos na coluna vertebral do trabalhador, muitas vezes
irreversíveis.
Outras especializações do trabalho fazem parte da produção e reparação de um
navio. Ainda que exista uma variedade de profissionais que possam desenvolver as mais
distintas atividades nas indústrias de construção naval, não se pode negar que todas
apresentam uma característica em comum: o trabalho assalariado.
A partir do momento em que os trabalhadores não são mais proprietários de seus
meios de produção e tornam-se “donos” simplesmente da sua força de trabalho, esta é
vendida como uma mercadoria. E é essa condição de trabalhador que vende a sua força
de trabalho por determinado período de tempo em troca de certa remuneração que se
encontram fatores relevantes para entendermos a relação com o adoecimento no
trabalho. De acordo com Ribeiro e Lacaz (1984), “o trabalhador assalariado é escravo
da produção” e acrescenta,
Aparentemente, ele tem um horário de trabalho livremente contratado. Dissemos
aparentemente, porque não é verdade. Efetivamente, ele é escravo do seu horário de
trabalho. Essa escravidão nasce das suas necessidades econômicas – sem trabalhar ele
não sobrevive – e se acentua quando ele não está organizado para resistir às
imposições patronais. Seu período de trabalho pode ser diferente do normal – é
quando temos o trabalho noturno. Seu horário de trabalho é móvel – é quando temos
os turnos de trabalho. Seu horário de trabalho não é fixo – é quando temos as horas
extras (RIBEIRO; LACAZ, 1984, p.94).
12
De acordo com a NR 34 - 34.5.1 (BRASIL, MTE, 2012).
9
VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
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Neste sentido, sabe-se que, uma vez pago o salário ao trabalhador – seja ele
executor de quaisquer atividades descritas – o capitalista pode usar de estratégias para
ampliar seus ganhos, pois “o possuidor do dinheiro pagou o valor da força de trabalho;
pertence-lhe, portanto, o uso dela durante o dia, o trabalho de uma jornada inteira”.
(MARX, 1988, p. 218). Portanto, é possível concluir que o principal interesse é o
econômico13
, isto é, o trabalhador subordinado aos interesses da máquina. É este mesmo
interesse que leva os trabalhadores a excederem seus horários de trabalho, sujeitando a
saúde da força de trabalho e ampliando os ganhos da empresa, uma vez que se reduz a
necessidade de novas contratações.
No que se refere ao ritmo de trabalho, é possível afirmar que “um trabalhador é
tanto mais valorizado na produção quanto mais ele “automatiza” o seu trabalho, isto é,
quanto mais ele se identifica como a máquina e se ajusta à velocidade requerida”
(RIBEIRO; LACAZ, 1984, p. 96). Sendo assim, um ritmo intenso de trabalho executado
em condições não favoráveis pode trazer além do desgaste humano, sérios prejuízos à
vida do trabalhador. Há ainda que se considerar que,
“quando ele [o trabalhador] não é vitimado por um acidente ou uma doença do
trabalho, dificilmente reconhecida como tal, ele vai sofrendo de algo indefinido, que
os médicos raras vezes sabem diagnosticar e, que hoje se chama de fadiga crônica ou fadiga industrial” (RIBEIRO; LACAZ, 1984, p. 97).
Portanto, seja absoluta14
ou relativa15
, pode-se entender que a mais-valia extraída
pelo capitalista evidencia pouca preocupação pela expressão da questão social presente
no processo produtivo: a saúde dos trabalhadores. Dizemos pouca preocupação, pois
ela não é nula, visto que a força de trabalho é “o ingrediente essencial da produção
capitalista” (MARX, 1988, p. 227), com sua capacidade própria de criação de valor. A
questão é que não apenas os meios de produção são consumidos na produção, mas
também a força de trabalho, mediante o próprio trabalho.
Como mostra o quadro abaixo, é possível constatar que a doença mais comum que
leva o trabalhador a afastar-se das atividades na indústria naval, especialmente no
Estaleiro Mauá, conforma o seguinte cenário:
13
Tanto para o empregador quanto para o empregado (RIBEIRO & LACAZ, 1984, p.94). 14
A mais-valia absoluta “envolve o crescimento da taxa de mais-valia através de um aumento do valor
total produzido por cada trabalhador sem alteração do montante de trabalho necessário. Isto pode ocorrer
devido a uma ampliação (intensiva ou extensiva) da jornada de trabalho (…)” (BOTTOMORE, 2001, p.
228). 15
A mais-valia relativa pode ocorrer segundo dois modos: “ou se reduz à quantidade de valores de uso
consumidos pelo trabalhador ou se reduz o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir a
mesma quantidade de valores de uso” (BOTTOMORE, 2001, p. 228).
10
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Gráfico elaborado pela autora
Com base nos dados acima expostos e conforme explicita RIBEIRO & LACAZ
(1984), a lombalgia é o diagnóstico mais frequente no que diz respeito ao afastamento
do operário na indústria em âmbito brasileiro, que pode surgir de um esforço excessivo
ou se agravar com o decorrer do tempo. Além disso,
A automatização do trabalho, a monotonia da atividade, repetição dos movimentos,
ritmo excessivo, trabalho noturno, parcelamento de funções, não valorização da
capacidade, de habilidade, etc., fazem do trabalhador um apêndice da máquina,
suprimindo a capacidade intelectual e de iniciativa, gerando um tipo de fadiga
psíquica de difícil recuperação, a fadiga industrial... (RIBEIRO; LACAZ, 1984, p.49).
Além do desgaste físico presente no dia-a-dia do trabalhador de indústria naval,
pode-se dizer que o trabalhador de indústria naval está sujeito a outros agentes físicos
como, por exemplo, o ruído, a temperatura, a vibração, entre outros agentes que também
contribuem também para o adoecimento mental do trabalhador, diante das pressões,
inseguranças e instabilidades geradas pelo regime assalariado de trabalho. O
desemprego, por exemplo, é uma das principais consequências trazidas pela
reestruturação produtiva, visto que há um maior investimento em tecnologias e redução
do número de empregados. E afeta em grande parte o setor naval de produção e,
consequentemente a saúde desta força de trabalho. Isto porque, o setor de serviços e a
informalidade crescem; a precarização, as subcontratações e os contratos temporários
passam a fazer parte do universo do trabalho, conformando um cenário de sucateamento
das relações de trabalho e negação dos direitos trabalhistas conquistados e consolidados
no Brasil na Constituição Federal de 1988.
Sendo assim, pode-se dizer que, a adoção do modo flexível de acumulação tornou-se
uma forma de obter maior controle e exploração da força de trabalho (ABRAMIDES;
CABRAL, 2003), afetando negativamente a saúde do trabalhador, de forma
11
VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
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intransparente. Isto é, se antes os trabalhadores tinham maiores possibilidades de
apreender sua condição de exploração, diante do regime toyotista, esta exploração
aparece de forma escamoteada e os desgastes advindos desta exploração são manifestos
na sua forma imediata, expressando apenas os aspectos biológicos e psíquicos. Freire
(2010) destaca que os principais impactos à saúde dos trabalhadores decorrente do
processo de reestruturação produtiva foram: As doenças relacionadas diretamente às
novas tecnologias e gestão do trabalho, tais como as lesões por esforço repetitivo e
doenças psíquicas; a ampliação das doenças preexistentes às inovações tecnológicas,
como a silicose, o benzenismo, as intoxicações por metais pesados etc. e; o índice dos
acidentes de trabalho que continuam alarmantes (FREIRE, 2010, p.174-175).
Por isso, não se pode negar que juntamente com o regime de acumulação flexível, a
ideologia neoliberal exerce um importante papel que consiste em “mobilizar os
trabalhadores (objetivamente e subjetivamente) para assumirem a cultura de integração
do trabalhador à empresa e à lógica do capital” (LOURENÇO, 2009, p. 69). Este é um
ponto importante a ser considerado, pois é no contexto da reestruturação produtiva, que
a hegemonia neoliberal difundiu suas ideias que propunham combater reduzir os gastos
sociais que o Estado vinha tendo diante do poder dos sindicatos e operários em suas
lutas por melhores salários, condições de vida e trabalho (ABRAMIDES; CABRAL,
2003).
Considerações Finais
Quando o assunto é indústria naval, é possível observar o grande fluxo de
empregabilidade da força de trabalho nas atividades de construção de navios, o que leva
a situar o discurso da geração de empregos que o Promef16
fomenta. De acordo com o
site da Transpetro17
, além das novas construções e da expansão dos estaleiros, pode-se
contabilizar a criação de mais de 15 mil vagas diretas neste setor produtivo
(TRANSPETRO, 2012). Contudo, cabe aqui desvelar que esta geração de empregos não
16
Atualmente, o Estaleiro Mauá segue o Promef - Programa de Modernização e Expansão da Frota – da
Transpetro, visto que ganhou o processo licitatório e deverá construir quatro produtos (navios
petroleiros). 17
A Transpetro é uma empresa de logística e transporte de combustíveis no Brasil, subsidiária integral da
Petrobrás, criada em 1998, a fim de atender às atividades de transporte e armazenamento de petróleo e
derivados, álcool, biocombustíveis e gás natural. Disponível em: <http://www.transpetro.com.br> Acesso
em 28, abr. 2012.
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VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012, UNESP- Franca/SP.
é sinônimo de estabilidade. Quando se trata de produção de acordo com a demanda,
isto significa muita das vezes, emprego de acordo com a demanda também.
Diante deste contexto, pode-se supor que as condições de exploração da força de
trabalho e suas repercussões nas situações de saúde dos trabalhadores, poderiam
contribuir como fatores de motivação de resistência, o que não se efetiva na realidade.
Ao contrário, pode-se perceber que a classe trabalhadora vem se tornando enfraquecida
ou mesmo pouco mobilizada frente ao crescente desemprego e precarização das
condições de trabalho. Isto porque, diante de um “exército industrial de reserva”
disposto a entrar a qualquer momento no mercado de trabalho, fez e faz, historicamente,
com que a ameaça da perda do emprego esteja sempre presente para aqueles que estão
trabalhando. Esta insegurança reforça a subordinação ao capital e às condições postas
para o trabalhador, mostrando que é preciso investigar o que há “por trás” desse
processo.
Além de tais condições, pode-se convir a conformação de uma maior intensificação
do processo de alienação. Processo este que fora muito mais explícito nos tempos das
relações fordistas de produção. E hoje, apesar do “estranhamento” não se mostrar de
forma explícita, é possível compreendê-la dissimulada nas relações sociais de produção,
tornando-as estritamente subordinadas à lógica capitalista. Ao que tudo indica vem se
demonstrando fragilidades no nível de pouca indignação por parte dos trabalhadores,
talvez se aproximando de situações de alienação.
Portanto, as características do trabalho nas indústrias navais aqui apresentadas,
apreendidas como parte da totalidade da vida social permite apreender não somente os
riscos a que estão submetidos a força de trabalho deste setor de produção, mas a
configuração das relações sociais de trabalho, que também trazem o processo de
adoecimento no trabalho, sob uma perspectiva que não individualiza ou culpabiliza os
trabalhadores por suas situações de doenças. Lourenço (2010, p.394) coloca que a saúde
dos trabalhadores tradicionalmente foi examinada a partir dos riscos apresentados pelas
condições de trabalho ou ao que pode ser constatado por exames médicos, mas o
entendimento requer, além dos conhecimentos da medicina e engenharia, diálogo com
outras profissões. Acidentes de trabalho e adoecimento dos trabalhadores devem ser
pensados também a partir das relações sociais de trabalho e, neste ponto, acredita-se que
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VIII Seminário de Saúde do Trabalhador (em continuidade ao VII Seminário de Saúde do
Trabalhador de Franca) e VI Seminário “O Trabalho em Debate”. UNESP/
USP/STICF/CNTI/UFSC, 25 a 27 de setembro de 2012, UNESP- Franca/SP.
o Serviço Social pode contribuir para desvendar esta expressão da questão social que
são os agravos à saúde dos trabalhadores.
Referências
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