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Villa da Feira 25

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Publicidade: Telef.: 965 310 162 | 256 379 604

Fax: 256 379 607Tiragem: 500 exemplaresEdição: N.º 25 - Junho de 2010Pré-impressão, Impressão e Acabamento:Empresa Gráfi ca Feirense, S. A.Apartado 4 - 4524-909 Santa Maria da FeiraSede Social: Edifício Clube Feirense - Associação Cultural Vila Boa - 4520-283 Santa Maria da FeiraEmail: [email protected]ósito Legal: 180748/02ISSN: 1645-4480Reg. ICS: 124038Depositária: Livraria Vício das Letras Rua Dr. José Correia e Sá, 59 4520-208 Santa Maria da FeiraApoios: Câmara Municipal Santa Maria da Feira Irmãos Cavaco S.A. E. Leclerc Termas das Caldas de S. Jorge Sociedade de Turismo de Santa Maria da Feira Patrícios, S.A. Centralobão.

Ficha Técnica

Título: Villa da Feira - Terra de Santa Maria

Propriedade: LAF - Liga dos Amigos da Feira ®

Director: Celestino Portela

Director Adjunto: Fernando Sampaio Maia

Colectivo Editorial - Fundadores LAF:

Alberto Rodrigues Camboa; António Luís Carneiro;

Carlos Gomes Maia; Celestino Augusto Portela; Joaquim Carneiro

Processamento de Texto: Carla Maria Costa Ferreira

Coordenação Científi ca: J. M. Costa e Silva

Supervisão Editorial e Gráfi ca: Anthero Monteiro

Colaboração do TOC, Belmiro da Silva Resende

Periodicidade: Quadrimestral

Assinatura anual: 30 euros

Assinatura auxiliar: 50 euros

Este número: 15 euros

Pagamentos por:

Transferência bancária NIB 007900001127152910124

Cheque à ordem de LAF - Liga dos Amigos da Feira

Capa: Portão da Lavandeira.

Fotografi as: Óscar Maia, J. M. Costa e Silva, Arquivos particulares,

LAF e Fotos Web por José Correia

Redacção e Administração: Apartado 230 • 4524-909 Feira

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Pórtico

O Senhor Dr. David Simões Rodrigues quis surpreender-me, como surpreendeu, com a investigação da história da Casa da Lavandeira, que se revelou rica pelas ligações que teve com a Ordem de Malta e Casas importantes da região de Aveiro e Lamego. Essa Casa, que meu Pai comprou em 1921, veio a ser esta coisa linda – a Nossa Casa, onde nasci, nasceram seis minhas irmãs e faleceu Minha Mãe. Esta casa, onde brinquei, cresci e onde, aos catorze anos, chorei a morte de Meu Pai, é a que ainda se conserva na posse dos seus descendentes. Aceitem os estimados leitores que ocupe este espaço para expressar ao Senhor Dr. David Simões Rodrigues o mais vivo agradecimento pelo seu estudo, que me diz particularmente respeito, que é, acima de tudo, uma valiosa achega para a História da Terra de Santa Maria.

O Director,

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6 Florença

Pode-se ser tudo em Florença, sobre Florença ou junto ao rio, ao seu vago rumor por sob as pontes.

Podem as pedras perder o seu destino e tornarem-se estátuas e as estátuas ganharem movimento.

Pode a noite correr à nossa beira ou deslizar, suave, na garganta.

Pode, apesar do rigor dos edifícios, da serena posição das torres,da nem sempre sincera fisionomia dos turistas,dos rostos fatigados pelos pincéis da tarde esmorecendo,desvanecer-se a paz em Florença.

Pode-se morrer em Florença,à hora branca do pequeno almoço,com algumas migalhas na gravata,no piano, Rossini.

Pode-se, suavemente, morrer-se em Florença,nos corredores, nas salas dos Ufizzi,nos mercados de palha,à luz do sol no Duomo,nas mesas passageirasdos super-ocupados “self-services”.Pode, em Florença, sob a luz de Setembro, a qualquer hora Vénus renascer,entre ventos e mantos.

Pode doer Florença por diferença, excesso ou derradeiro brilho queimando os vidros todos da cidade.

Pode perder-se Florença, imaginando que em Florença (à chuva) talvez fosse possível ser feliz.

António Rebordão Navarro*

*Escritor. Poeta.

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7 EVOCAÇÃO DO DR. ALCIDES STRECHT MONTEIRO NO PRIMEIRO CENTENÁRIO DO NASCIMENTO

Estamos no centenário do Dr. Alcides Strecht Monteiro, que foi deputado da República e Vereador da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, após uma vivência em que se destacou como Homem, Advogado, Cidadão e Político, digno do respeito de todo o Concelho e não só. Ao Lembrá-lo, estamos a considerar, como Gabriel Garcia Marquez, que “ a nossa vida, não é o que acontece, mas o que recordamos e como recordamos”. E do Dr. Alcides Strecht Monteiro lembramos um homem digno, um cidadão empenhado e fraterno, um advogado competente e justo, um político aberto e tolerante, um carácter assente na verticalidade, nos valores que estruturam a dignidade humana e na frontalidade do assumir de convicções. Devemos seguir o seu exemplo, porque como escreveu Miguel Torga: Todos nós somos estafetas de uma grande corrida, a receber e a passar o testemunho”. E devemos seguir o seu exemplo, até porque, nos tempos actuais, faltam à vida colectiva, e também à sua vertente política, os valores e princípios que em todas as circunstâncias

e tempos deveriam ser o luzeiro que ilumina o trajecto humano. Membros de uma República que existe também graças ao empenhamento cívico do Dr. Alcides Strecht Monteiro pela Liberdade e pela Democracia, devemos aproveitar do legado que nos deixou e não permitir que a sua vida e testemunho se percam com o desgaste natural da memória dos homens que o conheceram. Para tanto, importa que as gerações mais novas saibam quanto custou a Liberdade, que perigosos caminhos foi necessário enfrentar para termos a Democracia e quanto devemos fazer para que esses bens não se degradem, desperdicem ou destruam. Neste sentido, sinto-me honrado por nesta hora poder evocar um Homem e um Cidadão cuja estrutura ética e democrática o colocaram entre aqueles que as pátrias libertam da lei do esquecimento.

Abril 2010

Vitor Fontes*

* Deputado da Assembleia da República.

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SUMÁRIO

Pórtico Celestino Portela 5Poesia António Rebordão Navarro 6Evocação Vitor Fontes 7Lavandeira David Simões Rodrigues 9Homilia Festa das Fogaceiras 2010 D. Amândio José Tomás 101Poesia Conceição Paulino 106Festa das Fogaceiras em Caracas, 2010-01-31 Celestino Portela 107Saudades de Emigrante Francisco Pinho 114Lenda da Fogaceira de Santa Maria da Feira Francisco Pinho 115Alcides Strecht Monteiro - 1º Centenário do Nascimento - 1910 - 2 de Abril - 2010 117Em Honra do Dr. Alcides Strecht Monteiro. Homenagem ao Homem, ao Político e ao Advogado Manuel de Lima Bastos 119Memória de Alcides Strecht Monteiro Celestino Portela 129O Batalhão de Caçadores N.º 11. Entre Toulouse e a Feira, em 1814 Manuel Jorge Pereira de Carvalho 137Arrifana e a Sua História Manuel Leão 145Poesia Ilda Maria 148Dicionário Biográfi co de Personalidades Feirenses Francisco Azevedo Brandão 149Poesia Maria Fernanda Calheiros Lobo 162Visitações de Pigeiros (Feira) Domingos Azevedo Moreira 163Poesia H. Veiga de Macedo 172Mosteiro de Canedo Frei Acaribe 173Elevação a Vila das Caldas de S. Jorge Fernando da Silva Coelho 175Apresentação do Livro Itinerário da Vida de um Homem Comum Eugénio dos Santos 179Nota da Redacção 191Poesia Sérgio Pereira 192As Primeiras “Leis” Jorge Augusto Pais de Amaral 193Poesia Mário Anacleto 196A Amada das Cantigas de Amor: Casada ou Solteira? Maria da Conceição Vilhena 197Poesia Judite Lopes 204Pela Beira Alta, no Rasto de Aquilino Ribeiro Manuel de Lima Bastos 205Poesia João Pedro Mésseder 212Relatos de Viagens Maria do Carmo Vieira 213Para um Aniversário Joaquim Máximo 217Mensagem Escrita João Rodrigues 218Postais do Concelho da Feira Ceomar Tranquilo 219Poesia Edgar Carneiro 225

Os artigos publicados nesta Revista são da responsabilidade científi ca e ética dos seus autores.

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QUINTA DA LAVANDEIRA LAVANDEIRA, ETIMOLOGIA Provirá do substantivo feminino «Lavandeira», que tanto pode relacionar-se com ave como com ribeiro. Mas aqui, ribeiro que a atravesse, apenas o Cáster, e não vemos qualquer outro. Assim sendo, por exclusão de partes, inclinamo-nos para que a origem esteja na ave com esse nome. Há, por todo o Norte de Portugal, Cinfães e Valpaços sobretudo. Encontra-se, em Valpaços, a forma protésica «Alavandeira», que pode nada ter a ver com a aljamia ou arabização. Não se sabe bem porquê, mas este topónimo é raro no Sul do País. Há uma ribeira com este nome, perto de Moura, no Alentejo, mencionada já em 1258 nas Inquisitiones, Portugaliae Monumenta Historica, pg. 316. A primeira vez que a “Lavandeira”, topónimo, entrou na documentação antiga, foi em 1008. Seguiram-se-lhe outros. Lauandeira, 1008, nos Diplomata et Chartae, p. 121. Lavandaria, 1090, (ibidem, pg. 441) Lavandeira, 1220, Inquisitiones, Portugaliae Monumenta Historica. (pg. 195 e pg. 430).

Levandaria , em 1258, (ibidem pg. 646)O topónimo é frequente na Galiza, sobretudo nas províncias de La Corunha e de Orense. Não se fala da Lavandeira, São João de Ver, já próximo da estrema da freguesia de Santa Maria de Lamas. Mas esta, para além da homonímia, nada tem a ver com a Lavandeira da história que se apresenta. Lavandeira - era o rio Lavandeira ou simplesmente o Lavandeira, assim nomeado até ao séc. XX adiantado. Este foi substituído pelo erudito Cáster que a obliterou.

ETAPAS DE UMA HISTÓRIA 14 DE JUNHO DE 1135, primeira documentação escrita 14 DE JUNHO DE 2010, data desta publicação

Antes de prosseguir, para melhor compreensão deste trabalho, podemos desde já antecipar questões pertinentes. Esta antecipação vai no sentido de deixar alguns esclarecimentos. A Lavandeira de que aqui se trata não é ela só, no seu tempo e no seu espaço. Os nossos estudos levam-nos a esclarecer o leitor de que ela está muito para além de si própria porque em muito se transcende para além do seu tempo e do seu espaço, pois, as ligações inter familiares por via de matrimónios pelos tempos fora foram-lhe adicionando outros tempos e outros espaços que foram construindo a sua própria história e nela a história própria de Lavandeira. Se cada um de nós somos nós e as nossas circunstâncias, verdade é também que esta Lavandeira é ela própria e as suas

LAVANDEIRA I

David Simões Rodrigues*

* Licenciado em Filologia e Literatura Grega e Latina, Clássicas, com as variantes de Literatura Brasileira e Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa. Diplomado em Histórico-Filosófi cas. Curso de Teologia. Dedica-se à investigação Histórico-Científi ca.

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circunstâncias, e são estas a que procurámos dar o relevo tanto quanto baste à sua compreensão. E foi agradável surpresa verifi car que, feliz e mera coincidência, estávamos a fazê-lo no exacto momento em que esta Lavandeira, neste preciso mês de Junho de 2010, perfaz 875 anos da sua história documentada, tantos quantos vão de 14 de Junho de 1135 a 14 de Junho de 2010. E, mais curioso, depois de vários adiamentos por motivos alheios à vontade do autor. Não esqueça o leitor que a própria publicação faz parte da História da Lavandeira.

A LAVANDEIRA E A RUA A Quinta da Lavandeira é uma dessas muitas quintas por que antigamente se repartia a área administrativa da freguesia de São Nicolau da Feira e que transcendia o limitado centro urbano da Vila, constituído até há 30, 40 anos, estritamente, por essa faixazita de casas chamada, por antonomásia, Rua. Signifi cativo do exposto, é o que o insigne etnólogo Leite de Vasconcelos deixou escrito sobre importantes povoações históricas, entre as quais se conta a Vila da Feira. Diz ele que «… de começo, nos respectivos locais, se construíram, paralelamente, dois renques de casas e que ao espaço intermédio se chamou RUA, nome que fi cou até hoje como nome próprio. Com isto se liga o haver ainda (1935) em algumas povoações, por exemplo, na Vila da Feira e Arrifana, do mesmo concelho, RUAS que se chamam assim. À Rua Direita, da Feira, chama o povo apenas RUA...»1

Efectivamente, o urbano da Vila da Feira, até a um tempo ainda próximo de nós, mais ou menos 1960, outra coisa não era senão essa estreita e curta rua ladeada de casas desde um pouco antes do Rossio até à antiga paroquial (1566) de São Nicolau, hoje Misericórdia, mudada que foi a paroquial nesse ano para o que é hoje igreja e convento dos Lóios. Em redor, eram campos2 de Quintas que a envolviam e cujas casas, todas elas simples, se erguiam solitárias nesses descampados de lavoura. A Lavandeira, muito rural, quase só ela, se lhe sentava por perto, sem brasão. No oposto, a do conde de Fijô, com palácio brasonado e capela. Depois ali por perto, encontravam-se a das Justas e a das Ribas que se aninhavam com a dos Pereira ao redor do Castelo.

Mas aqui, o que se deseja realçar é o facto de o velho burgo da Feira se resumir então àquela curta fi leira de casas olhando-se de frente, a Rua. A Lavandeira residia ali mesmo ao lado desta Rua, no caminho de quem, deixando o que leva ao Casal, se dirige para a Azenha, Picalhos, Rolães e Piedade, e cujo centro de bifurcação está marcado por alminhas cuja data é de 1894.

A LAVANDEIRA EM 1135 Para além da antiguidade histórica da acima citada onomástica da Lavandeira, outra documentação de outros factos se encontram falando dela. Documentada, muito antiga história dá-lhe voz, e tão antiga que a encontramos antes mesmo da nacionalidade. Efectivamente: Em 14 de Junho de 1135, era ainda Portugal condado, quando o prócere do Conde D. Henrique, Telo Álvares e sua mulher Ouroana Mendes, juntamente com Garcia Odoriz e sua mulher Sancha Pais, fazem carta de escambo de terra sua em Paços de Brandão3 por outra, a Lavandeira. Assim, dizem eles, fazem troca «… de hereditate nostra propria quam habemus in villa Palatiolo et subtus monte Sagitetela, discurrente rivulo Maior, … pro qua accepimus a vobis pretio alteram hereditatem in Lavandeira…». Quer dizer que possuem ”… propriedade na aldeia de Palacíolo (Paços de Brandão) próximo do monte Seitela situada nas margens de Rio Maior, pela qual, em troca, recebemos outra vossa, sita na Lavandeira.” Por falta de registos, não sabemos qual foi a vida da Lavandeira até 1500-1600, os quais, na própria tombação da Comenda, aparecem apenas em 1600.

1 «Etnografi a Portuguesa», vol. VI, p. 632, Imprensa Nacion - Casa da Moeda, 1938, José L. Vasconcelos.2 E tão Campos eram que deixaram topónimo identifi cativo.

3 ”Le Cartulaire, Baio-Ferrado du Monastère de Grijó», (XI-XIII siècles), Paris 1971. Nº 209, página 195. Este palatiolo parece-nos o actual Paços de Brandão e não Paçô, lugar de São João de Ver. O que nos leva a ver ali com certa segurança Paços de Brandão são os pormenores bastante claros desta sua localização. Quanto à «Lavandeira», já se não apresenta tão claramente. Será a Lavandeira, lugar de São João de Ver, mais próximo de Santa Maria de Lamas? Será a nossa Lavandeira que se tornou morgadio em 1652? É certo que nos parecem fundamentados nas ligações de senhorios medievais à Comenda de Rio Meão, da Ordem de Malta. Recordamos, apenas a título de exemplo, o caso de Fernão de Andrade da Feira, em Alpoços de Rio Meão e a sua presença na igreja de Paramos, na polémica posse do seu novo Abade, dada pelo Colégio Jesuíta de Coimbra, de que Paramos, Pedroso, Sanguedo e outras eram de polémica nomeação. E tão polémica que deu origem a longos e demorados processos com o cabido do Porto no centro das demandas. A sua agregação aqui não será tanto substancial quanto o juntar-se folha histórica mais à desta nossa Lavandeira e verem-se mais amplamente as suas interligações e interferências na vida de outras instituições.

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A LAVANDEIRA E A ORDEM DE MALTA Corria ainda o ano de 1182 quando Fernando João, Senhor de Pessegueiro, administrador da Terra de Santa Maria e sua mulher D. Maria Mendes, à Ordem de Malta, na pessoa do Prior do Hospital, faz doação da «igreja de São Vicente de Pereira com todas as suas pertenças e direitos...» O tempo e a História ligariam entre si estas propriedades pela ordem de Malta e depois pela Lavandeira. Esta sua doação faz entrar na posse da Ordem de Malta os numerosos bens que esta possuía na Feira, em São Vicente de Pereira e em São Martinho da Gândara, bens que vieram a constituir, com muitos outros de doações, a parte substancial

daquilo que fi cou conhecido por Comenda da Ordem de Malta de Rio Meão,4 com sede na freguesia deste nome. Do tempo do Grão-mestre D.António Vilhena (pg.17) é a tentativa de constituir a Lavandeira em capela ou morgadio como se vê do momento próprio desta narrativa, pois da Comenda de Rio Meão da Ordem de Malta era também o prazo da Lavandeira. Cerca de 1220, D. Afonso II ordena as primeiras inquirições gerais no Reino, com o fi m de averiguar judicialmente «a natureza das diversas propriedades, dos diversos direitos senhoriais e dos padroados das igrejas e mosteiros.»(Diz Herculano).

4 No Foral da Feira, outorgado em 1514 pelo Rei D. Manuel I, a este Azevedo chama-se «Azevedo da Bailia», devido às muitas terras que ali possuía a Comenda de Rio Meão, do Bailiado de Leça. Desde 1146, quando Nuno Mendes vende aos Cavaleiros do Templo de Jerusalém, Malta, uma herdade da «villa» de Azevedo de Suzão, e «três partes do campo que foi de D. Telo que o havia trocado com Egas Odoris e com o abade Diogo Camelo.» B.N.L., Maço 736, fl s. 325 e 326. Ver «Resenha Histórica», 1935 e 1937, pg. 83, da autoria do Padre Augusto de Oliveira Pinto.

Igreja do Mosteiro do Balio.

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Ao chegar a inquirição à Vila da Feira se diz que «In Vila de Feira habet …Ospital VIIII casalia, et Templum I…» À Lavandeira se refere J. Anastásio de Figueiredo, na sua «Nova História da Militar Ordem de Malta», vol. I, pg. 362. E aqui, entre os casais mencionados, se conta também a Quinta da Lavandeira, que ali fi gura como um dos dois Casais do Tombo da Comenda de Malta, de 1731.

O MORGADO DA LAVANDEIRA E VILA FLOR De facto, aparece na tombação do novo prazo que D. Sancho Manuel de Vilhena autoriza e por isso vamos encontrá-la integrada no lote de terras aforadas à Comenda de Rio Meão, da Ordem de Malta, do Balio de Leça. E tanto assim que em 12.03.1731, na renovação deste prazo, D. Manuel de Vilhena, marquês de Vila Flor, e seu senhorio directo, manda que, no novo aforamento, no prazo velho, se carreguem mais 1$000 réis. Era nesse tempo 2º morgado ou administrador do vínculo, José Leite Pereira de Berredo, 5 descendente dos Leites de Quebrantes, Campobelo e Casa Queimada de Ramalde, Porto. Anote-se, por curiosidade, e complementaridade, que deste Ramalde era um dos seus habitadores e Conservador do Registo Predial na então Vila da Feira, o Dr. D. Fernando Tavares e Távora, antecedente imediato do último adquirente, por compra em 1921, Sr. Celestino Augusto Portela. Na verdade, esta Lavandeira, que foi Conservatória do Registo Predial nos anos de 1919 e alguns anos residência do seu Conservador, havia de albergar a sede da PSP da Vila da Feira, onde ainda funciona, Junho de 2010.

QUINTA DA LAVANDEIRA ATRAVESSA TRÊS PRINCIPAIS REGIMES POLÍTICOS.

A) - O Absolutismo, campo social e político propício à proliferação dos Morgadios. E aqui temos a Lavandeira, Morgadio nascido em 1652, no testamento com que falece o instituidor Manuel Leite de Miranda.

B) - O Liberalismo, 1830, encontra-a nas mãos de António Leite Cabral, sargento-mor de Arouca, que falece na Casa de Eiriz a 30.06.1830. Já nesta altura os políticos liberais se preparavam para apressar a extinção6 dos morgadios, pois reduzem-nos e quase os extinguem, o que aconteceu em 1863. Mas já nesta altura a Lavandeira se achava numa situação de acidente de Eiriz que aqui vinha apenas para receber os foros, e do Formal ao qual servia apenas par lhe ir pagando a contribuição sobre a capela com que foi onerada desde a sua inauguração com a bênção, em 1719. (pg.73).

C) – O Republicanismo – Em 5 de Outubro de 1910, com a implantação da República, dá-se a sua alienação. É seu senhorio D. Júlia Leite Cabral Castelo Branco, que habita o Formal ou Azevedo de São Vicente de Pereira. Mas grande parte da Lavandeira, incluso o casco da quinta, chega à 1ª República já em mãos plebeias, depois de atribuladas demandas nos tribunais. Em 1921, volta a mudar de senhorio por compra pela família Portela, em cujas mãos se encontra neste 2010.

O tratamento histórico da Lavandeira, neste momento e pelo autor, é um desses acasos surgidos no cruzamento de linhas com que tantas vezes se tece a História. Cremos que ainda bem, pois, por aqui tivemos o sortilégio de, uma vez mais, descobrir o fascínio da História, sempre solícita em surpresas, pelo menos na forma como inopinadamente nos arranca do lugar a que nos julgávamos fi xos e nos conduz a novos cenários, paragens, famílias e circunstâncias, por vezes as mais exóticas, e a ambientes geográfi cos, sociais, culturais muito para além do inicialmente imaginável. Tão depressa se mergulha na rua esconsa como na avenida de metrópole, como se perde por cumeadas de serras abruptas de soberbas paisagens buscando casa senhorial, capela familiar, cemitério, tanto como se desce a vales apertados e se depara com surpresa passado de glória

5 José Leite Pereira de Berredo. Filho do Dr. Gaspar Leite Cabral, Cavaleiro Professo na Ordem de Cristo, familiar do Santo Ofi cio, e de D. Maria da Silva, natural da cidade do Porto. São residentes na Vila da Feira. Eram pais de Manuel Pereira de Berredo e da religiosa de Arouca D. Mécia Leite de Berredo. O Dr. Gaspar era fi lho, 1671, do Dr. Diogo Leite de Miranda

6 O Decreto de 30.07.1860 deu um passo substancial para abolição dos morgadios, na medida em que seguiu uma linha meramente restritiva deles, ao estabelecer número e conservação apenas dos mais importantes, que não era o caso da Lavandeira, actualizando o critério mínimo da sua conservação por lei, segundo a qual só os morgadios que apresentassem rendimento anual líquido superior a 400$000 réis podiam ser mantidos. Finalmente o Decreto de 19.05.1863 encerrou a história dos morgadios em Portugal, conservando apenas a Casa de Bragança, graças à carta-patente de 27.10.1645 que a criara.

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numa casa a desfazer-se de abandono num recanto encostada ao morro que ainda a ampara enquanto barrigudo caseiro apoiado ao junco da sua já trôpega velhice, nos sai do casaréu de tosca pedra e telha vã, gémeo da azenha já cansada de tanto moer, moendo agora apenas passado, tempo e pobreza, e que de pobreza vai carpindo lenta e podre nos cabeçais e na moenda gasta um passado que foi grande. Encosta da estrada serpenteando (foto) o acesso ao

cume de Piães onde se divisa a paroquial e casas limítrofes. Conforme imagem seguinte. Notórios socalcos do cultivo. Bem no cocuruto do cerro cavalga-lhe o dorso a sede da freguesia de São Tiago de Piães onde buscamos as casas senhoriais da Quintã e da Vista Alegre, (foto) parentes da nossa Lavandeira. Na sequência vem Sequeiros, de que resta apenas o chão, e de Monterroios de Piães de que só fomos encontrar restos. (pgs.60 e 61).

Encostas cuja estrada vai subindo para o alto do monte da sede e da igreja de Santiago de Piães.

7 Coincidência ou não, D. Ana Amélia Pinto da Cunha Lopes da Fonseca Lemos encontrava-se no solar do Carrapatelo, tranquila, com sua mãe D. Ana Vitória de Abreu Vasconcelos. Havia de testemunhar, na noite de 08.01.1852, a fi gura sinistra do Zé do Telhado, capitão da quadrilha do assalto, cuja fama arrepiante de audacioso salteador e ladrão implacável corria todo o Norte e Sul do Douro. Desta quinta, em 1864, foi casar a Quintã, ligada à da Vista Alegre, da mesma freguesia de Piães, um tal Huet de Bacelar Sotto Maior Pinto Guedes cujo familiar, Duarte Huet Bacelar, por sua vez, veio à Feira casar, na outra banda da rua, com senhora da Chamuscada,

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O Casal Seco copiou-lhe a história, compensada pela senhorial da Póvoa, (foto pág. 18) próxima já da Barragem do Carrapatelo com a Casa da Ferreirinha do outro lado à beira Douro que tomou notoriedade pelas piores das razões, porque a recebeu desde que devassada pelo bando do Zé do Telhado7. Ainda na rota das ligações à Lavandeira, vem a seguir a Casa do Outeiro, nora, velho e cão deixados acima. São Cristóvão de Nogueira apresenta-se com a sua capelinha brasonada amparada à senhorial de modesta escadaria ao centro.(foto pág. 23 e 24) do quadrado urbano, sem espavento. Paciente, a perícia do Sr. Valdemar Vidal nos vai conduzindo pelas sinuosas vias das encostas de vinhedos do Douro. É História que se procura e se faz. Também se junta Eiriz em São Salvador de Arouca ligado a Cimbres de Armamar e por sua vez ao Formal de São Vicente

de Pereira. Todo este mundo de terras e famílias, que não é tudo ainda, está cheio de marcos de história, quem diria? que faz parte da vida da nossa humilde Lavandeira de um tempo que passou e se constitui em parte da sua apagada, mas não vil tristeza. E quem diria que todo este universo, somente em parte apontado, constituiu brilhante constelação de várias famílias ilustres dispersas por estas variadas terras com história, nossa também, porque nada é indissociável, e mesmo ainda não de todo apagada na memória e na história? É essa luz que tentaremos erguer em nome da História mostrando esta Lavandeira, hoje esquadra de Polícia de Segurança Pública, e que foi um dos Casais da Ordem de Malta na freguesia de São Nicolau. Ordem nascida à sombra das Cruzadas de Libertação do Santo Sepulcro caído sob o

Vista do centro da freguesia de Piães em cuja área se centram muitas Quintas ligadas à Lavandeira.

a que indevidamente chamaram Lavandeira, mas que não é a nossa. Era conhecido por Morgadinho. E foi também um destes Huet que procurou a Misericórdia para descarregar a consciência, pagando-lhe uma dívida em nome de antepassado que, por quaisquer rendas ou foros que devia a esta instituição, como referimos no nosso trabalho sobre a sua Igreja a convite da Provedoria desta Santa Casa. Veja o leitor as voltas que neste pequeno espaço deu uma parcela da história desta Vila da Feira, num passado relativamente recente.8 «Dízimos a Deus». Imposto estabelecido sobre bens imóveis destinado a garantir a decente celebração dos actos de culto em algumas igrejas e capelas, reparando estragos e provendo a guisamentos.

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domínio dos Maometanos, Ordem de Malta a que pertenceu a Quinta do Formal, São Vicente de Pereira, que foi o antigo concelho de São Vicente de Jusã. E ainda se fi cará sabendo como a Lavandeira fi cou para sempre cativa dos «dízimos a Deus»,8 nela impostos a quando da construção, em 1719, da capela nesta Quinta, benta pelo abade de Fornos, Padre Xavier Monteiro, como se pode ver do respectivo processo de petição, construção e bênção, insertos na documentação na posse da respectiva casa a cujo tombo, citado em lugar oportuno, tivemos acesso. Na casa senhorial de Vista Alegre de Piães ligada à Lavandeira, o armoriado apresenta nada menos que 14 das outras mais famílias ilustres que a ela se ligaram por

casamentos, acumulando títulos e genealogias. Teve o lapidário perícia e engenho bastantes para arrumar aqueles 14 apelidos heráldicos no esquartelado dos campos do escudo. Voltado a poente, entalhado no cunhal da capela do bem apessoado solar e capaz de receber numerosa família, se vê o brasão com as armas dos Tavares, dos Cabrais, dos Castelo Branco, dos Pinto, dos Castro, dos Vasconcelos, entre outros. (pág. 22). Em nome de seu fi lho, D. António Manuel de Vilhena, Marquês de Vila Flor, (pág. 17) faz a José Leite Pereira de Berredo e sua mulher D. Isabel Maria Josefa de Lima, então moradores na rua de São Miguel, Porto, por seu bastante procurador, o Padre Jacinto Luís de Azevedo, abade de Arada, anexa também da Ordem de Malta com a sua vizinha freguesia de Maceda, faz o aforamento do domínio útil destes específi cos bens, em Azevedo de S. Vicente de Pereira.9

Colocou, porém, em nossas mãos, o Sr. Dr. Celestino Portela, um precioso in-fólio de grossa e bem apresentada encadernação com oportuna e funcional documentação fornecedora de elucidativas pistas que nos conduziram já ao contacto com todas as referidas Quintas, terras, Juntas de freguesia, Câmaras, entidades particulares e públicas.

As descrições dos nossos interlocutores possibilitaram o acesso a uma conclusão mais ou menos objectiva. E dizemos mais ou menos, porque isto de história nunca nada está completo nem é defi nitivo. Esta alterabilidade ou não está na eventualidade do aparecimento de qualquer novidade documental que pode modifi car o que pareça porventura defi nitivo.

Felizmente, chegou às nossas mãos precioso novo documento10 que possibilitou fontes de história que veio colmatar muito hiato informativo da Lavandeira, guardado no ancestral espólio familiar da mui nobre Senhora D. Maria

Interior da capela de Cimbres. Abandono escorado.

9 «Tombação das casas assobradadas da Quinta de Azevedo com sua capela a São José, forrada de castanho.», com a renda de 4.500 réis. Da capela se faz história noutro momento, tudo da mesma época.10 Trata-se de um «TOMBO DO VÍNCOLLO DA LAVANDEIRA DA VILLA DA FEIRA», facultado ao autor pela dita Senhora, residente na cidade de São João da Madeira, nascida em 26.11.1926, em Eiriz, Arouca, , a quem vivamente agradecemos a forma distinta e franca com que sempre nos recebeu e prestou a dar esclarecimentos sobre assuntos aqui tratados e não claros na documentação compilada nos «Tombos».

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Luísa Castelo Branco de Brito Pinheiro. Por ela fi cámos integrados no circuito histórico do Formal, (Imagem) (pg.16) e do morgadio da Quinta da Lavandeira, aforamentos, casco do seu património, que, posteriormente, foi alargado aos morgadios de Eiriz e de Cimbres, em consequência de uniões matrimoniais como já acima se adiantou. Deixaram-nos essas notícias uma primeira impressão sujeita a acertos de pormenor. De todas as quintas mencionadas, seria a nossa Lavandeira das mais modestas, na medida em que todas as restantes apresentam as moradias dos seus senhores dotadas de casa de sobrado,

a que se lhes arrima escadaria de acesso, ao gosto visível dos antigos traçados solarengos, e brasão. Para além do inseparável acompanhamento da capela, geralmente integrada no complexo arquitectónico, fomos encontrar essas casas senhoriais dispersas por variadas terras, o que em muito alargou e enriqueceu o universo histórico desta Casa Senhorial confi rmando que nem sempre as coisas são o que parecem. Na verdade, em abono do que se afi rma, na sua órbita histórica gravitam, para além da Ordem de Malta, com sua Comenda de Rio Meão:

Porta principal da cerca do edifício da Quinta e Casa do Formal ou Azevedo. Heras encobrindo cruz central e pináculos. Sem brasão.

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Cimbres de Armamar; Eiriz de Arouca; Formal-Azevedo, de São Vicente de Pereira, Vista Alegre de Piães; Cidadelhe de Lamego; Póvoa de São Cristóvão de Nogueira. Sem capela: Outeiro, de Nogueira, nem Sequeiros, nem Casal Seco, ambas de Piães, além de outras que se não juntam porque seria um nunca acabar. A de Cimbres (pág 20) é, hoje, 2010, e desde o início do séc. XX, por compra do avô, do Dr. António dos Santos Carvalho, advogado, e, como o pai, lá morou. Está com a

provecta idade de mais de 90 anos, morador em Lisboa, Avenida da Praia da Vitória, 41, 1º, 1264, Lisboa. Tivemos notícia de que faleceu e hoje, 2008, está na posse do fi lho, arquitecto, portador do mesmo nome e precisamente na mesma morada na capital.11

Retrato a óleo do Grão-mestre Frei António Manuel Vilhena, Conde de Vila Flor, por 1725.

11 Foram diversas vezes solicitados informes sobre a casa e família, prometidos, porém, nunca cumpridos.

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Solar da Póvoa de famílias da Lavandeira, sobre o Rio Douro.

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Brasão da mesma Quinta da Póvoa na frontaria da capela acoplada à Casa.

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A de Eiriz, 2009, (pág. 21) na freguesia de São Salvador do Burgo, Arouca, é pertença, e casas de morada, do Dr. Manuel de Castro Montenegro Castelo Branco, solteiro, licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa.12

Descendentes de Eiriz, Lavandeira e Formal de São Vicente de Pereira são: D. Ema Júlia Leite Cabral que casou com Arnaldo Alves de Brito e têm descendência na cidade do Porto e na cidade de São João da Madeira.

Casa dos Senhores de Cimbres de que se deixou apontamento ao tratar-se da capela.

D. Maria Cristina de Castro Cochofel Montenegro Castelo Branco. Alberto Leite Cabral Castelo Branco.

12 Dr. Manuel de Castro Montenegro Castelo Branco, nasceu em 14.02.1934, fi lho de Alberto Leite Cabral Castelo Branco e de D. Maria Cristina de Castro Cochofel Montenegro Castelo Branco.

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12.02.1905. Casa de Eiriz, Arouca, reduzida hoje às 4 primeiras janelas, dividida entre familiares.

D. Ema Júlia Leite Cabral Brito e Arnaldo Alves de Brito, pais de D. Maria Luísa Castelo Branco de Brito.

A Quinta do Formal, em 1935 está ainda dentro da linhagem dos primitivos segundos donos. D. Camila Leite Cabral Castelo Branco (pg.68) é a sua última residente

herdeira. Esta Quinta do Formal encontrava-se ainda na posse da descendência dos Senhores de Cimbres, que vieram para Eiriz onde esteve a Lavandeira que, assim, entrou no circuito

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destas casas. Hoje, 2010, o Formal ou Azevedo, já referidas, está na posse do industrial de tapeçarias e pecuária, Miguel Baptista de Sá Andrade e esposa.13

Isto desde 09.05.1997, por aquisição a António Artur Pereira dos Santos Diegues, residente no Porto, por escritura na Conservatória Notarial de Ovar. Desde 1834, tem sido este o processo da passagem dos bens nobiliárquicos para a burguesia endinheirada, de ordinário surgida nos oportunismos de todas as revoluções políticas de que aproveitam os audazes da vida. Foi assim em 182014 , assim em 1910, assim em 1974. Almeida Garrett, homem privilegiadamente culto e clarividente, metido dentro do ambiente revolucionário, viu coisas que lhe deram a experiência da realidade das revoluções no que têm de perverso. Sobre essa matéria, bem claras as suas desilusões nas “Viagens na Minha Terra” onde escreveu conscientemente páginas negras duma revolução que

foi sobretudo um “fartar vilanagem” e abandono dos que a fi zeram. Eles comeram tudo e não deixaram nada. O País fi cou, em tudo, muito mais pobre.

Vilela, de São Cristóvão de Nogueira. Há referências a famílias senhoriais de Vilela. Não foi possível contactar os actuais titulares da propriedade não obstante esforços feitos com deslocação ao próprio local. Parece-nos que o sítio terá tirado o nome da casa e esta do antigo senhor que remonta, pelo menos, aos fi nais do séc. XVI. Na verdade a inquirição de habilitando a familiar do Santo Ofício cuja carta foi passada nos fi nais do séc. XVII, menciona um capitão Vilela ligado aos Berredos e outros que integraram as famílias de que vimos falando, por sua vez ligadas à Lavandeira. Veja os «familiares do Santo Ofício» tratados nesta monografi a da Lavandeira. Vila Nova – Mais uma das Casas Senhoriais ligadas à Lavandeira da qual tomámos conhecimento através do referido «Tombo da Lavandeira…». Aqui foi catalogada a condenação do enfi teuta da Lavandeira, em 1837, ao pagamento das rendas

13 Natural de S. Martinho de Bougado, conc. da Trofa, onde nasceu a 28.09.1960, fi lho de Baptista Carvalho de Andrade e de Maria de Lurdes Moreira de Sá e Melo Norton, naturais, ele de Santo Tirso e ela de Vizela. 14 Na sequência das alterações introduzidas nas estruturas sócio-económicas pela Revolução Liberal iniciada no País em 1820, foram abolidas, com carácter ainda facultativo, as disposições dos instituidores de morgadios, vínculos ou capelas, as quais o tornavam intocável na integridade e forma, tal como o havia criado o instituidor. Assim, a Carta de Lei das Cortes do Reino, sancionada por D. João VI, dispunha:6º “Todos e quaisquer prédios, que formão vínculo ou capela poderão ser dados por seus Administradores de aforamento perpétuo por Escriptura pública sem dependência de formalidade judicial alguma, consentimento de outrem, licença, ou confi rmação.»7º “Poderão igualmente os Administradores de vínculos e capellas não só hypothecar os bens de vínculo e capella, produzindo a hypotheca todos os effeitos inherentes às hypothecas de bens livres, mas também trocallos por outros de igual valor sem necessidade das formalidades que até ao presente se exigião.”8º. “Ficão revogadas quaesquer disposições na parte em que se opposerem às da presente Lei. Lisboa e Paço das Cortes, aos 10 de Março de 1823.». As reformas e abolição destes vínculos, morgadios ou capelas seriam publicadas com carácter vinculativo em 1843 e, fi nalmente, em 1864.

Brasão da Quinta da Vista Alegre.

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em falta, pertencentes ao menor de 19 anos, Jerónimo de Almeida Castro e Mendonça Castelo Branco, da Casa de Vila Nova. Nasceu este a 10.08.1818, na Quinta de Sequeiros, viveu senhor na de Barreiros, onde lhe nasceu a fi lha Júlia em 1864, mas acabou por instalar-se na Casa de Eiriz, Arouca, com a esposa D. Ema Júlia Ferreira Pinto Basto. À Lavandeira deslocava-se apenas para receber as rendas dos emprazamentos, quando não delegava nos seus vários procuradores, porque mais próximos.

Outeiro – A casa pertenceu a Alfredo Augusto Brochado

de Castro, falecido, e hoje, 2009, à fi lha Carlota Sofi a Branco de Castro, advogada no Porto, e a seu irmão.15

O Outeiro, ironicamente no fundo do vale, solitário, exibindo envergonhado restos de passado arqueológico muito antigo, respira abandono. Faz parte do périplo de quintas ligadas à «nossa» Lavandeira.

15 A casa não pertenceu de raiz à família actualmente detentora do seu título. Veio-lhes por herança dos pais. Estes, por sua vez haviam-na recebido, a título compensatório, dos Serviços das Barragens do Douro. Na verdade, a que possuíam desaparecera submersa na albufeira da barragem. Esta, que receberam em troca, encontrava-se abandonada e por isso em defi cientes condições de conservação e habitabilidade, porque, entre outras defi ciências, faltava-lhe o recheio.

Quinta Vila Nova.

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Esta Casa do Outeiro, sem brasão, sem interesse arquitectónico, sem nada que valha, vai, moribunda, carpindo abandono de pedras velhas de velhos tempos de fugazes momentos de prosperidade. Junto, no fundo do vale, pobre azenha ainda vai dando que fazer, mal, a uns caseiritos arrumados ao bordão, não por velhice, mas dos maus-tratos e tombos da vida. Parte da colecção de tentativas frustres

em contactar vivos que falassem de mortos que dessem notícias. Objectiva impedida de captar imagens que por outros falassem. Ordens da locatária. Cidadelhe – Andámos com sérias dúvidas sobre qual Cidadelhe aqui se trata, pois vários se perfi lam. Deles, o mais falado é o de Lamego. Mas, num certo contexto, e por falta de elementos claros, pareceu-nos que o nosso Cidadelhe, logo

A Capela da Quinta da Bela Vista acoplada à casa acima. Faz parte da mesma arquitectura.

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à saída do centro da sede do concelho de Cinfães, teria mais lógica. Outros elementos levam-nos a Lamego, como se verá.

Vista Alegre, (pg.26), casa com capela. Em 1938 a monografi a de Cinfães interroga-se sobre o orago inicial. Mas vai dizendo que consta ter sido dedicada a Santa Susana, nome da morgada que ali vivia no século XIX e que a terá mandado

edifi car. Morgada D. Susana Emília Leite de Vasconcelos, viúva que fi cou de António de Almeida Leite Cabral Tavares, Juiz Ordinário do Julgado de Cinfães, senhor da quinta de Sequeiros, freguesia de Piães, mas natural de Arouca. O abade desta freguesia, Padre Jerónimo António Nogueira, chamava-lhe oratório e não capela, querendo evidenciar as reduzidas dimensões. Esta casa e capela da Vista Alegre ligada à nossa Lavandeira pela família Leite, por falecimento de D. Susana Emília Leite de Vasconcelos e de seus fi lhos Jerónimo de Almeida Castro Mendonça Castelo-Branco,

16e Dr. Diogo Leite de Castro Pinto Castelo-Branco, veio apertencer a outro fi lho daquela e irmão destes, por nome José Maria Leite de Castro Pinto Castelo-Branco, casado com D. Casimira Amélia da Silveira, de cujo matrimónio não houve fi lhos, pelo que a casa da Vista Alegre e respectiva quinta veio a pertencer aos sobrinhos de ambos.

Em 1938 estava a Vista Alegre na posse de João Pereira Cardoso por compra que fi zera aos ditos sobrinhos. João Pereira Cardoso era natural da freguesia de Piães onde nasceu na casa da Torre, sita no lugar do Crasto. Em 1938,

16 Jerónimo de Almeida Castro Mendonça Castelo Branco nasceu em 10.08.1818 e faleceu a 15.07.1886, em Arouca, na Casa de Eiriz. Na Vista Alegre continuou, até à morte, solteiro, em 1882, o irmão Diogo Leite de Castro Pinto Castelo Branco, Desembargador que, no Pico, Açores, foi Delegado do Procurador Régio.

A entrada para o solar de Cidadellhe de Cinfães.

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residia com toda a família no Rio de Janeiro, Brasil, para onde se mudara. Aí dirigia importante casa de negócio,17 disseram-nos no local durante a visita ali efectuada para saber de coisas destas casas senhoriais. Foi interessante encontrarmos, entre as gentes que povoam o universo social das terras de Cinfães, famílias muito ilustres na linhagem dos Leites, Cabrais, Vasconcelos, Meneses, Pereiras e outros, afi nal gente que pela onomástica incorporada fez parte da vida da nossa simples Lavandeira, a concitar trabalho prospectivo com suas incursões na genealogia

dessas famílias o qual estabelecesse linhas de contacto com a Feira, de que nos ocupamos. Cremos delas deixar sugestivas pontes históricas a quem futuramente pretenda alargar e aprofundar o âmbito histórico daquela que, sendo exígua e curta Rua da Feira tinha muito mais largos horizontes do que imaginar se possa. Mas, obviamente, este não é o escopo do nosso trabalho. E muito longe estávamos de que nos levasse a tais paragens no tempo, no espaço e no assunto. É que em História, sabe-se quando e como se entra, mas não quando nem como se

Parte da frente e capela da Casa da Vista Alegre a que se faz referência no texto O portal esquerdo entre cunhais é da capela do séc. XVIII. O brasão encontra-se encoberto pela ramagem de frondosa árvore de copa muito ampla.

17 A Casa e Quinta da Torre é hoje de D. Emília Pereira Cardoso, irmã de João Pereira Cardoso, referido, casada com um licenciado, cujo nome não nos declinaram residente em Lisboa, donde vem de tempos a tempos em visita. Entregue aos cuidados de senhora vizinha que olha pelo imóvel.

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sai, nem os trilhos dos caminhos que a todo o pé de passada nos surpreenderam sempre com sua luz ao fundo.

Vista Alegre é topónimo justamente enquadrado no espaço. Aventurámos a subida trepando caminhos íngremes, antigamente de mãos dadas com a irregularidade e a estreiteza serranosa do piso. (pgs 13 e 14) Palpámos decadência solitária. Estruturas caras. Base de sustentação, a terra cada vez mais empobrecedora, para mais entregue a caseiros. O abandono é a palavra de ordem imposta pelas circunstâncias e a única ajuda possível. Impossível é evitar a invasão da nostalgia quando no mesmo instante extremos se perfi lam num ápice de pensamento: passado fervilhante de

vida e opulência quantas vezes enganosa, conservada sabe Deus à custa de quantos malabarismos administrativos. Basta consultar a realidade nos cadernos e testamentos dessas administrações de vínculos senhoriais. Agora, aos nossos olhos, a ferrugem do abandono, os líquenes, as ervas, confi rmam que tudo pertence a um passado defi nitivamente morto. Das janelas das duas fachadas, voltadas, uma a norte e outra a oriente, se descortinam surpreendentes e deslumbrantes panoramas, soberbos horizontes entre vales profundos e alcantiladas serranias verdes das vinhas do Douro, Piães. Aqui, a maioria das famílias senhoriais da Lavandeira. A capela (pág. 26) encimada por cruz granítica, sobressai levemente do paramento da fachada principal. Olhando a

A Casa da Vista Alegre do lado do Poente. Acesso às cozinhas.

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poente e entalhado no cunhal da casa, tal como as armas de Eiriz, o brasão dos primitivos donos, no seu granito bem esculpido, carpindo a glória de 14 famílias nobres ali apertadas, entre as muitas outras que não couberam. E ali estão inscritas em suas armas famílias comuns à Lavandeira e ao Formal de que temos vindo a dar notícia, como se lê do escudo esquartelado e contra-esquartelado, (pg.22): os Cabrais, com suas duas cabras vermelhas, passantes, sobressaindo em campo de prata; os Castelo Branco, com seu leão de ouro, armado devermelho, emergindo em campo azul;

os Tavares, com as suas cinco estrelas vermelhas brilhando em campo de ouro; os Pinto, com cinco crescentes de luas sanguinhas, postas em aspa, aparecendo em campo de prata; os Castro, descendentes de D. Inês de Castro, dizem, com suas treze arruelas18 azuis, em campo de oiro, apelidos estes que usou o seu proprietário e seus ascendentes, e deles passaram aos descendentes da Lavandeira, Eiriz e Azevedo. Neste brasão pode ainda divisar-se também a cruz potentea,19 vazia, dos Teixeiras, e as armas dos Andrades.

Capela de 1618 da Quinta de Cimbres, freguesia da Queimada, perto de Salzedas.

18 Arruela, círculo da forma de uma moeda e que faz parte da estrutura dos brasões. O mesmo que besante, este com origem em «bisantino», moeda ou peça circular de ouro ou prata fi gurada nos brasões de armas.19 Cruz Potentea ou Potentada: chamada cruz Grega que tem os braços em forma de T.

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José Maria Leite de Castro Pinto Castelo Branco, que transporta consigo a genealogia de Cimbres e de Armamar, casou em 17 de Setembro de 1866 com D. Casimira Amélia da Silveira Pereira Cochofel, fi lha de Manuel de VasconcelosPereira Bravo e de D. Maria Cândida de Sousa Pinto Cochofel, da Casa da Quintã, de Artemil, da referida freguesia de Piães. José Maria Leite vem a falecer em 6 de Agosto de 1892. Do casamento não houve fi lhos. O falecido, em testamento, deixaa casa à viúva, e, por morte desta, aos sobrinhos de ambos. D. Casimira Amélia, viúva, falece a 18.09.1919. Os sobrinhos, como dinheiros de sacristão, cantando vêm, cantando vão; a menos de um mês do falecimento da tia, apressam-se a vender todo o legado, como adiante se descreve. Efectivamente:

a) Sobrinhos dele, José Maria Leite … foram:- Abílio Leite Cabral Castelo Branco, D. Ernestina Leite Cabral Cardoso, D. Júlia Leite Cabral Castelo Branco, que foi senhora da Quinta da Lavandeira, Santa Maria da Feira, de Eiriz, Arouca, e de Azevedo, de São Vicente de Pereira, e Álvaro Leite Cabral Castelo Branco, todos de Arouca, ligados à Casa de Eiriz.

b) D. Maria da Conceição da Silveira Pereira Bravo Pinto da Cunha e D. Maria da Glória Pereira Bravo Pinto da Cunha, ambas de Mesão Frio.

c) D. Maria Brísida Huet Bacelar e marido ligados à casa da Ferreirinha do Carrapatelo. Ascendentes seus andaram aqui pela Feira, onde possuíam casas sitas na «Praça Velha da Feira», herdadas de seus antepassados. Em virtude dessa herança, Lourenço Huet Bacelar Sottomaior,20 da cidade do Porto, vem à Misericórdia, em 15 de Outubro de 1769, fazer a entrega de 100.000 réis, importância a liquidar pelas ditas casas herdadas com esta incumbência.21 Em outro momento se informa que a Lavandeira se encontra nas linhas históricas da Casa Ferreirinha pelas suas ligações às senhoriais de São Tiago de Piães a que vimos fazendo referência.

d) Dr. José Maria de Magalhães Pimentel Cochofel, de Resende. Estes sobrinhos venderam a Quinta por escritura de 16.10.1919,22 a Augusto Correia de Oliveira, natural de São Cristóvão de Nogueira, freguesia contígua a Piães. O comprador residia na cidade de São Paulo, Brasil. Por sua vez, este vendeu-a a João Pereira Cardoso, natural da freguesia de Piães, já referida, o qual, em 1938, reside na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, como já se referiu. (pg.26).

20 Em nota à pag. 74, «IGREJA DA MISERICÓRDIA», do autor destas linhas, edição da Provedoria da Santa Casa da Misericórdia da Feira, 2008, diz o autor: «Este Huet Bacelar, da estirpe dos morgados «Pinto», de Paramos», era senhor da Casa de Vilar do Paraíso, Gaia, e por casamento pertencia-lhes um prédio de casas sito na «Praça Velha da Feira», de certo por herança recebida dos pais da mulher, D. Vitória de Lacerda Cardoso Botelho de Pinho Pereira. E assim se ligam pontas dos fi os da história e se alargam os campos e se traçam pistas e enriquece o conhecimento saindo-se de estreitas faixas.21 AHSCMSMF – Livro de Actas e Registo de contas e recepção de Irmãos, 1720 a 1790, fl . 106v.22 A escritura foi lavrada no Cartório Notarial de Cinfães, e encontra-se no Livro de Notas nº 47, sendo notário o Dr. Manuel Araújo, de Cinfães.

Frontaria da capela de Cimbres e seu ar clássico. O gosto e equilíbrio lamentam o abandono.

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e) D. Casimira Amélia da Silveira Pereira Cochofel, faleceu a 18.09.1919, como se disse, (pg.25 e 29). Casa da Quinta da Granja, São Cristóvão de Nogueira, pertencente a seu primo Manuel de Sousa Cochofel Montenegro. A razão era porque demasiado desconfortável a sua, por muito antiga, herdada dos seus antepassados. Senhora extremamente caritativa e sem herdeiros obrigatórios. Primeiramente fez os bens a uma Ordem Religiosa a estabelecer-se ali, na freguesia de Piães, destinada à assistência a crianças carecidas. Entre os avultados bens sitos todos na freguesia de Piães, contava-se o seu próprio solar da Vista Alegre. Depois, pensando, desfaz o testamento e lega os bens a uma instituição de assistência local da mesma natureza e com os mesmos fi ns.23

A QUINTA DA LAVANDEIRA. ANTIGUIDADE

Um dos mais antigos e mais referenciados senhorios da Lavandeira é o Dr. Diogo Leite de Miranda. 24 Vivia ele já em 1580, na Feira, com o fi lho Dr. Gaspar Leite Cabral, que foi quem veio a herdar a Lavandeira, por morte do pai e que ao tempo vivia já na Quinta do Formal de Azevedo,25 freguesia de São Vicente de Pereira, que já vinha da família, desde tempos de que não temos noticia. Em 28.03.1680, o Padre António Leite de Miranda foi padrinho de António fi lho de Maria, solteira, do Casal e de José Soares de Albergaria, solteiro, de Pombos. Em 03.06.1680, juntamente com a familiar Ana Pereira de Berredo, volta a ser padrinho.26 O Padre António Leite de Miranda falece em 20.12.1694, na freguesia de Alvarenga, termo de Arouca, bispado de Lamego. Tem 48 anos. Seus herdeiros, a irmã Ana Pereira de Berredo e seu cunhado Manuel Pereira de Andrade, casado com esta.

Em 1590, o Desembargador Gaspar Leite Cabral, também conhecido por Gaspar Leitão Cabral, estava casado com D. Maria da Silva, natural do Porto. Faleceu, ele, a 27.03.1660. Fez testamento em que, entre outras disposições testamentárias, deixou a obrigação de lhe celebrarem o enterro com 30 padres27. Era este dos Leites de Quebrantes e Campobelo, e Casa Queimada de Ramalde, Porto.

Foi este desembargador da Relação e Casa da Suplicação da cidade do Porto. Em 04.09.1671 ainda vivia, porquanto é padrinho de baptismo de Manuel, fi lho de António Roiz e Domingas Gomes, lavradores e caseiros seus. (fl . 74). Terá chegado a 1675. Depois sucedeu-lhe na Lavandeira o fi lho Manuel Pereira de Berredo.

Em.1662 – O Dr. Manuel Pereira de Berredo era dito fi lho do Dr. Gaspar Leite Cabral e de sua mulher D. Maria da Silva, nascida no Porto. Falece no estado de casado com D. Luísa de Lemos, fi lha do Desembargador António de Lemos da Rosa e de sua mulher D. Maria de Matos. Falecido na Lavandeira, é sepultado na igreja do convento dos Lóios da Feira. Foram habilitandos a Familiares do Santo Ofício. Casaram por procuração passada ao irmão do noivo Dr. Diogo Leite de Miranda 28 Em 15.05.1662, Manuel Pereira de Berredo é um dos Irmãos da Santa Casa da Miséricordia da Feira. Este Senhor, Morgado da Lavandeira é o que encontramos nos livros desta Santa Casa em cuja Confraria das Almas se inscreveu com a esmola de 400 réis,29 em 04.09.1671. Em 04 de Outubro de 1675, Manuel Pereira de Berredo recebe Carta de Familiar do Santo Ofício. No processo de habilitando consta que é fi lho do Dr. Gaspar Leite Cabral e neto paterno de Diogo Leite de Miranda, avô de Filipa Soares de Carvalho todos naturais e moradores na dita Vila da Feira, do Morgadio da Lavandeira. Em 05.05.1678 – Dr. Manuel Pereira de Berredo, foi primeiro administrador do vínculo da Lavandeira e do Formal, cujo instituidor foi o tio paterno Manuel Roque de Miranda

23 Por novo testamento de 30.11.1912, na Administração de Cinfães, nº 124, fl s 1 e seguintes. Ao ´«Legado dos Pobres», de Piães, instituído em 1653, pelo Capitão Marcos Pereira Osório, senhor da Quinta de Souto Justo, da mesma freguesia de Piães, concelho de Cinfães.24 O Dr. Diogo Leite de Miranda foi padrinho de Diogo, fi lho João Rodrigues e de Domingas Gomes, e sua tia Maria Coelho, da Feira, como se vê do respectivo Livro de Baptismos do mesmo ano, a fl s. 205.25 Dos nossos apontamentos sobre Padres, Licenciados e Familiares do Santo Ofício da Feira.26 ADA – Registo Paroquial de São Nicolau da Feira, 1680, fl s. 21 e 25v. E Livro de Óbitos de 1694, fl 24.

27 ADA –Registo Paroquial de São Nicolau, Feira, Óbitos, 1660 e «Tombo do Víncolo da Lavandeira…», 28 ADA – Registo Paroquial de São Nicolau da Feira, Livro de Casamentos, nº 3, folha 109.29 AHSCMVF – Livro dos Irmãos da Confraria das Almas, Santa Casa da Misericórdia, L. de 1676, fl . 5v.

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Brandão. Talvez o leitor já se tenha apercebido daquilo que descobrimos depois de grandes difi culdades: a onomástica desses tempos era tão arbitrária que por ela muito difi cilmente alguém chegaria à conclusão da contiguidade familiar de uma boa parte dos elementos da mesma família. Não fora uma que outra nota ocasional de fi liação explícita e seria muito difícil reconhecê-los como tal. Há muitos nomes iguais, tendo o mesmo pai e a mesma mãe. Do que se acaba de expor,

eis só os casos típicos, dos vários que encontrámos. Quem adivinharia pelo nome que este Manuel Pereira de Berredo era fi lho do Dr. Gaspar Leite Cabral e de sua mulher Maria da Silva? Aqui, nem um só elemento onomástico identifi cativo. O morgadio da Lavandeira foi valorizado com acrescentamentos de terras doadas em testamento pelo Padre João Cardoso de Miranda,30 abade de Arrifana, e

Igreja da Ordem de Malta em Malta, as sepulturas dos dignitários da Ordem cobrindo o chão.

30 ADA – S. Nicolau da Feira, Registo Paroquial, Livro de Óbitos. Falece a 02.06.1668. Foi sepultado na igreja do convento dos Lóios, na sepultura de seus pais e avós e se fi zeram 3 ofícios de 40 padres cada um. Em 25.09.1650, foi padrinho de Francisco, fi lho do Dr. Gaspar e de sua mulher D. Maria da Silva.

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de Rui Lourenço de Carvalho, que viera de Cidadelhe de Lamego casar aqui na Feira.

A este Dr. Manuel Pereira de Berredo, em 1645, foi endossada a incumbência da ordenação do tombo das terras da Comenda de Malta de Rio Meão, Rossas e Esgueira e aí o fomos encontrar nessa missão de registo e reconhecimento de terras, foros, medições e enfi teutas, dirimindo aqui e além questões decorrentes da sua utilização pelos caseiros e outras decorrentes nas suas contiguidades com as terras de outros senhorios, como: Convento de Grijó, Casa do Condado e depois do Infantado da Feira, Votos de São Tiago, Cabido da Sé do Porto e seus cabaneiros. Ali deixou as sentenças de nomeação dos foreiros e aprovação das medições dos prazos deste Tombo de 1645.

Integrou ainda o grupo de delegados desta Ordem de Malta à verifi cação, medição e confrontação das terras desta Comenda que lindassem com as do Cabido do Porto, então em litígio com a Comenda de Rio Meão por questões de fronteiras das mesmas terras na área da Arca Pedrinha, freguesia do Souto e das terras de Cabanões, também cheias de litígios, deles constantes do Tombo da Lavandeira, no volume maior. Na Capela de Santo António, Rio Meão, se reuniram os intervenientes, donde juntos, partiram com destino às ditas terras e aí, in loco, defi nirem fronteiras das respectivas terras em litígio, por virtude do qual ali estavam, cada um representando a parte litigante.

Na verdade, em 25 de Abril de 1648, este abade da Igreja de Arrifana, João Cardoso de Miranda, à irmã Maria Coelha de Vasconcelos, faz doação do seu Prazo dos Cabanões. O prazo andava na família. Havia-lhe sido feito pelos pais a título de benefício ou património canónico, para poder receber a ordenação, em conformidade com as normas eclesiásticas.

O Padre João Cardoso de Miranda é um dos representantes e fá-lo na condição de essa irmã, não tendo fi lhos, deixar o dito património aos fi lhos do irmão, o Dr. Gaspar Leite Cabral. Chamamos a atenção do leitor para o problema da onomástica familiar aqui bem exemplifi cada. Assim: o pai, a mãe e os três irmãos, - João Cardoso de Miranda, Gaspar Leite Cabral e Maria Coelha de Vasconcelos, o que não parece, a avaliar pelos nomes.

A irmã, D. Mécia Leite de Berredo esteve, religiosa professa, no convento de Santa Mafalda em Arouca.

Há um António Tavares Teixeira casado com uma D. Mécia de Berredo, será a mesma?, fi lha de Filipa Soares de Carvalho, da família do Dr. Manuel Pereira de Berredo, Cavaleiro professo da Ordem de Cristo. Estes Berredos andaram tempos exercendo cargos na Santa Casa da Misericórdia da Feira, e vieram de Cidadelhe, Lamego, para a Vila da Feira.

D. Mécia de Berredo, da Feira, fi lha de Manuel Cabral Castelo Branco, juiz dos órfãos de Lamego, pessoa nobre das principais da cidade de Lamego, (Foto da catedral, a baixo pg 33) e de D. Filipa Soares de Carvalho, da Vila da Feira. Residiram tempos em Cidadelhe, como se disse. Em 1759, encontramos um Bacharel Francisco José Xavier de Almeida Cabral e um Dr. Francisco de Almeida Cabral. Que seriam estes entre si e ambos a António Leite Cabral, da Lavandeira, uma vez que todos são da Feira e apresentam esta proximidade onomástica, proximidade pelo menos aparente?

Em 27.8.1759 – O bacharel Francisco Joaquim Martins de Vasconcelos, licenciado, solteiro, fi lho de outro Licenciado, Francisco Correia Martins e de D. Antónia de Andrade Freire, «foi aceito por irmão desta santa casa da Misericórdia da Vila da Feira... e visto ser irmão do bacharel Joaquim Francisco e fi lho de nosso irmão da Misericórdia Francisco Correia Martins cuja causa além de ser da conhecida nobresa he de puro sangue e bons costumes...»;31 - Ali se diz que é da Lavandeira onde habita. Terá nascido em 1709, fi lho do Dr. Francisco Correia Martins, acima referido.

Em 14.12.1786, este bacharel Francisco Joaquim Martins de Vasconcelos, ou Joaquim Francisco?), falece nesta Vila da Feira. 32 Que será D. Antónia de Andrade Freire a Fernando Leitão de Andrade Freire?

31 Livro da Misericórdia nº 3, folha 54,56 e Livro 4, folha 219.)32 Arquivo Distrital de Aveiro – Livro de Óbitos, 8, folha 192 v.

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Há em 1560, em Rio Meão, na Quinta do Rego, mas a viver na Feira, um Andrade Freire que testemunhou, em Paramos, a posse da igreja, pelo novo abade no longo litígio que opôs o Cabido da Sé do Porto ao Colégio Jesuíta de Coimbra ao qual tinha sido outorgado o direito de apresentação do abade de Paramos, e de Sanguedo e de outros, com o direito às rendas desta igreja.33

Em 25.01.1755 – Padre Baltasar Joaquim Feire de Andrade, vive na Lavandeira, segundo se depreende das referências ao longo do discurso a ele respeitante. (pg.54). Nesta data apresenta-se como procurador de António José Saraiva Castelo Branco na renova do emprazamento de terras da Quinta do Castelo da Feira, dita das Ribas.34 Morava em Aveiro, sucessor nos bens de João da Cruz, já

33 Vem em Monografi a de Rio Meão. Vivia na sua Quinta de Alpossos. 34 In Roberto de Carvalho Vaz, citado, pgs. 69 e seguintes, 72 e segs.

A Sé Catedral de Lamego freguesia das personagens da Lavandeira em citação.

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conhecido irmão do Padre Simão da Cruz, aqui chegado vindo de Maçãs de D. Maria, concelho de Ansião. O que diz a imagem do esboço da genealogia senhorial da Lavandeira é o seguinte. Do centro partem linhas dos sucessores na Lavandeira, como a seguir se especifi ca: 1. No centro encontra-se Gaspar Leite Cabral, casado com D. Maria da Silva. Teve fi lhos. O primogénito Manuel

Pereira de Berredo e o solteiro, António Álvares de Sequeiros, de Piães, Concelho de Cinfães. 2. À esquerda superior, Manuel Leite de Miranda, solteiro, que foi o instituidor da capela ou vínculo da Lavandeira para que nele viesse a nomear fi lho ou fi lha, ou, na falta, seu sobrinho Gaspar Leite Cabral.

Esboço genealógico de senhorios da Lavandeira.

ÀRVORE GENEALÓGICA DOS ADMINISTRADORES DA LAVANDEIRA

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3- Círculo à direita contém Rui Lourenço de Carvalho, irmão de Gaspar Leite Cabral. Aquele Rui Lourenço adiciona bens ao vínculo instituído pelo tio Manuel Leite de Miranda e chama para a sucessão na capela da Lavandeira o sobrinho Manuel Pereira de Berredo.

4. António Álvares de Sequeiros, fi lho segundo de Gaspar Leite Cabral, teve a fi lha Mariana Luísa Leite

5. Esta Mariana Luísa, foi casada com Domingos Pereira, teve a seu fi lho Manuel Pereira da Silva de Berredo.

6. Este Manuel de Berredo casou com D. Maria Caetana de Almeida Pinto de Berredo e teve a seu primogénito José Pereira da Silva Leite de Berredo

7. Este José Pereira da Silva Leite de Berredo, foi casado com D. Francisca Felisberta de Brito e Lima,“Existe”, isto é está viva, diz-se no último círculo desta série da direita.

8. O primeiro do centro. Manuel Pereira de Berredo, o 3.o da direita, sobrinho de Gaspar Leite Cabral casa com D. Luísa de Sequeiros e teve a fi lha primogénita, D. Joana Leite Pereira de Berredo, que lhe sucedeu no vínculo.

9. Esta D. Joana casa com Fernando Campelo da Cunha Pinto, e não teve sucessão. Aqui terminam as informações genealógicas grafi cadas da sucessão no vínculo da Lavandeira, encontradas no Tombo.

CAPELA DA LAVANDEIRA, INSTITUIÇÃO35

Antes de se lhe juntarem Berredos, Sequeiras e outros, em Eiriz, à qual se ligou a Lavandeira, já nesta, muito mais cedo, havia «Berredo», «Cabral», «Pereira» e outros, o que denota que as ligações à Lavandeira de famílias de outras Quintas da nobreza das envolvências de Lamego, Vila Real, Cinfães, e outros, são já antigas, ao menos pelo que se pode inferir da sua onomástica. Efectivamente:

1. as nossas novas fontes dão-nos a Lavandeira como já dos antepassados do Desembargador Gaspar Leite Cabral que a transmitiu ao fi lho Dr. Manuel Pereira de Berredo, que foi o seu 1º administrador, em pleno séc. XVII, 16.05.1652. O vínculo foi instituído pelo tio paterno deste, Manuel Roque de Miranda, vínculo que se viu acrescentado em bens doados pelo seu tio abade de Arrifana, João Cardoso de Miranda, a que depois se juntaram bens de Rui Lourenço de Carvalho,36 e de outros familiares como se vê de informações mais detalhadas na documentação própria a desenvolver.

2. O dito Dr. Manuel Pereira de Berredo falece aqui em 1662 e foi sepultado na igreja de São Nicolau da Feira. Do seu casamento com D. Luísa de Lemos houve José Leite Pereira de Berredo, que foi o.

3º Administrador, que casou com D. Francisca Felisberta de Brito e Lima que morava habitualmente na Rua de S. Miguel, Porto, onde desempenhava cargo na administração local. Deste casal nasceu o

35 Vínculo e Capela. São termos diferentes e como tal signifi cativos de objectos diferentes. É certo que acabaram por signifi car a mesma realidade histórica, económica e social. Como e por quê? Capela, na Idade Média, no tempo de Guilherme, o Conquistador, era conhecida como «feudo por serviço divino», isto é, «certos bens doados a um prior, pároco, mosteiro ou igreja pelo serviço de cantar responsos, dizer missas, ou repartir esmolas pela alma do doador, em certo número e em certo tempo». Indica por isso uma situação religiosa, desde logo pela adstrição a sufrágios, a um templo ou parte de um templo e pessoas religiosas. Esses bens destinavam-se a servir de base de sustentação a deveres que vinculavam os seus herdeiros. Estes, nessa igreja ou capela, mandavam fazer sufrágios por alma do testador ou instituidor do vínculo ou morgadio. Tais sufrágios fi cavam descritos quanto ao modo, qualidade e temporalidade de satisfação. Geralmente missas de sufrágio e de devoção, depois vinham os ofícios com certo número de lições e de uns tantos padres por ofício; quase sempre esmolas aos pobres, geralmente distribuídas à porta do cemitério, para onde eram levados sacos de metal, e ainda avenças anuais, ou mensais, a instituições de caridade: orfanatos, asilos, albergarias, hospitais, estes no sentido medieval, e, mais raro, amentas.Vínculo. Como o próprio termo designa, era a obrigação ou dever, a que os herdeiros especifi cados e esses bens estavam ligados, atados, obrigados moralmente e para sempre: a) a satisfazer, sob penas, as obrigações estabelecidas no dito testamento. b) a não alienar, vender, trocar, escambar, hipotecar os ditos bens de modo a conservar-lhes a unidade e integridade. O que era permitido, mesmo assim com autorização do poder real através das suas repartições, a trocar em situação que favorecesse o dito vínculo. Morgadio: a mesma realidade enquanto adstrita ao fi lho varão mais velho. A sua proliferação e a forma como funcionavam em termos económicos, e sobretudo sociais, impunham leis que regulassem a forma da constituição e o sistema de funcionamento dessas capelas e morgadios. E isso aconteceu no tempo do Marquês de Pombal, em 1769 e em 1770. Em toda a história dos morgadios e capelas em Portugal, poderá considerar-se essa a primeira acção, o primeiro sinal da sua abolição, pois nelas fi caram os gérmenes para Mouzinho da Silveira, vingada a Revolução Liberal, em 1835, dar já às leis com eles relacionadas um carácter abolicionista. E assim, de ano em ano, de lei em lei chegamos às de 1860 e fi nalmente às de 1863 que lhes deram o golpe de misericórdia previsto nas de 1835 que recuperaram as de 1770.36 «Resenha Histórica…», do abade de São Vicente de Pereira, natural do Souto da Feira, Padre Augusto de Oliveira Pinto, conforme se vê da respectiva pg. 112

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4º Administrador, D. Joana Leite Pereira, que veio a casar com Fernando Campelo da Cunha Pinto. Não tiveram fi lhos e o vínculo passou para sua irmã segunda que foi o 5º Administrador, como segue:

5º Administrador, D. Mécia de Berredo Tardeira. Esta D. Mécia veio dos Berredos ou Barredos de Almacave, Lamego. Aqui, diz-se nas «Portas», (pg. 199), casa o fi lho com mulher de Ovar. Mas daqui só Malafaias. Terá querido dizer da Feira? Anda por aqui um «Sequeiro» de Cinfães, ligado aos Castelo Branco, de Cimbres, que se ligaram a esta Quinta da Lavandeira da Feira. 37 Coincidência ou não, uma das parcelas da Quinta da Lavandeira foi aforada com a designação de “A Tardeira.” Talvez alcunha. Coincidências? Diogo Leite Cabral, de Eiriz, em 1695, acompanhou o irmão mais velho, frade Lóio, frei Manuel de São Bernardo, no baptismo de Jacinto, com D. Mécia de Berredo, viúva, da

Casa de Eiriz.38 Em 1732, pede e obtém carta de armas.39 (pg.37). Casado com D. Joana Jacinta de Matos como foi dito, irmã do Abade de Pigeiros, Padre Francisco de Matos. Os trâmites destas interligações complicam-se à medida que se multiplicam as situações de tempos, lugares, vias matrimoniais, baptismos, testemunhas, e claro, as mesmas pessoas escritas com nomes diferentes em diferentes tempos e situações.Seguiu-se-lhe na Quinta, Bento José, o fi lho do casal,que veio a ser o

Casa da Quinta da Lavandeira.

37 Ver D. Mécia, de Eiriz, viúva de António Tavares Teixeira, «As Doze Porta», citado,pg. 447, vol. I38 Ver pg. 447, I vol. “As Doze Portas…”, citado. Confi rma o suso dito. O neófi to era fi lho de Jacinto de Quadros Teixeira, e de sua promeira mulher D. Catarina de Queirós Pinto de Carvalho, que faleceu de parto desta criança, voltando ele a casar, com D. Francisca Bernarda Coutinho Cardosa39 “As Doze Portas – De Gerações de Arouca”, 1500-1800, de F. Abrunhosa de Brito”, pg. 199, vol I.

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6º Administrador, Bento José Leite Cabral, que casou com D. Maria Vitória de Sequeira. Foram os progenitores do

7º Administrador, António Leite Cabral de Berredo.40 Sargento-mor das Ordenanças de Arouca, (pg. 42, «As Portas») «era o serôdio», irmão mais novo de oito. Em 1788 teria 31 ano. Em 1752, Mariana Leite Pereira de Berredo, era a mais velha dos irmãos. Em 1753, o Dr. Diogo Leite Pereira Cabral, era cónego da Sé de Coimbra, onde em 1754 tinha o tio João. Vem a seguir José Leite Pereira Cabral. Depois, em 1755,41 Úrsula Margarida que entra com a irmã mais velha no Mosteiro de Arouca como noviça em 1777 e professa em 1778. Morreu ainda em vida dos pais. A irmã Mariana viria a falecer aos 80 anos em 1833. Maria, em 1757; João, em 1759; Joana, em 1761 e António, em 1763. António Leite Cabral casou em 16.07.1789 com D. Joaquina Angelina de Meneses Castelo Branco, também dita D. Josefa Angélica Pereira de Menezes Castelo Branco, que

veio do morgadio de Cimbres, da freguesia da Queimada, Armamar. 1800-1810. Aqui a Lavandeira se uniu a Eiriz, freguesia de Burgo, Arouca. Aqui passa a viver abandonando a quinta. Foram pais do 8. Administrador, António de Almeida Leite Cabral Tavares, que casou com a sua parente D. Susana Emília Leite de Vasconcelos, nascida em 1796 na Quinta de Casal Seco, Piães, conc. de Cinfães, tendo ido morar para a de Sequeiros. É que esta era 4ª neta de D. Joana Trigueiros, da Vila da Feira e prima segunda de D. Mécia de Berredo, já nossa conhecida, e ambas bisnetas de Gaspar Leite de Miranda. Equivale a dizer que esta D. Susana era 7ª neta de Gaspar Leite de Miranda, da Lavandeira e o marido seu 6° neto. 42 Foram os pais do 9º Administrador, 43 Jerónimo de Almeida Castro Mendonça Castelo Branco. 44 Nasce a 10.08.1818, na Quinta de Sequeiros, fi dalgo da Casa Real, e faleceu em Eiriz depois de ter estado na Casa da Quinta de Barreiros. Casou com D. Ema Júlia Ferreira Pinto Basto Castelo Branco, da Quinta da Bela Vista, Cinfães. (pg.70).

Brasão da Quinta e casa de Eiriz, da pg. anterior.

40 Confi rmando o que sobre multiplicidade de nomes dos mesmos indivíduos temos vindo a alertar o leitor. Também este, que deixamos apenas a título de exemplo e para melhor se fazer pálida ideia das difi culdades de quem investiga ao ser frequentemente confrontado com a variedade onomástica de uma pessoa. António Leite Cabral é o comum, e é como se declarou ao baptizar cinco fi lhos, 1790,1791,1794,1795 e 1800 e aparece ordinariamente na documentação do Tombo da Lavandeira, mas ainda só, António Leite. Ainda se podem registar: António Leite Pereira de Berredo, no assento do casamento – António Leite Cabral Tavares, em 1808, no casamento da fi lha Maria Emília. Casou ele com D. Josefa Angélica Pereira de Meneses Castelo Branco, de Cimbres, do Couto de Salzedas, do concelho de Tarouca, e assim se declarou na procuração de madrinha no baptismo de Ana, fi lha de D. Josefa Matilde. Também, no assento de Bapt. da fi lha Maria, 1790, se diz D. Josefa Angélica Pereira de Meneses. Ou ainda, D. Angélica de Vasconcelos Castelo Branco, na entrada para a Misericórdia de Arouca, com o marido, em 23.02.1794. Ou Ainda: D. Josefa Angélica de Vasconcelos e Meneses, assim se declara nos baptismos dos seus fi lhos: António, 1793; José, 1794; e Diogo, 1795. Era fi lha de António de Almeida de Castelo Branco e Meneses, e de sua mulher D. Juliana de Lacerda, também dita D. Juliana Joaquina de Vasconcelos, de Cimbres, do couto de Salzedas já dito, donde o marido era natural. Moraram na Quinta de Eiriz embora senhores da Quinta de Sequeiros. E por aqui se vê como novas e até repetidas ligações matrimoniais trouxeram novas relações sociais e económicas à Lavandeira que deixou de ser habitada ao ligar-se a Eiriz e a Azevedo, nos fi nais do século XVIII. 41 Há uma Úrsula Maria Castelo Branco, fi lha de Diogo Leite Cabral e de sua mulher D. Joana Jacinta de Matos, a qual casa, a 13.06.1757, com Roberto António Teles de Meneses, nascido em Moção, Arouca. 42 “As Doze Portas de Gerações de Arouca” – 1500-1800, pg.262, de F. Abrunhosa de Brito43 «Portas», diz, pg. 265, chama-lhe Jerónimo Leite Cabral Tavares Castelo Branco. Casa com D. Ema Júlia Ferreira Pinto Basto. Jerónimo falece antes de 26.08.1886.

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A Lavandeira é incluída nos Próprios Nacionais, posta em hasta pública e alienada a favor de um brasileiro torna viagem, residente na Rua principal de Espinho, fi nais do séc. XIX.45 A Lavandeira passou para outras mãos, fi cando a dinastia dos seus possuidores reduzida ao Formal ou Azevedo. Em Eiriz vive, e é seu proprietário, o Dr. Manuel Castelo Branco, bisneto deste casal Jerónimo e Ema. Estes foram os pais do 10º. Administrador – D. Júlia Leite Cabral Castelo Branco, que, em 1864,46 nasce na Quinta de Barreiros.Casou com Arnaldo Alves de Brito, tendo-se posteriormente mudado para a Quinta de Eiriz. A fi lha deste Casal veio a ser; na sucessão do morgadio, 11º Administrador – D. Camila Leite Cabral Castelo Branco, em 1935, era a direita representante dos morgadios de Eiriz e do Formal em São Vicente de Pereira, concelho de Ovar e herdeira da referida Quinta de Eiriz. Moradora na Quinta do Formal, donde saiu para o Porto onde mora na freguesia de S. Nicolau.

Para a instituição desta capela ou vínculo, unidade económico-social, concorrem três testamentos de três sucessivos elementos da mesma família. O caso parece único, no contexto histórico dos morgadios.

1º Testamento, de Manuel Leite Pereira de Miranda.Vivia solteiro, fi lho de Gaspar Leite e de Gabriela Pereira. É irmão do Juiz Desembargador Diogo Leite, e pai de Gaspar Leite Cabral que vai ser o herdeiro da Lavandeira, onde o testador falece, «arrabalde da Vila da Feira», deixando-lhe o vínculo instituído por testamento escrito a06 de Maio de 1652, aprovado no mesmo dia e aberto logo a 09, sinal de que o testador lhe sobrevive somente três dias.

A Lavandeira vista do nascente.

44 O actual proprietário e detentor do título de Eiriz, Dr. Manuel de Castro Montenegro Castelo Branco, nas. a 22.07.1935, bisneto de Jerónimo de Almeida e Castro Mendonça Castelo Branco e de sua mulher D. Ema Júlia Ferreira Pinto Basto. («Porta», 265) e «Notícia Genealógica da Família «Ferreira Pinto Basto», pg. 208 a 21245 Sobre a matéria se publica mais à frente o que e quando aconteceu esse passo da Lavandeira.46 Freguesia de Santiago de Piães, Liv. de baptismos, 1860 a 1872, fl s. 9.- Citado nas “Doze Portas…”ibid.

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O TESTAMENTO CRIA O MORGADIO DA LAVANDEIRA«… NO ANNO DO nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos e cincoenta e dois anos, estando eu Manuel Leite de Miranda em meu perfeito juízo que Deos me deu, entendimento perfeito, temendo-me da morte que não sey quando Deos me chamará para ententando por minha alma no caminho da salvação, por não saber que Nosso Senhor quer fazer e quando será servido de me levar para Sy, ordeno meu testamento na forma seguinte: primeiramente encomendo a minha alma a Deos que ma remio com Seu precioso Sangue. Confeço o mistério da Santíssima Trindade, confeço e Creio tudo o que crê a Santa Igreja Romanna e na Fé de Jesus Cristo meu Deos ey de viver e morrer e pesso à Virgem Santíssima sua Mai e ao Anjo da minha Guarda e a todos os Anjos do Ceo queiram por mim intreceder e rogo a meu Senhor Jesus Cristo porque espero de me salvar não pelos meus merecimentos mas pelos da sua Santissima Paixão; peço a meu Sobrinho João Cardoso de Miranda Abbade de Arrifana queira por serviço de Deos e por me fazer mercê ser meu Testamenteiro e deixo lhe por seu trabalho hua colcha de marclaria? Marelaria? Mando que o meu corpo seja enterrado no Mosteiro do Espírito Santo da Villa, na Sepultura que na dita Igreja tenho que foi de meos Avós, e não estando para se abrir compro outra aos Padres do dito Mosteiro que acompanharão meu Corpo pella esmolla que o Senhor meo Testamenteiro determinar e me enterrarão no Habito dos ditos Padres… e lhes darão dois mil reis por elle. Mando outrossim me façam três Offi cios de Nove Lições de cincoenta padres cada hum e pagarão a cada Padre duzentos reis entrando sempre os Padres do dito Mosteiro, os que nelle ouverem inteiramente, hirão os que se acharem clérigos da terra e também lhe pagarão como aos demais e darão a offerta por cada offi cio mil e quinhentos réis. Mando que se dê à Confraria do Santíssimo Sacramento dois mil reis de esmola, e à Senhora do Rosário outros dois mil réis, e darão à Confraria do nome de Jesus dois mil réis,

à Misericórdia pello meu enterramento dois mil réis, darão mais aos pobres que levarão as tochas acompanhando meu corpo dois vinténs a cada hum estes serão vinte e quatro… Mando que me mande meu testamenteiro dizer quatro trintários ditos pelos Religiosos do dito Mosteiro do Espírito Santo e dará de esmola por cada hum 4.500 réis, a saber hum por por elle testador, outro por sua Irmã Margarida Pereira por lhe deixar sua fazenda, outro por Gabriela Pereira sua Mãi e outro por Gaspar Leite seu Pai… Instituo por meu universal herdeiro a Gaspar Leite Cabral meu sobrinho fi lho de meu irmão Diogo Leite e nomeio também no meu prazo de São Tiago de Riba Ul com a condição de que dará a seu irmão António Leite Cabral oitenta mil reis, e lhe peço que me favoreça os casais porque são muito bons caseiros e pagam bem, Deixo também a meu sobrinho Gaspar Leite Cabral a minha Quinta da Lavandeira e as Casas e tudo o que se achar na casa. Deixo a Maria Coelha sua irmã... 40.000 reis. Deixo mais a hua fi lha que fi cou de Gaspar Leite que se chama de Brites 40.000 reis minha afi lhada. Deixo mais a meu afi lhado André, fi lho de Maria de Miranda 40.000 reis, e a meu afi lhado fi lho de Aires Pereira Coelho 40.000 reis.

O qual herdeiro nunqua nem trocará nem descambará em memoria sempre na geração do fi lho Macho avendo, e em falta delle sucederá a ella e será obrigado a mandar dizer dez missas pelas almas de meus Pais, Irmão dellas pelos Padres do Mosteiro do Espírito Santo cada anno e de esmola por cada huma de 4 vinténs... pagará o possuidor da dita Quinta.47

Declaro que os vinte mil reis que deixo a meu afi lhado fi lho de Aires Pereira, vem a ser seis mil réis que me deve que arrecadou de João Dias gallego, da sisa da Renda de Reguella e outros, seis da sisa da renda … que arrecadou de D. Ângela da sisa da dita renda dos sabidos do ano de 1635 e cinco mil réis que me deve da sisa dos vinhos do dito anno

47 As alterações introduzidas pela Revolução Liberal de 1820 em matéria de vínculos ou morgadios levaram os seus administradores a esquecer obrigações que os vinculavam à sua condição de titulares. É certo que as condições sociais e económicas se alteraram signifi cativamente num meio em que as mentalidades haviam estagnado. Os enfi teutas não satisfaziam as rendas. As obrigações assumidas mantiveram-se e eram constantes. Uma delas era o cumprimento dos legados pios vinculados aos mesmos morgadios. A administração pública não deixou de intervir porque tinha aí mais uma fonte de receitas. Foi o que fi cámos a saber, e fazia-o através do Administrador do Concelho que controlava e citava os faltosos. Cremos ser a conclusão legítima, mais a partir da própria linguagem que do facto seguinte documentado:

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e das sisas dos vinhos de 1649. Declaro que na renda das sisas do ano de 1651 que trouxe das igrejas48 com meu sobrinho Gaspar Leite, e Aires Pereira Coelho e hum quarto da minha metade agora se farão contas e se cobrarão as dívidas … que tenho pago a El rey. Deixo mais dois alqueires de trigo que tenho nos moinhos de Sanfi ns… mais 5 alqueires de milho cada ano que me paga Tomaz Manuel e 2 e meio de Bastião Gonçalves, um de João Fernandes, das Eiras, e nomeio a Comenda de Oliveira. Mando que se pague a meu criado muito bem seu serviço por me te servido com amor todos os meses de minha casa. Deixo ao dito herdeiro a minha égoa e mulla e tudo o que se achar me pertença pagar os legados. Para pagar os ditos legados deixo em ouro huns 60.000 mil réis; e em prata 14.000 reis; e em outro sessenta ou setenta mil…, 4 mil reis que me deve Bastião Gonçalves de Crestuma, do lugar de Fioso que lhe emprestei por dia de Nossa Senhora de Março passado, Agostinho Pereira da Velha me deve dez alqueires de pão e quarta. Lavandeira seis de Maio de 1652.»

Aprovação do Testamento, no mesmo dia em que acaba de ser feito. “Aprovado em 06 de Maio de 1652 nas casas de morada de Manoel Leite de Miranda onde ele estava presente doente de cama em perfeito juízo perante mim Baltasar Soares tabelião da Feira …» Abertura do testamento. Passados três dias de feito e em que instituía o Morgadio na Lavandeira, aqui:«…nas suas casas de morada onde estava defunto e morto da

morte que Deus foi servido levá-lo, ali onde estava Bartolomeu Pinto Gramacho,49 Juiz ordinário nesta Vila da Feira, a requerimento para abrir e publicar este dito testamento que fez Manuel Leite de Miranda…», na presença do abade de Arrifana50 João Cardoso de Miranda,« e eu Baltasar Soares Tabelião que o escrevi…», em 09.05.1652.

Depreende-se que entre os membros da família houve entendimento em nobilitar a Lavandeira por um lado constituindo-a em Morgadio e depois, para lhe dar consistência económica e social acrescentaram-lhe a fazenda achada bastante na altura para a obtenção desses fi ns. Era na então importante dar ao estatuto de nobreza o suporte de morgadio. O tio Manuel Leite Pereira de Miranda vira o sobrinho, Dr. Juiz Gaspar Leite Cabral ascender ao Paço e receber o estatuto de «fi dalgo da Casa de Sua Alteza Real e de cavaleiro professo na Ordem de Cristo». Confi rmação do que fundamentadamente vimos insinuando são os testamentos 2º e 3º, insertos no «Tombo da Lavandeira» donde os recolhemos e ainda a herança que a irmã do instituidor, Margarida Pereira, legou ao instituidor do Morgadio da Lavandeira, como declara nas disposições testamentárias de um trintário de sufrágio. Para além da ampliação do estatuto social e da facilidade de movimentação no paço e ascender a rendosos cargos, trazia outra conveniência não menor que era potenciar as facilidades de acesso a casamentos, principalmente das fi lhas, com altas famílias de teres e haveres da nobreza do pais. Sintomático desta situação é o testamento seguinte. O Dr. Gaspar Leite Cabral, como os seus antecessores faz

Em 08 de Maio de 1855, o escrivão do Administrador do Concelho da Feira, Henrique Vicente da Costa Neves, na sequência do «processo instaurado de tomada de contas do legado não cumprido de D. Susana Emília Leite, do concelho de Sanfi ns, comarca de Lamego, hoje Jerónimo de Almeida de Castro Mendonça Castelo Branco, da Quinta de Sequeiros de Santiago de Piães». Deste processo consta que naquele dia 8 foi liquidado o legado de 14.400 réis, sendo julgadas as contas por esta Administração em 21 de Dezembro de 1855, tendo sido intimado o Procurador responsável António Joaquim de Resende e Oliveira, de Arrifana, que cumpriu a 05 de Março de 1856, e lhe foi passada quitação a 27 do mesmo mês e ano, cujo documento confi rmativo das nossas fundadas suposições encontrámos e que reza assim: o «(Padre) José Caetano Correia de Sá, pároco encomendado de São Pedro de Fins de sub-Feira, certifi ca em como disse 5 missas por alma de Rui Lourenço de Carvalho e de sua irmã Maria Coelha de Vasconcelos e mais 10 por alma de Manuel Leite de Miranda. São Fins, 05 de Março de 1855. Mandou dizer Jerónimo de Almeida de Castro Mendonça Castelo Branco… Ditas no convento de São Nicolau da Feira.» Esta declaração do celebrante foi apresentada e certifi cada pelo escrivão da Administração do Concelho que apôs o seu visto. A última declaração, cujo registo e arquivo consta do acervo de documentação em consulta, está datada de 29 de Junho de 1813 e foi rubricada pelo Dr. José Francisco Homem, do Desembargo Real. Diz essa declaração: «… fi z vir perante mim notifi cado a António Leite Cabral, de Arouca, para dar conta da obrigação de quinze missas que em cada ano é obrigado a mandar dizer … e por me apresentar certidão do Padre Manuel Joaquim … o hei por desobrigado até ao ano de 1812 de que lhe mandei passar a presente por mim assinada e selada. Ovar, 29 de Junho de 1813…» Os termos em que a declaração está feita dão a entender que a esta entidade judicial do foro civil, até em matérias de carácter religioso, estava cometida a acção fi scalizadora.48 Rendas das igrejas. Recordam ainda os direitos medievais de instituidores que oneravam as igrejas que fundavam em certas rendas pagas para sempre aos próprios e seus herdeiros.49 Bartolomeu Pinto Gramacho – Ainda hoje encontramos Gramachos na Casa da Quinta da Torre, S. João de Ver. Serão da mesma linha genealógica?50 Abade de Arrifana – trata-se do sobrinho do testador agora defunto, padre João Cardoso de Miranda

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uma introdução de profi ssão de fé, reconciliação com Deu, esperança na misericórdia divina com a ajuda de todos os santos e santas, anjos do céu, poder de intercessão maternal da Virgem Maria e Mãe de Jesus Cristo.

«Testamento do Dr. Gaspar Leite Cabral, fi dalgo da Casa de Sua alteza, cavaleiro professo da Ordem de Cristo e Desembargador dos Agravos nesta Relação e casa da Cidade do Porto, aprovado por mim Tabelião Madureira.»

«Instituo e ordeno por meus universais herdeiros meus fi lhos e declaro que o Vínculo da Lavandeira pertence ao fi lho mais velho Manuel Pereira de Berredo e assim também o Prazo de São Vicente (de Pereira) e ainda de Cidadelhe,(Lamego) há parte livre que meu fi lho Manuel Pereira sabe muito bem e juntamente a senhora sua Avó; os casais de São Tiago de Riba Ul, são de livre nomeação e é minha intenção que suceda neles minha fi lha Joanna, com declaração que meu fi lho Manuel Pereira tome muito por sua conta o estado desta minha fi lha, porque a minha tenção é e foi sempre que ela fosse religiosa e quando o não seja peço-lhe por minha bênção a tome muito por sua conta e seu estado. A meu fi lho Domingos Leite faço a mesma recomendação e que se tratem como dois bons irmãos… a meu fi lho Manuel Pereira deixo os meus (bens) para que com o resto deles procure haver melhoramento da tença; o Cardal fi ca em o poder de Manuel Vidal de Vasconcelos, o qual dará razão dele e he bem amigo… sou irmão por carta da Irmandade da Religião dos Capuchos que remeterão carta aos ditos padres Capuchos, para me fazerem os sufrágios. Também sou irmão da confraria de Nossa Senhora do Rosário de Lisboa, por via de meu grande amigo Capitão Manuel Vidal de Vasconcelos e mandarão 2.000 réis à confraria, mandarão dizer as missas costumadas, como bons irmãos, pelo que se lembrem de minha fi lha Joana entregando-lhe esses bens livres pois a ela pertencem, para seu estado e caso que o tome de seu gosto e de sua vontade lhe fi quem a ela … mando que meu corpo seja sepultado no convento de São Francisco no cemitério dos Irmãos Terceiros, … e me amortalharão no hábito … de São

Francisco, debaixo do Memento de Cavaleiro… mais se dirão em altares privilegiados as mais missas que a meus fi lhos parecerem de acompanhamento do meu corpo e assim de religiosos como de Irmandades e sufrágios deixo à discrição de meus fi lhos também. Declaro que os Casais que deixo a minha fi lha Joana lhe sirvam a seu gosto, e a seus irmãos torno a pedir por mercê que para meu alívio me tenham muito cuidado desta fi lha. A meu fi lho Domingos Leite deixo a minha livraria. E lembro o muito amor que tenho à Casa de Rio daves de meu Primo e compadre e se lá se conseguir casamento entre elles e dessa forem contentes também eu, não lhe ofereço o casamento de Joanna porque me faltam cabedais para lhe fazer dote. Por esta maneira dou meu testamento por acabado…» Em 20 de Setembro de 1675. «Certifi co eu Doutor João Ribeiro de Sousa, Abbade da Paroquial Igreja de Nossa Senhora da Victória extramuros desta Cidade do Porto … que se me entregou cosido e lacrado… e eu abri como é costume nesta cidade do Porto, de Setembro vinte e seis de seiscentos e setenta e cinco.» (26.09.1675).

Pode facilmente notar-se a preocupação das ligações de casamento entre gente nobre. Prova é a agitação psicológica em que se encontra este testador ao sentir chegado o seu fi m terrestre, e deixar por casar a fi lha Joana. E, sobre o assunto deixa que o véu se afaste tanto quanto baste para aquela conclusão. Na verdade, pede que velem por ela, ao fi lho Domingos Leite pede que a tome à sua conta, deixa-lhe que bonde para sustento nos Casais de São Tiago de Riba Ul. «Minha tenção foi sempre que ela fosse religiosa». Caso contrário óptimo seria ela casar com alguém da «Casa de Rio daves51 de meu primo e compadre», «…como lembrança do muito amor que tenho…» à sua casa. Se fosse do agrado deles seria também muito do seu, testador. «E não lhe ofereço o casamento de Joanna porque me faltão cabedaes para lhe fazer Dotte e por esta maneira dou este meu Testamento e última vontade por feito e acabado…»52

51 Rio daves ou Riodades? – Não encontrámos «Rio daves». O mais provável é ter-se equivocado o testador, quando quereria dizer «Riodades», este sim, freguesia no concelho e comarca de S. João da Pesqueira. Mas perseverará a dúvida pois, para além desta, não encontro outra forma de a esclarecer.52 Do «Tombo da Lavandeira», sem numeração dos documentos, gentilmente cedido para consulta, pela Sr.ª D. Maria Luísa Castelo Branco de Brito Pinheiro, descendente da Casa da Lavandeira, Eiriz, e outras.

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3º Testamento, de Rui Lourenço de Carvalho, feito em 27.07.1685. É claro o fi m reforçativo das bases económicas do morgadio da Lavandeira, instituído em 05. 06. 1652. Em 30 de Julho de 1685, o Vigário da Paroquial Igreja de São Nicolau da Feira, Padre Manuel da Anunciação, é apressadamente chamado ao moribundo Rui, dito também Rodrigo, Lourenço de Carvalho. Acabado aquele de chegar, exala o moribundo o último suspiro, nesta sua casa da Lavandeira de que fora administrador. De provecta idade, se não precocemente afectado por doença incapacitante. Colocamos o problema nestes termos pois «em 1 de Dezembro de 1676, nesta igreja de São Nicolau da Villa da Feyra em audiência que fazia o Juiz … se determinou que o Irmão Ruy Lourenço de Carvalho por rezois que tinha … fosse escuso de hir aos acompanhamentos dos defuntos irmãos … de fora da freguesia e que por isso daria meyo tostão de esmola por cada…» 53

Cumpridas as formalidades e rituais do momento, o Vigário procede à abertura do testamento do defunto senhor feito em 27 de Julho de 1685, três dias antes de expirar.Neste dia 27, estando de cama, mas em seu «perfeito juízo, e desejando pôr minha alma no caminho da salvação

… faço este testamento… Rogo a meu sobrinho Manuel Pereira de Berredo, morador na cidade do Porto seja meu testamenteiro. Meu corpo será sepultado na igreja de São Nicolau da Feira na sepultura que nela tenho no hábito de São Francisco … com a confraria dos Santos Passos, na tumba dela porque sou confrade … farão três ofícios de dez padres a quem darão 150 réis a cada um, 200 missas o mais breve possível de 60 réis cada uma.»

«Tenho um casal na freguesia de Pigeiros que deixo a minha sobrinha Dona Maria de Berredo; às sobrinhas D. Mariana Leite, D. Maria Leite e D. Joana Leite, esta já falecida, religiosas no convento de Arouca, deixo tenças de 4 mil réis, às quais continuarão a ser pagas as ditas tenças. Por morte de meus pais se não fez inventário desta casa nem dela levou cousa alguma meu irmão Gaspar Leite Cabral, e ainda cá tem a sua parte que toca a seu fi lho e meu sobrinho que declaro meu universal herdeiro, depois de cumpridos meus legados, meu sobrinho Manuel Pereira de Berredo, no vínculo da Lavandeira que fez meu tio e Senhor Manuel Leite de Miranda que Deus haja.Obrigação de 5 missas cada ano na igreja dos Lóios da Feira,

Estrutura das casas assobradadas a que se referem os diversos textos.

53 AHSCMSMF – Livro das «Entradas dos Irmãos» na Confraria das Almas, 2.6.1676 a 8.11.1772, fl . 8 v.

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será acompanhado o meu corpo por 12 pobres e a cada um será dado meio tostão. Por não poder, pedi a Manuel Carneiro desta Vila este fi zesse por mim.»

Feito o testamento a 27.07.1685, foi aprovado no dia seguinte, 28, no tabelião de notas da Feira João Lopes Correia. Aberto a 30.07.1685, como foi dito. Havia tempos, tinha feito testamento de mão comum com a irmã Maria Coelha de Vasconcelos já falecida. Por este, tem-no por revogado. Era esta sua irmã enfi teuta do Casal de Cabanões, de São João de Ovar, aforado pelas religiosas do convento de São Bento do Porto, como em outro lugar se deixa expresso na escritura de emprazamento lavrada no dito convento.

Rui Lourenço de Carvalho, nomeia senhor da Lavandeira Manuel Pereira de Berredo. Este obteve carta de Familiar do Santo Ofício em 4 de Outubro de 1675.54 Era Cavaleiro Professo da Ordem de Cristo. Natural da freguesia de São Nicolau da Vila da Feira. Filho do Licenciado Gaspar Leite Cabral, também Cavaleiro Professo da mesma Ordem de Cristo e natural da dita de São Nicolau e de D. Maria da Silva, natural do Porto, ambos moradores na dita de São Nicolau.

Manuel Pereira de Berredo era neto paterno de Diogo Leite de Miranda, da Feira e de D. Mécia Cardoso Coelho, de Lamego. Esta D. Mécia era fi lha de Rui Lourenço de Carvalho e de D. Mécia Coelha de Vasconcelos, então moradores em Lamego, agora, desde há anos, na Lavandeira, Feira. D. Mécia neta materna do capitão António Alves de Sequeira, conhecido pelo «capitão Plumas», e de D. Maria da Fonseca, moradores no Porto, donde ele é natural.Manuel Pereira de Berredo era sobrinho de Filipa Soares de Carvalho, casada com Manuel Cabral de Castelo Branco, mãe de D. Mécia de Berredo, casada com António Soares, ou Tavares, Teixeira, morador em Arouca, familiar do Santo Ofício.

Em 1677, esteve ajustado para casar com D. Luísa de Lemos, fi lha do Dr. António de Lemos da Rosa, Desembargador da Relação do Porto e de sua mulher D. Maria de Matos, ambos moradores “na mui nobre e invicta cidade do Porto”.Neta paterna do Padre Cosme da Rosa de Lemos, abade que foi da freguesia de São Vicente de Cidadelhe, natural de Vila

Real, e de Antónia João, solteira, depois casada com António Gonçalves, natural e moradora em Cidadelhe, e neta materna do capitão Domingos Vilela, natural do Couto de Goivães, de Sabrosa, e de Isabel Gonçalves, natural de Constantim, do termo de Vila Real.

Em 13 de Setembro de 1678 – foi feito contrato entre Manuel Pereira de Berredo e os Padres Lóios do Convento do Espírito Santo da Feira sobre dizerem 15 missas cada ano pelas almas de Manuel Leite de Miranda, falecido em 1652; de Rui ou Rodrigo Lourenço de Carvalho, falecido em 1685, e de Maria Coelha de Vasconcelos, e cobrarem a conta delas a Fernão Leitão de Andrade e às fi lhas de João Roiz, «o barbeiro», e darem quitação sempre que se pedir. (pg.44).

A LAVANDEIRA, O CASCO, A TERRA, OS PROBLEMAS

ÁGUAS E LITÍGIOS

1624 - Em termos de antiguidade documental da Lavandeira, é precisamente uma acção movida pelo senhorio contra os enfi teutas. Assim, «aos quinze dias de Novembro de 1624, em esta dita Vila da Feira e no paço do Corregedor, em pubriqua audiência que aos feitos e partes fazia Teodósio de Matos, Juiz ordinário … perante ele aparecera presente Manuel Leite, solteiro, morador em a sua quinta da Lavandeira e disse por si o seu procurador o advogado Manuel Soares nos auditórios desta Vila da Feira e em seu nome e no de sua irmã Margarida Pereira Ambrósia ali moradora que em sua petição estava citado António Fernandes e sua mulher Maria Antónia moradores em a quinta de Sam Fins» termo desta Vila da Feira, «por força que lhe fazem de mudarem a água do verguado e lha levarem aonde não é devido.» Nesses tempos era uma luta constante pelo governo das águas no verão porque muitas eram as terras a produzir o pão com que enchiam os canastros, fi guras emblemáticas da paisagem rural, hoje peças de museu. Daí as constantes questões de águas, não obstante a sua regulamentação. Neste caso, foram citados os réus a juízo pelo porteiro da Vila, Mateus Fernandes, na forma da ordem do dito Juiz para

54 ANTT – Familiares do Santo Ofício, Manuel – Maço 23, Proc. N 594

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a dita causa para que nomeara advogado na pessoa de Jorge de Figueiredo de Lacerda, a 22 de Novembro de 1624. «Dizem os autores Margarida Pereira Ambrósio e Manuel Leite de Miranda, solteiros, moradores na sua Quinta da Lavandeira, contra os réus:» em 24.11.1624.

1. «Provarão que aos autores pertencem uns moinhos, que têm na sua dita quinta que moem com água do dito vergado que nasce no monte de Guilfar,? Gelfar,? a qual se vem juntar à do rio das «Mestas»ou «Mestras»? e toda ela junta vai aos ditos moinhos e com ela toda moem.

2. Provarão que ao autores estão de posse de mandar buscar e encaminhar a dita água do dito verguado pela cerca do rio antigo até se ajuntar no dito rio das Mestras. E dela vem até aos ditos moinhos e com ela toda moem e esta passagem sabem as pessoas que da sua mão trazem a dita água para o dito moinho desde 20, 40, 100 e mais anos e de tempo imemorial, sem contradição de pessoa alguma. 3. Provarão que os réus têm direito de regar com a dita água do reguado no serrado da dita quinta milho, linho e cevada, porém não podem trazer do moinho no verão nas terras de pão da dita quinta e nesta mesma forma usam da

Certifi cado exigido pela Administração do Concelho justifi cativo do cumprimento das obrigações de sufrágio pelo instituidor do vínculo da Lavandeira, passado a 26.11.1752. (pg.43).

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Restos do tempo antigo. Espigueiros ou canastros de secagem das espigas do milho da lavoura das Quintas.

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dita agua alguns moradores do dito lugar de São Fins.”A água da contenda que regas as terras e serve os moinhos nasce ali relativamente perto, no monte de nome visigótico, «Guefar»55, e logo mais abaixo fazem presa dela.

EM 15 DE NOVEMBRO DE 1624 Sentença da água dos moinhos contra os da Quintã de Sam Fins. 15.11.1624.

«O Lecenceado João Coutinho Nogueira ouvidor em correição em a Vila da Feira he seu termo, terra de santa Maria, villa e terra de jurdiçam da condessa D. Joana Frojaz Pereira de Meneses, senhora da dita villa, etc.,faço saber a todos os juízes, ouvidores, corregedores, justiças, offi ciais e pessoas deste reino e senhorios de Portugal, a quem esta sentença tirada do processo for apresentada e o conhecimento

e execução dela com direito deva e aja de pertencer como em hos quinze dias do mês de Novembro de mil e seiscentos e vinte e coatro annos em esta dita Vila da Feira e no paço do conservador em pubriqua audiencia que aos feitos e partes fi zera Theodosio de Matos Juiz hordinário que em esta dita vila da feira em ho dito anno fora perante elle parecera presente Manoel Leite, morador em ha sua quinta da Lavandeira, e dissera por si e seu procurador o lecenceado Manoel Soares advogado no auditório desta dita villa, e disserom em seu nome dele e o de sua Irmã Marguarida Pereira Ambrosia moradora na mesma quinta da Lavandeira que na sua petição estava citado António Fernandes e sua mulher moradores em ha quinta de Sam Fins, termo desta dita villa da Feira por a força que lhe fazem em mudar a agoa do verguado e a levarem aonde não he de foro como melhor diriam em seus libelos o que visto pelo dito juiz fi zera pergunta que citara haos

O que resta do rodízio e suas penas de mover as mós de moer os cereais.

55 «Guefar», «Gueifar». Em 1258 era «Gueeifar», Inquirições, Pg. 402). Topónimo de origem germânica, composto de dois elementos: «wini-», amigo, e «far-», de faran-, andar. Daí, Gueifar signifi ca “amigo de andar”. Esta uma das leituras possíveis a partir da letra do texto. Só que os escribas nem sempre são intérpretes fi éis a prolação do tempo, provocando, desta forma, leituras desacertadas. Ao que viemos a saber, o sítio da Fontanheira é Golfar, dizem por aqui hoje, o que modifi ca por completo o panorama linguístico. É este o caminho que segue por Talho e vem receber a água da fonte da Campinha que de seguida tomará o nome de «ribeira da Sarnada». E seria este que então fornecia a água em causa.

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Reos he logo ahy dera sua fee Mateus Fernandes porteiro que deu este aviso ao Reo e sua molher não ho achava o que visto pelo dito juis mandara apregoar ao Reo e o fez pelo pregoeiro da casa e não parecera, e não aparecer a sua revelia disse o dito Juiz que o citava pera a dita causa e suas dependências, e lhe mandara que se citasse a molher do Reo e com isso os autores as viessem obrigando ao Reo por libello e dos autos constava os autores fazerem sempre curador ao dito lecenceado ao qual eram dados os poderes que em direito sempre podiam dar com liber e geral administraçam e outrossy dos autos constava que em os vinte e dous dias do dito mês e anno atrás declarado(22.11.1624) em a dita villa e paço do concelho della em pubriqua audiência que o dito Juiz às partes fez, perante ele parecera presente o procurador dos autores e lhe requerera que, pois o Réu estava presente, o houvesse por citado em sua pessoa. E assim a sua molher, e outrossim por estar presente o dito Juiz, por suas pessoas as avia por citadas pera a dita causa e suas dependências e pera todas as formas e autos judiciais della e outrossy constava dos autos fazer o reo seu procurador o licenceado Jorge de Figueiredo de Lacerda, outrossy avogado no auditório desta dita vila, ao qual deram todo ho poder que em direito lhe podiam dar, com liber e geral administraçam, o que sendo assim feito e estando os autos nestes termos, em hos vinte e nove dias do dito mês e ano, (29.11.1624) atrás declarado, em a dita villa da feira em o paco do conselho dela em pubriqua audiência que aos feitos e partes fi zera o dito Juiz, perante elle parecera presente o dito Juiz e parante elles parecera presente o procurador dos autores e apresentaram hum libello contra o Reo requerendo ao dito Juiz que lho recebesse o que visto pelo dito Juiz mandou apregoar aos Reos por fora, por António Fernandes pregoeiro que dera sua fee que não apareciam e, por não aparecerem, dizem os autores Margarida Pereira e Manoel Leite,56 solteiros, moradores na Quinta da Lavandeira, contra António Fernandes e sua mulher, Maria Antónia, moradores na sua quinta de Sam Fins, …

Provarão que aos autores pertencem huns muinhos que tem na dita sua quinta de que estavam de posse e de moerem de verão com agoa do verguado que nasce no monte de Gilfar (Gueifar?)57 e se vem juntar com a do Rio das Mestras. He toda junta vai ao moinho e com ella toda moem os ditos moinhos. Provarão que os autores estão em posse de mandar

lançar e encaminhar a dita agua do verguado e regela para o rio antigo, até se ajuntar no dito rio das mestras, e de la vem aos ditos seus moinhos que com toda moem e esta posse sempre per si e per as pessoas que da sua mão trazem hos ditos moinhos desde vinte, corenta, cento e mais anos e de sempre emmemorial sem contradiçam de pessoa alguma.

Provará que os reos tem somente posse de reguar com as ditas aguas do reguado nas terras da dita quinta, milho, linho e cevada, porem não podem trazer… no verão nas terras de pousado nem levala as terras de fora da dita quinta e nesta mesma forma usão da dita agua alguns moradores do dito lugar de Sam Fins. Provará que…se a aguoa pertencesse aos reos ou seus antepassados lançavam a dita agua no seu pousado no verão ou a levavam até o rio e fora da dita quinta era forçadamente às escondidas e tanto que os autores e seus antecessores as aviam logo de lançar ao rio;Provarão que tanto he o sobredito verdadeiro Casal de Gulfar desta quinta…. Provarão que a agua do reguado da contenda … logo abaixo donde nasce, fazem presas da dita agua do dito verguado pera a sua dita quinta, e nesta posse estam per si e seus antepassados, em forma pubrica, e trazem a metade da dita agua na sua quinta sem nunca a lançarem no rio,

56 É o instituidor do futuro Morgadio e sua irmã Margarida falecida também solteira. Esta legou a este seu irmão os bens que iriam engrossar a folha da capela da Lavandeira, tornando assim mais possível instituí-la.57 Não falta variedade de grafi a para o sítio que as pessoas conhecem e chamam «Golfar» que soa também a «Gulfar». E aqui está o grande problema nestas pequenas diferenças. Assim: Se o termo que designa o sítio onde nasce em abundância, brotando da terra às «golfadas» (como dizem as pessoas da terra) a água que forma a ribeirinha com que se regavam as terras da Lavandeira constantes de seus aforamentos, então poder-se-ia aceitar esta primária explicação popular, «Golfar». Até aqui nada de especial. Mas se for «Gulfar», então o caso muda de fi gura pois estaremos perante antropónimo de origem germânica, como será mais aceitável e menos empírico. Estaremos, ssim, perante o gótico *wulf, «lobo» + harjis, «exército». José Pedro Machado diz que a grafi a Golfar, em J. Leite de Vasconcelos e Joseph Piel, parece menos indicada, dado que apresenta maior frequência de grafi a em Gulfar. Curioso é anotar que o citado autor apresenta para este nosso topográfi co da Feira, a forma «GULFAR» que aparece também na Guarda, Sátão, Trancoso, La Corunha, Lugo, Orense, Pontevedra, exactamente a região onde mais tempo se acantonaram os Suevos; absorvidos depois pelos visigodos que se mantiveram até à vinda dos Árabes em 711- 713.

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Provarão que a dita agua da contenda não pode hir ao rio das mestras, sem primeiro entrar na quinta e propriedades do reo como dirão todos os que a conhecem,Provarão que nunqua os autores nem seus antepassados em posse da quinta e mais propriedades do reo encaminharam a dita agua em terra sua por enxada e assim afi rmam todos e sabem por serem vizinhos e não podiam eles entrar nas ditas propriedades dos reos a encaminhar a dita agua,Provará que tanto he verdade não hir a agoa da contenda ao rio que a dita agua anda sempre enguada assim no verão como no Inverno e sempre anda em giro e sempre hos reos sam senhores da metade da dita agua e assim no Veram como no Inverno e sempre andaram assim elles como seus antepassados de posse da dita agua como. Provará que todos os que tem campos abaixo da quinta dos reos regam com a dita agua suas novidades. Passada certidão a requerimento… em 16 de Dezembro de 1624 “

AS PALHAÇAS, seu emprazamento em 04.01.1663

Em 04 de Janeiro de 1663, o Dr. Gaspar Leite Cabral faz prazo a João Rodrigues, “o barbeiro”, e sua mulher, moradores na Lavandeira. Objecto da enfi teuse: Casa terreira com sua horta e quintal sitas nas Palhaças desta Vila da Feira, pertença da sua quinta da Lavandeira, que possui por título de morgado instituído por seu tio Manuel Leite de Miranda. Medição: Tem de comprido de Norte a Sul 7 varas e meia, e um palmo; de largo Nascente a Poente 3 varas e meia e dois palmos; e parte do Nascente com terra e horta da mesma casa, e do Nascente com estrada pública que vai para Pombos e do Norte com recanto da mesma horta, e do sul com casa e terra de Maria da Costa que é também do mesmo prazo, de que é direito senhorio o dito Dr. Juiz desembargador Gaspar Leite Cabral.

Mó dos moínhos do rio Lavandeira. (pg.46 e 47).

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A horta e quintal têm de largo pelo sul 10 varas e 4 palmos; e do norte entrando o recanto, 16 varas e 4 palmos. Mediu-se de comprido de norte a sul pela parte do nascente 17 varas e meia e pelo poente pegado à casa 12 varas e meia e 2 palmos. E no recanto de comprido de norte a sul 7 varas pelo nascente e norte parte com terras de Maria de Miranda. Pagará de renda 800 réis em dinheiro. A última acção de arrendamento da Lavandeira com o Casal de Pombos, da mesma, foi a renovação que dela se fez no Tabelião de notas da Feira Joaquim Vaz de Oliveira em 09 de Julho de 1850, a Domingos José Bento de Pombos, pelo senhorio Jerónimo de Almeida Castro Mendonça Castelo Branco, também senhor da Lavandeira.

Em 19 de Janeiro de 1852, se deu novo emprazamento requerido pelos caseiros, no tabelião de notas da Feira, agora Joaquim Vaz de Oliveira Júnior.58

Em 21 de Outubro de 1675, Manuel Pereira de Berredo, mancebo solteiro, assistente na sua Quinta de Azevedo de São Vicente de Pereira e sua irmã Maria Coelha de Vasconcelos, donzela, assistente nas suas casas de morada da Lavandeira, fi lhos que fi caram do Dr. Gaspar Leite Cabral que Deus tem, Desembargador que foi dos Agravos na Casa da Relação do Porto, nas casas de morada da dita donzela juntam-se João Roiz, “o novo,” e sua mulher Domingas Gomes, moradores no lugar das Palhaças da Lavandeira desta Vila da Feira, para procederem ao emprazamento das ditas terras das Palhaças.

Em 06.03.1678, a casa da Quinta da Lavandeira foi aumentada com a compra de «casas, terra de campos e maninhos por romper» a Domingos Fernandes e Isabel Fernandes moradores no lugar da Rossada de S. Vicente de Pereira. A compra «para sempre até ao fi m do mundo» foi feita por «Manuel Pereira de Berredo, fi dalgo da Casa de Sua Alteza e cavaleiro do Hábito de Cristo, assistente na sua quinta de Azevedo», onde, ou nas casas da sua quinta da Lavandeira, devia ser entregue pelos vendedores, agora foreiros, a renda constituída por «um frango, uma galinha, um alqueire de centeio por São Miguel de Setembro.»

Em 12.08.1685, Fernão Leitão de Andrade e mulher, da Vila da Feira, nesta data, tomam de enfi teuse a morada

de casas com seu quintal e o prazo da Lavandeira. Recebem-no das mãos do administrador do dito prazo, o Dr. Manuel Pereira de Berredo, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, casado com D. Luísa de Lemos.

Em 20.12.1685 prazo feito pelos mesmos senhorios a Domingos Leite e sua mulher, de que pagariam 20 alqueires de milho e 5 de centeio.

Em 29.12.1686, fazem novo prazo em que é interveniente José Pereira da Silva Leite de Berredo, tenente do Regimento de Cavalaria nº 11.

Em 09.02.1689, as águas e sua presa de irrigação do Casal são objecto de contrato amigável entre Manuel Pereira de Berredo e sua mulher com Agostinho Roiz e Domingos Leite, feito na rua de São Miguel, na cidade do Porto, onde o senhorio morava. Manuel de Berredo, Fidalgo da Casa de Sua Majestade era Cavaleiro da Ordem de Cristo e estava casado com D. Luísa de Lemos. Com este contrato procuram regular as normas de utilização das águas desde sempre objecto de disputas dirimidas no passado á força de tribunal. Graves foram alguns litígios que terminaram de forma trágica, traduzida na morte de uma das partes. A água rega a terra e olival do sítio de «Rabodégua». A água da Carreira e a água de Picalhos. O morgado dava na escritura de emprazamento 4 dias da presa das Justas em cada 9 dias de que se servem do modo seguinte…

58 Joaquim Vaz de Oliveira Júnior, interveniente neste caso, na história da Lavandeira pela sua acção pública de tabelião de notas da Feira em 1852. Nasce em 29.11.1803, na freguesia de São Lourenço do Douro, concelho de Bem Viver, comarca de Sobre Tâmega e ali baptizado em 1 de Dezembro. Atravessa na sua juventude a Revolução Liberal de 1820 a 1840. Esteve nas fi leiras militares pela causa da Rainha. Foi ofi cial da Junta de Partidores do Juízo de Fora do Cível na cidade do Porto; em 23.06.1834 veio despachado por D. Pedro IV escrivão do juízo de direito da comarca da Feira onde chegou em Julho desse ano; casa em 14.06.1837 com D. Luísa Adelaide Teixeira da Silva Canedo, nascida nesta Vila da Feira em 15.01.1810, Canedo por daqui ser o pai José da Silva Canedo que já habitava nesta Vila da Feira. Em 16.04.1841, compra a Casa das Ribas a José Eleutério Barbosa de Lima, que nunca a veio a habitar, preferindo continuar a residir onde veio a falecer em 22.8.1866, hoje, 1944, «pertença de D. Maria da Luz Albuquerque e sua fi lha, na Rua do Dr. Guilherme Moreira», pg. 177. Para mais pormenores, pode ver a monografi a sobre a «Quinta das Ribas», de que é também autor Roberto Vaz de Oliveira, Edição de Abril de 1999

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Em 23.09.1708, Manuel Pereira de Berredo e mulher D. Luísa Lemos, moradores na cidade do Porto, fazem emprazamento a António Correia Sapateiro e mulher Maria Francisca, moradores na Lavandeira das casas e quinta dita Palhaças, na Vila da Feira. Medição de comprido 16 varas e um palmo, largura 11 varas e pega como o campo de Manuel de Andrade de Albuquerque e com o caminho público que da Rua vai para os moinhos da Lavandeira e do sul com o quintal de Domingas Gomes viúva de João Rodrigues Cambado, quinta que é dos ditos senhorios. Havia vagado. Renda 480 réis, de lutuosa outro tanto, laudémio de 10/1.

Em 05.03.1715, Manuel Pereira de Berredo, cavaleiro professo, e sua mulher D. Luísa de Lemos, emprazam a Fernando Leite de Andrade e mulher, com a obrigação de 5 missas de tostão cada; ao reitor do Convento dois frangos e a Nossa Senhora do Campo um frango. Mais pagariam os «dízimos a Deus» impostos nesta quinta em 1719 no total de 4.000 réis anuais, com que para sempre a quinta de Azevedo ou do Formal onerou a Lavandeira na sequência da construção da capela em honra de São José.

AINDA O PRAZO DAS PALHAÇAS

Em 6 de Janeiro de 1733, José Leite Pereira de Berredo59 e sua mulher D. Isabel Maria Josefa de Lima fi zeram emprazamento ao Padre Bernardo José de Freitas e seu meio irmão Alexandre, fi lho que fi cou de Damião Roiz de Freitas, morador que foi nesta Vila da Feira, representado pelo boticário da Feira, Francisco Soares de Melo procurador, cujo substabelecimento foi feito no tabelião de notas da Feira, Matias Soares da Silva, aos 26.05.1731, para, com o moleiro Manuel Fernandes, emprazarem as casas das Palhaças, propriedade desta quinta da Lavandeira, de que vimos falando. Estas casas das Palhaças haviam sido já do falecido pai Damião Roiz de Freitas e da sua primeira mulher Ana Correia. Falecida esta, Damião casa com Joana Teresa, de quem era fi lho o meio-irmão Alexandre. Em 20.12.1732 o senhorio da casa de Azevedo passa procuração a Francisco Correia Martins, para agregação do prazo, feita no dia 30.12.1732.

Uma casa terreira, com horta e pomar, sobre um emprazamento feito em 21.10. 1675, nas notas de Baltasar Soares, tabelião da Feira. O prazo fora feito primeira vida a João Rodrigues, o Novo, 2ª vida a sua mulher Domingas Gomes, respectivamente Pai e Mãe deste Damião, que tinham outro fi lho chamado Francisco Correia de Freitas, ausente em parte incerta, nas colónias ultramarinas, que não reclamou direito algum nos direitos de sucessão no dito prazo. Além disso havia deixado aos irmãos doação escrita de todo o direito que pudesse vir a ter no dito prazo, pelo que podiam usufruí-lo de pleno direito.60 Pagava 800 réis de renda, agora aumentada 20 reis neste, sendo o total de 820 réis. De lutuosa,61 um carneiro ou 400 réis por ele.Testemunhas presentes: Padre Baptista de Oliveira Ferreira Tavares, Capelão da Misericórdia da Feira. Falece pobre a 27.07.1768. Morava na Rua. ( Livro da Misericórdia, 1705, fl s 70v e 238. L. Óbitos, Nº 7, pg.48) Padre Luís Correia Pereira. O Tabelião, Bernardo Pereira de Campos, todos residentes nesta Vila da Feira.

Em 19.07.1775, Fernando Campelo da Cunha Pinto e sua mulher D. Joana Leite Pereira de Berredo, a residir na cidade do Porto, por procuração passada no Porto, a 04.05.1775, a José Tomás Monteiro, a Maria de Oliveira viúva que fi cou de José de Matos e seu fi lho Manuel de Matos do lugar da Azenha, em três vidas, faz prazo das terras do Casal da Lavandeira, terras e moinhos, cujo auto de apegação segue. É-lhes feito por direito de nomeação que lhes fez Marta Pereira mãe e sogra dos ditos, por escritura de 2 de Março de1749, nas notas do tabelião da Feira Teodósio Tomás Correia de Sá. Este prazo pertence ao vínculo da Lavandeira instituído por Manuel Roque de Miranda, antigamente na posse do enfi teuta Matias Lopes e mulher Maria Pereira. Pagariam de renda, por São Miguel de Setembro: 4 alqueires de centeio; 37 de milho, 3 arráteis de bom linho, 1 galinha, e 3.500 réis em dinheiro; de lutuosa um carneiro ou

59 ANTT - Carta de Familiar de 31.3. 1701, José, Maço 11, processo 197.

60 ADA – Feito no Tabelião de notas da Feira, Matias Soares da Silva, em 27 de Maio de 1727. Neste doc. dera seu consentimento o pai Damião Roiz de Freitas. Note-se já o fl uxo migratório da Feira para províncias ultramarinas e não já só para o Brasil para onde, de muito cedo, houve emigração da Vila da Feira, burgo.61 Tributação sobre as terras e outros bens que os foreiros acresciam ao anual, e que tinha de dar ao senhorio directo sempre que falecia um dos enfi teutas, chamada «vida». A enfi teuse era feita para três gerações, renovada sempre que as três se cumpriam na morte do terceiro.

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400 réis por ele. E declaram louvar-se em Domingos Marques, de Campos, da Feira.

MEDIÇÃO DAS QUATRO PROPRIEDADES Do Prazo da Lavandeira: as propriedades, dada a pormenorização, cremos, serão fáceis de identifi car, apesar da distância dos factos e do tempo. Além de que aqui o apagamento urbano não terá funcionado ainda, dado o seu avanço recente.

A deveza de Castanho e carvalhal e mato que tem de comprimento do Norte ao Sul pela parte do Nascente 70,5

braças, de dez palmos craveiros cada: E tem de comprido do Norte ao Sul pela parte do Poente, medido em redondo até à ponta do Norte que acaba na cabeça da levada que tem 77 braças. E de través na cabeça do nascente 24 braças; e na cabeça do Poente 25 braças. Levará de semeadura 8,5 alqueires de centeio.

O campo da Cortinha da deveza. Tem de comprido de Norte a Sul 76 braças e tem de largo na cabeça do Nascente e Poente 19 braças. De través pela parte do Norte do Nascente ao Poente 24,5 braças. Este campo está pegado com a deveza e levará de semeadura, 9 alqueires de centeio.

Casa terreira das medições das terras para aforamento aos enfi teutas

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Parte do Nascente com o rio público e com terras de Laura de Figueiredo, e do Norte com o campo da deveza e com a levada que vai para os moinhos; e da parte do Poente com António Soares e fi lhos de Domingos André, das Eiras; e do Sul com terras do memo senhorio e com o caminho público.

O campo da Tardeira. Curioso verifi car que a alcunha por que era muito conhecida uma das senhoras da Lavandeira a viver em Eiriz, se tivesse colado a esta parte das terras da Quinta.62 Tem de comprido de Norte a Sul pela banda do rio 25 braças e dois palmos; tem de través do norte do nascente ao poente 10 braças e de comprido pela parte do nascente aonde faz um cotovelo, pelo caminho que vai para a Azenha e para a Piedade, 10 braças; e do cotovelo para baixo, tem 17 braças; e de largo, no meio da terra aonde faz cotovelo, tem 8 braças e um palmo. Levará de semeadura um alqueire e quarta de centeio. Confronta, do Nascente e do Norte, com terras de Joana de Figueiredo; do Poente, confronta como rio público e do Sul com a estrada.

E tem um bocado de deveza de castanho, entre a levadinha, que tem, de comprido, do nascente ao poente, 18 braças; e de largo, na cabeça do poente, 3 braças e dois palmos. E de través na cabeça do nascente, tem 5 braças, e levará, de semeadura, três quartas de centeio. Confronta do Nascente com Joana de Figueiredo, do Norte com a levada e

do Poente e Sul com a mesma. Tem um palheiro e uma casa que este prazo tinha sito no campo de Francisco Pereira com a obrigação de o mesmo pagar uma quarta de milho aos ditos senhorios e se lhe tomou no seu prazo que se mediu. Tem direito a meio dia de água de rega cada semana que tomará em qualquer dia por troca e com a água que escorre da levada se ameruja o campo da cortinha.

Renda: pagarão 4 alqueires de centeio, e 37 de milho e três arráteis de linho da renda velha a que acrescenta um frango que é da renda nova, tudo posto na Quinta de Azevedo, em São Vicente de Pereira, por São Miguel do mês de Setembro de cada ano. De lutuosa um carneiro ou 400 réis por ele e de domínio a décima parte. O prazo é feito por três vidas com início em Maria de Oliveira. Eles caseiros não podiam fazer delas foro a qualquer igreja, mosteiro, capela ou lugar pio sob pena de perderem o direito sobre este prazo de D. Mécia. Mas, em virtude da sustentação do culto da capela de São José63 erigida em Azevedo em 1719 fi cou este prazo da Lavandeira obrigado a pagar 400 mil réis, à custa dos chamados «dízimos a Deus». Em 30 de Janeiro, em 26 de Junho e em 30 de Setembro de 1871, houve procedimentos relativos à Lavandeira os quais diriam respeito a alterações do conteúdo

do documento de 1775, constante do Tombo das propriedades, foros e arrendamentos do morgadio da Lavandeira, cujo casco se reduzia à descrição neste emprazamento.

CAMPO DO CHOUPELO.

Aos 5 de Maio de 1716, José Leite Pereira de Berredo e sua irmã, D. Josefa Leite Pereira de Berredo, da Lavandeira, fazem emprazamento a Manuel Fernandes e mulher Filipa Gomes, moradores no lugar da Lavandeira, de uma casa telhada, curral, moinho segundeiro

Uma casa de moinho e a levada da presa para o mesmo.

62 D. Mécia de Berredo Tardeira, a primeira a abandonar a Lavandeira, contribuindo para a sua decadência. Ver nota 52. Não temos indicações para a origem deste apelido. Só na documentação da Lavandeira aparece.

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que partem com o caminho que vai para Pombos e das mais partes com terras dele senhorio. Mais o Campo do Choupelo e metade do Carvalhal, as quais propriedades pertencem à Quinta da Lavandeira de cuja capela são administradores

a qual instituiu Manuel Leite de Miranda com obrigação de missas todos os anos no Convento do Espírito Santo da Feira, pela alma do instituidor.

Rodízio do Moinho com suas penas de líquenes secos da inactividade.

63 Coincidência ou não, regista-se o facto de ser da invocação de São José também a capela da Quinta da Ribeira, de Matias Simões, já viúvo, da freguesia de Piães, quinta constituída em vínculo desta capela por escritura de 13 de Novembro de 1752. Era então do concelho de Sanfi ns, extinto em 1855 e, em seu lugar, erigido o de Cinfães. Ao instituir este vínculo nomeava para seu primeiro administrador o fi lho Padre José Simões Moreira com ele assistente, podendo, à sua morte, nomear novo administrador quem quisesse. Vinculava a obrigação de, na dita capela, lhe rezarem, todos os anos para sempre, 12 missas, iniciada a Quaresma.

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Renda – 115 alqueires de pão, 1 arrátel de linho, ou 150 réis por ele; 95 alqueires de pão da maquia do moinho. Testemunhas presentes: Manuel de Magalhães e Vasconcelos, de Mesão Frio, assistente na casa deste senhorio, e Aires Pinto Coelho de Vasconcelos, morador em Avanca, comarca de Esgueira. Este Aires Pinto Coelho de Vasconcelos encontrava-se lá por casa porque da família, por parte da mãe. Natural e morador em Vouzela donde era também natural o pai, António Pinto de Azevedo. A Mãe, D. Maria Coelho de Vasconcelos, era natural de Oliveira de Azeméis. Neto paterno de António Alcoforado, de Vouzela, e de Augusta Coelho, da freguesia de Alvarenga, concelho de Arouca, e neto materno de Aires Ferreira Coelho de Miranda, da Vila da Feira e de Paula de Pinho de Resende, de Oliveira de Azeméis, e, na altura dos presentes factos, aí moradores.

Em 1714, este Aires Pinto Coelho de Vasconcelos esteve ajustado para casar com Maria Soares de Pinho, de Oliveira de Azeméis, fi lha de António Soares Homem, familiar do Santo Ofício, e de Inocência de Pinho, ambos naturais da freguesia de São Miguel de Oliveira de Azeméis. Recebeu Carta de Familiar em 11.01.1714. 64

A LAVANDEIRA –

Em 19.07.1775, Fernando Campelo da Cunha Pinto e sua mulher D. Joana Leite Pereira de Berredo, fazem a Caetana Maria e a sua fi lha Rosa, de menor idade, escritura de emprazamento de umas casas terreiras e quintal com sua horta que fora emprazado a João Rodrigues Barbeiro e sua mulher Maria Soares, da Lavandeira, pela renda de 850 réis em que entra novo acrescento. Esta não será a Quinta propriamente dita, mas apenas uma sua parcela não especifi cada no documento.

Aos 19.07.1775, os mesmos senhorios fazem prazo a Maria de Oliveira viúva que fi cou de José de Matos e a seu fi lho Manuel de Matos, do lugar da Azenha, desta freguesia de S. Nicolau da Feira. Trata-se do Casal pertencente ao vínculo da Lavandeira, instituído por Manuel Roque de Miranda e que dantes fora emprazado a Matias Lopes e sua mulher Maria Pereira e agora de novo se empraza à dita Maria de Oliveira.

Esta, já viúva, sucedera-lhe por nomeação de sua mãe e sogra Marta Pereira, por escritura de 02.03.1749, lavrada no tabelião desta Vila da Feira, Teodósio Tomaz Correia de Sá. Deste prazo pagariam o foro de 7 alqueires de milho, 3 arráteis de linho, uma galinha e 3.500 réis. De lutuosa, daria um carneiro ou 400 réis por ele. Em 27.09.1775, são aforadas umas casas térreas com quintal e propriedades no lugar da Lavandeira a António Correia e sua mulher Maria Francisca. As casas da quinta foram emprazadas ao Dr. Francisco Martins de Vasconcelos que as comprou ao irmão Padre Baltasar Joaquim Freire de Andrade. (pg. 33). Renda do prazo velho, 480 réis, de lutuosa o mesmo, domínio 10/1. Renda do prazo novo: 530 réis e outro tanto de lutuosa.

Outra deveza pertencente ao mesmo prazo, composta de castanheiros e um carvalhal; e ainda mais o campo da Cortinha da Deveza. E tem mais o Campo da Tardeira.65 E tem mais uma terra de deveza de castanho entre a levada.

CAMPO DA EIRA DA LAVANDEIRA

Em 20.03.1716, no tabelião António Mendes de Matos, José Pereira de Berredo e sua mulher D. Isabel Maria Josefa de Lima fazem emprazamento do campo chamado da Feira ou da Eira, metade da mata do carvalhal e terra de monte, a Matias Lopes e mulher Maria Pereira. Mede: 32 braças e 2 palmos; 23 braças e meia. Limita nascente com o rio e poente com a estrada. Outra parte tem 48,5 braças de comprido e de largo 28,5. Leva 5 alqueires de centeio.66

64 ANTT – Habilitandos a Familia. do Santo Ofício, «Ayres» - Maço 1, proc. Nº 8. 65 Esta “Tardeira” era alcunha da morgada D. Mécia de Berredo, mulher do morgado de Eiriz, Arouca, António Teixeira Tavares, para cujo solar se mudou da Lavandeira que fi cou abandonada. Desde então entrada em decadência, pois aqui, vinha o senhorio apenas para receber foros e rendas dos seus casais, pelos fi ns do verão. Esta alcunha de Tardeira, por qualquer razão, pegou-se a uma das parcelas da propriedade, como se vê. Mas também poderá muito bem ser o nome da propriedade passada para a sua senhora por qualquer imponderável eventualidade. Certeza, ambas eram chamadas “Tardeira”, a propriedade e a senhoria. A.N.T.T. - Habilitandos Sto Ofício, António, M. 4, Diligência. 149.66 Valor correspondente das medidas -Vara: medida antiga equivalente a 1 metro e 10 cm - Braça: o dobro da «vara». antiga medida equivalente a 2 metros e 20 cm -Palmo: equivalente a 22 cm

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Renda: 7 alqueires de milho grosso, 1 arrátel de linho, ou 50 réis por ele, de lutuosa 200 réis, laudémio 10/1.

Em 15 de Julho de 1775, José Tomaz Monteiro, por procuração bastante passada a 4 de Maio de 1775 pelo senhorio Fernando Campelo da Cunha Pinto e sua mulher D. Joana Leite Pereira Berredo, da cidade do Porto, para aforamento do campo chamado da Feira ou da Eira, a Francisco Pereira, da Velha, desta Vila, dantes emprazado a António Lopes e sua mulher Joana Martins. A renda do prazo velho era de 7 alqueires de milho graúdo, 1 arrátel de linho. O prazo novo, actual, paga 26 alqueires e quarta de milho grosso, posto na Quinta de São Vicente de Pereira; de lutuosa, um carneiro ou 400 réis por ele. Em 31 de Maio de 1824, António Leite Cabral da sua quinta de Eiriz do Salvador do Burgo, concelho de Arouca, por seu procurador João do Vale e Silva, do Feiral do Souto, nomeado em tabelião a 17 de Novembro de 1823, faz prazo a Francisco dos Reis e mulher Mariana Teresa, do lugar das Eiras, desta freguesia de São Nicolau, Vila da Feira. Renda: 26 alqueires e quarta de milho grosso, 1 frango, 1 arrátel de linho e de lutuosa 1 carneiro ou 400 rs, posto na mesma Quinta de S. Vicente de Pereira.

Medição deste campo da Feira ou da Eira: tem de comprimento do Norte pelo caminho do carro que vai para a Vila, 39,5 varas; do Nascente, pelo rio abaixo, 81 vara e da cancela até ao rio 50 varas e pelo meio do Norte ao Sul, pela esquina do campo novo, tem 57 varas, e do Poente, pelo cômoro acima de través até entestar no caminho, tem «50 varas, de cinco palmos cabreiros, cada.» Levará 5,5 de centeio de semeadura. Deverá estar por “craveiros”, palmos. Confronta do Norte com caminho público; do Nascente com o rio e do Sul com José Ferreira da Piedade, terra do mesmo senhorio. Poente com o Campo Novo, que possuem os herdeiros de Bento Vieira, do lugar da Velha, Feira.

Água – Regulam-se pelo Prazo Velho feito em 15 de Julho de 1775, no tabelião de notas da Feira, José Ferreira Brandão. Sobre a àgua se viria a fazer nova convenção. Em 28 de Maio de 1838, nesta Vila da Feira, o Juiz ordinário deste Julgado, Francisco José Lopes de Lima, servindo no impedimento do de direito desta comarca, julgava, a favor dos autores, o libelo interposto por Jerónimo

de Almeida Castro de Mendonça, solteiro, natural de São Cristóvão de Nogueira, comarca de Lamego, e seu tutor José Pinto da Fonseca Leite, da casa de Vila Nova, (pg.58 e 59).freguesia e Julgado de Paz de São Cristóvão de Nogueira, comarca de Lamego. Num discurso muito enredado, é apresentado libelo contra Francisco José Lopes de Lima e sua mulher D. Tomásia Rufi na da Costa, da Lavandeira. Chamavam-lhe aí «libelo móvel e de raiz.», de que faziam parte as casas e moinhos da Lavandeira e mais terras. Jerónimo, nesse 1838, é dito «maior de 14 anos e menor de 25».

Estavam-lhe adstritas a Lavandeira e a Capela de São José de Azevedo de que foi último administrador o avô paterno António Leite Cabral. Este Jerónimo é fi lho legítimo que fi cou de António de Almeida Leite Cabral Tavares, Juiz Ordinário do Julgado de Sanfi ns oriundo da quinta de Sequeiros, fi lho primogénito já falecido antes de seu avô António Leite Cabral. Por isso, a sucessão na administração do vínculo passou directamente para o autor Jerónimo de Almeida Castro de Mendonça.

As casas, moinhos, campos e mais pertenças que hoje possuem os réus, constam da vedoria de um antigo Administrador Manuel Pereira de Berredo, feita no ano de 1686, pelo foro anual de 30 alqueires de pão, pagos pelos moinhos de 3 em 3 meses; e pelas terras mais 35 alqueires de milho grosso, 4 alqueires de centeio, uma galinha ou 100 réis por ela, 3 arráteis de linho, por cada ano, tudo pago pelo São Miguel de Setembro e posto na sua quinta de Azevedo de São Vicente de Pereira de Jusã. Passados tempos houve redução deste foro a favor dos foreiros antepassados dos réus. Ao todo, anualmente, 150 alqueires de pão, 1 arrátel de linho; ou 150 réis por ele. Especifi cando: 1. Serão pagos 20 alqueires de pão (milho) graúdo pelo foro do campo do Choupelo; 2. 95 alqueires pelas maquias dos moinhos a pagar de três em três meses; no total de 115. 3. Estes 115 alqueires desde sempre foram pagos aos autores pelos réus e seus antecessores, postos na Quinta de Azevedo, sem contradição alguma. 4. A Quinta de Azevedo, que é Foral das medidas pela qual são pagas as rendas, não é do concelho da Feira, mas do de Oliveira de Azeméis, ou Pereira de Juzã.67 É por essa medida que sempre foram pagas as rendas, em conformidade

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com as práticas e leis do Reino cuja citação segue, uma das quais de 1575, já do tempo de D. Sebastião.

Não pagando as rendas desde um de Janeiro de 1837, «devem ser condenados os réus Francisco José Lopes de Lima e mulher D. Tomásia da Lavandeira a pagar aos autores Jerónimo Almeida Castro e Mendonça e seu tutor José Pinto de Afonseca Leite, da Casa de Vila Nova de São Cristóvão de Nogueira», Cinfães, a quantia de 77.375 réis, 203 alqueires de milho grosso, renda dos moinhos, pelo preço da Santa Casa da Misericórdia.68 Mas a esta conta acresciam outras parcelas de atrasados que, somadas, importavam em quantia considerável. Seguem-se medições e confrontações das terras da Quinta da Lavandeira com as respectivas rendas. E ainda as regras da utilização das águas de rega e merugem dos memos campos. Faz referência especial à rega do campo do Barreiro que é dos herdeiros de António de Magalhães Coutinho, e acabado de regar logo segue o do Padre António Leite de Miranda e de Ana Pereira de Berredo, onde também se rega milho, linho e depois meio dia de água a Matias Lopes ou aos herdeiros para regarem o campo da Cortinha e a água que escorrer da levada partirão pela metade para o campo do Choupelo e metade para o da Cortinha.

D. Susana Emília Leite de Castro Pinto, que faculta documentação para o processo o qual recebe de novo. Outro documento veio de José Leite Pereira de Berredo 69 e D. Isabel Maria Josefa de Lima, moradores na Rua de São Miguel, na cidade do Porto, à qual convergia a maior parte da sociedade terra-tenente trocando palacetes brasonados das quintas dispersas pelos ermos provincianos.

Em 05.05.1816 se faz documento em que, por estes senhorios, se descrevem as propriedades, se fazem medições e dizem quais as unidades da quinta da Lavandeira para confi rmar os direitos do senhorio directo e as obrigações dos foreiros litigantes. Além de servirem de base para nova escritura de contrato de arrendamento. Há aí referência a arrendamento de 03.05.1716, no tabelião da Feira João de Oliveira Magalhães. Aqui se encontrava Aires Pinto Coelho de Vasconcelos, de Avanca e Manuel Magalhães de Vasconcelos, de Mesão Frio, amesendados na casa do senhor do vínculo da Lavandeira, diz-se na documentação em consulta.

D. Susana Emília Leite Castro Pinto, já viúva de António de Almeida Leite Cabral, da casa de Sequeiros de Piães, Casal Seco, da freguesia de São Cristóvão de Nogueira, ora assistente na Casa de Vila Nova, senhores de papéis antigos, (pg.58 e 59) requer ao escrivão do tribunal que lhe passe certidão dos autos que guardam os problemas dirimidos em tribunal e que envolviam propriedades e caseiros levados a juízo pela requerente. Intervém, como funcionário, passando o requerido em 18 de Maio de 1838, Joaquim Vaz de Oliveira,70 escrivão deste tribunal da Vila da Feira. Aqui as raízes destas famílias em D. Joana Trigueiros, quarta neta. Já noutro lugar. D. Susana Emília Leite,71 em 1837, era já viúva com fi lhos órfãos. Precisamente por isso aparece reclamando direitos, pois fi cou em difícil situação fi nanceira que atribui à gestão e administração culpadamente danosa, e até dolosa, do tio, o Rev.do José Leite Pereira de Andrade, do lugar dos Barreiros, freguesia de Piães. Vai, com seu curador, recorrer aos tribunais para se ressarcir, ela e os seus órfãos, de prejuízos, pelo que interpõe acção em tribunal. Por si, mas também

67 Não admira que haja o expedito cuidado de aclarar o concelho pelo qual correria a aferição da medida a pagar, pois esta diferia de concelho para concelho e quem pagava tendia a usar a do concelho vizinho que fosse mais baixa e quem recebia exigir pelo que a tivesse mais alta.68 Desde a sua instituição, sensivelmente, o poder real transferiu para as Santas Casas da Misericórdia a faculdade de estabelecerem, no princípio de cada ano civil, os preços dos produtos e salários correntes para a sua área ou concelho. Após as reformas administrativas de Mouzinho da Silveira, 1834, essa competência passou para a jurisdição das Câmaras Municipais que os ditavam e aprovavam em sessão própria e os deixavam exarados nas respectivas actas onde ainda hoje podem ser consultados, para um visão diacrónica e variável desses preços, cujo interesse económico social é muito importante para uma avaliação até das condições de trabalho, produtividade, condições climatéricas e infl uência das alterações políticas na infl ação da produtividade e do preçário dos mesmos produtos. 69 Mas há Sequeiros de São Tiago de Piães donde se diz que é um António de Almeida Leite Cabral. É difícil lidar com estes nomes de pessoas e lugares dada a sua proximidade onomástica, as interligações e cruzamentos de famílias, e a não existência de datas e nomes certos.70 Será Joaquim Vaz de Oliveira Júnior, da Feira, onde nasce a 29.11.1803 e falece a 22.8.1866 que vem a ser ascendente do actual senhor da Casa das Ribas, Dr. Eduardo Sebastião Vaz de Oliveira.71 D. Susana Emília Leite de Vasconcelos, também Castro Pinto casada com António de Almeida Leite Cabral Tavares, de quem enviuvou cedo, acabou por ocupar a casa da Quinta da Vista Alegre. Aí, em 1800 e tantos erigiu sua capela acoplada à quinta de que se distingue por uma cruz de granito que ressalta do paramento da frontaria de toda a casa. Dedicada a capela a Santa Susana nome da senhora da Casa e que a mandou erigir.

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na qualidade de herdeira de seu defunto irmão, Jerónimo Pereira de Castro Pinto, nesta parte por si, mas também na qualidade de co-herdeira de sua irmã Dona Quitéria. Diz ela que reclama o que lhe pertence, «nos grandes interesses que este teve e prejuízos que causou na dita casa no tempo em que administrou a Casa por morte do pai da suplicante.» Em causa os rendimentos das propriedades da Seara e de Seixos, que por morte do Pai da Suplicante foram separados para pagamento de dívidas da família.

Tomando a entrega das tais dívidas, o seu defunto tio recebeu por alguns anos seus rendimentos, sem até agora se saber se pagou as dívidas de um conto e seiscentos mil réis e seus respectivos juros, que seu defunto marido havia trazido da casa de José Teixeira, do Porto, para dar, como obrigação, ao Mosteiro de Arouca, para nele poder professar sua Irmã D. Rita de Cássia. Esta, porém, morreu antes. Os ditos dinheiros fi caram na mão do tio padre com a incumbência de os entregar na dita casa do Porto. Pelo que se vê, serviu-se deles sem prestar contas. Agora a dívida encontra-se em aberto na dita casa e, sobre ela viúva queixosa e seus fi lhos órfãos, impende a obrigação de a saldar. Ora vem deduzir em justiça que dos bens do dito seu tio padre saia o pagamento da dita dívida, pois o mosteiro nada chegou a receber e à casa de penhores nada fora devolvido. Vai reclamar justiça perante o tribunal, pesem os laços familiares e qualidade da pessoa.

INSTRUÇÃO DO PROCESSO

Em 16 de Outubro de 1837, no lugar e Casa de Nogueira, morada do Juiz de Paz António Pinto de Lacerda, aonde veio o Juiz de Paz substituto, Manuel da Cunha de Noronha, para a solução do recurso da queixosa, se reuniram em Conselho de Família os nomeados pela suplicante: José Leite de Lacerda Vasconcelos, da Casa do Outeiro; 72

O Reverendo Francisco Pinto da Fonseca, da Casa de Vila Nova;73 seu irmão o Padre Manuel Pinto da Fonseca, abade encomendado nesta freguesia de Nogueira; Caetano Manuel Pinto Seno, do lugar de Louredo, aos quais o Juiz de

Paz deferiu juramento aos Santos Evangelhos, a fi m de serem defendidos os interesses dos referidos órfãos. Vem por isso juntar-se aos ditos: O Padre Francisco da Fonseca Leite, da Casa de Vila Nova, e irmão de D. Susana Emília Leite.

Aos 20 de Outubro de 1837, foi deferido juramento a José Pinto da Fonseca, tutor dos órfãos que fi caram pelo falecimento do pai, Jerónimo Pereira de Castro Pinto.

Em 4 de Novembro de 1837 de novo se encontram para a solução do problema. E depois em 15 de Dezembro. E depois em 19 de Maio de 1838.

Na sua réplica o arguente vai citando reis e datas e leis e normas em ordem às suas provas contra o requerimento de D. Susana em que expressa a matéria do libelo, para obter os 1.600.000 réis levantados a título de empréstimo na dita casa prestamista do Porto com que o tio da queixosa se terá «abotoado» tendo entretanto falecido e deixado entalada a senhora e seus órfãos, pois, entretanto, falece o marido.

Em 22 de Agosto de 1838 é passada certidão nesta Vila da Feira e moradas do Dr. Vicente de Paula Correia e Sá Moura, Juiz de Direito habilitado nesta Comarca da Feira, servindo no impedimento do Juiz de Direito aonde eu escrivão vim sendo presente o Dr. João Toscano da Silveira Pereira de Resende e Mello, Procurador do Autor e Curador nomeado de seu constituinte menor o qual aceitou como bons os autos de libelo do seu curado, ditado pelo Juiz dos Órfãos.

A 8 de Fevereiro de 1839, Jerónimo de Almeida Castro Mendonça Castelo Branco e sua mulher D. Ema Júlia Ferreira Pinto Basto, intentam, eles também, acção contra o tio por desvio dos bens dos órfãos de que era curador. A partir de certa altura o que se encontra no processo não tem a ver com o que vinha de trás e concernente à obtenção dos esclarecimentos dos tais milhares de réis de que a viúva em nome próprio e do de seus órfãos interpuseram contra o defunto seu tio que fi cara administrador e deles não mais viram nada, nem ao prestamista do Porto haviam sido entregues. Há declaração de que os réus accionados por incumprimento das suas obrigações estão de posse do pagamento das rendas em causa desde 1810 para cá, isto é, até ao processo.

72 Freguesia de São Cristóvão de Nogueira, do extinto concelho de Sanfi ns, comarca de Lamego, actual de Cinfães, distrito de Viseu, diocese de Lamego.73 Lugar da freguesia de São Cristóvão de Nogueira do antigo concelho de Sanfi ns, extinto pela nova remodelação em 1855. (pgs. 58 e 59).

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Em 13 de Abril de 1839, termo de confi ssão do teor seguinte(…) Em que a sentença se traduz na condenação do réu ao pagamento da coima de 23.718 réis.

Em 10 de Janeiro de 1847, o novo senhorio das diversas quintas, Lavandeira inclusa, é Jerónimo de Almeida Castro Mendonça Castelo Branco, da Quinta de Sequeiros, concelho de Sanfi ns, actualmente Cinfães, distrito de Viseu.Em 1850, era administrador do Concelho de Cinfães, fi dalgo da Casa Real, morador na dita quinta de Sequeiros, da freguesia de Santiago de Piães.74 Em 25 de Maio de 1870, Jerónimo de Almeida de

Castro Mendonça Cabral Castelo Branco, da sua Quinta de Sequeiros, freguesia de Santiago de Piães, concelho de Sanfi ns, comarca da Régua, renova o feito a José António das Neves Novo, viúvo de Angélica Rosa de Jesus, desta Vila da Feira, em 19 de Junho de 1852. Pelo procurador António Joaquim Resende de Oliveira, do Outeiro de Cima de Arrifana, por procuração que lhe passou em 26 de Fevereiro de 1848, se procedeu à apegação feita neste mesmo ano em 9 de Dezembro. Era o senhorio Jerónimo ainda solteiro. Aforamento de casas e quintal neste lugar da Lavandeira, em outro tempo possuído por João Rodrigues e sua mulher Domingas Gomes que pagava 800 réis, por tudo:

Capela, com brasão, adossada à Casa-solar de Vila Nova.

74 «Monografi a do extinto concelho de Sanfi ns da Beira», pg. 88, de Manuel de Castro Pinto Bravo, 1938, nova edição da Câmara, 1977.

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Casas térreas, cobertas de telha, com seus «espartimentos» que fazem 3 casas. De comprimento 8 varas e 4 palmos, parte com terras do senhorio, e tem de largo 13 varas e parte do sul com a Rua. Há um rego por que passa água de rega do campo do Barreiro, hoje, (1848 ou 1870), dita Quinta da Praça, de que é dono José de Moura Coutinho e sua mulher, de que paga 800 réis em dinheiro posto na Quinta de Azevedo e de lutuosa um carneiro ou 400 réis por ele. Domínio 5/1. CASAL DAS JUSTAS DA LAVANDEIRA

A 17 de Dezembro de 1685, os mesmos senhorios escrituram o prazo das Casas do Casal das Justas, pelo qual os enfi teutas darão de renda 40 alqueires de milho grosso, 10 de centeio, um arrátel de linho, um tostão (100 réis) em dinheiro, um carneiro de lutuosa ou três tostões por ele (300

réis). Agostinho Rodrigues e mulher Alina Pereira e Matias Lopes em nome deles, o tomaram de enfi teuse. Avaliando pelos fogos pagos o casal teria consideráveis dimensões.

Aos 29 de Outubro de 1741, Prazo do Casal das Justas que, parte, era da Lavandeira, feito a Maria Ferreira, viúva de Manuel Ferreira, do Casal, Vila da Feira, o qual parte com o caminho que vai para a Piedade, com o campo do Mortório, e do Nascente com o campo do Chão da Horta de Manuel Coelho da Lavandeira que também paga à Quinta de Azevedo. Neste prazo, no campo de cima há deveza e mato. Renda: 20 alqueires de milho grosso; 5 de centeio, 1.000 réis em dinheiro, 1 arrátel de linho, uma galinha, 200 réis de lutuosa e 10/1 de domínio. Em 12 de Setembro de 1730, foi de Gonçalo Fernandes e sua mulher Mónica Fernandes.

Casa da Quinta de Vila Nova - Nogueira - Cinfães.

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Aos 22 de Fevereiro de 1747, a Maria Ferreira, viúva, do Casal, da Vila da Feira. O Casal das Justas, mais o campo de cima das Justas, terra de semeadura e de mato, renda de 20 alqueires de milho; 5 de centeio; um arrátel de linho, lutuosa 10 tostões, Em 15 de Julho de 1755, Fernando Campelo da Cunha Pinto e sua mulher D. Joana Leite, renovam no Casal das Justas o campo do Pomar, mais o Pomar de Cima, com seu pedaço de deveza, mais outro chamado campo das Hortas, que era de Domingos Leite e sua mulher Isabel Coelha e agora se renova em José Francisco da Rocha. Renda: um, 250 réis em dinheiro, 5 alqueires de centeio, 20 de milho graúdo, um arrátel de linho. Outro, 240 réis em dinheiro e o resto igual. Lutuosa de cada 200 réis. Confronta com o caminho que vai para Justas e outro para a Piedade e com terras de outra Quinta, a das Justas.

CORTINHA E JUSTAS DA LAVANDEIRA

Renovação do Prazo em 20 de Março de 1848 Prazo que faz da Lavandeira o ilustríssimo Jerónimo de Almeida Castro Mendonça Castelo Branco, a José Bento Pereira de Bastos e mulher desta Vila da Feira. Presentes, de uma parte, António Joaquim de Resende e Oliveira, morador no lugar do Outeiro de Cima, freguesia de Arrifana, com procuração de Jerónimo de Almeida, da sua Quinta de Sequeiros, freguesia de Santiago de Piães, julgado de Sanfi ns, actual Cinfães, passada em 25 de Fevereiro de 1848, no tabelião Joaquim Paulino Pereira Pinto de Vasconcelos, e da outra. José Bento Pereira de Bastos e mulher Maria Rosa de Jesus, do lugar do Casal desta Vila da Feira, para renovação do prazo de bens da Lavandeira, considerados vagos:

Monterroios de Piães, na genealogia da Lavandeira.

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Campo da Cortinha de Justas. Campo de Cima das Justas, nas Justas, antigamente da viúva Maria Ferreira, do dito lugar do Casal, desta Vila da Feira, prazo que lhe fi zera Manuel Leite Pereira de Berredo, do Porto, em 1847, no tabelião de notas da Feira José Caetano Correia Gomes.

CASAL DAS JUSTAS Nova escritura deste prazo em 9 de Julho de 1850, feita por Jerónimo de Almeida de Castro Mendonça Castelo Branco, da sua Quinta de Sequeiros, a Domingos José Bento e mulher Teresa Miquelina, desta Vila da Feira.Renda: 20 alqueires de milho graúdo, 5 de centeio, 1 arrátel de linho e 290 réis em dinheiro.

Em 7 de Abril de 1851, novo prazo feito pelo administrador do Prazo Jerónimo de Almeida de Castro Mendonça Castelo Branco, acima referido, a Domingos da Silva Canedo e mulher D. Maria Emília Cardoso de Sá, da Rua, e António de Castro Correia Corte Real, viúvo, da Casa de Fijô, com a qual se ligará por casamento a “nossa” Lavandeira. (pg.82).O casal fora aforado, em 1775, pelo administrador de entãoFernando Campelo da Cunha Pinto e sua mulher D. Joana Leite, em que pagavam 40 alqueires de milho grosso, 10 de centeio, 1 arrátel de linho, 5 tostões em dinheiro e domínio de 10/1. Justamente a mesma renda que pagam neste arrendamento de 1848/1851,

Monterroios - Sequeiros, de Piães.

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A LAVANDEIRA E O PRAZO DE CABANÕES - OVAR«Escritura de compra».

Em 25 de Janeiro de 1633, na cidade do Porto, no Mosteiro das Religiosas de São Bento, e casa do despacho se reuniram, de uma parte a madre abadessa, D. Ana de Ataíde e D. Madanela75 de Ataíde e D. Maria da Cunha e mais religiosas e da outra parte Domingos João, fi lho que fi cou de Amador Dias, lavrador na freguesia de São Cristóvão de Ovar, «que é do Casal da Capela.»76

Chamava-se Casal de Trejeiro de Cabanões na freguesia de São Cristóvão de Ovar.77

Este prazo da Lavandeira entrou no lote dos bens constantes no tombo respectivo, por aquisição às religiosas beneditinas do Porto, por escritura de compra que vai noutro lugar. As relações entre o senhorio directo e os enfi teutas nem sempre foram pacífi cas. E este foi mais um daqueles casos que perturbaram social, jurídica e fi nanceiramente a vida desta nossa Quinta da Lavandeira. E que pesaram negativamente na sua economia e concorreram também para o seu declínio. Problemas de águas e sua utilização, arrendamentos e sua prestação aos senhorios que por vezes estavam anos à espera, acabando por concitar o seu pagamento em tribunal introduzida a acção. É certo que os remissos acabavam condenados, mas também é certo que todo este processo primeiro que chegasse a seu fi m, arrastava-se por anos a fi o com todas as inevitáveis consequências de perdas de toda a espécie. Já então.

Em 10 de Novembro de 1758, o Prazo dos Cabanões, muito grande, e tanto que estava retalhado em 35 glebas repartidas por cerca de 35 enfi teutas, entre eles dois eclesiásticos. E raros eram os que não levantavam problemas de pertenças e pagamentos donde se seguiu processo em que o acórdão do libelo foi dado no Porto, em 14 de Janeiro de 1761, condenando os enfi teutas nas custas e na reposição do que constava nas escrituras de anteriores emprazamentos.

Feito o auto de apegação do prazo dos Cabanões em 8 de Novembro de 1765, pelo procurador deste senhorio na pessoa de José Tomás Monteiro.

Em 27 de Novembro de 1765, Fernando Campelo da Cunha Pinto e sua mulher D. Joana Leite Pereira de Berredo, assistentes no Porto, fazem libelo contra Santos Barbosa e mulher de Arrifana para agregação do prazo de Cimo de Vila de Cabanões, da freguesia de São Cristóvão, Ovar.

DOAÇÃO DOS CABANÕES

O Casal de Cabanões feito pelo Abade de Arrifana a sua irmã Maria Coelha de Vasconcelos, o qual assim entrou no lote de bens alodiais dispersos que tiveram o vínculo da Lavandeira, Feira, em 25 de Abril de 1648, como seu casco. Esta doação foi feita pelo abade de Arrifana, Padre João Cordeiro de Miranda, a sua irmã Maria Coelha de Vasconcelos, o qual era senhor do Casal sito no lugar dos Cabanões, termo da vila de Ovar. Encontrava-se na sua posse a título de património canónico, exigido pelo direito eclesiástico para sua ordenação presbiteral. Era, portanto, herança paterna por esta via. A doação estava feita na condição de que, não tendo esta irmã fi lhos, legaria o dito Casal dos Cabanões «aos fi lhos do Licenciado Gaspar Leite Cabral, irmão delle doador e dela a qual deles ela tivesse mais vontade (estima).»

Aos 18 de Junho de 1648, Maria Coelha de Vasconcelos, nas casas de morada de Domingos João, pareceu com o tabelião e Rui Lourenço de Carvalho procurador bastante dessa sua irmã Maria Coelha de Vasconcelos, e por virtude desta escritura de doaçam per aver de dar posse de caseiro, conferido na dita escritura ao dito Domingos João no dito Casal de Cabanões …

Em 26.09.1649 – vem de seguida uma apostilha dizendo que este é o prazo velho em que andou uma demanda contra o caseiro António Fernandes Teixeirinha, do lugar de Sande, distrito de Ovar, por este se mostrar renitente na recusa da assinatura da escritura do novo emprazamento da gleba que trazia aforada. Foi procurador deste, Simão José Leite, e o Dr. Francisco Pinto Brandão, da vila de Ovar, que recebera delegação dada e passada a 26 de Setembro de 1649. Daqui resultou que, em 03.12.1649, é aprazado o foro de seis alqueires de trigo, seis de milho, cinco de cevada e

75 Madanela - forma antiga de escrever «Madalena».76 «Que é do Casal da Capela.». Este segmento informativo, referente a este casal específi co, diz que se trata de bens ligados ao convento que os recebeu como oferta a troco de sufrágios obrigatórios a fazer para sempre pelo doador e, ou, por outras intenções do mesmo especifi cadas, geralmente, em testamento, em que deixou expressas as suas últimas vontades. 77 Ovar, antes de ser assim nomeada, chamou-se «Cabanões», que veio até bastante tarde.

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a lutuosa. Mais assinou o compromisso de pagar a Maria Coelha de Vasconcelos 3 quartas de trigo de renda de uma leira dela nos Cabanões de que é enfi teuta. Acaba por assinar o compromisso em 03 de Dezembro de 1649. Em 14 de Novembro de 1701, D. Joana Eusébia Leite Pereira moveu processo contra os caseiros do seu Casal de Cabanões cujo cabeça-de-casal era Manuel Roiz Reginaldo, já defunto, e outros 33. Por seu falecimento fi caram universais herdeiros João da Silva e mulher Ana Pinta, já de posse. Nova demanda e nova sentença do Dr. Bernardo José de Sousa Guerra, juiz de fora da Feira, dada em 12.10.1763. Estava-se no reinado de D. José I. Em 3 de Agosto de 1758, Santos Barbosa de Sá Pinto e Sousa, casado com Dona Josefa Maria de Mascarenhas de Figueiroa Borges, residente em Arrifana, nomeia procurador bastante seu fi lho Manuel Barbosa de Sá Mascarenhas Figueiroa Borges para fazer novo prazo e apegação do seu Casal de Cabanões pertencente ao vínculo ou morgadio instituído pelo Reverendo Padre Jorge Pires de Figueiroa prior que foi da igreja de São Miguel do Souto, da Feira, de que o sobredito Manuel Barbosa é administrador. Este prazo limitava com o prazo dos Cabanões da Quinta da Lavandeira, de que, na altura, era administrador e senhorio José Leite Pereira de Berredo. Eram trinta e três as glebas ou leiras em que se subdividia por outros tantos enfi teutas, assim descritas. Leiras: do Mourão, da Tojeira, da Silveirinha, dos Giestais, do Corgo, de Nabais, do Seixo, da vinha das Pedras, do sitio da Vinha, das Ordias, da Casa no Cimo de Vila, da casas na Tapadinha, das Casas no Fojo, do Campo, do outro Campo, da Vinha e ainda o campo do Prazo Velho, entre outras. Em 6 de Novembro de 1758, o Dr. Corregedor João Barroso Pereira, a requerimento de D. Joana Eusébia Leite Pereira de Berredo, fi lha donzela que fi cou de José Leite Pereira de Berredo, profere sentença de condenação contra os foreiros do Casal de Cima de Vila dos Cabanões, Ovar, na pessoa de Santos Barbosa de Sá Pinto e sua mulher D. Josefa Maria Mascarenhas de Figueiroa Borges, de Arrifana, para tanto citados em juízo de libelo cível, para o que, D. Joana e marido, passaram documento:

José Leite Pereira de Berredo, pai da autora, era o administrador do vínculo. Ela move a acção por os fi lhos varões legítimos dele serem menores e ser a autora irmã mais

velha e estar ele de posse do Casal dos Cabanões pacífi ca e sem contradição alguma, em tempo algum.O Padre Manuel José de Melo, um dos rendeiros, ou enfi teutas, representava os restantes, em juízo.

Em 22 de Setembro de 1765, D. Joana Leite Pereira de Berredo e seu marido Fernando Campelo da Cunha Pinto, assistentes na cidade do Porto, nomeiam seus procuradores o Dr. João Baptista de Pinho e a José Tomaz Monteiro, para fazerem a renovação do seu Prazo de Cabanões, na freguesia de São Cristóvão de Ovar, do qual são senhorio directo e de que é cabeça do senhorio útil António Fernandes Teixeirinha que tem feito a representação dos restantes 32 enfi teutas do mesmo Casal dos Cabanões. Em 27 de Novembro de 1775, o dito Fernando Campelo da Cunha Pinto e sua mulher, D. Joana Leite Pereira de Berredo, fazem dele prazo renovado. A ele se refere o fac-símile (pg.64) seguinte de cujo conteúdo deixamos a transcrição que segue:

“Pela presente por… nós feita e por ambos assinados fazemos nossos procuradores ao Sr. Dr. João Baptista de Pinho e a José Thomas Monteiro para que em nosso nome possam fazer a renovação do Prazo do nosso Casal de Cavanois na freguesia de S. Cristóvão de Ovar, de que somos directo senhorio, de que he cabeça António Fernandes Teixeirinha e mais conçortes, e nomeando pela nossa parte louvado que assista à apegação e vedoria, do mesmo prazo, lançando-lhe o acrescentamento que lhe parecer conforme o direito e fazendo a renovação na forma do prazo antigo e sentenças que contra os caseiros temos conseguido… Porto 22 de Set.1765 a)a) Joana Leite Pereira de Berredo –Fernando Campelo da Cunha Pinto ”

CABANÕES - OVAR - 31.12.1849 Em 31 de Dezembro de 1849, prazo em três vidas que faz Jerónimo de Almeida por seu procurador Joaquim de Resende de Oliveira, de Arrifana, a quem substabelece poderes em 25 de Fevereiro de 1848. Prazo feito a Manuel Teixeira, solteiro, e outros, do lugar de Sande, Ovar. Em 9 de Fevereiro de 1870, no tabelião de Notas da Feira, Luís Cândido Pedrosa de Moura, pelo Senhorio Jerónimo de Almeida Castro Mendonça Castelo Branco, há novo emprazamento.

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Presente na escritura deste prazo, nova personagem ligada à sociedade de Ovar, como era o Dr. Manuel Pereira Zagalo e sua mulher D. Arcângela Brandão Pinto Baldaia, moradores na rua do Outeiro, da vila de Ovar. Da outra parte os foreiros, 33, descendentes dos que na sucessão dos tempos têm vindo a explorar por este sistema este Casal cuja incorporação nos

Próprios Nacionais foi feita em 1848 e alienado entre os seus rendeiros em 1890. Entre esses directos rendeiros se contava o irmão do Dr. Zagalo, Padre Francisco Pereira Zagalo e a irmã, D. Rosa de Oliveira, viúva, e o abade da paróquia Padre Manuel José de Sousa Paulino. COnforme consta dos dois tombos cujas imagens seguem:

Fac-símile Porto 22 de Setembro de 1765. Diz o Documento: (pg.64).

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Primeiro volume, está na posse de uma das descendentes da Lavandeira, Srª D. Maria Luísa Castelo Branco; o segundo, do actual titular da Quinta, Sr. Dr. Celestino Portela. Agradecido o autor pela gentileza. Preciosidades inestimáveis de Arquivos Particulares com muita história local.

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Há foreiros aqui em todos os estados sociais: solteiros, casados, viúvos e família inteiras, (marido, mulher, pai, mãe, cunhado, genro). Estes foreiros haviam apresentado sinais de recusa de reconhecimento do novo senhorio deste Casal do Cimo de Vila, Cabanões, pertença do vínculo da Lavandeira. Daí a instauração do processo de valimento de direitos contra os foreiros das glebas em que se encontrava dividido. Processo movido pelo senhorio Jerónimo de Almeida Castro Mendonça Castelo Branco, solteiro, sucessor no vínculo do pai António de Almeida Leite e do avô António Leite Cabral. A sentença conclusiva do processo condena os enfi teutas a aceitar a renovação e a satisfazer os direitos dominiais à luz do direito vigente, em conformidade dos contratos assinados.

A sentença de 3 de Fevereiro de 1758, consta de 28 folhas. Os foros eram pagos em Ovar ao Dr. Manuel Pereira Zagalo e mulher, costume que já vinha de antepassados. A conciliação deu-se perante o Juiz de Paz de Ovar, João de Castro Corte Real, em 11 de Agosto de 1849. E sucedeu em razão de ser ele o fi lho e neto varão mais velho que deles fi cou. O dito Casal do Cimo de Vila, ou dos Cabanões, fora reemprazado pelos seus antecessores em 1765 ao cabeça por três vidas, sendo o autor o actual senhorio directo. Os problemas em causa, já em 1742 haviam surgido e foram objecto de disputa que, por acórdão judicial, fora favorável ao autor. Este que de novo se levantou foi resolvido por conciliação entre as partes, em 11 de Agosto de 1849. Constitui longo processo de 28 folhas cujo translado, feito em 16 de Agosto de 1850, se encontra acompanhado desta nota apensa, cuja observação evitará de futuro dúvidas e novos procedimentos judiciais: Não se sabe bem porquê, mas foi o casal de mais tormentosa história que alguma vez encontrámos. E tanto assim que, ao último processo, fi cou apensa a sentença com a nota de que em caso algum deveria ser dele despegada, a fi m de que, sempre que preciso, a ela se pudesse recorrer para desfazer quaisquer dúvidas que viessem a surgir respeitantes aos Cabanões, do vínculo da Lavandeira da Feira. Esta foi a sentença dada a 7.12.1848, e dela se obteve a presente pública forma.

«Esta sentença em tempo algum deve separar-se do processo junto porque os autos donde foi extraída podem perder-se e, quando seja preciso usar dela, deve tirar-se em pública forma … quando ... hajam dúvidas na renovação do prazo.»

OUTROS BENS DA LAVANDEIRA

EM SÃO TIAGO DE RIBA UL – Chão NovoEra chamado o prazo do Chão Novo, de Santiago de Riba Ul, Oliveira de Azeméis. Em 5 de Junho de 1689, foi feito emprazamento por Manuel Pereira de Berredo da Lavandeira e mulher D. Luísa Lemos, a Manuel Martins e outros. Renda, alqueires, 2,5 de centeio, meio de milho miúdo, meio de milho branco e laudémio de 5/1.

Em 17 de Janeiro de 1747, emprazamento de D. Josefa Leite Pereira de Berredo e José Leite Pereira de Berredo, por seu procurador bastante o abade Matias Gomes Brandão representante dos enfi teutas que têm como cabeça deste casal Manuel José do Couto. Levará 6 alqueires de semeadura. Este prazo é feito agora por vagatura no prazo velho por morte da enfi teuta Maria de Santiago. Agora o prazo novo é feito a Manuel José do Couto e mulher Maria de Oliveira e mais consortes.

O Chão Novo, em 13 de Maio de 1747, ao fi lho que fi cou de Maria de Santiago e marido António do Couto que o nomeou no testamento, feito pelo Padre Matias Gomes Brandão, do Outeiro de São Vicente Pereira, com procuração dos senhorios José Leite Pereira de Barredo, residente no Porto, passada a 16 de Dezembro de 1746. Havia outros consortes, solteiros e casados no sobredito prazo. Renda: pagará pelos tempos costumados 2,5 alqueires de centeio; 2,5 de milho e 2 frangos. Em 19 de Julho de 1775, novo aforamento por Fernando Campelo e mulher Joana Leite a Manuel Vaz da Silva e mulher Maria Josefa de «Sam Tiago de Simadul».78 Renda, 2,5 alqueires de centeio; 2,5 de milho, e 2 frangos. Feito novo emprazamento em 5 de Junho de 1840.Este prazo, o Dr. Gaspar Leite Pereira destinava-o para a fi lha Joana que sempre ele desejara emitisse votos religiosos no convento de Santa Mafalda de Arouca, se não casada com um dos primos e compadres da Quinta pela qual nutria a maior das simpatias e carinho, como deixa expresso no fi m do seu testamento em que a menciona como «lembrança do

78 «Simadul» é como está no documento. Será forma adulterada do escriba grafar o hoje « de Riba Ul»

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muito amor que tenho à Casa de Rio d’ aves».79 Lembrança diplomática que poderá valer o casamento da fi lha Joana. É o que se depreende da forma como diz. Em 11 de Junho de 1813, Bernardo Vaz da Silva e mulher Quitéria da Costa Domingos, Luís da Costa e mulher Maria Rosa Caetana, José da Silva e mulher Teresa da Silva, Frutuoso Gonçalves e mulher Maria de Jesus, todos de Sam Tiago de “Simadul”, tomam de arrendamento o mesmo Chão Novo com a mesma renda aos senhorios António Leite Cabral e mulher D. Angélica Leite, da sua Quinta de Eiriz, Arouca, senhores do vínculo da Casa da Lavandeira, de São Nicolau da Vila da Feira.

A LAVANDEIRA EM VÁLEGA

Em 27 de Agosto de 1716, prazo “fateosim”,80 que faz José Leite Pereira de Berredo e mulher a Bartolomeu Borges e mulher Mariana de Pinho, de um pedaço de monte sito no Casal Mau no lugar de Bustelo, com a renda de uma galinha ou 120 réis por ela. Outro pedaço no mesmo Casal Mau, que parte com o anterior, feito ao capitão Miguel da Silva Praça e mulher de que pagam uma galinha.

José Leite Pereira – Familiar do Santo OfícioNatural do Porto onde mora. Filho de Manuel Pereira de Berredo, Cavaleiro professo da Ordem de Cristo e familiar do Santo Ofício, natural de São Nicolau da Vila da Feira, e de D. Luísa de Lemos, natural do Porto, Neto paterno do Licenciado Gaspar Leite Cabral, também cavaleiro professo da Ordem de Cristo, da Vila da Feira, freguesia de S. Nicolau, fi lho de Diogo Leite de Miranda também da Feira e irmão

D. Filipa Soares de Carvalho, casada com Manuel Cabral de Castelo Branco, pais de D. Mécia de Berredo, casada com António Tavares Teixeira, Familiar do Santo Ofício, moradores na Vila de Arouca, e de Maria Cardosa Coelho, natural de Lamego, fi lha por sua vez de Rui Lourenço de Carvalho (o do testamento), e de Maria Coelho de Vasconcelos, também de Lamego, e de D. Maria da Silva, natural do Porto. Filha do Capitão António Álvares de Sequeira, por alcunha o «Capitão Plumas», natural do Porto e de D. Maria da Fonseca, natural da Baía, Brasil, fi lha por sua vez de Sebastião da Silva, tabelião na Baía, e de Ana da Fonseca, moradores estes na dita Baía, Brasil, e aqueles no Porto. Neto materno do Dr. António de Lemos da Rosa, Desembargador da Relação do Porto, fi lho do Padre Cosme da Rosa Lemos, abade da freguesia de S. Vicente de Cidadelhe, Mesão Frio, mas natural de Vila Real. E de Antónia João, mulher solteira, natural e moradora em Cidadelhe, depois casada com António Gonçalves, e de Maria Matos, moradora com seu marido na cidade do Porto, fi lha do capitão Domingos Vilela, natural do Couto de Goivães e de Isabel Gonçalves, natural de Constantim, Vila Real.

José Leite Pereira, diz o seu processo de inquirição de pureza de sangue de cristão velho, que, em 1708, esteve ajustado para casar com D. Maria Luísa Ribeiro Cabral, viúva que fi cou de Tomé Teixeira Rebelo Cabral, de Lamego. Esta viúva era fi lha de António Ribeiro Barbosa, natural de Louredo, freguesia de São Bartolomeu de Campelo, e de D. Luísa Clara de Mesquita, natural de Avelar, freguesia de São João de Alpendorada, moradores na dita freguesia de Louredo. Esta senhora era neta paterna de Domingos Vieira Barbosa, natural de Vila Boa, concelho de Benviver,81 e de Maria Ribeiro, natural do mencionado Louredo. Neta Materna de Luís Alves Chancarrão, natural de Mesão Frio, e de Isabel Vieira Barbosa, natural do dito Avelar, da referida freguesia de Alpendorada.

79 Supor-se-ia outra forma de «Riba de Aves». Mas, circunstâncias do contexto em que a expressão nos aparece levam a vê-la como forma adulterada de expressar «RIODADES». 1. por se concentrarem aqui mais intensamente as origens das várias ligações familiares dos senhores da Lavandeira. 2. achamos não ser tão facil confundir Rio com Riba, nem ades com aves. 3. o lugar em si mesmo. 4. o orago local. Diferente; fi nalmente, 5. argumento menor, «tem nobreza, da qual muita se mudou a outros povos». Estas as convincentes razões para a distinção e clarifi cação da matéria. G.E. Luso-Bras., Riodades, 1ª col. p. 727 .80 Fateosim, in fateosim, infateosim, expressão medieval na linguagem dos arrendamentos em sistema de enfi teuse, que signifi ca, fateosim, aforamento para sempre.

81 Benviver – Bem-Viver, antigo concelho que, pela reforma administrativa de Mouzinho da Silveira, então em curso, foi extinto e integrado no de Marco de Canavezes, por decreto de 31.12.1853. Constituiu um antigo arcediagado. Há outros nos concelhos de: Baião, Felgueiras, Guimarães e Santa Marta de Penaguião.

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Em 1711, esteve novamente contratado para casar com D. Isabel Maria Josefa de Lima, fi lha de Manuel Francisco de Lima, Familiar do Santo Ofício e homem de negócios. E foi com esta senhora que acabou mesmo por casar. Esta D. Isabel era natural da freguesia de Portela, Viana do Castelo. Era neta paterna de Inácio Francisco Carpinteiro, natural de Viana, fi lho de Francisco Gonçalves, o «Bragado Carpinteiro» e de Ana Gonçalves, natural da freg. de Santa Eulália de Refoios do Lima, e moradores em Viana, e de Jerónimo Bragueiro, fi lho de Pantaleão Burgueira, homem

de mar, e de Inês Tourinha, todos naturais de Viana. Neta Materna de Paulo Garcês, mercador de pano de linho, natural de Fermentões, freguesia de Vila Cova de Carros, fi lho de Paulo Gonçalves, lavrador, de Fermentões e de Gracia Pêdra, natural de Castelões de Cepeda e de Maria da Conceição, do Porto, fi lha de Domingos Fernandes, marchante, o «Porca Negra», natural da Aldeia de Secais, Campanhã, e de Margarida Fernandes, natural da Aldeia da Vinha, freguesia de Santa Maria de Esmoriz, Ovar, sobrinha materna de Maria Garcês, familiar do Santo Ofício, residente na Baía, Brasil.82

D. Júlia Leite Cabral com suas duas fi lhas: À nossa esquerda, Ema Júlia Leite Cabral Castelo Branco casada com José Alves de Almeida. À nossa direita, Camila Leite Cabral Castelo Branco de Brito casada com Arnaldo Alves de Brito. Herdeira do Formal que foi da Lavandeira.

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Manuel Pereira de Berredo,83 – foi também um dos familiares do Santo Ofício. Dr. Diogo Leite de Castro Pinto Castelo Branco, Delegado do Procurador Régio. Chegou a Juiz Desembargador. Falece solteiro, em 17 de Novembro de 1882, na Casa da Vista Alegre, freguesia de Piães, concelho de Cinfães. (pg. 26 e 27). Bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra, segundo informação por apostilha de 21.07.1849, quando foi nomeado Delegado do Procurador Régio, em Tabuaço. Em 09.04.1856, diz que era Procurador Régio em Montemor-o-Velho. Por decreto de 09.07.1862, é nomeado Juiz de Direito de 3ª classe para a ilha do Pico. Em 05.07.1864, são defi nidas as situações dos seus direitos e vencimentos. Daqui transitou nomeado para a Comarca de Mogadouro, também de

3ª classe, por Decreto de 08.07.1864, tendo sido publicada a respectiva «Apostilha» em 17.11.864. Por novo decreto de 27.08.1866, é promovido a Juiz de 2ª classe e transferido para a Comarca de Armamar, terras da sua ascendência, como consta da Apostila publicada em 22.05.1868. Em 04.09.1873, é nomeado Juiz de Direito de 1ª classe, no tribunal da Horta e o decreto de 17.02.1976 coloca-o em Angra do Heroísmo. Requer transferência para o tribunal da Guarda onde tem assento pelo decreto de 03.11.1876. Logo, nas costas deste, anulado o anterior, novo decreto acaba por dar-lhe o tribunal de Viana do Castelo. O decreto de 22.03.1877, faz acertos de diversa ordem. A última data da nossa fonte é de 1879.84 Regressa ao continente onde termina a sua carreira de magistrado na categoria de Desembargador

82 ANTT – Familiares do Santo Ofício, José, Maço 11, nº 197.83 Berredo – forma dissimilada de «Barredo», derivado de «barro». Da família linguística de «Barreiros». Há «Berredo» em Oliveira de Azeméis e em Santa Marinha de Vouzela, avó materna da de Oliveira de Azeméis. Relação com estes «Berredo» da Feira, Cinfães e Lamego, apenas por meio de uma investigação genealógica, que não vem a propósito desta resenha histórica da nossa Lavandeira que, com os Huet, está ligada à grande Casa do Carrapatelo, Ferreirinha. Por outro lado, por este breve apontamento, fi ca claro que, nos séculos passados, a mobilidade social apresentava-se muito mais larga e intensa que imaginar se possa. Haja vista a família Huet, ligada também ao Carrapatelo-Ferreirinha, que também andou pela nossa Misericórdia da Feira, satisfazendo pagamentos de familiares seus falecidos.84 Colhidas estas informações em documento solto, inserido no «Tombo da Lavandeira» de que temos vindo a fazer referência de harmonia com as oportunidades do discurso histórico..

Restos de um tempo que passou. Balança de pesar farinha.

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e passou a viver na sua Casa da Vista Alegre, Piães, onde, no estado de solteiro e sem fi lhos, o veio surpreender a morte, a 17.11.1882. Jaz no cemitério de Piães85 O Desembargador Diogo era irmão de outro Juiz, o Dr. José Maria Leite de Castro Pinto Castelo Branco, Moço Fidalgo da Casa Real, Juiz ordinário do Julgado de Sanfi ns, Cinfães; senhor da quinta de Sequeiros, Piães, mas natural de Eiriz, São Salvador de Arouca. Ambos fi lhos de António de Almeida Cabral Tavares e de D. Susana Emília Leite de Castro Pinto, que veio da quinta do Casal Seco, também de Piães. Estes foram os pais também de Jerónimo de Almeida de Castro Pinto Mendonça Castelo Branco que. casou com D. Ema Júlia Ferreira Pinto Basto Castelo Branco, e foram senhores da Lavandeira e de Azevedo ou Formal de São

Vicente de Pereira. Por aqui andaram, pessoalmente umas vezes e outras por seus procuradores, a fazer aforamentos e a dirimir litígios com arrendatários no seu prazo dos Cabanões, como se vê da documentação própria dispersa nesta resenha.

Nestes fi nais de século XIX, início do séc. XX, muda de dono e aí vamos encontrá-la arrendada como repartição do Registo Predial da Feira e residência do seu Conservador, Dr. D. Fernando de Távora. O facto de a encontrarmos na Misericórdia do Porto, coloca problemas cuja solução exige trabalho mais aturado e aprofundado. Emendando a mão quanto ao sugerido acima, deve ter passado à Misericórdia no período agitado do primeiro quartel do séc. XIX.

Jerónimo de Almeida e Castro Mendonça Castelo Branco - D. Ema Júlia Ferreira Pinto Basto, que ainda viviam nos fi nais do séc. XIX e a quem a Lavandeira ainda pertenceria. (pgs. 68 e 38 respectivamente).

85 Pinho Leal – Portugal Antigo e Moderno, entrada “Vista Alegre”, vol. xII, pp. 1924-1925.

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Em 1921, a Lavandeira conhecia nova etapa da sua existência de unidade económico-social ao passar de mão para novos proprietários, desta vez a família «Portela». Desses portões, restos ainda de uma velha e débil nobreza deixamos a imagem, como presença de uma efémera glória do apressado morgadio ou vínculo de uma Lavandeira que se foi na voragem do tempo, sem glórias mas sempre com honra que baste. Na convergência da rua que separa as duas quintas, com a que segue da cidade para Picalhos, deparamos com estas alminhas na parede dessa mesma.

A LAVANDEIRA E A CAPELA DE S. JOSÉ, EM AZEVEDO José Leite Pereira de Berredo, fi lho de Manuel Leite Pereira, de quem recebeu a Lavandeira, e sua mulher D. Isabel Maria Josefa de Lima pedem ao Cabido do Porto licença para uma capela que desejam edifi car na sua quinta de Azevedo de São Vicente de Pereira, a dedicar a São José. É quinta nobre, a paroquial fi ca-lhe distante e será útil aos lugares vizinhos. Pedem outrossim licença para ser benzida e nela se celebrar Missa. Estamos em 06.12.1718. Ficará com a dotação de 4.000 réis anuais para sua fábrica, segundo documento lavrado nas próprias casas de morada do

Restos dos moinhos da Lavandeira objecto de litígios e testemunhas de muitas histórias pelos tempos fora prestes a calarem-se para sempre ainda que deles fi que alguma memória. Visível o desgaste da segunda mó.

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Alminhas de 1894, na parede da casa que confl ui com a da Lavandeira vinda dos Bombeiros novos e faz ângulo com a que partindo da avenida da Biblioteca segue para Picalhos, Velha e Piedade. “ Vós que ides passando, Lembrai-vos das almas que estão penando”

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impetrante, na cidade do Porto, a 18.01.1719. Esta pensão fi ca «imposta numa propriedade dízima a Deos que consta de casas, campos, e vinhas e mais terras, que emprazaram a Manuel Fernandes, e a sua mulher Filipa Gomes, do lugar da Lavandeira, … e pela dita propriedade lhe pagam por ano, dia de São Miguel de Setembro, 115 alqueires de pão…», isto é, de cereal. Testemunhas a tudo presentes no tabelião

de notas do Porto, António Mendes de Matos: Padre Lázaro Pereira da Fonseca e Manuel de Sousa, assistentes na casa do dito José Leite Pereira de Berredo. Teve as licenças dadas pela diocese do Porto: a) a 29 de Janeiro de 1719, para a edifi cação, sob

informação do Vigário de Ovar; b) a 03 de Outubro de 1719, para a bênção do edifício feita pelo Vigário, também Abade de Fornos, Xavier Monteiro; c) a 06 de Outubro de 1719,.86 para a celebração ali «em todos os dias do ano excepto nas 4 festas do ano».87

José Leite Pereira de Berredo–88 que foi o segundo

A capela em referência, acoplada, desde 1719, à casa da Quinta do Formal de São Vicente de Pereira.

86 Assina a licença, o Reverendo Doutor Pedro Valente de Aguiar, Desembargador da Mesa da Justiça do Juízo Eclesiástico e Provisor da Cidade e Bispado do Porto, pelo Reverendo Cabido, «sede vacante». A capela, em 1938, encontrava-se profanada. Utilizada como casa de eira. Além de São José, havia Santa Luzia.87 Estas quatro festas da roda do ano estavam proibidas à celebração na capela de Azevedo. Para ela estava onerada a Lavandeira em 4.000 réis, com os chamados «dízimos a Deus». Estas festas eram: Páscoa, Pentecostes, Corpo de Deus, Natal, ditas festas maiores do calendário litúrgico católico.

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administrador do morgadio da Lavandeira e do Formal ou de Azevedo, cujo aforamento de prazo foi renovado por escritura de 1731. No Formal passava o tempo sobrante dos afazeres do cargo de administrativo da Comarca do Porto. Segue-se-lhe a fi lha D. Joana Leite Pereira, como terceira administradora, casada com Fernando Campelo. Não tiveram fi lhos e passaram o vínculo e o prazo para a irmã, D. Mécia, segunda na linha sucessória. Temos assim, na Lavandeira,

D. Mécia de Berredo Tardeira, quarta administradora. E foi aqui que a Lavandeira, já ligada ao Formal, ou Mata, ou Azevedo, se uniu a Eiriz, freguesia do Burgo, concelho de Arouca, pelo casamento desta senhora com António Leite, ou Leitão, Cabral, morador na sua quinta de Eiriz, da freguesia de Burgo. Para aqui veio D. Mécia morar, por ser aqui o solar do marido. E assim fi caram ligadas entre si as três quintas, Lavandeira, Formal e Eiriz. E fi caram assim abandonadas as casas da Lavandeira e do Formal. O que nos parece, ou muita será a coincidência, é que esta D. Mécia Leite de Berredo, da Lavandeira, será a religiosa do convento de Arouca que passa procuração ao irmão Manuel Pereira de Berredo, para que a represente como madrinha de baptismo de Manuel, fi lho dos lavradores António Roiz e Domingas Gomes, em que o padrinho foi o Dr. Gaspar Leite Cabral irmão dela.89 A menos que haja coincidência de similitude de nomes, outro dos graves problemas dada, por outro lado, a dissimilitude dos nomes familiares mais chegados, fi lhos que fossem. Ora, tal situação facilmente pode induzir em erros, potenciados pela falta de acompanhamento ao menos de datas. Mas datas é também o que mais escasseia, por razões várias, aumentando a possível confusão, devida a nomes iguais não inseridos em datas, lugares e famílias,90 como foi já observado.

Aparece uma outra D. Mécia de Berredo, casada com António Tavares de Carvalho, fi lha de Filipa Soares de Carvalho, conforme se vê do processo nº 594 dos habilitandos a Familiares do Santo Ofício. Na quinta da Lavandeira sucede-lhes o fi lho.

Bento José Leite Cabral, que casou com D. Maria Vitória de Sequeira, cujo fi lho António Leite Cabral por 1810, aparece a reclamar direitos de foros da Lavandeira em acção judicial referida algures e que a mostra entrada em decadência, e se vai falando da sua venda. Na verdade, com a Revolução Liberal de 1830, entraria na Misericórdia do Porto.

Este Bento José, nasceu e morou na dita Quinta de Eiriz. Era fi lho de Diogo Leite Cabral, assinatura de 1744,91 natural da dita do Salvador e de D. Joana Jacinta de Matos, da Vila de Ovar, neto paterno de António Tavares, do dito Salvador de Arouca e de D. Mécia de Barredo, da freguesia de Almacave, Lamego, neto materno de Manuel da Rocha Tavares, da vila da Feira, e de D. Maria de Matos, de Cabanões Ovar.

88 José Leite Pereira de Berredo e sua mulher D. pedem ao Cabido do Porto licença para uma capela que desejam edifi car na sua quinta de Azevedo de São Vicente de Pereira, dedicada a São José. É quinta nobre, a paroquial fi ca-lhe distante e será útil aos lugares vizinhos. Pedem outrossim licença para ser benzida e nela se celebrar Missa. Estamos em 6 de Dezembro de 1718. Ficará com a dotação de 4.000 réis anuais para sua fábrica, segundo documento lavrado nas próprias casas de morada do impetrante, na cidade do Porto, a 18 de Janeiro de 1719. Esta pensão fi ca «imposta numa propriedade dízima a Deos que consta de casas, campos, vinhas, mais terras, que emprazaram a Manuel Fernandes, e mulher Filipa Gomes, da Lavandeira, … e pela dita propriedade lhe pagam por dia de São Miguel de Setembro 115 alqueires de pão…», isto é, de milho ou trigo. 89 ADA – Livro de Baptismo de São Nicolau daFeira, nº 2, folha 7490 ADA - Ver também à frente o LIVRO DE CASAMENTOS, n.° 3)91Dos Estatutos da Irmandade do SS. Nome de Jesus erecta na igreja de Santa Eulália de Arouca, na sua reforma e ampliação no ano de 1744. Santa Eulália freguesia criada ali se diz, em 1690.

Assinatura de Diogo Leite Cabral.

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75Fac-símile da licença para a Capela de São José, Azevedo, 1719, dada sob condição dos “dizimos a Deus” com que fi cou onerada “ até ao fi m do mundo” a Quinta da Lavandeira, mercê da capela do Formnal. “Dada nesta cidade do Porto aos seis de Outubro de mil setecentos e desanove annos sob sinal e sello do Ilustríssimo Cabido. Eu Joseph Pessoa Carvalho, notário apostólico que ... o subscrevi. A) Pedro Valente Aguiar. Pelo Sello 16 Réis. Desta pagou 600 réis. Sentença cível de justifi cação da Fábrica da Capela de Joseph Leite Pereira desta catedral do Porto ...

Em 1748, esteve ajustado para casar com D. Antónia Micaela da Silva, natural e moradora na Quinta de Sequeiros, freguesia de Santiago de Piães, dita, fi lha de Cristóvão da Silva da dita Quinta de Sequeiros, e de D. Maria Vitória da Silva, da Quinta de Fontelas, freguesia de São João de Alpendorada, Marco de Canavezes. Era neta paterna de Diogo Álvares e de Joana da Costa, da Quinta de Sequeiros referida. Neta materna de Manuel Freire Pinto e de Páscoa Maria Valente, da Quinta de Fontelas. Recebe Carta para Familiar do Santo Ofício em Julho de 1748.92

Em 1800 - António Leite Cabral,93 continuava residindo em Eiriz, casado com D. Josefa Angélica Vasconcelos de Meneses Castelo Branco, do morgadio de Cimbres, concelho de Armamar, couto de Salzedas. E aqui se uniram as casas dos morgadios da Lavandeira, da Vila da Feira; do Formal, de Eiriz, Arouca e de Cimbres, Armamar. Em 1808-1814, dão-se as execuções, por dívidas, movidas por António Leite Cabral, contra os caseiros da Lavandeira, uma vez mais em falta. Vivia-se o tempo conturbado pós Invasões Francesas. 1839? - António de Almeida Leite Cabral, casou com D. Susana Emília Leite de Vasconcelos, também D. Susana Emília Leite de Castro Pinto. Falece.94 Sucede-lhes no vínculo de Eiriz, Lavandeira, o fi lho destes, Jerónimo de Almeida Castro Pinto Mendonça Castelo Branco. D. Susana era fi lha de JoséCorreia Pinto de Noronha e de D. Quitéria David Evangelho, da Quinta do Casal Seco de Piães. Casaram em 1789. Moraram na Quinta de Sequeiros. 1860 - Jerónimo de Almeida Castro Pinto Mendonça Castelo Branco casado com D. Ema Júlia Ferreira Pinto Castel o Branco. Sucede-lhes na Lavandeira a fi lha

92 ANTT – Habilitações, Familiares, Santo Ofício, «Bento», Maço 10, Doc. nº 153.93 E aqui se provam as suspeitas dos perigos que representam faltas de datas, nomes incompletos, ausência de especifi cações, imprecisões de referências, por outro lado agravante, excessos barrocos de linguagem que, longe de esclarecerem acrescentam obscuridade e confusões. Deixamos à consignação do leitor a gestão da matéria, se achar útil. Não encontramos solução, para além da advertência, a partir dos habituais parcos elementos disponíveis.

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D. Júlia Leite Cabral Castelo Branco. Teve estas fi lhas.Vivem na já referida Quinta de Eiriz. D. Camila Leite Cabral Castelo Branco. Nasceu em Eiriz em 12.5.1898 e casou a 6.2.1923. Ainda em 1935 residia na Quinta do Formal de S. Vicente de Pereira e representava os morgados de Eiriz. O de Cimbres, concelho de Armamar, já não é mencionado.95 D. Camila veio a falecer no Hospital de Santo António, Porto, no ano de 1961 e foi sepultada em jazigo de família no cemitério da Lapa, Porto.

Sucede-lhes a fi lha D. Camila que casou com José Alves de Almeida, (fotos acima) da casa da Chave, Arouca. Do casal nasceram os fi lhos: a) José Adriano Alves d´Almeida, nasce a 07.09.1925. b) Maria Amélia Alves de Almeida, nasceu 12.12.1933. c) Maria José Alves de Almeida, nasceu 28.03.1929. Esta mora em Massarelos, Porto, Rua dos Moinhos, nº 249, Estrada rua da Fonte.

Esta Quinta do Formal esteve adstrita à Comenda de Malta de Rio Meão. Foi incluída nos Próprios Nacionais.

José Alves de Almeida, acima referido, era um dos 10 irmãos. Um foi o padre Albino Alves de Almeida que foi pároco de Burgo, Arouca. Tornou-se depois capelão da Casa de Saúde de São Francisco, Porto, donde saiu para a casa paterna em Chave, onde falece em 1947. Foi quem arranjou o casamento de D. Camila com aquele José Alves que havia

emigrado para o Brasil. Ela, um pouco débil mental, queria era casar de qualquer forma.

O abade Albino escreve ao irmão José Alves de Almeida, ainda solteiro, no Brasil. A carta conta-lhe o ambiente da jovem Camila, morgada da Quinta do Formal. Regressa logo e, tão sôfrego das anunciadas terras que nem passa pela futura, dando-se consigo a ver extensões de prazos, a correr caminhos e carreiros contando hectares e somando foros de caseiros. Levemente passa depois pela morgada e casam, mais agradado da fortuna das terras e do casarão, o que ele queria. Ela tinha um homem. Tiveram fi lhos, mal. As condições da cabeça da mãe não davam para mais. Contou quem viu o que sabe.

94 Este casal, António de Almeida Leite Cabral, de Eiriz, e D. Susana Emília Leite de Castro Pinto, nascida em 1796, na Quinta do Casal Seco, freguesia de Piães, teve também as suas raízes em Gaspar Leite de Miranda de Berredo, pelo lado da mãe. Este Gaspar casou segunda vez com D. Isabel de Aguiar, fi lha de Pedro de Aguiar, da Quinta de Paçô, São João de Ver, Feira, e de D. Margarida Pereira. D. Susana era 4 neta de D. Joana Trigueiros, ou D. Joana David, da Feira, prima segunda de D. Mécia de Berredo de Eiriz, 7ª neta de Gaspar Leite, da Lavandeira enquanto o marido era seu sexto neto. “As doze Portas…”, pg. 282 e 283.

95 «Resenha Histórica», Padre Augusto de Oliveira Pinto, 1935, pg. 112-113.96 Por mera coincidência, em Arouca há também uma Lavandeira, mas que nada tem a ver com as ligações com esta da Feira. Regista-se a coincidência até para evitar futura confusão.97 Do fólio “Quinta da Lavandeira e Pertenças”, fl . 49, Arquivo Particular, do Sr. Dr. Celestino Portela, Feira

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EM 1810,96 PROCESSO DE VENDA DA LAVANDEIRA. Neste sentido se produziu sentença e Carta de arrematação a favor de Francisco José Lopes de Lima, fi lho de Daniel José Ferreira, da Rua, desta Vila da Feira: “O Dr. José Bernardo Henrique de Faria, Juiz de fora do geral com alçada nesta Vila da Feira e seu termo, por Sua Alteza Real o príncipe Regente (D. João VI) … Para título passado por meu mandato em que é executante António Leite Cabral de Arouca contra José Pinto Gomes da Silva Ribeiro, da Lavandeira, Feira...” 97

Na verdade a 30.08.1810 (folha 51), encontra-se a sentença de que dá conta António Luís Correia de Sousa e Sá Oliveira, cujo teor é o seguinte:

“Sentença de execução e penhora de que é autor António Leite Cabral, de Arouca, senhorio directo da Lavandeira, contra José Pinto Gomes da Silva Ribeiro, senhor do domínio útil, residente nesta Vila, produzida pelo Juiz de Fora José Bernardo Henrique de Faria...” (Folha 52) a 18.09.1809, em nome do rei D. João VI. O dito José Pinto Gomes da Silva Ribeiro está em dívida para com o senhorio directo, por rendas acumuladas no valor já de 170.800 réis, dívida que leva à instauração de um processo judicial de execução dívidas. O tribunal ordena a penhora e posterior venda dos bens mencionados para pagamento compulsivo do débito em causa.

Lápide da Capela de Santo António da Quinta de Cimbres.

MANDOV A FAZER ESTA // CAPELLA SVA IRMA BRIAT // IS CARDOZA COM OBRIGA // ÇAO DE DVAS MISSAS CA // DA SEMANA POR SVA // ALMA E DE SEVS DEFVN // TOS - 1618

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Em 16.08.1810, – (folha 54 v) - a sentença fora executada no lugar da Lavandeira aonde pessoalmente foi o dito Juiz em acto acompanhado pelo ofi cial Francisco José Pereira do Amaral, com aquela solenidade e gravidade que sempre acompanhavam estes e outros semelhantes actos judiciais, mesmo fora da sala de audiências. Isto serve para dizer que nos dispensamos de transcrever as formalidades tão do agrado do espírito barroco dominante ainda na época dos factos reportados.

BENS PENHORADOS:

- Casas de sobrado com 4 rodas de moinhos – das quais, três negreiras e uma alveira; (imagens dispersas)- Terrado e benfeitorias nele feitas;- Alpendres e Campo de Cima;- Árvores de vinho e de fruto e sua fonte com sua água e levadas do moinho. Desapossado destes bens, entregou a guarda deles na mão do moleiro da quinta António José Ferreira, obrigando-se este a dar conta ao Juiz, quando pedidas... Em 17.08.1810 – (Folha 56 v) Aí presente, o Dr. Manuel José da Silva, por comissão do referido Dr. Juiz de fora...

«aí disse o Dr. António Joaquim Gomes Loureiro de Pinho, procurador do autor António Leite Cabral que tem 6 dias para apresentar em juízo as alegações que achar convenientes uma vez que foi já citado várias vezes.

Em 28.08.1810 (folha 57) foi feito o lançamento à revelia, uma vez que o réu não veio ao processo com seus embargos, na forma da lei. (folha 57)

Em 30.08.1810, é proferida sentença para que sejam chamados e ajuramentados os Louvados de modo que aos referidos bens seja atribuído o valor de 170.800 réis a que o autor tem direito, por dívidas, de modo que o autor seja plenamente ressarcido.

Procuração – José Pinto Gomes da Silva Ribeiro, na execução que lhe faz o seu senhorio António Leite Cabral, de Arouca, desta vila da Feira, diz que há irregularidades de que deseja recorrer e por isso requer, para prosseguir a demanda, que se extraia do processo certidão e para que ele e o seu procurador compareçam em juízo para apreciação da matéria dos autos. Foi-lhe concedido. (Folha 62),

D. Camila Cabral Castelo Branco e José Alves de Almeida.

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Avaliação das casas pelos avaliadores ofi ciais, e tendo em vista a sentença do respectivo Juiz que aceitou as queixas de António Cabral procedeu-se à avaliação da setença na forma seguinte: Em 30.08.1810, – fazendeiros, carpinteiros e pedreiros louvados, nomeados pelo tribunal, comparecem nas moradas do Dr. Juiz de fora estando presente o escrivão:Fazendeiros – José Correia e Francisco Alves Moreira avaliaram as casas sobradadas - e rodas de moinhos, 3 negreiras e 1 alveira, --------------------------876. 400 réis. Carpinteiros – João Leite, de Fornos; e Manuel Ribeiro, das Justas avaliaram a carpintaria e armamentos de novo em --------------------------------------------------------- 180.00 réis.Pedreiros – José Correia e José Gomes, de Espargo, avaliaram imóveis, Pedraria e esquadria, em 130.000 réis. Soma um total 1.177.400 réis.

E abatendo 115 alqueires de milho e um arrátel de linho de renda anual ao direito senhorio, e o domínio de 10/1, fi ca líquido o valor de tudo na quantia de 244.100 réis.

Escreve o «Ministro Luiz António Correia de Sousa e Sá e que mais se junta o campo de Cima (f.66) com ramadas fruteiras, arvoredos e mais pertenças, e levadas. Sobre o montante das dívidas e o seu pagamento passa sentença e Edital o Juiz de Fora Bernardo para que o porteiro o publique e afi xe no pelourinho em ordem ao público conhecimento da execução das mesmas. E lá andou o porteiro «Manuel Inácio em voz alta e inteligível, pela Rua abaixo e Rua acima, anunciando a penhora dos bens referidos e foi afi xar depois o edital no pelourinho desta Vila da Feira onde o deixou patente a todos».

Em 03.09.1810, o dito ministro apresentou ao Escrivão o edital que fora apregoado desde o dia 03 de Agosto ao dia 09 de Outubro. Todo esse tempo andou o porteiro mostrando ao público o edital apregoado, (fl s. 71-79) até que neste dia se fez o lançamento chamado «de remir». Logo a seguir, 09.11.1810, se lavrou a arrematação em auto próprio e na forma costumada. (pg. 80). Aí compareceu o credor António Leite Cabral, de Arouca, e outros credores. Para o acto, a mando do Ministro, «pegou o porteiro em hum ramo verde na mão e com ele se pôs na praça apregoando se havia alguém que quisesse lançar nos

bens penhorados ao mesmo Reo, que se arrematava a quem mais desse livre da renda» que havia sido já deduzida nas avaliações feitas, fi cando pelo montante de 244.000 réis. «Depois de andar a maior parte da tarde deste dia com este pregão apareceo: - Francisco José Lopes de Lima, desta vila, e com ele Daniel José Ferreira, autorizado e com autoridade do dito seu Pai, dava pelas propriedades 245.000 réis. E não ocorreu quem mais nem tanto desse e por mandado do ministro continuou o Porteiro a apregoar até que não aparecendo interessados foi dada por rematada pela quantia de 245 mil réis. Nesse mesmo dia 9, o arrematante Francisco José Lopes de Lima, estando presente seu pai Daniel José Ferreira, desta Vila, depositou na mão do Depositário Geral, João Gomes Ferreira Souto, a importância de 245.000 réis em apólices, porque a entrega far-se-á só com autorização judicial…»

Sisa – (pg. 83) Compra e venda da Lavandeira, 1810. No quarteleiro desta vila, José da Silva Canedo, morador na Rua desta Vila, foi depositada a sisa de 24.000 réis de Francisco José Lopes de Lima. (F.84) Redízima – (Fl.84v) 24.500 réis. Concluído o termo do processo assim encerrado a 10.11.1810 (pg. 85).

AUTO DE POSSE DA LAVANDEIRA – (pg 86 v) De notar todo o ritual que sempre acompanhava os actos desta natureza: Em 17.11.1810. Veio ali o tabelião com o arrematante Francisco José Lopes de Lima fi lho de Daniel José Ferreira, que entrou com ele tabelião e andou abrindo e fechando portas, pegando em paus, pedras e terra e telhas e praticando os demais actos de posse, dando o tabelião por fi nda a tomada de posse, «actual, corporal, civil e natural.»98 Não Deixam de oferecer a sua curiosidade todos estes cerimoniais com que nesses tempos se tomava posse de umas casas de morada, de um campo e de uma igreja paroquial. E o curioso é que no princípio do séc. XX, 1905, era forma ainda corrente na freguesia de São Pedro do Rego da Murta, Alvaiázere.

Compra e venda, da Lavandeira, 1810. Em 22.09.1810, se efectua a escritura de compra que Daniel José Ferreira faz a Joaquina Angélica Correia de Sá, de Sanfi ns, viúva que fi cou de Manuel Caetano Correia de Sá, e a sua fi lha Joana Delfi na Correia de Sá, viúva

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que fi cou de Caetano José de Araújo Cabral, de Sanfi ns. (folha 93) Com ordem do Juiz de Fora do geral e sisas com alçada nesta Vila da Feira e seu termo, em que faz prova de que todos os direitos do Estado estão satisfeitos: 8.480 réis de sisa dobrada, em que entram 3.600 réis em apólices que na mão do quarteleiro desta vila morador na Rua, José da Silva Canedo depositou Daniel José Ferreira, também da Rua, pela compra que lhes fi zera das terras que possuíam junto à Lavandeira por 42.400 réis (94). A venda destinava-se a remir dívidas deixadas pelo marido e pai Manuel Caetano Correia de Sá, para cujo saldo careciam de dinheiro. Confrontações: Do nascente e Norte com propriedade que foi de José Pinto Gomes da Silva Ribeiro e hoje é do comprador e elas vendedoras a houveram por compra a Francisco Pereira, da Velha. A mãe devia à fi lha 50.000 réis,

por escritura de 21.09.1804, lavrada no livro de notas do tabelião da Feira, Corte Real. Mas havia já recebido da mãe 25.000 réis que se hão-de deduzir da presente importância daquela referida venda.

OUTRA VENDA DA LAVANDEIRA EM 1811.

Em 22.07.1811. Escritura de compra de Daniel José Ferreira desta Vila a Manuel de Matos Sequeiro e sua mulher Joana Pereira, da Lavandeira, desta Vila, sua fi lha Maria Angélica e marido José António, moradores nos Moinhos, Fornos. (fl . 103). Pagaram de sisa dobrada 5.200 réis em que entram 2.400 réis em apólices que na mão do quarteleiro depositou Daniel José Ferreira, da Rua, pela compra a Manuel de

98 Semelhante ritual acompanhava a tomada de posse da igreja pelo pároco de uma freguesia. Na presença do representante do bispo e dos paroquianos, chegava, recebia as chaves, abria e fechava portas da igreja, subia ao púlpito simulando sermão, sentava-se na cadeira paroquial, no altar pegava no missal e no cálice, entrava na sacristia, abria e fechava gavetões dos arcazes, entrava na residência paroquial e passal, abria portas e janelas, pegava em telhas, apanhava terra, cortava ramos das árvores e pegava neles. Isto veio até aos princípios do século XX, 1906, como aconteceu em São Pedro do Rego da Murta, Alvaiázere.

Jardins, Casa da Quinta e sua Capela de S. José, de 1719, no Formal, São Vicente de Pereira.

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Matos, o Sequeiro e mulher da Lavandeira. Trata-se de uma terra de lavradio com vinha, na Lavandeira, e que parte do Nascente com o Rio, do poente com o comprador, do Norte com vendedores, do Sul com a ponte que vai para Sanfi ns. O preço é de 26.000 réis. Feira 08 de Abril de 1811. Mas os problemas que têm envolvido a vida da Lavandeira são já antigos, e diríamos que nasceram com ela. Assim, no mesmo documento se faz menção da queixa apresentada em Juízo em 1813 sobre dívidas. “Em 29.01.1814, nesta vila da Feira autuei a sentença ao diante e eu Luís António Correia de Sousa e Sá o escrevi.” António Leite Cabral, de Arouca, diz que Manuel Pereira de Matos, do lugar do Sequeiro, desta Vila da Feira, lhe é devedor de 74.730 réis, de cinco um, dos tempos dos seus vencimentos, desde os anos de 1807, 1808, 1809, 1812, e do tempo do São Miguel do presente ano de 1813, que são 32 alqueires de milho grosso, 4 de centeio, em dinheiro

3.500 réis, uma galinha, e 2 arráteis de linho, pelo que será penhorado, não satisfazendo, pede a V.S. mande executar como pedido foi. Arouca, 23.10.1813. (fl . 186.)

Despacho: Aos 26.10.1813 – se deu ordem no tribunal para a dita penhora das casas e propriedades de campos, matos, rendimentos e 42 alqueires de milho que se acham em poder de José de Matos, da Lavandeira. Francisco José Pereira do Amaral, (fl . 189). Aos 05.11.1813,”… compareceu António Joaquim Loureiro de Pinho por comissão do Juiz Vereador, Salvador da Rocha Tavares Pereira Corte Real procurador do autor transitado o reo por parte minha para o provedor assinar a penhora, e mandar apregoar pelo porteiro”. Eram 16.11.1813. Não comparecendo, cumpridos os três dias, se deu a seguinte sentença em 19.11.1813, em que obrigava

Fac-símile do original da sentença de execução a que se faz referência no texto.

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ao pagamento de 64.730 réis, mais 32 alqueires de milho, mais 4 de centeio, 1 galinha, 2 arráteis de linho, mais 2.035 réis. Era aos 20.11.1813. Pagou 120 réis de selo, no dia seguinte, 21.11.1813.

“Avaliação do Choupelo da Lavandeira”Salvador … Corte Real, acima referido, era da Casa de Fijô, Vila da Feira, casado com D. Angélica Violante. Foram pais de: Manuel Maria da Rocha Tavares Pereira Corte Real que casou na capela da Casa de Eiriz, com D. Maria Emília Leite Pereira de Berredo, fi lha de António Leite Cabral Tavares e de D. Josefa Angélica Castelo Branco, senhores do Morgadio da Lavandeira. (pg.61).

António Leite Cabral e mulher D. Josefa Angélica Castelo Branco, da sua Quinta e Casa de Eiriz, Arouca, nomeiam seu bastante procurador a João da Silva, do lugar do Feiral, freguesia do Souto, já em 25 de Julho de 1809, para os mesmos efeitos de penhora, sinal de que, já então, os pagamentos andavam atrasados. A fi lha Maria e o genro José António dos Santos, de Fornos, tornam-se parte interessada pois haviam recebido estes bens a título de dote dos pais para sustentação dos noivos. Só que estes bens doados pelos pais são agora judicialmente executados. Execução que move António Leite Cabral contra Manuel de Matos, (fl . 181) «Em 04.01.1814, procedeu-se ao que então se chamava «louvação» e hoje avaliação pelo vereador mais velho João Gomes Ferreira Souto, acompanhados dos louvados da Câmara António José Correia de Sousa, Joaquim de Oliveira da Fonseca, como fazendeiros; como pedreiros José Lourenço e António Leite da freguesia de Fornos. Os carpinteiros José de Oliveira, do Castelo e Manuel Baptista, de Macieira de Souto, que prestaram juramento aos Santos Evangelhos e foram avaliar os bens aos reos Manuel de Matos e mulher de que darão conta do valor das casas em que os réos vivem, eira, poço, horta, campos, deveza da levada para cima e mais pertença, e árvores de fruto e vinho com abatimento da renda e domínio entrando terrados, carpintarias e pedrarias em 33.000 réis.Avaliaram as propriedades de lavradio junto ao rio e levada com abatimento da renda de domínio em quarenta e cinco mil

réis – 45.000. Total 78.000 réis.» Cumprida a avaliação e dada a sentença pelo vereador mais velho e juiz pela ordenação do geral com alçada nesta vila e seu termo, seguiu-se o pregão pela rua da Vila pelo porteiro Manuel Inácio. Este, durante 21 dias, andou rua abaixo e acima apregoando a venda dos ditos bens, desde o dia 07.01.1814 ao dia 01.02.1814. Em 13.02.1814, compareceram os réus Manuel Pereira de Matos e sua mulher Joana Maria, perante João do Vale e Silva procurador de António Leite Cabral, dizendo que fazia cedência de execução no cessionário Manuel Ferreira da Silva como seu bastante procurador.

AVALIAÇÃO DO CHOUPELO EM 1841

Em 18.05.1841, Folha1 neste lugar da Lavandeira, desta freguesia e Concelho da Vila da Feira, os Louvados fazendeiros nomeados e ajuramentados pela Câmara Municipal desta Vila e rogo do capitão Francisco José Lopes de Lima e sua mulher D. Tomásia Rufi na da Costa, moradores aqui, na Lavandeira, compareceram para proceder à avaliação da sua propriedade ou Quinta, chamada o Choupelo. Compõe-se ela de terras lavradias, pomares, olival, árvores de pinho, casas de sobrado e térreas, eira, adega, seis rodas de moinhos, tudo dentro da mesma propriedade, murada sobre si. Preservava-se assim a integridade da casa e quinta do Formal.

Avaliados: a Horta, os moinhos, as terras lavradias, os pomares, o olival, as árvores de vinho e as ramadas, pelo rendimento anual, que é pelo ano comum. E por tudo achámos que o valor líquido de rendas constante do prazo, bem assim com o abate de todos os direitos dominiais e reparo dos engenhos e fábrica, tudo quantia livre, «um conto novecentos e dois mil réis. Ficaram por avaliar as casas e muros, por não pertencer à nossa arte». a) Os avaliadores: Manuel Aires Homem e João Roiz.

Folha 21. Domingos José Godinho e mulher D. Maria das Dores, moradores nesta vila, dizem que querem intentar no juízo contencioso a compra e acção contra José da Costa Correia de Almeida e mulher Maria dos Santos, da Rua, desta vila e distrito de Paz, para reivindicarem uma água com que os suplicados regam a sua propriedade de sequeiro a partir com a propriedade de António Tomaz Correia de Sá,

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de Sanfi ns, chamada de Sequeiro, cuja água pertence ao prazo dos moinhos da Lavandeira99 desta Vila, em que os suplicantes são vidas, e que se diz vendida por Francisco José Lopes de Lima e mulher, antecessores dos suplicantes, cuja venda sendo certa, é sem nenhum efeito, como se mostrará, e como se não possa fazer sem conciliação, pretende por isso chamá-los a este Juízo de Paz a fi m de se conciliarem sobre o exposto, sob pena de «rebelião». Feira, 16.01.1844. a) – Maria das Dores e Vasconcelos, Domingos José Godinho. Desta precatória saiu o despacho seguinte: «Citem-se os suplicados para o dia 19.01.1844, às 10,5 horas.», anotação do mesmo dia do requerimento, no verso da mesma folha, assim:

«Notifi cação de citação: Notifi quei José da Costa Correia de Almeida e sua mulher Maria dos Santos, sendo testemunhas Bento Tomás Correia de Sá e seu fi lho José Máximo Correia de Sá, desta Vila, moradores no lugar dos Moinhos desta freguesia de Sanfi ns. Segue-se na mesma

pg., verso a «Certidão do Auto de Conciliação» Em 19.01.1844 – nas casas de morada do Juiz de Paz da Feira, entregue ao advogado José Apolinário da Costa Neves, compareceram Domingos José Godinho, escrivão de direito desta vila, per si, e como procurador bastante de sua mulher D. Maria das Dores e Vasconcelos, e José da Costa Correia de Almeida e sua mulher Maria dos Santos, negociante, morador nesta mesma vila para se conciliarem sobre este memorial constante dos autos: Auto de Conciliação: Os réus desistiam da compra feita a Francisco José Lopes de Lima e mulher, como ainda desistiam da água de que usariam apenas com a licença dos autores. «Obrigam-se mutuamente o cumprimento do estabelecido em auto... e aos terços da alma...»100

Foram testemunhas presentes a todo este acto: Manuel da Costa Correia de Almeida, solteiro, fi lho dos réus, a rogo de sua mãe, por não saber escrever.Bento Tomás Correia de Sá, escrevente, morador nos Moinhos, Sanfi ns, concelho da Feira;

Ainda por ali encontrámos restos da actividade molinária da quinta da Lavandeira nestas peneiras.

99 Refere-se ao pomposamente dito «rio de Santo Aleixo» que, nascido no lugar das Lages de Sanfi ns, vai passar à Lomba, à Azenha, ao Monte de Sanfi ns e em Santo Aleixo. Depois, atravessa sob a linha férrea e entra no lugar das Ribeiras e no lugar da Azenha, seguindo sob três pontes, uma delas a da Lavandeira. 100 Que seriam estas “terças de alma”? É a primeira vez que se nos apresenta esta expressão. Que eram sufrágios que oneravam bens patrimoniais, estamos certos. Especifi ca e concretamente, e em que circunstâncias, já não sabemos.

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Francisco Lopes, lavrador, morador no lugar dos Matos, desta Vila da Feira. O escrivão deste Juizado de Paz – António Joaquim Correia de Sá.101.

Em 09.07.1850, Domingos José Godinho e mulher, da Lavandeira, dizem-se senhores e possuidores de seis rodas de moinhos sitos no lugar da Lavandeira, com sua levada e açude, com origem no sítio da Azenha, pelo lado inferior dos caboucos dos moinhos, foreiros ao extinto convento dos Lóios desta Vila, que hoje administra, por compra, D. Maria Máxima Correia de Sá, de Pombos, desta vila. Açude e embocadura da levada que hoje os suplicantes querem reforçar ou refazer por se achar menos seguro, e porque possam haver algumas dúvidas sobre o actual estado do mesmo e o futuro depois de refeito. Sendo assim, e para evitar dúvidas futuras, pretende que se proceda a uma inspecção ocular por peritos, a fi m de se examinar o estado do açude e a sua embocadura. a) Domingos José Godinho. (Folha 29.)

No dia seguinte, o notifi cante Manuel José da Cunha Sampaio, de Pombos, deu pessoalmente conhecimento à interessada D. Maria Maximina que assinou. Também no mesmo dia o mesmo Sampaio notifi cou Francisco José de Lima da Fonseca e João José de Lima. Logo a 11.07.1850, se fez in loco o exame requerido. Ali esteve o Juiz de Direito da Feira, Dr. Bernardo José Pereira Leite, com o ofi cial de diligências Inácio José Pinto, o suplicante Domingos e a citada D. Maximina com os louvados nomeados pelo concelho, Francisco José de Oliveira da Fonseca e João José de Oliveira.

Do que viram e examinaram deram fé que: “O açude se acha construído com pinheiros atravessados, com pedras e terra e nas extremidades algumas grandes pedras que mostram ser de muita antiguidade. Notaram ainda um pinheiro argolado a um penedo nativo, sendo o açude muito antigo como demonstram as duas grandes pedras das extremidades. Muito antiga a embocadura, como também demonstram os vestígios das pedras de que é formado. O mesmo tem de través do norte ao sul 48 palmos, e até à embocadura da levada 8 palmos. Está em estado ruinoso e

deixa cair muita água que não vai à levada e por isso carece de ser reedifi cado. Mas D. Maximina discorda da reedifi cação. Porém, (folha 39), após considerações, diz em 02.07.1850, que vai reconsiderar. Se alguma decisão ulterior houve, documento algum sobre o assunto chegou até nós.É este Domingos José Godinho o cessionário de José da Costa Correia de Almeida, desta Vila. Manuel Pedro da Costa Reis o fez, “ (do mesmo documento em causa).

Em 23 de Dezembro de 1814, a Quinta da Lavandeira avaliada em 78.000 réis.

«Sentença de Carta de Remiçam para… Francisco José Lopes de Lima, fi lho de Daniel José Ferreira, da Rua desta Vila da Feira… O Dr. José Bernardo Henrique, de Sanfi ns, do foro do geral por ordem de sua Majestade…» Sentença de Carta de Remição para … Francisco José Lopes de Lima fi lho de Daniel José Ferreira da Rua desta Villa, na freguesia della. O Dr. José Bernardo Henrique de Faria, Juiz de fora do geral com alçada nesta Villa, da Feira, e seu termo, por sua Alteza Real o Príncipe Regente que Deos guarde … A todos os Srs Doutores Desembargadores, Corregedores, Provedores, Ouvidores Julgadores Juízes Justissas offi ciais e mais pessoas della e Senhorios de Portugal aquelles a quem adonde parente quem cada hum dos quais esta minha mais verdadeira Carta de Rematação para estillo dada e passada por meu mandato e a Requerimento da parte que a... requereo e se lhes passou em forma virem e for apresentada.

(Autor António Leite Cabral de Arouca, Contra): - José Pinto Gomes da Silva Ribeiro, da Labandeira, desta villa, Reo Executado e por tal havido e conhessido, hoje dos Autos do prossesso se via como … sendo no anno do Nassimento de Nosso senhor Jesus Cristo de mil oitossentos e dez aos trinta dias de Agosto nesta villa da feira… autuei a sentenssa ao diante. (Fl. 51).

Luís António Correa de Sousa e Sá o escrevi segundo se continha e declarava no dito termo de apresentação de sentença, de que se trata da qual o tior é o seguinte:..» Sentença: «Sentença de executivo do autor António Leite Cabral de Arouca contra o Reo José Pinto Gomes da Silva Ribeiro desta villa.» O Dr. José Bernardo Henrique de Faria,

101 Do “Livro das Conciliações”, do Juízado de Paz da Vila da Feira, folhas 66 e 67.

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Juiz de fora «Faço saber a todos em geral (fl . 52). «… que no ano de N. S. J. C., de 1810, aos 18 dias do `mês de Agosto, me foi apresentada a petissão execotiva e pinhora ao diante…. Luís António Correa de Sousa e Sá o escrevi... assim se continha e declarava assim o dito termo de apresentassão da petissão da qual o tior he o seguinte.» «Diz António Leite Cabral do termo da villa de Arouca que sendo Senhorio direito de hum prazo cito no lugar da Labandeira desta vila de que he útil José Pinto Gomes da

Silva Ribeiro lhe esta este devendo a quantia de rendas decurssas cento e setenta mil e oitossentos réis (fl . 52 v). E como semelhantes de vidas celebradas e continua-mente»... Pede a Vossa Senhoria se sirva mandar passar mandado executivo contra o suplicado.» O Juiz de fora Bernardo, atendendo ao pedido passa mandado de pinhora da Quinta para pagamento dos 170.800 réis já em 15 de Agosto de 1810. (fl . 54v.)

Sentença de Carta de Remissão para Francisco José Lopes Lima, fi lho de Daniel José Ferreira Pinto da Rua desta Villa. Na folha delles referida no texto, 1810.

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Penhora- “O Dr. Bernardo Henrique de Faria, Juiz de Fora do geral do qual consta já da… nesta villa e seu termo por Sua Alteza real o Príncipe Regente Nosso Senhor que Deus guarde... A todos os Senhores Doutores Desembargadores, etc, manda penhorar a Lavandeira.

O que acabou por acontecer no dia seguinte, dia 16.08.1810. «Anno do Nascimento de N. S. J. Cristo de mil oitocentos e dez annos, aos 16 dias do mês de Agosto, … neste lugar da Labandeira aonde eu Escrivam vim com o offi cial Francisco José Pereira do Amaral. Requeri eu ao Reo suplicado José Pinto Gomes da Silva Ribeiro para logo pagar o pedido na petição retro, e por não pagar lhe fez elle offi cial fi lhada e Rial aprehenssão em os bens seguintes:

As casas sobradadas e quatro rodas de moinhos três Negreiros e hum Albino que já se tem aumentado e benfeitorizado depois da primeira pinhora (fl . 55) a requerimento do senhorio e por isso se lhe fez pinhora no terrado e benfeitorias assim como Alpendres campo de Sima que parte de todas as partes com outras propriedades do Autor com Ramadas compostas de novas fruteiras e árvores de vinho e fruta com sua fonte de água, levadas e fi nalmente em tudo o que o Reo possue redondamente neste lugar com cujos bens e rendimentos houve elle offi cial a pinhora por feita e acabada e o Reo por desapossado delles que houve por entregues ao depositário António José Ferreira moleiro destes moinhos que como tal se obriga a dar conta sendo-lhe mandado citar o Reo para na primeira audiência vir assinar em seis dias a pinhora e alegar os embargos pena de se julgar por sentenssa, e fi z este auto que o depositário assinou com o offi cial de que tudo dou fé, eu Luís António Correia de Sousa e Sá o escrevi e assinei. De António José Ferreira huma cruz.». Francisco José Ferreira do Amaral». Findos o seis dias e não comparecendo o penhorado, foi lavrado o auto de penhora defi nitivo, na forma que se segue:

Em 17.08.1810. «Aos dezassete dias do mês de Agosto de mil oitossentos e dez nesta villa da feira em audiência que fazia o Dr. Manoel José da Silva por comissão do Dr. Juiz de fora José Bernardo Henrique de Faria, ahi disse o Dr. António Joaquim Gomes Loureiro de Pinho, como procurador do Autor António Leite Cabral, da villa de Arouca,

que havia citado ao Reo José Pinto Gomes da Silva Ribeiro, para que venha para ver e assinar em seis dias a pinhora e nelles alegar embargos tendoos requeria, o mandasse apregoar e o houvesse por citado, e lhe assinasse aos seis dias, o que ouvido por elle Comissário, o mandou apregoar, pelo porteiro da audiência, primeira e segunda vez, … e lhe assinou os seis dias» (fl . 57)

LANÇAMENTO DA PENHORA

«Aos 28 dias de Agosto de 1810, em audiênssia que fazia o Dr. Juiz de fora nesta villa da feira.,,,.», foi mandada lançar nos respectivos autos, cumpridas as formalidades legais de modo a valer como tal. Assim: Sentença proferida «Aos trinta de Agosto de 1810,» 170.800 réis mais as custas de 2.706 réis. » Perante a sentença o réu vem perante o tribunal com a sua petição, que segue: - (fl . 61 v): “Diz José Pinto da Silva Ribeiro desta villa que na execução que lhe faz o senhorio António Leite Cabral, temo suplicante notícia de que o suplicado se quer aproveitar de huma louvassão já feita em diferente execução, onde ella he lesiva e por isso para levantar duvidas quer o suplicante que posta esta na mão do escrivão, este faça intimar o suplicado, até o seu procurador para no caso de querer prosseguir na sua execução fazer extrair mandado para se proceder `Louvação de todos os bens penhorados não admitindo certidão de outra louvação por ser feita para diferente objecto.” (fl . 63)

JURAMENTO AOS LOUVADOS

«Em 30 de Agosto de 1810, compareceram perante o Dr. Juiz de fora Bernardo Henrique, e prestaram juramento … José Correa e (fl . 63v) Francisco Alves Moreira, João Leite, Manuel Ribeiro, e os Pedreiros José Correa e José Gomes, e elle menistro lhe deferiu juramento dos Evangelhos, e debaixo delle lhes detreminou procedesem com verdade na louvassão detreminada o que prometeram fazer e assinaram. …» «Louvassão dos bens – Anno do Nascimento de N. S. J. Cristo de mil oitossentos e dez anos, aos trinta de Agosto…» (30.8.1810) (fl . 65).

Nesta villa da Feira e moradas do Doutor Juiz de fora Dr. José Bernardo Henrique de Faria, … apareceram presentes os

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Louvados retro ajuramentados – Os Fazendeiros avaliadores das terras em causa foram José Correa e Francisco Alves Moreira; Os carpinteiros foram João Leite de Fornos e Manoel Ribeiro de Justas, e Os Pedreiros José Correa e José Gomes, de Espargo e disseram que debaixo de juramento que haviam recebido foram ver e avaliar os bens pinhorados ao Reo… e de tudo davam conta na maneira seguinte:» «As casas sobradada e rodas de moinhos, três negreiros e hum Albeiro, que já se tem aumentado e benfeitorizado, com o campo de Sima com ramadas fruteiras, Arboredos, e mais pertenssas, e Levadas, avaliaram tudo no estado actual, pelo que pertensse aos fazendeiros, em oito sentos e setenta e seis mil réis e quatro sentos réis, (876.400 réis). E a carpintaria e armamentos de novo, avaliados em cento e oitenta mil réis; (fl . 65v) Ha pedraria e esquadria, em cento e trinta mil réis, que tudo som hum conto cento e setenta e sete mil e quatro sentos réis, em que importam os valores. E abatendo cento e quinze alqueires de milho e hum arrátel de linho de renda annual ao direito senhorio, e o domínio de dez hum, fi ca líquido o valor de tudo, na quantia de duzentos e quarenta e quatro mil e cem reis, …» seguem as assinaturas dos referidos intervenientes, tendo-se passado edital do acto notarial e judicial.(fl . 67).

Edital – «O Doutor José Bernardo Henrique de Faria, Juiz de fora e do geral com alssada nesta villa da feira e seu termo por sua Alteza Real que Deus Guarde Foco saber em como o Requerimento de António Leite Cabral, do concelho de Arouca faz exclusão a José Pinto Gomes da Silva Ribeiro, da Labandeira, desta villa, para o pagamento do dívida que lhe deve de rendas, e por isso lhe faz pinhora nas casas sobradadas, em três rodas de muinhos Negreiras e huma alveira, do campo de Sima, Ramadas, fruteiras Arvores, Levadas, digo Arboredos, Levadas, e mais pertensas, tudo sito no dito lugar que foi avaliado tudo por louvados fazendeiros Carpinteiros, (fl . 57v) e Pedreiros, em hum conto cento e setenta e sete mil e quatrossentos réis, e abatendo nestes cento e quarenta alqueires de milho e hum arrátel de linho, de renda annual ao direito senhorio, e o domínio de dez hum, fi cou líquido em vallor a quantia de dozentos quarenta e quatro mil e cem réis, pello que toda a pessoa que nelles quiser lanssar comparessa parante mim, e o escrivão que este

fez escrever pois hão de andar apregoar de hoje em diante – completar os dacis e se hão de rematar a quem mais der para o que o Porteiro publique este em alta voz e o afi xe no pelourinho desta villa Labrandosse os termos nessessarios. Feira trinta de Agosto de 1810….»

Seguiram-se os pregões do estilo, desde o dia um a 16 de Setembro, feitos pelo pregoeiro do concelho, Manuel Inácio, lavrando-se do acto cada dia sua acta. (fl .73 verso) No dia 18, do mesmo mês e ano, «…em audiência que fazia o Dr. Juiz de fora… já mencionado, disse o procurador do autor que trazia citado ao reo José Pinto… para vir assinar oito dias para remir e dar Títulos ao lanssador dos bens pinhorados, e por isso requeria o mandasse apregoar e houvesse por citado e lhe assinasse os oito dias para Remir e dar Títulos ao lanssador… (Fl.75) … e, vistos os autos, eu Luís António de Sousa, o escrevi.» Em 26 de Setembro de 1810, volta a falar-se de pregão sobre o mesmo assunto e com a intervenção dos mesmos agentes. Desta vez para os declarar concluídos e passa-se à fase do «Lançamento de Remir.» (fl .79v)

«Lançamento de Remir» feito no dia 9 de Outubro de 1810. Bem como do Auto de Rematação dos bens apregoados e lançados e titulados. Aos 9.11.1810, «em prassa publica, onde eu escrivão vim com o porteiro António Inácio estando presente o Dr. Juiz…, António Leite Cabral e outros credores para esse fi m por mandado delle Ministro pegou o Porteiro em hum Ramo verde na mão e (Fl.80). Com ele se pos na Praça apregoando se havia quem quisesse lanssar nos bens pinhorados ao mesmo reo, e mais pertensas Armações novas e mais pedrarias Avalliado tudo libre de Renda em duzentos quarenta e quatro mil e cem Reis o viesse fazer pois que se rematava a quem mais desse depois de andar com este pregão na maior parte da tarde deste dia aparesseo Francisco José Lopes de Lima desta villa e com elle Daniel José Ferreira autorizado e com autoridade do dito seu Pai disse dava e lanssava pellas ditas propriedades. (fl . 80 v) a quantia de dozentos quarenta e cinco mil réis em cujo lanço o dito porteiro pegou e o entrou de apregoar em alta voz, dizendo que (aceitava) a dita quantia … e se havia quem mais desse se chegasse a elle … e andando com este lanço a maior parte desta tarde não ocurreo quem mais nem tanto

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desse… continuou a apregoar afrontando e dando as três e entregando o Ramo ao Rematante Francisco José Lopes de Lima … elle Menistro houve os ditos bens (fl . 81) por rematados pela quantia de 245.000 réis que mandou fosse a depósito no termo de vinte e quatro oras pena de prisão que no termo da lei pagasse a ciza e dízima do Castelo e satisfeito a tudo isto se extrahisse título para a posse logo eu escrivão citei ao Rematante para satisfazer a tudo com a pena

de prisão e o mesmo prometeo comprir, e o dito seo Pai além de o autorizar disse abonava o mesmo Rematante seu fi lho e aprovava a mesma Rematação por elle feita e o assinou…Luís António Correa de Souza e Sá, escrivão; O Juiz Faria; Francisco José Lopes de Lima senhorio útil réu da Lavandeira; Daniel José Ferreira, pai do arrematante; Manuel Inácio, porteiro ofi cial; (fl . 81v,)

Sentença de Carta de Remissão para Francisco José Lopes Lima, fi lho de Daniel José Ferreira Pinto da Rua desta Villa. Na folha delles referida no texto, 1810.

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Depósito «Aos 9 dias do mês de Novembro de 1810, … em puder do Depusitario Geral João Gomes Ferreira Souto depositou o Rematante Francisco José Lopes de Lima com autoridade e assistência de seu Pai Daniel José Ferreira desta Villa a quantia de dozentos quarenta e sinco mil Reis em que então cento vinte e dois mil quatro centos réis em Apolisses produto das casas compras e muinhos e mais pertessas que rematou a José Pinto Gomes da Silva Ribeiro da Labandeira desta villa na forma dos (Fl.83). Autos da execução do exequente António Leite Cabral, de Arouca… a qual quantia o mesmo depositário recebeu e se obrigou não entregar sem ordem Judecial, com a pena de responsabilidade e assinou comigo Escrivão Luís António Correa de Sousa e Sa …»

Pagamento da Siza «O doutor José Bernardo Henrique de Faria… (fl . 83v) Faço saber em como no Livro das Cizas dos Bens de Raiz que de presente serve nesta dita villa e seu Termo, fl s. 44, fi cão carregados sobre José da Silva Canedo da Rua desta Villa quartelleiro das mesmas Cizas, a quantia de quarenta e nove mil reis em que estão vinte e quatro mil e duzentos em Apollisses que na sua mão depositou Francisco José Lopes de Lima solteiro, fi lho de Daniel José Ferreira, desta villa, pela rematassão que fez na prassa desta villa, dos bens de José Pinto Gomes da Silva Ribeiro solteiro da Labandeira… a execussão que lhe fazia António Leite Cabral Senhorio dos ditos bens os quais são os seguintes:” - (Volta às casas (fl . 84) sobradadas, etc., mencionando os bens em causa arrestados e vendidos, já várias vezes repetidos) Feira 9.11.1810. “E declaro que também é executada a Mãe do mesmo Reo, eu João Crisóstomo de Lemos e Vasconcellos, escrivão a sobscrevi e assinei de meu selo. a) Faria; João Crisóstomo de Lemos e Vasconcellos, José da Silva Canedo, …» (fl . 84v)

«Redízima paga ao Castelo na forma seguinte. Recebi vinte e quatro mil réis de redízima dos bens que constão da certidão de Ciza, Feira 10. 11.1810 anos.» (fl . 85)Para poder entrar na posse dos ditos bens rematados, pagou 1.812 reis de emolumentos.

Auto de Posse (Fl.85v) No dia 17.11.1810, no sítio da Lavandeira e nas

propriedades, presentes o pai e o comprador que delas tomaram posse. «O dito Rematante à clara luz do sol e dia entrou comigo tabellião nas ditas propriedades, e abrindo e fechando portas e pegando em pao, pedra e terra e praticando os mais actos possessórios de tudo tomou posse e eu tabellião lha dou e houve por dada actual, corporal, civil e natural com toddas as solenidades de direito e sem contradição alguma de dou fé e o pratiquei quanto devo e posso em razão de meu offício sendo testemunhas presentes José Salvador Correa de Sa, de San Fins e Gregório José da Cunha, das Rivas que aqui assinaram com o Rematante e seu Pai depois de lido por mim Tabelião. Julho dezassete de 1811.» (fl . 93).

Daniel José Ferreira faz outra compra. «Escritura de compra que faz Daniel José Ferreira, (pai de Francisco José Lopes de Lima) desta villa a Joaquina Angélica Correa de Sá e sua fi lha Joana Delfi na Correa de Sá de Sam Fins. Em 22 de Novembro de 1810.» «Em nome de Deos Àmen. Saibam quantos este publico Instromento de Escriptura de compra virem que no anno de» 1810 aos 22 de Novembro, nesta vila da Feira e meu escritório apareceram de uma parte Daniel José Ferreira e da outra Joaquina Angélica Correia de Sa, viúva que fi cou de Manuel Caetano Correia de Sá e sua fi lha Joana Delfi na Correia de Sá, viúva que fi cou de José Caetano de Araújo Cabral, de Sanfi ns, todos reconhecidos de mim Tabelião, e testemunhas ao diante nomeadas. Pelo dito Daniel José Ferreira me foi presente a certidão do teor seguinte»:

«O Dr. José Bernardo Henrique de Faria Juiz de fora… Faço saber em como no livro das Cizas … fi cão carregados sobre José da Silva Canedo, da Rua desta Villa quartelleiro das mesmas Cizas, … oito mil quatro centos e oitenta réis de ciza dobrada em que entrão trê mil e seiscentos réis, … que na sua mão depositou Daniel José Ferreira, da Rua, desta Villa, pela compra que fez a Joaquina Angélica Correa de Sá, viúva de José Caetano de Araújo… da freguesia de San Fins, das suas leiras da Labandeira… em presso com todas as suas pertenças de 40.400 réis de que veio a ciza a dita quantia e de como o dito quartelleiro a recebeo e assinara aqui comigo… no livro dozentos e quarenta e seis… Feira 22 de Novembro de 1810 anos. a) João Crisóstomo de Lemos e Vascocellos; e José da Silva Canedo. » (fl . 95).

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A venda assinada no Tabelião acima subscrito, foi feita em razão de remir dívidas deixadas por seu marido e Pai Manuel Caetano Correia de Sá e para essa remissão carecerem de dinheiro a venderam a Daniel José Ferreira, “herdeiros de hoje para sempre das leiras declaradas e confrontadas na dita certidão de Siza retro. E o comprador lançou na mesa de mim tabelião a dita quantia em metal corrente neste Reino… e o comprador delas tomou posse”. As ditas leiras de que eram simples inquilinos lindavam a partir do Nascente e Norte com a propriedade que foi de José Pinto Gomes da Silva Ribeiro e hoje é do comprador e que eles vendedores houveram por compra feita a Francisco Pereira, da Velha e se obrigavão a fazer esta venda boa, válida e irrevogável, para sempre… e logo a vendedora fi lha dita Joana Delfi na Correia de Sá faz contas com a vendedora mãe a respeito da quantia de 50.000 réis que (fl . 97) a dita sua mãe lhe devia, por escritura de 21.09.1804, lavrada nas notas do tabelião Corte Real desta Villa. Tinha recebido da dita sua Mãe, 25.000 réis, … e forão testemunhas presentes José Salvador Correia de Sá e José Joaquim de Almeida Faria … que assinão com o comprador e vendendoras… e eu Luís António Correia de Sousa e Sá o escrevi. A)a) Joaquina Angélica Correia de Sá, Joana Delfi na Correia de Sá, Daniel José Ferreira, José Salvador Correia de Sá, Manuel Joaquim de Almeida Faria. E não se continha mais em a dita escritura de compra que eu, o dito Tabelião, … aqui fez trasladar da própria a que me reporto…»

Pagou 120 réis de selos em 16 de Julho de 1826. L. 41, nº 2.376, das Cizas. (fl . 103).

Em 22 de Julho de 1811, Daniel José Ferreira desta Vila da Feira, faz compra a Manuel de Matos Sequeiro, mulher, fi lha e genro da Lavandeira desta vila e Fornos. «Perante mim tabelião compareceram de uma parte Daniel José Ferreira desta vila e da outra Manuel de Matos Sequeiro e sua mulher Joana Pereira da Lavandeira desta Vila e sua fi lha Maria Angelina e marido José António do lugar dos Moinhos da freguesia de Fornos..., e pelo dito Daniel José Pereira me foi apresentada a certidão de sisa do teor seguinte: «O Dr. José Bernardo Henriques de Faria, Juiz de fora do geral e cizas… no Livro de Cizas que de presente serve nesta vila e seu termo, a fl s. 136 v, a cargo do respectivo quarteleiro da Rua fi cam carregados 5.200 réis de ciza dobrada em que entram 2.400 réis em apólices que na sua mão depositou

Daniel Ferreira da Rua desta Vila… pela compra que fez a Manuel de Matos, o Sequeiro, com licença de seu genro de um pedaço de terra lavradia na Lavandeira com suas árvores de vinho, que parte do nascente com rio e do Poente com o comprador, do Norte com os vendedores, do Sul com a ponte que vai para Sanfi ns, pelo preço, com suas pertenças, de vinte e seis mil réis…. Livro 246… Feira, 8 de Abril de 1811. E eu Manuel Evaristo de Lemos e Vasconcellos que o escrevi e assinei, João Bernardo Correia Geoil». Nº. 341. Feira 28.04.1811.». Manuel Ferreira da Silva, da Lavandeira, recebe a quinta da mão de António Leite Cabral em 04.01.1814, tendo depositado na Fazenda Real a Siza.

Diz o documento: “… José salvador Correia de Sá e Manuel Joaquimde Almeida Faria meus escreventes que assinarão com o comprador e vendedor depois de lido este Instromento por mim Tabalião que de tudo dou fé, Luís António Correa de Sousa e Sá, o escrevi e assinei. Luís António Correa de Sousa e Sá, Joaquina Angélica Correa de Sá, Joana delfi na Correa de Sá, Daniel José Ferreira, José Salvador Correa de Sá, Manuel Joaquim de Almeida Faria. E não se continha mais em a dita escritura de compra que eu, o dito Tabalião, aqui bem e na verdade fi z tresladar da própria a que me reporto, em fé do que esta subscrevi e assinei hoje, dia mês e ano retro, E eu, Luís António Correa de Sousa e Sá o sobscrevi e assignei.” Segue assinatura e lugar do selo. Em 18.11.1844 «Sentença de Apelação cível passada a favor do apelado Domingos José Godinho como Cessionário de José da Costa Correia de Almeida, da Vila da Feira. Contra os apelantes Manoel Pedro da Costa Reis e molher da mesma.

Dicerão Manuel Pereira de Matos e mulher Joanna Ferreira, a mim tabelião…que por precisarem de dinheiro para remirem suas vexações … vendião ao dito Daniel José Ferreira e herdeiros… o dito terreno declarado … com suas pertenças, entrada e saídas novas e antigas, águas e anexos, … em metal de vinte e seis mil réis…e assim o disserão a fi lha Maria Angélica e marido José António….para sempre por suas pessoas e bens… e pelos terços de suas almas…102

102 “Terços de suas almas” – Eram percentagens sobre bens afectas a sufrágios pelos possuidores.

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Testemunhas presentes: Manoel António Correa de Sousa, meo ajudante e José Salvador Correa de Sá, meo escrevente e Francisco José Correa do Amaral, desta Vila da Feira. O comprador Daniel José Ferreira, os vendedores Manoel Pereira de Matos, uma cruz e José António uma cruz…» Esta é certidão do Livro de Notas feita em 12 de Abril de 1845 pelo Tabelião da Feira, Manoel da Veiga Campos.» (fl . 109) Dona Maria Segunda, a todos… faço saber… em como no tribunal da Minha Relação da Antiga, Muito nobre, Heróica, … Leal, e … Cidade do Porto, se processaram, correram, penderam e seguiram seus termos até que ultimamente foram sentenciados uns autos de apelação cível que por meio desta subirão no referido Tribunal ante o Juiz de Distrito da Comarca da Feira entre partes Domingos José Godinho,

como cessionário de José da Costa Correia de Almeida, da freguesia da Vila da Feira, e estes como apelados; apelantes, Manoel Pedro da Costa Reis e molher, da freguesia de Sam Fins, da dita Comarca, em cujos autos e seu princípio se via e mostrava o termo de autoação dos autos no Tribunal de segunda instância da Relação, do teor seguinte: Autoação – Ano de Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e quarenta e quatro, aos dezoito de Novembro… nesta cidade do Porto em meu escritório, autoei os presentes autos, de apelação cível, de Manoel Pedro da Costa Reis e molher, com José da Costa Correia de Almeida, para seguir os devidos termos, de que fi z esta autoação, eu João José Correia da Costa, subscrevei e assinei.»Segundo que assim se continha e declarava em o dito termo e

Fac-símile da sentença que legitima a mudança de propriedade por execução de dívidas, fl . 97.

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autoação depois do qual se via e mostrava a petição do termo e forma seguintes: -

- «Diz José da Costa Correia de Almeida, desta Vila, que António Tomaz Correia de Sá e sua mulher da freguesia de Sam Fins constituindo-se-lhe devedores da quantia de duzentos e dezanove mil e duzentos e sessenta réis, por escritura de 24.07.1842, com o vencimento de juros, estipularam e contrataram na mesma com o suplicante que no caso de não pagarem a sobredita quantia, … dentro do prazo de dois anos, poderia o Suplicante pagar ciza da propriedade das casas, Eira, e terra lavradia com suas pertenças chamadas o Sequeiro no sítio da Lavandeira desta Vila da Feira, que consignavam para o devido pagamento desta dívida, e entrar na posse da dita propriedade, desactivada até os Suplicados na referida Escritura de qualquer oposição que lhes competisse, e porque o indicado prazo tem (passado?) sem que os Suplicados (comparecessem?) e o Suplicante tem pago a competente Siza, como tudo consta da certidão junta, pretende por isso se lhe vá conferir posse da dita propriedade por qualquer tabelião deste Juízo, a quem esta for apresentada na forma do estilo, e lavrar-se o auto competente, pede a Vossa senhoria se digne mandar se lhe confi ra a posse requerida na dita forma. Como Advogado José Apolinário da Costa Neves»Em cuja petição pelo respectivo Juiz de Direito foi proferido o despacho do teor seguinte: «Dê-se-lhe concitação dos Suplicados. Feira 27.07.1844.» Segundo o que se continha na escritura de obrigação que fazem António Tomás Correia de Sá e mulher de Sam Fins a José da Costa Correia de Almeida, desta Vila da Feira, em 24.7.1842. Segue o acto tabeliónico: «No meu escritório apareceram de uma parte José da Costa Correia de Almeida e da outra António Tomas Correia de Sá e sua mulher dona Antónia Rita Garcez do lugar dos Moinhos da freguesia de Sam Fins, … da parte deste me foi dito que para remirem o emporte de uma execução que lhes movia Jerónimo de Castro,103 … do concelho de Cinfães, comarca de Lamego, havia pedido o seu emporte ao dito José da Costa Correia de Almeida que este lhes emprestaram e com ele já pagaram, o saldo da mesma execução, e fazendo umas contas de outra parcelas, que já lhe devião, prefazem com aquela quantia, o total de duzentos e dezanove mil e

duzentos e sessenta réis (219.260 réis) metal, e por isso por este instrumento, e na forma de via melhor, de Direito se constituíram originários devedores o dito José da Costa Correia de Almeida, da referida quantia de 219.260 réis, a vencer o juro de cinco por cento, na forma da Lei, até à sua real entrega, que se obrigavão pagar-lhe dentro do prazo de dois anos, a contar de hoje com os respectivos juros, e que a sua segurança e pagamento, se obrigavão e hipotecavão em geral todos os seus bens sem reserva alguma e terços d’alma, e em especial a sua propriedade de casas, eira, casa e terras de Lavradio, cómodos com todas as suas pertenças e servidoens chamada o Sequeiro, nos limites da Lavandeira dentro desta Vila da Feira, … que prometiam não vender, alienar nem empenhar, sem que se ache … a dita quantia e juros… (fl . 115). Testemunhas:

José Tomás Correia de Sá, de Sanfi ns, e Manoel Francisco de Oliveira desta Vila. E eu Domingos José Godinho tabelião que o escrevi e assigno, António Tomás Correia de Sá, Anna Rita Garcez Correia de Sá.(Pg. 116)Do acto foi tomada nota no livro de registo das hipotecas, em 08.07.1842. fl s. 4v., pelas cinco horas da tarde.»104 Pagou o Sr. José da Costa de Almeida 30.400 réis, proveniente da compra que fez a António Tomás Correia de Sá, de Sam Fins e sua mulher da sua propriedade chamada o Sequeiro, 27.07.1844. Administrador do Concelho, Correia Leite. ( Pg. 117 ao fundo) o Auto de Posse aos 30.7.1844. Note-se, por interesse histórico e curiosidade cultural, o ritual solene da tomada de posse por qualquer titular de propriedade ordenada ou não em tribunal, em 1905, ainda era praticada. Estamos a recordar-nos da tomada de posse da igreja paroquial de São Pedro do rego da Murta, concelho de Alvaiázere, diocese de Coimbra. «Na propriedade de António Tomás Correia de Sá e molher de Sam Fins aonde eu tabelião vim, e em minha companhia o requerente José da Costa Correia de Almeida, desta mesma vila da Feira, por virtude de despacho proferido em seu requerimento atrás referido, lhe conferir posse desta propriedade,... entrou primeiramente nas casas de morada, casa da eira, e corrais e de todas abrio as portas e tornou as a fechar, pôs as mãos pelas paredes, sahio para fora e passou pela eira e pomares, cortou rama das árvores,

103 Parece ser o referido a pg. 265, em «Porta». Jerónimo de Almeida Castro Mendonça Castelo Branco, casado com D. Ema Júlia Ferreira Pinto Basto.

104 Livro 4 fl s. 300 no dia 15 de Dezembro de 1843.

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fruteiras, e das vides, e na propriedade do lavradio pegado, terra de seco e ribeira com seu lameiro, passeou de huma para outra parte, cavando terra com huma enchada que nas mãos trazia, praticou todos os actos possessórios dizendo que de toda esta propriedade, agoa de rega e mais pertenças tomava posse por escritura que lhe fora feita por António Tomás Correia de Sá e molher em 24.07.1842, nas notas do Tabelião Domingos José Godinho … posse dada na presença de António José da Silva e Sá proprietário e de João Ferreira de Castro, louvados desta Vila…» a) tabelião Manuel da Veiga Campos…Sam Fins 30.07.1844.» «pg. 174 »

Não concordaram os devedores e vieram com embargos ao requerimento de José da Costa Correia de Almeida. Dizem Manuel Pedro da Costa Reis e mulher, da freguesia de Sam Fins, 1- deu-se posse ao embargado José da Costa Correia de Almeida de uma propriedade de casas e terras lavradias chamada o Sequeiro, por força de uma escritura de compra; 2 - e como nela se não inseriu a competente certidão de Siza, está ela nula… pois, além disso 3 – para se conferir esta posse não foram ouvidos nem convencidos os autores, como os autos demonstrão, nem se cumpriu o Despacho que a (posse?) mandou conferir. 4. as propriedades, em questão são de natureza de prazo, e forão pelos pais e sogros dos doados antes, como se vê da Escritura, que se junta para apreço. 5. Os mesmos Embargantes ignoravam que as mesmas propriedades estivessem oneradas com o pagamento da dívida constante da Escriptura, porque se assim não fosse trataria de remir assim como tem feito em outras mais dívidas, entre as quais huma que tinha hypotheca especial nesses bens anterior ao contrato dos embargos. 6… o embargado não ignorava que os bens estivessem doados aos embargantes porque isso foi publico e notório, e então se não fora a avidez que o mesmo embargado tem em fi car com as referidas propriedades em preço tão deminuto faria intimar os embargantes logo que fi ndou o tempo para ver se queriam remir. 7...ninguém deve de meter-se em posse no que está em poder de outrem, sem que seja ouvido e convencido, ou por seu consentimento e se de facto mostrar desinteresse, renuncie à posse. – São bens doados ainda para sustentar os encargos do matrimónio, estão prontos a satisfazer as

despesas das escripturas… (Fl. 124.) Os embargos tiveram o seguinte despacho:// «Recebidos, contestem-se» – Feira, 16.08.1844…”

Contestação aos embargos Os embargados José da Costa Correia de Almeida e outros da freguesia da Feira provam que: 1. combinadas as duas escrituras de obrigação a folhas 4, se vê que a primeira foi feita a 24.07.1842, e a de dote, apensa pelos embargantes, no dia 28 do mesmo mês e ano, tendo sido registada no livro das hipotecas. A escritura de dote foi feita em 25.03.1843.

2. Prova-se que os embargantes não podem ter mais nem melhor direito do que tinham os dotadores, ao tornar-se proprietários das terras do chamado Sequeiro. (fl . 126).

3. Os doadores, António Tomás Correia de Sá e mulher, de facto não pagaram aos embargados o próprio nem os juros da escritura, até 24.07.1844, quando acabaram os dois anos do contrato. Portanto teve o embargado de pagar a sisa desta propriedade do Sequeiro, no valor de 304.000 réis, pelo qual tinha sido avaliada na Execução civil, que contra os devedores moveram Jerónimo de Castro, de Lamego e Romão José da Silva Falcão105 , da Quinta de Paçô, da vizinha freguesia de São João de Ver.

4. O embargado pagou ao procurador do direito senhorio das propriedades outros trinta mil e quatrocentos réis de laudémio de dez um, e trinta e seis mil cento e vinte réis de foros atrasados devidos até S. Miguel de 1843, como se mostra do recibo junto.

5. O embargado pagou ao exequente Romão José da Silva Falcão o que o devedor executado António Tomás

105 Este Romão José da Silva Falcão, da Quinta de Paçô, São João de Ver, casado com D. Maria Ana Margarida Gomes, habitou, por 1826, com suas fi lhas solteiras, D. Maria Miquelina Varela Falcão e D. Cândida Clementina Varela Falcão a Quinta da Paredinha de que eram senhores foreiros. Acontece que também tinham interesses na Quinta do Mourão, na mesma freguesia de Rio Meão. D. Miquelina falece em 22.2.1858 e D. Cândida em 05.08.1872. Em 1898 vivia ali um senhora D. Romana Varela Falcão. A Paredinha passou, por testamento destas senhoras, para um sobrinho licenciado residente em Lisboa que depois a vendeu. Para mais pormenores, pode consultar o II vol., pg. 474 e 475, da nossa monografi a, “Rio Meão – a Terra e o Povo”, edição da Junta de Freguesia, 2001. Era ali público que pertencera a Quinta à Viscondessa irmã do conde de Fijô, Varela Falcão.

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lhe estava restando, que era 34.745 mil réis, portanto já o embargado paga mais que o preço da propriedade. (Fl.130) Sentença: “Julgo afi nal improcedentes e improvados porquanto tentando por eles os embargantes excluir o embargado da posse que tomara da propriedade do Sequeiro, e sustentar-se no que dizem tinham sentensiosamente por lhes haverem sido doados esses bens, pelos Pais e Sogros e na escritura apensa é bem certo que achando-se os bens em questão anteriormente a esse dote onerado com dívida e hipotheca ao embargado, como se vê da documentação junta, e obrigando-se os Pais e sogros a não vender, alienar, hipotecar, as ditas propriedades, sem que tivesse solvida a dívida, pelo que tal dote não podia verifi car-se, torna inválida tal doação na presente circunstância, pelo que a alegada ignorância não tem lugar nem provimento aqui. Feira 31.08.1844.” (fl . 132)

Petição Manuel Pedro da Costa Reis e mulher de Sam Fins, dizem que tem a posse com José da Costa Correia de Almeida, tendo-se proferido a sentença contra os suplicantes, querem dela apelar para o tribunal de segunda instância, como segue, … (Fl.135)

Apelação Aos 12.10.1844, perante mim advogado Agostinho Joaquim Vieira Coelho, no meu escritório nesta Vila da Feira, procurador bastante dos embargantes, apareceu Manuel Pedro da Costa Reis e sua mulher Ana Mafalda de Nossa Senhora da Ajuda, do lugar dos Moinhos, de Sam Fins, e disse que em nome de seus constituintes apelava para o tribunal de segunda instância da Relação do Porto, (fl . 136) da sentença contra eles proferida nos autos de embargos à posse em que litigam com José da Costa Correia de Almeida, desta Vila na forma da sua petição retro… e vai assinar com as testemunhas presentes Francisco Maria Correia de Sá, solteiro, proprietário, da freguesia de Sam Fins, e Manuel Francisco de Oliveira, casado, proprietário, desta vila, … seguem as assinaturas do advogado e das testemunhas.”

Despacho – “Recebo a apelação no efeito devolutivo, somente para sua apresentação, para o traslado, … 15.10.1844.” (Fl.137)

Remessa Aos 15.11.1844, “no meu escritório”, diz o advogado, “faço remessa destes autos para o tribunal da 2ª Instância – para o Meritíssimo Guarda-Mor, escritos em 48 meias folhas, foram distribuídos os autos nos termos da lei…” (fl . 138)

Cessação Escritura de cedência que fez José da Costa Correia de Almeida e mulher a Domingos José Godinho. Em 21.12.1844, “no meu escritório, apareceu de uma parte José da Costa Correia de Almeida e mulher Maria dos Santos da Graça, e da outra Domingos José Godinho, da Misericórdia, todos desta Vila. Pelos primeiros foi dito que entre ele Manuel Pedro da Costa Reis e mulher Dona Mafalda corria um pleito em que estes embargaram a posse que os primeiros outorgantes pretenderam tomar a propriedade de casas e campos chamada o Sequeiro, esta na Lavandeira, que foi de António Tomás Correia de Sá e mulher, pais e sogros, dos ditos Manuel Pedro da Costa Reis e mulher. O pleito acha-se por apelação no Tribunal da Relação. Para que o segundo outorgante Domingos José Godinho possa prosseguir na ultimação do mesmo pleito… (fl . 140). Para continuarem na posse como primeiros outorgantes. “

António Joaquim Pedrosa de Moura, tabelião de notas, subscreveu a escritura referida: Em virtude da petição dos próprios Manuel Pedro da Costa Reis e mulher, e seus pais, sogros António Tomás Correia de Sá, mulher Dona Ana Rita Garcez, na apelação cível vinda da Vila da Feira com José da Costa Correia de Almeida, em que os primeiros suplicantes são apelantes, acharam-se os autos preparados (fl . 142) com a competente assinatura, e conclusos a Vossa Excelência. Porém os suplicantes, por mais bem aconselhados, querem desistir da dita apelação, para lhes aproveitar o benefício da lei, a respeito da Multa, e como os segundos suplicantes também. Como tinham o uso nos bens da questão, também querem assinar o termo de ratifi cação da mesma desistência, e por isso pedem a V. Ex.cia se digne mandar-lhe tomar o dito termo de desistência e ratifi cação. E receberá mercê. O solicitador, António Ferreira Augusto. Assim se continha na petição apresentada ao respectivo Meu Conselheiro Juiz Relator, e nela deu o despacho… «Porto 24.12.1844… Monteverde …” (. fl . 143). Termo de desistência da Apelação que assinaram os suplicantes na forma a baixo:

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«Aos 16.01.1845, nesta cidade do Porto e meu escritório, apareceu António Ferreira Augusto, procurador agente dos suplicantes primeiros e bem assim dos segundos, dizendo que os seus constituintes suplicantes primeiros desistiam da apelação por eles interposta para este tribunal, e também da parte dos segundos suplicantes ratifi cava o presente termo, tudo na forma da petição retro. (fl . 144) Com os poderes que lhe foram dados nas procurações ao diante, sendo testemunhas Henrique Pereira Bastos e José e Almeida Paes e Silva, amanuenses, residentes nesta cidade do Porto, o primeiro na rua do Coronel Pacheco, e o segundo na Rua do Captivo. E eu, João José Correia da Costa, o subscrevi. (fl . 145)

Acórdão: - Porto 20.01.1845. – Apelado Domingos José Godinho presor e cessionário dos primeiros apelados José da Costa Correia de Almeida e mulher, da freguesia da Vila da Feira, foi pedido que para seu título e efeitos legais, se lhe passe carta de sentença e apelação cível, e se lhe mandou passar pelo Juiz, Luís Vital Monteverde, desta Antiga, Mui Nobre, Heróica, Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto.” Manda subsistir a mesma posse do Sequeiro, se cumpra e guarde como nela se contém, visto terem desistido da apelação como retro se mostra, subscreve o escrivão João José Correia da Costa. Porto 22.01.1845.

Em 16.11.1885, é posto à venda o foro de 34,96 litros de pão meado, milho-alvo e centeio, com o laudémio de 5/1 e vencimento em 20 de Setembro de cada ano. Faz parte da propriedade do prazo do «Casal da Lavandeira», sito na Rua da Lavandeira, números 398 e 399, da Vila da Feira. A lista ofi cial elaborada pelos Próprios Nacionais e entregues aos Governos Civis para a venda menciona “Casal da Lavandeira,” mas, no fundo, trata-se da própria Quinta Morgadio, que, para surpresa nossa, vai à praça como propriedade da Santa Casa da Misericórdia do Porto.106

Isto por qualquer razão eventual cuja documentação não nos chegou. Ora, tal situação diz-nos que a Lavandeira entrou na posse da Santa Casa da Misericórdia, e assim se encontrava quando defi nitivamente vingou a Revolução Liberal que a nacionalizou e agora, 16.11.1885 é posta à venda e na realidade vendida nas condições acima ditas. É enfi teuta deste prazo Amaro Mendes Ferreira. Prazo avaliado em 48.960, reduzido a 50/º, 24.480, vendido pela importância de 24.500 réis.

A LAVANDEIRA E OS NOVOS PROPRIETÁRIIOS

Em 07 de Janeiro de 1981, foi inscrita da Conservatória do Registo Predial em nome de D. Maria de Jesus Oliveira Martins Portela o prédio que entrara na sua posse por inventário consequente à morte do marido, Celestino Augusto Portela, falecido 09.10.1949. 107 A parte do prédio que lhe coube em herança apresentava o valor matricial de 1.234.538$00.108

Esta Lavandeira fora adquirida por escritura pública em 28.05. 1921, no Cartório notarial do Porto a cargo do notário, António Mourão, a Joaquim Soares Pereira das Neves e mulher D. Maria Marques das Neves, proprietários, moradores na Rua do Passeio Alegre, da Praia de Espinho. Celestino Augusto fora empreiteiro da linha do Val do Vouga (Espinho a Viseu). Era nessa altura ainda solteiro, maior, proprietário, morava no Cavaco, Feira, utilizou um procurador e deu 41.200$00, pagando-lhe o adquirente a Sisa de 186$62 em 17 de Junho do mesmo ano de 1921, ano em que acabava de perfazer 787 anos de história escrita.

Na Lavandeira andavam terras sitas em Sanfi ns. Ainda em 07 de Setembro de 1951, em nome de Celestino Augusto Portela, é paga ao Grémio da Lavoura da Feira e São João da Madeira 9$00, relativa à prestação de Agosto, referente às taxas de laboração dos moinhos da Quinta, devidos à Comissão Reguladora das Moagens de

106 ANTT – Próprios Nacionais, Livro nº 660, lista 9.673. reforma da lista 9.531. Na mesma foi posto à venda 1 foro de 17,48 litros de trigo e outro tanto de centeio e igual de milho, e 2 galinhas, laudémio de 40, do prazo de «Os Velhos» que são 6 propriedades, sito no largo da Igreja de Fornos, enfi teuta cabeça Gaspar de Sousa Veloso de Azevedo. Da base de licitação em 117.863 réis, foi à praça por metade, vendido por 59.000. Carta de venda nº 32.470, na citada Torre do Tombo, dos Próprios Nacionais. 107 Cartório do Registo Predial da Feira, inscrição de propriedade, fl . 19, 7.1.1981, nº 42.446.108 Não havendo citação específi ca de outra fonte depreender-se-á que esta é o espólio documental da casa cujas notas monográfi cas deixamos como retalho mais da história da cidade da Feira. Os documentos ali apresentam-se ao consultor compendiados num volume medianamente grosso, encadernado em capa dura forrada a couro fi no, dimensionado a folha A4, sequenciados não por ordem cronológica mas segundo sua funcionalidade para os antigos senhorios. Obrigou-nos, por isso, a seleccioná-los, para observar este critério. Ali, 1804 é a data mais antiga, 1981 a mais moderna. O dito livro tem 223 pg.s escritas. Algumas que se lhe seguem, em branco. Junto, uma folha avulsa com notas das Descrições Prediais e os respectivos livros do original, bem assim o respectivo Cartório Notarial.

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Ramas. Morara na Lavandeira até à sua morte, entregue às actividades agrícolas e industriais nesta sua propriedade de cujo passado estamos desvendando a história, contributo, na sua justa dimensão, para a história deste burgo de Santa Maria da Feira. Segundo descrição recente, a Quinta da Lavandeira,em 07 de Janeiro de 1981, era ainda constituída por: Casas de sobrado, casas térreas, currais, pátio com porta fronha, casas dos caseiros, eira, terras de horta com seus cômoros, pomares, arvoredos, terras de lavradio junto ao rio, e de mato, deveza da levada para cima, ramadas, poço, hortas, águas de rega e de merugem, casas térreas com seus moinhos de seis rodas de moer milho, centeio, trigo, alimentados por levada de água. Havia ainda mina de água donde se regavam terras de pão. Finda a rega, deixava-se correr para o rio o sobrante das águas. Assim se descreve e relata no documento da sua

transmissão aos novos senhorios na linha sucessória por via de falecimento, como acima se referiu. Do mesmo documento se vê que ainda nesse tempo a utilização das águas estava a ser regulamentada, segundo as normas de há cerca de 900 anos. Servia-se do giro de água da Velha de duas horas de 15 em 15 dias, às quintas feiras, sendo cortada na 2ª quinta feira depois de girada, ao bebedouro, ao meio dia até às 14 horas, daí por 15 dias é cortada ao Salgueiro às dez horas até ao meio dia. Outro giro da água da Velha que fazem os regantes de 4 em 4 semanas aos domingos, cortada ao bebedouro às 15 horas até ao sol-posto no Salgueiro. Serve-se da água do açude, todos os dias da semana, excepto aos domingos. Todas as mais pertenças, testadas e servidões, bem como um carreiro que faz parte da mesma quinta e que fi ca no beco do lado do norte, tudo constitui a referida Quinta

Celestino Augusto Portela e D. Maria de Jesus de Oliveira Martins.

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da Lavandeira que em tempo foi de prazo109 e hoje é de natureza alodial.110

Confi na do Nascente e Sul com o caminho que vem para esta Vila, ponte da Lavandeira e com o rio Cáster; do Norte com António Pinheiro, Joaquim Mataia? E outros; do Poente com o caminho que vem do Casal. Este prédio é constituído pelo que anda descrito sob o nº 3.138, a fl . 117 do Livro B – 12 e pela gleba 1ª do prédio nº 3.310, a fl . 6 do Livro B-13. Valor matricial de 4.000$00.

VENDA E DESCRIÇÃO DA LAVANDEIRA, 1921«Casas de sobrado, térreas, currais, pátio, com porta fronha (portão de acesso dos bois ao pátio), casa de caseiros, eira, terras de horta, pomares, áreas lavradias, matos com seus cômoros, ramadas, água de rega e merugem, casas térreas com seis rodas de moinho de moer milho, centeio e trigo, com sua levada de água e uma mina, um giro de água da Velha de duas horas de quinze em quinze dias, às quintas feiras, sendo cortada na segunda quinta feira depois de girada ao bebedouro, ao meio dia até às catorze horas e daí por quinze dias é cortada ao salgueiro às dez horas até ao meio dia, outro giro da mesma água da Velha de quatro em quatro semanas, aos domingos, cortada ao bebedouro às quinze horas até ao sol-posto no salgueiro; a água do açude é todos os dias da semana menos aos domingos; todas as mais pertenças, testadas e servidões, bem como uma lameira que faz parte da mesma quinta que fi ca no beco do lado do norte, o que tudo constitui a referida Quinta da Lavandeira que em tempo foi de prazo (desde 1652) e que hoje, (1921), é de natureza alodial. É situada no lugar da Lavandeira desta Vila da Feira, e confi na do Nascente e Sul com o caminho que vem para esta vila, ponte da Lavandeira e com o rio, do Norte com António Pinheiro, Joaquim Matara(?) e outros e do Poente com o caminho que vem do Casal. Valor matricial de 40.000$00», 111 atribuído pela avaliação. 1. Em 24 de Maio de 1921, a «Lavandeira» estava na

posse, de certo por compra, de Joaquim Soares Pexorra das Neves e esposa, residentes na Rua do Passeio Alegre, em Espinho, os quais a vendem, com seus diferentes prédios situados na Feira e Sanfi ns, a Celestino Augusto Portela, pai do actual detentor, Sr. Dr. Celestino de Oliveira Martins Portela. A liquidação consta do conhecimento de 1925, que atesta ter pago 186$62 de emolumentos na Tesouraria da Feira, em 17.06.1921, diz o recibo. Em 07.09.1951, ao Grémio da Lavoura da Feira e S. João da Madeira, paga 9$00 referentes à sua quota do mês de Agosto. Do referido ano. Em 1921 é vendida por 40.000$00, embora depois apareça por 41.200$00, adquirida por compra a Joaquim Soares Pereira das Neves e mulher D. Maria Marques das Neves, proprietários residentes na Rua do Passeio Alegre da praia e freguesia de Espinho, por escritura lavrada em 28 de Maio de 1921, no notário Dr. António Mourão com escritório na cidade do Porto, a favor de Celestino Augusto Portela, do Cavaco da Feira. Nascido a 14.05.1894, falecido a 09.10.1949. Veio a casar com D. Maria de Jesus de Oliveira Martins, nascida a 09.04.1899 e falecida a 25.12.1975. Foto (pg.96). Em 1981, novas situações resultantes de heranças levam a novas referências e segundo estas confrontava, pelo nascente, com a estrada municipal e o rio Cáster, poente com António dos Santos e outros; pelo norte, com o caminho público e pelo sul com a estrada municipal. Foi-lhe atribuído o valor colectável de 15.568$00. Inscrita na Matriz sob os arts. urbanos: 100, 104, 706, e rústico 1.304. Aos 8 de Janeiro de 1982, o Dr. Celestino Portela e esposa D. Maria da Graça e D. Maria Edite Portela e marido Anídio Azevedo doaram à Câmara Municipal, representada pelo Vereador em regime de permanência Alfredo de Oliveira Henriques, por escritura lavrada no Cartório Privativo uma parcela de terreno com 5920 m2 destinada exclusivamente à construção do Parque Desportivo da Lavandeira, que inclui

109 Prédio sujeito ao regime enfi têutico, aforamento. Assim dito por estar sujeito a tempos, prazos de rendas. pagamentos, fi ndos os quais prazos o foreiro podia ser despejado pelo senhorio constituído prazo em 1652.110 Propriedade de posse completa, porque isenta de encargos senhoriais, de impostos, vínculos, foros, serviços ou reconhecimento a um senhor feudal. Essas pendências fi caram extintas pelo decreto de 13.8.1832, mais tarde confi rmadas pela Carta de Lei de 22.6.1846, Art. 1º, e 3º, expressamente nomeando «todos os direitos banais, todos os serviços pessoais, todas as quotas, censos, foros, jugadas, eiradegas, teigas de Abraão, direito de pastagens, laudémios, lutuosas … impostos pelos Reis destes Reinos ou pelos Donatários da Coroa, … Carta de Foral, de Couto, de Honra ou por qualquer outro título genérico…»Teiga de Abraão, medida, de que já D. Afonso Henriques nomeia no foral que deu aos povos de Rabaçal, Ancião e Penela. Assim chamada por ter sido um tal Abraão o primeiro a usá-la. Era medida de 4 alqueires mas em 1790, 5, rasados, que se pagavam na Universidade de Coimbra. Viterbo, Elucidário, II, pg. 580.111 Do Livro das Descrições Prediais, Santa Maria da Feira, Descrição nº 48.219.Livro Geral 27, folha 155, G. 31, folha 50. –G. 7, fl s. 64 e 64 v, nº 42.441 e G. 83, fl s. 168v, nº 53.231.111 «Resenha Histórica», pg. 111, 112 e 113, Ediç. de 1935, Padre Augusto de Oliveira Pinto.

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as seguintes condições:Segunda - A designação de todo o complexo Desportivo será sempre “Parque Desportivo da Lavandeira”.Terceira - No interior do Pavilhão e em lugar digno será colocada uma placa com os dizeres: “O terreno para este parque Desportivo foi cedido gratuitamente pelos fi lhos de Dona Maria de Jesus Portela.” Em 07.01.1981, a favor de D. Maria de Jesus Oliveira Martins Portela, fi lha de António Simões de Oliveira Martins e de D. Maria de Jesus da Cunha Pessanha, viúva de Celestino Augusto Portela, fi lho de António Augusto Portela e de D. Maria Augusta de Lima, a Lavandeira, prédio nº 48.219, é inscrita sob o número 42.446, a fl s. 121 v.º, do L. B-124, por aquisição, herança, em virtude da dissolução, por morte, da comunhão conjugal. Foi-lhe dado o valor matricial de 1.234.538$00. Em 18 de Dezembro de 1980, foram passadas 2 certidões relacionados com este processo de inscrição. Em 07.01.1981, no mesmo dia foi feita a inscrição nº. 42.447, a favor do Sr. Dr. Celestino de Oliveira Martins Portela ou simplesmente Celestino Portela, casado em comunhão geral com a Sr.ª Dr.ª D. Maria da Graça Leal Soares Leite, residentes nesta Vila da Feira, e a favor da sua irmã Sr.ª D. Maria Edite de Oliveira Martins Portela, casada em comunhão de adquiridos com o Sr. Anídio Casals de Azevedo, residentes no lugar do Cavaco desta freguesia da Vila da Feira. Filhos do Casal, Celestino Augusto Portela e D. Maria de Jesus Oliveira Martins: De pé, nossa esquerda para a direita: D. Maria Elisa de Oliveira Martins Portela, que nasceu em 21.09.1925. (pg.99). D. Maria Luísa de Oliveira Martins Portela, nascida em 28.11.11926, falecida 31.03.1985 A Mãe - D. Maria de Jesus de Oliveira Martins, nascida a 09.04.1899 e falecida a 25.12.1975. D. Maria Celeste de Oliveira Martins Portela – nascida em Viseu a 14.07.1924. D. Maria Helena de Oliveira Martins Portela – nascida a 21.10.1929. Segunda fi la, a contar da nossa esquer-da para a direita D. Maria Teresa de Oliveira Martins Portela - nascida a 23.04.1932, falecida a 15.07.2981. D. Maria Edite de Oliveira Martins Portela – nascida a 18.07.1936.Celestino de Oliveira Martins Portela – nascido a 23.10.1934.

D. Maria de Lurdes de Oliveira Martins Portela – nascida a 09.09.1939.ia Ficou o prédio inscrito como adquirido.

Sr.Dr. Celestino Portela e Esposa Drª Maria da Graça Soares Leite.

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Hoje, 28.04.2010, a Quinta da Lavandeira é propriedade do Sr. Dr. Celestino de Oliveira Martins Portela e do fi lho, também advogado, Dr. Paulo Emanuel Soares Portela, Licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto, nascido a 05.05.1971, que, à tia Edite e marido, comprou a metade do que aos vendedores coubera em herança. Sendo assim, por sucessão e compra, em comum e em partes iguais, pertença de pai e fi lho. Na sequência da morte da mãe, quanto ao primeiro, e por compra, quanto ao segundo. Valor 311.360$00. Houve escritura em 11.12.1978.Pai e fi lho, (foto) são hoje comproprietários da Quinta da Lavandeira, presentemente alugada à PSP, Polícia de Segurança Pública, que tem aqui os seus serviços policiais. 112

A mãe e as irmãs do Sr. Dr. Celestino Portela.

Dr. Paulo Emanuel Soares Portela. (Texto).

112 Tanto quanto foi possível depreender de conversas, pela ordem natural das coisas e da vida que o tempo comanda, o Dr. Paulo será o detentor único da Lavandeira.

Esmoriz, 28 de Abril de 2010

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Portão Principal do Morgadio da Lavandeira, 1652, muda testemunha de gerações e de história.

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Festa, em honra de S. Sebastião, em Santa Maria da Feira, 20-01-2010

(Ben-Sirá 51, 1 - 12; 1 Ped 4, 12 - 19; Lc 9, 23 – 26)

Meus caros irmãos e irmãs.

Esta celebração expressa o agradecimento desta nobre cidade de Santa Maria da Feira ao seu celeste patrono e advogado, S. Sebastião, que há 500 anos intercedeu junto de Deus para a livrar da Peste.

Os Santos são advogados, defensores e intercessores junto de Deus que nos salva por Cristo, naturalmente, com a ajuda dos Santos, no céu, e a solidariedade da multidão de homens e mulheres, discípulos e testemunhas de Jesus Ressuscitado. Todos somos chamados à santidade e a colaborar com Deus na obra da salvação de todos. O exemplo dos Santos estimula-nos e a sua intercessão nos ajuda a celebrar os mistérios da salvação, como diz a Liturgia. Todos somos chamados ao testemunho, ao apostolado, a ajudar Deus, na obra da salvação e aperfeiçoamento da sociedade.

HOMILIA FESTA DAS FOGACEIRAS 2010

D. Amândio José Tomás*

*D. Amândio José Tomás

Nasceu em Chaves, Cimo de Vila da Castanheira, aos 23.04.1943.

De 1955 a 1967 frequentou e concluiu os estudos de Humanidades, Filosofi a e Teologia no Seminário diocesano de Vila Real e foi ordenado presbítero em 15.08.1967. Enviado para Roma a fi m de prosseguir os estudos teológicos na Universidade Gregoriana, aí obteve em 1969 a licenciatura em Teologia Dogmática.

Regressado a Portugal, leccionou teologia no Seminário de Lamego; foi Director Espiritual do Seminário de Vila Real e professor de Moral no Liceu Camilo Castelo Branco; leccionou teologia no Seminário Maior do Porto e ICHT (Instituto de Ciências Humanas e Teológicas) de 1971 a 1976.

Em 1976, voltou para Roma para frequentar o Pontifício Instituto Bíblico, tendo-se licenciado em Ciências Bíblicas, em 1980. Nesse ano foi nomeado Vice-Reitor do Pontifício Colégio Português, passando a Reitor em 1982, cargo que exerceu até 2001.

Em Outubro de 2001 foi eleito Bispo Auxiliar de Évora e ordenado na festa da Epifania do ano 2002, na Basílica de S. Pedro, pelo Papa João Paulo II. Desde 4 de Fevereiro de 2008 é Bispo Coadjutor de Vila Real.

Nas estruturas da Conferência Episcopal Portuguesa foi membro da Comissão da Família e dos Leigos, e é actualmente o Delegado da CEP junto da COMECE (Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia), com sede em Bruxelas.

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Mas, nós não seguimos ou imitamos os Santos. Seguimos e imitamos a Cristo, como diz o Evangelho: “Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, há-de perdê-la; mas quem perder a sua vida por minha causa, há-de salvá-la”(Lc 9,23-24). O culto dos Santos supõe a imitação e sequela de Cristo e a caridade para com o próximo, expressa no paradoxo da cruz.

S. Sebastião, foi um prodígio de caridade e serviço aos irmãos perseguidos. Já, antes de morrer, como ofi cial do exército romano, foi declarado Defensor da Igreja, pelo Papa. Protegeu, salvou, exortou, socorreu os necessitados, sem se deixar vencer pelo mal, sem atraiçoar e vender a consciência. Permaneceu fi rme, na fé, sofreu o martírio, preferiu perder a vida terrena a perder a vida eterna, que julgava muito superior.

Ouvimos a pergunta de Jesus: “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, perdendo-se ou condenando-se a si mesmo”(Lc 9,25). Tantas vezes a repetiu Inácio de Loiola ao amigo Francisco Xavier que este abandonou tudo, deixou a vida académica, se fez Jesuíta e embarcou para o Oriente como missionário, por amor de Cristo. E assim, Sebastião, amigo e servidor do imperador Diocleciano, não pactuou com o mal, ao tratar-se dos superiores direitos de Deus, da salvação eterna e do bem do próximo, de modo que a sua vida e martírio são um hino de louvor a Deus vivo e omnipotente.

1.- Aos judeus, seduzidos pelo fascínio da cultura grega, o Sirácide propõe a Sabedoria de Deus que salva: “Eu Te louvo, ó Deus, meu Salvador. Dou graças ao Teu nome, porque foste para mim protector e refúgio” (Sir 51,1-2)Deus, que escolheu Israel e falou pelos profetas, permanece fi el e salva. Deu-nos a maior prova de amor ao entregar o Filho, que, por nós, morreu e ressuscitou e ao infundir, em nós, o Espírito, que vivifi ca, ensina, une, guia, conforta e nos defende. Deus actua e salva, pela solidariedade dos Santos, seus instrumentos privilegiados.

a). - Deus salva-nos por Jesus Cristo. Jesus signifi ca salvador. Cristo quer dizer Ungido, consagrado pelo Espírito, que Jesus recebeu em plenitude. Somos discípulos, sequazes, enamorados e testemunhas de Jesus, que é nosso Mestre, Redentor, Vida e Esperança. É Deus que salva, pelo Filho que

morreu e ressuscitou. É Deus que nos transforma pelo Espírito, recriando-nos à imagem de Jesus Ressuscitado. Deus Pai age no mundo pelas Suas duas mãos, pelo Filho Encarnado e pelo Espírito Santo, como diz S. Ireneu. O desenvolvimento integral da pessoa humana tende a espelhar e a reproduzir o amor e a comunhão, na verdade da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito.

b). - Deus salva os que aceitam ser salvos. Respeita a nossa liberdade. Sem precisar de nós, quer precisar de nós, em ordem à salvação. Somos responsáveis pelos bens que administramos e usufruímos e pelos irmãos necessitados que vivem ao nosso lado e que devem ser objecto da nossa solicitude. Ninguém diga, como Caím: “sou eu por acaso o guarda do meu irmão? ” A todos se pede empenho em fazer o bem. Devemos imitar o Filho de Deus que se entregou e fez um de nós, em tudo igual a nós, excepto no pecado, para nos levar para Ele, que vive glorifi cado, como Deus e homem, à direita do Pai. Deus Pai que se serviu do homem Jesus, Seu Filho Encarnado, salva-nos e salva os outros, servindo-se de nós, seus instrumentos. Deus não prescinde do homem, na construção e perfeição do mundo, que é obra de Deus Criador, que pede a nossa ajuda. Nem Deus quer agir sem o homem, nem o homem deve agir sem Deus e contra Deus. 2. - Os Santos são instrumentos privilegiados de Deus. Seres de carne e osso, fracos, sujeitos a tribulações e quedas, postos à prova, como o ouro, na fornalha, venceram, pela perseverança, empenhados na ajuda fraterna. Testemunharam o amor a Deus e ao próximo, que é imorredoiro, que não acaba, porque o amor é mais forte do que a morte e move os corações e o próprio universo e as estrelas, como diz Dante.S. Sebastião, o advogado contra a fome, peste e guerra, viveu em Roma, defendendo os perseguidos e continua, no céu, como protector dos pobres, tristes e violentados. Uma alma, que se eleva, eleva o mundo. Os Santos, no céu, continuam paladinos da solidariedade e intercedem. Vamos ao seu encontro, pondo em prática o que cremos e ensinamos. Precisamos urgentemente de Santos, de homens e mulheres solidários, de pessoas que testemunhem o amor de Deus, manifestado em Cristo, e se entreguem, no voluntariado, ao serviço dos que mais precisam, dando de graça o que de graça receberam, para glória de Deus e bem do próximo.

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Santo é o que trabalha em santifi car-se, ser melhor, viver na verdade e coerência, na fi delidade a Deus e no serviço aos irmãos. Já o Sirácide pede aos Judeus mergulhados no relativismo da cultura grega, indiferentes à Sabedoria, para não meter Deus e o diabo, no mesmo saco, para distinguir o bem do mal e não perderem a identidade e consciência de Povo Eleito, nação santa, propriedade do único Deus, vivo e verdadeiro (Cf Ex 19, 5-6). E aos cristãos pede-se fi delidade e verdade, de forma a eles primarem pela diferença da santidade, pela coerência e pelo amor.

3. - A piedade cristã recorre a S. Sebastião, advogado contra a Fome, Peste e Guerra, os fl agelos da humanidade. Ainda hoje, milhões de pessoas passam fome, sem casa, sem comida, a dormir na rua. A pobreza envergonhada, o desemprego, a injustiça, a solidão e desprezo das pessoas são uma calamidade pública. A miséria contrasta com a conduta, desregrada, esbanjadora, corrupta e insensível dos que vivem, na opulência, desinteressados dos que vegetam, sem o mínimo necessário. Falta o amor, o respeito pelas pessoas, pelo bem comum e pelo destino universal dos bens. O que esbanjamos

Bênção das fogaças.

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não é nosso, mas ofensa e roubo aos necessitados. Somos só administradores dos bens de Deus, que são de todos e dos que mais precisam. No Juízo Final, seremos julgados, pelo bem que fi zermos ou deixarmos de fazer a quem precisa: “Vinde benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e vestistes-me, estava doente e na prisão e visitastes-me. (...). Sempre que fi zestes isto a um dos meus irmãos mais pequeninos a Mim mesmo o fi zestes”(Mt 25,34-36.40). Cristo quer ser reconhecido, servido e amado nos necessitados, depois que o Filho de Deus, pela sua encarnação, morte e ressurreição, se solidarizou connosco. E é bom não esquecer a advertência de S. João: “ninguém diga que ama a Deus a quem não vê, se não ama o irmão que vê: esse é um aldrabão” (1 Jo 4,19).

4. - Há mais de 500 anos, perante o fl agelo da Peste, Santa Maria da Feira fez um voto a S. Sebastião e foi ouvida pelo seu celeste intercessor. A Peste existe, não é algo de inédito. Há hoje muitas variantes da Peste, que tem um rosto nos milhões de doentes e carenciados, nas doenças infecciosas, nas pandemias, na droga, no alcoolismo e nos distúrbios dos portadores de defi ciência física ou psíquica. Há tanto a prevenir e a remediar! Há tantos males que afl igem a humanidade e nos deveriam tirar o sono! Há tanto a fazer, neste campo, que é caso para partilhar, com Cristo, a Sua compaixão, em relação aos afl itos, aos doentes e aos pobres.

5. - E que dizer do Flagelo da Guerra e da violência, num mundo sem coração, sem piedade e sem valores? O programa de Jesus, a carta magna do Reino de Deus, que é o Evangelho das Bem-Aventuranças, proclama felizes e benquistos de Deus, os pobres, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os pacifi cadores e os que sofrem perseguição por causa da justiça (Cf. Mt. 5,2-10). E S. Pedro diz, na leitura: “Que nenhum de vós tenha de sofrer por ser homicida, ladrão, malfeitor ou por se intrometer na vida alheia. Mas, se sofre por ser cristão, não se envergonhe, antes glorifi que a Deus por ter este nome (1Pe 4,15-16).

Nunca nos envergonhemos de fazer o bem, de ser cristãos, de cumprir o dever e agir rectamente. O que devemos evitar é fazer mal, praticar a violência, pois ela nada tem a ver com Deus, nem com uma vida digna, feliz e benfazeja. Devemos porfi ar em testemunhar o amor e viver em paz, com todos, por amor de Deus. S. Paulo recomenda a Timóteo, para proceder, com fortaleza, amor e bom senso e pede-lhe, com insistência: “não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor, nem de mim seu prisioneiro, mas partilha o meu sofrimento pelo Evangelho, apoiado na força de Deus” (2 Tim 1, 8 ).

Hoje, o verdadeiro amor é uma excepção. O clima de guerra e violência respira-se, nos lares, na violência doméstica, nas escolas e instituições, na televisão e internet, na vida pública. Terrorismo, assaltos, selvajaria, comércio sexual, a corrupção e a violência de todas as cores e feitios enchem a crónica noticiosa, de modo que o que antes era algo anormal se tornou hoje habitual, aceite e tolerado por grandes extractos da sociedade.

6. – Que fazer, perante a corrupção, a injustiça e o desprezo da dignidade humana, em prol dos homens e mulheres, na miséria, doentes e violentados? A messe é grande e poucos os trabalhadores. Mas todos são poucos para anunciar Cristo e ajudar e salvar os necessitados e para refazer o tecido social, sem valores, sem horizontes de vida eterna e sem esperança. Basta de radiografi as e diagnósticos, precisamos de terapias, de mais acção apostólica, missionária e caritativa. Há que apostar no voluntariado e nas boas obras e mostrar o amor que nos congrega, para que Deus seja glorifi cado e os irmãos sejam salvos, de modo a dizerem: “Vede como eles se amam”!

A Diocese do Porto pela voz do seu Pastor, o Senhor D. Manuel Clemente, convidou para a Missão 2010. Exortou à formação e transformação das pessoas e ambientes. E isto faz-se, vivendo em missão, agindo, testemunhando, levedando a sociedade, uma vez que o caminho se faz caminhado e nos santifi camos santifi cando e é pelos frutos que nos reconhecem e assim anunciamos o amor de Deus manifestado em Cristo, que disse: “não fostes vós que me escolhestes, fui Eu que vos escolhi e vos destinei para dardes frutos e para que o vosso fruto permaneça” (Jo 15,16).

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E disse ainda: “nisto se manifesta a glória do meu Pai: em que deis muito fruto e vos comporteis como meus discípulos” (Jo 15,8). O Círio Pascal, símbolo de Cristo fonte de vida, de verdade e luz das nações seja o sinal e emblema da vossa fé e da vossa caridade apostólica. Cada um de nós é como João Baptista que não era quem os judeus esperavam, não era luz, nem verdade, nem tão pouco o messias salvador, mas apenas uma testemunha da luz e o amigo do Esposo Divino, que é Jesus Cristo, Luz dos Povos, salvador das nações e esperança das gentes.

Importa que Ele cresça e seja conhecido e amado, mercê do esforço e ascese, da nossa moderação e da morte, por puro amor, como grãos de trigo que morrendo, dão fruto, como aconteceu com o testemunho do sangue do glorioso mártir S. Sebastião, que é um incentivo e semente de novos e renovados discípulos, de seguidores, imitadores e testemunhas desassombradas e alegres do Senhor Ressuscitado.

Procissão, 20 de Janeiro de 2010.

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ficou para trása casaparte da vida.

a janela debruçadana duna altaespreitando o marem busca de umamanhã mais largo.

o horizonte que se curvacaindo a piqueem pingos de cristal.

ficou para trása casa.passado sem retornonem saudade.pela frente semprenova caminhada.

ficou para trás.

a casaa janelao mara dunao ventoa maresiaas brumas....

ficaram para trás.

em si, consigo,levou tudoo que ficara para trás.

necessidade premente

entrar em cada quarto e partir.

quebrar os vasos as jarras os vidrosdesmontar as camas e as mesasrasgar os papéis e as memórias.

fazer uma fogueira até deixararder todo o recheio. repor as paredesnuas e vazias como vazia estáa silenciosa casa que habita.povoá-la de pó e estranhos animais.deixar a água correr até fazer um rio.

mergulhar violentamente para ficaremudecida e bruta. como pedrano fundo. inútil como a vida.

com as unhas rasgar a carnee puxar as veias. uma a uma.

compor vermelhas melodiasde um fantástico pôr-do-sol.

puxar os tendões os nervos a forçae atirá-los ao turbilhão do espaçocomo molas ou tensas cordasde violino.

esfrangalhar de sio vazio corpo e oferecer-se ao cosmonum último e inútil abraço.

Conceição Paulino*

ficou para trás

*Natural de Beja. Escritora. Publicou As

Tarefas Transparentes (1993) - O Luar da

Espera (1994) - Falar Mulher (1997) - Salvador

o Homem e Textos Inconsequentes (2007) - O

meu País é um sonho sonhado (2009).

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É com muita honra e alegria que a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira se associa à celebração da 10ª Festa das Fogaceiras em Caracas, Organizada pelo Centro Português de Caracas, a quem saúdo e agradeço pelo importante contributo para a presença da cultura portuguesa na Venezuela.

O espírito feirense é hoje reforçado pelos laços que ligam a Feira a Caracas.

À semelhança do que aconteceu em 20 de Janeiro, (um dia primaveril no meio de um inverno de chuva e frio) sentimos aqui o doce cheiro da fogaça transportada á cabeça pelas meninas vestidas de branco, símbolo da pureza e da inocência com a faixa da alegria.

São também o refl exo da nossa devoção ao mártir S.Sebastião, Homem de coragem que não abdicou da verdade mesmo à custa da sua própria vida…

Tal como os nossos antepassados que foram junto de S. Sebastião implorar que os livrasse da peste, da fome e da guerra, também nós aqui e agora temos de encontrar forças para nos empenharmos afi ncadamente na solução dos problemas que hoje nos afl igem. E eles são tantos e tão diversifi cados que se perguntasse agora cada um de vós faria seguramente uma lista sem fi m. (Mas atenção “O problema não é haverem problemas. O problema é esperar outra coisa… e pensar que ter problemas é um problema.”) Eu prefi ro encará-los como desafi os.

O mar que nos separa não é maior que o espírito feirense. Este prevalece nesta sala, cheia de homens e mulheres portugueses ou luso-descendentes que ao longo de uma vida de trabalho, e de saudade, sempre mantiveram vivas as tradições e os costumes da nossa Santa Maria da Feira.

De Santa Maria da Feira trago notícias boas e menos boas:

Começo pelos menos boas, para sair bem depois com as melhores:

- O desemprego aumenta e as famílias feirenses sentem na pele os efeitos da crise. As famosas indústrias da cortiça, do calçado que sempre caracterizaram o nosso tecido

FESTA DAS FOGACEIRAS EM CARACAS, 2010-01-31

Celestino Augusto Portela*

*Vereador do Pelouro de Administração, Finanças e Desenvolvimento Económico

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empresarial fecham as portas e aumentam radicalmente o número de desempregados do concelho;

- a construção civil está parada…

- as lojas tradicionais registam quedas de vendas, refl exo de um abaixamento no poder de compra

- Enfi m, sentimos a tal CRISE que corre pelo mundo inteiro… mas atenção, a própria palavra CRISE pode comportar a resposta – se lhe retirarmos o “S” fi camos com a palavra CRIE que é o desafi o actual que temos de enfrentar: Criar novos negócios, criar novas estratégias, criar novas políticas…

E é neste quadro que me fi z acompanhar, este ano pela primeira vez de um grupo de empresários feirenses

interessados em estabelecer contactos com os venezuelanos. Espero que seja o 1º passo para uma relação mais rica e com benefícios para ambas as partes…

Quanto às boas notícias da nossa terra:Gosto de afi rmar que Santa Maria da Feira é a capital cultural de Portugal:

- Em Janeiro temos a Festa das Fogaceiras, que comemoramos há mais de 500 anos -Em Fevereiro o Festival para Gente Sentada é já uma referencia nacional - Em Março a comemoração da Semana Santa começa a criar raízes - O Imaginarius que organizamos em Maio é um dos melhores Festivais de Teatro de Rua da Europa.

O Presidente do Centro Português de Caracas liderando a Procissão.

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- Junho poderá ser com o World Zone um marco na nossa história, se Portugal se portar bem no Campeonato do Mundo da África do Sul - a Viagem Medieval em Agosto recebe mais de 500.000 visitantes, sendo um dos maiores eventos do país e uma das melhores recriações históricas da Europa - Setembro é o mês do Festival da Juventude que muito sucesso tem obtido junto dos jovens - Dezembro é marcado pela Terra dos Sonhos, um novo e grande evento – um parque temático dirigido aos mais jovens, onde se recriam muitas fi guras do imaginário infantil. Temos também o Festival de Cinema Luso-Brasileiro que já vai na 10ª edição.

Entre muitos outros eventos, marcam uma agenda cultural rica e diversifi cada. Saliento também a crescente importância da Confraria da Fogaça, que conta com o nosso amigo Ernesto como confrade na Venezuela e aqui também representada pelos seus confrades…

Também estamos mais fortes porque - concluímos a rede de abastecimento de água com uma cobertura de 97% - estamos a renovar o nosso parque escolar, com 17 Novos Centros Escolares - estimulamos a reorganização da rede de cuidados de saúde primários, proporcionando uma melhoria substancial da qualidade dos serviços prestados e somos o concelho do país com maior cobertura de Unidades de Saúde Familiar - estamos a apoiar o alargamento da rede de equipamentos sociais, com mais 19 lares/creches, investimento superior ao realizado nalguns distritos… - estamos a fi nalizar novo PDM - envolvemo-nos na criação de três novos parques empresariais, dotando o

Vista sobre a Procissão, com as Fogaceiras, o Mártir S. Sebastião, Confraria da Fogaça e Trinta e um Mordomos representando as Freguesias.

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concelho de uma perspectiva de futuro * o Feira Park, um Parque de Ciência e Tecnologia * o PERM, Parque Empresarial de Recuperação de Materiais , que vai proporcionar a todas as sucatas do concelho condições para serem certifi cadas * o PEC, Parque Empresarial da Cortiça, que irá criar

condições para um condomínio empresarial, possibilitando ás empresas do sector a partilha de serviços e potenciando as suas condições competitivas

- e o Clube Desportivo Feirense está apostado em subir à 1ª Divisão Nacional

Foto ofi cial da Festa das Fogaceiras em Caracas - 2010.

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O Grupo Folclórico “Dos Pátrias” contribui para a afi rmação da Cultura Lusa na Venezuela.

Pela primeira vez foi organizada uma noite Medieval em Caracas, tendo o Município enviado cerca de 150 trajes.

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Meus Senhores e minhas Senhoras, Damas e Cavalheiros

Todos temos vontade de ser bem sucedidos! O sucesso exige coragem. E a coragem exige força para recomeçar, para lutar todos e cada dia. Como disse S.Paulo “Se Deus está por nós, quem poderá estar contra nós?” Nesta certeza e com esta esperança, lancemos-nos este ano em reforçar laços mais fortes e fraternos entre todos nós.

A amizade, a alegria e a dedicação com que nos acolhem na

Vista do Salão que reuniu mais de 600 pessoas, na Festa das Fogaceiras de Caracas - 2010.

Venezuela do vosso destino, são marcas que vos agradecemos com toda a sinceridade e que queremos/tentaremos retribuir numa próxima visita que façam a Santa Maria da Feira.

Muito obrigado!

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Lenda da Fogaceira de Santa Maria da Feira

Francisco Pinho*

* Director Comercial.

Dizem que no castelo,

Em tempos que já lá vão

Os nobres comiam fogaça

E o povo comia pão

Sofrendo vida amargada

Com tão vil situação.

Conta a lenda e o povo crê

Que na aldeia de Fornos

Que do castelo se vê

Vivia uma linda fogaceira

Que em noites de luar

Ao castelo ia levar

Fogaças e frescos queijos

Que misturados com beijos

Satisfaziam desejos

De quem morria de amar!

... e que o rei enamorado,

Com tais prendas enfeitiçado

Com ela veio a casar.

No dia do casamento

Houve um banquete real.

E o povo mui animado

Com os nobres misturado

Veio p´ra rua bailar.

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Comeu-se fogaça com queijo

Bem regados com sangria

Dançaram-se loucos folguedos

Do raiar ao fim do dia.

Mas o rei partiu p´ra guerra

A moirama combater

E não mais voltou à terra

Sem ninguém o ver morrer.

A rainha entristecida

Numa gruta se isolava

Rezando pelo seu amado

Pedia a Deus e chorava.

E em noites de nevoeiro

Sonhava alucinada

Ver o rei a combater

Temendo que o seu amado

Por muitos mouros cercado

Por uma lança envenenada

Pudesse vir a morrer!

Mas em noites de lua cheia

Quentes do luar de Agosto

Quando o desejo apertava

Pelo castelo vagueava

Com um cesto de fogaças e queijos

Sonhando matar desejos

Que a saudade despertava.

... e cantarolava ...

Meu amor partiu p´ra guerra

Deus o salve, Deus o guarde

Deus o traga com saúde

Ai meu Deus que se faz tarde

Uma voz cansada respondeu:

Fui prá guerra combater

Da guerra volto cansado

Agora quero viver

Para sempre ao teu lado

... e os dois abraçados e felizes.

O amor que tu me tens

É tão forte como o meu

Um amor assim tão grande

Vai connosco até ao céu.

Esta lenda tão bonita

Ainda hoje é verdadeira

Pois o povo inda acredita

Que no castelo da Feira

Há uma moira encantada

Numa gruta escondida

Onde pares de namorados

Fazem juras enlaçados

De amor p´ra toda a vida.

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Alcides Strecht Monteiro

1º Centenário do Nascimento

1910 - 2 de Abril - 2010

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118Campanha do General Humberto Delgado à Presidência da República.

Congresso da Oposição Democrática. Em cima, intervindo nesse Congresso

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Senhor Ministro da Justiça, Senhor Presidente da Comissão de Vigilância do Castelo da Feira, Engenheiro Ludgero Marques ou, se me permitem porque nos conhecemos vai para mais de cinquenta anos, meu caro Ludgero, Meu prezado amigo Dr. Manuel Afonso Strecht Monteiro e, por extensão, toda a família do homenageado:

Outras pessoas aqui presentes e instituições que se fi zeram representar de sobejo mereciam que as referisse mas, por razões de brevidade, penitencio-me por me ver forçado a omitir os seus nomes. Contudo quero referir o nome de alguém que, impedido por motivos ponderosos de estar hoje connosco, me fez chegar uma mensagem com pedido de que fosse publicitada: refi ro-me ao Prof. Dr. Eugénio dos Santos, catedrático jubilado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, por quem tenho o maior apreço e estima pessoal - os quais suponho que ele me retribui - e que, no meu entender, faz parte daquela meia dúzia de feirenses de excepcional

envergadura intelectual que nos dão o orgulho de sermos seus conterrâneos. Pede-me o Professor Eugénio dos Santos que exprima a sua admiração pela fi gura do nosso homenageado e passo a citar as suas palavras: “Tenho pelo Dr. Alcides Strecht Monteiro uma enormíssima consideração e admiração. Ouvi toda a vida falar dele como um verdadeiro senhor no trato pessoal, na ponderação, no seu saber no plano profi ssional. Falei-lhe algumas vezes e guardo as mais gratas referências. A sua fi gura de homem vertical, que recordo com um pequeno chapéu a cobrir-lhe a cabeça, revelava a nobreza da alma. Para o meu pai ele transformou-se num ícone insubstituível e eu sigo-lhe as pisadas. Por isso, congratulo-me com o seu enaltecimento público.”

Quando a Sra. Dra. Rosa Mortágua, membro da comissão que meteu ombros a esta homenagem, me contactou solicitando que proferisse esta intervenção a que chamou, vá lá saber-se porquê!, “oração de sapiência” devo confessar que me caiu a alma aos pés. Foi quase como se me saísse um salteador à estrada e me exigisse a bolsa ou a vida! Não podendo, nem querendo, furtar-me ao que me pediam pela admiração e reconhecimento que a fi gura do Dr. Alcides Monteiro me merece – e merecerá até ao fi m dos meus dias – ainda vasculhei umas gavetas e dei umas voltas aos cantos da casa mas tenho de confessar a V.Excias. que, da dita cuja sapiência, não encontrei nem o rasto. Por isso terão de se

EM HONRA DO DR. ALCIDES STRECHT MONTEIRO HOMENAGEM AO HOMEM, AO POLÍTICO E AO ADVOGADO

*Advogado. Devoto Aquiliniano

Manuel de Lima Bastos*

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remediar com o que se arranjou que, se não pode ocultar a modéstia, não fi ca em dívida à sinceridade quanto à devoção pelo homenageado. Já repararam que não trouxe papéis para ler. É coisa que não prezo e até devo confessar que considero personagem própria dum fi lme de terror o fulano que, requerido para dizer meia dúzia de palavras, aparece muito compenetrado com um grosso maço de folhas de papel em punho e se prepara para as debitar sem uma pausa. Trago apenas este pequeno papel que os pregadores sacros de Setecentos, sobretudo os dominicanos, chamavam recordatorium e onde apontei alguns tópicos que julguei adequados à circunstância. Tem a vantagem de ajudar a não perder o fi o à meada e de evitar que se cometa o pecado sem remissão da loquacidade. Contudo, fui prevenido pela comissão organizadora que a todos os oradores foi recomendada brevidade com a excepção do meu caso já que, condenado que estava a proferir a “oração de sapiência”, podia palrar todo o tempo que me desse na veneta e maçar os presentes até ao dia do Juízo Final. Não o farei já porque me orgulho da saber distinguir a mão esquerda da mão direita, já por não esquecer a lição dum outro grande advogado desta Terra, o Dr. Fernando Ferreira Soares, também íntimo amigo do nosso homenageado, que afi rmava com graça que poucas coisas havia na vida que demandassem mais que uma folha de papel selado para serem convenientemente explicadas. E escrita de um só lado!, acrescentava com a sua fi na ironia! Neste bom propósito tenho a esperança de não maçar excessivamente V.Excias. ao tentar pintar, com as limitadas cores da minha paleta, o retrato do homenageado. Posso dizer que conheço o Dr. Alcides Monteiro desde que me conheço a mim próprio já que entre ele e meu pai, além de naturais e residentes em Fiães, havia laços de amizade desde a juventude. Acontece até que meu pai esteve noivo, com data aprazada para o casamento, de uma irmã do Dr. Alcides que veio a falecer, vítima de tísica galopante, pouco tempo antes do casamento. Chamava-se Maria Isabel – nome que o homenageado deu à sua única fi lha talvez como preito à irmã tragicamente falecida tão jovem – e foram ambos que transportaram o seu cadáver numa furgoneta desde Castelo de Paiva até Fiães em cujo cemitério se encontra inumada. Por outro lado, suspeito que enveredei pelo curso de Direito pelo facto do Dr. Alcides ser advogado. A verdade é que não sabia bem o que queria fazer da minha vida quando, aí

pelos quinze anos, tive de tomar tal decisão, dúvida que meu pai também partilhava. Sem precisar de citar o versículo bíblico - olhai os lírios do campo, etc., etc.,... – ambos pensamos que alguma serventia eu devia ter e que algum lugar me estaria destinado na ordenação cosmológica uma vez que, não faltando a providência com o alimento às avezinhas do céu, de certo também não iria deixar morrer à fome um licenciado em direito. Desde menino muito novo uma coisa tinha eu como certa: médico é que nunca seria. Tinha bem impressa na memória a recordação de inúmeras madrugadas, fosse de inverno ou fosse de verão, em que tocavam à sineta da porta da casa e lá ia o pobre do meu pai por essas aldeias vizinhas acudir a alguém afl ito. Ao contrário, via o Dr. Alcides Monteiro chegar sorridente – vinha aos sábados de manhã da Vila da Feira fazer consulta a Fiães na sua casa do lugar do Souto – com duas molas de roupa a apertar o fundo das calças de cotim para que não fi cassem embaraçadas nas rodas da bicicleta na qual pedalava airosamente. Fazia alto no consultório de meu pai e trocavam dois dedos de conversa. Não demorei muito tempo a perceber que na vida de advogado não havia nem urgências nem noites mal dormidas. E atirei-me de cabeça para Direito com a ideia de me fazer advogado embora só muito mais tarde me desse conta de que o ofício obviamente também tinha as suas agruras e amargos de boca. Lembro-me do hábito que se estabelecera entre ambas as famílias: de quinze em quinze dias, aos sábados, reuníamo-nos para merendar e passar a tarde ora na casa do Souto do Dr. Alcides ora na nossa casa das Levadas. Da nossa parte éramos cinco: meu pai, minha mãe, meu irmão, minha falecida irmã e eu. Da parte do Dr. Alcides, a esposa D. Celeste (que não se chamava Celeste mas sim Ana mas, talvez por embirrar com este nome, se tivesse feito crismar Celeste) os três fi lhos Manuel Afonso, António Eduardo e Maria Isabel, a irmã Dra. Cândida (que todos tratávamos afectuosamente por Candidinha) a mãe e a tia, duas senhoras já de idade avançada, muito magras e sempre vestidas com roupa de lutuosa cor preta. Quando a reunião era em nossa casa acontecia que, vez por outra, o meu pai tinha de sair por causa de alguma solicitação profi ssional inesperada. Chegava esbaforido, entrava pela porta da cozinha e a primeira coisa que perguntava a minha mãe era: - O Macio já chegou? O Macio era a alcunha que o

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meu pai pusera ao amigo e que não tinha nada de depreciativo. Diga-se que meu pai era um génio a pôr alcunhas pois estas retratavam com exactidão, e não raro com graça, o visado. O Dr. Alcides era o Macio porquê? Não tenho dúvidas de que o nome espelhava os modos afáveis, o permanente, leve e mal esboçado sorriso que em geral lhe alumiava a face, o tom contido da maneira de falar, uma certa untuosidade no gesto, sobretudo um lento rolar de uma mão na outra, o que tudo somado lhe conferia a macieza do aspecto meio de sacerdote – certamente já cónego ou monsenhor - meio de diplomata. Já a esposa D. Celeste, senhora certamente ornada de qualidades e virtudes muito estimáveis, tinha uma certa propensão para cometer o pecadilho de se meter onde não era chamada. Meu irmão e eu até tínhamos receio, nos meses de verão que passávamos na praia em Espinho, de a encontrar na rua pois a conversa era invariavelmente a mesma: “- Que andais a fazer na vadiagem? Não tendes mãe...? Deixai estar que ela vai saber!” A verdade é que nós não éramos pássaros de gaiola e gozávamos da considerável liberdade de fl anar à rédea solta pela cidade. Mas que raio tinha a fulaninha que se meter na nossa vida...? Por estas e por outras não era pessoa da nossa predilecção. Os fi lhos rapazes esses é que não escapavam ao controlo férreo da mãe e, se não tivessem quase sempre a protecção da mão benfazeja da tia Cândidinha, às vezes passariam mal devido ao rigor materno. A minha própria mãe não escapava aos remoques da D. Celeste. Apesar da lide diária da casa, com marido e três fi lhos para cuidar, minha mãe não faltava uma só vez à missinha diária na igreja de Fiães situada a duzentos, trezentos metros de nossa casa e que era ofi ciada às sete horas da manhã pelo pároco da terra, Padre Manuel da Silva Pereira, homem boníssimo e sacerdote exemplar. Pois a D. Celeste tinha sempre que se meter com minha mãe: “- Que é que anda a fazer todos os dias pela igreja, mulher!?” A minha mãe ia aos arames com esta intromissão em assunto que considerava ser apenas do seu foro íntimo e comentava sempre: “- Ora vejam lá esta senhora que tem sempre que se meter nas minhas devoções! Se aprendesse mas era com o marido que embora não tendo fé, e não tem culpa de não ter, é tão educado e respeitador que nunca lhe ouvi um comentário sobre a religião de cada um!” A minha mãe professava autêntica veneração pelo Dr. Alcides Monteiro. Quando casei em 1964 meu pai sugeriu que convidasse o Dr. Alcides para meu padrinho de casamento. Era uma época,

pelo menos em minha casa, em que uma sugestão do pai era uma ordem que não se discutia. E, além de nada lhe ter a opor, ainda por cima tive gosto no convite. Desta maneira, no dia 10 de Junho de 1964 casei na igreja paroquial de Arcozelo, Vila Nova de Gaia, onde passei a residir até hoje, sendo meus padrinhos o Dr. Alcides Strecht Monteiro e esposa D. Celeste em cerimónia ofi ciada pelo antigo pároco de Fiães, Padre Manuel da Silva Pereira, então já colado como Abade do Bonfi m no Porto.

Começou o Dr. Alcides Monteiro a exercer a advocacia por princípios dos anos trinta do século passado, precisamente na mesma altura em que meu pai iniciava a sua carreira de médico de clínica geral e estomatologia. Por essa época a Vila da Feira, comarca de 1ª classe, era uma espécie de capital forense de província e não demorou muito tempo que o Dr. Alcides Monteiro adquirisse sólida reputação de causídico competente, empenhado e honesto angariando numerosa clientela tanto na comarca como fora dela. Passou a residir permanentemente na sede do concelho em moradia à Rua Dr. Elísio de Castro que anteriormente fora a residência do Dr. Cadillon, também advogado feirense. Aí viveu durante toda a sua vida. Nascido em 2 de Abril de 1910, uns meses antes da implantação da República, viveu, formou o seu carácter e aderiu aos ideais republicanos e democráticos cimentados na matriz moderada da doutrina positivista de Augusto Comte e do socialismo utópico de Proudhon, Michelet e sequazes portugueses como Antero de Quental e Oliveira Martins. Aos princípios deste ideário foi fi el toda a vida e por eles lutou sem desfalecimento na limitada arena política da ditadura salazarista convertendo-se na principal fi gura oposicionista do distrito de Aveiro como crónico cabeça de lista nas farsas eleitorais de então e não esquecendo outras fi guras de relevo que, divergindo ocasionalmente das suas convicções e concepções do mundo e da própria luta contra o regime vigente, foram seus companheiros de décadas na oposição à ditadura. Lembro, apenas como exemplos, Mário Sacramento, Álvaro Seiça Neves e, nos mais novos da época, Carlos Candal e António Neto Brandão. Em relação ao período da sua vida que vai do início da sua carreira forense como advogado nos primeiros anos da década de 1930 até ao 25 da Abril de 1974, o Dr. Alcides Monteiro angariou vastíssima clientela no exercício da

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advocacia, conquistou o respeito e a estima dos seus pares, de magistrados e de funcionários judiciais, impôs-se como fi gura política à admiração dos seus correligionários e da oposição em geral, conquistou alguma má vontade e até o ódio encapotado de serventuários do regime destituídos de altura moral (o que ainda mais engrandece o seu vulto), adquiriu, mercê do labor incansável com que exerceu a sua profi ssão, razoável património económico – que muito mais vasto seria se não fora advogado moderadíssimo com os que podiam pagar os seus serviços e fi lantropo com os desprotegidos da fortuna e com os amigos - propiciou à sua família condições de vida decentes e até acima do comum para a época e cultivou relações de amizade e estima com muita gente, mesmo com quem não comungava das suas ideias pois uma das mais raras e relevantes características do seu carácter foi a da tolerância para com o próximo ainda que dele discordasse. Não esquecendo que o transcurso da vida de um homem tem sempre o lado bom e o lado menos bom - sina inevitável da condição humana – e sendo certo que depois dos momentos exaltantes chegam sempre os momentos amargos, não me custa afi rmar que até ao 25 de Abril de 1974 e apesar de viver em regime político que execrava, o Dr. Alcides Strecht Monteiro foi um homem realizado e, porque não dize-lo com todas as letras, foi um homem feliz dentro dos limites que são apanágio invariável da vida de qualquer ser humano. Seguindo o trilho que este homem calcorreou pela vida fora, quando procurava carpintejar uma moldura onde o seu vulto coubesse de corpo inteiro, não é que esbarrei com uma situação surpreendentemente paradoxal e que me parece constituir uma autêntica contradição nos seus próprios termos? Explico-me: com a revolução do 25 de Abril de 1974 que representou o fi m da longa ditadura e a instauração da Democracia e do Estado de Direito com a desejada e consequente reabilitação da Pátria através dos ideais que lhe são próprios de exercício responsável da liberdade e da progressiva realização da justiça social, parecia que se tinha concretizado o único e último sonho que o Dr. Alcides Monteiro perseguira com perseverança toda a vida e que já nada lhe faltava para que se pudesse declarar em estado de graça perfeita. Não comungo desta opinião por me ter convencido, com

razões que vou adiantar, que o período posterior ao 25 de Abril de 1974 até ao seu decesso em 15 de Junho de 1977 - não questionando o júbilo óbvio que sentiu com a queda do regime e os momentos de profundo êxtase democrático que viveu logo a seguir - foram caracterizados, em meu entender, por terem sido o período mais difícil e amargo de toda a sua existência. A constatação pode causar estranheza a quem dele só viu a aparência nesses três anos derradeiros da sua vida. Do ponto de vista profi ssional, por via da dedicação à actividade política e pela permanência durante quase toda a semana em Lisboa como deputado pelo Partido Socialista na Assembleia Constituinte e logo de seguida na primeira legislatura da Assembleia da República, tão prolongada e constante ausência do seu escritório de advogado provocou o afastamento de quase toda a clientela profi ssional e que era a única que pagava os seus serviços. Tratava-se de clientes que o procuravam pelas suas qualidades profi ssionais, queriam que os assuntos que lhe confi avam merecessem a sua atenção imediata e naturalmente não estavam dispostos a contactá-lo apenas aos fi ns de semana. Por outro lado, tendo-se tornado pública a sua condição de fi liado no Partido Socialista, clientes de 30 e 40 anos – sobretudo industriais – quase sempre com certas ligações ao regime anterior, não lhe perdoaram essa opção política e afastaram-se para sempre. Durante o salazarismo não importavam as ideias do seu advogado conquanto fosse competente. Com o advento da democracia, por simples curteza de vistas, a interrupção de velhas relações de amizade nascidas da ligação profi ssional de muitos anos foi o modo que encontraram para lhe exprimir o desafecto e justifi car a deserção. Um desses industriais – corticeiro, naturalmente! – com quem em certo dia de inverno cruzamos na cidade de Espinho acintosamente virou-lhe a cara e nem sequer o cumprimentou. O Dr. Alcides comentou-me com a face ensombrecida pelo desgosto da desfeita: “ – Fui advogado deste indivíduo durante mais de 35 anos. Livrei-o seguramente três ou quatro vezes da cadeia por fogo posto e por falências fraudulentas. Convidava-me para festas de aniversário, casamentos dos fi lhos e baptizados dos netos. Agora ignora-me e recusa o cumprimento por ter fi cado a saber que sou socialista...!” Exemplos destes multiplicaram-se nos meses subsequen-tes ao 25 de Abril e não tenho dúvida em afi rmar - porque

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disso me dei bem conta – quanto estas desconsiderações lhe amarguraram a vida embora também me apercebesse que passou a encarar esses abandonos de forma resignada. E convém lembrar que quem tivesse sido uma vez seu cliente ou lhe estendesse a mão na rua, de imediato entrava para o extenso rol dos que considerava amigos com mais que óbvia e espantosa ingenuidade mas que só revela a nobreza do seu carácter. Logo a seguir ao 25 de Abril o Dr. Alcides Monteiro, integrado no Movimento Democrático Português quando era ainda um simples movimento cívico unitário (só em meados de Dezembro de 1974 se converteu em partido político), apesar do seu estado de saúde ser já preocupante devido a severo problema cardíaco, não se furtou a participar em intensíssimas actividades de esclarecimento político das populações do distrito de Aveiro. Diga-se em abono da verdade que o MDP, sigla pela qual era conhecido e tinha tido papel relevante na luta antifascista, confi gurava-se como uma espécie de albergue espanhol devido à heterogeneidade dos seus membros e onde cada um encontrava o que levava consigo no bolso. De fi ns de Abril até à conversão do MDP em força partidária aparentemente bem implantada no terreno mas que as urnas provaram ser insignifi cante em termos eleitorais o Dr. Alcides Monteiro, acolitado pelo fi lho mais velho e por mim próprio, participou em dezenas e dezenas de sessões de esclarecimento por todo o distrito e até em distritos vizinhos. Considerando o estado do país nesse tempo, e como se manteve nas épocas subsequentes até aos dias de hoje, estou em crer que a nossa actividade foi pura perda de tempo já que pouco conseguimos esclarecer. Mas foi a semente que tentamos lançar à terra e, se a colheita foi sáfara, de boa fé fi zemos o melhor que pudemos. Com o Dr. Alcides Monteiro calcorreamos aldeolas por onde nenhum político jamais rompera as solas dos sapatos citadinos. Éramos motoristas, fazíamos a logística necessária para a organização das sessões e zelávamos para que a intervenção do orador principal decorresse com a dignidade que o seu prestígio político impunha. Se me permitem o uso de terminologia tauromáquica, o fi lho e eu éramos os bandarilheiros que preparávamos o touro – o respeitável público – para que o diestro, cabeça de cartaz, consumasse o remate da faena. O Dr. Alcides habituou-se a estes cuidados e atenções

- carro à porta para as deslocações, restaurantes escolhidos para comer, sessões preparadas com o público à espera para o ouvir, discursatas laudatórias da sua fi gura e da sua actividade antifascista por parte dos oradores subalternos que eram por via de regra o fi lho e eu - até que o MDP, por meados de Dezembro de 1974, se transformou em partido político. Imediatamente o Dr. Alcides deixou de lhe pertencer assumindo a qualidade, que nunca escondera, de fi liado no Partido Socialista. Naturalmente esperava que o fi lho e eu lhe seguíssemos o exemplo mas o certo é que ambos nos mantivemos no MDP assumindo a nova condição de militantes partidários na suposição ingénua de que o PS era um partido social-democrata e que ao novíssimo MDP caberia desempenhar o papel de verdadeiro partido socialista. Malhas que na época a política tecia! Devo confessar que o tempo demonstrou que a nossa opção pelo MDP não foi lá muito acertada devido à sua incapacidade de se autonomizar do PCP e da submissão férrea a que este o submeteu. Para que não haja equívocos: não tenho nada contra o PCP e nada me custa reconhecer que foi de longe a força política que mais consequentemente combateu a ditadura com meritórios e duros sacrifícios dos seus militantes. Facto bem diferente é decidir se outra formação política lhe deve ser tributária e renunciar à defesa de ideais e princípios próprios. Tendo ocorrido essa inaceitável dependência, de que logo o eleitorado se deu conta, o MDP acabou por desaparecer após vegetar uns poucos de anos mais na cena política em quase completo anonimato. Demorou dois meses a apercebermo-nos da situação interna do jovem partido e já por meados de Fevereiro seguinte nos demitíamos e retomávamos a nossa condição de independentes. O meu amigo Manuel Afonso uns tempos depois regressou ao Partido Socialista e eu fi quei escarmentado para todo o sempre desinteressando-me em defi nitivo a voltar a assumir o espartilho partidário ao considerar, como considero, uma imbecilidade a adesão a um partido político, imbecilidade essa que só tem equivalente na de não aderir a partido nenhum. Tendo sido a nossa adesão ao MDP absolutamente legítima por estas coisas se resolverem no foro da consciência de cada um, fi ca-me contudo a mágoa, que talvez o fi lho compartilhe, de ter abandonado o Dr. Alcides Monteiro num momento em que, de saúde precária e abandonado por outros, mais precisaria do nosso apoio e da nossa presença. E

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é com algum desencanto que me faço a pergunta: a decisão que na altura tomamos e nos pareceu a mais adequada e a mais justa valeu a pena? Receio bem ter de me penitenciar e concluir que não, que foi em nome de uma ilusão que lhe infl igimos mais esse desgosto. Mas o pior, do ponto de vista político, ainda estava por acontecer. O Dr. Alcides Monteiro decidiu candidatar-se à Câmara Municipal do seu concelho de Vila da Feira, hoje Santa Maria da Feira. Ele, inquestionavelmente a fi gura de maior prestígio político das Terras de Santa Maria, de sobejo conhecido no distrito de Aveiro e até em todo o país como opositor de uma vida inteira à ditadura, paladino da liberdade, perdeu essas eleições. Porquê, perguntaram-se muitos, admirados com a aparente injustiça do voto popular. Sendo incontroverso que o voto livre em democracia é inquestionável e que cada um vota como bem lhe apetece mesmo quando não opta pelo mais competente ou o melhor não é sufragado, creio que um somatório de razões concorreu para o resultado surpreendente. Para abreviar direi apenas que se confi rmou o velho princípio de que ninguém é profeta na sua terra e que o campo político estava irremediavelmente extremado entre um centro esquerda representado pelo PS e um centro direita reunido à volta do PSD ao qual uma direita saudosista do antigo regime se agregou para evitar a vitória do velho e respeitado líder da oposição ao salazarismo. As forças à sua esquerda – PCP, MDP e UDP – não abdicaram de concorrer de forma autónoma e essa pulverização de votos agravou o descalabro eleitoral. Acresce, e não sem certa razão, que os mais próximos apoiantes do Dr. Alcides Monteiro eram gente de idades um pouco avançadas que vinham fi elmente dos tempos das campanhas eleitorais antifascistas mas que suscitariam no eleitorado fundadas reservas quanto à capacidade da equipa socialista para gerir a autarquia. Mas do que não tenho dúvidas – e nunca tive porque fui testemunha directa e presencial dos factos – apesar de opinião diversa de familiares muito próximos turbados talvez no seu discernimento pelo afecto que lhe devotavam, de que a inesperada derrota eleitoral abalou profundamente e para sempre o Dr. Alcides Monteiro. Pude constatar, não sem sentir emoção e pesar, a amargura e a dor que o resultado lhe infl igiu e quanto o afectou. A desilusão e o choque foram tão intensos e perturbadores do ponto de vista psicológico quanto era certo que esperava sem qualquer sombra de dúvida que

a eleição fosse um simples passeio triunfal e a consagração duma vida inteira dedicada a lutar e a esperar pelo dia da restauração da democracia e da libertação da Pátria. Em fi ns de 1974 fui nomeado presidente da Comissão Administrativa da Caixa de Previdência de Aveiro por indigitação do meu prezado colega e amigo, Dr. António Neto Brandão, primeiro Governador Civil do distrito após o 25 de Abril. Demorei dois anos a perceber que não tinha nem feitio, nem gosto, nem pachorra para burocrata de modo que, antes de entrar de férias no verão de 1976, apresentei a minha demissão a quem de direito e mandei a função às ortigas dando ao diabo a cardada em que me metera e me trouxera alguns cabelos brancos antes de tempo. Tinha o intuito de principiar a exercer o ofício de advogado pois já eram mais que horas de esfregar as mãos e começar vida nova. Nunca soube muito bem como o Dr. Alcides Monteiro veio ao conhecimento deste propósito mas o certo é que me contactou e convidou para trabalhar com ele como seu associado já que se encontrava durante a semana em Lisboa exercendo funções na Assembleia da República e lhe convinha ter alguém que o substituísse no dia a dia do seu escritório de advogado. É claro que aceitei penhorado já que era a concretização do meu projecto profi ssional, para mais sob os auspícios do nome dum advogado respeitado, competente e de créditos fi rmados no foro. Muitos, talvez de má fé ou, quem sabe, de boa fé mas iludidos pela aparência do êxito modesto e provinciano que consegui obter no exercício da profi ssão, não tiveram pejo de assacar o resultado ao facto de eu ter sido o herdeiro da larga clientela do advogado probo e exemplar que foi o Dr. Alcides Monteiro. Abaixo demonstrarei o quanto de falacioso tinha a suposição pois, se não há dúvida que o meu afecto e a minha gratidão pelo meu sócio de escritório durante os seus últimos tempos de vida só desaparecerão quando eu desaparecer do número dos vivos, não é menos certo que não é por aquele título que ele é credor do meu reconhecimento e da minha admiração eternas. Os seus mais que legítimos herdeiros foram a sua viúva e os seus fi lhos. Dele nada herdei nem tinha que herdar (nem sequer os dossiers dos seus clientes de outras eras ou os seus livros de direito de uso corrente praticamente sem valor económico mas que a família houve por bem conservar) salvo algumas mas valiosas lições que

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com ele aprendi no que concerne ao exercício da advocacia com elevação, competência, lisura e boas maneiras. Se as aprendi ou não, isso é questão diversa que não vem agora para o caso apreciar. O seu próprio escritório, instalações acanhadas e mais que modestas, foram devolvidas pura e simplesmente ao senhorio em respeito pela vontade que me tinha manifestado em vida. Apenas solicitei àquele, que anuiu, dois ou três meses de prazo para obter nova acomodação e fazer a mudança do pouco que me pertencia. Quanto à vasta clientela que lhe restava quando com ele tive o privilégio de trabalhar, as coisas funcionavam assim: chegava habitualmente o Dr. Alcides de Lisboa sexta-feira ao fi m da tarde pelo que contava com a sua ajuda e a sua presença aos sábados de manhã e segundas-feiras embora nestas por pouco tempo pois sistematicamente pedia aos juizes que lhe marcassem julgamentos e outras diligências para esse dia por ser o único que tinha livre. Aos sábados de manhã começávamos a trabalhar por volta das nove horas em consultas que se prolongavam até perto das três da tarde, hora a que eu ia almoçar a minha casa em Vila Nova de Gaia deslocando-me depois para Fiães onde dava consultas aos sábados de tarde no consultório médico que fora de meu pai. O Dr. Alcides muitas vezes saía do escritório e, sem almoçar, seguia na camioneta da carreira para o Porto onde tinha uma avença contratada nos escritórios duma empresa comercial há muitos anos e fazia questão de honrar. Como o escritório na Vila da Feira era exíguo – teria talvez uns 10-12 metros quadrados de superfície – com uma sala de espera onde caberiam mal meia dúzia de pessoas juntando-se logo às 9 horas umas largas dezenas de clientes espalhados pelas escadas estreitas de acesso ao primeiro andar do prédio e pelo passeio na via pública, o Dr. Alcides atendia os fregueses no cubículo a que se chamava escritório e eu atendia o cliente junto a um pequeno balcão de levantar a tampa para entrar no dito escritório, eu e o freguês em pé a segredar ao ouvido um do outro para que as restantes pessoas coladas a nós não ouvissem o que dizíamos. Terminada a consulta perguntava ao Dr. Alcides quanto devia cobrar. O paciente mostrava o focinho na entrada do escritório para que o Dr. Alcides visse de quem se tratava e a resposta era quase sempre a mesma: não leves nada que é pessoa amiga; não leves nada que é socialista; não leves nada que é pobre...! As consultas nesse

tempo eram a cinquenta escudos (outros já as taxavam ao dobro) e sábados havia que, depois de atendermos algumas dezenas de clientes, o apuro não produzia cem escudos. O normal era rondar os cem ou cento e cinquenta escudos. Foi esta excelente clientela que tive o gosto de herdar e atender após a sua morte. Quando comecei a cobrar regularmente os cinquenta escudos da praxe, salvo as inevitáveis borlas de quem não podia realmente pagar, os fregueses desapareceram como bando de estorninhos apanhados a debicar no grão da eira e subitamente lhes aparece o lavrador de vergasta na mão. Dizem-me que o Dr. Alcides Monteiro terá usado sempre de parcimónia ao fi xar os seus honorários. Acredito mas acontece que, quando com ele trabalhei, já se encontrava quase no termo da sua vida profi ssional, auferia rendimentos dos bens imóveis que possuía e do vencimento de deputado no Parlamento, tinha os fi lhos criados e a viver sobre si e podia dar-se ao luxo de trabalhar pela salvação das alminhas do purgatório. Eu é que não podia. Andava nos trinta e seis anos e tinha dois fi lhos pequenos para criar habituados até aí a gozar de algum conforto. Pensei: se não altero esta forma de trabalhar mais me vale ir pregar a outra freguesia ou deitar-me a um pego. O facto é que alterei mas não infringindo, suponho, a regra da moderação nas contas que apresentava. Quando em Setembro de 1976 estabelecemos o nosso acordo de sociedade o Dr. Alcides Monteiro levou-me à agência na Feira da Caixa Geral de Depósitos, abrimos duas conta à ordem e estabeleceu as regras: uma servia apenas para depositar as provisões que os clientes nos entregavam no princípio de cada processo destinando-se apenas a ser utilizadas nos gastos respectivos e sendo o excedente, se o houvesse, deduzido na conta de honorários a fi nal. E dizia muito sério de dedo no ar erguido em riste “- Este dinheiro não é nosso! Só no fi m do processo, ao elaborar a conta, sabemos se o que sobra nos pertence e então transferimo-lo para a outra conta!” Esta segunda conta destinava-se a receber as quantias cobradas no dia a dia (consultas, assuntos diversos, processos judiciais que chegavam a seu termo, etc.,) e era dela que saíam as verbas para os pagamentos correntes. Os cheques sacados sobre as ditas contas requeriam a assinatura de ambos os sócios. Na altura também comprou na Casa Plácido um enorme livro de escrituração comercial (de tamanho maior que uma folha A4) onde me explicou que devia pôr ao alto de cada

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folha, à medida que o fosse utilizando, o ano e mês a que se referia e, nas linhas respectivas, o dia de cada operação, a descrição desta e respectivo valor. Por exemplo: ao alto, 1976, Setembro; primeira linha, coluna da esquerda punha o dia; depois a descrição: uma consulta; no “haver”, 50$00; se fosse uma despesa, por hipótese selos do correio, na coluna do “deve” o seu custo e assim por aí fora. No fi m do mês somava-se o total recebido, o total pago e o saldo dividia-se por dois emitindo-se um cheque para cada sócio. Aceitei – que remédio! – as condições que levei à conta de chinesices de quem era escrupuloso por excesso e ainda não sabia bem com quem estava metido. Mas pouco depois creio que lhe conquistei a confi ança e dissiparam-se algumas reservas, se é que alguma vez existiram e não foram apenas produto da minha fantasia. É com orgulho – perdoarão a imodéstia! – que o digo e julgo que, quer no exercício da profi ssão quer na lisura das contas, nunca lhe dei motivos para se arrepender de me ter convidado para o seu escritório. Estou em crer que alguns exemplos de facetas muito peculiares do carácter do homenageado ajudarão, mais que o ditirambo, a pintar o retrato deste homem que a rasoira do tempo não nivelou pela medida dos seus contemporâneos, antes fez avultar e sobressair na sua dimensão de advogado e homem público. Aí vai um deles: um dos primeiros casos em que me envolvi foi um inventário judicial iniciado pelo Dr. Alcides Monteiro no qual se partilhava a herança dum homem que deixou fortuna considerável para o meio e para o tempo, cliente e amigo de sempre daquele, e que tinha sido ganha no negócio de gado vivo. Nós representávamos a viúva e um fi lho (o que correspondia a três quartas partes da herança) sendo a outra fi lha, herdeira do restante quarto, patrocinada por um colega de renome do Porto. Reclamou esta fi lha da não inclusão na relação de bens de numerosas cabeças de gado pretensamente entregues ao ganho (parceria pecuária) a lavradores de comarcas vizinhas (Ovar, Castelo de Paiva, Arouca, Oliveira de Azeméis, etc.). O certo é que, com o Dr. Alcides Monteiro no parlamento em Lisboa, andei semanas e semanas com o meu colega por essas comarcas em deprecadas para ouvir dezenas e dezenas de testemunhas. Deu tudo em nada por nada se ter provado. No dia aprazado para a partilha da herança com a habitual licitação, sem que nada o fi zesse prever, os herdeiros chegaram a acordo o que,

só em custas do processo e direitos sucessórios, lhes poupava soma considerável. Julgo lembrar-me que o valor da herança rondaria à época mais de uma centena de milhar de contos.Terminada a diligência com tão feliz desenlace o meu colega recatadamente perguntou-me quanto tencionava cobrar de honorários para evitar diferenças chocantes para os fregueses. Tive que dizer-lhe que os clientes não eram meus mas sim do Dr. Alcides Monteiro. Retorquiu-me que estava a par da fama de parcimónia mais que excessiva do meu sócio mas que lhe fi zesse ver que iria cobrar cento e cinquenta contos e que lhe pedia que o não deixasse fi car mal e cobrasse pelo menos o dobro. Embora desenganado no meu íntimo, assegurei-lhe que transmitiria a recomendação. Quando nos encontramos no sábado seguinte cumpri o que me obrigara e informei-o da quantia que o colega ia cobrar à outra herdeira. Fiz-lhe ver que, na proporção dos quinhões dos herdeiros que eram nossos fregueses, deveríamos cobrar três vezes mais, isto é, quatrocentos e cinquenta contos sem levar em conta que, como representantes da cabeça de casal, o principal trabalho tinha sido feito por nós. Deu um murro na secretária e, apopléctico, berrou: “ – Isso é roubar!” Perguntei-lhe então quanto devia cobrar. Meditou um bom par de minutos e acabou por dizer: “ – Leva-lhes cinquenta contos”. Fiquei-me. No fi m do mês, quando lhe apresentei as contas no tal livro de escrituração, que ainda hoje conservo em meu poder, para que conferisse os lançamentos e o saldo cuja metade competia a cada um de nós, deu-lhe uma vista de olhos e disse-me: “ – Levaste cento e cinquenta contos do inventário...?” Expliquei-lhe com calma que, enquanto ele andava por Lisboa nos trabalhos de deputado, eu andara de comarca em comarca a ouvir testemunhas, a fazer centenas de quilómetros no meu carro por minha conta, a trabalhar dezenas de horas, que o resultado fora excelente para os nossos clientes, a herança mais que avultada e que considerara que não merecia remuneração inferior à que o outro colega recebera. Não tugiu nem mugiu, assinou os dois cheques e embolsou o dele que montava a oitenta e tal contos. Foi o primeiro mês em que ganhei dinheiro que se visse e penso que o total dos ganhos do Dr. Alcides Monteiro como advogado nos dois anos e meio após o 25 de Abril até Novembro de 1976 era largamente inferior ao que ganhara só nesse mês de Novembro de 1976! Trabalhava o Dr. Alcides numa secretária modesta mas ampla embora atravancada com papéis da mais diver-

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sa proveniência: notifi cações judiciais, cartas e outras correspondências, Diários da República, apontamentos, tudo misturado com o mais espantoso e incrível bricabraque que imaginar se possa. Mas a verdade, e testemunhei o facto inúmeras vezes, é que o homem navegava perfeitamente naquele mare magnum de papelada com mais de trinta centímetros de altura, metia a mão pelo meio e encontrava sempre o papel que procurava. Também nunca me constou que se esquecesse de diligências ou deixasse passar prazos processuais por causa da barafunda da papelada. A mim é que me vacinou e serviu de exemplo: toda a minha vida tive o hábito de, mesmo quando não tinha tempo de dar o devido andamento a um assunto, arrumar os respectivos papéis de modo a não fi car um só que fosse em cima da secretária. Manias de cada um! Por detrás da cadeira em que se sentava, à sua mão esquerda, tinha o Dr. Alcides Monteiro metido um prego na parede no qual pendurava uma mola da roupa onde ia acumulando as cintas do Diário da República que cuidadosamente descolava para não rasgarem. Era nas costas destas cintas, de papel ordinário e acastanhado, que minutava os requerimentos e articulados que depois eram dactilografados para darem entrada em tribunal. Dizia que era para poupar papel! A minha mãe dizia coisa semelhante: estragar não é grandeza! Durante a semana eu costumava abrir todo o correio que mostrava ser relativo à profi ssão. A correspondência particular era posta de lado para que fosse aberta pelo Dr. Alcides quando chegasse de Lisboa. Poucas semanas antes de falecer no combóio no qual viajava para a capital, estava ele a abrir e a ler uma das tais cartas particulares vinda, tanto quanto me recordo, de França ou da Alemanha. Quando acabou a sua leitura, visivelmente incomodado, disse-me: “- Este fulano, que nem sequer conheço mas é fi lho dum cliente e amigo de muitos anos já falecido, escreveu-me há tempos para que lhe contestasse uma acção aqui no Tribunal da Feira. Respondi-lhe juntando a minuta da procuração a passar num consulado de Portugal e pedindo determinada quantia para os preparos judiciais. A procuração mandou-ma mas o dinheiro é que nunca veio. Paguei do meu bolso esses preparos e outros gastos. Quando fui notifi cado para apresentar o rol de testemunhas, além de já lhe ter escrito tempos antes enviando cópia da matéria de facto que tínhamos de provar e pedindo também os nomes das pessoas que estivessem a par do assunto, voltei

a insistir desta vez por telegrama. Nada, nem me respondeu! Fui para julgamento sem uma só testemunha e, naturalmente, perdemos a acção. Escrevi-lhe juntando cópia da sentença e nem de dinheiro lhe falei. Responde-me agora desta maneira. Lê!” Resumindo, a resposta era deste teor: cá recebi a sua carta e fi quei inteirado que perdi a acção. Não contava com outra coisa pois já me tinham prevenido que, advogados sérios, aparece um de cem em cem anos!!! Olhei o rosto do Dr. Alcides Monteiro onde, para além do desencanto e da mágoa, pressenti que a sombra da morte já pairava por perto. Que mais dizer deste homem? É certo que me não atrai o panegírico nem faço gosto em escrever hagiológios. O Dr. Alcides Monteiro não era um santo pelo que não conhecerá a glória de subir aos altares onde os seus devotos possam ajoelhar e pedir a intercessão divina para as suas afl ições. Era simplesmente um homem verdadeiro, de carne e osso como o comum dos mortais, exibindo embora um conjunto de qualidades pessoais e profi ssionais que o distinguiram e deram grandeza à memória que deixou nos que com ele privaram e tiveram o privilégio do seu convívio. Acumulou razoável património à custa de muito trabalho, de inexcedível probidade e de grande competência no exercício da advocacia. Mas poderia ter feito verdadeira fortuna se, com o seu saber e o seu poder dialéctico, tivesse optado pelas largas avenidas que conduzem às grandes causas e aos bolsos cheios dos possidentes e dos poderosos. Ao invés, preferiu trilhar as veredas difíceis por onde circulam os deserdados e os infelizes a quem tantas vezes acudiu. Observou inexcedível fi delidade às suas convicções políticas que assentaram no amor à república, à democracia e ao socialismo democrático. Entrou e saiu da política de cabeça erguida e com as mãos limpas. Nos dias que correm dizer-se isto de um cidadão não é dizer pouca coisa. E só me fi ca uma mágoa que muitos que o conheceram comigo compartilham: o que acabei agora de escrever deveria ter-lhe sido dito na homenagem que em vida os seus conterrâneos tinham a obrigação de lhe ter prestado. Nestas Terras de Santa Maria - ilustres por tantos títulos – fi ca a má consciência de não terem sido capazes da generosidade do reconhecimento que o Dr. Alcides Monteiro tão amplamente merecia quando ainda se encontrava entre nós. De minha parte também devo penitenciar-me de, no

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convívio breve mas íntimo que com ele mantive, não lhe ter feito sentir, de forma mais visível, a admiração que por ele

tinha e a estima e amizade que lhe devotava. Como se fora pessoa da minha família.

PREVENÇÃO AO PIO LEITOR:

O que fi ca escrito pretende ser a reprodução do que disse no dia 9 de Abril de 2010 na homenagem que foi prestada ao Dr. Alcides Monteiro no Salão de Armas do Castelo da Feira. Esta intervenção oral seguiu o trilho de uns tópicos que tinha anotado num pequeno papel pelo que é naturalmente impossível a sua reprodução exacta.

Sucede que na intervenção oral algumas coisas ocorreram no momento e que agora já não recordo sendo de todo em todo impossível reconstituir. Ao escrever a intervenção que antes produzira verbalmente é óbvio que tive a possibilidade de apurar a forma literária e acrescentar este ou aquele pormenor que tinha esquecido ou que só agora me ocorreu. Mas a ossatura deste texto é, com as apontadas variações, fi el ao espírito que orientou a minha sincera homenagem ao Dr. Alcides Monteiro.

Aspectos do convívio que precedeu o jantar de homenagem realizado no Salão Nobre do Castelo da Feira.

Finalmente: quando me encomendaram o sermão que agora verti para o papel aplicaram-lhe o nome pomposo de “oração de sapiência”. Se isto que escrevi pode ser considerado como uma “oração de sapiência” então parece que me aconteceu milagre idêntico ao que sucedeu com o carpinteiro das serranias de Mestre Aquilino Ribeiro que o escritor descreve como o artesão mais incompetente e desajeitado de que havia memória por aquelas almuinhas. Um dia pegou de um bocado de madeira para fazer uma gamela para a comida do cão e – prodígio dos prodígios! – saiu-lhe uma viola. Ora deve-me ter acontecido prodígio semelhante se alguém, ao ler estas páginas, tiver a toleima de pensar que o texto que atrás fi cou exarado é uma “oração de sapiência”!

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Celestino Portela*

Tão breve passa, tudo quanto passa. Morrer é só não ser visto. F. Pessoa

Com a sensação de que foi ontem, perfazem-se este mês 33 anos sobre a morte tão imprevista do Dr. Alcides Strecht Monteiro. Sobre estas efemérides, nascimento e morte, fi ca-nos a sensação de quanta razão assiste a Fernando Pessoa nos versos que citei.

No passado dia 9 de Abril foi comemorado no Salão Nobre do Castelo da Feira o Centenário do seu nascimento. Local de excelência o escolhido pela Comissão Promotora, pois não havia no nosso concelho outro melhor para esta evocação.

O sogro de Alcides Monteiro foi um dos homens que se dedicaram à recuperação do Castelo quando gerações assistiam, impávidas, à sua ruína. Afonso Couto fez parte da Sociedade do Castelo,

fundada em 1905, com o patriótico objectivo de dar vida ao Monumento, e que teve o êxito de o preparar para receber o Rei D. Manuel II quando, em 23 de Novembro de 1908, veio presidir à inauguração do Caminho de Ferro do Vale do Vouga.

Alcides Monteiro, após a renúncia do Dr. Roberto Vaz de Oliveira, assumiu a Presidência da Comissão de Vigilância do Castelo da Feira em Junho de 1974, de cuja Direcção fi z parte como Vice-Presidente.

Hoje, seu fi lho, o Sr. Dr. Manuel Afonso Strecht Monteiro, é membro da Direcção, da Presidência do Sr. Engenheiro Ludgero Marques, Direcção que é a responsável por todo o gigantesco trabalho que temos o agradável prazer de fruir.

Três gerações com afi nidades ao Castelo, são razões de sobejo para que a cerimónia evocativa do Centenário do nascimento de Alcides Monteiro aí tivesse ocorrido.

O tempo voa, o tempo foge, tão rapidamente que me vejo, ainda como estudante de Direito, a tomar posse do lugar de Sub-Delegado do Procurador da República na Comarca da Feira, altura em que conheci pessoalmente o Dr. Alcides Monteiro, e hoje, como Decano dos Advogados da Comarca, evoco, nesta Revista, a sua Memória. Era um Advogado no apogeu da sua carreira, com 48

*Decano dos Advogados da Comarca da Feira.

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anos de idade, com muito serviço profi ssional, com muitos e dedicados clientes. Com um verbo fácil e fl uente, apoiado numa cultura cimentada por muito saber e estudo; as suas peças cuidadas, evidenciavam a sua preparação jurídica e um grande poder de síntese; afável no trato, Colega solidário. Da vivência mais íntima com o Advogado distinto que foi, dá melhor testemunho o Sr. Dr. Manuel Lima Bastos que com ele estagiou, que viveu o quotidiano de atender clientes, dar o seu aconselhamento, estudar os casos, preparar as peças forenses, até à saída para o Tribunal, acompanhando-o, nessa luta constante e cujo trabalho publicamos nesta Villa da Feira. Politicamente era o símbolo da oposição ao regime, qualidade que lhe apreciava.

Alcides Monteiro foi membro da Comissão Promotora da Homenagem ao Sr. Dr. Ângelo Sampaio Maia, – das mais ilustres fi guras Feirenses, Egrégio Republicano, Ministro da República, Presidente da Câmara MUnicipal de Lisboa, Governador Civil de Aveiro, Deputado ao Parlamento, grande Benemérito e Benfeitor, – que em 21 de Maio de 1964 lhe foi prestada. Foi das manifestações mais vivas de gratidão e admiração que se prestaram na nossa Terra. Ouvi intervenções brilhantes, serena do Dr. Ferreira Soares e empolgante do Dr. Alcides Monteiro, e o sábio discurso de agradecimento do homenageado, das mais belas intervenções públicas a que assisti, e que recordo com saudade, e neste sentimento não posso esquecer que o convite para participar nessa justíssima homenagem me foi dirigido pelo Dr. Alcides Monteiro.

Comissão Promotora da Homenagem ao Senhor Doutor Ângelo Sampaio Maia.

1º Plano - Dr. Alexandrino de Albuquerque, Dr. Roberto Vaz de Oliveira, Dr. Ângelo Sampaio Maia e Esposa Senhora Dona Maria Emília Sampaio Maia e Dr. Domingos Trincão.2º Plano - Eduardo Coimbra, Aníbal Alves, Dr. Fernando Ferreira Soares, Dr. José Correia de Sá, Dr. Alcides Monteiro, Dr. Domingos Sousa, Francisco Neves, António Carneiro e Artur Lima.

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Sublinho, com prazer, a circunstância do Senhor Dr. Fernando Sampaio Maia, neto do homenageado de então, integrar a Comissão Promotora do Centenário que se comemora.

Em números especiais do Jornal República, para colmatar as difi culdades em que vivia, pedia-me para apoiar com um anúncio, a que sempre acedi. Por seu intermédio fui inscrito assinante da Revista Seara Nova. Quando recebia livros fora do circuito comercial das Livrarias, ou porque já apreendidos pela censura, o Sr. Manuel José Sampaio, seu dedicado colaborador, vinha trazer-me exemplares. Lembro-me de Palavras sem Eco de António Correia, dedicado aos democratas do Concelho de Fafe. Outro O Canto e as Armas, de Manuel Alegre, a hoje raríssima primeira edição, Porto – 1967, permitiu-me conhecer esse grande e combativo poeta de que me tornei entusiástico apreciador:

“Senhor do mar e em terra dependente Conquistado de cada vez que conquistaste.”

“Se em cada um de nós há ainda um marinheiro Vamos achar em Portugal quem nunca fomos.”

Devo ao Dr. Alcides Monteiro o primeiro contacto com a poesia de Manuel Alegre, e a preciosidade bibliográfi ca que adquiri, mais tarde enriquecida com simpática dedicatória.

Outubro de 1969 foi um mês de esperança.Realizavam-se, a 26, eleições para Deputados à Assembleia Nacional, as primeiras na chamada Primavera Marcelista, esperança de eleições livres, e as últimas em que participou contra o Estado Novo. Alcides Monteiro foi candidato pelo Distrito de Aveiro nas listas da Oposição Democrática.Em artigo que intitulou “5 de Outubro de 1910 – Eleições de 1969”, escreveu:

Celestino Portela com o Prof. Doutor Carlos Alberto da Mota Pinto.

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Praça da República, 1º de Maio de 1974.

“Não pagueis com o voto, os favores pessoais que vos tenham prestado. Votai em consciência. Escolhei com liberdade. O voto deve representar a vontade da pessoa. Ninguém tenha medo de exprimir a sua vontade consciente perante as urnas. Se todos os democratas souberem cumprir o seu dever, prestarão a melhor homenagem que se pode prestar aos heróicos lutadores que implantaram a República.”

Alcides Monteiro convidou-me para seu delegado à assembleia de voto que funcionou na Escola Primária Feminina, ao Pontão, hoje demolida. O acto decorreu com dignidade; sei, porém, que algumas pessoas que se apresentaram para votar não o puderam fazer porque não constavam dos cadernos eleitorais. No fi nal, porque não podia assistir à contagem dos votos, fui convidado a sair. Foi uma experiência vivifi cante, que me permitiu ver o entusiasmo que se verifi cou no concelho ao redor da sua candidatura e as ilusões que se viveram, e a Primavera retroceder para o Inverno.

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Dr. Alcides Monteiro e Dr. Manuel António Silva Bastos sobem o escadório da Cãmara Municipal.

Dr. Luis Resende acompanha o Coronel Amilcar Alves ao salão Nobre da Câmara Municipal

António Lamoso faz a entrega de um ramo de fl ores ao Coronel Amilcar Alves. Ao centro o Dr. Alcides Monteiro.

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29 de Abril de 74, Dª Maria da Luz Alburquerque discursando na Estalagem.

Celestino Portela, após a sua intervenção, lê poemas de Manuel Alegre.

Alcides Monteiro discursa na estalagem. Rossio, no primeiro 1º de Maio.

Cemitério de Nogueira da Regedoura, Dr. Lima Bastos, Dr. Manuel António Bastos, Dr. Ferreira Soares, Dr. Alcides Monteiro, 29 de Abril de 74.

Dr. Alcides Monteiro, junto dos familiares de Carlos Ferreira Soares, discursa para a multidão.

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A Revolução de 25 de Abril foi recebida com grande entusiasmo na Vila da Feira, como em todo o País. Foi como que erguido um Arco de Triunfo onde se registaram estados de alma, os momentos vividos em sintonia:– Circulação de pessoas com cartazes vitoriando as Forças Armadas, e o fi m da guerra colonial;– A Praça da República repleta de entusiásticos cidadãos, janelas acolchoadas, a receber os elementos das Forças Armadas na Câmara Municipal, com as varandas apinhadas de gente;– Organização de uma romagem ao Cemitério de Nogueira da Regedoura, à sepultura de Carlos Ferreira Soares;– Sessões de esclarecimento;– Jantar na Estalagem de Santa Maria a comemorar o fi m da ditadura, com várias e vibrantes intervenções.

Foi aí que ouvi, pela primeira vez, a Dª. Maria da Luz Albuquerque falar em público.

Ao rever as fotografi as da época impressiona ver o entusiasmo generalizado, o sentimento de fraternidade que se viveu. Alcides Monteiro foi uma fi gura marcante em todos esses momentos, com infl amadas intervenções, e a alegria de ver chegada a Hora que ambicionara. Depois… todos se voltaram nesse imaginário Arco do Triunfo a contemplar as muitas Avenidas, Estradas e Vielas que dessa Praça partiam ao encontro do Pais... Numa Avenida divisei o meu colega de curso, querido amigo, com avoengas raízes em Santiago de Lobão, Carlos Alberto da Mota Pinto, e fui ao seu encontro a saber novas do País Novo… Naturalmente Alcides Monteiro manteve a sua antiga cumplicidade com Eduardo Ralha, Mário Cal Brandão, Costa e Melo, Almor Viegas, Seiça Neves, e tantos outros. E cada um tomou, em consciência e em liberdade, o caminho da sua Esperança… o que fi zeram alguns Amigos, Colegas, Familiares e Companheiros de jornada republicana do Dr. Alcides, o que lhe causou tristeza, não por terem seguido caminho próprio, mas por não se identifi carem com o seu credo laico.

Alcides Monteiro, no curso das vicissitudes que surgiram no caminho, – marxismos, nacionalizações, colectivizações, cerco à Assembleia da República, Embaixada de Espanha,

Rádio Renascença, Jornal República, Fonte Luminosa, Estádio das Antas, – esteve sempre ao lado dos valores Democráticos e da Liberdade, Honra e Justiça lhe seja feita. Em 1976, por dever cívico e por amor à nossa Terra, integrei uma lista que se candidatou à Câmara Municipal, e o Dr. Alcides Monteiro foi o primeiro nome de uma outra lista concorrente.

Fomos adversários nessas eleições.

Em todas as intervenções que fi z, em todos os comícios em que participei, sempre teci elogios ao Dr. Alcides Monteiro, com total respeito pelo seu passado de luta contra o Estado Novo, salientando a mais-valia que representava para o Concelho como Deputado eleito à Assembleia da República, com o seu peso político, as suas relações de amizade e prestígio junto do poder central.

Alcides Monteiro, Deputado à Assembleia da República, exercia também o cargo de Vereador da nossa Câmara quando a morte bruscamente o surpreendeu na viagem para Lisboa, o que representou uma grande perda para o nosso Concelho, e para a Democracia, que todos sentimos e lamentamos. O Concelho e o País, a Assembleia da República e a Câmara Municipal, prestaram-lhe as homenagens devidas. O seu funeral foi uma sentida manifestação de pesar e dor, que trouxe à Vila da Feira e a Fiães, grande multidão de amigos, colegas, admiradores.

Morreu ao serviço da Democracia que, também com o seu esforço, foi restaurada em Portugal. A evocação do Centenário do Nascimento, Alcides Monteiro bem a merece: a Homenagem em Liberdade, pelo caminho da Democracia, com respeito pelas ideias e ideais, e pelo direito de publicamente as expressar. É a hora de sobre ele ser feita uma refl exão, um estudo, que nos fi xe a sua Personalidade Política. Portanto, que a História tenha a sua palavra.Não devemos consentir que a fi cção seja espelho de outra realidade, que não a verdade. E saliento-o porque recentemente foi publicado um livro, “Vento de Pedra”, de um grande e laureado escritor, que muito estimo e aprecio, Manuel Córrego, em que muitos quiseram ver no personagem Alcides Ponteiro, o Advogado Dr. Alcides Monteiro.

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Essa personagem não revela a vida do Dr. Alcides Monteiro, mas fi cciona o movimento de oposição ao regime e aqueles que sofreram por amor dessa causa, como estas passagens mostram:

“Para se levantar o emplastro colocou como condição chamar Alcides Ponteiro, não para o advogado lhe dar assistência… mas para preencher a quadrilha necessária à bisca sueca das noites fundas, de sol a sol”.

“O Doutor Alcides, o tal que tinha sempre a trouxa pronta à espera da visita que lhe faziam os verdugos das secretas”.

“O Advogado dos pobres, em tudo e por tudo a pessoa mais bondosa do mundo, no que respeitava ao velho abutre, vou ali e já venho, não demorava um fósforo a meter-se em novas galhardas.” “Foi o tal que esteve preso uma data de meses porque se recusava a escrever mocidade portuguesa com maiúsculas, como mandava a auréola da prestimosa instituição.

“Amigo íntimo do colega das “Quatro Causas”, uma das maiores referências morais do Século Português, foi por ele defendido no Tribunal Colectivo, o tal que funcionava à base do testemunho dos inquisidores, eles mesmos.”

“Uma ocasião o caso foi a tais desesperos que o defensor despiu a toga, e encarou de frente os Juízes de tarefa e lançou-lhes em pleno rosto: Vão Vossas Excelências à m…Alcides Ponteiro o que lhe doía era a dor do Amigo: “Ó Francisco, o que tu foste fazer!”

“O abade fez-se de novas para ver se desatava a língua de Bento Meireles ou ao despassarado doutor Alcides, …”

Uma excelente obra de fi cção, que nos fazem viver a clandestinidade, a luta da oposição, o esforço, o sacrifício, em que Alcides Ponteiro será um símbolo que encarna muitos outros, que são também as vivências dos companheiros de jornada. Manuel Córrego quis, no meu ponto de vista, no personagem Alcides Ponteiro homenagear todos os que lutaram contra o Regime, sublimando o testemunho de alguns

como vivências dessa personagem. E aí encontramos um sentido de homenagem e não referências biografi cas.

Alcides Monteiro fi cará como exemplo de um Homem que acreditou, lutou e viu o sonho tornar-se realidade. Que sonhou a Democracia a unir os homens, mas os homens em Democracia separaram-se e recomeçaram novos ciclos pela acumulação de riquezas e privilégios nas mãos de alguns /outros e de pobrezas nas de muitos. Esse ideal de Democracia e Liberdade que, ao contemplarmos o Mundo nos ensombrados dias de hoje, nos lembra Pessoa: Só na ilusão da Liberdade a Liberdade existe.

Vamos colher do seu exemplo: Sonhar, acreditar, lutar para que o sonho se torne realidade um dia ...

A Ver o Sol, 25 de Abril de 2010.

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137 O BATALHÃO DE CAÇADORES N.º 11 ENTRE TOULOUSE E A FEIRA, EM 1814

Manuel Jorge Pereira de Carvalho*

É necessário fazer um pequeno enquadramento geopolítico para se compreender o itinerário da força portuguesa entre a cidade Francesa de Toulouse e a nossa Santa Maria da Feira, naquele ano de 1814. Torna-se também importante realçar alguns feitos deste Batalhão de Caçadores n.º 11 (1).

1.1. Antecedentes

Napoleão Bonaparte, imperador francês, após a tomada de Paris pelas tropas aliadas (Prussianos, Russos e Austríacos), em 31 de Março de 1814, fora obrigado a capitular e pelo tratado de Fontainebleau (11 de Abril de 1814), sendo desterrado para a ilha de Elba.

Entretanto a Ocidente, junto da fronteira com a Espanha, já dentro de solo francês, as forças inglesas, espanholas e portuguesas batiam-se com os restos do exército em retirada da Península Ibérica, sob o comando do marechal Soult. Os dois contendores eram desconhecedores do que se passava ao redor de Paris e ao seu imperador e, por isso, em 10 de Abril de 1814 deu-se a batalha de Toulouse que as tropas aliadas, comandadas pelo duque de Wellington, ganharam ao marechal Soult, embora à custa de 8.000 perdas (mortos, feridos e desaparecidos), obrigando-o a desocupá-la, em 12 daquele mês. Contudo a refrega continuou e, em 14 de Abril de 1814, os franceses sitiados na cidade de Baiona fi zeram uma sortida sobre as tropas aliadas (inglesas, espanholas e portuguesas) provocando numerosas perdas, além de ferirem e aprisionarem o comandante inglês, general Hope.

Em 30 de Maio de 1814, foi assinado o primeiro tratado de paz de Paris, em que a França fi cava reduzida às suas fronteiras de 1792. Até então a França estivera em vantagem, porque pudera enfrentar os seus adversários apoiada na força do número de homens que conseguia mobilizar, mas sobretudo pelo facto dos combatentes estarem imbuídos do espírito nacional. Esta última característica atemorizava os estados absolutistas europeus que não pretendiam o despertar dos povos. Por mímica, os outros estados europeus começaram a utilizar os mesmos meios da França: o número e o espírito nacional, tendo uma ajuda preciosa da natureza. O grande

(1) Aqui poder-se-ia ter ido mais além, apresentando os nomes dos homens que compunham as 6 companhias do batalhão, a quantidade de armamento e fardamento que foram levantados no Arsenal para a prontidão desta unidade militar. Ou também referir o esforço pecuniário que este batalhão custou a Portugal. Tudo isto poderá fazer parte de um pequeno apontamento futuro.

* Coronel.

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exército imperial francês soçobrará perante a força impiedosa do espaço russo e do seu rigor meteorológico, em 1812, fi cando sepultado nas neves ou afogado nas águas geladas do Beresina, destino de alguns milhares de portugueses que o integraram. Mesmo com o levantamento de novo exército de 400.000 homens (os “Maria Luísa”), durante o ano de 1813, afundou-se Napoleão na batalha de Leipzig ao enfrentar Russos, Austríacos e Prussianos, pois dos soldados veteranos poucos tinham sobrado. Estavam reunidas as condições para a Europa regressar ao status quo de antes da Revolução de 1789! Agora, depois do tratado de 30 de Maio, as tropas que ocupavam o solo francês, fi nalmente, poderiam regressar aos seus países. Foi no 1 de Junho de 1814 que as tropas portuguesas iniciaram o movimento de regresso a Portugal.

1.2. Os Caçadores no Exército Português

Os Caçadores de Infantaria, especialmente no período da Guerra Peninsular, tornaram-se num corpo militar bem conhecido, sobretudo após a reorganização do Exército Português por parte de Beresford, após uma dolorosa experiência inicial durante as Invasões de 1801 e 1808.

Apesar dos primeiros seis Batalhões de Caçadores terem sido criados por Decreto de 14 de Outubro de 1808, existia já um Corpo de Tropas Ligeiras, talvez desconhecido de muitos, a Legião de Tropas Ligeiras, sob o comando do Marquês de Alorna.

A Legião de Tropas Ligeiras foi criada por Decreto de 7 de Agosto de 1796, e para a época, foi a introdução de um novo conceito no Exército Português, cuja estrutura permanecia inalterada desde as reorganizações do Conde de Lippe em 1764. Lembre-se que este último havia transformado um aparelho militar fraco e desmoralizado numa efi ciente máquina de guerra, um pouco ao género do prussiano, apto a enfrentar a ameaça espanhola que pendia novamente sobre Portugal (1801).

A Legião de Tropas Ligeiras foi denominada, por vezes, de Legião Experimental, tal como acontecia simultaneamente na Inglaterra, quando se criaram os Rifl es Regiments.

A Legião consistia num Batalhão de Infantaria Ligeira, a oito Companhias, três Esquadrões de Cavalaria e uma Bateria de Artilharia de Montanha equipada com quatro peças de seis libras, num total de 1.339 homens. O Marquês de Alorna adaptou os manuais franceses para o treino básico das tropas, mas, apesar de inovador, este grupo permaneceu na sombra do aparelho militar. As reformas militares de 1806 não afectaram a Legião de Tropas Ligeiras, acabando esta por ser desmobilizada a 22 de Dezembro de 1807, durante a 1.ª invasão francesa de comando do general Junot.

Outro corpo, igualmente um digno predecessor dos Caçadores, foi a Leal Legião Lusitana. Apesar de ser uma unidade ao serviço directo dos britânicos, foi composta com emigrados portugueses em Londres, e posteriormente com recrutamentos levados a cabo no Porto, logo após a primeira invasão, nos fi nais de 1808. A Leal Legião Lusitana deveria ter sido composta por três batalhões de Infantaria Ligeira, mas apenas dois Batalhões acabariam por ser mobilizados, a dez Companhias cada um, totalizando 2.300 homens. Havia sido igualmente planeada a formação de 3 Esquadrões de Dragões, mas só um pequeno corpo de Guias a cavalo viria a ser criado. Para apoio de fogos, contavam a Leal Legião Lusitana com uma bateria de quatro peças de campanha ligeiras e dois obuses.

O primeiro comandante da Leal Legião Lusitana foi o ousado Sir Robert Wilson, que fez com esta unidade militar ganhasse uma excelente reputação pela sua capacidade de fogo e de choque, fl anqueando e surpreendendo com frequência os franceses, na Espanha, onde primeiro foi empregue e, depois, no Norte e no Centro de Portugal.

A estrutura hierárquica da Leal Legião Lusitana consistia em 65 ofi ciais britânicos e 35 portugueses, sendo todos os outros postos hierárquicos preenchidos por portugueses. Mais tarde, com a substituição de Robert Wilson, a Legião entrou num período de declínio até à sua extinção em 1811, sendo todos os efectivos distribuídos pelos recém-criados, na altura, 7º, 8º e 9º Batalhões de Caçadores.

Depois de se referir os antecedentes dos Corpos de Caçadores e retornando ao fulcro desta descrição, os decretos

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de 19 de Maio de 1806 e de 8 de Outubro de 1807 tentaram imprimir ao Exército Português uma estrutura mais efi ciente e moderna, mas não foi a tempo, nem tão pouco sufi ciente para conter o avanço francês e a posterior ocupação de Lisboa.

Após várias insurreições populares a 13 e 14 de Dezembro de 1807, um dos primeiros actos de Junot foi a drástica redução do Exército Português: os 24 Regimentos de Infantaria de Linha foram reduzidos a 6 e os de Cavalaria de 12 para 3. Foi criada a Legião Portuguesa ao serviço de França que nos últimos dias de Março de 1808 se dirigiu para aquele país via Salamanca, iniciando um percurso que acabaria tragicamente nas planícies geladas da Rússia, restando algumas centenas dos 6.000 homens que formaram este contingente.

Após o desembarque britânico na praia de Buarcos a 1 de Agosto de 1808 e com as vitórias da Roliça e do Vimieiro, os franceses foram expulsos e Junot forçado ao armistício, assinado na Convenção de Sintra, a 30 de Agosto de 1808. Com a presença britânica em Portugal e a ameaça francesa temporariamente afastada, o governo português, com a contratação do general inglês Beresford procedeu-se a uma urgente reorganização do Exército Português, incluindo a criação dos 6 Batalhões de Caçadores.

Como já foi referido atrás, os Caçadores surgiram após o decreto de 14 de Outubro de 1808, embora só a 15 de Dezembro daquele mesmo ano se iniciasse a mobilização, geralmente nas províncias interiores de Portugal.

Os 1.º, 2.º e 4.º Batalhões foram mobilizados nas províncias fronteiriças da Beira e do Alentejo; o 3º e o 5º em Trás-os-Montes e o 6º no Minho. A generalidade das tropas de Caçadores era constituída por homens da montanha e com hábitos de caça, com experiência no manejo individual de armas, de uma forma muito diferente do fogo de massa que praticava a Infantaria de Linha.

Como muitas outras unidades congéneres na Europa, os Caçadores Portugueses deveriam fl anquear as posições inimigas e fustigar alvos selectivos. Isto foi possível quando os Caçadores receberam a dispendiosa, mas efi ciente e, por isso, famosa carabina Baker de fecho de pederneira e cano de alma estriada, sendo na Península Ibérica unicamente

distribuída aos soldados portugueses que a usavam a par da elite dos militares ingleses.

A estrutura de um Batalhão de Caçadores era composta por um Corpo de Estado Maior e cinco Companhias de 123 homens cada. Em cada Batalhão existia uma Companhia de Atiradores, estes com elevada especialização no tiro apontado e que recebiam as carabinas Baker. As outras 4 Companhias usavam mosquetes de alma lisa ingleses Brown Bess e a sua actuação era mais similar ao da Infantaria Ligeira, com ataques rápidos em ordem dispersa.

Esta estrutura foi mantida após a reorganização do Exército Português entre 1809-1811 e a experiência positiva do uso de Caçadores levou à criação de mais 6 Batalhões em Maio de 1811, com vista ao reforço do Exército Anglo-Português com tropas com amplo poder de fogo, de choque, e com grande movimento, e por isso fi áveis e aptas a lutar nos terrenos difíceis de Portugal e Espanha. Desta forma, o Exército português pode contar com o 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º Batalhões de Caçadores, de modo a que cada um deles integrasse uma brigada de infantaria(2). No quadro de pessoal, existiu uma oscilação de efectivo. Dos 628 homens do batalhão de caçadores padrão, passou, a partir de 20 de Abril de 1810, para um efectivo de 695. Pouco tempo depois, o seu número atingia os 846 militares, com o aumento de uma companhia, a 6.ª, e com a elevação do efectivo, 138, (123 da companhia padrão). Após o Tratado de Paz de Paris (1814), deu-se uma redução do efectivo do Batalhão de Caçadores para 438 praças, embora, em Fevereiro de 1816, aumentasse novamente para 693 homens.

Os Caçadores portugueses envolveram-se nas mais árduas batalhas da Guerra Peninsular, em virtude de serem os primeiros a estabelecerem o contacto com o inimigo, tornando-se num dos mais fi áveis aliados dos Britânicos, o que aliás se estendia a todo o Exército Português.

Para rematar este capítulo, há que referir: Os Soldados de Caçadores foram sempre homens humildes e de boa vontade,

(2) A constituição de uma brigada de infantaria era composta por 2 regimentos de infantaria de linha e 1 batalhão de caçadores.

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mas simultaneamente duros e tenazes combatentes. Nas grandes batalhas, no Buçaco, em Albuera, em Salamanca, em Vitória, em Hortés e em Toulouse, os Caçadores Portugueses portaram-se de igual para igual com os seus camaradas ingleses, atacando repetidamente o inimigo francês e nunca desistindo. Tornaram-se também conhecidos por nunca terem deixado para trás os seus camaradas feridos, apesar de muitas vezes combaterem longe da sua pátria e mostrando uma grande resistência frente às difi culdades do terreno, às longas e fatigantes marchas e ao instável clima da Península Ibérica. Para além de historiadores portugueses, estes factos foram relatados por muitos Ofi ciais britânicos que estavam ao serviço do Exército Português. O próprio Wellington, talvez o mais severo juiz de soldados, que chamava às sua próprias tropas “a escumalha da terra”, não hesitou em considerar as Tropas Portuguesas, com destaque para os Caçadores, como as suas “Fighting Cocks of Army”, ou seja, os Galos de Guerra do Exército.

1.3. O levantamento do batalhão de caçadores n.º 11

Como atrás se referiu, para que o exército português funcionasse como o inglês, onde as unidades militares se agrupavam em divisões, brigadas, regimentos, batalhões e companhias, foi necessário criar mais 6 batalhões de caçadores, para somar aos 6 já criados. Desta forma, cada uma das 12 brigadas portuguesas tinha na sua composição um batalhão de caçadores, além dos 2 regimentos de infantaria de linha que a integravam.

O preâmbulo da Portaria de 20 de Abril de 1811 defi ne qual o objectivo para a criação de mais 6 batalhões de caçadores: «Tendo mostrado a experiência o bom serviço que têm feito na presente Guerra os Batalhões de Caçadores do Exército; e fazendo-se evidente quanto será conveniente proporcionar o seu número, de modo que a cada Brigada de Infantaria corresponda um Batalhão destes Corpos»(3).

Nesta mesma portaria, foi também defi nido o encargo do levantamento de cada batalhão. Ao Partido do Porto foi dado o encargo do recrutamento dos batalhões n.º 10 e n.º 11. Assim, coube às Terras de Santa Maria, cuja cabeça era a Vila da Feira, mais um encargo suplementar na soberania e na defesa(4), com mais um batalhão de caçadores, para além das tropas para um regimento de infantaria de linha e o n.º 6 de Caçadores, uma companhia de milícias(5), ordenanças, tropas para artilharia n.º4, soldados de cavalaria e homens para a Armada. Santa Maria da Feira, como as demais terras de Portugal efectuaram enorme esforço para recrutarem os 30.000 homens que compunha o nosso exército de 1.ª linha e que combateu até França, deste 1808 até 1814 no período da Guerra Peninsular. A acrescentar a tudo isto temos uma

(3) MARTELO, David – Os Caçadores. Os Galos de Combate do Exército de Wellington. Lisboa: Tribuna da História, 2007. p. 39.

(4) As reformas do Conde de Lippe (1763-1764) dividiram o exército em 3 linhas. Na primeira linha, a Infantaria com um efectivo de 20.688 homens, dividia-se em 24 regimentos e 1 de voluntários do Algarve; a Cavalaria, com efectivo de 5.838 homens, em 14 regimentos; e a Artilharia, num efectivo de 2.880 homens, a 4 regimentos. Na 2.ª linha, estavam os terços de auxiliares. Na 3.ª linha, estavam as companhias de ordenanças, divididas em capitanias mores. Numa previsão já de guerra e face aos ensinamentos trazidos pela nossa participação na campanha do Russilhão e da Catalunha (1793-1795) e no desastre militar da Guerra das Laranjas (1801), foram publicadas as reformas militares, em 19 de Maio de 1806, para dar mais operacionalidade à força armada e permitir que as tropas combatentes chegassem às fi leiras mais motivadas. A reforma continua a ter como cabouco, a mesma de Lippe com as 3 linhas de tropas, aparecendo nomes novos. Na 1.ª linha, o nosso País era dividido em 3 Divisões e os regimentos agrupavam-se em 4 brigadas. A Divisão do Norte (Norte do Douro) tinha 8 regimentos de infantaria, 4 de cavalaria e 1 de artilharia (4.º do Porto), agrupados em 4 brigadas. A Divisão do Centro (Entre Douro e Tejo) tinha a mesma confi guração da do norte. A do Sul (Alentejo e Algarve) com a mesma confi guração em infantaria e cavalaria, mas com mais um regimento de artilharia (2.º Reg. do Algarve e 3.º de Estremoz). Existia uma força de tropas que estava desenquadrada destas 3 divisões: Legião de Tropas Ligeiras. Na 2.ª linha, os antigos terços de auxiliares, chamavam-se milícias (48 regimentos) (Lei de 21 de Outubro de 1807). O País era dividido militarmente em 24 partes iguais em população (centros de recrutamento!), as brigadas de ordenanças. Cada brigada de ordenanças fornecia para a 1.ª linha um regimento de infantaria e para a 2.ª, dois regimentos de milícias. Quanto à 3.ª, as ordenanças eram agrupadas em 24 brigadas. Além desta organização militar e de recrutamento, apareceram no mesmo período os 7 (sete) Governos Militares: 1.º - Província do Minho; 2.º Trás-os-Montes; 3.º Beira (a partir de 1800, para dar comando ao general Lecor!); 4.º Estremadura; 5.º Alentejo; 6.º Reino do Algarve; e 7.º Partido do Porto (apareceu a partir de 1758, após a abertura da barra de Aveiro, fi cando com os seus limites entre a Vila do Conde e a Foz do Mondego).(5) A determinação dos feirenses foi demonstrada muitas vezes durante estas anos difíceis da Guerra Peninsular. A título de exemplo: A boa conduta das milícias da FEIRA que eram a tropa de guarnição da praça de Almeida e mostraram a sua determinação diante dos franceses como está referido em Ordem do Dia de 1812, enquanto as outras milícias do Porto, Aveiro, Oliveira de Azeméis e do Minho fugiram em debandada diante do inimigo quando este atacou a cidade da Guarda.

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grande crise social, política e económica, de muita turbulência entre 1808-1809, assistindo-se a vinganças e assassínios, sofrendo as populações com um enorme surto de banditismo e ladroagem.

Assim, o Batalhão de Caçadores n.º 11 foi criado pela portaria publicada em Ordem do Dia de 4 de Maio de 1811. Como o Partido do Porto tinha o encargo operacional de recrutar mais um batalhão de caçadores, calhou às Terras da Feira o levantamento e a sede deste 11 de Caçadores de Infantaria.

O Batalhão de Caçadores n.º 11 esteve em formação e instrução, entre Junho de 1811 e Janeiro de 1812 no Porto. Em Fevereiro de 1812, marchou para o teatro de operações, fi cando em Coimbra o mês de Fevereiro, mas em Março já se encontrava em Elvas. A partir de 16 de Março de 1812 começou o baptismo de fogo para os militares do Caçadores do n.º 11 com o 3.º sítio (cerco) da praça de Badajoz que se prolongou até 7 de Abril de 1812. As operações militares prolongaram-se por dois dias, dando o seu melhor, os homens recém-formados do Batalhão n.º 11 estiveram no assalto e tomada da praça de Badajoz no dia 6 de Abril e na tomada do forte de S. Cristóvão de Badajoz, 7 de Abril. Durante o ano de 1812 manteve-se ao redor de Badajoz, o que sucedeu em Junho (onde no anterior se dera a sangrenta batalha de Albuera), estacionando depois em Elvas, onde se permaneceu até Janeiro de 1813.

Em 21 de Junho de 1813, já no País Basco, o Batalhão de Caçadores n.º 11 entrava na Batalha de Vitória. Na organização para o combate compunha a brigada Power, comandada pelo brigadeiro Manley Power, formada pelos regimentos de infantaria n.º 9 e 21, além de caçadores que foram louvadas na Ordem do Dia de 1 de Julho de 1813. Por esta acção, tão brilhante, fora dada bandeira a 2 batalhões de caçadores, o n.º 7 e o n.º 11(6). Foi um feito importante

no desfecho da guerra, pois além de apanhar o saque que os franceses tinham efectuado na Península, os aliados conseguiram conquistar a maioria das peças de artilharia do exército imperial em retirada, comandado pelo rei José Bonaparte.

A guerra continuava e os aliados perseguiam os franceses em retirada. Assim, entre 30 de Junho e 18 de Julho, o 11 de Caçadores esteve no bloqueio de Pamplona. Na Ordem de Batalha de 30 de Junho de 1813 as tropas portuguesas de comando de Beresford estavam organizadas em brigadas, onde o batalhão de caçadores 11, de comando do tenente-coronel Dursbach,(7) fazia parte da 4.ª brigada do brigadeiro Power, conjuntamente com os regimentos 9 e 21 de infantaria. A maioria dos comandantes das unidades portuguesas eram estrangeiros, em grande parte ingleses. Como atrás se referiu, era compreensível pois o nosso exército combatia integrado nas forças inglesas. Ora a táctica era ministrada por ofi ciais ingleses, por isso eram eles os comandantes, embora existissem imensos ofi ciais portugueses no comando de unidades.

Os combates continuavam acesos e em 28 e 30 de Julho de 1813 feriu-se a Batalha dos Pirenéus, onde estiveram empenhados o 11 de Caçadores.

A organização do nosso exército sob o comando do general Beresford continuava. Deste modo, em 13 Agosto de 1813, a Ordem do Dia apresentava nova Ordem de Batalha, dando-se às brigadas outra numeração. Agora o batalhão 11 passava a fazer parte da 8.ª brigada de infantaria, uma das que constituíam a 3.ª divisão de comando do tenente general Thomaz Picton.

Em 10 de Novembro de 1813 (solo francês), deu-se a Batalha de Nivelle em que a 8.ª brigada foi elogiada por Beresford «O sr. Marechal de campo Power e a oitava brigada

(6) CHABY, [coronel de infantaria] Cláudio de – Excerptos Históricos e Collecção de Documentos relativos à Guerra Denominada da Península e às Anteriores de 1801, e do Roussillon e Cataluña. Lisboa: Imprensa Nacional, Vol. IV, 1875. p. 734-735 e 740. Em 1852 foram depositadas no Colégio Militar, mas deterioram-se e desapareceram.

7 Thomas Francis Dursbach fora capitão do 2.º Batalhão da Leal Legião Lusitana de comando do barão de Eben, notabilizando-se nos combates de Carvalho d’Este, nos dias 17/18 de Março de 1809 quando o exército francês comandado por Soult avançava sobre Braga. Pela forma como comandou as suas forças, foi Dursbach promovido a major (sargento mor), conforme Ordem do Dia de 30 de Março de 1809. Já como tenente-coronel foi o primeiro comandante do Batalhão que o aprontou e instruiu e o levou até França, sendo a última referência de comando em 18 de Novembro de 1813.

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receberão o testemunho de v. ex.ª, de que ela se comportou como costuma»(8), mostrando mais uma vez o Batalhão de Caçadores n.º 11 o seu valor. Em 18 de Novembro, outra vez o batalhão lutou no combate de Arrauntz, sendo a última vez que o seu primeiro comandante, o tenente-coronel Dursbach, o guiou no combate.

Começara o ano de 1814 e a guerra não abrandava, entrando nas asperezas dos Pirenéus, sujeito a rigoroso inverno. No Combate de Bonloc de 3 de Janeiro de 1814, esteve sozinho o Batalhão de Caçadores n.º 11, tendo um novo comandante, o tenente-coronel Carlos Kilshaw. No Combate de 6 de Janeiro bateu-se conjuntamente com caçadores 7 e 10 e outros regimentos de infantaria (postos avançados da 3.ª divisão anglo-portuguesa). Empenhou-se em novo Combate de Bonloc, ferido a 14 de Fevereiro de 1814. Em 24 de Fevereiro deu-se o combate em Sauveterre. Na Batalha de Orthez, em 27 de Fevereiro, mais uma vez a esteve a 8.ª brigada, onde se integrava o batalhão 11, que foi louvada por Beresford. Nesta batalha morreram alguns ofi ciais de caçadores 11: O seu comandante, o tenente-coronel Carlos Kilshaw, o capitão António Rodrigues da Silva, o tenente José Bento de Magalhães e o tenente-coronel graduado Daniel Donahôe. No Combate de Vic-Bigorre, em 19 de Março conjuntamente com a brigada e com um novo comandante, o major Francisco da Paula Rosado, bateram-se os Caçadores do 11. Novo combate em 20 de Março, em Tarbes, conjuntamente com as outras tropas divisionárias. Batalha de Toulouse em 10 de Abril, comandando nesta o major Rosado, em que fi cou ferido o tenente Manuel Bernardo de Macedo.

Em 1 de Junho de 1814, já com o regresso programado, foi dada nova organização ao exército operacional, fi cando ao comando da 8.ª Brigada o coronel João Telles de Menezes e dela faziam parte o regimento de infantaria n.º 9 de comando do major António Joaquim Rosado; o regimento de infantaria n.º 21, de comando do Major António Venceslau Santa Clara e do Batalhão de Caçadores n.º 11, com o comando do major Francisco de Paula Rosado. Foi com esta organização que as forças portuguesas iniciaram o caminho de regresso a Portugal, através dos caminhos de Santiago.

A identifi cação das localidades era de acordo com o ouvido, por isso algumas possuem uma escrita esquisita, mantendo-se como está escrito. O mapa do percurso foi elaborado pelo 1.º Sargento Meira do Batalhão de Caçadores n.º 11(9).

1.4. Mapa do percurso no regresso a Portugal

(8) Ordem do Dia de 1813.

(9) Apresentam-se algumas considerações sobre a alfabetização nas Forças Armadas do período em questão. Como na sociedade, o homem sentia a necessidade de saber ler, ou porque tivesse de negociar na feira, perceber a cota que lhe cabia na herança, ou possuir argumentos para enfrentar adversários no tribunal, também a instituição militar necessitava de ensinar os seus elementos a ler regulamentos, ler tabelas e até a elaborar roteiros. Cada elemento a quem fosse dada uma tarefa, sabia que existiam regulamentos onde se explicavam todos os detalhes, para simplifi car o cumprimento da missão. A título de exemplo, são a cópia que o 1º Sargento Meira de Caçadores fez do regulamento do manejo de armas para seu uso pessoal. Poder-se-á concluir que o Estado aposta no reforço da melhoria qualitativa das suas forças armadas e na dignifi cação dos seus membros, com a superação da sua origem social. Para além das aulas militares, outras acções foram levadas a cabo, destacando-se as licenças pagas aos mili tares para frequentarem a Aula de Matemática da Universidade de Coimbra. Embora esta medida seja criticada por insufi ciente por Vicente António de Oliveira: “Não devo silenciar outro público testemunho ou de economia mal entendida, ou da pouca contemplação com que o Exército foi olhado nesses felizes dias a Portugal, em que o Senhor Rei D. José, de saudosa memória, buscou fazer, e conseguiu em grande parte, reviver as mortecidas ciencias; porque estabelecendo-se Escolas por todo o Reino, e reformando-se os estudos na Universidade de Coimbra, só para o Exército se não estabeleceram novas Academias, nem se reformaram as poucas que havia; talvez, imaginando-se os estudos matemáticos da dita Universidade assaz poderosos para formar um grande general. Se assim, nesse tempo o Estado o julgou, hoje a experiência mostra pateticamente o engano e peço a todos os Militares, que interessados no bem da sua Pátria tem frequentado a dita Universidade, que ou me justifi quem, ou me desacreditem. E tanto é o meu zelo pela verdade, que conhecem os tratados que nela se dictam, e sabendo (como é verdade) que nenhuma applicação se faz de tais teorias, podem julgar, debaixo destes certos princípios, o que são, e o que contam sucintas luzes podem ser esses Militares, que se acham condecorados pela dita Universidade, e não terem buscado adquerir novos conhecimentos.Era reconhecido ao ofi cial o seu estatuto, sendo defi nida pela Carta de Lei de 23 de Novembro de 1770. O “ofi cial nada mais tem no ofício, que o seu ministério do serviço, enquanto o seu merecimento corresponde à Régia confi ança, sendo por isso uma comissão simples do Príncipe para o exercer”. REPERTÓRIO GERAL OU ÍNDICE ALFABÉTICO DAS LEIS EXTRAVAGANTES DO REINO DE PORTUGAL, ordenadas por Manoel Fernandes Thomaz. - Lisboa, 1825, 2 vol.São tomadas providências para regulamentar a antiguidade, conforme os decretos de 12 de Junho de 1777 e de 18 de Fevereiro de 1779. Desta forma, a competência e o saber eram postos à prova e só poderia ser-se Ofi cial de guerra quando se submetesse a exame, conforme a prescrição do conselho de 30 de Agosto de 1770, ou na marinha só eram promovidos os que tivessem estudos matemáticos (resolução de 5 de Novembro de 1796). A instrução é promoção social!

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Itinerário de França para Portugal, até à Vila da Feira; tem princípio em Toulouse no 1º de Junho de 1814.

Junho Léguas Nomes das Terras

Julho Léguas Nomes das Terras Agosto Léguas Nomes das Terras

1º 4 V. Banhinam 1º 3 Subigonos 1º 2 O Sortes

2º 3 !/2 S. Lionas 2º 3 1/2 Borborena 2º 5 Varinça3 4 Lacteire 3 4 Pizotos 3 2 1/2 Mirandela

4 3 1/2 V. Condam 4 3 V. Medina Delpomar 4 5 V. Murça

5 Descança 5 1 Vila Arcai 5 5 Vila Real6 4 V. Narac 6 Descança 6 Descança

7 5 Castellajous 7 3 Quintam 7 Descança8 4 V. Vazence 8 3 Villalta 8 5 V. Amarante

9 Descança 9 5 Stª Cruz do Toucho 9 4 V. Penafi el

10 4 Capteus 10 6 Grigalva 10 Descança

11 3 V. Dox Forte 11 Descança 11 4 V. Valongo

12 3 V . Mondemaçons

12 3 Castroquil 12 2 Porto

13 Descança 13 5 Muscu 13 Descança

14 6 Tartare 14 6 V. Pedraça del Campo 14 5 Vila da Feira

15 4 V. Dax. 15 Descança Soma 39 1/2 de Agosto

16 Descança 16 Descança Soma 84 1/2 Julho

17 5 Dinace 17 2 Aspalha Soma 85 Junho

18 3 Franos 18 5 Castro Monte soma 4 de Vordum a Toloza

19 3 arrabaldes de

Baiona

19 4 V. Lamota soma 3 de Toloza a Villa até

aonde foram as tropas

20 3 Urrunha 20 5 Cidade de Tauro Soma

Total 216

21 3 Espanha /

Jarçum

21 Descança

22 descança 22 3 Coureças23 descança 23 2 Zamora24 5 Ouranha 24 3 Andabia25 3 Vila Franca 25 2 V. Corvagalhos26 5 Vergalha 26 descança27 4 Salinas 27 4 Alcanices

28 3 Victória 28 3 Anoes

29 Descança 29 3 Portugal / Quintanilha30 Descança 30 3 Alfaão

31 Descança ao pé de

Bragança

Soma 85 Soma 84 1/2

O curioso é que este homem combateu nas guerras peninsulares, atravessando Portugal, Espanha até à França. Vai elaborar um mapa do percurso do seu regresso, entre Toulouse, em solo francês, e Santa Maria da Feira. O itinerário está apresentado em léguas antigas (216) e teve a duração de 2 meses e meio, com início em 1 de Junho, terminando em 14 de Agosto de 1814, em Vila da Feira, sede do seu aquartelamento.

FONTE: ARQUIVO HISTÓRICO MILITAR, Lisboa, Cxª 8. Procº 17, 3ª div. 5ª sec.

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O Batalhão de Caçadores n.º 11 entrou no seu quartel, quando as elites nacionais discutiam se o esforço de guerra seria para manter para se assegurar a defesa e a segurança nacionais, face a um País devastado e exangue, com carência de força de trabalho, com impostos insuportáveis e num descalabro das contas públicas.

Quando, em 22 de Janeiro de 1814, perante as pressões do general Beresford que exigia mais recrutamento para o exército, a Regência respondeu considerando três premissas para a existência e o montante dos efectivos das suas Forças Armadas: 1.ª Defendendo-se de uma invasão; 2.ª Ajudando e auxiliando a causa da península; 3.ª Conservando o seu Exército em estado de paz. Optar-se-ia pela causa da Península como objectivo nacional, mas que o exército não prejudicasse a agricultura e o aumento da população do País, pois de outro modo seria a ruína de Portugal. Para justifi car a recusa a um maior aumento dos efectivos, a solução mais benéfi ca seria recrutar tropa estrangeira (4.000 ou 5.000 suíços) durante alguns anos. O emprego do nosso exército para além das fronteiras seria sempre como auxiliar e nunca causa nacional, esta seria a defesa das nossas fronteiras. Justifi cava-se até quando poderia Portugal comprar pão ao estrangeiro, apresentando-se os custos com a importação de trigo e lançando a pergunta se o País teria ouro sufi ciente para continuar a comprar o pão ao estrangeiro. No ano de 1811 tinha-se dispendido com a importação de cereal «66 milhões e 622 mil cruzados» e no ano de 1812, «51 milhões e 323 mil cruzados». No mesmo período, havia entrado no porto de Lisboa, entre «80 a 100 mil moios(10)» no primeiro ano contabilizado, para «260 mil moios» em 1812. Como exemplo do abandono generalizado da agricultura, por falta de braços, foi apresentado o recenseamento das juntas de bois e bestas por efeitos da guerra e requisições para o exército, que, entre 1810 a Junho de 1813, passara de 63.799 para 32.877. Era lembrado que o reino estava a fazer um enorme esforço com a sua defesa. Era necessário diminuir a despesa, por isso devia-se cortar nas importações e fomentar a produção nacional! Portugal possuía todas as condições para a produção de «azeite, vinho, laranjas, sal, milho, legumes,

batatas», produtos que «as nações do Norte e a Inglaterra não cultivam, limitando-se ao trigo, cevada, batatas e criação de gado, ramos que igualmente temos»(11). Indicava-se que ainda não se tinha caído no caos, devido ao subsídio britânico, mas que este não duraria sempre, ao pagamento de duas décimas pelo agricultor, mas esta situação não poderia perdurar, à contribuição de 26% das propriedades urbanas, além de se taxar o terço eclesiástico. Tudo era suportado porque havia patriotismo quando o País estava em perigo, mas quando se sentia que a defesa e a segurança estavam asseguradas, não se poderia pedir mais aos contribuintes, sem grave risco de confl itos internos. Rematava-se que era necessário reactivar a produção nacional e que as Forças Armadas teriam de diminuir, não só para diminuir na despesa, mas também contribuir com braços para a dinamização da agricultura.

Quando a Inglaterra, em 1815, tentou que levar o nosso exército para a Flandres, para ser empenhado conjuntamente com o britânico, contra Napoleão Bonaparte, em que este fora defi nitivamente vencido em Waterloo, Portugal recusou porque fi cava fora dos objectivos nacionais. Preferiria empenha-lo noutro contexto para aumentar o Império sobre as colónias espanholas da América do Sul, jogando o trunfo D. Carlota Joaquina e aguardando que a coroa espanhola na Península Ibérica caia(12).

Deste modo, o Batalhão de Caçadores n.º 11 manteve-se no seu quartel de Villa da Feira, embora em 1822 fora mobilizado para o Brasil por causa da independência desta colónia e a partir de 1827 esteve nas contingências da Guerra Civil portuguesa.

Riomeão, 17 de Dezembro de 2009

(10) Antiga medida correspondente a 60 alqueires. Um alqueire variava entre 13 e 22 litros.

11 PT AHM-DIV-1-14-002-57_m0002.12 É um tema não muito estudado. O futuro D. João VI tentou a partir do Brasil aumentar ainda mais o Império, avançando sobre as colónias espanholas, embora sempre contrariado pela Grã-Bretanha porque seria um entrave aos seus desígnios comerciais e expansionistas.

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145 ARRIFANA E A SUA HISTÓRIA*

*Manuel Leão

Ao percorrer o vasto acervo notarial do Arquivo Distrital do Porto, apareceram várias referências à freguesia de Arrifana de Santa Maria. Houve outra Arrifana, mas de Sousa, correspondente a Penafi el, aliás mais frequente porque estava situada no distrito do Porto. Arrifana fi cava situada na via romana, mais tarde Estrada Real, que, pelo interior, ligava Lisboa ao Porto. A existência dum hospital em Arrifana era um recurso para os viajantes que a doença acometia durante o percurso. O primeiro transporte público foi a diligência, que só começou no século XVIII, tendo como ponto terminal os Carvalhos. A comunicação daqui para o Porto era calamitosa: os barrancos onde cargas e animais caíam, numa estrada que só conheceu macadame no século XIX. As camadas populares faziam-se transportar em carros de bois, que se deslocavam em grupos. Estes apontamentos podem ter alguma utilidade, por fornecerem informações curiosas e históricas desde o século XVI até fi ns do século XIX. Os negócios no Brasil atraíam muitos portugueses, criando-se até na nossa linguagem um sinónimo de gesto administrativo feliz a expressão “foi um Brasil”. Mesmo pessoas

com actividades quer na produção artesanal quer no campo do comércio aventuravam suas encomendas despachadas para terras do Brasil, ainda que vivessem em regiões metropolitanas afastadas do litoral… Outras vezes aparece a reclamação de herança de parentes falecidos, através das repartições ofi ciais que tratavam dos bens de órfãos e ausentes. Em 1599 (1), Diogo Vaz, morador em Arrifana de Santa Maria, recebe um legado de Mónica Aranha, viúva de Lopo Delgado, falecido no Brasil.

Em 1623 (2), Pêro Francisco, de Arrifana e mulher Maria de Pinho vendem pensão de dez alqueires de trigo sobre casa em que vivem e campo do Monte, junto à igreja, a Jorge Carneiro de Anaia.

O HOSPITAL DE ARRIFANA

Noutros tempos, havia pequenos hospitais, situados perto das vias de comunicação. Mesmo na cidade, a criação de hospitais dependia ou das corporações ou de ordens religiosas.

* Natural de Milheirós de Poiares, concelho de Santa Maria da Feira, fez os seus estudos no Porto, tendo concluído o curso de Teologia e sido ordenado presbítero, na Sé do Porto, em 1943. Dedicou-se à educação e ensino, dirigindo o Colégio de Gaia, durante décadas. Esteve ligado à Fundação do Instituto Superior Politécnico de Gaia e Escola Profi ssional de Gaia, a cujas direcções pertence. Tem publicado numerosos estudos sobre história cultural do Porto e Vila Nova de Gaia, com incidência nos domínios da arte, da actividade livreira e do teatro portuense antigo. Tem promovido várias iniciativas de carácter social. Criou, em 1996, a Fundação Manuel Leão, com fi ns culturais e sociocaritativos.

(1) – Po 1º,3ª s.116, 173/8.(2) – Po 2,41,114.

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146

Na investigação de documentos de séculos passados, aparecem documentos relacionados com o hospital de Arrifana de Santa Maria. A passagem da grande via romana por Arrifana já consta do célebre itinerário do imperador romano Antonino o Pio. Vários visitantes estrangeiros deixaram registada nas suas memórias esta localidade. Não sabemos quando teria começado a existência deste hospital. No século XVII, conforme escritura de 1650 (3), chamava-se Hospital Nossa Senhora. Foi uma doação feita por António de Basto, viúvo morador na Rua das Taipas, no Porto, mas anteriormente tinha morado em Arrifana. O hospital foi representado por Paulo de Almeida de Mesquita, de Arrifana, enquanto procurador de seu pai, Paulo de Almeida de Mesquita, cavaleiro fi dalgo de Sua Majestade, também morador em Arrifana, que aceitava a doação feita pelo benfeitor. No poder concedido ao fi lho, lê-se provedor que sou do espital de Nossa Senhora, do lugar de Adoufe. A doação constava de huas cazas terreyras caydas e derrubadas sitas no dito lugar. Havia um foro anual que o hospital cobrava imposto nessas casas, 350 reis. A descrição dos bens doados tem algum interesse para a história local: “cazas terreyras em que vivya Sizilia de Almeida defunta que estauão sitas na rua direyta do dito ligar que partem de hua banda com cazas de Pedro Soares de Albergaria, do mesmo lugar”.

1655 (4), homem de Arrifana condenado a degredo.

1729 (5), o alferes João da Silva Velho, da Rifana de Santa Maria despacha para o recife de Pernambuco no navio N. Senhora do Rosário e S. Domingos, do capitão João da Silva: 40 dúzias de facas fl amengas 4 maços de linho de Guimarães 4 arrasteias de retrós preto 7 camisas de pano grosso 11 camisas de panículos

5 peças de panículos 23 varas de fi tas lavradas de azul e branco 16 peças de picassos sortidos 40 peças de maravalhasmaço de fi tas.

Em 1671 (6), João Moutinho de Resende, morador na sua Quinta do Córrego, faz procuração com carácter geral.

Em 1689 (7), Manuel Gomes Leite, mercador de vinhos, morador em Arrifana e sua mãe, Domingas de Resende, viúva de Manuel Gomes Leite passam procuração a Geraldo Antunes, morador no Couto de Parada de Todeia, para conseguirem um empréstimo de duzentos mil reis, para negócio. No mesmo ano (Ibid.92, 216v/7v), uma casa situada no lugar de Guilhadães, onde tinha morrido Simão Fernandes, levou os herdeiros a uma partilha amigável, em que intervieram os familiares, alguns residentes no Porto:Domingos António, lavrador, morador no lugar de Guilhadães;Domingos de Brito, sapateiro, e sua mulher Antónia da Silva, moradores na Rua das Corgas;Manuel de Brito, alfaiate, e mulher, Domingas de Sousa, moradores na Ferraria de Cima;Simão de Sousa, sapateiro e mulher, Maria da Silva, moradores na Rua do Souto, Porto.

Em 17248), lavradores de Manhoce contraíram empréstimo junto dum alfaiate do Padrão de Belomomte, Porto. Em 1738 (9), estava em Arrifana o sineiro biscainho Carlos del Campo. Estes técnicos de Biscaia andavam pelo norte realizando contrato de fundição de sinos para os templos. Este sineiro assinou, com outros, um contrato para fazer sinos para a sé do Porto.

As obrigações ligadas às terras eram um encargo que se distribuía para os senhorios das terras a para os senhorios tradicionais, em forma de foros.

(3) – Po lº 3ª s., 185, 133.(4) – Po 1º. 4ª. S. 145,234.(5) – Ibid. 253, 207/7.

(6) – Po 6, 39,35/5 v.(7) – Po 8, 92, 205/6.(8) – Po 2, 229,171 v.(9) – Po 9, 3ª. S., 39,135/6v.

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Estes encargos adicionais pagos por quem trabalhava a terra foram lentamente extintos, acabando apenas na segunda parte do século XX. É um negócio deste género que foi realizado em 1776.(10) O P. Francisco Leite Pereira, de Arrifana, vendeu ao abade de S. João da Madeira, António de Sousa Neves, várias medidas sabidas pagas por vários caseiros: 20 alqueires e 3 salamis de pão de segunda; 5 de trigo e 3 salamis, cujo trigo é reputado pelo dobro do custo do dito pão de segunda. São 31 alqueires de pão de segunda. A venda atingiu o custo de 140£800 reis.

A justiça antiga era muito rigorosa nas penas que aplicava que progrediam até á pena de morte. No entanto, era vulgar reduzir a escritura o perdão ao ofensor, ainda que o crime tivesse atingido o homicídio. Em 1778 (11) uma das frequentes desordens tinha acontecido, entre arrifanenses. O consumo de vinho acicatava os temperamentos mais irascíveis. Manuel, solteiro, fi lho de Joana Francisca, viúva, tendo mais de 20 anos de idade, natural do lugar da Rua, tinha querelado ou, diríamos, hoje, processado, na Vila da Feira, a João António, da aldeia de Manhoce, da mesma freguesia por duas pancadas que ele lhe tinha dado, em 18 de Junho do mesmo ano. Fica perdoado, com a desistência do queixoso.

Os dotes para casamento eram vulgares, porque o casamento tinha-se tornado um negócio. Um negócio tão estranho que mereceu ser escalpelizado pelo romancista Camilo Castelo Branco, assemelhando-se a uma venda de animais em plena feira. Em 1786 (12), foi lavrada uma escritura de dote para casamento, em casa de D. Joana Bragança Saldanha, em Miragaia. A noiva era D. Joana Constantina de Castro Vella, de trinta anos, natural de Santo Ildefonso. Era fi lha legítima do Dr. Manuel Pinto de Castro Vella, falecido, corregedor da comarca, e de sua mulher D. Ana Perpétua Saldanha.

O noivo era o capitão João António Gomes de Pinho, de 28 anos, natural de Arrifana, fi lho legítimo do capitão António Gomes de Pinho, falecido, e de D. Marcela Angélica Violante. Para dote é doado o terço, realizado em propriedades rústicas, algumas situadas em Avintes. Estiveram presentes à escritura Manuel Borges de Sá Mascarenhas Figueiroa, de Arrifana, procurador de D. Marcela e o P. Manuel Gomes de Pinho, de Arrifana Em 1791(13), Manuel Gomes Correia, de S. João da Madeira, perdoa a homem que tinha abusado da sua fi lha, morador em Arrifana. Em 1804(14), é assinada composição amigável entre famílias de Arrifana. Em 1809 (15), é transcrito o testamento do Dr. Domingos Manuel Marques Soares, desembargador da Relação do Porto, natural de Arrifana. Em 1816(16) o P. António da Costa Araújo, cavaleiro professo na Ordem de Cristo, então abade de Arrifana, representa como procurador Manuel Gomes Barroso. Em 1839 (17), foi vendida a Quinta da Relva, de Arrifana. Em 1877 (18), foi transcrito o testamento do Padre António Joaquim Gomes Leite Rebelo, de Arrifana.

(10) – Po lº 4ª. S., 346,122.(11) – Ibid. 354,9/9v.(12) – Po 4, 368, 48 v/51v.

(13) – Po 9,4ª s., 196, 47.(14) – Ibid. 255, 19v/20v.(15) – Po 8, 423, 48v/53v(16) – Po 9,4ª. S., 293, 61.(17) – Ibid. 332, 90/0v(18) – Ibid. 376, 134.

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148 “VÉUS”21-7-70

Ilda Maria*

Vejo sobre estas águasOs rouxinóis voando,Agitando estas mágoasComo, de noiva, Vénus esvoaçando.Vejo sobre estas águasAs gaivotas doiradas,Nos bicos transportandoO tule airoso e lindoDos véus esvoaçandoDe noivas, refulgindo;Vejo sobre estas águasOs gostos que me dão,Os desgostos que calamDo tempo a ilusãoQue transparece e brilhaNa vela duma quilha,Esvoaçando ao ventoQual sonho de momentoVeloz e fugitivo,

Dum véu de noiva altivoQue me grita na almaUm gesto de perdão.Vejo sobre estas águasMinh’alma inerte e friaQue ondula e serpenteiaE geme e rodopiaE vejo o coração aflitoQue se enleiaNos véus da fina areia,Nos véus de noiva e gritoE sofro e gemo e penoE sinto no meu peito tão pequeno O eco desses véus que não agito;Vejo sobre estas águasA voz de Deus brilhando,Chorando sobre as águasAnjos do céu pairandoPor entre véus ligeirosDas cambraias mais finasVejo os sonhos primeirosEntre as mãos pequeninasDas noivas graciosasVejo sobre estas águas Pairando, donairosas

Encantadoramente belasEntre bouqués de rosas amarelas As noivas, as noivas venturosas Brilhantes como estrelas!Confundo-me nos véus Serenos, transparentes Confundo-os com os céusAzuis e refulgentes Onde minh’alma voga E enquanto as noivas passam Trementes, graciosasUma estrela se afoga entre as águasE enquanto as mãos se enlaçamMurcham, uma por umaAs amarelas rosasCaem os véus de espuma Sobre as águasDas noivas que perpassam, graciosas.

*Poeta Faleceu em 20/07/1981

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GERALDES, Diogo (? - ?). Foi pároco da freguesia de Pigeiros, apresentado pelos Pereiras em 1566.

Bibliografi a: P.e José Inácio da Costa e Silva, «Santa Maria de Pigeiros», jornal «Tradição», número especial das Comemorações dos Centenários, Setembro, 1940.

GODESTEIZ, Rodrigo (? - ?). E sua fi lha Eldora, venderam a Paio Godesteiz e a sua mulher, Maria Alvites em 2 de Dezembro de 1158, por 14 «modios», a terça parte da sua terra de Moselos.

Bibliografi a: Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.

GODESTEIZ, Soeiro (? - ?). E sua mulher venderam ao Mosteiro de S. Salvador de Grijó em Outubro de 1160, pelo equivalente em ouro e em gado de 50 morabitinos, as suas terras de Mozelos.

Bibliografi a: Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.

GODINHO, António da Silva (?- ?). Foi um dos fundadores da Sociedade Recreativa Soutense em 1875.

Bibliografi a: Jornal «Tradição», 7.11.1936.

GODINHO, Manuel José (? - ?). Foi recebedor do concelho da Feira, tendo sido presidente da Câmara Municipal da Vila a Feira em 1874-75 e 1878 e conselheiro da mesma em 1876-77. Foi provedor da Santa Casa da Misericórdia da Feira, a quem deixou todos os seus bens. Viveu na Praça junto à rua Direita.

Bibliografi a: Roberto Vaz de Oliveira, Quatro Séculos de História – Vila da Feira – A Praça Velha. Revista «Aveiro e o seu Distrito», n.º 3, 1967.

Dicionário Biográfi co de Personalidades Feirenses

Francisco de Azevedo Brandão *

* Licenciado em História pela Universidade do Porto e Bacharel em Filologia Românica pela Universidade de Coimbra. Historiador local, é autor de Anais da História de Espinho, O Associativismo em Espinho, Joaquim Pinto Coelho, um Político de Espinho, O Campo de Aviação de Espinho, O Culto de Nª Sª da Ajuda em Espinho e Manuel Laranjeira, por ele mesmo.

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GODINHO, Pedro (? - ?). Foi pároco da freguesia de Pigeiros, apresentado em 1610, pelos «Rochas», continuadores dos antigos Pereiras da Quinta do Paço de Pigeiros.

Bibliografi a: P.e José Inácio da Costa e Silva, «Santa Maria de Pigeiros», jornal «Tradição», número especial das Comemorações dos Centenários, Setembro, 1940.

GODINS, Pais (? - ?). Lega em Novembro de 1148, ao Mosteiro de S. Salvador de Grijó, as suas propriedades de Gulpilhares (hoje do concelho de V. N. Gaia) e Esmojães (hoje do concelho de Espinho).

Bibliografi a: Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.

GODINS, Pedro (? - ?). Vivia em 1141, pois em Junho desse ano ele e sua mulher Sancha Nunes fazem uma troca de terrenos com Elvira Gomes. Aqueles cedem bens em Lavadorinho e esta fi ca com bens in Villa Palatiolo (Paços de Brandão). Em Janeiro de 1152, os seus fi lhos Plagio, Gudins, Peto, Nuno Elvira e Maria, pedem ao Mosteiro de S. Salvador de Grijó a sua protecção, com a promessa de, à sua morte, deixar a totalidade dos seus bens, salvo se tiverem descendência legítima, ao que o mosteiro receberá uma parte igual à de cada um dos fi lhos; eles cedem, de imediato, as suas partes de direito sobre a igreja de S. Salvador de Guetim (hoje do concelho de Espinho) e S. Mamede de Esmojães (hoje do concelho de Espinho).

Bibliografi a: Robert Durand, Le Cartulaire du Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.

GOIS, Manuel Coelho Pinto de (? - 1768). Natural de Fiães, era pároco desta freguesia em 1727. No seu tempo e a seu pedido, os Estatutos da Irmandade do Santo Nome de Jesue foram confi rmados pelo Governador do Bispado a 13 de Agosto de 1728. Foi ele que mandou fazer

as obras da segunda capela da Conceição. Faleceu a 8 de Janeiro de 1768.

Bibliografi a: Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940.

GOMES, António (? - ?). Foi pároco da freguesia de Pigeiros, apresentado pelos Pereiras em 1561 e em 1565.

Bibliografi a: P.e José Inácio da Costa e Silva, «Santa Maria de Pigeiros», jornal «Tradição», número especial das Comemorações dos Centenários, Setembro, 1940.

GOMES, Bartolomeu (? - ?). Vivia em 1698, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «natural do lugar da Murtosa, freg. de St.º André de Mosteiro, Feira; fi lho de André Gomes, também natural da Murtosa e de Maria Fernandes, natural da freg, de S. Pedro de Cera, Oliveira de Azeméis e moradores no lugar citado; neto paterno de André Rodrigues e de Maria Antónia, naturais da Murtosa e materna de António Alves, natural de S. Pedro de César e de Lucrécia Fernandes, natural da freg. de Milheirós de Poiares, Feira e moradores em Vilarinho, Oliveira de Azeméis, irmão de Isabel Gomes, casada com Manuel da Silvam, Familiar do St.º Ofício. Carta de Familiar de 26 de Novembro de 1698. A.N.T.T. Bartolomeu –m.

Bibliografi a: Jorge Hugo Pires de Lima, “O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício”. Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro», n.º 101 (Janeiro, Fevereiro e Março), 1960.

GOMES, Bento Nogueira (?- ?). Vivia em 1759, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: “homem de negócio; natural da freg. de S. Vicente de Louredo, Feira e morador na freg. de N.ª Sr.ª da Nazaré da Cachoeira, Vila Rica de Ouro Preto; fi lho de António Nogueira,

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de S. Vicente de Louredo e de Teresa Gomes de Pinho, de Cimo d’Inha, freg. de St.º André de Escariz, Arouca; neto paterno de Jerónimo Nogueira, de Arufe do Paço, freg. de S.tª Maria Madalena de Lóios da Ribeira, comarca de Sobre o Tâmega e de Isabel Francisca, de S. Vicente de Louredo e materno de Pedro Fernandes, de Cimo d’Inha e de Maria Gomes, de Azazões, freg. de Carregosa, Oliveira de Azeméis.Carta de Familiar de 11 de Dezembro de 1759. A.N.T.T. – Bento –m. 13, n.º189».

Bibliografi a: Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo ofício. Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro» n.º101 (Janeiro, Fevereiro e Março), 196.

GOMES, Elvira (? - ?). Vivia em 1141, pois em Junho desse ano fez uma troca de bens com Pedro Godins e sua mulher Sancha Nunes. Aquela cedeu a estes bens in Villa Palatiolo (Paços de Brandão) e estes cederam bens que possuíam em Lavadorinho.

Bibliografi a: Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.

GOMES, Gonçalo (? - ?). Foi pároco da freguesia de S. Jorge, de 1618 a 1631.

Bibliografi a: P.e José Inácio da Costa e Silva, «A Freguesia de S. Jorge», jornal «Tradição», número especial das Comemorações dos Centenários, Setembro, 1940.

GOMES, Manuel Rodrigues (? - ?). Vivia em 1765, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «ourives de prata com loja no largo da Alfândega em Lisboa; natural da freguesia de Santa Iria de Santarém e morador no beco do Mexia, freguesia de S. Miguel de Alfama; fi lho de Faustino Ribeiro, ofi cial de alfaiate enjeitado na roda da Misericórdia do porto e criado em casa de João Tavares e de Teodósia Ribeira, naturais e moradores em Passais, freguesia de Santa Maria de Fiães, Feira, que o haviam ido buscar ao

Porto e de Maria de S. José, natural da freguesia de Santa Cruz de Santarém e aí moradores; neto materno de António Gomes Beirão, trabalhador, fi lho de Pedro Mateus e de Maria Gomes, da freguesia de S. João Degolado de Terrugem, termo de Sintra e de Maria Correia, fi lha de Manuel Correia e de Domingas Lopes, de Santarém, freguesia de Santa Cruz; casado com Antónia Xavier, natural de Lisboa, freguesia de S. Miguel de Alfama, fi lha de Francisco Xavier de Lacerda, natural da freguesia de Marvila de Santarém e de Arcângela Cardoso, natural da freguesia do Salvador de Lisboa, moradores na mesma cidade, neta paterna de Manuel Rodrigues Santarém, fi lho de Luís Borges e de Domingas Rodrigues e de Teodósia da Silva esta natural da freguesia de Marvila e os restantes de Santa Cruz e materna de André Lopes, fi lho de Manuel Lopes e de Maria Dias e de Isabel Cardoso, fi lha de Domingos Cardoso e de Maria da Cruz, todos de Lisboa, respectivamente das freguesias de santo Estêvão de Alfama e de S. Miguel de Alfama. Carta de Familiar de 12 de Fevereiro de 1765.Manuel – m. 199, n.º 118.

Bibliografi a: Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício. Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º159, 1974.

GOMES, Pantaleão (? -?). Vivia em 1625, segundo Carta Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «tanoeiro e avaliador do fi sco; natural de Vila Nova do Porto, Vila Nova de Gaia e morador na cidade do Porto, junto ao padrão de Santo Elói; fi lho de Belchior Gomes, tanoeiro, natural da freguesia de S. Martinho de Moselos, Feira e de Antónia Francisca, natural de Vila Nova do Porto e aí moradores; neto paterno de Cristóvão Gomes e de Guiomar Gonçalves, lavradores em Moselos e materno de António Peres, o «Suquaro», tanoeiro e de Maria Fernandes, moradores em Vila Nova do Porto, casado com Ana de Sousa, natural do Porto, fi lha de António de Sousa, mestre-de-obras, natural da Serra de Sousa, junto de Arrifana de Sousa e de Luísa Garcês. Filha de um abade de Gondelães, irmã do Padre António de S. Pantaleão, recedor e qualifi cador do Santo Ofício. Informação de ser capaz para Familiar de 22 de Outubro de 1625.Pantaleão – m – 1, n.º2».

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Bibliografi a: Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício. Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º166, 1976.

GONÇALVES, Aimia (? - ?). E seus fi lhos venderam em 17 de Fevereiro de 1109, a Soeiro Soares, por 100 soldos, uma terra situada em Aldriz (Argoncilhe).

Bibliografi a: Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.

GONÇALVES, Aires (? - ?). Godinho Eriz e Elvira Viegas vendem a a Nuno Soares e a sua mãe Elvira Nunes em 19 de Junho de 1102, uma parte de bens fundiários que possuíam em Ordonhe. Também Raqui, Ramires e Rodrigo Gonçalves tinham cedido a Soeiro Formarigues e a sua mulher Elvira Nunes em 28 de Junho de 1091, metade das terras que possuíam em Argoncilhe. Em 1109, Aires Gonçalves e sua mulher Gontinha Eriz cederam a Soeiro Fromarigues, a metade de uma terra situada em Aldriz e comprometeram-se a não alienar a outra parte sem o acordo do dito Soeiro.

Bibliografi a: Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.

GONÇALVES, Alvito (? - ?). E sua mulher Maria Sendamires, venderam a Ero Soares em 15 de Março de 1114,, por 30 «modios», a sua terra de Argoncilhe.

Bibliografi a: Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles), Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.

GONÇALVES, Amadeu Joaquim (1916-2006). Nasceu na freguesia de Arrifana (Feira), mas pelo seu

casamento fi xou-se na freguesia de Escapães (Feira). «Grande impulsionador do desenvolvimento industrial» de Escapães, a ele se deve a fundação da fábrica de calçado «Litoral». Bairrista como poucos, foi o impulsionador do perfi l urbanístico de Escapães, através de diversos loteamentos, como o do Barreiro, Vinha Velha, Lomba e Godinha. A ele se deve também a construção da estação dos CTT e o terreno para o Parque de Jogos, que tem o seu nome. Foi autarca, membro de comissões paroquiais, trabalhando sempre com entusiasmo para o engrandecimento de Escapães. Na urbanização da Godinha há uma rua também com o seu nome. Não esquecendo a terra onde nasceu, Arrifana, contribuiu para o desenvolvimento do Clube Desportivo Arrifanense, da Humanitária Associação dos Bombeiros Voluntários de Arrifana, onde exerceu os cargos de vice-presidente e presidente da Banda de Música. Dedicou-se também «com dinamismo» à Santa Casa da Misericórdia de Santa Maria da Feira, à Comissão Pró-Hospital e ao Rotary Clube da Feira. Casou em 1936, com D. Carolina Vieira de Oliveira, na altura presidente da Junta de Freguesia de Escapães. Deste casamento há um fi lho. Faleceu em Escapães em 13 de Janeiro de 2006.

Bibliografi a: Correio da Feira, 13.1.2006.

GONÇALVES, Antão (? -?). Era deão em 1452 e tinha ainda o Mosteiro de Canedo. Alegando que este lhe rendia muito pouco, foi-lhe anexada em vida a igreja de S. João de Ovil.

Bibliografi a: Cónego A. Ferreira Pinto, S. Pedro de Canedo. Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º 15, 1938.

GONÇALVES, António (? - ?). Eclesiástico, foi Superior do Mosteiro de Canedo em 1452.

Bibliografi a: Padre António Ferreira Pinto, S. Pedro de Canedo – no concelho da Feira. «Arquivo do Distrito de Aveiro», n.º 15. 1938.

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GONÇALVES, Aquiles José (1883-1964). Natural da Vila da Feira, onde nasceu em 1883. Foi escrivão de Direito no Tribunal Judicial da Vila da Feira. Fez parte de todas as organizações artísticas da terra, tendo sido elemento preponderante do seu grupo cénico como contra-regra e caracterizador. Fez também parte do grupo de jovens que em 1905 levou a cabo a desobstrução do castelo da Feira que se encontrava completamente «coberto de fi gueiras bravas, silvas e outras ervas daninhas». Tomou parte em 1899 das manifestações contra o desmembramento do concelho a quando da autonomia concelhia de Espinho. Era casado com D. Inês Sampaio Gouveia, de quem teve dois fi lhos: Arlete Sampaio e José Sampaio. Faleceu em 13 de Abril de 1964.

Bibliografi a: Correio da Feira, 18.4.1964.

GONÇALVES, Diogo (? - ?). E sua mulher Marina Mendes venderam a Pedro Nunes e a sua mulher Toda Randufi z e aos monges do Mosteiro de S. Salvador de Grijó em Dezembro de 1158, por 30 morabitinos, uma parte da «villa» de Moselos.

Bibliografi a: Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.

GONÇALVES, Froila (? - ?). E sua mulher Madradona Osoreiz, cederam ao Mosteiro de S. Salvador de Grijó em Março de 1140, metade, no imediato, e metade à sua morte, da sua terra de Sá, assim como a sexta parte de água de irrigação que ia a Rio Meão.

Bibliografi a: Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.

GONÇALVES, Garsia (? - ?). Doou em Setembro de 1163, ao mosteiro de S. Salvador de Grijó, a sua parte de direitos de padroado sobre a igreja de Silvalde (hoje do concelho de Espinho), Cortegaça (hoje do concelho de Ovar), Anta (hoje do concelho de Espinho) e Sermonde (hoje do concelho de V. N. de Gaia).

Bibliografi a: Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII) Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.

GONÇALVES, Paio (1047-1077). Era fi lho de Gonçalo Viegas e de Fâmula Chamôa. Era o chefe dos Senhores de Marnel. Possuiu propriedades em Anta, Escapães, Travanca Esmoriz, Cortegaça, Paramos, Canelas, Manhouce, Águeda, Macede, Ansemir, Golães e muitas outras, obtidas em presúria, provavelmente depois da reconquista de Montemor em 1034, com o apoio de Gonçalo Trastemires da Maia, com cuja fi lha, Honorico Gonçalves, se casou antes de 1047, de quem teve: Gonçalo Pais e Fernando Pais. Pertenciam a um ramo secundário da descendência dos condes presores do século IX encontrando-se entre os seus antepassados a Gondesendo Eriz (910-947), um fi lho de Ero Fernandes que casara com Inderquina Mendes Pala, fi lha, por sua vez, de Hermenegildo Guterres, que tivera, por sua vez, como mulher, uma sobrinha materna, a condessa Ermesenda Gondesendes, fi lha dos citados Gondesendo e Inderquina. Em Gondesendo Eriz entroncavam aos senhores de Marnel “a memória familiar de um extenso património detido na Terra de Santa Maria e que abrangia bens situados nas aldeias de Avintes, Sanguedo Esmoriz, Fornos e Azevedo (Pereira Jusã). No seu conjunto estas propriedades estavam adscritas aos três mosteiros que eles tinham fundado em 947: o Mosteiro de S. Miguel de Azevedo, o Mosteiro de Santa Eulália de Sanguedo e o Mosteiro de Santa Maria de Avintes que se identifi cou com Santa Maria de Crestuma. Os dois primeiros desapareceriam durante a invasão muçulmana de Almansor e o terceiro extinguir-se-ia em 1113, «altura em que já aparece documentada como simples ermida.

Bibliografi a: José Mattoso, A Nobreza Medieval Portuguesa – A Família e o Poder. Editorial Estampa, 4ª edição, 1994. José Mattoso, O Castelo e a Feira (A Terra de Santa Maria nos séc. XI e XII). Editorial Estampa, 1989.

GONÇALVES, Pedro (? - ?). Era tenente ou governador de Santa Maria em 1112.

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Bibliografi a: Jornal «Tradição», Número especial, «O Concelho da Feira nas Comemorações dos Centenários», Setembro, 1940.

GONDIM, António Caetano Osório (1801-1874)). Nasceu na freguesia de Avintes em 23 de Fevereiro de 1801. Era fi lho de António Pereira Osório e de D. Maria Vitória de Azevedo Lima Gondim. Fez os seus estudos no Seminário de Santo António do Porto e foi presbítero em 25 de Setembro de 1825. Foi pároco da freguesia de Pigeiros, apresentado em 1833, pela monarquia constitucional. «Foi o mais célebre de todos os abades de Pigeiros». Esteve a paroquiar aquela freguesia durante quarenta anos. Grande pregador sagrado, deixou numerosos sermões manuscritos, foi colaborador de vários jornais, tendo-se salientado sobretudo como professor. «Quase todos os homens de Pigeiros que sabiam ler e escrever, tinham sido leccionados por ele». Possuiu uma grande biblioteca, onde em alguns dos seus livros escreveu à margem notas curiosas em que manifestava as suas ideias liberais. Por causa destas suas ideias, chegou a ser desterrado para Trás-os-Montes a partir de 1823, tendo sofrido grandes privações e tendo estado preso no convento de Santo António. Com a vitória dos liberais, foi apresentado e colado em 1833, na freguesia de Pigeiros. Foi ainda professor nos preparatórios da época: Português, Francês, Latim, Lógica e Retórica. Foi escolhido para fazer a oração fúnebre nas solenes exéquias que em 1835 se realizaram na Real Capela da Lapa pelo eterno descanso de D. Pedro IV. Faleceu em 5 de Janeiro de 1874.

Bibliografi a: P.e Domingos Moreira, Nótulas Históricas Sobre Pigeiros. Separata do «Arquivo do Distrito de Aveiro», vol. XXXVIII, 1972. P.e José Inácio da Costa e Silva, «Santa Maria de Pigeiros», jornal «Tradição», número especial das Comemorações dos Centenários, Setembro, 1940.

GOUVIAZ elvira (? - ?). Vendeu a Soeiro Fromarigues e a sua mulher Elvira Nunes em 9 de Janeiro de 1100, por 30 «modios», a sua terra de Argoncilhe e a parte de direitos que ela possuía em Atequi.

Bibliografi a: Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.

GRANJA, Manuel Pereira (? - ?). Natural da freguesia de S. Tiago de Lourosa, foi um benemérito para a sua terra, pois construiu à sua custa um edifício escolar para os dois sexos, adquirindo todo o material didáctico necessário para o bom desempenho de professores e alunos. A escola denominou-se «Escolas de D. Margarida Granja». Com a implantação da República, Manuel Pereira Granja foi vereador da Câmara Municipal da Feira.

Bibliografi a: Jacob da Azenha, Santiago de Lourosa. «Correio da Feira», 15.12.1962.

GRIJÓ, Nuno Soares de (1102-1157). Era fi lho de Soeiro Fromarigue e de Elvira Nunes, pertencendo, por isso, aos senhores de Grijó, que, por sua vez eram descendentes dos senhores de Marnel. Continuando a aquisição de propriedades iniciada por seu pai, este aumentou o património fundiário dos senhores de Grijó na Terra de Santa Maria, distribuído «por 28 freguesias e abrangendo cerca de 250 propriedades»: posse de três igrejas, a de S. Tiago do Mato, a de S. Mamede de Serzedo e a de S. Cristóvão de Cabanões; as quintas de Sermonde e de Mozelos; fracções das povoações de Perosinho, Arcozelo, Grijó, Pereira, Ínsua e Maçada de Sá; moinhos e marinhas em Cabanões; casais em Grijó, Vila Châ, Argoncilhe, Mansores, Perosinho e Guetim; pomares em Grijó e Nogueira da Regedoura; vinhas em Nogueira da Regedoura; campos em Grijó e leiras em Nogueira da Regedoura, Serzedo e Gândera. Era casado com Urraca Mides, da qual teve o único fi lho varão, Pêro Nunes de Grijó (1112-1158).

Bibliografi a: José Mattoso, O Castelo e a Feira (A Terra de Santa Maria nos séc. XI e XII). Editorial Estampa, 1989.

GRIJÓ, Paio Soares de (1104-1151). Era fi lho de Soeiro Fromarigues e de Elvira Nunes, irmão de Nuno Soares de Grijó. Era casado com Boa Viegas,

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descendente dos patronos do Mosteiro de Pendorada e neta de Mónio Viegas, governador de Arouca, de 1068 a 1078. Este facto deu possibilidade aos senhores de Grijó, o exercício de poderes militares e administrativos na região do Baixo Tâmega, na chefi a do castelo de Benvive em 1123 a Paio Soares e ao seu fi lho Fernando Pais (1112-1161). Bibliografi a: José Mattoso, O Castelo e a Feira (A Terra de Santa Maria nos séc. XI e XII). Editorial Estampa, 1989.

GUEDES, Delfi m Augusto (? - ?). Nasceu na Freguesia de Guisande. Recebeu o presbiterado a 12 de Novembro de 1911 e foi pároco da Freguesia de Sanguedo.

Bibliografi a: António Ferreira Pinto, Defendei Vossas Terras – Monografi a de Guisande. Edição da Junta de Freguesia de Guisande, 1999.

GUIMARÃES, António Correia Pinto (1924-1978). Nasceu na freguesia de Espargo (Feira) em 1924. Foi pároco das Caldas de S. Jorge. Era fi lho de Américo Ferreira Pinto Guimarães. Faleceu em 6 de Junho de 1978, com 54 anos de idade.

Bibliografi a: Correio da Feira, 9.6.1978.

GUIMARÂES, António José Teixeira (1811-1870). Nasceu na Vila da Feira em 1811. Era fi lho de João José Teixeira Guimarães e da sua segunda mulher, D. Maria Rosa de Abreu. Foi capitão do Batalhão Nacional da Feira, mais tarde denominado Batalhão Nacional de Caçadores da Feira e vereador da Câmara Municipal da Feira em 1837-1938. Casou com D. Josefa Cândida de Almeida, nascida em Paços de Brandão e falecida na mesma freguesia em casa do seu tio, o Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, Dr. Joaquim de Almeida Correia Leal, a 19 de Dezembro de 1994, fi lha de Manuel Pinto de Almeida, capitão de Ordenanças e vereador da Câmara Municipal da Feira e de sua mulher D. Gertrudes Maria de Almeida. Do seu casamento com D. Josefa de Almeida houve os seguintes fi lhos: D. Guilhermina

de Almeida Teixeira, nascida em Paços de Brandão a 18.12-1848 e falecida solteira em Rio Meão: D. Maria Evangelina de Almeida Teixeira Guimarães, nascida em S. João de Ver na Quinta do Ribeiro a 19.8.1849 e falecida em Paços de Brandão. Casou nesta freguesia a 14.6.1878 com Joaquim de Sousa Rocha («com quem fez um casamento desigual»).

Bibliografi a: Fernando de Castro da Silva Canedo, Família Canedo e Teixeira Guimarães da Vila da Feira. Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro», n.º 63 Julho, Agosto e Setembro), 1950.

GUIMARÃES, João José Teixeira (1771-1841). Nasceu na freguesia de St.ª Maria de Borba, concelho de Celorico de Basto. Era fi lho de António Teixeira Alves, natural da mesma freguesia, e de sua mulher, D. Maria Marinho, que dali vieram para a Vila da Feira, tendo sido este casal o tronco donde provieram os «Teixeira Guimarães» da Vila da Feira. Com João José Teixeira Guimarães vieram sua irmã D. Joana Emília Teixeira e uma sua sobrinha D. Francisca Amélia Teixeira. A primeira casou com José da Silva Canedo e sua sobrinha, que nasceu em Guimarães em 4-6-1799, casou na Vila da Feira com o major de engenharia de Exército legitimista, Carlos Henrique de Niemeyer, fi lho de Conrado Henrique de Niemeyer, coronel de engenharia, que tinha vindo para Portugal, juntamente com outros ofi ciais para reorganizar o Exército Português. D. Francisca faleceu a 24-3-1883. Deste casamento houve um único fi lho, nascido em Lisboa, Joaquim Carlos Teixeira de Niemeyer que, tendo ido para o Rio de Janeiro, ali casou, criando numerosa família que tem ocupado no Brasil altas posições sociais e ofi ciais. João José Teixeira Guimarães foi presidente da Câmara Municipal da Feira em 1834, Quarteleiro das Cisas em 1814 e Tenente do Batalhão Nacional de Caçadores da Feira. Casou duas vezes. A primeira, na freguesia da Sé, no Porto, a 3.4.1798, com D. Maria Rosa Alves, natural da freguesia de S. Roque de Vila Chã, concelho da Feira (hoje do concelho de Oliveira de Azeméis), fi lha de António Silva e de D. Joana da Costa e já viúva do Alferes Francisco José Gomes de Abreu. Do casamento de João José Teixeira com D. Maria Rosa Alves não houve fi lhos; a segunda vez casou com D. Maria Rosa de Abreu, que faleceu na Feira a 16 de Junho de 1827, fi lha de António José Carneiro e de D. Teresa Gomes de Abreu, de quem teve os

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seguintes fi lhos: D. Maria Carolina Amália Teixeira Guimarães, nascida na Vila da Feira em 1806, tendo falecido solteira: D. Rita Leopoldina Teixeira Guimarães, nascida na Vila da Feira em 1807, casada com o seu primo António da Silva Canedo; D. Libânia Adelaide Amélia Teixeira Guimarães, nascida na Vila da Feira a 17.6.1810 e falecida ali em 3.12.1884. Casou na Vila da Feira a 13.3.1842 com João Maria de Lima Ferraz, escrivão de Direito, nascido na Feira a 18.1.1809 e falecido a 22.2.1873, fi lho de Manuel Lima Soares Ferraz da Silva e de D. Genoveva Maria Costa Soares. Deste casamento houve um fi lho, Augusto Maria Teixeira de Lima, nascido na Vila da Feira a 6.11.1842 e ali falecido a 6.7.1881; António José Teixeira Guimarães (que tem verbete próprio); D. Florinda Teixeira Guimarães, nascida a 6.7.1813; D. Albina Maria da Glória Teixeira Guimarães, nascida na Feira a 27.4.1814 e falecida a 4.5.1842, dois dias após o seu casamento com Henrique Vicente da Costa Neves escrivão da Administração, que faleceu em 13.6.1866, fi lho do Dr. Apolinário da Costa Neves e de D. Mariana Florinda Cândida da Costa Neves; João José Teixeira Guimarães (que tem verbete próprio); Joaquim José Teixeira Guimarães (que tem verbete próprio). João José Teixeira Guimarães faleceu na Vila da Feira, a 29 de Abril de 1841.

Bibliografi a: Fernando de Castro da Silva Canedo, Família Canedo e Teixeira Guimarães da Vila da Feira. Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro», n.º 63 (Julho, Agosto e Setembro), 1950.

GUIMARÃES, João José Teixeira Guimarães (1816 - ?). Nasceu na Vila da Feira, a 4 de Março de 1816. Era fi lho de João José Teixeira Guimarães e de sua segunda mulher, D. Maria Rosa de Abreu. Casou com D. Maria Rosa da Luz, nascida em 1823 e falecida a 20.10-1897, fi lha de José Francisco da Luz e de D. Maria Pinto de Miranda, de quem teve os seguintes fi lhos: João José Teixeira Guimarães, nascido na Feira a 6.11.1843 e falecido a 25.10.1859; D. Maria Adelaide Teixeira Guimarães, nascida na Feira a 14.3.1846 e falecida no Porto, na Rua da Alegria, a 1.10.1874, tendo sido sepultada no cemitério de Agramonte. Casou na Feira, a 19.05.1860 com Guilherme Braga, notável poeta lírico, autor de «Heras e Violetas», e de «O Mal de Delfi m» e que nasceu no Porto a 22.03.1845 e faleceu a 26.07.1874, fi lho de José da Silva Braga, advogado e de D. Maria Emília de Carvalho.

Deste casamento houve cinco fi lhos, dos quais apenas sobreviveu um, Guilherme Braga Júnior, nascido no Porto em 1868, tendo-se suicidado, por amores, na mesma cidade, a 22.6.1880.

Bibliografi a: Fernando de Castro da Silva Canedo, Família Canedo e Teixeira Guimarães da Vila da Feira. Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro», n.º 63 (Julho, Agosto e Setembro), 1950.

GUIMARÃES, Joaquim José Teixeira (1810-1882). Nasceu na Feira, a 14 de Outubro de 1810. Era fi lho de João José Teixeira Guimarães e de sua segunda mulher D. Maria Rosa de Abreu. Foi secretário da Câmara Municipal da Feira e Quartel-mestre do Batalhão de Calacores da Feira. Casou em Paços de Brandão, com D. Francisca de Almeida, irmã da sua cunhada que ali nasceu, em 1813 e faleceu na Feira, a 27. 7. 1883, fi lha de Manuel Pinto de Almeida e de D. Gertrudes Maria Rosa de Almeida. Joaquim José Teixeira faleceu na Feira, a 25 de Julho de 1882. Do seu casamento houve os seguintes fi lhos: Joaquim Eduardo de Almeida Teixeira, tesoureiro e escrivão da Câmara Municipal da Feira, onde nasceu a 21.03.1839. Casou com sua prima D. Maria Luísa Teixeira da Silva Canedo; D. Maria Carolina de Almeida Teixeira; D. Libânia Amélia Almeida Teixeira.

Bibliografi a: Fernando de Castro da Silva Canedo, Família Canedo e Teixeira Guimarães da Vila da Feira. Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro». Nº 63 (Julho, Agosto e Setembro), 1950.

GUTERRES (?-?). Fundou, pelos anos de 950, o Mosteiro de Canedo da Ordem de S. Bento.

Bibliografi a: Cónego A. Ferreira Pinto, S. Pedro de Canedo. Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º 15, 1938.

GUTERRES Ermesenda (? -?). E sua irmã Maria venderam aos monges do Mosteiro de S. Salvador de Grijó, a sua terra de Seitela, conservando o seu usufruto.

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Bibliografi a: Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.

GUTERRES, Godinho (? - ?). Lega em Janeiro de 1152, ao Mosteiro de S. Salvador de Grijó, a sua parte de direito de padroado sobre a igreja de S. Martinho de Anta e S. Mamede de Esmojães (hoje do concelho de Espinho), assim como 1/5 dos bens que possui em Anta, Esmojães e Paços. Em Junho de 1162, lega ao mesmo mosteiro, a terça parte dos bens que possui em Anta com a salvaguarda de que os seus fi lhos não poderem alienar o resto do património sem o consentimento do mosteiro ao qual deverão legar, se morrerem sem descendência.

Bibliografi a: Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado (XI-XIII) Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.

GUTERRES, Pedro (? -?) e sua mulher, Sancha Nunes, duma parte e os monges do Mosteiro de S. Salvador de Grijó por outra, comprometeu-se em Junho de 1141, a não alienar a terra que tinha em compropriedade em Paço, a não ser em seu mútuo proveito.

Bibliografi a: Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.

HENRIQUES, Domingos (? -?). Vivia em 1752, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «homem de negócio; natural de Mirelo, freguesia de Santiago de Lobão, Feira e morador no Bairro dos Ferradores, freguesia de Santo Ildefonso extra-muros da cidade do Porto; fi lho de João Moutinho e de Maria Henriques, naturais e moradores em Lobão; neto paterno de Manuel, sem sobrenome e de Maria Moutinha e materno de António Ferreira e de Isabel Henriques, também naturais e moradores em Lobão; casado com Jacinta Gomes de Almeida, natural da freguesia de S. Vicente de Louredo, Feira, fi lha de Manuel Francisco e de Antónia Gomes, também naturais e moradores em Louredo,

neta paterna de Agostinho Francisco, natural da freguesia de Santa Maria do Vale, Feira, e de Maria Gomes, natural da freguesia de S. João da Foz, termo do Porto e materna de Francisco João, natural de Vila Seca, freguesia de S. Vicente de Louredo e de Maria Gomes, da mesma freguesia de Louredo. Carta de Familiar de de 5 de Agosto de 1752. Domingos – m.39, n.º677».

Bibliografi a: Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício. Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º 113, 1963.

HENRIQUES, Manuel Francisco (1890-1918). Nasceu no lugar de Chão do Rio, Fiães, a 22 de Julho de 1890. Ordenou-se sacerdote em 1912 e foi pároco de Lobão, onde faleceu, de gripe pneumónica, em 30 de Outubro de 1918.

Bibliografi a: Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Casa Nun’Alvares, Porto, 1940.

HENRIQUES, Marcolino (1732-1813). Nasceu na Casa da Aldeia, freguesia de Pigeiros, em 17 de Junho de 1732. Obteve carta de cirurgião em 14 de Dezembro de 1761 e carta de sangria em 24 de Abril de 1784, para poder também sarjar, lançar ventosas e sanguessugas. Estas cartas ainda se conservavam na sua casa de Pigeiros em 1940, bem como um livro manuscrito de receitas médicas. Este médico deu o seu nome à casa que durante muitos anos se chamou a «Casa do Marcolino». Era trisavô do padre José Inácio da Costa e Silva que nos deu estas informações no seu artigo constante da Bibliografi a abaixo mencionada.

Bibliografi a: P.e José Inácio da Costa e Silva, «Santa Maria de Pigeiros», jornal «Tradição», número especial das Comemorações dos Centenários, Setembro, 1940.

INVEANDIZ, Paio (? - ?). Lega, em Janeiro de 1145, ao Mosteiro de S. Salvador de Grijó, as suas propriedades de Anta (hoje do concelho de Espinho) e de Casaldeita.

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Bibliografi a: Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.

JOÃO, Fernando (? - ?). Foi tenente ou senhor da Terra de Santa Maria. Aparece em documentos de 1223 e 1225 como homem da corte. Em 1235 aparece como «tenens Belistários» na doação de Aljustrel à Ordem de Santiago e, em 1236, na doação de Arronches ao Mosteiro de Santa Cruz, de Coimbra. A transferência de Fernando João da tenência de Santa Maria para a de Besteiros deve ter sido pouco antes da doação de Aljustrel, porquanto em documento de 1232, relativo à igreja de S. Vicente de Pereira ainda declina a sua qualidade de governador da Terra de Santa Maria, não com o título de tenente mas o de comendador, como segue: «Eu, Fernando João, Senhor de Pecegueiro e comendador da Terra de Santa Maria, faço saber a todos quantos virem e ouvirem ler este diploma que renuncio por mim e por toda a minha geração à igreja de Pereira na Terra de Santa Maria; e todo o direito que nela tenho ou pareça ter, o transmito ao bispo do Porto, D. Pedro e amaldiçoou todos aqueles que contrariarem esta minha disposição. Feita na casa do dito Bispo, ao pé da igreja de St.º Ildefonso, na era de 1280 (anos de Cristo 1232), correndo o mês de Março. O mesmo tinha doado em 1220, a Mendes Gonçalves, prior da Ordem de Malta em Portugal, «para alimento e vestidos dos pobres do Hospital de Jerusalém», a referida igreja de Pereira, «com todas as suas pertenças e direitos em montes e fontes e rios e prados e terras e vinhas e lugares novos e velhos». Nesta doação fi zeram parte os bens que possuía em Pereira e na comenda de Rio Meão.

Bibliografi a: Rogério de Freitas, «Terra de Santa Maria», jornal «Tradição», 23.12.1933.

JULGADO DE PAZ de Paços de Brandão. O Decreto de 23 de Dezembro de 1875 estabeleceu na comarca da Feira três Julgados de Paz: Feira, Lobão e Paços de Brandão. Em Paços de Brandão já havia o Julgado de Paz desde 1840 e era Juiz de Paz, Francisco José de Azevedo Aguiar Brandão, de Riomaior, A partir daquele decreto houve os seguintes juízes de Paz: Francisco de Azevedo Aguiar

Brandão, de Riomaior (fi lho do anterior), até 1891; João de Azevedo Aguiar Brandão, do Engenho Novo, (primo do anterior), 1880; José de Azevedo Aguiar Brandão, de Riomaior, (primo do anterior e irmão de Francisco José Azevedo Brandão), 1887; Manuel Gomes Teixeira, 1902; Augusto de Azevedo Aguiar Brandão, do Engenho Novo, (sobrinho dos anteriores); Manuel Pinto de Almeida, da Casa da Portela e o 3.º deste nome; Joaquim da Silva Pais; Joaquim Ferreira Macedo, Francisco Oliveira Leite e Carlos Vieira Pinto.

Bibliografi a: Padre Antero Gomes da Silva, Apontamentos sobre Paços de Brandão.

JULGADO DE PAZ de Rio Meão. Foram juízes de paz os seguintes cidadãos: António Ferreira da Silva Júnior, de Alpoços, eleito em 9.7.1834; José Ferreira Mendes, das Ribas em 12.11.1834; António Joaquim Pedrosa eleito em 12.9.1835, para Rio Meão e Paços de Brandão; António da Cunha Sampaio Maia, de S. João de Ver em 7.7.1836; novamente António da Silva Ferreira Júnior, de Alpoços em 9.10.183; António Francisco de Pinho eleito em 26.10.1836; António José de Azevedo, de Alpoços eleito em 9.9.1846 e reeleito em 30.9.1837; José Francisco de Paço e Fernando Francisco, da Giesteira, eleitos em 31.8.1882, juízes de Paz substitutos para o Julgado de S. João de Ver e Rio Meão para o biénio 1882-1884; Bento Gomes dos Santos eleito em 8.1.1897 para o distrito de paz de S. João de Ver e Rio Meão.

JÚNIOR, António Toscano Soares Barbosa (1860 -1958). Nasceu na freguesia de Travanca, Feira, em 6 de Dezembro de 1860. Era fi lho de António Toscano Soares Barbosa e de D. Maria Carolina de Almeida Teixeira. Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, em 1885. Foi nomeado delegado do procurador da República sucessivamente nos Açores, Miranda do Douro e Oliveira do Hospital. Foi contador do Tribunal da Comarca da Feira e o primeiro conservador do registo civil da Feira. Foi ainda vice-presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal da Feira em 1910 e vogal da mesma em 1911. Assumiu a direcção do jornal «Notícias da Feira» a partir de 30 de Julho de 1911. Casou na Vila da Feira a 21.10.1860

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com D. Maria do Patrocínio Domingues, fi lha natural de Ana Domingues, de quem teve os seguintes fi lhos: D. Maria Emília Soares Barbosa, nascida na Vila da Feira a 16.12.1894. Casou ali a 2.8.1919 com Alberto Coimbra, comerciante, nascido na Vila da Feira a 2.2.1890, fi lho de António Bernardo Coimbra e de D. Emília de Resende, irmã do desembargador Dr. Eduardo Coimbra. Houve dois fi lhos: Alberto Toscano Coimbra, nascido na Vila da Feira a 13.6.1920 e D. Maria Eduarda Toscano Coimbra, nascida na Vila da Feira a 22.1.1923. Casou na Feira a 17.91918, com Alfredo Gama de Andrade, fi lho de Benjamim Gama de Andrade e de D. Elvira Cardoso Ferreira Maia, de quem não teve fi lhos; João Carlos de Melo Toscano, comerciante, nascido na Vila da Feira a 5.12-1901. Casou, a 1.10.1927, com D. Judite Crespo Pinho, nascida a 4.8.1899, fi lha de Manuel José Pinto e de D. Balbina Crespo de Pinho; António Luís Toscano Soares Barbosa, escrivão de Direito na Vila da Feira, onde nasceu a 6.6.1904. Casou a 8.8.1927 com D. Carolina Augusta Simão; Joaquim Pinto de Almeida Toscano, funcionário das Finanças, nascido na Vila da Feira a 3.5.1911. Casou em Braga, a 19.10.1935 com D. Dulce Idalina de Azevedo, nascida na mesma cidade a 5.8.1911, fi lha de Joaquim Bernardo de Azevedo, major de Infantaria e de D. Maria da Conceição Oliveira Gonçalves, de quem teve os seguintes fi lhos: D. Margarida de Azevedo Toscano, nascida na Vila da Feira a 15.8.1941; e Fernando de Azevedo Toscano, nascido a 6.6.1945; Domingos Toscano Soares Barbosa, funcionário da Câmara Municipal da Feira, nascido a 19.4.1914. Casou a 25.6.1938 com D. Maria Carolina de Andrade, nascida na Feira a 8.1.1918, fi lha de Benjamim Gama de Andrade e de D. Elvira Cardoso Ferreira. Sem geração; e Alberto Toscano Soares Barbosa, (Tem verbete próprio). António Toscano Soares Barbosa Júnior faleceu na Vila da Feira em 8 de Setembro de 1958.

Bibliografi a: Fernando de Castro da Silva Canedo, Família Canedo e Teixeira Guimarães da Vila da Feira «Arquivo do Distrito de Aveiro», n.º 63 (Julho, Agosto e Setembro), 1950. Roberto Vaz de Oliveira, Imprensa Periódica da Vila e Concelho da Feira. Revista «Aveiro e o seu Distrito», n.º 8, 1969.

JÚNIOR, Joaquim de Almeida Carvalho (1882-1966). Nasceu em Paços de Brandão em 1882, no lugar da Aldeia.

Era fi lho de Joaquim Almeida Carvalho e de D. Maria Alves da Silva. Foi elemento da Nova Tuna juntamente com seu irmão Edmundo Carvalho e tornou-se o maior violinista de Paços de Brandão. Chegou a compor as suas próprias composições, tendo sido convidado a fazer parte da Orquestra Sinfónica do Porto, lugar que não aceitou pelo amor que tinha â sua terra e pela sua Tuna. Nos anos 50/60 foi presidente da Junta de Paços de Brandão Foi um dos fundadores da «Fábrica Dragão-Dilumit» em Paços de Brandão. «Brandoense profundamente dedicado à sua terra», foi conselheiro municipal da Feira. Participou como soldado do C.E.P. em França, na 1.ª Grande Guerra. Era casado com D. Umbelina Dias Pinto Leite da qual teve os seguintes fi lhos: Arménio Dias de Carvalho, que depois foi médico e director do Hospital-Asilo de S. Paio de Oleiros; Emídio Dias de Carvalho; e Joaquim Dias de Carvalho. Faleceu, na sua Quinta de Baixo, em Janeiro de 1966, com 73 anos de idade.

Bibliografi a: Correio da Feira, 29.1.1966.Informação fornecida pelo Sr. Eduardo Rocha, actual correspondente do «Correio da Feira» em Paços de Brandão.

JÚNIOR, Joaquim Vaz de Oliveira (1803-1866). Nasceu em 29 de Novembro de 1803 na freguesia de S. Lourenço do Douro, concelho de Bem Viver. Era fi lho de Joaquim Vaz de Oliveira, nascido na freguesia da Boa Viagem de Massarelos, escrivão de 1ª. Instância da cidade do Porto, falecido na rua do Almada, Porto, em 5 de Novembro de 1852 e de D. Maria Felisarda, nascida na mesma freguesia, em 27 de Junho de 1787. Era neto do capitão Francisco Vaz de Oliveira, nascido na freguesia da Boa Viagem de Massarelos, do Porto, em 22 de Novembro de 1703, e de D. Ana Teresa, nascida aí, em 25 de Janeiro de 1712. Fez os estudos preparatórios no Porto, cursando desenho, fi losofi a racional e moral, francês, latim e retórica. Assentou praça no exército, em 18 de Maio de 1823, com 19 anos, onde se mantinha em 23 de Março de 1828, como 2º. Sargento do Regimento de Infantaria nº. 6. Em 28 de Agosto de 1832, foi nomeado interinamente, regente e ajudante do cartório de escrivão dos órfãos, a cujo cargo também estava o expediente e contabilidade das «Decisões e Novos Impostos» da freguesia de Santo Ildefonso. Em 31 de Março de 1833, foi promovido a alferes da 1ª Companhia do Batalhão de Empregados Públicos e em 22 de

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Junho desse ano foi nomeado para o lugar de ofi cial do Partido do Juízo de Fora do Civil, no Porto. Foi um entusiasta pela causa da Rainha, tendo lutado ao lado dos constitucionais no cerco do Porto, designadamente no Carvalhido. Em 1828, foi perseguido e esteve preso, nas Cadeias da Relação do Porto, por ser a favor da «Legitimidade e da Carta Constitucional da Monarquia». Por decreto de 23 de Junho de 1834, D. Pedro, Duque de Bragança, como regente do Reino de Portugal, «despachou-o escrivão do juízo de direito da comarca da Feira, atendendo ao seu melhor comportamento, inteligência e actividade do Regimento de Infantaria, número seis (…) aos seus conhecimentos do foro pelos cargos que ocupava e (…) pelos sentimentos que manifestou no impulso aí (Porto) dado em dezasseis de Maio de mil oitocentos e vinte e oito a favor de Legitimidade e da Carta Constitucional da Monarquia foi perseguido e preso nas Cadeias da Relação. Em 19 de Abril de 1836, era escrivão d’ante o Juiz de Direito do Julgado da Vila da Feira, tendo prestado fi ança como escrivão e tabelião, por escritura de 28 de Maio de 1839. Em 1946, foi colocado como escrivão na comarca de Estarreja mas, por decreto de 8 de Setembro de 1845, voltou para a Vila da Feira. Por escritura de 16 de Abril de 1841, comprou a casa e quinta das Ribas, a José Eleutério Barbosa de Lima, onde nunca habitou, continuando a habitar na casa da Praça Velha. Fez parte do Conselho Municipal da Feira em 1842, 1843-44, 1845-45; 1847-48; 1850-51, 1856-57; 1858-59. Casou, em 14 de Junho de 1837, com D. Luíza Adelaide Teixeira da Silva Canedo, nascida na Vila da Feira, em 15 de Janeiro de 1810, fi lha de José da Silva Canedo, nascido na freguesia de Canedo em Fevereiro de 1778 e de sua mulher, D. Joana Emília Rosa Teixeira, nascida em 15 de Abril de 1744. Deste casamento houve 4 fi lhos: Joaquim Vaz de Oliveira, Rita Vaz de Oliveira, Maria Adelaide Vaz de Oliveira e Maria do Céu Vaz de Oliveira. Joaquim Vaz de Oliveira Júnior faleceu a 22 de Agosto de 1866.

Bibliografi a: Roberto Vaz de Oliveira, Quinta das Ribas – Família Vaz de Oliveira. Edição Comissão das Comemorações, Feira, 1999.

JÚNIOR, José Correia Leite Barbosa (1842 - ?). Nasceu nas Airas em 11 de Agosto de 1842. Era fi lho de José Correia Leite Barbosa que foi administrador do concelho

da Feira, Seguiu a carreira literária embora sem grande brilhantismo. Colaborou em vários jornais e publicou alguns romances.

Bibliografi a: Jornal «Tradição», número especial das Comemorações dos Centenários, 1940.

JÚNIOR, Manuel António da Silva (1853-1923). Nasceu em Fiães a 15 de Março de 1853. Ordenou-se presbítero a 18 de Dezembro de 1875 e foi nomeado encomendado de Fiães em fi ns de 1880. Fez exames de concurso de 23 a 25 de Julho de 1881 e colou-se à igreja de Fiães a 24 de Abril de 1886.Tomou posse da nova igreja, da qual foi fundador, a 23 de Maio de 1886, tendo sido apresentado por Carta Régia, de D. Luís I a 18 de Março de 1886. Dois anos antes, em Fevereiro de 1884, tinha presidido à bênção e inauguração da nova igreja. Paroquiou a freguesia durante 38 anos. Incompatibilizou-se com a maior parte da freguesia e resistiu ao Bispo, o qual se viu na necessidade de o remover canonicamente e substituído. Esta atitude de rebeldia criou sérios problemas ao seu sucessor, por não ter obedecido ao decreto de remoção de 2 de Julho de 1920. Por tal motivo, o Bispo aplicou ao sacerdote desobediente as penas canónicas em Provisão de 22 de Abril de 1920, interditando as igrejas e capelas de Fiães, até que o pároco substituto pudesse exercer o seu cargo. Sanado o confl ito, os templos de Fiães reabriram ao culto no dia 15 de Agosto. O padre Manuel António faleceu, a 1 de Dezembro de 1923, com 71 anos de idade.

Bibliografi a: Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940.

JUNTA de Freguesia de Fiães. Presidentes da Junta de 1870 a 1940: Reitor António Alves (1870-1878); José Ferreira da Mota (1878-1884); Manuel António da Silva (1884-1887); Abade Manuel da Silva Júnior (1887-1899); Manuel Francisco Moura (1899-1901); Padre José Valente de Matos (1901-1902); M. Silva Guimarães (1902-1907); Padre José Francisco Coelho (1907-1910); Dr. Rufi no Ferreira de Matos (1910-1914); Adelino Soares de Bastos (1914-1918); António

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da Silva Fontes (1918-1919); Adelino Soares de Bastos (1919-1920); António da Silva Ribeiro (1920-1921); Joaquim Ribeiro Fiães (1921-1925); Joaquim de Bastos (1925-1926); António André e Silva (1926-1928); Elísio Pinto da Silva Rocha (1928-1940).

Bibliografi a: Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940.

JUNTA de Freguesia de Paços de Brandão. Presidentes da Junta desde 1865: José Rodrigues Alves de Oliveira (Janeiro a Julho de 1866): José Alves Coelho (Agosto de 1866 a Outubro de 1867); José Henrique da Silva (Março de 1870 a 29 de Novembro de 1876): José Augusto Azevedo Pinto de Almeida 1878-1881); José Pinto de Almeida (1882-1885); José Pereira Pinto (1885-1886); Manuel Pinto de Almeida (1886-1889); José Henrique da Silva (18889); Joaquim de Oliveira Baptista (1890); Dr. João Augusto da Cunha Sampaio Maia (1890-1892); José Maria da Silva Cardoso Castelo (1893-1895); Joaquim de Sá Alves (1895); António Alves Ribeiro (1896-1898); Caetano Fernandes (1899-1901); e 1902-1904); José de Azevedo Brandão (1904); Manuel Nunes dos Santos (1905); Celestino Pinto Ferreira (1905-1907) e (1908-1910); Joaquim Teixeira Brandão (1911-1916); Joaquim Ferreira Macedo (1918-1920); Joaquim de Sá Alves de Oliveira (1920); Joaquim Ferreira Macedo (1921-1925); Joaquim de Sá Alves de Oliveira (1926-1928); Florentino Domingues Monteiro (1928); Manuel Dias da Silva (1929- 1934); Joaquim Pereira da Silva (1935-1937); Joaquim de A. Carvalho Júnior (Narciso) (1937); Manuel José de Oliveira (1938-1941); Prof. Joaquim de Sousa Figueiredo (1942-1945); Diamantino Santos Silva (1946-1951); Prof. Joaquim de Sousa Figueiredo (1951-1952); Manuel Simões (1952-1954); Joaquim Almeida Carvalho Júnior (1955-1963); Armando Carvalho da Silva (1964-1974).

Bibliografi a: Padre Antero Gomes da Silva, Apontamentos sobre Paços de Brandão.

JUNTA de Freguesia de Rio Meão. Presidentes da Junta desde 1835: José Pinto, do Mourão,

industrial de papel e presidente da primeira Junta de Rio Meão, após a vitória do Liberalismo; nomeado em 7.10.1835; Luís Lopes de Sousa, de 13.1.1885 a 31.10.1897; Manuel de Sá eleito em 31.1.1890; Abade Manuel Vicente Pereira eleito em 2.1.1894; 14.1.1894; 13.1.1896;13.1.1899; 2.1.1902; Padre David da Motta e Pinho eleito em 11.1.1904; 2. 1 1905; Padre Augusto de Oliveira Pinto eleito em 27.8.1905; Manuel Soares de Albergaria eleito em 17.6.1906; Padre Augusto de Oliveira Pinto eleito novamente em 2.1.1908 e 20.4.1908; Manuel Ferreira Marques eleito em 1.5.1910 e 1.ª Comissão Paroquial Republicana; José de Sousa eleito em 2.1.1914; 6.5.1917; Augusto Pinto dos Reis eleito em 2.1.1918; Manuel Pinto Machado, tomou posse em 10.4.1919; Alberto da Costa Reis eleito em 12.8.1919; novamente José de Sousa para o triénio 1923/25; Manuel Ferreira de Carvalho eleito em 4.7.1926; Novamente José de Sousa em 26.11.1939; 5.11.1941; 2.1.1942; José Marques em 17.9.1950; e de 24.10.1954 a 29.12.1963; David Alves Correia Júnior eleito em 5.11.1954; Tobias Ferreira Pinto Amaral eleito em 15.11.1959; David Pereira da Silva, tomou posse em 20.11.1974.

Bibliografi a: David Simões Rodrigues, Rio Meão – A Terra e o Povo na História edição da Junta de Freguesia de Rio Meão, 2001.

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Meu pai em mim

Maria Fernanda Calheiros Lobo*

Sei agora melhor o alheamentoaquela paz, que tão bem lhe ia,sereno, a qualquer acontecimentoapenas, tudose repetia…Brincava com o seu próprio esquecimentoolhava á volta para ver se alguém diziaa palavra que faltava no momento…Pudesse hoje completá-la…(que mais eu queria ?)E agora, se me dói o pensamentoporque muito quero, e o verso não me sai,oiço a voz que repete, bem lá dentro,Não tens forma nem talento,para descrever teu Pai

Da filha que sempre te apoiou

*Universidade Sénior - Douro.

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163 Domingos Azevedo Moreira *

VISITAÇÕES

DE

PIGEIROS (FEIRA)

Vol. I (1769 – 1849)

Vol. II (1850 – 1873)

PIGEIROS 1990

*Pároco de Pigeiros

18 «Cappitulo p. ª se preguntar a Doutrina no acto da Confi ssão. Dom Fr. João Rafael de Mendonça, Monge de S. Jerónimo, por mercê de D. s e da S. ta Sé App. ca Bispo do Porto, do Con. co de Sua Mag. de Fidelissima etc. A todos os Nossos Súbditos Saúde e Bênção em o S. r

Amados fi lhos, vós bem sabeis q. to a qualq. r catholico he nr. º o conhecim. to da Ley do S. r e dos seus sagrados Misterios mas alguas pessoas arrastadas das mundanas conveniencias das proprias culpas e da sua m. ma saluação esquecidas chêgão na Quaresma ao sacram. to da penitencia, desconhecendo absolutam. te a Doutrina Christãa q. do não podem de algua sorte no precizo estado da Ignorancia do q. he nr. º “Necessitate Medii” Reconciliarem-se com | 22 com Deos por ser antão inválida a absolvição q. lhe der ou esta não se difi ra q. do por sua culpa desconhecem o q. “Necessitate Precepti” devem saber e p. ª ocorrer a hum tal lamentável Damno admoestamos todos os Nossos súbditos, digo, a todos os Confessores seculares e Regulares deste Nosso Bisp. do p. ª q. sem exce(p)ção de pessoa nas confi çoens do Preceyto quadragesimal perguntem aos Penitentes aquella Doutrina q. p. ª Saluação he nr. ª “Necessitate Medii et Precepti”, havendo-ce com os Ignorantes com aquella instrução q. prescrevem os Autores e q. do voluntariam. te não fáção as referidas preguntas, não poderão absoluer aos m. mos

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penitentes, q. p. ª a satisfação do Preceito da quaresma se confessarem, pois neste Cazo lhes lemitamos e Restringimos a jurisdição q. tiuerem de confessar neste Bisp. do ou lhe(s) seja dada absolutam. te ou por tp. º lemitado e p. ª q. asim se cumpra em todo o Nosso Bisp. do mandamos passar a prez. te e mandamos aos R. dos Par. os da Com. ca da Fr. ª q. desta logo forem entregues, a fáção copiar no L. º das Vezitas, Retendo-a som. te duas oras e cada hum fará Remeter ao q. se seguir, p. ª o q. correrá a forma da Vezita e (a)signando cada hum; dada no Porto sob Nosso selo e signal do N. R. do D. r Prouizor aos 31 de janr. º de 1782. M. el L. te Bragança, Fran. co Matheus X. er de Carv. º».

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«Indulgencia p. ª o dia 24 de Março nam sendo impedido. O D. r Fran. co Matheus Xauier de Carualho, Mestre-Escola na S. ta Sé Cathederal (sic) desta Cidade, examinador e prouisor deste Bisp. do do mesmo. Às piadosias (sic) instânsias da Rainha Nossa S. ra Consedeo o S. to Padre Reynante na igr. ª de Christo, o S. r Pio 6, a todas a(s) pes(s)oas q. verdadeiram. te penitentes, confessados e refeitos (sic) com a sagrada Comunhão | 22

v Vezitarem no dia 24 de marso em que modernam. te se reza e e (sic) faz commamaração (sic) do Corpo de Nosso Senhor Jezus Christo, ou sendo Antam impedido, no dia p. ª q. se transferir a m. ma festa, qualquer das igr. as aonde se goardar o S. mo sacramento, tiuerem o mesmo nome, ou se chamarem do corpo de Deos, e deuotam. te pedirem pela pás entre os prí(n)cepes Ch(r)istanos, estripassão (12) das heresias e aumento da Religião catolica, as mesmas e quaisquer das induligensias, remissão dos pecados e relaxação das penitensias q. pella percíncula (13) se concededem (sic) às igrejas dos Religiozos de S. Fran. co quando no dia 2 de Agosto se uezitam; por auizo da secretaria do Estado de 12 de Feur. º do prezente anno manda S. Mag. de que se execute huma tam grande grassa p. ª q. todos os Fieis della se pós(s)ão utelizar, mandou S. Ex. R. ma passar a prezente ordem p. ª a Com. ª da Fr. ª a qual correrá a forma da uezita e cada hum dos R.

dos pár. os a fará remeter ao q. se seguir no termo de duas horas, fazendo-a primeiro Copiar no Líuoro (sic) das uezitas, asignando cada hum de Como asim o Comprio e o último a fará remeter à Câmera. Dada no Porto sob sello de sua Ex. ma R. ma e meu Signal aos 14 de marsso de 1782. M. el Leite de Braganssa».

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| 23 «Vezitação da Parochial Igr. ª de S. ta M. ª de Pijeiros, 18 (14) de Ag. º de 1782. 1.º Constantantino (sic) Joze Álvares Bello, Ab. e da Ig. ª da Igr. ª (sic) de S. Thiago de Sylua(l)de da Com. ca da Fr. ª e na m. ma Vezitador no espiritual e temporal p. lo Ex. mo e Il. mo S. r D. João Rafael de Mendonça, Monje de S. Jeronimo, por mercê de D. s e da S. ta Se Ap. ca Bizpo do Porto, do Con. co de S. M. F., etc. ª 2.º Faço saber em como na prez. ça do M. to R. do Par. º desta Igr. ª e seus freg. es Vizitei primeiram. te o A(l)tar Mor em q. se acha colocado o Santis. º Sacram.to, calleterais (sic) com suas vene(rá)vais (sic) imagens, s. tos óleos e mais vazos sagradas (sic). E como me parecer (sic) estar tudo com muita decencia, a todos exorto em o S. r De (e)xplendor e aum. to do divino Culto com inextimável bem da Salvação de suas almas por quem o unigénito de D.s deo o seu mais preciozo Sangue: fi m principal este da(s) Vezitaçoens Canonicam. te instituídas p. ª a extirpação do escandolozo (sic) vício, planta da exe(m)plar virtude e maior perfeição da ecleziástica virtude.

3.º E p. ª isto não ignora o R. do Par. º o q. to cooperar deue no mais exacto comprim. to de seus indespensaueis deveres, rezidindo não Só materialm. te e formalmente Daq. la sorte asistindo efectivamente na sua Parochia sem absencia q. exceda mês q. p. ª maior (sic) necessariam. te intrevir deve (ter) escrita L. ça de S. Ex. ca R. ma como dispoem (sic) o dir. to

(12) Por “extirpação”.(13) Por “Portiúncula”.

(14) o dia “18” está omitido no texto mas consta do Registo Paroquial (vide a este propósito o nosso livro Santa Maria de Pigeiros da Terra da Feira, Porto, 1968, p. 93 e livro do Registo Paroquial de 1762 a 1784).

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Comum e Diocizano. E desta (maneira?) mais zelozam. te (ir) apascentando o seu Rebanho com a S. ta palavra do evang. º e mais actos de Religião e pied. e nas Domingas e mais Celebrid. es do anno e em suas compet. es tardes instruindo | 23 v instruindo juntam. te os pequenos com os elementos (15) da doutrina Christã p.ª q. mais se não ouça as queixas da Escritr. ª de pedirem aq. les famintos pão sem haver quem o ministre, fazendo-se aqui mais o nigligente Pastor (Reo) (16) de hua maldição Divina e de não leve transgreção das Leis Conciliares e Sinodais deste Bispado.

4.º Pelas m. mas incumbe também ao R. do Pár. Ensinar a seus fregueses o como devem ba(p)tizar nos cazos de grave necessid. e, pois p. la ignorancia de m.tos não são poucas as infelices almas q. se comdémnão e responsavel será no Tribunal de J. Chr. De toda a alma perdida q. em omitio obrar o q. facilm. te podiam para a Salvar, assevera não sem terror Tertuliano. Exorto efi cazm. te os Pais p. ª q. logo e sem demora e no mais dicente (sic) tempo matotino fáção ba(p)tizar os fi lhos p. los evidentes perigos a que estão sugeitos suas frágeis vidas, Caizal (sic) q. obrigou ao Papa Eugenio 4.º a determinar-lhes superiorm. te o tempo de tres dias na Const. q. principia “Cantate Domino” e esta ser a saudavel e moderna praxe de Roma cabeça da Igr. ª e das mais catolicas Diocezes testefi ca o g. de Bened. 14 na inst. can. em o n.º 98; os infelices abortos se ba(p)tizem não estando mortos e mostrando sensibilid. e e movim. to. Não premite o Conc. de Trent. senão hum Padrinho; e só dois de diverso sexo, adultos e não impúberes, O Ritual Romano e nem, por mais decencia, Clérigos o gloriosíssimo S. º Carlos no Sag. do Conc. de Millão e com inumeráveis (cânones?) O Ebredonence de 1728, confi rmado p. la Sé Ap.ca. Aos ba(p)tizandoos (sic) se impônhão os nomes de S. tos cannonizados (sic) ou beatifi cados p. la Igr. ª. Os as(s)entos asim deste Sacram. to como do matrimonio seja o R. do Pár. º (obrigado) (17) a fazê-los logo e antes de sair da Igr. ª na qual p. ª isso espesialm. te se guardem os proprioa Liuros em gaveta fechada como bem determina a Const. 12, TT. 3, Liv. 1, Cominando-ce perzentem. te (sic) | 24 os que asim o não obseruarem, (sob) pena de suspensão.

5.º M. to deve o R. do Pár. º (Recomendar) (18) aos Fieis o devido respeito aos sagrados Templos e seus Altares a q. ninguem ir(r)everentem. te se encoste pois tem Censura neste Bispado, a maior venerasão (sic) profunda e genofl exão ao Santiss. º Sacram. to, a exenplar (sic) frequencia de suas dignas Comonhoens menistradas a homens e separadas (as) m. eres no Corpo da Igr. ª e não em Capela Mor, pois o prohivem os Cán. e Sinod., os sacros ornatos nem todos podem ser Ricos mas sim decentes e Limpos como no tempo das vezitaçoens. Horror Cauza a pess(o)as (19): menos Limpas verem as (pobres) (20) tualhas (sic), os imundos Corporais e mais asquerosos sanguinos de alguas Parochias. Naq. las em q. decorozam. te se costúmão celebrar os misterios da Q. ta feira S. ta inviolavem. te (sic) se obserue de S. Ex. ca R. ma a Religioza Pastoral de 1779, abolindo-se qualquer no(c)turna procissão, q. do só a da exposição Eucarística decrétão as S. tas Rubricas, colocada em hum Cálicy e Cazulla e não patentem. te por misterios deste as(s)inalado dia, A Reforma do Sacrário se faça todos os 8 dias nos Domingos, não se uzem palas q. não séjão de ambas p. tes de pano de linho.

6.º E porq. da grande Missa Parochial chamada do dia, apenas resta seu venerável nome p. ª com o Relaxado Cristianismo não sem ir(r)eperáveis (sic) danos da Igr. ª e República, p. ª no possivel se obviar faça o R. do Pár. º sujeitar às penas da Synodal, a fi m de q. a ela não falte ao menos hua pessoa de cada familia, sendo p. las m. mas compelidas a enviarem seus f. os à doutrina. Sempre na Parochial Missa e nas mais asim Cantadas como Rezadas se lê a Cole(c)ta “Et Fa(mulos)” excepto na de Requie(m) preceit(u)ada p. la Const., sem diferença algua O Asperg. lhes preceda (21) nas D. as na forma da m. ma uração (sic) mental com os m. tos actos das virtudes teológicas, tudo | 24 v determinado p. la virtude de S. Sant. de

(15) No texto “elemim. tos”.(16) A palavra “Reo” já consta no livro de Visitações de Romariz, f. 79 v.

(17) No livro de visitações de Romariz, f. 80, já consta a palavra “obrigado”, vindo também a mesma palavra “obrigd. º” no livro de visitações de Caldas de S. Jorge, f. 65 v.(18) A palavra “Recomendar” já consta no livro de Visitações de Romariz, f. 80.(19) No texto está “pessas”, mas no livro de Visitações de Romariz, f. 80, está “pessoas”.(20) A palavra “pobres” consta do Livro de Visitações de Romariz, f. 80. No texto, a palavra “Limpas” refere-se a “toalhas” e não a “pessoas”.(21) No texto está “proceda”.

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Ben. 14 na sua Ap. ca Const. “Quemadmodum” emrequecendo os fi eis com m. tas plenarias e pascuais indulgencias. E nos m. mos D. os os capeloens das missas dos Pastores explicarão hua p. te da Catolica doutrina em cada hum com moderação e clareza, não antes nem dipois, (mas) sim, lido q. tênhão o Eug.º, concluindo cada exposição com os referidos actos de Fé e Contrição e isto seja em Igr. as ou Capelas deba(i)cho das penas do Cap. da ultima vezitação, q. confi rmo. Os m. mos actos se fáção sempre na menistraçám do sacro viático e extrema unção.

7.º Este Capp. º se deue ler antes das festas a respeito do v. º. Os deploraveis escándolos e não poucos sacrilegios q. ordinariam. te se cometem com festas de ar(r)ai(ai)s de vinhos, com tantos danos aos povos e opróbrio da Religião, nem o R. do Par. º nem outro q. al quer sacerdote ou pregador cantem missa, expônhão Sermão ou fáção procição nelas debaicho de pena de suspensão q. gravem. te lhes onere suas con(s)ciencias de cuja tren(s)gres(s)ão (sic) deverão ser responsaveis nas feturas (sic) vezitas asim como se não executarem as multas da Const. 6. ª, Tt. 9, 1. 4. Os quais impios profanadores do Santuario (são) mais f. os do Paganismo do que do puro Christianismo, a quem o Ap. º terrivelm. te exprobra: Porventura não tendes cazas p. ª comer e beber ou asim desprezais a Igr. ª de D. s?

8.º Donde como todos sabem ser D. s nas vulgares romarias mais ofend. º do q. seus S. tos mais glorifi cado, por especial faculd. e de S. Ex. ca R. ma despenço e comuto quaisquer votos de proccicionários (sic) clamores, q. o R.do Par. º e seus freguezes estéjão obrigados a comprir em Igr. as ou Capelas de fora p. ª q. os satisfáção nas suas proprias Igr. as, Concedendo o m. mo Snr. quarenta dias de indulg. ª às pessoas q. nessa ocazião se confes(s)arem e dignam. te comungarem. Debaicho das graves penas da Const. | 25 não se péção esmolas p. ª festa algua sem q. haja estatuto e confraria q. dê contas.

9.º Nenhum confessor jamais menistre o veneravel Sacram. to da Penit. ª em cazas profanas não urgindo cazo de grave infi rmid. e, pois devidam. te o prohibe a Igr. ª em que Só pode Conferir hum menistro santo, nem ainda em Oratorios

domésticos asim como a destribuiçám eucarística, declarou o S. mo P. e Ben. 14 na Cont. “Magno cum animi”: A mais tem excedido a imodesta conduta de outros confessando m. res fora de confessionarios, incorrendo ou (sic) em hua suspensão “Latae Sententiae” p. la Vezitação de 1769 a q. l eu na prez. te Confi rmo p, ª q. nenhum Confessor secular ou Regular oução (sic) Confi ssoens de m. res de fora de seus Confessionarios fechados e inseparavelm. te de seus ralos, à exce(p)ção tam som. te de algua urgente e não fi ngida necessid. e sem a q. l tamben (sic) nunca menistrem sem o decente ornato de Sobrepelis, ou (ao) menos, Ostola (22) Roicha havendo comodid. e.

10.º Em quaisquer actos ou off. os sagrados jamais uzem os sacerdotes e (23) seus inferiores de hábito q. não seja preto e talar na forma da Ley Sinodal e debaicho das penas da emeadiata (sic) vezitação, não obrigando a outra coiza algua atendível necessid. e, o mais vistuario (sic) e calçado neles deve ser tam grave e honesto q. em tudo convênhão a huns menistros de J. X. to, q. mais edifi quem q. escandelizem ainda o ínfi mo vulgo, sendo em tudo o mais os pr. os exemplares de virtude, fugindo por todos os modos ainda à espécie do mal e abstendo-se de todo o menor Luito, devertim. to como são os inibidos p. los Sagrados Cânones e declarados p. la Sinodal deste Bispado | 25 v na Const. 7. ª e subseq(uentes) do tt. º I, Liv. ro 3. As feiras Continuadas sem maior precizão pouco ou nada decorosas são ao estado sagrado; asim como dele totalm. te alheios contractos de gados, denh. os a ganhos, como se explica (n)a Sinodal ou essas mais infames uzuras e outras quaisquer profanas negociaçoens, com tam severas censuras prohibidas p. los Conc. os Universais e Decretais de todos os sécolos, innovissam.te p. los SS. Pont. Ben. 14, Cle(mente) 13 na Const. “Legitima(m. te)” publica(da)s (24) nesta Com. ca por mand. º do S. r D. Fr. Antonio de Sz. ª de Ill. tr M.

(22) Por “Estola”.(23) No texto parece “se”, mas no livro de Visitações de Romariz, f. 81 verso, está “e”.(24) No texto está “Legitima públicas” (sem acento) e no livro de Visitações de Romariz encontra-se “Legitimam. te publicas” (f. 82).

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10.º 1.º (25)

Sim os (e)xercicios, que se fazem mui (re)comendáveis e úteis a todo o clero, são as preceitas Conferencias de moral, Seremonias e Ritos, que devem continuarem ao menos tres Vezes cada mês na Rizidencia do R. do Par. º debayxo da penal suspenção de tres dias ipso facto de suas ordens por cada Culpavel falta q. nella tiverem em q. pelo m. mo lhe serão acuzadas nas certidoois q. passarem p. ª obter licença de confessar e ordinandos à promes-soy (26) das mais ordens: estes se são diligentes em seus menisterios em acompanhar o Santissimo e aquelles no confess(ion)ário na propria freguezia; os sacerdotes q. se declarem sem aprovação e não dispençados no tempo (se habilitem) (27) no tempo de dois mezes conforme mándão as Pastorais e, não o fazendo, o R. do (Párrocho) (28) os declare incurssos na suspenção nellas emposta e o m. mo observará p. ª com os q. se lhe(s) fi ndarem | 26 os dois mezes da extinta licença, fazendo lembra(n)ça p. ª isso da data da sua Concessão. E tambem se recomenda ao R. mo Párocho não consinta na sua Parochia Clérigo algum de outro Bispado sem lhe aprezentar dimissoria cumprida p. r S. Ex. cia R. ma, sem o q. o denuncie a juzio (29) e a q.m lhe contribuir param. tos p. ª o sacrafi cio (sic).

10.º 2.º (30)

Ponha o R. do Par. º a mayor vigilancia e não menor atenção em extirpação do diuino culto e suas tançois (31) mais puras, todo o supresticiozo (sic) abuzo e irreverientes (sic) corretellas (32) e, como não poucas ocôrrão no uulgo p. ª com alguns sacram. tos principalm. te do matrimonio contrahido no vespertino tempo, por isso ja(mais) (33) se selebre senão na missa conforme determínão as Rubricas do missal e ritual Romano e Autênticos Decretos da S. Cong. zm do Trident. E mais conforme ao m. to S. Concilio e mais util à Igr. ª e estado publico o fazer-ce as prezentes denunciaçois sempre

(25) Por “11.º”.(26) Por “promoção”.(27) No livro de Visitações de Romariz, f. 82, já consta a expressão “se habilitem”.(28) No livro de Visitações de Romariz, f. 82, já consta a palavra “Párrocho”.(29) Por “Juizo”.(30) Por “12.º”.(31) Por “(in)tenções”.(32) Por “corruptelas”.(33) No livro de Visitações de Romariz, f. 83 verso, está “jamais”.

sem variação nas missas Parochiais em dia só de rigorozo preceipto e não feriados nem ainda dispençados, nos como modernam. te Declarou a indicada congregação. A Extrema unção seja administrada com lus (sic) e nunca se entregue a âmbulla a pessoa leiga; en os offi cios de defuntos de corpo prez. te se uze sempre de encensso na forma do Ritual | 26 v e Mais exactam. te fará o R. do Par. º guardar o preceito sinodal em q. bem (34) estabelecido nómero (35) das sinodais p. los pios defuntos sem a odioza execção (36) dos Ricos ou pobres, procedendo contra os violadores da ley con despensavel ordem, que deve senpre (sic) resplandecer na Igr. ª con (sic) a excluzão de toda a indecoroza e mais desordenada confuzão; Todo o Féretro seja constituído inferior ao Coro, q. deve existir na Capela Mor, e nela o Celebrante superior a todos no lado epistolar (37) em banco e não Cadr. ª asin como nas missas solenes festivas e sem pluvial nem estola, q. só recolherá p. ª Laudes ou vésperas como tudo he determinação da Sagrada Congregação de Ritos. Todas as sepulturas q. estiverem emediatas (sic) aos Altares, (devem) serem o vão deles, oportunam. te não se se (sic) celebrando neles até q. não séjão purifi cadas; não haja neglegencia menor nas pro(ci)çoens nos nececitados defuntos nos dias em q. são premetidas (38) aos sepulcros dos pequenos antes da razão fi nados, merecem p. la sua enocencia (sic) serem separados e não mistos com os Cadáveres dos adultos como dispõe o Ritual; os as(s)entos de seus óbitos séjão inperterivelm. te (sic) feitos conforme o decreto de S. Ex. ª R. ma de 1779; o Adro se conserve fi chado (sic) e não se venda a erva dele nen se apasente (sic) com ela animais, pois he mais ambição q. pied. e.

10.º 3.º (39)

o (sic) R. do Par. º no tempo de hum mês faça inventr. º dos bens da fábrica e mais perte(n)cente à Igr. ª seguindo-se em tudo p. la Const. e o m. mo fará dos imemoriáveis | 27 uzos e costumes desta Igr. ª sendo legítimos e novam. te introduzidos.

(34) Por “vem”.(35) Por “número”(36) Por “excepção”.(37) Por “epistolar”.(38) Por “permitidas”.(39) Por “13.º”.

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10.º 4.º (40)

Na menistraçám sacramentária e mais of. os eccl. os, séjão festivos ou fúnebres, não uze nem pratique o R. do Par. º outro Ritual senão o Romano Apostolicam. te decretado p. la S(antidade) de Paulo 5.º e confi rmado p. lo S. or Ben. 14 p. ª a mais pulcra uniformid. e do Rito; asin como necessariam. te a confessamos no perpetuo e invariável Dogma de hum D. s, hua fé, hum ba(p)tismo, hum mediador entre D. s e homens, Jezus Christo.

10.º 5.º (41)

O sacrario seja forrado de Damasco branco assim como o véo do Vazo seja de seda da mesma Cor. Ponha-se logo hua vidras(s)a na porta da Sancristia dos Mordomos.10.º 6.º (42)

Na fábrica se fáção duas Vestim. tas de Damasco branca e vermelha; Duas albas, tres Amictos, Duas Mezas de Corporais com Palas de linho, hua duzia de sanguinhos, Mais o de Manusterges; Duas toalhas p. ª o Altar, duas p. ª a Comunhão e hua p. ª o lavatorio. Hum Pluvial roixo e hua Vestimenta de damasco roixa. Ferros p. ª as hostias.17.º E Porq. a Rezidencia se acha arruinada se concerte quanto antes p. ª se evitar mayor damnifi cação. O R. do Par. º publique estes Cap. os em tres dias festivos de que passe Certidão e Eu o P. e Antonio Joze Borges secretr. º da Visitação a sobsescrevy. Constantino Joze Álvares Belo. Publiquei estes Capítulos à estação das Missas Conventuais em tres dias festivos; o que afi rmo “in verbo sacerdotis”.

S. ta Maria de Pigeiros, 15 de 7 bro de 1782. O Encom. do Manoel Álvares de Olivr. ª Rosa».

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| 27 «Indulg. ª de Quimta (sic) Feyra em todos os mezes (43). D. F. r João Rafael de Mendonça, Monge de S. Jeronimo, por mercê de Deos e da S. ta Sé App. ca B. º do Porto, do Conc.

(40) Por “14.º”.(41) Por “15.º”.(42) Por “16.º”.(43) Este título estava à margem.

(44) Por “ora”, isto é, “agora”.

co de Sua Mag. e Fm. ª etc. ª. Fazemos saber q., a instancias da Rainha N. S. ra, concedeo o S. P. hora(44) Prezidente na Igr. ª de D. s as Graças e Indulgencias contheúdas no Breve seg. te:

Pio Papa 6.º

Ad perpetuam rei memoriam

Aplicados Nós por pia charidade a augmentar com os celestiais thezouros da Igr. ª a Religião e Salvação das Almas dos Fieis e tão-bém inclinados às súplicas da m. to amada em Christo F. ª Nossa M. ª Fr. ca Rainha Fidel. ma de Portugal e dos Algarves etc. Concedemos Indulgencia Plenaria e Remissão de todos os peccados a todos e cada hum dos Fieis de Christo de hum e outro sexo q. verdadr. ª m. te confessados e commungados fi zerem oração hua vez em cada anno por tempo de hua hora perante o Augustissimo Sacram. to em qualq. r Igr. ª destes Reinos em q. existir o mesmo Divino Sacramento, ou occulto no Sacrario ou exposto à pública adoração dos Fieis, e ali rogarem a D. s pela paz e concordia dos Príncipes christãos, extirpação das heresias e Exaltação da S. ta Madre Igr. ª. Além disto concedemos aos mesmos Fieis q. semilhantem. te confessados e Commungados fi zerem os mesmos devidos rogos diante do S. mo Sacramento em hua Quinta Fr. ª de todos os mezes, qual ellegerem, sete annos e sete quarentenas de perdão. Finalmente relaxamos cem dias de indulgencias e devida penitencia na forma costumada da Igr. ª a todos os Fieis que, contritos do Coração, orarem semi-lhantemente em qualq. r dia do anno. E facultamos que as ditas indulgencias, Remissões de peccados e Relaxaçoens de penitencias se póssão aplicar por modo de Suffragio pelas Almas dos Fieis que desta vida paçarem. Estas indulgencias valerão perpetuam. te. Queremos porém que aos transumptos das perz. tes letras | 28 e copias ainda impressas sobre – escriptas por mão de algum publico Notario e munidas com o sello de Pessoa constituída em Dignid. e Ecclez. ª, se dê a mesma fé como se focem próp(r)ias. Dado em Roma em S. ta Maria Major debaixo do Anel do Pescador no dia doze de Agosto de mil sete centos e oitenta

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e tres annos, no anno nono do nosso Pontifi cado. Jor Cardeal de Comitibus. E p. ª que chegue à not. ª de todos e se aproveitem de hum tão gr. de bem, mandamos passar a prez. te que correrá todas as Igr. as pela forma da Const. e da Vezita, fazendo-a copiar cada hum dos Reverendos Párochos no Livro da Vezitação, publicando-a a seos freguezes, fazendo-a remetter ao Pár. º que se seguir no termo de trez horas e passando recibo nas costas desta e como assim o executárão, e o último a fará remetter à nossa Cámera Ecclez. ª. Dado no Porto sob N. sello e signal do N. R. (d)o D. or Vigr. º G. al aos 3 de Dezbr. º de Dado no Porto sob N. sello e signal do N. R. (d)o D. or Vigr. º G. al aos 3 de Dezbr. º de 1783 e eu An. to J. e de Olivr. ª a subscrevi. Joze de Castro e Sá da Fon. ca. V. S. d(ê) ex. çã(o). Ao sello g. rs. Nogr. ª Copiado “verbo ad verbum” como se determinava. O Encom. do Manoel Álvares d’Olivr. ª Roza».

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«Pastoral p. ª o Altar Preveligiado. O D. r Fran. co Matheus X. er de Carvalho, M. e Escola na S. ta Sé Cathedral desta Cid. e, nella e seu Bisp. do Prouisor, Ouvidor dos coutos da Mitra, Examinador Synodal pello Ex. mo e R. mo S. r D. Fr. João Rafael de Mendonça, Monge de S. Jer. º, por mercê de D. s e da S. ta Sé App. ca Bispo do Porto, do con. co de sua Mag. de Fidelissima, Concedendo a santid. e do S. to P. Reynante Pio sexto às feruorozas instancias de Sua Ex. ca e R. ma o m. mo S.r Bispo | 28 v deste Bisp. do q. em todas as Igr. as Parochiais e Colegiadas delle houvesse ao seu arbitrio hu Altar Previligiado, fi cando derogados todos aquelles temporâneos ou perpétuos q. as m. mas Igr. as tiuessem, estando esta graça munida com o Regio Beneplácito: Nomea Sua Ex. ca e R. ma na Cathedral desta Cid. e o Altar de N. Sr. ª da Sylua. E manda q. os R. dos Par. os do Bisp. do nas suas Respectiuas Igr. as dezignem hu Altar em q. mais comodam. te se possa Uzar daquelle graciozo Previlegio. Esta Ordem correrá pellas Igr. as da Cid. e e Comarcas do Bisp. do p. ª q. nas sacristias dellas se ponha publicam. te a declaração do Abbade e nas m. mas Comarcas se copiará nos Livros das vezitaçoens p. ª o q. correrá a forma dellas e cada hu dos R. dos Par. os a fará Remeter ao q. se seguir em termo breue e

asignando de como asim o cumprio; e o último a fará Remeter à Cámera. Dado no Porto sob sello de S. Ex. ca R. ma e meu signal aos 30 dias de 9br. º de 1786 e eu Ant. º J. e de Oliur. ª a sobscrevi. Carvalho. V. S. d(ê) Ex.çã(o). Ao sello gratis. Nomeyo o Altar do S. mo Sacram. to nesta Igr. ª de Pigeiros Perviligiado na forma desta Pastoral. Abb. e João Leyte de Bastos».

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| 29 «D. Fr. João Rafael de Mendo(n)ça, Monge de S. Jerónimo, por m. cê de D. s e da S. ta Sé Apostólica Bipo do Porto, do Con. co de S. Mag. e Fidelissima etc. Fazemos saber q. Vezitando Nós esta Igr. ª de S. ta Maria de Pigeiros determinamos o seguinte:

§ 1.º Para aleviarmos às con(s)ciencias dos Nossos súbditos declaramos por abolidas todas as censuras q. em m. tas das Vezitas passadas se impozérão e só confi rmamos asim das postas por Dir. to aquellas q. procedêrão nas próximas Vizitas desta Com. ª o RR. D. Joze da Aprezentação Lobo Ab. e q. foi de S. ta M. ª de Vilar de Pinheiro, Constantino Joze Álvares Belo da de S. Thiago de Silvalde.

§ 2.º Declarando o Cap. º da Vez. am em q. determina q. fi ndos dois mezes concedidos aos sacerdotes p. ª se habilitarem e Verem os L. os permetindo-se-lhe(s) neste tempo o exercicio das suas ordens, e, pasado elle, não tendo ainda novas li. ças, o(s) R. dos Párochos os declarem suspensos do m. mo exercicio: Ordenamos ser da Nossa Intenção fi carem logo suspensos ipso facto, expirado q. seja o Referido termo dos dois mezes, ainda faltando a intimação dos R. dos Pár. os, pois no Vezitador foi maior Cautela e não Conceder aos m. mos a faculdade de prorogar-lhes a l. ça p. ª o uzo das suas ordens.

§ 3.º Conformando-nos com o q. dispõem (sic) a Const. am Diocezana, determinamos q. quando o Santissimo sahir p. r Viático a algum moribundo estarem (sic) obrigados todos os Clerigos ao acompanham. to.

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§ 4.º Item segundo a m. ma Const. am ordenamos que nos Ba- | 29 v ptismos som. te se empônhão nos Baptizandos nome(s) de santos canonizados ou Beatifi cados.

§ 5.º Item declaramos q. os sacerdotes aleviados de Confes(s)ar não o estão das Conferencias de Moral e especialm. te das dos Ritos q. Nos parece se fáção pelo Ceremonial dos P. es de Rilhafoles.

§ 6.º Item porq. se nos tem zelado (45) estarem na Igr. ª homens juntos com as m. eres, o q. he prohibido pelos Sagrados Cânones e a m. ma Nosa Soberana proximam. te aprovou ao Emin. mo Patriarca de Lisboa a devizão dos sexos e tambem q. não consinta estarem à porta da Igr. ª homens parados e, dipois de os ademoestar, não se emendando, de tudo dê p. te a Juízo.

§ 7.º Tãobem observamos q. a Píxide do Sacrário precizava de ser doirada, O Altar Mor de humas sacras, o Missal concertado, huma vestimenta verde composta e o pavimento da Capela Mor concertado, mandamos q. todas estas couzas séjão remedeadas no termos de seis mezes.

§ 8.º Igualmente precízão o Cális de S. Sebastião de ser doirado, os paramentos do Sm. mo de serem compostos, fazendo-os de huma unica cor, telhados e pavimento da Igr. ª reformados, o q. tudo se fará no sobred. º termo, fi cando as sobred. as Vestim. tas ou param. tos do Sm. mo suspensos, passados q. séjão seis mezes sem serem compostos.

§ 9.º A Rezidencia necesita de alguma | 30 reforma, o q. advertimos ao R. do Par. º p. ª q. esta não sinta a sua total Ruina.

§ 10.º O R. do Par. º lerá estes Cap. os à Missa Conventual na

forma costumada e disto passará cert. am. Dado em Pigeiros aos 10 de Julho Era 1789. Eu Bernardo Antonio de Sousa, secretr. º de S. Ex. ª e da Vez. am os escrevi. Bispo do Porto. Publiquei estes Cappítolos supra em tres dias festivos à Missa Conventual, tudo na forma que se me determina. S. ta Maria de Pigeiros, 26 de Julho de 1789.

O Abb. e João Leyte de Bastos».

24

«Pastoral a Resp. to de quem vende em os dias de Preceito. O D. r Fran. co Matheus X. er de Carvalho, M. e Escola na Sancta Sé e Cathedral desta Cid. e, Examinador Synodal e Prouizor deste Bisp. do do Porto pello Ex. mo e R. mo Snr. Bispo do m. mo etc. Aquelle notorio abuzo que na Santifi cação dos dias dedicados ao Senhor tem a Relaxação dos costumes intruduzido, O geral escándolo com que nas obras seruis se quebrántão os Preceytos da Igr. ª, excitou o Pastoral cuidado do Ex. mo e R. mo S. r Bispo deste Bisp. do p. ª q. instantem. te admoeste a observancia daquella Catholica Ley. E particularm. te manda que só nos dias de preceyto se uêndão aquelles comestiueis que antão p. ª o uzo forem nr. os e q., hauendo alguma pessoa q. venda outros géneros ou fazenda de qualq. r qualid. e q. séjão, fi que pello m. mo facto excomungada. Mais: q. hauendo outra algua urgente necessid. e , se Recorra aos Respectiuos Men. os a q. m sua Ex. ma R. ma tem delegado p. ª a dispensa os necessarios poderes. E p. ª q. chegue à not. ª de todos, mandou passar a prezente | 30 v a prezente. Correrá esta Ordem a forma da Vezita e cada hum dos R. dos Par. os da Com.ca da Fr. ª Remeterá ou fará Remeter ao q. se seguir, asignando de como assim o cumprírão em tr. º breue e o último a (fará) Remeter aos Escr.am da Camera Eclesiastica; dada no Porto sob o sello de Sua Ex. ma R. ma e meu signal aos 15 de Junho de 1789 e eu An. to Joze d’Oliur. ª a sobscrevi. Carvalho. V. S. d. Ex.çam etc. ª, ao sello gratis; os R. dos Par. os lerão esta em hum dia de Preceyto etc. Foi publicada nesta Igr. ª de S. Maria de Pigeiros na forma que me foi determinado. O Abb. e João Leyte de Bastos».(45) Assim está no texto e no livro de Visitações de Romariz, f. 86.

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25

«Decreto de Sua Real Magestade. D. Maria, por graça e D. s Rainha de Portugal etc. Faço saber a Vós Chanceller da Relação do Porto q. hei por

bem remeter-uos a Cópia inclusiua do Decreto q. foi servida remeter à Meza do meu Dezembargo do Passo com a data de 30 de Julho proximo passado, Ordemnando-uos q. fassais cumprir o d. º Decreto na formalidade q. nelle se contém.

Igreja de Pigeiros.

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172 FUNDAMENTO DA SAUDADEH. Veiga de Macedo*

Quando estou Lá, de Cá tenho saudade.Meu pensamento voa e vence o mar. O Longe então desfaço; volto ao Lar, Ao meu azul País da claridade.

Meu Deus! Se agora estou aqui, por que há-de Humedecer-se, triste, o meu olhar,E não me basta a luz do astro polar,E lembro a “Cruz do Sul”, com ansiedade?

Ali na minha frente, o mar responde... E o Sol que nele a borbulhar se esconde. Ouço-os dizer, religiosamente:

- Não cabe o luso amor num Continente. Nem o amor, nem a Língua, nem a Fé. ... Por isso é que o Brasil está de pé.

Praia da Rocha - Algarve 11 de Agosto de 1981 * Poeta. Foi Ministro de Portugal.

Faleceu em 25-01-2005

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MOSTEIRO DE CANEDO

Frei Acaribe*

Quando procedia a pesquisas para a elaboração da “Monografi a de Louredo”, deparei com inúmeras referências ao Mosteiro de Canedo: - Doação testamentária de São Vicente e de Parada, feita por Gonçalo Dias ao referido mosteiro; freguesia de Louredo sufragânea da de Canedo, etc. Esta constatação criou em mim uma certa curiosidade de indagar sobre a relevância e infl uência que este mosteiro poderia ter exercido no clero e no povo desta região, sobretudo no de Louredo. Quando me desloquei ao local, verifi quei que não se tratava de um, mas sim de dois mosteiros. E a conclusão foi tirada de dois lugares da freguesia: “Mosteiro”, onde se encontra a Igreja Paroquial, a antiga Residência do Pároco e a “Casa do Mosteiro”, e “Mosteirô” que se encontra na estrada nº 223 que desce para o porto de Carvoeiro. Como a palavra “mosteiro” deriva da latina monasterium » monasteirum » mosteiro; e “mosteirô” deriva de “monasteriolum” (diminutivo de monasterium) » “monasteirolo” » “mosteirolo” » “mosteirô”, chegamos à conclusão de que existiu um mosteiro pequeno onde hoje é o lugar de Mosteirô e outro maior onde hoje é o lugar do Mosteiro.

Do primeiro, creio que o mais antigo, no lugar de “Mosteirô”, nada se sabe. Apenas existem conjecturas que teria sido de Freiras Beneditinas. Esta conjectura baseia-se no facto da maior parte dos pequenos mosteiros (monasteriolum(s) serem femininos, v.g. “Mosteirô da Ribeira” (Vid. “Monografi a de Louredo”, pag. 27; “Mosteirô de Fermedo –Arouca etc. Do segundo, há quem afi rme que também teria sido ocupado desde o início por Freiras Beneditinas. O certo, porém, é que, (aquando da sua extinção), ele era habitado por três Freiras da mesma Ordem de São Bento. A sua fundação é atribuída a D. Tello Guterres, um pouco mais ou menos pelo ano 950, embora alguns autores afi rmem que foi no século XI. Sabe-se todavia, (e aqui estão todos de acordo), que no ano de 1304, D. Dinis o doou a D. Geraldo, Bispo do Porto, com a obrigação de ele (Bispo), e seus sucessores cantarem uma Missa diária, em honra de Deus e de Maria Santíssima, sendo a mesma igualmente oferecida por alma de seu pai, pela sua e pela de seus antecessores e sucessores.

Como, porém, se tratava de “um presente envenenado”, (a despesa era superior aos lucros), logo em 1307 o Bispo renunciou à doação em favor do Cabido da Sé. Mas o “veneno” continuava a ser o mesmo. E por isso, em 1312, numa tentativa de salvar a situação, foi doado ao Deão da diocese Domingos Martins que, mediante uma melhor administração, o

* Professor. Historiador.

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conservou na sua posse até 1336. Todavia, o mal continuava. E agora reduzido apenas a três freiras, o mesmo deão toma a decisão de o reduzir a uma Reitoria Secular. E foi nessa ocasião que os padres da mesma ordem de São Bento tomaram conta da Reitoria. Mas, decorridos poucos anos, foram substituídos por padres seculares, dependentes do Bispo da Diocese. O Mosteiro e a cerca que englobava as terras envolventes foram vendidos no tempo em que os Filipes reinaram em Portugal. Houve também um hospício com sua pequena cerca, que fi cava junto à porta principal da Igreja Matriz, que passou a ser a residência do reitor (do pároco) quando este começou a ser nomeado pelo Bispo da Diocese, após este ter assumido a sua (do mosteiro) governação. Todavia, subsiste uma grande dúvida. Como é que sendo ele, desde a sua fundação, afecto à ordem de São Bento, nos aparece depois e até hoje a Igreja e a Paróquia sob a protecção do Padroeiro São Pedro? Ignoro o que possa ter contribuído para tal substituição. No entanto, creio não estar longe da verdade se afi rmar que tal mudança se deve ao facto de o clero secular ser conhecido como ”clero da Ordem de São Pedro” e por tal motivo, quando o mosteiro passou para o clero secular, estes adoptaram o seu patrono (São Pedro) como patrono da Igreja e da Paróquia. Nota:- Este facto deve ter-se repercutido na vizinha freguesia de Gião, cujo padroeiro inicialmente era São Gião (Sãn Juliãn, São Juião);,[que deu o nome à freguesia] e porque esta freguesia era sufragânea da de Canedo, os Padres Seculares (tal como fi zeram em Canedo), mudaram o padroeiro para Santo André, irmão de São Pedro. Mas há ainda um enigma que pretendo desvendar: - Do lado oposto a estes mosteiros, que se encontravam expostos a norte, existe do lado sudeste um lugar chamado Paçô. Ora, Paçô deriva da palavra latina Palatiolum » Palaçôlo » Paçôlo » Paçô, que é o diminutivo de Palatium » Palácio. Como se trata de um diminutivo, chegamos à mesma conclusão do que se deu com a palavra “Monasteriolum » Mosteirô, pequeno Mosteiro. Portanto no lugar de Paçô existiu um pequeno palácio. Resta-nos saber se era de alguma personalidade civil importante ou de algum eclesiástico do Mosteiro ou, porque não, do Deão suprareferido … Estando os ditos mosteiros expostos aos ventos frios

nortenhos, não terá acontecido que tenham construído o dito Palácio a sul, lugar mais agasalhado, para o superior, o reitor ou o Deão passarem a temporada de Inverno? Na Peña de Francia, cerca de Alberca, na Província de Salamanca (Espanha) acontecia este facto: - Os frades que passavam a parte mais amena do ano no Mosteiro da Peña, quando chegava o Inverno desciam para a “Casa Baja”, (Casa de baixo) situada em Maíllo, sítio muito mais aconchegado, para aí passarem a temporada mais agreste. (Vid. “Santuário de la Peña de Francia - Historia - P. Alberto Colunga, O.P. – Salamanca - 1990 – págs 65 a 67) Mas esta é apenas a minha opinião. Se alguém tiver conhecimento sobre a sua história, desde já agradecemos a sua publicidade.

Bibliografi a:

Além das obras citadas no texto compulsámos também as seguintes:

“Inventário Artístico de Portugal” – Academia das Belas Artes, por A. Nogueira Gonçalves – MCMLXXXI (1981), pág. 73 a 75. “Diccionário Chorográphico de Portugal Continental e Insular”, de Américo Costa, 1934, Vol IV, págs. 536 a 539. “Portugal Antigo e Moderno” de Augusto Soares de Azevedo Barbosa Pinho Leal, Vol. II, págs. 86 a 88. “S. Pedro de Canedo no concelho da Feira” de António Ferreira Pinto, Sep. “Arq. Dist. Aveiro” 1961. Da Internet: – “Canedo, de Santa Maria da Feira”.

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175 Elevação a Vila das Caldas de S. Jorge **

Fernando da Silva Coelho *

Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Municipal, Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara, Excelentíssimos Senhores Vereadores, Excelentíssimos Senhores Deputados, Excelentíssimos Senhores Representantes dos Órgãos Sociais, Meus Senhores e Minhas Senhoras.

É com muita alegria e satisfação que me dirijo a Vossas Excelências na circunstância da apresentação da elevação da freguesia de Caldas de S. Jorge à categoria de Vila. E como estamos em plena quadra festiva, quero desejar a Vossas Excelências os meus votos de continuação de Boas Festas e de Feliz Ano Novo de 1999 com melhores saídas e óptimas entradas. Como Presidente do Executivo da Junta de freguesia das Caldas de S. Jorge é para mim uma honra dirigir a palavra a este simpático auditório que se privou nesta hora e nesta noite ao convívio e ao quentinho das lareiras dos seus lares,

pondo de parte as pantufas e as distracções e passatempos desta quadra festiva. Bem hajam pela vossa presença aqui nesta Assembleia. Em bom tempo foi apresentada a iniciativa da Elevação da Freguesia de Caldas de S. Jorge a Vila por parte do Senhor Deputado Manuel de Oliveira, sob a designação do Projecto de Lei Nº. 570/VII à Assembleia da República. Muito gratos estamos pelo seu trabalho incansável, empenhado em favor da nossa terra e do Concelho de Santa Maria da Feira. Obrigado Senhor Deputado Manuel de Oliveira. É-me grato noticiar, a Vossas Excelências, o despacho favorável, por parte da Assembleia da República que manda que nos termos e de acordo com a Lei nº. 11/82, de 2 de Junho e que pede seja remetida à Comissão Parlamentar de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, a cópia da acta da Reunião da Assembleia Municipal de Santa Maria da Feira em que emitido o parecer sobre o Projecto de Lei acima referido: Projecto de Lei nº. 570/VII, Elevação de Caldas de S. Jorge à categoria de Vila. Minhas Senhoras e meus Senhores, é precisamente por esta razão que tomei a ousadia de vos dirigir a palavra. Vou procurar ser breve e conciso. Caldas de S. Jorge, antes de ser freguesia já era Vila. Se perdeu esse estatuto por terminologia vocabular e pelas vicissitudes da história, recupera-o, agora por jus e mérito próprio com o beneplácito e voto favorável de Vossas Excelências.

* - Presidente da Junta de Freguesia de Caldas de S. Jorge ao tempo da elevação a Vila.Nasceu a 29.08.1950. Faleceu a 17.05.2007

** - Alocução proferida, em Caldas de S. Jorge, no dia 30 de Dezembro de l998.

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No ano de 1097 aparece pela primeira vez o nome da freguesia como Vila – “in Vila Caldelas” – num documento de Patrina Eriz, como doação ao Bispo Crescónio de Coimbra. Decorreu precisamente no ano transacto de 1997 os 900 anos do documento mais antigo em que aparece o nome “de Sam Jorge in Vila Caldeias”. Até ainda há pouco tempo era conhecida pelo nome de freguesia de S. Jorge de Caldeias. De origem romana: Caldelas = Caldas pequenas = água quente. Aqui temos características mais peculiares da nossa terra no passado: As Termas. Caldas de S. Jorge, a Princesa das Terras de Portugal – Ex-líbris de Santa Maria da Feira. A cristianização ao Sul do Douro acrescentou-lhe o nome do Padroeiro: S. Jorge. As Termas têm sido até há pouco tempo a característica mais preponderante da nossa Terra.

Na antiguidade a sua exploração foi rudimentar e primitiva. Todavia derivado aos esforços do abade da freguesia Inácio António da Cunha que, por volta do ano de l770, deu novo impulso ao aproveitamento das águas termais sulfuro-cloretadas que curavam feridas exteriores, doenças das vias respiratórias e da pele, mandou o mesmo construir algumas barracas com tanques de madeira para tomar banho quem quisesse. Conhecidas à distância as virtudes terapêuticas destas águas, o Governo de Maria I, pelos anos de 1780, tomou conta da estância balnear dando-lhe um melhor visual arquitectónico. A partir de 1843 a Câmara de Santa Maria da Feira passou a administrar e a gerir o aproveitamento termal,

Na fotografi a, da esquerda para a direita:Carlos Henrique de Paiva, Fernando da Silva Coelho, Dr. José Nuno de Campos Alves, Augusto Alves da Costa, Joaquim Francisco dos Santos, Fernando Santos Pinheiro, Padre António Teixeira Machado, José Correia da Silva, Fernando Alves da Silva, Jacinto Alves da Silva.

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concedendo por contrato a sua exploração a particulares. Actualmente é esta mesma Câmara que preside aos destinos da Estância Termal, estando presentemente num ingente e modernizado esforço de melhoramento arquitectónico das suas instalações. Mas, se no passado foram as Termas a bandeira da nossa freguesia, a par da agricultura tradicional de assalariados rurais trabalhando nos campos dos senhores proprietários rurais, (as terras eram propriedade apenas de meia dúzia de casas de lavradores), foi, todavia, nos últimos anos, a indústria Probebé que veio dar o grande desenvolvimento à nossa terra. De tal modo que Caldas de S. Jorge é considerado o maior centro industrial desses artefactos de toda a Península Ibérica. Foi esta indústria iniciada por um emigrante vindo do Brasil e agora espalhada por toda a freguesia. Possui a freguesia valioso património monumental: a Igreja Paroquial – monumento do século XVIII estilo renascença com talha barroca, construída ao lado da antiga do século XVI de que não há memória. A actual Igreja Paroquial foi inaugurada no ano de 1735. Fez 250 anos no ano de 1985! É valioso o seu tesouro artístico. Património antiquíssimo: uma ponte romana sobre o Rio Uíma, que liga o lugar do Engenho ao lugar de Azevedo, por onde passava a antiga estrada de Ovar a Carvoeiro. Conhecida é de todos a casa antiga da Sé com as suas famosas janelas de granito trabalhado. A actividade económica desenvolve-se na indústria, no comércio e nos serviços. Na Indústria: exploração de pedreiras e captação de águas, utilidades para criança, brinquedos, puericultura, artigos de madeira para criança, artigos de campismo, componentes parar calçado, móveis em madeira, panifi cação e pastelaria, serralharia, fabrico de chapas e tanques de lavar roupa, rolhas de cortiça, reparação de mecânica auto, confecções, indústria de plásticos, moldes, cunhos e cortantes, construção civil, máquinas e embalagens, equipamentos hoteleiros, colchoaria e mobiliário metálico. No Comércio: comércio de sucatas, prontos a vestir, motociclos e bicicletas, mobiliário e electrodomésticos, produtos alimentares, bebidas, artigo de cerâmica, artigos de mercearia, comércio de peixe, máquinas e ferramentas, comércio de pneus auto, comércio de retrosaria, comércio de calçado, comércio de frutas, comércio de automóveis,

comércio de fl ores naturais e artifi ciais, comércio de gás e materiais de construção civil. Quanto a serviços: esteticista e cabeleireiro, aparelhagens sonoras e reparações eléctricas, publicidade e marketing, pintura e chapeiro, restaurantes, escritórios e advogados, contabilidade, fotografi a e vídeo. O movimento associativo é dinâmico existindo na freguesia as seguintes associações: Rancho Folclórico “As Florinhas de Caldas de S. Jorge”, Sociedade Columbófi la de Caldas de S. Jorge, Associação de Pais da Escola Primária nº.1 de Caldelas, Centro Cultural e Recreativo, Escola de Música de Caldas de S. Jorge, Associação Ambientalista e Cultural “Os Amigos do Uíma”, Caldas de S. Jorge Sport Clube com secções de atletismo e futebol, Associação Cultural Recreativa e Comissão de Pais de Azevedo, Comissão de Moradores de Arcozelo, Agrupamento 901 Corpo Nacional de Escutas, Casa do Benfi ca – Associação Cultural e Desportiva e Recreativa e Clube de Caçadores. Existem na freguesia os seguintes equipamentos: unidades hoteleiras e de restaurantes, sede da Junta de Freguesia, Centro Social e Paroquial com as valências de Creche, Infantário, ATL, Pré-Primária e Centro de Dia para Idosos, Parque de jogos, Unidade de Saúde, Estação dos Correios, 2 Bancos, Farmácia, 2 pavilhões polidesportivos, posto de abastecimento de combustível nas Areias, Escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico em Caldelas e Azevedo, Jardim Infantil de Azevedo, Arcozelo e Caldelas, Termas e respectivo parque, Centro Clínico e Igreja Paroquial. Com todas estas potencialidades está esta freguesia apta à Elevação a Vila. Denominada S. Jorge de Caldelas no passado, passou a chamar-se Caldas de S. Jorge a partir de 1985, é alçada agora a Vila de Caldas de S. Jorge com o voto de Vossas Excelências, Senhores Deputados.

Tem esta freguesia 4,7 Km2 e uma população residente de cerca de 4.500 habitantes, com perspectivas de franco crescimento habitacional e populacional a curto e médio prazo, com novas urbanizações e a implantação e a construção de novos prédios urbanos. É a freguesia servida por transportes públicos, com praças de táxis e em índices de conforto, tem recolha de lixo domiciliário, cobertura de rede eléctrica e telefónica em toda a freguesia e rede de saneamento e abastecimento de água.

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Para culminar todo este desenvolvimento torna-se necessário a variante rodoviária projectada que ligará Arrifana aos Carvalhos, colocando esta futura Vila na encruzilhada da rede viária que a liga ao Porto, a S. João da Madeira, a Castelo de Paiva e à sede do Concelho. Uma vez que no passado nos tiraram o comboio que ao menos agora no presente não nos faltem com a estrada. Espero, Senhores Deputados, os votos de aprovação de Vossas Excelências para o parecer positivo sobre o Projecto de

Lei em causa, para que não seja frustrado o grande entusiasmo e interesse local, manifestado pelos órgãos autárquicos e pelo povo Sanjorgense em geral com a promoção de Caldas de S. Jorge a Vila.

Tenho dito.

Obrigado.

Caldas de S. Jorge30 de Dezembro de 1998

Frontaria das Termas das Caldas de S. Jorge.

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APRESENTAÇÃO DO LIVRO Itinerário da vida de um homem comum, de Manuel de Lima Bastos

Câmara Municipal da Feira, 16.11.2009

Eugénio dos Santos*

A decisão de escrever um relato de carácter auto-biográfi co, procurando encontrar, nos escaninhos da memória, os momentos mais marcantes de uma vida com o propósito fi rme de nele não escamotear nenhum aspecto relevante, seja por pudor, por modéstia ou falsa vaidade e, além disso, publicá-lo, tornando-o acessível a qualquer tipo de público, constitui um acto de grande coragem, de humildade e também de cidadania, como procurarei sugerir. Na verdade, quantos de nós estaríamos disponíveis para idêntica iniciativa? E, se sim, com que abertura de espírito? Não correríamos o risco de franquearmos ao leitor a parte mais recôndita da nossa intimidade, de formularmos juízos sobre mortos e vivos que, porventura, pudessem ser mal interpretados por alguém e retirados do seu contexto, pondo, desse modo, em cheque

a nossa imagem pública, a qual poderia, em determinadas circunstâncias, fi car deformada para sempre? Creio que perante o conteúdo deste Itinerário, tais interrogações são legítimas e pertinentes, uma vez que o autor mergulhou, a fundo, nas andanças do seu passado, surpreendendo-nos aqui e além, com revelações quase a raiar o indizível, pelo menos para os mais púdicos. É o caso, por exemplo, do momento e do modo, aliás nada abonatório e muito menos satisfatório, na forma como perdeu a virgindade, aos 14 anos, como ele próprio refere “sem honra, sem glória e sem proveito”. A descrição do que então se passou é tão sugestiva que não resisto a ler esta parte: “Embora um pouco assustado com a perspectiva também arranchei com os devassos. Lá fomos e acabei empurrado para um quarto lôbrego com uma cama onde se estirava uma “madame”, peso pesado na categoria de mais de cem quilos, dum louro oxigenado em desalinho e a comer placidamente amendoins. Durante a função não interrompeu a comedoria e o ruído de quebrar as cascas e de mastigar foi o acompanhamento estimulante e melodioso do acto supremo.Ao fi m de dois ou três minutos disse-me que já estava. Não estava nada mas quem era eu para ter voto em tal matéria? Conformei-me, saí para a rua e vim à vida desiludido por, aos catorze anos, ter entregue a minha virgindade…” (p. 117). Como esta, outras franquezas surpreendem, como a que ocorreu em 1958, portanto aos 18 anos, quando o acaso

*(Prof. Catedrático Jubilado da Universidade do Porto)

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o fez entabular conversa e, depois, divertir-se fartamente com uma bela moçoila “loura, belíssima”, de nome Belinha que trabalhava no casino de Espinho e com a qual exercitou as doçuras do sexo durante múltiplas noites num quarto da pensão-restaurante Ventura, sempre depois da meia noite. Relata ele: “Comíamos um prego no prato com batatas fritas e, conversa com este e conversa com aquele, já não faltava muito para nascer o dia quando subíamos então para o quarto de um dos andares da pensão onde a “muchacha” tinha aposentadoria.Por volta do meio-dia raspava-me discretamente para não perturbar o sono da bela gata persa enroscada nos lençóis e com a magnifi ca cabeleira de ouro espargida na travesseira, dormindo a sono solto como um anjo pintado por Caravaggio” (p. 154). Dessa “corista de teatro de revista “ (era assim que ela se intitulava) guardou boa recordação, valendo-lhe, em momentos de aperto, como bom cavalheiro, e a preciosa ajuda

de um amigo feirense. Outras franquezas não deixam também de surpreender o leitor, como a forma, dir-se-ia musculada, com que sempre se relacionou com a mulher, cujo modo de interacção caracteriza como “duas potências beligerantes em permanente estado de guerra”. Porém, com intermitências, como diz: “Já fez cinquenta anos que conheci aquela que veio a ser a minha mulher para toda a vida. Como os caminheiros do deserto que têm de calcorrear os infi ndáveis trilhos de areia pelo carrossel inclemente das dunas para merecerem o pão que alimenta e a água que mata a sede do corpo e do espírito no breve remanso dos oásis da vida, fi zemos esse percurso juntos. Tivemos o azar extraordinário de padecermos ambos do mesmo mal sem cura e que foi o de sempre consideramos que a soberania pessoal não é negociável por título nenhum. Por isso, a experiência foi-nos ensinando, muitas vezes com língua de palmo, que nada estava adquirido e que tudo estava em jogo cada dia.

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De modo que temos sido duas potências beligerantes em permanente estado de guerra sem que tenha sido possível, até ao momento, obter a rendição de uma das partes. Mas também é certo que as tréguas, as reconciliações e os tratados de paz – falsos como todos os tratados! – nos trouxeram muitos momentos de êxtase e de alegria partilhados” (p. 198). E por aí vai o rosário de confi dências.

O livro não é volumoso – atinge exactamente as 200 páginas – mas parece-me um escrito de grande alcance, tanto para já, como, sobretudo, para o futuro. A razão do meu juízo fundamenta-se no facto de se tratar de um escrito que procura evocar um período de mais de 50 anos da vida portuguesa no qual as transformações dos comportamentos quotidianos se aceleraram espantosamente, proporcionando, pois, ao leitor um paralelo sugestivo entre o que foi o Portugal pós grandes guerras e o de hoje. As mudanças, em muitos aspectos, tornaram-se radicais, designadamente ao nível da sensibilidade colectiva. Por isso os jovens de hoje e os de amanhã aos quais a obra se destina prioritariamente, como o autor refere (pág. 9) constatarão que nasceram e vivem num universo contrastante com o de há 50/60 anos atrás, no qual mergulhou, desde o nascimento, Lima Bastos. A parcimónia e sobriedade da vida no interior das famílias, quanto à alimentação, ao vestuário, ao calçado, que “era confeccionado com os pneus velhos do carro do meu pai cortados para as solas das botas e que nunca mais acabavam” (pág. 40), à disponibilidade e usufruto de uns míseros tostões, ou mesmo quanto à liberdade de actuação de cada membro constituía a regra. Havia a planifi cação e um cumprimento estrito de horários e de ocupações, estendendo-se ela à relação com o trabalho, mesmo juvenil, à disciplina colectiva da casa, comandada pelo exercício da autoridade paterna, a qual supervisionava o lazer, impondo normas indiscutíveis, como ir à missa ao domingo, cumprir horários de deitar e levantar, mesmo que fosse a sesta. Estas práticas austeras e disciplinadoras alargavam-se aos internatos juvenis, tantas vezes distantes de casa e em meio estranho, onde tudo se encontrava rigorosamente planifi cado,

até à alternância alimentar. Tudo isso e muito mais se encontra documentado nas vivências do autor. Permito-me, a propósito disso, destacar, a título de exemplo, apenas dois pontos. Ao abordar o percurso vital de seu pai, afi rma que, quando estudante do ensino secundário, em Ovar (para onde ia e de onde regressava a casa, em Fiães, a pé, calcorreando aí uns 20 Km) lhe era permitido “gozar” o fi m de semana em família. Não para fl anar ou dormir. Ao sábado ou domingo

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de manhã, entre outros trabalhos, tinha que cortar com a foicinha e à mão dois carros de bois de erva dos campos para alimentação do gado estabulado. E ela encontrava-se envolta em gelo puro durante vários meses no ano. As mãos nem se sentiam com o frio. Estudar constituía, sim, um privilégio, mas tal não o isentava de contribuir também para os magros réditos familiares de uma casa de lavoura de Chão do Rio. O outro exemplo é menos forte. O pai do autor era médico, como sabemos e, ao domingo, lá em casa, o almoço incluía, por norma, um arroz de frango. Contudo, mesmo aí, imperava a regra da frugalidade estabelecida em todas as casas. Ninguém se abarbatava com a quantidade de carne que queria. A cada membro da família cabia uma parte do penante e apenas aquela. A guarnição, essa sim, era livre, bem como a sopa ou a fruta do quintal. Ora, se tal sucedia na mesa da

família de um médico, como imaginaremos o que ocorria nas casas mais modestas, ou mesmo pobres de então? O paralelo com o que ocorre hoje quase parece chocante! Mas é bom que a memória se não perca e que os jovens saibam como viveu quem os precedeu e lhes deu o ser. Por estas razões e por outras, que irei abordando, o Itinerário me parece obra oportuna e de impacto relevante. Não a considerarei do ponto de vista literário, pois para tal me faltam competências. Aliás, a outra obra do autor À sombra de Mestre Aquilino será mais eloquente, no plano estrito da literatura. Direi, contudo, que a escrita de Lima Bastos se segue com gosto, sendo sugestiva, fl uente, imaginativa, adaptando-se frequentemente a cada conteúdo em que se move e usando, com propriedade, alguma ironia e sarcasmo, por vezes cortantes. Diríamos que no ar paira a sombra tutelar

O Prof. Doutor Eugénio dos Santos no salão Nobre da Câmara Municipal.

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de Aquilino, que também seria um dos escritores preferidos do pai Bastos. Porém, estas memórias (assim as designa o autor, p.9), sendo um texto inintencional, portanto genuíno, em termos de objectivos, estas memórias, repito, servirão como fonte a antropólogos, a historiadores, a folcloristas, a educadores, a memorialistas e, eventualmente, até a teólogos e a literatos. Eis porque o considero importante. É para mim uma honra partilhar convosco as minhas notas de leitura, por duas razões de fundo. A primeira é a amizade, embora, por vezes, vivida à distância, que me liga ao autor com o qual partilho muitas semelhanças, a despeito de algumas diferenças, o que em nada me obnubila o entendimento e a clarividência. A segunda radica no facto telúrico de que nascemos apenas a algumas centenas de metros de distância um do outro. E também cronológica, sendo eu mais velho dois anos e dez meses do que Lima Bastos. Ora eu igualmente conheci muitas personagens do seu relato, como o Ramiro Gomes da Silva, meu colega e amigo, o Ferreira Avelar, o Joaquim Coelho, o Fernando Chicha, o Badolas, o Caroço, o Dr. Domingos Coelho, o Dr. Alcides Monteiro, cuja família sempre admirei e era amiga pessoal dos meus pais, e do meu irmão Mário, o Dr. Francisco Campos, médico da minha mulher, o Padre Manuel da Silva Pereira, o arcebispo D. Moisés, o bispo D. Manuel Martins e até o Artur Moura, um homem de mediana estatura, calvo, míope e que foi “camera-mann” chefe da RTP (Porto) nos seus primeiros tempos. Embora mais fugazmente vi outras fi guras como o Dr. Manuel António da Silva Bastos, o Dr. Mário Castro, cuja imagem fi xei. Por tudo isto, uma parte do universo humano evocado pelo Dr. Lima Bastos também me pertence e ler o livro é reviver pedaços da minha própria infância e juventude. Sobre elas poderíamos alongar-nos bastante, Mas não é disso que aqui se trata. Regressemos ao livro, ou melhor, aos livros. Uma fi gura chave, senão mesmo a maior, é seu pai, o clínico Manuel António da Silva Bastos, da Casa das Levadas, no Chão do Rio, em Fiães. Provinha de uma família numerosa, de doze irmãos e viria a integrar-se, pelo casamento, noutra (a da mulher, dos Lima de Lourosa) ainda maior, pois contava treze irmãos, entre os quais estava D.ª Margarida de Almeida Lima, a mãe do autor. Os ramos dessas duas árvores genealógicas alargaram-se tanto que Lima Bastos julga poder afi rmar que os descendentes das duas famílias, sobretudo os Lima, constituem os maiores troncos de linhagem do distrito de Aveiro (pp. 15/16) e tornaram-se “tão numerosos como as

areias do mar”. É possível. Porém, o lar constituído pelo Dr. Manuel das Levadas (assim tantas vezes o ouvi designar!) e sua mulher só produziu três fi lhos, restando apenas os dois varões. O futuro médico Manuel António, que, desde cedo, se mostrou diligente, estudioso e inteligente teve a sorte de ser afi lhado de um tio-avô, o Abade das Levadas ou Abade Velho, um tal Padre Manuel António da Silva Júnior, homem com peso político e com posses materiais. Resolveu dar-lhe condições para que obtivesse o diploma de professor primário, mandando-o estudar para Ovar e, depois, para Aveiro, onde viria a concluir o curso com elevada classifi cação. Morto o padrinho, duas das suas irmãs solteiras desafi aram-no a ir mais além nos estudos, se quisesse. Aceite o desafi o, elas venderam uma propriedade para que, com o dinheiro, ele pudesse cursar medicina, como desejava. Assim aconteceu. O pecúlio decorrente da venda de uma tapada passou a ser administrado por seu pai, Quintino, ao que parece, pouco judiciosamente. Deste fi cou, na família, a imagem de um “bon vivant” e um salafrário muito inclinado para conquistar ou receber os favores de mulheres mais novas cuja galeria, o seu modo de vida (de vendedor de vinhos) lhe ia fazendo desfi lar pela frente. Era homem autoritário e pouco escrupuloso, pois, ao morrer, deixou dívidas que o fi lho médico teve de saldar. Exactamente em antítese com o seu comportamento posicionava-se o do fi lho Manuel António que, desde muito jovem, levou a vida muito a sério. Estudava permanentemente, escudando-se em parcos meios, copiando, por vezes, à mão tratados médicos que não podia comprar. Mesmo assim, tornou-se um aluno muito bom no Ensino Superior. Terminar o curso da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, com média de dezasseis valores, só estava ao alcance de alguns e muito poucos, como garantem os documentos dessa época, existentes na actual Universidade. Desde 1933 e quase até à morte, ocorrida nos fi ns de Agosto de 1974, exerceu clínica em Fiães e áreas vizinhas. O Dr. Lima Bastos neste aspecto não seguiu as pisadas, nem o exemplo do pai. Percebeu que havia nascido noutro berço e que, portanto, podia ocupar-se a viver a vida como entendesse, desde que fosse garantindo o sufi ciente para viver decentemente, com as ferramentas, que burilou ao longo dos anos. E, na realidade, foi nisso que se ocupou até hoje, chegando mesmo a escrever que “viver é tão bom que seria capaz de viver para sempre” (p. 12). Há, contudo, no Itinerário e também no outro livro de

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Lima Bastos páginas repassadas de emoção, de amor devoto, de enorme admiração e respeito para com seu pai, como estas: “o melhor, mais discreto e mais compassivo dos homens que conheci” (À sombra de Mestre Aquilino, p.14). Mesmo os desgostos que sofreu motivados pelo comportamento do fi lho mais velho, sobretudo na administração dos dinheiros pessoais, no acatamento da disciplina no internato de Braga e, mais que tudo, na estroinice em que se deixou enredar quando se encontrava matriculado na Universidade de Coimbra, mesmo perante esses dislates, repito, nunca assumiu a pele de um ditador despótico e vingativo, nem de um patriarca hierárquico e irascível que castigasse exemplarmente. No seu íntimo, sempre compreendeu os desatinos do fi lho, aquilo a que a liturgia católica chamava (desconheço ainda se o faz…) derelicta iuventutis. Foi-se apercebendo que os tempos já não eram aqueles em que nascera e se criara e, portanto, era aconselhável exercitar a tolerância e a caridade evangélica. Pensava que o decurso das contingências da vida e as inevitáveis responsabilidades a assumir mais tarde pelo fi lho haveriam de curar-lhe as leviandades, como, na realidade, sucedeu. Lima Bastos afi rmou-se sempre como um homem de esquerda, no plano político, vomitando ódio a todo o tipo de ditadura. E também isso ele foi herdando, talvez por osmose, dos seus maiores. Desde logo, no seu bisavô materno, o Tanoeiro de Lourosa, fi gura a resvalar para o anarquismo, tão vulgar na época, entre os que se dedicavam à confecção de pipas e ao envasilhamento do vinho do Porto nos armazéns de Gaia. Recordo que um número considerável deles emigrou para o Brasil, foi depois expulso do Rio de Janeiro e acabou por fi xar-se no Rio Grande do Sul, em Caxias, na zona vitivinícola. Vários deles eram oriundos exactamente de Lourosa. Um deles era conhecido exactamente pelo designativo de senhor Lourosa e confessou-se perseguido pelas autoridades cariocas por ser anarquista militante. Porém, quem infl uenciou decisivamente Lima Bastos foi o exemplo e a idiossincrasia de seu pai, republicano e opositor ao Estado Novo e o Dr. Alcides Monteiro, seu indefectível amigo. Este advogado fi anense, cuja fi gura típica e serena recordo, com a cabeça coberta pelo pequeno chapéu, sempre aprumado sem ser janota, de tez rosada, corpo entroncado, alto e forte, sem ser gordo, tornou-se uma personagem distinta, ao menos para os mais novos pela sua nobreza de carácter e afabilidade de trato. Sabia ouvir, dialogar, aconselhar e encaminhar os seus

clientes, que não explorava e que respeitava, mesmo que se posicionassem no campo oposto, do ponto de vista político. De ambos escreveu o autor do Itinerário: “viveram os anos conturbados da 1ª República mamando nas tetas da burra republicana o leite dos ideais da democracia temperados por um certo socialismo utópico nascido do pensamento positivista de Comte e ligeiramente apimentado por um jacobinismo inofensivo e tolerante” (p.31). Foram estes ideais que transmitiram aos respectivos fi lhos. Neste contexto se entende que Lima Bastos seja tão duro e caustico para com os regimes autoritários, para com os delatores e esbirros, para aqueles aos quais chama sequazes do Santo Ofício, não importando a esfera ou o âmbito em que possam actuar. O exemplo vinha-lhe tanto do pai, como do Dr. Alcides Monteiro. Considera-os ambos, e com razão, duas fi guras humanas exemplares, pois jamais os viu ou teve conhecimento de que humilhassem ou postergassem os mais fracos em favor dos poderosos. Como referi, conheci pessoalmente o Dr. Alcides, assisti a algumas conversas com meu pai, de que sempre foi advogado e, portanto, posso testemunhar o altíssimo apreço em que toda a nossa família o tinha pela fi dalguia com que sempre nos tratou em momentos delicados. Espanta-me até que a sua terra o não tenha homenageado como deveria. Seria puro acto de justiça e reconhecimento, qualidades que enobrecem mais quem as pratica do que quem delas é alvo. Em S. Jorge tal não sucederia, estou certo. Voltemos à fi gura do Dr. Manuel das Levadas (era assim que o conhecíamos na freguesia vizinha), para nos pronunciarmos sobre a sua religiosidade. Melhor do que dissertar sobre o tema será dar a palavra ao fi lho. “Meu pai não frequentava a igreja mas estou seguro que, no seu íntimo, era um crente dubitativo mas, ao fi m e ao cabo, um crente. Para explicar-nos a razão de não ir à missa e para o desculpar aos nossos olhos de praticantes compulsivos, nossa mãe invocava a doença renal de que sofria e os seus padecimentos constantes que o impediriam de ser mais devoto. Quando era mais velho e já tinha carta de condução muitas vezes o levei, a seu pedido, a fazer a desobriga pascal. Não sei porque razão mas sempre quis confessar-se ao padre da igreja de Cedofeita, no Porto, o que se repetiu anos a fi o e sendo eu já casado e pai de fi lhos. Dizia maravilhas do discernimento e afabilidade desse sacerdote e da sua tolerância para com as fraquezas humanas. O padre em questão era Manuel Martins que logo a seguir

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ascendeu à dignidade de Bispo de Setúbal e fi cou conhecido como “o bispo vermelho” pela defesa intransigente dos pobres e desgraçados da sua diocese e deixou obra de evangelização e apoio social que ainda hoje perduram e são recordadas.” (pp. 46/47). O laicismo da 1ª República acabaria por deixar marcas fortes em muitos jovens, sobretudo os que eram sensíveis aos ideais socialistas proudhonianos ou às teorias do positivismo de Augusto Comte. Muitos dos livros que se editavam e estavam em voga entre os estudantes provinham da pena de escritores estrangeiros, sobretudo franceses, traduzidos, ou mesmo de nacionais. Lembro apenas as obras de Ernest Renan, uma espécie de referência para que alguém se considerasse uma pessoa culta e toda a panóplia de escritos de autores portugueses, designadamente da geração de 70, onde avultavam Eça e Guerra Junqueiro, todos fortemente anti-clericais. Ora a postura religiosa de muitos desses jovens recém-licenciados ressentia-se de tais infl uências. O médico das Levadas caracterizava-se pela meticulosidade e pelo escrúpulo com que geria os dinheiros amealhados. Verifi cava as contas, pagava-as, mas não mostrava qualquer jeito ou manha para os negócios, fi cando sempre a perder, se neles embarcasse. Apesar de ter trabalhado intensamente e durante muito tempo, jamais enriqueceu, porque um quinhão grande da gente que atendia era pobre, não podendo, pois, pagar em dinheiro. Viveu, contudo, desafogadamente, podendo rir-se daqueles que, no tempo forte da exploração do volfrâmio, se manifestavam como novos-ricos instantaneamente. Todos, porém, viraram vaza-barris, remata Lima Bastos (p.43). Em palavras breves, mas repassadas de emoção, eis o juízo que o fi lho deixa à posteridade sobre seu pai, apontando-o como um paradigma: “Posso jurar sobre um livro de horas que o amor fi lial e o orgulho de ser fi lho de quem sou não me turvaram o entendimento nem me impediram de ver com a luz clara dos olhos da razão, talvez um pouco húmidos, o transcurso da sua vida já à distância dos quase trinta e cinco anos em que teve o seu ponto fi nal. Por isso, só posso relatar o bem de quem só o bem vi praticar em toda a existência. ” (p. 39). Ainda bem que Lima Bastos escreveu este Itinerário. O seu pai lá onde estiver, tem muito orgulho em si e desculpa-lhe os desgostos que lhe causou! Agora é a vez de ele ter orgulho no fi lho! Deixemo-lo, então, na paz do Além que bem mereceu, na companhia daqueles aos quais aliviou do sofrimento e regressemos ao que pensa este fi lho. O Itinerário não cobre todo o aro cronológico da vida de Manuel de Lima

Bastos, uma vez que, no plano inicial, este seria apenas a 1ª parte. Por isso o autor afi rma: “E interrogo-me se haverá uma segunda parte deste itinerário. Bem gostaria de poder concluir a empreitada a que meti ombros e que tenho delineada na cabeça, tema por tema, capítulo por capítulo. Talvez seja apenas presunção da minha parte, que é pecado capital por andar paredes meias com a vaidade, a soberba e o orgulho mas que, como disse Mestre Aquilino Ribeiro, também puxa ao carro de Deus. Provavelmente circunstâncias que estão para além de mim não o permitirão, em particular se receber convite para o encontro a que não posso faltar e onde devo acertar umas contas que tenho em aberto. Se assim for, por aqui me fi carei o que nada tem de transcendente ou importante.” (p. 199). Quando criança, confessa ter sido feliz e, portanto, reter na memória (prodigiosa, aliás) pouco que seja interessante para poder contar desse período. O que reteve e escreveu destina-se aos fi lhos e aos netos, porque, “criados em ambiente citadino, não sabem o que era a vida numa aldeia rural há quase setenta anos” (p.75). Podemos perguntar-nos, após a leitura do texto: afi nal que Lima Bastos emerge destas memórias? Algumas das suas características mais genuínas manifestaram-se muito cedo, como já sugerimos acima. Mas regressemos a algumas, que o caracterizaram durante, pelo menos, duas décadas. Seja a primeira a de cultor inveterado e sedutor do belo sexo. A essa arte sempre se votou com prazer e entusiasmo, usando a panóplia de trunfos e ardis que a natureza e a sua imaginação lhe forneceram. Logo aos 6/7 anos, vendo-se na cama com uma criada nova, “não é que resolvi meter-lhe as mãos pelas pernas acima”, escreve ele. Encarando o atrevimento do pirralho, a moça fi cou como se fosse uma víbora acossada. Advertiu-o. Porém, não se dispondo a perder a oportunidade, ele recalcitrou. A moça pediu socorro à mãe Margarida. Esta reprimiu-o vigorosamente e mudou-o de leito. Acalmou, no momento. Porém, o pendor para as aventuras da sedução permanecia. Depois, já no internato Sá de Miranda, em Braga, para onde foi despachado para cursar o ensino secundário, achou-se “preso com rédea curta”, por o pai “conhecer bem o seu gado e o bezerro bravo a despontar” (p.96). Aí começaram a manifestar-se, em força e desassombro, os seus vícios, como fumar (desde os 9 anos e até hoje, com curto interregno), ir frequentemente ao cinema, escapulir-se, sempre que

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possível, para os bailaricos de ocasião, confessando, sem arrependimento, que os seus vícios e defeitos lhe têm dado grande prazer (p.102). Mas a sua faceta de “namoradeiro inconstante e incorrigível”, de sedutor inveterado, nunca o largou (p.111). Assim, “feitas as contas por alto, suponho que entre os meus doze, treze anos e o fi m do liceu aos dezassete, tive para aí uma dúzia de namoradas formais, isto é, aquelas a quem cheguei à cerimónia ridícula e embaraçosa de pedir namoro e ter sido aceite nessa agradável condição. Porque aventuras de uma tarde ou uma noite que não foram avante, sobretudo em bailes com raparigas mais permissivas ou assanhadas, não tiveram conta.” (p. 113) Nomes? Uma Maria da Luz com quem se entretinha, lá para os lados do cemitério do Monte dos Arcos, uma outra na rua dos Chãos, tão atiçada como ele ou ainda mais, nas artes das apalpadelas, mais uma, de perna gorda e vermelha dos lados de Barcelos e, fi nalmente, a mais marcante. O assédio a esta decorreu já no 7º ano e teve consequências. A moça estudava na Escola Normal de Braga e era natural da região de Entre Minho e Douro. Ele foi avançando e quase lhe prometeu casamento, mas apenas da boca para fora. Ela convenceu-se de que o relacionamento era sério. Tudo o fazia crer, até porque ele a visitou na sua terra, uma daquelas terras pequenas do interior, onde tudo se sabe e comenta. Com o rodar do tempo, sucedeu o inevitável. Ele desinteressou-se, embora lhe não dissesse. Foi um rude golpe para a futura professora primária. Ela, contudo, portou-se com dignidade. Por isso mesmo, fi cou-lhe um peso na consciência, que exterioriza por estes exactos termos:” Ao rebuscar os cantos da consciência ainda hoje sinto remorsos, pesa-me o meu comportamento infame e não encontro nada de que mais me envergonhe nesse implacável tribunal interior.” (p.115). Não foi, porém, em vão que se deixou conduzir por esse seu pendor irresistível para a descoberta e a sedução do belo sexo. Esse “feeling” levou-o a descobrir e a perseguir uma jovenzinha, que observou, pela 1ª vez, em Espinho, Dália Cardoso e que viria a tornar-se sua mulher, mãe de seus fi lhos e sua companheira de quase 50 anos. Eis como a descreve: ”… tinha dezasseis anos – eu tinha feito dezanove poucas semanas antes – não era alta nem baixa, cabelo de um louro maduro, olhos verdes rasgados, bem proporcionada sem ser magra (e lembrando Jorge Amado, um homem não é cachorro para roer osso), com um tipo de beleza excepcional e pouco comum na mulher portuguesa – e não sou só eu a dizê-lo

– estava ali uma estampa de rapariga em fl or que não devia nada a qualquer beldade do cinema da época.” (p. 161). E, quanto a mulheres, já basta, ao menos por agora. Olhemos outra faceta do seu perfi l psicológico: as suas crenças e práticas religiosas e os juízos que emitiu sobre padres, o que me parece complementar. Lima Bastos cresceu imbuído de uma educação católica tradicional, praticando, desde menino, aquilo que ela exigia. Na família rezava-se o terço, à noite, todos os dias. A comunhão e a missa dominical tornaram-se incontornáveis. Sua mãe era pessoa de missa diária, para a qual partia às 7 horas, regressando a casa com o pão fresco e o jornal. Durante as noites longas e frias de Inverno, falava-se na Casa das Levadas do tio-avô, o Abade Velho, já aqui evocado. A sua sombra tutelar pairava naqueles espaços e fi cou nas profundezas da memória dos mais novos: “Penso que nos arcanos mais fundos do meu subconsciente ainda lá estão e determinaram o meu gosto pelo maravilhoso e pelo sobrenatural.” (p.58). Pois bem. Em determinado momento da sua juventude, o moço estudante, que foi sempre aluno de 1ª categoria até se matricular no curso de Direito, na Universidade de Coimbra, onde entrou dispensado do exame de aptidão (i.é. com mais de 16 valores), deixou de frequentar a missa. Passara a ler compulsivamente livros bem profanos, onde o sobrenatural se encontrava desvalorizado, senão mesmo ironizado. Até no internato e na biblioteca de Braga sorvia leituras, como A Dama das Camélias, Nossa Senhora de Paris, a par de Eça, de Camilo, de Ramalho Ortigão e outros, nunca olvidando o “seu” Aquilino. Constatou que perdera a fé. Porquê? Não diz. Contudo, a sua afeição e constante leitura da obra de Aquilino terá ajudado, seguramente. Era autor também da predilecção do pai e viria a tornar-se, com o tempo, o seu verdadeiro guia, uma espécie de ídolo cultural, pela prodigiosa imaginação, pelas pinturas que deixou do homem ibérico, pelo desassombro das suas convicções e postura, pelo apego visceral à liberdade, pela arte ímpar do seu discurso, pelo magistério que exerceu nos que o rodearam. Pois bem. Lima de Bastos preocupa-se com o sobrenatural, mantém-se atento, embora se confesse agnóstico, ou seja, à procura do rumo decorrente de uma dúvida metódica. Mesmo aqui a infl uência tutelar do pai permanece também nele. Não sucederá consigo próprio algo de semelhante ao que ocorria com o seu progenitor? Ouçamo-lo: “Não sei o que me espera embora a minha razão cartesiana me diga que atingi o nihil; mas outra

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espécie de razão me diz que, se nada mais há, o transcurso do ser humano não faz grande sentido.” E continua: “…todos, mesmo os crentes assumidos têm a sua crença temperada pela dúvida perante o mistério da existência de uma outra vida. Que dizer de mim, pobre ser humano desprovido de grandes convicções neste particular?” (p. 10). O remate parece-me clarifi cador, quanto à sua religiosidade cristã, na qual assenta, aliás, toda a sua formação humana e cultural: “Por minha parte, declaro-me agnóstico – ou seja, em crise de conhecimento sobre a questão insolúvel, pelo menos para mim, da eternidade – mas aberto e na esperança de que, até ao último momento, os meus olhos divisem a luz.” (p. 11).Ao evocar na obra uma galeria considerável de sacerdotes, percebe-se o apreço, a consideração, mesmo a admiração que por eles nutre, o que não é despiciendo, a meu ver. Ao referir-se ao antigo pároco de Fiães Manuel da Silva Pereira, que eu também conheci, com o qual se confessava quando garoto, escreveu: “Este santo homem, sacerdote culto e exemplar, de quem conservo a mais agradecida das memórias, foi mais tarde abade do Bonfi m no Porto. Além de casar os meus pais, baptizou-me a mim e aos meus dois irmãos, com ele os três fi zemos a comunhão solene e, apesar de então já estar colado no Bonfi m, celebrou o meu casamento na Igreja de Arcozelo, Vila Nova de Gaia, (com autorização do pároco respectivo, Padre Branco, que ainda hoje rege a paróquia). E baptizou no Bonfi m os meus dois fi lhos mais velhos e não baptizou a cadeta, que veio aos trambolhões quase dezasseis anos depois dos outros (e que são os seus padrinhos), por entretanto ter sido chamado a espalhar a sua bondade pastoreando uma paróquia situada num outro reino.” (p. 15). No imaginário de Lima Bastos outros clérigos ocupam lugar de destaque. Talvez a fi gura cimeira seja o seu conterrâneo D. Moisés Alves de Pinho, arcebispo de Angola e Congo e bispo de S. Tomé, primo de sua avó paterna. No Itinerário traça-lhe um esboço de biografi a, que redunda num acalorado elogio. E com toda a propriedade, diga-se. Permita-se-me acrescentar mais algumas notas. Por razões familiares, morei em Luanda entre 1960 e meados de 62. Conheci o antístite no seu teatro de operações e com ele contactei directamente. Sua mãe morava a menos de 1 Km de nossa casa, quando estávamos em S. Jorge e o relacionamento com a senhora foi fácil. É que do nosso lado materno há também

um tio padre, espiritano como D. Moisés, que neste momento missiona em Santiago, Cabo Verde. Esteve, contudo, várias décadas em Angola. Tudo isso nos aproximou. O nosso pai, Quintino, falecido a 27 de Janeiro de 2007, aos 92 anos, era um católico fervorosíssimo e tornou-se amigo íntimo de D. Moisés. Deslocava-se muitas vezes ao Paço, onde dialogavam longamente. Por esse viés, o arcebispo se tornou também protector da família, nunca se esquivando a uma recomendação, em nosso favor, se necessário. Pois bem. Como nunca me adaptei à vida africana, decidi vir estudar para a Universidade do Porto, já com mais de 20 anos. Nessa altura, e quando procurava uma bolsa de estudos por o meu pai não poder suportar os respectivos encargos (éramos 13 irmãos, sendo eu o mais velho), fui recebido por D. Moisés, talvez por sugestão de meu pai. Acolheu-me informalmente no seu quarto de dormir, uma sala grande, muito simples, com uma cama a um canto e um sofá grande noutro, onde ele se sentava, rodeado de cadeiras para os visitantes. Tratou-me com a maior cordialidade e lhaneza, aconselhando-me e pondo-se ao dispor, se fosse o caso. Senti-me confundido, mas edifi cado, guardando dele as mais gratas recordações. Falei acerca dele com muitos luandenses, de várias etnias. Nunca ouvi qualquer crítica ou alusão de desprimor para com o arcebispo. Mesmo os não praticantes, os de outras confi ssões, ou os ateus o respeitavam e apreciavam. Conheci até uma senhora, de tez escura e de nome Inês, de mais de quarenta anos, casada e mãe de fi lhos, que nutria por ele uma verdadeira devoção. Ia à missa, à Sé, às 10 horas, aos domingos, só para o ouvir e, vez por outra, para com ele poder trocar algumas palavras. Como ela, muita gente repetia idênticos comportamentos e juízos. Creio bem que Luanda nunca mais foi pastoreada por um antístite de tal categoria. Além do zelo pastoral permanente, esforçava-se em promover o diálogo inter-étnico e em fomentar a promoção humana dos mais fracos, nunca se vergando a conveniências políticas ou a pressões dos poderosos. Estes reconheciam-lhe a força moral e a capacidade de acção e, no mínimo, respeitavam-no. Sempre vestido de sotaina branca, que contrastava com a sua pele rosada, comportava-se como um senhor que, na verdade, era. Recordo que numa das conversas me perguntou se eu me estava a prevenir contra o paludismo. Respondi-lhe que sim, pois havia tomado uns comprimidos para tal. Apontou-me para debaixo da cama, onde estava uma garrafa com aguardente metropolitana, que os amigos lhe ofereciam e

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aconselhou-me: “Faz como eu, bebe um calicezinho ao deitar, que é remédio efi caz”. Não segui o seu conselho, mas percebi que uma prenda simples e que apreciava era a aguardente branca, mesmo que fosse de uvas americanas. Por tudo isto e por muito mais que poderia contar, subscrevo, em absoluto, o que o autor escreveu sobre ele: “D. Moisés era uma bela fi gura de homem. Sobre o alto, pele branca um pouco rosada e o cabelo já nevando, tinha uma leve mas proporcionada corpulência. Sempre de aspecto muito limpo, esmerava-se no vestir mas sem qualquer preocupação de janotismo. Suponho (talvez por ter visto qualquer fotografi a) que em África vestiria indumentária branca. Mas em Portugal sempre o vi de sotaina preta com a faixa e o solidéu de cor púrpura de arcebispo e calçando sapatos muito lustrosos com fi velas de prata. Ao peito exibia um cordão com uma grande cruz. Os modos e o falar eram revestidos duma grande calma e amenidade. Estávamos na presença dum príncipe da igreja da época do Renascimento.” (p. 69). Além do mais, era um homem atento, grato e cultivava as amizades. Merece uma enorme estátua na qual estejam envolvidos os fi anenses, mas também os feirenses e – por que não? – os portugueses, em geral. Figuras destas raríssimamente emergem dentre a multidão que somos todos nós. Com D. António Ferreira Gomes e D. Sebastião Soares de Resende, como já foi afi rmado, constitui o grande trio dos bispos empenhados na promoção e defesa dos direitos e da dignidade humanos em Portugal. E, cada um a seu modo, o proclamou alto e bom som. Por isso o regime os temia e procurava ostracizar. Porém, o tempo, que sempre separa o trigo do joio, já os redimiu e imortalizou. O autor do Itinerário que, ainda jovenzito, viu-o interferir por si junto do Padre Alípio, em Braga, momento a partir do qual o director do internato o passou a tratar com mais compreensão. O arcebispo conhecia bem as fragilidades da natureza humana e mostrava-se indulgente para com as irrequietudes e também os desatinos da juventude. A sua recomendação junto do Padre Alípio até aproximou o director e o educando, fazendo com que Lima Bastos, percebendo que a disciplina é fundamental numa instituição como um internato, se tenha pronunciado assim sobre ele: “era um homem bom que, no fundo, não devia apreciar delatores” (p. 106), dando pouca atenção a quem acusava os colegas. D. Moisés considerava-se um fi anense de gema, afastado da sua terra pela distância, mas próximo dela pelo coração. Assim como da então Vila da

Feira, de que sempre gostava de ter informações. Perante ele, qualquer interlocutor sentia-se envolvido pelo “charme” de uma grande personagem. Nunca esquecia os amigos e Lima Bastos documenta-o bem. Numa das suas viagens a Roma, nas visitas ad sacra limina, D. Moisés trouxe à família Bastos “de presente ao meu pai um pergaminho com a fotografi a do papa de então, Pio XII, com o texto impresso em caracteres góticos mas com o nome do destinatário “DR. MANUEL ANTÓNIO DA SILVA BASTOS E FAMÍLIA” manuscrito num belo cursivo e pelo qual o pontífi ce concedia indulgência plenária se, à hora da morte, se arrependessem dos seus pecados. Era uma espécie de passaporte para a bem-aventurança com eventual estágio no purgatório. Mas do inferno estávamos livres desde que contritos. E eu, apesar dos meus muitos pecados, confi o nesse passadiço para o paraíso, seguro que o Justo Juiz não vai desautorizar o seu representante na terra.” (p. 70). Como conclusão do sentido elogio que lhe dedica, o autor do Itinerário propõe: “Embora tendo a certeza que a minha voz clama do deserto aqui deixo a provocação a algum dirigente político que não desceu ao nível rasteiro habitual ou a alguma instituição que se preocupe com estas coisas: é imperioso e acto de justiça elementar homenagear o Arcebispo de Luanda e Bispo de S. Tomé com a dignidade que o seu nome e a sua obra de apostolado merecem. Deixo a sugestão: erguer-lhe uma estátua de corpo inteiro no local mais nobre da sua terra que também é a minha: o arraial fronteiro à igreja matriz de Fiães. Nunca é tarde para redimir esquecimentos, para não dizer ingratidões, só compreensíveis no tempo do regime autoritário mas de todo em todo indignos de um regime democrático que deve prezar e honrar os seus maiores.” (p. 74). Deixemos este venerando eclesiástico em paz e evoquemos mais um recordado por Lima Bastos – o Padre Américo, fundador e alma da Casa do Gaiato, que a sua terra já homenageou, dando o seu nome ao moderno e efi ciente hospital de Penafi el. Que juízo formula sobre ele Lima Bastos? “… lamentavelmente, em minha opinião, ainda não foi beatifi cado pela vida inteira dedicada à educação e acompanhamento de menores abandonados e que fez muito mais jus a que lhe rezassem nos altares que os pastorinhos de Fátima ou o condestável D. Nuno Álvares Pereira e outros que tais.” (p.116). Através destes excertos, creio ser possível reter a imagem que o autor elaborou e emite sobre uma galeria de clérigos, que vai chamando à colação ao longo do texto, percebendo-

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se, através deles, o respeito que nutre pela maioria. Nem todos, obviamente. Mas as virtudes que neles considera indispensáveis emergem, como o azeite sobre a água, vendo-se isso magnifi camente quando se refere ao bispo de Viseu, por exemplo, o famoso Alves Martins. Serão elas a humanidade, a inteireza de carácter, a caridade para com o próximo mais humilde, o respeito pela dignidade humana, o usufruto da liberdade própria e alheia, o apoio à prática do bem, o zelo pastoral, uma cultura evangélica, tudo mergulhado numa vida simples, transparente e de comportamento exemplar. Felizmente, encontrou na vida não poucos exemplares destes, que o edifi caram, deixando marcas na sua própria identidade. Os livros que acaba de publicar demonstram-no e mostram a sua honestidade intelectual. Tanto elogia, como critica. E, neste aspecto, permita-se-me um desabafo. Escreveu palavras mais que simpáticas a meu respeito, a propósito da publicação da biografi a de D. Pedro IV, de que sou autor. Considero-as imerecidas e penso que o seu pendor para juízos cartesianos, em que a razão se mantenha fria e fi rme, excluindo a emoção, o sentimento e a amizade, aí terá sofrido um desvio, o que compreendo, aliás. Deixo-lhe uma questão a que não é para responder, por agora. Serão os monarcas portugueses os grandes responsáveis pela decadência dos povos peninsulares, a partir do século XVII, como queria Antero de Quental? Poderá qualquer rei interferir na índole do seu povo? E a dinastia de Bragança terá sido assim tão nefasta na condução dos destinos da grei? Dessa opinião não partilham os brasileiros, em maioria (e são muitos milhões), pois, segundo eles, sem a clarividência de D. João V quanto ao traçado e à salvaguarda do território português da América, o Brasil nunca podia ser o colosso que hoje é. E sem a astúcia e o bom senso de D. João VI, mais tarde, teríamos, no seu actual espaço, um mosaico de pequenos países, como na América Hispânica, mas não um reino, um império e, depois, uma república federativa, como é hoje o Brasil. Às vezes sucede assim. Maltratados de um lado do Atlântico, adulados do outro. A vida é assim mesmo. Voltemos ao Itinerário. Tendo sido sempre um leitor compulsivo, como confessa (p. 121), alguns autores o marcaram para sempre. Dentre todos se agiganta Mestre Aquilino, logo seguido de Ernest Hemingway. Ao primeiro chama seu pai espiritual, chegando a afi rmar, noutro lugar, que se pudesse aceder ao paraíso gostaria de gozar lá da presença inefável de seu pai, de Aquilino e de S. Francisco de

Assis. Não pede pouco, mas a quem não pede Deus não ouve, como diz o povo. A verdade é que o seu amor à obra aquiliana e ao seu autor, cujos gostos alimentares descreve com enlevo, tornaram-no um especialista incontornável na matéria, como sentidamente escreveu o fi lho do escritor Aquilino Ribeiro Machado. Melhor elogio do que este não há. Admirador destes literatos, também ele ensaiou na escrita alguns passos desde muito jovem com contos e rimas de pé quebrado, de que pouca coisa permaneceu. Mas sob o pseudónimo de Jorge de S. Remo recebeu dois prémios, de âmbito nacional, um aos 17 anos e outro já a chegar aos setenta, intitulando-se eles “Homens da ria” e “À sombra do Mestre Aquilino”. O certo é que Lima Bastos exprime-se muito bem, escreve com enorme clareza e simplicidade, adapta a linguagem ao conteúdo do discurso, é criativo, imaginativo, preciso, mordaz e irónico, quando entende, mas também escorreito e descritivo na simplicidade de uma linguagem a todos acessível e de grande clareza conceptual. Como exibe uma memória fabulosa e fi delíssima, consegue transportar para o presente, com enorme frescura e precisão, situações e sensibilidades ocorridas há mais de 50 anos. Como é o caso do seu 1º ano em Coimbra, em cuja Faculdade de Direito se matriculou em 1957/58. Academicamente o ano saldou-se por um fracasso total. Porém, noutro plano, o nosso estudante iniciou-se principescamente na estúrdia coimbrã. Conta que começou por se instalar lá numa casa particular excelente, estilo hotel de 5 estrelas. O pai mandava-lhe uma mesada gorda, de que sobrava muito para cigarros, cinema e outros gastos. O pior (ou melhor, depende da perspectiva!) é que na mesma casa se aboletou uma senhora de Lisboa, mulher de um engenheiro e que rondaria os trinta anos. Os quartos de um e de outro eram contíguos. E, como o fogo junto à palha seca resulta em incêndio pela certa, o inevitável sucedeu. Na 2ª noite, ao entrar no quarto, ela que estava à espreita, puxou-o para o seu. “Eu, na ingenuidade dos meus dezassete anos, estava longe de imaginar tal possibilidade mas a verdade é que me ensinou – e aprendi com gosto e aproveitamento que infelizmente não tive nas matérias de direito que andava a estudar – umas práticas de cama que deviam estar de moda na capital do império. As saturnais duraram três ou quatro noites. Nos intervalos nocturnos fumávamos o nosso cigarro para o merecido descanso e até, à socapa, íamos para o quarto de banho próximo. Enchíamos a banheira, que era de ferro esmaltado a

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branco e com pés em forma de pata de leão, com água bem quentinha e fazíamos deliciados as abluções deliciosas. Era a primeira vez que me tinha calhado em sorte tão prolongada como repetida aventura a que eu esforçadamente correspondia, até algumas vezes a meio da tarde embora com mil cautelas. Percebi que, se eu tinha fome, à dama não lhe faltava vontade de comer. E comíamos à farta da iguaria sem rival que não se esgota nem, por enquanto, paga imposto. ” (p.133). O pior é que a dona da casa se apercebeu da marosca e expulsou os hóspedes. Daí em diante a vida de Lima Bastos na lusa Atenas transformou-se num misto de estúrdia, de descoberta dos lugares de passatempo, de moradia em lugares inóspitos e bafi entos, a que pomposamente se chamava repúblicas e a frequência de espaços com alguma aura cultural, como o teatro universitário, sobretudo o CITAC. De estudos de Direito, muito pouco. Os chumbos encadearam-se, os anos foram passando, as maroscas sucederam-se e de algumas o pai teve conhecimento (como o recurso a penhoristas, por exemplo), aplicando-lhe o correctivo, sempre brando, aliás, em proporção às faltas assumidas. O certo é que o curso de Direito continuava por acabar e Lima Bastos afastou-se durante anos de Coimbra, concluindo-o apenas mais tarde, para enorme satisfação e consolo de seu pai, que viu realizado esse sonho ainda antes de fechar os olhos defi nitivamente, em Agosto de 1974. Fina-se por aqui o Itinerário de Lima Bastos. O que escreveu seria a 1ª parte a que chamou “O Tempo Descuidoso”. Não escreveu pelo menos ainda a outra, isto é, a que remonta dos fi nais dos anos 60 em diante. Não pensa escrevê-la, ao que parece, porque a missão essencial que se propunha alcançar, está atingida: mostrar aos fi lhos e aos netos donde provêm, como era a vida rústica fi anense nos anos 40/50 e que transformações, entretanto, se operaram na nossa sociedade. Qual será o balanço a sopesar desta 1ª parte da vida de Manuel de Lima Bastos? Ouçamo-lo: “No que me diz respeito, feitas bem as contas, acho que o saldo, que pode tornar-se defi nitivo mais cedo que tarde, não foi tão mau quanto isso. Na planície que é a chateza de todos os dias posso divisar algumas elevações – modestas, como não! - a cujos cumes me foi dado trepar para usufruir de momentos felizes ou chorar as lágrimas de alguns infortúnios, como de resto acontece com todos os viventes que procuraram não se limitar a comer, dormir e a preservar a espécie.” (p. 198). Mais uma vez aqui fi ca um testemunho da sua humildade

e da sua consciência aguda do que é o destino de todos e de cada ser humano, isto é, pertencer a um incomensurável universo de que não passamos, na nossa vivência temporal, de um grãozinho de claridade que pode iluminar futuros caminhantes. Tudo depende do uso que façamos da nossa liberdade, uma vez que podemos optar pela luz, quente e irradiante ou resvalar para as trevas. Quem é, afi nal, o advogado Manuel de Lima Bastos? Aqui fi cam elementos defi nidores do seu perfi l humano, psicológico e cultural, em sentido amplo. Em duas palavras, diria que é um homem de carácter, de fabulosa memória (para o melhor e também para o pior), de rara e fi níssima sensibilidade e de convicções fi rmes, tudo servido por uma inteligência acima do comum, que preza as raízes, mas que olha para o futuro. Uma última questão à qual não sei responder: Será este um Itinerário da vida de um homem comum? Haverá outros parecidos com este? Responda quem souber.

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NOTA DA REDACÇÃO

O texto do Prof. Dr. Eugénio dos Santos foi proferido por ele próprio no Salão Nobre da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira em 16 de Novembro de 2009. Tiveram também lugar outras intervenções a cargo do nosso Director, Dr. Celestino Portela, em representação da Liga dos Amigos da Feira, da Dr. Nídia Lamas em nome da Delegação local da Ordem dos Advogados, do autor da obra apresentada Itinerário da Vida de Um Homem Comum, tendo a sessão sido encerrada pelo Sr. Alfredo Henriques, ilustre Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira a qual, conjuntamente com a Ordem dos Advogados, apoiaram a respectiva edição. Em 10 de Novembro de 2009 já a obra do nosso conterrâneo, Dr. Manuel de Lima Bastos, fora apresentada em Lisboa na sede da Ordem dos Advogados em cerimónia presidida pelo Bastonário, Dr. António Marinho e Pinto, e na qual a apreciação da mesma fi cou a cargo do Dr. José Manuel de Vasconcellos, director da revista “Foro das Letras” e presidente do júri do Prémio Literário Ordem dos Advogados que, em 2009, atribuiu este prémio à obra do mesmo autor “À Sombra de Mestre Aquilino”. Tiveram intervenções o Eng. Aquilino Ribeiro Machado, fi lho do escritor Aquilino Ribeiro, e o Dr. Henrique Mota, director da editora Princípia Lda. e membro do júri do referido prémio literário. Em 12 de Novembro de 2009 foi a obra apresentada na Biblioteca do Palácio da Justiça no Porto da Ordem dos Advogados tendo a análise literária sido feita pelo Dr. Guilherme Figueiredo, ilustre presidente do Conselho Distrital do Porto da OA e pelo Reverendíssimo Sr. Dom Manuel da Silva Martins, Bispo Emérito de Setúbal. Em próximo número da revista apresentar-se-ão súmulas de algumas dessas intervenções.

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192 Plissagem do ócio Sérgio Pereira*

trovoada híbrida de julhonum céu vigilantealcalescência da baíaplasma o canto do rouxinolno sopro da metonímiaisto vai parecer estranhoou tirado de um sonhofizemos um raide imprevisívelàs culturas de alfazemaforragem pisada pelos cavaloschamariz convenientepara os mosquitosacampamos nas faixas rebeldesdo campo de centeiofrescor da tranquilidadedas ervas plissagem do ócionas arestas raiadas do muroclareiras deixadas dereserva para acoitar orescaldo funesto do futuro

dentadas bruscas do machadona base sumarenta do eucaliptofolhas matizadas flutuamna água paciente do tanqueos insectos urdem caríciasque nunca chegam a realizara eloquência amena dosteus lábios leva-me afazer promessas audaciosaslançar engodos nas brechascortadas a pique do glaciardescobrir reentrânciasfavoráveis à escaladada montanha

*Nasceu em 1958, na freguesia de S. João de Ver. Publicou seis livros de poesia: As Nove Visões do Xamã, Porto, Agosto Editores, 1996, Técnica do Escalpe, Porto, Agosto Editores, 1996, O Sol é Um Moccasin, Porto, Agosto Editores, 1996, Istmos e Hordas, Porto, edições Tomahawk, 1997, O Absoluto Reverso, edições Tomahawk, Porto, 1998, Convergência dos Ventos, Editora Ausência, 2000, (co-autor: António Teixeira e Castro).

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193 AS PRIMEIRAS “LEIS”

Jorge Augusto Pais de Amaral*

Actualmente muita gente se queixa de que os políticos têm a tendência para legislar de uma maneira desenfreada e alterar as leis a cada passo. Vai longe o tempo em que apareceram as primeiras leis escritas. Aliás, os primeiros Códigos, como por exemplo o Código de Hammurabi, em vez de conterem leis com o signifi cado com que hoje são entendidas, isto é, princípios gerais e abstractos que orientassem o julgador na resolução dos casos concretos, continham antes regras de pormenor tendo em conta hipóteses precisas que se sucediam sem qualquer sistematização. Na história da evolução do Direito Português posterior à fundação da nacionalidade podemos apontar quatro períodos: I - Período consuetudinário, que sensivelmente se estende desde o século XI até ao reinado de D. Afonso III, o qual se caracteriza pelo predomínio dos costumes como fonte do direito e escassez quase absoluta de legislação geral.II – Período de legislação geral avulsa, desde o reinado de D. Afonso III até às Ordenações Afonsinas, isto é, até ao reinado de D. Afonso V.

III – Período das Ordenações, desde D. Afonso V até ao século XIX. IV – Período das Codifi cações modernas desde o começo do século XIX até aos nossos dias.(1)

Os estudos jurídicos não suscitaram grande interesse até ao reinado de D. José I. Foi o Marquês de Pombal que veio dar um grande incremento ao estudo do Direito na Universidade de Coimbra. Para o efeito nomeou uma Comissão que tinha por fi nalidade proceder ao estudo acerca do ensino na Universidade e das reformas que se julgavam necessárias. Em 1771 essa Comissão, denominada Junta de Providência Literária, publicou um relatório com o título Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra onde evidenciou o atraso em que se encontravam os estudos universitários, particularmente os de natureza jurídica. Logo no ano seguinte, ou seja, em 1772 foram aprovados novos Estatutos que mandaram, pela primeira vez na história do nosso ensino universitário, ensinar o Direito Português na Faculdade de Leis.(2) Deve-se a um eminente Professor, então encarregado da regência da cadeira de História do Direito Pátrio na Universidade de Coimbra, Pascoal José de Melo Freire, a publicação de um compêndio, para uso nas aulas, redigido em latim, a que deu

*Juiz Conselheiro Jubilado do Supremo Tribunal de Justiça.

(1) Cfr. Guilherme Braga da Cruz, in História do Direito Português, pág. 42 e seg.(2) Ob. e loc cit., pág.56.

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o nome de Historia Juris Civilis Luisitani, que foi, pouco depois, em 1778, publicada pela Academia Real das Ciências. À Universidade de Coimbra deve-se ainda a iniciativa da publicação duma importantíssima colectânea das fontes do direito português: “Colecção de Legislação Antiga e Moderna do Reino de Portugal”, na qual se publicaram, pela primeira vez, as “Ordenações Afonsinas” e se fi zeram novas edições das “Ordenações Manuelinas”, da “Compilação das Leis Extravagantes de Duarte Nuno de Leão” e das “Ordenações Filipinas”. A edição das “Ordenações Afonsinas” é precedida dum notável estudo histórico sobre as vicissitudes da respectiva elaboração, levado a cabo por Luís Joaquim Correia da Silva.(3)

É interessante conhecer algumas das notas constantes da “Prefação” desta obra. Não só nos dá conta das fi nalidades da edição, como também nos elucida acerca das normas por que se regiam as populações desse tempo. Seguiremos de perto o seu conteúdo, embora actualizando a linguagem. Começa por dizer que a Universidade de Coimbra, desejando promover o adiantamento de seus Alunos, e considerando de quanta importância seria aos que se aplicam ao “estudo da Jurisprudência Pátria” facilitar-lhes a lição do Código do Senhor Rei D. Afonso V, o publica pela primeira vez impresso na sua Ofi cina. Seguidamente elucida, da forma como se segue, sobre as primeiras normas administradas no País e acerca da absorvente ocupação dos Soberanos que lhes não deixava o tempo indispensável para produzir novas leis. Quando Portugal se desmembrou do Reino de Leão, e se erigiu em Monarquia própria, consta que os nossos antepassados que vieram a constituir o novo Império continuaram a governar-se pelas Leis do Código Gótico, que era então a legislação geral de todas as Espanhas. Os nossos primeiros Príncipes, cheios do projecto de desapossar do país os Sarracenos, e ocupados dos contínuos cuidados da guerra, tinham pouco vagar para serem Legisladores; mas como, à medida que iam ganhando as terras, achavam os campos devastados e as povoações despejadas dos seus antigos habitantes que, como era natural, as abandonavam para escapar à fúria dos vencedores, vinham estes a ter dois

objectivos que, pela sua importância, pediam efi caz e pronta providência, a saber: Povoação e Agricultura. Eles a deram, pois, desde logo, quanto à Povoação, convidando novos moradores, e atraindo por meio de certos foros, privilégios e isenções que lhes concediam; e quanto à Agricultura, reservando para si, das terras conquistadas, as melhores para seu património, que ainda hoje chamamos Reguengos, e distribuindo as mais pelos seus soldados e pelos novos povoadores, prescrevendo aos cultivadores de umas e outras os direitos, que em razão do seu alto Senhorio lhes deviam pagar, na proporção do terreno que cultivavam ou dos frutos que colhessem. Tudo isto se continha em uma Carta, que davam a cada povo, a que chamaram Foral onde, além disso, se determinavam certos outros direitos que se deviam pagar por ocasião do seu trato e comércio, se estabeleciam penas pelos delitos que cometessem e se prescreviam alguns regulamentos a respeito da sua particular polícia e governo municipal. É posta depois em evidência a necessidade que se sentiu de criar novas leis. Mas é bom de entender – continua a “prefação” – e é o que facilmente se tira da lição dos antigos Forais, que sendo o seu fundo principalmente relativo à economia política e de cada povo, e ao estabelecimento do património e fazenda Real, mui poucos regulamentos aí terão lugar a respeito da Justiça. Nas Cortes de Lamego, celebradas no ano de 1143, além das leis sobre a sucessão da Coroa, e sobre os modos de ganhar e perder a nobreza, achamos algumas sobre a Justiça, mas poucas, e todas criminais. Restavam certos Costumes, ou direitos introduzidos na república, e que é provável que ao princípio fossem observados e guardados pelos nossos Antepassados só através da memória e do uso, ainda que muitos fossem depois “julgados”, anotados e mandados escrever nos livros de Chancelaria, principalmente no tempo do senhor Rei D. Afonso III, dos quais costumes derivaram depois artigos mui singulares das nossas actuais Ordenações. Eis aqui pois a Legislação por que se governaram nossos Antepassados por mais de um século, até que o Senhor Rei D. Afonso II, nas Cortes congregadas em Coimbra, no ano de 1211, primeiro do seu reinado, publicou as primeiras Leis gerais, depois das que se fi zeram nas Cortes de Lamego, também poucas em número, mas cheias de humanidade e sabedoria. Continuaram os Senhores Reis seus Sucessores, até ao Senhor D. João I, a estabelecer leis, mas já tão várias (3) Idem, pág.s 57 a 59.

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e tantas, que veio a crescer prodigiosamente o número delas. Além disso, sendo muito frequente por esses tempos a celebração de Cortes gerais, havia muitas respostas e decisões dadas pelos Senhores Reis a questões que nelas por parte dos povos lhe eram requeridas, as quais respostas e decisões fi cavam tendo por si mesmas a força de Leis gerais, não sendo ainda ordinária a prática, que nos tempos posteriores se veio a fi xar, de se conhecerem em forma de Leis quando nelas os Senhores Reis haviam por bem deferir aos povos na conformidade dos seus requerimentos. Abrangendo, pois, o período desde o princípio do Reinado do Senhor D. Afonso II até ao do Senhor D. João I o espaço de quase dois séculos, não podia deixar de ter acontecido que muitas determinações dos antigos Forais estivessem “reformadas”, muitos Costumes mudados e muitas das primeiras Leis e Capítulos de Cortes alteradas e algumas inteiramente revogadas por novas Leis e decisões de Cortes posteriores. Vinham, portanto, a ser disso uma consequência inevitável os inconvenientes ponderados na Introdução desta obra de que, pela multiplicidade e contrariedade de tantas Leis, recresceram continuadamente dúvidas e contendas, e se verem os Julgadores postos em embaraço de as decidir, o que deu causa a repetidos requerimentos que os povos juntos em Cortes fi zeram ao Senhor D. João I que as mandasse

examinar e reformar e fazer delas uma geral Compilação, para que, sendo juntas e certas, viessem a cessar os males que, a não ser assim, se seguiriam. Pareceu-nos que a transcrição que acabamos de fazer seria a melhor forma de dar a conhecer as primeiras normas legais que tiveram aplicação em Portugal desde o começo da nacionalidade. Pareceu-nos igualmente que o texto é muito elucidativo acerca da evolução sofrida pelas leis então aplicadas e da imperiosa necessidade de proceder à primeira Compilação das Leis. Por outro lado, não quisemos desperdiçar a oportunidade de trazer a lume um texto pouco conhecido da maior parte dos portugueses. De realçar a crónica difi culdade sentida pelos Julgadores: umas vezes porque a legislação é escassa e dispersa – como acontecia naqueles tempos remotos - outras vezes porque é abundantíssima, mal elaborada e em constante mutação – como se verifi ca nos tempos actuais. Enquanto nos tempos idos, era o povo que pedia mais leis, devido à falta que se fazia sentir, hoje pede-se que parem de legislar a torto e a direito, nomeadamente nos momentos em que surgem certos casos com retumbância fora do comum. Não podemos ainda deixar de referir um outro pecado actual - a criação de “leis” com vista a determinado ou determinados casos concretos, parecendo, por vezes, que só lhes falta a indicação do respectivo destinatário.

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196 MEMÓRIA

Mário Anacleto*

Não me esquecerei de ti porque me inspiras o céu e a terrae tudo o que há de bom em mim que me leva destes areais à alta serra

não me esquecerei de ti por seres o melhor que tenho e hei-de terpor ver distância no teu olhar terra fecunda, pesada e ocre, que lidarei

não me esquecerei de ti da noite negra em que habito, minha luz, farol dos meus passos e viagens, por seres um sinal positivo e não a cruz

não me esquecerei de ti por seres de ouro natural como a pureza com que me brindam as flores seu odor fresco e vário da mesma natureza

não me esquecerei de ti que não esqueço sequer todo o meu desejoou a suave doçura de uma voz e o fresco frenesim em que me deixa um beijo

não me esquecerei de ti vou guardar-te sempre nas horas de cada dia não me esquecerei

porque de mim me esqueceria…

* Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Mestre em História de Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto sob o tema “Arquitectura e Música emS. Bento da Vitória”. Diploma de Estudos Avançados em Comunicação Organizacional pela Universidade Complutense de Madrid, com o Prof. Dr. António Sanchez Bravo. Doutor em Musicologia e interpretação pela Universidade Nacional de Música de Bucareste. Professor; Cantor; Investigador; Conferencista.

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197 A amada das cantigas de amor: casada ou solteira?

Maria da Conceição Vilhena*

1. No século XII, no Sul da França, assiste-se ao desabrochar de uma cultura cortês, centrada na mulher, a qual é então considerada como a origem de todos aqueles bens de que se pode usufruir sobre a terra (saúde, saber, bondade, generosidade, alegria, bem-estar...). E é-o através de um tipo especial de sentimento que inspira, a que os trovadores chamam «fi n’amor», graças ao qual o prestígio feminino se elevou, aparentemente, acima de tudo o que é terrestre. Dotada então de uma dimensão metafísica, que a torna capaz de agir em favor de todos os homens, a mulher cantada pelos trovadores é por estes situada ao mesmo nível de Deus e integra-se de certo modo num sistema teológico. Real ou fi ctícia, esta mulher transformou-se, pois, num mito, criado pela imaginação dos trovadores. A sua virtude e poder tocam assim os limites do possível: emanação de Deus e medianeira universal, a sua presença domina o mundo poético medieval; e domina-o por forma complexa e contraditória: se o código amoroso da cortesia provençal estabelece só a mulher casada ter direito ao canto do trovador, como poderá esta conciliar os seus deveres de esposa cristã exemplar com a

vivência de paixões extraconjugais? O amor cortês terá de ser, deste modo, um amor diferente daquele que era vivido pelas esposas.

2. Partilhado entre o dever e a paixão, em razão da não adaptação das convenções sociais à natureza humana, o trovador medieval vive um drama sentimental sem solução, que ele tem de aceitar ou habilmente iludir. Desse confl ito entre as estruturas sociais e a sua estrutura íntima nasceria uma revolta interior, se ele não tentasse sublimá-la, utilizando as reacções da sua sensibilidade como fonte de inspiração poética. É pelo sonho que o trovador se liberta da realidade social e moral da sua época, pois só o sonho lhe permite realizar as suas aspirações à felicidade e procurar a satisfação dos seus desejos; só pelo sonho ele pode viver plenamente o seu amor. A mulher é o fruto proibido que o atrai e o repele. Convencionalmente longe e acima de todos os mortais, só pelo sonho ela é acessível. O trovador é o apóstolo do amor puro que, por essência, se opõe ao amor físico. Abstenhamo-nos de discutir o grau de relação que existiria entre a poesia e a realidade vivida, para examinarmos apenas o comportamento do trovador face ao casamento e ao adultério. Em princípio, o amor dos trovadores é um amor-virtude, um sentimento subtil e fortuito, um idealismo angélico e equilibrado. No entanto, a posse é o termo normal do impulso amoroso, o sinal sensível da realidade invisível que é o amor-virtude. A

* Licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras de Lisboa, 1965. Doutoramento de Estado ès-Lettres, pela Sorbonne, Paris, 1975; Professora Catedrática. Leccionou na Universidade de Aix-en-Provence, França; na Universidade dos Açores; na Universidade Aberta de Lisboa e na Universidade da Ásia Oriental, em Macau. Tem publicado perto de cento e cinquenta trabalhos (livros e artigos) sobre literatura, linguística, etnografi a e história. Actualmente é aposentada e Presidente Honorária e Vitalícia da Associação de Solidariedade dos Professores.

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tendência para a posse faz parte da própria natureza humana, pois o amor entre o homem e a mulher é, antes de mais, um amor carnal; um amor cujas manifestações físicas seriam permitidas pela moral cristã apenas entre marido e mulher, mas absolutamente condenáveis logo que se tratasse do trovador e de uma dama casada, da nobreza. Deste modo, a situação dos apaixonados aparece-nos como extremamente delicada, carecendo de uma solução conforme com a honra e as exigências espirituais do ser humano. Essa solução é dada pela cortesia, que proclama uma ética nova. Segundo a ética cortês, há dois tipos de amor: um amor que se confunde com a concupiscência e um amor puro que é fonte de perfeição, amor a que o trovador provençal chamará «la fi n’amors». Nas suas poesias, Marcabru vai opor esse amor casto ao falso amor, que considera como uma invenção do Diabo: aqueles que o praticam são os traidores, os assassinos, os luxuriosos destinados ao fogo do Inferno (canção XVIII). Em contrapartida, o amor casto é um amor nobre, fonte de bondade e de felicidade para todos aqueles que o praticam (canção XL). A cortesia não fazia, pois, a apologia do adultério. No entanto, o problema que os trovadores suscitavam era o da existência de amor entre os esposos, pois que o casamento era um contrato assinado entre os pais e imposto aos fi lhos, contrato completamente indiferente ao amor-paixão.

3. A escolha recíproca dos cônjuges, orientada por um sentimento de simpatia mútua, é uma inovação relativamente recente. Nos séculos XII e XIII, o contrato de casamento obedecia a princípios de ordem social e económica, a interesses de família e de dinheiro, e nunca tinha em conta as diferenças de temperamento, de carácter ou de gosto. Os trovadores contestavam assim a existência de amor espontâneo, desinteressado, num assunto em que o coração não contava. Todos aceitavam a situação mas, no fundo, cada um procurava um meio de evasão que lhe permitisse fugir, não só ao outro cônjuge mas também à sociedade. O sonho aparecia-lhe então como a única possibilidade de viver a paixão fora do casamento: só ele lhe permitia a evasão a uma monotonia resignada; só ele lhe dava a eterna ilusão de plenitude no amor a que aspirava. Em Portugal também o problema se põe, embora de forma diferente. Joan Soares Somesso refere-se a esse tipo de situação, com acentos de revolta

Per como a quer casar seu pai ... ced’o maten por én, e a ela ...

(CA.375) 1

Paio Soares de Taveirós aborda igualmente o problema do amor contrariado:

Ca vus faran cedo veer a, por que eu moiro, casar

(CA, 34)

O amor conjugal constitui uma obrigação; a mulher é obrigada a dá-lo ao marido e este sente-se no direito de o exigir. Em contrapartida, o amor cortês respeita a mulher e cede aos seus caprichos; a ela de fi xar limites e marcar exigências. O amor cortês não permite a brutalidade masculina ou a violência, nem atrevimentos de mau gosto. A dama concede apenas aquilo que ela quer conceder.

Sendo casto, o amor-paixão provençal pode existir fora do casamento, pois que, situando-se a sua essência na irrealização carnal, ele não “afectará de modo algum os sentimentos que os esposos nutrem um pelo outro nem enfraquecerá os laços que os unem. Na Provença, o processo da intimidade com a dama era progressivo, podendo ir de fi ngidor a amante, passando pelos graus de suspirante e entendedor. Tratando-se, em princípio, de um adultério apenas espiritual ou, antes, de um jogo sem consequências, que em nada afectava a honra do marido, era com prazer que este recebia o trovador no seu palácio. Ter ciúme de um trovador seria prova de baixeza moral e de mesquinhez. O nobre provençal não se permitia tais reacções, considerava-as ridículas e estúpidas, impróprias de gente da alta sociedade e iniciada nos princípios da cortesia. Basta que recordemos a severidade com que o rei Afonso II de Aragão puniu o marido ciumento que fez servir à esposa o coração cozinhado do trovador Guilhem de Cabestanh. Embora o amor trovadoresco fosse, em princípio, casto, a presença do marido impõe-se, na poesia provençal, como justifi cação de um amor não realizado, paradoxal, misterioso. Se a mulher é casada, ela pertence já a um outro que vela

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sobre os seus bens, e impõe ao trovador o controlo dos seus impulsos. O amante não pode, pois, saltar o muro que o separa do objecto amado. A moral cristã é salvaguardada, ao mesmo tempo que se cultiva a atracção do misterioso e do enigmático, traços bem característicos do espírito cristão medieval. Este amor puro, não pecaminoso, mas às portas do adultério, é algo de novo, de extremamente refi nado, de maravilhoso, completamente diferente do amor vivido pelo herói do romance de cavalaria ou daquele amor-prazer que Ovídio proclamava. Além disso, a mulher casada conhecia já as decepções da vida conjugal, uma vez que o casamento lhe tinha sido imposto. Obrigada a aceitar um homem que não escolheu, que frequentemente não amava ou até detestava, a mulher sentia-se como que objecto de uma transacção comercial e o casamento era para ela um insulto e uma afronta à sua dignidade de ser livre e responsável. Deste modo, só a mulher casada (e não a solteira, segundo a casuística amorosa provençal) estaria apta a viver em plenitude as delícias de um amor-paixão, isento do prazer físico. Quer dizer que a humilhação de uma vida a dois, em que o coração não contava, a preparava de maneira particular para melhor saborear o prazer de um amor todo espiritual; e não só a sua sensibilidade estava mais afi nada que a da jovem solteira, como a sua situação social de castelã lhe dava o direito de poder acolher o trovador, no seu palácio, e de o proteger.

4. É certo que o código provençal também admitia por vezes que se fi zesse a corte à jovem solteira; e, nos romances, ela recebe algu mas vezes a homenagem do jovem barão. No entanto, Flamenca diz que os cavaleiros não devem dirigir a palavra às solteiras sempre que se encontrem na presença de casadas que lhes agradam (versos 7370-72). É a estas que devem dirigir de preferência os seus galanteios, porque a eles têm direito. Na realidade, e com frequência, este amor vai mesmo ao adulté rio; todavia, ele conserva sempre o seu lado poético de misteriosa pureza, este aspecto que seduz pelo que nele há de surpreendente e de irreal. E assim se explica que a lírica trovadoresca provençal tenha conseguido fl orescer num meio cristão medieval. O marido tem, pois, um papel moral de entrave, que é funda mento e justifi cação de um amor poético, paradoxal. Ora, no que diz respeito à lírica trovadoresca galego-portuguesa, todos os eruditos e críticos da literatura medieval têm afi rmado

que a «senhor» não é uma mulher casada (1). Deste modo não haveria entrave; e, no entanto, os trovadores portugueses parecem viver uma abstenção ainda mais rigorosa que a dos provençais. Um dos motivos que leva a tal afi rmação é o facto de nunca o trovador fazer alusão ao marido. A este respeito devemos fazer notar que, nas «cantigas de amor», o trovador está sempre só com a sua dor; suspira de amor, indiferente a tudo e a todos, sem jamais dialogar com um amigo ou um parente. Se é certo que não fala do marido da «senhor», é igualmente certo que também não fala de amigos, de pais, de irmãos ou de servos. A cantiga de amor é um longo suspiro que se perde no silêncio da solidão. Em contrapartida, a «cansó provençal» está superpovoada de amigos e familiares, e mesmo de inimigos intrigantes, que procuram fazer obstáculo ao amor do poeta. Sem dúvida que a amada portuguesa vive também rodeada de familiares, de servos, de amigos e até de inimigos; o trovador, porém, ignora-os. «Ele» e «ela» são as únicas duas personagens que povoam as cantigas de amor, enquanto que, nas cantigas de amigo, cheias de frescura e mais próximas da realidade, a amiga aparece frequentemente a dialogar com alguém; e aí nós deparamos com duas senhoras casa das - uma que fala do marido, a outra que fala da fi lha:

... non ous’oj’eu con vosc’a falar ca ei mui gran medo do irado

(CV, 188)

Nesta cantiga de D. Dinis, o marido é tratado de irado, mal-bravo, sanhudo e esquivo. Numa cantiga de Julian Bolseiro, a mãe sente na fi lha um obstáculo aos seus amores:

Mal me tragedes, ai fi lha, Porque quero aver amigo; e pois eu con vosso medo non o ei, nen é comigo...

(CV. 777)

1 Veja-se Rodrigues Lapa, Lições de Lit. Port., p. 144; ou I. Frank, Les troub. et le Port., p. 215.

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A mulher portuguesa, duma maneira geral, teme ser criticada ou condenada pela sociedade; não tem coragem para tal suportar, por isso evita dar escândalo. Mesmo que o marido fosse cruel e tirânico, e ela o odiasse, nunca infringiria ostensivamente os princípios da moral cristã. Estas duas cantigas, no meio das 1247 poesias que compõem a obra lírica dos trovadores, representam uma pequena excepção. Além disso, devemos notar o acento irónico da primeira e o tom de paródia que ressalta na segunda. Notemos ainda que se trata de duas cantigas de amigo; e que em nenhuma das 735 «cantigas de amor» se celebra, uma única vez, os amores ilegítimos de uma senhora casada. Esses amores existiam na realidade, mas só as cantigas de escárnio e maldizer os celebravam. Podemos assim admitir duas hipóteses:

1 - ou a «senhor» era, como a «amiga», uma jovem solteira; 2 - ou o seu amor «hors-mariage» era tão puro que ele não correria nunca o risco de vir a ser um atentado à honra do marido.

5. Como já dissemos, os autores das cantigas de amor galego-portuguesas não fazem nunca alusão ao marido nem a ciúmes; e foi assim que se formou a convicção de que a mulher aí cantada seria sempre solteira.Ora a seguinte cantiga, de Joan Soares Somesso, parece destruir tal convicção:

Ua donzela quizg’eu mui gran ben, meus amigos assi Deus me perdon! E ora ja este meu coraçon anda perdudo e fora de sen por ua dona se me valha Deus! que depois viron estes olhos meus, que mi-a semelha mui mais d’outra ren.

Porque a donzela nunca verei, meus amigos, enquanto eu ja viver, Por esso quer’ eu mui gran ben querer a esta dona, en que vus falei, que me semelha a donzela que vi. E a dona servirei des aqui, Pela donzela que eu muito amei! Porque da dona son eu sabedor,

meus amigos assi veja prazer! que a donzela en seu parecer semelha muit’, e por end’ei sabor de a servir, pero que é meu mal. Servi’ -la-ei, e non servirei al, Por a donzela, que foi mia senhor.

(CA, 377)

Embora seja «senhor» a designação dada habitualmente à mulher, nas cantigas de amor, ela aparece, por vezes, designada por «dona». Num corpus de 20 344 vocábulos (formado pelas 140 cantigas dos nove mais antigos trovadores galego-portugueses) que submetemos a uma análise de estatística lexical, registámos as seguintes frequências:

- senhor: 341 ocorrências - dona: 42 ocorrências - donzela: 8 ocorrências

Na cantiga atrás transcrita, o trovador opõe «donzela» a «dona». Tendo amado uma donzela (que foi sua senhor...), consola-se agora em servir uma dona, por esta muito se parecer com a donzela. Esta oposição faz-nos pensar que «donzela» signifi caria mulher solteira e «dona» mulher casada. Podemos supor igualmente que entre «donzela» e «dona» haveria não uma diferença de estado civil, mas antes de idade; «donzela» signifi caria jovem e «dona» senhora de idade madura. No entanto, há uma cantiga de Afonso X de Castela que destrói esta suposição:

Non quer’ eu donzela fea que à brancos os cabelos

(CE, 7)

Ora ter os cabelos brancos não é uma característica da juventude, mas antes um indício de velhice. Numa das suas poesias, Martin Soares fala de uma «donzela» que foi servir para casa de um clérigo; sugere-nos o que se passou e em seguida emprega apenas o termo «dona»:

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Ua donzela jaz preto d’aqui, que foi ogano un clérigo servir. ………………………………….. E pois a dona Caralhote viu antre sas mãos, ouv’ en gran sabor e diss’ esto: - O falso treedor que m’ ogano desonrou e feriu... (CE, 297)

Aqui, «donzela» poderia signifi car «serva», «criada». No entanto, o seu emprego, no princípio da cantiga, e a sua substituição por «dona», logo que se trata das consequências sofridas, sugere-nos antes a ideia de virgindade perdida. A diferença entre os dois vocábulos poderia assim ser assimilada a uma diferença de estado civil, mas não a uma diferença de posição social. Doutro modo, como se explicaria o seu emprego para designar uma mesma pessoa? Numa outra das suas cantigas, Martin Soares fala de «viúva» e «donzela» e o contexto mostra que o signifi cado a atribuir a «donzela» será o de «virgem». Tanto mais que se trata do rapto e violação duma Jovem:

Netas do Conde, viuvas nen donzela, essa per ren no-na quer’eu leixar! Nen lhe valrra se se chamar mesela, nen de carpir muito, nen de chorar.

(CA, 398)

No provençal arcaico, «donzela» signifi ca «jovem» da nobreza «ao serviço de uma senhora». Matfre Ermengau, no Breviari d’amor, emprega a expressão «dona donzela» para designar a mulher solteira:

Ben pot esser enamoratz, Aman, ab que be l’amour guit, Dona donzela ses marit (verso 27 344)

Na lírica galego-portuguesa há ainda o caso de Joan Ayras de Santiago, que, sentindo-se ameaçado por aquele que casou com uma don zela a quem tinha cantado, pede a protecção do rei de Castela:

Meu senhor de Castela, venho-me vus querelar: eu amei ua donzela por que m’ ouviste trobar; e con quen se foi casar, por quant’ eu d’ela ben-dixi, quer m’ ora por en matar

(CV, 553)

Dos exemplos apresentados somos levados a crer que «donzela» signifi ca mulher solteira e que «dona» seria o termo reservado à mulher casada (ou equivalente). Todavia, a distinção entre os dois vocábulos não é muito clara. Pero Velho, na tenção com o irmão, canta duas «donas»: «Vi eu donas...». E o copista, em nota à margem, escreve: «Esta cantiga fez Pero Velho de Taveiroes e Paay Soarez, seu irmãão, a duas donzellas muy fremosas» (CA, 394). Quer dizer que, na época trovadoresca, a fronteira semântica entre dona e donzela era mal defi nida e os dois termos se podiam atribuir por vezes a uma mesma pessoa.

6. Viria, a propósito do facto de a mulher amada ser casada, fazer uma rápida alusão ao preceito do segredo.É próprio do ser humano o desejo de partilhar com os outros as suas alegrias e tristezas; mas também é verdade que a comunicação destrói o encanto do mistério e a sedução de desconhecido. Por isso os trovadores evitam divulgar o nome das amadas; e, mais que os provençais, os trovadores galego-portugueses souberam observar com rigor o princípio da discrição, ao contrário do que afi rma Rodrigues Lapa (Lições..., p. 144). Para os provençais, o processo é ambíguo pois que utilizam o «senhal», este nome de fantasia que dissimula a identidade da amada. Eles conseguem assim nomear sem revelar, desvendando parcialmente e conservando ao mesmo tempo a atracção do misterioso:

Car lurs noms no vuelh descobrir Per c’ om los pogues apercebre.

Para o trovador provençal, que só cantava os amores da mulher casada e se permitia certas oscilações éticas, até atingir a etapa de drut, já de intimidade, poder-se-ia

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considerar o segredo uma medida de precaução. Não já assim para o trovador galego-português, que vivia o seu amor em adiamentos sucessivos, constantemente diferido, sem nunca passar da fase de suspirante. No entanto, o código da cortesia preceitua-lhe a prática do segredo:

... outro conselho a i d’aver: guardar-se ben de lh’o saber per ren nulh’om nen molher. ca tod’est’en dereito jaz, e se lh’om’aquesto non faz, de mais viver non lh’é mester.

(CA, 30)

O trovador está mesmo decidido a jurar e a mentir, se alguém lhe perguntar o nome daquela a quem ama:

E averei muit’a jurar pola negar, e a mentir, e punharei de me partir de quem me quiser preguntar por mia senhor; que sei, de pran, ca dos que me preguntaren e dos outros m’ei a guardar.

(CA, 28)

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Se a senhora fosse sempre solteira, como se compreenderia tanto rigor? Podemos antes admitir que se tratava talvez de uma medida de prudência, com vista a salvaguardar o bom nome do marido e a evitar os seus ciúmes.

7. Ainda quanto ao estado civil da mulher cantada, temos a citar duas cantigas de amor de Paio Soares de Taveirós. Nesta primeira cantiga, o trovador alude ao casamento da amada, que em breve se realizará, e sofre por ela nunca ter correspondido ao seu amor:

Ca vus faran cedo veer a, por que eu moiro, casar (CA, 34)

A sua apaixonada era, portanto, solteira. Na canção que segue esta no Cancioneiro da Ajuda, a n.º 35, o verbo «casar» foi substituído por «levar», talvez para acentuar melhor o carácter impositivo do contrato matrimonial: a noiva não ia, mas era levada. E os tempos verbais que, na primeira, aparecem no futuro, agora são empregados no passado. Dá-nos a impressão de que estamos diante de um facto consumado: a que cedo casaria, agora já está casada. Notemos ainda que a apaixonada passa a ser chamada «dona»:

Como morreu quen amou tal dona que lhe nunca fez ben, e quen a viu levar a quen a non valia, nen a vaI: Ay mia senhor, assi moir’eu!

(CA, 35)

Paio Soares de Taveirós estava, pois, a dirigir o seu canto a uma mulher casada. Estes dois exemplos levam-nos a crer que o trovador galego-português, ao compor uma cantiga de amor, tanto cantava a mulher solteira como a casada. Vem ainda a propósito recordar que a ama cantada por Joan Soares Coelho (CA, 166) era casada; Fernan Garcia Esgaravunha, na peça satírica em que ridiculariza Coelho por cantar uma mulher do povo, refere-se ao seu marido,

homem trabalhador e bom artista em castrar galos (CE, 130). Notemos que a polémica surgiu por ela não ser nobre e não por ser casada.

8. Como conclusão, podemos afi rmar que, casada ou solteira, a amada da cantiga de amor é sistematicamente alvo de um amor puro, apenas espiritual, que em nada atenta contra a moral estabelecida ou contra as instituições sociais em vigor. Amor que é uma ideia tratada sentimentalmente e que se afasta um pouco da paixão amorosa dos provençais, cantada antes como um sentimento vivido quase sempre intelectualmente. Assim se explicaria esta imagem da «senhor», artifi cial e fria, abstracta, impessoal, incapaz de aceitar o amor que o trovador lhe propõe. Se o amor físico era considerado como indigno da homenagem da poesia lírica, o trovador apenas podia cantar um sentimento angélico, permitido pela moral ascética do cristianismo; e, deste modo, o seu cântico tanto se podia dirigir à jovem solteira como à mulher casada, pois jamais mancha ria a honra conjugal. Se os provençais, com a criação do conceito de fi n’amors, conseguiram introduzir subtilmente a erótica na ética, os portugueses, em contrapartida, parece antes terem introduzido uma ética de abstenção na erótica; pelo que o estado civil da mulher cantada lhes é absolutamente indiferente.

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204 Regresso

Judite Lopes*

Sabia-te perdido nas memórias

fustigadas pelas marés,

na ilharga do pensamento.

Voltas agora nos espirros do tempo

e ergues falésias de ouro

no foguear das lembranças.

Trazes no dorso esteiras de luz

e cascatas de sonhos.

Compões valsas nos umbrais da alma,

como solenes vagidos das águas

que se engalanam de festa

nos flancos da fantasia.

Anuncias teu regresso

no frio silêncio da tarde

como se foras o mar

em aguarela de fogo. *Licenciada em Animação Sociocultural.Autora do livro de poemas Vislumbres.

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205 PELA BEIRA ALTA, NO RASTO DE AQUILINO RIBEIRO

Manuel de Lima Bastos*

Desde que, há uns anos largos, me deu na veneta escrever umas croniquetas sobre a vida e a obra de mestre Aquilino Ribeiro – meu Buda literário e do qual sou bonzo fi el vai para mais de meio século – e há poucos meses uma obrinha minha, que titulei À Sombra de Mestre Aquilino, foi achada digna da distinção de receber o Prémio Literário da Ordem dos Advogados 2009 saindo, com pasmo meu e da editora, em segunda edição cinco meses após a primeira, não foram uma dúzia nem duas os fulanos que me contactaram dizendo ignorar a obra do escritor mas, confessando-se despertados pelo meu texto, pretendiam que os aconselhasse por onde começar a sua leitura. Não precisei de grande refl exão e sugeri que, antes de se embrenharem pelas grandes obras do escritor que marcaram os cumes literários do século passado e até de toda a prosa em língua portuguesa, se iniciassem com o livro Geografi a Sentimental que Aquilino, então com quase sessenta e seis anos, escreveu em 1951 como sempre em edição da Livraria Bertrand. Trata-se de um regresso do homem e do escritor, quase na velhice, aos sítios onde nasceu, se fez gente e transpôs

nos lances mais diversos e prodigiosos para a vastíssima obra literária quer na crua realidade quer transfi gurados pela paleta caleidoscópica da imaginação. Essa peregrinatio ad loca sacratissima de toda a vida – Aquilino sempre esteve ligado em presença física à sua Beira Alta – ensina-nos os nomes de montes e serras, vales e chãs, rios e ribeiros, personagens maiores e fi guras sem relevo com quem privou ao longo da sua existência. A Geografi a Sentimental tem até por essa razão o subtítulo revelador de “história, paisagem, folclore”. Na dedicatória a João Pereira da Rosa, director na época do desaparecido jornal de grande infl uência e circulação O Século – o qual uns anos mais tarde lhe pagou a pesada fi ança que exigiram ao escritor para não ir preso e poder aguardar em liberdade pelo desfecho do processo que lhe moveram por ter escrito o romance Quando os Lobos Uivam e acabou por dar em nada – pode ler-se a frase deliciosa, em português vernáculo, que parece ter sido escrita pela pena vagarosa de algum literato setecentista da província portuguesa e na qual Aquilino anuncia o teor do livro: silva romântica de lugares, seres e coisas da Beira onde tenho umas árvores para gozar a sombra. Por isso, quem não for vesgo do juízo, com a leitura da Geografi a Sentimental vai fi car a conhecer uma boa parte, seguramente a mais importante, do habitat onde se move o prosador o que lhe permitirá conhecer, e por vezes identifi car,

*Advogado. Devoto Aquiliniano

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os lugares e as gentes que aparecem nas obras maiores ainda que de fi cção. Nesta croniqueta, embora de forma necessariamente abreviada, junto a minha própria peregrinação repetida vezes sem conta à peregrinação do Mestre de há sessenta anos relatada na Geografi a Sentimental, com o intuito declarado de facilitar o trânsito pelas terras do demo da Beira Alta a quem a tal empresa se propuser e, apesar da actualização do roteiro, procurando sempre não perder o rasto da sombra fugidia do mestre da língua que ainda hoje por lá pervagueia para quem tiver abertos os olhos do entendimento e do coração. Ao longo destes últimos dez anos muitas vezes me têm pedido que ponha o boné e vista a fardeta de cicerone pelos lugares e caminhos velhos da Beira aquiliniana embora com as reservas de merecer a honraria. O certo é que, em dezenas de passeatas, já lá levei passante de duas centenas de curiosos por minha própria conta e sem ninguém me encomendar o sermão. Penso que boa parte alguma coisa da obra do escritor foi depois ler e isso me basta. Esclareça-se que tudo o que fi gura em itálico provém da pena de Aquilino e da referida obra Geografi a Sentimental na sua quase totalidade.

Na sua peregrinação parte o escritor da mesteiral e formiguenta Rua do Arco na cidade de Viseu. Na minha própria peregrinação vou começar por outro lado imposto pela comodidade das novas vias mas sempre na peugada de Aquilino e sob a protecção do seráfi co padre S. Francisco cuja companhia benigna o Mestre não dispensava para chegar a bom porto, não fosse o diabo por lá tecê-las e apesar de se declarar materialista. Senhores, eu sou materialista e aguardo o fi m com serenidade, afi rmou algures segundo o amigo e escritor Manuel Mendes. Seria...? pergunto eu. Então que pensar de quem, pela força única da palavra incomparável, nos leva a sentir as mais puras emoções estéticas e a experimentar, como se nossos fossem, os mais profundos e extravagantes sentimentos e estados de alma se ao princípio não tivesse sido o Verbo? Panteísta era de certa certeza pois ninguém, em toda a literatura pátria, como ele conheceu e se impregnou das paisagens, dos bichos e da fl ora do território beirão. Carrega-se o berço às costas como uma geba! – a frase é de Aquilino. E para o teatro do mundo que é a sua obra genial trouxe, ora em drama ora em comédia (quando não era em farsa) todo esse cenário a servir de pano de fundo ou mesmo lado a lado com a inevitável comparsaria humana. Para quem vem do litoral deve seguir a auto-estrada A-25 e, já perto de Viseu, infl ectir para a A-24 que cruza de lés a lés o árido planalto da Beira Alta na direcção norte e permite o acesso rápido e cómodo a Lamego, Régua, Vila Real, Chaves e ao noroeste peninsular. Tomando, após três escassas dezenas de quilómetros, a saída para Castro Daire mas seguindo no sentido inverso para nascente em direcção a Vila Nova de Paiva, poucos minutos depois entramos na zona planáltica onde começam as terras do demo e, a partir daqui, pisamos chão aquiliniano. Prestemos atenção às pequenas povoações que a estrada vai cruzando e que se nos tornarão familiares ao ler a obra do Mestre: S. Joaninho, donde provinha o capador famoso a quem o escritor deu vida, Vila Cova a Coelheira que teve (e não sei se ainda tem) banda musical que dava cartas nas romarias de ano em despiques que não raro acabavam com número considerável de cacholas rachadas, logo a seguir Pendilhe que bem merece que deixemos a comodidade do tapete de asfalto e percorramos umas poucas centenas de metros por um caminho visigótico de carro de bois para apreciar a sua famosa orca ou mamoa por enquanto em bom estado de

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conservação. E já não falta muito para que se divise ao fundo o casario remoçado de Vila Nova de Paiva, cabeça de concelho que há umas três dezenas de anos não passava de povoado humilde parado no tempo mas que os dinheiros da União Europeia transfi guraram como aliás aconteceu um pouco por todo o país. Entrados na vila recomendo – como se diz às crianças – muito cuidadinho ao falar com estranhos não vá um deles ser o António Malhada, dito Malhadinhas, almocreve que vendia e comprava tudo o que lhe pudesse render uns vinténs, contador de histórias ao borralho da lareira ou na taverna que enfeitiçava quem o ouvia até ser noite velha e cantar o galo na capoeira mas que, às suas horas, tinha maus repentes e não se persignava antes de enfi ar a naifa no bucho dum paroquiano criado na lei cristã se lhe faltasse com o respeito devido. Pelo menos é o retrato que dele fez Aquilino Ribeiro e não tenho razões sérias para duvidar. Já com os dias quase cheios e mais de dois carros de anos a pesar-lhe no lombo veio ao de cima a tineta de fi lósofo: quando por aqui me vêem de taverna em taverna a matar o bicho ou com ares de andar à sirga, é a safar-me do vespeiro das saudades. É novamente o escritor quem o conta. Ainda conheci o pardieiro, demolido há poucos anos, que foi a sua casa no centro da vila que teve o nome de Barrelas e passou a chamar-se Vila Nova de Paiva no último quartel do século XIX quando foi elevada a cabeça de concelho em detrimento da vizinha Fráguas. Aquilino nunca engraçou com a modernice do nome que achava ajudengado. Voltaremos a Vila Nova de Paiva mas antes vamos dar um salto, curto como salto de pardal, aqui mesmo ao lado. Na estrada para Viseu, dois ou três quilómetros depois da saída da vila, posso recomendar, se já forem horas de um vivente se dedicar à santa trincadeira (na expressão do escritor), uma estalagem ou pousada cujo nome agora não me vem à memória nem interessa pois não há outra e onde se pode comer e beber muito decentemente e a preços razoáveis sem se ser cardado à tripa forra como acontece habitualmente nas casas de comedorias do litoral. Nas bebidas aconselho vivamente os vinhos e o champanhe que designaram apropriadamente de Terras do Demo por serem naturais da zona que rodeia os rios Távora e Varosa, sobretudo o champanhe bruto feito apenas com a

casta malvasia fi na, e que não demanda bolsa de argentário para o poder saborear pois o custo é perfeitamente moderado e acessível a quem o dinheiro não fi zer falta para pão ou para jogar nos diversos jogos da Santa Casa e, deste modo, candidatar-se a fi car rico sem ter de cuspir às mãos. Dizia Aquilino que desconfi ava do carácter de quem não se compraz com os honestos prazeres da mesa e que a própria Igreja Católica Apostólica Romana, nossa mãe espiritual – mesmo dos que estão com um pé dentro e outro fora quando não são os dois que estão ao relento na noite teológica – é mais que tolerante com um único dos pecados capitais: a gula. E até só me lembro de Dante, na Divina Comédia, despachar glutões para o inferno ou o nosso Gil Vicente fazer embarcar ad infera os que na alfândega do outro mundo apresentavam excesso de peso resultante do uso imoderado de feijão com salpicão, orelheira e tromba do bicho que se cria a farelo e lavagens para nossa altíssima recreação mas que os hipócrates fundamentalistas nos proíbem terminantemente reduzindo-nos à condição triste de mastigadores, da espécie dos grilos, de alface e coisas do género para podermos vaguear mais uns anos por este vale de lágrimas a incomodar o próximo. Aqui perto pode visitar-se a orca de Queiriga, freguesia do concelho de Vila Nova de Paiva, que é o monumento neolítico mais estimável desta região e supondo que o difícil acesso estará resolvido mercê das obras que estavam em curso. Também muito perto daqui fi ca a freguesia de Fráguas, antiga cabeça de concelho, a qual perdeu essa qualidade a favor da nova sede concelhia criada em 1883, décadas depois da reforma administrativa de Mouzinho da Silveira. A terra, se pequena era, passou a ser insignifi cante com a perda do cabeçalato e os habitantes – conhecidos amigavelmente e sem sentido depreciativo como “carapucinhas” – ainda hoje recordam o agravo e esquecem o mandamento que ordena perdoar a quem os ofendeu na sua prosápia. Por aqui discorre o rio Paiva que Aquilino considerava o rio mais trutífero do universo apesar das malvadezas que o serrano lhe fazia para, vez por outra, obter as proteínas que das suas águas piscosas retirava para se alimentar, não hesitando em utilizar a coca, o trovisco, a dinamite e outros meios bárbaros nos fundões onde as trutas, as bogas, os bordalos, os escalos e as eiroses se acoitam e até esvaziando os pequenos açudes

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para a pescaria lhes vir parar às mãos sem mais canseiras e a bragas enxutas. Ainda hoje nesta povoação, e creio que junto a uma ponte romana, se pode ver um moinho de pisões que, na realidade, não era um moinho mas um sistema de martelos de madeira que, movidos pela força da água (à semelhança dos verdadeiros moinhos para moenda do cereal e daí o uso impróprio do nome) pisavam dias a fi o a lã tal como saía do corpo da ovelha ou do carneiro para se produzir um tecido grosseiro chamado burel que era utilizado para vestuário e mantas, em particular para as famosas capuchas, agasalho único da serranada para os dias inclementes do inverno. De modo que a lã, impregnada da gordura natural produzida pela pele do bicho e batida nos pisões, resultava num tecido mais que primitivo mas perfeitamente impermeável à chuva, ao vento de cantaril que corta como navalha de barbeiro e à neve ladroa, aquela que é tão fi na que insidiosamente consegue entrar pela nesga do mais pequeno orifício e enregela o corpo e a alma de um vivente. Tinha um pequeno problema: ao fi m de algum tempo a gordura animal da lã do tecido começava a apodrecer de modo que exalava uma tal fedentina que só o nariz do serrano conseguia suportar. Mas queria lá saber! Com o corpo tapado quase até aos pés e a cabeça de pelo hirsuto, semelhante a bicho montesinho, coberta como frade capucho, podia ganir o suão por todos os foles do inferno e a neve amontoar-se à sua volta que a capucha mantinha-o quente e permitia que saísse a tratar da sua vida longe do calor da pedra lar, fosse para virar as águas no tornadoiro que iriam merujar a leira que dava a erva para o gado e por mor da qual tanto matava como morria, fosse para sair como trasgo pela noite velha, cozido às paredes, fazer a sua patifaria ao vizinho com quem tinha dares e tomares e a qual nem ao padre confessaria à hora da morte. Diz Aquilino que muito antes da civilizada Inglaterra ter inventado este género de agasalhos, ditos “waterproof”, muitos séculos antes já os serranos beirões tinham obtido resultado equivalente com as suas capuchas medievais. Por isso é interessante e instrutivo visitar o moinho de pisões em Fráguas, dos poucos que ainda existem no rio Paiva e que tem sido conservado para recreio da raça em vias de extinção que é a dos curiosos destas coisas. Voltemos outra vez a Vila Nova de Paiva porque todas

estas pequenas voltas não representam mais que meia dúzia de quilómetros. Mas a conversa agora fi a mais fi no que o burel dos pisões – embora continue a produzir odor pouco agradável – porque vamos conhecer o famoso juiz de Barrelas, o tal das meias amarelas. Aquilino Ribeiro ao longo de toda a vastíssima obra que, não precisando de contar pelos dedos, o escritor computava em mais de meia grosa os trabalhos que traziam o seu nome ao alto, sempre foi por si próprio, e pela voz humilde dos seus conterrâneos, extremamente crítico com a magistratura judicial da sua época, isto é, do último quartel do século XIX até meados do século passado bem como da restante tropa fandanga que lhe está associada desde escrivães de direito, ofi ciais de diligências, meirinhos e naturalmente delegados do Ministério Público. Reportava-se à província portuguesa mais desprotegida do ponto de vista económico e cultural, não generalizando nunca porque, como em tudo na vida, há sempre excepções que é hábito dizer honrosas - e por isso são excepções - e associando à função de administrar a justiça os demais servidores públicos (funcionários da Fazenda, das câmaras municipais e outros) que considerava como um corpo social que tinha por objectivo, com o beneplácito do Estado e das leis que este produzia, cardar o serrano em geral e viver à custa da barba longa do trabalho do servo da gleba que era o camponês, reminiscência viva do irmão medieval que, além de impiedosamente explorado, continuava a ser o animal de carga que sempre fora para o serviço dos possidentes. Recordo que o escritor refere que a praga mais contundente que o serrano rogava ao vizinho com quem andava de candeias às avessas era esta: QUE A JUSTIÇA TE CAIA EM CASA! O que tem o signifi cado óbvio de uma experiência que se perde nos alvores da mais alta Idade Média, se é que já não vinha de tempos mais recuados como memória estratifi cada no inconsciente da população rural, ligada à feroz exploração dos mais pobres e mais incapazes de se defenderem mercê do condicionalismo que os amarrava à terra de forma esclavagista uma vez que serviam apenas para produzir os bens alimentares de que os senhores e seus dependentes necessitavam e para morrerem nas pendências das guerras que aqueles travavam regularmente entre si. Já na obra monumental O Romance de Camilo em três substanciosos volumes o escritor chama ao proscénio um tio-avô do romancista biografado (e fraternal obreiro das letras

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uma vez que ambos viveram durante as suas vidas apenas dos proventos aleatórios e precários da escrita) que foi corregedor em Viseu e gozava da depreciativa alcunha de Brocas como toda a parentela de Vila Real. Os Brocas (o corregedor de Viseu não era excepção) tinham grande difi culdade em distinguir o que era seu do alheio quer nas relações familiares com os mais desprotegidos como o próprio Camilo e sua irmã, menores à época e que se viram miseravelmente espoliados da herança paterna, quer nas relações com estranhos que se punham à mão de semear das unhas rapinantes de tal corja. Do Brocas corregedor de Viseu conta Aquilino o lance espantoso: determinado labrego das serranias vizinhas teve a sorte de sair triunfante de demanda de alguma importância que tinha sido julgada pelo referido magistrado. Agradecido, resolveu ofertar ao Brocas uma vitelinha mamota de poucos meses mas o raio do animal, ao ser separado da mãe vaca, fez tal chinfrineira que o demandante vitorioso resolveu levar ambas consigo na viagem até à casa do corregedor em Viseu como modo de sossegar a fi lha e poder regressar a penates com a mãe pela arreata. Sendo raro ir à cidade, capital do distrito e babilónia desmesurada para os seus cinco sentidos de campónio, pensou aproveitar a ocasião para comprar umas coisas de que carecia pedindo à criada do Brocas que o atendeu que o deixasse recolher a vaca e a vitelinha nos currais instalados no piso térreo da residência do fi gurão enquanto ia tratar da sua vida e logo viria levantar a mãe deixando a fi lha como presente para Sua Excelência. Quando se propunha empreender a viagem de regresso e pediu à criada que lhe devolvesse a vaquinha, recebeu da serventuária a resposta do Brocas: quem dá a fi lha, dá a mãe! E que se pusesse na alheta sem mais demora pois o que merecia era que o tivesse deixado espernear na forca mas que não abusasse da sorte se queria chegar a velho. E já nos estábulos o cortador, chamado às pressas, acabava o trabalho de reduzir os dois animais à útil condição de bifes para regalo gastronómico do Brocas meritíssimo corregedor de Viseu e da clientela do talho a quem vendeu o remanescente da carniça das duas reses. Aí fi ca o retrato do magistrado pintado por Aquilino Ribeiro mas, para a história ter um fi nal feliz e para os mais timoratos não descrerem da justiça de El-Rei e poderem dormir a sono solto, diga-se que o Brocas acabou mais tarde julgado e expulso da função. Valha-nos ao menos isso!

Estando de novo em Vila Nova de Paiva, vamos até ao largo do Carvalhal que ainda hoje conserva as carvalhas frondosas do tempo do Malhadinhas e do juiz de Barrelas, o tal das meias amarelas, onde se realiza a feira de mês. Suscita alguma admiração o facto de Barrelas, à época terreola insignifi cante, pobre e miserável a mais não poder ser, dispor de juiz quando quase ao lado fi cava Fráguas, sede do concelho. Aquilino aventa a explicação possível do juiz cujo nome não é declarado daí ser natural e residente sendo certo haver mais um magistrado em Fráguas mas este juiz dos orfãos. Devo declarar que conheço muito pouco da organização judiciária da segunda metade do século XIX mas pelos dados que fui colhendo, um aqui outro além, existiria o juiz residente na área da sua jurisdição e que suponho corresponder ao juiz pedâneo. Isto é, o juiz que administrava a justiça deslocando-se à pata pelas póvoas e almuinhas da zona que lhe competia mas se a expressão ferir a sensibilidade dos leitores mais mimosos e dos que receiem que esse modo de locomoção possa deslustrar o nobre ofício, não me custa nada substituí-la pelo seu equivalente erudito de que o julgador marchava “pedibus calcantibus”. A par do juiz pedâneo existia o juiz de correição, também designado por juiz de fora, imagino eu que seria por exercer a função de fi scalizar ou corrigir os “de dentro”. O juiz de Barrelas, o tal das meias amarelas, pertenceria aos de dentro ou pedâneos e seguramente de categoria inferior à daqueles outros. Isto foi o que pude inferir embora sem a garantia de exactidão. A sentença que o tornou famoso foi proferida no seguinte caso: tinha o juiz de Barrelas uma amásia na terra (que ignoro se era casada ou livre de se entregar a quem lhe aprouvesse) que, por razões que só ambos conheceriam, visitava com recato e por altas horas da noite. De uma das vezes em que regressava a casa depois de se ter dedicado a tais actividades salafrárias, embiocado na capucha e cozido com a sombra dos muros velhos, deu-se conta de barulho de rixa entre dois homens e, como o luar iluminava o local, pode reconhecer os contendores. Não era nada com ele e, ala que se faz tarde!, raspou-se sem mais aquelas para casa a enfi ar-se nas mantas de papa da cama que fazia um taró de rachar pedras. Ao raiar da alva pressentiu vozes pelos quelhos da terra que anunciavam morte de homem. No dia seguinte Barrelas inteira apontava o dedo acusador

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a certo fulano de há muito inimigo jurado do morto por uma questão de águas e não eram um nem dois os que juravam a pés juntos tê-lo visto perpetrar o crime - como é costume nestes casos - embora o juiz soubesse perfeitamente que o acusado estava inocente mas tendo a consciência exacta de que não podia utilizar esse conhecimento quer pelas circunstâncias quer pela função que exercia. No dia do julgamento, realizado provavelmente numa loja térrea desimpedida da tralha usual, pastos, alfaias e animais irracionais para que os outros animais que se fazem passar por racionais a ocupassem, a populaça exigiu em coro que o réu sofresse condenação exemplar. Não lhe sendo humanamente possível contrariar, se tinha amor ao pêlo, a vox populi, o juiz de Barrelas, o tal das meias amarelas, proferiu a sentença assombrosa que deveria fi gurar em todos os manuais da ciência criminal como exemplo de decisão justa, salomónica mas impenetravelmente sibilina e de que transcrevo a versão aquiliniana: vi e não vi; sei e não sei; corra a água ao cimo; deite-se fogo à queimada; dê-se laço em nó que não corra. Por tudo isto e em face da plena prova do processo constante, condeno o réu na pena de morte mas dou-lhe cem anos de espera para que possa arrepender-se dos seus pecados. Cumpra-se. Juiz de Barrelas.

Mas a coisa não fi cou por aqui. Os senhores desem-bargadores da Relação do Porto consideraram o decidido tão bizarro e incompreensível que ordenaram que o juiz de Barrelas viesse, em pessoa, dar-lhes as explicações necessárias pelo que se ordenava que fosse notifi cado para comparecer sem demora e justifi car a sentença. Foi despachado um meirinho para a troglodita paragem que, a julgar pelo que ainda pude apreciar há uns bons quarenta para cinquenta anos, não passava dum correr de casas térreas em lôbrego granito edifi cadas ao longo da estrada que vem de Viseu e vai entroncar com a via principal que, de Trancoso, aponta a Lamego. A excepção arquitectónica de maior relevo na terra era a “Casa do Brasileiro” assim chamada suponho que por ter sido mandada edifi car por embarcadiço de torna-viagem que, regressado rico do Brasil, teve o desfastio de custear a construção dispendiosa em estilo “arte nova”, talvez por fi nais do primeiro ou princípios do segundo quartel do século passado e hoje em estado de acentuada degradação. Entrou o núncio dos senhores desembargadores do Porto na terreola castreja e, como não visse ninguém, foi subindo

a estrada que a atravessa até deparar com um homenzinho de suíças ruças desgrenhadas, mostrando as meias de um amarelo raivoso a sair dos socos com testeiras de ferro, sentado no cabeçalho de um carro de bois do tempo do rei Recesvinto, o de boa memória, a debulhar placidamente umas maçarocas de milho. Perguntou-lhe com alguma acrimónia: - Homenzinho de Deus, sabe dizer-me onde mora o juiz de Barrelas? O homenzinho de Deus retorquiu-lhe ainda com mais placidez: - Pois continue a subir a estrada até lá acima no alto. Dê a volta e desça. Logo que encontre um homenzinho sentado no cabeçalho de um carro de bois a debulhar umas maçarocas de milho calçando meias amarelas, esse é o juiz de Barrelas. O meirinho caiu em si, deu-se conta da descortesia, desculpou-se como soube e como pode e cumpriu o mandado. Na data determinada, embrulhado na capucha, o juiz de Barrelas, sempre com as meias amarelas, apresentou-se perante o concílio dos desembargadores da Relação do Porto que não sei se eram sete como os sábios atenienses mas de certeza que não fi cavam a perder para estes no confronto intelectual. Mandaram entrar o juiz de Barrelas e observaram espantados a fi gura bizarra envolvida no burel da capucha. Nem lhe ofereceram assento e perguntaram-lhe o que lhes acudiu à cabeça. Antes de lhes responder, o juiz de Barrelas tirou a capucha, calmamente dobrou-a ao meio pela costura, dobrou-a em quatro e voltou a dobrá-la em oito. Após o que a colocou no chão como se fora uma espécie de tamborete e nela tomou assento dando as explicações que os catões portuenses lhe requereram. Quando já se retirava, um dos desembargadores fez-lhe “psst! psst! leve essa coisa, homenzinho!” apontando para a capucha. O juiz de Barrelas olhou-o olimpicamente do alto da sua dignidade curul e retorquiu-lhe: - O juiz de Barrelas não tem por hábito levar consigo a cadeira onde se sentou! Ora aí fi ca a vera história do juiz das meias amarelas que apenas em parte vem contada por Aquilino na Geografi a Sentimental. O resto anda esparso por outros livros do escritor que já não recordo quais são mas, como vou tendo memória razoável, acudiu-me sem esforço ao bico da pena electrónica.

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Resta deslindar o mistério das meias amarelas: o escritor plausivelmente infere que foram trazidas para a história pelo gosto que os contadores de casos que extravasam do quotidiano, e os seus ouvintes, sempre tiveram pelas palavras rimadas nem que para isso tivessem de alterar a história com peta ocasional confi rmada assim que, quem conta um conto, acrescenta um ponto. Julgava eu – mal, pelos vistos! – que despachava esta Pela Beira Alta, no rasto de Aquilino Ribeiro numa só croniqueta com uma perna às costas. Já dei conta que me enganei redondamente pois o rasto do Mestre ainda não saiu de Vila Nova de Paiva, a primeira comarca a aparecer-nos neste roteiro, e a procissão não passou ainda do adro. Começa-se a puxar pela ponta do novelo e nunca se sabe até onde ele estica. A verdade é que falta ainda fazer muito do caminho que o escritor percorreu, fosse a bater as perdizes e as lebres, fosse no engodo de saias, fosse a mirar com olhos de enamorado os altos das serras ou as funduras dos vales da sua, e também minha por adopção, Beira Alta. Teremos ainda que palmilhar muita légua nesta peregrinação que terá de discorrer, para ser verdadeira, por Sernancelhe, Moimenta da Beira, Lamego e Viseu que são, no todo ou em parte, territórios integrantes das terras do demo.

E talvez se imponha também que se dê um salto, calçando as botas das sete léguas, a Paredes de Coura, lá no Alto Minho, por causa da Casa Grande de Romarigães cuja paisagem fi cou a morar no coração do Mestre lado a lado com as paisagens beirãs, estas bafejadas pelo amor de toda a vida e aquela pelo amor serôdio que desponta quando o sol já baixa para o ocaso. Não dando de momento a encomenda para mais, vamos fazer um alto aqui por Barrelas, perdão!, Vila Nova de Paiva onde, estando nós em Janeiro, pelas noites frias e compridas haverá um belo luar estanhado que deve trazer os gatos e as gatas por cima dos telhados de cabeça perdida. Não terão a companhia nocturna do juiz das meias amarelas que, tocado pelo mesmo luar, saía à procura de fêmea tão assanhado como a gataria. Mas como, além do luar, também é o mês das janeiras, aqui vim eu cantá-las a mestre Aquilino que se orgulhava de ostentar este perfi l: Eu sou um artista rude, fi lho da minha serra. Quero a minha obra a rescender ao tojo e ao burel azeitado quando torna dos pisões. Que o escritor tenha um bom ano onde quer que se encontre. Assim seja.

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212 FALA DA NOIVA DO EMIGRANTE

Roxa é a ferida

e também a cicatriz,

roxa é a nuvem

que passa e não me diz

onde pára o meu amor,

que país

o acolheu

e lhe deu

o que a pátria dar não quis.

* Nasceu em 1957, no Porto, onde completou os seus estudos universitários e exerceu a docência. Publicou vários livros de poesia (os últimos intitulam-se Abrasivas e Elucidário de Youkali seguido de Ordem Alfabética), múltiplos títulos na área da literatura para a infância e uma antologia da poesia de Carlos de Oliveira. Três dos seus livros foram premiados.

João Pedro Mésseder*

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213 RELATOS DE VIAGENS

Maria do Carmo Vieira*

Viajar, escrever, dar a ver e a ler, reproduzir e informar são dinâmicas afi ns, que pressupõem o interesse e o conhecimento de novas realidades e identifi cam as narrativas de viagens do Tempo das Descobertas e séculos seguintes. O viajante é, neste caso, um padre da Companhia de Jesus, António Gomes, que percorre o riquíssimo Império de Monomotapa (África Oriental), fazendo «assistência nas «ditas terras», durante alguns anos. Dessa experiência, garantia das verdades transmitidas, resulta uma carta,(1) datada de 2 de Janeiro de 1648, que se inclui no género das que eram escritas e enviadas por dever ao Superior, em cujo relato se combina a acção apostólica com as curiosidades reclamadas por religiosos e leigos, numa ostentação diversifi cada de conhecimentos. Com efeito, os missionários empenhavam-se em alargar e desenvolver os seus relatos, testemunhos de uma acumulação de conhecimentos e de uma actuação

multifacetada, em que se incluíam não só a experiência apostólica, como todos os aspectos da nova realidade vivida e atentamente observada, «socializando o saber individualmente adquirido».(2) Um saber acumulado, proveniente não só do acto de «ver», mas também do «ouvir dizer».

Satisfazendo a curiosidade do destinatário,(3) e dos potenciais leitores da sua carta, situação que era vulgar, como temos conhecimento através de diferentes testemunhos,(4) o Padre António Gomes ocupa uma parte substancial do seu texto com as ciências da natureza, em função do interesse manifestado ou da sua utilidade, valorizando, entre outros saberes, a farmacologia, a botânica e a zoologia, esta última dividida nos seus três meios: terrestre, aéreo e aquático. Na sistematização dos diferentes conhecimentos, desenha-se

(1) Intitulada «Viagem que fez o Padre António Gomes, da Companhia de Jesus, ao Império de Manomotapa; e assistência que fez nas ditas terras de Alguns anos». Revista Studia Nº 3, Lisboa, C.E.H.U., Jan/1959, p. 155-242.

(2) João Rocha Pinto, A Viagem Memória e Espaço. Lisboa, Sá da Costa, 1989.(3) Padre João Marachi, religioso da mesma Ordem, sócio do Provincial em 1647, em Goa, capital do Estado da Índia.(4) Um exemplo é a carta de «Frei Ludovicus Frois S.I Sociis Conimbricensibus,Goa 1 Decembris 1552, Secunda Via»: «As cartas que de Portugal vieram,assim desse colégio como do Brasil, no ano de 52, sobremaneira nosalegraram, e ouve com elas assás de fervor. Na noite que chegaram se leramcom campaínha tangida até à uma depois da meia-noite e no refeitóriotodos os dez dias seguintes; e logo, tresladado o sumário delas, forammandadas à China e Japão, Maluco e Malaca, e todas as mais partes dondeos, Padres nossos andam. E se soubésseis, caríssimos, quanto cá soamasnovasque de lá vêm, e quanto o povo além dos Irmãos as deseja e cobiça [...]». Cf.Josephus Wicki, op. cit., vol. III, p. 488.

* Licenciada em Filologia Românica, mestre em Literatura de Viagens e Professora do Ensino Secundário. Tem vários livros publicados sobre ensino e viagens; em 2010 publicou o Ensino do Português, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa.

Foto de Clara Azevedo

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um saber sobre as palavras e sobre as coisas que se arquiva em descrições, com uma fi nalidade didáctica e pedagógica. Espectador, pintor e juiz, o descritor utiliza processos vários para uma melhor visualização e compreensão da realidade focada, como o apelo a sensações, o pormenor descritivo, o paralelismo:

«[...] o arvoredo que há nelas [nas ilhas] são Jangomeiras, não são árvores grandes, a fruita arremedam a ameixas, só têm dentro três ou quatro pivides, tamanhas as piquenas dos marmelos, em lugar de caroço podem ter lugar entre as boas ameixas de Europa [...]»;

«[...] as palmeiras se dão por toda esta costa, mais fermosas e viçosas, que as da Índia[...]»;

«[...] o linho [...] dá-se tão viçoso como nos campos de Santarém [...]»;

«Outros pássaros maiores, tamanhos como estorninhos, se vestem de amarelo as asas assombradas, de vermelho, e azul, com que fi cam tendo muita variedade».

Destaca-se igualmente o recurso a termos nativos para designar aspectos da realidade africana, desconhecidos para o destinatário:

«Nhumbo que casta de animal é.[...] Os Nhumbos são fermosos ginetes castanhos [...]»; «Outro animal que chamam os cafres chy pembere, que é a abada, este animal é grande, quasi como um cavalo marinho [...]».

Na descrição minuciosa de alguns dos animais, individualizados pela sua estranheza de aspecto, ou de comportamento, o Padre António Gomes recorre à comparação

Carta com o Império do Monomotapa e Estados vizinhos

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com o já conhecido, de forma a permitir a visualização do seu aspecto, como no caso do cavalo marinho: «monstro composto, a testa e orelhas, é de cavalo [...] a tromba, e nariz é de touro, o corpo é de porco [...]abre uma boca tão grande, que pode estar em pé o maior homem que há sem tocar no queixo [...] e assi a cabeça é disforme [...]». Ao serviço da terapêutica e apoiando-se nos testemunhos de indígenas, António Gomes enuncia, em discurso indirecto, as propriedades curativas que são atribuídas a alguns animais e espécies botânicas. Nesse sentido, indica as presas dos cavalos-marinhos para «os melenconicos, e froixos de sangues»; as unhas, o sangue, a pele, os dentes e a carne do «chy pembere» para «cameras colicas ettrª»; uma erva, a que por desconhecer o nome, designa por «pau de postema», em função do mal que alivia, para resolver «doenças interiores [...] toda a postema interior»; a água de bambu para fazer «sair o sangue pera fora, sem corrupção no interior», e a virtude dos dentes do «peixe mulher», sem, no entanto, especifi car a sua aplicação, mas advertindo que não podem ir ao fogo para não perderem as qualidades medicinais. Ostenta ainda o carácter de homem prático ao explicar o modo como os naturais tratam das feridas provocadas pelas farpas das frechas, temática catalogada «Feridas e como as curam». Pormenorizadamente e com uma função utilitária se descrevem as diferentes fases do tratamento, pondo em destaque a efi cácia do azeite: «[...] enxugam a ferida muito bem [bezuntam] de azeite», operação que continuamente se vai repetindo junto ao fogo; com a ajuda de uma pena de pássaro e de azeite quente, que entornam sobre a ferida, conseguem puxar as farpas; se aquela for profunda desinfectam-na com água de bambu. Com a mesma preocupação de ensinar, que domina o discurso, descreve o modo de fazer o azeite a partir de uma casta de abóbora que os nativos denominam de «matequites», ou o «pombe», vinho obtido da farinha de milho, ou ainda a manteiga, elucidando, com a correspondente europeia, algumas das ervas que vai citando: «O Pê, de cabra que há pelas Praias do mar, e dos Rios, [...] se tem averiguado, que é a salsa [...]». Gradualmente se vai construindo e ampliando todo um saber que pressupõe a observação, a recolha de informações, a anotação de apontamentos e da tradição e o fazer de perguntas. Pela escrita se representa e revela a realidade vista, ou ouvida contar, misturando-se descrições exactas com fabulação, observações relativas ao uso virtuoso de

alguns animais e plantas na medicina. Ao chamar a atenção para a efi cácia do uso medicinal que os naturais fazem de extractos de plantas, o autor reconhece a validade desse saber tradicional, que indirectamente adquire e assume sem discussão, traduzindo a sua opinião autorizada no elogio superlativo que lhes faz: «grandíssimos ervalarios, têm ervas, e raízes tão efi cazes que não pode mais ser [...]». E assim como lamenta o sub-aproveitamento da terra, em relação ao povoamento, também se admira com a falta de curiosidade que desperdiça as dádivas da natureza em ervas tão procuradas nas boticas, pelo seu efeito medicinal, como é o caso do «senne», da «língua de vaca e almeirões, que enchem os campos, e do «pé de cabra», que se encontra em praias, rios e lagos. Ao «vi», pessoal, persuasivo e directo, junta-se o «diz-se», de carácter colectivo e anónimo, fonte indirecta de saber, testemunho em segunda mão. O enunciado «[...] eu andava para ver isto com os meus olhos [...]» parece-nos esclarecedor da dicotomia ver/(ouvir) dizer, a que se associa, respectivamente, verídico e verosímil. Ambos os verbos funcionam como autoridade, mas em graus diferentes. O novo saber, de carácter empírico, expresso na divulgação da realidade africana da zona oriental, valoriza, pois, como método a experiência sensível, resultante do contacto directo com a natureza. Uma dinâmica capaz de assegurar a veracidade das novidades descritas, anulando as dúvidas que algumas delas, pela sua estranheza, possam suscitar no destinatário. Assim, ao longo do seu discurso, o Padre António Gomes salienta o primado do sensível, do ocular, ostentando, frequentemente, enunciados relativos à sua experiência pessoal e observação directa, reforçados com expressões de tempo e de quantidade que certifi cam as situações e os conhecimentos transmitidos e que, simultaneamente, implicam um saber acumulado e uma multiplicação de experiências, que o facto de viajar favoreceu: «[...] eu pela experiência de tantos anos [...]»; «[...] eu como tinha alguma experiência [...]»; «[...] eu andava para ver isto com os meus olhos [...]». No próprio quotidiano do indígena se recolhem exemplos que testemunham a efi cácia da sua experiência criadora e que põem em evidência a dicotomia saber empírico / saber erudito:

«[...] mas a experiência têm os cafres, doutos nisto [...]»;

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«[Em relação à caça ao elefante] outro modo é que de dia, se sobem os caçadores, a árvores muito grandes, e dali estão observando, o lugar onde fi cam de noite (os elefantes) e esta lição se lhe não ensinou, na Universidade de Évora, nem de Coimbra».

A natureza é, neste contexto, uma entidade relevante, fonte inesgotável de saber, que estimula o olhar e a curiosidade e a procura de respostas. Representada antropomorfi camente é qualifi cada pelo autor, directa ou indirectamente, de grandiosa, exuberante, generosa, mestra, materna. São vários os exemplos que, no texto, demonstram esta mentalidade naturalista: «Outra casta de pássaros pequeninos, os que se sustentam

de mel [...] vai voando, e parando, até levar os cafres, junto do favo de mel, [...] lhe ensina a natureza esta traça»;

«[...] as zebras] todas listradas de preto e branco, [...] que parece que a Natureza se esmerou [...]o preto muito azuichado, o branco muito branco»;

«[...] todo o corpo tem em conchas, armado pela natureza, que também mostrou sua perfeição no corpo do Lagarto»;

«Há outro peixe [que no Verão] se vai comendo pelo rabo pouco, e pouco deixando a espinha nua [...] até que torna a vir a chuva, e a natureza lhe torna a refazer o que comeu para se sustentar».

Não admira que por toda a Europa se aguardassem com ansiedade as cartas-relatos dos jesuítas que, com deleite e interesse fi losófi co, se liam, dando acesso a novidades autorizadas pela experiência sobre novas terras, novas gentes e sua natureza envolvente, espécie de «colectâneas de histórias» activamente participantes na construção do Saber. Daí o expressivo ditado francês, usado na primeira metade

do séc. XVII, Os Livros de Viagens são os Romances dos Filósofos.

Lisboa, 3 de Março de 2010

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217 PARA UM ANIVERSÁRIO

Joaquim Máximo*

A nossa amiga Maria José resolveu que, no dia 30 de Setembro de 1999, se celebrasse o seu septuagésimo aniversário. E resolveu incluir, na celebração, uma missa de acção de graças, um jantar num dos melhores restaurantes da cidade, um baile com orquestra depois do jantar, e tudo! Fomos convidados, foram convidados todos os seus amigos e foi convidada toda a família dela que é muito grande. A Maria José é rica, nós somos apenas remediados, outros amigos dela são mais remediados do que nós e outros são ainda muito mais remediados. Há também alguns amigos ricos, mas não tão ricos como ela.

Quando surgiu o problema de adquirir as prendas que se lhe havia de oferecer, logo ocorreu a todos que era um problema difícil de resolver porque a Maria José tinha tudo. Mas sabíamos que ela gostava de ter um bom colar de pérolas, prenda muito complicada de dar para os remediados, complicada de dar para mais remediados e menos complicada de dar para os amigos ricos, embora menos ricos do que ela. Depois de muito se ter pensado sobre o que se lhe havia de dar, houve alguém que teve uma ideia luminosa para resolver o assunto: Cada amigo dava uma pérola para um colar a oferecer, em nome de todos, à Maria José. É claro que as pérolas estavam unidas, pelo cordão apropriado, para formar o colar. Mas era necessário exprimir o espírito de outra união: o da união que os seus amigos tiveram para lhe oferecer o

colar. Então alguém se lembrou de que o Quim podia escrever qualquer coisa. E então saiu o soneto que apresento.

Ainda bem que o traje que os convidados teriam de levar vestido para a comemoração não era de cerimónia, porque a minha casaca e o meu fraque estavam cheios de traça e o meu “smoking” já me estava muito apertado. Levei então o meu fato dos domingos, dos casamentos, dos enterros, dos baptizados e dos aniversários, que, depois de lavado a seco, fi cou como novo.

PARA O ANIVERSÁRIO DA ZÉ (30.09.99)

Os anos passam, Maria José, Uns são felizes, outros não são, E a que destino eles nos levarão? Esse só Deus sabe qual ele é.

Neste dia trinta dos teus anos, Estes teus amigos do coração Sentem com uma grande emoção, Aquilo que mais te desejamos:

Que cada pérola do teu colar Sirva para que possas contar Os anos que te serão bons na vida,

E que esta te dê a felicidade, É o que desejamos, na verdade, À nossa Zé, amiga muito querida.

* Joaquim Máximo de Melo e Albuquerque de Moura Relvas, nasceu em Coimbra e reside em Vila Nova de Gaia. Tem o curso de Engenharia Electrónica da Universidade do Porto. Exerceu a actividade profi ssional na Administração Geral dos CTT e obteve a especialidade de Instalações Exteriores de Transmissão; União Eléctrica Portuguesa, integrada depois na EDP; Professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, como Professor Associado; Colégio de Gaia onde leccionou disciplinas relacionadas com a Electrónica Digital. Faz parte da Direcção da revista Politécnica. É membro da Ordem dos Engenheiros da “American Association for the Advancement of Science”, da “New Iork Academy of Sciences” e da “Planetary Society”.

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219 Postais do Concelho da Feira

Ceomar Tranquilo*

A – Postais Ilustrados

*Caminheiro por feiras, lojas e mercados.

79 – Paços de Brandão (Portugal)Prédio de A. Paes.

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80 – Paços de Brandão (Portugal)Mercados aos Domingos

80 – A – Reverso do mesmo postal.

Union Postale UniversellePortugal – Carte Postale – Bilhete PostalEspaço reservado à correspondência.Espaço reservado à Direcção.Edição de Urbano & Pinho.

O postal nº. 79 tem o mesmo reverso.

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81 – Paços de Brandão (Portugal)Centro Comercial em frente ao mercado

81 – A – Reverso do mesmo postal

Obliteração de Porto Central – 2ª. Secção, sobre selo Ceres de 1 C.Verde.Obliteração de chegada. Correios – Laboroza – 16-Jun-1416 – Jun – 14.Expedido em 15-6-914 para Maria EmíliaS. – S. Lourenço de Saborosa – Pinhão.

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82 – Paços de Brandão (Portugal) – Prédio de J. Carvalho

82 – A – Reverso do mesmo Postal.

Obliteração de Paços de Brandão – de 21 AGO 20Sobre 2 selos de 1 C. Ceres – Castanho.Multa, por porte incorrecto – selo de porteado 2 centavos “a receber”. Obliteração de Lisboa – CENTRAL – 1ª. Secção. Expedido de Portella – 20 para D. Anna A.V. Villar – Avenida da Liberdade, 103 – 5º. Lisboa.

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83 – Paços de Brandão (Portugal) – Rua das Palmeiras na Casa da Portela. No canto superior esquerdo, manuscrito. Paços de Brandão – 20-11-1921.

83 – A – Reverso do mesmo postal.Obliteração de Espinho – 20 NOV 21, sobre 2 selos de 1 C. Ceres, castanho, e 4 C. Ceres, verde.Dirigido para Dª. Maria da Conceição Martins Vidal, Rua do Amial nº. 726 – Porto.

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84 – Paços de Brandão (Portugal). Jardim da Casa do Engenho Novo.

84 – A – Reverso do mesmo postal.

Obliteração de Ambulância. 4.DEZ.16, sobre selo de 1 C. Ceres, verde. Dirigido em 4-12-916 para D. Paulina Monteiro Maia de Lacerda, Rua Gonçalves Crespo, 45 – 3º. Lisboa.

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225O Beijo

Edgar Carneiro*

Mais que um sorriso

um enleio

um suspiro

um desejo;

mais que um impulso

um intento

um requebro

um quebranto;

mais do que um verbo,

aquele beijo

nem curto

nem seco

nem santo.

* Nasceu em Chaves em 1913.Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra.Foi professor dos ensinos técnico-profissional e secundário. De 1967 a 1974, dirigiu a Escola D. Pedro V, a primeira a funcionar em Fiães, neste concelho.Reside há 36 anos em Espinho, foi distinguido pela Câmara local com a Medalha de Mérito.Tem 12 livros de poesia publicados, o último dos quais saiu a lume em Dezembro último e foi apresentado em Espinho pelo poeta Anthero Monteiro. Intitula-se Périplo.

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