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BASTA Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no DF Filiado à CUT/FENAJUFE Ano XVIII - nº 68 Ago/Set de 2010 de dizer VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER É hora Desprotegidas pelo Estado e pela Justiça, brasileiras são assassinadas pelo simples fato de não querer reatar um relacionamento. A cada duas horas uma mulher é morta pelas mãos do marido, namorado ou ex. A violência de gênero é agravada pela impunidade e cultura patriarcal arraigada

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER É hora de dizer BASTA€¦ · No mais, o trabalho resume-se num esforço de convencimento dos parlamen-O analista político Antônio Augusto de Queiroz

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Page 1: VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER É hora de dizer BASTA€¦ · No mais, o trabalho resume-se num esforço de convencimento dos parlamen-O analista político Antônio Augusto de Queiroz

BASTA

Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciárioe do Ministério Público da União no DF

Filiado à CUT/FENAJUFE

Ano XVIII - nº 68Ago/Set de 2010

de dizer

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

É hora

Desprotegidas pelo Estado e pelaJustiça, brasileiras são assassinadas

pelo simples fato de não querer reatarum relacionamento. A cada duas horas

uma mulher é morta pelas mãos domarido, namorado ou ex. A violência degênero é agravada pela impunidade e

cultura patriarcal arraigada

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STM atendesolicitação do Sindjuse reconsidera corte

de ponto

Esforço concentradopelo PL 6697

STF encaminhaofícios ao MPOG

sobre reajustedos servidores

Alcides Diniz:governo não podese recusar a incluir

PCCR na LOA

Acionado pelosindicato, STJ

impede corte deponto de

grevistas do TST

Ayres Britto (STF)indefere liminar em

reclamação da Uniãosobre greve

Informação é tudo.Consulte nosso site.

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ARTE EM BRASÍLIA

Edição:Usha Velasco (DRT-DF 954/99)

Reportagem:Antônio Carlos QueirozLuísa MolinaThais AssunçãoValéria de Velasco

Colaboradores:José Geraldo de Sousa JuniorTT CatalãoYuri Matsumoto Macedo eAndré Luis Macedo

Revisão: Ana Paula Barbosa Cusinato

Projeto gráfico e arte: Usha Velasco

Tiragem: 15.000 exemplares

Contato comercial: Julliane DouradoFones: (61) 8485-9959 - (61) 3037-9761SCS Q. 2, Ed. Goiás, s. 314 - Cep.: 70.302-000

Coordenadores-GeraisAna Paula Barbosa CusinatoBerilo José Leão Neto

Coordenadoresde Administraçãoe FinançasCledo de Oliveira VieiraJailton Mangueira AssisRaimundo Nonato da Silva

Coordenadores de AssuntosJurídicos e TrabalhistasJosé Oliveira Silva

Marília Guedes de AlbuquerqueNewton José Cunha Brum

Coordenadores de Formaçãoe Relações SindicaisJosé Joventino Pereira de SousaAntônio José Oliveira SilvaEliane do Socorro Alves da Silva

Coordenadores deComunicação, Cultura e LazerSheila Tinoco Oliveira FonsecaMaria Angélica PortelaValdir Nunes Ferreira

Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do MPU no DFSDS, Ed. Venâncio V, s. 108 a 114, Brasília-DF, 70393-900 • (61) 3212-2613

www.sindjusdf.org.br

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Esta obra faz parte do ensaio Vozes em New York, onde Susana busca “uma apreensão da paisagem urbana através dasvozes alheias”. Em suas andanças pela cidade ela anotou trechos de conversas de pessoas desconhecidas, imprimiu as frases eas fotografou em diferentes cenários. “A rua foi sempre um tema presente na história da fotografia; esse ensaio dialoga com

essa tradição sem revelar as coisas em si, apenas devolvendo às ruas as vozes ouvidas aqui e acolá”, explica a artista.

Susana Dobal é professora da Universidade de Brasília, com mestrado, doutorado e pós-doutorado em fotografia (respectivamente naNew York University; CUNY/Graduate Center e Université Paris 8). Participou de mais de trinta exposições fotográficas; as mais

recentes foram em Buenos Aires, na Argentina (Galeria Arte x Arte, 2008), e em Nice, na França (Galerie Christian Depardieu, 2009).

SUSANA DOBAL

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4 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

José Geraldo deSousa Junior

Reitor da Universidade deBrasília, professor da Faculdade

de Direito e coordenador doprojeto O Direito Achado na Rua

“A autorregulaçãoé uma das mais

importantesferramentas que a

prerrogativa daautonomia assegura

às universidades.Um modelo eficiente

de gestão só podeexistir, nesses

termos, a partirde procedimentos

de controleparticipativos”

universitáriaAutonomia

O pró-labore de José Geraldopara este artigo é doado

mensalmente à campanha devoluntariado Eu Doo Talento

(veja em www.sindjusdf.org.br)

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o último dia 19 de julho escreveu-se mais um sig-nificativo avanço para a educação e a gestão uni-

versitária: reunido pela oitava vez desde que iniciou oseu primeiro mandato com os reitores de universida-des púbicas federais de todo país, hoje atualmente 58instituições, o presidente da República assinou um con-junto de atos, três decretos e uma medida provisóriaque aumentam a liberdade financeira e administrativadas instituições de ensino superior públicas. É uma res-posta a antiga reivindicação por autonomia universi-tária, tema que, de 1911 a 1988, já se fez presente emcinco Constituições Federais, além de inúmeros decre-tos e medidas, tornando-se uma bandeira da luta pelaqualidade no ensino.

As novas regras visam permitir que a universidadecumpra melhor seus objetivos do tríplice ideal de ensi-no, pesquisa, extensão e de formação cidadã, atravésde uma gestão mais racional de pessoas, recursos eprocessos. Para o quadro técnico-administrativo, passaa ser autorizada a reposição automática, diminuindo aociosidade das vagas, que não precisam mais esperar aliberação de concursos pelos ministérios de Planejamentoe Educação. As fundações de apoio também têm escla-recido o seu papel no contexto das universidades, coma regulamentação de vínculos, que possibilita que se-jam mais facilmente recadastradas.

Uma importante medida tem relação com oauxílio financeiro a estudantes em situação de vulne-rabilidade social: o Programa Nacional de AssistênciaEstudantil estabelece regras que garantem o repassede recursos. No que se refere a licitações para gastoscom pesquisa, além do preço dos produtos, o potenci-al de fomento ao desenvolvimento nacional tambémserá critério de decisão do processo licitatório, umavez que produtos manufaturados e serviços que aten-dam a normas técnicas brasileiras podem ter preferên-cia, desde que não ultrapassem 25% do valor dos pro-dutos estrangeiros na mesma categoria.

O novo marco regulatório também permite maioragilidade para a utilização dos recursos financeiros: oorçamento repassado pelo governo federal poderá serremanejado entre diferentes rubricas e, também, de umexercício fiscal para outro. Até então, o dinheiro que nãoera gasto voltava para o caixa do governo federal.

É inestimável a importância dessas refor-mas. É preciso, contudo, fazer uma distinção: essesavanços dizem respeito apenas a uma dimensão ope-racional do processo de autonomização das universi-dades, ao passo que os aspectos conceituais e políti-cos ainda não foram trabalhados. Deve-se contemplar

a necessidade de um entendimento da autonomia nasua dimensão constitucional. As autonomias financei-ra e patrimonial, administrativa e didático-científica nãopodem ser consideradas apenas no seu âmbito formale esses pontos precisam ser retomados no bojo de umalei orgânica das universidades públicas federais.

Dito de outra forma, para que a universidade possadesenvolver todo o seu potencial educador é preciso no-tar que o processo de autonomização extrapola os limi-tes legais e diz respeito também ao âmbito simbólico,dos valores que orientam as práticas dos sujeitos queparticipam do espaço de reprodução da instituição. Tan-to dentro como fora da comunidade acadêmica, de ma-neira complementar à reforma das articulações burocrá-ticas, é necessário revisar a própria função da universi-dade. Não se pode perder de vista que o seu fim últimoseja servir não só ao conhecimento, mas também à soci-edade, e, sendo assim, somente uma administração co-letiva dos recursos pode levar a uma real emancipaçãoda instituição e dos sujeitos que a compõem.

A autorregulação é uma das mais importantesferramentas que a prerrogativa da autonomia assegu-ra às universidades, porque oferece a estas a possibili-dade de afirmação coletiva de sua identidade instituci-onal. Um modelo eficiente de gestão só pode existir,nesses termos, a partir de procedimentos de controleparticipativos.

A transparência, antes da eficiência, deve ser umpilar da construção da autonomia universitária, e a fis-calização dos resultados deve ser acessível a todos. Épor essa razão que a atual gestão da UnB adotou emseu programa a utilização de mecanismos de gestãocompartilhada e quer agora avançar para a construçãode um modelo de orçamento participativo, como ferra-menta administrativa de caráter emancipatório. É ummecanismo através do qual uma população contribuipara a tomada de decisões sobre o destino de umaparte ou de todos os recursos públicos disponíveis.

Esta é uma proposta de gestão que combi-na a democracia representativa e a democracia direta:de simples votantes, que permitem a continuidade dapolítica tradicional, os membros ativos da comunida-de, inclusive universitária, passam a ser protagonistaspermanentes na administração pública. E os resulta-dos da abertura desse diálogo são claros. Além de con-tribuir para o aprofundamento do exercício da demo-cracia na relação entre os cidadãos e o poder público,significa ainda uma modernização da administração pú-blica, uma ordenação das prioridades sociais e a pro-moção de justiça social.

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OPINIÃO

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5Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

Thais Assunção

O PCCR vai sair ainda este ano,conforme o acordo do STF com Lula?

Estamos em um momento delicado,por força da eleição presidencial. Houve oapelo do presidente Lula para que se dei-xe para votar o PCCR depois da eleição. Éum prazo curto, mas é perfeitamente fac-tível trabalhar com esse calendário para aaprovação em 2010, em novembro e de-zembro, que são os meses restantes da atu-al legislatura. O maior obstáculo a ser su-perado é a previsão da questão orçamen-tária. No mais, o trabalho resume-se numesforço de convencimento dos parlamen-

O analista político Antônio Augusto de Queiroz – conhecido como Toninho do DIAP –assessorou o Sindjus na conquista dos dois planos de carreira anteriores, os PCSs de 2002e de 2006. Jornalista e diretor de Documentação do Departamento Intersindical deAssessoria Parlamentar, ele explica, nesta entrevista, o processo de tramitação do PCCRno Congresso Nacional e os passos que estão sendo dados para garantir a sua aprovação

tares para incluir a votação dos dois pro-jetos de lei na agenda do Congresso.

O ministro do Planejamento nãoincluiu a rubrica do PCCR na projetoda Lei Orçamentária de 2011. Qual aconsequência disso para a aprova-ção dos reajustes dos servidores doJudiciário e do Ministério Público?

O prazo para enviar a Lei Orçamentáriaao Congresso terminou no dia 31 de agos-to, mas isso não quer dizer que a previsãode recursos para o reajuste não possa maisser feita. Isso porque os projetos de lei rela-tivos às carreiras do Judiciário e do Minis-tério Público (PLs 6613 e 6697) foram en-caminhados ao Congresso dentro dos pra-

zos fixados na Lei de Responsabilidade Fis-cal e na LDO. Então, a rubrica com a previ-são orçamentária ainda pode ser feita, tan-to por solicitação do Poder Executivo quan-to por emenda de parlamentares.

E se o orçamento for aprovadosem prever recursos para o reajustedos servidores? Ainda seria possívelimplementar o PCCR em 2011?

Sim, ainda seria possível. Mas o pro-cesso seria mais complexo. Nesse caso,dependeria do Poder Executivo propor umaalteração na LDO e enviar crédito suple-mentar para o reajuste. Somente depoisdisso os PLs 6613 e 6697 seriam aprova-

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Toninho: o prazo é curto,mas a aprovação dos PLs é

“perfeitamente factível”

Os caminhos doPCCR

ENTREVISTATONINHO DO DIAP

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6 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

dos. Por isso, o melhor é resolver a ques-tão ainda durante a tramitação da LOA,antes de sua aprovação na Comissão Mis-ta, porque, durante esse período, o gover-no ainda pode enviar uma mensagem pe-dindo a criação da rubrica e alocando re-cursos para o PCCR.

E qual é o papel do Sindjus nes-se processo?

Desde antes do envio da LOA ao Con-gresso o Sindicato já estava pressionandotanto o STF quanto o governo a cumpriremo acordo que pôs fim à greve, ou seja, a cri-arem as condições necessárias para a apro-vação do PCCR logo após as eleições e àimplementação do reajuste em 2011. Vamosexigir que as promessas feitas aos mais decem mil servidores sejam cumpridas à risca.Além disso, também vamos agilizar o pro-cesso elaborando as emendas necessáriaspara garantir a rubrica e os recursos.

Como assessor parlamentar, qualo seu papel junto ao Sindjus no tra-balho de acompanhamento doPCCR?

Minha parceria com o Sindicato já éantiga. Data dos dois PCSs anteriores. Meupapel é ajudar a montar estratégias dire-cionadas às ações que devem ser feitasjunto ao Legislativo, o Judiciário e o Exe-cutivo para viabilizar a aprovação do pla-no de carreira, dentro daquilo que foi con-cebido pelos servidores do Judiciário e doMPU. O objetivo é exatamente criar estra-tégias para viabilizar as condições de apro-vação dessas matérias no Congresso.

Quais são os passos a serem se-guidos para a aprovação do planode carreira, tanto antes das eleiçõesquanto depois?

Nós temos prazos constitucionais e le-gais que precisam ser observados. A obri-

gação do Judiciário e do MPU, por exem-plo, era encaminhar até o dia 12 de agostodeste ano uma previsão de recursos dentroda sua proposta orçamentária para a im-plementação do PCCR, cujo projeto de leifoi entregue ao Congresso em dezembro de2009. E isso foi feito, antes do prazo limite,tanto pelo STF quanto pela PGR. O PoderExecutivo tinha do dia 12 de agosto ao dia31 agosto para sistematizar estes projetose encaminhá-los ao Congresso, dentro doorçamento geral da União.

Mas o PL 6613 já teve seus recur-sos incluídos na Lei de Diretrizes Or-çamentárias, não teve?

O projeto foi previsto na LDO de umaforma genérica, com reserva de recursospara despesas permanentes. No anexo daLOA, que tem que ser enviado até 31 deagosto, precisaria constar a rubrica espe-cífica do novo plano de carreira.

O governo não cumpriu sua par-te no acordo, ao não incluir essa ru-brica. Quais as consequências disso,

politicamente falando?Temos que ver os dois lados dessa

questão. O presidente Lula pediu que oPCCR fosse deixado para depois das elei-ções, e a razão disso é clara. Na vésperadas eleições presidenciais, o governo nãoquer assumir o ônus de bancar claramen-te o reajuste salarial de uma categoria nu-merosa como a dos servidores da Justiça.Lógico que isso poderia ser usado contraele na campanha eleitoral. Por isso todosconcordamos em esperar, por isso a greveacabou, assim que o STF e o governo en-traram em acordo.

Por outro lado, agora esse acordo temque ser cumprido. Quando o Poder Execu-tivo se recusa a cumprir a determinaçãodos órgãos de outros Poderes, que têm au-tonomia administrativa e financeira, entãose estabelece um conflito de competênci-as, uma situação de invasão de competên-cias, de quebra de prerrogativas. Isso é ex-tremamente sério. Portanto, o Executivoterá que alterar a previsão orçamentária.Há dois compromissos a cumprir aí: aConstituição, que determina a autonomia

ENTREVISTATONINHO DO DIAP

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Houve o apelo do presidente Lulapara que se deixe para votar o PCCR

depois da eleição. É um prazo curto, masé perfeitamente factível trabalhar comesse calendário para a aprovação em

2010, em novembro e dezembro

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7Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

administrativa, orçamentária e financeirados Poderes, e a palavra do presidente daRepública de que precisaríamos apenas es-perar as eleições.

Estamos no caminho certo paraa aprovação do novo plano?

Sim, estamos trabalhando forte. OSindjus vem se movimentando com mui-ta agilidade desde o início desse proces-so, há mais de dois anos. Começou comas discussões promovidas junto à cate-goria, com uma ampla consulta. Passoupela elaboração do anteprojeto no âmbi-to do Poder Judiciário e do Ministério Pú-blico. E passou também pela difícil faseposterior à conclusão dos projetos de lei,que foi o trabalho de pressão e de con-vencimento para que o então presidentedo STF, Gilmar Mendes, e o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, en-caminhassem os PLs ao Congresso aindaa tempo de implementar o novo plano decarreira em 2010.

Infelizmente isso não foi feito; foi pre-ciso uma longa greve e muita pressão porparte dos servidores e do sindicato paraque os projetos fossem encaminhados, jáem dezembro. Mas, com muita negocia-ção política, o Sindjus conseguiu que osdirigentes do Judiciário firmassem o com-promisso pela aprovação do PCCR em2010. E o sindicato tem cobrado esse com-promisso de forma reiterada, tanto que oJudiciário previu, na sua proposta orça-mentária, os recursos para implementaçãodo reajuste salarial dos servidores.

Não há mais nenhuma razão para elenão ser implantado a partir de 2011, es-pecialmente porque outros órgãos já apro-varam seus planos de carreira. Foi o casodo Tribunal de Contas da União, do Sena-do e da Câmara dos Deputados. Nós sótemos cinco instituições com prerrogativade iniciativa parlamentar própria nessa ma-téria: o Poder Executivo, o Poder Legislati-vo, o Poder Judiciário (por intermédio doSupremo Tribunal Federal e dos tribunaissuperiores), o Tribunal de Contas da Uniãoe o Ministério Público. Todas elas já fize-ram a reestruturação remuneratória dosseus servidores, menos o Judiciário e oMPU. Então os servidores estão defasadosem relação a esses outros Poderes. A atu-alização precisa ser feita e há um compro-misso dos dirigentes do Judiciário e do Mi-

nistério Público em relação a isso. Não hárazão plausível para qualquer descumpri-mento desse compromisso.

Se foram aprovados vários au-mentos salariais no Executivo e noLegislativo, por que essa dificulda-de com o PCCR do Judiciário e doMPU?

No caso do Judiciário, onde o quanti-tativo de servidores supera o patamar de100 mil pessoas, há o impacto dos núme-ros. O reajuste individualmente é peque-no, mas no conjunto é representativo. Issofaz com o que o Executivo resista, e muito,a apoiar ou incentivar esse tipo de reestru-turação salarial dos servidores. No caso doPoder Executivo, a reestruturação é feitacarreira por carreira, separadamente ou atémesmo por cargos. Assim, o impacto nãochega a ser significativo isoladamente, emcada carreira. O Judiciário é uma carreiraúnica envolvendo mais de 100 mil servi-dores, por isso sempre vai haver esse tipode resistência por parte do governo. Masos servidores do Judiciário e do MPU nãopodem ser punidos porque o reajuste temum impacto X ou Y, maior ou menor doque outras carreiras isoladamente. Temosque lembrar os serviços que esses servido-res prestam à nação, ao Estado brasileiroe até ao Executivo, encaminhando e jul-gando causas das mais diversas dimensõese proporcionando a segurança jurídica e oequilíbrio das finanças públicas. Se há umacarreira exclusiva de Estado e que merecetodo o cuidado, essa carreira é a do Judici-ário e do Ministério Público.

Na sua avaliação, a bancada dogoverno dificultou a tramitação dosprojetos de lei do PCCR?

Bom, a bancada do governo segue aorientação do Poder Executivo, que, comojá conversamos aqui, tem uma enorme re-sistência a projetos com a dimensão donovo plano de carreira. Então, claro queeles vão fazer o possível e o impossível pararetardar a aprovação desse tipo de prepo-sição, exatamente para economizar nassuas despesas de natureza permanente.Mas esse retardamento não pode continu-ar indefinidamente, porque isso pode ge-rar um conflito de poderes. O Executivo nãopode simplesmente recusar. Uma vez feitaa previsão orçamentária pelo Supremo e

pela PGR, não há porque o Congresso e abancada governista criarem dificuldadespara a aprovação dessa proposição.

Como é o processo de aprovaçãode um projeto de lei?

O Congresso Nacional primeiro temque levar em conta aspectos técnicos, ouseja, para aprovar um projeto tem que ha-ver previsão orçamentária do impacto fi-nanceiro, previsão dos recursos, de ondeirá sair o dinheiro, todos esses dados. De-pois disso há a decisão política. O parla-mento tem quase vinte partidos represen-tados, com visões distintas. Um partido ouum parlamentar individualmente pode cri-ar dificuldades para o andamento de de-terminadas proposições. Então, esse é umprocesso muito complexo. Tem que se che-gar a um consenso mínimo capaz de reu-nir a maioria. Tem que se aproveitar a pau-ta desbloqueada também, que é outro pro-blema comum no Congresso para a apro-vação de matérias. É por isso que, na mai-oria das vezes, esses tipos de projeto sãoaprovados em regime de urgência do Ple-nário, aprovados pelos parlamentares exa-tamente porque o engarrafamento de pro-jetos de lei e as dificuldades são tantasque só esse caminho pode acelerar a tra-mitação. É um trabalho demorado, é pre-ciso conversar com cada líder, vices-líde-res, parlamentares com influência... É pre-ciso sensibilizá-los em relação à questão,no caso a oportunidade e a justiça do rea-juste dos servidores.

Na véspera da eleiçãoo governo não quer assumiro ônus do reajuste de umacategoria numerosa comoa da Justiça. Lógico que issopoderia ser usado contra elena campanha eleitoral. Porisso concordamos em esperar.Por outro lado, o acordo temque ser cumprido. Quandoo Executivo se recusara cumprir a determinaçãode outros Poderes, que têmautonomia administrativae financeira, então seestabelece uma situação deinvasão de competências.Isso é extremamente sério

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8 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

A cada duas horas uma brasileira éassassinada pelas mãos do marido, namorado

ou ex. Impunidade, vista grossa ante a lei,justiça lenta, preconceito e cultura patriarcal

arraigada acirram a violência de gênero

Vítimasdo atraso e do machismo

SOCIEDADE

8 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

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9Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

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Valéria de Velasco

De tudo, ao meu amor serei atentoAntes, e com tal zelo, e sempre, e tantoQue mesmo em face do maior encantoDele se encante mais meu pensamento

ela como a atriz de Hollywood queinspirou seu nome, e que na década

de 1950 virou princesa em Mônaco, a jo-vem brasiliense Grace Kelly Silva Souza so-nhava com o amor zeloso e atento que Vi-nicius de Moraes simbolizou no Soneto daFidelidade. O amor ao próximo ela gosta-va de demonstrar especialmente na épocado Natal, quando saía de Taguatinga, ondemorava com a mãe, Olindina, e a irmã, Ca-roline, para distribuir presentes aos maispobres na Rodoviária do Plano Piloto. O

gorro vermelho e a atitude lhe renderam,entre as pessoas carentes que ganhavamo seu carinho, o apelido de Mamãe Noel,que Grace carregava com orgulho.

A estudante de 20 anos com nome deartista tinha conseguido conquistas impor-tantes naquele ano de 2002. Passou novestibular para Direito em uma faculdadeda capital federal. Foi aprovada tambémno trabalho, onde tirava de letra a funçãode demonstradora de produtos de beleza.Mas a paz que ela tanto prezava começoua lhe escapar de forma incontrolável apóso fim de um namoro de quatro meses como ex-cabo temporário do Exército Robsondos Santos Almeida Gomes. Inconforma-do, ele insistia em reatar o relacionamen-to. Ela, no entanto, não vislumbrava ali ves-tígios do encanto e zelo traduzidos em ver-sos por Vinicius e decidiu insistir no sonhodo amor verdadeiro. Não cedeu.

21 de novembro de 2002, começo danoite: Caroline Silva tinha apenas 14 anosde idade quando abriu a porta de casa e sedeparou com a cena a marcaria de formaimplacável para o resto de seus dias. O cor-po de Grace Kelly jazia no chão da sala emmeio a uma enorme poça de sangue. Nopeito da irmã, a menina viu o punhal crava-do havia pouco tempo pelo assassino, Ro-bson dos Santos Almeida Gomes, como res-posta às negativas da jovem em reatar umnamoro que não a fazia feliz. No peito deCaroline, a dor que se instalou para sempreé a mesma que arrancou a paz dos familia-res das 41.532 mulheres assassinadas noBrasil no período de 1997 a 2007 – umavítima a cada duas horas –, de acordo como Mapa da Violência 2010, do Instituto San-gari, traçado a partir de registros do Siste-ma Único de Saúde (SUS).

Quinto estudo de uma série iniciadapelo instituto em 1998 para avaliar a evo-lução da violência no território nacional, omapa também confirma uma tendênciaapontada nos levantamentos anteriores: asmaiores vítimas são jovens como GraceKelly, na faixa dos 14 aos 25 anos. Os re-gistros colocam o Brasil no 12º lugar noranking dos países que mais registram as-sassinatos de mulheres, com média mais deoito vezes maior que a dos países europeus,onde os índices não passam de 0,5.

A proporção se torna mais assustado-ra quando se comparam os registros dasunidades da Federação. As mais violentas

são lideradas pelo Espírito Santo, onde amédia de mulheres assassinadas é superi-or ao índice nacional e 20 vezes maior doque o padrão registrado na Europa: 10,3,seguido por Roraima, com 9,6, e Alagoas,com 6,8. Também acima da média nacio-nal, o Distrito Federal, onde JK fincou aproposta de uma nova civilização e GraceKelly enterrou os seus sonhos, ocupa o sé-timo lugar no triste ranking, com 5,3, se-guido do Rio de Janeiro, com 5,1.

A pesquisa mostra o estado de São Pau-lo em 23º lugar – o quinto entre os estadosmenos violentos, com 2,8. Mesmo assim,um índice alto, se comparado com o da Ar-gentina, por exemplo, onde a taxa é de 1,6,ou da Holanda, que registra apenas 0,6.Talvez porque, no Brasil, os algozes das mu-lheres contem com um aliado especial – aimpunidade, esco-rada em uma legis-lação que permite acondenados porcrimes bárbarospassar tão poucotempo na cadeiaque saem de lá dei-xando, junto à po-pulação, a sensa-ção de que o crimecompensa.

É o caso do as-sassino de GraceKelly. Robson Al-meida Gomes foicondenado, no finalde 2003, a 19 anosde reclusão. Mas, por conta da série de be-nefícios que a lei garante aos homicidasno país, saiu da cadeia menos de cincoanos depois e desfruta de uma liberdadeque afronta a família da vítima, reclusa nador, no medo e na luta para se reerguer dotrauma. “Meu sobrinho deu de cara comele em uma festa, às 10 da noite, quandodeveria estar na cadeia”, revolta-se a mãeda vítima, Olindina Silva. Enquanto Rob-son e outros assassinos ganham as ruasantes da hora, o Mapa da Violência revelaque os números que alçaram o DF ao séti-mo lugar no ranking da violência fatal con-tra as mulheres acompanham a tendênciaascendente de crimes na capital da Repú-blica. Somente entre 2008 e 2009, as ocor-rências de homicídios aumentaram 10%,e as de estupros, 50%.

INJUSTIÇA

19 anos de reclusão, mas saiuda cadeia em menos de

50%

O assassino de Grace Kellyfoi condenado a

19

5anos. Entre 2008 e 2009,

os homicídios no DF aumentaramem 10% e os estupros em

Olindina Silva:luta para sereerguer dotrauma de ver afilha Grace Kelly(acima) assassi-nada pelo ex-namorado. Moti-vo: não quisreatar o relacio-namento

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10 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

“Para viver um grande amor, pri-meiro é preciso sagrar-se cavalheiro eser de sua dama por inteiro — seja lácomo for. Há que fazer do corpo umamorada onde clausure-se a mulheramada e postar-se de fora com umaespada — para viver um grandeamor.” (Vinicius de Moraes)

15 de dezembro de 2008, 13h15.Faltavam apenas dezdias para o Natal e o cli-ma era de confraterni-zação em um simpáticoe acolhedor restauranteda Asa Norte. Com asmesas cheias de genteque se reunia ali paracurtir a boa comida e ocarinho de amigos e co-legas de trabalho, a ge-rente Ana Paula Mendesde Moura, 33 anos, sedesdobrava entre aatenção à clientela e astarefas do caixa. De re-pente, gritos de deses-pero e socorro levaramo terror por entre asmesas espalhadas ao arlivre e as lojas vizinhas.De dentro do pequenoespaço entre o balcãodo caixa localizado aofundo do restaurante eas portas de entrada,correu um homem cor-pulento vestido de pre-to. Assustadas, as pes-soas pensavam que setratava de algum segu-rança em perseguição aum suposto assaltante eabriam passagem. Nin-guém seria capaz de

imaginar o que assistiria em seguida.Estendido no chão entre o balcão e

a porta do banheiro, o corpo da geren-te que minutos antes se empenhavapara que o almoço saísse a gosto dofreguês se tingia rapidamente do san-gue que não parava de brotar de seupeito. Os olhos de Ana Paula pareciamfixar o infinito enquanto ela se despe-

dia desse mundo sem tempo de enten-der por que partia daquela forma, semninguém do lado de fora com uma es-pada para protegê-la e garantir o amorcavalheiro a que julgava ter direito. Nosegundo ano de vigência da Lei Mariada Penha, aprovada em 2006, a bata-lhadora caçula de nove irmãos que cri-ava sozinha os três filhos foi esfaquea-da sem dó pelo ex-companheiro Mar-celo Rodrigues Moreira, o homem de

SOCIEDADE

Sem proteção do Estado

Guilherme e Thais, dois dos trêsfilhos de Ana Paula, que agora mo-

ram com a tia Fátima (ao lado). Oitoocorrências policiais registradas por

Ana contra o ex-marido não basta-ram para impedir seu assassinato

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11Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

Pesquisa da socióloga BárbaraMusumeci Soares, da UniversidadeCândido Mendes, do Rio de Janeiro,comprova a necessidade de preparopara que o Estado atenda as vítimas,como sustenta o promotor FaustoLima. Especialista em violência domés-tica e de gênero e autora do livro Mu-lheres Invisíveis, ela revela que o cicloem que vítimas como Ana Paula sãoenredadas e conduzidas à morte vio-lenta é composto, geralmente, por três

preto que invadiu o restaurante confi-ando ter o poder de vida e morte sobrea mulher que dizia amar.

Por acreditar que o apoio ao com-panheiro o ajudaria a mudar, Ana Pau-la conviveu, durante nove anos, comidas e vindas entre agressões físicas emorais, separações e reconciliações.Quando a violência se tornava insu-portável, ela recorria à polícia. Quan-do ele se dizia arrependido e ela secomovia, repetia para a família o sur-rado argumento. “Minha irmã era umapessoa maravilhosa, alegre, não me-recia o que aconteceu com ela. Os fi-lhos dela sofrem muito, eu queria serforte para não deixar eles sofrerem,mas sofro tanto quanto eles”, conta atécnica judiciária do Superior TribunalMilitar, Maria de Fátima Mendes Mou-ra, que ficou com a guarda dos trêsfilhos da vítima.

Maria de Fátima acompanhou deperto o drama da irmã. Ela relata queas oito ocorrências policiais registradaspor Ana Paula, a última, um mês antesde ser assassinada, apontavam crimescomo lesões corporais, injúria, pertur-bação da tranquilidade. Por força da LeiMaria da Penha, Ana Paula havia con-seguido que a Justiça proibisse Marce-lo de se aproximar dela. A ordem demanter a distância mínima de 200 me-tros, no entanto, não foi respeitada. Ela

fases. A primeira é a “de construçãoda tensão no relacionamento”, comocorrências de agressões verbais, ame-aças, crises de ciúmes, destruição deobjetos. É quando a mulher acreditaque pode acalmar o agressor e sente-se responsável pelos atos dele.

Na segunda fase, da “explosão daviolência”, a relação é marcada pelodescontrole e destruição, ficando im-possível de administrar. A terceira é ada “lua de mel”. O agressor demons-

tra arrependimento e jura que jamaisvoltará a agir com violência. De acordocom os estudos de Bárbara, nessa fase“ele será novamente o homem por quema vítima se apaixonou”. O promotor citaa pesquisa para alertar que os registrospoliciais ou o simples relato, pela mu-lher, de violências sofridas são suficien-tes para justificar uma intervenção doEstado, pois a “lua de mel” geralmentedura pouco e termina quando o agres-sor se sente impune.

Um ciclo de agressões e morte

denunciou. Mas o Estado não agiu,deixando o algoz da moça livre paraviolar a Justiça e lhe tirar a vida.

“É bom lembrar que a violência ge-ralmente é seguida pelo ‘arrependimen-to’ do agressor, o que pode justificar atolerância da vítima por anos seguidos”,afirma o promotor de Justiça do Minis-tério Público do DF Fausto Rodriguesde Lima. No livro Violência doméstica –vulnerabilidades e desafios na interven-ção criminal e multidisciplinar, Lima lem-bra que a maioria das vítimas leva pelomenos oito anos para registrar a pri-meira ocorrência. “Quando o fazem, épreciso que o Estado esteja preparadopara ouvir e agir para cessar o martí-rio”, diz ele.

A importância dessa intervençãopode ser traduzida com apenas duaspalavras: vidas salvas. Essa leitura po-deria ter selado de outra forma o des-tino de mulheres como Elisa Samudio,que em outubro de 2009 registrouqueixa de agressão, ameaças, cárcereprivado e indução ao aborto contra oex-goleiro Bruno, na polícia do Rio deJaneiro. Apesar da violência física com-provada no IML, das evidências da si-tuação de risco e da existência de umavida em gestação, nada foi feito. Elisateve o pedido de proteção contra o seualgoz negado pela Justiça carioca.

O artigo 5º da Lei Maria da Penha

é de uma clareza exemplar ao confi-gurar as situações de violência. Inovaao introduzir conceitos modernos deunidade doméstica, família e relaçõesíntimas de afeto, e ao respeitar a ori-entação sexual. No inciso III, asseguraa proteção “em qualquer relação ínti-ma de afeto, na qual o agressor convi-va ou tenha convivido com a ofendi-da, independentemente de coabita-ção”. A juíza que analisou o pedido,no entanto, optou por uma interpre-tação preconceituosa. Alegou não exis-tir uma relação duradoura que justifi-casse a proteção, violando o espíritoda lei criada exatamente para assegu-rar os direitos humanos da mulher.

Elisa Samudio poderia ter tido um destino diferente:juíza se negou a aplicar a Lei Maria da Penhabaseada em uma interpretação preconceituosa

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12 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

20 de agosto de 2000. A jornalista San-dra Gomide, 32 anos, estava em um haras a64 quilômetros de São Paulo quando foi sur-preendida pelo ex-namorado, Antônio Pimen-ta Neves, também jornalista. Levou um tiropelas costas. Já no chão, mais um, na cabe-ça. Morreu no local onde o ex-todo podero-so diretor do Estadão ficara de tocaia desdecedo, à espera de sua presa. Crime premedi-tado, por motivo torpe, sem chance de defe-sa à vítima. Apesar de tantas qualificadoras(condições que agravam a pena), o homemque não se conformava com o fim da rela-ção e por isso matou Sandra foi condenadoa apenas 19 anos de reclusão.

Pimenta Neves deixou o Tribunal do Júriostentando a mesma arrogância com queentrou, certo de que não ficaria na cadeia.Não ficou e ainda conseguiu redução dapena para 15 anos. Institucionalizando aimpunidade e o desrespeito à vítima e àsociedade, uma jurisprudência do STF o li-vrou de cumprir a pena até que seja julga-do o último recurso. Assassino confesso,ele continua afrontando a sociedade coma liberdade injusta.

22 de julho de 2010. As algemas e osgritos de “assassino” vindos de popularesnão impediram o ex-goleiro Bruno de sairrindo do Juizado da Infância e da Juventu-de, em Contagem (MG), onde mais uma vezse negou a falar às autoridades sobre o cri-

me que chocou o país. Uma mulher mortacovardemente, um bebê largado de mão emmão pelos assassinos, nove envolvidos in-diciados pela polícia, todos ligados ao ex-goleiro, o homem que se recusa a fazer oexame de DNA que apontaria a paternida-de do bebê. A ciranda é macabra, mas issonão impede Bruno de ostentar um sorrisoconfiante na impunidade.

Ele, Pimenta Neves e outros crimino-sos do gênero, no entanto, já não contammais com o apoio escancarado do clamormachista que dividiu a sociedade ante oassassinato de Ângela Diniz, em 1976. Si-nal de que, mesmo devagar, há mudanças.Ângela foi morta a tiros pelo companhei-ro Doca Street, ao romper um relaciona-mento tão curto como o que motivou oassassinato de Grace Kelly em Brasília, 26anos depois. O crime tornou-se um divisorde águas nas mobilizações de repúdio àviolência contra a mulher. Enquanto gru-pos feministas reagiam com a campanha“quem ama não mata” às tentativas dadefesa de jogar a vítima no banco dos réus,culpando-a pelo crime que os advogadostachavam de “passional, cometido sob vi-olenta emoção”, para engabelar o júri, im-portantes formadores de opinião se ocu-pavam em atiçar o preconceito.

“Os jornalistas Paulo Francis e Tristãode Ataíde mostraram-se indignados con-

tra as feministas. E Lins e Silva (o advoga-do do assassino) irritou-se com a reper-cussão que transformou uma ‘briga entreamantes em acontecimento nacional’,”relata a socióloga Eva Alterman Blay, pro-fessora da Universidade de São Paulo e co-ordenadora do Núcleo de Estudos da Mu-lher e Relações Sociais de Gênero (Nemge).

Hoje, a repercussão dos crimes violen-tos no território democrático da internetajuda a mostrar que a distância entre oshomens das cavernas e os agressores dostempos modernos, que acreditam ser ossenhores da vida das mulheres, ainda estálonge de acabar – mas diminuiu. A enxur-rada de artigos e comentários a cada vio-lência dá o tom da mudança. “A impuni-dade facilita o surgimento das redes deproteção aos agressores e enfraquece nos-sa sensibilidade à dor das vítimas”, afir-ma a antropóloga da UnB Débora Diniz,em artigo que circulou na web ao analisara barbárie contra Elisa Samudio.

“O sofrimento de Elisa provoca espan-to. A surpresa pelo absurdo dessa dor temque ser capaz de nos mover para a mu-dança de padrões sociais injustos”, pro-põe Débora, que atribui ao modelo patri-arcal uma das explicações para a violên-cia. A aplicação do castigo aos agressoresnão é suficiente para modificar os padrõesculturais de opressão, “mas indica que mo-delo de sociedade queremos para garantira vida das mulheres”.

Elas morrem, eles riem

AINDA IMPUNE

Condenado a 19 anos de reclusão, Pimenta Neves,assassino confesso da ex-namorada em 2000, não foi

para a cadeia e ainda conseguiu redução da pena.Institucionalizando a impunidade, uma jurisprudência

do STF o livrou de ser preso até o recurso final.

QUEM AMANÃO MATA

A morte de Ângela Diniz,em 1976, tornou-se um

divisor de águas norepúdio à violência contra

a mulher. A campanha“quem ama não mata”

mobilizou feministas, masa tese de “legítima defesa

da honra” garantiu aliberdade do assassino,que alegou se “sentir

traído” para justificar ostrês tiros que deu à

queima-roupa no rosto danamorada. Quatro anos

depois um novojulgamento o condenou a

15 anos de prisão.

SOCIEDADE

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13Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

MARIA, A LUTADORA – A biofarmacêutica cearense Maria da PenhaMaia Fernandes não se curvou às agressões do ex-marido, o professoruniversitário Marco Antonio Viveros, que tentou matá-la por duas vezes ea deixou paraplégica. Sem conseguir justiça no país, denunciou asagressões à Organização dos Estados Americanos, que acusou o Brasil denegligência e pressionou o governo a cumprir as convenções de erradicaçãoda violência contra a mulher. Assim nasceu a Lei Maria da Penha.

1994

O Brasil assina a Convenção Interameri-cana para Prevenir, Punir e Erradicar a Vi-olência contra a Mulher.

2003A Lei 10.778 determina a notificação com-pulsória, em todo o território nacional, doscasos de violência contra a mulher atendi-dos em serviços de saúde públicos ou pri-vados. A lei foi regulamentada no ano se-guinte pelo Decreto 5.099, que criou nor-mas para as notificações.

2006

Entra em vigor a Lei Maria da Penha (Lei nº11.340), determinando a criação de juiza-dos de Violência Doméstica e Familiar con-tra a Mulher, medidas de proteção às víti-mas e punição dos agressores.

2007O CNJ determina que tribunais de todo o paíscriem juizados de Violência Doméstica e Fa-miliar contra a Mulher e recomenda capaci-tação em violência de gênero aos operado-res de Direito, especialmente magistrados.

1975

A ONU institui oficialmente o Dia Internaci-onal da Mulher (8 de março), para comba-ter o discriminação e a violência de gênero.

1976O assassinato da socialite Ângela Diniz pelocompanheiro levanta o debate em torno dosdireitos humanos da mulher. Advogados fa-lam em “crime passional”, feministas re-batem com “quem ama não mata”.

1979

É aprovada, em Assembleia Geral da ONU,a Convenção da Organização das NaçõesUnidas sobre a Eliminação de Todas as For-mas de Discriminação contra a Mulher, es-tabelecendo o compromisso de asseguraros direitos humanos das mulheres.

1983

São Paulo cria o primeiro Conselho Esta-dual da Condição Feminina, para comba-ter a violência contra a mulher.

1984

O Brasil ratifica a Convenção da ONU so-bre a Eliminação de Todas as Formas deDiscriminação contra a Mulher, de 1979.

1985

São Paulo cria a primeira Delegacia de De-fesa da Mulher do país, para asseguraratendimento adequado às vítimas.

1993A II Conferência Internacional sobre osDireitos Humanos da ONU defende a igual-dade de condição social e os direitos hu-manos das mulheres, incluindo um capítu-lo com medidas para coibir a violência.

Caminho lento(e tortuoso)

O movimento em defesa da vida damulher começou a ganhar força no Brasilsomente a partir dos anos 1970. Na mes-ma década, entidades internacionais co-meçaram a se mobilizar contra a violênciade gênero. As conquistas culminaram coma Lei Maria da Penha, em 2006 – hoje pre-judicada por uma decisão do STJ.

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14 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

Mulheres são assassinadas porex-companheiros mesmo após a Jus-tiça decretar medidas protetivas,como a que proíbe o agressor de seaproximar. Por que essas vidas nãosão preservadas? A lei é falha?

As medidas protetivas são eficazes emmuitos casos, mas não funcionam isola-damente. A Lei Maria da Penha prevê trêsmecanismos que devem ser aplicados pre-ferencialmente em conjunto: medidas pro-tetivas, inclusive a prisão; a punição, como processo obrigatório e a condenação dosculpados; e a prevenção, com a orienta-ção por equipes multidisciplinares qualifi-cadas em gênero.

A violência continua e evolui para oassassinato quando os mecanismos nãosão aplicados no momento certo e em sin-tonia. Não há fórmulas mágicas, mas exis-tem circunstâncias que exigem a prisãoimediata. Por exemplo, a proposta de se-

paração feita pela mulher sem a aceitaçãodo parceiro. A clássica ameaça “se não fi-car comigo, não ficará com mais ninguém”é um indício claro de que o acusado é pe-rigoso. Os tão propalados crimes passio-nais são na verdade crimes de ódio, emque um dos parceiros, geralmente o ma-cho, se considera proprietário de um obje-to. Eliminar o outro é a forma de dizer queele é que manda.

Num país em que dez mulheres sãomortas por dia, não é possível esperar oassassinato para se decretar a prisão. Numcaso em Belo Horizonte em que câmarasflagraram um homem matando a ex-espo-sa, a vítima já havia registrado várias ocor-rências. O acusado deveria ter sido presona primeira delas. A Justiça, porém, per-mitiu o resultado funesto e previsível.

Qual foi o maior avanço?O maior avanço da Lei foi preconizar

que a violência doméstica é umaviolação dos direitos humanos (art.6º), e não crime de menor potenci-al ofensivo (art. 41). Por isso, é pos-sível a prisão provisória e o acusa-do não se livra do processo com omero cumprimento de medidas al-ternativas. Além disso, o processo éobrigatório no caso de lesão cor-

poral. Não se exige mais que as vítimas,num esforço heróico e contrário ao senti-mento de lealdade que vige na família, au-torizem a investigação ou o processo. Qual-quer pessoa pode denunciar e o Estado éobrigado a punir o culpado, mesmo queas vítimas não queiram ou tenham se re-conciliado com o agressor. Essa medidavisa tranquilizar as vítimas e os própriosagressores, para que eles não se sintammotivados a se vingar daquelas.

A Lei determina a criação de ca-sas abrigo para receber mulheresagredidas e seus filhos, condenan-do-os à reclusão. Não seria mais jus-to e eficaz afastar o agressor, evi-tando assim penalizar duplamente amulher e as crianças com o afasta-mento do lar e da vida comunitária?

Sem dúvida, as casas abrigo têm sidoutilizadas de forma errada desde a sua in-trodução no Brasil. Geralmente, as mulhe-res e seus filhos ficam retidos nesses lo-cais enquanto seus algozes usufruem daliberdade. A Lei Maria da Penha não admi-te mais essa anomalia, pois agora é possí-vel prender os acusados durante a investi-gação e o processo. Quem deve ser “abri-gado” é o acusado, pelo menos enquantoele representar um risco para a segurança

País conservadorENTREVISTA • FAUSTO RODRIGUES DE LIMA

SOCIEDADE

Enfrentar a violência contra a mulher numa sociedade emque essa prática é culturalmente legitimada pela herança

patriarcal como o Brasil não é uma tarefa simples, reconheceo promotor de Justiça do MPDFT Fausto Rodrigues Lima. Há13 anos atuando em questões de gênero, ele afirma que a LeiMaria da Penha avançou, ao classificar a violência doméstica

como uma violação dos direitos humanos. Apesar disso, anova lei não está protegendo as vítimas. Para o promotor, isso

acontece porque a forte cultura machista impede que aspessoas enxerguem a violência. “O sistema judicial, espelho

dessa sociedade, não raro tem se negado a aplicar a lei.”

e falso moralista

Os tão propalados crimes passionais sãona verdade crimes de ódio, em que um dosparceiros, geralmente o macho, se consideraproprietário de um objeto. Eliminar o outro é

a forma de dizer que ele é que manda

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ARQUIVO PESSOAL

14 Revista do Sindjus • Agosto de 2010

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de seus familiares. As Casas Abrigo só de-vem ser usadas quando as vítimas não têmpra onde ir ou o acusado estiver foragido.A Justiça tem procurado determinar a pri-são em casos mais graves, mas ainda seencontra muita resistência. Muitos julga-dos consideram que crimes de ameaça elesão têm penas muito pequenas e que,por isso, não seria cabível a prisão provi-sória. O aumento das penas pode resolveressa questão.

Apesar da clareza do artigo 5º daLei Maria da Penha, a Justiça cario-ca negou proteção a Elisa Samudiocontra as agressões do ex-goleiroBruno, alegando que não havia rela-cionamento familiar entre eles. A leipermite essa interpretação?

A Lei Maria da Penha se aplicavacomo uma luva no caso de Elisa Samu-dio, pois ela tinha uma convivência como acusado proveniente de uma relaçãoíntima de afeto, como está expresso noart. 5º. Não é necessária a coabitaçãopara caracterizar violência doméstica. Alei não exclui os relacionamentos sexu-ais, com ou sem pagamento (prostitui-ção), ou os extraconjugais. A decisão daJustiça carioca em negar proteção a Elisaé uma forma preconceituosa e moralistade puni-la por ter um relacionamento ex-traconjugal com Bruno.

Infelizmente, esse entendimento temseduzido muitos juízes e promotores. Háquem defenda que a Lei Maria da Penhanão se aplica sequer para namorados. As-sim, o falso moralismo reinante faz comque somente as que se submetem ao pa-drão sexual monogâmico estável sejamprotegidas. Por isso, é necessário que osprofissionais que atuam na área partici-pem continuamente de programas de ca-pacitação em gênero. O Ministério Públi-co do DF, em parceria com universidades,tem promovido o curso Diálogos Interdis-ciplinares em Violência Doméstica e Gê-nero, para todos os profissionais que atu-am na Justiça, entre promotores, juízes,psicólogos e servidores.

O que as vítimas podem fazer emcasos como esse, de interpretaçõesdiscriminatórias da lei?

Primeiramente, é preciso que as víti-mas tenham acesso direto e permanente

aos promotores, para que possam reque-rer seus direitos e se orientar. As vítimasdevem sempre estar acompanhadas deadvogados ou defensores públicos. Mui-tos Juizados não garantem esse direito, emviolação flagrante à Lei Maria da Penha.Quando o direito for negado judicialmen-te, o promotor ou o advogado deve recor-rer aos Tribunais de Justiça.

Em caso de discriminação que atentecontra direitos fundamentais ou represen-te abuso de autoridade, é necessário re-clamar às Corregedorias da Justiça (quan-do o abusador for juiz) ou do MinistérioPúblico (quando for promotor) de cada Es-tado. É possível também representar dire-tamente aos Conselhos Nacionais da Jus-tiça ou do Ministério Público, que têm atri-buição de fiscalizar essas instituições emtodo território nacional.

Por fim, pode-se levar os casos às cor-tes internacionais, como fez Maria da Pe-nha (leia quadro na página 15). O paíspode ser condenado por descumprir seuscompromissos em matéria de direitos hu-manos. É preciso que toda a sociedade semobilize. Por isso, as entidades feministase demais órgãos públicos e privados queatuam com violência devem estar sempreatentos para exercer a fiscalização, cobraruma postura e denunciar os abusos queocorrem em todo o país.

No livro Violência doméstica –vulnerabilidades e desafios na inter-venção criminal e multidisciplinar, osenhor afirma que no Brasil “a mai-oria absoluta dos promotores e juí-zes ainda aceita tudo, ou quase tudo,em matéria de violação dos direitoshumanos das mulheres”. Essa heran-ça patriarcal que se alinha com a prá-tica da impunidade coloca a Lei Ma-ria da Penha em situação de risco?

Nós vivemos num país machista, con-servador e falso moralista. Apesar dos gran-des avanços alcançados no sentido daigualdade entre homens e mulheres, asinstituições estatais, religiosas, educacio-nais etc ainda apresentam um grande ran-ço do sistema discriminatório do passado,traduzido no preconceito de gênero.

Qual a solução? A Lei Maria da Penhadeu o caminho: educação em gênero, pro-teção das vítimas, punição dos agresso-res. Por que a nova lei não está protegen-

do as vítimas? Simples, a forte culturamachista impede que as pessoas enxer-guem a violência. Por isso, o sistema judi-cial, espelho dessa sociedade, não raro temse negado a aplicar a lei, utilizando os ar-gumentos mais criativos possíveis.

Tome-se por exemplo decisão do Su-perior Tribunal de Justiça, de fevereiro desteano, que, a pretexto de respeitar a “von-tade da mulher”, passou a exigir que elasautorizem a investigação e a punição. Comisso, impedem familiares, amigos ou vizi-nhos e o Ministério Público de atuar. E osagressores fazem a festa. Milhares de ocor-rências estão sendo arquivadas diariamen-te a pedido das vítimas. Milhões de pesso-as agredidas deixam de denunciar por ra-zões óbvias. Apesar de tudo, ainda há luzno fim do túnel. O Procurador-Geral da Re-pública intentou uma ação no Supremo Tri-bunal Federal para desconstituir a decisãodo STJ, por violação à Constituição. Espe-ra-se que nossa Corte Maior comece a re-ver a jurisprudência permissiva à violênciadoméstica que ameaça a eficácia da LeiMaria da Penha.

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Não há fórmulas mágicas, masexistem circunstâncias que exigem

prisão imediata. A clássica ameaça ‘senão ficar comigo, não ficará com mais

ninguém’ é um indício clarode que o acusado é perigoso

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Decisão do STJ passou aexigir que as mulheres autorizem

a investigação e a punição.Com isso, impedem familiares e oMinistério Público de atuar. E os

agressores fazem a festa

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Espera-se que nossaCorte Maior comece a rever a

jurisprudência permissiva àviolência doméstica que ameaça a

eficácia da Lei Maria da Penha

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16 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

ENQUETE

FOTOS: CARLOS ALVES

A cada duas horas uma mulher é assassinada no Brasil. Na absoluta maioria doscasos, por maridos, namorados ou ex. Estamos falando apenas de morte, sem contar osespancamentos, as humilhações, as ameaças, a violência emocional e psíquica – enfim,

todos os abusos que nem chega a fazer parte das estatísticas, porque não sãodenunciados pelas vítimas. De acordo com a OMS, as consequências da violência contra

a mulher são profundas; elas vão além da saúde individual e afetam o bem-estar decomunidades inteiras. Por que hoje, no nosso país, essa questão ainda é tão grave?

O que leva mulheres modernas e independentes a se submeterem a abusos?

Presenciei vários casos dediscriminação no trabalho.Também tive uma colegaagredida pelo namorado;

mesmo ameaçada ela o enfren-tou. Mas a maioria das mulhe-res não denuncia. Acho que épor medo, porque a maioria é

independente, mas fica domina-da pelo homem a ponto de não

ter coragem de enfrentar.

Nemilza de SouzaLandim Nunes, técnica

judiciária do STM

Conheço um caso no meio mili-tar, onde uma funcionária e as

colegas eram assediadas moral-mente e sexualmente. Ela de-

nunciou e a instituição se voltoucontra todas. Uma recorreu àJustiça, as outras ficaram commedo. A agressão não é ques-

tão de força física, é uma heran-ça cultural que temos na família

e na sociedade, que acabaconstrangendo as mulheres.

Wilza Rosa da Silva Lima,analista judiciária do STM

Após 33 anos de casamento,meu ex-marido me bateu

e eu me separei. Procurei aDelegacia da Mulher, mas eles

minimizaram a agressão, questi-onaram se eu tinha para onde ir,se tinha certeza do que fazia...

Voltei sem a ocorrência. Amulher não tem orientação algu-

ma. Conheço outras mulheresque sofreram violência em casa,

em todas as classes sociais.

Nancy Pereira Santos, técnicajudiciária da Justiça Federal

Tenho um exemplo em casa:meu pai batia na minha mãe e

ela teve a coragem de seseparar. Eu a admiro muito por

isso. Conheci mulheresdiscriminadas no trabalho, mas

ninguém denuncia. Esse é oproblema. Tivemos um diretorque só queria trabalhar comhomens; dizia que eles não

menstruavam, não tinham filhos,não precisavam se licenciar...

Eva Cláudia Medeiros da Sil-veira, técnica judiciária do STM

AméliaSíndrome de

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17Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

No trabalho a gente édiscriminada só por ser mulher.

Já passei por situações quecertamente um homem não

passaria. Não denunciei porquesabia que não teria respaldo. Asociedade é muito machista,um

exemplo disso é o fato doshomens comentarem que elaestá com TPM só porque elaestá num dia de mau-humor,que num homem é normal.

Waldete Paulino da Cruz,técnica judiciária do STM

Eu e algumas colegasassumimos a chefia de umprojeto, mas os homens se

sentiram realmente incomodados.Em qualquer alteração de humor

já diziam que estávamos comTPM. Hoje há discriminação ecompetição. E a mulher é vistade forma equivocada. Veja o

caso do goleiro Bruno: a justifi-cativa é de que a mulher provo-

cou e teve que ser punida.

Giselle Moreira Cabral de Oli-veira, analista judiciária do STM

Conheço muitos casos deviolência. Trabalho na campanha

Central de Atendimento àMulher: sua vida recomeçaquando a violência termina.

Muitos parentes pedem ajuda einformações. Existe muito

machismo e muitas mulheresmachistas. Elas não assumem,mas infelizmente é verdade.Acho que isso persiste porfalta de conscientização.

Julia Maria Teodoro,analista judiciária do STM

O marido de uma colega umdia invadiu o trabalho para

bater nela. Só os segurançasevitaram a agressão. Por vergo-

nha, ela pediu transferência.Isso é uma humilhação pública.As mulheres têm dupla jornada,mas os homens não reconhe-cem isso. Acho que ainda faltamuito para a mulher se igualar

ao homem na sociedade.

Ocalinia Francisco deSouza, assistente técnica

da Justiça Federal

Acho muito triste as mulheresque sofrem agressões. A

conscientização seria um bomcaminho, já que elas relutam em

procurar seus direitos. Nuncasofri discriminação no trabalho;a nossa sociedade ainda é ma-chista, mas está mudando paramelhor. Pesquisas mostram queas mulheres estão alcançando

cargos mais altos nas empresas.

Maria Carolina Valente doCarmo, analista judiciária da

Justiça Federal

Numa empresa particular, fuimuito discriminada e sofri

assédio sexual. Também passeipor violência física em casa, masnão denunciei. Conheço muitasmulheres que sofreram violência

doméstica. A mulher nuncafoi tratada com igualdade.

Até as próprias mulheres sãomachistas: além de não saberem

reagir, ainda discriminamas que tomam uma atitude.

Águida Maria da Silva, analis-ta judiciário da Justiça Federal

Conheço pessoalmentemulheres que sofreramviolência física. Acho

inaceitável as agressõescontra as mulheres. Elas

têm que procurar ajuda, masnão basta a polícia, é preciso

um acompanhamentopsicológico. A mulher agredida

fica muito fragilizada, semcondições de se defender.

Rosana Moreira Tolentino deBrito, técnica judiciária da

Justiça Federal

Discriminação e violência nãofazem parte do meu dia a dia,mas vejo casos todos os diasnos jornais. A mulher tem que

lutar com muita garra paraconquistar uma posição e ain-da sofre com o machismo. Ashumildes são as que mais so-frem. Acho que o homem se

sente forte diante de uma donade casa, de uma “Amélia”.

Maria Auxiliadora de OliveiraSantos, técnica judiciária

da Justiça Federal

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18 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

Do alto dos seus 91 anos,o poeta Manoel de Barrosensina que o ser humano

é incompleto, e que isso nãoé defeito; é qualidade.Assim como ele, muitas outras

pessoas precisam ser Outras.E são. Esta coluna publicarámensalmente histórias de gente

que concilia o serviço públicocom as mais diversasatividades. São atletas, chefes

de cozinha, professores,pintores, mágicos, mecânicos,músicos... A lista não tem fim.

OUTROS EUS

A maior riqueza do homemé a sua incompletude.Nesse ponto sou abastado.Palavras que me aceitam comosou – eu não aceito.Não aguento ser apenas umsujeito que abreportas, que puxa válvulas,que olha o relógio, quecompra pão às 6 horas da tarde,que vai lá fora,que aponta lápis,que vê a uva etc. etc.PerdoaiMas eu preciso ser Outros.Eu penso renovar o homemusando borboletas.

Manoel de Barros

Thais Assunção

a infância pobre à realização de so-nhos em Brasília – assim pode ser

descrita a trajetória de Absalão AlvesAmorim. Desde criança, no interior doMaranhão, ele sempre praticou esportes.Os preferidos do garotinho humilde eramo futebol e a natação, que era muito po-pular nos rios da cidade de São Félix.

Em 1972, quando chegou a Brasíliavindo de Araguarina, no estado de To-cantins, a vida de Absalão começou amudar. Aos 21 anos, o jovem trazia acunhada para morar na capital. Nem ti-nha planos de permanecer na região,mas seu irmão que o convenceu ao ofe-recer um emprego como garçom, emuma boate de Brasília. Depois disso eletrabalhou em dois hotéis, também comogarçom, mas nunca deixou de lado seusplanos: terminar os estudos e concorrera um emprego público.

Dividindo o pouco tempo que resta-va com os estudos, Absalão conseguiupassar em um concurso. Mas não ficousatisfeito, e continuou estudando até seraprovado no TST. “Fiz faculdade, depoisum concurso interno, e hoje sou analis-ta”, conta ele.

Mas os sonhos de Absalão não se re-sumiam a conquistar um bom emprego;ele queria mais. Queria desbravar o Bra-sil praticando esportes radicais. “Era umdesejo que eu guardava desde a infân-cia, mas, como não tinha condições, es-perei até o momento em que poderiacustear as minhas aventuras”, explica.

Assim que chegou a Brasília Absa-lão foi morar em Taguatinga, onde não

deixou de lado o futebol, paixão com-partilhada com o irmão. Após algunsanos mudou-se para o Plano Piloto, ondese viu distante da família e dos espor-tes. “Quando mudei para cá fiquei sematividade física, mas logo comecei a cor-rer”, conta.

Da corrida para o mountain bike foium pulo. As trilhas, as paisagens e prin-cipalmente as cachoeiras fizeram comque ele se tornasse um praticante assí-duo desse esporte. “Adoro a natureza,o verde. Saía pra pedalar e sempre che-gava a uma cachoeira aqui perto deBrasília. Sempre gostei desses lugares,como o Jalapão e a Chapada dos Vea-deiros”, afirma.

Quando criança Absalão sonhava seaventurar, mas, além de morar no interi-or, a falta de dinheiro também o impe-dia de realizar seu desejo. Agora, porém,nada pode detê-lo. Depois da corrida edo mountain bike veio o rapel. Há doisanos ele teve sua primeira experiência,nas grutas da cidade de Bonito, MatoGrosso do Sul. Nem o medo que elesentia de cavernas foi um obstáculo.

“Fico feliz por praticar os esportesde que gosto e ainda me sinto livre dastoxinas do trabalho. Quando volto na se-gunda-feira, volto limpo”, diz.

Após o rapel veio a tiroleza, o arvo-rismo e o rafting (descida de rios comcorredeiras, em equipe, com botes inflá-veis) na cidade de Corumbá. “Foramquatro horas de descida com muita chu-va. Isso fez com o que o rio ficasse maisagitado. Foi um dos melhores esportesque já pratiquei”, lembra Absalão.

Mas seu coração bateu mais forte

aventurasUma vida de

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19Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

após uma de suas inúmeras visitas aoJalapão, em Tocantins, onde ele se en-cantou com uma comunidade rema-nescente de quilombolas chamadaMumbuca. Sensibilizado com a histó-ria da comunidade pobre, chamou osamigos para levarem mantimentos eroupas para doar aos moradores. Ogesto de solidariedade já completouseis anos. “Sempre na Semana Santalevamos as doações aos moradores. Eunasci no interior e não tinha nada, masminha mãe nunca negou nada às pes-soas que necessitavam de alimento.Acho que essa atitude dela me aju-dou a ser solidário”, avalia.

A saga do analista aventureiro estásó começando. Inspirado no explorador,jornalista e fotógrafo Airton Ortiz, quejá escreveu dez livros sobre suas via-gens internacionais, Absalão já montouum roteiro que começa em setembrodeste ano, com uma viagem à África,onde vai escalar o monte Kilimanjaro.

Um livro também está à caminho.É uma espécie de autobiografia, ondeo analista conta sua história de vida eum pouco da vida de sua mãe, umapessoa com grande força e garra. Masainda não há data para publicação. Pri-meiro Absalão vai se aposentar, nestemês de agosto, e viajar durante seismeses, praticando esportes radicais econhecendo o mundo.

Absalão com crianças quilombolasno Jalapão e praticando rapel(ao lado): sonhos realizados e roteiro“radical” para a aposentadoria

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

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22 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

TerraEles cuidam da

Num evento pioneiro, 400 crianças eadolescentes de 12 a 15 anos, eleitos em 46países, debatem responsabilidades e ações paracuidar do planeta guiados por três princípiosbásicos: jovem escolhe jovem, jovem educajovem e uma geração aprende com a outra

Jovens antenados:eles não são “ofuturo do país”, massujeitos de transfor-mação capazesdetomar decisões eatuar no presente

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22 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

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A Conferência Internacional reuniu400 crianças e adolescentes, entre 12 e15 anos de idade, eleitos em 46 países.Esses delegados contaram com o apoiode 80 facilitadores, jovens entre 18 e 25anos vindos dos países participantes e dasconferências estaduais brasileiras. Entre5 e 10 de junho deste ano, um centro detreinamento em Luziânia, cedido pelaConfederação Nacional dos Trabalhado-res na Indústria, transformou-se em ummicrocosmo, um espaço vivo e “pulsan-te”, como lá se gostava de falar.

Esse pequeno planeta teve tambémum acréscimo de cerca de cem pessoas,entre organização executi-va, oficineiros e equipe deapoio. O evento foi regis-trado por uma equipe devídeo e pelo grupo respon-sável pela comunidade vir-tual Vamos Cuidar do Pla-neta – espaço de encon-tro e desenvolvimento dacontinuidade da Confint.

O objetivo do encontrofoi “possibilitar que crianças e adoles-centes do mundo todo se apropriem lo-calmente de compromissos globais, as-sumindo responsabilidades para a cons-trução de sociedades sustentáveis”. Vin-das das mais diferentes realidades – An-gola, Guatemala, Índia, Canadá, Timor

Visão global,ações locais

Luísa Molina

m desavisado acharia que aterris-sou num país desconhecido. Jovens

com as mais diversas feições conversamem diferentes línguas. Em salas cheias, cri-anças e adolescentes reúnem-se em ro-das, discutem e escrevem, concentrados,acompanhados por facilitadores poucomais velhos, cujo trabalho é estimular odiálogo nos grupos. Por todo lado há car-tazes em português, inglês, francês e es-panhol – são as quatro línguas oficiaisdesse país curioso. A sensação de alegriaquase tangível se intensifica no intervalodas atividades, quando os grupos de me-ninas e meninos das mais variadas par-tes do mundo aproveitam para tocar tam-bores, cantar e dançar.

Não se trata de um país estranho,mas da reunião de muitos países em umsó espaço. A Conferência InternacionalInfantojuvenil Vamos Cuidar do Planeta(Confint) reuniu pela primeira vez na his-tória crianças e adolescentes de todosos continentes para refletir sobre as res-ponsabilidades e as ações (assim mes-mo, em itálico, com ênfase) de todos ede cada um frente às transformações queocorrem no planeta.

A atitude que aí se desenvolve temcomo uma das fontes de inspiração aÉtica do Cuidado de Leonardo Boff, que“protege, potencia, preserva, cura e pre-vine”, em uma atitude que “quando in-tervém na realidade o faz tomando emconsideração as consequências benéfi-

cas ou maléficas da intervenção”. As as-pas são de um texto oferecido aos parti-cipantes e facilitadores do evento, e ilus-tram um lado marcante da Conferência:a constante reflexão e a preocupaçãocom as discussões conceituais.

Essa preocupação transcende o mo-mento específico da Confint. Esteve pre-sente antes do seu nascimento, nas ex-periências pioneiras de discussão sobremeio ambiente e sociedade com crian-ças de todo o Brasil (veja box na página29). Está presente também nas redes degrupos que dão sustentação a essasiniciativas, como os Coletivos Jovensde Meio Ambiente. Há uma maturidadeímpar no movimento socioambiental bra-sileiro e latino-americano, que se pensa erepensa o tempo todo, imprimindo as suasidéias nas ações que empreende.

A Confint é fruto de tudo isso. Ela seguiou por três princípios: jovem escolhejovem, jovem educa jovem e uma gera-ção aprende com a outra. Essa é uma afir-mação da autonomia das crianças e ado-lescentes como sujeitos de transformação,capazes de tomar decisões e atuar no pre-sente – não como “o futuro do país”,como tanto se afirma. Há aí também umavisão processual das mudanças vividas erealizadas no mundo, e uma perspectivade continuidade das ações empreendidasno âmbito socioambiental. Também en-tende-se que o processo de participaçãopolítica no qual esses sujeitos estão en-volvidos é um processo de aprendizageme de produção de conhecimento.

Grupos de pessoasde 15 a 29 anosque atuam emquestões socioam-bientais. Integram aRede de Juventudepelo Meio Ambien-te e Sustentabilida-de (Rejuma).

FOTOS: VITOR MASSAO

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Leste, Paraguai, Estados Unidos, México,China, Guiné-Bissau, França, Itália, Chile, Pa-lestina – os jovens discutiram as mudançassocioambientais globais, focando-se emmudanças climáticas, e participaram de ofi-cinas temáticas e de edocomunicação.

Os delegados foram escolhidos em con-ferências municipais, estaduais e nacionaissobre meio ambiente em cada país, seguin-do o exemplo pioneiro do Brasil. Na Con-fint, organizados primeiro por continente edepois por idiomas, eles discutiram e con-densaram as propostas de seus países eelencaram ações ligadas às responsabilida-des expressas nessas propostas.

As discussões foram sintetizadas pelogrupo de delegados que redigiu a Carta dasResponsabilidades Vamos Cuidar do Pla-neta. Ela foi levada aos líderes de cada paíse divulgada pelos participantes, para queseus compromissos sejam apropriados lo-calmente. Pode ser assinada na internet portodos que desejem apoiar as propostas(http://carta.vamoscuidardoplaneta.net).Além do documento escrito, uma “cartamusical” também sintetizou as ideias daConferência (veja na comunidade virtualVamos Cuidar do Planeta).

A Confint foi um lugar de produ-ção de conhecimento nas oficinas re-alizadas – sobre agroflorestas, ener-gia solar, rádio e cobertura jornalísti-ca, entre outras. Foi também um espa-ço de intercâmbio e de convivênciaentre diferentes culturas. Danças, pal-mas, cantos e músicas, as mais diver-sas, eram parte vital da Conferência.Começava de manhã bem cedo, quan-do dois facilitadores (o brasileiro Ran-gel, coordenador da facilitação, e a ca-nadense Marie-Ève) juntavam os co-legas para tocar flautas e pandeirospelos corredores do CTE e acordar todomundo. E a todo momento se viam de-legados e facilitadores se juntando

O encontrodos tambores

A edocomunicação une educação ecomunicação. Defende o direito de

produzir informação: além de ler jornal,ouvir rádio e ver TV, as pessoas também

podem fazer jornal, rádio e TV.

O espírito de equipe nos tornoumais do que amigos; viramosirmãos. Não podemos salvar o

planeta sem antes nos unirmos.Bernardo Carvalho,

delegado de Portugal

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MEIO AMBIENTE

24 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

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25Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

para tocar e cantar.Um momento marcante ficou conhe-

cido como “o encontro de tambores”.Depois do jantar, um delegado da Gui-né-Bissau começou a tocar seu tamborao lado do refeitório. Logo foi seguidopelos seus colegas de delegação, quecantavam e dançavam. Em questão deminutos os delegados da Palestina sejuntaram aos da Guiné, levando seustambores também. Daí para uma gran-de festa não levou mais que um piscarde olhos: logo o saguão ficou lotado, comparticipantes de todos os países – dele-gados, facilitadores e adultos – e de to-das as áreas da Conferência.

Com tanta diversidade, naturalmen-te a organização do evento previu es-paços interculturais na programação;realizou um Festival das Culturas, comapresentações dos próprios delegados,

e uma mostra de fil-mes, objetos e ou-tros materiais trazi-dos dos vários paí-ses. Todos esses mo-mentos foram regis-trados e exibidos aovivo na internet.

Como o micro-cosmo que era, aConferência abri-gou atividades que aconteciam aomesmo tempo e o tempo todo. Osadultos acompanhantes das delega-ções tiveram uma programação para-lela à dos delegados e discutiram o en-volvimento de todos e de cada um noscompromissos firmados na Confint. Os80 jovens facilitadores também se reu-niram em um espaço onde começarama dar corpo e força a uma nova rede.

Vimos culturas do mundo todo.Eu estava sonhando acordada!Quando levantava, nãoqueria que o dia acabasse.

Sacha Pouliot-Ngo, delegada do Canadá

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Dança, canto, percussão: linguagensuniversais que acompanharam asquatro línguas oficiais do evento(inglês, francês, português e espanhol)

Confira esse e outros momentos nacomunidade virtual http://vamoscuidardoplaneta.net/videos/cobertura/

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26 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

A estrutura brasileira serviu comomodelo para a organização dos pro-cessos nos países participantes daConfint: conferências nas escolas pre-cedendo as etapas regional e nacio-nal (veja box). Na etapa nacional fo-ram escolhidos os delegados para aConferência Internacional. Foi pedidoaos países que elaborassem as suascartas das responsabilidades – um do-cumento que condensasse os compro-missos para cuidar do país, elabora-dos durante as conferências.

Essa proposta foi muito bem aco-lhida pelos países. Eventos emocionan-tes aconteceram pelo mundo afora. Porexemplo, depois da Conferência Naci-onal Vamos Cuidar da Guiné-Bissau,onde a delegação de doze meninos emeninas foi eleita, duzentas pessoas sa-íram em caminhada pelo centro de Bis-sau, a capital, para encontrar o presi-dente do país, Malam Bacai Sanha. Umdos delegados entregou em suas mãosa Carta de Responsabilidades VamosCuidar da Guiné-Bissau, propondo um

acordo para cui-dar do país juntocom os jovens. Odocumentár ioestá disponívelno blog da Co-munidade dosPaíses de LínguaP o r t u g u e s a(CPLP).

Assim comona Guiné-Bissau,os processos na-cionais nos ou-tros países delíngua portugue-sa – Angola, São

Crianças surpreendentes Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Moçam-bique, Timor Leste, Portugal e Brasil –foram notadamente ricos. A CPLP criouum projeto para incentivar e apoiar osseus membros na Confint; junto como MEC, elaborou um passo a passo queguiou as comissões organizadoras na-cionais, responsáveis pelos processosem cada país. Foi desenvolvido tam-bém um blog dos países da CPLP, ondeas experiências puderam ser divulga-das e compartilhadas.

No Brasil a seleção dos participan-tes da Confint se deu em uma platafor-ma virtual chamada Circuito de Apren-dizagem. Voltado para os delegados daIII Conferência Nacional Infanto-Juve-nil pelo Meio Ambiente, esse circuito foiuma ferramenta com três funções: deformação, com leituras e discussões; deação, com a realização de ações con-cretas ligadas aos temas discutidos; ede eleição da delegação brasileira paraa Conferência Internacional.

À exemplo da equipe que acom-panhou as conferências nos países daCPLP, os profissionais do MEC queacompanharam o Circuito de Apren-dizagem se impressionaram com oconteúdo das discussões dos jovens.O mesmo aconteceu com os facilita-dores das atividades da Confint: foi fre-

Pequenos delegados: crianças do mundo todo surpreenderam os facilitado-res do evento pelo grau de afinação com conceitos ambientais de ponta

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Pioneirismo brasileiro

A Confint nasceu para expandir para oresto do mundo uma bem-sucedida experiên-cia brasileira: construir espaços participativosonde crianças e jovens possam dialogar sobrequestões socioambientais e elaborar propos-tas de ação para sociedades sustentáveis. Sãoações propostas para escolas, comunidades,grupos e indivíduos.

A primeira etapa das conferências pelomeio ambiente foi feita em escolas em todo opaís, com discussões e elaboração de projetose propostas. A segunda etapa foi estadual eregional. Ali reuniram-se os participantes doseventos nas escolas e foram eleitos os dele-gados que participaram da Conferência Naci-onal Infanto-juvenil pelo Meio Ambiente (CNI-JMA). Esse processo aconteceu três vezes noBrasil, em 2003, 2006 e 2009.

As duas últimas conferências nacionaistiveram observadores estrangeiros interessa-dos em conhecer a iniciativa, que ao todoenvolveu 13 milhões de crianças e adolescen-tes em 20 mil escolas do país. Entre essesobservadores estava Edith Sizoo, representan-te do comitê do documento internacionalCarta das Responsabilidades Humanas.A partir do diálogo com Sizoo e com os jo-vens participantes das conferências, o Minis-tério da Educação brasileiro (MEC) abraçou odesafio de realizar uma conferência interna-cional e enviou convites para todo o mundo.

quente ouvi-los comentar que teriamque estudar muito para acompanharas reflexões das crianças e adolescen-tes, todos em perfeita afinação comos conceitos considerados “de ponta”na área socioambiental. E isso foi re-latado pelos facilitadores que acom-panharam a formação dos grupos emtodos os cinco continentes.

A Europa também se organizouantes da Conferência Internacional,com o seu próprio passo a passo, umsite próprio e um seminário entre ospaíses participantes (Itália, França, Re-pública Tcheca, Rússia, Alemanha, Por-tugal, Grécia e Espanha), logo depoisdas etapas nacionais. No seminário osjovens delegados discutiram ações emtorno de cinco temas trabalhados naConfint: água, terra, fogo, ar e socie-dade. Eles elaboraram, durante o se-minário e a Confint, o Manifesto Eu-ropeu Vamos Cuidar do Planeta.

Foi um encontro realde pessoas persistentese determinadas. Religião,etnia e qualquer outradiferença não forambarreiras. Eu mudei, sentiisso dentro de mim.

Audrey Marquis-Drolet,delegada do Canadá

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‘ ‘

Apresentações dos delegados:orgulho de mostrar seu país,alegria pela oportunidade deconhecer todos os outros

Quando fui dele-gado na 2ª ConferênciaNacional, eu tinha só13 anos. Meu sonhoera ser facilitador. Hojeeu me orgulho muitode ter trabalhado naConfint. Foi muito bomsaber o que as pessoaspensam e o que elasdesejam para o futuro.

Cristiano Costa, 18 anos,facilitador brasileiro

‘ ‘

‘ ‘Documento aprovado pela AssembleiaMundial de Cidadãos, em 2001. Parte

das dinâmicas da Aliança por um MundoResponsável, Plural e Unido, e tambémorienta os princípios da Confint, com oconceito de responsabilidade. Veja em

www.charter-human-responsibilities.net

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Para os meninos e meninas de 12 a 15anos de idade, a Conferência foi não só umtrabalho produtivo como também uma ex-periência inesquecível, rica em novidades eem contrastes. Eles chegaram com muitavontade de participar, expressar suas idei-as, mostrar o seu país e conhecer gente domundo todo. Alguns estavam saindo de suacidade pela primeira vez. Uma das delega-das, a matogrossense Letícia, contou quepara ter acesso à internet precisa enfrentarseis horas de caminhada à pé.

Enquanto as delegadas angolanasapresentavam um número de dança, umgrupo de pessoas que assistiam admira-das perguntou ao facilitador de São Tomée Príncipe: “Existe alguém na África quedance mal?” Ele pensou, pensou e respon-deu, sério: “Não.” Olinda Milagritos, jo-vem facilitadora peruana, declarou emo-cionada, no último dia da Conferência, quehavia realizado o sonho de conhecer omundo inteiro: ela o conheceu em todosos que estavam presentes ali.

A Confint foi não só um evento inova-dor, mas um espaço de convivência especi-al, onde cada participante viveu experiênci-as únicas. Delegados, facilitadores, organi-zadores, jornalistas, seguranças, cozinheiros– todos foram tocados por uma vivência quefoi além da estrutura do evento. Quem po-deria imaginar que, na despedida, os segu-ranças estariam chorando junto com os ado-lescentes? Ou que os participantes ofere-ceriam uma salva de palmas (além de mui-tas palavras de agradecimento) aos profis-sionais de limpeza, refeitório e hotelaria daequipe do CNTI, a instituição anfitriã?

No caso da Confint, essas formas deestar no espaço não eram exceção, masregra. Ao contrário do que comumente sevê, experiências dessa ordem não só eramacolhidas e positivadas por todos – orga-nização, facilitadores, apoio –, como tam-bém ativamente estimuladas. E não se trataapenas de emotividade ou troca de genti-lezas. Estamos falando de uma nova visãodos espaços participativos e políticos, ago-ra construídos como espaços essencial-mente (e não apesar de tudo) humanos.

Havia uma sala especial, chamada deSala do Bem-Estar, onde duas profissionaisde técnicas de cura alternativas e medici-na oriental cuidavam dos participantes comcarinho e competência. Um dos pilares daorganização de toda a Conferência era jus-tamente a equipe de bem-estar, que ob-servou os mais diversos elementos, comocomunicação com as famílias dos partici-

pantes, estrutura da hospedagem e alimen-tação durante o evento. E não apenas isso,mas também sutilezas que fizeram toda adiferença. Não era privilégio da equipe essaforma de estar e construir o espaço; erauma disposição geral nas equipes de lo-gística, de metodologia, de apoio etc.

E a Conferência, como um organismovivo, tinha um pulso alimentado e mantidopor todos. Esse pulso foi levado no últimodia do evento para o centro de Brasília, nogramado da Esplanada dos Ministérios. Ali,ele tomou forma de uma enorme espiral fei-ta por todos os presentes na Confint, demãos dadas, cantando “e todo mundo cui-da, oiê, oiê, cuida do planeta, oiê, oiê”. Emseguida, todos foram para o auditório doMuseu da República, onde a Carta das Res-ponsabilidades Vamos Cuidar do Planeta ea Carta Musical foram lançadas na presen-ça do Ministro da Educação, Fernando Ha-ddad, e outras autoridades.

Mas a Confint continua. Participantese apoiadores estão na comunidade virtualVamos Cuidar do Planeta e em outras re-des sociais, onde trocam informações so-bre ações, projetos e eventos em seus pa-íses. A facilitadora Ariadna Pomar contaque os jovens da Catalunha estão traba-lhando nas escolas com as responsabili-dades e ações da Confint e do manifestoeuropeu. Junto com os jovens do País Bas-co e da Galícia, eles estão organizando umencontro das escolas envolvidas nesse pro-jeto, para intercâmbio de experiências.

E o mundo gira...

A grande roda naEsplanada: espaços

políticos também sãoespaços humanos

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A Confint já tem vida própria,não pode parar. Estamos em

contato com o governo para nosapoiar na produção de materialeducativo para discutir as cartas

e sua implementação.Ariadna Pomar,

facilitadora da Catalunha

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VITOR MASSAO

MEIO AMBIENTE

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SAÚDE

Neste espaço, os psiquiatras YuriMatsumoto Macedo e André LuisMacedo publicam mensalmente artigossobre saúde mental. Para saber mais,acesse www.animaconsultorio.site.med.br

30 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

André Luis Macedo, especialistaem Psiquiatria, formou-se em Medi-cina pela UnB e fez residência emPsiquiatria no Hospital de Base doDF. É psiquiatra do TJDFT, membroda Associação Brasileira de Psiquia-tria (ABP) e da Associação Psiquiá-trica de Brasília (APB).

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Yuri Matsumoto Macedoformou-se em Medicina pelaUniversidade Federal do Pará, pós-graduou-se em Medicina doTrabalho pela UniversidadeEstadual do Pará e fez residênciaem Psiquiatria no Hospital de Basedo DF. Publicou o livro Louco équem me diz (2005), com casosverídicos de pacientes psiquiátricos.Também é membro da ABP e APBr.

uem não ouviu falar em crianças muitoagitadas ou desligadas? A imagem que

vem à mente é a do “capetinha” correndo,subindo, pulando, quebrando coisas e dandomuito trabalho para pais e professores. Ou acriança que vive no mundo da lua, alheia, per-dida em suas fantasias.Mas engana-se quemacha que estas sejam sempre inocentes carac-terísticas infantis.

O Transtorno do Déficit de Atenção e Hi-peratividade (TDAH) é uma condição patoló-gica descrita há décadas sob diversos nomes.Ela sempre começa na infância, mas podeacompanhar o sujeito até a vida adulta e cau-sar muito sofrimento. Caracteriza-se basica-mente por três sintomas: desatenção, hipe-ratividade e impulsividade. Em algumas pes-soas predomina a desatenção; em outras, ahiperatividade e a impulsividade. Há tambémo subtipo combinado, onde estão presentestodos os sintomas.

Se na infância podem ocorrer baixo rendi-mento escolar e dificuldades disciplinares e so-ciais difíceis de serem superadas, na vida adultao TDAH pode resultar em prejuízos ainda mai-ores, como, por exemplo, diminuição de pro-dutividade no trabalho, formação profissionalinferior ao potencial da pessoa, dificuldadesde relacionamento, tendência a largar proje-tos, desorganização, baixa auto-estima, uso dedrogas, depressão e outros transtornos.

O TDAH é uma doença do desenvolvimen-to do sistema nervoso central e possui fortecomponente genético. O transtorno atinge dequatro a cinco crianças e de dois a três adul-tos a cada cem habitantes. Estudos recentesmostram que ele tem distribuição mundial, ouseja, não é apenas um traço cultural.

Várias são as dificuldades no diagnósticodo TDAH. Ele é uma condição dimensional enão categorial – ou seja,todos nós temos ossintomas descritos nos questionários de avali-ação, pelo menos em alguns dias. O portador,porém, os têm sempre, intensamente, e acabasofrendo perdas irrecuperáveis por causa de-les. Outra dificuldade são as diferenças óbviasna sintomatologia da criança e do adulto. Alémdisso há o preconceito, tanto entre os leigos,portadores e familiares, quanto entre os pro-fissionais da área de saúde.

Para fazer o diagnóstico, psiquiatras e psi-cólogos experientes e capacitados sobre o as-sunto são os mais indicados. O tratamento doTDAH deve ser uma combinação de medica-mentos, orientação e técnicas psicoterápicasespecíficas que são ensinadas ao portador. Amedicação é parte muito importante do trata-mento e pode ser necessária para o resto davida, especialmente no caso dos adultos. A te-rapia é essencial na recuperação, principalmen-te quando há anos de prejuízos sociais e psi-cológicos acumulados.

MARQUE:a) Nuncab) Raramentec) Algumas vezesd) Frequentementee) Muito Frequentemente

PARTE A1. Com que frequência você comete errospor falta de atenção quando tem que traba-lhar num projeto chato ou difícil?2. Com que frequência você tem dificuldadepara manter a atenção quando está fazendoum trabalho chato ou repetitivo?

3. Com que frequência você tem dificuldadepara se concentrar no que as pessoas dizem,mesmo quando elas estão falando direta-mente com você?4. Com que frequência você deixa um proje-to pela metade depois de já ter feito as par-tes mais difíceis?5. Com que frequência você tem dificuldadepara fazer um trabalho que exige organização?6. Quando você precisa fazer algo que exigemuita concentração, com que frequênciavocê evita ou adia o início?7. Com que frequência você coloca as coisasfora do lugar ou tem dificuldade de encontrar

desatentosHiperativos e

Q

TESTE • Conheça os sintomas do TDAH

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31Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

as coisas em casa ou no trabalho?8. Com que frequência você se distraicom atividades ou barulho à sua volta?9. Com que frequência você tem dificul-dade para se lembrar de compromissos?

PARTE B1. Com que frequência você fica se me-xendo na cadeira ou balançando asmãos ou os pés quando precisa ficarsentado por muito tempo?2. Com que frequência você se levantada cadeira em reuniões ou em outrassituações em que deveria ficar sentado?

3. Com que frequência você sesente inquieto ou agitado?4. Com que frequência você temdificuldade para sossegar e relaxarquando tem tempo livre para você?5. Com que frequência você se senteativo demais, necessitando fazercoisas, como se estivesse “com ummotor ligado”?6. Com que frequência você se pegafalando demais em situações sociais?7. Quando você está conversando, comque frequência você se pega terminandoas frases das pessoas antes delas?

8. Com que frequência você temdificuldade para esperar nas situaçõesonde cada um tem a sua vez?9. Com que frequência você interrompeos outros quando eles estão ocupados?

ATENÇÃO! Este teste é apenasilustrativo. Quanto mais letras E e Dvocê marcou, maiores as chancesde ter TDAH. Mas é importantelembrar que só um especialistapode fazer o diagnóstico.

MUITAS PEDRAS NO CAMINHO • Depoimentos de pacientes

Meu apelido quando criança era“voador”. Eu tinha dificuldade demanter a atenção nas coisas. Nãotinha muitos amigos e passava boaparte do tempo em casa, perdido empensamentos. Era como viver em umabolha. Estudar era uma tortura. Lem-bro da dificuldade que tinha para meconcentrar nas aulas. Por mais que eutentasse, não dava certo. Sentia fortesdores de cabeça sempre que tentavame forçar a estudar. Em período deprova era mais complicado, travavatudo. Era um branco total. A pressãoanulava minha concentração.

Foram anos de sofrimento. Commuito esforço conseguir concluir ocurso de Engenharia Civil. Mas apartir daí as coisas ficaram mais difí-ceis. A atividade profissional exigiamuita atenção. Diante da pressão euficava confuso, não conseguia pensar,mal entendia os pedidos do chefe,tinha dificuldade de concluir tarefas,cometia erros frequentes.

Minha vida era uma bagunça.OTDAH dificultava expor as minhasideias, que eram muitas e desordena-das. Era uma confusão só na minhamente. Pensei várias vezes em desistirde tudo. Mas o quer eu podia fazer?Partir para outro ramo? Como? A

única coisa a fazer era continuar an-dando do jeito que dava.

Busquei respostas para o meuproblema, e nada. O transtorno aindanão era conhecido pelos psicólogosda minha antiga cidade. Tentei váriosexercícios de concentração e memó-ria, mudei a alimentação. Mas o avan-ço era muito pequeno. Estava perden-do a esperança de uma solução quan-do vi o TDAH na TV e busquei a ajudade uma especialista.

Aos 28 anos comecei a usar omedicamento. Minha vida mudoucompletamente. Hoje não perco maistempo, facilmente desenvolvo as mi-nhas atividades e meus pensamentosestão mais ordenados.

Mauricio da Silva,engenheiro civil

Minha primeira experiência defracasso escolar foi na pré-escola.Meus pais receberam a notícia de queeu não passaria para a 1ª série pornão conseguir acompanhar a turmanas atividades. Passei para os anosseguintes sempre com dificuldades eficando de recuperação, mesmo sendoestudiosa e esforçada. Só para teruma ideia, meus irmãos me apelida-

ram de “Lentina”, ou seja, lenta.A 6ª série foi a mais difícil, repeti

duas vezes. Eu achava que era mes-mo lenta e burra. O sentimento erade inferioridade. Outro dia, achei umpedaço de papel com anotações domeu pai referente a uma reunião depais que dizia: “Muito desatenta nasala de aula, muito desorganizadacom o material....”.

Até que consegui chegar ao anti-go 2º grau, com muita dificuldade eme sentindo mal por ser a mais velhada sala. No 1º ano tive a péssimaexperiência de ser reprovada maisuma vez. Resolvi fazer um supletivopara “terminar” os estudos, poisachava que não tinha capacidadeintelectual para fazer faculdade.

Após muita conversa com meunamorado, hoje meu marido, fuiconvencida de que era capaz. Paraminha surpresa passei para uma boafaculdade; apesar de algumas difi-culdades, virei uma psicóloga apai-xonada pela profissão. Hoje sou umapessoa realizada, tenho orgulho demim mesma por ter conseguidochegar aonde estou. Tenho meutrabalho reconhecido e pretendofazer especialização em TDAH. Façouso de medicamento e levo umavida normal e feliz.”

Catarina, psicóloga

“Era uma confusãona minha mente”

“Eu achava que eramesmo lenta e burra”

Indicação de leitura: Associação Brasileira do Déficit de Atenção • http://www.tdah.org.br

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BRASÍLIA DO BEM

Fabíola Góis

aria Perpétua Vieira da Silva, umabaiana de 46 anos, dedica-se à

causa social como um agradecimentopor estar viva. Moradora de SantaMaria, ela não economiza palavras pradizer que o que faz hoje é uma retri-buição a Deus por ter sido curada deum câncer (linfoma) quando tinha ape-nas 29 anos. Ficou um ano internada,entre a vida e a morte. Não só ficoulivre da doença como conseguiu terforças e saúde para cuidar dos outros.

Sem receber um centavo do gover-no, Perpétua montou há sete anos umaentidade para atender idosos caren-tes. O que seria um atendimento dire-

cionado aos velhinhos virou um pon-to para as demandas de mães soltei-ras, egressos do sistema penitenciárioe crianças. A Associação Adolescenteda Segunda e Terceira Idade (ADSTI)funciona na casa de Perpétua, que ab-dicou de viver sozinha com os filhosem uma casa de primeiro andar numaquadra humilde de Santa Maria paradividir o espaço com aqueles que pre-cisam de atenção. Ela divide os cômo-dos da residência com a Associação. Acasa não funciona como abrigo per-manente, mas serve de local para queidosos sejam alfabetizados e recebamorientações para aposentadoria; tam-bém há distribuição de verduras e fru-tas e ensino de artesanato.

Todo mundo ajuda: filhos, vizinhos,feirantes da Ceasa, comerciantes. Me-nos o governo. Ela até hoje não con-seguiu desenrolar a documentação daentidade para conseguir receber recur-sos do GDF. E não foi por falta de ori-entação e ajuda. Advogados se empe-nham para agilizar a tramitação, masa burocracia atrapalha.

A sorte é que, na mesma propor-ção do descaso do governo, há genteempenhada em mudar a realidade àsua volta. Nos quatro cantos do Dis-trito Federal, há homens e mulherespreocupados com o próximo. Associa-ções beneficentes, asilos de idosos,creches ser proliferam para atender

pessoas carentes que são esquecidaspelo Estado. Campanhas políticas vême vão, promessas se repetem, masmuito pouco é feito. E é cada vez maisdifícil diminuir as desigualdades soci-ais existentes nas cidades satélites quecircundam Brasília, a capital do país.

Perpétua é dessas pessoas que nas-cem predestinadas a se líder. Ela lem-bra que desde os dez anos de idade aju-da a mãe, devota de Nossa SenhoraPerpétua do Socorro, a organizar a fes-ta da Santa, em Bom Jesus da Lapa, naBahia. “Cresci com o dom de servir”,resume a baiana. Depois disso não pa-rou mais. Veio para Brasília em 1979ajudar a irmã a cuidar da filha. Depoistrabalhou como doméstica, terminou oensino médio e empregou-se em umaempresa privada, até se aposentar.

O trabalho voluntário no DF come-çou com o Grupo dos Vicentinos, liga-do à Igreja Católica. Ao fazer visitas nascomunidades carentes, Perpétua ficouainda mais perto das necessidades bá-sicas do ser humano: falta de alimento,roupas, remédios. E viu que havia gen-te muito mais humilde do que ela, queprecisava de atenção, de carinho, deamor. “Lembrava do tempo que fiqueiem cima de uma cama sem poder cui-dar dos meus filhos. E jurei que se Deusme deixasse cuidar deles ia servir aopróximo e continuar o trabalho Dele”,conta Perpétua, emocionada.

Perpétuasó não

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burocracia:todo mundo

ajuda aassociação,

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servirO dom de

Moradora de Santa Mariadivide a casa simples com

a sede da associação que elamesma criou para ajudar idosos

e outras pessoas carentes

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Ilda Pereira Porto,60 anos, e omarido Messias,80, aprenderama ler e escreverna escolinha daADSTI: orgulho doscadernos escolares

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BRASÍLIA DO BEM

Para ajudar a Associação Adolescenteda Segunda e Terceira Idade (ADSTI):3394-0553 / 8532-5365

A Associação tem um grupo deatendimento para 70 idosos, além de400 que são assistidos de alguma for-ma. Quem não sabe ler, aprende.Quem não tem profissão passa a ter.Quem não se aposentou conseguereceber o benefício. Simples assim. Éa dedicação dos voluntários (a enti-dade tem dez dirigentes) que promo-ve essas mudanças na vida das pes-soas, como na da aposentada MariaCeleste da Silva e Souza, uma riso-nha senhora de 69 anos que mal sa-bia ler e escrever e hoje conseguemuito mais que isso. Ela vive na co-munidade cercada por pessoas dequem gosta e com quem divide os no-vos ensinamentos. “Os voluntáriosnos levam para passear e dançar. As

pernas estão enferrujando, não pos-so parar”, diz.

Também é atendido na Associaçãoo casal Messias Pereira Porto, 80 anos,e Ilda Pereira Porto, 60 anos. Elesaprenderam a ler e escrever na esco-lhinha. A filha de Perpétua, Núbia daSilva Ribeiro, 25 anos, é quem alfa-betiza o grupo. Os dois têm dificul-dades na fala e não acreditavam quepudessem conseguir ler e escrever.Eles guardam os cadernos das aulascom orgulho. Perpétua também en-volveu a irmã nas atividades da As-sociação. Aluna das aulas de alfabe-tização, é ela quem atende os telefo-nemas e anota os recados.

O local para a sede da Associaçãojá existe, mas não há recursos finan-

ceiros para construir uma casa. A Ad-ministração da cidade cedeu o espaçohá seis anos; políticos prometeram aju-da, mas até agora nada. “Nossa ideiaé construir um local onde os mais ca-rentes possam ficar. Todo idoso quenos procura eu tenho que encaminharpara um abrigo, que está sempre cheiode gente”, comenta Perpétua.

O sonho dela – e dos demais vo-luntários – é ampliar o atendimento.“Há muitos filhos que batem e mal-tratam os idosos carentes. Só queremreceber a aposentadoria deles e nãoquerem compromissos”, denuncia.

Núbia, 25 anos,filha de Perpétua:alfabetizadora

CARLOS ALVES

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Óculos velhosou quebradosA Voriques Óptica recebeóculos com defeitos ou que-brados, conserta e doa paraidosos e crianças carentes.Contatos: Marina e Walace,3346-6100 e 3346-9692.Lojas: Centro Médico deBrasília (SHLS 716, bl. F, lj.16/43) Pátio Brasil (térreo,lj. 104W, fones 3225-8586 e3223-3496) e Gilberto Salo-mão (Lago Sul, fones 3248-6952 e 3364-3616). E-mails:[email protected] [email protected]

Adoção de animaisA Associação Protetora dosAnimais do DF (ProAnima)promove a adoção de ani-mais abandonados e recebedoação de remédios e ali-mentos. Contatos: 3032-3583 e [email protected]. SCLN 116, bl. I, lj. 31,subsolo, Ed. Cedro.

Jovens voluntáriosA ONG Sonhar Acordadoleva jovens para passar o diafazendo companhia acrianças carentes. Recebedoação de roupas, calçados,alimentos e materiais deconstrução. Contatos:Mateus, fones 9963-9639 e3468-3769. E-mail: [email protected]

ComputadoresO Centro de Democratizaçãoda Informática (CDI) é umaONG que trabalha com apopulação carente do DF eentorno. Conta com doaçãode equipamentos paracontinuar o trabalho. Conta-tos: (61) 3322-7233; MarcoIanniruberto ([email protected]) e Aldiza([email protected]).

Bicicletas usadasou com defeitoA ONG Rodas da Pazrecebe doação de bicicletasnovas, usadas ou comdefeito. Eles reformam edoam a crianças carentes.As que não têm consertoservem para fazer triciclospara deficientes. Contatos:Maurício (8408-8498)e Andréia (9986-2911 e3447-4551). E-mails:[email protected] ewww.osteixeiras.com.br

EletrodomésticosA cooperativa de reciclado-res de lixo 100 Dimensãorecebe eletrodomésticosusados ou com pequenosdefeitos, restaura e repassaa quem precisa. Fica na QN16 cj. 5, lt. 2, entrada doRiacho Fundo II. Contatos:Sônia (8442-3275) e Ângela([email protected]).

Livros infantis e outrosO projeto Casa do Saber jáimplantou 73 bibliotecas no DFe beneficia cerca de 160 milpessoas, tudo com doaçoes delivros. Doe nos postos da redeGasol ou agende o recolhimentopelo telefone 0800-614553.

Livros de qualquer tipoA ONG T-Bone fez bibliotecas em36 pontos de ônibus da W3 nor-te. Doações no Açougue CulturalT-Bone , das 8h às 19h. CLN 312,bl. B, lj. 27, fone 3274-1665.

Livros, CDs e RPGO Espaço Cultural COPE compra,vende e troca livros (novos eusados), CDs e jogos RPG. Elesdoam livros didáticos usadospara escolas públicas de ensinofundamental. Contatos:3274-1017 (CLN 409, bl. D, lj 19/43) e 3201-1017 (Feira dosImportados, cj. B, lj. 418/420).

Livros com temas ambientaisA Associação Amigos do Futurorecebe livros, vídeos, revistas emonografias sobre temas am-bientais. Contatos: 3346-0422.

Kimonos usadosO professor Tranquillini dáaulas de judô para crianças eadolescentes carentes de 7 a 17anos e precisa de kimonosusados. Contatos: 3224-7728 [email protected]

Doe sangue, salve vidasOnde doar:• Hospital de Base: SMHS,quadra 101, fone 3325-4050.

• Fundação Hospitalar do DF:SMHN, quadra 3, cj. A, bl. 3,próximo ao HRAN. Seg. a sex.,de 7h a 18h; sáb. de 7h a 12h.Contatos: fones 160 e 3327-4424/4410. Mais informaçõesno site www.fhb.df.gov.br

• Fundação Hemocentro: SMHNquadra 3, cj. A. Contatos: 3327-4462/64 e [email protected]

Potes de vidropara leite maternoSeus potes de vidro usadospodem ajudar a salvar vidas demuitos bebês (e seu leitetambém). Campanha do Berçáriodo Hospital Santa Helena.Atenção: apenas vidros comtampa de plástico. Acima de 30unidades eles buscam em casa.Contatos: 3215-0029.

RemédiosO HRAN recebe doação de remé-dios. Contato: Dra. Neide, 3325-4249, [email protected]

Roupas, alimentose brinquedosA Aldeias SOS recebe roupas,alimentos, brinquedos para crian-ças. Mais informações no sitewww.aldeiasinfantis.org.br

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Você também pode indicar entidades sociais que precisem de trabalho voluntário de qualquertipo, ou ainda de doações. Nossa equipe entra em contato com a instituição e inclui na lista.

Se você tem vontade de fazer um trabalho voluntário mas não sabe onde, escolhauma entidade na nossa lista. Tem muita gente precisando daquilo que você sabe fazer.

Vale tudo: de plantar árvores a visitar doentes; de advogar a pintar paredes; de contar históriasa consertar computadores; de fazer contabilidade a liderar campanhas. Veja a lista no nosso site.

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Antônio Carlos Queiroz, ACQ

ecentemente, ao tentar traduzir um po-ema de Emily Dickinson de 1862, per-

cebi, na sua leitura vertical, que a peça separece com um tapete ou uma toalha bor-dada. Além das rimas, algumas apenas visu-ais, saltaram aos olhos e aos ouvidos padrõesgráficos e fonéticos ao longo do texto.

Três clusters repetem-se nas quatro li-nhas da primeira estrofe: “Bird, did, bit,ate”, “down, know, Angle, fellow” e “Walk,saw, Worm, raw”.

A segunda estrofe bisa a expressão“And then” na primeira e na terceira linha,e a palavra “Grass” da segunda linha rimacom “pass”, da quarta..

Na terceira estrofe, destacam-se na mes-ma posição quatro verbos flexionados noparticípio passado: “glanced, hurried,

EmilyDickinson,poesia &bordado

Emily: ousadiae subversão dalinguagem

ESPECIAL

36 Revista do Sindjus • Ago/Set de 2010

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A Bird came down the Walk – He did not know I saw – He bit an Angle Worm in halvesAnd ate the fellow, raw,

And then, he drank a DewFrom a convenient Grass – And then hopped sidewise to the WallTo let a Beetle pass –

He glanced with rapid eyesThat hurried all abroad – They looked like frightened Beads, I thought – He stirred his Velvet Head. –

Like one in danger, Cautious,I offered him a CrumbAnd he unrolled his feathersAnd rowed him softer Home –

Than Oars divide the Ocean,Too silver for a seam – Or Butterflies, off Banks of Noon,Leap, plashless as they swim.

Passarim pousou no Passeio – Sem saber que eu o via – Trinchou uma minhoca ao meio E engoliu a bicha, crua,

Ele então bebeu o OrvalhoDe uma Grama vizinha – De banda pulou na MuralhaPra um Besouro passar –

Relançou os olhos ligeiros Assuntando a redondeza – Miçangas medrosas, pensei – Buliu a Testa Velosa. –

Como alguém em perigo, Cauto, Lhe atirei umas MigalhasE ele arrepiou as penas Remou pra casa mais calmo –

Que Remos que sulcam o Mar, Liso demais pra marola – Ou Borboletas que ao Meio-DiaSaltitam como a nadar.

looked, stirred”. A expressão “rapideyes” da primeira linha joga fonetica-mente com a expressão “like frightened”da terceira. De maneira imperfeita, apalavra “abroad” da segunda linharima com o vocábulo “Head” da quar-ta linha. Mais próximos, entretanto, fi-cam as palavras “abroad” e “thought”(terceira linha). E é interessante notaras rimas visuais de “Beads” (terceiralinha) com “Head” (quarta).

Jogos semelhantes ocorrem nasduas últimas estrofes. Por outro lado,chama a atenção esse tipo de jogotambém na leitura horizontal do poe-ma, como as consonâncias com “d”na primeira linha da segunda estrofe(he drank a Dew) ou com “p” na últi-ma linha do poema (Leap, plashless).

Os músicos diriam que há uma lei-

tura contrapontística linha a linha dopoema, e uma leitura vertical harmô-nica. É de se imaginar os efeitos sono-ros desse poema se ele fosse explora-do por um coral.

CRUA? – Sem título, como todos osoutros de Emily Dickinson, o poemaem análise conta o encontro de umapessoa com um passarinho que pousana calçada, come uma minhoca (crua!,mas desde quando passarinho cozinhaminhocas?), bebe uma gota de orva-lho e dá passagem a um besouro. Des-confiado, ele sonda os arredores, eseus olhos inquisitivos são compara-dos a contas assustadas. Na primeiralinha da quarta estrofe, uma ambigui-dade: quem fica em estado de alerta,o passarinho ou o observador? O ob-

servador oferece migalhas ao passari-nho que, no entanto, o esnoba e voltapara casa. As imagens do retorno sãobelíssimas. O bicho fica eriçado e vaiembora como se estivesse remando, demaneira mais tranquila do que remosque fendem o oceano, muito calmo, semondas. Essa tranquilidade é compara-da também às borboletas, que das prai-as de alguma região ensolarada (umpaís do Mediterrâneo ou algum paístropical?) voam como se estivessem na-dando, sem borrifos.

São inúmeras as possibilidades deinterpretação do poema. Na primeiraparte do poema, a natureza é flagra-da em estado bruto: um passarinho de-vora uma minhoca sangrando, bebeágua e, já saciado, deixa um besouropassar. Na segunda parte, um civiliza-

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Quem trata de poesia, trata de umtexto especial, muito diferente, porexemplo, do texto jornalístico (em ge-ral, objetivo, detalhista, colado no fac-tual), do texto científico (ainda maisobjetivo que o texto jornalístico, ri-goroso na definição prévia de concei-tos, para evitar ambigüidades), oumesmo do texto literário em prosa(que, aliás, pode trafegar com qual-quer dos outros gêneros, inclusive olírico, mas aí já é outra história). Ossignificantes na poesia costumam tersignificados abertos, ambíguos, vari-ados. Em poesia importa tanto o queé dito como a maneira como as coi-sas são ditas. Poesia é, sobretudo, ar-tesanato feito de palavras.

Para os estudiosos de literaturae os teóricos da comunicação, tudoisso é trivial. Para quem, como esterepórter, que traduz poemas deEmily Dickinson como hobby, lidarcom as características da poesiaconstitui permanente fonte de sur-presas e prazer estético.

Mais ainda por se tratar de EmilyDickinson (1830-1886), americana daNova Inglaterra, considerada por mui-tos como a maior poeta do mundodepois da grega Safo (630-612 a.C),sendo páreo para Walt Withman, Wi-lliam Blake e até mesmo Shakespeare.A vida, a morte, a natureza em estadobruto ou brutal, as dúvidas sobre aeternidade, as armadilhas armadas

Para um leitor brasileiro, o poema faz lembrar a maes-tria da arte da navegação de João Cândido, o almirantenegro que liderou no Brasil a Revolta da Chibata, em1910. Primeiro timoneiro do encouraçado Minas Gerais,Cândido era um dos maiores especialistas de sua época,só superado pelo kaiser alemão Guilherme II. Conta ohistoriador mineiro José Murilo Carvalho que ao chegarao Rio de Janeiro, o jurista e jornalista pernambucanoGilberto Amado manifestou admiração pela “perícia ma-gistral” do marinheiro, que “fazia parnasianismo de ma-nobra”. Quer dizer, navegava como quem faz poesia nomar, mas poesia parnasiana, preciosista, que valoriza asformas. O próprio Carvalho escreve que João Cândido“bordava as águas da baía com o lento e majestoso evo-luir dos encouraçados”. Bordar é outra arte preciosista,como a tapeçaria, cujas tramas de pontos coloridos tam-bém podem contar histórias. João Cândido, registra Car-valho, fazia bordados com agulhas e linhas, decorandotoalhas de mesa com passarinhos e corações flechados.

do intervém na cena, oferecendorestos de comida ao passarinho, quelhe dá as costas e vai embora. Naterceira parte, um olhar sublimadoda natureza, em que se compara oque se passa no ar com o que fluinas águas do mar. Seria uma via-gem desde a natureza até a civili-zação ou a transcendência? Umahistória do desenvolvimento da per-cepção artística?

É curiosa a precisa observação deDickinson sobre o vôo das borbole-tas, registrada 90 anos antes da in-venção do nado borboleta pelo ja-ponês Jiro Nagasawa! E também é in-teressante a expressão “Leap, plash-less”, que evoca a beleza de um saltoornamental, tanto mais perfeito e va-lorizado quanto menos faz borrifos.

Bordando águas

Artesanato de palavras

ESPECIAL

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João Cândido, o“navegante negro”:bordados, corações

e passarinhos

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pelo cérebro e os jogos da alma, tudoisso é matéria prima para a arte dessamulher, cujos mitos biográficos, infe-lizmente, obscurecem a sua obra –1.789 poemas e 1.049 cartas paramais de uma centena de correspon-dentes, também consideradas textospoéticos para todos os efeitos.

Dickinson trilhou caminhos muitodiferentes dos de seu contemporâneoWalt Withman. No lugar dos versosbrancos revolucionários daquele, seuspoemas cabem na fôrma clássica doshinos de igreja do reverendo inglêsIsaac Watts (1674-1748). Mas isso ésó o começo da conversa e impres-são da primeira leitura. A subversãoque ela fez da linguagem é tão gran-de e original que a consideram umadas precursoras do modernismo. Suas

ousadas características incluem oabuso de maiúsculas para enfatizarconceitos; rimas inusitadas; “desvios”gramaticais deliberados; adjetivaçãode substantivos e o contrário; flexõesverbais correntes apenas na normapopular do inglês; uso peculiar de tra-vessões para marcar pausas ou subs-tituir qualquer outro sinal de pontu-ação; extrema concisão obtida comviolentas elipses; e outros tantos tor-neios verbais para cavar novos valo-res semânticos.

Obviamente, esses recursos seprestam muito bem ao artesanatofeito de palavras. No caso de EmilyDickinson, porém, não se trata da artepela arte. Seus poemas, aparentemen-te fáceis mas muito difíceis de ler, comodiz o crítico Harold Bloom, não ape-

nas por causa da forma, mas por suaoriginalidade cognitiva, comunicamuma rica e inteligente visão artísticado mundo que transbordam os limitesde seu tempo, o final do século XIX,época em que os Estados Unidos en-frentaram a guerra civil e em que fazi-am história personalidades do naipede Abraham Lincoln, Karl Marx, Char-les Darwin e Franz Liszt.

Eis a definição que a própria EmilyDickinson deu de poesia: “Se leio umlivro (e) ele deixa meu corpo inteirogelado que nem um fogo pode aque-cer, eu sei que isso é poesia. Se fisica-mente eu sinto como se o topo da mi-nha cabeça fosse arrancado, eu sei queisso é poesia. Esses são os únicos jei-tos que eu tenho de saber. Será quetem outro jeito?”

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