VLS-1_V03_Relatorio_Final

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SERVIO PBLICO FEDERAL MINISTRIO DA DEFESA COMANDO DA AERONUTICA DEPARTAMENTO DE PESQUISAS E DESENVOLVIMENTO

RELATRIO DA INVESTIGAO DO ACIDENTE OCORRIDO COM O VLS-1 V03, EM 22 DE AGOSTO DE 2003, EM ALCNTARA, MARANHO

So Jos dos Campos Fevereiro 2004

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Primeiras impresses limitadas ao Ministro de Estado da Defesa, ao Comandante da Aeronutica, ao Diretor Geral do Departamento de Pesquisas e Desenvolvimento do Comando da Aeronutica, ao Diretor do Centro Tcnico Aeroespacial e Comisso Tcnica de Investigao do Acidente do VLS-1 V03 Fevereiro 2004 Impresses subseqentes e distribuio pelo Ministrio da Defesa

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RELATRIO DA INVESTIGAO DO ACIDENTE OCORRIDO COM O VLS-1 V03, EM 22 DE AGOSTO DE 2003, EM ALCNTARA, MARANHO

So Jos dos Campos, 10 de fevereiro de 2004

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PREFCIO

No incio da tarde do dia 22 de agosto de 2003, o terceiro prottipo do veculo lanador de satlites brasileiros (VLS-1 V03) foi destrudo por um incndio, durante os preparativos para o lanamento. Acidentes, como ensina a longa e freqentemente sofrida experincia humana, raramente so obras do acaso. Ao contrrio, costumam ser o ltimo elo de uma cadeia de eventos, razo pela qual formouse a conscincia de que as comisses constitudas para investig-los no devem ver a investigao como um fim em si mesma, mas como um poderoso instrumento de diagnstico, por meio do qual possvel atingir nveis de desempenho operacional mais seguros. Consoante a essa orientao, a Comisso Tcnica de Investigao foi dividida em quatro grupos, aqui referidos como Subcomisso do Fator Meteorolgico, do Fator Material, do Fator Operacional e do Fator Humano. As duas primeiras Subcomisses - Fator Meteorolgico e Fator Material - tiveram como objetivo principal identificar as possveis causas fsicas do acidente. As Subcomisses do Fator Operacional e do Fator Humano cobriram um amplo leque de aspectos individuais, psicossociais e organizacionais, visando permitir, ao final do processo, uma compreenso objetiva do acidente e das circunstncias em que ocorreu. O resultado de todo esse trabalho, conduzido ao longo de 172 dias, agora apresentado nas pginas deste relatrio. Ao conclu-lo e assin-lo, a Comisso Tcnica de Investigao afirma sua convico de que as atividades espaciais do Brasil, por seu contedo cientfico e tecnolgico, pelos benefcios sociedade e por sua importncia estratgica devem ter continuidade, porm na forma de um Programa de Estado (no de Governo) e sob o primado da segurana. Essas mudanas so consideradas essenciais para o fortalecimento e o conseqente sucesso do programa, o que alm de cumprirem a expectativa da sociedade brasileira, configurariam uma justa homenagem aos 21 profissionais que perderam a vida neste acidente.

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LISTAS DE ILUSTRAES 1. LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - SONDA I. Dimenses em milmetros...............................................................................................................2 Figura 2 SONDA I na rampa de lanamento. ...............................................................................................................3 Figura 3 - SONDA II. Dimenses em milmetros. ............................................................................................................3 Figura 4 - SONDA II na rampa de lanamento. ..............................................................................................................4 Figura 5 - SONDA III. Dimenses em milmetros. ..........................................................................................................4 Figura 6 SONDA III na rampa de lanamento. ............................................................................................................5 Figura 7 - SONDA IV. Dimenses em milmetros............................................................................................................6 Figura 8 SONDA IV na mesa de lanamento................................................................................................................6 Figura 9 - Configurao do VLS-1. ..................................................................................................................................8 Figura 10 - Configurao do primeiro estgio. ...............................................................................................................9 Figura 11 Configurao do segundo estgio. ................................................................................................................9 Figura 12 Configurao do terceiro estgio. ...............................................................................................................10 Figura 13 - Configurao do quarto estgio...................................................................................................................10 Figura 14 Configurao da coifa principal. ................................................................................................................11 Figura 15 - Perfil tpico de misso do VLS-1..................................................................................................................13 Figura 16 - Sntese do plano de montagem.....................................................................................................................15 Figura 17 - Teste das redes eltricas integradas. ............................................................................................................15 Figura 18 - Teste de pirotcnicos do sistema de separao do primeiro estgio............................................................15 Figura 19 - Teste de separao da coifa principal..........................................................................................................16 Figura 20 - Carregamento da aeronave Hrcules (C-130) em D-68..............................................................................17 Figura 21 - Propulsor estocado no CLA, quando da interrupo da Operao So Lus.............................................17 Figura 22 - Vista do prdio de preparao dos propulsores na retomada da Operao................................................17 Figura 23 - Iamento para integrao do segundo estgio. ...........................................................................................18 Figura 24 - Iamento para integrao do primeiro estgio............................................................................................19 Figura 25 - Colocao propulsor B do primeiro estgio. ...............................................................................................19 Figura 26 - Terceiro estgio j acoplado no VLS-1 V03. ...............................................................................................19 Figura 27 - Baia de controle sendo integrada ao Veculo, na torre mvel de integrao. ............................................19 Figura 28 - Vista interna da baia de equipamentos. .......................................................................................................20 Figura 29 - Integrao do quarto estgio........................................................................................................................20 Figura 30 - Acoplamento do satlite ao Veculo. ............................................................................................................20 Figura 31 - Fechamento da coifa principal. ...................................................................................................................20 Figura 32 - Verificao da verticalidade do Veculo. .....................................................................................................21 Figura 33 - Imagem do satlite meteorolgico GOES - 12, canal dois infravermelho, 00h 11min, horrio local, do dia 17 de agosto. ............................................................................................................................24 Figura 34 - Imagem do satlite meteorolgico GOES - 12, canal dois infravermelho, s 18h 39min, horrio local, do dia 17 de agosto. ............................................................................................................................25 Figura 35 - Imagem do satlite meteorolgico GOES 12, canal dois infravermelho, s 21h 12min, horrio local, do dia 18 de agosto. ............................................................................................................................25 Figura 36 - Distribuio dos valores de precipitao que ocorreram na madrugada do dia 19 de agosto. Dados coletados pela estao DAVIS......................................................................................................................26 Figura 37 - Imagem GOES 12 visvel, das 12h, horrio local, do dia 22 de agosto. ..................................................26 Figura 38 - Vista area do setor de preparao e lanamento do CLA..........................................................................28 Figura 39 - Vista frontal da torre mvel de integrao ..................................................................................................28 Figura 40 - Esboo representando o VLS-1 V03 no interior da torre mvel de integrao. As siglas utilizadas no esboo so: TMI torre mvel de integrao; PPP prdio de preparao dos propulsores..............29Fevereiro 2004

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Figura 41 - Registro das cmeras de vigilncia do CLA, no instante de 13h 26min 06s. A imagem da cmera 4 foi editada com o objetivo de remover as pessoas presentes no local. ........................................................30 Figura 42 - Registro das cmeras de vigilncia do CLA, no instante de 13h 26min 07s. A imagem da cmera 4 foi editada com o objetivo de remover as pessoas presentes no local. ........................................................31 Figura 43 - Registro da imagem tomada pela cmera 6, localizada sobre o prdio de preparao de propulsores....................................................................................................................................................32 Figura 44 - Claro observado na parte mais alta da torre mvel de integrao s 13h 30min 27s. .............................32 Figura 45 - Propulsor do quarto estgio lanado para fora da torre mvel de integrao. .......................................32 Figura 46 - Fragmento de bloco propelente do quarto estgio queimando no solo. .....................................................32 Figura 47 - Detalhe dos planos inclinados formados pelos defletores. ..........................................................................33 Figura 48 - Defletor que ficava posicionado sob o propulsor A ....................................................................................33 Figura 49 - Defletor que ficava posicionado sob o propulsor A.....................................................................................33 Figura 50 - Defletor de um dos trs outros propulsores do primeiro estgio.................................................................33 Figura 51 - Vista superior da parte central da mesa de lanamento. O vo central ficava exatamente em baixo do propulsor do segundo estgio. esquerda, no vo, possvel observar o que restou do propulsor.......................................................................................................................................................34 Figura 52 - Representao esquemtica de uma tubeira................................................................................................34 Figura 53 - Garganta do propulsor do segundo estgio. ................................................................................................34 Figura 54 - Detalhe do inserto carbono-carbono da garganta do propulsor do segundo estgio.................................34 Figura 55 - Garganta do propulsor A do primeiro estgio. ............................................................................................34 Figura 56 - Detalhe do inserto carbono-carbono da garganta do propulsor A do primeiro estgio. Observa-se que h estrias (ou desgaste) aparentes, o que indica que fluxo de gases passou por essa regio..........35 Figura 57 - Imagem das vigas que tiveram material removido por ao do jato de gs quente do propulsor A (ao de maarico). ......................................................................................................................................35 Figura 58 - Vista lateral da torre mvel de integrao, lado dos propulsores A e B. ....................................................36 Figura 59 - Vista lateral da torre mvel de integrao, lado dos propulsores C e D. ....................................................36 Figura 60 - Vista da parte traseira da torre mvel de integrao, lado dos propulsores A e B.....................................36 Figura 61 - Vista lateral direita da torre mvel de integrao, mostrando, no detalhe, as regies de deposio de resduos de alumnio. A regio identificada com o nmero 02 a do cone de deposio de alumnio; a de nmero 01 assinala dois pontos onde blocos de propelente queimaram. ..........................36 Figura 62 - Detalhe do piso de concreto, na lateral direita da torre mvel de integrao, podendo-se perceber, com clareza, a deposio de resduos de alumnio em forma de cone, projetando-se, inclusive, sobre o guarda-corpo que protege a entrada da sala de interface. .............................................................37 Figura 63 - Causas possveis do funcionamento intempestivo do propulsor A (primeiro nvel da rvore de falha).............................................................................................................................................................39 Figura 64 - Conjunto de ignio dos propulsores do VLS. ............................................................................................40 Figura 65 - Possveis causas de ignio do propulsor A do primeiro estgio. ...............................................................41 Figura 66 - Vista superior de um propulsor, mostrando a posio dos detonadores e dos dois sensores de presso........................................................................................................................................................42 Figura 67 - Conjuntos de iniciao recuperados. Da esquerda para a direita: par de conjuntos pertencentes ao propulsor A, conjunto do estoque, conjunto do propulsor B e conjunto reserva, queimado no incndio.........................................................................................................................................................43 Figura 68 - Da esquerda para a direita, o primeiro conjunto pertence ao propulsor B e o segundo e terceiro pertencem ao .propulsor do quarto estgio..................................................................................................43 Figura 69 - Da esquerda para a direita, os dois primeiros conjuntos eram conjuntos reservas; o terceiro um conjunto que estava montado no propulsor D; o quarto conjunto pertencia ao segundo estgio e o quinto e o sexto pertenciam ao propulsor C.......................................................................................43 Figura 70 - Esboo da mesa de lanamento, em duas vistas, mostrando a posio dos destroos identificados..........44 Figura 71 - Radiografia superior: conjunto original do sistema de ignio (no acionado), com destaque de algumas partes do detonador eltrico (pea inferior) e do iniciador por onda de choque (pea superior). Radiografia inferior: conjunto de iniciao ensaiado no Instituto de Aeronutica e Espao (CTA/IAE) (conjunto acionado). ....................................................................................................45

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Figura 72 - Radiografias dos conjuntos de iniciao recuperados. Na primeira linha, da esquerda para a direita: conjunto dos propulsores A e B; o terceiro um dos reservas. Segunda linha, tambm da esquerda para a direita: conjunto do propulsor B e dois do propulsor do quarto estgio. ................46 Figura 73 - Conjuntos de iniciao do propulsor C (em corte), evidenciando caractersticas de detonao, tanto nos detonadores quanto nos iniciadores por onda de choque. .......................................................47 Figura 74 - Conjuntos de iniciao do propulsor C, nicos encontrados em seus alojamentos de alumnio. .............47 Figura 75 - Radiografia do segundo conjunto de iniciao do propulsor A do primeiro estgio. ................................47 Figura 76 - Radiografia de um conjunto de iniciao original (no acionado). ...........................................................47 Figura 77 - Causas possveis de acionamento do detonador pela linha de fogo........................................................48 Figura 78 - Fotografia do detonador suspeito de ter provocado o acionamento intempestivo do propulsor A. Observa-se que os pinos de conexo no sofreram entortamento. Em aproveitamento, mostrada tambm a deformao provocada pelo acionamento do detonador............................................................50 Figura 79 - Sistema eltrico de ignio dos propulsores do primeiro estgio................................................................50 Figura 80 - Vista frontal do painel de disparo (titular superior - e reserva inferior). .............................................51 Figura 81 - Vista traseira do painel de disparo. (titular superior - e reserva inferior)............................................51 Figura 82 - Quadro de distribuio de linhas umbilicais da casamata mostrando a integridade das ligaes das linhas utilizadas para comandar o funcionamento dos propulsores do primeiro estgio. ..................52 Figura 83 - Quadro de distribuio de linhas umbilicais da sala de interface mostrando a integridade das ligaes das linhas utilizadas para comandar o funcionamento dos propulsores do primeiro estgio. ..........................................................................................................................................................52 Figura 84 - Componente pirotcnico ntegro aps 02 horas e 03 minutos de ensaio com baixa corrente. ..................53 Figura 85 - Detalhe do dispositivo de passagem de corrente pela carcaa do detonador..............................................53 Figura 86 - Posicionamento dos conectores....................................................................................................................53 Figura 87 - Conector utilizado no Veculo......................................................................................................................54 Figura 88 - Representao simplificada da linha de fogo com a caixa de rels na condio de SEGURANA...............................................................................................................................................55 Figura 89 - Centelha saltando do pino para a carcaa, durante a simulao em laboratrio......................................56 Figura 90 rvore de falhas(a). .....................................................................................................................................57 Figura 91 rvore de falhas (b). ....................................................................................................................................58 Figura 92 - Vistas de caixas de passagem de cabos eltrico...........................................................................................63 Figura 93 - Organograma das funes de segurana operacional do CLA. Referncia: documento Sntese da Qualidade dos Meios Operacionais. ............................................................................................................64 Figura 94 - Estrutura funcional da Operao, segundo o documento Sntese da Qualidade dos Meios Operacionais.................................................................................................................................................64 Figura 95 - Organograma de coordenao da Operao So Lus, segundo o Plano de Operaes 006/2002 DEPED (de 15 de julho de 2002).................................................................................................................64 Figura 96 - Modelo Reason, apresentado por Moreira14................................................................................................76 Figura 97 - Necessidade de recursos humanos, conforme visualizado pela Misso Espacial Completa Brasileira, para a conduo da vertente de lanadores e tecnologias associadas, a cargo do Ministrio da Aeronutica. ..........................................................................................................................77 Figura 98 - Recursos humanos efetivamente alocados para desenvolvimento de lanadores e tecnologias associadas. Fonte: Instituto de Aeronutica e Espao (CTA/IAE). Referncia: julho de 2003. ...............78 Figura 99 - Comparao entre os recursos humanos mnimos necessrios e os efetivamente alocados......................78 Figura 100 - Totais acumulados de recursos financeiros, conforme estimados pela Misso Espacial Completa Brasileira (MECB), para a conduo da vertente de lanadores e tecnologias associadas, a cargo do Ministrio da Aeronutica. O planejamento da MECB estendeu-se at 1996, apenas. Fonte: CTA/IAE. ......................................................................................................................................................80 Figura 101 - Comparao entre valores acumulados de recursos financeiros estimados (curva superior) e os efetivamente alocados (curva inferior) para a conduo da vertente de lanadores e tecnologias associadas. Fonte: CTA/IAE.....................................................................................................................81 Figura 102 - Desembolso anual de recursos financeiros para a conduo da vertente de veculos lanadores e infra-estruturas associadas, a cargo do Ministrio da Aeronutica. Fontes: Agncia Espacial Brasileira - AEB (Jan/2004) e MECB. .....................................................................................................81 Figura 103 - Distribuio, por cargo, dos servidores vitimados no acidente. ................................................................90Fevereiro 2004

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Figura 104 - Distribuio, por tempo de servio, dos servidores vitimados no acidente. ..............................................90 Figura 105 - Distribuio por faixa etria. .....................................................................................................................90 Figura 106 - Qualificao bsica para a funo. ...........................................................................................................91 Figura 107 - Qualificao especfica para a funo.......................................................................................................91 Figura 108 - Quantidade de servidores por escore (grau) de avaliao da formao bsica para a capacitao em segurana do trabalho. ........................................................................................................................92 Figura 109 - Quantidade de servidores por escore (grau) de avaliao da formao especfica para a capacitao em segurana do trabalho.....................................................................................................92 Figura 110 - Representao na forma de diagrama de barras das distribuies dos servidores que participaram da Operao So Lus, por tempo de servio no CTA e por experincia especfica com foguetes, veculos lanadores e bancos de prova. .............................................................................93 Figura 111 - Nmero de especializaes concludas entre 1999 e a data da Operao So Lus.................................95 Figura 112 - Qualificao bsica e especfica para o desempenho da funo. .............................................................95 Figura 113 - Distribuies relativas formao bsica e especializada em segurana do trabalho. ...........................95

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2. LISTA DE TABELASTabela 1 - Condio constada nos exames a que foram submetidas as gargantas de tubeiras encontradas................35 Tabela 2 Tabela de lotao para o CTA, segundo a Exposio de Motivos no 95-R, da SEPLAN. Obs. referese a todo o CTA, incluindo a Direo do Centro, o Instituto de Fomento e Coordenao Industrial (CTA/IFI), o Instituto de Estudos Avanados (CTA/IEAv), o Instituto Tecnolgico de Aeronutica (CTA/ITA), o Instituto de Aeronutica e Espao (CTA/IAE) e o Grupo de Infraestrutura e Apoio (CTA/GIA).......................................................................................................................79 Tabela 3 - Tabela de lotao para todo o CTA, segundo a Exposio de Motivos no 078, da SEPLAN.......................79 Tabela 4 - Tabela de lotao para todo o CTA, segundo o Decreto no 1.085, de 14 de maro de 1994.........................79 Tabela 5 - Distribuio das entrevistas com profissionais do CTA e com membros da Comisso Tcnica de Investigao.....................................................................................................................................................82 Tabela 6 - Distribuio das entrevistas com profissionais do Instituto de Aeronutica e Espao (CTA/IAE). ............82 Tabela 7 - Distribuio das entrevistas com os integrantes da Operao So Lus, pertencentes ao CLA...................83 Tabela 8 - Distribuio das entrevistas com os integrantes da Operao So Lus, pertencentes ao CLBI. ................83 Tabela 9 - Distribuio dos servidores participantes da Operao So Lus, por nvel de escolaridade (excetuando os vitimados no acidente). .......................................................................................................92 Tabela 10 - Distribuio dos servidores, por cargo.........................................................................................................93 Tabela 11 - Distribuio dos servidores que participaram da Operao So Lus, por tempo de servio no CTA e por experincia especfica com foguetes, veculos lanadores e bancos de prova...................................93 Tabela 12 - Nmero de perodos de participao na Operao So Lus. .....................................................................94 Tabela 13 - Distribuio dos participantes da Operao So Lus, por faixa etria. ....................................................94 Tabela 14 - Distribuio dos servidores participantes da Operao So Lus tomando por base o tempo decorrido entre sua ltima especializao (curso ou estgio diretamente relacionado com o projeto do VLS-1 e tecnologias associadas) e a Operao. .........................................................................94

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SUMRIO

PREFCIO LISTAS DE ILUSTRAES CAPTULO 1 O VLS-1 NO CONTEXTO DO PROGRAMA ESPACIAL BRASILEIRO ....... 1 CAPTULO 2 A OPERAO SO LUS.......................................................................... 14 CAPTULO 3 A INVESTIGAO ................................................................................... 22 3.1 FATOR METEOROLGICO ......................................................... 24 Concluses parciais................................................................... 26 Recomendaes parciais .......................................................... 27 3.2 FATOR MATERIAL.................................................................... 283.2.1.1 3.2.1.2 3.2.1.3 Energia cintica de estilhaos .................................. 39 Eletricidade esttica no propelente ......................... 39 Ignio do propulsor ................................................ 39

3.2.1 Construo e discusso da rvore de falha .................. 39

3.2.1.3.1 Ocorrncia de descarga atmosfrica (raio) ......................41 3.2.1.3.2 Ocorrncia de uma descarga eltrica interna (centelha) no sensor de presso do ignitor ....................41 3.2.1.3.3 Corrente eltrica atravs da linha de fogo ..................42

3.2.1.3.3.1 Tenso eltrica induzida na linha de fogo ..........49 3.2.1.3.3.2 Tenso eltrica entre o detonador e a carcaa......49 3.2.1.3.3.3 Tenso eltrica no detonador pelo circuito normal de disparo ..................................................50 3.2.1.3.3.4 Corrente eltrica entre pinos de conectores .........53 3.2.1.3.4 Descarga eletrosttica no interior do detonador ............. 54

3.2.2 rvore de falha completa ............................................... 56 3.2.3 Consideraes adicionais ............................................... 59 Concluses parciais................................................................... 61 Recomendaes parciais .......................................................... 62

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3.3

FATOR OPERACIONAL .............................................................. 63

3.3.1 Consideraes sobre o apoio ao lanamento por parte do CLA ................................................................... 63 3.3.2 Consideraes sobre a segurana operacional ............ 643.3.2.1 Segurana de terra (algumas vezes chamada de segurana de superfcie ou ainda de segurana de solo) ..................................................................... 65 Segurana de plataforma ......................................... 66 Segurana de vo ..................................................... 67

3.3.2.2 3.3.2.3

3.3.3 Planejamento e coordenao das atividades.......................... 67 3.3.4 Consideraes sobre gesto da qualidade .............................. 70 3.3.5 Consideraes sobre a documentao de projeto e controle de configuraes ...................................................... 71

Concluses parciais................................................................... 72 Recomendaes parciais .......................................................... 73 3.4 FATOR HUMANO ........................................................................ 76 3.4.1 Consideraes sobre o clima psicossocial .................... 83 3.4.2 Consideraes sobre macro-ergonomia........................ 833.4.2.1 3.4.2.2 3.4.2.3 3.4.2.4 Reestruturao funcional ......................................... 84 Condicionantes externos que dificultam a execuo dos trabalhos ............................................ 84 Recursos humanos.................................................... 84 Organizao do trabalho, fluxo de informaes e relacionamento interpessoal ................................. 85

3.4.3 Consideraes sobre o ambiente fsico de trabalho..... 86 3.4.4 Consideraes sobre o apoio proporcionado pelo Centro de Lanamento de Alcntara ............................. 86 3.4.5 Consideraes sobre o transporte areo ...................... 87 3.4.6 Consideraes sobre a atuao ps-acidente .............. 87 3.4.7 Consideraes sobre postos de trabalho ...................... 88 3.4.8 Segurana do trabalho ................................................... 88 3.4.9 Consideraes sobre a capacitao tcnica.................. 893.4.9.1 3.4.9.2 Grupo das vtimas ..................................................... 89 Grupo formado pelos demais participantes da Operao So Lus .................................................... 92

3.4.10 Outras consideraes .................................................... 96Fevereiro 2004

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Concluses parciais................................................................... 96 Recomendaes parciais .......................................................... 97 CAPTULO 4 CONCLUSES.......................................................................................... 99 CAPTULO 5 RECOMENDAES.................................................................................. 103 ANEXOS .................................................................................................................... 108 REFERNCIAS ........................................................................................................... 117

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CAPTULO 1

O VLS-1 no contexto do Programa Espacial BrasileiroConsta que as primeiras atividades espaciais em solo brasileiro foram conduzidas a partir de 1956, quando, por quatro anos, norteamericanos instalaram e operaram, em Fernando de Noronha, uma estao para rastreio de foguetes lanados de Cabo Canaveral (hoje Cabo Kennedy)1. J no ano seguinte ao incio dessas operaes, mas agora no Centro Tcnico Aeroespacial CTA, dois alunos do Instituto Tecnolgico de Aeronutica ITA, o TenenteAviador Fernando Mendona e o Senhor Jlio Alberto de Moraes Coutinho, construram uma estao para recepo de sinais de satlites, com a qual conseguiram captar sinais do satlite sovitico SPUTINIK e do norte-americano EXPLORER I1,2, faanha que lhes valeu o Prmio Shell-Mox. A par do interesse que despertava a corrida espacial disputada entre os soviticos e os norte-americanos, havia grande expectativa em relao ao Ano Geofsico Internacional, programado para 1958, em funo da previso de ocorrncia de intensa atividade solar, o que propiciaria excepcionais condies para estudo dos efeitos sobre a Terra2. Os assuntos relativos a espao recebiam, assim, grande ateno da imprensa internacional e nacional. Na seqncia dos eventos, teve lugar na Argentina, em 1960, a 1a Reunio Interamericana de Pesquisas Espaciais, da qual participou o Sr. Luiz Gonzaga Bevilcqua, presidente honorrio da Sociedade Interplanetria Brasileira. Entre as metas acordadas naquela reunio, ficou estabelecido que cada grupo local dever incentivar a formao de comisses nacionais governamentais ou o apoio estatal para uma maior atividade em pesquisa espacial2. Disso resultou a criao, em 03 de agosto de 1961, do Grupo Organizador da Comisso Nacional de Atividades Espaciais GOCNAE, que teve como primeiro presidente o Coronel-Aviador Aldo Vieira Rosa. O GOCNAE era vinculado ao Conselho Nacional de Pesquisas CNPq e foi instalado, inicialmente, em uma sala emprestada pelo CTA, passando para suas instalaes prprias em 1963, em rea cedida pelo mesmo CTA. Como decorrncia da participao ativa de militares do ento Ministrio da Aeronutica desde a fase inicial das atividades espaciais no Brasil, o Brigadeiro-do-Ar Nelson Baena visitou a j agora CNAE, fato que deu origem ao Ofcio CIDC/64, de 03 de fevereiro de 1964, enviado pela CNAE ao Ministro da Aeronutica, com vistas ao estabelecimento de um trabalho conjunto entre as duas instituies3. Na poca, o diretor cientfico da CNAE era o Capito-Aviador Fernando Mendona, que, embora pertencesse ao servio ativo do Ministrio da Aeronutica, havia sido colocado disposio do CNPq. Com base nesse ofcio, foi criado, em 1964, o GTEPE, depois renomeado GETEPE (Grupo Executivo de Trabalhos de Estudos de Projetos Espaciais), subordinado ao Estado-Maior da Aeronutica, com o objetivo de: a) estabelecer um campo de lanamento de foguetes e preparar equipes especializadas em lanamentos; b) estabelecer programas de sondagens meteorolgicas e ionosfricas em cooperao com organizaes estrangeiras; e

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c) incentivar a indstria privada brasileira a galgar os degraus da tecnologia espacial. Na prtica, o GETEPE veio a constituir o brao operacional das atividades espaciais no Brasil, o que propiciou seu rpido desenvolvimento, notadamente na rea de campos de lanamento e veculos de sondagem. De fato, uma das primeiras aes do GETEPE foi a escolha de uma rea prxima cidade de Natal, RN, para construo do que viria a ser o Centro de Lanamento da Barreira do Inferno CLBI, inaugurado em 15 de dezembro de 1965, com o lanamento de um foguete norteamericano NIKE-APACHE. O sucesso desse lanamento, por sinal, foi resultado tambm do treinamento recebido pelas equipes brasileiras no Wallops Flight Center e no Goddard Space Flight Center, ambos da NASA. Seguiram-se, aps a inaugurao do CLBI em 1965, at o ano de 1970, mais de uma centena de lanamentos. Alguns deles j da srie nacional de foguetes de sondagem, desdobramento natural da assinatura, ainda em 1965, de um convnio entre o CNPq/CNAE, a NASA e a CNIE (Comissin Nacional de Investigaciones Espaciales), da Argentina, como parte do Projeto EXAMETNET (Cadeia Interamericana Experimental de Foguetes Meteorolgicos)3. A srie inicial de foguetes nacionais foi designada SONDA e consistiu de quatro modelos, por meio dos quais buscavam-se sucessivos ganhos em capacitao para projeto, produo e lanamento de foguetes. O SONDA I era um foguete simples, de dois estgios, com massa de decolagem de apenas 59 kg, especificado pelo GETEPE e encomendado AVIBRS AEROESPACIAL, de So Jos dos Campos. Seu apogeu era de 65 km, com uma capacidade para carga til de 4 kg (Figuras 1 e 2). Ao todo, foram lanados cerca de 225 desses foguetes4, entre 1967, data do vo do primeiro prottipo, e 1977.

Figura 1 - SONDA I. Dimenses em milmetros.Fevereiro 2004

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Figura 2 SONDA I na rampa de lanamento. Embora diversas tecnologias tenham sido desenvolvidas no Pas para viabilizar o SONDA I, merece citao particular o domnio da tecnologia para produo de tubos de alumnio sem costura, resultado do envolvimento da TERMOMECNICA SO PAULO S.A.. Essa tecnologia foi desenvolvida no apenas para a confeco do envoltrio dos propulsores dos SONDA I, como tambm para os foguetes SBAT, lanados de avies militares, e, posteriormente, empregada na confeco de guias de vlvulas de motores de combusto interna. Estima-se que a economia de divisas propiciada pela substituio de importao desse tipo de tubo tenha sido superior ao total de recursos aplicados no programa espacial brasileiro at 1992, poca em que a estimativa foi feita5. O SONDA II (Figuras 3 e 4), por sua vez, era um foguete de um nico estgio, cujos dimetro e massa eram bem maiores que os do SONDA I. Historicamente, foi o primeiro foguete cujo projeto, fabricao estrutural, propelente e protees trmicas foram desenvolvidos no CTA. Foram desenvolvidas diversas verses desse foguete. A verso atual tem massa de decolagem de cerca de 370 kg, com apogeu de 50 a 100 km e capacidade para 20 a 70 kg de carga til. No total, 61 SONDA II foram lanados. Seguindo a linha estratgica de capacitao crescente, foi desenvolvido a partir de 1971 o SONDA III (Figuras 5 e 6), cujo segundo estgio nada mais era que um SONDA II. O novo foguete tinha massa de decolagem de 1590 kg, apogeu da ordem de 500 km e disponibilidade para 150 kg de carga til. O SONDA III permanece operacional at hoje, registrando a marca de 31 lanamentos, dos quais o ltimo ocorreu em 12 de maio de 2002.

Figura 3 - SONDA II. Dimenses em milmetros.

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Figura 4 - SONDA II na rampa de lanamento.

O SONDA III representou, inegavelmente, um grande avano tcnico em relao ao seu antecessor. Alm de ser composto por dois estgios, o que lhe dava um porte consideravelmente maior que o SONDA II, trazia uma rede eltrica mais elaborada e carga til instrumentada. Todavia, foi sob o ponto de vista gerencial que o SONDA III mais se distinguiu em relao ao SONDA II. Nesse particular, vale ressaltar que, por seu carter pioneiro, o SONDA II foi gerenciado, por assim dizer, de forma pessoal e pouco estruturada. Foi tambm um projeto pouco documentado, sem especificaes tcnicas dos materiais constituintes do sistema, at porque sua configurao de referncia foi baseada no foguete canadense BLACK BRANT III. Apesar disso, constituiu uma excepcional escola e funcionou como elemento aglutinador de pesquisadores para a constituio de uma massa crtica de especialistas6. Figura 5 - SONDA III. Dimenses em milmetros.

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A COBAE era presidida pelo Chefe do Estado-Maior das Foras Armadas EMFA e composta por representantes dos Ministrios Militares (Exrcito, Marinha e Aeronutica), dos Ministrios das Relaes Exteriores, da Fazenda, do Planejamento, das Comunicaes e da Educao e Cultura, alm de representantes do Conselho de Segurana Nacional e CNPq2. Ainda no mbito dessa grande reestruturao, a CNAE foi extinta pelo Decreto 68.532, dando origem ao atual Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE cujo primeiro presidente foi o mesmo militar do Ministrio da Aeronutica que ocupava o cargo de diretor cientfico da CNAE desde 1963: Fernando Mendona. Da mesma forma, em 20 de agosto do mesmo ano, o GETEPE foi extinto pela Portaria 286, passando suas atividades ao ento Instituto de Atividades Espaciais, mencionado anteriormente no Decreto 65.450, de 17 de outubro de 1969, que estruturou o Departamento de Pesquisas e Desenvolvimento, ao qual o CTA subordinado. Assim, como parte da estratgia que visava lanar satlites nacionais por meio de veculo lanador nacional, a partir de um centro de lanamento brasileiro; e ainda motivado pelo sucesso do SONDA III, o CTA/IAE iniciou, no segundo semestre de 1976, os estudos de viabilidade e de especificaes tcnicas do que viria a ser o SONDA IV: um veculo intermedirio, cujo desenvolvimento conduzisse ao domnio de tecnologias crticas, sem as quais no seria possvel avanar, de forma consistente, em um programa espacial autctone. A complexidade do SONDA IV (Figuras 7 e 8) constituiu, desde o incio, um grande desafio tecnolgico e gerencial. Apenas como referncia, vale ressaltar que era composto por mais de duas mil peas mecnicas; mais que o dobro de seu antecessor SONDA III6. Para levar adiante uma empreitada desse porte, foi adotada, pela primeira vez, uma metodologia de gerenciamento de um grande projeto espacial, portanto, projeto multidisciplinar, de tempo longo para a execuo, de alto custo, e de riscos tecnolgicos na fase final de desenvolvimento7. Tecnicamente, o projeto estava sob a responsabilidade da Diviso de Projetos (CTA/IAE/ETP), cujo chefe, Eng. Jayme Boscov era tambm o gerente do projeto, mas

Figura 6 SONDA III na rampa de lanamento. O SONDA III, por outro lado, permitiu ao CTA familiarizar-se com uma metodologia de trabalho de engenharia mais complexa, envolvendo anlise de viabilidade e estudos preliminares para definio de configurao de referncia, alm da utilizao de rede PERT, baseada em macro-eventos, identificados em um plano de desenvolvimento prvio. Diferentemente do SONDA II, em que ao longo do projeto sucederam-se nove gerentes, o gerenciamento do SONDA III foi ancorado na liderana e na experincia de um nico gerente (Eng. Jayme Boscov), acumulada durante anos de trabalho em projeto e desenvolvimento de veculos espaciais franceses6. Em 1971, durante a fase de desenvolvimento do SONDA III, o Governo Federal decidiu organizar as atividades espaciais conduzidas no Brasil, dando-lhe uma forma sistmica. Nesse sentido, instituiu, em 20 de janeiro daquele ano, a Comisso Brasileira de Atividades Espaciais COBAE (Decreto 68.099), com o objetivo de assessoramento ao Presidente da Repblica para a consecuo da Poltica Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais PNDAE.

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Figura 8 SONDA IV na mesa de lanamento.

utilizava os servios das demais divises do Instituto, definindo uma sistemtica matricial que viria a ser adotada, com poucas variaes, no desenvolvimento posterior do VLS-1. O SONDA IV foi, tambm, o primeiro projeto espacial brasileiro a ser dividido em fases e a utilizar, como ferramenta gerencial, o Organograma Tcnico (Work Breakdown Structure), tornando possvel o controle dos prazos e dos custos, alm de permitir a codificao, sem ambigidades, das responsabilidades. Na sua fase inicial, foram identificados 24 grandes pacotes de trabalho, cada um designado a um pesquisador com efetiva capacitao tcnica6. Dessa forma, diversas inovaes tecnolgicas tornaram-se possveis, entre elas as que propiciaram o desenvolvimento do propulsor S40, do primeiro estgio do foguete. Por ser um propulsor de porte razovel, obrigou pesquisa de um novo tipo de ao, da classe carbono-cromo-nquel-molibdnio, com alto teor de silcio, com tratamento para o nvel de resistncia de 200 kgf/mm2. Figura 7 - SONDA IV. Dimenses em milmetros. O programa de desenvolvimento desse ao, designado 300M, envolveu, alm do prprio CTA, trs empresas do ramo de metalurgia:Fevereiro 2004

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ELETROMETAL, USIMINAS e ACESITA, permitindo, ao final, no apenas evitar a importao do ao MARAGING, a um custo cinco vezes maior que o de produo do novo ao nacional7, como tambm export-lo, gerando divisas. Adicionalmente, o porte do novo propulsor, com 1 m de dimetro (que viria a ser adotado como dimetro dos propulsores do VLS1) exigiu a implantao de um complexo, hoje denominado USINA CORONEL ABNER, onde, alm de produzir propelente slido com tecnologia totalmente nacional, tambm possvel fazer o carregamento de grandes propulsores e ensailos em bancos de prova horizontais com quatro graus de liberdade. A lista de inovaes surgidas com o SONDA IV longa, merecendo citao o comandamento do vetor empuxo (pela tcnica de injeo secundria de gases na tubeira do primeiro estgio e por tubeira mvel, no segundo), assim como o desenvolvimento de sistemas de pilotagem para controle de atitude. O domnio dessas tecnologias, por sinal, era fundamental, uma vez que o SONDA IV, ao contrrio de seus antecessores, no decolava com o auxlio de uma rampa com trilhos, mas de uma mesa, onde ficava apoiado na posio vertical, de onde partia sujeito ao de ventos transversais e do controle de empuxo. Com o lanamento de quatro SONDA IV, foram implantadas as bases necessrias ao incio do projeto do veculo lanador brasileiro capaz de colocar satlites em rbita baixa. Em 1978, a Comisso Nacional de Estudos Espaciais (CNES), da Frana, apresentou, a pedido do governo brasileiro, uma proposta de desenvolvimento de um veculo lanador e trs satlites. Essa proposta, aps estudos, foi considerada de custo muito elevado, sem contar o fato de que a maior parte dos desenvolvimentos seriam realizados em indstrias francesas. Assim, em novembro de 1979, durante o 2o Seminrio de Atividades Espaciais, realizado sob os auspcios da Comisso Brasileira de Atividades Espaciais, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o antigo Instituto de Atividades Espaciais (CTA/IAE) apresentaram, em conjunto, uma proposta alternativa, que veio a ser conhecida

como Misso (MECB)2.

Espacial

Completa

Brasileira

Nos termos da MECB, coube ao CTA/IAE o desenvolvimento do veculo lanador (que viria a ser o VLS-1) e da infra-estrutura de lanamento (do que resultou o Centro de Lanamento de Alcntara), enquanto o INPE ficou responsvel pelo desenvolvimento de dois satlites de coleta de dados ambientais e outros dois de sensoriamento remoto. Embora muito se especule sobre o modelo que teria dado origem s formas do atual veculo lanador de satlites brasileiro, o fato que, segundo declarao do primeiro gerente do projeto, Eng. Jayme Boscov, o VLS-1 foi o resultado do estgio da capacitao tcnicocientfica e das possibilidades do parque industrial nacional, poca. Ao todo, quinze concepes foram analisadas, chegando-se, ao final, configurao em cluster, com quatro propulsores geometricamente distribudos em torno de um corpo central, por sinal uma configurao consagrada internacionalmente, utilizada ainda hoje em lanadores operacionais como o Ariane V, o Prton SL, o Longa Marcha 2E e o Delta II. Didaticamente, o VLS-1 pode ser entendido como composto por quatro estgios, um compartimento para transporte da carga til (satlite), sees (baias ou mdulos) para alojamento de instrumentao e equipamentos diversos, quatro redes eltricas funcionais e um conjunto de 244 pirotcnicos, integrantes da habitualmente chamada rede pirotcnica, embora no constituam uma rede no sentido estrito dessa palavra. Quando montado (Figura 9), o VLS-1 atinge 19,4 metros de altura, com uma massa de decolagem de 49,7 toneladas.

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Figura 9 - Configurao do VLS-1.

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O primeiro estgio composto por quatro propulsores S43 (Figura 10), postos em funcionamento simultaneamente no incio da decolagem.

O segundo estgio (Figura 11) utiliza tambm um propulsor S43, mas com uma diferena substancial de dimenses em sua tubeira, em virtude da operao deste estgio ocorrer em maior altitude.

COIFA SAIOTE DIANTEIRO

SAIA DIANTEIRA

SAIOTE DIANTEIRO

ENVOLTRIO DO PROPULSOR S43B ENVOLTRIO DO PROPULSOR S43B SAIOTE TRASEIRO SAIOTE TRASEIRO SAIA TRASEIRA TUBEIRA

TUBEIRA

Figura 10 - Configurao do primeiro estgio.

Figura 11 Configurao do segundo estgio. O terceiro estgio (Figura 12) composto por trs subsistemas principais: o propulsor a propelente slido S40, a baia de controle e a baia de equipamentos. A baia de controle, como sugere seu nome, aloja o sistema de controle de rolamento, que um sistema propulsivo baseado em dois pares de propulsores a propelente lquido do tipo on-off, utilizando como propelentes o tetrxido de nitrognio e a dimetil-hidrazina assimtrica. Esse sistema destina-se a fornecer o empuxo necessrio para gerar os torques de controle que evitam o rolamento do veculo em torno do eixo longitudinal, durante as fases de vo propulsado pelo segundo e terceiro estgios. A baia de equipamentos o compartimento onde esto alojados os principais equipamentos eltricos para comando e controle dos eventos de vo, entre eles a plataforma inercial, o computador de bordo, as unidades de comando de pirotcnicos, as baterias e o sistema de telemetria, entre outros. Os equipamentos de controle permitem controlar o veculo ao longo de sua trajetria de referncia durante os vos do primeiro, segundo

Durante a fase inicial de vo, enquanto os quatro propulsores do primeiro estgio ainda esto conectados ao corpo central do veculo, o controle de atitude em trs eixos realizado por controle de vetor empuxo, por meio do sistema de tubeira mvel desses propulsores. A fixao dos propulsores do primeiro estgio ao corpo central (segundo estgio) realizada atravs de quatro braos mecnicos, dois colocados na parte dianteira do propulsor e dois na parte traseira. Cada um dos braos de fixao dos propulsores tambm um atuador pneumtico que permite a separao dos dois estgios no momento apropriado. Alguns segundos aps o fim da queima dos propulsores do primeiro estgio, cargas pirotcnicas so detonadas para efetuar o corte simultneo de todos os braos de fixao, liberando a presso interna existente nesses braos e imprimindo a velocidade para o alijamento dos propulsores vazios.

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e terceiro estgios e permitem, ainda, a manobra de basculamento (inclinao) durante a fase balstica entre o fim da queima do terceiro estgio e a ignio do quarto. Alm dos equipamentos da rede de controle, telemetria e seqenciamento de eventos, a baia de equipamentos abriga dois sistemas propulsivos: o sistema de basculamento, que utiliza gs frio (nitrognio); e o sistema impulsor de rolamento (Spin-up), este composto por quatro micropropulsores a propelente slido, montados na parte externa da baia de equipamentos, com a funo de induzir rotao ao conjunto formado pelo quarto estgio e o satlite. Esta rotao induzida antes da ignio do quarto estgio e tem por objetivo garantir, por meio da estabilizao giroscpica, a manuteno da orientao do veculo (atitude) durante todo o vo propulsado pelo quarto estgio. A preciso do posicionamento do satlite em rbita depende, em grande parte, da manuteno da orientao, obtida na manobra de basculamento. O propulsor S40 possui tambm um sistema de tubeira mvel que permite o controle de atitude em torno dos eixos de arfagem e guinada.

BAIA DE EQUIPAMENTOS PROPULSOR IMPULSOR DE ROLAMENTO BAIA DE CONTROLE

ENVELOPE PROPULSOR S40B SAIA TRASEIRA TUBEIRA

Figura 12 Configurao do terceiro estgio.

O quarto estgio (Figura 13) composto pelo propulsor S44 e pelo cone de acoplamento do satlite. Grande parte dos equipamentos para as funes de localizao e destruio est localizada no cone de acoplamento do satlite. Outros equipamentos, como as antenas do respondedor do radar e o receptor do telecomando e telemetria, esto alojados nas saias dianteiras e traseiras do propulsor S44.

CONE DE ACOPLAMENTO

A coifa principal (Figura 14) tem como funo dar forma aerodinmica adequada ao veculo e proteger o satlite, desde a fase de preparao do lanamento at o final da travessia do veculo atravs da atmosfera mais densa. A separao da coifa ocorre no incio do vo do terceiro estgio, quando as condies de presso dinmica e aquecimento cintico sobre o satlite j so desprezveis. A separao iniciada por meio do acionamento de pirotcnicos que liberam a cinta ejetvel na sua base, ao mesmo tempo em que iniciada a liberao das travas mecnicas por meio de um atuador pirotcnico alimentado por um sistema gerador de gs.

ENVELOPE PROPULSOR S44

TUBEIRA

Figura 13 - Configurao do quarto estgio.

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PONTA

parmetros de bordo. No VLS-1 , esta funo realizada por meio de trs sistemas ou enlaces de telemetria. A rede eltrica de segurana tem as funes de facilitar a localizao do veculo pelos radares em solo e de receber, de maneira criteriosa, o telecomando de destruio do veculo, nos casos em que sua trajetria evolui de forma perigosa para as reas consideradas de proteo. O telecomando de destruio a nica forma possvel de interveno a partir do solo sobre o veculo aps a decolagem. Todas as funes e operaes, para o cumprimento da misso, se processam automaticamente a bordo do veculo. A compreenso do VLS-1, enquanto sistema, complementada pela apresentao do conjunto de pirotcnicos e suas respectivas funes. Como j discutido anteriormente, neste relatrio, o termo rede aqui usado de forma no rigorosa, significando o agrupamento conceitual dos 244 pirotcnicos em dois subconjuntos (redes), de acordo com suas finalidades A rede pirotcnica de servio tem a funo de executar comandos provenientes da rede eltrica de servio e envolvem, portanto, ativaes de sistemas hidropneumticos, ignies e separaes de estgios. A rede pirotcnica de destruio destinada a executar a destruio do veculo em vo sempre que comandada pela rede eltrica de segurana. Entretanto, h tambm um modo de destruio automtica para cada um dos propulsores dos trs primeiros estgios, medida que se separam do veculo. A Figura 15 apresenta o perfil tpico de misso do VLS-1. Em 1997, desenvolvido o primeiro prottipo (VLS-1 V01), foi dado incio ao plano de qualificao em vo, consistindo de quatro lanamentos. A primeira tentativa recebeu o nome de Operao Brasil e tinha por objetivo, alm da verificao do funcionamento do veculo em vo, colocar em rbita o satlite SCD-2, construdo pelo INPE. Todavia, no incio da decolagem, um dos propulsores do primeiro estgio no acendeu, obrigando destruio do prottipo. A investigao conduzida posteriormente apontou o mau funcionamento de

CINTA EJETVEL FLEXVEL

Figura 14 Configurao da coifa principal.

Os sistemas eltricos compreendem quatro subsistemas: - rede eltrica de servio; - rede eltrica de controle; - rede eltrica de telemedidas; e - rede eltrica de segurana.

do

VLS-1

A rede eltrica de servio tem a funo de comandar os principais eventos de vo (tais como as separaes de estgios, ignies, ativamento de subsistemas, etc.), de suprir potncia eltrica para todos os equipamentos eltricos do veculo e, tambm, de condicionar os sinais de sensores para a rede eltrica de telemedidas. Ela , portanto, subdividida em trs partes: rede eltrica de servio para seqenciamento de eventos, rede eltrica de servio para suprimento de energia e rede eltrica de servio para condicionadores de sinais e sensores (termistores, acelermetros, transdutores de presso, etc.). A rede eltrica de controle tem como funo realizar a navegao, a guiagem e o controle de atitude do veculo, desde a decolagem at pouco antes do vo do quarto estgio. A rede eltrica de telemedidas destinada a coletar, codificar e transmitir para o solo informaes e medidas de diversos

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um equipamento, chamado dispositivo mecnico de segurana (DMS), como o fator causador da falha. Em 1999, tendo sido feita a substituio dos dispositivos mecnicos de segurana (DMS) por um sistema alternativo de proteo, assim como efetuadas outras alteraes julgadas necessrias foi conduzida a segunda tentativa de lanamento, batizada de Operao Almenara, na qual o VLS-1 V02 transportava o satlite cientfico SACI II. Nesse lanamento, os quatro propulsores que constituem o primeiro estgio funcionaram corretamente, assim como todos os demais conjuntos e sistemas embarcados, porm, logo aps o acendimento do propulsor do segundo estgio, o veculo foi destrudo por uma exploso. A investigao indicou que a falha foi devida penetrao de chama na parte superior do bloco de propelente do propulsor do segundo estgio. Como medida corretiva, foram efetuadas modificaes no desenho interno do propulsor, bem como implementadas mudanas na infraestrutura da Usina Coronel Abner, onde feito o processamento do envoltrio-propulsor e de suas protees e interfaces. Desde a falha em vo do segundo prottipo (VLS-1 V02), o Instituto de Aeronutica e Espao (CTA/IAE), passou a trabalhar na preparao do terceiro veculo (V03). Para lan-lo, foi executada, em 2003, a Operao So Lus.

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Figura 15 - Perfil tpico de misso do VLS-1.

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CAPTULO 2

A Operao So LusDe forma resumida, objetivos da Operao eram: os principais principais e as tarefas atribudas, tanto ao Coordenador Geral da Operao (CGO) quanto s organizaes do Comando da Aeronutica participantes da Operao So Lus: Departamento de Pesquisas e Desenvolvimento, Instituto de Aeronutica e Espao (CTA/IAE), Centro de Lanamento de Alcntara e Centro de Lanamento da Barreira do Inferno. Esse documento apresenta, tambm, a estrutura de coordenao empregada na Operao e fornece outras informaes e instrues sobre as reas tcnica, logstica, de inteligncia e de comunicao social. Sob o aspecto gerencial, os coordenadores tcnicos de primeiro nvel (coordenadores dos quatro estgios, da coifa principal, das redes eltricas e das redes pirotcnicas) eram os responsveis pela verificao da aplicao do Plano de Montagem e pela qualidade dos trabalhos e operaes nele contidos. Os incidentes ocorridos durante a preparao e testes previstos no Plano de Montagem e as sugestes para melhoria do referido Plano eram relatados no verso das fichas de operaes. Esses relatos eram analisados e incorporados, quando aprovados, nas operaes posteriores. O seqenciamento das atividades era definido em um cronograma mestre elaborado pela equipe de planejamento, que controlava a execuo por meio de fichas preenchidas pelos chefes de equipe. Para a elaborao e conduo do cronograma, foi utilizada a Tcnica de Reviso e Avaliao de Projeto/Mtodo do Caminho Crtico PERT/CPM. A Figura 16 mostra, de forma esquemtica, a evoluo dos trabalhos programados, destacando as etapas de integrao na torre mvel de integrao.

- realizar o terceiro vo de qualificao do VLS-1; - colocar em rbita circular equatorial com inclinao de 16, a 630 km de altura, o satlite tecnolgico denominado SATEC, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e um segundo satlite, mecanicamente solidrio ao primeiro, denominado UNOSAT, desenvolvido pela Universidade do Norte do Paran (UNOPAR). O SATEC tinha a massa total de 53,5 kg e dimenses de 660x660x1150 mm, consistindo, basicamente, de um receptor GPS para determinao da rbita final alcanada; enquanto o UNOSAT, com 7,5 kg, dimenses de 85x250x460 mm e funcionamento independente do SATEC, tinha a misso de transmitir sinais de udio na freqncia de 148,135 MHz; - permitir a verificao dos meios do Centro de Lanamento de Alcntara (CLA) para lanamentos orbitais; e - usar o Centro de Lanamento da Barreira do Inferno (CLBI) como estao de rastreio da trajetria do veculo e de registro de parmetros transmitidos, via telemetria, e testar se os meios implantados, interligando as estaes do CLA e CLBI, so adequados e esto operacionais para essa funo. Em 15 de julho de 2002, foi elaborado o documento Plano de Operaes No 006/2002, considerado o ponto de partida para a Operao So Lus. Nesse documento, que faz referncia a diversos outros, so informadas, alm das organizaes participantes, a situao que antecede ao lanamento e a misso a ser realizada pelas organizaes envolvidas. Constam, ainda, os objetivos, a cronologia dos eventos

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VLS-1 V03 - SNTESE DO PLANO DE MONTAGEM D-DIAS -60 -43 -32 -30 -23 -21 -16 -15 0

GER-V MAR/03

Figura 16 - Sntese do plano de montagem.

O VLS-1 V03 composto por cerca de 12.500 peas mecnicas, 244 itens pirotcnicos, 42 toneladas de produtos qumicos processados, dezenas de milhares de componentes eletrnicos e mais de uma dezena de quilmetros de fios. Uma operao, envolvendo um veculo com tal complexidade, exige planejamento detalhado e cuidados especiais de execuo, que comeam j na fabricao ou aquisio de componentes e sistemas. A ttulo de exemplo, pode ser tomado o processo de construo dos envoltrios metlicos dos propulsores do VLS-1 V03. Os envoltrios (tambm chamados de envelopes dos propulsores) so controlados desde a corrida do ao. Durante o processo de fabricao, so feitos ensaios de anlise qumica, metalrgica e dimensional; todas as soldas so radiografadas e inspecionadas por lquidos penetrantes. Finalmente, antes da liberao para uso, realizado ensaio hidrosttico. As Figuras 17, 18 e 19 mostram alguns tipos de testes realizados durante a fase de preparao do veculo. Figura 18 - Teste de pirotcnicos do sistema de separao do primeiro estgio. Figura 17 - Teste das redes eltricas integradas.

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Testes Finais Veculo Testes Finais Satlite Contagens Simuladas (2)

Cronologia de Lanamento

Incio da Campanha

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diviso funcional de origem, com o objetivo de facilitar tambm a identificao das mesmas, apesar da existncia de etiquetas semelhantes s dos demais mdulos do VLS-1 V03. Devido complexidade de seus subsistemas, os mdulos tinham que passar por vrias inspees e testes de recebimento aps o transporte, e testes adicionais durante a preparao final do Veculo. Todas as etapas eram acompanhadas pelo pessoal da qualidade e da segurana e pelo coordenador tcnico responsvel, entre outros. O primeiro transporte ocorreu em 23 de agosto de 2002, consistindo dos equipamentos e materiais do prdio de carregamento de propelente lquido necessrios aos trabalhos de preparao e recebimento daquela instalao que havia sofrido reforma recente. Nos dias 19, 24 e 27 de setembro de 2002, foram transportados, respectivamente, os propulsores A e C do primeiro estgio e o propulsor do terceiro. Em outubro tambm foram feitos trs transportes (propulsor B do primeiro estgio; saias traseiras, coifas e tubeiras do primeiro estgio; e todo o segundo estgio), respectivamente nos dias 08, 17 e 23. Aps uma interrupo para a realizao das Operaes Pirapema e Cum, consideradas preparatrias para a Operao So Lus, em 03 de dezembro de 2002 foi transportado o propulsor D do primeiro estgio. O retorno da aeronave foi aproveitado para trazer de volta as equipes e os materiais relacionados com as duas operaes preparatrias. Nos dias 01 e 02 de abril de 2003, foram realizados os transportes de pessoal e carga que caracterizaram o incio efetivo da Operao So Lus (em princpio, menos 68 dias para a primeira tentativa de lanamento). Mais tarde, no dia 08 de abril, a baia de controle, a unidade de comando e controle de fluidos, e as saias traseiras do segundo e terceiro estgios foram transportadas, realizando-se a primeira troca de equipes, complementada em 10 de abril. Todos os regressos de aeronaves ocorriam um dia depois do transporte de ida e eram aproveitados para o transporte de contineres vazios do VLS-1 e de pessoal, ou ainda para outro transporte de interesse do Comando da Aeronutica.

Figura 19 - Teste de separao da coifa principal.

Os transportes das partes do VLS-1 V03 e dos meios de solo associados foram realizados antes do incio da Operao So Lus propriamente dita. Para isso, foram utilizadas embalagens definidas de acordo com critrios tcnicos de segurana e volume disponvel nos meios de transporte. Depois de embalados, os itens foram acondicionados em contineres apropriados e identificados por categorias: - materiais explosivos pirotcnicos e propelente slido); - materiais lubrificantes, etc.); inflamveis (componentes (solventes,

- materiais frgeis (mdulos do VLS-1 V03, equipamentos eletrnicos); - materiais de apoio (ferramental, dispositivos, elementos de fixao, etc.); e - material de escritrio (disquetes, fitas, documentos, etc.). Cada continer com mdulo printegrado do VLS-1 V03 tinha cor branca e era identificado por meio de etiquetas com os logotipos do Centro Tcnico Aeroespacial (CTA) e do Instituto de Aeronutica e Espao (IAE). Constavam, tambm, o nome do item contido na embalagem, os smbolos indicativos da fragilidade do material e o lado que deveria ficar para cima. Alm disso, os mdulos do VLS-1 V03 e seus respectivos contineres eram equipados com sensores de choque ao lado da etiqueta de identificao. Esses sensores davam indicao se o item sofreu ou no algum impacto superior ao permitido, durante o transporte. Os demais materiais foram transportados em embalagens apropriadas com uma codificao de cores e faixas indicativas da

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reincio dos trabalhos e no dia 07 seguiu o banco de controle do VLS-1. Em 14 de julho houve uma troca de equipes e no dia 21 do mesmo ms ocorreu o transporte da coifa principal, do quarto estgio e da baia de equipamentos. Em 30 de julho, finalmente, foram transportados os satlites SATEC e UNOSAT, e seus meios de solo, juntamente com a plataforma inercial.

Figura 20 - Carregamento da aeronave Hrcules (C130) em D-68.

Um outro transporte e nova troca de equipes estavam marcados para 22 de abril, mas na noite do dia 16 anterior, ainda na fase de integrao dos primeiros propulsores do veculo VLS-1 V03, conduzida no prdio de preparao de propulsores, foi recebida ordem do Comando da Aeronutica para interrupo da Operao e retorno do pessoal ao CTA. Assim, uma aeronave decolou do CLA para o CTA em 19 de abril, com 68 dos participantes da Operao. Na ocasio da interrupo, foi feito um relatrio, denominado Relatrio Imediato de Interrupo, assinado pelos chefes de equipe envolvidos, contemplando as medidas de proteo tomadas, recomendaes de manuteno dos mdulos e propulsores montados, e alertas sobre possveis conseqncias deletrias em caso de longo tempo de paralisao. Alm disso foi deixada uma equipe mnima do Instituto de Aeronutica e Espao (CTA/IAE), no CLA, com atividades programadas para preservao dos itens estocados e meios de solo j preparados. Essa equipe sofreu diversos revezamentos e, prximo retomada da Operao So Lus, uma equipe maior, com diversos especialistas, foi enviada ao CLA para examinar, detalhadamente, todos os itens, no tendo sido encontrado qualquer indcio de anormalidade que impedisse a retomada da Operao. Na Figura 21, mostrado um dos propulsores que permaneceram estocados no CLA, quando da interrupo da Operao, e na Figura 22, uma vista geral do salo do prdio de preparao de propulsores, na retomada da Operao. Uma vez autorizada a retomada da Operao So Lus, ocorreram cinco transportes. No dia 01 de julho seguiram as equipes para

Figura 21 - Propulsor estocado no CLA, quando da interrupo da Operao So Lus.

Figura 22 - Vista do prdio de preparao dos propulsores na retomada da Operao.

No dia seguinte retomada da Operao, em 02 de julho, foi realizada nova vistoria nos sistemas parcial ou totalmente montados, no sendo detectada qualquer no conformidade. Na retomada da Operao, foi assumido como ponto de referncia, o dia D-52 (menos 52 dias para o lanamento no dia D). As atividades desenvolveram-se a partir de ento, seguindo o cronograma com ajustes, quando necessrio. A maior parte dos trabalhos relacionados com o Veculo era desenvolvida no prdio de preparao de propulsores, enquanto que na torre mvel de integrao continuavam as atividades de preparao para recebimento dos propulsores.

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No perodo de 02 de julho at 04 de agosto, foram realizadas atividades no prdio de preparao de propulsores, envolvendo diversas equipes. A equipe de qumica, de uma maneira geral, examinava o bloco de propelente e suas interfaces, e cuidava da aplicao de adesivos e selantes em diversos sistemas e subsistemas dos propulsores. A equipe de pirotecnia examinava e montava ignitores, transdutores de presso e outros componentes, integrando-os e montando os sistemas de destruio, de separao e de ignio de cada propulsor. A equipe de propulso cuidava, entre outras atividades, da integrao e montagem de sistemas de atuao da tubeira mvel, incluindo a instalao de atuadores e outros componentes, o carregamento de leo, a realizao de ensaios funcionais e de interferncia mecnica com outros conjuntos e o alinhamento da tubeira. A equipe de integrao e ensaios cuidava da montagem dos mdulos (saiote dianteiro, saia traseira e outros), calhas e anis no propulsor; realizava testes de estanqueidade e cuidava da pressurizao, entre outras atividades. A equipe de massas executava medidas de massa e centro de gravidade de cada propulsor completo. A equipe de controle da qualidade acompanhava as operaes, anotando e reportando as eventuais no conformidades coordenao tcnica (que tambm acompanhava as operaes por meio de um responsvel por cada estgio). A equipe de segurana do trabalho, integrada com a equipe de segurana de solo do CLA, tambm acompanhava as atividades, orientando quanto ao uso de equipamentos de proteo individual e procedimentos de segurana. As atividades eram filmadas em vdeo e fotografadas pela equipe de registro de imagens. Essas equipes tinham constituio varivel, conforme as tarefas a serem executadas, e sofriam revezamento ao longo da Operao. Os nmeros totais de participantes de cada equipe do Instituto de Aeronutica e Espao (CTA/IAE) so apresentados a seguir: acstica 03; apoio tcnico 34; coordenao tcnica 09; eletrnica 28; integrao e ensaios 16; logstica 08; meteorologia* 11; planejamento 06; pirotecnia 07; projeto** 04; propulso 09; qualidade 07; qumica 10;

- registro de imagens 11; e - segurana do trabalho*** 02. * compondo a equipe de meteorologia com o CLA;

** dispositivos pirotcnicos, sensores e controle; *** incorporados equipe de segurana de solo, que contava ainda com 02 integrantes do CLBI e 01 do CLA. Havia, ainda, especialistas do Instituto includos nas equipes de Segurana de vo (01) e de Tratamento de Dados de Lanamento do CLA (02). Em outros prdios do setor de preparao e lanamento, paralelamente s atividades que se desenvolviam no prdio de preparao de propulsores, foram instalados equipamentos como o banco de controle do VLS-1, o sistema de aquisio e processamento dos dados de telemetria e a unidade de controle e carregamento de fluidos. Em 14 de julho, o propulsor do segundo estgio foi transportado, iado (Figura 23) e montado na mesa de lanamento. No dia seguinte, foi transportado e integrado o saiote dianteiro do segundo estgio e, posteriormente, o propulsor A do primeiro estgio (Figura 24). A cada integrao na mesa de lanamento era feita uma verificao de alinhamento do conjunto, com eventuais ajustes.

Figura 23 - Iamento para integrao do segundo estgio.Fevereiro 2004

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Figura 24 - Iamento para integrao do primeiro estgio. Nos dias 16, 17 e 18 de julho, foram transportados para a torre mvel de integrao e integrados os propulsores C, D e B do primeiro estgio, respectivamente (Figura 25). Paralelamente, outras equipes prepararam os meios de solo necessrios realizao dos ensaios de redes eltricas, efetuados aps cada integrao completa de estgio.

Figura 26 - Terceiro estgio j acoplado no VLS-1 V03. Ainda no dia 25 de julho, comeou o carregamento do propelente lquido oxidante da baia de controle, sendo que no dia 28 foi carregado o propelente lquido combustvel. A baia de controle foi transportada para a torre mvel de integrao e instalada em 30 de julho (Figura 27).

Figura 25 - Colocao propulsor B do primeiro estgio. Em 25 de julho, foi transportado e integrado o propulsor do terceiro estgio (Figura 26).

Figura 27 - Baia de controle sendo integrada ao Veculo, na torre mvel de integrao.

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A baia de equipamentos (Figura 28) recebeu a plataforma inercial e o computador de bordo, passando por testes de recebimento em 30 de julho.

No dia 08, foi feita a integrao do satlite ao Veculo (Figura 30) e, posteriormente, o fechamento da coifa principal (Figura 31).

Figura 28 - Vista interna da baia de equipamentos. A baia de equipamentos foi integrada ao Veculo na torre mvel de integrao, em 31 de julho. No dia 06 de agosto, foi transportado e instalado o quarto estgio (Figura 29).

Figura 30 - Acoplamento do satlite ao Veculo.

Figura 29 - Integrao do quarto estgio. No dia 07 de agosto, foram transportados para a torre mvel de integrao a coifa principal e o satlite SATEC, com o UNOSAT solidrio.

Figura 31 - Fechamento da coifa principal. Em 11 de agosto, foi verificada a verticalidade do Veculo (Figura 32), encerrando a etapa de integrao e montagem do VLS-1 V03, passando-se, no outro dia, aos ensaios finais de redes eltricas, carregamento de leo e

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nitrognio, ajustes de cabos umbilicais (desplugamento e recolhimento), colocao de carenagens e outras atividades de pr-vo.

interna ou devido a durao subestimada na contagem regressiva para determinadas tarefas) ou climticos (ocorreu chuva na rea do setor de preparao e lanamento), que exigiram mudanas na contagem e no revezamento de equipes para a segunda repetio geral. Essa primeira repetio encerrou-se em torno de 16h do dia 18 de agosto. Na reunio que se seguiu ao trmino da primeira repetio geral, ficou decidido adiar a segunda repetio por um dia, para descanso das equipes. Assim, no dia 20, o primeiro guarnecer para as equipes envolvidas na segunda repetio geral ocorreu s 21h 16 min, com o encerramento em torno das 10h 30min do dia 21. Aps esse treinamento, o Coordenador Geral da Operao consultou os participantes acerca de se sentirem preparados para o lanamento na segunda-feira, 25, ou se achavam conveniente fazer mais um adiamento. A opo escolhida foi manter a data marcada. Em uma outra reunio, realizada a seguir com o Coordenador Geral da Operao, definiram-se as atividades a serem realizadas at o lanamento, prevendo-se atividades para sexta-feira, sbado e, talvez, domingo (poucas). Na seqncia dos trabalhos, logo no incio da tarde do dia 22 de agosto, quando estavam sendo realizadas algumas atividades, ocorreu o acidente.

Figura 32 - Verificao da verticalidade do Veculo. Em 17 de agosto foi realizada uma reunio geral (Briefing da Operao), envolvendo tcnicos de todas as estaes com aes durante o lanamento. O primeiro guarnecer para as equipes envolvidas com o Veculo na primeira repetio geral (espcie de treinamento operacional em que todos os setores envolvidos no lanamento executam funes idnticas ou semelhantes s do dia de lanamento) ocorreu na noite desse mesmo dia, com incio s 23h 16min. O horrio do guarnecer (horrio em que as pessoas tm que estar em sua posio operacional) definido levando-se em conta o tempo estimado para cada tarefa de integrao, montagem e testes do Veculo, alm dos testes e atividades das diversas estaes, partindo-se, de forma regressiva, do horrio de lanamento (09h 56min, local) requerido pelo satlite (existe um intervalo de tempo em que ele pode ser lanado, com pequena variao diria). O horrio desejado de lanamento e o horrio limite a partir do qual o satlite no pode ser lanado (janela de lanamento) definido pelo cliente, no caso o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Na primeira repetio geral ocorreram diversas interrupes por motivos tcnicos (sobretudo relacionados com a comunicao

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CAPTULO 3

A Investigao

Ocorrido o acidente, o Coordenador Geral da Operao (CGO), de imediato instituiu uma comisso tcnica de investigao, com a finalidade de conduzir aes de ps-acidente, entre elas: a documentao e preservao da cena do acidente, a coleta de evidncias e o resgate e identificao das vtimas. Essa comisso, em razo da natureza de suas atribuies transitrias, no teve formalizao em documento. Ato contnuo e conseqente, o DiretorGeral do Departamento de Pesquisas e Desenvolvimento (DEPED), rgo de primeiro nvel do Comando da Aeronutica e ao qual o CTA subordinado, expediu duas portarias: - Portaria DEPED no C-74/DG, de 26 de agosto de 2003, instaurando Inqurito Policial Militar; providncia regulamentar, uma vez que do acidente resultaram vtimas; e - Portaria DEPED no C-75/DG, de 28 de agosto de 2003, designando uma Comisso Tcnica de Investigao, composta por nove membros, oito dos quais j haviam participado dos trabalhos conduzidos pela comisso provisria de investigao. Essa mesma portaria autorizava o Presidente da Comisso a incluir novos membros, referidos no texto como especialistas, com o objetivo de auxiliar na anlise da falha e para acompanhamento dos trabalhos de investigao. Constituda a Comisso Tcnica, seu Presidente contatou o Centro de Investigao e Preveno de Acidentes da Aeronutica (CENIPA),

solicitando a indicao de profissionais para complementar o efetivo da Comisso. O objetivo, ao agregar Comisso pessoas com formao e experincia em investigao de acidentes aeronuticos, foi transmitir e aplicar aos trabalhos a filosofia e a metodologia preconizadas pelo CENIPA, rgo executivo e doutrinrio do Estado-Maior do Comando da Aeronutica, dedicado investigao e preveno de acidentes aeronuticos, assim como formao de recursos humanos especializados. Em termos prticos e doutrinrios, os acidentes aeronuticos so abordados no contexto do trinmio o homem - o meio - a mquina8. A ao do homem analisada segundo duas vertentes, tambm referidas como fatores: - Fator Humano, que compreende o estudo dos aspectos fsico, fisiolgico e psicolgico, e - Fator Operacional, que engloba a pesquisa das aes do homem no desempenho de suas atividades. O meio, aqui entendido como a anlise da influncia das condies atmosfricas, estudado sob o ttulo de Fator Meteorolgico. Por fim, a mquina, objeto de investigao do Fator Material, refere-se genericamente a aeronaves. No presente acidente, o mbito do estudo do Fator Material

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representado pelo VLS-1 V03 e seus sistemas de apoio. Dessa forma e a pedido do Presidente da Comisso Tcnica de Investigao, o CENIPA indicou profissionais para presidirem as Subcomisses do Fator Humano e do Fator Meteorolgico. Foram designados, respectivamente, a Chefe da Diviso de Segurana do Trabalho do Instituto de Psicologia da Aeronutica (IPA), elemento credenciado do Sistema de Investigao e Preveno de Acidentes Aeronuticos (SIPAER) para a investigao do Fator Humano/Aspecto Psicolgico nos acidentes aeronuticos; e o Chefe do Centro Meteorolgico de Porto Alegre, do Destacamento Tcnico de Controle do Espao Areo (DTCEA-PA). A escolha dos nomes para conduo das Subcomisses do Fator Material e do Fator Operacional, por sua vez, foi feita pelo prprio Presidente da Comisso Tcnica de Investigao, levando em conta as caractersticas do acidente. Assim, para presidir a Subcomisso do Fator Material, foi convidado um servidor com especializao em rvore de falhas, pertencente ao efetivo do Instituto de Fomento e Coordenao Industrial (CTA/IFI). O IFI , usualmente, o rgo do CTA encarregado pelo CENIPA de conduzir a investigao do Fator Material relativo a acidentes ocorridos com aeronaves civis e militares, em territrio brasileiro. Quanto ao Fator Operacional, a escolha recaiu sobre um oficial que ocupava a Chefia da Diviso de Engenharia do Parque de Material Aeronutico do Campo das Afonsos e que havia sido recm-transferido para o CTA, elemento credenciado do Sistema de Investigao e Preveno de Acidentes Aeronuticos como Oficial de Segurana de Vo (OSV). Os selecionados para presidir as quatro subcomisses tinham em comum o fato de no serem familiarizados com o Projeto VLS-1, nem terem pertencido ao Instituto de Aeronutica e Espao (CTA/IAE), onde o projeto desenvolvido. Adicionalmente, em diferentes momentos, novos membros foram sendo agregados, dentre eles especialistas de nacionalidade russa. Face s muitas indagaes surgidas em funo da participao desses especialistas estrangeiros, cabem aqui algumas consideraes esclarecedoras.

Em primeiro lugar, h que se levar em conta que o Comandante da Aeronutica Brasileira encontrava-se justamente em Moscou, em entrevista com o Comandante da Fora Area da Rssia, no momento em que foi notificado sobre o acidente. Um segundo aspecto a ressaltar a reconhecida competncia daquele pas na rea espacial e, em particular, em propulso slida. Por fim, o histrico positivo de cooperao tecnolgica entre o Brasil e a Rssia permitia concluir que haveria receptividade a um pedido de assistncia tcnica investigao do acidente. Assim, tendo obtido autorizao do Ministro de Estado da Defesa do Brasil, o Comandante da Aeronutica deu incio s tratativas relativas ao suporte tcnico de especialistas russos, posteriormente formalizadas por expediente do Ministrio das Relaes Exteriores. Como esperado, o Governo Russo respondeu com a mxima presteza e enviou ao Brasil um alto executivo da rea espacial, acompanhado de cinco de seus mais experientes especialistas. A Comisso Tcnica de Investigao recebeu ainda trs representantes da comunidade cientfica brasileira e dois das famlias das vtimas. Ao longo dos trabalhos, com a agregao de um especialista cedido pelo INPE, um pela EMBRAER e outros do prprio CTA, a Comisso alcanou o nmero de trinta e oito membros (Anexo A).

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3.1

FATOR METEOROLGICO

O perodo de realizao das operaes de lanamento definido a partir de uma srie de fatores, entre eles as chamadas janelas meteorolgicas. Por essa expresso, entendem-se perodos em que, historicamente, o fator meteorolgico apresenta condies favorveis para o lanamento, como estaes com pouca chuva. O apoio da meteorologia conduzido por equipes do CLA, do CLBI e da Diviso de Cincias Atmosfricas do Instituto de Aeronutica e Espao (CTA/IAE/ACA); as duas ltimas deslocadas para as campanhas de lanamento. Essas equipes, trabalhando em conjunto durante a campanha de lanamento, realizam anlise e avaliao dos resultados dos modelos de previso numrica de tempo, monitoramento das condies meteorolgicas reinantes, previso de curto perodo (da ordem de at uma hora) e para as prximas horas e dias, para a regio de Alcntara. Objetivamente, para a elaborao das previses meteorolgicas, so usadas imagens de satlite, dados coletados por bales de sondagem e por estaes e equipamentos especficos em solo. As informaes de atividade eltrica e de eletromagnetismo atmosfrico, produzidos por nuvens nas proximidades, so obtidas por meio de equipamentos de medio de campo eltrico Electric Field Mill (EFM), modelo EFM II, e de campo eletromagntico Thunderstorm Sensor (TSS), modelo TSS-928, e analisadas atravs de um aplicativo para computador tipo padro IBM/PC. A previso de curtssimo prazo dificultada pela inoperncia do radar meteorolgico local. A busca nos registros relativos ao radar meteorolgico mostra que foi levado para o CLA em 1989, onde chegou inoperante, condio em que permanece desde ento. Para atenuar a falta do radar durante as operaes de lanamento no CLA, tem sido colocado um observador meteorolgico, postado na cobertura da casamata. Utilizando-se de um binculo, o observador avalia as condies meteorolgicas, inclusive noite, procurando identificar a aproximao de fenmenos meteorolgicos adversos que possam influenciar o lanamento (chuva, trovoada, relmpago,

aumento de nebulosidade, etc.). As condies observadas so repassadas por telefone, a cada meia hora, para o meteorologista (previsor) que se encontra na estao de meteorologia do CLA. Durante a Operao So Lus, foram realizadas previses meteorolgicas com freqncia diria, realizadas no incio da tarde pelos meteorologistas da Diviso de Cincias Atmosfricas do CTA (CTA/IAE/ACA). Para o perodo das 12h, do dia 17, at s 12h, do dia 19 de agosto, foram previstas possibilidades de pancadas de chuvas ocasionais e, das 12h, do dia 22, at s 12h do dia 23, foi previsto tempo parcialmente nublado, com pouca probabilidade de chuva. A Figura 33 mostra a imagem do satlite GOES, do dia 17 de agosto de 2003, de 00h 11min, horrio local, onde pode ser observado, um sistema frontal atuando ao sul do Estado da Bahia e ao norte da regio centro-oeste brasileira at a regio norte da Amaznia.

Figura 33 - Imagem do satlite meteorolgico GOES 12, canal dois infravermelho, 00h 11min, horrio local, do dia 17 de agosto.

A imagem Figura 34, do mesmo dia, porm no horrio das 18h 39min, horrio local, mostra que a aproximao frontal estimulou a formao de atividade convectiva, gerando instabilidades que se espalharam pela regio norte e noroeste do Nordeste. A passagem de sistemas frontais no sudeste brasileiro causa o aumento da atividade convectiva na regio amaznica. Esse efeito de modulao bem conhecido na literatura. O Estado do Maranho, especificamente, fica em uma regio geogrfica de transio da Amaznia para o Nordeste, tendo

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sofrido, dessa forma, influncia do sistema frontal.

Ainda no dia 18 de agosto, ocorreu a formao de nebulosidade frontal sobre a regio do CLA, atuando da tarde desse dia at a madrugada do dia 19. A Figura 35 mostra a imagem do satlite GOES12, s 21h 12min. A chegada deste sistema frontal, no dia 18, ocasionou a formao de larga banda de nebulosidade sobre o Estado do Maranho e, especificamente, sobre o CLA, associando-se Zona de Convergncia Intertropical (ITCZ) e gerando atividade convectiva com cumulunimbus, trovoada e pancada de chuva forte.

Figura 34 - Imagem do satlite meteorolgico GOES 12, canal dois infravermelho, s 18h 39min, horrio local, do dia 17 de agosto.

Na madrugada do dia 18 de agosto, ocorreu formao de nebulosidade convectiva isolada, influenciada pela aproximao da frente fria, causando pancadas de chuvas esparsas sobre a regio da torre mvel de integrao e adjacncias, chuva essa que no ocorreu na rea da estao meteorolgica automtica de superfcie DAVIS, distante oito quilmetros da rea de lanamento. Concomitantemente, estava em curso a primeira repetio geral de simulao de lanamento. Nessa condio, a torre mvel de integrao afastada do Veculo, para permitir o teste das redes eltricas. Cerca de 00h 30min, o observador, postado na casamata, alertou para a iminncia de chuva. Ato contnuo, a torre mvel de integrao foi destravada e posta em movimento, visando envolver e proteger o Veculo. Todavia, em funo do movimento necessariamente lento da torre, o VLS-1 V03 acabou por ser molhado, inclusive em algumas de suas partes internas, tendo sido feita secagem manual, atravs das janelas de inspeo. Em anlises posteriores, conduzidas pelas equipes tcnicas, concluiu-se que no teria havido comprometimento dos circuitos eltricos/ eletrnicos, pirotcnicos ou outros, existentes nos locais molhados, o que permitiria a continuidade do preparo do VLS-1 V03.

Figura 35 - Imagem do satlite meteorolgico GOES 12, canal dois infravermelho, s 21h 12min, horrio local, do dia 18 de agosto.

A Figura 36 mostra o grfico de precipitao do perodo da madrugada do dia 19 de agosto, quando ocorreu precipitao forte, cujo valor totalizado foi de 18,2 milmetros em duas horas. Foi o nico dia de agosto, antes do acidente, no qual ocorreu precipitao significativa. Entretanto, essa ocorrncia no ocasionou contato fsico da chuva com o VLS-1 V03, posto que o mesmo estava agora protegido no interior da torre mvel de integrao. A atividade frontal diminuiu no decorrer do dia 19 de agosto, sendo que nos dias 20 e 21 j no era significativa. As condies gerais do tempo, dura