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VU. Classe, Estamento, Partido 1. O P oder D eterminado Economicamente e a O rdem S ocial Ak. lei existe quando há uma probabilidade de que a ordem seja mantida por um quadro específico de homens que usarão a força física ou psíquica com a intenção de obter conformidade com a ordem, ou de impor sanções pela sua violação. A estru- tura de toda ordem jurídica influi diretamente na distribuição do poder, econômico ou qualquer outro, dentro de sua respectiva comunidade. Isso é válido para todas as ordens jurídicas e não apenas para a do Estado. Em geral, entendemos por “poder” a possibilidade de que um homem, ou um grupo de homens, realize sua vontade própria numa ação comunitária até mesmo contra a resistência de outros que participam da ação. O poder “condicionado economicamente” não é, decerto, idên- tico ao “poder” como tal. Pelo contrário, o aparecimento do poder econômico pode ser a conseqüência do poder existente por outros motivos. O homem não luta pelo poder apenas para enriquecer economicamente. O poder, inclusive o poder econô- mico, pode ser desejado “por si mesmo”. Muito freqüentemente, a luta pelo poder também é condicionada pelas “honras” sociais que ele acarreta. Nem todo poder, porém, traz honras sociais: o chefe político americano típico, bem como o grande especula- dor típico, abrem mão deliberadamente dessa honraria. Geral- mente, o poder “meramente econômico”, em especial o poder financeiro puro e simples, não é de forma alguma reconhecido como base de honras sociais. Nem é o poder a única base de Wirtschaft und Gesellschaft, parte III, cap. 4, pp. 631-40. A primeira sentença do parágrafo um e as várias definições que, neste capítulo, estão entre colchetes, não constam do texto original. Foram extraídas de oi jo s contextos de Wirtschaft und Gesellschaft.

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  • VU. Classe, Estamento, Partido

    1. O P oder D eterminado Economicamente e a Ordem Social

    Ak. l e i ex is te quando h uma probabilidade de que a ordem seja mantida por um quadro especfico de homens que usaro a fora fsica ou psquica com a inteno de obter conformidade com a ordem, ou de impor sanes pela sua violao. A estrutura de toda ordem jurdica influi diretamente na distribuio do poder, econmico ou qualquer outro, dentro de sua respectiva comunidade. Isso vlido para todas as ordens jurdicas e no apenas para a do Estado. Em geral, entendemos por poder a possibilidade de que um homem, ou um grupo de homens, realize sua vontade prpria numa ao comunitria at mesmo contra a resistncia de outros que participam da ao.

    O poder condicionado economicamente no , decerto, idntico ao poder como tal. Pelo contrrio, o aparecimento do poder econmico pode ser a conseqncia do poder existente por outros motivos. O homem no luta pelo poder apenas para enriquecer economicamente. O poder, inclusive o poder econmico, pode ser desejado por si mesmo. Muito freqentemente, a luta pelo poder tambm condicionada pelas honras sociais que ele acarreta. Nem todo poder, porm, traz honras sociais: o chefe poltico americano tpico, bem como o grande especulador tpico, abrem mo deliberadamente dessa honraria. Geralmente, o poder meramente econmico, em especial o poder financeiro puro e simples, no de forma alguma reconhecido como base de honras sociais. Nem o poder a nica base de

    Wirtschaft und Gesellschaft, parte III, cap. 4, pp. 631-40. A primeira sentena do pargrafo um e as vrias definies que, neste captulo, esto entre colchetes, no constam do texto original. Foram extradas de oi jo s contextos de Wirtschaft und Gesellschaft.

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  • 212 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA

    tal honra. Na verdade, ela, ou o prestgio, podem ser mesmo a base do poder poltico ou econmico, e isso ocorreu muito freqentemente. O poder, bem como as honras, podem ser assegurados pela ordem jurdica, mas, pelo menos normalmente, no a sua fonte primordial. A ordem jurdica constitui antes um fator adicional que aumenta a possibilidade de poder ou honras; mas nem sempre pode assegur-los.

    A forma pela qual as honras sociais so distribudas numa comunidade, entre grupos tpicos que participam nessa distribuio, pode ser chamada de ordem social. Ela e a ordem econmica esto, decerto, relacionadas da mesma forma com a ordem jurdica. No so, porm, idnticas. A ordem social , para ns, simplesmente a forma pela qual os bens e servios econmicos so distribudos e usados. A ordem social , decerto, condicionada em alto grau pela ordem econmica, e por sua vez influi nela.

    Dessa forma, classes, estamentos e partidos so fenmenos da distribuio de poder dentro de uma comunidade.

    2 . D e t e r m in a o da S it u a o de C l a s s e p e l a S it u a o de M ercado

    Em nossa terminologia, classes no so comunidades; representam simplesmente bases possveis, e freqentes, de ao comunal. Podemos falar de uma classe quando: 1) certo nmero de pessoas tem em comum um componente causal especfico em suas oportunidades de vida, e na medida em que 2) sse componente representado exclusivamente pelos interesses econmicos da posse de bens e oportunidades de renda, e 3) representado sob as condies de mercado de produtos ou mercado de trabalho. [sses pontos referem-se situao de classe, que podemos expressar mais sucintamente como a oportunidade tpica de uma oferta de bens, de condies de vida exteriores e experincias pessoais de vida, e na medida em que essa oportunidade determinada pelo volume e tipo de poder, ou falta dles, de dispor de bens ou habilidades em benefcio de renda de uma determinada ordem econmica. A palavra classe refere-se a qualquer grupo de pessoas que se encontrem na mesma situao de classe.]

    A forma pela qual a propriedade material distribuda entre vrias pessoas, que competem no mercado com a finalidade de

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  • CLASSE, ESTAMENTO, PARTIDO 213

    troca, cria, em si, oportunidades especficas de vida, o que constitui um fato econmico bastante elementar. Segundo a lei da utilidade marginai, sse modo de distribuio exclui os no-pro- prietrios da competio pelos bens muito desejados; favorece os proprietrios e, na verdade, lhes d o monoplio para a aquisio dsses bens. Em igualdade de fatores, sse modo de distribuio monopoliza as oportunidades de transaes lucrativas para todos os que, dispondo de bens, no tm necessariamente de troc-los. Aumenta, pelo menos em geral, seu poderio nas guerras de preo com os que, no tendo propriedades, s tm a oferecer seus servios, em forma bruta, ou bens numa forma constituda atravs de seu prprio trabalho e que, acima de tudo, so compelidos a se desfazer dsses produtos para que passam, simplesmente, subsistir. Essa forma de distribuio d aos proprietrios um monoplio da possibilidade de transferir bens da esfera de uso como fortuna para a esfera de bens de capital ; isto , d-lhes a funo empresarial e tdas as oportunidades de participar direta ou indiretamente dos lucros sbre o capital. Tudo isso vlido dentro da rea na qual predominam as condies de mercado pura e simplesmente. Propriedade e falta de propriedade so, portanto, as categorias bsicas de tdas as situaes de classe. No importa se essas duas categorias se tornam efetivas em guerras de preo ou em lutas competitivas.

    Dentro dessas categorias, porm, as situaes de classe distinguem-se melhor: de um lado, segundo o tipo de propriedade utilizvel para lucro; de outro lado, segundo o tipo de servios que podem ser oferecidos no mercado. A propriedade dos edifcios de residncia; dos estabelecimentos produtores; armazns; lojas; terra cultivvel; grandes e pequenas propriedades diferenas quantitativas com possveis conseqncias qualitativas ; propriedade de minas; gado; homens (escravos); disposio sbre instrumentos mveis da produo, ou bens de capital de todos os tipos, especialmente dinheiro ou objetos que possam ser trocados por dinheiro, facilmente e a qualquer momento; controle do produto do prprio trabalho e do trabalho de outros, diferindo segundo as variaes na possibilidade de consumo; controle dos monoplios transferveis de qualquer tipo tdas essas distines caracterizam as situaes de classe assim como o sentido que elas podem dar, e do, utilizao da propriedade, especialmente a propriedade que tem equivalentes monetrios. Assim, os proprietrios, por exemplo, podem pertencer classe dos arrendadores ou classe dos empresrios.

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  • 214 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA

    Os que no tm propriedade mas oferecem servios so distinguidos tanto pelos tipos de servios que prestam como pela forma pela qual fazem uso desses servios, numa relao contnua ou descontnua com um recipiendrio. Mas essa sempre a conotao genrica do conceito de classe: que o tipo de oportunidade no m ercado o momento decisivo que apresenta condio comum para a sorte individual. Situao de classe, nesse sentido, , em ltima anlise, situao de mercado. O efeito da simples posse, por si, que entre os criadores de gado coloca o escravo ou o servo sem propriedades nas mos do dono de gado, apenas um precursor da verdadeira formao de classe. Entretanto, no emprstimo de gado e na crua severidade da lei de dvidas nessas comunidades, pela primeira vez a simples posse como tal surge, decisiva, para o destino do indivduo. Isso contrasta bastante com as comunidades agrcolas baseadas no trabalho. A relao credor-devedor s se torna a base das situaes de classe nas cidades onde a plutocracia criou um mercado de crdito, por mais primitivo que seja, com taxas de juro aumentando segundo as propores da escassez e uma monopolizao concreta dos crditos. Com isso, iniciam-se as lutas de classe.

    Aqueles cujo destino no determinado pela oportunidade de usar, em proveito prprio, bens e servios no mercado, isto , os escravos, no so, porm, uma classe, no sentido tcnico da expresso. So, antes, um estamento.

    3 . A o C o m u n it r i a D e c o r r e n t e do I n t e r e s s e de C l a s se

    Segundo a nossa terminologia, o fator que cria classe um interesse econmico claro, e na verdade, apenas os interesses ligados existncia do mercado. No obstante, o conceito de interesse de classe ambguo: mesmo como conceito emprico ambguo na medida em que se entenda por ele algo alm da direo fatual de interesses que se segue com certa probabilidade, da situao de classe para certa mdia das pessoas sujeitas situao de classe. No havendo variaes na situao de classe e outras circunstncias, a direo na qual o trabalhador individual, por exemplo, dever buscar seus interesses pode variar muito, dependendo do fato de estar qualificado constitucionalmente, em grau alto, mdio ou baixo, para a tarefa que se apresenta. Da mesma forma, a direo dos interesses pode variar

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  • c l a s s e , e s t a m e n t o , p a r t id o 215

    muito, dependendo de se ter ou no desenvolvido da situao de classe uma ao comunitria por parte duma poro maior ou menor daqueles que esto igualmente afetados pela situao de classe, ou mesmo uma associao entre eles, por exemplo, um sindicato, da qual o indivduo possa ou no esperar resultados promissores. [A ao comunitria refere-se ao que orientada pelo sentimento dos agentes de pertencerem a um todo. A ao societria, por sua vez, orientada no sentido de um ajustamento de interesses racionalmente motivado.] O aparecimento de uma ao societria ou mesmo comunitria, partindo de uma situao comum de classe, no de modo algum um fenmeno universal.

    A situao de classe pode ser limitada, em seus efeitos, criao de reaes essencialmente hom ogn ea s, ou seja, dentro de nossa terminologia, de aes de massa. No obstante, pode no ter nem mesmo esse resultado. Alm disso, com freqncia surge apenas uma ao comunitria amorfa. Por exemplo, o resmungar dos trabalhadores, conhecido na tica oriental antiga: a desaprovao moral da conduta do feitor, que em sua significao prtica equivalia provavelmente a um fenmeno, cada vez mais tpico do mais recente desenvolvimento industrial, a operao tartaruga, ou seja, a limitao deliberada do esforo de trabalho pelos operrios em virtude de um acordo tcito. O grau no qual a ao comunitria e possivelmente a ao societria surgem das aes de massa dos membros de uma classe depende de condies culturais gerais, especialmente as do tipo intelectual. Tambm depende das propores dos contrastes que j tenham surgido, estando especialmente ligada transparncia das ligaes entre as causas e as conseqncias da situao de classe. Por mais diferentes que as oportunidades de vida possam ser, esse fato, em si mesmo, segundo tda experincia, de forma alguma d origem ao de classe (ao comunitria pelos membros de uma classe). O fato de ser condicionado e os resultados da situao de classe precisam ser claramente reconhecidos, pois somente ento o contraste das oportunidades de vida poder ser considerado no como um dado absoluto a ser aceito, mas como resultante: 1) da distribuio de propriedade existente, ou 2) da estrutura da ordem econmica concreta. S ento que as pessoas podem reagir contra a estrutura de classes, no apenas atravs de atos de protesto intermitentes e irracionais, mas sob a forma de uma associao racional. Houve situaes de classe pertencentes primeira

  • 216 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA

    categoria 1), excepcionalmente ntidas e evidentes nos centros urbanos da Antigidade e durante a Idade Mdia; especialmente nesse ltimo caso, quando foram acumuladas grandes fortunas pelo monoplio de fato do comrcio de produtos industriais desses centros ou do comrcio de comestveis. Alem disso, em certas circunstncias temos o exemplo de economias rurais dos mais diversos perodos, quando a agricultura era explorada de forma crescente com objetivos de lucro. O exemplo histrico mais importante da segunda categoria 2) a situao de classe do proletariado moderno.

    4 . T ip o s de L u t a de C l a s s e

    Assim, toda classe pode ser portadora de uma das possveis e numerosas formas de ao de classe, embora isso no acontea necessariamente. De qualquer modo, uma classe no constitui, em si, uma comunidade. Tratar a classe conceptual- mente como tendo o mesmo valor de comunidade leva deformao. O fato de homens na mesma situao de classe reagirem regularmente atravs de aes de massa a situaes to tangveis quanto as econmicas, e reagirem no sentido dos interesses mais adequados mdia deles, importante, e na verdade simples, para a compreenso dos acontecimentos histricos. Acima de tudo, esse fato no deve levar quele tipo de uso pseudocientfico dos conceitos de classe e interesse de classe observado com tanta freqncia, hoje em dia, e que encontra sua expresso mais clssica na afirmao de um autor talentoso, de que o indivduo pode errar em relao aos seus interesses, mas que a classe infalvel em relao a esses interesses. No obstante, se as classes como tal no so comunidades, ainda assim as situaes de classe s aparecem base da comunalizao. A ao comunitria que cria situaes de classe, porm, no basicamente ao entre membros de classe idntica; uma ao entre membros de classes diferentes. Os atos comunitrios que determinam diretamente a situao de classe do trabalhador e do empresrio so: o mercado de trabalho, o mercado de produtos e a empresa capitalista. Mas, por sua vez, a existncia de uma empresa capitalista pressupe a existncia de uma ao comunitria muito especfica e que especificamente estruturada para proteger a posse de bens p er se, e especialmente o poder que os indivduos tem de dispor, em princpio livremente, dos meios de produo. A existncia

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  • CLASSE, ESTAMENTO, PARTIDO 217

    da empresa capitalista precondicionada por um tipo especfico de ordem jurdica. Cada tipo de situao de classe, e acima de tudo quando se baseia no poder da propriedade p e r se, torna-se mais evidentemente eficaz quando todos os outros determinantes das relaes recprocas so, na medida do possvel, eliminados em sua significao. desse modo que a utilizao do poder da propriedade no mercado consegue sua maior importncia soberana.

    Ora, os chamados estamentos dificultam a realizao rigorosa do princpio de mercado, puro e simples. No presente contexto, so de interesse para ns apenas deste ponto de vista. Antes de os examinarmos sucintamente, observemos que no se pode dizer muita coisa de natureza geral sobre os tipos mais especficos de antagonismo entre classes (em nosso sentido da expresso). A grande transformao, que ocorreu continuamente no passado e veio at a nossa poca, pode ser resumida, embora a expensas de uma certa preciso: a luta na qual as situaes de classe so efetivas se deslocou progressivamente, primeiro, da fase do crdito de consumo para as lutas competitivas no mercado de produtos e, em seguida, para as guerras de preo no mercado de trabalho. As lutas de classe da Antigidade na medida em que foram autnticas e no apenas lutas entre estamentos foram realizadas inicialmente pelos camponeses endividados e talvez, tambm, pelos artesos ameaados pela servido em conseqncia de dvidas e que lutavam contra os credores urbanos, pois a sujeio por dvidas o resultado normal da diferenciao de riqueza nas cidades comerciais, especialmente nas cidades porturias. Situao semelhante existiu entre os criadores de gado. As relaes de dbito, como tal, provocaram ao de classe at a poca de Catilina. Juntamente com isto e com um aumento no abastecimento de cereais para a cidade, transportando-os de fora, surgiu a luta pelos meios de manuteno. Centralizou-se, em primeiro lugar, em torno do abastecimento de po e na determinao de seu preo. Durou toda a Antigidade e toda a Idade Mdia. Os no-pro- prietrios, como tal, agruparam-se contra os que, real e supostamente, tinham interesse pela escassez do po. Essa luta difundiu-se at envolver todos os produtos essenciais ao modo de vida e produo artesanal. Houve apenas discusses incipientes de disputas salariais na Antigidade e na Idade Mdia, que foram, porm, crescendo lentamente at os tempos modernos. Nos perodos anteriores, elas foram completamente se

  • 218 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA

    cundrias s rebelies de escravos, bem como s lutas no mercado de produtos.

    Os no-proprietrios da Antigidade e da Idade Mdia protestaram contra os monoplios, as compras antecipadas, aam- barcamento, e a reteno de bens do mercado com a finalidade de aumentar os preos. Hoje em dia, a questo central a determinao do preo do trabalho.

    Essa transio retratada pela luta por acesso ao mercado e para determinar o preo dos produtos. Tais lutas foram travadas entre comerciantes e trabalhadores, no sistema de artesanato domstico, durante a transio para os tempos modernos. Como um fenmeno bastante geral, devemos mencionar aqui que os antagonismos de classes condicionados pela situao de mercado so habitualmente mais acerbos entre os que participam, real c diretamente, como adversrios nas guerras de preos. No o homem que vive de rendas, o acionista e o banqueiro que sofrem com a m vontade do trabalhador, mas quase exclusivamente o industrial e os diretores de empresas que so adversrios diretos dos trabalhadores nas guerras de preos. Isso ocorre a despeito do fato de ser precisamente para as arcas do homem que vive de rendas, do acionista e do banqueiro que fluem os lucros mais ou menos gratuitos, e no para os bolsos dos fabricantes ou dos administradores. Essa situao simples tem sido, com muita freqncia, decisiva para o papel que a situao de classe desempenhou na formao dos partidos polticos. Possibilitou, por exemplo, as variedades de socialismo patriarcal e as tentativas freqentes pelo menos antigamente dos estamentos ameaados de formarem alianas com o proletariado contra a burguesia.

    5. A H o n ra E s tam e n ta l

    Em contraste com as classes, os gru p o s d e "status so normalmente comunidades. Com freqncia, porm, so do tipo amorfo. Em contraste com a situao de classe determinada apenas por motivos econmicos, desejamos designar como situao de status todo componente tpico do destino dos homens, determinado por uma estimativa especfica, positiva ou negativa, da honraria. Essa honraria pode estar relacionada com qualquer qualidade partilhada por uma pluralidade de indivduos e, decerto, pode estar relacionada com uma situao de classe: as

  • CLASSE, ESTAMENTO, PARTIDO 219

    distines de classe esto ligadas, das formas mais variadas, com as distines de status. A propriedade como tal nem sempre reconhecida como qualificao estamental, mas a longo prazo ela assim , e com extraordinria regularidade. Na economia de subsistncia da comunidade organizada, com freqncia o homem mais rico simplesmente o chefete. Isso pode, porm, significar com freqncia apenas uma preferncia honorfica. Por exemplo, na chamada democracia moderna pura, isto , a democracia destituda de quaisquer privilgios estamentais expressamente ordenados para os indivduos, pode acontecer que somente as famlias pertencentes aproximadamente mesma categoria tributria dancem umas com as outras. Esse exemplo citado em relao a certas cidades suas menores. Mas a honraria estamental no precisa, necessariamente, estar ligada a uma situao de classe. Pelo contrrio, normalmente ela se ope de forma acentuada s pretenses de simples propriedade.

    Tanto os proprietrios como os no-proprietrios pertencem ao mesmo estamento e freqentemente o fazem com resultados bem tangveis. Essa igualdade da estima social pode, porm, a longo prazo, tornar-se precria. A igualdade social entre os cavalheiros americanos, por exemplo, se expressa pelo fato de que fora da subordinao determinada pelas diferentes funes nos negcios, seria considerado rigorosamente repugnante onde quer que a velha tradio ainda predomine se at mesmo o mais rico chefe, ao jogar bilhar ou cartas em seu clube noite, no tratasse o seu funcionrio como, sob todos os aspectos, seu igual por nascimento. Seria repugnante que o chefe americano concedesse ao seu funcionrio uma benevolncia condescendente, estabelecendo uma distino de posio, que o chefe alemo jamais pode dissociar de sua atitude. essa uma das razes mais importantes pelas quais na Amrica o esprito de clube alemo jamais pode alcanar a atrao exercida pelos clubes americanos.

    6. G arantias da Organizao Estamental

    No contedo, a honra estamental expressa normalmente pelo fato de que acima de tudo um estilo d e vida especfico pode ser esperado de todos os que desejam pertencer ao crculo. Ligadas a essa expectativa existem restries ao relacionamento social (isto , ao relacionamento que no se prenda a objetivos

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    econmicos ou quaisquer outros objetivos funcionais da empresa). Essas restries podem limitar os casamentos normais ao crculo de status e podem levar a um completo fechamento endogmico. To logo deixa de haver uma mera imitao individual, socialmente, irrelevante, de outro estilo de vida, para haver uma ao comunal consentida com esse carter de fechamento, o desenvolvimento do status estar em processo.

    Em sua forma caracterstica, a organizao estamental tendo por base estilos de vida convencionais est surgindo no momento nos Estados Unidos, a partir da democracia tradicional. Por exemplo, somente o morador de uma determinada rua (a rua) considerado como pertencente sociedade, est qualificado para o relacionamento social e visitado e convidado. Acima de tudo, essa diferenciao se desenvolve de tal forma que produz estrita submisso moda dominante em determinado momento na sociedade. Essa submisso moda existe tambm para os homens na Amrica, em grau desconhecido na Alemanha. Tal submisso considerada como um indcio do fato de que um determinado homem p reten d e qualificar-se como um cavalheiro, e faz que, pelo menos prima fa cie, seja tratado como tal. E esse reconhecimento torna-se to importante para suas oportunidades de emprego em estabelecimentos finos, e, acima de tudo, para o relacionamento social e casamento com famlias bem consideradas, quanto a habilitao para o duelo entre os alemes, na poca do Kaiser. Quanto ao resto: certas famlias residentes h longo tempo e, decerto, correspondentemente ricas, por exemplo as primeiras famlias da Virgnia ou os descendentes, reais ou imaginrios, da princesa ndia Pocahontas, ou dos fundadores da Nova Inglaterra ou dos fundadores holandeses de Nova York, os membros de seitas quase inacessveis e de toda espcie de crculos que se distinguem atravs de quaisquer outras caractersticas e insgnias.. . todos esses elementos usurpam a honraria estamental. O desenvolvimento do estamento essencialmente uma questo de estratificao que se baseia na usurpao, que a origem normal de quase toda honra estamental. Mas o caminho dessa situao puramente convencional para o privilgio local, positivo ou negativo, percorrido facilmente to logo uma certa estratificao da ordem social tenha, na verdade, sido vivida e tenha conseguido a estabilidade em virtude de uma distribuio estvel do poder econmico.

  • CLASSE, ESTAMENTO, PARTIDO 221

    7 . S e g reg ao t n ic a e C a s t a

    Onde as suas conseqncias se realizaram em toda a extenso, o estamento evolui para uma casta fechada. As distines estamentais so, ento, asseguradas no simplesmente pelas convenes e leis, mas tambm pelos rituais. Isso ocorre de tal modo que todo contato fsico com um membro de qualquer casta que seja considerada inferior pelos membros de uma casta superior considerado como uma impureza ritualstica e um estigma que deve ser expiado por um ato religioso. As castas individuais criam cultos e deuses bem distintos.

    Em geral, porm, os estamentos s chegam a tais conseqncias extremas quando h diferenas subjacentes consideradas como tnicas. A casta , realmente, a forma natural pela qual costumam socializar-se as comunidades tnicas que crem no parentesco de sangue com os membros de comunidades exteriores e o relacionamento social. Essa situao de casta parte do fenmeno de povos prias e se encontra em todo o mundo. Esses povos formam comunidades, adquirem tradies ocupacionais especficas de artesanatos, ou de outras artes, e cultivam uma crena em sua comunidade tnica. Vivem numa dispora rigorosamente segregada de todo relacionamento pessoal, exceto o de tipo inevitvel, e sua situao legalmente precria. No obstante, em virtude de sua indispensabilidade econmica, so tolerados, realmente, e freqentemente privilegiados, e vivem em comunidades polticas dispersas. Os judeus constituem o exemplo histrico mais impressionante.

    Uma segregao de estamentos que se transforma numa casta difere, em sua estrutura, de uma segregao simplesmente tnica : a estrutura de casta transforma as coexistncias horizontais e desconexas de grupos etnicamente segregados num sistema social de super e subordinao. Formulando corretamente: uma socializao de tipo amplo integra as comunidades etnicamente divididas em ao comunitria especfica, poltica. Em suas conseqncias diferem precisamente porque: as coexistncias tnicas condicionam uma repulso e um desprezo mtuos, mas permitem a toda comunidade tnica considerar a sua prpria honra como a mais elevada; a separao de casta provoca uma subordinao e um reconhecimento de mais honra em favor dos estamentos e castas privilegiados, pois as diferenas tnicas correspondem juno desempenhada dentro da associao po

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  • 222 E N S A I O S DE S O C I O L O G I A

    ltica (guerreiros, sacerdotes, artesos que so politicamente importantes para a guerra e a construo, e assim por diante). Porm mesmo os povos prias que so mais desprezados podem, habitualmente, continuar cultivando, de algum modo, aquilo que igualmente peculiar a comunidades tnicas e de castas: a crena em sua prpria honra especfica. o caso dos judeus.

    Apenas com os estamentos negativamente privilegiados o sentimento de dignidade sofre um desvio especfico. Um sentimento de dignidade a precipitao nos indivduos da honra social e das exigncias convencionais que um estamento positivamente privilegiado cria para a conduta de seus membros. O sentimento de dignidade que caracteriza os estamentos positivamente privilegiados relaciona-se, naturalmente, com seu ser que no transcende a si mesmo, isto , relaciona-se com sua beleza e excelncia. Seu reino deste mundo. Vivem para o presente e explorando seu grande passado. O senso de dignidade das camadas negativamente privilegiadas naturalmente se refere a um futuro que est alm do presente, seja desta vida ou de outra. Em outras palavras, deve ser nutrido pela crena numa misso providencial e por uma crena numa honra especfica perante Deus. A dignidade do povo escolhido alimentada por uma crena, seja de que no alm os ltimos sero os primeiros, seja de que nesta vida aparecer um Messias para trazer luz do mundo que os enxotou a honra oculta do povo pria. Esse simples estado de coisas, e no o ressentimento, que to fortemente ressaltado na admirada construo de Nietzsche na G enealogia da Moral, a fonte da religiosidade cultivada pelos estamentos prias. De passagem, podemos notar que o ressentimento s pode ser aplicado corretamente em proporo limitada; para um dos principais exemplos de Nietzsche, o budismo, no absolutamente aplicvel.

    Incidentalmente, o desenvolvimento dos estamentos a partir de segregaes tnicas no constitui, de modo algum, o fenmeno normal. Pelo contrrio, como as diferenas raciais no so, de forma alguma, bsicas a todo sentimento subjetivo de uma comunidade tnica, o fundamento racial supremo do estamento , acertada e absolutamente, uma questo de caso individual concreto. Muito freqentemente, um estamento instrumental na produo de um tipo antropolgico puro. Certamente, um estamento , em alto grau, eficaz na produo de tipos extremos, pois seleciona indivduos pessoalmente qualificados (por exemplo, a Cavalaria Medieval seleciona os que so aptos para

  • CLASSE, ESTAMENTO, PARTIDO 223

    a guerra, fsica e psiquicamente). Mas a seleo est longe de ser a nica forma, ou a predominante, pela qual os estamentos so formados. A participao poltica ou situao de classe foi, em tdas as pocas, pelo menos freqentemente decisiva. E hoje a situao de classe , de longe, o fator predominante, pois decerto a possibilidade de um estilo de vida esperado para os membros de um estamento , em geral, economicamente condicionada.

    8 . P rivilgios Estamentais

    Para todas as finalidades prticas, a estratificao estamental vai de mos dadas com uma monopolizao de bens ou oportunidades ideais e materiais, de um modo que chegamos a considerar como tpico. Alm da honra estamental especfica, que sempre se baseia na distncia e exclusividade, encontramos toda sorte de monoplios materiais. Essas preferncias honorficas podem consistir no privilgio de usar roupas especiais, comer pratos especiais que so tabu para outros, portar armas o que bastante bvio em suas conseqncias o direito de dedicar-se a certas prticas artsticas por diletantismo, no-pro- fissionalmente, como por exemplo tocar determinados instrumentos musicais. claro que os monoplios materiais proporcionam os motivos mais eficientes para a exclusividade de um estamento; embora em si mesmos eles raramente sejam suficientes, quase sempre exercem alguma influncia. Para o connub ium entre membros de um mesmo estamento manter o monoplio da mo das filhas dentro de um crculo restrito tem tanta importncia como o interesse que as famlias tm em monopolizar os possveis pretendentes que possam prover o futuro das filhas. Com o crescente fechamento do estamento as oportunidades preferenciais convencionais de emprego especial transformam-se num monoplio legal de cargos especiais para grupos limitados. Certos bens se tornam objeto de monopolizao pelos estamentos. De modo tpico, eles incluem os bens vinculados e, freqentemente, tambm as posses de servos ou de criados e, finalmente, ofcios especiais. Essa monopolizao ocorre positivamente quando s o grupo em questo est habilitado a possu-los e a control-los; e negativamente quando, a fim de manter seu modo de vida especfico, o estamento no deve possu-los e control-los.

    O papel decisivo de um estilo de vida na honra do grupo significa que os estamentos so os portadores especficos

  • 224 E N S A I O S DE S O C I O L O G I A

    de todas as convenes. De qualquer modo que se manifeste, toda estilizao da vida se origina nos estamentos ou pelo menos conservada por eles. Apesar de sua grande diversidade, os princpios das convenes estamentais revelam certos traos tpicos, especialmente entre as camadas mais privilegiadas. M uito geralmente, entre os estamentos privilegiados h uma desqualificao de estamentos envolvida pela execuo do trabalho fsico comum. Essa desqualificao se est agora radicando na Amrica, contra a velha tradio da estima pelo trabalho. Muito freqentemente toda empresa econmica racional, e especialmente a atividade empresarial, considerada como uma desqualificao social. A atividade artstica e literria tambm considerada como trabalho degradante, to logo seja explorada com finalidades lucrativas, ou pelo menos quando est relacionada com um esforo fsico pesado. Um exemplo um escultor que trabalha como um pedreiro, em seu poeirento guarda-p, em contraste com o pintor em seu estdio semelhante a um salo, e as formas de prtica musical aceitveis pelo grupo privilegiado.

    9 . C o n d i e s e E f e it o s E c o n m ic o s da O r g a n iz a o E s t a m e n t a l

    A desqualificao freqente das pessoas que se empregam para ganhar um salrio um resultado direto do princpio de estratificao estamental, peculiar ordem social e, decerto, da oposio desse princpio a uma distribuio de poder regulada exclusivamente por intermdio do mercado. Esses dois fatores operam juntamente com vrios outros fatores individuais, que sero mencionados mais adiante.

    Vimos, acima, que o mercado e seus processos no conhecem distines pessoais : os interesses funcionais o dominam. Nada conhecem de honras. A ordem estamental significa precisamente o inverso, ou seja, a estratificao em termos de honras e estilos de vida peculiares aos grupos estamentais como tais. Se a simples aquisio econmica e o poder econmico puro, ainda trazendo o estigma de sua origem extra-estamental, pudessem conceder a quem os tivesse conseguido as mesmas honras que os interessados em estamentos em virtude de um estilo de vida que pretendem para si, a ordem estamental estaria ameaada em suas bases mesmas, principalmente tendo em vista que, em condies de igualdade de

  • CLASSE, ESTAMENTO/ PARTIDO 225

    honras estamentais, a posse p e r se representa um acrscimo, mesmo no sendo abertamente reconhecida como tal. No obstante, se essa aquisio e poder econmico proporcionassem ao agente qualquer honraria, sua riqueza resultaria em alcanar mais honras do que as pessoas que reivindicam, com xito, as honras em virtude de um estilo de vida. Portanto, todos os grupos que tm interesses na ordem estamental reagem com especial violncia precisamente contra as pretenses de aquisio exclusivamente econmica. Na maioria dos casos, o vigor da reao proporcional intensidade com que a ameaa experimentada. O tratamento respeitoso que Calderon d ao campons, por exemplo, em oposio ao desprezo simultneo e ostensivo de Shakespeare pela canaille ilustra a forma diferente pela qual uma ordem estamental firmemente estruturada reage, em comparao com uma ordem estamental que se tornou economicamente precria. Trata-se do exemplo de um estado de coisas que se repete em tda parte. Precisamente devido s reaes rigorosas contra as pretenses da propriedade p e r se, o "parvenu. jamais aceito, pessoalmente e sem reservas, pelos grupos estamentalmente privilegiados, por melhor que seu estilo de vida se ajuste ao dles. S aceitaro seus descendentes que tiverem sido educados nas convenes do seu grupo estamental e que nunca tenham manchado sua honra pela atividade econmica pessoal.

    Quanto ao e fe i to geral da ordem estamental, somente uma conseqncia pode ser apresentada, mas sua importncia grande: o impedimento do livre desenvolvimento do mercado ocorre primeiro para os bens que os estamentos subtraem diretamente da livre troca pela monopolizao. Essa monopolizao pode ser efetuada seja legal ou convencionalmente. Por exemplo, em muitas cidades helnicas durante a poca especificamente estamental, e tambm originalmente em Roma, o patrimnio herdado (como se v pelas velhas frmulas de condenao dos perdulrios) era monopolizado, tal como o eram as propriedades dos cavaleiros, camponeses, sacerdotes e especialmente a clientela das guildas de ofcios e comrcio. O mercado limitado, e o poder puro e simples da propriedade p e r se, que d sua marca formao de classe, posto em segundo plano. Os resultados desse processo podem ser muito variados. Naturalmente, no enfraquecem necessariamente os contrastes na situao econmica. Fortalecem freqentemente esses contrastes e, de qualquer modo, quando a estratificao estamental impregna

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    a comunidade to fortemente como ocorreu em todas as comunidades polticas da Antigidade e da Idade Mdia, jamais podemos falar de uma concorrncia de mercado realmente livre, tal como a entendemos hoje. H efeitos mais amplos do que essa excluso direta de bens especiais do mercado. Da contradio entre a ordem estamental e a ordem exclusivamente econmica acima mencionada, segue-se que na maioria dos casos a noo de honras peculiares ao estamento abomina de forma absoluta aquilo que essencial para o mercado: o regateio. As honras abominam o regateio entre os pares e ocasionalmente tornam tabu o regateio em geral para os membros de um estamento. Portanto, em tda parte, alguns estamentos, e habitualmente os mais influentes, consideram quase qualquer tipo de participao aberta na aquisio econmica como um estigma absoluto.

    Simplificando, poderamos dizer, assim, que as classes se estratificam de acordo com suas relaes com a produo e aquisio de bens; ao passo que os estamentos se estratificam de acordo com os princpios de seu con sum o de bens, representado por estilos de vida especiais.

    Um grmio profissional tambm um estamento, pois normalmente reivindica as honras sociais apenas em virtude do estilo de vida especial que pode determinar. As diferenas entre classes e estamentos se superpem com freqncia. So precisamente as comunidades segregadas com maior rigor em termos de honra (as castas indianas) que mostram hoje, embora dentro de limites muitos rgidos, um grau relativamente elevado de indiferena renda pecuniria. Os brmanes, porm, buscam tal renda de muitos modos diferentes.

    Quanto s condies econmicas gerais que permitem o predomnio da organizao estamental, pouco podemos dizer. Quando as bases da aquisio e distribuio de bens so relativamente estveis, a organizao estamental favorecida. Toda repercusso tecnolgica e transformao econmica ameaa-a e coloca em primeiro plano a situao de classe. As pocas e pases em que a pura situao de classe possui significao predominante so regularmente os perodos de transformaes tcnicas e econmicas. E toda diminuio no ritmo de mudanas nas estratificaes econmicas leva, no devido tempo, ao aparecimento de organizaes estamentais e contribui para a ressurreio do importante papel das honras sociais.

  • c i a s s e , e s t a m e n t o , p a r t id o 227

    1 0 . P artidos

    O lugar autntico das classes no contexto da ordem econmica, ao passo que os estamentos se colocam na ordem social, isto , dentro da esfera da distribuio de honras. Dessas esferas, as classes e os estamentos influenciam-se mutuamente e ordem jurdica, e so por sua vez influenciados por ela. Mas os partidos vivem sob o signo do poder.

    Sua reao orientada para a aquisio do poder social, ou seja, para a influncia sobre a ao comunitria, sem levar em conta qual possa ser o contedo. Em princpio, os partidos podem existir num clube social, bem como num Estado. Em contraposio s aes das classes e estamentos em que isso nem sempre o caso, as aes comunitrias dos partidos sempre significam uma socializao, pois tais aes voltam-se sempre para uma meta que se procura atingir de forma planificada. A meta pode ser uma causa (o partido pode visar realizao de um programa de propsitos ideais ou materiais), ou a meta pode ser pessoal (sinecuras, poder e, da, honras para o lder e os seguidores do partido). Habitualmente, a ao partidria visa a tudo isso, simultaneamente. Portanto, os partidos so possveis apenas dentro de comunidades de algum modo socializadas, ou seja, que tm alguma ordem racional e um quadro de pessoas prontas a assegur-la, pois os partidos visam precisamente a influenciar esse quadro, e, se possvel, recrut-lo entre os seus seguidores.

    Em qualquer caso individual, os partidos podem representar interesses determinados atravs da situao classista ou esta- mental, e podem recrutar seus membros de uma ou de outra. Mas no precisam ser partidos exclusivamente de classe, nem estamentais. Na maioria dos casos, so at certo ponto partidos de classe, e at certo ponto partidos estamentais, mas algumas vezes no so nenhuma das duas coisas. Podem representar estruturas efmeras ou duradouras. Seus meios de alcanar o poder podem ser variados, indo desde a violncia pura e simples, de qualquer espcie, cabala de votos atravs de meios grosseiros ou sutis: dinheiro, influncia social, a fora da argumentao, sugesto, embustes primrios, e assim por diante, at as tticas mais duras ou mais habilidosas de obstruo parlamentar.

    A estrutura sociolgica dos partidos difere de forma bsica segundo o tipo de ao comunitria que buscam influenciar.

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    Os partidos tambm diferem segundo a organizao da comunidade por estamentos ou por classes. Acima de tudo, variam segundo a estrutura do domnio dentro da comunidade, pois seus lderes normalmente tratam da conquista de uma comunidade. No conceito geral mantido aqui, no so produtos apenas de formas especialmente modernas de domnio. Designaremos tambm como partidos os partidos antigos e medievais, apesar de a sua estrutura variar basicamente em relao estrutura dos partidos modernos. Em virtude dessas diferenas que oferece a estrutura de dominao, impossvel dizer qualquer coisa sbre a estrutura dos partidos, sem discutir as formas estruturais de domnio social p er se. Os partidos, que so sempre estruturas que lutam pelo domnio, muito freqentemente se organizam de um modo autoritrio muito rigoroso.

    No que se relaciona com as classes, os estamentos e os partidos, devemos dizer em geral que eles pressupem, necessariamente, uma sociedade que os engloba, e especialmente uma ao comunitria poltica, dentro da qual operam. Mas isto no significa que os partidos sejam confinados pelas fronteiras de qualquer comunidade poltica. Pelo contrrio, em todos os tempos ocorreu habitualmente que eles (mesmo quando visam ao uso da fora militar em comum) ultrapassam as fronteiras da comunidade poltica. Tal fato se observou no caso da solidariedade de interesses entre os oligarcas e os democratas na Hlade, entre os guelfos e gibelinos na Idade Mdia e no partido calvinista durante o perodo de lutas religiosas. E continua sendo o caso at da solidariedade entre os senhores de terra (congresso internacional de senhores de terrat agrrios), e continuou entre os prncipes (sagrada aliana, decretos de Karlsbad), trabalhadores socialistas, conservadores (o desejo de uma interveno russa por parte dos conservadores prussianos em 1850). Mas seu objetivo no necessariamente o estabelecimento de um novo domnio poltico internacional, isto , territorial. Pretendem, principalmente, influenciar o domnio existente. *

    * O texto, publicado postumamente, interrompe-se aqui. Omitimos um esboo incompleto dos tipos de estamentos guerreiros .