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Não basta só ter vontade! Diálogos sobre os sentidos do curso de tecnologia em produção cênica da Universidade Federal do Paraná
Resumo O propósito do presente artigo é compreender os sentidos do Curso Superior de Tecnologia em Produção Cênica para os estudantes da área, considerando que essa formação é recente na esfera universitária e sendo a Universidade Federal do Paraná a primeira universidade pública a instaurar o curso. Como metodologia optei pela análise enunciativa de uma publicação na página da rede social Facebook, postada por um estudante do curso. No enunciado, o discente, logo após uma aula, expõe na rede suas expectativas e reflexões sobre o que é ser produtor cênico, sendo possível perceber os anseios do futuro profissional em relação à Universidade, ao mercado de trabalho e à atividade que se pretende exercer, principalmente por ser uma profissão em busca de reconhecimento. Por compreender que as palavras e a língua estão ligadas pela história, optei como aporte teórico da pesquisa a perspectiva de Bakhtin e o Círculo. Na fundamentação utilizo‐me dos conceitos da teoria da enunciação na busca da compreensão dos diálogos produzidos nos enunciados dos estudantes com seus interlocutores e recorro à concepção de gêneros discursivos para refletir sobre as publicações da rede social Facebook e suas relações dialógicas. Palavras‐chave: Educação Superior; Produção Cênica; Círculo de Bakhtin
Patricia Pluschkat
Universidade Federal Do Parana [email protected]
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A arte carrega o estigma de ser algo dispensável do ensino no Brasil, sendo
caracterizada por vezes como atividade somente de lazer. Se no ensino básico o teatro é
tido como uma ferramenta para diversão, podemos refletir o que reverbera no ensino
superior. A pesquisa que proponho aponta perspectivas em repensar a Arte Cênica e
algumas reflexões acerca do Curso Superior de Tecnologia em Produção Cênica ofertado
pela Universidade Federal do Paraná.
A Arte Cênica é a atividade que possui grande dinamismo e cujo diálogo vivo
possui um efeito transformador, para além de apenas um meio de entretenimento e
prazer. Pensando no contemporâneo, a linguagem teatral convida o espectador a
participar do jogo de signos e significados, do questionar e do ser questionado. Mas e a
Produção Cênica?
Segundo o dicionário on line Michaelis, o verbete produção vem do latim:
producere. Um de seus significados é “dar existência”. Produtores cênicos estão detrás
das cortinas com a tarefa de colaborar para que a arte teatral se realize.
A UFPR foi a primeira universidade pública a fundar o curso, iniciado em 02 de
março de 2009. Oferecia 45 vagas no período noturno, com a duração de 6 semestres de
carga horária total de 1800 horas, no campus do Prédio Central. Na data, segundo registro
do MEC1, essa formação só era ofertada por duas universidades privadas: a Pitágoras
Universidade de Cuiabá (UNIC), desde 2006 e a Universidade de Passo Fundo (UPF),
desde 2008.
O curso tem como objetivo a formação de um profissional que atenda às
demandas tecnológicas e estéticas de espetáculos cênicos, e que estejam aptos a realizar
projetos desde a captação de recursos até a sua execução. Por ser um curso recente na
esfera universitária, e já tendo passado por alteração em seu currículo, quais os sentidos
de Produção Cênica para os estudantes e futuros profissionais dessa nova área?
Com o olhar sobre a Universidade e sobre um curso que caminha com o teatro, e
sendo ambos presentes na esfera escolar, acredito num conceito que não se limita à
palavra Instituição, visto que é o lugar de vivência, memórias e descobertas. Momentos
1 Ministério da Educação e Cultura
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de relações pulsantes. É o despertar. É o conceber. É o expressar. Faço uso da voz de
Japiassu (2008) para dar vazão à minha:
Tenho a clara convicção de que não existe apenas um caminho para o desenvolvimento do trabalho com teatro na escola e, além disso, a firme opinião de que, entre os caminhos possíveis, nenhum pode ser considerado, absoluta ou descontextualizadamente, melhor ou superior aos outros. Eles são diferentes – cada um com seus próprios encantos, habitantes e lugares de onde se vê. (JAPIASSU, 2008, p. 22)
Diálogos teóricos
O sujeito como tal não pode ser percebido e estudado a título de coisa porque, como sujeito, não pode, permanecendo sujeito, ficar mudo; conseqüentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico. (BARROS, 1997, p. 29)
Evidentemente, a trajetória da pesquisa não é fácil, principalmente em se tratando
da Educação, já que na área de Ciências Humanas verificamos o homem analisando o
homem. Acreditando que “o sujeito tem que intervir interpretando, procurando seu
sentido, e utilizando técnicas abertas que permitam a manifestação profunda dos
fenômenos”. (SANTOS FILHO & GAMBOA, 2000, p.95), então optei em nortear o artigo
por meio da pesquisa qualitativa, aplicando como metodologia a análise enunciativa de
uma publicação de status em uma rede social por um aluno que está no último ano da
graduação em Produção Cênica.
Essa pesquisa será permeada pelos estudos de Bakhtin e o Círculo, em que o
homem é um ser em constante alteridade, sendo impossível uma definição vulgarizada do
ser humano. Há de se considerar que em cada enunciado há questões históricas, sociais e
culturais. E esse ser, sempre em construção, demanda o compreender.
As palavras e a língua estão ligadas pela história, assim, a própria história do curso
será permeada pela palavra dos que vivenciaram e estão vivenciando o cotidiano do
curso. E nessas relações dentro da Universidade que vozes são ouvidas? Conforme
Desgranges (2011) diz:
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O mergulho na corrente viva da linguagem acende também a vontade de lançar um olhar interpretativo para a vida, exercitando a capacidade de compreendê‐la de maneira própria. Podemos conceber, assim, que a tomada de consciência se efetiva como leitura de mundo. Apropriar‐se da linguagem é ganhar condições para essa leitura. (DESGRANGES, 2011, p. 23)
Diálogos históricos
Historicamente foi a partir da segunda metade do século XIX que surgiram
investigações específicas na relação teatro e educação, graças aos intentos do filósofo
Jean‐Jacques Rousseau. Mas foi somente no século XX que a educação artística foi
inserida no currículo escolar e que novas concepções em torno do teatro possibilitaram
que diversas correntes o reconhecessem necessário para a Educação, sob cunho
pedagógico, terapêutico e semiótico.
O curso de graduação em Produção Cênica advém do Curso Técnico em Artes
Cênicas da Universidade Federal do Paraná, que atuou desde 1998 até o ano de 2008. Por
isso, em seu início, tratava‐se de um curso cuja grade horária era mais voltada às práticas
do teatro, como interpretação teatral, direção cênica, entre outras atividades que
envolvam o ator, propriamente.
Em 2010, Produção Cênica passa pela primeiro ajuste em sua grade curricular.
Agora sim, buscando se identificar com o propósito de formar um produtor cênico. Por
ser um curso tecnólogo, vale ressaltar que seu princípio é focar‐se principalmente no
campo de trabalho. E pensando nesse território, afinal, o que faz um produtor cênico?
Conforme o Novo Projeto divulgado no site do curso:
Propondo uma interface entre o artístico, o administrativo e o tecnológico, o egresso do Curso Superior de Tecnologia em Produção Cênica estará apto a arregimentar e administrar recursos, contribuindo para a consolidação dos avanços que se enunciam na área da cultura, atendendo às expectativas nacionais e respondendo às demandas locais por produtores e gestores cênicos qualificados para atuarem na cidade de Curitiba e região, a fim de contribuir para a maior regularidade, para o
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crescimento, e para a diversidade da produção cultural e artística. (CÊNICA, p. 09)
De acordo com a Lei 9.394/1996, cuja ementa estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, “a educação escolar deverá vincular‐se ao mundo do trabalho e à
prática social”. E pensando no mercado de trabalho do produtor cênico, a reformulação
do curso passou a priorizar disciplinas que abrangem principalmente as etapas de
Produção e Gestão Cultural, que totalizam 540 horas na grade curricular. Seguem os
gráficos, extraídos do website do curso:
Figura 1: Carga horária eixo Produção e Gestão Fonte: CÊNICA. Curso Superior de Tecnologia em Produção. Disponível em http://www.tpc.ufpr.br/. Acesso em 16/08/2013 às 15h30.
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Figura 2: Carga horária eixo Teorias e Humanidades Fonte: CÊNICA. Curso Superior de Tecnologia em Produção. Disponível em http://www.tpc.ufpr.br/. Acesso em 16/08/2013 às 15h30.
Figura 3: Carga horária eixo Laboratórios Cênicos Fonte: CÊNICA. Curso Superior de Tecnologia em Produção. Disponível em http://www.tpc.ufpr.br/. Acesso em 16/08/2013 às 15h30.
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Curtir, comentar, compartilhar
A análise de enunciados na pesquisa, transcorrendo por seu contexto histórico‐
social, pode contribuir para que o universo acadêmico se aproxime de um sistema
educacional amplo, pois é preciso “compreender o passado, situar‐se no presente e
sentir‐se capaz de projetar‐se no futuro”. (DESGRANGES, 2011, p. 24).
E de acordo com os estudos bakhtinianos, o enunciado “está ligado às relações
com sujeitos, mundo, visão de mundo, valores, ou seja, concebido como um todo de
sentidos, marcado por tensões, fronteiras, confronto de valores, pontos de vista”.
(BRAIT, p.16)
O enunciado a seguir é de autoria de um aluno do último ano do curso de
Produção Cênica da UFPR, publicado no status de uma rede social, em 6 de maio de 2013.
E os comentários posteriores à publicação são de discentes ainda em andamento com o
curso e discentes já formados.
A publicação realizada na rede social Facebook pode nos indicar com quem o
sujeito dialoga e quem são seus interlocutores, já que funciona também como um tecer
de enunciados. O intuito, nesse momento, não é o de analisar o fenômeno das redes
sociais, mas sabe‐se que essa mídia possui uma linguagem bem específica. Ora, se a língua
está em ininterrupta evolução, e se somos sujeitos em alteridade, os meios de
comunicação também se modificam de acordo com as mudanças que ocorrem na
sociedade.
É nessa mesma ordem que se desenvolve a evolução real da língua: as relações sociais evoluem (em função das infra‐estruturas), depois a comunicação e a interação verbais evoluem no quadro das relações sociais, as formas dos atos de fala evoluem em consequência da interação verbal, e o processo de evolução reflete‐se, enfim, na mudança das formas da língua. (BAKHTIN, 2010 p. 124)
E é preciso situar o leitor da esfera social no qual os enunciados ocorrem: o
Facebook. Com a evolução tecnológica, esse meio torna‐se efetivamente uma esfera
enunciativa que permite o diálogo social.
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E esse diálogo acontece seja por meio de comentários expostos em seguida dos
enunciados postados, ou mediante a ferramenta que não precisa da escrita, o clicar do
link Curtir, ou até mesmo pela ausência da opinião dos demais amigos vinculados a essa
rede. Os enunciados postados no Facebook também permitem uma compreensão
responsiva. O sujeito locutor espera uma resposta, por isso publica seus pensamentos,
idéias, opiniões.
E se um post não obteve comentários ou “curtir” ou “compartilhar” pode indicar
não somente uma incompatibilidade com o enunciado e o seu autor, mas também um
receio de comprometimento com a exposição de sua opinião. Ou uma concordância
parcial. Ou apenas o sujeito acredita dispensável mostrar uma opinião assertiva ou não
para o público virtual.
“O próprio falante está determinado precisamente a essa compreensão ativamente responsiva: ele não espera uma compreensão passiva, por assim dizer, que apenas duble o seu pensamento em voz alheia, mas uma resposta, uma concordância, uma participação, uma objeção, uma execução, etc. (os diferentes gêneros discursivos pressupõem diferentes diretrizes de objetivos, projetos de discurso dos falantes ou escreventes)”. (BAKHTIN, 2011, p. 272)
Visto que o diálogo ocorre nesse gênero discursivo de várias formas, a quem as
postagens se destinam? A priori, aos que também utilizam desse instrumento de
comunicação e recorrem ao mesmo estilo linguístico. Entretanto, os enunciados possuem
sempre uma temática abordada. Então, o diálogo destina‐se aos que queiram opinar a
respeito do assunto abordado.
E aqui enfatizo, o diálogo não é destinado para somente quem tenha
conhecimento científico do conteúdo postado, mas a todos que queiram interagir. Assim,
afirmo que há muitas vozes repercutidas no Facebook.
Trata‐se de apreender o homem como um ser que se constitui na e pela interação, isto é, sempre em meio à complexa e intrincada rede de relações sociais de que participa permanentemente. As dimensões e implicações dessa rede de relações sociointeracionais estão ainda longe de ser suficientemente entendidas, o que é plenamente compreensível face ao formalismo e o caráter antisséptico das teorias nossas conhecidas sobre o homem e a linguagem. (FARACO, 2007, p. 101)
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Nesse artigo, me ative especificamente aos enunciados de dois sujeitos: o Sujeito
1, aluno do último ano do curso que postou o primeiro enunciado em sua página no
Facebook e o Sujeito 2, que fez comentários a despeito do enunciado do Sujeito 1 e é
discente da primeira turma que foi concluída em 2011. O Sujeito 1 possui 415 amigos
interligados e esse enunciado publicado foi Curtido por doze desses amigos, uma
reafirmação de seu discurso, além de receber sete comentários em concordância com seu
status.
Não basta só ter vontade!
SUJEITO 1: Conclusão sobre a aula: É realmente difícil ser produtor cultural em Curitiba. Não basta só ter vontade de fazer algo, tem que escrever direito, tem que ter bons contatos profissionais e o mais confuso e difícil é: começar. É isso mesmo Produção. SUJEITO 2: Nem me fale... Mas vamos lá, que 10 minutos de carreira não é nada ainda, né?!
No primeiro enunciado já é possível ter variadas percepções. Percebe‐se que o
Sujeito 1, ao utilizar a sinalização Dois Pontos, indica que irá enunciar algo que acaba de
acontecer. Ele reafirma isso com a frase que antecede o sinal, “conclusão sobre a aula”.
Após assistir a aula de uma determinada disciplina, o sujeito sente a dificuldade em
exercer sua futura profissão na cidade de Curitiba. Aqui, podemos identificar o eco de
outras vozes, afinal, esse conflito com a profissão e com a cidade em que vive foi
concluído após uma aula, “(...) cedo ou tarde, o que foi ouvido e compreendido de modo
ativo encontrará um eco no discurso ou no comportamento subseqüente do ouvinte”
(BAKHTIN, 1992, p. 291)
Mas por que é difícil ser Produtor Cênico? Por que especificamente na cidade de
Curitiba? É possível que essa tensão ocorra porque essas outras vozes sociais atuam ou
tentam atuar no mercado de trabalho da capital paranaense sem êxito, visto que é um
campo profissional relativamente recente.
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É grande o número de festivais de teatro, mostras artísticas, oficinas, editais de fomento às artes circences e operísticas, produzidos e/ou sediados no perímetro compreendido pela capital paranaense e sua região metropolitana: Festival de Teatro de Curitiba, Festival de Teatro de Bonecos de Curitiba, Festival de Inverno da UFPR, Festival de Teatro de Araucária, Festival de Teatro de Piraquara, Festival de Teatro de Pinhais, Festival de Teatro de Campo Largo, Festival Internacional de Teatro de Objetos, Mostra Cena Breve Curitiba, Oficina de Música de Curitiba, Ópera Ilustrada, Circo da Cidade, entre diversos outros. Contudo, se tal abundância de eventos subtende a ocasional circulação de um grande número de artistas e avolumado público na região, não pressupõe a constância da produção e oferta locais. (CÊNICA, p. 02)
Há que se elucidar também que os debates em torno da reformulação da antiga
Lei Rouanet (Lei nº 8.313 de 23 de dezembro de 1991) ainda estão em voga. E é em meio a
essas discussões que o Ministério da Educação incluiu em seu Catálogo Nacional de
Cursos de Graduação o Curso Superior de Tecnologia em Produção Cênica. E nesse
intento, a reformulação da Lei Rouanet entra num impasse quando se trata em abrandar
as vias burocráticas. Assim:
Ponto pacífico das discussões em torno da reformulação da Rouanet é que a legislação cultural tenha conferido às grandes empresas e ao captador de recursos, na figura de um produtor cultural limitado à ótica monetária, o poder de conduzir a produção e oferta de arte e cultura no país. Com isso, os artistas e agentes da cultura veem‐se reféns do marketing empresarial e de burocratas culturais, formados tão somente na prática diletante da arrecadação de recursos, ficando comprometida a diversidade cultural do país e o amplo acesso aos bens culturais. (CÊNICA, p. 01)
O Sujeito 1 indica que antes dessa aula, já havia percebido dificuldades em seu
caminho profissional e reafirma por meio do adjunto adverbial de afirmação “realmente”
que a dificuldade que sentia também foi apreendida por outros sujeitos.
Num outro momento no enunciado, o Sujeito 1 assinala que é preciso mais do que
a “vontade” de realizar produções culturais. E o que é ter “vontade”? Estar inserido num
curso universitário? Se dedicar aos estudos? Tentar se inserir no mercado de trabalho? Ao
utilizar o advérbio “só” que nesse caso possui um valor restritivo, ele assume que não é
suficiente essa “vontade”, essa ânsia, esse desejo. É necessário ter atributos específicos.
E esses atributos deveriam ser estimulados no Ensino Superior. De acordo com o Projeto
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Pedagógico, há um estímulo para as aulas de campo, que são realizadas em teatros,
estúdios, produtoras entre outros locais relacionadas com a área.
O papel da universidade em uma democracia deve não somente incentivar a reprodução, mas também a produção de conhecimentos, bem como qualificar as novas gerações para a vida e o trabalho. (GHELLI, 2004, p. 01)
Por outro lado, o Sujeito 1 salienta que uma das condições para sua profissão é a
de ter “bons contatos profissionais”. Atualmente o curso não proporciona estágio
obrigatório. Mesmo apoiando a realização de estágios no campo da produção cênica, o
fato de não ser uma disciplina obrigatória pode indicar a dificuldade da abertura de
contatos profissionais da área, de acordo com o reclame do discente. A discussão em
torno da dicotomia teoria versus prática na Educação é um caminho a ser alinhado, afinal
o próprio conceito de curso tecnólogo é uma alternativa para que exista uma unidade. De
acordo com Ghelli (2004):
A relação entre teoria e prática deverá ser o fim a que propõe o professor, pois toda teoria começa com a prática, e ela é uma tentativa de explicar uma prática, ou seja, uma não existe sem a outra. A teoria não deve ser uma mera contemplação, mas guia de uma ação. A prática também não deve ser mera aplicação da teoria, mas deve ser vista como a própria ação guiada e mediadora da teoria. (GHELLI, 2004, p. 08)
O enunciado também evidencia a importância do outro, afinal, é pelo outro que
nos construímos, “a alteridade define o ser humano, pois o outro é imprescindível para sua
concepção”. (BARROS, 1997, p. 39). Ora, relações sociais são indispensáveis em qualquer
campo, entretanto relações implicam em conflitos. Faraco complementa:
Trata‐se de apreender o homem como um ser que se constitui na e pela interação, isto é, sempre em meio à complexa e intrincada rede de relações sociais de que participa permanentemente. As dimensões e implicações dessa rede de relações sociointeracionais estão ainda longe de ser suficientemente entendidas, o que é plenamente compreensível face ao formalismo e o caráter antisséptico das teorias nossas conhecidas sobre o homem e a linguagem. (FARACO, 2007, p. 101)
A expressão “tem que” faz pensar em uma maior responsabilidade e
obrigatoriedade nos saberes distintos. “Escrever direito” – o que é escrever direito? É
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escrever de acordo com as normas lingüísticas? Ou escrever de acordo com que os outros
querem ler? Para o produtor cênico, escrever um bom projeto é fundamental para que o
mesmo seja aprovado, por exemplo, em editais.
A escrita vai além das normas e não foge das exigências do interesse do mercado
cultural. Um grupo artístico tem seu movimento e seus preceitos ao criar um espetáculo,
todavia, o mesmo pode acabar restrito às diretrizes de festivais. Cabe ao produtor essa
“escrita direita” com o fim de cativar os leitores sobre a qualidade do projeto. Além disso,
o produtor cênico também está apto a idealizar e promover festivais culturais.
A arte é uma forma de comunicação. (...) A característica da arte é sua conotação estética. Ela comunica‐se de uma maneira mais densa e concentrada do que experimentamos na vida cotidiana. Também o local ou contexto em que a comunicação artística acontece indicam que alguma coisa especial está ocorrendo. (SMIERS, 2006, p. 121)
O Sujeito 1 afirma estar confuso principalmente por achar que o mais custoso da
profissão é “começar”. Esse verbo infinitivo sugere o agir, o dar início a. Afinal, por onde
começar? Em qualquer algo novo no qual nos inserimos sentimos a dificuldade da ação
inicial. Inexperiência? E como a Universidade pode impulsionar o estudante a se
profissionalizar na prática? Um jovem em geral entra num curso universitário por volta
dos 18 anos e, ao se formar, possui maturidade o suficiente para enfrentar um mercado
globalizado?
O início de uma profissão inclui o reconhecimento de sua cultura, do estatuto que ocupa na pirâmide social e do trabalho e das peculiaridades sociopolíticas que a caracterizam. (CUNHA & ZANCHET, 2010, p. 192)
A postagem do enunciado do Sujeito 1 até poderia ser um desabafo, já que
nenhum amigo em específico foi marcado para responder suas considerações.
Entretanto, ao fim, fica o convite: “é isso mesmo Produção”. Seus interlocutores são seus
colegas do curso de Produção Cênica. É com eles que esse sujeito incita o diálogo e anseia
por uma resposta, seja concordante ou não. E como todo ato implica sim numa resposta,
ocorre em sete minutos a primeira.
O interlocutor Sujeito 2 assente com seu locutor por meio da expressão “nem me
fale”, demonstrando que mesmo já formado no curso, ainda sente dificuldades em se
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posicionar profissionalmente no mercado de trabalho e complementa incentivando “mas
vamos lá”.
A conjunção adversativa “mas” aponta que mesmo com os problemas
identificados pelo Sujeito 1 e admitidos pelo Sujeito 2, ele confia na profissão de produtor
cênico. O Sujeito 2 reforça essa expectativa positiva com “vamos lá”. A expressão no
plural faz com que o Sujeito 2 tenha o reconhecimento de si pelo reconhecimento do
outro. Conforme Bakhtin:
De fato, o ouvinte que recebe e compreende a significação (lingüística) de um discurso adota simultaneamente, para com este discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta‐se para executar, etc. (...) A compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (...); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna‐se o locutor. (BAKHTIN, 1992, p. 290)
O Sujeito 2 continua o enunciado com um alerta ao Sujeito 1 de “que 10 minutos de
carreira não é nada ainda”, utilizando um sentido temporal de minutos mostra que é
preciso um tempo maior de vivência para um aprimoramento profissional. Incito, a
carreira se inicia após a formação de um curso superior ou durante os anos em que se
está na Universidade? E três anos para um curso superior voltado essencialmente para o
mercado de trabalho são suficientes? Como conduzir esses futuros profissionais a uma
maior autonomia?
Desta forma, pretende‐se que o curso esteja sempre aberto a incorporar as novidades das áreas que lhe são formadoras, mantendo um diálogo constante entre inovação e tradição. O NDE, neste aspecto, deve estar atento para que o curso não incorpore modismos passageiros que por ventura venham a prejudicar a formação de uma base sólida que permita ao egresso desenvolver a sua autonomia, condição fundamental para que ele, por si, passe a dialogar com essas novidade. (CÊNICA, p. 17)
Com o advérbio “ainda”, suscita mais uma vez a esperança de que futuramente,
essa área de trabalho não necessite de tantos “tem que... tem que... tem que...” para
fomentar, assim como também poder ser um “ainda” motivando o colega de que o curso
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está a caminho de dar subsídios para preparar esses futuros profissionais para o mercado
de trabalho.
Para finalizar, o Sujeito 2 conduz o enunciado com a expressão “né” e um ponto
de interrogação junto com o ponto de exclamação, se auto‐concordando e esperando
por uma resposta assertiva de seus interlocutores. Para Bakhtin:
Em qualquer enunciado, desde a réplica cotidiana monolexemática até as grandes obras completas científicas ou literárias, captamos, compreendemos, sentimos o intuito discursivo ou o querer‐dizer do locutor que determina o todo do enunciado: sua amplitude, suas fronteiras. (BAKHTIN, 1992, p. 300)
Diálogos finais
O exercício da análise enunciativa de dois enunciados sob a perspectiva
bakhtiniana elucida algumas expectativas de estudantes de um curso pioneiro no ensino
universitário público, que poderá contribuir a construir não somente a história do curso
quanto a corroborar com a evolução do mesmo para uma melhor preparação desses
futuros profissionais.
Há, dentro da área de Arte Cênica, um certo pré‐conceito ao envolver a área
Administrativa com a Arte. Entretanto, esse trabalho é indispensável para que a própria
Arte aconteça. É necessário profissionais que tenham conhecimento especializado, mas
que, no entanto, estejam do mesmo modo presentes na cultura das artes e
compreendam os elementos da linguagem cênica, como o produtor cênico.
Naturalmente, todo artista tenta vender o seu trabalho. Esse é um ato comercial. E os organizadores ou promotores dos seus trabalhos fazem o mesmo. Todos deveriam ganhar sua vida assim. O problema começa, no entanto, quando o comércio se torna o centro de suas atividades e quando seu trabalho é reduzido a uma matéria‐prima e ideias distorcidas e transformadas pelas indústrias culturais e corporações comerciais de acordo com seus próprios gostos ou necessidades econômicas, apresentando o trabalho apenas nos ambientes propícios para obter lucros. (SMIERS, 2006, p. 239)
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Entre os amantes da Arte, fica difícil concebê‐la como um produto cultural.
Entretanto, as leis de incentivo à Cultura não a dissociam desse conceito reduzindo‐a a
editais. Há de se ter um profissional preparado para a escrita de projetos, captação de
recursos financeiros, divulgação do trabalho. Hoje, é indispensável essa capacitação
profissional para que o espetáculo aconteça.
Se o ideal é ter muitas iniciativas artísticas acontecendo em cada sociedade, é continua sendo inevitável o insucesso de algumas ano mercado. (...) É responsabilidade pública possibilitar a um grande número de artistas, individualmente, em grupos ou em outros tipos de associações, trabalhar e disponibilizar, dessa forma, muitas criações culturais diferentes. Ao mesmo tempo, o Estado, representando o interesse público, não deveria intervir nos processos artísticos e seus conteúdos. Seu papel é garantir a diversidade no campo cultural e esperar pelo resto, ver o que acontece e deixar o julgamento da qualidade estética e a importância do trabalho para o debate público e os críticos. (SMIERS, 2003, p. 273)
Se avaliarmos que falta uma relação dialógica entre as disciplinas do ensino
superior que dissocia a teoria da prática, fica a reflexão acerca da responsabilidade de se
repensar o ensino universitário tecnólogo dirigido ao mercado de trabalho no tocante à
preparação desses profissionais cujo foco é o envolvimento direto com a relação
produção cultural e mercado cultural. Um profissional com senso crítico, estético que
atenda às demandas artísticas e mercadológicas.
Um desafio para a Arte Cênica e a Educação. Entretanto, o enunciado provocado
após uma aula permite afirmar que o curso está no mínimo a caminho da compreensão de
sentidos da profissão.
(...) podemos entender aprendizagem como mudanças que ocorrem no comportamento de uma pessoa em função de experiências e vivências. A aprendizagem na aula universitária pode ser verificada no momento em que ela termina e o aluno tem a sensação de que construiu, descobriu, acrescentou algo na sua forma de pensar e ver determinada situação. (GHELLI, 2004, p. 06)
Deixo aqui ao leitor mais questionamentos que respostas dessa pesquisa que
ainda está iniciando e que possui uma longa jornada de reflexões, sentidos e descobertas.
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