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XIV Encontro Nacional da ABET 2015 Campinas GT (Grupo de Trabalho): Desenvolvimento, territórios e trabalho Título do artigo: SIDERURGIA E MERCADO DE TRABALHO NA AMAZÔNIA MARANHENSE: a dimensão socioeconômica da estruturação do território produtivo de Açailândia (MA) Nome do pesquisador: Roberto Martins Mancini

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XIV Encontro Nacional da ABET – 2015 – CampinasGT (Grupo de Trabalho): Desenvolvimento, territórios e trabalho

Título do artigo: SIDERURGIA E MERCADO DE TRABALHO NA AMAZÔNIAMARANHENSE: a dimensão socioeconômica da estruturação do território produtivo de

Açailândia (MA)Nome do pesquisador: Roberto Martins Mancini

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SIDERURGIA E MERCADO DE TRABALHO NA AMAZÔNIA MARANHENSE: adimensão socioeconômica da estruturação do território produtivo de Açailândia (MA)

Resumo:O presente trabalho objetiva analisar os efeitos de um conjunto de políticas governamentais,que, a partir da década de 1970, influenciou de forma decisiva a dinâmica socioeconômica domunicípio de Açailândia (MA), estabelecendo um conjunto de investimentos (industriais e deinfraestrutura) que definiram as características da ocupação e do mercado de trabalho naAmazônia oriental, em sua parte maranhense. Através da combinação de informaçõesquantitativas com entrevistas com atores locais (sindicatos, organizações não governamentais,representantes de órgãos estatais), analiso o processo de construção de um mercado detrabalho resultante das atividades produtivas que foram incentivadas pelo estado brasileiro(siderurgia e silvicultura industrial). A discussão trata do discurso inicialmente propalado portais políticas públicas – diversificação das atividades produtivas, alteração no perfil dadistribuição de renda e geração de empregos na região -, e o impacto que estas atividadesprodutivas efetivamente desempenharam na economia de Açailândia, entendendo ainda comoforam impulsionadas a modificações estruturais por contribuição da ação de atores locais. Aquestão ganha contornos particulares na medida em que tais atividades econômicas inserem-se numa Rede de Produção Global (RPG) que tem o mercado de produção de aço norteamericano como destino final, tornando-as vulneráveis as oscilações da economia mundial.

Palavras-chave: Siderurgia. Mercado de trabalho. Programa Grande Carajás. Projeto FerroCarajás. Amazônia maranhense.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por propósito analisar os efeitos de um conjunto de políticas

governamentais que desencadeou a implantação de um polo siderúrgico na Amazônia

maranhense, através de programas de desenvolvimento de infraestrutura de transporte mineral

(Projeto Ferro Carajás) e incentivos fiscais/financeiros (Programa Grande Carajás),

protagonizados pelo Estado brasileiro a partir de meados da década de 1970, na economia e

sociedade de Açailândia (MA). Entendemos que estes programas de desenvolvimento

econômico, para além das expectativas propaladas pelo discurso oficial que veiculam,

produzem transformações sociais e de reestruturação econômica nos territórios nos quais

estão implantados.

O Programa grande Carajás (PGC) foi um programa de incentivos e subsídios

fiscais/financeiros lançado pelo Estado brasileiro pelo Decreto-Lei nº1813 em 21 de

novembro de 1980, e favoreceu a transposição e fixação de grandes capitais nacionais na

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região da Amazônia oriental brasileira1(CARNEIRO, 1989; FEITOSA; RIBEIRO, 1995). O

programa surgiu por conta do Projeto Ferro Carajás (PFC) de 1978, que compreendia um

complexo integrado (mina-ferrovia-porto) para escoar o minério explorado na Serra dos

Carajás (PA) através da Estrada de Ferro Carajás (EFC) até o Porto de Ponta da Madeira,

localizado no município de São Luís, no estado do Maranhão. O PGC previa o surgimento de

um complexo industrial ao longo do corredor da estrada de ferro, cujo ponto de partida seria a

produção siderúrgica à base de carvão vegetal, organizada em distritos industriais em cidades

do estado do Maranhão e Pará localizadas no entorno da EFC. A expectativa do PGC era

proporcionar uma diversificação crescente de atividades produtivas, gerar cerca de 44 mil

empregos diretos, além de estimular a alteração no perfil de distribuição de renda na região

(MONTEIRO, 2006).

A partir deste panorama político-institucional, buscamos entender estas

transformações sociais e estruturais no território produtivo de Açailândia através de dois

elementos-chaves: a definição de uma estrutura socioeconômica singular e a criação de um

mercado de trabalho local, que tem como um dos pilares centrais a atividade siderúrgica e a

silvicultura e carvoejamento para fins industriais.

Neste sentido, consideramos o desenvolvimento econômico induzido pelo Estado

intervencionista (FLIGSTEIN, 2001) numa perspectiva não valorativa, mas como um

processo que provoca mudanças sociais e econômicas, sem deixar de considerar a forma

como atores coletivos locais incorporam e compreendem esta indução a mudanças, e assim

passam a participar do processo de estruturação econômica e social. Aqui, estamos na mesma

perspectiva de Santos (2010, p.130) para quem o “desenvolvimento econômico deve ser

apreendido a partir da transformação das condições de produção, reprodução e representação

de agentes e grupos econômicos e não econômicos, em situações concretas (...)”.

A apreensão da incorporação e compreensão – por intermédio de ações e

representações – do processo de mudanças por atores locais será através de uma abordagem

que possibilite perceber aspectos da construção social da estrutura econômica e do mercado

de trabalho de Açailândia, onde fatores relacionais e políticos operam simultaneamente aos

econômicos (STEINER, 2006). Esta perspectiva empírico-analítica será lançada através da

abordagem da sociologia econômica, na medida em que esta pontua que uma das lacunas da

1A “Amazônia Oriental” surge por intermédio do Plano de Desenvolvimento Estratégico da Amazônia, atravésdo Decreto n. 288 de 28/02/67 e do Decreto-lei 291, de 28/02/67. O Estado brasileiro define o escopo políticopara a inserção do capitalismo na região dividindo-a em Amazônia Ocidental (Amazonas, Acre, Rondônia eRoraima), onde o projeto vetor foi a Zona Franca de Manaus, e em Amazônia Oriental (Pará, Amapá, partes doMaranhão, norte de Goiás – atual Tocantins – e Mato Grosso), cujo projeto destaque foi o Programa GrandeCarajás (PGC) (GOMES, 2009).

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abordagem (da ciência) econômica é “não levar em consideração as mediações históricas e

sociais concretas pelas quais os resultados econômicos são obtidos” (p.51). Esta abordagem

nos permite escapar de conceber a estrutura econômica e o mercado de trabalho apenas pelos

seus resultados, como, por exemplo, o seu número de empregados e desempregados

(GUIMARÃES, 2009).

O movimento de estruturação econômica, gestado a partir dos anos de 1970/80,

através de uma dinâmica político-institucional capitaneada pelo Estado brasileiro, ocasionou

no estabelecimento, a nível local, de um nodo produtivo integrado a uma Rede de Produção

Global (RPG) (HENDERSON et al., 2011; SANTOS, 2011). A produção siderúrgica primária

transcorrida na Amazônia oriental (oeste maranhense e sudeste paraense) concentra-se, em

grande medida, na produção de ferro gusa - matéria-prima fundamental do aço. Esta produção

vincula-se a montante a Cia. Vale do Rio Doce (atual Vale S/A) – principal fornecedora de

minério de ferro (insumo essencial para produzir ferro gusa) as siderúrgicas localizadas na

região -, e a jusante a siderúrgicas localizadas nos Estados Unidos, produtoras de aço e

derivados, que posteriormente vendem seus produtos para grandes montadoras de automóveis,

como Ford, General Motors, Nissan, Mercedes e BMW. (GREENPEACE, 2012;

RAMALHO; CARNEIRO, 2013).

Pensar as transformações ocorridas na economia do território de Açailândia,

mormente nos últimos trinta anos, é pensar na multiescalaridade da RPG que também ali está

assente; é colocar o enfoque analítico na confluência da dinâmica político-institucional e

social, que perpassa a RPG em níveis local, regional, nacional e global (HENDERSON et al.,

2011). Neste sentido, há uma relação entre mobilidades ou fluxos, resultado das atividades da

rede realizadas a nível global (com reverberações locais), e territorializações ou fixações,

dinâmicas político-sociais locais (REIS, 2005), que também atuam no modo como a RPG está

assentada localmente.

Aqui, o mercado de trabalho – seu processo de estabelecimento, características e

modificações – será abordado como um meio para se apreender o processo de estruturação

econômica e populacional de Açailândia. Consideramos que estes mercados de trabalho2

configuraram-se e reconfiguraram-se. Este movimento é aqui entendido como o reflexo de

uma “construção social e política de cada sociedade”, na medida em que são produzidos pela

2Por mercado de trabalho, nos referimos ao sentido que Offe (1985) lhe conferiu, entendo-o como uma “formade interação geradora de poder, que leva a uma matriz de poder social relativamente estável e consistente e que,ao mesmo tempo, serve como ponto de partida para a explicação dos fenômenos de dispersão do poder” (p.8).Isto é, o mercado de trabalho é uma forma de interação social, que concentra relativamente um poder social emum dos lados desta interação (compradores e vendedores de mão de obra), mas sem eliminar a possibilidadedesse poder estar disperso pela interação.

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confluência de governos, trabalhadores e capitalistas que produzem estruturas de mercado

específicas a cada localidade (FLIGSTEIN; DAUTER, 2012).

A análise das transformações nos mercados de trabalho aqui destacados, dar-se-ão

através do entendimento do estabelecimento e das modificações das suas formas de

coordenação. Neste aspecto, a abordagem de Cardoso (2013) das formas de coordenação dos

mercados de trabalho auxiliou os nossos intentos. A abordagem do autor apresenta quatro

formas de mecanismos principais de coordenação do mercado de trabalho: o “mercado” que

envolve a circulação de dinheiro e firmação de contratos – e, neste caso também envolve o

Estado; o “Estado”, com as leis e as instituições que lhe validam (sobretudo, polícia e

exercito); a “informação” (em suas redes materiais e virtuais de circulação) e, por último, a

“sociabilidade”, materializada nas redes sociais.

As finalidades empírico-analíticas aqui apresentadas nos levaram a uma abordagem

que conjuga a utilização de dados tanto quantitativos3 quanto qualitativos. Se, da perspectiva

estrutural os dados quantitativos (banco de dados sobre a economia e mercado de trabalho de

Açailândia) são prementes, a incorporação e compreensão das modificações estruturais

desempenhadas pelos atores coletivos locais, assim como das representações que produzem,

exigiram a mobilização de métodos qualitativos de pesquisa, no intuito de entender as

particularidades dos fenômenos analisados, fugindo de uma explicação baseada estritamente

em atributos universais de formato quantitativo (número de empregados/desempregados, nível

de exportação, etc.), que, por si mesma, não permite entender a especificidade dos números

contidos nestas varáveis (ABRAMOVAY, 2004).

O artigo está dividido em dois tópicos. No primeiro é apresentado a dinâmica

político institucional operada a partir da década de 1970, pelo Estado brasileiro, no apoio a

iniciativa de atividades produtivas na Amazônia oriental. Na segunda parte, é utilizado um

recorte temporal mais recente (2006-2013) – o ano de 2006 é quando o ferro gusa produzido

na Amazônia oriental passa ter maior relevância nacional, em termos de quantidade produzida

e valor (US$) - exportado - para analisar o mercado de trabalho resultante das atividades

3Foram utilizadas três fontes para a coleta dos dados quantitativos: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE),Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), além de dados referentes à balança comercial deAçailândia, extraído da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX), circunscrita ao Ministério doDesenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Através do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE),acessamos dois bancos de dados sobre emprego formal: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados(CAGED) e a Relação Anual de Informação Sociais (RAIS). Estas fontes permitiram extrair informações sobre omercado de trabalho e estrutura ocupacional de Açailândia, como: número de emprego formal por setor deatividade econômica e saldo de admitidos e demitidos, também por setor. Demográfico de 2010. Os dadosqualitativos foram construídos através de entrevistas com atores locais de Açailândia e na revisão bibliográficasobre industrialização na Amazônia oriental

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produtivas diretamente fomentadas pelas políticas públicas aqui destacadas, bem como a

atuação de atores locais – constituindo um poder coletivo – no processo de reconfiguração

destes mercados.

1. A dinâmica político-institucional e a formação do território produtivo de Açailândia

O município de Açailândia localiza-se na Microrregião Homogênea (MRH) de

Imperatriz, contando com uma área territorial de 5.806,371 km² e uma população de 104.047

habitantes (IBGE, 2010). A constituição do município de Açailândia esteve muito relacionada

aos projetos de infra-estrutura que foram direcionados para a região a partir da década de

1960, como é o caso da rodovia Belém-Brasília (BR-010) que, fazendo parte da proposta de

colonização – da Região Norte - do governo federal, impulsionou a chegada de migrantes de

vários locais do país em Açailândia; muitos eram camponeses que passaram a cultivar arroz,

milho, mandioca e feijão (CARNEIRO, 1994).

Esse quadro modifica-se com os incentivos a atividade agropecuária, que

propiciaram o surgimento de latifúndios – processo de privatização da terra - e a conseqüente

expulsão dos camponeses que ali estavam. No final da década de 70, a construção da BR-222,

ligando Açailândia à cidade de Santa Luzia, proporcionou a povoação da parte oriental do

município (EVANGELISTA, 2008, p.46). Neste mesmo período, Açailândia torna-se alvo da

instalação de diversas indústrias madeireiras que – até o fim das florestas na localidade na

década de 1990 – passam a ser um importante elemento da economia da região a partir dos

anos 80 (CARNEIRO, 1994; FILHO et al., 2011).

Com o Programa Grande Carajás (PGC), no final da década de 1970, Açailândia

começará a ganhar os contornos de maior relevo da sua economia atual. O PGC esteve

incluído no bojo do projeto governamental de modernização da região amazônica, tendo como

escopo a exploração mineral na Amazônia Oriental, como no caso do minério de ferro

extraído da Serra de Carajás no Pará (PITOMBEIRA, 2011), operado pela Vale após uma

etapa de estudos preliminares que examinaram as possibilidades de exploração mineral feitos

na década de 1970. Estiveram relacionados com o PGC outros projetos de infra-estrutura que

possibilitaram a exploração mineral na Amazônia Oriental: a Estrada de Ferro Carajás (EFC),

ligando a mina de Carajás a São Luís, através 890 km de extensão; o porto de Ponta da

Madeira e a Hidrelétrica de Tucuruí, ambos componentes do Projeto Ferro Carajás (PFC).

Nas palavras de Carneiro (2013, p.44), o

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(...) governo federal tendo em vista a magnitude das obras de infraestrutura eo volume de recursos que seriam mobilizados, resolveu ampliar o PFC,criando um programa regional de desenvolvimento denominado ProgramaGrande Carajás, através do Decreto-Lei n. 1813 de 21 de novembro de 1980.

A infra-estrutura montada pelo PFC para viabilizar o transporte e a exportação

mineral de Carajás, configuram-se nesse contexto, como os principais fomentadores para a

instalação do Pólo Siderúrgico de Carajás (PSC) no final da década de 80 (EVANGELISTA,

2008; PITOMBEIRA, 2011). O PSC é composto por dezoito unidades industriais que

produzem ferro gusa4 (matéria-prima fundamental para a produção de aço), em grande parte,

para o mercado externo - nisso reside à importância do PFC e dos portos para a atividade

produtiva das siderúrgicas. Estas unidades estão distribuídas em cinco municípios: Marabá e

Barcarena, no Pará, e Bacabeira, Pindaré-Mirim e Açailândia no Maranhão (CARNEIRO,

2008).

Para abastecer essa produção siderúrgica, que, no final de 2008, representava cerca

de 40% do total produzido no Brasil, fez-se necessário o estabelecimento de uma ampla rede

de fornecedores de carvão vegetal, geralmente oriundo de mata nativa, uma vez que o carvão

vegetal é o principal insumo energético utilizado na siderurgia amazônica (ASSIS;

CARNEIRO; 2012). Ou seja, essa expansão da siderurgia teve como um dos seus principais

efeitos o estímulo ao surgimento de uma atividade econômica até então inédita na região,

promovendo o surgimento de uma vasta rede de produtores individuais de carvão vegetal,

cuja característica central é a forte presença de formas precárias de trabalho (CARNEIRO,

2008).

O trabalho degradante encontrado nestas carvoarias enquadra-se nas características

do trabalho escravo contemporâneo, variando entre situações de jornadas de trabalho

exaustivas, trabalho insalubre e sem o devido uso de equipamentos de proteção individual

(EPI’s), condições de higiene e alojamento precárias, ou convergindo muitos destes traços

numa mesma situação, como mostram diferentes relatórios produzidos por entidades de

defesa de direitos humanos (FILHO et al., 2011; GREENPEACE, 2012).

Conforme Carneiro (2013), apesar de possuir semelhanças com outros nichos de

produção de ferro gusa em nível nacional, o ferro gusa produzido no âmbito do PSC

distingue-se do restante do país por conta de três elementos: a dependência do mercado

4“O ferro gusa é um produto resultado da fundição do minério de ferro com carvão e calcário num alto forno,contendo normalmente até 5% de carbono e demais elementos residuais como manganês, fósforo, enxofre esilício. A produção do ferro gusa pode ser compreendida como uma etapa preliminar para a produção do aço”(EVANGELISTA, 2008, p.53).

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externo para a existência da produção, a dependência quase que exclusiva do minério de ferro

fornecido pela Vale, e uma repercussão em decorrência dos problemas sociais e ambientais

ocasionados pelo processo de produção de ferro gusa na Amazônia.

Dentre as unidades siderúrgicas do PSC, cinco concentram-se no município de

Açailândia: Viena Siderúrgica (Grupo Valadares), Fergumar, Simasa e Cia. Vale do Pindaré

(empresas do grupo Queiroz Galvão), e Gusa Nordeste (grupo Ferroeste). Todas estas

siderúrgicas são semi-integradas, o que significa que não produzem produtos acabados ou

semiacabados de aço, mas somente o ferro gusa que posteriormente é vendido a siderúrgicas

integradas – aquelas que produzem produtos semi-acabados e acabados de aço (laminados)

(CARNEIRO, 2013; EVANGELISTA, 2008).

Dois processos se destacam na atividade siderúrgica de Açailândia hoje em dia, e

que adicionam modificações no seu mercado de trabalho: a desterceirização da produção de

carvão vegetal para fins siderúrgicos, e o conseqüente desmonte da rede pulverizada de

fornecimento que caracterizava o abastecimento deste insumo; e a verticalização da produção,

através da iminência da inauguração de uma aciaria integrada por parte do grupo Ferroeste, na

finalidade de agregar valor ao ferro gusa produzido localmente e tornar o setor menos

vulnerável ao mercado externo.

2. A Atuação do poder coletivo e o processo de reconfiguração do território produtivo de

Açailândia

Desde a implantação do setor industrial, conformou-se no território produtivo de

Açailândia, a partir de diferentes segmentos da sociedade civil, um poder coletivo

(HENDERSON et al., 2011) que atua, de modo geral, contra as desigualdades sociais que

grassam localmente. Apesar de vago, esse escopo de atuação pode ser pormenorizado da

seguinte forma: este poder coletivo opera contra as externalidades5 e assimetrias sociais

engendradas pelo modelo de desenvolvimento que foi posto em marcha sob o fomento do

ambiente institucional orquestrado pelo PGC e PFC. O que significa que as pautas

5Externalidade refere-se aos impactos socioambientais que não estão inseridos no cálculo econômico, mas cujosefeitos deletérios são incorporados pela sociedade: “a noção de ‘externalidade’ desenvolvida na ciênciaeconômica exclui do cálculo econômico de qualquer investimento produtivo suas conseqüências aparentementerelacionadas ao produto desejado. Esta noção, ao ser utilizada, camufla o fato de que o investidor se apropriaprivadamente de todos os benefícios (econômicos e simbólicos) gerados pelo processo produtivo e socializa osprejuízos, na medida em que os grupos sociais e organizações governamentais de seu entorno terão de arcar comseus resultados nefastos” (MARTÍNEZ-ALIER apud SANT’ANA JÚNIOR; MUNIZ, 2009, p.256).

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reivindicatórias deste poder coletivo são nuances de efeitos ocasionados pelo polo

siderúrgico, estruturado em torno do enclave exportador da Vale S/A.

Em Açailândia o poder coletivo é constituído por movimentos populares

(Associação de Moradores do Bairro de Pequiá), movimentos de direitos humanos (Centro de

Defesa da Vida e dos Direitos Humanos - CDVDH6, Campanha Justiça nos Trilhos),

segmentos religiosos (Igreja Católica através da paróquia São João Batista7) – que atuam

sobre os danos, ambientais e trabalhistas, que o processo produtivo das guseiras causa a

sociedade local -, e movimentos sindicais urbanos, sobretudo o Sindicato dos Trabalhadores

Metalúrgicos de Açailândia (STIMA) e o Sindicato dos trabalhadores nas Indústrias e

Reflorestamento para Carvão Vegetal (STIRCV).

As pautas que coadunam estes diferentes atores coletivos estruturam-se em três

grandes blocos:

(i) degradação ambiental e poluição urbana. Externalidades da produção guseira

que origina diversas manifestações por parte dos moradores do bairro do Pequiá, Paróquia

São João Batista;

(ii) As condições de trabalho degradantes e a identificação do ultraje a dignidade

humana nessas condições, por muito tempo encontrado na cadeia de produção do ferro gusa

(atividade de carvoejamento). Ações de combate a este tipo de situação no território produtivo

de Açailândia foi levada a cabo pelos movimentos de direitos humanos (CDVDH e Justiça

nos Trilhos);

(iii) o grau de incorporação e vínculo das atividades estimuladas pelo ambiente

institucional proporcionado pelo PGC e PFC com a economia local. Pauta sempre abordada

entre os autores que se debruçaram acerca do desenvolvimento industrial na Amazônia

oriental, é também item da agenda política de segmentos da sociedade civil de Açailândia.

Os eventos sócio-econômicos desencadeados a partir dos acontecimentos da crise

global de 2008 propiciaram uma ação coletiva que conjugou estes atores coletivos e unificou

6 O Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH) surgiu em 1996 com a pauta dedefesa dos direitos e da dignidade humana, o CDVDH enxergou no trabalho escravo contemporâneo o ultraje aesses direitos e dignidade, e ingressou na luta pela erradicação deste tipo de labor degradante6. A entidade atuaatravés de três eixos: repressão (denúncias), prevenção (campanhas de conscientização sobre a prática dotrabalho escravo contemporâneo) e inserção social (projetos sócio-econômicos) (MANCINI, 2012). Nos anos 90,as carvoarias localizavam-se muito próximas a cidade de Açailândia, o que facilitava as denúncias; foi “nessacircunstância, [que] militantes de movimentos sociais, agentes de pastorais e religiosos progressistas sentiram-semotivados para a criação de uma entidade que voltasse sua atenção basicamente para o enfrentamento dotrabalho escravo” (PITOMBEIRA, 2011, p.65).7A paróquia São João Batista localiza-se no bairro do Pequiá de baixo, e pelo menos desde os fins dos anos de1990 atua na mobilização e no apoio as reivindicações dos moradores do bairro, contra as situações de poluiçãourbana provocada pelas siderúrgicas.

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as suas pautas reivindicatórias (RAMALHO; CARNEIRO, 2013). Esta unificação de pautas

reivindicatórias, eixos axiais das externalidades da produção industrial deste território

produtivo, foi possibilitada pelo contexto de proximidade presente no território, na medida em

que coloca em co-presença atores coletivos que partilham de uma “cultura prática”, e que

constituíram uma densidade territorial através de interações continuadas, dando origem a

“externalidades cognitivas” (aprendizagens) (REIS, 2005) sobre um ponto comum: o “modelo

de desenvolvimento” materializado pelo setor industrial e sua cadeia produtiva. Estes

elementos da dinâmica territorial – proximidade e densidade – vieram à tona num momento

em que o setor industrial de Açailândia sofria os impactos decorrentes do momento pela qual

passava a RPG do aço, a qual se insere a jusante.

É interessante observar a atuação deste poder coletivo na medida em que a

implantação do polo industrial em Açailândia, apesar de concebido primeiramente como um

veículo de desenvolvimento regional e diminuição de desigualdade entre as regiões do país,

esteve bem mais vinculado com a eficácia da acumulação e desempenho da racionalidade

econômica propriamente dita por parte do poder corporativo – no sentido do homo

oeconomicus clássico da economia clássica e neoclássica, aquele que persegue os ganhos

econômicos, maximizando os resultados da sua ação em coerência com os meios (escassos)

empregados (STEINER, 2006) – do que com demandas locais e/ou os efeitos desta atividade

na economia local. Há, portanto, uma interpelação de atores não econômicos (poder coletivo),

que conformam contingências territoriais que atuam como elementos de incerteza na

racionalidade econômica desempenhada pelo poder corporativo (REIS, 2005).

A análise da implantação da aciaria integrada, neste caso, insere-se na discussão da

possibilidade dos empreendimentos sídero-metalúrgicos instalados no corredor da Estrada de

Ferro Carajás (EFC) induzir atividades econômicas através de um encadeamento “para frente”

da cadeia produtiva, através da constituição de um complexo industrial metal-mecânico.

Conforme apontado por diferentes autores que estudaram a região de Carajás nas últimas

décadas (CARNEIRO 2013; 1995; MONTEIRO, 1997, 2006), o encadeamento “para frente”

– isto é, processo de beneficiamento dos produtos siderúrgicos primários - mostrou-se parco,

sem maiores efeitos dinamizadores para a economia em âmbito regional. A iminência da

implantação deste empreendimento tem gerado uma expectativa entre diferentes atores locais,

motivada pela possibilidade de dinamização da economia local e diminuição da

vulnerabilidade e dependência que a indústria siderúrgica possui frente ao mercado externo.

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2,1 Crise econômica e mercado de trabalho: atuação do poder coletivo e o processo derecuperação da capacidade produtiva na indústria siderúrgica

A crise econômica mundial desencadeada em 2008 nos Estados Unidos8 trouxe

nítidos efeitos na estrutura ocupacional e mercado de trabalho do território produtivo de

Açailândia, no que tange a quantidade e distribuição de ocupados na atividade produtiva

diretamente relacionada às demandas provenientes daquele país – indústria siderúrgica -, bem

como as atividades ligadas a sua cadeia de produção (carvoejamento), incluindo as que são

terceirizadas - reflorestamento, montagem e manutenção de altos-fornos, transporte e

descarregamento de carvão vegetal.

O inicio das demissões em massa e redução da capacidade produtiva do polo

siderúrgico de Açailândia começa logo no segundo semestre de 2008. Apesar de este ter sido

o ano em que a crise global emerge, impactando diretamente o mercado de aço norte-

americano, principal comprador do ferro gusa produzido em Açailândia, o gráfico 4 acima

apresentado demonstra que o ano de 2008 foi o que o valor da tonelada do gusa exportado

atinge a sua maior cotação no mercado mundial. O que implica dizer que, embora a

quantidade de ferro gusa exportado tenha diminuído em 2008, se comparado ao ano anterior,

as siderúrgicas do polo de Açailândia conseguiram manter sua margem de lucro neste

período, devido ao preço do ferro gusa exportado que chega ao seu pico neste ano.

A diminuição nos contratos de venda causou uma ociosidade na capacidade

produtiva das guseiras, fazendo-as operar com 50% da capacidade – além de três das cinco

que a princípio fecharam as portas - e exportando ferro gusa estocado até o primeiro trimestre

de 2009. Segundo Carneiro e Ramalho (2009), neste ínterim, que vai dos meados de 2008 ao

primeiro trimestre de 2009, as siderúrgicas, além de terem continuado a exportar, tiveram

possibilidade de retardar as demissões:

(...) as empresas continuaram exportando e lucrando com a venda do ferrogusa estocado, mas de forma oportunista aproveitaram o cenário da criseeconômica para demitir trabalhadores. Os dados comprovam que asdemissões poderiam ter sido retardadas enquanto se confirmavam reduçõesnas exportações de ferro gusa (p.43).

8A crise de 2008 nos Estados Unidos teve como causa principal os empréstimos subprime (isto é, empréstimospara pessoas que não possuem renda o suficiente para quitar o empréstimo concedido). O mercado imobiliárioamericano foi de onde irradiou toda a crise. O setor entra em colapso por conta do grande número deinadimplentes, combalindo grandes bancos do país (Lehman Brothers) e empresas do mercado hipotecário(Fannie Mae e Freddie Mac). Diante da situação, o governo americano tenta intervir injetando US$ 180 bilhões.A crise no setor fragilizou o centro do mercado financeiro norte americano (Wall Street). A crise rapidamente sealastrou pelos demais setores econômicos atingindo, inclusive, o siderúrgico (HARVEY, 2011; MOLLER;VITAL, 2013 apud SANTOS, 2015).

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Os efeitos na estrutura ocupacional são percebidos a partir de 2008. Os setores

econômicos que absorveram as consequências da crise através de demissões foram o da

indústria e da Agropecuária e extração florestal. Este último por conta das atividades que

envolvem a cadeia de produção do ferro gusa, como o carvoejamento e reflorestamento. O

gráfico abaixo (gráfico 7), mostra a evolução do saldo9 por setor de atividade econômica e o

saldo geral do município de Açailândia entre os anos de 2006-2013.

Gráfico 1: Evolução do saldo de empregos por setor e geral - Açailândia (2006 a2013).

-2.000

-1.000

0

1.000

2.000

3.000

4.000

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Indústria Serviços Comércio Construção Civil Agropecuária, extração Florestal Saldo Geral

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego/Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED).Elaboração própria.

Nos anos de 2006 e 2007 o saldo do setor da indústria é positivo. Não aparece no

gráfico, mas em 2006 este setor admitiu 2.407 e demitiu 2.405 pessoas, ficando com um

positivo (+2). Em 2007 admitiu 2.902 e demitiu 2.717 pessoas, contando com um saldo de

+185. O ano de 2008, porém, apresenta um alto contraste com os anos anteriores, quando

contabiliza um saldo de -312 (onde admitiu 1.082 pessoas e demitiu 1.394). É possível

perceber a forte presença do setor da indústria na estrutura ocupacional de Açailândia na

medida em que o saldo geral do município vai de um positivo de 1.031 em 2006, passando

9O saldo é resultado da diferença entre o total de admitidos e demitidos – se houve mais admitidos do quedemitidos, o saldo é positivo, se houve mais demitidos é negativo. O mesmo vale para o saldo geral, que mede osaldo de cada setor de atividade econômica por ano.

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para 779 em 2007 e despencando para -659 em 2008, ano com o pior saldo para o setor da

indústria; levando consigo o setor do setor da agropecuária e extração florestal (que fechou

2008 com um saldo negativo de -872), por conta das atividades de carvoejamento e

reflorestamento. O saldo geral volta a subir em 2009 (+745), muito embora o setor da

indústria e agropecuária e extração florestal tenham continuado a demitir (-396 e -85,

respectivamente), por conta de outros setores (comércio e serviços) que se mantiveram mais

estáveis no período de crise.

Mesmo que o setor da indústria prevaleça ao longo da trajetória do território

produtivo de Açailândia, ao lado do setor de serviços e comércio, no que diz respeito à

proporção de pessoal ocupado, o que demonstra a sua importância no âmbito da economia e

mercado de trabalho local, o seu foco em produzir somente para exportar o coloca numa

posição de grande vulnerabilidade às oscilações da economia mundial. O gráfico abaixo

apresenta duas variáveis com curvas muito semelhantes: evolução das exportações de ferro

gusa e evolução do emprego formal no setor da industria entre os anos de 2006 e 2013.

Gráfico 2: Evolução das exportações de ferro gusa (mil ton.) e do emprego industrial em Açailândia (2006 a2013).

0

200.000

400.000

600.000

800.000

1.000.000

1.200.000

1.400.000

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 20130

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

Exportação de Gusa Emprego Industrial

Fonte: SECEX/MDIC e DATA SOCIAL/MDS. Elaboração própria.

A ascensão da exportação do ferro gusa é acompanhada pela elevação emprego formal

no setor da indústria. O que significa que, quanto mais contratos firmados (no mercado

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externo) para a exportação guseira, mais estabilidade e crescimento têm a freqüência de

empregos no setor. A escassez dos contratos para venda do gusa, foi um dos sinais do inicio

da debilidade do setor a partir do segundo semestre e 2008 (CARNEIRO; RAMALHO,

2008).

O quadro abaixo apresenta a situação do funcionamento das siderúrgicas de

Açailândia antes e depois da crise de 2008. Em 2008, as cinco siderúrgicas estavam em estado

ativo, estando o valor arrecadado com as exportações do ferro gusa, por cada uma, na faixa

dos milhões de dólares.10. A partir de 2009, três siderúrgicas inicialmente são desativadas

(Fergumar, Simasa e Cia. Vale do Pindaré), permanecendo as duas primeiras ainda fechadas:

Quadro 1: Situação do funcionamento das indústrias siderúrgicas de Açailândia nos períodospré e pós crise de 2008.

Empresa Pré-crise Pós-crise Número dealtos fornos

Viena Siderúrgica do Maranhão S/A Ativa Ativa 5Cia. Vale do Pindaré S/A Ativa Ativa 3Siderúrgica do Maranhão S/A Ativa Desativada 2Gusa Nordeste S/A Ativa Ativa 3

Ferro Gusa do Maranhão Ltda Ativa Desativada 2

Se num primeiro momento a estagnação na capacidade produtiva deu-se pela

ausência de contratos -, a característica (e vulnerabilidade) da indústria siderúrgica de

Açailândia de dependência do mercado norte-americano11 tornou-se patente na voz de atores

coletivos locais. A não concretização das expectativas vislumbradas pelo PGC para a região –

diversificação de atividades produtivas e verticalização – coadunou diferentes setores da

sociedade civil de Açailândia, através da criação, sob liderança da Igreja Católica local, do

“Movimento Popular em Favor da Justiça e da Dignidade Humana” em 2009:

(...) em Açailândia em tempos de crise e desemprego, uma aliança entremovimentos sociais permitiu a criação do “Movimento Popular em favor da

10Em 2007 a Viena Siderúrgica do Maranhão faturou US$ 145.419.560, A Queiroz Galvão Siderurgia noagregado (composto pelas duas siderúrgicas localizadas em Açailândia, Cia. Vale do Pindaré e Siderúrgica doMaranhão, e a Cia. Siderúrgica do Maranhão, localizada em Santa Inês-MA) faturou US$ 181313.820, a GusaNordeste S/A obteve US$ 92.905.660 e, por último, a Ferro Gusa do Maranhão (Fergumar) que faturou US$63.191.660 (CARNEIRO, 2008).11Mesmo no pós-crise, a dependência do mercado externo, e do mercado norte-americano em especial, aindapauta o destino do ferro gusa produzido em Açailândia, como se observa nas palavras de Sandro Raposo,engenheiro da Gusa Nordeste: “basicamente hoje (...) [exportamos para o] Estados unidos, e um cliente que é aNucor [Corporation], nós exportamos basicamente ferro gusa pra eles” (20/01/2015).

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Justiça e da Dignidade Humana”. Trata-se de uma rede de entidades,associações de moradores, sindicatos, comunidades cristãs em busca eencaminhamentos locais para minimizar o impacto da crise e buscaralternativas e enriquecimentos para o modelo produtivo de Açailândia,marcado pela fragilidade e pouca diversificação. Esse movimento organizouem maio de 2009 um grande seminário sobre crise e desemprego (BOSSI,2010, p.12).

De forma clara, a crítica frente ao modelo de desenvolvimento estabelecido em

Açailândia, baseia-se em aspectos como: o valor agregado ao Produto Interno Bruto (PIB)

proporcionado pelo setor da indústria de Açailândia e o conjunto massivo de incentivos e

infraestrutura pública que foram mobilizados para a instalação do polo industrial. A

fragilidade econômica do município por conta deste modelo de desenvolvimento, e a

debilidade na incorporação local de benefícios efetivos – embora os vislumbrados

inicialmente -, lograram a contestação de um modelo de acumulação dependente das

demandas do mercado externo.

Neste aspecto, a ação do poder coletivo frente à estrutura econômica (poder

corporativo), as suas aspirações e percepções valorativas de tal estrutura, atuam como uma

“racionalidade substantiva” que conflita com uma “racionalidade formal” (SWEDBERG,

2005). Estas distinções de racionalidade são weberianas, cunhadas em Economia e Sociedade.

Enquanto a racionalidade formal é o arquétipo de racionalidade econômica, pautada na

congruência entre meios e fins num contexto em que os meios são escassos, a racionalidade

substantiva (ou formas não econômicas de ação racional) é conduzida por valores e leva em

conta se “‘o abastecimento de (...) grupos de pessoas’ está de acordo com certos valores

absolutos, sejam eles de natureza política, ética, filosófica (...)” (p.63). O conflito entre estes

dois tipos de racionalidade na economia é garantido pela “desigualdade na distribuição de

renda” (p.65).

É interessante destacar que, estes documentos vieram ao público num contexto de

crise da indústria siderúrgica, em que as pautas reivindicatórias de diferentes segmentos da

sociedade civil relacionadas aos efeitos da produção guseira foram unificadas, estando como

protagonista o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Açailândia – STIMA, que

ampliou seu repertório de mobilização (antes mais tradicional, pautado em greves gerais e

paralisação de fábrica), através de audiências públicas realizadas ao nível municipal e estadual

(RAMALHO; CARNEIRO, 2013).

A oportunidade para esta coalizão de atores coletivos foi o superfaturamento do

preço do minério de ferro realizado pela Vale S/A em 2010. Em outubro de 2009, com a

diretoria reformulada, com membros vinculados a principal sindical brasileira (Central Única

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dos Trabalhadores – CUT), depois de substituir uma gestão de 18 anos, o STIMA passa por

uma campanha de recuperação financeira e filiação. Em março de 2010 a Vale S/A, que

fornece com quase exclusividade o minério de ferro para o PSC elevou o preço do insumo que

passou de US$ 48, 00 para US$ 137, 00. Não por acaso 2010 foi o ano com menor quantidade

de ferro gusa exportada pelo polo siderúrgico de Açailândia, 456.274 mil/ton. Esta ocorrência

levou a uma aproximação não somente do sindicato patronal, o Sindicato das Indústrias de

Ferro Gusa do Maranhão (SIFEMA) do STIMA, com o STIMA, mas levou este último a

incorporar representações anteriormente lançadas contra a Vale S/A por segmentos da

sociedade civil.

A coalizão com as pautas reivindicatórias de outros atores coletivos foi possibilitado

pelo fato da Vale S/A ter sido o principal indutor do desenvolvimento industrial na região,

desde a sua época de empresa estatal. É neste contexto que o STIMA amplia o seu repertório

de mobilização através de audiências públicas, em que passa a expor a situação econômica de

Açailândia, em especial do setor da indústria. Foram três audiências realizadas que

consistiram em esforços de intermediação por parte de políticos (deputados estaduais), na

finalidade de arrefecer a crise no setor siderúrgico através de mobilizações voltadas para a

tentativa de diminuição do preço do minério de ferro fornecido pela Vale S/A.

A diminuição no preço do minério de ferro, permitiu um crescimento nas

exportações do gusa a partir de 2011, dando um salto de 456. 274 mil/ton em 2010 para 757.

991 mil/ton no ano seguinte, assim como uma recuperação no emprego industrial (que passou

de 2.079 no ano de 2010 para 2.749 em 2011); permitindo ainda a reabertura da Cia. Vale do

Pindaré, que havia fechado as portas – sem, entretanto, possibilitar a reabertura da Simasa e

Fergumar, ainda hoje fechadas.

Neste movimento de recuperação das exportações e luta pela diminuição do preço do

minério de ferro fornecido pela Vale S/A, foi firmada uma parceria entre o sindicato patronal

e o dos trabalhadores, que se utilizaram da distribuição assimétrica de poder na RPG, onde as

“firmas menores às vezes (e por motivos contingentes) têm autonomia suficiente para

desenvolver e exercitar suas próprias estratégias para aperfeiçoar suas operações”

(HENDERSON et al., 2011, p.157). Nesta parceria, o sindicato patronal atuou com o

sindicato dos trabalhadores da seguinte forma: i) no apoio a mobilização e incentivo das ações

levadas a cabo pelo STIMA e demais atores coletivos, pois o seu envolvimento público com a

situação era comprometedor, na medida em que corriam o risco de receber restrições

comerciais por parte da Vale S/A, ou, como nas palavras presidente do STIMA: “não podiam

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aparecer por medo de repressão da própria Vale” (12/05/2014); ii) e no apoio financeiro as

ações do sindicato dos trabalhadores.

Apesar da cooperação, após a redução do preço do minério de ferro e retomada das

exportações de ferro gusa num melhor nível, as siderúrgicas não atenderam de prontidão as

reivindicações trabalhistas que vinham sendo pautadas pelo STIMA. A solução encontrada foi

investir num repertório de mobilização mais tradicional do sindicato por intermédio da

realização de uma greve em fevereiro de 2011.

A greve do dia 14 de fevereiro de 2011 começou de forma típica, com o fechamento

dos portões da fábrica de maior capacidade produtiva do polo industrial de Açailândia - Viena

Siderúrgica -, e contou com a presença decisiva dos moradores do Pequiá de baixo, que na

ocasião reivindicavam o seu remanejamento12 para outro loteamento, por conta da intensa

poluição urbana e disposição indevida de refugos da produção siderúrgica no local – o que por

anos ocasionou problemas de saúde nos moradores do bairro (FIDH, 2011; EVANGELISTA,

2008). Após obter sucesso em suas reivindicações no dia 15 de fevereiro de 2011, o STIMA

só findou a greve sob a condição do SIFEMA também atender as reivindicações dos

moradores do Pequiá de baixo.

Após as audiências públicas capitaneadas pelo STIMA, mas incorporando

representações e pautas reivindicatórias de outros atores coletivos (locais) acerca do modelo

de desenvolvimento posto em marcha em Açailândia - que possui a Vale S/A e o polo

siderúrgico como os grandes propulsores - houve uma recuperação no nível das exportações

do gusa, e os trabalhadores que protagonizaram a greve – inicialmente demitidos – foram

readmitidos em seus postos de trabalho (recuperação do emprego industrial), bem como os

direitos trabalhistas a princípio perdidos com a eclosão da crise global em 2008/2009.

O grau de importância da ação do poder coletivo frente à crise sofrida pela indústria

siderúrgica em Açailândia pode ser devidamente aferido se analisada no âmbito de todo o

Polo Siderúrgico Carajás (PSC). As onze siderúrgicas localizadas no município de Marabá

(PA), por exemplo, não obtiveram o mesmo poder de reação frente à crise global. Fortemente

12Existe uma luta levantada há anos pelos moradores do Piquiá – em conjunto com segmentos da sociedade civil- para o reassentamento da comunidade em uma área fora da influência dos resíduos poluentes – sobretudogasosos – e ruídos provocados pelo processo de produção do ferro gusa. Em maio de 2011, a Prefeitura deAçailândia e o SIFEMA assinaram um TCC (Termo de Compromisso de Conduta) para que se procedesse com adesapropriação, por parte da Prefeitura municipal, do terreno do “Sitio São João” – local escolhido pelosmoradores como novo domicílio. Na ocasião a Vale ficou responsável pela execução de um projeto habitacionalpara a área. A manifestação promovida pelos moradores do Piquiá de baixo no inicio de 2014, quando fecharama rodovia 222 e os portões das indústrias, atestam o não cumprimento dos prazos e deliberações firmados noTCC de 2011.

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combalidas pela crise no mercado norte americano, e a consequente queda no preço do ferro

gusa, onde 90% da produção das siderúrgicas paraenses destinavam-se a este mercado

(SANTOS, 2015), iniciou-se um processo demissionário e logo cinco siderúrgicas

interromperam suas atividades até o final de 2008. O motivo principal seria a constância do

alto preço do minério de ferro cobrado pela Vale S/A às siderúrgicas paraenses, que ainda

torna a produção e exportação de ferro gusa inviável, mesmo com o reaquecimento do

mercado externo e recuperação das exportações de ferro gusa a partir de 2011. Hoje, somente

quatro usinas das onze que chegaram a funcionar em Marabá estão em atividade, por conta do

manejo de estratégias especificas no enfrentamento da crise no setor (Idem).

Ao contrário de Açailândia, em Marabá não houve uma intervenção de movimentos

sociais para arrefecer os efeitos e impactos da crise do setor siderúrgico na economia e

sociedade local. A ação do poder coletivo e os devidos efeitos no processo de recuperação da

indústria siderúrgica, parece apontar para um enraizamento territorial (HENDERSON et al.,

2011) que esta atividade possui em Açailândia, mas não em outra localidade do PSC, no caso,

o município de Marabá. A possibilidade das empresas em absorverem e serem constrangidas

por dinâmicas sociais próprias a localidades (Idem) demonstrou ser um aspecto patente na

reestruturação econômica de Açailândia nos últimos anos.

Em Açailândia, a dinâmica de proximidade e densidade (REIS, 2005) entre

diferentes atores coletivos permitiu o compartilhamento de representações sobre o

desenvolvimento local e sobre as externalidades causadas pela produção industrial. O poder

coletivo, diante das debilidades econômicas da RPG na qual a principal atividade econômica

do município está inserida, não somente absorveu localmente os impactos, mas através de

mobilizações e articulações próprias possibilitaram um efeito de retorno (feedback) sobre a

rede, revertendo parte dos impactos e das medidas inicialmente tomadas sob o prisma da

eficiência econômica (demissões e redução de direitos trabalhistas) pelo poder corporativo.

Este resultado da ação coletiva não foi, entretanto, suficiente para reverter mais a

fundo a situação, na medida em que constituem territorializações que podem modificar o

curso das ações desenvolvidas localmente pelo poder corporativo numa RPG, mas não podem

escapar da dinâmica geral assente na rede (HENDERSON et al., 2011). Isso se reflete no fato

do polo siderúrgico de Açailândia ainda estar funcionando com a sua capacidade parcial e não

ter retomando o nível de produtividade, exportação e valor arrecadado do período pré-crise.

O emprego industrial em Açailândia esteve por muito tempo relacionado à baixa

qualificação profissional e ao excessivo desgaste físico do trabalhador (EVANGELISTA,

2008). Estas eram as características da mão de obra que participava diretamente do processo

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de criação e captura de valor (HENDERSON et al., 2011) realizado pelas siderúrgicas em

Açailândia (Cf. gráfico 6), que se somavam as condições de trabalho encontradas na cadeia de

produção siderúrgica (atividades de carvoejamento), caracterizando um “padrão de

acumulação amazônico” (SANTOS, 2011). É neste aspecto que as ações do poder coletivo

incidem na questão da possibilidade de maior captura deste valor a nível local. As ações

empreendidas pelo poder coletivo em prol do aumento de salários e dos direitos trabalhistas,

ou mesmo quando direcionadas a possibilidade de ampliação ou manutenção dos postos de

trabalho – neste último caso, quando contribuíram para arrefecer os danos da crise no polo

siderúrgico -, são exemplos de como uma maior participação na captura do valor criado pelas

guseiras são reivindicados localmente13.

2.2 O processo de desterceirização da produção de carvão vegetal e os impactos no

mercado de trabalho

Neste tópico analisamos o processo de desterceirização que a produção de carvão

vegetal vem passando em Açailândia nos últimos anos, bem como as modificações

decorrentes no mercado de trabalho que envolve esta atividade produtiva. A produção de

carvão vegetal, ou “atividade carvoeira”, refere-se “ao conjunto de ocupações existentes na

produção de carvão vegetal, as funções centrais e auxiliares, sem as quais o carvão não

poderia ser elaborado e chegar até as indústrias” (CARNEIRO, 2013, p. 134). Neste sentido, a

produção de carvão vegetal é a atividade-eixo a qual se articulam outros trabalhos. No

processo de desterceirização aqui analisado, estes trabalhos auxiliares concentram-se na

produção, preparo e transporte da biomassa vegetal a ser carbonizada, garantida pelo processo

de reflorestamento (silvicultura) a base de eucalipto.

Entretanto, hoje, no âmbito do processo de desterceirização da produção de carvão

vegetal em Açailândia, a atividade de reflorestamento é terceirizada pelas siderúrgicas, onde

são contratadas empresas que prestam dois segmentos de serviços nas fazendas de sua

propriedade: umas que plantam e exercem a manutenção da floresta de eucalipto, e outras que

cortam e transportam o material lenhoso, para então serem transformadas em carvão vegetal

por trabalhadores e em infraestrutura das próprias siderúrgicas.

13Na análise de Fligstein (2001), a captura de valor estaria mais relacionada com os “Direitos de propriedade” daempresa. Para este autor, direitos de propriedade é uma instituição de mercado que consiste em “relações sociaisque definem quem pode reivindicar os lucros das empresas” (p.29). O processo de reivindicação das “fatias” dolucro da empresa, realizada por acionistas, trabalhadores, partidos políticos, comunidades locais, etc., relacionar-se-ia a “um processo político contínuo e contestável, e não o resultado de um processo eficiente” (p.29).

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2.2.1 O processo de desterceirização e o dissolvimento do fornecimento pulverizado de

carvão vegetal para fins siderúrgicos

O processo de desterceirização da produção de carvão vegetal entre as guseiras de

Açailândia será aqui abordado numa perspectiva própria da sociologia econômica, na medida

em que não considera a modificação neste processo produtivo como um resultado espontâneo,

fruto do comportamento egoísta do poder corporativo, mas como resultado do “trabalho da

sociedade sobre si mesma”, considerando as “mediações históricas e sociais concretas pelas

quais os resultados econômicos são obtidos” (STEINER, 2006, p.49-51).

Esse trabalho da sociedade operado sobre si mesma desencadeia-se a partir da rota

tecnológica utilizada pelas siderúrgicas do polo de Açailândia: biomassa vegetal que se

transforma em carvão, e que num alto-forno é misturado com outros insumos cujo resultado é

o ferro gusa líquido (MONTEIRO, 2006). A consecução do carvão vegetal, insumo utilizado

em maior escala no processo produtivo do ferro gusa e, por conseqüência, o que representa a

maior faixa dos custos produtivos, sendo, portanto um elemento estratégico para as guseiras

controlarem sua margem de lucro (CARNEIRO, 1989; MONTEIRO, 1997), foi,

historicamente, em grande medida concebido a partir de mata nativa14. Este aspecto

contribuiu para atribuir a siderurgia na Amazônia oriental um dos seus traços marcantes: a

participação no processo de desmatamento da mata amazônica (CARNEIRO, 2013;

GREENPEACE, 2012).

Logo de início, configura-se uma rede pulverizada de produção de carvão vegetal

através de produtores independentes que, em geral, organizavam-se duas formas: o “carvão de

serraria”, próprio do período das atividades da indústria madeireira na região. As unidades de

produção de carvão – carvoarias – eram neste caso “construídas próximas aos pátios onde é

serrada a madeira” (MONTEIRO, 1997), utilizando-se os resíduos da produção madeireira

como biomassa; outra forma de organização produtiva era através das “carvoarias de

fazenda”, ou pela “empresa latifundiária carvoeira”, nova modalidade de latifúndio na

Amazônia maranhense a partir de década de 1990 (CARNEIRO, 1997). Nesta modalidade, a

produção de carvão inseria-se como atividade suplementar a queima dos resíduos para

abertura de pastagens. Nos latifúndios carvoeiros havia duas formas de gestão da produção de

14As usinas do PSC utilizam sobretudo carvão vegetal como insumo energético, embora outras possibilidadesexistam, mas não são tão acessíveis quanto o carvão vegetal de mata nativa foi por décadas (originária dedesmatamento para pastagens ou resíduos da produção de serrarias). Algumas alternativas são o “manejoflorestal sustentado” ou silvicultura, ou a utilização de coque (carvão mineral); a utilização do endocarpo dococo babaçu é também uma forma de se obter a biomassa a ser carbonizada nos altos-fornos (ASSIS;CARNEIRO, 2012).

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carvão: de maneira indireta, “através do arrendamento pago em dinheiro, com cessão de terras

para produtores de carvão vegetal, empresas guseiras ou não, que realizam a extração de

madeira e queima do material lenhoso” (Ibid, p.242-243); e de forma direta, pela

“incorporação da atividade carvoeira como um ramo de atividade por parte de grandes

proprietários da região” (Ibid, p.243).

Desde o seu período de implantação, as empresas siderúrgicas de Açailândia – de

início a Viena Siderúrgica e Cia. Vale do Pindaré - incorporaram grandes faixas de terra ao

seu patrimônio, sob o propósito de produção de carvão através de manejo florestal e de

reflorestamento com eucalyptus, transformado os grupos guseiros em grandes proprietários de

terras (CARNEIRO, 1995; 1997). Entretanto, embora desde o começo dos anos de 1990 as

siderúrgicas incorporem espaços fundiários para a produção de madeira legal, sob o ponto de

vista ambiental, a partir de alegação de manejo florestal, o uso de carvão vegetal ilegal (não

declarado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis –

IBAMA) e de mata nativa permaneceu alto entre as guseiras de Açailândia até alguns anos

atrás (SANTOS,2010).

Como as empresas siderúrgicas foram incapazes de mostrar ao IBAMA a origem

legal do carvão consumido, deduziu-se que, até o ano de 2005, a “principal fonte de

abastecimento das empresas guseiras continua sendo o carvão de mata nativa” (ASSIS;

CARNEIRO, 2012, p. 8). Entretanto, no período de 2005-2008 a utilização de carvão vegetal

oriundo de plantações florestais (reflorestamento) adquire maior importância dentre as outras

fontes, sobretudo por parte das siderúrgicas localizadas no Maranhão que, segundo

“informações do relatório de vistoria do IBAMA (2005), “(...) as empresas siderúrgicas

localizadas no Maranhão estão em melhor situação de atingir a auto-suficiência no suprimento

de carvão” (Ibid, p.10) se comparadas as localizadas no estado do Pará.

Este aspecto liga-se ao processo de desterceirização da produção de carvão, hoje

materializado; embora, realizado por condicionamento de alguns “marcos sociais” e

institucionais que incidiram sobre as irregularidades ambientais e trabalhistas constatadas na

rede pulverizada de produção carvoeira, que por muito tempo caracterizou esta atividade na

Amazônia maranhense. As irregularidades trabalhistas encontradas na cadeia de fornecimento

de carvão vegetal estão relacionadas a situações designadas como “trabalho escravo

contemporâneo”, que desencadeou a crítica social (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009)

proveniente de diferentes segmentos da sociedade civil constitutivas do poder coletivo local.

A rede abrangente de fornecedores independentes de carvão vegetal fez com que

esta atividade produtiva fosse por muito tempo considerado, por autores que se inclinaram

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sobre a questão da indústria siderúrgica na Amazônia (CARNEIRO, 1995; MONTEIRO,

1997; 2006), como o principal elo da siderurgia com a economia regional; considerando um

efeito de “encadeamento pra trás” e não “para frente” como propalou as expectativas iniciais

do PGC. A imensa quantidade de carvão vegetal necessário para suprir as demandas de

produção das siderúrgicas mobilizou a dinâmica econômica de diversos municípios situados

na região do Polo Siderúrgico Carajás (PSC). Em 2007, ano em que produção das siderúrgicas

dos estados do Maranhão e Pará chega a sua maior cotação, foram produzidas 3.599.315

toneladas de ferro gusa, para um consumo mínimo necessário de carvão vegetal (em

toneladas) de 6.622.739,60 e um máximo de 7.918.493,0015 (ASSIS; CARNEIRO, 2012).

Segundo Monteiro (2006, p. 73):

(...) tais empreendimentos geraram uma enorme quantidade detrabalhadores dedicados à produção de carvão vegetal, cujo número varia,segundo estimativas do autor entre 10 a 12 mil. Nesta atividade deprodução, os empregos são de péssima qualidade.

As primeiras críticas ao trabalho escravo contemporâneo na Amazônia brasileira

foram lançadas por organizações não governamentais, como a Comissão Pastoral da Terra

(CPT) e Anti-Slavery International (RAMALHO; CARNEIRO, 2015). Esta última, em estudo

publicado em 1994, referenciou diretamente a situação em carvoarias que forneciam para as

siderúrgicas de Açailândia, levando a situação aos ares da mídia internacional (CARNEIRO,

2008). Posteriormente, o processo de mobilização contra esta prática de trabalho na cadeia de

produção siderúrgica passa ser protagonizada pelo Centro de Defesa da Vida e dos Direitos

Humanos de Açailândia (CDVDH), pelo Fórum de Erradicação do Trabalho Escravo no

Maranhão (FOREM) e pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), que foi a

entidade do Estado, junto com o Ministério Público do Trabalho (MPT), que agiu diretamente

na situação a partir de 1995. Alguns outros atores que tiveram sua importância foram o

Instituo Observatório Social (IOS), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a ONG

Repórter Brasil e do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Reflorestamento para

Carvão Vegetal (STIRCV), que desempenhou um importante papel na formalização dos

vínculos trabalhistas nestas atividades.

15O cálculo de mínimo e máximo de carvão vegetal necessário é baseado no seguinte: “para obtermos essaestimativa utilizamos para o valor máximo o fator de correção apresentado pelo IBAMA que estabelece que paraa produção de uma tonelada de carvão são necessários 2,2 m³ de carvão vegetal e para o valor mínimo o indicadopelas empresas siderúrgicas localizadas no Maranhão que relacionam 1, 84 m³ de carvão para produção de umatonelada de ferro gusa” (IBAMA, 2005 apud ASSIS; CARNEIRO, 2012, p.6-7).

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As ações de organizações atuantes em diferentes escalas (local e global) lograram

em estabelecer uma crítica social na região da Amazônia oriental, operando no processo de

constituição de uma representação da responsabilização do poder corporativo pelas

irregularidades trabalhistas e ambientais assentes em sua cadeia de produção.

A dinâmica político-institucional que atuou neste processo de verticalização do

reflorestamento e carvoejamento pode ser destacada em três grandes marcos (CARNEIRO,

2008; PITOMBEIRA, 2011):

(i) Assinatura do Termo de Ajuste de Conduta (TAC 01/99) pelas siderúrgicas

localizadas no estado do Maranhão em 1997 com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e

Procuradoria Regional do Trabalho (PRT), após as primeiras fiscalizações realizadas pelo

Grupo de Fiscalização Móvel (GEFM) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em

carvoarias, onde foi estabelecido pela primeira vez com o trabalho degradante existente em

sua cadeia de produção;

(ii) o lançamento da “Carta-Compromisso pelo fim do trabalho escravo na produção

de carvão vegetal e pela dignificação, formalização e modernização do trabalho na cadeia

produtiva do setor siderúrgico” em 13 de agosto de 2004, assinada pela Associação das

Siderúrgicas de Carajás (ASICA), pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade

Social, pelo Instituto Observatório Social (IOS) e pala Confederação Nacional dos

Metalúrgicos da CUT. Nesta carta, as empresas do PSC reconheceram expressamente a

existência de “focos” de trabalho escravo na sua cadeia de produção, e comprometeram-se em

reunir esforços para regularizar as relações de trabalho entre os seus fornecedores de carvão

vegetal além de definir restrições comerciais para as empresas que utilizassem mão-de-obra

sob essas condições.

O TAC 01/99 incidiu sobre as condições existentes no local de trabalho (carvoarias),

isto é, sobre as condições individuais (utilização de Equipamentos de Proteção Individual –

EPI’s) de cada trabalhador e do estabelecimento (instalações sanitárias adequadas, água

potável em condições higiênicas de armazenamento, alojamentos adequados contra as

condições climáticas, etc.). Neste termo, as guseiras são colocadas como corresponsáveis

pelas irregularidades trabalhistas. A Carta-compromisso de 2004 trata sobre a tomada de

responsabilização por parte das siderúrgicas de forma mais direta, no que tange a sua

contribuição – fiscalizatória e punitiva -, tanto em relação às carvoarias quanto as

siderúrgicas, para a formalização e qualificação profissional dos trabalhadores envolvidos na

produção de carvão. A Carta-compromisso coloca as siderúrgicas como responsáveis pelo

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combate e erradicação do trabalho escravo. Uma das metas da Carta-compromisso ilustra essa

preocupação com a formalização das relações de trabalho:

Definir metas específicas para a regularização do trabalho nesta cadeiaprodutiva, o que implica na formalização das relações de emprego pelosprodutores, no cumprimento de todas as obrigações trabalhistas eprevidenciárias e em ações preventivas à saúde e a segurança dostrabalhadores (Carta-compromisso..., 2004, p.1).

(iii) A carta-compromisso resultou na criação, por algumas siderúrgicas do PSC, do

Instituto Carvão Cidadão (ICC), em 19 de agosto de 2004, para realizar uma espécie de

autocertificação da sua cadeia produtiva. A criação do ICC permitiu a “essas empresas a

passagem de uma posição defensiva para a de atores exemplares no combate ao trabalho

escravo” (CARNEIRO, 2008, p.330). O ICC representou uma forma das siderúrgicas

associadas de incorporarem e responderem às críticas que lhe foram lançadas pela sociedade,

de modo a legitimar e justificar a sua forma de atuação (Idem). A legitimação da atuação

destas siderúrgicas no mercado deu-se através do esforço para eliminar as irregularidades –

ambientais e trabalhistas – relacionadas à sua cadeia produtiva (processo de produção do

carvão vegetal), através do trabalho de fiscalização que a equipe do ICC realizava entre os

fornecedores de carvão (PITOMBEIRA, 2011).

Um aspecto relevante é que não foram todas as siderúrgicas do PSC que se

associaram ao ICC. Estão constadas como sócias fundadoras todas as (sete) siderúrgicas

maranhenses e apenas uma do Pará (Terra Norte Metais, atual Cikel Siderúrgica); outras duas

usinas deste estado se associaram posteriormente. O maior engajamento das siderúrgicas

maranhenses na adesão às ações do ICC pode relacionar-se a uma maior atuação da crítica

social lançada pelo poder coletivo, e a uma maior pressão governamental neste estado

(CARNEIRO, 2008). O que parece indicar para a existência de duas concepções de controle16

(FLIGSTEIN, 2001) distintas entre os grupos siderúrgicos destes dois estados, quando o

assunto trata-se das irregularidades na cadeia produtiva do ferro gusa: as siderúrgicas

maranhenses apresentaram uma maior disposição em assumir a responsabilidade frente às

irregularidades do que as localizadas no outro estado.

O ICC voltou-se para o mapeamento dos fornecedores de carvão vegetal das

siderúrgicas. Antes de 2008, “o ICC atuava num universo de 1.400 fornecedores de carvão

para as siderúrgicas localizadas nos estados do Pará, Maranhão, Piauí e Tocantins. Para o ano

16Na análise de Fligstein (2001), concepções de controle dizem respeito à visão de mundo e as representaçõesproduzidas pelas empresas. São “entendimentos que estruturam as percepções sobre como funciona um mercado,permitindo que os atores interpretem seu mundo e ajam no sentido de controlar as situações” (p.30).

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de 2010 (...) como decorrência da crise, o instituto conseguiu auditar apenas 402 carvoarias”

(PITOMBEIRA, 2011, p.92). Acrescentamos que, outro provável motivo para a diminuição

das auditorias realizadas pelo Instituto em 2010, foi o avanço do processo de desterceirzação

entre as siderúrgicas do polo de Açailândia.

A criação do ICC foi uma importante medida adotada pelas guseiras, na medida em

causou uma “repercussão inegável para a melhoria da imagem do conjunto das empresas do

campo da produção siderúrgica de Carajás” (Ibid, p.331), atuando na legitimidade da

produção destas empresas, sobretudo em relação ao seu principal mercado consumidor, muito

suscetível a crítica social, ao passo que consomem 80% de todo o ferro gusa produzido na

Amazônia oriental (SANTOS, 2010).

A intensificação da legislação estatal (no âmbito ambiental e trabalhista), a atuação

de organizações não governamentais, como o CDVDH, que passa a desempenhar um papel

importante na região através de ações voltadas para a erradicação do trabalho escravo –

contribuindo para que a MRH onde se localiza Açailândia passasse a liderar, em termos de

denúncias e estabelecimentos com constatações de escravidão contemporânea, o ranking no

Maranhão (MOURA, 2006) -, as ações desempenhadas pelo Sindicato dos Trabalhadores nas

Indústrias de Reflorestamento para Carvão Vegetal (STIRCV) a partir do inicio dos anos 2000

– em operação no Maranhão, Pará, Tocantins, Piauí e Mato Grosso -, e as repercussões na

mídia internacional, conformaram-se num “trabalho social da sociedade sobre si mesma”,

operando como constrangimentos às modificações postas em prática pelo poder corporativo.

Quando ‘fechou’ as entidades, sindicato batendo de um lado, Centro deDefesa [CDVDH] batendo do outro, governo do outro, as coisas seencaixaram, tinham que se encaixar. Senão se encaixassem... E o própriopolo siderúrgico, com tanta cobrança, porque não é só aqui no Brasil oproblema, é [mexe com] exportação; e quando tu exporta tu tem queapresentar como é que está sendo feita a tua matéria-prima. Lá fora, o povoque compra quer saber como está sendo feita. Então, já havia essa grandedinâmica do polo siderúrgico de tentar se organizar, para depois não estáaparecendo lá fora formando matéria-prima com trabalho degradante. Deuuma grande alavancada. (Silvestre Soares, diretor do Sindicato dosTrabalhadores nas Indústrias de Reflorestamento para Carvão Vegetal -STIRCV, 02/12/2014).

Na primeira metade da década de 2000, este processo culminou no inicio da

formalização das relações de trabalho, a princípio, entre os produtores independentes:

A gente começou a abrir os olhos do próprio empregador. E isso levou auma dinâmica muito grande. Em 2004 mais ou menos, eu recebi aqui no

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sindicato mais empregador do que empregado, porque foi uma época que oMinistério do Trabalho arrochou mesmo. Em 2004 (...) E nisso, o queaconteceu? Espantou eles. Aí eles vinham aqui, “Silvestre como é que eufaço?”, “Ah, tu quer se organizar? Tu vai ter que fazer isso e isso. Seorganiza cara! (...) É tu que tem que se organizar. Acabou esse negócio deestar utilizando o trabalhador de qualquer jeito”, eu falava pra eles(Silvestre Soares, diretor do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústriasde Reflorestamento para Carvão Vegetal - STIRCV, 02/12/2014).

A partir da segunda metade dos anos 2000, o processo de destercerização é posto em

prática por empresas siderúrgicas de Açailândia, ocasionando num processo de incorporação

das etapas de produção e fornecimento de carvão vegetal; findando a dependência da rede

pulverizada de produtores independentes (RAMALHO; CARNEIRO, 2015). Em Açailândia,

apenas a Fergumar, ainda de portas fechadas desde a crise global de 2008, não conseguiu sua

autossuficiência em termos de produção de lenha reflorestada. A Fergumar não acompanhou a

estruturação para produzir carvão com madeira reflorestada e nem outros processos

tecnológicos adotados pelas empresas ainda em funcionamento, tornando-a defasada e a sua

produção mais onerosa frente às demais:

A Fergumar é mais grave, porque eles não tem uma fazenda de eucalipto,não tem uma sinterização, não tem uma termoelétrica, não tem uma injeçãode carvão, não tem outros produtos para baratear o custo de produção dogusa. Se fossem ligar hoje, a Fergumar para funcionar e produzir, seria asiderúrgica que teria o gusa num custo de produção mais alto do que asdemais. A que tem o custo mais baixo é a Gusa Nordeste que faz atécimento (Jarlis Adelino, 12/05/2014).

A incorporação da produção de carvão vegetal pelas siderúrgicas indica para uma

maior viabilidade da produção, tendo em vista a fiscalização operada pela crítica social e por

órgãos estatais, sobre as irregularidades ambientais e trabalhistas que a produção terceirizada

de carvão ocasionava. Incorporação esta que não se observa entre as siderúrgicas de Marabá

(PA), pois não investiram na autossuficiência do abastecimento de carvão vegetal como

forma de se adaptar a intensificação da fiscalização ambiental, tendo por resultado o

fechamento (definitivo ou temporário) de oito das suas onze empresas siderúrgicas

(SANTOS, 2015; RAMALHO; CARNEIRO, 2015).

Neste aspecto, as siderúrgicas de Açailândia formaram empresas específicas para

esta atividade produtiva: o Grupo Queiroz Galvão estruturou a “Energia Verde Produção

Rural Ltda.”, a Viena Siderúrgica a “Viena Carbonização” e a Gusa Nordeste (grupo

Ferroeste) a “G5 Agropecuária” que processam de forma direta a carbonização do carvão. As

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duas primeiras empresas são, segundo informações do STIRCV, as principais empregadoras

da mão de obra que trabalha na atividade de reflorestamento/carvoejamento em Açailândia.

Conforme adiantado, as atividades de reflorestamento são terceirizadas em fazendas de

propriedade dos grupos siderúrgicos - distribuídas entre Açailândia e os municípios

adjacentes17:

a parte de carvoejamento, que é a carbonização do carvão, a Pindaré, que édo grupo Queiroz Galvão, eles administram; e a parte de reflorestamento éterceirizado. A Energia Verde que é uma empresa da própria QueirozGalvão, que a Queiroz Galvão criou só pra dizer assim: “tu vai mexer sócom isso”, aí ela contrata eles para fazer o serviço; essa empresa QueirozGalvão contrata para fazer o serviço: plantio, manutenção, corte ecarregamento. A parte da carbonização é com a própria Queiroz Galvão(Silvestre Soares, diretor do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústriasde Reflorestamento para Carvão Vegetal - STIRCV, 02/12/2014).

O processo de desterceirização e incorporação do abastecimento de carvão vegetal

pelas siderúrgicas ocasionaram efeitos no mercado de trabalho que lhe está relacionado,

causando modificações substanciais se comparadas à forma como este transcorria antes deste

processo. É sobre estas modificações que o próximo tópico concentra-se.

2.2.3 Do trabalho escravo ao emprego formal18: mercado de trabalho e produção de

carvão vegetal na Amazônia maranhense

O processo de desterceirização e a consecução da auto-suficiência no fornecimento

de carvão vegetal pelas indústrias siderúrgicas de Açailândia foram, conforme apresentado,

atingidos muito por conta da crítica social e pela ação estatal direcionada a dois traços que por

um longo período marcou a produção siderúrgica na Amazônia: irregularidades ambientais

(extraindo lenha, por vezes, de terras indígenas, unidades de conservação, áreas de

17A Energia Verde e a Viena Carbonização possuem boa parte de suas fazendas nas adjacências de Açailândia,em municípios como Bom Jesus das Selvas, Buriticupu e Itinga. Ao contrário, a G5 Agropecuária de propriedadeda Gusa Nordeste concentra suas fazendas na MRH do Alto Mearim e Grajaú, em municípios como Barra doCorda e Grajaú. Existe uma ininterrupta busca das siderúrgicas de Açailândia por áreas de plantio. Por situarem-se onde o bioma amazônico é predominante, estas esbarram em algumas restrições ambientais. Na Amazônia, aárea a ser destinada para reserva legal chega a 80% de toda a sua extensão; percentual que cai no cerrado (20%),caatinga (20%), e no nordeste e centro-oeste (35%) (CAMPOS, 2012 apud SANTOS, 2015).18Emprego formal ou “formalização das relações de trabalho” aqui está entendido como a homogeneização dascondições de trabalho sob os parâmetros estabelecidos pela CLT. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)surgiu na década de 1930 no contexto do ideário corporativista do Estado de Getúlio Vargas. Consistindo emregras unilateralmente definidas pelo Estado, a CLT surge para regular os diversos aspectos das relações detrabalho: “Essas normas instituem direitos materiais que asseguram proteções ao trabalhador relativas àcontratação, utilização, remuneração e demissão. Instituem também direitos formais que proporcionam váriasgarantias consubstanciadas em organizações como os sindicatos e os órgãos da inspeção e da justiça laboral”(CAMPOS, 2013, p.73).

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preservação permanente etc.) e trabalhistas (com casos de trabalho escravo contemporâneo).

O desmonte da rede de fornecimento, que variava entre fornecedores autônomos e entre

fazendas de propriedade ou arrendadas pelos próprios grupos guseiros (CARNEIRO, 1997,

2013), através do aumento da aquisição de fazendas para autoabastecimento de carvão,

favoreceu o processo de formalização das relações de trabalho na atividade carvoeira

(RAMALHO; CARNEIRO, 2015).

Entretanto, a desterceirização do fornecimento de carvão vegetal proporcionou

modificações não somente nas relações de trabalho circunscritas a esta atividade, mas,

inclusive, no mercado de trabalho que a circunda. As ocupações relacionadas à produção de

carvão (tabela 5 e 6) apresentaram mudanças em aspectos como intermediação de mão de

obra e na exigência de formação profissional para a ocupação dos cargos. A intermediação de

mão de obra antes e depois do processo de formalização das relações trabalhistas revela a

atuação de formas distintas de mecanismos de coordenação (CARDOSO, 2013) neste

mercado de trabalho.

No período pré-formalização – ou anterior a desterceirização - das relações de

trabalho, a coordenação é exercida amplamente pelo mecanismo da sociabilidade, entendida

como as redes sociais tecidas entre os participes deste mercado, sobretudo entre familiares,

amigos e/ou entre estes e os recrutadores de mão de obra (“gatos”) para os trabalhos nas

carvoarias. Antes do processo de desterceirização, a presença dos “gatos”/empreiteiros no

recrutamento de mão de obra para a atividade carvoeira era marcante. A prática destes

recrutadores dava-se diretamente nos bairros e logradouros públicos de Açailândia,

utilizando-se, por vezes, de instrumentos de publicidade (como anúncios em rádios e “carros

de som”), convocando pessoas para as vagas em aberto. Em outras situações, o recrutamento

dava-se face to face com os trabalhadores na rodoviária municipal ou em hotéis situados na

sua proximidade - os chamados “hotéis pioneiros”. Ambos os lugares eram ponto de encontro

entre os desempregados e os recrutadores19.

Como que se dava o aliciamento de quem estava nessas propriedades,nessas carvoarias (...) Era muito fácil. Eram grupos de pessoas que estavamali, [e] alguém chegava fazendo a promessa, chamando pra trabalhar,oferecia trabalho, um monte de pessoas sem emprego (...) e iam. A questãode rádios que divulgavam bastante, os carros de som, “ah, a empresa tal está

19Ressaltamos que esta prática de recrutamento não se destinava apenas para os trabalhos em carvoarias, mastambém para os trabalhos na atividade pecuária, em geral, voltados para o preparo do pasto e construção decercas. Da mesma forma, não se quer alegar aqui que a prática do trabalho escravo terminou na região, haja vistaque atividades como pecuária e construção civil são ainda hoje apontadas pelos membros do CDVDH comorecorrentes neste tipo de prática; mas apenas que na atividade carvoeira houve uma modificação substantiva nasrelações de trabalho e processo de recrutamento com o inicio do processo de desterceirização da produção docarvão.

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recrutando pessoas, o fulano de tal, seu ‘X’ está contratando pessoas pratrabalhar em carvoarias, nas fazendas”. E também, [tinha] a questão doshotéis. Os hotéis, que eram chamados de ‘hotéis pioneiros’, onde reunia umgrande número de homens desempregados ou que não estavam mais a fimde ficar naquele local, ir pra outros lugares; chegando aqui em Açailândia,ficavam nos hotéis pioneiros. Quem tinha terras, quem tinha trabalho praoferecer, carvoarias, ou fazendas, chega[va] lá e já reunia vários homens,conversava com os proprietários das pensões, dos hotéis, e facilitava ali ocontato rapidinho (...) na proximidade da rodoviária de Açailândia tinhavárias pensões, vários hotéis baratinhos. Então, esses hotéisfacilitavam muito o rodízio de pessoas. Há a presença de muitoshomens ali sem trabalho, na rodoviária, nas calçadas dos hotéis (...)(Brígida Rocha, assistente social do Centro de Defesa da Vida e dosDireitos Humanos de Açailândia, 02/12/2014).

Nestas circunstâncias, a regulação do mercado de trabalho para a atividade carvoeira

estava imerso (embeddedness) nas relações sociais (GRANOVETTER, 2009), na medida em

que não dispunha de amplos mecanismos de coordenação formalizados (leis, agências

governamentais ou particulares de intermediação de mão de obra, contratos, meios materiais e

virtuais de circulação de informação – jornais, sítios eletrônicos, etc.), que permitissem o

movimento de desencaixe e autonomia frente às relações pessoais e, muitas das vezes,

personalizadas (GROSSETTI, 2009). No processo de intermediação de mão de obra, as

relações interpessoais entre os atores centrais deste processo – “gatos”, familiares e amigos –

mostrava-se determinante para conseguir-se ocupar na atividade carvoeira (CARNEIRO,

2013).

Antes do inicio do processo de desterceirização em Açailândia, uma das

características das relações de trabalho encontradas nas carvoarias era o mecanismo de

imobilização e dependência da mão de obra frente ao “gato” por conta do endividamento na

cantina (CARNEIRO, 2013; FILHO et al., 2011). A ausência ou escassez de mecanismos

objetivados e institucionalizados na regulação da relação de trabalho (ponto eletrônico,

carteira de trabalho, contrato de trabalho, etc.), possibilitava que a regulação do trabalhador

no local de trabalho ocorresse através da recriação da dominação via coação física e

psicológica e no cerceamento da possibilidade de ir e vir por meio da interação face a face20

(BOURDIEU, 2002), neste caso, entre o “gato” e o trabalhador.

20Embora um grau mínimo de objetivação pudesse ser encontrado na regulação das relações de trabalho entre“gato” e trabalhador. A utilização pelo “gato” de um caderno para controlar as faltas/atrasos dos trabalhadores –e as correspondentes punições – é constatado por Carneiro (2013) ao entrevistar um garoto que trabalhava numacarvoaria enchendo forno: “Eu saio daqui (de casa) 6 horas, aí pra começar lá 7 horas (...) Tem que ser semprecertinho. Se atrasar ele bota lá num caderno que ele escreve lá, desconta no dia (...)” (p.147).

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A exigência de qualificação nesta situação é mínima. A relação entre uma baixa

escolarização e as necessidades prementes de subsistência familiar, era apontada como um

importante elemento para a reprodução do trabalho em carvoarias (CARNEIRO, 2013), não

raro ser passado de pais para filhos e/ou de irmãos para irmãos. A baixa escolarização e

formação profissional restringem o leque de oportunidades geradas no mercado regional para

esses trabalhadores, os levando a ocupações como as existentes nas carvoarias (Idem).

Toda a imersão e coordenação operada pela sociabilidade e relações interpessoais

neste momento da atividade carvoeira e do seu mercado de trabalho, enfatiza um aspecto

candente da informalidade no mercado de trabalho de Açailândia. Na análise de Cardoso

(2013), a “informalidade” é caracterizada pela cooptação que os laços familiares e as redes de

relações pessoais causam na organização da empresa, no processo de recrutamento,

contratação e coordenação geral do mercado de trabalho se comparadas a outros mercados

onde prevalece a informação adquirida através de anúncios de jornais, sindicatos, agências de

emprego, etc., com uma maior restrição da sociabilidade.

Apesar de que, no Brasil considera-se “trabalho formal” quando a carteira de

trabalho é assinada, pois se subtende que o empregador está seguindo o compromisso moral

de seguir a legislação do trabalho (NORONHA, 2003), tomamos a predileção por analisar a

informalidade na atividade carvoeira pelo viés das formas de coordenação predominante nas

relações de trabalho. Há casos em que o trabalhador constatado em situação de escravidão

contemporânea possui a carteira de trabalho assinada, mas outros requisitos são suficientes

para enquadrá-lo numa situação trabalhista irregular (condições de alojamento, alimentação,

cerceamento da liberdade de ir e vir).

Após a desterceirização da produção de carvão vegetal, é possível observar um

aumento no número de empregados formais entre trabalhadores das atividades agropecuárias

e florestais (as quais estão inclusos os trabalhadores do reflorestamento e carvoejamento). O

gráfico 10, mostra a comparação da evolução do emprego formal entre trabalhadores

agropecuários e florestais e os trabalhadores do setor da indústria. Observa-se que após o ano

de 2010, ano de maior baixa nas exportações do gusa, há um crescimento acentuado no

estoque de empregos para trabalhadores das atividades agropecuárias e florestais (saindo de

1.869 empregados em 2010 para 4.036 em 2012); o que coincide com o momento da

incorporação e formalização das atividades de reflorestamento/carvoejamento e da retomada

das exportações de ferro gusa num maior nível. As tendências de crescimento e decrescimento

do estoque de empregos nas duas atividades são semelhantes. Em ambos os casos, o emprego

formal volta a crescer com a recuperação das exportações de ferro gusa a partir de 2011.

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Gráfico 3: Comparação da evolução do emprego industrial e florestal com a exportação de ferro gusa.

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Trab. agropecuários e florestais Trab. da prod. bens e serv. industriais Exportação de Ferro-gusa (em mil ton)

Fonte: Data Social (MDS) apud Ramalho; Carneiro (2015).

O processo de formalização das relações de trabalho na atividade de produção de

carvão entre as siderúrgicas trouxe para este grupo de trabalhadores uma situação trabalhista

mais amparada nos trâmites da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), na medida em que

foi estabilizado um piso salarial e adquiridos benefícios trabalhistas, como hora extra,

adicional noturno e insalubridade, bem como a firmação de um acompanhamento sindical. O

contraste da situação atual é, contudo, com relação a situações de espoliação do trabalhador,

muitas vezes envolvidas com escravidão contemporânea, que por muito tempo predominou na

produção de carvão vegetal no âmbito da cadeia de produção do ferro gusa na Amazônia

oriental.

Hoje, eu diria que o setor de carvoaria está, visto ao que era (...) umamaravilha. Hoje o trabalhador tem carteira assinada, têm direitos. Hoje opadrão de vida dele nem se compara ao padrão de vida de antigamente.Então, hoje melhorou demais. Mas no começo tivemos muita dificuldade.Foi luta, foi garra, para chegar ao que chegamos hoje. Tinha uma grandedificuldade na época porque a maior parte dos trabalhadores não tinham

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[nem] documento. Você chegava num trabalhador e não tinha às vezes nemcertidão de nascimento (Silvestre Soares, diretor do Sindicato dosTrabalhadores nas Indústrias de Reflorestamento para Carvão Vegetal -STIRCV, 02/12/2014).

O processo de formalização trouxe reflexos na intermediação de mão de obra, onde

meios formalizados e impessoais de recrutamento passam a desempenhar uma importante

função. Embora o desencaixe das relações sociais não seja completo, tendo em vista que

sempre existe possibilidade de se empregar através da indicação de algum conhecido, estas já

não centralizam a regulação do processo de intermediação. Nesse momento, a intermediação

de mão de obra passa a basear-se no currículo e na carteira de trabalho, onde é possível

materializar as biografias ocupacionais dos trabalhadores, sendo depositados no SINE e/ou

diretamente nas empresas. A importância de uma agência de emprego como o SINE passa a

ter importância na medida em que é uma alternativa para as empresas terceirizadas

contratarem seu contingente de mão de obra, que, em geral, trabalham no máximo por cerca

de oito/nove meses.

Embora aspectos do mercado de trabalho do carvoejamento tenham se modificado,

alguns trabalhadores, entretanto, não. Isto porque alguns dos que hoje estão empregados na

atividade carvoeira já haviam trabalhado antes do momento da desterceirização, chegando,

inclusive, a serem “resgatados”.

A exigência de formação profissional para a ocupação de determinadas atividades,

passa a ser um aspecto marcante na hierarquia salarial da atividade carvoeira. Antes mesmo

da desterceirização desta atividade ser iniciada, a qualificação dos trabalhadores do

carvoejamento foi uma exigência do STIRCV às siderúrgicas, logo nos seus primeiros anos,

por conta do alto risco de acidente existente, por exemplo, em ocupações que mexiam com

máquinas. Os grupos siderúrgicos fizeram uma parceria com o SENAI para oferecer estas

qualificações.

Nas ocupações que necessitam de menor formação, não há cursos específicos, mas

apenas instruções sobre normas de segurança e uso correto dos Equipamentos de Proteção

Individual (EPI), como é o caso de “quem mexe no ramo de encher forno e tirar forno, não é

preciso uma qualificação. Porque é uma coisa simples (...) o treinamento que o técnico de

segurança dá, já é suficiente” (Silvestre Soares, 02/12/2014).

Na tabela abaixo, é possível observar os empregos existentes na atividade carvoeira

hoje em dia. Algumas das ocupações presentes antes da formalização das relações de trabalho

ainda permanecem. As ocupações que lidam com algum tipo de maquinário (Operador de

Máquina Pesada/Carvão, Operador de Máquina Pesada/Grua, Motorista-Transporte de Lenha

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e outras) possuem um maior salário, em contraponto com as que não necessitam da utilização

de algum tipo de equipamento específico e que possuem uma remuneração menor (R$ 734

00), como é o caso de Barrelador, Cozinheira e Ajudante Geral. Estas últimas representam o

piso salarial destes empregados, firmado no ano de 2014 em acordo coletivo entre o sindicato

e a empresa Energia Verde Produção Rural Ltda. Os valores salariais firmados neste acordo

estão apresentados na tabela 1.

Tabela 1: Ocupações e salários na atividade de carvoejamento na empresa Energia VerdeProdução Rural Ltda.

Fonte: ACORDO COLETIVO DE TRABALHO 2014-2015, ENERGIA VERDE – PRODUÇÃO RURALLTDA. E SINDICATO DOS TRABALHADORES NA INDÚSTRIA DE CARVÃO VEGETAL DO PARA,MARANHÃO, PIAUI, TOCANTINS E MATO GROSSO.

Entretanto, os avanços na situação trabalhista não deixam escapar alguns elementos de

precariedade21 nas ocupações relacionadas ao reflorestamento e carvoejamento, destacando-se

a grande rotatividade existente nestas atividades. O alto nível de admitidos e demitidos nestas

ocupações as faz figurar entre os piores saldos do território produtivo de Açailândia.

A rotatividade nas atividades de reflorestamento possui uma lógica diferenciada da

existente nas ocupações do carvoejamento. Nesta, a rotatividade liga-se também a questões

21Utilizamos as variáveis empregadas por Cardoso (2013) - salários baixos, alta rotatividade, baixa qualificação,uso predatório da força de trabalho - para associar uma ocupação à precariedade.

FUNÇÃO SALÁRIO (em R$)Carbonizador 910,62Operador de Motosserra 910,62Batedor de Tora 747,85Forneiro (Enchedor de Forno) 747,85Empilhador 747,85Barrelador 734,00Cozinheira 734,00Encarregado de Turma 910,62Auxiliar de Encarregado 742,51Operador de Trator de Pneu 910,62Motorista 1.15331Motorista-Transporte Lenha 1.260,70Laboratorista 910,62Pedreiro-Forno 819,69Carpinteiro 1.080,04Balanceiro 773,22Operador de Máquina Pesada/Grua 1.232,02Operador de Máquina Pesada/Carvão 1.281,46Encarregado de Transporte-Lenha 910,62Operador de Máquinas Pesadas 1.005,48Ajudante geral/Trabalhador Florestal 734,00Torrista 807,40

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climáticas da região. O auge da produção de reflorestamento é nos seis primeiros meses do

ano – correspondente ao período de chuva na região amazônica. Na atividade de

carvoejamento a rotatividade está relacionada à finalização do processo de carbonização do

estoque de lenha reflorestada de uma fazenda, isto é, quando se carboniza toda a linha de

plantação que uma fazenda pode oferecer para carbonizar. Ao se finalizar a linha de produção

em uma fazenda, a próxima a ser carbonizada, em geral, fica em outro município, tornando,

muitas das vezes, inviável a transferência dos trabalhadores de uma fazenda para outra.

Embora, tanto nas atividades de reflorestamento quanto de carvoejamento, a rotatividade

esteja sempre relacionada ao desgaste físico do trabalhador.

A questão da rotatividade é destacada pelo diretor do Sindicato dos Trabalhadores

nas Indústrias de Reflorestamento para Carvão Vegetal (STIRCV) em Açailândia, que a

relaciona sobretudo ao nível de desgaste físico ocasionado por estas ocupações; estando a

rotatividade, neste caso, inserida na própria estratégia de repouso do trabalhador – período

este em que recebe o seguro-desemprego:

A rotatividade é grande [...]. No setor de carvoaria, as grandes empresasfazem o seguinte: cada fazenda tem sua atividade, o seu forno, a sua equipetrabalhando. Quando encerra todo estoque, carbonizou tudo, o que elesfazem? Demitem todo mundo.[...] Quando essas fazendas voltam afuncionar de novo eles voltam lá...[...] Não é que eles demitem todo mundo,porque a fazenda não pode ficar sem gente. Tem sempre uma equipe lá: temgente de manutenção, tem gente de plantio, do próprio carvoejamento. Masa maior parte é... Tem uns três meses que a Energia Verde fez umasquinhentas demissões. Mas é o seguinte: quinhentas demissões e contrataseiscentos. Por isso que te digo que a rotatividade é grande. Acabou dedemitir aqui e quando deu oito dias já estavam contratando gente. “Quediabos é isso? Porque não aproveita esse povo daqui pra lá?” “não Silvestre,sabes porque? Porque o povo já estava com mais de dois anos e tem quedescansar”. E é verdade, tem razão. [...] O próprio trabalhador diz “não, euquero dar uma descansadinha. Quero dar um tempozinho”. Aí ficam lárecebendo o seguro-desemprego deles e tal. Dão uma descansada (SilvestreSoares, diretor do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias deReflorestamento para Carvão Vegetal - STIRCV, 02/12/2014).

Apesar das modificações consideráveis nas condições de trabalho nas atividades de

reflorestamento e carvoejamento, estas não deixaram de serem atividades com características

as quais se atribuem precariedade. Em laudos recentes do Grupo de Fiscalização Móvel

(GEFM), foram constatadas irregularidades trabalhistas em fazendas da empresa Viena

Carbonização, sobretudo relacionadas à extensão da jornada de trabalho, falta de descanso

semanal adequado e não pagamento de horas extras (RAMALHO; CARNEIRO, 2015). O que

demonstra que, antes e depois da desterceirização, são atividades de labor desgastante para o

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trabalhador, com alguma incidência ainda de irregularidades na gestão das relações de

trabalho.

2.3 O processo de verticalização da produção siderúrgica

O processo de verticalização no âmbito da industrialização da Amazônia oriental

significa a incorporação, por uma indústria, de parte de sua cadeia produtiva; o que neste caso

representa o beneficiamento do minério de ferro ou ferro gusa em processos produtivos

(metalúrgicos) mais avançados (CARNEIRO, 2013). No polo siderúrgico de Açailândia, este

processo está representado pela iminência do funcionamento da Aço Verde Brasil, de

propriedade do grupo Ferroeste de Minas Gerais. Com previsão para iniciar as operações no

segundo semestre de 2016, a aciaria vai permitir a agregação de valor através da

transformação do ferro gusa em aço e laminados, com produção inicial estimada em 600 mil

toneladas anuais.

A construção da aciaria vem ocorrendo com apoio de financiamento do Banco

Nacional do Desenvolvimento (BNDES), além de subsídio de isenção fiscal (ICMS22 –

Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre prestação de Serviços). Entretanto, segundo

informações do engenheiro responsável pela instalação da aciaria, Sandro Raposo, a maior

parte do investimento provém de recursos próprios do grupo Ferroeste, inclusive aqueles

destinados a infraestrutura23 (como linhas de transmissão de energia elétrica, por exemplo). O

montante de recurso próprio aplicado pelo grupo Ferroeste foi de R$ 50.000.000, 00.

O processo de implantação da aciaria representa um momento à parte no processo de

estruturação do território produtivo de Açailândia, pois se relaciona com a possibilidade de

materialização da expectativa lançada sob a região da Amazônia oriental desde os tempos do

PGC: a verticalização e agregação de valor da produção sídero-metalúrgica. A Aço Verde

Brasil será a primeira aciaria integrada a operar em Açailândia. Isto significa que o não

encadeamento “para frente” na cadeia de produção do ferro gusa (isto é, a produção de

22A isenção de ICMS faz parte da política de incentivo a atividades industriais, do Governo do Estado doMaranhão. O benefício, voltado tanto para projetos em consolidação quanto na finalidade de atrair novosempreendimentos, destina-se a indústrias que queiram se instalar no estado, e que podem receber até 75% deisenção fiscal por um período de 15 anos (VALOR ECONÔMICO MARANHÃO, 2010).23Apesar de que no inicio da industrialização na Amazônia oriental os recursos oriundos do governo ter sidomassivos, o poder corporativo vem reclamando da falta de um apoio maior dos governantes neste sentido. Osinvestimentos em infraestrutura (energia elétrica, asfaltamento de vias) seria, do ponto de vista dos empresários,uma espécie de “doação” para o governo: “(...) a infraestrutura cem por cento é feita pelo governo, por quê?Porque ele está fomentando um novo negócio (...), aqui, como eu te falei, foi feito com recurso próprio, até essalinha de transmissão [de energia elétrica] (...) Foi do nosso bolso, nós estamos doando pro governo” (SandroRaposo, 20/01/2015).

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produtos acabados em aço), fato insistentemente constatado pelos autores que estudaram

industrialização na Amazônia oriental nas últimas décadas, pode estar em vias de corporificar-

se, também em Açailândia24.

Se, a princípio, a produção siderúrgica na Amazônia oriental teve como principal

catalisador a Vale S/A, nos últimos anos esta empresa vem recebendo críticas de movimentos

sociais e setores empresariais, pela falta de uma maior envergadura no sentido de possibilitar

a verticalização da produção do minério de ferro, bem como de toda a produção siderúrgica

que se encontra no seu enclave produtivo (CARNEIRO, 2013; SANTOS, 2015). No entanto,

não é possível restringir a não verticalização da produção sídero-metalúrgica apenas a esta

empresa. Um processo produtivo siderúrgico que gera uma maior agregação de valor e

dinamização da economia local parece ter esbarrado em outra realidade que perdurou por

décadas: o alto faturamento angariado através da produção siderúrgica primária voltada para o

mercado externo (exportação):

(...) estava muito bem o mercado de ferro-gusa, estava exportando, chegou aoitocentos dólares uma tonelada do gusa. Então, assim, sempre estavafaturando muito bem, não tinha porque, como eu vou dizer, quererverticalizar. Não tinha motivo nenhum (...) (Sandro Raposo, engenheiro daAço Verde Brasil, 20/01/2015).

O ano de 2007 representa o cume desse faturamento, sendo seguido pelo declínio

das exportações em 2008. Conforme apresentado, a atividade siderúrgica na Amazônia

oriental obteve toda a sua força e debilidade, sobretudo, através do mercado norte-americano

de produção de aço. Em meio à crise global, o grupo Ferroeste lançou a proposta de

verticalizar a produção, como uma alternativa à dependência e oscilações do mercado externo,

reorientando parte da sua produção para o mercado interno (região Sudeste/Sul do país):

A verticalização torna possível estabilizar todo o polo siderúrgico de Açailândia, na

medida em que o projeto da Aço Verde Brasil adota uma rota tecnológica baseada em ferro

gusa produzido a base de carvão vegetal. Ou seja: a larga produção anual estimada para a

aciaria utilizará como insumo fundamental um produto abundante no polo de Açailândia.

Uma aciaria desse porte produtivo traz a possibilidade da demanda por serviços

industriais auxiliares, atividades do setor de serviços (como transporte, alimentação e

hotelaria) e o próprio comércio aumentarem sua movimentação e rentabilidade, bem como

dinamizar o mercado de trabalho destes setores. A expectativa do poder corporativo é que a

24Também em Açailândia, pois a Sinobrás, de propriedade do grupo Aço Cearense, localizada em Marabá,instalou uma aciaria elétrica a base de sucata em 2008. Em 2013 já possuía capacidade de produção de 400 miltoneladas de aço (SANTOS, 2015).

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Aço Verde Brasil tenha capacidade suficiente para dinamizar a economia local, inclusive,

dobrando o PIB municipal que, como apresentamos, oscilou nos últimos anos conforme as

oscilações do faturamento do setor da indústria (entre 2009 e 2010, o valor agregado do PIB

municipal cai no mesmo momento de desaquecimento das exportações de ferro gusa, e

reaquece a partir de 2011, consoante a retomada das exportações num melhor nível).

A estimativa gerada em meio a atores locais confirma a expectativa de dinamização

que a Aço Verde Brasil pode trazer para a economia de Açailândia. Ao lado da importância

que a atividade siderúrgica possui no desempenho econômico de Açailândia, está sempre

colocada a sua vulnerabilidade frente às oscilações do mercado externo:

Eu acho que nós vamos sair do “leite” [produção primária] para o “doce deleite” [produção com valor agregado]. Vamos deixar de tomar leite e passara comer do doce de leite, vai ser muito mais apurado. Pode ser aoportunidade de reativar todas que estão paradas, e essas que estãofuncionando 50% podem funcionar 100% [da capacidade produtiva].Açailândia e a região sul do Maranhão está dependendo do sucesso daAciaria. Porque se fosse depender somente do mercado externo, o negócionão está muito bom pra gente não. É a chance de não dependermos tantodos Estados Unidos, porque a maioria é vendida para os Estados Unidos, emercado interno tem muito para vender; o consumo é muito grande. Todosnós aqui, os empresários, os trabalhadores, os gestores municipais, opróprio governo do estado, está todo mundo apostando as fichas nestaaciaria, porque ela tem capacidade para 600 mil toneladas por ano (JarlisAdelino, 12/05/2014).

Percebe-se que a verticalização da produção siderúrgica em Açailândia mostra-se ser

um processo esperado tanto pelo poder corporativo quanto pelo coletivo. O mesmo poder que

constitui as suas pautas reivindicatórias baseado na crítica ao parco elo que o modelo de

desenvolvimento colocado em prática em Açailândia proporcionou na economia local, e pelas

externalidades ambientais/trabalhistas que ocasionou. Para esses atores locais, a aciaria

representa uma oportunidade do “desenvolvimento” preencher uma lacuna maior, frente à

economia e sociedade de Açailândia. Representa a oportunidade de ampliação do valor25 e

uma maior capacidade de capturá-lo localmente (HENDERSON et al., 2011) e, assim,

partilharem de uma maior parcela nos direitos de propriedade dos lucros (FLIGSTEIN, 2001)

que ali são gerados pela produção siderúrgica.

A estimativa de a aciaria gerar 1.000 postos de trabalho, entre diretos e indiretos,

tem suas implicações. Na sua etapa de construção, intensificou o fenômeno de sazonalidade

25Neste caso, a ampliação do valor reside no aumento da capacidade de agregação de valor que o incremento detecnologia da aciaria traz, e no aumento ou criação de rede de firmas que esta possibilita localmente.

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de vagas de emprego no mercado de trabalho de Açailândia. Segundo informações do

STIMA, “no início, com a construção civil, terraplanagem e linha de montagem industrial

(...), em um momento maior, (...) eles estiveram com 2.000 funcionários” (Jarlis Adelino,

02/12/2015).

O número de vagas geradas cai drasticamente em termos de empregos diretos, tanto

por conta do nível de tecnologia e automação dos processos industriais, quanto pela prática do

grupo Ferroeste de aproveitar sua mão de obra interna. A previsão do grupo é de 380

empregos diretos. Deste montante, 150 passaram por qualificações específicas às exigências

de uma aciaria integrada, em parceria firmada com o SENAI local. Todos os que serão

empregados diretamente são funcionário da Gusa Nordeste, sofrendo apenas um

remanejamento para as atividades da Aço Verde Brasil. Estes funcionários obtiveram a

oportunidade de mobilidade na carreira de metalúrgico, na medida em que receberão um

salário melhor. Deste modo, o impacto no mercado de trabalho, de inicio, não será grande.

Neste primeiro momento, as vagas livres serão para repor os funcionários da Gusa Nordeste

que serão remanejados. A expectativa sobre o impacto que uma aciaria integrada pode causar

no mercado de trabalho local está num horizonte de alcance a médio/longo prazo; e relaciona-

se com a ampliação de valor (HENDERSON et al., 2011) que pode ser alcançado neste prazo:

(...) a nossa expectativa não é a aciaria em si, é pós aciaria. São outrasempresas que vão vim para trabalhar com um outro produto, chamado aço.São outras fábricas. Porque o aço está aqui [e] tem transporte pra todo ladoaqui; (...) Então, a nossa expectativa aqui é muito grande, mas amédio/longo prazo. Vou colocar de cinco/dez anos pra frente é que vaicomeçar a dar um impacto de melhor. (Jarlis Adelino, 02/12/2014).

O investimento do grupo Ferroeste na qualificação dos seus funcionários reflete o

interesse dessa empresa em favorecer a mão de obra local. Tanto na etapa da construção da

aciaria quando no momento do seu funcionamento, os esforços foram voltados para garantir

que o maior contingente de pessoas na operação da aciaria fosse da própria localidade. Fatores

como, o custo de trazer profissionais de outro estado, além da questão logística, familiar e da

adaptação na região que estes profissionais incluiriam, levaram ao favorecimento da mão de

obra local. Houve a necessidade de trazer profissionais de aciarias maiores de outros estados,

mas que foram utilizados como instrutores dos novos processos metalúrgicos em implantação.

Diante deste novo cenário, a Aço Verde Brasil, em conjunto das práticas gerenciais

do grupo Ferroeste de favorecer e investir na mão de obra local e interna representa uma

oportunidade de crescimento e qualificação profissional neste mercado de trabalho, num setor

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de atividade que andava saturado há anos, no que tange a inovação tecnológica e

diversificação de formação profissional. Apesar dos efeitos no mercado de trabalho ser,

inicialmente, parcos, a instalação de uma aciaria integrada corresponde à expectativa de

diferentes segmentos sociais, e traz a possibilidade da esperada verticalização da produção

siderúrgica como forma de dinamizar a economia local.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste trabalho apresentamos diferentes questões atinentes a formação da

estrutura econômica e composição populacional do território produtivo de Açailândia.

Percebe-se que, desde as obras de infraestrutura viária, que possibilitaram e catalisaram os

fluxos de migração para a região, até os programas de desenvolvimento econômico, a

estruturação deste território esteve permeada pelas ações empreendidas pelo Estado brasileiro.

As próprias atividades econômicas que, de tempos em tempos, tornavam-se

hegemônicas em Açailândia, eram aquelas que estavam sendo executadas sob os auspícios das

políticas governamentais de fomento. Da indústria madeireira até a atividade pecuária,

chegando às atividades da Estrada de Ferro Carajás (EFC) e do polo siderúrgico, foi se

formado um mercado de trabalho baseado nestas atividades. O mercado de trabalho de

Açailândia passou a ser visto por migrantes como uma possibilidade de por fim a sua

trajetória intermitente, por conta das chances de encontrar um emprego formal

(assalariamento).

O discurso propalado pelo Estado brasileiro sobre a industrialização na Amazônia

oriental, vislumbrado através dos esforços e metas do PFC e PGC, qual seja, de dinamização

da economia regional e geração de milhares de postos de trabalho, alteração no perfil de

distribuição de renda e diversificação das atividades econômicas localmente, teve como efeito

certeiro a produção de representações do território produtivo de Açailândia, como um

território de oportunidades de emprego formal.

O contraponto, insistentemente colocado por autores que se debruçaram sobre a

industrialização na Amazônia oriental, foi a não efetivação de todas as metas vislumbradas

pelo Estado. Ao contrário de ser um território de emprego em melhores condições, como

esperavam aqueles que migraram do final da década de 1970 ao inicio dos anos de 1990,

Açailândia ficou marcada e, logo, reconhecida globalmente, pelo trabalho em condições

precárias, inclusive em situação de escravidão contemporânea: o principal elo entre a

produção siderúrgica, instalada através de massivos suportes estatais, e a economia local

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(MONTEIRO, 1997). Mesmo aqueles que conseguiam se formalizar na atividade industrial,

não significava, necessariamente, que estavam em condições de trabalho melhores (CASTRO,

1995).

O território produtivo de Açailândia foi, em grande parte, estruturado por atores

exógenos. Depois dos primeiros fluxos migratórios que formaram o povoamento inicial, a

princípio, um distrito do município de Imperatriz, a partir dos anos de 1980 estes atores

exógenos ganham proeminência nesta estruturação. Estado e empresas passam a ser

protagonistas desse processo.

A maneira como os atores locais incorporaram esta estruturação, passa a ser

determinante a partir dos anos de 1990. A conformação de uma crítica social lançada sobre as

externalidades das atividades desempenhadas pela Vale S/A e pelo polo siderúrgico, foi a

forma pela qual, gradualmente, estes atores locais começam a participar do processo de

estruturação econômica de Açailândia. A formação de representações que atribuem a

responsabilidade das siderúrgicas às externalidades ambientais, sociais e trabalhistas, foi um

processo fundamental para a efetivação dos atores locais nesta estruturação.

As modificações em aspectos estruturais, tais como no processo produtivo e, por

conseguinte, nas relações e mercado de trabalho, é o resultado desta efetivação. Algumas

dessas mudanças, muito impulsionadas pelo trabalho social operado pelo poder coletivo,

talvez não fossem materializadas caso dependessem do viés da eficiência econômica. Como

constatado em escritos dos próprios locais, não se trata de querer a supressão das atividades

que ali se estabeleceram, mas sim de torná-las mais favoráveis a sociedade e economia de

Açailândia: mais postos de trabalho, melhores condições de trabalho, quer dizer, mais

próximas aos trâmites da CLT, e o conseqüente arrefecimento das externalidades que

produzem há anos.

É neste sentido que, embora os programas de desenvolvimentos lançados ao

território de Açailândia não tenham cumprido as metas que previam, estes cumprem o papel

fundamental, independente de aspectos valorativos, de todo o processo de desenvolvimento:

provocar mudanças seja elas econômicas ou sociais ou ambas. De uma forma ou outra, o PFC

e o PGC protagonizaram o processo de estruturação do território de Açailândia para aquém

(ou mesmo, para além) de suas expectativas, mas que não deixaram de produzir resultados

econômicos e sociais concretos. Estes resultados, que foram “encapados” pelas representações

dos atores locais de Açailândia, estão num ininterrupto processo de adaptação e

reconfiguração.

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As novas etapas de todo este processo, com ênfase na desterceirização da atividade

carvoeira, instalação da aciaria integrada e duplicação da estrada de ferro da Vale S/A, estão

em curso. Logo, pelo que constatamos no decorrer deste trabalho, a possibilidade do poder

coletivo em integrar esse processo de reconfiguração da estrutura econômica, está nas vias da

possibilidade.

REFERÊNCIAS

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BOSSI, D. Impactos e resistências em Açailândia, profundo interior do Maranhão, 2010.Arquivo do Autor.

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