GLAUCO GOMES DE MENEZES
AMBIENTE PEDAGGICO COLABORATIVO DO PORTAL DIA-A DIA EDUCAO: ANLISE DO MODELO DIDTICO-TECNOLGICO
Tese apresentada como requisito parcial obteno do grau de Doutor em Educao, Programa de Ps-Graduao em Educao, Setor de Educao, Universidade Federal do Paran. Orientadora: Profa. Dra. Tnia Maria
Figueiredo Braga Garcia
CURITIBA 2008
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GLAUCO GOMES DE MENEZES
AMBIENTE PEDAGGICO COLABORATIVO DO PORTAL DIA-A DIA EDUCAO: ANLISE DO MODELO DIDTICO-TECNOLGICO
Tese apresentada como requisito parcial obteno do grau de Doutor em Educao, Programa de Ps-Graduao em Educao, Setor de Educao, Universidade Federal do Paran. Orientadora: Profa. Dra. Tnia Maria Figueiredo
Braga Garcia
CURITIBA 2008
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN SISTEMA DE BIBLIOTECAS
COORDENAO DE PROCESSOS TCNICOS
Menezes, Glauco Gomes de Ambiente pedaggico colaborativo do Portal Dia-a-Dia Educao : anlise do modelo didtico-tecnolgico / Glauco Gomes de Menezes. Curitiba, 2008. 188f. : il. algumas color., tabs. Inclui bibliografia Orientadora: Prof Dr Tnia Maria Figueiredo Braga Garcia Tese (doutorado) Universidade Federal do Paran, Setor de Educao, Programa de Ps-Graduao em Educao.
1. Tecnologia da informao. 2. Professores - Formao. 3. Internet (Redes de computao). I. Garcia, Tnia Maria Figueiredo Braga. II. Universidade Federal do Paran. Setor de Educao. Programa de Ps-Graduao em Educao. III. Ttulo.
CDD 371.3028
Andrea Carolina Grohs CRB 9/1.384
MINISTERIO DA EDUCAC;:AO E DO DESPORTO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANA SETOR DE EDUCAC,:AO - UFPR PROGRAMA DE POS-GRADUA(:AO EM EDUCA(:AO
PARECER
Defesa de Tese de GLAUCO GOMES DE MENEZES para obtencao do Titulo de DOUTOR EM EDUCAC;Ao. Os abaixo-assinados, DRa TANIA MARIA FIGUEIREDO BRAGA GARCIA, DR. HILTON JOSE SILVA DE AZEVEDO, DRa
MARIA TEREZA CARNEIRO SOARES, DRa MARIA AUXILIADORA MOREIRA DOS SANTOS SCHMIDT e DRa GISELE PINNA BRAGA argiiiram, nesta data, 0 candidato acima citado , 0 qual apresentou a seguinte Tese: "AMBIENTE PEDAGOGICO COLABORATIVO DO PORTAL DIA-A-DIA EDUCA
iii
Cinthya, minha amada esposa, pois sem seu amor e companheirismo
eu no teria iniciado esta jornada e, muito menos, chegado ao seu fim.
minha to amada filhinha Maria Eduarda, que no auge da sabedoria de uma criana de dois anos, me fez entender que entre a raiz e a flor, h o tempo.
minha me pedagoga e professora da escola pblica cujos passos,
despercebidamente, segui.
Ao meu irmo Basileu, por estar presente em todos os momentos.
iv
AGRADECIMENTOS Professora Tnia Braga, brilhante orientadora e professora, e, acima de tudo, um exemplo do PROFESSOR que venho buscando me tornar. Dolinha, por ter acreditado no meu trabalho e me colocado no caminho desta pesquisa. Aos professores Hilton Jos Silva de Azevedo, Maria Auxiliadora Schmidt, Maria Tereza Carneiro Soares, Glaucia da Silva Brito e Gisele Pinna Braga pela leitura criteriosa desta tese, e pelas importantes contribuies e reflexes apresentadas. Secretaria de Estado da Educao do Paran, por ter autorizado a realizao desta pesquisa. Aos professores, servidores tcnico-administrativos e colegas do PPGE, pela convivncia profcua e respeitosa nestes ltimos quatro anos. Ao Claudio Dutra, pelo apoio dado na etapa de concluso deste trabalho. Adalnice Passos Lima, Luci Gohl, Bruno Zago e Gilson Rodrigo Woginski pela cuidadosa traduo. Lucilene Tavares Rocha pela amizade e reviso textual. Aos meus sogros, Shoji e Marilene, por terem acolhido a Cinthya e a Maria Eduarda nas noites de sexta-feira para que eu pudesse trabalhar nesta pesquisa. minha famlia, que apesar da minha ausncia, esteve sempre presente. Cinthya pela pacincia e amor infinitos. Maria Eduarda por compreender e perdoar minha ausncia. A todos os cidados brasileiros que, com o pagamento de seus impostos, ajudam a financiar Instituies de Ensino Superior pblicas e possibilitam que uma pesquisa como essa possa ser concluda e publicada.
v
A tecnologia no nem boa, nem ruim
e tambm no neutra.
Melvin Kranzberg
vi
SUMRIOLISTA DE ILUSTRAES.....................................................................................................vii LISTA DE TABELAS ............................................................................................................viii LISTA DE SIGLAS..................................................................................................................ix RESUMO.................................................................................................................................xi ABSTRACT............................................................................................................................xii INTRODUO .........................................................................................................................1 1 PROFESSORES, FORMAO CONTINUADA E PRODUO DO CONHECIMENTO ...8
1.1 OS PROFESSORES E SEUS SABERES ................................................................. 13 1.2 O PROFISSIONAL REFLEXIVO................................................................................ 15 1.3 O PROFESSOR PRTICO-REFLEXIVO .................................................................. 20 1.4 O PROFESSOR-INVESTIGADOR ............................................................................ 24 1.5 EM DIREO IDIA DO PROFESSOR COMO PRODUTOR DO
CONHECIMENTO...................................................................................................... 31 2 O PAPEL DO ESTADO NA DISSEMINAO DE POLTICAS DE UNIVERSALIZAO
DE USO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAO E COMUNICAO .........................35 2.1 O PAPEL DO ESTADO NA UNIVERSALIZAO DA TECNOLOGIA E DE
SEUS RECURSOS.................................................................................................... 40 2.2 INTERNET: NOVAS FORMAS DE PRODUZIR E DISSEMINAR O
CONHECIMENTO...................................................................................................... 50 2.3 PROJETO BRA/03/036 EDUCAO BSICA E INCLUSO DIGITAL NO
ESTADO DO PARAN .............................................................................................. 57 2.3.1 Caractersticas na Elaborao do Projeto BRA/03/036 EDUCAO
BSICA E INCLUSO DIGITAL NO ESTADO DO PARAN............................. 59 2.3.2 Programa de Fortalecimento e Expanso dos Ncleos de Tecnologia
Educacional......................................................................................................... 70 2 3.3 Modelo Colaborativo de Produo, Uso e Disseminao de Contedos
Educacionais na Internet Implementado Portal Dia-a-Dia Educao .............. 77 3 A MEDIAO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAO E COMUNICAO EM
AES DE FORMAO CONTINUADA DE PROFESSORES COM VISTAS PRODUO DE CONHECIMENTO..................................................................................84 3.1 O AMBIENTE PEDAGGICO COLABORATIVO COMO ESPAO DE
SOCIALIZAO: OS ACESSOS E AS COLABORAES EFETUADAS ................ 86 3.2 PRESSUPOSTOS, FINALIDADES E ESTRUTURA DE FUNCIONAMENTO DO
AMBIENTE PEDAGGICO COLABORATIVO........................................................ 101 3.2.1 O Ambiente Pedaggico Colaborativo: Finalidades e Objetivos....................... 104 3.2.2 O Ambiente Pedaggico Colaborativo e Seus Fundamentos: o CSCL ............ 107
3.3 ANLISE DO MODELO DIDTICO-TECNOLGICO DO AMBIENTE PEDAGGICO COLABORATIVO ........................................................................... 122
3.3.1 Tipo de Aprendizagem ...................................................................................... 129 3.3.2 Acompanhamento e Avaliao dos Processos de Produo dos
Professores ....................................................................................................... 146 3.3.3 Tipo de Comunidade de Aprendizagem que o Sistema Possibilita................... 151 3.3.4 Natureza dos Contedos Produzidos pelos Professores, Enquanto
Resultado do Processo de Formao Continuada Mediado pelas TIC ............ 156 CONCLUSES ....................................................................................................................164 REFERNCIAS....................................................................................................................180 ANEXOS...............................................................................................................................188
vii
LISTA DE ILUSTRAES
FIGURA 1 PGINA INICIAL DO PORTAL DIA-A-DIA EDUCAO .........................78 FIGURA 2 PGINA WEB DOS EDUCADORES........................................................78 GRFICO 1 COLABORAES EFETUADAS NOS OACS DE DISCIPLINAS DO
ENSINO FUNDAMENTAL........................................................................97 GRFICO 2 COLABORAES EFETUADAS NOS OACS DE DISCIPLINAS DO
ENSINO MDIO .......................................................................................98 FIGURA 3 O QUE O APC ....................................................................................102 FIGURA 4 CRIAO E EDIO DE CONTEDOS ...............................................103 FIGURA 5 VALIDAO DE CONTEDOS .............................................................103 FIGURA 6 SELEO DA COR DA TELA DE APRESENTAO DO OAC............111 FIGURA 7 TELA DE APRESENTAO DO OAC...................................................112 FIGURA 8 COLABORAO EFETUADA NO OAC ................................................118 FIGURA 9 INTERFACE DE PESQUISA DE OAC ...................................................119 FIGURA 10 RESULTADO DA PESQUISA ................................................................120 FIGURA 11 INTERFACE DE ENTRADA DE DADOS DO RECURSO
RELATO...............................................................................................136 FIGURA 12 NORMATIZAO DA ENTRADA DE DADOS.......................................139 FIGURA 13 INTERFACE DE ENTRADA DE DADOS DO RECURSO
STIOS .................................................................................................141 FIGURA 14 ENTRADA DE DADOS DAS FONTES DE VDEO ................................142 FIGURA 15 SELEO DE IMAGENS DO BANCO DE DADOS ...............................143 FIGURA 16 EXEMPLO DOS CRITRIOS DE VALIDAO UTILIZADOS NO
RECURSO RELATO DE EXPRESSO...............................................148
viii
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 POPULAO (%) COM MICROCOMPUTADOR E INTERNET NO DOMICLIO SEGUNDO UNIDADES FEDERADAS DO BRASIL E GRANDES REGIES 2001 2005 ......................................................38
TABELA 2 POSIO DOS PASES POR NMERO DE USURIOS DA INTERNET 2005.......................................................................................................43
TABELA 3 ACESSO INTERNET NA AMRICA DO SUL 2005 ..........................44 TABELA 4 PROFISSIONAIS DA EDUCAO SEGUNDO USO DA INTERNET,
NVEL EDUCACIONAL DO PROFISSIONAL E AGRUPAMENTO OCUPACIONAL BRASIL 2005...........................................................45
TABELA 5 PROFISSIONAIS DA EDUCAO SEGUNDO USO DA INTERNET, UNIDADE FEDERADA E GRANDES REGIES BRASIL 2005.........46
TABELA 6 PROFISSIONAIS DA EDUCAO SEGUNDO FINALIDADES DE USO DA INTERNET, NVEL EDUCACIONAL DO PROFISSIONAL E AGRUPAMENTO OCUPACIONAL BRASIL 2005. % NO TOTAL DE PROFISSIONAIS EM CADA AGRUPAMENTO OCUPACIONAL............48
TABELA 7 EVOLUO DO NMERO DE IES CREDENCIADAS PARA EDUCAO A DISTNCIA SEGUNDO CATEGORIA ADMINISTRATIVA...................84
TABELA 8 PONTUAES DE ALGUMAS PRODUES RECONHECIDAS PELA SEED NA PROGRESSO FUNCIONAL DOS PROFESSORES DA REDE ESTADUAL DE EDUCAO BSICA DO ESTADO DO PARAN (RESOLUO 2008/2005).......................................................................88
TABELA 9 NMERO DE ACESSOS AOS OACs ......................................................90 TABELA 10 MONITORAMENTO DO ENVIO DOS OACs PRODUZIDOS DURANTE A
CAPACITAO........................................................................................93 TABELA 11 PUBLICAES NO AMBIENTE PEDAGGICO
COLABORATIVO .....................................................................................95 TABELA 12 TAXONOMIAS INSTRUCIONAIS ..........................................................127 TABELA 13 QUADRO DESCRITIVO DE COMPARAO........................................127 TABELA 14 DESCRIO DAS CATEGORIAS DE ANLISE ...................................129
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LISTA DE SIGLAS
ABAT Acordo Bsico de Assistncia Tcnica
ABC Agncia Brasileira de Cooperao
ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas
APC Ambiente Pedaggico Colaborativo
ARPA Advanced Research Projects Agency
ARPANET Advanced Research Projects Agency Network
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
CETE Coordenao Estadual de Tecnologia na Educao
CIA Central Intelligence Agency
CPU Central Processing Unit
CRTE Coordenao Regional de Tecnologia na Educao
CSCL Computer Supported Collaborative Learning
GNU GNU is Not Unix
GPL General Public Licence
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IDH ndice de Desenvolvimento Humano
Linux Linus for Unix
MEC Ministrio da Educao
MRE Ministrio das Relaes Exteriores
NTE Ncleo de Tecnologia Educacional OAC Objeto de Aprendizagem Colaborativa
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios
PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
PROINFO Programa Nacional de Informtica na Educao
SABI Sistema de Acompanhamento e Banco de Itens
SAE Sistema de Administrao da Educao
SEED Secretaria de Estado da Educao do Paran
TCP/IP Transmission Control Protocol / Internet Protocol
TIC Tecnologias de Informao e Comunicao UCLA University of California
UEL Universidade Estadual de Londrina
x
UFPR Universidade Federal do Paran
UGP Unidade Gestora do Projeto
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UNICENTRO Universidade Estadual do Centro-Oeste
UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paran
xi
RESUMO Relata pesquisa cujo objetivo discutir o papel das Tecnologias de Informao e Comunicao (TIC) mais especificamente do Ambiente Pedaggico Colaborativo do Portal Dia-a-dia Educao nos processos de formao continuada dos professores da Rede Estadual de Educao Bsica do Estado do Paran, a partir da perspectiva que busca re-situar a natureza do trabalho docente e do conhecimento escolar, considerando o professor como um produtor de conhecimento. Apresentam-se elementos para discutir o que e como devem aprender os professores para que se desenvolvam profissionalmente e produzam transformaes em suas prticas. Neste contexto, foram analisadas diferentes perspectivas tericas que buscam superar a perspectiva do racionalismo tcnico, que dissocia a atividade docente da produo de conhecimento e, portanto, distingue os processos de produo e transmisso como aes que so desenvolvidas em dois espaos especficos a universidade e a escola e que resultam do trabalho profissional de sujeitos distintos pesquisadores e professores (SCHN, 1983, 1995, 2000; LISTON; ZEICHNER, 1991; ZEICHNER, 1993; STENHOUSE, 1998; COCHRAM-SMITH; LYTTLE, 1993). Para contextualizar e localizar o caso particular em estudo, buscou-se examinar o contedo dos documentos oficiais que estruturaram a criao e implementao do Projeto BRA/03/036 EDUCAO BSICA E INCLUSO DIGITAL NO ESTADO DO PARAN. Esta anlise foi realizada luz de trs categorias organizadoras o papel do Estado na expanso das possibilidades de acesso da populao s TIC, particularmente Internet; o sentido atribudo s TIC; a natureza da funo atribuda aos professores no processo de implementao do Portal Dia-a-dia Educao. A partir desses elementos, a pesquisa foi direcionada anlise do modelo didtico-tecnolgico do Ambiente Pedaggico Colaborativo. Para esta anlise, a partir do conceito de design instrucional (FILATRO, 2004), foram adotadas quatro categorias, inspiradas em trabalhos produzidos na rea do design instrucional (REIGELUTH; MOORE, 1999): tipo de aprendizagem; acompanhamento e avaliao dos processos de produo dos professores; tipo de comunidade de aprendizagem que o sistema possibilita; natureza dos contedos produzidos pelos professores, enquanto resultado do processo de formao continuada mediado pelas TIC. Pode-se concluir que a proposta apresenta elementos para se afirmar que h possibilidades de avano especialmente pela socializao de conhecimentos. Mas pode-se tambm identificar os limites do modelo, particularmente derivada da reproduo de uma concepo didtica fundamentada na exposio de contedos e no na sua problematizao, que se associa, neste caso, a um modelo de formao de professores que, apesar de valorizar a prtica e a experincia, mantm a perspectiva da transmisso e reproduo e, portanto, mantm-se distanciado da idia de que os professores podem e devem produzir conhecimentos sobre o ensino. Palavras-chave: tecnologia e educao, formao continuada de professores, produo de conhecimento, design instrucional, ambiente pedaggico colaborativo.
xii
ABSTRACT
The aim of this work is to discuss the role of new technologies of information and communication (NTIC) at the pedagogical collaborative environmnent of the Portal Dia-a-Dia Educao as a tool of in-service professional development of teachers working in state compulsory education schools of Parana State Government. Starting from the perspective that tries to re-state the nature of teachers work and school knowledge and considering teachers as knowledge producers, this work presents elements that work as the basis of discussions of what and how teachers should learn in order to have professional development and ability to change their teaching performance. In this context, it was analysed different theoretical perspectives that try to overcome the technical rationalism that dissociates teaching activities from knowledge production, and so, that accepts production and transmission processes as actions that are developed in two specific places universities and schools and are the work result of two distinct professionals, researchers and teachers (SCHN, 1983, 1995, 2000; LISTON; ZEICHNER, 1991; ZEICHNER, 1993; STENHOUSE, 1998; COCHRAM-SMITH; LYTTLE, 1993). In order to contextualize and settle this specific case study, the content of official documents that structured the creation and implementation of the Project BRA/03/036 Basic Education and Digital Inclusion at the Parana State was examined. The analysis was conducted under three aspects of organization - the role of State Government in the expansion of NTIC accessibility, mainly the Internet, for the majority of population; the meaning given to NTIC; and the nature of the teachers role in the implementation process of the Portal Dia-a-Dia Educao that worked as the basis of the analysis of the didactic and technological model of the pedagogical collaborative environment. To accomplish this analysis under the concept of instructional design (FILATRO, 2004), four categories used in the area of instructional design studies were applied (REIGELUTH; MOORE, 1999): the type of learning; the follow up and evaluation of the production processes of the teachers; the type of learning community that the system make possible; the nature of the contents produced by the teachers as a result of the process of formation conducted by TIC. To conclude, the pedagogical collaborative environmnent of the Portal Dia-a-Dia Educao as a tool of in-service professional development of teachers has elements that enable to say that it is possible to reach some progress, especially in knowledge socialization. On the other hand, this research was able to identify limits of this model, mainly the ones related to the reproduction of a didactic conception based on the content exposition not on problem solving, associated in this research to a model of teacher professional development that, even though giving importance to teaching practice and experience, maintains the perspective of transmission and reproduction and then, it is far from the idea that teachers can and have to produce knowledge about teaching. Key-words: technology and education, in-service development of teachers, knowledge production, instructional design, pedagogical collaborative environmnent.
1
INTRODUO
O desenvolvimento dos sistemas nacionais de educao e de ensino foi
acompanhando de um processo de institucionalizao da formao de professores. Como
afirma GARCA (2005, p. 72), ao longo do sculo XIX e fundamentalmente no sculo XX,
a exigncia social e econmica de uma mo-de-obra qualificada para atuar nas escolas
se tornou cada vez maior.
Da responsabilidade de ordens religiosas para o Ensino Normal e as Licenciaturas,
j realizados em instituies especficas, com pessoal especializado e com currculos
prprios para formar professores, h um longo caminho de produo de normas e de
modelos que revelam a compreenso que as sociedades tm tido sobre a natureza dessa
profisso e seu exerccio, bem como sobre os conhecimentos que devem ser ensinados
aos professores para que eles, tambm, possam ensinar.
Em decorrncia dessas questes, ainda segundo GARCA (2005, p. 12), a
formao de professores foi se transformando em uma rea especfica de conhecimentos
e investigao uma rea disciplinar em desenvolvimento, segundo o autor que se
dedica ao estudo de questes relacionadas, tanto aos processos de formao inicial,
como de formao continuada.
Desde a dcada de 1980, o papel do professor como produtor de conhecimento
vem sendo discutido a partir de diferentes perspectivas tericas, entre as quais esta tese
prioriza trs, a saber: o profissional reflexivo (SCHN, 1983, 1995, 2000); o professor
prtico-reflexivo (LISTON; ZEICHNER, 1991; ZEICHNER, 1993); o professor-investigador
(STENHOUSE, 1998). Estes autores so convidados a um dilogo que busca debater a
natureza do trabalho realizado pelos professores, enquanto profissionais, trazendo
questes relacionadas dissociao entre a atividade docente e a produo do
conhecimento enraizada na distino entre a produo e transmisso e a
configurao da formao docente como pertencente ordem da prtica.
Os estudos de SCHN (1983, 1995, 2000) problematizam a importncia da
prtica e dos processos reflexivos na atividade docente. Segundo este autor, o
conhecimento-na-ao, a reflexo-na-ao e a reflexo-sobre-a-ao so elementos
apontados como inerentes ao perfil do profissional reflexivo, e tambm, considerados
como pertinentes s expectativas da formao pessoal e profissional do professor
contemporneo.
Estas teorias so adotadas por ZEICHNER (1991, 1993), que as discute na
perspectiva especfica da atividade docente, em estudos que exploram as concepes de
2
conhecimento dos professores, que, segundo o autor, caracterizam-se enquanto
profissionais que no so valorizados por seus conhecimentos, sejam eles cotidianos ou
constitudos.
Ambos os autores exerceram forte influncia nas discusses sobre a formao de
professores no Brasil, contribuindo para a difuso do conceito de professor-reflexivo. A
valorizao do conhecimento prtico dos professores ganhou espao nos debates do
campo, apoiada na idia de uma epistemologia da prtica que, se por um lado foi aceita
com facilidade em muitos espaos, por outro lado gerou reaes e crticas contundentes,
(PIMENTA, 2005; SACRISTN, 2005; LIBNEO, 2005), destacadas, nesta tese, para
problematizar a concepo de professores prticos-reflexivos.
Outro conceito que tem sido enfatizado nos debates sobre a formao de
professores o de professor-investigador (como em STENHOUSE, 1998), que considera
a idia da participao efetiva dos professores, nos processos de pesquisa cientfica,
como necessria para obteno de melhores resultados na sua utilizao em ambientes
escolares. O autor representa uma posio mais avanada na compreenso de que os
conhecimentos da prtica necessitam ser examinados pelos prprios professores em
aes de investigao, o que conduziu suas discusses e seus projetos para um esforo
de aproximao entre os pesquisadores e os professores, aspecto relevante para a
compreenso da natureza dos conhecimentos necessrios aos docentes.
A problematizao da natureza do conhecimento necessrio formao de
professores no mundo contemporneo foi acrescida, particularmente nas ltimas
dcadas, de um novo elemento a presena das Tecnologias de Informao e
Comunicao. De incio, as preocupaes se voltavam mais especificamente para o uso
dessas tecnologias pelos professores, para ensinar as novas geraes estas j
nascidas em um mundo marcado pela presena de recursos e linguagens decorrentes
dos avanos tecnolgicos.
No entanto, ainda que essas questes permaneam em pauta, hoje as
Tecnologias de Informao e Comunicao tambm se tornaram um caminho para a
formao inicial e continuada de professores, em processos que so chamados
genericamente de Educao a Distncia produzindo uma expanso significativa de
cursos ofertados pela iniciativa privada e tambm pelas instituies pblicas, o que abre
novos campos de debate e investigao dentro do tema da formao docente.
Nesse campo constante teoricamente no primeiro captulo da tese que se
situa a investigao realizada que originou a tese de doutoramento ora apresentada. O
projeto inicial surgiu em decorrncia da histria acadmica do pesquisador que, egresso
3
da rea de cincias exatas, passou a desenvolver, no incio dos anos 1990, sistemas em
multimdia interativa para fins educacionais. Esta atividade gerou interesse em
compreender as questes relacionadas aos processos de ensino e aprendizagem,
levando-o a cursar pedagogia e, no ano seguinte, a ingressar no mestrado em tecnologia
da Universidade Tecnolgica Federal do Paran.
Durante o curso de mestrado, foi realizada uma pesquisa que se props a
demonstrar o potencial que as Tecnologias de Informao e Comunicao apresentavam
em relao aos processos avaliativos em cursos ministrados na modalidade de educao
distncia, destacando-se as discusses sobre o conceito de Aprendizagem Colaborativa
Suportada por Computador (em ingls CSCL - Computer Supported Collaborative
Learning).
No incio de 2003, na coordenao geral do Portal Dia-a-dia Educao da
Secretaria de Estado da Educao do Paran, coordenou os trabalhos de concepo,
desenvolvimento e implementao do Ambiente Pedaggico Colaborativo, que introduziu
no mbito da educao pblica do Estado do Paran os conceitos do CSCL, adotados
em atividades articuladas aos processos de formao continuada de professores da Rede
Estadual de Educao Bsica do Estado do Paran.
A natureza desse trabalho desenvolvido provocou questionamentos acerca dos
limites e das possibilidades que a publicao de contedos no Ambiente Pedaggico
Colaborativo poderia representar nos processos de produo de conhecimento pelos
professores da educao bsica, tema que originou um projeto de apresentado ao
Programa de Ps-graduao em Educao da Universidade Federal do Paran para
buscar responder a algumas questes inicialmente formuladas: a participao de
professores como autores e interlocutores em Ambientes Pedaggicos Colaborativos,
pblicos e livres, poder contribuir para um novo tipo de cultura escolar? possvel, a
partir do uso desses sistemas de produo, mediadas por computador e em processos
colaborativos, produzir uma nova qualidade de saberes e prticas escolares?
Os estudos desenvolvidos no decorrer de seu percurso acadmico permitiram
constituir um caminho terico que contemplasse as discusses acerca da idia do
professor como produtor de conhecimento questo essencial para a conduo desta
pesquisa articulando-o com o uso das Tecnologias de Informao e Comunicao no
contexto educacional, permitindo assim estabelecer reflexes acerca do potencial
apresentado pelos meios tecnolgicos, na sistematizao e socializao dos
conhecimentos produzidos pelos professores da educao bsica.
4
Como j foi apontado anteriormente, as Tecnologias de Informao e
Comunicao no devem ser consideradas pelos professores apenas como um novo
recurso didtico para ser utilizado nos processos de ensino de seus alunos, mas tambm,
e principalmente, como um meio capaz de mediar os seus processos de formao
continuada, ou seja, como um recurso que pode ser utilizado tambm para sua prpria
aprendizagem.
Alm disso, possibilitam o compartilhamento e a distribuio de um grande
nmero de informaes, pois o atual cenrio tecnolgico representa uma grande
possibilidade de ampliao dos conhecimentos, j que como essas tecnologias
intelectuais, sobretudo as memrias dinmicas, so objetivadas em documentos digitais
ou programas disponveis na rede (ou facilmente reproduzveis e transferveis), podem ser
compartilhadas entre numerosos indivduos, e aumentam, portanto, o potencial de
inteligncia coletiva dos grupos humanos (LVY, 1999, p. 157).
Alm de possibilitar o compartilhamento de documentos digitais com um grande
nmero de indivduos, as Tecnologias de Informao e Comunicao tambm possibilitam
constituio de novas comunidades de aprendizagem, que passam a se tornar mais
complexas, desterritorializadas e intensamente ampliadas. Estas novas estruturas so
denominadas de comunidades virtuais. (RHEINGOLD, 1996)
Com tais elementos e assumindo a perspectiva terico-metodolgica de um estudo
de natureza qualitativa que privilegia a lgica da descoberta (LESSARD-HBERT;
GOYETTE; BOUTIN, 1994), a pesquisa foi reestruturada na direo de buscar respostas
para duas grandes questes, que necessitam ser debatidas no campo educacional e,
particularmente, no campo da formao de professores e das prticas escolares:
possvel estruturar, com o apoio das Tecnologias de Informao e Comunicao, formas
de produo compartilhada de conhecimentos relacionados ao ensino, nas quais os
professores das redes pblicas sejam reconhecidos como produtores de conhecimento?
Em que condies essas novas formas tm sido incorporadas pela cultura escolar?
A focalizao gradual do objeto, especialmente aps o exame de qualificao,
conduziu delimitao a partir do caso particular no qual se desenvolveu o estudo
emprico, estabelecendo-se ento como questes a serem respondidas na pesquisa: o
modelo implementado no Portal dia-a-dia Educao, particularmente no que se refere ao
Ambiente Pedaggico Colaborativo, pode contribuir para que os professores da educao
bsica produzam conhecimentos, na perspectivas de constituio de redes de
aprendizagem colaborativa? Que limites e possibilidades podem ser apontadas a partir da
anlise desse modelo?
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Partindo da pressuposio de que as Tecnologias de Informao e Comunicao
apresentam caractersticas que podem representar uma nova maneira de promover
mudanas significativas nas formas como so propostos os processos de formao
continuada de professores, na perspectiva de entend-los como produtores de
conhecimento, foi necessrio ento examinar as condies de acesso a meios fsicos e
lgicos capazes inserir os sujeitos neste novo contexto tecnolgico.
Sendo assim, considerou-se como pertinente e necessrio discutir o papel do
Estado nesta conjuntura, pois o Ambiente Pedaggico Colaborativo modelo em estudo
nesta pesquisa deve ser examinado como parte integrante do Projeto BRA/03/036
EDUCAO BSICA E INCLUSO DIGITAL NO ESTADO DO PARAN, bem como a
partir dos documentos oficiais emitidos pela Secretaria de Estado da Educao do
Paran. Tais anlises permitiram estabelecer a comparao entre a conduo dos
trabalhos de desenvolvimento e de implementao da proposta na Rede Estadual de
Educao Bsica do Estado do Paran efetuados pela equipe de planejadores do
projeto e os objetivos propostos pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),
organismo internacional responsvel pelo financiamento deste projeto.
Nesses documentos, pode-se captar o papel que o Estado assumiu na expanso
das condies de acesso das escolas estaduais s redes, as finalidades do Portal, bem
como o significado que tais documentos atribuem s tecnologias nos processos
educativos e ao papel que os professores desempenham nesses processos. Reafirmando
a posio de autores, como CASTELLS (2000), de que O Estado cumpre papel relevante
nos processos de condies objetivas para a constituio de redes ou comunidades entre
os professores relembrando-se que de aes governamentais nasceu a Internet foi
possvel estruturar o segundo captulo da tese.
Nesse captulo, portanto, alm de problematizar as relaes entre Estado e
expanso das Tecnologias de Informao e Comunicao, foram apresentados dados
nacionais que permitem traar um quadro das condies de acesso s redes por parte
dos professores, no sentido de verificar algumas relaes entre os resultados
quantitativos obtidos no Estado do Paran com a implantao do Ambiente Pedaggico
Colaborativo.
Tambm foram apresentados e problematizados elementos que compem o
Projeto BRA/03/036, destacando-se a anlise de contedo para verificar concepes
expressas pelos planejadores quanto presena das tecnologias nos processos
educativos, quanto s estruturas hierarquizadas que so fortalecidas no sistema para
atender a incluso das escolas e quanto ao papel atribudo aos professores. Esses
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elementos permitiram a construo de referenciais para o encaminhamento das anlises
especficas do Ambiente Pedaggico Colaborativo.
O terceiro captulo, portanto, dirigiu-se ao exame desse espao virtual, a partir de
sua caracterizao e de dados referentes aos processos de produo de Objetos de
Aprendizagem Colaborativa, destacando-se o nmero de colaboraes efetuadas em
todas as disciplinas do ensino fundamental e do ensino mdio. Agregadas s anlises das
estruturas criadas no Ambiente Pedaggico Colaborativo para a participao dos
professores na produo de contedos, esses elementos permitiram identificar e
apresentar os limites e as possibilidades da proposta.
nesse ponto que se acredita ter sido possvel avanar na compreenso do
modelo implementado. A partir do conceito de design instrucional, defendido por FILATRO
(2004), definiu-se o conjunto de categorias que permitiria ao pesquisador indicar, ao final,
as finalidades que esto expressas, no nos documentos, mas na prpria estrutura criada
para que os professores, em um programa de formao continuada, aprendessem a partir
da produo de contedos para a Internet, na perspectiva de um projeto colaborativo,
mediado pelas Tecnologias de Informao e Comunicao.
As categorias de anlise baseadas no conceito de design instrucional foram
construdas com apoio dos trabalhos de REIGELUTH e MOORE (1999) que, ao
constatarem a existncia de uma multiplicidade de teorias instrucionais dedicadas a
buscar compreender e discutir o domnio cognitivo desenvolveram um quadro categorial
que permitisse aos leitores construrem suas prprias compreenses acerca de cada uma
das teorias educacionais utilizadas, para que assim pudessem compar-las entre si.
Tendo, portanto, o objetivo de verificar em que medida o modelo didtico-
tecnolgico do Ambiente Pedaggico Colaborativo contribui para a constituio de espao
virtual de aprendizagem de professores, com caractersticas de uma rede ou comunidade
que produz conhecimentos sobre o ensino, foram adotadas quatro categorias de anlise:
tipo de aprendizagem que busca identificar os tipos de aprendizados que so solicitados e propiciados pela estrutura disponibilizada aos professores;
acompanhamento e avaliao dos processos de produo dos professores que tem o objetivo de explicitar quem so os sujeitos que definem os objetivos e a qualidade
do trabalho realizado; tipo de comunidade de aprendizagem que o sistema possibilita, que visa demonstrar como so realizados os agrupamentos de professores-autores, bem como a natureza participativa deste trabalho (individual ou em grupo);
natureza dos contedos produzidos pelos professores, enquanto resultado do
7
processo de formao continuada mediado pelas TIC, com vistas a identificar o tipo e a natureza do conhecimento solicitado aos professores.
Estas categorias de anlise permitiram trazer algumas respostas para as questes formuladas, e, finalmente, defender a tese de que possvel, em atividades de
formao continuada de professores, mediadas por computador e em processos
colaborativos estimular os professores a superarem a dicotomizao entre ensino e
pesquisa e atuarem como produtores de conhecimento sobre o ensino, desde que os
modelos didtico-tecnolgicos sejam estruturados a partir de outra concepo didtica,
que tome como caracterstica do conhecimento escolar a epistemologia de cada cincia
que se ensina, em forma de disciplina escolar.
O texto da tese, portanto, foi construdo para apresentar a trajetria da pesquisa
de forma que, ao final, fosse possvel identificar a argumentao construda pelo
pesquisador para sustentar essa afirmao, tomando-se como elementos de
problematizao e anlise aqueles que esto presentes no modelo de estrutura didtico-
tecnolgica em um caso particular examinado o Ambiente Pedaggico Colaborativo do
Portal Dia-a-dia Educao da Secretaria de Estado da Educao do Paran.
Nas concluses, foram destacados os avanos que tal proposta anuncia, e foram
tambm levantados alguns pontos que merecem investigaes especficas, relembrando-
se aqui que devido ao pouco tempo de implementao da proposta recomenda-se
estudos de acompanhamento para que se possa compreender as transformaes que a
presena desse modelo na sua formatao atual ou em outras formas pode provocar
nas relaes entre os professores e o conhecimento, nos processos de desenvolvimento
profissional.
8
1 PROFESSORES, FORMAO CONTINUADA E PRODUO DO CONHECIMENTO
Desde o surgimento da profisso docente, essa atividade caracterizou-se
eminentemente pelo ensino de conhecimentos especficos em determinadas reas. Para
SCHN (1983, p. 31), a diferenciao entre ensino e pesquisa se estabelece a partir do
final do sculo XIX (auge da filosofia Positivista), com a atribuio do desenvolvimento da
cincia s universidades modernas. Neste contexto, fortaleceu-se a idia de que a cincia
deveria criar tecnologia para fins humanos, fazendo assim com que as profisses
passassem a ser consideradas como veculos de aplicao das novas cincias em
benefcio do progresso humano.
CONTRERAS (2002, p. 90-92) considera que esta perspectiva promove
diferentes nveis de status social e acadmico, pois o racionalismo tcnico prev a
soluo instrumental de problemas mediante a aplicao de conhecimentos tericos
derivados da pesquisa cientfica, estabelecendo assim, uma relao de dependncia
entre a atuao docente em suas atividades de ensino e a elaborao dos conhecimentos
bsicos produzidos em outro contexto institucional, pelas atividades de pesquisa.
Nesta perspectiva, quanto maior a proximidade do sujeito em relao cincia
bsica, maior seria seu status acadmico, pois este tipo de conhecimento passa a ser
socialmente privilegiado. Sendo assim, pode-se entender a presena de uma tendncia,
na sociedade, em desvalorizar os conhecimentos profissionais ensinados nas escolas,
uma vez que seriam apenas conhecimentos de ordem prtica, para a execuo de
determinadas atividades que se relacionam ao exerccio de uma profisso especfica.
Segundo SCHN (2000, p. 20), esta perspectiva parte do pressuposto de que ...
a pesquisa acadmica rende conhecimento profissional til e de que o conhecimento
profissional ensinado nas escolas prepara os estudantes para as demandas reais da
prtica. Para este autor, h uma diferena significativa entre os conceitos de
conhecimento profissional til e conhecimento profissional ensinado nas escolas.
Enquanto o primeiro se refere aos conhecimentos desenvolvidos a partir de pesquisas
cientficas, que so incorporados pela sociedade, propiciando avanos significativos em
diferentes reas do conhecimento humano, o segundo se refere aos contedos ensinados
pelo professor na sala de aula e que tero aplicao prtica no cotidiano dos alunos.
Ao analisar esta situao, SCHN (2000, p. 20), afirma que a viso dicotmica
estabelecida entre pesquisa acadmica e conhecimento profissional est sendo cada vez
mais questionada, pois se por um lado a escola critica os pesquisadores acusando-os de
no conseguirem atender s suas demandas com conhecimentos que possam ser
considerados teis e exeqveis, por outro lado h a percepo dos pesquisadores de que
9
existe um distanciamento entre a concepo de conhecimento profissional e as
competncias necessrias aos profissionais no campo de aplicao.
As questes at aqui anunciadas relacionam-se, portanto, a dois elementos de
caracterizao da natureza do trabalho realizado pelos professores, enquanto
profissionais, e que tm sido objeto de intensos debates: a dissociao entre a atividade
docente e a produo do conhecimento enraizada na distino entre a produo e
transmisso e a configurao da formao docente como pertencente ordem da
prtica.
As pesquisas de SCHN (2000, p. 95) apontam para a rigidez conceitual dessa
perspectiva, que impossibilita a compreenso de aspectos prticos que no se relacionem
aplicao de regras definidas para alcanar objetivos j previstos. E destaca a
necessidade de superao da concepo sustentada no conceito de racionalidade
tcnica, que considera a profisso docente como o domnio tcnico demonstrado na
resoluo de problemas, nas tcnicas de organizao e de conduta, e na avaliao da
aprendizagem dos alunos, ou seja, na aplicao racional de conhecimentos adequados
ao ensino das habilidades necessrias para o uso concreto e prtico do conhecimento
bsico e aplicado.
Outros autores (LISTON; ZEICHNER, 1991; ZEICHNER, 1993; STENHOUSE,
1998; TARDIF, 2002; DAY, 2005; CHARLOT, 2005; PIMENTA, 2005; LIBNEO, 2005)
tambm vm debatendo essa temtica que, na sua essncia, envolve a problematizao
da natureza da profisso docente e dos processos de formao profissional.
Nas ltimas dcadas do sculo XX, dentro do campo da formao de professores,
tm sido enfaticamente debatidos e criticados os modelos que entendem o professor
como mero reprodutor ou transmissor de conhecimento. Em direo contrria, autores de
diferentes pases vm trazendo contribuies que, embora sustentadas por diferentes
perspectivas, confluem para a idia de que os professores so detentores de
conhecimentos especficos que so mobilizados no ensino e, tambm, que eles so
produtores de conhecimentos.
No Brasil, as reformas educativas ocorridas especialmente nas trs ltimas
dcadas enfatizam o papel dos professores para que as transformaes desejadas
aconteam efetivamente nas salas de aula e, para isso, os sistemas organizam cursos
nos quais, de diferentes formas, os professores so treinados ou capacitados em
programas de formao continuada, para implementar tais reformas. Essa concepo de
formao docente tem sido questionada e criticada, como na perspectiva apontada por
GARCIA e SCHMIDT:
10
Tais reformas tm-se caracterizado por um movimento que toma o currculo como "entidade", corporifica-o como norma e documento, e projeta a possibilidade de que ele se constitua tambm em gerador de novas prticas, no interior da escola. Desse ponto de vista, pode-se compreender a frustrao ou o espanto do dirigente educacional ou do poltico que, tendo determinado a produo da proposta curricular mais avanada, se obriga a afirmar que, apesar dela, o ensino no vai bem, por que os professores precisam aprender a ensinar dessa forma mais avanada e precisam de "capacitao". (GARCIA; SCHMIDT, 2001, p. 147) Para as autoras, trata-se de um equvoco que relaciona, de uma forma
mecanicista e simplista, os saberes a serem ensinados com os saberes efetivamente
ensinados, (GARCIA; SCHMIDT, 2001, p. 147) e que coloca nos cursos de capacitao
de professores a expectativa de soluo dos problemas educacionais.
A perspectiva de anlise dessas autoras se sustenta na pressuposio de que a
mediao didtica, exercida pelos professores ao ensinar, uma ao que envolve a
produo do conhecimento. Longe de ser uma mera aplicao de tcnicas produzidas em
outras instncias ou nveis, a ao do professor exige entre outros um alto grau de
conhecimento dos contedos e mtodos especficos da cincia que deseja ensinar.
Assim, o debate sobre a formao inicial e continuada de professores, para
GARCIA e SCHMIDT (2001), se coloca como um dos elementos essenciais para a
compreenso do papel que se atribui a esses profissionais, na sociedade contempornea,
bem como para a defesa de uma formao acadmica em profundidade para todos os
professores.
Tradicionalmente, no entanto, os projetos de capacitao so planejados e
executados por grupos de especialistas que estabelecem uma programao que
consideram pertinente e adequada s exigncias em um determinado momento histrico.
Estas capacitaes caracterizam-se, em geral, por reunir grandes grupos de docentes,
que se restringem a ouvir sobre a ao pedaggica, cabendo a eles a reproduo da
proposta anunciada (BEHRENS, 1996, p. 133).
Essa autora aponta, tambm, que programas de formao continuada que
valorizem a resoluo de problemas reais, contando com o apoio dos professores e
ocorrendo dentro do espao da escola, constituem-se em uma nova perspectiva da
formao docente, que busca promover a negociao entre os pares de trabalho coletivo
e estudo de casos elaborados pelos prprios docentes.
Tem-se aqui, portanto, uma perspectiva que valoriza a posio dos professores e
de suas prticas na estruturao das aes de formao continuada. preciso,
entretanto, enfatizar que a idia de um processo permanente de formao profissional de
professores no est ainda fortemente universalizada nos diferentes sistemas de ensino.
11
Essa questo destacada por DAY (2005, p. 167), ao apontar que,
historicamente, nenhum pas europeu registrou iniciativas em estabelecer polticas que
contemplassem a formao dos professores durante toda sua carreira, visando seu
desenvolvimento profissional contnuo. Os dados que se discute foram extrados do
European Yearbook of Comparative Studies in Teacher Education 1994 (SANDER1,
apud DAY, 2005, p. 167), e indicam que nos 21 pases mais representativos, os recursos
foram direcionados a programas de capacitao inicial do professorado. Segundo esse
estudo, a formao continuada era voluntria (ustria), no estava coordenada
(Dinamarca, Itlia e Espanha), no estava conceituada como tal (Blgica, Frana, Pases
Baixos), estava dominada por cursos impostos por rgos de controle (Portugal e Reino
Unido).
Segundo HAWLEY e HAWLEY2, citado por DAY (2005, p. 167), na Amrica do
Norte a formao continuada dos professores depende da motivao e do compromisso
de cada pessoa com relao ao seu desenvolvimento e sua carreira profissional.
No Japo se prioriza o desenvolvimento colegiado e cooperativo, que se
desenvolve por meio de redes profissionais, nas quais o papel dos companheiros
influencia muito a formao continuada (SHIMAHARA3, apud DAY, 2005, p. 167).
Nesse contexto descrito, DAY enfatiza o fato de que a formao continuada tem
sido alterada de forma inequvoca pelas reformas levadas a efeito pelos Governos dos
diferentes pases. Isso tem significado, entre outras coisas, que diferentemente do que
ocorria quando era uma questo de escolha individual, essas atividades passaram a ser
um requisito, uma exigncia dos sistemas. Essa conseqncia manifesta tambm uma
tendncia a considerar o desenvolvimento como um treinamento que pode ser feito por
meio de episdios curtos e intensos, e planejados no intuito de implementar as polticas
impostas pelos rgos diretivos, e que aponte para a transformao do professor em
mero funcionrio, com a responsabilidade de difundir acriticamente conhecimentos e
destrezas.
Nesta perspectiva, DAY (2005, p. 168) considera que apesar de proporcionar
maiores oportunidades de formao aos docentes, a formao continuada, entendida
nessa abordagem, tambm pode promover: menos oportunidades de uma aprendizagem
ampla; menos opes acerca do que aprendem; menos apoio para estudar, a menos que
pertenam a algum grupo de estudos.
1 SANDER, T. Current changes and challenges in european teacher education: european yearbook of comparative studies in teacher education. Blgica: Nijs-Herrent, 1994 2 HAWLEY, C. A.; HAWLEY, W. D. Peabody journal of education, v. 72, n. 1, p. 234-245.
12
A apresentao sucinta desses elementos cumpre, aqui, a funo de indicar a
presena de uma problemtica relevante para o debate sobre o que devem aprender os
professores e como devem aprender para que se desenvolvam profissionalmente.
Essa questo tem recebido diferentes respostas elaboradas por autores de diferentes
pases, que muitas vezes so complementares e poucas vezes tm se colocado em
confronto e oposio.
Constituiu-se um certo consenso, nas ltimas dcadas, sobre a idia de superar o
conceito de racionalidade tcnica, na busca de razo da prtica, com modelos de
formao continuada ancorados nas reflexes sobre o fazer docente, no entanto, h
diferentes perspectivas sobre a prpria idia da profissionalidade, no caso dos
professores, contemporaneamente, que resultam em diferentes formas de problematizar
tanto os conhecimentos necessrios ao desses profissionais, quanto os modos pelos
quais eles aprendem a ser professores, seja na formao inicial ou na formao
continuada.
Tambm se construiu um forte consenso, nas ltimas dcadas, sobre a idia de
que, sendo uma profisso fundamentada essencialmente na aprendizagem, os
profissionais que a exercem devem estar necessariamente implicados em um processo
contnuo de aprendizagem e desenvolvimento, processo que pode ocorrer em diferentes
espaos, inclusive os virtuais, e em diferentes modalidades.
No conjunto de autores selecionados para problematizar a questo central desta
tese as possibilidades de uso das Tecnologias da Informao e Comunicao (TIC) no
processo de formao continuada de professores com vistas produo de conhecimento
incluem-se perspectivas que, por influncia francesa, examinam a formao de
professores a partir da definio de saberes profissionais que so mobilizados na ao
profissional como TARDIF, por exemplo bem como outras perspectivas que mantm a
denominao de conhecimentos sob influncia anglo-saxnica caso de STENHOUSE
e SHULMANN.
O primeiro captulo da tese percorre alguns pontos de debate sobre a questo, de
forma a constituir o eixo articulador a partir do qual se desenvolveu a pesquisa: a funo
docente, a natureza dos conhecimentos que se relacionam ao exerccio dessa funo e
as formas pelas quais os professores se desenvolvem profissionalmente.
A incluso das TIC nessa problemtica finaliza o captulo situando o objeto em
investigao.
3 SHIMAHARA, K. Professional development: the japanese view of teaching as craft. In: Norwegian National Conference on Educational Research, 6., 1997, Oslo.
13
1.1 OS PROFESSORES E SEUS SABERES
Entre os autores que tem se constitudo como referncia freqente nas pesquisas
sobre os professores, destaca-se TARDIF (2002, p. 36), que defende a idia de que a
relao dos docentes com o conhecimento no se reduz sua simples transmisso, e sim
constituio de um outro tipo de conhecimento que elaborado a partir das diferentes
relaes institudas pelos saberes oriundos de sua formao profissional e de saberes
disciplinares, curriculares e experenciais.
Segundo o autor, tradicionalmente os saberes profissionais so transmitidos pelas
instituies de formao de professores, que estabelecem uma relao de contedos que
tm como objetivo introduzir mudanas transformadoras na prtica docente. J os
saberes disciplinares so constitudos pelos grupos sociais produtores de saberes, e correspondem aos diversos campos do conhecimento, integrados hoje nas universidades
na forma de disciplinas. Os saberes experenciais, surgem a partir da vivncia dos
professores em suas atividades docentes, nas quais o trabalho cotidiano incorporado
experincia individual e coletiva sob a forma de habilidades de saber fazer e saber ser.
Para TARDIF (2002, p. 11), no contexto do trabalho, o saber docente pode ser
considerado como um tipo especfico de saber que algum possui para alcanar um
determinado objetivo. Este saber possui uma grande carga subjetiva, e est diretamente
relacionado com suas experincias de vida e com suas relaes com os alunos em sala
de aula.
Nessa perspectiva, o saber docente entendido por ele como um tipo de saber
imbudo de uma forte conotao social, pois partilhado por um grupo de agentes que
atuam em uma mesma estrutura de trabalho, e esto sujeitos s mesmas condies
fsicas e regras do estabelecimento de ensino. Outro fator que caracteriza este saber
como social o fato de suas aes estarem sujeitas a um sistema que garante sua
legitimidade e orienta sua definio e utilizao. Este sistema composto por instituies,
entidades de classe, rgos pblicos entre outros.
Ao analisar a natureza do trabalho do professor, TARDIF (2002, p. 13-14)
considera que a caracterstica social do saber docente tambm se manifesta nesta
profisso, pois prev a transformao dos alunos, sua educao e instruo. Assim, estas
complexas relaes que ocorrem entre o professor e seus alunos apresentam-se como
outra forte caracterstica social, pois os contedos ensinados pelos professores, e a forma
14
como so ensinados, evoluem com o tempo e com as mudanas sociais. Este processo
de aquisio ocorre no contexto de uma socializao profissional, sendo incorporado,
modificado e adaptado no decorrer da carreira docente.
Desta forma, TARDIF (2002, p. 36-39) compreende que os saberes docentes no se reduzem funo de transmisso de conhecimentos constitudos, pois estes so
formados por uma combinao de conhecimentos adquiridos em sua formao
profissional e de saberes disciplinares e experenciais.
Muitos destes saberes so constitudos nas relaes sociais e profissionais
estabelecidas nos locais de trabalho, bem como nas experincias e prticas do cotidiano,
experincias estas vivenciadas como docentes e como alunos. Esta bagagem cognitiva,
composta por crenas, conhecimentos e certezas de prticas docentes anteriores,
contribui para a formao dos novos profissionais da educao, que dificilmente
conseguem se formar sem estas influncias.
Alm destas influncias, vivenciadas pelos professores enquanto alunos, outros
elementos tambm compem os saberes dos professores, so eles: cultura pessoal;
conhecimentos disciplinares adquiridos na universidade; conhecimentos curriculares
veiculados por programas, guias e manuais escolares; e de seu prprio saber, baseado
em sua experincia de trabalho.
Estas caractersticas tornam os conhecimentos dos professores um tipo de saber
variado e heterogneo. Para TARDIF (2002, p. 14), um professor raramente tem uma
teoria ou uma concepo unitria de sua prtica; ao contrrio, os professores utilizam
muitas teorias, concepes e tcnicas, conforme a necessidade, mesmo que paream
contraditrias para os pesquisadores universitrios.
Esta forma de pensar sobre o trabalho docente reafirma um distanciamento entre
o espao da produo do conhecimento e o espao em que ocorrem as aes dos
professores.
Apoiada na vertente que institui a idia de uma especificidade do saber escolar,
calcada na distino entre o saber de referncia (conhecimento cientfico) e o saber que
se destina ao ensino nas escolas, tal perspectiva possibilitou compreender sob outro
ponto de vista os processos de seleo curricular e de organizao do ensino, mas por
outro lado, acentuou a dimenso de reproduo na ao docente, reservando a esfera
de produo ao mundo do saber sbio, ou seja, da pesquisa acadmica.
necessrio relembrar que, para TARDIF, os saberes disciplinares so
constitudos pelos grupos sociais produtores de saberes, que os transmitem aos
professores nas universidades e centros de pesquisa.
15
A nfase nos conhecimentos derivados da experincia muitas vezes tem
resultado na compreenso equivocada de que a teorizao incompatvel com essa
dimenso da vida prtica, distanciando pesquisa e sala de aula.
Para o autor, isso no significa, necessariamente, um problema de dilogo entre
teoria e prtica, e sim um problema entre dois tipos de teoria: uma teoria fundamentada
nas prticas e no cotidiano e outra teoria desenvolvida a partir das pesquisas e das idias
dos pesquisadores.
Desse ponto de vista, os dois autores TARDIF e CHARLOT coincidem na
defesa de que h uma dimenso terica na ao docente, ainda que as teorias utilizadas
no sejam explicitadas de forma articulada pelos prprios professores e possam parecer
contraditrias a observadores externos.
Por outro lado, TARDIF (2000, p. 12) categrico ao afirmar que a prtica
profissional no um espao de aplicao dos conhecimentos universitrios e esta ,
sem dvida, uma contribuio importante para os debates que caminham em direo
contrria idia de que o ensino exige apenas um esforo de transmisso do
conhecimento gerado no campo cientfico. Segundo ele, h um processo de adequao
destes contedos por parte dos professores, que transformam estes contedos em funo
do seu contexto concreto de exerccio da funo docente.
Contudo, a idia de adequao precisa ser problematizada para que se possa
explicitar a natureza das intervenes que o professor faz no sentido de transformar os
contedos para o ensino.
Desde a dcada de 1980, esta discusso vem estimulando autores como SCHN
(1983, 1995, 2000), LISTON e ZEICHNER (1991), ZEICHNER (1993) e STENHOUSE
(1998), que buscam compreender o papel do professor como sujeito capaz de elaborar
subsdios tericos para o desenvolvimento de sua prtica docente. Esses autores
ampliam as possibilidades de esclarecer alguns elementos da relao que os professores
estabelecem como o conhecimento na sua atuao profissional.
1.2 O PROFISSIONAL REFLEXIVO
Com o intuito de demonstrar a importncia da experincia e da reflexo na
experincia, SCHN apresenta uma proposta de formao de professores baseada na
epistemologia da prtica. Segundo PIMENTA (2005, p. 19), esta proposta reconhece a
construo do conhecimento a partir da prtica profissional, valorizando a reflexo, a
problematizao, a anlise e o conhecimento tcito.
16
A proposta desta nova epistemologia da prtica profissional surge em um
perodo marcado pelo conflito entre o saber escolar e a reflexo-na-ao. As pesquisas
de SCHN buscaram fundamentao terica em autores como John Dewey, Alfred
Schutz, Lev Vigotsky, Kurt Lewin, Jean Piaget, Ludwig Wittgenstein e David Hawkins
(SCHN, 1995, p. 80).
Esses tericos auxiliaram SCHN a problematizar a importncia da prtica, em
um contexto histrico e social que atribui maior status acadmico aos sujeitos que se
encontram mais prximos da cincia, ou, em outras palavras, da teoria. Para SCHN
(2000, p. 19), ao perceber o conhecimento terico como socialmente privilegiado, h a
tendncia de desvalorizao dos conhecimentos profissionais ensinados nas escolas.
Na busca de identificar a importncia da prtica nos processos reflexivos, SCHN
(2000, p.29-42) utiliza o termo talento artstico profissional para representar os diferentes
tipos de competncias que os sujeitos demonstram na busca da soluo de situaes
inusitadas e conflituosas. Segundo ele, a resoluo de problemas relaciona-se com o
desempenho e o procedimento, e no com antecedentes pessoais.
Para SCHN (2000), o desenvolvimento deste desempenho habilidoso no
depende somente da capacidade do sujeito de descrever o que sabe fazer, mas tambm
de como o faz, ou seja, o conhecimento que nossas aes revelam. Para identificar este
tipo de conhecimento, POLANYI (apud SCHN, 2000, p. 29) cunhou o termo
conhecimento tcito.
O conhecimento tcito, nessa concepo, est presente em diversas situaes
profissionais, artsticas e esportivas. Em muitas destas situaes os sujeitos envolvidos
desempenham atividades que dificilmente conseguiriam explicar verbalmente.
Polanyi escreveu, por exemplo, sobre a virtuosidade extraordinria com a qual reconhecemos os rostos das pessoas que nos so familiares. Ele chamou a ateno para o fato de que, quando notamos um rosto familiar na multido, nossa experincia de reconhecimento imediata. Em geral, no estamos conscientes de qualquer raciocnio anterior ou de qualquer comparao desse rosto com outros rostos guardados na memria. Ns simplesmente vemos o rosto da pessoa que conhecemos. E se algum nos perguntasse de que forma o fazemos, ou seja, como distinguimos um rosto particular de centenas de outros mais ou menos semelhantes a ele, provavelmente responderamos que no sabemos. Normalmente, no somos capazes de construir uma lista de caractersticas especficas desse rosto, distintas de outros volta dele; e mesmo se pudssemos faz-lo, o carter imediato de nosso reconhecimento sugeriria que ele no acontece por uma listagem de caractersticas (SCHN, 2000, p. 29-30).
A partir deste exemplo, pode-se compreender a importncia do conceito de
conhecimento tcito na constituio da teoria do prtico-reflexivo pelo autor. Alm desse
tipo de conhecimento, SCHN (2000, p. 31) chamou a ateno para a existncia de
performances fsicas publicamente observveis, como andar de bicicleta, ou operaes
17
privadas, como a anlise instantnea de uma folha de balano. Em ambos os casos, o ato
de conhecer est na ao e na incapacidade de sua verbalizao explcita. A este tipo de
conhecimento, SCHN denominou de conhecer-na-ao.
Este autor considera possvel, s vezes, utilizando-se da observao e da
reflexo sobre as aes, descrever o saber tcito que est implcito na atividade. Os
diferentes tipos de linguagens adotados nas descries dos atos de conhecer-na-ao
so denominados de construes. Estas construes so tentativas de explicitar um tipo
de inteligncia tcita. O processo de conhecer-na-ao diferencia-se dos fatos, teorias e
procedimentos pela sua dinamicidade, por possibilitar ajustes e por promover uma
contnua correo de erros (SCHN, 2000, p. 31).
No caso especfico da atividade docente, cabe questionar que tipo de reflexo
realizada pelos professores. PIMENTA (2005, p. 22) alerta que a nfase no protagonismo
do professor pode gerar uma valorizao exacerbada no indivduo, capaz de promover a
supervalorizao da experincia prtica para a construo do saber docente, bem como o
individualismo, resultado de uma reflexo em torno de si prprio.
Apesar de compreender a importncia da prtica no processo de construo do
saber docente, PIMENTA (2005, p. 24) afirma que este saber subsidiado pelas teorias
da educao, e so estes subsdios que possibilitam aos professores a percepo de
diferentes perspectivas, para que assim realizem uma anlise adequada e coerente ao
seu contexto histrico, social e cultural, percebendo a si mesmos como sujeitos ativos
neste processo.
Alm disso, segundo a autora, cabe ainda considerar a cultura objetivada (neste
caso, as teorias da educao) como o elemento capaz de dotar os sujeitos de uma viso
crtica que lhes possibilite interpretar uma determinada situao por diferentes ngulos. A
cultura objetivada pode desencadear um processo dialtico em relao aos saberes da
prtica, ressignificando-os e sendo ressignificada por eles. Assim, para ela, O papel da
teoria oferecer aos professores perspectivas de anlise para compreenderem os
contextos histricos, sociais, culturais, organizacionais e de si mesmos como
profissionais, nos quais se d sua atividade docente, para neles intervir, transformando-
os (PIMENTA, 2005, p. 26).
Ainda na perspectiva dos processos reflexivos, SCHN (2000, p. 32) aborda
questes relacionadas a circunstncias em que h a possibilidade do sujeito interferir na
situao em desenvolvimento. Assim, seu pensar proporciona uma nova forma de
modificar a ao, denominada por ele de reflexo-na-ao. Este tipo de pensar identifica
18
situaes que tenham propiciado um resultado inesperado, ou ainda, pode referir-se
interrupo no meio da ao para refletir sobre o processo.
Segundo o autor, a reflexo-na-ao prev a apresentao de respostas
espontneas a um determinado contexto. Situaes inesperadas desencadeiam um
processo de reflexo consciente dentro do presente-da-ao. Esta reflexo um
processo crtico, que questiona a estrutura e os pressupostos tericos do ato de
conhecer-na-ao.
Para SCHN (2000, p. 64-65), o conceito de reflexo-na-ao busca explorar sua
relao com a experimentao rigorosa na prtica. Estas relaes se estabelecem de trs
formas, a saber: ao exploratria; experimentos para testes de aes; teste de
hipteses.
A ao exploratria se d quando a ao ocorre apenas para constatar o que dela deriva, no sendo elaboradas previses nem expectativas. Os experimentos para
testes de aes so considerados como sendo qualquer atitude deliberada e realizada
com uma finalidade prvia. Assim, ... o teste de afirmao de uma ao no apenas
voc obtm o que pretende?, mas sim Voc gosta do que obtm? (SCHN, 2000, p. 65).
O experimento para o teste de hipteses utilizado na apresentao de elementos que possibilitem a diferenciao de hipteses conflitantes. Desta forma,
Quando o profissional reflete-na-ao, em um caso que ele percebe como nico,
prestando ateno ao fenmeno e fazendo vir tona sua compreenso intuitiva dele, sua
experimentao , ao mesmo tempo, exploratria, teste de aes e teste de hipteses. As
trs funes so preenchidas pelas mesmas aes. E desse fato deriva o carter
distintivo da experimentao na prtica (SCHN, 2000, p. 65).
Assim, SCHN (2000, p. 63) teoriza sobre a possibilidade do investigador utilizar
conhecimentos prvios em uma situao que ele considera nica. Segundo ele, a
capacidade de confrontar situaes incomuns considerando-as como familiares, ocorre a
partir da habilidade de associar experincias passadas ao caso nico.
Para PREZ GMEZ (1995, p. 105), o conceito da reflexo sobre a reflexo-na-
ao uma anlise a posteriori das aes realizadas pelo indivduo. Segundo ele, este
tipo de reflexo possibilita ao profissional prtico uma anlise isenta dos
condicionamentos da situao prtica, oportunizando a aplicao de instrumentos
conceituais no intuito de compreender e reconstruir sua prtica.
PREZ GMEZ (1995, p. 105-106) tambm considera este tipo de reflexo como
fundamental para a formao crtica dos professores, pois a repetio e a rotina podem
transformar o conhecimento-na-ao em um conhecimento tcito, inconsciente e
19
mecnico, o que poderia levar o profissional a reproduzir automaticamente sua
competncia prtica, aplicando-a indiferentemente nos mais variados contextos, tornando-
se insensvel s peculiaridades dos fenmenos, o que ocasionaria tambm a perda da
oportunidade de refletir criticamente sobre suas aes.
Na direo de crticas aos modelos explicativos apresentados por SCHN,
SACRISTN (2005) identifica uma tendncia ps-positivista na teoria do prtico-reflexivo.
Segundo ele, ocorre a negao da possibilidade de que da cincia se deduza a tcnica
educativa, pois devido falta de tempo e de recursos, o professor que trabalha no o
que reflete. Alm disso, SACRISTN tambm identifica no conceito do professor reflexivo
um afastamento da cincia, pois ... dar importncia metfora reflexiva significa
reconhecer que, se com a reflexo busco a prtica, porque a cincia no a pode me
dar (SACRISTN, 2005, p. 82).
Para LIBNEO (2005, p. 70-72), a concepo crtica da reflexividade deve ir alm
da perspectiva que busca promover, nos sujeitos, uma reflexo sobre suas prticas
docentes mais imediatas. Seu objetivo deve ser o de promover a apropriao terica da
realidade a partir do domnio de estratgias que possibilitem aos educadores pensar
sobre o prprio pensar. Alm disso, faz-se necessria a sistematizao de processos de
capacitao que subsidiem teoricamente os educadores em seu trabalho docente e na
resoluo de problemas em sala de aula. Em relao aos contextos polticos, sociais, institucionais, h que se considerar que no se trata apenas de buscar os meios pedaggico-didticos de melhorar e potencializar a aprendizagem dos professores pelas competncias do pensar, mas tambm de fazer leitura crtica da realidade. preciso associar o movimento do ensino do pensar ao processo da reflexo dialtica de cunho crtico. Pensar mais do que explicar e, para isso, as instituies precisam formar sujeitos pensantes, capazes de um pensar epistmico, ou seja, sujeitos que desenvolvam capacidades bsicas em instrumentao conceitual que lhes permitam, mais do que saber coisas, mais do que receber uma informao, colocar-se frente realidade, apropriar-se do momento histrico de modo a pensar historicamente essa realidade e reagir a ela (LIBNEO, 2005, p. 72).
Em sntese, necessrio dizer que as idias de SCHN foram incorporadas s
discusses sobre formao e profissionalizao dos professores no Brasil, especialmente
a partir da segunda metade da dcada de 1990, mantendo-se presente ainda hoje em
trabalhos acadmicos, tanto no sentido de tom-las como referncia para pesquisa, como
no sentido de problematizar a concepo de teoria e prtica apresentada por ele, como
o caso de PIMENTA (2005), LIBNEO (2005) e SACRISTN (2005), autores que fazem a
crtica ao modelo conceitual desenvolvido por SCHN.
A partir do exposto, entende-se que a concepo apresentada por SCHN valoriza
a construo do conhecimento a partir da prtica profissional, priorizando aes que
20
promovam processos reflexivos acerca da prtica, problematizao, anlise e
conhecimento tcito. Suas discusses buscam, por meio da observao e da reflexo
sobre as aes, descrever o saber tcito que est implcito na atividade. Sendo assim,
entende-se que h uma dissociao entre a prtica e o conhecimento a ela relacionado, o
que pode ser considerado como um limitante na perspectiva de estimular o professor a
produzir conhecimento cientfico.
1.3 O PROFESSOR PRTICO-REFLEXIVO
Dentro da mesma tendncia de discutir a ao docente a partir do conceito de
reflexividade, outros autores marcaram e marcam a discusso sobre o tema no Brasil.
Uma segunda abordagem que se deseja problematizar foi construda em torno do
conceito de profissional prtico-reflexivo.
A discusso sobre a formao de professores, compreendidos enquanto
profissionais prtico-reflexivos, exige a compreenso de diferentes perspectivas. Na
busca por problematizar esta questo, LISTON e ZEICHNER citam a concepo de
trabalho docente adotada por, BUCHMANN4, citado por LISTON e ZEICHNER (1991, p.
39-40), que caracteriza este tipo de trabalho como uma atividade fortemente influenciada
por fatores externos. Para esta autora, a comunidade de educadores considerada a
responsvel por definir o papel do professor, impedindo a eles de utilizarem quaisquer
outros mtodos, contedos ou procedimentos organizacionais. Em ltima instncia,
BUCHMANN argumenta que o papel de ensinar obriga os professores a respeitar regras
impostas pelas estruturas das disciplinas.
Em contraponto a esta concepo, os autores apresentam o pensamento de
MACMILLAN5, citado por LISTON e ZEICHNER (1991, p. 40-41), que defende a tese de
que o papel do professor definido pela prtica de ensinar. A racionalidade educacional
no pode estar simplesmente baseada na compreenso do papel do professor como algo
4 BUCHMANN, M. The use of reserarch knowledge in teacher education and teaching. American Journal of Education, v. 92, n. 4, p. 421-434, 1984. _______. Role over person: morality and authenticity in teaching. Teachers College Record, v. 87, n. 4, p. 529-543, 1986. _______. Impractical philosophizing about teachers arguments. Educational Theory, [S.l.], v. 37, n. 4, p. 409-412, 1987a. _______. Teaching knowledge: the lights that teachers live by. OXFORD REVIEW OF EDUCATION, v.13, n. 2, Oxford, p. 151-164, 1987b. 5 MACMILLAN, C. J. B. Defining teaching: role versus activity. In: ARNSTINE, D.; ARNSTINE, B. Philosophy of education. [S.l.]: 1987, p. 363-372.
21
determinado pela grande comunidade de educadores, mas principalmente pela sua
atividade prtica.
Apesar de concordar que, posteriormente, a comunidade pode exercer influncia
sobre as atividades do professor, MACMILLAN compreende que a tica de ensinar, bem
como os limites desta atividade, so providos pela prpria noo de ensinar,
independente de qualquer contexto social ou institucional. Porm, ao tomarem parte de
uma comunidade, estes professores passaro a seguir critrios e padres impostos por
este contexto social.
Ao considerar a coerncia e coeso interna da comunidade de professores, os
autores concordam que esta a comunidade mais relevante na formao docente.
LISTON e ZEICHNER (1991, p. 42) exploraram as concepes de conhecimento dos
professores e, segundo eles, enquanto grupo ou profisso, os professores no so
valorizados por seus conhecimentos, sejam eles cotidianos ou acumulados.
Portanto, nas discusses relacionadas ao papel dos professores na produo de
conhecimentos, LISTON e ZEICHNER (1991, p. 92) identificam a existncia de uma
situao de desvalorizao dos conhecimentos dos professores, particularmente
evidenciada no pensamento de autores como LORTIE6 e JACKSON7 que afirmam que
falta aos professores conhecimento profissional e habilidade tcnica. Desta forma, os
professores passam a ser considerados como indivduos que fundamentam seus
julgamentos em sentimentos pessoais e na limitada subjetividade da experincia.
Por outro lado, LISTON e ZEICHNER (1991, p. 62-63) apresentam tambm
correntes de pensamentos que valorizam o conhecimento dos professores. Os estudos de
ELBAZ8 e CONNELLY e CLANDININ9 tomam o conhecimento dos professores como algo
rico, substancial e confivel. Eles criticam correntes que depositam um grande valor na
cincia e em pesquisas avanadas, e no o suficiente na prtica dos professores e em
suas experincias pessoais.
Para LISTON e ZEICHNER (1991, p. 64), os ... professores possuem um vasto
repertrio de conhecimento prtico baseado em experincias pessoais e profissionais,
que se originaram em problemticas do cotidiano docente, e integrado com
conhecimentos tericos sobre crianas e aprendizagem 10 (traduo livre do autor).
6 LORTIE, D. School teacher: a sociological study. Chicago: University of Chicago Press, 1975. 7 JACKSON, P. Life in classrooms. New York: Holt, Rinehart & Winston, 1968. 8 ELBAZ, F. Teacher thinking: a study of practical knowledge. London: Croom Helm, 1983. 9 CONNELLY, F.; CLANDININ, D. J. Teachers as curriculum planners. New York: Teachers College Press, 1988. 10 teachers have a vast repertoire of practical knowledge based on personal and professional experiences, rooted in the problematics of everyday teaching, and integrated with theoretical knowledge about children and learning
22
Neste contexto, o professor passa a ser percebido como um agente reflexivo e
deliberativo, o que poder ser um fator que contribui para aumentar a probabilidade de
mudanas efetivas ocorrerem nas escolas, pois estes professores passam a se
considerar sujeitos autnomos e capazes de promover eventos e situaes de maneira
indita.
Para LISTON e ZEICHNER (1991, p. 90-124), os professores acreditam que
podem contribuir positivamente para o desenvolvimento humano, pois para eles, ao
fechar a porta de sua sala de aula podero deixar suas marcas nos alunos; marcas
estas compostas por uma complexa trama de conhecimentos intimamente vinculada a
determinados contextos sociais, pessoais e educacionais.
Ao discutirem a dicotomia existente na literatura acerca dos saberes produzidos
pelos professores e pelos pesquisadores, LISTON e ZEICHNER (1991, p. 125)
demonstram que de um lado alguns professores acusam os pesquisadores de produzirem
um tipo de conhecimento, que para poder ser utilizado em diferentes situaes de ensino
precisam ser caracterizados pelo contexto e pela neutralidade em relao a valores
sociais e educacionais. Por outro lado, h uma corrente de pesquisadores que afirma que
os conhecimentos produzidos pelos professores relacionam-se a um contexto social e
pessoal muito especfico, dificultando assim sua utilizao em diferentes realidades.
Na tentativa de superar esta viso dicotmica entre professores e pesquisadores,
LISTON e ZEICHNER (1991, p. 126) argumentam que a produo de conhecimento e sua
utilizao sejam consideradas como processos complementares, e no como diferentes
ocupaes de pesquisadores e professores. Ambos, pesquisadores e professores,
devem estar engajados na produo e utilizao do conhecimento.
Assim, ZEICHNER (1993, p. 18) cunha o conceito de professor prtico-reflexivo,
que considerado um profissional que compreende a existncia de mltiplas solues
para um determinado problema, aceitando sua realidade cotidiana como uma entre muitas
outras, mantendo tambm sua postura crtica em relao s opinies dominantes
apresentadas em uma determinada situao. Porm, o autor aponta quatro circunstncias
que podem comprometer a efetivao dessa perspectiva (1993, p. 22-23).
A primeira refere-se s propostas que estimulam os professores a copiarem
prticas elaboradas por outros professores, negligenciando sua prpria criatividade e
experincia. A segunda circunstncia destaca a persistncia de utilizao das
capacidades e estratgias da racionalidade tcnica. Isso pode limitar o processo reflexivo,
impossibilitando aos professores a discusso de assuntos relacionados ao que deve ser
ensinado, a quem e seus porqus.
23
A valorizao de uma tendncia individualista considerada como um terceiro
aspecto que pode inviabilizar a formao de um professor prtico-reflexivo, pois, apesar
de compreender a importncia da preocupao do professor nos assuntos que ocorrem
em sua sala de aula, a limitao de sua ateno a estes problemas pode ser considerado
um equvoco.
O quarto aspecto refere-se ao isolamento dos professores no processo reflexivo.
Esta situao pode promover, no professor, a compreenso de que seus problemas so
pessoais, no havendo relaes com outros professores ou com a estrutura da escola e
do sistema educativo.
Alm destes fatores, ZEICHNER alerta sobre a necessidade de haver uma
anlise criteriosa acerca dos saberes produzidos pelos professores, pois a reflexividade
no deve ser considerada como um elemento capaz de justificar por si s a natureza ou a
qualidade destes saberes. Assim, em vez de aceitarmos sem crticas tudo o que um
professor diz ou faz, s porque foi produzido por um professor, temos de nos debruar
mais sobre a natureza e qualidade das reflexes dos professores e sobre o saber que
produzem (ZEICHNER, 1993, p. 25).
Para essa anlise ZEICHNER (1993, p. 25) aponta os elementos centrais das
tradies de ensino como critrios para o bom ensino, tais como: a representao das
disciplinas, a compreenso do aluno, as estratgias de ensino sugeridas pela
investigao, as conseqncias sociais e os contextos do ensino.
Segundo ele, no basta atribuir poderes individuais aos professores, pois o ensino
reflexivo somente justifica seu sentido enquanto prtica social, ou seja, quando h uma
articulao efetiva com as condies sociais nas quais se situa esta prtica. Assim, deve
haver o compromisso de criar condies para a formao de comunidades de
aprendizagem que apiem e sustentem o crescimento de outros professores (ZEICHNER,
1993, p. 26).
Para o autor, na busca de realar a reflexo, como modo de prtica social na
comunidade de professores, a sistematizao de fruns para discusses tem sido
considerada como uma estratgia til para esta formao, mesmo em pases como os
Estados Unidos da Amrica, onde prevalece uma postura social mais individualista
(ZEICHNER, 1993, p. 37).
Estas experincias buscam superar a situao de isolamento dos professores,
que pode lev-los a desconsiderar o contexto social, percebendo seus problemas como
sendo apenas seus, ignorando as relaes com outros professores e com as estruturas
das escolas e dos sistemas educativos (ZEICHNER, 1993, p. 58).
24
Ao reconhecer o professor como um sujeito capaz de produzir determinados
saberes relacionados sua prtica profissional, ZEICHNER (1993, p. 59) alerta para a
necessidade de uma anlise criteriosa acerca destas produes, apresentando inclusive
alguns temas que podem impedir que uma aprendizagem docente genuna ocorra, so
eles: negligncia das teorias e conhecimentos incorporados nas suas prprias prticas, e nas dos outros professores; ignorar questes curriculares; ignorar o contexto
social e institucional que o ensino tem lugar; insistncia em ajudar os professores a
refletirem individualmente. Assim, entende-se que suas anlises apontam para uma
direo que se aproxima das crticas feitas no Brasil aos trabalhos de SCHN (PIMENTA,
2005; LIBNEO, 2005).
Tambm no est presente, em sua obra, uma discusso mais precisa sobre os
processos relacionados sistematizao destes saberes dos professores. A necessidade
de constituio de comunidades de professores, voltadas reflexo enquanto modo de
prtica social, por si s no explicita as formas e possibilidades de colocar em circulao
os saberes sistematizados pelos professores.
Assim, considera-se que as discusses acerca da constituio do conceito do
prtico reflexivo, apresentado por LISTON e ZEICHNER (1991), avanam em relao
teoria do profissional reflexivo (SCHN, 1983), pois contextualiza o problema na
perspectiva das atividades docentes, mas ainda assim no contempla avanos no debate
das questes relacionadas formalizao, sistematizao e veiculao dos
conhecimentos dos professores. Com relao aos conhecimentos concernentes s
disciplinas, seus contedos e metodologias, mantm-se a dicotomia entre os espaos de
produo e os espaos de transmisso.
1.4 O PROFESSOR-INVESTIGADOR
Como se procurou apresentar at aqui, no mbito educacional se configurou nas
ltimas dcadas certo consenso sobre a existncia de uma viso dicotmica entre teoria e
prtica - atribuindo-se maior status social ao conhecimento cientfico do pesquisador do
que experincia e o conhecimento prtico do professor posio esta que tem gerado
debates e a presena de algumas respostas produzidas por diferentes autores na direo
de superar essa dicotomia.
Neste contexto, STENHOUSE (1998, p. 39) apresenta-se como um terico que
defende a participao efetiva dos professores nos processos de pesquisa cientfica para
que os resultados possam ser utilizados nas escolas, pois segundo ele, as pesquisas que
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no atendem as necessidades das disciplinas podem ser consideradas como
teoricamente inocentes.
STENHOUSE considera que as dificuldades de transformar a realidade dos
professores em trabalho de investigao devem-se sua falta de confiana e de
experincia. Segundo ele (1998, p. 28), a investigao pode ser definida como uma
indagao sistemtica e autocrtica, entretanto, no se trata de uma curiosidade pontual e
passageira. Para o autor, trata-se de uma curiosidade estvel e calcada em uma
estratgia de pesquisa, princpios crticos e hipteses prprias. Tais caractersticas so
inerentes ao perfil de pesquisadores cientficos que, fundamentando-se em leis e teorias
gerais, sistematizam e categorizam os dados obtidos em suas observaes.
Ao problematizar o uso das pesquisas cientficas por professores, STENHOUSE
chama a ateno para o fato de que essa aplicao deve ser olhada a partir das
dificuldades relativas aos modelos de investigao utilizados. Para ele, grande parte das
descobertas dos pesquisadores est fundamentada em experimentos cientficos de
pequena escala ou de laboratrio e, portanto, no so de aplicao direta a outras
situaes de aula.
Por outro lado, a aplicao de resultados derivados de interpretaes ou
percepes do pesquisador em modelos de investigao naturalista depende de um alto
grau de compreenso e da qualidade das anlises do professor sobre as relaes entre o
caso especfico e sua prpria atuao nas aulas (STENHOUSE, 1998, p. 38).
Isso, para STENHOUSE, fundamentalmente para se compreender que sem
uma reao investigadora dos professores a investigao dos pesquisado