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Os Bastidores de uma Pesquisa em História da Educação e o Uso da História Oral: entre as
Memórias e Histórias da Criação de um Museu Histórico Universitário
TATIANE VEDOIN VIERO*
Introdução
Atualmente, a História da Educação vem alcançando a sua consolidação como campo
de conhecimento específico, por meio da realização de eventos, publicação de periódicos
científicos e da criação e atuação de grupos de pesquisa através dos programas de pós-
graduação. Esta área do conhecimento tem se consagrado como um campo multidisciplinar,
agregando pesquisadores oriundos de diferentes campos científicos que muito podem
contribuir com a História da Educação.
Em relação à memória esta pode ser considerada como uma faculdade humana, a arte
da lembrança. A sociedade procura perpetuar, eternizar o que não quer esquecer como fatos e
acontecimentos que considera marcantes e assim, transmitir para gerações futuras essas
lembranças. Vale destacar que a memória e o esquecimento, não são antagônicos. Uma vez
que, muitas vezes algo que pode estar esquecido na memória pode retornar às lembranças.
Nesse sentido, em minha pesquisa de doutorado analiso a gênese e consolidação
através dos processos e motivações que levaram a criação de um museu histórico universitário
na Universidade Federal do Rio Grande-FURG. Esta universidade em 1994 quando da
passagem dos seus 25 anos de fundação, teve por meio da Superintende de Extensão então à
época a motivação para a realização de um projeto de extensão denominado “Núcleo de
Memória da URG1”, que nasceu conforme descrito no próprio documento da necessidade de
se resgatar a memória da universidade. Tal documento descreve ainda os objetivos de
(PROJETO DE EXTENSÃO “NÚCLEO DE MEMÓRIA DA URG”, 1994, p. 01):
Formar um banco de dados sobre a história da URG envolvendo informações:
fotográficas, orais e áudio-visuais; encontrar um local permanente para exposição
do local coletado, incentivar a pesquisa histórica como forma de avaliar a
* (UFPel, Doutoranda em Educação) 1URG significava Universidade do Rio Grande na época, atual FURG.
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caminhada e projetar ações globais e retomar o projeto – URG – uma memória a
ser preservada2.
Esse projeto de extensão de 1994 foi desativado após as festividades dos 25 anos
sendo reativado em 1999 pela passagem dos 30 anos de fundação da universidade e se
consolidando em um museu da história da FURG a partir de 17 de dezembro do mesmo ano.
Foi quando o museu denominou-se de Núcleo de Memória Engenheiro Francisco Martins
Bastos-NUME, ligado à Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis-PROACE3.
Nesse trabalho utilizo-me da corrente historiográfica caracterizada como Nova
História Cultural que vem sendo empregada nos trabalhos articulados à História da Educação.
Como paradigma de investigação, a Nova História Cultural é um grande marco para a História
da Educação, permitindo aos pesquisadores a construção narrativa, o enfoque de temas, fontes
e problemas de pesquisa. Para essa corrente historiográfica, “os documentos que descrevem
ações simbólicas do passado não são textos inocentes e transparentes”; foram elaborados por
diversos pesquisadores com diferentes intencionalidades. Cabe à nós, historiadores vinculados
a essa teoria decifrá-los. (HUNT, 2001). A Nova História Cultural também caracteriza-se por
um campo multidisciplinar e para Pesavento (2003) esse paradigma apresenta mais dúvidas
do que certezas e isto não extingue do pesquisador a aventura de tentar capturar a vida e
sentimentos dos homens do passado.
A Nova História Cultural é importante para os pesquisadores da História da Educação,
pois, trabalha com uma concepção que não acredita apenas em uma verdade absoluta, mas
possíveis interpretações advindas das fontes disponíveis. De acordo com Pesavento (2004) foi
em decorrência da vertente neomarxista inglesa e da História francesa do Annales que
resultaram na abertura da nova corrente historiográfica chamada de História Cultural ou Nova
História Cultural. A Nova História Cultural pensa a cultura como “um conjunto de
significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo” (PESAVENTO,
2004: p. 15).
2 Foi respeitada a grafia da época. 3 A PROACE comportava as atividades de assistência estudantil e extensão, mas em 2010 quando da aprovação
do atual Regimento Interno da Reitoria, tais atividades foram desmembradas em duas novas Pró-Reitorias sendo
uma delas a Pró-Reitoria de Extensão e Cultura-PROEXC, a qual o museu está vinculado.
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Desta forma, pretendo apresentar e discutir neste trabalho, o caminho metodológico
que venho percorrendo e como venho utilizando a História Oral em meu processo
investigativo. Essa discussão justifica-se no âmbito da História da Educação devido as
grandes contribuições da História Oral como fonte4
4 Compactuo com a utilização do termo fonte na concepção de Ragazzini (2001) que diz que a fonte é uma
construção do pesquisador, a única forma de contatar o passado e que permite formas de verificação.
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para esse campo do conhecimento e também como meio de ressaltar a importância dos
museus para a preservação de acervos e consequentemente, da memória e História da
Educação. Considero relevante comunicar este trabalho onde exponho os bastidores da
pesquisa, pois geralmente divulgamos os resultados das investigações e os caminhos que nos
levaram a eles ficam “esquecidos”. Isto pode colaborar com outros pesquisadores que também
estão se utilizando da História Oral como fonte.
Na sequência do texto estarei apresentando a História Oral e a memória, onde faço
uma concisa explanação sobre ambas, e posteriormente, apresento uma breve descrição sobre
a fundação da Universidade Federal do Rio Grande-FURG e o Museu Histórico Universitário
Núcleo de Memória Eng. Francisco Martins Bastos-NUME e minha primeira experiência na
pesquisa com a utilização da História Oral. Por fim, concluo o presente texto com as
considerações finais que na prática constitui-se ainda de resultados parciais, pois a pesquisa
encontra-se em desenvolvimento.
A História Oral e a memória: reconstituindo o passado por meio das lembranças
Gostaria de iniciar essa seção discutindo sobre a memória. Foi a partir do século XX
principalmente através dos estudos do sociólogo Maurice Halbwachs que a memória começou
a ser considerada para além de uma faculdade, mas também como reconstrução social, um
fenômeno, suas principais contribuições se deram em relação a memória coletiva e os quadros
sociais da memória.
A era da memória como reconstrução social data por volta dos anos 80 onde se tem os
primeiros arquivos orais sobre o Holocausto, por exemplo. Considero relevante destacar a
diferença entre memória e história, e sobre isso, destaco o que diz NORA (1981: p. 09) que
salienta,
A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está
em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento,
inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e
manipulações... a história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do
que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual um elo vivido no
eterno presente, a história uma representação do passado. Porque é afetiva e
mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a confortam, ela se alimenta de
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lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas,
sensível a todas as transferências, cenas, censuras ou projeções.
Memória e esquecimento podem ser manipulados, ou seja, se pode escolher o que
lembrar e o que esquecer, muitas vezes as pessoas optam por esquecer momentos dolorosos,
momentos traumáticos e outras vezes o que estava esquecido pode retornar subitamente na
memória.
Para Pollak (1992) a memória possui alguns elementos constitutivos, sendo os
acontecimentos vividos individualmente pela pessoa e os acontecimentos “vividos por
tabela”, que são os acontecimentos vividos pelo grupo pela coletividade a qual a pessoa sente
pertencer. Juntam-se a estes acontecimentos vividos por tabela “todos os eventos que não se
situam dentro do espaço-tempo de uma pessoa ou de um grupo” (POLLAK, 1992: p. 02).
Halbwachs (1990) faz referência à memória coletiva, evocação de um acontecimento
que teve lugar na vida de um grupo e que se considerava e ainda considera no momento em
que é lembrado, do ponto de vista desse grupo. Porém, a memória coletiva não explica todas
as nossas lembranças, contudo, nada prova que as noções e imagens extraídas dos meios
sociais que fazemos parte e que intervém na memória, não cubram como acontece com uma
tela de cinema uma lembrança individual, mesmo quando não a percebemos.
A memória é também um instrumento de identidade e sobre isso, Candau (2012) diz
que ambas são indissociáveis. Assim, a memória individual, a memória coletiva e a
identidade, se mesclam no processo de empoderamento e significação dos sujeitos envolvidos,
reconstruindo eventos, acontecimentos que fizeram e fazem parte da história social de um
grupo, de um povo, de uma instituição etc.
A História Oral é considerada uma metodologia de pesquisa, surgida em meados do
século XX, posteriormente a invenção do gravador e da fita, consiste de entrevistas gravadas
com pessoas que participaram ou testemunharam acontecimentos, conjunturas do passado e
presente, as entrevistas têm o seu contexto de produção nos projetos de pesquisas, que
possibilitam quem entrevistar, o que e como perguntar e o destino da fonte produzida
(ALBERTI, 2011). Para a autora a História Oral permite “histórias dentro da história”
ampliando as possibilidades de interpretação do passado. Amado (1995) também considera a
História Oral importante para a reconstrução de acontecimentos do passado recente.
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Considero a História Oral uma metodologia que através das narrativas evocadas pela
memória nos permite uma maior compreensão dos fatos acontecidos. Mas, cabe destacar que
nem toda entrevista pode ser considerada uma História Oral, pois ela depende de um método
científico a ser seguido, do mesmo modo como ocorre com outros métodos de pesquisa. Para
Delgado (2010: p. 15)
A história oral é um procedimento metodológico que busca, pela construção de
fontes e documentos, registrar, através de narrativas induzidas e estimuladas,
testemunhos, versões e interpretações sobre a História em suas múltiplas
dimensões: factuais, temporais, espaciais, conflituosas, consensuais.
Conforme Errante (2000), a História Oral expressa a identidade do narrador, ela se
distingue de outras entrevistas porque é mediada pelo contexto da rememoração. É uma
experiência vivida, os narradores também negociam o seu contexto de rememoração (podem
sugerir perguntas).
Thomson (1997) também salienta que há alguns historiadores resistentes ao uso da
História Oral, pois argumentam que não há confiabilidade nas narrativas, nas memórias, a
memória para esses críticos não seria confiável como fonte histórica porque poderia ser
distorcida pela deterioração física e pela nostalgia da idade, pelas tendências pessoais do
entrevistador e pela influência das versões coletivas e retrospectivas do passado.
Mas cabe o questionamento se isso também não pode ocorrer com outras fontes
incluindo até mesmo as documentais? Quem nos garante que um documento escrito, oficial,
realmente está retratando com fidedignidade os acontecimentos passados? Como por
exemplo, uma fotografia de um acontecimento que pode ter sido adulterada, sobre uma ata de
reunião, quem garante que não foram manipulados quando da sua criação? Um nome, uma
data alterada, acontecimentos e decisões suprimidas. Tudo o que está escrito ou impresso
pode mesmo ser considerado fidedigno? Compete ao pesquisador fazer essa problematização
em relação às fontes que utiliza.
A História Oral tem a capacidade de ligar o passado, ao presente, para Alberti (2004:
p. 42),
Podemos, pois, concluir, com relação a especificidade da história oral: sua grande
riqueza está em ser um terreno propício para o estudo da subjetividade e das
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representações do passado tomados como dados objetivos, capazes de incidir (de
agir, portanto) sobre a realidade e sobre nosso entendimento do passado.
A metodologia da História Oral se compõe do entrevistador e do entrevistado. Essa
interação deve ser muito cuidadosa, principalmente, nos casos que evocam memórias
dolorosas e que muitas vezes o entrevistado não gostaria de recordá-las, nestas situações o
entrevistador necessita de muita cautela.
Para Alberti (2011) a entrevista é uma fonte de pesquisa e não a História propriamente
dita, ou seja, ela assim como as outras fontes necessita de interpretação e análise. O
documento textual deixou de ser uma fonte exclusiva do passado, além das entrevistas, faz-se
uso de fotografias, desenhos, filmes etc. As entrevistas podem ser úteis para a História de
instituições tanto públicas quanto privadas e uma das questões mais relevantes da História
oral está em permitir “o estudo das formas como pessoas ou grupos efetuaram e elaboraram
experiências, incluindo situações de aprendizado e decisões estratégicas” (ALBERTI, 2011:
p. 165).
Amado (1995: p. 134 - 135) também se reporta ao uso da História Oral como fonte:
Penso que entrevistas podem e devem ser utilizadas por historiadores como fontes
de informação. Tratadas como qualquer documento histórico, submetidas a
contraprovas e análises, fornecem pistas e informações preciosas, muitas inéditas,
impossíveis de serem obtidas de outro modo. Pesquisas baseadas em fontes orais,
publicadas nos últimos anos, têm demonstrado a importância das fontes orais para
a reconstituição de acontecimentos do passado recente.
Muitos autores afirmam que não há história sem documentos. A escola positivista
durante os séculos XIX e início do XX fizeram dos documentos a “veracidade” dos
acontecimentos, a questão da neutralidade do documento escrito como fonte histórica. Cuidar
e relativizar, a História Oral não se faz somente se não há outro documento, muitas pesquisas
vão na direção da complementaridade das fontes.
No próximo subcapítulo apresento como se deu a criação da FURG e retomo
aprofundando alguns aspectos também da criação do museu que vem sendo investigado e
descrevo como vem se dando o caminho que venho perfazendo em minha pesquisa de
doutorado, em relação a História Oral.
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A História Oral como fonte: os bastidores de um percurso de pesquisa
Inicialmente, vou contextualizar a criação da Universidade Federal do Rio Grande-
FURG, pois o museu investigado é vinculado à esta instituição e tem por objetivo a guarda e
preservação de acervos que contam a sua história. A FURG foi criada oficialmente em 20 de
agosto de 1969, através do Decreto – Lei 774, que autorizou o seu funcionamento como
Universidade do Rio Grande-URG. Em 21 de outubro de 1969, foi aprovado o Estatuto da
Fundação Universidade do Rio Grande, como uma entidade mantenedora da URG, seu
primeiro Reitor foi o Professor Adolpho Gundlach Pradel. Pelo Decreto – Lei de sua criação,
só poderiam se integrar a ela, cursos reconhecidos pelo Ministério da Educação.
Em 1994 quando da passagem dos 25 anos de fundação da FURG, instituiu-se a
“Comissão Coordenadora das Festividades Alusivas ao 25º Aniversário da Universidade
Federal do Rio Grande” ligada ao Gabinete do Reitor e presidida pela professora Irani Barlem
Círia. Neste mesmo ano as professoras Nilza Rita Fontoura e Lília Maria B. Hartmann
responsabilizaram-se pela execução do projeto de extensão denominado “Núcleo de Memória
da URG” que pretendia “resgatar a memória da universidade” (PROJETO DE EXTENSÃO,
1994, p. 01), por ocasião dos seus 25 anos. O período de execução deste projeto foi de janeiro
a junho de 1994. Em 20 de agosto de 1994 o Núcleo de Memória passou a denominar-se
Núcleo de Memória Engenheiro Francisco Martins Bastos devido a liderança deste
engenheiro5 para que a universidade fosse fundada (BORTHEIRY-MEIRELLES, 2008).
Após a comemoração dos 25 anos da FURG em 1994 o projeto foi interrompido por
falta de espaço físico para a guarda do acervo, sendo reativado somente em 1999 pela
passagem dos 30 anos de fundação da universidade e mais uma vez institui-se uma nova
comissão denominada “Subcomissão do Núcleo de Memória” coordenado desta vez pela
professora Aída Luz Bortheiry Meirelles por iniciativa da então na época Pró - Reitoria de
Assuntos Comunitários e Estudantis – PROACE. Desenvolveram-se atividades dentro de um
5 Francisco Martins Bastos foi o primeiro presidente da Fundação Cidade do Rio Grande (fundada em 1953 e
mantenedora da Escola de Engenharia Industrial do Rio Grande) de 1953 a 1987 e recebeu o título de Honorífico
concedido pelo Conselho Universitário em 01 de julho de 1971.
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novo projeto de extensão, consolidando-se como uma atividade permanente de extensão,
pesquisa e ensino. Em 17 de dezembro de 1999 consolida-se como um museu histórico
vinculado a PROACE. Em 07 de janeiro de 2000 o NUME foi inaugurado na sala 19 do
Campus Cidade.
Em 20 de agosto de 2001 o NUME instalou-se em nova sede (sede atual) onde
funcionou a Reitoria da FURG dos anos 80 a 2001 também no Campus Cidade (atual Campus
Rio Grande do Instituto Federal do Rio Grande do Sul), “logo após a reativação do NUME,
verificou-se a necessidade de criação de um espaço próprio dentro da universidade para
recolher a maior parte dos documentos no campo intelectual e para que as pesquisas sobre a
história da universidade fossem realizadas” (BORTHEIRY-MEIRELLES, 2008: p. 198).
Em 06 de dezembro de 2002 o NUME teve seu regimento aprovado pelo Conselho
Universitário. Neste mesmo ano o NUME foi cadastrado no Sistema Estadual de
Museus/SEM e no Guia de Museus/RS e, posteriormente, em 2006 no Sistema Nacional de
Museus e no Ano Ibero-americano de Museus – Museus como Agentes de Mudança Social e
Desenvolvimento em 2007.
De acordo com seu regimento o objetivo do museu é “resgatar, preservar e divulgar a
história da Universidade Federal do Rio Grande, construindo uma visão coerente do
desenvolvimento da instituição” (REGIMENTO DO NÚCLEO DE MEMÓRIA
ENGENHEIRO FRANCISCO MARTINS BASTOS, 2002, CAPÍTULO 1, ARTIGO 2º).
O NUME já elaborou ao longo de sua existência materiais como: de divulgação do
próprio museu, por exemplo, folders, cartazes, banners, livros didáticos entre eles “Os
museus: espaços de ensino, pesquisa, arte, cultura e lazer” para o público adulto e “Um dia no
museu” para o público infantil, várias publicações sobre a história institucional da FURG,
mesas-redondas e gravação de entrevistas também sobre a história da universidade.
Sobre o acervo do museu sua tipologia compreende “a história universitária e
produção acadêmica da comunidade universitária” (BORTHEIRY-MEIRELLES, 2008, p.
221), a abrangência do acervo reúne (BORTHEIRY-MEIRELLES, 2008: p. 222):
Informações relevantes e materiais (projetos, relatórios, teses publicações, mapas,
jornais, fotos, quadros, placas, objetos de uso pessoal, equipamentos e móveis que
documentam a história da FURG desde as primeiras faculdades na década de 50
até os dias atuais, ressaltando o ser e o fazer das lideranças que possibilitaram que
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a universidade se tornasse uma realidade bem como a interação universidade –
comunidade.
O acervo do museu se constitui de doações de membros da comunidade universitária e
da comunidade geral, quando do ato, o doador preenche uma ficha. Além de propiciar espaços
de ensino, pesquisa e extensão, por meio de estágios voluntários aos acadêmicos da FURG, a
possibilidade de elaboração de monografias, dissertações e teses6, o NUME também realiza
exposições permanentes, transitórias e itinerantes e participa através de exposições e
atividades em maio da Semana dos Museus, em agosto da Semana Universitária, em
dezembro da Semana do NUME e na Feira do Livro da FURG, todos os anos.
Após esta breve exposição histórica do surgimento do NUME darei início ao relato do
caminho percorrido até o presente momento na minha pesquisa de doutorado. O problema da
tese que por ora se desenvolve surge em decorrência de algumas indagações como, por
exemplo: para o quê realmente se criou o museu? Para quem realmente se criou? O museu é
um lugar de memória ou um lugar de esquecimento? Quem decide o quê e quando preservar?
Minha hipótese é que a criação do museu não surgiu por uma iniciativa institucional, mas sim
de um grupo de professores e técnicos (alguns já aposentados e outros ainda ativos) que
idealizaram e fundaram o museu como forma de preservar suas memórias e deste modo, o
museu hoje constitui-se mais como um lugar de esquecimento do que de memória, pois não
possui políticas de memória.
Primeiramente, iniciei minha investigação pela pesquisa documental para obter os
primeiros dados, informações sobre o museu em questão e também para abiscoitar nomes,
pessoas, enfim, que me pudesse vir a compor o grupo de entrevistados para a História Oral.
Compreendo também em relação às fontes e métodos, que a utilização de várias fontes pode
contribuir muito com a pesquisa, através do entrecruzamento dos dados.
6 O acervo do NUME já propiciou a elaboração de duas dissertações na área da História da Educação, sendo
elas: Escola de Engenharia Industrial: a gênese do ensino superior na cidade do Rio Grande (1953-1961)
de autoria de Vanessa Barrozo Teixeira e Faculdade Católica de Filosofia de Rio Grande/RS: primeiros anos
da formação docente no ensino superior (1960-1969) de autoria de Josiane Alves da Silveira, ambas do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas na linha de pesquisa Filosofia e
História da Educação.
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A pesquisa documental se vale de documentos que não sofreram um tratamento
científico, ultrapassa a ideia de textos escritos ou impressos, por isso difere da pesquisa
bibliográfica. O grupo documental constituiu-se de documentos oficias da FURG como atas
de reuniões da comissão Executiva e regimento do NUME, fotografias do museu, resoluções e
portarias do Gabinete do Reitor, plano político pedagógico do curso de Arquivologia,
regimento geral da universidade, regimento da Reitoria, jornal universitário ‘FURG em
Notícia” e o projeto de extensão da exposição dos 25 anos da FURG de 1994 que deu origem
ao museu. Foi realizada uma primeira leitura, pré-análise dos documentos a fim de selecionar
as informações relevantes para a hipótese inicial da tese, posteriormente, serão analisados sob
a ótica da análise documental historiográfica elaborando categorias temáticas com base nas
próprias informações obtidas através das fontes documentais. Os documentos propiciaram
muitas informações importantes, mas a metodologia da História Oral permitirá um maior
aprofundamento das informações documentais.
Com base nos dados que obtive por meio da pesquisa documental até então, proponho
a realização das entrevistas, com sujeitos que vivenciaram a criação, a história do NUME,
como por exemplo, os presidentes do museu, os professores e técnicos que compuseram a
Comissão Coordenadora das Festividades Alusivas ao 25º aniversário da FURG, as
professoras coordenadoras do projeto de extensão de 1994, citado anteriormente, e outras
pessoas que pelo desenvolvimento da pesquisa, podem ser ainda ser “descobertos” como
participantes do período e contexto estudado. Até o presente momento foi realizada uma
entrevista a qual foi realizada no início de 2015, futuramente, novos contatos estarão sendo
realizados para proceder e dar andamento as mesmas.
Meu primeiro entrevistado foi o atual presidente do museu, o qual esteve envolvido no
projeto de extensão da exposição de 1994 da passagem dos 25 anos da FURG, era o Pró-
Reitor da PROACE em 1999 quando da reativação do projeto e consolidação em museu em
1999. Inicialmente, estabeleci um primeiro contato para me apresentar e falar do objetivo da
pesquisa. Utilizei um roteiro com perguntas semi-estruturadas, por entender que esta forma de
entrevista é a que mais se adequa a realização de minha pesquisa, pois permite uma sequência
lógica de informações a serem obtidas e não estingue a articulação entre o entrevistador e
entrevistado, propiciando narrativas mais detalhistas que proporcionarão uma análise mais
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aprofundada. Foi exatamente o que aconteceu em minha entrevista, conforme o entrevistado
ia-me relatando suas lembranças sobre os fatos, eu podia ir fazendo outras perguntas que
podiam complementar determinadas informações.
O roteiro das entrevistas foi composto pelas seguintes perguntas: Qual o seu nome
completo, cargo que ocupa e/ou ocupava na FURG e quando foi seu ingresso? Qual foi o seu
envolvimento na criação do Núcleo de Memória da FURG? Você sabe como e de quem
surgiu a ideia de um espaço para a preservação da história e memória da FURG (iniciativa,
objetivo)? Quais foram as pessoas envolvidas? Você sabe alguma coisa sobre os espaços
físicos que foram ocupados pelo NUME ao longo de sua história? Qual a sua opinião sobre a
preservação da história e memória da FURG? O que você pensa sobre o papel NUME hoje?
Você sabe como o acervo agregou-se ao NUME? Você tem ou saberia de algum documento,
fotografia sobre a criação e história do NUME? Você sabe de outras pessoas que também
participaram da criação do NUME e que poderiam vir a acrescentar a pesquisa?
Essas perguntas foram realizadas tendo em vista o objetivo do meu projeto de
pesquisa, que cabe relembrar é o de analisar a gênese e consolidação através dos processos e
motivações que levaram a criação de um museu histórico universitário na Universidade
Federal do Rio Grande-FURG, ou seja, a intenção de realiza-las foi para extrair dados que os
documentos escritos, oficiais não me satisfazem em relação as questões e o objetivo. Desse
modo, é importante ter claro que ao organizar as perguntas das entrevistas as questões e
objetivos devem estar previamente estabelecidos a fim de se saber o caminho a seguir com a
História Oral. Ainda assim, muitas vezes o entrevistado tende a se empolgar com as suas
lembranças e ir por um caminho que não contenta ao pesquisador. Por isso, análise da fonte
deve ser problematizada e interpretada com cuidado, também cabe ao entrevistador no
momento da pesquisa interferir o mínimo possível na rememoração do depoente.
A entrevista foi toda gravada, após a realização da mesma procedi a transcrição e
procurei manter embora saiba que a linguagem escrita não consegue ser totalmente fiel a
linguagem falada, as entonações e até mesmo os risos do entrevistado, pois é nessas passagens
muitas vezes que é possível se deparar com verdadeiros “achados” na pesquisa. Foram 45
minutos de gravação transcritos em 15 páginas. O entrevistado recebeu a transcrição para
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leitura e possíveis correções juntamente com a carta de cessão7 ainda estando consigo para
sua análise. Esta e as outras entrevistas que serão posteriormente, concretizadas propiciarão
assim como as fontes documentais, a categorização das informações.
Em relação aos dados obtidos na entrevista muitos destes corroboram com as fontes
documentais, mas muitos também foram desvelados pelas memórias do entrevistado, por
exemplo, em relação ao período que antecedeu a criação da universidade, os grupos que
estiveram engajados neste processo e, também principalmente, a gênese, a consolidação e o
“fazer” do NUME como a questão das doações dos documentos e peças que constituem o seu
acervo, os critérios de seleção dos documentos para exposições itinerantes e a sua
preocupação com a preservação da memória da FURG através do museu. Isto me possibilitou
a construção da hipótese de tese, o que seria neste caso, praticamente impossível somente com
as fontes documentais.
Futuramente, como já mencionado prosseguirei com a realização das entrevistas e
assim, será possível também confrontá-las entre si, da mesma forma que com as fontes
documentais. Enfim, destaco a história Oral como a experiência vivida, o ato de rememorar
não somente pelo exercício da lembrança, mas também pelas formar de lembrar ou esquecer.
Considerações finais
Primeiramente, gostaria de salientar que as considerações aqui apresentadas são
parciais, uma vez que a pesquisa encontra-se em fase de desenvolvimento. Por meio deste
trabalho procurei destacar a relevância do uso da História Oral como fonte de pesquisa em
investigações do campo da História da Educação. Procurei brevemente, apresentar minha
pesquisa para situar o leitor do contexto em que a História Oral vem sendo utilizada. Para
isso, discorri sucintamente, sobre a fundação da Universidade Federal do Rio Grande como
forma de contextualizar a criação do Núcleo de Memória Engenheiro Francisco Martins
Bastos-NUME. Elucidei igualmente, de forma concisa sobre a memória e a sua relação com a
História Oral, uma vez que essa necessita da memória para existir. Apresentei
7 Documento no qual o entrevistado assina consentindo o uso de sua entrevista para a elaboração da pesquisa da
tese e elaboração e publicação de artigos para eventos e periódicos.
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superficialmente, as implicações diretas do uso da História Oral por meio de minha pesquisa
de doutorado.
A memória possui também a capacidade de construir vínculos entre os indivíduos, é
um instrumento de identidade, um elemento de coesão social que possibilita o pertencimento
dos indivíduos em grupos. Isto fica muito claro no momento da entrevista de História Oral.
Ressalto igualmente, com base nos dados já levantados a relevância das políticas de
memória, pois os monumentos, as celebrações, os memoriais, os lugares de memória etc. são
discursos do passado que precisam das políticas para garantir a sua preservação. Isto fica
muito claro em relação ao NUME e muito disso posso compreender graças ao uso da História
Oral, que também permite que o pesquisador no momento da entrevista, se sinta
“contaminado” pelas memórias do entrevisto, o fazendo se sentir parte da história narrada.
Por fim, destaco a relevância da História Oral para as pesquisas em História da
Educação. Ela certamente, por meio das memórias, das reminiscências e do entrelaçamento
com outras fontes é capaz de projetar para o presente acontecimentos passados, que muitas
vezes somente outras fontes como a documental não poderiam proporcionar. Porém, deve
caber muita sensibilidade e ética por parte dos historiadores orais, pois interagem com pessoas
e suas memórias que muitas vezes podem ser dolorosas. Assim, considero a História Oral
como uma arte científica, é a arte da projeção da memória viva que se projeta do passado para
o presente e do presente para o futuro.
Referências
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