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    NOVA POBREZA

    Antnio Evaristo1

    1- Escola Superior de Educao de Torres Novas ([email protected])

    Resumo

    Desde 2006 que se previa o empobrecimento de famlias at ento consideradas com

    situao financeira estvel. Ser a globalizao, impulsionada por fatores polticosociais, a grande contribuinte para este fenmeno a que comumente se apelida de

    Novos Pobres?

    Pela declarao universal sobre a diversidade cultural da UNESCO,

    As polticas que favoream a incluso e a participao de todos os

    cidados garantem a coeso social, a vitalidade da sociedade civil e apaz.

    Palavras-chave: nova pobreza, globalizao, poltica social.

    Introduo

    Corria maro de 2006 quando, como presidente da Critas do Entroncamento, alertei e

    convidei sua Ex. o Presidente da Republica recente eleito para uma presidncia aberta

    excluso social, visitando as IPSS para moralizar os milhares de voluntrios que nelas

    davam o seu tempo na ajuda ao prximo, j na altura, devido ao aumento doempobrecimento de famlias que at ento possuam estabilidade dentro da sociedade

    Portuguesa e se estavam a transformar nos novos pobres.

    O Professor Anbal Cavaco Silva promoveria em 2007 o "Roteiro para a Incluso", no

    qual convidou a uma "reflexo sobre os novos desafios no domnio da pobreza e da

    excluso social, as causas, os novos contextos, o desemprego ou a dificuldade no

    pagamento de emprstimos habitao, os novos pobres".

    Verificou-se durante os ltimos anos que a reflexo resultou apenas como o aumento da

    sensibilidade da populao para com quem luta para ter as condies bsicas de vida,

    leia-se quem era j pobre velha pobreza, mas pelo contrrio marginaliza os extratos

    sociais que at ento viviam fora do limiar da pobreza e que se vm agora eles mesmos

    dentro desse limiar, devido a medidas governativas e que sofrem pela nova catalogao

    social que lhes dada - como pode algum que veste bem, com casa, carro e emprego

    ser um pobre?

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    A nova pobreza um dos efeitos da Globalizao1 e est situada no padro do

    neoliberalismo2, da desregulamentao da proteo social e da precarizao do

    emprego. um fenmeno que assume modelos e caractersticas diversas, atingindo,

    independentemente do passado, pessoas que jamais tinham vivido a condio de

    pobreza, e cujo sinal comum o declnio nos nveis de rendimento, com avultada runa

    nos padres de vida. Serge Paugam3aponta que este processo no diz respeito apenas s

    famlias dos pases em desenvolvimento, mas atinge pessoas que nunca viveram em

    condies de carncia durante a infncia, que nunca habitaram bairros de lata, mas que

    se encontram em situao de afastamento da vida social, passando por crises de

    identidade, problemas de sade e, em muitos casos, rutura familiar4. Dentro desta nova

    ordem social, o retrato da pobreza no se limita aos mendigos, aos sem-abrigo, aos

    bairros de lata etc. Os novos pobres so os que possuem um deficit de integrao, tal

    como nomeia o socilogo Robert Castel5.

    Contributos para a nova pobreza

    Vrios fatores tm empurrado os indivduos para esta nova realidade. A nova classe de

    pobres so pessoas com emprego mas sem um salrio para fazer face s despesas do

    agregado familiar.

    Escolaridade

    Com uma economia mais aprimorada, inclusive em termos tecnolgicos, consolida-se o

    conceito de "nova pobreza", diz Haroldo Torres, economista e demgrafo. A baixa

    escolaridade provoca cada vez mais dificuldade para encontrar um emprego.

    "Com o desenvolvimento da economia, que inclui avanos tecnolgicostem aumentado a exigncia dos empregadores", diz Torres.

    "Hoje, para uma vaga de operador de mquinas ou de caixa desupermercado, as empresas exigem a escolaridade obrigatria", afirma.

    Ajudas Sociais

    A "nova pobreza" torna-se dependente de ajudas sociais para sobreviver. O maior

    problema que estas iniciativas, sejam por parte da segurana social seja por parte

    1 Processo econmico e social que estabelece uma integrao entre os pases e as pessoas do mundo todo. Atravs deste processo, as pessoas, os governos e as

    empresas trocam ideias, realizam transaes financeiras e comerciais e espalham aspetos culturais pelos quatro cantos do planeta.

    2 Termo econmico poltico que designa a forma moderna do liberalismo que permite uma interveno limitada do Estado.

    3 Socilogo Francs nascido em 1960 (consultar http://fr.wikipedia.org/wiki/Serge_Paugam).

    4 Os divrcios so os casos mais graves, conduzindo geralmente condio de sem abrigo de um dos indivduos

    5 Socilogo francs nascido em 19 33 (consultar http://fr.wikipedia.org/wiki/Robert_Castel_(sociologue))

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    das organizaes/instituies scio caritativas, no tm por objetivo desenvolver a

    promoo de vida, so apenas ajudas para que a situao das pessoas no piore.

    Muitos destes programas de ajuda centram-se na ajuda aos indivduos mais

    vulnerveis da famlia ou grupo, nomeadamente trocando a ajuda por uma ida dos

    filhos escola, ou tornando-se apenas em ajuda para manter os idosos da famlia

    institucionalizados, funcionando como contratos, moeda de troca, para

    cumprimento entre as partes.

    Estas organizaes/instituies no aplicando polticas globais tm apenas ao seu

    alcance minimizar as situaes de carncia. No entanto com a formao dos seus

    dirigentes e voluntrios poderiam entender e conhecer formas de atuao, assim

    como as ferramentas, para a promoo de vida, podendo depois vir a administrarworkshops de economia domstica, refeies econmicas, etc., bem como

    aconselhamento e reencaminhamento para a DECO (crditos), Reparties de

    Finanas (IMI) etc.

    As famlias numerosas, devido ao nmero de jovens que as compem, e os idosos,

    pela subsequente perda nos valores das suas penses de reforma, constituem os

    principais grupos de risco de pobreza em Portugal, ao mesmo tempo que o fosso

    entre ricos e pobres continua a aumentar.Existem cada vez mais famlias a solicitarem ajuda, esta classe de novos pobres so

    indivduos que, embora tendo um rendimento, no tm no fim do ms todos os

    meios de que necessitam para fazer face s necessidades do seu agregado. O caso

    de muitos dos novos empregados jovens trabalharem a fatura eletrnica, antigos

    recibos verdes, e pelo baixo rendimento auferido, no tm possibilidade de

    contribuir para a Segurana Social, acabando assim por se verem em situaes

    dramticas, tendo de acabar por pedir apoio nas estruturas sociais para poderemsobreviver.

    A proteo social do estado

    A proteo social do Estado em Portugal escassa tendo em conta as necessidades

    desejveis no contexto do modelo social europeu e das polticas sociais nesta

    mesma rea. Somos um Estado-Providncia fraco que no consegue garantir nveis

    mnimos de bem-estar sua populao, quando comparados com o grupo de pases

    com o qual partilha o projeto europeu. Se tivermos em conta que, Portugal possui

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    1/5 de pobres, e que este valor corresponde ao rendimento aps as ajudas sociais,

    verificamos a ineficcia das polticas sociais no combate pobreza. No entanto as

    ajudas sociais, s diminuem a pobreza em 6%, quando esta reduo na Europa

    dos 25 de 10%. Se antes das ajudas estamos no 21 lugar dos mais pobres, aps as

    mesmas estamos no 11 lugar, de 29 pases europeus.6Pode-se afirmar que no o

    mercado que causa elevados nveis de pobreza em Portugal, mas sim a ineficcia

    das polticas sociais em corrigir esta pobreza.7

    Realidade portuguesa

    Portugal caracteriza-se por ter fundamentalmente dois tipos de pobreza. A pobreza

    tradicional velha pobreza, menos associada a fenmenos de excluso, rural, e uma

    pobreza atual - nova pobreza, urbana, e associada excluso social. aqui que se

    encontram grupos de risco tais como os reformados, as mulheres, os imigrantes, os

    jovens licenciados, etc. nmeros estes que tendero sempre a aumentar. Os relatrios

    das organizaes da sociedade civil, os nmeros do desemprego e do endividamento8

    apontam para o empobrecimento de cada vez mais indivduos, muitos dos quais

    pertenciam classe mdia. Qual ento o impacto na sociedade? Estaremos perante um

    perodo de pobreza do qual estas pessoas podero no mais sair? Para obter uma

    resposta credvel necessrio conhecer bem o fenmeno admitindo no entanto que

    devido novidade da matria ainda se est na fase de investigao inicial para se

    entender se estamos perante uma particularidade social estritamente portuguesa ou se

    pelo contrrio encontramos este fenmeno noutros pases. Finalmente ter-se- de

    abordar o fenmeno globalmente, pois esta crise em particular no afetar apenas a

    nova pobreza, mas tambm a velha pobreza, na medida em que a proteo social e a

    solidariedade se tornam cada vez mais desprovidos dos meios para ajuda. Tomemos

    tambm em conta, neste caso, que quem normalmente contribua para o combate

    pobreza tradicional eram os que agora se vm eles mesmos nesta situao, pelo que a

    velha pobreza tender a piorar e aumentar.

    6 Fonte: Eurostat

    7 Ver d ados estatsticos do Observatrio das Desigualdades (http://observatorio-das-desigualdades.cies.iscte.pt/)

    8 Fonte: DECO

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    Se analisarmos em detalhe o estudo9coordenado por Alfredo Bruto da Costa10, as taxas

    de pobreza em Portugal so muito superiores aos 18%, pois muitas pessoas passaram

    nalgum momento por uma situao de pobreza, mas segundo o mesmo estudo, apenas

    17% das pessoas considera que a cobertura do sistema de segurana social em Portugal

    suficiente. Todavia este indicador relativo e dependendo do grau de exigncia que os

    cidados colocam perante o Estado, porque de acordo com outros estudos que tm sido

    efetuados, a populao portuguesa das que encaram mais fortemente ser dever do

    Estado resolver os problemas sociais. No querendo isto dizer que a opinio pblica

    seja a favor de todas as prestaes de assistncia social. Enquanto se exige mais do

    Estado relativamente queles que descontaram trabalhando, muito reduzido o apoio a

    prestaes como o RSI. Isto porque grande parte dos que contribuem para a Segurana

    Social auferem vencimentos quase equiparveis aos rendimentos dos que vivem apenas

    das prestaes sociais. Isto torna invisvel que a maioria dos pobres em Portugal so

    justamente pessoas que trabalharam ou que trabalhavam.

    na ineficaz e injusta distribuio do sistema pblico que encontramos a dificuldade de

    diminuio das desigualdades sociais, uma vez que o ponto de partida baixo e as

    polticas do antecedente eram j deficitrias, logo a resposta tem sido igualmente

    deficitria devido dimenso da crise atual, em que um dos efeitos o facto do subsdio

    de desemprego no manter os nveis de rendimento das famlias, o que significa a

    imediata entrada em situao de endividamento.

    Realidade atual

    O enfraquecimento do poder de compra dos indivduos, por parte do Estado, leva a que

    o comrcio no escoe os seus produtos, pelo que os armazenistas no compram s

    fbricas, tendo estas de fechar por falta de produo, dando entrada novos pedidos de

    prestaes sociais ao Estado, pelo que o mesmo vai enfraquecer por ter mais encargos

    sociais, tendo obtido tambm menos receita nos impostos pela falta de poder de compra

    da populao, e para recompor o oramento, o Estado faz o qu? Volta a cortar nos

    rendimentos das famlias. E esta a realidade que Portugal vive atualmente.

    9 Um Olhar Sobre a Pobreza- Vulnerabilidade e excluso social no Portugal contemporneo', monitorizou durante seis anos as mesmas famlias da amostra do

    estudo.

    10 Presidente da Comisso Nacional Justia e Paz (CNJP). Foi ex-ministro com responsabilidades nas reas sociais: ocupou o cargo de Ministro da Coordenao

    Social e dos Assuntos Sociais no V Governo Constitucional.

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    Figura 1 Fluxograma da realidade atual

    Nova pobreza versus nova excluso

    As definies de pobreza passam pela questo do rendimento assim como pela excluso

    social. E esta a causa e consequncia do agravamento dos recentes problemas sociais e

    o principal contributo para definir a nova pobreza. Portugal dos pases mais

    preocupantes ao nvel da excluso pois a integrao social obriga a consumos para os

    quais as famlias no tm capacidade. Esta rejeio comea logo nas camadas mais

    jovens com a excluso dos que no possuem determinado vesturio ou calado de marca

    ou o telemvel de ltima gerao, passando-se o mesmo nas geraes adultas em que

    impera o statusdos carros de gamas superiores e habitaes de luxo, que acabaram por

    satisfazer graas ao crdito fcil. Se para a maioria dos pases europeus bens to fteis

    como uma cama, mquina de lavar, frigorfico ou fogo so considerados bens

    essenciais, o mesmo no acontece em Portugal relativamente ao que considerado

    acessrio ou bem de luxo. O nosso pas encontra-se entre os que consideram bens

    essenciais os que so considerados acessrios ou de luxo por pases com economias

    mais ricas, maiores rendimentos e com menos problemas de pobreza, passando-se omesmo em relao aos bens de necessidade bsica. Outros bens considerados menos

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    essenciais na mdia dos pases europeus, so considerados por ns necessrios, tais

    como acesso aos transportes pblicos, acesso a roupas novas, cabeleireiro e acesso a

    servios bancrios. Os estudos relativos s nossas percees tambm se encontram mais

    perto dos pobres europeus. dada maior importncia ter uma semana de frias, decorar

    a casa, participar em atividades de lazer, ir a restaurantes e discotecas ou convidar

    amigos para jantar em casa. Finalmente, existe uma razo estrutural que leva a novas

    configuraes sociais e que tm como epicentro o sistema financeiro e o consumismo.

    De uma forma geral, o Estado tem vindo a abdicar do seu papel na proteo social, a

    passagem do modelo dito Keynesiano11para o modelo Schumpeteriano12significa que o

    Estado deixou de apoiar os rendimentos das famlias com o objetivo de estimular ao

    consumo de modo que este animava a economia e esta o emprego. Este encadeamento

    cessou com o fim do Estado-Providncia keynesiano, pois os indivduos tm que

    assumir crescentemente despesas que antes eram da responsabilidade do Estado, como

    por exemplo a sade e a educao. Na prtica significa a diminuio dos rendimentos

    para outros consumos sem que no entanto signifique uma mudana nos estilos de

    gastos. O consumo tornou-se cada vez mais uma alternativa construo de identidades

    e redes sociais que antes se estruturavam no mundo do trabalho. A imperfeio do

    Estado tem vindo a ser compensada com o recurso ao crdito. Deste modo as pessoas

    mantm os seus nveis de consumo e a economia continua a funcionar com sustentao

    no crdito, e como sempre tivemos um estado providncia deficitrio, depressa nos

    ajustmos a padres de consumo dos pases mais ricos sem que tivssemos essa

    capacidade. Isto coloca Portugal com uma das taxas de endividamento das mais

    elevadas da Europa. A falta sucessiva de polticas de habitao fortifica este aspeto,

    refletindo-se num elevado recurso ao crdito habitao, que sendo maior mais nos

    endivida e por longos prazos.

    Dados OEC/DECO mostram que as situaes de incumprimento se devem:

    45% a situao de desemprego;

    19% deteriorao das condies laborais;

    24% doena;

    11 O Modelo Keynesiano (de Keynes) Simples, ou Bsico, um dos chamados regimes mistos da Macroeconomia. Este modelo veio substituir os modelos

    clssicos, e est calcado na rigidez de preos e salrios no curto prazo e flexibilidade no longo prazo. A Oferta Agregada o que determina a Produo. A Oferta

    Agregada, funo determinada pelo capital, trabalho e tecnologia, permaneceria ento fixa no curto prazo.

    12 O modelo Schumpeteriano (de Schumpeter) de Crescimento Endgeno considera o progresso tcnico determinante fundamental do crescimento econmico.

    Porm, ainda no conseguiu explicar como as inovaes tecnolgicas so geradas. Nesse modelo, elas ocorrem aleatoriamente. Todavia, os fatos sugerem uma

    explicao que apresenta um componente determinstico (tendncia) e outro componente aleatrio para o surgimento das inovaes.

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    17% despesas com sade.

    A m gesto do oramento familiar tambm aparece como razo forte:

    21% pela avaliao dos endividados;

    31% pela avaliao dos tcnicos.

    Um ltimo conjunto de razes encontra-se na estrutura da famlia:

    15% por motivos de divrcio;

    9% aumento do agregado;

    9% aumento das despesas com educao.

    As famlias e indivduos que esto a agora a entrar em incumprimento das dvidas soaqueles que acederam ao crdito, logo, trata-se de novos grupos sociais. As razes de

    incumprimento so denunciadoras dos fracassos do Estado e do mercado, mas tambm

    das redes de solidariedade, da o aparecimento da nova pobreza.

    Globalizao e terceiro setor

    A globalizao um fenmeno complicado e contraditrio, como afirma Sousa Santos

    Uma reviso dos estudos sobre os processos de globalizao mostra-nos que estamosperante um fenmeno multifacetado com dimenses econmicas, sociais, polticas,

    culturais, religiosas e jurdicas interligadas de modo complexo. Uma das inmeras

    contradies deste processo a questo da riqueza e pobreza. Os reflexos da

    globalizao causam um impacto profundo nos meios de produo, e principalmente nas

    formas de trabalho onde as desigualdades e a runa dos grupos sociais como a famlia,

    so profundamente afetados. Tais constataes fazem com que paradoxalmente,

    emerjam novas manifestaes contra a atual globalizao. Resultante da complexidade

    destes factos, vemos que a pobreza, tambm assume, novas formas de se expressar,

    precisando de novos modelos e aes para a sua resoluo. ento necessrio analisar o

    processo histrico do aspeto da pobreza e do seu tratamento, bem como, a aparncia da

    nova pobreza, para que possamos ter claro os desafios, os limites e as possibilidades de

    aes como o empreendedorismo social para o desenvolvimento humano sustentvel e a

    emancipao social.

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    Aqui entra o terceiro setor13uma vez que o estado se afasta cada vez mais do seu papel

    social. Facto que este sector tem tambm perdido por parte do estado os apoios que

    lhe garantiam satisfazer as condies mnimas de carncia dos que o procuram. A

    populao contribui ento para o Estado que no cumpre tendo de contribuir depois

    solidariamente para o nico sector que colmatar essa lacuna. com base no

    voluntariado, de quem de alguma forma tocado pela nova pobreza, que as instituies

    privadas de utilidade pblica vo fazendo face ao aumento das solicitaes impostas

    pela atual situao politica. No entanto o certo que os problemas vo sendo resolvidos

    e o estado vai-se afastando cada vez mais da sua responsabilidade.

    Nova pobreza envergonhada

    Continuando do raciocnio do terceiro setor, atravs de instituies como a Critas que

    se toma conhecimento que a classe mdia portuguesa hoje a principal contribuinte

    com indivduos para a nova pobreza. Fruto do desemprego e do endividamento

    crescentes h fome no assumida e um ndice elevado de suicdio.

    Com os seus cerca de 4300 grupos de ao social, em praticamente todas as parquias

    do pas, a Critas uma das instituies que melhor conhecem a realidade da pobreza

    nos lares portugueses.

    Segundo Eugnio da Fonseca, presidente da instituio, os casos de nova pobreza

    continuam a aumentar e so cada vez mais graves. Temos informaes das nossas

    estruturas diocesanas que revelam um ndice preocupante de suicdios, acrescentando

    que, quando as pessoas se veem obrigadas a cortar na despesa da farmcia, os

    primeiros sacrificados so os antidepressivos. E procuram socorro, no s em termos

    de apoio financeiro, mas tambm aconselhamento jurdico. Foram-se endividando e

    quando batem porta da Critas esto j esmagados por dvidas muito grandes. Nalgunscasos superam os 10 mil euros.

    A Critas com a ajuda da Deco aconselha estes indivduos no sentido de renegociarem

    as dvidas com a banca, diz Eugnio da Fonseca. Outra situao a agravar-se a dos

    empresrios em nome individual, que durante anos tiveram um negcio a funcionar que

    a crise tornou invivel. Estas pessoas tm vindo a acumular dvidas s finanas, na nsia

    de salvar o ganha-po, estando agora submersos em dvidas e sem qualquer tipo de

    13 Terminologia sociolgica que d significado a todas as iniciativas privadas de utilidade pblica com origem na sociedade ci vil.

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    ajuda, quer por parte do Estado quer da Segurana Social. So tambm cada vez mais as

    famlias que se viram constrangidas a retirar os filhos da universidade, alguns j no final

    das licenciaturas, porque os pais perderam os empregos. As associaes de

    solidariedade social andam a tentar apagar fogos que prometem alastrar drasticamente.14

    no terreno que a Critas atravs dos milhares de voluntrios das parquias e dos

    procos, conseguem identificar novos casos a cada dia, casos que se no forem

    intercetados ou denunciados no procuram ajuda por vergonha. Vergonha da

    catalogao social e vergonha pela situao que vivem e que no querem dar a

    conhecer, no percebendo que quanto mais atrasam a procura de ajuda mais difcil ser

    a soluo para a resoluo dos seus problemas e colmatao de necessidades.

    O ltimo relatrio da Critas Europa O Impacto da Crise Europeia revela que aprioridade das polticas mais austeras no est a funcionar e ser necessrio procurar

    alternativas. A taxa de risco de pobreza subiu, o que coloca o pas entre os mais pobres,

    significando que 1,9 milhes de portugueses enfrentam srias dificuldades, sendo a taxa

    infantil a mais preocupante fixando-se nos 22,4% encontrando-se h 8 anos acima da

    mdia europeia. A nossa economia recuou 3,2% em 2012 enquanto o crdito mal parado

    atingiu mais de 5,1 mil milhes de euros.

    Concluso

    Coloca-se conclusivamente uma ltima questo: Quem define quem o novo pobre? A

    Psicloga Social Jacy Curado, ressalva que todos esses indicadores, linhas de pobreza,

    de excluso etc... Devem ser vistos como uma construo produzida socialmente e

    mediadas por relaes de poder.

    A discusso deve ser ampliada de forma a que todos possam participar, porque h ainda

    um grande atraso, particularmente poltico e do poder executivo, que fazem um discursoeconomicista de modelo de desenvolvimento sem debates sobre questes da liberdade e

    da felicidade enquanto forma de desenvolvimento e no somente divulgar a criao de

    indstrias e empresas para criar empregos por vezes insustentveis.

    O mbito da globalizao exige um novo esboo das polticas sociais, e ai que se

    insere a proposta de transferncia de renda, que vm sendo amplamente debatida h

    muito nos fruns internacionais, e tentada a sua implantao em Portugal em 2009.

    14 FONTE: Dirio de noticias (consultar:

    http://www.dn.pt/especiais/interior.aspx?content_id=2349717&especial=Revistas%20de%20Imprensa&seccao=TV%20e%20MEDIA)

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    Como um direito econmico de ltimo tipo, no seria assistencialismo e sim um direito

    universal como do da sade, educao, segurana entre tantos outros. Todos os

    indicadores tm apontado para resultados positivos, seja na distribuio de renda ou no

    acesso melhoria na qualidade de vida. Essa ideia da distribuio de renda est contida

    na proposta do Imposto Negativo15, concebida por Milton Friedman, Prmio Nobel da

    Economia, muito em uso nos pases anglo-saxnicos.

    O debate sobre esta nova realidade social no pode ser exclusivo dos economistas, por

    possuir muitas outras extenses de que os mesmos no tm conhecimento. Como

    Tcnico Superior de Servio Social do meu entender que o poder deve entender a

    problemtica sob novos moldes de chegar populao por meio da arte de governar

    pessoas e no nmeros. Foucault

    16

    deixou um grande contributo de como considerar apoltica no neoliberalismo, uma arte de governar com disciplina para o controlo da

    populao e a gesto dos indivduos.

    "Os que de uma situao desafogada caem num estado de penria quelhes estranho, esses, sofrem mais cruelmente do que quem foi sempremiservel."Eurpedes17, 400 AC

    Referncias bibliogrficas

    Costa, Alfredo Bruto da (coord.), Isabel Baptista, Pedro Perista e Paula Carrilho, UmOlhar Sobre a Pobreza Vulnerabilidade e Excluso Social no Portugal

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    Santos, Boaventura Sousa (org), Os processos de globalizao, in B.S.S. (org),Globalizao, fatalidade ou utopia?, 2001, Porto, Edies afrontamento.

    Paugam, Serge,A desqualificao social - ensaio sobre a nova pobreza, 2003, Editorada PUC-SP.

    Ferreira, Slvia, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Centro deEstudos Sociais,A nova pobreza e o welfare mix em Portugal, 2009, Coimbra, RedeSocial.

    15 Concebido nos anos 60 pelo famoso economista, Milton Friedman, os trabalhadores com rendimentos familiares inferiores a um determinado limite passam a

    receber um subsdio do Estado equivalente a essa diferena.

    16 Filsofo, p rofessor francs nascido em 1 926 (consultar http://pt.wikipedia.org/wiki/Michel_Foucault).

    17 Poeta t rgico da Grcia Antiga (Consultar http://www.suapesquisa.com/biografias/euripedes.htm)

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