A Escada de Ouro
No ano de 1890, em instruções dirigidas à Secção Esotérica da Sociedade
Teosófica, Helena Blavatsky deu a conhecer a “Escada de Ouro”, um conjunto
de regras destinadas aos membros daquela Secção e que foram retiradas do
Livro da Disciplina. Este livro era usado nas escolas de Dzyan, pelos
estudantes da Ciência Secreta (Gupta Vidya). O objectivo destas regras era
ajudar ao progresso de cada um dos estudantes, aproveitando a experiência
diária de cada um deles, de modo a que atingissem a Sabedoria necessária
através de uma vida nobre e de serviço corajoso à humanidade.
Essas instruções constam do volume XII dos Collected Writings de HPB e
podem ser consultadas aqui (deve ser consultada a página 501).
As duas frases que precedem a "Escada de Ouro” propriamente dita merecem
especial atenção:
“Aquele que não retira a sujidade que pode ter contaminado a sua fonte de
inspiração, não ama a sua fonte de inspiração nem honra a si próprio.
Aquele que não defende os perseguidos nem os indefesos, que não partilha a
sua comida com os famintos nem tira água do seu poço para os sedentos,
nasceu demasiado cedo na forma humana.”
Avançando agora para a “Escada de Ouro”…
“Observe a verdade diante de si:
Vida limpa, mente aberta,
Coração puro, intelecto ardente,
Clara percepção espiritual,
Fraternidade para com o seu co-discípulo,
Prontidão para dar e receber conselhos e instruções,
Leal sentido de dever para com o Instrutor,
Obediência diligente aos preceitos da Verdade,
Uma vez que tenhamos depositado a nossa confiança nela,
Crendo que o Instrutor a possui;
Resistência corajosa às injustiças pessoais,
Destemida declaração de princípios,
Defesa valente daqueles que são injustamente atacados,
Uma mira constante no ideal do progresso humano,
E na perfeição, conforme revela a ciência secreta (Gupta Vidya).
Esta é a escada de ouro
Os degraus da qual o aprendiz pode subir
Até o templo da Sabedoria Divina.”
Na internet é possível encontrar alguns comentários que podem auxiliar na
interpretação da “Escada de Ouro”. Por exemplo em 1958, foram publicados
os comentários de Sidney A. Cook, um teosofista nascido na Inglaterra, mas
que se viria a naturalizar norte-americano, tendo desempenhado cargos
importantes na Sociedade Teosófica de Adyar, sob as presidências
de Jinarajadasa e N. Sri Ram (o pai da actual presidente Radha Burnier).
Este teosofista argumenta que, pelo facto de ser uma escada, faz todo o
sentido que exista uma ordem deliberada e que os degraus têm de ser todos
percorridos.
Cook refere que Blavatsky na verdade, não nos deixou apenas um manancial
de informação sobre o funcionamento do Universo e os princípios filosóficos
da Doutrina Secreta, mas delineou também os preceitos e instruções
detalhadas sobre o caminho a trilhar por cada de um nós no caminho para a
Iluminação.
Avancemos para a interpretação que Cook faz da “Escada de Ouro”.
1. Vida limpa
É um requisito para o desenvolvimento interior e envolve não só limpeza
espiritual (de emoções negativas e de desejo) mas também física (cuidados
com a alimentação, por exemplo).
Está pois relacionado com o aspecto físico, emocional e etérico ou magnético.
2. Mente aberta
Obriga a lidar com preconceitos e ideias fixas, pois a mente tem de estar
aberta à análise de ideias novas e possivelmente conflituantes, algumas delas
se calhar anteriormente postas de lado devido a uma visão demasiado estreita.
Não pode haver nem aceitação nem rejeição a priori. Uma ideia que nos cause
rejeição a princípio tem de ser analisada, pois podemos estar a ser vítimas do
nosso próprio preconceito. Princípios mais estreitos devem dar lugar a
princípios mais abrangentes e inclusivos.
Estar aberto ao desafio, à dúvida, não significa viver na constante incerteza,
mas sim numa busca constante, deixando sempre espaço para novo
conhecimento entrar. O discernimento assenta em verificar, pesar, descartar,
substituir e aceitar, construindo um núcleo de verdades que devem ser
examinadas ciclicamente de modo a que possam ser enriquecidas.
Este passo está obviamente relacionado com o aspecto mental.
3. Coração puro
O coração é o instrumento perceptivo que compreende e entende. O coração
transmuta, pois enquanto a mente recebe e examina tudo, o coração permite
apenas a retransmissão daquilo que é Verdade. A palavra-chave deste passo é
transmutação e está ligado à qualidade intuitiva.
4. Intelecto ardente
É mais do que ter uma mente aberta, é a ânsia, o ardor da procura por
conhecimento.
Está ligado ao aspecto da Vontade.
Estes quatro passos estão associados com o desenvolvimento e controlo do
nosso estado físico, mental e emocional. Estão relacionados com o Eu Inferior
e são pré-requisitos do quinto degrau que é:
5. Clara percepção espiritual
É o reconhecimento que existe algo mais: o Eu no homem, um plano na
Natureza para ele, uma visão de que existe um propósito maior na vida.
Chegado a este passo, o aprendiz domina já parcialmente a mente, a vontade e
o coração e agora passa a direccioná-los para propósitos maiores. Há uma
clara reorientação de vida, que deixa de ser governada por circunstâncias
externas. O trabalho activo e serviço tomam o lugar da bondade passiva.
É nesta fase de maior percepção espiritual que se descortina que as limitações
são algo auto-imposto e começa uma luta interior para ultrapassar essas
mesmas limitações. O karma, como lei de justiça começa agora a ser
interiorizado e aceite.
6. Fraternidade para com o seu co-discípulo
A falta de fraternidade e de tolerância dentro das e entre as várias as
organizações teosóficas é sinal de que este degrau está a ser negligenciado.
Não é algo exclusivo das organizações teosóficas, pois mesmo nas religiões
organizadas esta lacuna tem estado omnipresente. O princípio de amar “o
próximo como a ti mesmo” não tem passado da teoria.
Lembremo-nos que nas nossas anteriores encarnações, com certeza estivemos
ligados a diferentes religiões, religiões essas que como sabemos têm uma base
comum.
Fica ainda a nota que, por razões que desconheço Sidney Cook traduz este
princípio como “fraternidade para com todos”, diferindo da versão original
dos Collected Writings (pode ser conferida também a compilação de Daniel
Caldwell “The Esoteric Papers of Madame Blavatsky” que está parcialmente
disponível aqui).
7. Prontidão para dar e receber conselhos e instruções
Neste passo, é importante perceber que a oferta de um conselho pode não
implicar a aceitação por parte do outro lado, não devendo isso gerar qualquer
desconforto ou preocupação. Escutar um conselho pode ser ainda mais difícil,
devemos ser humildes e saber retirar aquilo que é bom e verdadeiro.
8. Leal sentido de dever para com o Instrutor
Apenas aqueles que expressam confiança no Instrutor e têm desejo de
aprender podem ser ensinados. É inconcebível ouvir um Instrutor de forma
pretensiosa e desrespeitosa.
9. Obediência diligente aos preceitos da Verdade
Por isto não se entende a aceitação cega, baseada na inactividade mental, ou
outro qualquer estado negativo. Não é a aceitação da Verdade resultante de
um desejo ou inclinação, mas uma obediência para com a mesma que resulte
de intenção auto-dirigida e profunda em segui-la.
Enquanto os degraus de 1 a 4 são qualificações pessoais, os passos de 5 a 9
são expressões de relacionamento – fraternidade, dar, receber, conselho,
instrução, dever e obediência, portanto envolvem mais de uma pessoa.
Os quatro passos finais são:
10. Resistência corajosa às injustiças pessoais
Aqui bastaria pensar na vida de Helena Blavatsky, como grande exemplo
deste passo. A defesa pessoal é esquecida, mas a defesa das Verdades Eternas
nunca pode ser descurada. O esforço vai se tornando progressivamente mais
solitário…
11. Destemida declaração de princípios
É um teste aos nossos conhecimentos, às nossas certezas e convicções. A
gentileza e o tacto não a devem condicionar, mas também devemos ter
cuidado com o perigo do fanatismo, que pode conduzir a efeitos opostos aos
pretendidos.
12. Defesa valente daqueles que são injustamente atacados
É algo que obriga a ter discernimento, pois o quando e como ajudar nem
sempre é muito claro.
13. Uma mira constante no ideal do progresso humano
A mira deve estar na ajuda activa e não na observância passiva.
Estes últimos quatro degraus são dirigidos ao Eu Superior. As qualidades são
resistência, braveza na defesa de princípios, oposição à injustiça e a mira no
Grande Plano – expressões do Eu na acção e no serviço.
Cook divide os degraus em quatro partes:
1 a 4 – Preparação
5 –A revelação e a visão
6 a 9 – Relacionamento e Instrução
10 a 13 – A descoberta e a libertação do Eu numa acção iluminada
Cada indivíduo sobe pois pela “Escada de Ouro” ao seu ritmo, para se tornar
um pilar do Templo da Humanidade. É uma longa mas fascinante caminhada,
partilhada com muitos irmãos e irmãs.
publicado em http://lua-em-escorpiao.blogspot.pt em 3 e 7 de Julho de 2012