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A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA FORMAÇÃO INICIAL: O ESTÁGIO CURRICULAREM QUESTÃO
Isabel MELERO BELLO, Universidade Federal de São Paulo Marieta GOUVÊA DE OLIVEIRA PENNA, Universidade Federal de São Paulo
Maria Cecília SANCHES, Universidade Federal de São PauloEixo Temático 01: Formação inicial de professores da educação básica
1. Introdução
O curso de Pedagogia foi criado no Brasil em 1939, pelo Decreto Lei nº 1.190,
de 4 de abril de 1939, na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, e
desde então passou por muitas reformulações e indefinições sobre qual seria sua
identidade, como demonstram vários estudos a esse respeito (BRZEZINSKI, 1996;
SCHEIBE, 2007; AGUIAR et al, 2006, entre outros).
O impasse em relação ao campo de atuação do pedagogo chegou, a princípio,
a um consenso, com a promulgação da Lei 9.394/96 (BRASIL, 1996) e, sobretudo,
com a publicação da Resolução CNE/CP nº 01/2006 (BRASIL, 2006b), que institui
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia,
licenciatura.
Essas Diretrizes, no entanto, trazem um grande desafio às instituições
formadoras, pois estabelecem várias funções ao futuro pedagogo, o qual deverá ser
capacitado, para tanto, já na formação inicial:
Art. 4º O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professorespara exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do EnsinoFundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de EducaçãoProfissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejamprevistos conhecimentos pedagógicos. Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação naorganização e gestão de sistemas e instituições de ensino (BRASIL, 2006b)
Assim, percebe-se que em exíguo espaço de tempo (três a quatro anos, em
média), o pedagogo precisa estar apto a atuar como docente na educação infantil, nos
anos iniciais do ensino fundamental, na educação de jovens e adultos, no ensino
normal médio, trabalhar como gestor escolar, além de outras capacidades que dele se
espera, de acordo com a resolução. Ou seja, espera-se que o pedagogo seja um
polivalente não somente em relação ao domínio dos conteúdos clássicos (língua
portuguesa, matemática, ciências, história e geografia), mas também em relação à
diversidade de áreas e contextos que ele deverá ser apto a atuar.
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Dentre as atividades previstas para a formação inicial do pedagogo está o
estágio supervisionado, conforme previsto no artigo 7º da Resolução nº 01/2006
(BRASIL, 2006b):
O curso de Licenciatura em Pedagogia terá a carga horária mínima de 3.200 horas deefetivo trabalho acadêmico, assim distribuídas: [...] II- 300 horas dedicadas ao EstágioSupervisionado prioritariamente em Educação Infantil e nos anos iniciais do EnsinoFundamental, contemplando também outras áreas específicas [...]
É a partir desse contexto que este relato de experiência apresenta o estágio
desenvolvido no curso de Pedagogia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
como parte das atividades promovidas para a formação dos futuros pedagogos na
universidade, a qual é denominada como “Programa de Residência Pedagógica”.
Momento privilegiado de integração entre os saberes a que os estudantes tiveram
acesso ao longo do curso com o cotidiano escolar, a Residência Pedagógica (RP)
atende às exigências de um estágio supervisionado, mas vai além, como se verá ao
longo do texto, daí a denominação diferenciada. De acordo com o Projeto Pedagógico
do curso (UNIFESP, 2014),
A RP guarda proximidades e distanciamentos em relação à Residência Médica. Adiferença central encontra-se na finalidade: a RP é parte da formação inicial, éessencialmente uma aprendizagem situada que acompanha a graduação, enquanto aResidência Médica ocorre após a graduação [...]. A proximidade está na imersão doestudante, no processo de contato sistemático e temporário com práticas profissionaisreais [...]. (p.49)
Especificamente, dar-se-á foco às atividades realizadas pelos estudantes nas
residências em Educação Infantil e em Gestão Escolar. O objetivo é problematizar a
RP na formação inicial de professores como momento privilegiado para a promoção de
debates sobre a realidade escolar, a partir de conhecimentos teóricos. No texto, serão
analisados os temas de aprofundamento sobre a realidade escolar escolhidos pelos
estudantes para o desenvolvimento de seus relatórios de residência em Educação
Infantil e em Gestão Educacional, atividade que tem por objetivo proporcionar
aprendizagens de conhecimento, fundamentação teórica, diálogo e intervenção na
escola.
Mediante esse objetivo, este texto está organizado em quatro partes, além
desta introdução e das conclusões. Na primeira parte, faz-se uma discussão teórica
sobre a formação inicial do pedagogo a partir dos aspectos políticos, econômicos,
sociais e profissionais que envolvem a questão atualmente. Na sequência, apresenta-
se o programa de RP do curso de Pedagogia desenvolvido na Unifesp, seu
funcionamento e organização. Na terceira parte, faz-se um relato da experiência que
vem sendo desenvolvida na RP em Educação Infantil, com ênfase na discussão sobre
os temas escolhidos pelos estudantes para desenvolvimento de um relatório final da
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atividade. Em seguida, a experiência desenvolvida na RP em Gestão Educacional é
trazida à discussão, também com foco nos temas escolhidos pelos alunos. Por fim,
nas conclusões, a RP do curso de Pedagogia da Unifesp é discutida a partir dos
desafios impostos pelas disposições legais que se confrontam com os problemas reais
e cotidianos enfrentados, mas também a partir dos pontos positivos trazidos por essa
atividade para a formação do futuro pedagogo.
2. O curso de Pedagogia e o estágio supervisionado
Maués (2014, p. 38), ao discorrer sobre as políticas de formação docente, as
percebe inseridas em movimento de reformas que visam a regulação social, a serviço
de “ideologia que vê na competitividade e no lucro as únicas razões de sua
existência”. Para a autora, as reformas educacionais incidem sobre a formação de
professores, acusada de ser muito teórica. O foco em uma formação mais prática diz
respeito à necessidade de os docentes viabilizarem ensino voltado à formação de
alunos adaptados às novas exigências do mundo do trabalho, que requer
trabalhadores flexíveis, eficientes, polivalentes, produtivos. A formação do professor,
nesse sentido, passa a se pautar por aspectos como universitarização;
profissionalização com ênfase em aspectos práticos; formação continuada e a
distância; pedagogia das competências.
A formação inicial para o exercício docente na educação infantil e nos anos
iniciais do ensino fundamental, de acordo com o estabelecido na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (BRASIL, 1996), deverá ocorrer preferencialmente em cursos de
Pedagogia, constituído como licenciatura (BRASIL, 2005; 2006a; 2006b). Em tal
formato, o curso de Pedagogia passa a ter como base a formação para a docência,
sendo a prática o eixo central da profissionalização do pedagogo (SCHEIBE, 2007).
Para Rodrigues e Kuenzer (2007), a formação do pedagogo assenta-se em visão
pragmática e tecnicista, com ênfase instrumentalizadora do conhecimento, que
privilegia a prática em detrimento da teoria.
Como já afirmado, são várias as funções nas quais o futuro pedagogo poderá
atuar. Uma formação que contemple o que está previsto nas Diretrizes Curriculares
Nacionais (BRASIL, 2006b) não é tarefa fácil de ser executada. Um dos aspectos
apontados por Gatti e Nunes (2008) ao investigaram ementas de cursos de Pedagogia
é a forte fragmentação existente nos cursos, dificultando aos futuros professores a
articulação entre teoria e prática.
Para Maués (2014), a formação do professor assume papel central nas
políticas públicas, a fim de que esse profissional seja preparado para contribuir com os
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ajustes da educação às exigências econômicas. Mas, de acordo com a autora, essa
mesma formação pode atuar na contramão, ao preocupar-se com “[...] uma formação
para a cidadania que inclua a capacidade de fazer críticas da realidade, contribuindo
para o bem-estar social” (MAUÉS, 2014, p. 65). Nesse sentido, assume-se aqui a
Residência Pedagógica como um dos momentos privilegiados na formação do
pedagogo, que pode permitir avanços numa tentativa de se escapar a uma formação
meramente instrumental, e ainda viabilizar o enfrentamento de questões referidas às
dificuldades e desafios presentes nas escolas públicas.
Partilha-se das ideias de Pimenta e Lima (2004), ao afirmarem que o estágio
supervisionado é momento propício à realização de formação que vá além de uma
perspectiva instrumental, configurando-se como espaço que pode permitir ao futuro
professor compreender a prática docente e a realidade na qual atuará de forma crítica
e reflexiva, a partir de perspectivas de análise históricas, sociais, organizacionais
sobre a escola. Em suas ações cotidianas, o professor deve ser capaz de confrontar
os conhecimentos relacionados à prática com a produção teórica sobre educação, e
assim refletir sobre suas ações. Para tanto, a teoria educacional necessita ser
disponibilizada aos professores como lente que amplia as possibilidades de leitura e
compreensão do universo escolar, potencializando a prática pedagógica. O estágio
supervisionado se destaca como local privilegiado para esse exercício metodológico.
Cabe ainda pontuar que, como explicitado por Marcelo Garcia (1991),
compreende-se o estágio supervisionado como momento de socialização profissional,
uma vez que os futuros professores, ao entrarem em contato com a escola, vivenciam
a experiência da cultura escolar. Assim, esse momento formativo torna-se favorável
para se discutir essa cultura, bem como valores e crenças arraigadas nos futuros
professores em decorrência de sua própria experiência como alunos.
A mudança passa pela reflexão. Para possibilitar a reflexão, as atividades
relacionadas aos estágios necessitam ser preparadas e acompanhadas, e é nesse
contexto que se insere a experiência realizada pela Unifesp, no curso de Pedagogia,
que aqui se quer relatar.
3. A residência pedagógica (RP)
No âmbito educacional muito se tem discutido a respeito da necessidade de
evidenciar o estágio pedagógico como componente curricular, campo de conhecimento
e eixo central na formação de professores, em detrimento de sua clássica redução a
uma atividade instrumental, de modo a fortalecer sua finalidade de possibilitar ao aluno
uma aproximação da realidade na qual atuará de forma crítica e reflexiva (PIMENTA;
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LIMA, 2004), relacionando-o à necessidade de se aprender a profissão a partir de
reflexões sobre as práticas pedagógicas e sobre a instituição escolar (MARCELO
GARCIA, 1991).
Dentro desse contexto, o curso de Pedagogia da Unifesp criou o Programa de
Residência Pedagógica, como uma alternativa de formação inovadora ao modelo
tradicional de estágio curricular. Baseado no princípio da imersão do estudante no
contexto da escola pública promove a articulação de aprendizagens teóricas e práticas
tanto para a formação inicial dos graduandos, quanto para a formação continuada dos
profissionais que recebem os residentes em seus ambientes de trabalho.
Nesse Programa, pequenos grupos de alunos (denominados “residentes”)
participam sistematicamente das práticas pedagógicas de escolas públicas da
educação básica do município de Guarulhos/SP, onde se encontra a Unifesp, e fazem
a imersão no ambiente profissional de gestores e professores, acompanhando seu
cotidiano e sua rotina de trabalho, sendo supervisionados por docentes do curso de
Pedagogia.
Acordos de cooperação técnica preveem contrapartidas da universidade em
relação à formação continuada de professores e gestores-formadores das escolas
campo, por meio de assessorias específicas, desenvolvimento de projetos e
pesquisas, organização de eventos e outras ações colaborativas.
A RP é organizada sob dois eixos: para a docência (educação infantil, ensino
fundamental e educação de jovens e adultos) e para a gestão educacional (em
escolas de educação básica dos diferentes segmentos e diretorias de ensino) a partir
dos quais se instituíram quatro unidades curriculares a serem cursadas pelos
graduandos a partir da segunda metade do curso de Pedagogia, com a seguinte carga
horária: RP em Educação Infantil: 105 horas; RP em Ensino Fundamental: 105 horas;
RP em Educação de Jovens e Adultos: 45 horas; RP em Gestão: 45 horas.
Os professores da universidade responsáveis por essas unidades curriculares
(denominados preceptores) acompanham de perto um grupo de, aproximadamente,
seis residentes, durante todo o período de imersão. Por meio de encontros semanais
de supervisão na universidade o preceptor presta informações gerais sobre a atividade
e, sobretudo, proporciona espaço de discussão e reflexão sobre as teorias estudadas,
articulando-as com a experiência vivenciada pelos residentes na instituição.
O grupo de residentes deve cumprir a carga horária mínima diária da
modalidade na qual estão matriculados, permanecendo na instituição por tempo
determinado, participando sistematicamente das atividades e acompanhando os
profissionais em suas atividades de planejamento, formação e docência, além de
realizar outras atividades orientadas por seu professor supervisor.
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Nas instituições onde a RP é realizada os residentes são supervisionados pelo
profissional de ensino responsável pela classe (denominado “professor formador”) ou
pela gestão da escola-campo (chamado de “gestor formador”).
Com relação à metodologia, é por meio da observação participante que os
residentes se aproximam da realidade institucional e apreendem seu cotidiano para
além do senso comum. Valendo-se de instrumentos como um roteiro de observação,
caderno de campo, relatórios institucionais, documentos legais, projetos pedagógicos
e outros tantos registros do trabalho na escola, os dados são coletados e
sistematizados durante o período de imersão e, a partir da problematização das
observações registradas, das análises dos documentos obtidos e reflexões
promovidas nos encontros na universidade, o residente será capaz de elaborar
relatórios sobre sua experiência formativa. São justamente os temas abordados nos
relatórios de residentes, entre os anos de 2012 e 2015, que serão tratados nos
próximos tópicos.
4. A RP e a formação para a docência na Educação Infantil
O residente em Educação Infantil vai a uma escola municipal de Guarulhos
conveniada com a Unifesp quatro vezes por semana, durante um mês, e acompanha a
mesma classe e educadores por todo o período e, uma vez por semana, encontra com
seu preceptor na universidade.
Na última semana do mês de imersão o residente deve assumir a classe para a
realização de um plano de ação pedagógica (AP) planejada em comum acordo entre
as orientações de seu professor preceptor e as orientações do professor. Essa AP
deve estar fundamentada teoricamente, prevendo ações práticas detalhadas, materiais
a serem usados, tempo e espaço de execução. Uma vez aplicada a AP, o residente
avalia o seu desenvolvimento de acordo com o direcionamento de seu professor
preceptor, produzindo um documento com seus comentários, que é entregue aos
educadores que o receberam na escola.
Ao término da imersão os residentes, em duplas, têm cerca de um mês para
produzir um relatório circunstanciado e reflexivo sobre um tema observado ou
desenvolvido na AP. Esse registro deve recuperar a experiência na escola-campo,
considerando fontes teóricas e práticas estudadas no curso de graduação, além de
problematizações sobre os episódios formativos presentes em seus registros de
observação.
De acordo com os relatórios produzidos por residentes que fizeram a imersão
em uma mesma escola de Educação Infantil entre os anos de 2012 e 2015, de um
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total de onze trabalhos, pôde se identificar três grandes temas eleitos para aprofundar
reflexões, sustentados por argumentos que apontam problemas, fragilidades e
dificuldades enfrentadas na escola, compondo um dos cenários da Educação infantil
do município de Guarulhos: o planejamento, o brincar e o papel do educador.
Com relação ao planejamento, os relatórios indicam que as atividades eram
propostas pelos educadores sem um objetivo educacional definido, surgindo como um
instrumento de preenchimento de tempo e distração das crianças. A organização das
salas e a rotina das turmas refletiam uma prática essencialmente diretiva, centrada
nas mãos das professoras, que não contavam com um ambiente planejado com
diferentes propostas de brincadeiras ou situações intencionais de aprendizagem.
No curso de graduação os residentes compreendem que o planejamento
pedagógico “é a atitude crítica do educador diante de seu trabalho docente. Por isso,
não é uma fôrma! Ao contrário, é flexível e, como tal, permite ao educador repensar,
revisando, buscando novos significados para sua prática pedagógica” (OSTETTO,
2000, p.177). No entanto, era comum as professoras disponibilizarem brinquedos pela
sala para que as crianças manipulassem e se mantivessem ocupadas, enquanto elas
se ocupavam com demandas burocráticas como o preenchimento de fichas, relatórios
etc. não demonstrando um objetivo a ser atingido que não fosse o de manter as
crianças ocupadas.
O modo como as ‘rodas de conversa’ eram conduzidas, por exemplo,
apresentava um caráter mais instrumental do que propriamente formativo. Era um
momento usado mais para transmitir informações e ressaltar combinados do que para
incentivar e viabilizar o exercício da oralidade das crianças. Nas poucas ocasiões em
que as professoras abordavam um determinado tema a ser explorado, davam pouca
ou nenhuma oportunidade de participação às crianças para expressarem sua
compreensão, seus interesses ou seus desejos.
A falta de planejamento, segundo os residentes, repercutia na falta de interação
entre as crianças por meio de linguagens corporais e orais, impedindo a negociação
de suas perspectivas e escolhas, bem como a expressão de seus desejos, medos,
capacidades, ansiedades e potencialidades. Desse modo, os interesses e
necessidades das crianças não eram considerados, mas submetidos a uma rotina
estabelecida e inflexível privando-as, sobretudo, de seu direito de brincar.
Em relação a esse último tema, os relatórios de residentes que atuaram desde
a creche, com bebês, até crianças na última etapa da Educação Infantil, apontaram
que a ênfase no aspecto cognitivo foi se tornando cada vez maior. As práticas
educativas se aproximavam, muitas vezes, de práticas pedagógicas realizadas no
ensino fundamental, ocasionando a escolarização antecipada das crianças. À medida
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que cresce, a criança foi sendo direcionada e avaliada para a aprendizagem
escolarizada e para objetivos a serem alcançados na turma, em detrimento de
aspectos como o desenvolvimento e a valorização individual, as relações de
afetividade, os valores éticos, as múltiplas interações, as expressões corporais, as
artes e a espontaneidade.
Os aspectos lúdicos e espontâneos da criança foram aos poucos perdendo
seu lugar; a autonomia que poderia ser desenvolvida e estimulada vai sendo tragada
pela forma escolar, que exige um comportamento cada vez mais previsível e
controlado, sem lugar para as brincadeiras espontâneas, dando lugar ao brincar
marcado pelo tempo, pela obrigatoriedade do silêncio, pela falta de oportunidade para
as movimentações infantis, por constantes interferências dos adultos, revelando uma
concepção de educação que parece desprezar o simbolismo e a inserção social da
criança.
Entre outros problemas enfrentados pela escola destacam-se: número
excessivo de crianças por sala, espaço e tempo exíguos para o desenvolvimento de
atividades lúdicas; falta de material à disposição e de fácil acesso; falta de
organização da sala com brinquedos e cantinhos pedagógicos, falta de envolvimento
dos professores na mediação do trabalho com sua turma de crianças.
O papel do educador, outro tema presente nos relatórios, parece perder força,
pois ele se vê ocupado com ações burocráticas demandadas pela escola e pela
secretaria municipal de educação, mantendo uma relação com as crianças que mais
se aproxima de um cuidador, na medida em que mantém os pequenos ocupados,
alimentados e evitando que se machuquem, do que propriamente um educador
consciente de seu papel formativo, que deveria atuar com ações planejadas e
intencionais para o desenvolvimento das crianças.
Nos momentos de reunião entre os professores, destinados à formação e ao
planejamento, raríssimos foram os momentos de reflexão, nos quais a união em torno
do desenvolvimento de uma atividade ultrapassasse a dimensão da obrigatoriedade
de cumprimento das exigências administrativas, restando pouquíssimo espaço para
discussões, planejamento, troca de experiências, leituras formativas etc.
A relação que os educadores mantinham com as crianças era, em grande parte
das vezes, unilateral, isto é, a palavra do educador era dirigida à criança para dar-lhe
uma ordem ou repreendê-la, e dificilmente sob a intenção de estabelecer um diálogo,
de modo a ouvi-la em retorno.
Os registros dos residentes evidenciam uma lógica de funcionamento
institucional que privilegia o controle do tempo e do espaço, a submissão e a
obediência ao professor e o desprestígio dos docentes, que não desfrutam de plenas
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condições de trabalho e cuja prática não encontra espaço para o planejamento, mas
para o enfrentamento dos inúmeros problemas que a escola pública apresenta
cotidianamente, muito distante de uma educação formativa que pudesse ser
promovida e potencializada pelo mais valioso alimento infantil: a brincadeira.
5. A RP e a formação de gestores
A RP em Gestão Educacional ocorre em escolas estaduais de ensino
fundamental e médio de São Paulo localizadas em Guarulhos e conveniadas com a
Unifesp. Trata-se de uma atividade de observação e acompanhamento dos gestores
escolares em seu cotidiano de trabalho.Os residentes, em grupo de seis estudantes, no máximo, após o fim da imersão
nas escolas-campo, elaboram um relatório final no qual, além de descreverem
aspectos da escola-campo (infraestrutura, número de funcionários, número de alunos,
número de docentes, etc.), elegem para discussão um tema para aprofundamento de
estudos e análise. No período 2012-2015 vários tópicos foram escolhidos pelos residentes para
discussão e identificados em 23 relatórios finais apresentados. Os assuntos tratados
foram agrupados aqui em três temas: gestão democrática versus relações de poder;
avaliações externas e impactos sobre o cotidiano; indisciplina, violência escolar; o
papel do professor mediador. Os residentes realizaram suas residências em duas escolas estaduais, as
quais serão chamadas aqui de escola A e escola B. Durante as reuniões com os
preceptores as impressões dos estudantes eram compartilhadas por todo o grupo, o
que permitiu que se percebessem as diferenças e as semelhanças no modo que as
duas gestões dirigem as instituições escolares que estão localizadas no mesmo bairro.O tema “Gestão democrática versus relações de poder” foi o que mais chamou
a atenção dos residentes, sendo o principal ponto de discussão dos relatórios
analisados. Nesse eixo os residentes destacaram a relação que os gestores
estabelecem com os professores e demais profissionais da escola, com os alunos e
suas famílias. Consideraram, durante a imersão, que a escola A adota uma postura
mais democrática, com participação maior de toda a comunidade escolar nas decisões
a serem tomadas, assim como na divisão das responsabilidades das atividades e
funções que a instituição demanda. Já a gestão da escola B adota uma postura mais
centralizadora, sendo a figura do diretor escolar o centro dessa organização e das
decisões. Um segundo tema foi o relacionado com as avaliações externas e seus
impactos sobre o cotidiano escolar. As escolas públicas estaduais de São Paulo, além
das avaliações aplicadas pelo Ministério da Educação, também são submetidas a uma
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avaliação aplicada pela Secretaria Estadual de Educação chamada de Sistema de
Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP). Os residentes
que fizeram sua imersão nas escolas no período de aplicação das provas do SARESP
perceberam que a gestão escolar e os demais profissionais centralizam sua atenção
nessa atividade, alterando a rotina escolar. Os residentes perceberam a grande
preocupação que a avaliação gera nas duas escolas, já que os resultados se tornarão
públicos e também porque o bom desempenho dos alunos implica em retorno
financeiro para os professores, o chamado “bônus”. Por fim, um terceiro tema voltou-se para a questão da violência escolar,
indisciplina e o papel do professor mediador. Esse tema foi alvo apenas dos residentes
que realizaram sua imersão na escola B. Nas escolas estaduais paulistas, se a direção
desejar, é possível contar com esse profissional - normalmente um docente afastado
da sala de aula por problemas de saúde - que atuará na gestão de conflitos entre os
estudantes e entre estes e os professores. Na percepção dos residentes, essa figura
tem falhado na sua função, sobretudo porque adota uma posição que não se volta
para o diálogo com os alunos, mas sim de imposição e de aplicação de “castigos” a
aqueles que fogem da ordem imposta. Ainda na percepção dos residentes, isso
acontece, em parte, por causa da gestão centralizadora e pouco democrática que a
escola adota em relação a todos os problemas que surgem no cotidiano. Essa experiência, segundo os residentes, foi muito importante a sua formação,
pois permitiu lidar, cotidianamente, com os problemas enfrentados pelos gestores e
também as soluções adotadas mediante as situações inusitadas que surgiam. É
importante esclarecer que nas reuniões com os preceptores o residente é incentivado
a não julgar as ações dos gestores e demais profissionais, mas sim a refletir e tentar
compreender porque e como tais situações surgem mediante as inúmeras dificuldades
enfrentadas pelas escolas públicas, e como esses profissionais procuram atender as
pressões oriundas dos órgãos oficiais e da população.
6. Conclusões
A experiência acumulada com o Programa de Residência Pedagógica do curso
de Pedagogia da Unifesp tem se mostrado muito significativa para a formação dos
futuros pedagogos, tendo em vista a proximidade e vivência compartilhada e diária
que a atividade proporciona, evidenciadas com a sistematização das temáticas
abordadas pelos residentes em seus relatórios finais. Tal temática é estabelecida a
partir das anotações realizadas pelos residentes em seus diários de campo no período
em que estão imersos na escola.
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O contato com o cotidiano escolar promove aprendizagens, que podem ser
formativas se forem alvo de reflexões críticas. No caso específico da RP, tal contato
ocorre de forma ininterrupta, permitindo ao residente uma experiência bastante intensa
sobre a realidade escolar. Para que tal experiência seja formativa, o futuro pedagogo
necessita indagá-la a partir de pressupostos teóricos, ampliando sua compreensão
sobre a escola como instituição social. Quando da elaboração dos relatórios, os
residentes, a partir da temática escolhida para aprofundamento e dos debates
promovidos nos momentos de supervisão, são incentivados a retomar as leituras
realizadas em outras Unidades Curriculares do curso de Pedagogia, além da
realização de novas leituras e discussões, ampliando sua compreensão sobre o
fenômeno em pauta. As temáticas abordadas pelos alunos em seus relatórios
permitem vislumbrar conjunto de reflexões significativas sobre a realidade escolar,
evidenciando potencial formativo dessa modalidade de estágio curricular.
Além disso, cabe destacar o estabelecimento de parceria entre a universidade
e as escolas-campo, o que permite acompanhar de forma mais próxima as atividades
desenvolvidas. Os acordos de cooperação estabelecidos entre a universidade e as
escolas permitem, ainda, que o professor formador das escolas públicas e o professor
preceptor da universidade conheçam melhor o funcionamento dessas instituições, de
forma recíproca, assim como favorece o estabelecimento de um compromisso mútuo
em relação à formação do pedagogo.
É claro que problemas surgem quando se opta por um modelo diferenciado.
Dentre eles, tem-se a falta de verbas para disponibilizar transporte de ida e volta para
os residentes, o reduzido número de professores da universidade para atender a
demanda, greves (tanto na universidade como nas escolas) que provocam a
interrupção da imersão, falta de material para desenvolver as AP, entre outros.
Contudo, apesar dos percalços, a experiência tem sido importante para a formação
dos estudantes, pois possibilita que conheçam e socializem com seus pares e
professores, de forma crítica e reflexiva, a realidade das escolas públicas brasileiras
em que possivelmente irão atuar.
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