Afogamento equase-afogamento
Coordenação: Elisa de Carvalho/Paulo R. Margotto
Definição
Afogamento: Morte em até 24 horas após acidente por submersão em meio líquido.
Quase-afogamento: Episódio de suficiente gravidade após submersão que exige atenção médica a vítima que pode evoluir com alguma morbi-mortalidade.
Afogamento secundário:Morte decorrente de complicações ou acidente por submersão.
Síndrome da submersão: Morte súbita, provavelmente mediada pelo vago, devido à parada cardíaca após contato com água gelada.
Epidemiologia
• Estima-se que 500 mil pessoas se afogam a cada ano em todo o mundo -1 pessoa a cada minuto
• 1998 (OMS): Taxa de mortalidade por afogamento de 8,4/100000
• Como causa de morte:– Crianças menores que 5 anos: 11° lugar– Crianças entre 5-14 anos: 4° lugar
• Crianças menores de 5 anos respondem por aproximadamente 40% das mortes por afogamento
Epidemiologia• Fatores de risco
– Idade: Taxas de afogamento são mais altas em crianças menores que 5 anos (42%) e, a seguir, no grupo entre 15-19 anos (29%)
– Sexo: Vítimas masculinas predominam em todas as idades totalizando 74% das mortes
• Relação homens:mulheres aumenta de 2:1 em crianças para mais de 10:1 em adolescentes
– Raça: 2 a 3 vezes mais em negros– Doenças associadas - Epilepsia: risco 4 a 13
vezes maior de afogamento
Epidemiologia
• Local de afogamento:– Mais de 50% dos lactentes sofrem submersão
em banheiras– Crianças menores que 5 anos, o afogamento
é comum em baldes, vasos sanitários, lavadoras, pias e piscinas residenciais
– Crianças mais velhas e adolescentes: até 70% ocorrem em locais com água abertos como lagos, rios, tanques
• Mais de 50% associados ao uso de álcool/drogas
Fisiopatologia
• A maioria das vítimas pediátricas afoga-se silenciosamente– Crianças pequenas podem lutar apenas 10-
20 s antes que ocorra o evento final de submersão
• Ocorrendo a submersão, todos os órgãos e tecidos estão em risco de hipóxia
• A gravidade da lesão depende da duração da exposição ao mecanismo de lesão.
FisiopatologiaSubmersão
Agitação HipercapniaNarcose Laringoespasmo
Apnéia Voluntária
Respiração voluntária
Aspiração
Apnéia secundária
Parada Cardíaca
Parada respiratória Hipóxia
MORTE CEREBRAL
Fisiopatologia
• Lesão anóxico-isquêmica– Alterações cardiovasculares:
• Liberação intensa de catecolaminas Taquicardia inicial seguida seguida por hipertensão grave e bradicardia reflexa
• Após 3-4 min: A circulação falha abruptamente hipóxia miocárdica arritmias perfusão ineficaz
• Lesão rápida, progressiva e irreversível impossibilidade de ressuscitação bem sucedida
Fisiopatologia• Lesão anóxico-isquêmica:
• O cérebro é extremamente sensível à lesão hipóxico-isquêmica Lesões irreversíveis em 3-5 min
• Maior causa de morbi-mortalidade a longo prazo
– Alterações cerebrais• O cérebro apresenta reservas mínimas de energia
Após 2 min de anoxia o ATP está criticamente esgotado
• Na parada cardiopulmonar, aberrações do FSC e a auto-regulação prejudicada podem persistir após ressuscitação: Após ressuscitação FSC aumentado (15-30 min) Hipoperfusão retardada (horas-dias) comibinada ou não com a demanda metabólica lesão adicional
Fisiopatologia• Lesão anóxico-isquêmica
– Alterações cerebrais• Lesões secundárias durante a reperfusão:
Liberação de Glutamato e aminoácidos excitatórios
Ativação de receptores na membrana de células neurais
Ativação de receptores metabolotrópicos
Influxo de cálcio e sódioDisparam sistemas de segundo
mensageiro e levam a liberação decálcio de reservas intracelulares
Via final pra lesão celularirreversível e morte
Fisiopatologia• Lesões anóxico-isquêmicas:
– Alterações demais órgãos:• Pulmão:
– Lesão endotelial Aumenta permeabilidade vascular SARA
• Disfunção miocárdica: – Hipotensão arterial Débito cardíaco diminuído Choque– Arritmias e IAM também podem ocorrer
• Rins: – Necrose tubular aguda ou necrose cortical: complicações
comuns em grandes eventos hipóxico-isquêmicos
• Lesão endotelial vascular:– CID, hemólise e trombocitopenia
Fisiopatologia
• Lesão anóxico-isquêmica– Alterações demais órgãos:
• Lesão gastrintestinal – Diarréia sanguínea com esfacelo de mucosa pode ser
vista após eventos hipóxico-isquêmico graves: muitas vezes prognóstico de lesão fatal
• Concentrações de transaminases hepáticas e enzimas pancreáticas séricas muitas vezes tornam-se elevadas agudamente
• A violação de barreiras protetoras mucosas normais predispõe a vítima a bacteremia e sepse
Fisiopatologia• Aspiração e lesão pulmonar:
– Aspiração:• Ocorre na grande maioria das vítimas• Geralmente aspiram pequena quantidade• A quantidade e composição do material aspirado
podem afetar a evolução clínica do paciente:– Conteúdo gástrico, água salina, organismos
patogênicos, substâncias tóxicas podem lesar o pulmão ou causar obstrução de via aérea
– Aspirações volumosas aumentam a probabilidade de disfunção pulmonar grave
• O tratamento clínico não é significativamente alterado pela aspiração de água do mar ou água doce
Fisiopatologia
• Aspiração e lesão pulmonar:– Hipoxemia e insuficiência pulmonar:
• Resultam do desequilíbrio ventilação/perfusão, aumento do shunt intrapulmonar, diminuição da complacência pulmonar e aumento da resistência das pequenas vias aéreas
• A aspiração de 1-3 ml/kg pode levar a hipoxemia acentuada e uma redução de 10-40% na complacência pulmonar
Fisiopatologia
• Aspiração e lesão pulmonar:– Lesões pulmonares:
• Edema pulmonar e SARA– Consequentes à aspiração de líquido ou material
estranho, hipóxia-isquemia ou hipotermia acentuada– Pode ser cardiogênico, ou, incomumente, neurogênico
• Pneumonia– Decorrente da aspiração de material contaminado
• Lesão direta das vias aéreas– Aspiração de suco gástrico ou agente cáustico
• Lesão pulmonar associada a ventilador:– Uso de volumes correntes ou pressões excessivos ou
exposição prolongada a altas concentrações de O2
Fisiopatologia• Hipotermia (temperatura central < 35°C)
– É comum após submersão– Decorrente:
• Contato prolongado da superfície corporal com água fria• Aspiração ou deglutição de grandes quantidades de líquido
muito frio• E quedas adicionais de temperatura após remoção da água :
ar frio, roupas molhadas, hipóxia
– Crianças têm elevado risco de hipotermia: • Relação relativamente alta de área de superfície para massa
corporal• Menos gordura subcutânea• Capacidade termogênica limitada
Fisiopatologia
• Hipotermia – Hipotermia moderada (temp. central 32-35°C)
• Atuação de mecanismos de compensação Aumento no consumo de O2 Termogênese por tremor e tono simpático aumentado
– Hipotermia grave (temp. central < 32°C)• Termorregulação falha e reaquecimento não
ocorre: O tremor cessa e a taxa metabólica celular diminui 7% por °C na ausência de termogênese ativa
Fisiopatologia• Hipotermia (moderada a grave)
– Alterações cardiovasculares:• Bradicardia progressiva, contratilidade miocárdica prejudicada
e perda do tono vasomotor perfusão inadequada hipotensão choque
Abaixo de 28°C: Bradicardia extrema e propensão à FV
espontânea ou assistolia
– Alterações respiratórias:• Depressão do centro respiratório hipoventilação e apnéia
– Alterações neurológicas:• Coma profundo com pupilas fixas e dilatadas e reflexos
ausentes falsa aparência de morte (hipotermia grave)
Fisiopatologia
• Hipotermia– Outras consequências sistêmicas:
• SARA: Pode ser vista na ausência de submersão e aspiração
• Metabolismo hepatorrenal diminuído redução da depuração de drogas
• Hipoglicemia: Exaustão das reservas de glicogênio• Hiperglicemia: Liberação de catecolaminas liberação
alterada de insulina pancreática e utilização periférica reduzida de glicose
• Trombocitopenia, disfunção de plaquetas e CID• Comprometimento da função de neutrófilos e retículo
endotelial Maior suscetibilidade à infecção bacteriana, fúngica e sepse
Manifestações clínicas e tratamento
• Evolução clínica é determinada:– Circunstâncias do incidente– Duração da submersão– Velocidade de salvamento– Eficácia de forças ressuscitativas
• Tratamento inicial:– Tratamento pré-hospitalar coordenado e experiente
obedecendo ao ABC de ressuscitação de emergência
• Tratamento subsequente– No setor de emergência e UTIP
• Envolve estratégias avançadas de suporte de vida• Tratamento de disfunção de múltiplos órgãos
Monitorização
Sistema Respiratório• Gasometrias arteriais seriadas• Radiografia de tórax• Amostra de Gram e cultura em caso de
secreção brônquica Sistema Cardiovascular
• Pele (coloração, temperatura, perfusão) • FC• ECG
Monitorização
Sistema neurológico• Escala de Glasgow
PIC Temperatura corpórea Monitorização de rotina:
• Função renal com débito urinário, hematúria e proteinúria
• Dosagem sérica de uréia e creatinina• Função hepática com coagulograma, transaminases• Glicemia
Tratamento
Insuficiência RespiratóriaOferecer O2 suplementar para atingir
PaO2>100mmHgManter PaCO2 entre 25 e 35 mmHgIntubação endotraqueal e ventilação
mecânica podem ser necessáriasPacientes com insuficiência grave
Oferecer grande quantidade de volume corrente (12 a 15 ml/Kg) e alto PEEP Garante oxigenação e ventilação adequadas
Tratamento
Insuficiência Cardíaca
Por ser secundária à hipotermia, hipóxia e acidose, é reversível.
Adequação de volume intravascular: reposição de volume e, se necessário, uso de drogas vasoativasPrincipalmente quando paciente recebe ventilação com
grande quantidade de volume corrente ou altos níveis de PEEP cursa com prejuízo no DC.
Tratamento
Lesão CerebralBusca prevenção da progressão da lesão
hipóxico-isquêmica Manter a normotermia Garantir ótima oferta de O2 cerebral
Manter Ht acima de 30% Ofertar glicose e calorias para
restabelecimento de metabolismo celular normal
Tratamento
Lesão CerebralPrevenir convulsões principalmente nos
pacientes com lesões cerebrais graves Controle da PIC não melhora evolução,
porém, deve-se realizar hiperventilação leve, sedação, balanço hídrico rigoroso, elevação de cabeceira, limitar pressões de sucção e tosse.
Tratamento Correção de hipotermia
Reaquecimento ativo em todos os pacientes com T< 32ºC: Lavagem gástrica ou peritoneal com soro morno; Administração de fluidos via intravenosa e O2 úmido
aquecidos a 40 ºC
Pacientes com T> 32ºC e estáveis hemodinamicamente: Podem ser aquecidos com cobertores e aquecedores
externos
O reaquecimento deve ser interrompido quando se atinge temperatura entre 34ºC e 35ºC.
Prognóstico
• Globalmente, cerca de 80% das vítimas sobrevivem– 92% destes têm uma recuperação completa
• Crianças com tratamento em UTIP:– 50% sobrevive neurologicamente intacta– 7-27% apresentam lesão cerebral grave– 13-35% morrem
• A maioria das crianças apresentam bons ou maus resultados, poucos com lesão neurológica intermediária
Prognóstico• Fatores preditivos:
– Variáveis históricas:• Duração da submersão• Intervenção no local• Tempo de hipotermia
– Variáveis de tratamento:• Necessidade de RCP Apnéia, ausência de pulso, duração
da ressuscitação• ECoG: e progressão: < 5 mau prognóstico• Resposta pupilar e reflexo do tronco cerebral: melhora
durante as primeiras 24-72h bom prognóstico
– Exames de laboratório:• pH• glicemia
Prognóstico
• Melhores parâmetros de prognóstico a longo prazo do SNC:– Exame neurológico e melhora durante as
primeiras 24-72h:• Crianças que recuperam a consciência dentro de
72h, mesmo após ressuscitação prolongada, tendem a não apresentar sequelas neurológicas graves
Prevenção“A melhor esperança de ‘cura’ do
afogamento e suas consequências residena prevenção”
• Pediatra: papel crucial na prevenção• Educar pais sobre risco de artefatos comuns:
banheiras, baldes, vaso sanitário e máquina de lavar
• Piscinas residenciais devem ser foco de esforço preventivo:– Cercas de isolamento apropriadas podem prevenir
até 80% do afogamento de crianças pequenas– Capas de piscina
Prevenção
• Atentar sobre necessidade de supervisão de um adulto 24 horas
• Treinamento da população quanto a RCP básica
• Natação:• Aconselhada para crianças maiores de 4
anos• Adolescentes:
• Atentar sobre o uso de álcool e drogas• Proteção individual
OBRIGADA!