Autores:
Prof. Dr. Telmo Roberto Strohaecker Coordenador do Laboratório de Metalurgia Física Universidade Federal do Rio Grande do Sule-mail: [email protected]
Prof. Vitor José Frainer Laboratório de Ensaios MecânicosFundação Universidade Federal do Rio Grandee-mail: [email protected]
Sumário
Pg
1. Introdução .................................................................................................................. 52. Estruturas Cristalinas ................................................................................................. 6
2.1 - Reticulado Cristalino ................................................................................. 62.2 - Estrutura Cúbica de Corpo Centrado ......................................................... 82.3 - Estrutura Cúbica de Faces Centradas ........................................................ 92.4 - Interstícios ................................................................................................. 102.5 - Índices de Miller ........................................................................................ 112.6 - Defeitos na Estrutura Cristalina ................................................................ 122.7 - Estrutura do Ferro Puro ............................................................................. 14
3. Diagrama Ferro-Carbono .......................................................................................... 174. Microestrutura dos Aços ............................................................................................ 22
4.1 - Aço Eutetóide ............................................................................................ 224.2 - Aços Hipoeutetóides ................................................................................. 244.3 - Aços Hipereutetóides ................................................................................ 254.4 - Regra da Alavanca .................................................................................... 254.5 - Classificação dos Aços............................................................................... 27
5. Fases Metaestáveis .................................................................................................... 295.1 - Reação Martensítica .................................................................................. 295.2 - Reação Bainítica ........................................................................................ 31
6. Tratamentos Térmicos ............................................................................................... 336.1 - Objetivos Gerais ........................................................................................ 336.2 - Tipos Comuns ........................................................................................... 336.3 - Fatores de Influência ................................................................................. 346.4 - Esferoidização ........................................................................................... 376.5 - Recozimento .............................................................................................. 386.6 - Normalização ............................................................................................. 406.7 - Têmpera ..................................................................................................... 416.8 - Revenido .................................................................................................... 476.9 - Tratamentos Isotérmicos ........................................................................... 49
7. Diagramas Isotérmicos .............................................................................................. 537.1 - Introdução .................................................................................................. 537.2 - Efeito da Temperatura de Transformação da Perlita ................................. 537.3 - Velocidade de Nucleação da Perlita .......................................................... 547.4 - A Reação Bainítica .................................................................................... 557.5 - Diagrama Isotérmico ................................................................................. 567.6 - Diagramas Isotérmicos de Aços Hipoeutetóides e de Aços
Hipereutetóides ........................................................................................ 607.7 -Influência do Tamanho de Grão e dos Elementos de Liga nos Diagramas
Isotérmicos ..................................................................................................
618. Diagramas de Resfriamento Contínuo ....................................................................... 63
8.1 - Introdução .................................................................................................. 638.2 - Comparação Entre Diagramas Isotérmicos e de Resfriamento Contínuo . 638.3 - Transformações no Diagrama de Resfriamento Contínuo ........................ 648.4 - Propriedades dos Produtos Formados ....................................................... 65
9. Temperabilidade ........................................................................................................ 679.1 - Introdução ................................................................................................. 67
rincípios de Tratamentos Térmicos2
2
9.2 - Definição de Temperabilidade .................................................................. 679.3 - Fatores que Afetam a Distribuição de Dureza .......................................... 689.4 - Ensaio de Jominy ...................................................................................... 719.5 - Método de Temperabilidade de Grossmann .............................................. 729.6 - Determinação da Curva de Jominy em Função da Composição e do
Tamanho de Grão ..................................................................................... 769.7 - Aplicação Prática do Ensaio de Jominy .................................................... 81
10. Endurecimento Superficial - Tratamentos Termoquímicos .................................... 8610.1 - Introdução ................................................................................................ 8610.2 - Cementação ............................................................................................. 8610.3 - Nitretação ................................................................................................ 94
11. Endurecimento Superficial - Têmpera Superficial .................................................. 9611.1 - Introdução ................................................................................................ 9611.2 – Aquecimento por Chama ........................................................................ 9611.3 – Aquecimento por Indução ....................................................................... 98
12. Preparação de Amostras .......................................................................................... 10312.1 - Introdução ................................................................................................ 10312.2 - Retirada da Amostra ................................................................................ 10412.3 – Embutimento .......................................................................................... 10412.4 - Lixamento ................................................................................................ 10512.5 - Polimento ................................................................................................ 10612.6 - Ataque Químico ...................................................................................... 106
Bibliografia .................................................................................................................... 108Apêndice A ................................................................................................................... 109Apêndice B .................................................................................................................... 111
Princípios de Tratamentos Térmicos 3
1 - Introdução
O ferro é o principal constituinte de uma das ligas mais importantes na engenharia;
o aço. Os aços são empregados nos mais variados componentes. Fica difícil imaginar um
equipamento que não possua uma peça de aço em sua constituição.
O ferro é um metal alotrópico, isto é, ele apresenta mais de uma estrutura cristalina
de acordo com a temperatura. Quando o ferro solidifica, a 1538 °C, passa a apresentar uma
estrutura cúbica de corpo centrado, a fase δ (delta). Continuando o resfriamento, ocorre
uma mudança de fase na temperatura de 1394 °C, com os átomos de ferro sofrendo um
rearranjo para uma estrutura cúbica de faces centradas, a fase γ (gama). Na temperatura de
912 °C ocorre um novo rearranjo cristalino e o ferro volta a apresentar uma estrutura
cúbica de corpo centrado, a fase α (alfa). Abaixo da temperatura de 768 °C (ponto Curie) o
ferro passa a apresentar um comportamento magnético, sem no entanto apresentar qualquer
mudança na estrutura cristalina. Todas estas transformações alotrópicas ocorrem com
liberação de calor no resfriamento (reações exotérmicas) e com absorção de calor no
aquecimento (reações endotérmicas). Evidentemente a quantidade de energia envolvida é
bem inferior do que a da transformação de estado (calor latente de solidificação, por
exemplo).
A existência destas transformações, conforme será visto mais adiante, faz com que
os aços apresentem-se como uma classe de materiais extremamente versáteis atendendo a
um grande espectro de propriedades mecânicas.
rincípios de Tratamentos Térmicos4
4
sistema eutetico- uma fase liquida se transforma em duas fases solida (alfa e beta)
ferrita - forma alotropica do ferro em temperatura ambiente.
dútil - baixa dureza, capacidade de deformação plástica.
2 - Estruturas Cristalinas
2.1 - Reticulado Cristalino
Todos os metais, incluindo-se neste caso o ferro puro, possuem o que se
convenciona chamar de estrutura cristalina. Para que possamos entender do que se trata
vamos considerar uma rede de pontos que se prolonga infinitamente nas três direções do
espaço como mostrado na figura 2.1.
Figura 2.1 - Representação de uma rede de pontos que serve de base para o estudo das estruturas cristalinas(6).
Se todas as retas que formam a rede estiverem regularmente espaçadas em cada
uma das direções, os pontos de intersecção estarão também regularmente espaçados e neste
caso fica caracterizada uma rede espacial de pontos. Observando-se a figura 2.1 vemos que
a geometria da rede espacial fica perfeitamente caracterizada se utilizarmos três vetores
para defini-la. Assim, se tomarmos por base o comprimento dos três vetores como sendo
a, b e c e se tomarmos o ângulo ente estes mesmos vetores como sendo α, β e γ teremos o
que se convenciona chamar de constante de rede. Estas constantes nos permitem definir
exatamente como os pontos se distribuem no espaço, pois, se repetirmos o comprimento de
um vetor, por exemplo a, segundo a direção dada por α, encontraremos uma nova
interseção, ou seja um outro ponto de rede. Similarmente se combinarmos a distância b
com o ângulo β e a distância c com o ângulo γ encontraremos pontos a cada repetição.
Devemos entender, ainda, que em um enfoque puramente geométrico, tanto as distâncias
quanto os ângulos podem ter o mesmo valor ou serem diferentes entre si, o que nos
permitiria uma série de combinações. Indo um pouco adiante, poderíamos associar a esta
rede espacial uma série de átomos distribuídos regularmente pelo espaço, não
necessariamente localizados nos pontos de intersecção, mas respeitando a regularidade
Princípios de Tratamentos Térmicos 5
determinada pelas distâncias e pelos vetores. Desta forma teríamos caracterizada uma
estrutura cristalina, que nada mais é do que uma rede de pontos regularmente espaçados
com uma distribuição regular dos átomos. Muitos materiais possuem uma distribuição
característica e regular dos seus átomos sendo chamados então de materiais cristalinos.
Como existe esta regularidade, uma estrutura cristalina de um material não precisa ser
representada por todos os seus átomos mas apenas por um conjunto de átomos que possam
definir a sua distribuição no espaço. Este conjunto de átomos deve ser escolhido de tal
forma que uma vez repetidas as suas posições nas três direções do espaço tenhamos a
representação de toda a estrutura cristalina do material. A esta pequena porção do
reticulado cristalino que tem a propriedade de representar todo o cristal chamamos célula
unitária. Uma célula unitária terá sempre associada uma figura geométrica (as distâncias
a, b e c e os vetores α, β e γ ) e a distribuição característica dos átomos. No estudo das
estruturas cristalinas são utilizadas apenas sete figuras geométricas, caracterizando sete
sistemas cristalinos e estes produzem um total de apenas quatorze distribuições
características dos átomos, produzindo quatorze estruturas cristalinas. Embora alguns
materiais possam apresentar distribuições mais complexas, apenas estas quatorze células
unitárias são suficientes para permitir o estudo dos materiais cristalinos. Na tabela 2.1
apresentamos os sete sistemas cristalinos com as suas características geométricas e as
estruturas cristalinas geradas a partir dos mesmos. Dentre os sistemas apresentados os que
mais interessam para o estudo dos tratamentos térmicos de aços são o sistema cúbico e o
sistema tetragonal. Na figura 2.2 pode-se ver as células unitárias das estruturas cúbicas de
corpo centrado (CCC), cúbica de faces centradas (CFC) e tetragonal de corpo centrado
(TCC). Por uma questão de simplicidade os átomos em um reticulado cristalino são
representados como esferas perfeitas mas isto não implica em diferenças muito grandes em
relação ao caso real. Uma representação deste tipo está apresentada na figura 2.3 para as
estruturas cúbica de corpo centrado e cúbica de faces centradas.
Figura 2.2 - Representação esquemática das células unitárias das estruturas cúbica de corpo centrado, cúbica de faces centradas e tetragonal de corpo centrado(6).
rincípios de Tratamentos Térmicos6
6
Se olharmos mais atentamente para estas figuras podemos retirar outros valores que
são úteis para comparação entre as várias estruturas. Os parâmetros característicos mais
utilizados são as medidas características dos vetores, chamado parâmetro de rede, o
número de átomos por célula unitária, o número de vizinhos que cada átomo possui
(átomos que distam entre si dois raios atômicos), chamado número de coordenação e a
relação entre o volume ocupado pelos átomos e o volume da célula unitária, chamado de
fator de empacotamento. Para que se possa entender um pouco melhor estas estruturas
teceremos mais algumas considerações a respeito das mesmas a seguir.
Figura 2.3 - Representação do modelo de esferas das estruturas cúbica de corpo centrado e cúbica de faces centradas(3).
2.2 - Estrutura Cúbica de Corpo Centrado
A estrutura cúbica de corpo centrado é uma estrutura que possui os seguintes
parâmetros geométricos: a=b=c e α=β=γ=90o. Estes valores fazem com que a célula
unitária seja caracterizada pela figura de um cubo. Além disso os átomos estão localizados
nos vértices e no centro da célula, como pode ser visto nas figuras 2.2 e 2.3. Observe-se
que os átomos dos vértices tem apenas um oitavo do seu volume ocupando espaço na
célula unitária. Neste caso o parâmetro de rede, representado pelo lado do cubo, vale
4 3R , o número de átomos por célula unitária é 2 (um átomo correspondendo à soma dos
oito oitavos dos átomos dos vértices e mais o átomo localizado no centro da célula),
número de coordenação de 8 e um fator de empacotamento de 0,68, onde R é o raio
atômico. Deve ser lembrado que, embora estes parâmetros tenham sido retirados da célula
unitária, eles são válidos para toda a estrutura cristalina. Isto significa que, independente
da célula unitária escolhida e do átomo tomado como referência, devemos encontrar
sempre os mesmos valores.
Princípios de Tratamentos Térmicos 7
Tabela 2.1 - Classificação das estruturas cristalinas dentro dos sistemas cristalinosSistema cristalino
Parâmetro de rede e ângulo entre os eixos
Estrutura cristalina
Cúbico Três eixos iguais em ângulo reto Cúbica simplesa=b=c, α=β=γ=90° Cúbica de corpo centrado
Cúbica de faces centradasTetragonal Três eixos em ângulo reto, dois iguais Tetragonal simples
a=b≠c, α=β=γ=90° Tetragonal de corpo centradoOrtorrômbico Três eixos desiguais em ângulo reto Ortorrômbico simples
a≠b≠c, α=β=γ=90° Ortorrômbico de corpo centradoOrtorrômbico de bases centradasOrtorrômbico de faces centradas
Romboédrico Três eixos iguais, ângulos iguais Romboédrico simplesa=b=c, α=β=γ≠90°
Hexagonal Dois eixos iguais a 120°, terceiro eixo a 90°
Hexagonal simples
a=b≠c, α=β=90°, γ=90°Monoclínico Três eixos desiguais, um ângulo
diferenteMonoclínico simples
a≠b≠c, α=β=90°, γ≠90 Monoclínico de bases centradas
Triclínico Três eixos desiguais, ângulos desiguais
Triclínico simples
a≠b≠c, α≠β≠γ≠90
2.3 - Estrutura Cúbica de Faces Centradas
A estrutura cúbica de faces centradas possui os mesmos parâmetros geométricos
que a estrutura cúbica de corpo centrado, porém, a distribuição dos átomos é um pouco
diferente. Neste caso existem átomos localizados nos vértices e no centro de cada uma da
faces do cubo, conforme as figuras 2.2 e 2.3. Isto faz com que os átomos das faces tenham
apenas metade do seu volume ocupando espaço na célula unitária. O parâmetro de rede
vale 4 2R , o número de átomos por célula unitária é 4 (um átomo correspondendo à
soma dos oito oitavos dos átomos dos vértices e mais três átomos correspondentes aos
átomos localizados nas faces), número de coordenação de 12 e um fator de empacotamento
de 0,74. Comparando-se o fator de empacotamento das duas estruturas pode-se ver que a
estrutura CFC é mais compacta do que a estrutura CCC, isto é, os seus átomos ocupam de
maneira mais eficiente o espaço. Se considerarmos o mesmo raio atômico, pode-se dizer
que os átomos organizados segundo uma estrutura CFC ocuparão menor volume o que
conduzirá a uma maior densidade.
rincípios de Tratamentos Térmicos8
8
2.4 - Interstícios
Em qualquer estrutura cristalina o fator de empacotamento é sempre menor do que
um, isto é, os átomos não ocupam todo o espaço disponível na célula unitária. Este fato
implica em que existam espaços vazios entre os átomos da estrutura. Estes espaços vazios
recebem o nome de interstícios e exercem um papel muito importante nos tratamentos
térmicos dos aços como será visto mais adiante. Normalmente existem vários interstícios
em uma estrutura cristalina e quanto menor o fator de empacotamento maior é o volume
destinado aos interstícios, embora o tamanho de cada um dependa do raio atômico e da
estrutura cristalina. Deste modo uma estrutura CFC possui interstícios maiores do que uma
estrutura CCC, embora o seu fator de empacotamento seja maior. A principal conseqüência
disto é que, quando se tiver uma solução em que os átomos do soluto se colocam em
posições intersticiais, como é o caso da liga ferro-carbono, a estrutura que tiver os maiores
interstícios apresentará uma maior solubilidade do que aquela que possui interstícios
menores. Nas figuras 2.4 e 2.5 estão representados os interstícios das células CCC e CFC.
(a) (b)Figura 2.4 - Interstícios octaédricos (a) e insterstícios tetraédricos (b) em uma estrutura cúbica de corpo centrado(9).
(a) (b)Figura 2.5 - Interstícios octaédricos (a) e insterstícios tetraédricos (b) em uma estrutura de faces centradas(9).
Princípios de Tratamentos Térmicos 9
Um interstício sempre é denominado pela figura poliédrica formada pelos átomos
que estão em volta do espaço vazio e desta forma vamos encontrar interstícios tetraédricos
e insterstícios octaédricos. Tanto a estrutura CCC quanto a estrutura CFC possuem estes
interstícios, no entanto estes são maiores na estrutura CFC.
2.5 - Índices de Miller
A disposição característica dos átomos na estrutura cristalina de um material faz
com que existam direções e planos característicos para cada estrutura. Estas direções e
planos tornam-se importantes pelo fato de influírem no comportamento do material como é
o caso da deformação. Sempre que tivermos deformação esta se dará segundo
determinadas direções e planos particulares para cada estrutura. Isto se deve
principalmente ao fato de que existe uma maior densidade de átomos em determinadas
direções gerando planos de escorregamento quando ocorre deformação plástica. Para a
determinação exata das direções e planos foi criada uma notação apropriada que é chamada
de Índices de Miller. Nas figuras 2.6 e 2.7 são mostradas direções e planos característicos
para as estruturas CCC e CFC.
Os índices de uma direção estão relacionados com as coordenadas de um ponto
com relação à origem do sistema de eixos. Assim, a direção [100] corresponde a um vetor
paralelo ao eixo x, enquanto que a direção [010] corresponde a um vetor paralelo ao eixo y.
No caso dos planos, os índices correspondem ao inverso do valor das interseções do plano
com os eixos. Deste modo um plano (100) corresponde a um plano paralelo aos eixos y e z
enquanto que um plano (010) corresponde a um plano paralelo aos eixos x e z.
Figura 2.6 - Direções cristalinas em uma estrutura cúbica(15).
rincípios de Tratamentos Térmicos10
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Figura 2.7 - Planos cristalinos em uma estrutura cúbica(3).
2.6 - Defeitos na Estrutura Cristalina
Embora até aqui tenhamos representado uma estrutura cristalina como uma rede de
pontos que se distribui regularmente pelo espaço com átomos a ela associados e também
regularmente distribuídos, isto não acontece nos materiais cristalinos reais. Todos os
materiais cristalinos possuem um certo número de defeitos os quais podem influir
decisivamente em suas propriedades. Abaixo relacionaremos alguns dos principais defeitos
para que se tenha idéia de como os mesmos se apresentam no reticulado cristalino.
a. Lacunas
Este defeito é caracterizado pela ausência de um átomo em uma posição que
deveria ser ocupada na estrutura cristalina. Isto gera uma deficiência de ligações entre os
átomos fazendo com que os mesmos tendam a se aproximar, o que provoca uma distorção
na rede e produz um acúmulo de energia naquele ponto. Na figura 2.8 representamos este
defeito.
b. Defeitos intersticiais.
Caracteriza-se pela presença de um átomo em um interstício da estrutura cristalina.
Neste caso o átomo pode ser do próprio elemento que forma a estrutura, sendo chamado de
defeito auto-intersticial, ou por um átomo estranho, chamado defeito de impureza
intersticial. Pelo fato dos interstícios em uma estrutura serem pequenos com relação aos
átomos que abrigam, um defeito intersticial produz uma distorção e um acúmulo de energia
muito maior do que uma lacuna. A figura 2.8 representa estes dois defeitos.
Princípios de Tratamentos Térmicos 11
c. Discordâncias
Uma discordância é um defeito planar que envolve o posicionamento de uma série
de átomos. O caso mais comum deste tipo de defeito é o que é chamado de discordância
em cunha, o qual é mostrado na figura 2.9. Neste caso uma discordância em cunha pode
ser vista como um plano extra de átomos, produzindo um efeito de cunha no reticulado.
Por envolver um grande número de átomos uma discordância envolve um acúmulo de
energia muito maior do que um defeito de lacuna ou intersticial.
Figura 2.8 - Representação dos defeitos de lacuna, defeito auto-intersticial e defeito de impureza intersticial(6).
As discordâncias exercem um papel muito importante na deformação plástica pois
são elas que permitem o escorregamento de planos cristalinos que produzem a deformação.
Se a discordância estiver livre para se deslocar pelo reticulado cristalino a deformação se
produz facilmente, ao passo que se existirem defeitos como os intersticiais ou a presença
de precipitados, o deslocamento será dificultado restringindo a deformação. Isto irá se
refletir em um aumento do limite de escoamento do metal.
Figura 2.9 - Representação de uma discordância em cunha(6).
rincípios de Tratamentos Térmicos12
12
d. Contorno de grão
Em um material real, não temos uma estrutura cristalina com uma única orientação.
Se observarmos a orientação da estrutura de um material veremos que ela é subdividida em
um grande número de zonas, cada uma delas com uma orientação diferente, isto é, cada
uma das zonas forma um cristal independente. A estes cristais que possuem uma orientação
particular chamamos de grãos. Na figura 2.10 temos uma representação da disposição dos
átomos no interior dos grãos. Todos os grãos de uma mesma fase do material possuem a
mesma estrutura cristalina, diferindo somente na orientação. A conseqüência desta
orientação diferente é que na fronteira entre os grãos existe uma zona de transição entre
duas orientações e, por isso, os átomos que fazem parte desta fronteira estão mal
organizados e com um nível mais alto de energia. A esta região chamamos de contorno de
grão.
O contorno de grão exerce um papel importante nas transformações de fase, onde a
maior energia dos átomos favorece a nucleação, e na deformação plástica, onde tem a
função de restringir o movimento das discordâncias.
Figura 2.10 - Representação da distribuição dos átomos em um material policristalino(15).
2.7 - Estrutura do Ferro Puro
2.7.1 - Alotropia
Alotropia é a propriedade que têm certos materiais de mudarem de estrutura
cristalina dependendo da temperatura em que estiverem. O ferro puro possui esta
propriedade, podendo ter os seus átomos organizados em uma estrutura CCC ou em uma
estrutura CFC. Desde a temperatura ambiente até 912°C o ferro apresenta uma estrutura
cristalina CCC e nestas condições é chamado de ferro α. De 912°C até 1394°C apresenta
estrutura CFC e é chamado de ferro γ. Finalmente de 1394°C até o ponto de fusão a
Princípios de Tratamentos Térmicos 13
1538°C volta a apresentar estrutura CCC, sendo chamado de ferro δ. Estas alterações na
estrutura cristalina produzem uma série de implicações tanto nas transformações do ferro
puro quanto nas ligas de ferro. Por exemplo, anteriormente foi citado que a estrutura CCC
tem um fator de empacotamento de 0,68 enquanto que uma estrutura CFC tem um fator de
empacotamento 0,74. Quando o ferro passa de CCC para CFC a 912°C, esta diferença no
fator de empacotamento provoca uma redução no volume e um aumento na densidade.
2.7.2 - Solução do Carbono no Ferro
A aplicação mais importante da transformação alotrópica do ferro se encontra nas
ligas ferro-carbono. O carbono forma uma solução sólida intersticial com o ferro, isto é, os
átomos de carbono se colocam nos interstícios da estrutura cristalina do ferro. A
conseqüência prática deste tipo de solução é que teremos uma liga de baixo custo e com
possibilidades de uma grande variação nas propriedades dependendo do teor de carbono e
do tratamento térmico utilizado.
Nas figuras 2.4 e 2.5 mostramos os interstícios tetraédricos e octaédricos que
ocorrem nas estruturas CCC e CFC. Estes interstícios variam de tamanho de acordo com a
estrutura, isto é, os interstícios da estrutura CCC são menores do que os da estrutura CFC.
Isto significa que de acordo com o tamanho do interstício teremos um menor ou maior
espaço disponível para que um átomo de uma solução intersticial venha se colocar naquela
posição. Como os átomos que entram em solução são sempre maiores do que os
interstícios, cada átomo intersticial produzirá uma certa quantidade de distorção do
reticulado cristalino e quanto menor for o interstício maior será a distorção. No caso da
estrutura CCC os raios atômicos máximos possíveis para que não haja distorção
correspondem a 0,29R para os interstícios tetraédricos e 0,15R para os interstícios
octaédricos, onde R é o raio atômico do átomo que forma a estrutura. Na estrutura CFC
estes valores correspondem a 0,23R para os interstícios tetraédricos e 0,41R para os
interstícios octaédricos.
No caso da liga ferro-carbono estes valores correspondem a 0,36 ângstrons e 0,19
ângstrons para a estrutura CCC, onde o raio atômico do ferro é 1,24 ângstrons, e 0,29
ângstrons e 0,52 ângstrons para a estrutura CFC, onde o raio atômico do ferro é 1,27
ângstrons. Como o raio atômico do carbono é de aproximadamente 0,77 ângstrons é fácil
notar que em qualquer situação teremos uma distorção do reticulado sempre que um átomo
de carbono se colocar em um interstício. Nas figuras 2.11 e 2.12 podemos ver uma
rincípios de Tratamentos Térmicos14
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representação desta situação. Quando se forma a solução ferro-carbono os átomos de
carbono irão se alojar nos interstícios octaédricos, pois estes propiciam uma melhor
acomodação, o que implica em uma menor energia de distorção.
Do acima exposto pode-se entender facilmente que deverá haver uma menor
solubilidade do carbono no ferro α do que no ferro γ. No caso do ferro α a solubilidade
máxima do carbono é de aproximadamente 0,025% em peso ou 0,1% em número de
átomos, na temperatura de 727°C, enquanto que no ferro γ a solubilidade máxima é de
2,1% em peso ou 9% em número de átomos, na temperatura de 1148°C.
Figura 2.11 - Relação entre o tamanho do átomo de carbono e o interstício octaédrico em uma estrutura CCC(15).
Figura 2.12 - Relação entre o tamanho do átomo de carbono e o interstício octaédrico em uma estrutura CFC(15).
Princípios de Tratamentos Térmicos 15
3 - Diagrama Ferro-Carbono
As ligas ferro-carbono ainda hoje representam os materiais de maior utilização
prática. Isto se deve ao fato de que estas ligas podem apresentar uma grande variação nas
suas propriedades pela simples variação na quantidade de carbono e ainda possibilitam que
se tenha uma gama maior de propriedades se considerarmos a possibilidade de deformação
plástica e os tratamentos térmicos. A base para que este material tenha estas características
está principalmente atrelado ao fato de que o ferro puro apresenta transformação alotrópica
e que o carbono forma uma solução sólida intersticial com o ferro. Isto conduz a uma série
de possibilidades de transformações, cada uma com suas microestruturas típicas,
resultando na grande variação das propriedades. As transformações em uma liga ferro-
carbono são influenciadas basicamente pela temperatura e pelo teor de carbono. Se
considerarmos apenas este dois fatores poderemos montar um mapa das transformações
que irão ocorrer, o qual será chamado de diagrama de equilíbrio. Na figura 3.1 podemos
ver o diagrama de equilíbrio da liga ferro carbono e na figura 3.2 temos um detalhe deste
mesmo diagrama. Nesta representação podemos ver as fases que estarão presentes para
cada temperatura e composição e também os pontos que são fundamentais para a
compreensão das transformações. A seguir faremos algumas considerações a respeito do
diagrama.
Em primeiro lugar deve ser observado que o diagrama vai somente até 6,69% de
carbono. Isto se deve ao fato de que as ligas acima deste teor não têm qualquer
importância comercial. Em segundo lugar deve ficar claro que as ligas comerciais não são
constituídas apenas por ferro e carbono, mas podem ter em sua composição outros
elementos de liga além de pequenas quantidades de impurezas que são inerentes ao
processo de obtenção do material. Assim sendo, o diagrama apresentado na figura 3.1 não
representa fielmente o que sucede na prática, mas como pequenas quantidades de outros
elementos não produzem grandes alterações, podemos utilizá-lo como base para o nosso
estudo.
O diagrama ferro-carbono utilizado na prática na realidade é um falso diagrama de
equilíbrio, isto é, ele representa o equilíbrio metaestável entre ferro e um carboneto de
ferro chamado cementita que tem fórmula estequiométrica Fe3C. O fato é que a forma
mais estável da liga ferro-carbono seria ferro e grafita mas como a grafita pode levar até
mesmo anos para se formar, o diagrama estável não possui aplicação prática. Na figura 3.1
rincípios de Tratamentos Térmicos16
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o diagrama estável ferro-grafita está representado pelas linhas tracejadas e o diagrama
metaestável ferro-cementita está representado por linhas contínuas.
Em um diagrama de equilíbrio as fases são sempre representadas por letras gregas
mas no caso das ligas ferro-carbono estas fases além de serem identificadas por letras
gregas também receberam um nome. Desta forma teremos as fases denominadas ferrita,
austenita e cementita, que podem ou não estar presentes na microestrutura do material,
dependendo do teor de carbono e da temperatura.
Figura 3.1 - Diagrama de equilíbrio ferro-carbono(10).
Observando-se o diagrama nota-se que este apresenta vários pontos que merecem
ser destacados. O primeiro deles é o que corresponde a uma composição de 2,11% de
carbono a 1148°C. Este ponto representa uma fronteira entre as ligas ferro-carbono que são
Princípios de Tratamentos Térmicos 17
caracterizadas como aços e as ligas que são caracterizadas como ferro fundido. Assim, aço
é uma liga com menos de 2,11% de carbono e ferro fundido é uma liga com mais de 2,11%
de carbono. A escolha deste ponto deve-se ao fato de que, quando resfriamos um aço desde
o estado líquido, este sempre passará por uma faixa de temperaturas em que a sua
microestrutura será composta de uma única fase chamada austenita, o que não acontece
para os ferros fundidos que possuem teores de carbono acima deste valor.
A austenita, também chamada fase γ, é uma fase derivada do ferro γ que como se
sabe é formado por uma estrutura cúbica de faces centradas. Quando combinamos o ferro
com o carbono forma-se uma solução sólida intersticial em que é mantida a estrutura
cristalina original do ferro γ.
Figura 3.2 - Detalhe do diagrama de equilíbrio ferro-carbono(10).
rincípios de Tratamentos Térmicos18
18
Para temperaturas inferiores, o fato de o ferro γ passar para ferro α produz o
aparecimento de uma nova fase chamada fase α ou ferrita. A ferrita também é uma
solução sólida intersticial de ferro e carbono e, a exemplo da fase γ, é mantida a estrutura
cristalina cúbica de corpo centrado do ferro α.
Devido ao fato de que as duas fases citadas acima possuem diferenças em sua
estrutura cristalina, existe também uma grande diferença de solubilidade do carbono entre
elas. Como já foi visto no capítulo 2, os interstícios da estrutura CFC são maiores do que
os interstícios da estrutura CCC. Isto conduz a uma solubilidade do carbono que pode
chegar a 2,11% (aproximadamente 9% em átomos) na temperatura de 1148°C para a
austenita e somente 0,025% (aproximadamente 0,1% em átomos) a 727°C para a ferrita.
Como pode ser observado no diagrama, a solubilidade do carbono não é fixa para
estas fases, podendo variar com a temperatura. Desta maneira a austenita e a ferrita só
apresentarão a sua solubilidade máxima nas temperaturas indicadas acima, variando tanto
para temperaturas superiores como para temperaturas inferiores. Além disso, o carbono é
um elemento estabilizador da austenita, e como podemos ver no diagrama, quando
tivermos ferro puro a temperatura mínima em que a austenita é estável é de 912°C mas à
medida que o teor de carbono cresce esta temperatura vai diminuindo até que, para 0,77%
de carbono chegamos ao mínimo de 727°C. A partir daí a temperatura aumenta novamente
até atingirmos o máximo de 2,11% para 1148°C. No caso da ferrita ela é estável até 912°C
na ausência de carbono e à medida em que aumenta o teor a temperatura diminui até que se
atinja a solubilidade máxima de 0,025%C a 727°C. Abaixo desta temperatura a
solubilidade diminui novamente chegando praticamente a zero na temperatura ambiente.
Como existe um limite de solubilidade do carbono tanto na austenita quanto na
ferrita, o excesso de carbono poderá propiciar a formação de uma terceira fase que é
chamada de cementita e que possui estrutura cristalina ortorrômbica, ainda em solução
sólida intersticial com 6,69% de carbono. Isto acontece para teores de carbono maiores do
que 0,77% acima de 727°C e abaixo de 1148°C e, para teores maiores do que 0,025%,
abaixo de 727°C. Desta maneira teremos no diagrama regiões em que o aço é monofásico e
regiões em que é bifásico. As regiões monofásicas podem ser formadas por austenita ou
por ferrita e as regiões bifásicas podem ser formadas por austenita e ferrita, austenita e
cementita ou ferrita e cementita.
Outro ponto importante que deve ser observado é o que ocorre para a composição
de 0,77% de carbono a 727°C. Este ponto, chamado ponto eutetóide, é o lugar do
Princípios de Tratamentos Térmicos 19
diagrama em que temos a convivência simultânea das três fases citadas acima, isto é,
quando resfriamos o aço teremos a transformação da austenita em ferrita e cementita.
Especificamente para esta composição a temperatura permanece constante enquanto a
transformação não se completar totalmente. Adiante esta transformação será tratada com
mais detalhes.
Quando tivermos outros elementos fazendo parte da composição do aço, o teor de
carbono correspondente ao ponto eutetóide será deslocado mais para a esquerda ou para a
direita e a temperatura em que ocorre esta reação irá aumentar ou diminuir. Esta é uma das
influências dos elementos de liga dos aços que está retratada na figura 3.3. As outras
influências do elementos de liga serão analisadas nos capítulos subsequentes.
Figura 3.3 - Influência dos elementos de liga na temperatura eutetóide e na composição eutetóide de um aço(10).
rincípios de Tratamentos Térmicos20
20
4 - Microestrutura dos Aços
Conforme já foi salientado no capítulo anterior, aços são ligas ferro-carbono que
contém até 2,11% em peso de carbono. Esta é a quantidade máxima de carbono que
podemos ter na austenita a 1148°C. Na prática, entretanto, os aços raramente ultrapassam o
teor de carbono de 1,0%. Teores maiores do que este somente são encontrados em aços
ligados, geralmente com altos teores de liga como é o caso dos aços utilizados para a
fabricação de matrizes e ferramentas. Neste capítulo estudaremos as transformações que
ocorrem nos aços sem elementos de liga quando estes forem resfriados lentamente desde o
estado austenítico até a temperatura ambiente.
4.1 - Aço Eutetóide
Aço eutetóide é um aço que tem um teor de carbono de 0,77%. Esta é uma
composição particular encontrada no diagrama ferro-carbono em que existe a
transformação de austenita para ferrita e cementita. Como já foi citado anteriormente, a
esta reação é dado o nome de reação eutetóide que é uma reação em que temos a
transformação de uma fase sólida (austenita) em duas fases sólidas (ferrita e cementita).
A reação eutetóide é uma reação que se processa lentamente, pois é um processo
em que temos que ter migração dos átomos de carbono para que as novas fases sejam
formadas.
A forma como ocorre esta transformação está ilustrada na figura 4.1 e pode ser
descrita da seguinte maneira:
- quando um aço de composição eutetóide é resfriado desde o campo austenítico e
chega à temperatura eutetóide de 727°C, a estrutura CFC da austenita torna-se instável e
para que o material permaneça estável é necessário que haja uma transformação de
estrutura. A estrutura que irá se formar é uma estrutura CCC que é a ferrita. Esta passagem
de uma estrutura CFC para outra CCC é induzida pela transformação alotrópica do ferro
puro, a qual também é conseqüência de uma variação na energia livre.
Ocorre, porém, que a ferrita é uma fase em que a solubilidade do carbono é muito
menor do que na austenita e neste caso haverá uma quantidade de carbono excedente que
irá formar outra fase que é a cementita.
A formação da ferrita se dá a partir de pontos de maior energia, como por exemplo
os contornos de grão, e vai crescendo em direção ao centro do grão. À medida em que a
ferrita cresce, o carbono em excesso vai sendo expulso para as regiões adjacentes, dando
Princípios de Tratamentos Térmicos 21
origem à cementita. Como existe a formação quase simultânea de vários núcleos de ferrita,
a estrutura resultante passará a ser composta de regiões alternadas de ferrita e de cementita.
Como conseqüência, ao final da transformação, toda a estrutura do aço será formada por
lamelas de ferrita e cementita. Observada ao microscópio esta estrutura lembra uma
impressão digital e recebe o nome de perlita. A forma característica de como se apresenta
a perlita pode ser vista nas figuras 4.2 e 4.3.
Figura 4.1 - Transformação da austenita em ferrita e cementita(11).
Um aço com estrutura perlítica apresenta uma razoável resistência mecânica .
Ocorre que a ferrita está diretamente reforçada pela cementita. A composição de duas fases
propicia um aço de boa resistência mecânica e boa resistência ao desgaste com sacrifício
da ductilidade e da tenacidade do material.
Figura 4.2 - Microestrutura representando a perlita. As lamelas claras são compostas por ferrita e as escuras são compostas por cementita(11).
rincípios de Tratamentos Térmicos22
22
Figura 4.3 - Microestrutura perlítica como pode ser vista nos aços resfriados lentamente(10).
4.2 - Aços Hipoeutetóides
Consideremos agora um aço com um teor de carbono inferior a 0,77%, isto é, um
aço com concentração inferior ao eutetóide. No resfriamento, a austenita não passa
diretamente para ferrita e cementita. Conforme pode ser observado no detalhe do diagrama
Fe-C da figura 4.4, a liga de composição hipoeutetóide cruza o campo bifásico em que
coexistem a ferrita e a austenita. Desta forma, em uma primeira etapa haverá a formação de
ferrita a partir da austenita. O carbono expulso das regiões em que é nucleada a ferrita pode
ser tranqüilamente dissolvida pela austenita remanescente àquela temperatura. Assim, à
medida em vai aumentando a quantidade de ferrita formada, a austenita vai sendo
enriquecida em carbono.
Figura 4.4 - Representação esquemática da transformação de um aço hipoeutetóide(9).
Princípios de Tratamentos Térmicos 23
Antes de 0,77% de C
Considerando-se agora o resfriamento de um aço com 0,2% de carbono em peso. À
medida que o material cruza o campo bifásico a quantidade de ferrita vai aumentando
gradativamente. A quantidade de ferrita formada, ferrita proeutetóide, a cada temperatura,
pode ser calculada pela regra da alavanca. Enquanto que a ferrita mantém um teor de
carbono máximo de 0,025% em solução, a austenita remanescente vai aumentando o seu
teor de carbono. Desta forma à medida em que aumenta a quantidade relativa de ferrita a
austenita passa da composição original (0,2% C) para um valor de até 0,77% C na
temperatura de 727°C. Ao atingir esta temperatura, este aço apresentará em torno de 75%
de ferrita livre (ferrita proeutetóide) e 25% de perlita. Evidentemente que este aço
apresentará uma dureza e resistência mecânica inferiores às de um aço eutetóide,
apresentando, no entanto, uma tenacidade maior.
4.3 - Aços Hipereutetóides
Consideremos agora um aço com um teor de carbono maior do que 0,77%. No
resfriamento deste aço desde o campo austenítico, haverá inicialmente a formação de
cementita. Esta cementita será formada preferencialmente junto ao contorno de grão. À
medida que ocorre a formação da cementita, a austenita terá o seu teor de carbono
gradativamente diminuído até alcançar a temperatura eutetóide. A partir daí ocorrerá a
reação eutetóide. Desta forma, um aço com teor de carbono maior que a composição
eutetóide virá a apresentar um estrutura constituída de cementita e de perlita. Esta
transformação está representada na figura 4.5.
Se as condições de resfriamento permitirem, poderá haver a formação de uma fase
contínua de cementita envolvendo os grãos perlíticos. Nesta situação, teremos um material
com extrema fragilidade, uma vez que a cementita apresenta ductilidade desprezível. Caso
a cementita apresente-se de uma forma descontínua, podemos ter um material com maior
resistência ao desgaste sem sacrificar em demasia a sua tenacidade. Deve ser salientado
que, contrariamente à situação dos aços hipoeutetóides, a variação do teor de carbono não
implica em uma rápida variação na quantidade relativa de perlita.
4.4 - Regra da Alavanca
A regra da alavanca é um artificio que permite calcular a quantidade relativa de
fases a cada temperatura. Considerando um aço com 0,2% na temperatura de 727°C.
Quanto mais próxima estiver a composição nominal do aço do domínio da ferrita, por
rincípios de Tratamentos Térmicos24
24
% Ferrita = 0,77 -0,2/(0,77-0,008) =75%%Perlita = 100-75 = 25%
Depois de 0,77
exemplo, maior deverá ser a quantidade relativa desta. A partir deste raciocínio pode-se
usar um regra de três para calcular a quantidade de ferrita. A quantidade de ferrita será
igual à composição da austenita menos a composição nominal divididas pela diferença da
composição da austenita (0,77%) e da ferrita (0,025%) na temperatura de interesse. Desta
forma:
Figura 4.5 - Representação esquemática da transformação de um aço hipereutetóide(9).
765,0)025,077,0(
)2,077,0(% =−
−=ferrita
isto é, o aço com 0,2% C apresenta 76,5% de ferrita na temperatura próxima da eutetóide.
À medida que chegarmos próximo da composição eutetóide, a quantidade relativa
de perlita aumenta sensivelmente. Já nos aços hipereutetóides o predomínio sempre será da
perlita. Considerando-se um aço com 1% C teríamos:
% ( , )( , , ) ,perlita = −
− =6 67 16 67 0 77 96 1%
assim, como o teor de carbono do aço está muito mais próximo da composição do aço
eutetóide em relação à composição da cementita, o braço de alavanca está favorecendo a
perlita. A figura 4.6 ilustra a quantidade relativa de fases para cada composição dos aços
Princípios de Tratamentos Térmicos 25
carbono. Na figura 4.7 temos a microestrutura de três aços de composição diferentes. Pode-
se notar que à medida em que aumentamos o teor de carbono aumenta a quantidade de
perlita até que, ultrapassado o ponto eutetóide, teremos a formação de cementita em
contorno de grão.
Figura 4.6 - Diagrama ilustrando a quantidade relativa de cada fase em relação ao teor de carbono dos aços(9).
4.5 - Classificação dos Aços
A partir da informações apresentadas nas seções precedentes, pode-se entender
porque os aços constituem-se em uma família de materiais extremamente versátil. Basta
alterar o teor de carbono no aço para que se consiga alterar substancialmente as
propriedades mecânicas do mesmo. Por exemplo, caso tenhamos um aço com 0,08% de
carbono em peso, o material apresentará um predominância da estrutura ferrítica. Assim,
este aço apresenta um grande ductilidade, podendo ser utilizado para a confecção de uma
lata de cerveja. Simplesmente aumentando teor de carbono do aço para 0,8% por exemplo,
já teremos uma grande quantidade de cementita. O aço passará a ter uma alta
dureza/resistência ao desgaste com sacrifício da sua ductilidade. Teremos então, um aço
tipicamente empregado na fabricação de trilhos.
Os aços, além de serem constituídos basicamente por ferro e carbono, podem
apresentar uma série de outros elementos adicionados intencionalmente ou não.
Normalmente são considerados dois tipos fundamentais de aços:
-os aços-carbono, caracterizados como ligas ferro-carbono contendo até 2% de
carbono em peso, além de elementos residuais, resultantes do processo de fabricação;
-os aços ligados, caracterizados como ligas ferro-carbono contendo outros
elementos adicionados intencionalmente
rincípios de Tratamentos Térmicos26
26
A maioria dos aços contém entre 0,1 e 1,5% de carbono em peso. As principais
impurezas encontradas são o fósforo, o enxofre, o manganês e o silício. Outros elementos
residuais podem ser o nitrogênio, o oxigênio, o estanho e o alumínio. Normalmente as
normas definem os teores máximos permitidos destes elementos de acordo com a aplicação
do mesmo. Entre os principais elementos de liga introduzidos no aço para lhe conferir
propriedades específicas encontramos o níquel, cromo, manganês, silício, vanádio,
tungstênio, molibdênio e nióbio.
É usual separar os aços em três grupos principais, segundo o teor de carbono:
-aços doces, contendo até 0,25% de carbono;
-aços meio duros, com teor de carbono compreendido entre 0,25% e 0,50% de
carbono;
-aços duros, com teores acima de 0,5% de carbono.
Dentre os diversos sistemas de classificação dos aços de construção mecânica, o
mais utilizado em nosso país, são os da SAE (Society of Automotive Engineers) e da AISI
(American Iron and Steel Institute). O aço é designado geralmente por quatro algarismos.
Os dois primeiros referem-se aos elementos de liga e os dois últimos ao teor de carbono.
Desta forma, um aço SAE 1010 será um aço carbono (sem elementos de liga) com 0,1% de
carbono em peso. Já um aço SAE 4340, além de apresentar 0,40% de carbono, terá entre
1,65 e 2,0% de Ni, de 0,4 a 0,9% de Cr e entre 0,2 e 0,3% de Mo.
Famílias de aços especiais, como os aços inoxidáveis e aços para ferramentas,
recebem uma nomenclatura especial.
No apêndice B temos as tabelas com a classificação de todos os aços, segundo as
normas SAE, AISI e ABNT.
Figura 4.7 - Microestrutura de aços carbono. (a) ABNT 1010 resfriado ao ar, predomina ferrita livre. As partes escuras são perlita. Aumento: 320X. (b) ABNT 1045, resfriado ao forno. Já existe mais perlita (ferrita + cementita) do que ferrita livre. Aumento: 1000X. (c) ABNT 1095, resfriado ao forno. Estrutura perlítica com contorno de grão delineados com cementita. Aumento: 700X. Ataque Nital 2%(10).
Princípios de Tratamentos Térmicos 27
5 - Fases Metaestáveis
Conforme foi mostrado, normalmente um aço apresentará uma estrutura que irá
depender diretamente do teor de carbono. Por outro lado, as estruturas normais até agora
apresentadas são formadas a partir de intensa difusão de carbono do aço. O que acontecerá
se a taxa de resfriamento não permitir esta difusão do carbono?
5.1 - Reação Martensítica
Se tomarmos um aço de composição eutetóide e o resfriarmos lentamente haverá a
formação de ferrita e de cementita a partir da austenita original. Sob condições de
resfriamento lento ou moderado, os átomos podem difundir para fora da austenita. Os
átomos de ferro podem, então, em um rearranjo em nível atômico, passar para uma
estrutura cúbica de corpo centrado. Esta reação ocorre por um processo de nucleação e
crescimento, com intensa difusão de carbono no reticulado do ferro. O que acontecerá se
resfriarmos rapidamente esta austenita ? Com um resfriamento rápido não daremos tempo
para a difusão do carbono obrigando que ele se mantenha em solução. À medida que
tivermos a austenita a uma temperatura menor que a eutetóide haverá uma força motriz no
sentido do ferro passar da estrutura CFC para a estrutura CCC. Na tentativa do ferro passar
para CCC o excesso de carbono fará com que ocorra uma distorção no reticulado
cristalino. A supersaturação de carbono fará com que o ferro passe a apresentar uma
estrutura cristalina distorcida tetragonal de corpo centrado.
Esta distorção do reticulado devido à supersaturação de carbono faz com que o aço
tenha aumentada substancialmente a sua resistência mecânica. O tratamento de
resfriamento rápido recebe o nome de têmpera e a estrutura resultante será a martensita.
A martensita seria, então, uma solução sólida supersaturada em carbono e a
estrutura, ao invés de ser cúbica de corpo centrado passaria a ser tetragonal de corpo
centrado, uma vez que um de seus eixos fica expandido pelo carbono aprisionado. Esta
severa distorção do reticulado cristalino é a primeira razão da dureza da martensita.
O apreciável aumento da dureza e da resistência mecânica possíveis com a têmpera
de um aço é amplamente empregada na prática. Assim, lâminas, molas, rolamentos,
engrenagens e ferramentas em geral, são empregados no estado temperado.
A dureza a ser alcançada pela estrutura martensítica irá depender diretamente do
teor de carbono. Normalmente um aço para ser temperado deve apresentar um mínimo de
0,3% de carbono, sendo que uma dureza máxima já pode ser alcançada com 0,6% de
rincípios de Tratamentos Térmicos28
28
carbono. Um valor mínimo de carbono é necessário exatamente para poder ocorrer
distorção do reticulado cristalino fazendo com que a estrutura passe para tetragonal de
corpo centrado.
Esta distorção do reticulado e as tensões geradas fazem com que, na prática, um aço
nunca deva ser usado no estado temperado. A fragilidade associada obriga que seja
realizado um tratamento térmico de alívio de tensões (tratamento térmico de revenido) que
pode variar desde 180°C até 600°C. Adicionalmente, quanto maior o teor de carbono,
maior a resistência alcançada pela estrutura martensítica com sacrifício da tenacidade.
Para aplicações mecânicas limita-se o teor de carbono de aços a serem temperados
na faixa de 0,3 e 0,4% de carbono, visando preservar a tenacidade do componente. Para
aplicações como molas e lâminas , por exemplo, o teor de carbono pode ser aumentado
para a faixa de 0,6% uma vez que a resistência mecânica deve ser a máxima possível. Para
algumas aplicações especiais o teor de carbono pode ser ainda mais elevado. Para
rolamentos, por exemplo, utiliza-se um teor de carbono na faixa de 1%. Neste caso, o teor
de carbono para o máximo de resistência mecânica já foi até ultrapassado. O carbono em
excesso passa a formar carbonetos que, em uma matriz martensítica de alta resistência e
dureza, confere ao material uma resistência maior ao desgaste. Há situações em que a
resistência ao desgaste deve ser máxima de tal forma que são empregados aços com até 2%
de carbono. Nesta classe estão, por exemplo, alguns aços ferramenta para trabalho a frio.
A estrutura martensítica lembra o aspecto de agulhas explicada pelo mecanismo de
formação de cisalhamento da estrutura.
Figura 5.1 - Variação na dureza de acordo com o aumento do teor de carbono(15).
A figura 5.1 ilustra o aumento de dureza com o tratamento térmico de têmpera dos
aços. A figura 5.2 ilustra a estrutura martensítica com agulhas bem delineadas. É a
estrutura de um aço com alto teor de carbono que apresenta uma quantidade razoável de
Princípios de Tratamentos Térmicos 29
austenita não transformada (austenita retida). Na prática, normalmente a estrutura é bem
mais refinada, sendo que o tratamento térmico de revenido atenua a forma de agulhas
marcante da martensita.
A figura 5.3 apresenta, esquematicamente, a distorção do reticulado cristalino
associado à transformação martensítica.
Fica claro o fato de que quanto maior o teor de carbono, maior será a distorção do
reticulado. A figura 5.4 ilustra a distorção do reticulado com o teor de carbono.
Figura 5.2 - Estrutura martensítica. Agulhas bem delineadas sobre um fundo de austenita retida(7).
Figura 5.3 - Distorção do reticulado cristalino na transformação martensítica (a) e comparação entre as estruturas TCC e CCC (b) (9).
5.2 - Reação Bainítica
Enquanto que a transformação eutetóide (austenita em ferrita mais cementita)
depende de intensa difusão de carbono, a transformação martensítica, ao contrário, é
adifusional. Quanto maior a taxa de resfriamento maior a quantidade de martensita
formada.
rincípios de Tratamentos Térmicos30
30
Figura 5.4 - Variação dos parâmetros de rede da martensita e da austenita com o teor de carbono(14).
O que aconteceria se resfriássemos rapidamente a austenita sem atingir a faixa de
temperatura de formação da martensita ?
Ao resfriarmos rapidamente a estrutura austenítica até a faixa de 300°C, por
exemplo, não daríamos condições para que fosse formada a estrutura perlítica uma vez que
a difusão do carbono a esta temperatura seria extremamente prejudicada. Na tentativa do
ferro passar de CFC para CCC ocorre a nucleação de cristais de ferrita com plaquetas
descontínuas de cementita. Esta estrutura, denominada bainítica, concorre em dureza e
resistência mecânica com a martensita revenida. A figura 5.5 ilustra a diferença entre os
mecanismos de formação da perlita e da bainita.
Figura 5.5 - Diferença entre os mecanismos de formação da perlita e da bainita. A dificuldade de difusão do carbono faz com que os carbonetos fiquem dispersos na bainita(3).6 - Tratamentos Térmicos
Princípios de Tratamentos Térmicos 31
6.1 - Objetivos Gerais
Os tratamentos térmicos são um conjunto de operações que têm por objetivo
modificar as propriedades dos aços e de outros materiais através de um conjunto de
operações que incluem o aquecimento e o resfriamento em condições controladas. Desta
maneira conseguimos obter uma variada gama de propriedades que permitem que
tenhamos materiais mais adequados para cada aplicação, sem que com isto os custos sejam
muito aumentados. Como o aço é o material mais comumente utilizado em engenharia todo
o enfoque dado aqui residirá sobre este tipo de material, embora os tratamentos térmicos
aqui descritos possam ser aplicados a outros tipos.
6.2 - Tipos Comuns
Os tipos mais comuns de tratamentos térmicos são:
a) Esferoidização
b) Recozimento
c) Normalização
d) Têmpera + Revenido
Abaixo daremos uma breve idéia do que é cada um destes tratamentos que serão
tratados em maiores detalhes adiante.
a) Esferoidização
Consiste em um tratamento que visa globulizar a cementita fazendo com que
tenhamos uma microestrutura formada de um fundo de ferrita com cementita esferoidal,
donde temos a origem do nome. Este tratamento também é chamado de coalescimento
pelo fato de que durante o processo a cementita se aglutina em partículas de forma
esferoidal.
b) Recozimento
O recozimento é um tratamento térmico em que o resfriamento, a partir do campo
austenítico, deve ser feito de maneira bastante lenta para que tenhamos a formação de uma
microestrutura de perlita grosseira. Isto fará com que tenhamos um material de baixa
dureza e baixa resistência.
rincípios de Tratamentos Térmicos32
32
c) Normalização
Se ao invés de obtermos perlita grosseira obtivermos perlita fina no resfriamento
teremos uma normalização. Isto pode ser conseguido aumentando-se a velocidade de
resfriamento comparada com a velocidade do recozimento. Embora esta seja a diferença
mais imediata, devemos destacar que a normalização provoca uma transformação mais
importante que é a diminuição tamanho do grão, algo que é extremamente benéfico para a
tenacidade do material.
d) Têmpera e Revenido
Embora estes dois itens tenham que ser tratados separadamente pelas grandes
diferenças que existem entre eles, os dois tratamentos sempre serão feitos em seqüência.
Enquanto que a têmpera é um tratamento que visa a obtenção de uma microestrutura
completamente martensítica, que por conseqüência será dura e frágil, o revenido será
empregado para corrigir justamente a fragilidade resultante da têmpera. Como
conseqüência, sempre que fizermos um tratamento de têmpera, será feito o tratamento de
revenido.
6.3 - Fatores de Influência
Sempre que fizermos um tratamento térmico, o seu sucesso ou fracasso será
determinado por alguns fatores-chave que deverão ser muito bem observados. Um erro de
avaliação de um deles fará com que tenhamos como resultado uma microestrutura diferente
da prevista e por conseqüência um material com propriedades diferentes das desejadas.
6.3.1 - Temperatura
Sempre que fazemos uma transformação partimos de uma microestrutura de maior
energia para uma microestrutura de menor energia. No caso dos tratamentos térmicos a
passagem de uma microestrutura para outra requer sempre um aquecimento para que se
chegue a um nível de energia que permita a transformação. Por exemplo, para termos
transformação de uma microestrutura composta por ferrita e perlita para martensita,
devemos primeiramente austenitizar o material e após, fazendo um resfriamento rápido,
obter martensita. Na figura 6.1 pode ser vista uma representação no diagrama de equilíbrio
das faixas de temperatura para cada um dos tratamentos térmicos.
Princípios de Tratamentos Térmicos 33
Figura 6.1 - Temperaturas de aquecimento para os tratamentos térmicos(11).
No caso dos tratamentos térmicos de recozimento, normalização e têmpera, o aço
deve ser levado obrigatoriamente até o campo austenítico e a partir dali feito o
resfriamento adequado. Já no caso da esferoidização o material não precisa ser
austenitizado, podendo ser aquecido até pouco abaixo da temperatura eutetóide. Deve ser
observado também que as temperaturas de austenitização para recozimento e normalização
correspondem à mesma faixa para aços hipoeutetóides mas diferem para os aços
hipereutetóides. Isto se deve ao fato de que como as velocidades de resfriamento para
recozimento são mais lentas do que para normalização, se fizéssemos uma austenitização
completa no recozimento iria se formar uma rede de cementita no contorno de grão durante
o resfriamento lento que faria com que o aço ficasse frágil. Para o tratamento térmico de
têmpera são usadas normalmente as temperaturas de normalização, embora para aços
hipereutetóides exista alguma dependência do teor de elementos de liga.
A não ser que hajam fatores associados ao teor de elementos de liga, as
temperaturas de austenitização não devem se situar em valores superiores a 50oC acima da
temperatura mínima de austenitização apontada pelas linhas de solubilidade, pois neste
caso poderemos ter crescimento do grão o que é prejudicial para a tenacidade do material.
6.3.2 - Tempo de Permanência
rincípios de Tratamentos Térmicos34
34
Quando levamos um aço até o campo austenítico, as transformações não ocorrem
instantaneamente. A transformação leva um certo tempo para ocorrer e depende do tipo de
transformação que irá ocorrer. Assim, a transformação de perlita ou esferoidita para
austenita se dá mais rapidamente que a dissolução de carbonetos para austenita. Desta
forma o tempo em que o aço deverá permanecer nas temperatura de austenitização
dependerá da composição do aço.
6.3.3 - Velocidade de Resfriamento
Talvez o fator mais crítico para o sucesso de um tratamento térmico seja o
resfriamento da peça após a austenitização. Um erro na avaliação da velocidade correta de
resfriamento poderá conduzir a uma estrutura completamente diferente da pretendida o que
fará com que o material fique com propriedades completamente diferentes das planejadas.
Um caso comum de erro ocorre na normalização de aços ligados de alta temperabilidade.
Como será visto mais adiante, o diagrama isotérmico nos mostra que os tempos de
transformação são grandes para estes aços. Nas velocidades normais de resfriamento
usadas na normalização, onde as peças são resfriadas ao ar, podemos ter transformação não
em perlita fina apenas, mas também em bainita e até mesmo martensita, o que conduziria a
durezas muito maiores do que as esperadas. Neste caso a solução seria fazer um
resfriamento mais lento do que o normal. No caso do processo de têmpera em que o
objetivo é de se obter uma microestrutura totalmente martensítica para que se tenha a
máxima dureza, a situação se inverte. Como a velocidade de resfriamento não é só
dependente do meio de resfriamento mas também da temperabilidade e do tamanho das
peças, em muitos casos os meios usuais de resfriamento podem não ser adequados.
Poderemos ter a formação de outros produtos na microestrutura, tais como perlita ou
bainita que diminuirão a dureza. Nestes casos deveremos aumentar a velocidade de
resfriamento ou até mesmo utilizar um aço com maior temperabilidade para resolver o
problema.
Outro problema associado ao tratamento de têmpera é o surgimento de trincas e
empenamentos devido à velocidade de resfriamento. Quanto mais complicada for a forma
da peça maior a tendência ao aparecimento de trincas. A solução deste tipo de problema
está sempre na diminuição da velocidade de resfriamento pela utilização de meios que
produzam uma menor retirada de calor da peça. Os problemas relativos ao resfriamento
Princípios de Tratamentos Térmicos 35
serão tratados em maiores detalhes mais adiante quando forem abordados os tratamentos
térmicos.
6.3.4 - Proteção das Peças
Se um aço for aquecido a uma temperatura acima de 600oC em uma atmosfera rica
em oxigênio, como por exemplo o ar ambiente, ocorrerá na superfície da peça um
fenômeno chamado de descarbonetação. A descarbonetação nada mais é do que a
combinação do carbono do aço com o oxigênio livre do ambiente. Este processo conduz à
perda de carbono do aço a partir da sua superfície, fazendo com que a peça fique com uma
camada com teor reduzido em carbono. A espessura desta camada dependerá do tempo e
da temperatura em que a peça ficará exposta a estas condições. Obviamente esta é uma
situação normalmente indesejável, pois a diminuição do teor de carbono conduzirá a uma
diminuição na dureza. Este fato se torna mais grave quando realizamos um tratamento
térmico de têmpera, pois uma diminuição no teor de carbono provoca uma queda sensível
na dureza, já que a dureza da martensita depende do teor de carbono. Assim sendo, as
peças submetidas a tratamentos térmicos deverão ser protegidas por uma atmosfera neutra
que impeça a descarbonetação. Isto pode ser conseguido utilizando-se fornos que
produzam este tipo de atmosfera ou, caso isto não seja possível, deve-se envolver as peças
em uma substância rica em carbono como cavacos de ferro fundido ou carvão.
6.4 - Esferoidização
O processo de esferoidizaçao ou de coalescimento é utilizado para aços com teores
superiores a 0,5% de carbono, mas principalmente para aços hipereutetóides. Quando se
deseja fazer uma processo de usinagem ou de conformação de uma peça, o recozimento
poderá não baixar a dureza o suficiente para que a tarefa seja executada. Este problema
acontece principalmente em aços com elevados teores de elementos de liga e elevado teor
de carbono. Para este tipo de aço uma estrutura formada por perlita e cementita apresentará
uma dureza muito alta e a única alternativa será o processo de esferoidização.
O tratamento térmico de esferoidização pode ser feito de duas maneiras:
- Aquecendo-se o aço até uma temperatura logo abaixo da temperatura eutetóide,
permanecendo-se nesta temperatura por um tempo que varia de oito a vinte horas, com
resfriamento posterior ao ar.
rincípios de Tratamentos Térmicos36
36
- Austenitizar o material, fazer um resfriamento até uma temperatura logo abaixo da
temperatura eutetóide, mantendo-se nesta temperatura por um tempo entre oito e vinte
horas e resfriamento ao ar. Este tratamento também pode ser efetuado variando-se
ciclicamente entre temperaturas acima e abaixo da temperatura de austenitização.
A segunda forma de execução deste tratamento é a que propicia tempos menores de
tratamento e pode ser facilmente entendida pela observação da figura 6.2.
A microestutura resultante deste tratamento é a esferoidita, isto é, um fundo de
ferrita com a cementita e os carbonetos dos elementos de liga em forma esferoidal
dispersos nesta matriz.
A figura 6.3 dá uma idéia desta microestrutura. O fato de termos a cementita
distribuída na matriz de ferrita faz com que o aço apresente uma ótima ductilidade e baixa
resistência devido à predominância das propriedades da ferrita neste caso.
Figura 6.2 - Curva de transformação para o processo de esferoidização(3).
Figura 6.3 - Microestrutura de um aço esferoidizado(11).
6.5 - Recozimento
Princípios de Tratamentos Térmicos 37
O processo de recozimento é aplicável a aços que possuem baixo ou médio teor de
carbono, isto é, para aços que possuam até 0,5% de carbono ou para teores mais elevados
desde que não possuam elementos de liga. O objetivo deste tratamento é o de conferir uma
dureza baixa, resistência mecânica baixa e uma ductilidade alta. É aplicável a peças em que
se deseja fazer usinagem ou conformação mecânica. Basicamente este processo consiste no
aquecimento do material até a temperatura de austenitização seguindo-se um resfriamento
lento até a temperatura ambiente. Geralmente basta que a peça seja deixada no forno
desligado, produzindo-se um resfriamento lento. Esta forma de resfriamento é aplicável
para aços de baixa e média temperabilidade. Neste caso o recozimento será dito
recozimento convencional ou recozimento pleno. Na figura 6.4 temos uma representação
sobre um diagrama isotérmico da curva de resfriamento para este caso.
Figura 6.4 - Curva de resfriamento para o recozimento convencional(9).
Para os aços que possuem temperabilidade mais alta muitas vezes pode ser
necessário diminuir muito a velocidade de resfriamento para que a dureza seja suficiente
baixa. Nestes casos será necessário proceder à transformação a uma temperatura constante
ou quase constante. Este procedimento dá origem ao que se convenciona chamar de
recozimento isotérmico, cuja curva de resfriamento pode ser vista na figura 6.5. A
diferença deste processo para o de esferoidização é que as temperaturas são mais baixas
fazendo com que os tempos sejam menores. De qualquer modo este tratamento conduz a
rincípios de Tratamentos Térmicos38
38
tempos maiores do que os do recozimento convencional e este fator deve ser considerado
quando o realizarmos.
Como já foi citado anteriormente o recozimento visa a obtenção de perlita grosseira
por ser esta a estrutura que propicia as propriedades desejadas.
Figura 6.5 - Curva de transformação de um aço de alta temperabilidade no recozimento(9).
6.6 - Normalização
O processo de normalização produz propriedades semelhantes às obtidas no
recozimento e em virtude disto muitas vezes os dois podem ser usados alternativamente
para obter baixa dureza, boa ductilidade e para eliminar estruturas provenientes de
tratamentos anteriores, como é o caso de tratamentos prévios de têmpera e em peças
fundidas ou forjadas. Ocorre, porém, que a normalização é feita geralmente com
resfriamento das peças ao ar. Isto conduz a uma velocidade de resfriamento mais alta do
que aquela do recozimento, dando como resultado uma estrutura formada por perlita mais
fina. Em conseqüência, a ductilidade será menor do que no material recozido, sua dureza e
resistência mecânica serão maiores. Por outro lado, devido à maior velocidade de
resfriamento teremos um refino do grão do aço, pois a velocidade de nucleação da ferrita e
da perlita será maior na medida em que tivermos temperaturas de transformação mais
baixas, conforme será visto em capítulo posterior. Outra vantagem da normalização reside
no fato de que se pode utilizar temperaturas mais altas de austenitização, permitindo uma
maior dissolução dos carbonetos dos elementos de liga e, no caso de aços hipereuteóides,
Princípios de Tratamentos Térmicos 39
não teremos a formação da rede de cementita em contorno de grão, como acontece no
recozimento. Na figura 6.6 vemos uma curva de resfriamento de normalização sobre uma
diagrama isotérmico.
Figura 6.6 - Curva de transformação para o processo de normalização de um aço, comparada com a do processo de recozimento convencional(10).
Normalmente não se tem maiores problemas em adotar o resfriamento ao ar para o
processo de normalização, entretanto, para aços com alta temperabilidade esta velocidade
pode ser excessiva, dependendo do tamanho da peça, de tal sorte que tenhamos a formação
de bainita e até mesmo martensita. Nesta situação deve ser feito um tratamento a uma
velocidade mais baixa de resfriamento ou um tratamento isotérmico.
6.7 - Têmpera
Dentre os tratamento térmicos comuns, o tratamento térmico de têmpera é o mais
importante devido ao fato de que através dele podemos ter um grande aumento da
resistência mecânica e da dureza do aço e de outros materiais. Este é o aspecto mais
importante, porém, em contrapartida teremos uma queda muito grande da ductilidade e
principalmente da tenacidade. Este inconveniente será depois corrigido através do processo
de revenido que será abordado mais adiante.
Se por um lado o tratamento de têmpera nos dá condições de produzirmos um
grande aumento na resistência mecânica e na dureza, a um custo relativamente baixo, por
outro existe uma maior complexidade na sua execução. Isto se deve à grande variação na
rincípios de Tratamentos Térmicos40
40
composição dos aços e, por conseqüência, na sua temperabilidade. O carbono e os
elementos de liga exercem um papel preponderante com relação a este tratamento, já que
tanto influem na temperatura de austenitização quanto na velocidade de resfriamento.
Assim, a temperatura de austenitização varia de aço para aço, como conseqüência da
variação no teor de carbono e dos elementos de liga, pois os carbonetos formados devem
ser dissolvidos pelo menos em parte para que tenhamos o efeito desejado na
temperabilidade. Não basta portanto austenitizarmos o aço para termos sucesso no
tratamento, mas é preciso que tenhamos também parte dos elementos de liga dissolvidos na
austenita.
Além da temperatura de austenitização, outro fator importante é a velocidade de
resfriamento. Esta deve ser tal que impeça a formação de qualquer outro produto que não
seja a martensita. É obvio que isto nem sempre é possível pois outros fatores devem ser
considerados mas, de qualquer forma, este é o objetivo que deve ser perseguido neste
tratamento. Como existe variação na temperabilidade com a variação do teor de carbono e
dos elementos de liga, também a velocidade de resfriamento varia. Ela deve ser a menor
possível para que tenhamos o menor empenamento possível das peças mas, não deve ser
tão lenta que impeça a formação de martensita. Na figura 6.7 pode-se ver a curva de
resfriamento para um aço e sua relação com o diagrama isotérmico. Podemos notar que
existem duas curvas, sendo uma relativa à superfície da peça e a outra relativa ao centro.
Figura 6.7 - Curva de transformação para o processo de têmpera de um aço(9).
O problema do resfriamento é um dos problemas mais complexos no caso deste
processo. Se por um lado, quanto mais rápido for o resfriamento maiores serão as chances
Princípios de Tratamentos Térmicos 41
de obtermos martensita, por outro maiores serão também as chances de termos trincas e
empenamentos na peça. Além disso, um resfriamento não homogêneo ao longo da
superfície da peça pode também causar empenamento e variações na dureza. Como existe
uma variação no volume da peça durante o aquecimento e o resfriamento e também devido
à transformação da estrutura em martensita, quanto maior a diferença entre as velocidades
de resfriamento na superfície e no centro ou em diferentes pontos da superfície maior será
o empenamento e a possibilidade de aparecimento de trincas. Na figura 6.8 podemos ver o
comportamento do resfriamento relacionado puramente com o resfriamento em água de
uma peça submetida a um aquecimento a alta temperatura. Note-se que a velocidade de
resfriamento inicialmente é baixa, tornando-se alta apenas para valores intermediários de
temperatura da peça. Inicialmente temos um estágio em que se forma um envelope de
vapor em volta da peça que impede a troca de calor da peça com o líquido, fazendo com
que a velocidade seja baixa. Em um segundo estágio existe a formação de bolhas que
entram em colapso rapidamente, permitindo que o fluido entre em contato com a peça e
produzindo uma agitação bastante grande do fluído, o que faz com que a velocidade de
resfriamento cresça rapidamente. Por fim, em um terceiro estágio, a temperatura da peça
não é mais suficiente para que haja a formação de bolhas e o resfriamento se dá apenas por
convecção, fazendo com que a velocidade de resfriamento caia novamente.
Figura 6.8 - Curvas de resfriamento e de velocidade de resfriamento para uma peça cilíndrica resfriada em água(10).
Outro fato que ocorre freqüentemente é o que está mostrado na figura 6.9. Em
peças de formato complicado, como é o caso de uma engrenagem, de um eixo com rasgo
de chaveta e de outras peças com variações no relevo, pode ocorrer a variação nas
rincípios de Tratamentos Térmicos42
42
condições de resfriamento na superfície. Estas condições irão fazer com que a velocidade
de resfriamento seja diferente em cada ponto, conduzindo também ao aparecimento de
trincas, empenamentos ou mesmo pontos moles. Outro problema que pode ocorrer, este
mais freqüente e mais simples é aquele em que temos pequenas diferenças de velocidade
de resfriamento entre a superfície e o centro. Neste caso o que pode acontecer é a formação
de 100% de martensita na periferia da peça e um teor menor de martensita juntamente com
bainita e/ou perlita nas regiões mais centrais. A conseqüência desta ocorrência pode ser
vista na figura 6.10. O que acontece é um decréscimo na dureza em direção ao centro da
peça, situação esta que nem sempre pode ser evitada. Esta situação pode ser induzida pelo
meio de resfriamento ou pelo tamanho da peça, conforme mostram as figuras 6.11 e 6.12.
Figura 6.9 - Fatores que afetam o resfriamento. A - fluxo de calor vindo do núcleo. A temperatura e a intensidade do fluxo variam com o tempo. B - envelope da vapor devido à baixa agitação. C - bolhas de vapor com movimento restrito e formando-se vagarosamente. D - bolhas de vapor livres(10).
De acordo com o que foi acima exposto o meio de resfriamento mais adequado é
aquele que permite obtermos a maior quantidade possível de martensita na peça. Assim
sendo poderemos ter que resfriar a peça em salmoura, em água ou mesmo em óleo e outros
produtos sintéticos, estes últimos para aços de construção mecânica ligados. Para aços de
alta temperabilidade como aços para matrizes e ferramentas pode-se utilizar até mesmo o
Princípios de Tratamentos Térmicos 43
resfriamento ao ar em alguns casos. Quanto maior a temperabilidade menos drástico terá
que ser o meio de resfriamento utilizado.
Figura 6.10 - Perfil de durezas em barras de um aço SAE 6140 temperado em água(9).
Figura 6.11 - Efeito do tamanho da peça na velocidade de resfriamento e nas curvas de resfriamento(10).
Outro problema associado com o resfriamento para a obtenção de martensita é a
variação de volume. Sempre que temos transformação martensítica teremos uma variação
rincípios de Tratamentos Térmicos44
44
de volume e esta terá efeitos mais importantes quanto maior for a diferença de
temperaturas de um ponto para outro.
Figura 6.12 - Efeito de vários meios de resfriamento na velocidade de resfriamento para uma barra de aço ABNT 1040 com 25,4 mm de diâmetro(5).
Figura 6.13 - Variação das medidas lineares de um aço ABNT 4340 com a temperatura no processo de têmpera. TA - temperatura ambiente(10).
Na figura 6.13 está representada a variação de volume de um aço quando este é
aquecido até o campo austenítico e após resfriado rapidamente para que se obtenha
martensita. A diferença de volume entre a estrutura original e a estrutura final martensítica
pode conduzir a empenamentos e até mesmo a trincas se as tensões surgidas como
conseqüência da variação de volume ultrapassarem o limite de ruptura do material.
Quando temos diferenças de velocidade de resfriamento da periferia para o centro,
por exemplo, forma-se uma capa de martensita que é dura e frágil e que ao aumentar de
volume comprime o núcleo. Quando o núcleo por sua vez se transforma, este expande e
Princípios de Tratamentos Térmicos 45
provoca o aparecimento de tensões sobre a capa externa endurecida, podendo produzir
trincas na peça.
6.8 - Revenido
Um dos grandes problemas relacionados com o tratamento térmico de têmpera está
relacionado com a baixa ductilidade e a baixa tenacidade do material após o tratamento.
Embora tenhamos um significativo ganho na resistência mecânica e na dureza, fatores
primordiais quando se quer reduzir o peso da peça ou evitar o desgaste superficial, a
ductilidade cai quase a zero. Como a utilização de um aço nestas condições é impossível
devido aos riscos de uma falha catastrófica, este problema tem que ser corrigido, o que é
conseguido através do tratamento térmico de revenido.
O revenido é um tratamento em que se faz o reaquecimento da peça temperada
dentro de uma faixa de temperatura entre 150oC e 600oC geralmente. As peças são
aquecidas e permanecem durante um intervalo de tempo suficiente para que ocorram as
transformações necessárias à recuperação de parte da ductilidade e tenacidade perdidas,
sendo após resfriadas até a temperatura ambiente. Como conseqüência teremos uma perda
na resistência mecânica e na dureza. Quanto mais alta for a temperatura de revenido
utilizada ou quanto maior for o tempo de tratamento, maior será o ganho em ductilidade e
tenacidade e maior será a perda de resistência e de dureza. A figura 6.14 representa esta
situação.
Durante o revenido ocorrem transformações da martensita que são dependentes da
temperatura e que irão influir nas propriedades finais do aço. De acordo com a faixa de
temperatura temos transformações diferentes que conduzem ao que se costuma chamar de
estágios ou etapas do revenido. No primeiro estágio, que vai até aproximadamente 200oC,
o carbono contido na martensita se precipita formando um carboneto chamado épsilon (ε),
que não tem a composição da cementita. Em conseqüência temos uma redução no teor de
carbono da martensita, obtendo-se como resultado uma estrutura bifásica composta de
carbonetos e martensita de baixo carbono. As transformações nas propriedades não são
muito significativas, observando-se apenas pequena redução na dureza e na resistência e
um pequeno aumento na ductilidade e na tenacidade.
rincípios de Tratamentos Térmicos46
46
Figura 6.14 - Efeito da temperatura de revenido nas propriedades do aço(10).
Em um segundo estágio, entre 200 e 400oC, ocorre a precipitação de cementita no
contorno das agulhas de martensita. Em decorrência disso teremos uma continuação da
queda na dureza e resistência, porém a tenacidade não é aumentada, pelo contrário,
diminui. Isto é o que se chama fragilidade de revenido. A queda na tenacidade se inicia
próximo dos 200oC para a maioria dos aços e chega a um mínimo em torno de 350oC,
quando então volta a crescer. Nesta faixa, portanto, não é conveniente que se faça o
revenido porque, embora tenhamos redução na dureza e na resistência, não teremos em
contrapartida um aumento de tenacidade.
Em uma terceira etapa, que se inicia em torno de 400oC, teremos o aparecimento de
um precipitado esferoidal de cementita que irá fazer com que a tenacidade e a ductilidade
voltem a crescer, e portanto estaremos novamente em uma faixa de temperatura em que
temos benefício com o revenido. A figuras 6.15 mostra a evolução da dureza e da
tenacidade com a temperatura de revenido e a figura 6.16 mostra a variação da dureza para
vários aços. Note-se que a queda da dureza é mais acentuada quanto maior for o teor de
carbono.
Princípios de Tratamentos Térmicos 47
Figura 6.15 - Variação da tenacidade e da dureza de acordo com a temperatura de revenido(9).
Figura 6.16 - Efeito da temperatura de revenido na dureza do aço para vários teores de carbono(11).
6.9 - Tratamentos Isotérmicos
6.9.1 - Martêmpera
O processo de martêmpera ou têmpera interrompida é um processo utilizado em
substituição à têmpera quando se deseja diminuir o risco de trincas, empenamentos e
tensões residuais excessivas. O tratamento consiste basicamente em se retardar o
resfriamento logo acima da temperatura de transformação martensítica, permitindo a
equalização da temperatura ao longo de toda a peça, completando-se após o resfriamento.
A estrutura formada, a exemplo da têmpera, será martensítica, sendo portanto, dura e
frágil.
rincípios de Tratamentos Térmicos48
48
Na figura 6.17 temos a representação deste tratamento sobre o diagrama TTT de um
aço hipotético. Como pode ser visto este tratamento consiste no refriamento rápido, desde
a temperatura austenítica, em um meio aquecido, que pode ser óleo aquecido, sal fundido
ou leito fluidizado, até uma temperatura logo acima da temperatura de transformação
maternsítica. A peça é mantida nesta temperatura até que seja uniformizada a temperatura
entre a periferia e o centro e então é resfriado, geralmente ao ar até a temperatura ambiente.
Segue-se um revenido que é feito nos mesmos moldes do processo de têmpera
convencional.
Figura 6.17 - Curva de transformação para o processo de martêmpera de um aço(9).
Uma modificação do processo consiste em se fazer o resfriamento até uma
temperatura logo abaixo da temperatura de início da transformação matensítica,
estabilizando-se a temperatura e fazendo após o resfriamento ao ar. Este caso é aplicável a
aços de temperabilidade baixa nos quais, se fosse feita a martêmpera convencional,
teríamos a formação de bainita antes que a temperatura estabilizasse.
O principal objetivo da martêmpera é reduzir a possibilidade de trincas e
empenamentos oriundos da transformação martensítica em tempos diferentes ao longo da
peça.
Exemplos de aços que podem ser utilizados na martêmpera são ABNT 4130, 4140,
4150, 4340, 5140, 6150, 8640 e 52100.
Princípios de Tratamentos Térmicos 49
6.9.2 - Austêmpera
O processo cuja curva de transformação está representado na figura 6.18 é chamado
de austêmpera. Consiste basicamente no aquecimento das peças até a austenitização
completa seguido de resfriamento rápido até uma temperatura acima da temperatura de
transformação martensítica, numa faixa entre 200 e 400oC, mantendo-se a esta temperatura
até que o material se transforme totalmente. A estrutura resultante neste caso será
totalmente bainítica. Após a transformação o material pode ser resfriado até a temperatura
ambiente. A velocidade de resfriamento deve ser tal que se impeça a transformação de
qualquer quantidade de austenita em outro produto e o tempo de permanência no banho
deve ser suficiente para que toda a austenita se transforme em bainita.
O meio de resfriamento mais utilizado é uma mistura de sais fundidos que pode ser
composto por nitrito e nitrato de sódio e nitrato de potássio. Pode ser também adicionada
uma pequena quantidade de água.
Figura 6.18 - Curva de transformação para o processo de austêmpera de um aço(9).
O tratamento de austêmpera é um tratamento térmico usualmente utilizado em
substituição à têmpera quando se tem por objetivo melhorar as propriedades mecânicas do
aço, principalmente a ductilidade e a tenacidade, diminuir a possibilidade de aparecimento
de trincas e de empenamentos e ainda melhorar a resistência ao desgaste e a possibilidade
de fragilização para determinadas faixas de temperatura. As diferenças fundamentais entre
a austêmpera e a têmpera podem ser vistos na tabela 6.1, onde são comparadas as
propriedades finais para diversos casos.
rincípios de Tratamentos Térmicos50
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Como podemos ver a austêmpera propicia uma maior tenacidade e uma maior
ductilidade do que a têmpera e a martêmpera para uma mesma dureza, além de diminuir o
aparecimento de trincas e de empenamento nas peças.
Embora este tratamento permita propriedades melhores do que a têmpera ele não é
corriqueiramente utilizado. Isto se deve ao fato de que não são muitos os aços em que
podemos utilizar a austêmpera. A decisão de utilizar um tratamento ou outro vai depender
da posição do joelho da curva TTT, velocidade de resfriamento, do tempo necessário para
a transformação e da temperatura de início de formação da martensita. Além disso, devido
à baixa velocidade de resfriamento propiciada pelo sal fundido as peças não podem ter
grande secção como acontece na têmpera. O seu custo é maior devido à utilização de mais
equipamento e o tempo de transformação deve ser equivalente ao tempo gasto no revenido
ou menor para que seja viável.
Tabela 6.1 - Propriedades mecânicas para um aço ABNT 1095Tratamento Térmico Dureza
(HRC)Tenacidade
(J)Alongamento
(%)Temperado em água e revenido 52,5 19 ---Martêmpera e revenido 52,8 33 ---Austêmpera 52,5 54 8
Deste modo os aços que são utilizados no processo devem se enquadrar nos
seguintes tipos:
- aços ao carbono com 0,5 a 1,0% de carbono e com um mínimo de 0,6,% de Mn;
- aços ao carbono com mais de 0,9% de carbono e pouco menos de 0,6 % de Mn;
- aços carbono com menos de 0,5% de carbono e com manganês entre 1,0 e 1,65 %;
- alguns aços ligados com mais de 0,3% de carbono.
Princípios de Tratamentos Térmicos 51
7 - Diagramas Isotérmicos
7.1 - Introdução
Quando analisamos um diagrama de equilíbrio como é o caso do diagrama
metaestável ferro-cementita vemos que existem várias transformações que ocorrem a
temperaturas determinadas e que são dependentes da temperatura e da composição. Estas
transformações ocorrem para resfriamentos muito lentos e em temperaturas determinadas.
Mas o que irá ocorrer quando tivermos velocidades de resfriamento mais rápidas que não
permitam a transformação em equilíbrio ? Isto é o que nos é mostrado por um outro tipo de
diagrama que é chamado de Diagrama Isotérmico ou Diagrama TTT (tempo-
temperatura-transformação). Estes diagramas nos dão um mapa do que acontece
quando, através de um resfriamento rápido, levamos a austenita para temperaturas abaixo
daquelas de equilíbrio onde a mesma é instável e mantemos o aço a esta temperatura por
um tempo determinado. Neste caso teremos que considerar um fator que não precisa ser
considerado no diagrama de equilíbrio que é o tempo. Isto significa dizer que as
transformações que irão concorrer são dependentes do tempo e que teremos a
transformação parcial ou total do aço dependendo do tempo em que o mesmo for deixado
nesta temperatura. A seguir teceremos uma série de considerações a respeito do que
acontece quando abaixamos rapidamente a temperatura de um aço no estado austenítico até
temperaturas abaixo da eutetóide quando a mesma é então estabilizada.
7.2 - Efeito da Temperatura de Transformação da Perlita.
Na figura 7.1 vemos um gráfico que nos mostra a variação da velocidade de
transformação da perlita de acordo com a temperatura em que a mesma se processa. Como
pode ser visto estas são temperaturas de transformação abaixo da temperatura eutetóide e
existe uma variação bastante acentuada na velocidade à medida em que as transformações
ocorrem a temperaturas mais baixas.
Este gráfico deve ser entendido da seguinte maneira: ao levarmos um aço eutetóide
até uma temperatura em que o mesmo se torna totalmente austenítico obtemos uma fase
que é estável. Se agora fizermos um resfriamento rápido não permitiremos que a austenita
se transforme nas temperaturas usuais determinadas pelo diagrama de equilíbrio. Esta
austenita, então, passa a ser uma austenita instável que está prestes a se transformar pois
nas temperaturas abaixo da eutetóide a mesma possui uma energia adicional que tende a
fazer com que se transforme em produtos mais estáveis que podem ser ferrita e cementita
rincípios de Tratamentos Térmicos52
52
na configuração característica de perlita. Agora, como esta transformação implica em
difusão atômica, deveremos ter um certo intervalo de tempo para que a reação se processe
e como os fatores que governam a nucleação da nova fase e a difusão são dependentes do
tempo teremos velocidades variáveis com a temperatura. Assim, para temperaturas
próximas da eutetóide, a velocidade de transformação é baixa, aumentando à medida em
que se diminui a temperatura.
Figura 7.1 - Velocidade de crescimento da perlita em função da temperatura de reação em uma liga ferro-carbono de composição eutetóide(11).
Da mesma forma que existe a variação na velocidade de transformação da perlita
com a temperatura, também a espessura das lamelas varia com a temperatura. Embora este
fenômeno não seja muito bem compreendido o fato é que quanto mais baixa for a
temperatura de transformação, menor será o espaçamento interlamelar da perlita.
7.3 - Velocidade de Nucleação da Perlita
A velocidade de nucleação da perlita, isto é, a velocidade com que ocorre a
transformação da austenita para lamelas de ferrita e cementita é um fenômeno que está
associado à temperatura e ao aparecimento de uma energia livre de transformação,
descontada a energia de formação das interfaces de ferrita e cementita. Esta energia livre
restante será utilizada para a difusão do carbono da austenita para a cementita e para a
transformação da austenita para ferrita e para cementita. Isto conduz à formação
heterogênea de núcleos a partir do contorno de grão da austenita. A velocidade de
formação destes núcleos é dependente da temperatura. Por exemplo, para temperaturas
logo abaixo da eutetóide, somente se formam uns poucos núcleos e devido à velocidade de
desenvolvimento dos mesmos se formam grandes nódulos de perlita, o que irá influir
Princípios de Tratamentos Térmicos 53
também no espaçamento entre as lamelas. Para temperaturas mais baixas existe a formação
de uma grande quantidade de núcleos e uma vez que estes se formam a uma velocidade
maior do que a sua velocidade de desenvolvimento haverá a formação de um número
maior de colônias de perlita, fazendo com que aumente a velocidade de reação e
diminuindo o espaçamento entre as lamelas.
7.4 - A Reação Bainítica
Tudo aquilo que foi descrito anteriormente a respeito da transformação da austenita
para perlita tem validade somente até temperaturas intermediárias, da ordem de 500oC.
Embora muitos dos conceitos acima expostos tenham validade para temperaturas inferiores
o fato é que para esta faixa de temperaturas fenômenos tais como nucleação, dependência
com a temperatura e difusão atômica irão ocorrer, mas o produto formado apresenta
características microestruturais bastante diferentes da perlita e por isto leva o nome de
bainita para que possa ser diferenciada da estrutura anterior.
Da mesma forma que a perlita, a bainita não é uma fase mas sim uma mistura de
fases em que existe a convivência de regimes de alta concentração de carbono originando
carbonetos de ferro que estão finamente dispersos sobre uma matriz praticamente isenta de
carbono que é a ferrita. Ainda semelhante à perlita, a reação bainítica ocorre através de
difusão de átomos e, portanto, a mesma é dependente da temperatura em que ocorre a
transformação e do tempo em que o aço permanece a esta temperatura. Diferentemente
entretanto da perlita, a bainita não se apresenta em forma de lamelas, mas sim na forma de
agulhas que formam placas. Cada placa de bainita é composta por um certo volume de
ferrita onde estão incrustradas partículas de carboneto. Além disso a bainita assume uma
disposição diferente de suas placas na medida em que a mesma é formada a temperaturas
mais altas ou mais baixas. Para temperaturas mais altas, digamos a 450oC, a bainita
formada apresenta-se na forma de placas mais irregulares com carbonetos mais grosseiros
e alinhados segundo a direção preferencial da placa. Para temperaturas mais baixas,
digamos a 250oC, a bainita irá apresentar-se na forma de placas mais regulares com
carbonetos mais finos e é formando um ângulo com a direção de orientação da placa. Além
disso o próprio carboneto formado é diferente. Para temperaturas mais altas o carboneto é a
própria cementita, de estrutura cristalina ortorrômbica e 6,7 % de carbono, enquanto que
para temperaturas mais baixas, forma-se carboneto épsilon (ε) com estrutura cristalina
hexagonal e 8,4 % de carbono. Desta forma deve-se fazer distinção entre o que seria
chamado de bainita superior e o que seria chamado de bainita inferior.
rincípios de Tratamentos Térmicos54
54
Outro aspecto importante a ser salientado é que a velocidade de transformação da
austenita para bainita é fortemente dependente dos fatores associados à nucleação e
desenvolvimento da nova fase. Neste caso como a temperatura é baixa, a energia livre, que
é dependente da diferença entre as temperaturas de estabilidade da austenita (temperatura
eutetóide) e da temperatura em que ocorre a transformação, é elevada e a formação de
novos núcleos é muito intensa mas o seu desenvolvimento é prejudicado pela baixa
extração de calor. Isto irá fazer com que a velocidade de reação diminua à medida em que
se diminui a temperatura.
7.5 - Diagrama Isotérmico
Na figura 7.2 vemos um diagrama isotérmico completo de um aço eutetóide. Como
já foi dito, um diagrama isotérmico ou diagrama TTT é um diagrama que nos mostra as
reações que ocorrem nas temperaturas em que a austenita se torna instável, de acordo com
os tempos de reação.
Observando-se a figura 7.2, vemos que em um dos eixos estão plotadas as
temperaturas e no outro eixo estão plotados os tempos de reação em escala logarítmica.
Temos também duas curvas que correspondem aos tempos de início e de fim da
transformação do aço.
Estas curvas representam a dependência da reação com o tempo, sendo que a
primeira curva representa o início da transformação e a segunda curva representa o fim da
transformação. Nela podemos ver, segundo o que já foi exposto acima, que a velocidade de
transformação do aço é variável, tendo-se uma velocidade baixa para temperaturas
próximas da eutetóide, velocidade esta que vai crescendo para temperaturas intermediárias
e finalmente começa novamente a decrescer para as temperaturas mais baixas. Este fato
produz a forma característica destes diagramas, formado um joelho próximo dos 500oC.
Temos ainda próximo dos 200oC uma isoterma que representa o início da transformação
martensítica (linha Ms), devendo-se observar que, tendo em vista a natureza desta reação
em que não existe difusão dos átomos, a mesma não é dependente do tempo mas sim
unicamente da temperatura. Sendo assim, o progresso desta transformação só ocorre se
diminuirmos a temperatura, e só teremos o aço completamente transformado quando se
chega próximo da temperatura ambiente.
Como foi dito, as curvas mostradas no diagrama representam as transformações que
ocorrem ao longo do tempo e, como estas transformações são governadas pela maneira
como ocorre a transformação, os produtos formados dependem da temperatura em que se
Princípios de Tratamentos Térmicos 55
permite a transformação do aço. Assim temos que, desde a temperatura eutetóide até
próximo da temperatura intermediária, isto é próximo do joelho, temos a formação de
perlita cujo espaçamento interlamelar vai decrescendo à medida em que se decresce a
temperatura de transformação. Para as temperaturas abaixo do joelho até a linha de
formação da martensita temos a formação de bainita que vai desde uma bainita superior até
uma bainita inferior.
Figura 7.2 - Diagrama completo de transformação isotérmica para um aço eutetóide(11).
Vamos agora estudar em mais detalhes o que ocorre quando resfriamos um aço
eutetóide rapidamente até alguma destas temperaturas e o deixamos por algum tempo a
esta temperatura. Para isto faremos uso da figura 7.3 que representa um diagrama
isotérmico de um aço eutetóide, sobre a qual estão traçadas algumas curvas de
temperatura-tempo. Deve ser lembrado que sempre que quisermos estudar as
transformações que ocorrem nos aços deve-se pressupor que este tenha sido austenitizado e
que a partir desta condição será feito um resfriamento rápido até a temperatura em que se
pretende estudar a transformação.
Curva 1 - Resfriamos rapidamente o aço desde a temperatura austenítica até a
temperatura de 160oC, mantendo-se o mesmo a esta temperatura por um tempo de
aproximadamente 10 segundos. Em conseqüência deste resfriamento evitamos a
rincípios de Tratamentos Térmicos56
56
transformação do aço até que se atinja a temperatura de início de transformação da
martensita (linha Ms), a partir da qual começa a se formar martensita atômicamente.
Quando chegamos aos 160oC aproximadamente metade da austenita estão transformada em
martensita, permanecendo portanto ainda metade do aço por transformar. Se mantivermos
esta temperatura por um tempo mais longo praticamente não ocorrerá mais nenhuma
transformação, mantendo-se portanto inalteradas as quantidades de martensita e austenita.
Isto se deve à natureza atômica da transformação martensítica e só poderemos ter mais
transformação se diminuirmos a temperatura.
Curva 2 - Resfriamos rapidamente a aço até a temperatura de 250°C e o deixamos
nesta temperatura por 100 segundos, prosseguindo então com resfriamento rápido até à
temperatura ambiente. Neste caso o tempo em que o aço permanece a 250°C não é
suficiente para que ocorra qualquer transformação, pois aqui a velocidade de reação já é
bastante lenta. Desta forma com o prosseguimento do resfriamento entraremos no campo
de formação da martensita e teremos o aço transformado totalmente em martensita.
Curva 3 - Resfriamento rápido do aço até a temperatura de 300°C, manutenção
durante um tempo de 500 segundos e posterior resfriamento rápido até a temperatura
ambiente. Aqui o tempo de 500 segundos já permite a transformação de aproximadamente
50% da austenita em bainita na temperatura de 300°C. Teremos então metade da
microestrutura transformada em bainita e metade ainda de austenita não transformada.
Com o prosseguimento do resfriamento, a austenita não transformada irá passar a
martensita a partir do momento em que ultrapassarmos a temperatura Ms. Ao final do
resfriamento teremos a microestrutura do aço formada por 50% de bainita e 50% de
martensita.
Curva 4 - Resfriamento rápido até a temperatura de 600oC, mantendo-se a esta
temperatura por um tempo de 104 segundos e posterior resfriamento até a temperatura
ambiente. O simples fato de mantermos a temperatura por um período superior a 8
segundos já é suficiente para que todo o aço se transforme de austenita para perlita uma
vez que teremos cortado a linha de final de transformação. O resfriamento subsequente
nada irá modificar independente de que velocidade de resfriamento se adote.
Princípios de Tratamentos Térmicos 57
Figura 7.3 - Trajetórias arbitrárias temperatura-tempo sobre o diagrama de transformação isotérmica(11).
Do acima exposto podemos retirar uma série de conclusões com base nos resultados
obtidos para os diversos resfriamentos:
a. Sempre que fizermos um resfriamento rápido estaremos evitando a transformação
do aço e tornando a austenita instável.
b. O fato de se chegar até uma temperatura abaixo da eutetóide não implica em que
se tenha alguma transformação pois as mesmas dependem da velocidade de reação.
c. A transformação da martensita é uma exceção ao apontado no ítem anterior pois a
mesma tem natureza atômica.
d. Sempre que mantivermos uma temperatura acima da temperatura de
transformação martensítica por um tempo superior ao apontado pela linha de início de
transformação do diagrama inicia-se a transformação e sempre que se mantiver esta
temperatura por um tempo superior ao apontado pela linha de final de transformação
teremos, para fins práticos, a transformação completa do aço. Para tempos intermediários a
transformação sempre será parcial, podendo-se obter outros produtos se prosseguirmos no
resfriamento.
rincípios de Tratamentos Térmicos58
58
7.6 - Diagramas Isotérmicos de Aços Hipoeutetóides e de Aços Hipereutetóides
Como já foi visto na seção dedicada aos diagramas de equilíbrio os aços
hipoeutetóides são aqueles que possuem um teor de menos de 0,77% de carbono e aços
hipereutetóides são aqueles que possuem um teor de mais de 0,77% de carbono. Para os
primeiros temos uma faixa de temperaturas em que se forma apenas ferrita pró-eutetóide a
partir da austenita e para os últimos temos uma faixa de temperaturas em que se forma
apenas cementita a partir da austenita. Esta ocorrência também pode ser notada para os
diagramas isotérmicos destes aços. Nas figuras 7.4 e 7.5 temos os diagramas isotérmicos
de um aço hipoeutetóide e de um aço hipereutetóide. Pode-se notar que existe uma
diferença fundamental em relação ao diagrama eutetóide: o fato de existir um campo de
formação de ferrita ou de cementita, conforme o caso. Esta transformação aparece desde
temperaturas acima da eutetóide e prolonga-se até temperaturas próximas do joelho. Assim
sendo, a primeira linha passa a indicar o início da transformação da ferrita ou da cementita,
a segunda linha passa a indicar o início da formação da perlita e a terceira linha o fim da
transformação da perlita.
Figura 7.4 - Diagrama de transformação isotérmica de um aço hipoeutetóide com 0,35 % de carbono(11).
Neste caso um efeito secundário da temperatura em que é efetuada a transformação
é representada pela mudança nas quantidades relativas de ferrita pro-eutetóide ou
Princípios de Tratamentos Térmicos 59
cementita primária formadas, pois com o decréscimo da temperatura decresce a quantidade
das mesmas como se o ponto eutetóide mudasse para menos ou para mais, conforme o
caso.
Figura 7.5 - Diagrama de transformação isotérmica de um aço hipereutetóide com 1,13 % de carbono(11).
7.7 - Influência do Tamanho de Grão e dos Elementos de Liga nos Diagramas Isotérmicos
Tudo o que foi relatado até aqui não considerou as variações que podem ocorrer
quando temos alteração no tamanho de grão e quando são adicionados elementos de liga no
aço. Resumidamente pode ser dito que quanto maior o tamanho de grão mais para a direita
está o diagrama, isto é, maiores serão os tempos de início transformação. Isto se deve ao
fato de que com a redução da área de contorno de grão teremos menor número de posições
onde pode ser nucleada a nova fase e portanto isto representará um atraso na reação.
Quanto aos elementos de liga, todos eles, a exceção do cobalto, dificultam a difusão dos
átomos fazendo também com que o diagrama se desloque para a direita e para baixo, isto é,
as reações são retardadas e as temperaturas de transformação decrescem. Isto vale
inclusive para as temperaturas de transformação da martensita, embora para estas o teor de
carbono tenha um efeito mais pronunciado, podendo inclusive chegar a levar a temperatura
de final de transformação para temperaturas abaixo da ambiente. Nas figuras 7.6 e 7.7
podemos ver o efeito destes elementos quando comparados com a figura 7.4.
rincípios de Tratamentos Térmicos60
60
Figura 7.6 - Diagrama de transformação isotérmica de um aço ligado ABNT 4340 contendo 0,39% C, 1,78% Ni, 0,77 Cr, 0,28% Mo(3).
Figura 7.7 - Diagrama de transformação isotérmica de um aço com tamanhos de grão diferentes(3).
Princípios de Tratamentos Térmicos 61
8 - Diagramas de Resfriamento Contínuo
8.1 – Introdução
Tudo o que foi dito anteriormente sobre os diagramas isotérmicos, vale apenas para
transformações em que temos um resfriamento rápido seguido de uma estabilização da
temperatura por um tempo que permita a transformação do aço. Nestes casos, então,
teremos a transformação do aço a uma temperatura constante, resultando em uma
microestrutura homogênea, seja ela formada por perlita ou bainita. Acontece, porém, que
em muitos casos a transformação do aço não se dá a uma temperatura constante mas sim
através da variação contínua da temperatura. Nestes casos o que se faz é um resfriamento
em que a temperatura decresce continuamente desde a temperatura de austenitização até a
temperatura ambiente. Desta forma o diagrama isotérmico deixa de ter validade e é
necessário que procuremos auxílio em outro tipo de diagrama que é chamado Diagrama
de Resfriamento Contínuo. Neste tipo de diagrama o que temos é um mapa das
transformações que ocorrem em um aço quando se faz um resfriamento contínuo. Embora
as transformações que ocorrem neste caso sejam semelhantes às que ocorrem no diagrama
isotérmico existem algumas modificações pelo fato da temperatura estar variando
continuamente. Estes diagramas então, representam as transformações que ocorrem na
austenita para várias velocidades de resfriamento.
8.2 - Comparação entre Diagramas Isotérmicos e de Resfriamento Contínuo
Na figura 8.1 temos uma comparação entre um diagrama isotérmico e um diagrama
de resfriamento contínuo. As linhas tracejadas do diagrama representam o diagrama
isotérmico e as linhas cheias representam o diagrama de resfriamento contínuo. Pode-se
ver que em um resfriamento contínuo ocorre um deslocamento das transformações para a
direita e para baixo. Isto significa um aumento dos tempos de transformação quando se
resfria continuamente um aço. Deste modo podemos ver que na curva de resfriamento 1 se
valesse o diagrama isotérmico teríamos um tempo para o início da transformação de 6
segundos para 650oC, o que na verdade não ocorre quando o resfriamento é contínuo.
rincípios de Tratamentos Térmicos62
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Figura 8. 1 - Comparação do diagrama da resfriamento contínuo com o diagrama isotérmico para um aço eutetóide(11).
8.3 - Transformações no Diagrama de Resfriamento Contínuo
A figura 8.2 representa um diagrama de resfriamento contínuo completo de um aço
eutetóide. Neste diagrama podemos ver que as transformações que ocorrem são em
princípio as mesmas que ocorrem no diagrama isotérmico. Temos então uma região de
formação da perlita, uma região de formação de bainita e uma região de formação de
martensita. A grande diferença em relação ao diagrama isotérmico neste caso é que em um
resfriamento contínuo sempre teremos uma mescla de produtos devido ao fato de que a
transformação ocorre a várias temperaturas durante o resfriamento. Quanto mais rápido é o
resfriamento mais heterogêneos serão os produtos. Desta maneira para resfriamentos lentos
teremos a formação de perlita grosseira mas à medida em que se aumenta a velocidade de
resfriamento teremos uma mescla que poderá apresentar uma mistura de perlita com
bainita e até mesmo perlita, bainita e martensita misturados na microestrutura.
Princípios de Tratamentos Térmicos 63
Figura 8.2 - Diagrama de resfriamento contínuo de um aço contendo 0,38% C, 0,74% Cr, 0,51% Mo(10).
8.4 - Propriedades dos Produtos Formados
Na figura 8.3 temos uma série de curvas de resfriamento que resultam em várias
microestruturas. Os números dentro dos cálculos representam as durezas Vickers
resultantes. Como pode ser constatado, à medida em que se aumenta a velocidade de
resfriamento aumenta a dureza pois embora tenhamos uma mescla de produtos, a dureza
destes produtos aumenta com a velocidade de resfriamento. Este é o reflexo mais palpável
nas propriedades e é o que realmente será de interesse na maioria dos casos práticos.
rincípios de Tratamentos Térmicos64
64
Figura 8.3 - Diagrama de resfriamento contínuo de um aço contendo 0,37% C, 1,4% Ni e 0,47% Mo(4).
Princípios de Tratamentos Térmicos 65
9 - Temperabilidade
9.1 - Introdução
Até o presente momento foram discutidos vários aspectos relativos ao
comportamento do aço durante as diversas formas de transformação possíveis nos
mesmos. Tanto os diagramas isotérmicos como os diagramas de resfriamento contínuo nos
dão informações valiosas a respeito deste comportamento. Eles nos indicam, por exemplo,
que um aço de uma determinada composição pode ser resfriado mais lentamente se
tivermos elementos de liga no mesmo e mesmo assim podemos obter martensita.
Entretanto devemos considerar qual é realmente a informação fornecida por estes
diagramas para efeito prático em um tratamento térmico. Sabe-se que uma peça de aço
resfriada em um meio qualquer terá uma velocidade de resfriamento que depende de vários
fatores e uma vez que os mesmos sempre estarão presentes, temos que buscar alguma
maneira de comparar e predizer o que irá acontecer quando é feito tal resfriamento. Para
isto é necessário que primeiramente entendamos o que é temperabilidade.
9.2 - Definição de Temperabilidade
Para que tenhamos a máxima dureza em uma peça de aço é necessário que tenhamos
a microestrutura composta unicamente por martensita. Esta microestrutura, entretanto
somente poderá ser conseguida se pudermos eliminar as transformações da austenita que
são dependentes da difusão como é o caso da transformação perlítica e da transformação
bainítica. Isto só pode ser conseguido se tivermos um resfriamento suficientemente rápido.
Existe um certo número de fatores que afetam as velocidades de resfriamento e
portanto, a formação de martensita, com a conseqüente variação considerável de dureza ao
longo da seção da peça ou ao longo de seções idênticas fabricadas com aços de diferentes
composições. O conceito de temperabilidade trata do segundo caso.
Segundo alguns autores temperabilidade pode ser definida como "a susceptibilidade
de endurecimento por um resfriamento rápido" ou ainda como "a propriedade, nas ligas
ferrosas, que determina a profundidade e a distribuição da dureza produzida por uma
têmpera". Os dois conceitos enfatizam a dureza como parâmetro de comparação e como já
foi salientado acima a origem da dureza é a formação e a presença de martensita, e então
temos um terceiro conceito em que temperabilidade é "a capacidade de um aço se
transformar total ou parcialmente de austenita para alguma percentagem de martensita a
rincípios de Tratamentos Térmicos66
66
uma dada profundidade quando resfriado sob certas condições". Este conceito descreve
mais precisamente o processo físico que conduz ao endurecimento.
9.3 - Fatores que Afetam a Distribuição de Dureza
Para que possamos entender melhor o conceito de temperabilidade devemos tratar
aqui dos fatores que influem na distribuição da dureza ao longo da seção de uma peça. Para
isto vamos buscar auxílio em um experimento em que várias barras de diâmetros diferentes
são austenitizadas e resfriadas rapidamente. Medidas de dureza são feitas ao longo do
diâmetro das barras com o objetivo de se obter a distribuição da dureza como função da
distância da superfície até o centro. Nas figuras 9.1 a 9.4 temos os resultados de testes
deste tipo para barras resfriadas em água para dois aços, um SAE 1045 e um SAE 6140.
A análise destas duas figuras nos mostra que a distribuição das durezas em uma
peça depende de três fatores que veremos a seguir.
Figura 9.1 - Perfil de durezas em barras de aço SAE 1045 temperados em água(3).
Princípios de Tratamentos Térmicos 67
Figura 9.2 - Perfil de durezas em barras de um aço SAE 6140 temperadas em água(3).
Figura 9.3 - Perfil de durezas em barras de aço SAE 1045 temperadas em óleo(3).
rincípios de Tratamentos Térmicos68
68
Figura 9.4 - Perfil de durezas em barras de um aço SAE 6140 temperadas em óleo(3).
Primeiramente vamos analisar o caso do aço SAE 1045. Podemos ver que a
máxima dureza para este aço é obtida na superfície da barra de meia polegada e mesmo
para este diâmetro existe uma queda na dureza em direção ao centro. Para os outros
diâmetros existe uma queda paulatina na dureza mesmo na superfície. Isto denota que a
dureza e por conseqüência a quantidade de martensita formada é dependente do diâmetro,
que afeta a velocidade de resfriamento. A mesma coisa acontece para o aço SAE 6140, só
que neste caso as durezas são mais elevadas do que no caso anterior pelo fato deste aço
possuir elementos de liga. Este segundo fator torna-se importante quando quisermos
manter uma dureza média alta para barras de grande diâmetro.
Um terceiro fator que afeta a distribuição de dureza é a velocidade de resfriamento.
Nas figuras 9.3 e 9.4 podemos ver a distribuição da dureza para os mesmos aços e os
mesmos diâmetros quando resfriados em óleo. Pode-se notar que existe uma sensível
queda nas durezas para o aço SAE 1045.
Comparando-se os resultados acima podemos dizer que o aço SAE 6140 tem maior
temperabilidade que o aço SAE 1045. Isto se deve essencialmente aos elementos de liga do
primeiro os quais aumentam o tempo para decomposição da austenita em ferrita e/ou
Princípios de Tratamentos Térmicos 69
misturas de ferrita e cementita e portanto torna possível a obtenção de martensita para
velocidades de resfriamento mais baixas.
9.4 - Ensaio de Jominy
Há muito tempo o estabelecimento de formas de avaliação da temperabilidade de
aços de forma prática tem sido a preocupação de vários pesquisadores. Para isto foram
desenvolvidos vários procedimentos que nos proporcionam rotinas de testes com esta
finalidade. Um dos testes mais correntes na prática industrial atualmente é o chamado
Ensaio de Jominy. Na figura 9.5 podemos ver a forma e as dimensões do corpo-de-prova
utilizado neste ensaio bem como o aparato de suporte e resfriamento do mesmo.
Figura 9.5 - Corpo-de-prova para ensaio de Jominy(8).
O corpo-de-prova é resfriado a partir de uma de suas extremidades por um jato de
água, fazendo com que o mesmo experimente uma gama de velocidades de resfriamento
desde velocidade de resfriamento em água até velocidade de resfriamento ao ar. Se
fizermos após o resfriamento medidas de dureza ao longo de uma geratriz da peça a cada
1/16 avos de polegada teremos um gráfico de dureza por distância que será característico
do aço testado. Na figura 9.6 temos a representação de um gráfico deste tipo.
O Ensaio de Jominy é um ensaio útil para comparação entre os diversos aços pois,
uma vez que as velocidades de resfriamento em cada ponto são bem conhecidas e
praticamente imutáveis com a composição, a forma da curva nos dará uma idéia da
rincípios de Tratamentos Térmicos70
70
temperabilidade do aço. Assim um aço que apresente uma curva com queda na dureza
acentuada possui baixa temperabilidade, ao passo que um aço que apresente uma queda
suave na dureza possui alta temperabilidade. Facilmente se compreende que a maior ou
menor queda na dureza depende dos elementos de liga presentes ou não no aço.
Figura 9.6 - Gráfico dos resultados de um ensaio de Jominy mostrando os pontos de medida na barra ensaiada(14).
9.5 - Método de Temperabilidade de Grossmann
Para determinarmos a temperabilidade de acordo com o método de Grossmann uma
série de barras cilíndricas de aço de diâmetros diferentes são temperadas em um meio de
resfriamento. Por meio de um exame metalográfico a barra que tem 50% de martensita no
centro é separada e o diâmetro desta barra é dito o diâmetro crítico (Do), com as unidades
geralmente em polegadas. As intensidades de resfriamento dos diferentes meios de
resfriamento foram determinadas e são chamadas de fatores H. Este assunto será analisado
mais profundamente quando abordarmos os meios de resfriamento. Os valores de H estão
dados na tabela 9.1. Usando-se o valor apropriado do coeficiente H do meio de
resfriamento em consideração, o valor de Do pode ser convertido para o diâmetro crítico
ideal Di, o qual é definido como a barra que, quando a sua superfície é resfriada a uma
velocidade infinita (H=∞), apresentará uma estrutura no centro contendo 50% de
Princípios de Tratamentos Térmicos 71
martensita. Os diagramas contendo a correlação entre Do e Di estão apresentadas na figura
9.7.
Tabela 9.1 - Severidade dos meios de têmpera sob diversas condições de agitação(16).
O valor obtido de Di é portanto uma medida da temperabilidade do aço e é
independente do meio de resfriamento. Na prática os valores de Do são usados para
determinar os valores de Di para barras temperadas em vários meios de resfriamento,
usando os diagramas da figura 9.7.
* Exemplo
Submetendo-se um aço cujo valor de Di é 2,0 polegadas a um resfriamento em óleo,
cujo coeficiente é 0,4, encontramos um valor de Do de 0,8 polegadas. A familiaridade com
o conceito de temperabilidade permite uma boa indicação da temperabilidade de um aço, a
qual é obtida de seu valor de Di, donde esta é uma imagem útil para efeito de comparação.
*Cálculo de Di a partir da composição química.
A temperabilidade pode ser calculada a partir da composição química de aços de
baixo carbono e médio carbono levando-se em conta somente a quantidade de cada
elemento em solução na temperatura de austenitização. O tamanho de grão austenítico
também deve ser considerado. Quanto mais fino o grão mais baixa é a temperabilidade.
Isto é devido ao fato de que a área superficial do grão cresce à medida em que o tamanho
de grão decresce, dando lugar ao aumento do número de núcleos que servem de pontos de
início de formação da perlita.
O cálculo inicia com o conteúdo de carbono e com o tamanho de grão. Por meio da
figura 9.8 uma temperabilidade básica para Di pode ser obtida. Para os outros elementos de
liga as curvas da figura 9.9 indicam o fator de multiplicação que corresponde a cada teor.
Os fatores dados neste diagrama foram selecionados a partir de uma série de testes
obtidos por diferentes pesquisadores e aprovados pela AISI.
rincípios de Tratamentos Térmicos72
72
Figura 9.7 - Relação entre o diâmetro critico e o diâmetro critico ideal para diversas severidades de têmpera(8).
A figura 9.8 é aplicável a teores de carbono superiores a 0,8%, mas somente dentro
do pressuposto de que todos os carbonetos estejam dissolvidos na temperatura de
austenitização. Entretanto este não é geralmente o caso sem que se tenha que empregar
uma temperatura desnecessariamente alta. Além do mais a dissolução completa dos
carbonetos resultará em perigoso crescimento de grão e em grande quantidade de austenita
retida no aço. Consequentemente se as temperaturas convencionais de austenitização forem
utilizadas para aços de baixa liga com alto teor de carbono uma queda na temperabilidade
deve ser esperada quando o carbono exceder 0,8%. Isto ocorre porque o carbono em
excesso combina-se com os elementos de liga como o Cr e Mo formando carbonetos.
Apesar da redução na temperabilidade, usa-se aços ligados com até 1,0% de carbono, mas
nestas circunstâncias os carbonetos são benéficos porque aumentam a resistência ao
desgaste dos aços.
Princípios de Tratamentos Térmicos 73
* Exemplos de Cálculo de Temperabilidade
1 - Aço Cr-Mo com grão ASTM 7 e a seguinte composição:
C Si Mn Cr Mo
0,25 0,3 0,7 1,1 0,2
Da figura 9.8 o valor base de Di é 0,17 polegadas. Multiplicando-se este valor pelos
valores apropriados para os elementos de liga obtemos
Di = 0,17x1,2x3,3x3,4x1,6 = 3,7 pol
2 - Aço Ni-Cr-Mo com grão ASTM 6 e a seguinte composição:
C Si Mn Cr Ni Mo
0,35 0,3 0,7 1,4 1,4 0,2
Di = 0,22x1,2x3,3x4,0x1,5x1,6 = 8,4 pol
Os valores de Di obtidos podem ser convertidos para valores de Do por meio dos
diagramas da figura 9.8 conforme descrito anteriormente. Por exemplo, resfriando-se em
óleo com agitação moderada (H=0,4), o diâmetro crítico do aço Cr-Mo é Do = 2 polegadas
e para o aço Ni-Cr-Mo é Do = 6,4 polegadas.
Os valores de Do calculados desta forma são somente aproximados mas eles são
úteis para a comparação entre diferentes tipos de aços ou entre diferentes corridas.
Figura 9.8 - Diâmetro critico ideal em função do teor de carbono e do tamanho de grão austenítico para aços ao carbono(14).
rincípios de Tratamentos Térmicos74
74
Figura 9.9 - Fatores de multiplicação para vários elementos de liga para o cálculo da temperabilidade(14).
9.6 - Determinação da Curva de Jominy em Função da Composição e do Tamanho de Grão
Os resultados obtidos no método de Grossmann são muito próximos dos que são
obtidos experimentalmente em aços ao carbono e de baixa liga com 0,30% a 0,50% de
carbono. Por outro lado, quando determinamos a temperabilidade de aços com 0,20% a
0,30% de carbono obtemos durezas muito elevadas e para aços de alto teor de carbono e
para os de alta temperabilidade os resultados são pouco exatos. Posteriormente e tomando
por base este trabalho, foram desenvolvidos outros procedimentos para determinar a curva
de Jominy dos aços, em função da sua composição e do tamanho de grão, nos quais se
começa a determinar sempre o diâmetro crítico ideal.
Um dos procedimentos mais práticos é devido a Joseph Field, que descrevemos
como exemplo a seguir.
A composição de um aço Ni-Cr-Mo com tamanho de grão 7 cuja curva de Jominy se
quer determinar é a seguinte:
C Si Mn Ni Cr Mo
0,40 0,25 0,80 0,50 0,50 0,25
A determinação se faz utilizando as tabelas 9.2 e 9.3 da seguinte forma:
1 - Na tabela 9.2 se acha o fator base correspondente a 0,40% de carbono (1a coluna)
e tamanho de grão 7 (4a coluna), cujo valor é 0,2130.
Princípios de Tratamentos Térmicos 75
2 - Na mesma tabela podemos determinar os fatores de multiplicação para os
diversos elementos de liga. Procurando a porcentagem de cada elemento na primeira
coluna e em cada uma das demais o fator correspondente a cada elemento, achamos os
seguintes valores:
Mn = 3,667
Si = 1,175
Ni = 1,182
Cr = 2,080
Mo = 1,750
Multiplicando todos estes fatores por 0,2130 que é o valor correspondente para
temperabilidade base para 0,40% de carbono e tamanho de grão 7, encontramos o valor do
diâmetro ideal:
Di=0,2130x3,667x1,175x1,182x2,080x1,750=3,95 polegadas
Para se conhecer os valores de dureza em cada um dos pontos do corpo-de-prova de
Jominy, se utiliza primeiramente a mesma tabela 9.2 em que acharemos (primeira e última
coluna), que a dureza que se obtém a 1/16" da base do corpo-de-prova temperado com um
teor de carbono de 0,40 % de carbono é de 56 HRC. Logo, utilizando a tabela 9.3 e
procurando na primeira coluna o diâmetro crítico ideal Di que no nosso caso é 3,95
polegadas, acharemos por interpolação entre 3,90 e 4,0 os fatores abaixo:
rincípios de Tratamentos Térmicos76
76
Tabela 9.2a - Fatores para determinação da dureza do ponto 1/16" da barra de Jominy em função da composição e do tamanho de grão(1).
Tabela 9.2b - Fatores para determinação da dureza do ponto 1/16" da barra de Jominy em função da composição e do tamanho de grão(1).
Princípios de Tratamentos Térmicos 77
Tabela 9.2c - Fatores para determinação da dureza do ponto 1/16" da barra de Jominy em função da composição e do tamanho de grão(1).
Tabela 9.2d - Fatores para determinação da dureza do ponto 1/16" da barra de Jominy em função da composição e do tamanho de grão(1).
rincípios de Tratamentos Térmicos78
78
Tabela 9.3a - Fatores para a determinação da dureza em diversos pontos da barra Jominy em função do diâmetro crítico ideal(1).
Tabela 9.3b - Fatores para a determinação da dureza em diversos pontos da barra Jominy em função do diâmetro crítico ideal(1).
Princípios de Tratamentos Térmicos 79
Distância da ponta temperada em 1/16" :
1 4 8 12 16 20 24 28 32
1,000 1,022 1,202 1,397 1,590 1,730 1,820 1,895 1,940
A dureza correspondente nos diversos pontos acha-se dividindo a dureza inicial que
se obtém na base (que corresponde a 56 HRC) pelo fator correspondente em cada ponto:
1 4 8 12 16 20 24 28 32
56,0 55,0 46,5 40,0 35,5 32,5 31,0 29,5 29,0
Este procedimento que acabamos de descrever, o mesmo que foi concebido por
Grossmann, embora muito interessante porque dá uma idéia muito aproximada da
temperabilidade dos aços, não é rigorosamente exato. As discrepâncias entre os resultados
que são obtidos desta forma e os que se obtém experimentalmente, provêm do fato de que
se considera que cada elemento de liga tem um efeito multiplicador fixo na
temperabilidade para cada percentual de elemento de liga e independente de teor dos
outros elementos de liga. Devido precisamente que este fator não é constante para as
diversas combinações de composição, os resultados que obtemos não são exatos e
aparecem algumas diferenças entre as temperabilidades obtidas por este procedimento e as
temperabilidades reais.
9.7 - Aplicação Prática do Ensaio de Jominy
O sistema que descreveremos está baseado no ensaio de temperabilidade idealizado
por Jominy e em trabalhos efetuados por diversos pesquisadores americanos e ingleses
sobre a influência na têmpera dos aços, do tamanho da peças e do meio de resfriamento.
Utilizando este procedimento se chega a determinar com boa aproximação a dureza
de cilíndros de aço temperados, ligando os ensaios de Jominy com os resultados obtidos ao
estudar o resfriamento contínuo desde uma temperatura alta, de cilíndros de aço de
diversos diâmetros. Admite-se neste caso que a dureza e as propriedades físicas com que
fica um aço depois da têmpera efetuada em condições normais é sempre exclusivamente
função do processo de resfriamento. Anteriormente foi mencionado que a velocidade de
resfriamento de uma peça depende do tamanho da peça, do meio de resfriamento e da
temperatura de têmpera. Isto quer dizer que se conhece a dureza que adquire um aço depois
da têmpera, quando o resfriamento foi feito de uma forma determinada, conheceremos
rincípios de Tratamentos Térmicos80
80
também a dureza de qualquer ponto ou perfil do mesmo aço que se tenha resfriado de
forma análoga, independente de sua posição na peça, da forma e tamanho desta, bem como
do meio de resfriamento empregado.
Conhecendo-se as durezas obtidas ao efetuar-se um ensaio de Jominy de um aço e as
condições de resfriamento dos diferentes pontos do corpo-de-prova, pode-se conhecer a
dureza que se obtém no interior de peças resfriadas nas mesmas condições. Deste modo as
curvas de Jominy podem ser utilizadas para se predizer a distribuição de dureza em barras
de aço de diferentes dimensões, resfriadas em vários meios de resfriamento. As
velocidades de resfriamento nos vários pontos do corpo-de-prova de Jominy podem ser
comparadas com as velocidades de resfriamento em barras de vários diâmetros resfriadas
em vários meios de resfriamento. Esta comparação pode ser feita pelo uso dos gráficos das
figuras 9.10 a 9.17. Estes gráficos são conhecidos como “gráficos de Lamont” e servem
para que se possa encontrar as velocidades de resfriamento em diversas posições de uma
barra, desde o centro até a superfície, quando resfriada em condições normais, isto é,
mergulhando-a totalmente no meio de resfriamento. Uma vez encontrada a velocidade de
resfriamento em uma determinada posição da barra poderemos utilizar um gráfico de
ensaio de Jominy de um aço específico para sabermos a dureza a ser obtida. Desta maneira
poderemos prever o perfil de durezas de uma barra temperada em um meio de resfriamento
qualquer, sem que se tenha que recorrer ao corte da mesma.
Para que possamos entender melhor este procedimento damos um exemplo de
aplicação abaixo:
Suponhamos que uma barra de 4,0 polegadas de diâmetro tenha sido resfriada em
óleo com agitação boa (H=0,5 da tabela 1). Queremos saber qual dureza será obtida na
superfície desta barra se estivermos utilizando um aço SAE 8640. O gráfico de resultado
do ensaio de Jominy deste aço pode ser visto na figura 9.18.
O primeiro passo será consultar a figura 9.10 onde obtemos que para uma barra de
4,0 polegadas de diâmetro resfriada em óleo com boa agitação teremos uma velocidade de
resfriamento correspondente ao ponto 8/16" do ensaio de Jominy. Consultando-se agora o
gráfico de Jominy do aço SAE 8640 obtemos que para o ponto 8/16" teremos uma dureza
de aproximadamente 39 HRC. Este procedimento pode ser repetido para os outros gráficos,
determinando-se com isso o perfil de durezas da peça com este diâmetro e para as
condições de resfriamento dadas.
Princípios de Tratamentos Térmicos 81
Figura 9.10 - Velocidades de resfriamento na superfície de barras resfriadas em vários meios de resfriamento(14).
Figura 9.11 - Velocidades de resfriamento em pontos situados a 0,9R abaixo da superfície da barra para vários meios de resfriamento(14).
Figura 9.12 - Velocidades de resfriamento em pontos situados a 0,7R abaixo da superfície da barra para vários meios de resfriamento(14).
rincípios de Tratamentos Térmicos82
82
Figura 9.13 - Velocidades de resfriamento em pontos situados a 0,5R abaixo da superfície da barra para vários meios de resfriamento(14).
Figura 9.14 - Velocidades de resfriamento em pontos situados a 0,3R abaixo da superfície da barra para vários meios de resfriamento(14).
Figura 9.15 - Velocidades de resfriamento em pontos situados a 0,1R abaixo da superfície da barra para vários meios de resfriamento(14).
Princípios de Tratamentos Térmicos 83
Figura 9.16 - Correlação entre velocidades de resfriamento de barras cilíndricas e outros perfis, quando resfriados em água parada(14).
Figura 9.17 - Correlação entre velocidades de resfriamento de barras cilíndricas e outros perfis, quando resfriados em óleo parado(14).
Figura 9.18 – Gráfico de resultados de um ensaio de Jominy de um aço SAE 8640. As curvas representam os valores máximos e mínimos permitidos por norma(16).
rincípios de Tratamentos Térmicos84
84
10 - Endurecimento Superficial - Processos Termoquímicos
10.1 - Introdução
Os processos de endurecimento superficial são processos que visam a obtenção de
peças de aço dotadas de uma fina camada superficial de elevada dureza, mantendo ao
mesmo tempo um núcleo com dureza relativamente baixa. Como conseqüência teremos
uma camada superficial com alta resistência ao desgaste, alta resistência a esforços de
compressão e alta resistência à fadiga. Em contrapartida, pelo fato de termos um núcleo de
dureza baixa, teremos uma peça com boa tenacidade.
Os processos de endurecimento superficial podem ser divididos em duas categorias
distintas, aqueles que envolvem alteração da composição química da camada superficial
(cementação e nitretação) e aqueles que envolvem o rápido aquecimento e a têmpera
posterior desta mesma camada ( têmpera por chama, têmpera por indução).
Neste capítulo veremos os processos que envolvem a modificação da composição
química da camada superficial e no capítulo seguinte veremos os processos em que não
existe alteração de composição química.
10.2 - Cementação
O processo de endurecimento superficial de cementação é o processo mais utilizado
atualmente e tem permanecido praticamente inalterado ao longo do tempo. Este processo é
geralmente utilizado na produção de pistas e roletes de rolamento, engrenagens, buchas e
juntas homocinéticas. O método consiste essencialmente no aquecimento da peça envolta
em um meio rico em carbono, fazendo com que o carbono difunda para o interior
aumentando o teor de carbono da camada superficial.
A principal reação, que ocorre entre o carbono e o ferro, e que é a responsável pela
difusão do carbono para o interior da peça, pode ser representada da seguinte maneira:
3Fe +C → Fe3C
Após a difusão do carbono é feita uma têmpera seguida de revenido para que se
produza a máxima dureza.
Como o processo envolve a difusão do carbono, é necessário que se dê o tempo
necessário para que isto ocorra. Tempos crescentes propiciam maiores espessuras das
camadas cementadas. Como conseqüência, teremos um perfil de dureza associado ao perfil
de concentração de carbono, como pode ser visto na figura 10.1. Os aços comumente
Princípios de Tratamentos Térmicos 85
utilizados possuem 0,10 a 0,25% C e a temperatura varia entre 900 e 950oC embora
possam ser utilizadas temperaturas na faixa de 850 a 1000oC.
A máxima dureza atingida depois da têmpera nos aços ao carbono ocorre para um
teor de carbono de 0,8%, como pode ser visto na figura 10.2. Para teores superiores a este a
dureza cai devido à retenção de austenita. Este percentual pode variar para aços que
tenham maior tendência à retenção de austenita, como acontece com os aços contendo
níquel. Como resultado da retenção da austenita poderemos ter a situação mostrada na
figura 10.3, em que se tem uma dureza mais baixa na superfície da peça.
10.2.1 - Principais Variáveis do Processo
O processo de cementação, conforme já foi comentado acima, depende de vários
fatores que exercem influência tanto na espessura da camada cementada como na
profundidade do endurecimento. Abaixo descrevemos resumidamente estes fatores e como
eles influenciam o processo.
Figura 10.1 - Gradiente de carbono e perfil de dureza em uma barra de aço SAE 8620 com 25,4 mm de diâmetro, cementada a gás a 925°C(10).
rincípios de Tratamentos Térmicos86
86
Figura 10.2 - Dureza das ligas Fe-C temperadas em salmoura(9).
10.2.1.1- Efeito da Temperatura
A velocidade de difusão do carbono no aço está estreitamente ligada à temperatura.
A velocidade de difusão do carbono a 927oC é 40% superior do que a 871oC, como fica
evidenciado na figura 10.4. Fica claro neste caso que quanto maior a temperatura menor o
tempo que a peça terá que permanecer no forno. Estes dados referem-se ao aço no estado
austenítico, e só poderia ser assim, já que somente no estado austenítico teremos
solubilidade do carbono suficiente para se chegar aos percentuais utilizados na camada
superficial de peças cementadas. Neste caso, o limite inferior de temperatura para o
processo está condicionado à austenitização do aço e o limite superior está condicionado
ao crescimento do grão. Se por um lado temos um aumento significativo da velocidade de
difusão com o aumento da temperatura, por outro temos o crescimento do grão da austenita
à medida em que usamos temperaturas mais altas. Como quanto maior o tamanho de grão
menor é a tenacidade do material, este efeito se torna indesejado.
Assim, temos dois compromissos que são antagônicos: ao aumentarmos a
temperatura aumentamos a velocidade de difusão mas também aumentamos o tamanho de
grão. Isto faz com que tenhamos sempre que considerar estes dois fatores ao escolhermos a
temperatura de cementação.
Para peças menos solicitadas e de menor responsabilidade podemos utilizar
temperaturas mais altas, entretanto, para peças mais solicitadas devemos utilizar
temperaturas mais baixas, a menos que se faça um tratamento térmico posterior para
corrigir este problema. Este assunto será tratado no tópico relativo à têmpera.
Princípios de Tratamentos Térmicos 87
Figura 10.3 - Dureza da camada cementada de um aço SAE 8620 cementado em caixa a 925°C por 16 h e revenido 1 h a 205°C(10).
10.2.7.2 – Efeito do Tempo
A difusão do carbono também é influenciada pelo tempo em que a peça fica na
temperatura de tratamento. A profundidade da camada cementada é dependente da seguinte
equação:
Prof. de Cementação = K t
Como podemos ver a profundidade atingida no processo é proporcional à raiz
quadrada do tempo. Isto quer dizer que à medida em que desejarmos profundidades
maiores, maior será o tempo de tratamento e a cada vez que dobrarmos a espessura de
cementação o tempo é multiplicado por 4 aproximadamente. Na figura 10.4 temos esta
relação para um caso prático da relação do tempo com a profundidade de cementação.
Como podemos ver quanto maior a profundidade que se queira maior será a
consumo de energia e a ocupação do equipamento, fazendo com que este processo se torne
antieconômico para camadas de profundidade muito grande. Em geral na prática esta
espessura está limitada a 2,5mm o que já dá um tempo de cementação de aproximadamente
25 horas a uma temperatura de 925oC.
rincípios de Tratamentos Térmicos88
88
Figura 10.4 - Profundidade de cementação versus tempo de cementação para quatro temperaturas diferentes(10).
10.2.2 - Processos de Cementação
10.2.2.1- Cementação em Caixa
A cementação em caixa ou também chamada cementação por via sólida é o
processo de cementação mais antigo. Ele tem sido utilizado até nossos dias por que é um
método de fácil execução, não necessitando de equipamento sofisticado.
Neste processo são utilizados como fonte de carbono materiais sólidos à
temperatura ambiente, embora todas as reações que ocorrem durante a cementação sejam
gasosas. Para a execução do processo as peças são colocadas em uma caixa e envoltas pela
mistura cementante que normalmente é composta de uma fonte de carbono - carvão
vegetal, coque ou osso - e de um ativador - carbonato de bário ou carbonato de sódio. A
caixa deve ser fechada o melhor possível, podendo-se para isto usar argila ou barro
refratário, para que haja o mínimo escapamento possível dos gases gerados no interior da
caixa. A quantidade de ativador pode ser variada e sua quantidade não parece ter uma
importância muito grande desde que se situe em uma faixa de 5 a 20 % em peso da
mistura.
As reações que ocorrem durante o processo de cementação é que irão determinar
qual o potencial de carbono que iremos ter na superfície do aço. Estas reações são
influenciadas pela temperatura e pela quantidade de ativador utilizado. Inicialmente temos
a reação do carbono da fonte de carbono com o oxigênio aprisionado na caixa, formando
CO2, e na continuação a seguinte reação:
CO2 + C → 2CO (1)
Princípios de Tratamentos Térmicos 89
Esta reação é na realidade reversível, mas à medida em que o tempo decorre cada
vez mais monóxido de carbono é formado, e desta forma teremos a reação deslocada
sempre para direita o que é imprescindível para que tenhamos cementação. Na superfície
do aço ocorre a dissociação do monóxido de carbono:
2CO → CO2 + C (2)
Embora esta reação também seja reversível, é necessário que a mesma esteja
deslocada para a direita para que tenhamos carbono livre que possa difundir para o interior
da peça. No prosseguimento do tratamento o CO2 reage novamente com o carbono através
da reação (1), repetindo-se o ciclo enquanto durar o processo.
A função do ativador, diferente do que possa parecer de início, não é a de ser fonte
de carbono, mas sim fonte de oxigênio. Ocorre que a quantidade de oxigênio aprisionada
na caixa pode não ser suficiente para que se atinja o potencial de carbono que se deseja e
neste caso teremos que fornecer uma quantidade adicional de oxigênio que será utilizada
para a geração de dióxido de carbono através da seguinte reação:
BaCO3 → BaO + CO2 (3)
Pode-se ver, portanto, que o carbonato de bário propicia a formação de uma
quantidade maior de dióxido de carbono que por sua vez irá se combinar com mais
carbono da fonte, conforme a reação (1), seguindo-se após a reação (2) que irá completar o
ciclo de geração de carbono livre na superfície da peça. Desta forma teremos uma maior
quantidade de monóxido de carbono gerada e por conseqüência um maior teor de carbono
na superfície.
As equações acima revelam a importância do fechamento da caixa, pois caso a
quantidade de oxigênio fosse ilimitada as reações tenderiam a se deslocar para o sentido
contrário, fazendo com que o processo de cementação deixasse de existir.
10.2.2.2- Cementação por Via Gasosa
A cementação por via gasosa é um processo que se popularizou nas últimas décadas
devido à evolução dos fornos de tratamento e dos métodos de análise química. Neste
processo são utilizados gases como fonte de carbono, os quais podem ser o gás natural ou
gases manufaturados, tais como o monóxido de carbono e o metano. As reações que
ocorrem para a decomposição dos gases são as mostradas abaixo:
2CO → C + CO2 (5)
para a decomposição do monóxido de carbono e:
rincípios de Tratamentos Térmicos90
90
CH4 → C + 2H2 (6)
seguindo-se
CO + H2 → C + H2O (7)
A mistura adequada destes gases irá nos permitir controlar o potencial de carbono
na superfície do aço, o que faz com que a quantidade de cada um deles tenha que ser
permanentemente analisada.
As reações já citadas de decomposição do monóxido de carbono são as reações que
se processam a seguir para que tenhamos o processo completo.
10.2.2.3- Cementação por Via Líquida
A cementação por via líquida ou em banho de sais fundidos é um processo em que
se tem um banho formado por diversos componentes que passam para o estado líquido
após uma determinada temperatura. Este processo é ainda hoje bastante utilizado, embora
existam uma série de restrições de ordem ambiental para a sua utilização.
Os componentes do banho mais comuns são cianeto de sódio ou cianeto de
potássio, cloreto de bário, cloreto de potássio ou cloreto de sódio, carbonato de sódio ou
carbonato de bário.
As reações que se processam no banho são as seguintes:
2NaCN → Na2CN2 + C
2NaCN + O2 → 2NaNCO
NaCN + CO2 → NaNCO + CO
Como pode ser observado pelas reações mostradas acima, a fonte de carbono é o
cianeto e através da sua decomposição teremos a liberação de carbono ou de monóxido de
carbono. Após a decomposição do cianeto teremos novamente as reações (1) e (2) já
citadas anteriormente que permitirão a difusão do carbono no aço. A exemplo da
cementação em caixa aqui também o carbonato será fonte de oxigênio e o cloreto de sódio
e cloreto de potássio entram apenas como carga. Em geral o cianeto é utilizado em
percentuais que variam entre 5 e 20%, dependendo da temperatura.
10.2.3 - Tratamentos Térmicos
Após a difusão do carbono na peça é necessário que se faça uma têmpera para que
possa ser atingida a máxima dureza possível em função do teor de carbono superficial. A
Princípios de Tratamentos Térmicos 91
maneira como será executada a têmpera depende das propriedades e do uso que será feito
da peça. Sempre que fazemos a difusão do carbono temos crescimento de grão pela alta
temperatura que é utilizada e pelo longo tempo de tratamento. Isto pode fazer com que a
peça fique com baixa tenacidade. Nestes casos deve ser feito um tratamento para refino de
grão. Outro caso é aquele em que temos que fazer acabamento da peça por usinagem em
que o material deve ter dureza baixa.
Para corrigir estas situações o tratamento deve ser feito em uma ou mais etapas de
tal sorte que tenhamos um refino de grão ou uma peça inicialmente de dureza baixa.
Assim sendo os tratamentos utilizados, que estão ilustrados na figura 10.5, podem
ser os seguintes:
Figura 10.5 – Ciclos de tratamentos térmicos de têmpera utilizados após a cementação(10).
Curvas A, B e C - Resfriamento lento seguido de têmpera. Neste caso teremos uma
peça com dureza baixa que permite a usinagem, seguindo-se a têmpera sem refino de grão.
Como existe uma variação no teor de carbono entre a superfície e o centro da peça,
podemos escolher como temperatura de têmpera uma temperatura logo acima da eutetóide
em que teremos austenitização completa da camada superficial e austenitização incompleta
do núcleo ou uma temperatura mais alta em que teremos austenitização completa do
núcleo.
Curva D – Resfriamento lento seguido de dupla têmpera. Permite a usinagem, com
posterior refino de grão no reaquecimento para a segunda têmpera.
Curva E - Têmpera direta da temperatura de cementação. Tem o inconveniente de
não refinar o grão
Curva F - Têmpera direta seguida de têmpera com austenitização a uma
temperatura mais baixa. Permite o refino de grão que irá ocorrer durante o aquecimento,
rincípios de Tratamentos Térmicos92
92
durante a austenitização do material. A temperatura de austenitização utilizada pode ser
aquela em somente uma parte da camada cementada fique austenitizada, que são as
temperaturas próximas da temperatura eutetóide, ou temperaturas mais altas em que o
núcleo da peça também é austenitizado. Neste último caso pode haver um pequeno
crescimento de grão da camada cementada.
Após a têmpera pode ser feito um revenido em uma temperatura na faixa de 150 a
220°C.
10.3 - Nitretação
O processo de nitretação é um processo que a exemplo da cementação também
altera a composição de uma camada superficial do aço. Entretanto, ao contrário da
cementação, a camada nitretada não necessita ser temperada, tendo em vista que os nitretos
que se formam já possuem dureza elevada. Isto faz com que não haja o inconveniente do
empenamento. Além disso, a nitretação é feita na faixa de temperatura entre 500 e 600°C,
o que diminui a possibilidade empenamentos por transformação de fase.
Entre as vantagens da nitretação podemos citar as seguintes:
- alta dureza com alta resistência ao desgaste;
- alta resistência à fadiga e baixa sensibilidade ao entalhe;
- melhor resistência à corrosão;
- alta estabilidade dimensional.
Em princípio qualquer aço pode ser cementado, entretanto, a composição poderá
fazer variar a dureza final da camada nitretada, como é o caso de aços que possuem
alumínio, cromo, vanádio e molibdênio que apresentam uma dureza final maior.
Nos aços não ligados forma-se preferentemente o nitreto γ cuja fórmula é Fe4N e
para concentrações mais altas pode ser formado também o nitreto ε. Nos aços ligados
ocorre a formação de nitretos complexos dos elementos de liga que aumentam a dureza da
camada nitretada.
A camada nitretada tem menor espessura do que a cementada, raramente
ultrapassando 0,8 mm, caso contrário os tempos seriam muito grandes o que torna o
método antieconômico.
Princípios de Tratamentos Térmicos 93
10.3.1- Métodos de nitretação
10.3.1.1- Nitretação a gás
Neste processo é utilizada amônia que é injetada no forno aquecido geralmente a
510°C. Nesta temperatura a amônia se dissocia de acordo com a seguinte equação:
2NH3 → 2N + 3H2
Como pode ser visto esta reação libera nitrogênio atômico que difunde para o aço.
Os tempos de tratamento variam entre 12 e 120 horas
10.3.1.2- Nitretação por Via Líquida
A nitretação por via líquida é o processo em temos um banho semelhante ao
utilizado na cementação líquida. Neste banho teremos, então, cianeto de sódio ou potássio,
carbonato de sódio ou de potássio e cloreto de potássio ou de sódio. Este banho contém
entre 30 e 40% de cianeto. A dissociação do cianeto se dá da seguinte maneira:
2NaCN + O2 → 2NaCNO
4NaCNO → 2NaCN + Na2CO3 + CO + 2N
Normalmente a temperatura utilizada situa-se entre 550 e 570°C. Nesta faixa de
temperatura não ocorre a reação de cementação e portanto teremos apenas a adição de
nitrogênio ao aço. Os tempos de nitretação são curtos, geralmente entre 1 e 4 horas.
rincípios de Tratamentos Térmicos94
94
11 - Endurecimento Superficial - Têmpera Superficial
11.1 - Introdução
O aquecimento superficial com a utilização do processo de têmpera superficial é
um processo que consiste basicamente no aquecimento rápido acima da temperatura crítica
de uma fina camada superficial da peça, seguida de um resfriamento rápido. Como
conseqüência deste tratamento, toda a microestrutura que foi austenitizada se transforma
em martensita. Como o aquecimento produz apenas uma pequena camada austenitizada,
somente ela será endurecida, ficando o restante da peça com a dureza original.
Como resultado teremos uma camada superficial de dureza elevada, correspondente
ao teor de carbono original do aço e um núcleo dúctil e tenaz. Para que se consiga obter
esta fina camada endurecida é necessário que a fonte de calor produza um aquecimento
rápido, impedindo o aquecimento do restante da peça por condução do calor em direção ao
núcleo.
Os principais motivos da utilização do endurecimento superficial são:
• o tamanho da peças que torna difícil a utilização de processos convencionais de
têmpera;
• quando o endurecimento deve ser seletivo, isto é, quando temos a necessidade de
temperar apenas algumas áreas que serão submetidas ao desgaste;
• quando se requer precisão dimensional que não pode ser conseguida por outros
métodos;
• quando se deseja utilizar materiais de baixo custo em peças de solicitação menos
severa.
Os dois processos mais utilizados para se atingir este objetivo são o processo de
têmpera por chama e o processo de aquecimento por indução, que serão comentados a
seguir.
11.2 - Aquecimento Por Chama
Dentre os dois métodos citados o mais simples é aquele que utiliza o calor de uma
chama para o aquecimento da peça. A chama utilizada deve ter alta temperatura e os gases
de combustão devem atingir a peça com alta velocidade para uma melhor transferência de
calor. A chama mais utilizada neste caso é a chama oxi-acetilênica que combina alta
temperatura e alta velocidade dos gases de combustão, permitindo bons resultados a um
Princípios de Tratamentos Térmicos 95
custo relativamente baixo. Este tipo de processo tem ainda a vantagem de produzir uma
atmosfera neutra que protege a peça, evitando a descarbonetação ou a formação de uma
camada óxido.
Embora este método seja de execução simples, existe uma série de fatores que
podem fazer com que a peça fique defeituosa, dentre os quais podemos citar o crescimento
de grão devido ao superaquecimento, dureza baixa por aquecimento insuficiente, regiões
de diferentes durezas devido a aquecimento não uniforme e profundidade excessiva de
endurecimento devido a um aquecimento muito lento.
A maior dificuldade encontrada neste método é o fato de que se necessita de uma
gama muito grande de formas de queimadores da mistura combustível, cada um adaptado à
peça a ser aquecida.
Quanto mais complexa for a peça mais complexa é a forma do queimador, pois,
para termos um aquecimento uniforme, a distância entre o queimador e a peça não deve
variar muito. Dois queimadores típicos são mostrados na figura 11.1.
Os métodos mais utilizados para a execução do aquecimento por chama são o
método estacionário e o método progressivo. Em ambos os casos a peça ficará estática ou
poderá ter um movimento rotativo. Quanto mais complexa for a forma da peça maior a
restrição ao seu movimento.
Figura 11.1 - Tipos de queimadores utilizados no aquecimento por chama(10).
O método estacionário com rotação da peça ou não, se presta para endurecimento
seletivo ou para peças de pequenas dimensões e de forma regular. O método progressivo,
também com rotação da peça ou não, se presta para endurecimento completo e para
endurecimento seletivo.
rincípios de Tratamentos Térmicos96
96
Nas figuras 11.2 e 11.3 temos uma representação destes métodos.
Figura 11.2 - Peça aquecida pelo método estacionário(10).
Figura 11.3 - Peça aquecida pelo método progressivo(10).
11.3 - Aquecimento por Indução
11.3.1 - Introdução
O aquecimento por indução é um processo que se aplica a materiais eletricamente
condutores pela geração de um campo magnético variável cujas linhas de força penetram
na peça. Este campo magnético variável induz um potencial elétrico o qual cria uma
corrente elétrica variável que é dependente das características elétricas e da forma da peça.
Um circuito de aquecimento por indução é fundamentalmente um transformador, no qual o
primário está representado pelas espiras de uma bobina, através da qual passa uma corrente
elétrica alternada, e de um secundário constituído pela peça que vai ser aquecida.
Princípios de Tratamentos Térmicos 97
Devido ao fato que todos os metais são condutores elétricos o aquecimento por
indução é aplicável a uma variada gama de processos tais como fundição, tratamentos
térmicos, soldagem e aquecimento para forjamento. Este processo tem como principais
vantagens a eficiência de transferência de energia para a peça e altas velocidades de
aquecimento quando comparadas com os métodos convencionais de aquecimento.
Figura 11.4 - Sentido das correntes e do campo magnético em uma bobina ( a ) e correntes parasitas induzidas na peça ( b ) (10).
11.3.2 - Princípios do Aquecimento por Indução
Quando colocamos um corpo metálico em um campo elétrico gerado por uma
corrente alternada, campo este gerado por uma bobina, como está representado na figura
11.4, teremos a produção de correntes de Foucault e de efeitos de histerese que gera
correntes parasitas, correntes que irão aquecer a peça. Sob a ação das correntes parasitas as
partículas de ferro tendem a se polarizar em um determinado sentido, criando-se em cada
uma delas um polo norte e um polo sul. Ao se variar o sentido do campo estas partículas
tendem a seguir estas variações, variando o sentido de seus pólos e gerando-se uma fricção
atômica interna que faz com que seja dissipado calor o qual ao dissipar-se eleva a
temperatura da peça. No aquecimento dos aços, o aquecimento por histerese tem pouca
importância porque quando se ultrapassa a temperatura Curie ( aproximadamente 768 °C)
onde o aço perde suas propriedades magnéticas as mesmas deixam de existir. As correntes
de Foucault geradas tendem a se concentrar na camada superficial das peças. A
distribuição destas correntes ao longo da seção das peças depende fundamentalmente da
freqüência utilizada, da condutividade elétrica e das propriedades magnéticas. Quando se
geram correntes de Foucault, o aço passa a atuar como uma resistência elétrica que se
aquece pela passagem de uma corrente elétrica de acordo com a lei de Joule. O calor
gerado será proporcional a RI2, sendo R a resistência do circuito e I a intensidade da
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corrente. Quanto mais alta for a temperatura, as correntes de Foucault diminuem de
intensidade, o que é uma vantagem pois com isto se evita automaticamente o
sobreaquecimento excessivo da peça. Na figura 11.5 temos uma representação
característica da distribuição das correntes de Foucault na seção de uma peça de cobre.
Pode-se ver que quanto maior é a freqüência, maior é a concentração na superfície. Este é
um fator importante na determinação da freqüência a ser utilizada de acordo com a
aplicação.
Figura 11.5 - Distribuição das correntes de Foucault em um corpo sob diferentes freqüências.
Assim, para processos que requeiram aquecimento completo devem ser utilizadas
freqüência mais baixas e para processos que requeiram aquecimento da superfície devem
ser utilizadas freqüências mais altas.
11.3.3 - Equipamentos de Indução
Um equipamento de aquecimento por indução consiste basicamente de uma fonte de
potência, de uma estação de trabalho, de uma bobina, controles e suportes para peças.
Adicionalmente poderemos ter equipamentos para resfriamento de peças.
A fonte de potência é o componente mais importante de um sistema de aquecimento
por indução. Sua função é a de admitir a energia da rede que chega em 60 ciclos e entregar
a energia elétrica à bobina na tensão e na freqüência adequadas. Estes equipamentos são
fabricados em três faixas básicas de freqüências: baixa freqüência ( 60 ciclos), média
freqüência (180 ciclos para triplicadores ou até 10 kKHz para conversores) e alta
Princípios de Tratamentos Térmicos 99
freqüência (mais de 10 kKHz). Atualmente o tipo de equipamento mais utilizado para
todas as faixas de freqüência nos equipamentos comerciais é aquele baseado em
conversores a estado sólido. Estes utilizam SCRs e tem como características a alta
eficiência, custo inicial baixo, baixa manutenção e uma grande variedade de potências e
freqüências.
11.3.4 - Bobinas
Na figura 11.6 podemos ver vários tipos de bobinas utilizadas no aquecimento por
indução. Estas bobinas são geralmente confeccionadas em tubos de cobre pelos quais passa
água de refrigeração pois se temos o aquecimento das peças também teremos o
aquecimento da bobina. A forma de uma bobina depende da forma da peça e da área que se
quer aquecer. Para que haja uma boa transferência de energia é necessário que a bobina
fique o mais próximo possível da peça. Quanto maior for a distância menor será a
eficiência do sistema. Um adequado projeto da bobina permite eficiência da ordem de
95%.
Figura 11.6 - Vários tipos de bobinas projetadas para aquecimento de peças (10).
11.3.5 - Aplicação do Aquecimento por Indução nos Tratamentos Térmicos
Como já foi dito, o aquecimento por indução encontra inúmeras aplicações em todos
os campos do trabalho com metais. No caso específico dos tratamentos térmicos as
aplicações podem ser divididas em tratamentos de endurecimento superficial, onde temos
como exemplos a têmpera superficial de virabrequins, eixos de cames, eixos de
transmissão, juntas universais, engrenagens, sedes de válvulas e trilhos, e tratamentos de
têmpera total, onde temos como exemplos têmpera de tubos, peças estruturais, molas e
correntes.
rincípios de Tratamentos Térmicos100
100
Para um melhor entendimento destas aplicações vamos descrever a aplicação em
trilhos. A têmpera superficial de trilhos é uma das mais recentes aplicações deste tipo de
tratamento térmico. As cabeças ou boletos dos trilhos se desgastam rapidamente nas seções
curvas onde existe o tráfego de carros de alta tonelagem. A ação abrasiva das rodas
combinada com altas tensões pode resultar em uma vida útil muito curta do trilho. Com a
utilização de carros cada vez mais pesados e aumento da velocidade este tipo de problema
vem se tornando cada vez mais severo.
Os trilhos convencionais são fabricados com aço SAE 1080 por laminação à quente
usando-se uma temperatura inicial de 1290oC. Seguindo-se à laminação eles são resfriados
em condições controladas, obtendo-se com isto um produto acabado com apenas moderada
dureza em torno de 250 HB. No processo de indução apenas o boleto é endurecido já que é
nesta região que ocorre a falha devido ao desgaste e à deformação durante o serviço. Uma
camada relativamente espessa cuja dureza decresce com a espessura, como mostrado na
figura 11.7, pode ser obtida utilizando-se uma fonte de potência de baixa freqüência, na
ordem de 1000 Hz.
Figura 11.7 - Perfil de dureza Brinell em um boleto de trilho temperado por indução(10).
No processo real, os trilhos são pretensionados antes do tratamento térmico com o
objetivo de eliminar distorções causadas pelo aquecimento e para eliminar a necessidade
de operações de endireitamento. Os trilhos são então passados por uma bobina em forma
de U e as suas superfícies são aquecidas até 1065oC. Seguindo-se o aquecimento a
superfície é resfriada ao ar até uma temperatura de 425oC, produzindo uma microestrutura
bainítica. O calor residual do núcleo do trilho traz a camada superficial para uma
temperatura de 595oC produzindo um autorevenido. Finalmente é feito um resfriamento
com água até a temperatura ambiente. Os trilhos produzidos desta maneira apresentam uma
durabilidade duas vezes e meia até oito vezes maior que a dos trilhos convencionais.
Princípios de Tratamentos Térmicos 101
12 - Preparação de Amostras
12.1 - Introdução
A preparação de amostras para microscopia ótica é uma prática corrente e muito
bem conhecida. Ela se presta para investigação de metais cuja estrutura queremos
conhecer. Uma preparação cuidadosa poderá nos fornecer informações importantes a
respeito do comportamento mecânico do material sem que muitas vezes tenhamos que nos
dedicar a outros testes muito mais trabalhosos e caros. Assim, se quisermos fazer uma
investigação do metal para que tenhamos uma idéia de estruturas resultantes de fundição,
tratamento mecânico ou tratamentos térmicos prévios, esta será uma importante
ferramenta. Existem algumas variáveis de acordo com o tipo de detalhe que queremos
observar. Por exemplo, uma estrutura de fundição possui detalhes muito mais grosseiros do
que os de um tratamento mecânico ou de um tratamento térmico e desta maneira
deveremos conduzir a preparação de maneira um pouco diferente em cada caso. De
qualquer maneira os passos mais comuns nesta prática seriam os seguintes:
a) Retirada da amostra;
b) Embutimento;
c) Lixamento;
d) Polimento;
e) Ataque químico.
Embora algumas destas etapas possam não ser necessárias de acordo com o detalhe
que se queira observar, detalharemos a seguir cada um deles para que se tenha uma melhor
idéia do significado de cada um. Salientamos, entretanto, que as diferenças que serão
encontradas referem-se basicamente ao tamanho do detalhe que irá ser observado e desta
maneira a preparação pode ser subdividida em preparação para micrografia, a qual
geralmente engloba todas as etapas citadas, e preparação para macrografia, que poderá
dispensar as etapas de embutimento e polimento. Isto é possível porque na macrografia são
observados detalhes grandes como bolhas, rechupes e estrutura dendrítica de fundição ou
ainda linhas de deformação oriundas de um processo de conformação mecânica. Estes
detalhes normalmente poderão se observados a olho nú ou com pequeno aumento (até 100
vezes). Na micrografia o tamanho do detalhe é menor e neste caso poderão ser observadas
estruturas oriundas de tratamentos térmicos tais como fases, tamanho de grão e
descarbonetação.
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12.2 - Retirada da Amostra
A retirada da amostra é uma etapa importante da preparação pois um local bem
escolhido para a retirada nos dará condições de termos uma amostra realmente
representativa da estrutura que se quer observar. Por exemplo de acordo com a história
prévia de uma peça deveremos julgar se o corte que vai ser feito deve ser longitudinal ou
transversal ou ainda se devemos retirar da menor seção ou da maior seção, etc.
A retirada da amostra pode ser feita por ação de uma serra ou de um disco de corte
apropriado para este fim. No segundo caso teremos o disco montado em um aparelho
especialmente construído para este fim o qual possui, além de um motor que impulsiona o
disco, uma bomba que joga um líquido refrigerante sobre a peça. Na operação de corte
devemos evitar o máximo possível a alteração da estrutura do material. Isto nem sempre é
possível pois devido ao tipo de operação não podemos evitar que haja alguma deformação
da superfície de corte mas, de qualquer forma, devemos fazer o possível para que esta
camada de deformação seja mínima. Neste caso a utilização de um disco é mais
aconselhável do que a serra.
Podemos, entretanto, evitar o aquecimento da amostra pois este acontecimento
poderá produzir uma alteração da estrutura desde que a mesma esteja susceptível a
modificações pelo aquecimento, como é o caso de materiais temperados ou de baixo ponto
de fusão.
12.3 - Embutimento
Esta etapa é uma etapa opcional pois ela só será necessária se a amostra retirada for
muito pequena a ponto de impedir a manipulação necessária no lixamento e no polimento.
Outra justificativa seria a necessidade de se observar as bordas da amostra, as quais sempre
ficam arredondadas durante o lixamento caso não haja uma área de suporte suficientemente
grande à sua volta.
O embutimento é um procedimento simples que pode ser dividido em duas forma
principais: embutimento a quente e embutimento a frio.
No embutimento a quente usa-se uma combinação de pressão e temperatura para
efetuar a polimerização da resina com o auxílio de uma prensa de embutimento. Os
materiais utilizados neste caso são o baquelite e as resinas acrílicas. Estes plásticos são
polimerizados pela ação da temperatura e da pressão utilizados.
Princípios de Tratamentos Térmicos 103
No embutimento a frio utilizam-se resinas que são polimerizadas através de um
endurecedor. A mistura da resina e do endurecedor é vertida em um molde onde se
encontra a amostra, e então deixa-se a mesma endurecer fazendo com que a amostra fique
por ela envolvida. Este procedimento evita que o aquecimento provoque alterações na
estrutura em caso de amostras de materiais de baixo ponto de fusão. A escolha do tipo de
material de embutimento depende do material que será observado e do custo e
equipamento disponíveis.
12.4 - Lixamento
O lixamento é uma etapa da preparação que visa aplainar a superfície da amostra
bem como reduzir ao mínimo a camada deformada gerada pelo corte. Para que possamos
entender a necessidade da etapa de lixamento vamos observar a figura 12.1. Ali procurou-
se representar o estado da superfície do material após a operação de corte. Após o corte da
amostra vamos encontrar a superfície cheia de sulcos apresentando uma camada
deformada. Esta camada deve ser retirada para que possa ser examinada a estrutura real da
amostra. Isto será feito inicialmente pelo lixamento e completado pelo polimento.
Figura 12.1 - Zonas de deformação de uma superfície cortada ou submetida a lixamento grosseiro.
Uma lixa nada mais é do que um material abrasivo colado sobre a superfície de um
papel. Quando passamos a amostra sobre estes grãos abrasivos temos a retirada de material
como em um processo de usinagem e portanto, embora estejamos retirando a camada
deformada pelo corte, restará uma camada de deformação causada pela lixa na melhor das
hipóteses. Para que esta camada não seja espessa são usadas lixas de várias granulometrias
que vão desde uma lixa 120 até uma lixa 600, geralmente. O número da lixa está associado
com a peneira utilizada para peneirar o abrasivo e representa o número de malhas da
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peneira por polegada quadrada. Assim quanto maior o número da lixa menor é o tamanho
do grão do abrasivo. Quanto menor o grão do abrasivo menos profunda será a camada
deformada deixada pela lixa.
A operação de lixamento é feita utilizando-se uma seqüência de lixas desde a mais
grossa até a mais fina girando-se a amostra de 90 graus sempre que se troca de lixa,
prolongando-se a operação até que todos os riscos da lixa anterior tenham desaparecido. A
quantidade de lixas utilizadas depende da experiência do operador e normalmente são
utilizadas lixas que utilizam água como lubrificante.
12.5 - Polimento
Esta etapa é a mais importante na obtenção de uma superfície adequada para a
observação. O polimento objetiva a eliminação dos riscos e da camada deformada deixada
pela última lixa, fazendo com que se tenha uma superfície plana e isenta de riscos.
O polimento é feito com abrasivos depositados sobre panos especiais cuja textura e
composição depende do abrasivo utilizado. Os abrasivos mais utilizados neste caso são o
diamante e a alumina. A granulometria dos mesmos varia desde grãos de 10 µm até 0,1
µm. Normalmente são utilizadas duas etapas uma com um grão mais grosseiro e outra com
grão mais fino. O procedimento é semelhante ao utilizado no lixamento, isto é, deve-se
rodar a amostra de 90 graus sempre que se muda o abrasivo. Outra maneira seria
movimentar a amostra no sentido contrário ao da rotação do prato da politriz.
Quando se finaliza o polimento devemos ter atingido a estrutura real do material,
abaixo portanto da camada deformada, pois só desta maneira poderemos observar
corretamente a estrutura.
12.6 - Ataque Químico
O exame de uma amostra polida, não atacada, revela apenas alguns detalhes da
estrutura tais como inclusões, trincas e grafita em ferros fundidos. Para que possamos
identificar outros detalhes como tamanho de grão e fases presentes é necessário que se faça
um ataque da superfície do material através de um reagente químico. Os reativos utilizados
no ataque são específicos para cada material e tipo de detalhe que se quer observar.
Essencialmente o ataque químico é uma reação química que se dá na superfície da
peça onde são atacadas as áreas mais reativas. Para que se possa atingir este objetivo o
procedimento torna-se dependente do tempo, pois, para tempos adequados somente serão
Princípios de Tratamentos Térmicos 105
atacadas as áreas de átomos de maior energia como é o caso, por exemplo, dos contornos
de grão. O procedimento consiste em se mergulhar a amostra polida no reagente até que
fiquem atacadas as áreas mais reativas, permanecendo não atacadas as áreas menos
reativas.
Para entendermos o objetivo desta etapa vamos buscar auxílio da figura 12.2. Esta
figura nos mostra zonas atacadas e zonas ainda polidas. Quando a luz vinda do iluminador
do microscópio incide sobre a superfície a mesma será refletida segundo o ângulo de
incidência. Entretanto nas zonas atacadas, os raios de luz serão desviados, não sendo
conduzidos para a ocular do microscópio. Isto fará com que seja vista apenas a luz
proveniente das superfícies não atacadas aparecendo como áreas escuras (ausência de luz)
as zonas atacadas. Neste caso os contornos de grão apresentam-se como uma linha escura e
teremos também uma distinção entre fases no material onde uma delas aparecerá clara e a
outra escura.
Figura 12.2 - Efeito do ataque em amostras preparadas para exame metalográfico
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16. Aço Finos Piratini, “Catálogos Técnicos”.
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Apêndice A
Diagrama de Equilíbrio Ferro-Carbono
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Apêndice B
Classificação dos Aços
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