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CULTURA POLTICA NO PARAGUAI: A HERANA DO GOVERNO
DE FRANCIA E DOS LPEZ
Graziano Ucha
RESUMO
O artigo ora apresentado visa discutir o conceito de Cultura Poltica, em
especial pensando como este pode ser aplicado em um caso especfico: os
primeiros anos da Repblica do Paraguai. Os governos de Jos Gaspar
Rodriguez de Francia (1811-1840), Carlos Lpez (1844-1862) e Solano
Lpez (1862-1870), deixaram como herana uma forma especfica de atuar
no campo poltico. Esses personagens foram base para a formao dos
partidos polticos paraguaios. Aps seus governos, o Paraguai no mais
conseguiu fortalecer suas instituies democrticas, o que afundou o pas em
disputas oligrquicas. Independente do grupo de situao, as organizaes
polticas tomaram como exemplo seus primeiros governantes, que basearam
seus governos em trade: uma figura forte, o poder centralizado e o
fortalecimento da estrutura militar.
Palavras-Chaves: Cultura Poltica, Paraguai, Francia, Lpez.
ABSTRACT
The present article aims at discussing the concept of Political Culture,
analyzing in particular about how it can be applied in a particular case: the
first years of the Republic of Paraguay.
The governments of Jose Gaspar Rodriguez de Francia (1811-1840), Carlos
Lopez (1844-1862) and Solano Lpez (1862-1870), left as a legacy an
specific way of acting in the political field. These characters were the basis
for the formation of Paraguayan political parties. After their governments,
Paraguay did not manage to strengthen its democratic institutions, which
plunged the country into oligarchic disputes. Regardless of the group in
power, political organizations took as an example their first rulers, who
based their governments on a triad: a strong figure, centralized power and the
bstrengthening the military structure.
Keywords: Political Culture, Paraguay, Francia, Lpez.
Doutorando do Programa de Ps Graduao em Histria de Mato Grosso. Professor da rede particular e da rede
pblica nas cidades de Cuiab e Vrzea Grande/MT.
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Histrico do conceito
A princpio, identificamos ser necessrio fazer um breve histrico do conceito de
Cultura Poltica, devido ao seu sentido polissmico. Quando nos referimos Cultura Poltica,
queremos apontar que alguns elementos so relevantes para a configurao de um imaginrio
do poltico que influencia de maneira significativa no agir dos atores sociais. Dessa forma, em
nossa anlise, faremos um levantamento de aspectos que podem ser vistos como parte da
cultura poltica paraguaia, tomando como base os governos de Jos Gaspar Rodriguez de
Francia (1811-1840) a de Carlos Antonio Lpez (1844-1862) e a de Francisco Solano Lpez
(1862-1870).
Nos anos ps Segunda Guerra Mundial, a historiografia fala de um esgotamento de
modelos totalizantes, ou globalizantes. Os modelos de correntes de anlise a exemplo dos
advindos do Marxismo e da Escola dos Annales necessitaram tratar com uma nova
realidade. Boa parte desse exerccio para novas reflexes deve-se ao contexto da chamada
Guerra Fria.
dentro do argumento supracitado que veremos surgir com maior vigor o debate
sobre cultura poltica. Uma obra considerada basilar para esse feito; The Civic Culture:
political attitudes and democracy in five countries1, dos cientistas polticos norte-americanos,
Gabriel Almond e Sidney Verba.
Os autores propem esse conceito a partir da juno das perspectivas de vrios ramos
das cincias humanas, como a antropologia, filosofia, histria, sociologia e psicologia.
Segundo Monique Cittadino:
Nesta conceituao inicial, era nitidamente presente a perspectiva da incorporao
dos aspectos subjetivos das orientaes polticas, tanto da parte das elites quanto da
populao destas sociedades. Para estes autores, cultura poltica seria a expresso do sistema poltico de uma determinada sociedade nas percepes, sentimentos e
avaliaes da sua populao. Assim, de uma forma bastante simplificada, estaria
1ALMOND, G.; VERBA, S. The civic culture: political attitudes and democracy in five nations. Princeton:
Princeton University Press, 1963. Traduo do nome da obra: A cultura cvica: atitudes polticas e da democracia
em cinco pases (traduo do autor).
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presente no conceito de cultura poltica a ideia da subjetividade, do posicionamento
do sujeito frente a um determinado sistema poltico (CITTADINO, 2007, p.52).
Inicialmente, a proposta de Almond e Verba possua um carter extremamente
normativo. Os autores procuraram fazer uma classificao de um nmero de sociedades e
identificaram diferentes culturas polticas; para tal, utilizaram-se do aparecimento de novas
metodologias de pesquisas, dando destaque s quantitativas.
Utilizavam um tipo de pesquisa survey2, que consiste na obteno de dados ou
informaes sobre caractersticas de determinado grupo de pessoas. Com base nesse perfil de
pesquisa, queriam fazer uma transio do individual para o coletivo, elencando as opinies
dos vrios sujeitos de uma sociedade em relao poltica e, por fim, encontrar similaridades
entre estes, entendendo que, assim, seria possvel determinar o que essas sociedades
concebiam como sendo valores. Karina Kuschnir e Leandro Piquet Carneiro asseveram:
Na formulao original de Almond e Verba, as avaliaes subjetivas dos sistemas
polticos podem ser divididas segundo trs tipos de orientao. A orientao
cognitiva diz respeito ao conjunto dos conhecimentos e crenas relativas ao
funcionamento do sistema poltico e ao papel dos indivduos e dos grupos sociais no
interior do sistema no qual esto inseridos. A orientao afetiva determina os
sentimentos que o indivduo nutre com relao ao sistema poltico e social.
Finalmente, a orientao avaliativa - julgamentos e opinies sobre os objetos
polticos - envolve a combinao de informaes, sentimentos e conhecimento sobre
o funcionamento do sistema poltico, consubstanciados em valores que orientam as
aes individuais (KUSCHNIR; CARNEIRO, 2010, p.230).
Os diversos tipos de culturas polticas para Almond e Verba so derivados de duas
dimenses. Uma a orientao com relao aos objetos polticos, como foi descrita logo
acima por Kuschnir e Carneiro (2010). A outra seria o tipo de objeto ao qual se relacionam
essas orientaes, podendo ser o sistema poltico como uma totalidade; as estruturas de
incorporao das demandas individuais e coletivas; as estruturas executivas e administrativas
encarregadas de dar resposta s demandas individuais e coletivas e, por fim, a percepo do
sujeito como ator poltico.
2 Mtodo de pesquisa amplamente utilizado em pesquisas de opinio pblica, de mercado e, atualmente, em
pesquisas sociais que, objetivamente, visam descrever, explicar e/ou explorar caractersticas ou variveis de uma
populao por meio de uma amostra estatisticamente extrada desse universo. Disponvel em:
http://www.gestrado.org/?pg=dicionario-verbetes&id=203 Consulta: 01/02/2014.
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Do entrelaamento das dimenses individuais e coletivas, Almond e Verba (1963)
construram um modelo, identificando trs tipos bsicos de cultura poltica, quais sejam; a)
cultura paroquial, b) cultura sdita e c) cultura participativa. Henrique Castro e Daniel
Capistrano assim descrevem essas categorias:
A primeira seria caracterizada por uma estrutura de valores tradicionais,
descentralizada, em que os indivduos esto reduzidos esfera particular. A cultura
sdita caracterizada por uma estrutura autoritria, marcada pela centralizao,
idealizada como um meio termo entre a completa ausncia do indivduo em relao
ao sistema poltico, na cultura paroquial, e o sentimento de completa incluso na
esfera pblica, caracterstico da cultura participativa. No estudo publicado, o arranjo
mais adequado ao surgimento e manuteno estvel de um regime democrtico
est na combinao denominada Cultura Cvica, cujos representantes empricos mais
prximos seriam os Estados Unidos e o Reino Unido (CASTRO; CAPISTRANO,
2008, p.77).
Construindo esse tipo de escala, entre os vrios tipos de cultura poltica, os autores
chegaram concluso que existiam caractersticas que seriam de suma importncia para um
estado pautado na democracia. Esses elementos estariam presentes nas naes que permitiam
uma maior participao dos sujeitos de uma sociedade no jogo poltico. Para os autores, os
EUA eram um bom exemplo de um pas que detinha essa cultura cvica.
Esse tipo de pensamento deu origem chamada escola desenvolvimentista, que
tinha como centro de seus estudos os processos de modernizao, destacando-se como
discusso nuclear o levantamento de caractersticas democrticas. Nessa tendncia, os
estudiosos acreditavam que, atravs de suas pesquisas, seria possvel auxiliar nos processos de
transio de modelos polticos atrasados para modelos modernos, tendo como referencial a
experincia liberal democrtica anglo-sax.
A principal crtica ao modelo de Almond e Verba (1963) indicava um carter simplista
da ideia de cultura cvica democrtica. Apontava-se um vis hierarquizante na investigao de
uma mudana social e das formas de adeso a uma cultura poltica do tipo estadunidense e
inglesa como sendo as ideais, uma vez que a hiptese era a de fomentar a influncia dos
padres culturais e estruturas institucionais existentes nessas sociedades e a transposio
dessas caractersticas para outras. Sobre a problemtica construda pelas Cincias Polticas e
pela Antropologia, ngela de Castro Gomes afirma que as fundamentais eram as:
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Naturalizao dos regimes democrticos e a construo de um parmetro de
cidadania e de definio de poltica no marco institucional liberal-democrtico.
Alm disso, apontou para a utilizao macia de metodologias quantitativas, que
conduziam a um deslizamento do individuo para o coletivo, segundo a lgica
simplista de que o social um agregado de individuais, o que desconsiderava
princpios sociolgicos elementares e reduzia a complexidade cultural (GOMES,
2005, p.28).
A relao de dependncia entre cultura poltica e estabilidade democrtica apontava
para um determinismo culturalista, entendendo a vinculao de valores polticos prvios que
seriam a via para a instaurao de estados democrticos. Essa teria sido a ideia final do
trabalho de Almond e Verba (1963).
Aqui, retomamos a conjuntura em que The Civic Culture: political attitudes and
democracy in five countries foi concebido. O conceito de cultura cvica, que na concepo da
obra pioneira dos autores est entrelaado com o de cultura poltica, aparece nos anos
seguintes Segunda Guerra Mundial e tambm em um contexto em que comeam a despontar
regimes autoritrios. Os Estados Unidos assumiam a posio hegemnica como sendo o
modelo de democracia. Com isso, possvel entender como Almond e Verba (1963) foram
influenciados pelo ambiente socioeconmico e poltico em que estavam inseridos: a Guerra
Fria. O intento dos autores vai ao encontro do interesse norte-americano em difundir seus
iderios no restante do mundo e aumentar sua rea de influncia.
Podemos perceber, durante toda nossa exposio, que a obra de Almond e Verba
(1963) serviram para suscitar vrios questionamentos sobre o que se pode chamar de Cultura
Poltica. Entendemos, tambm, que a proposta no conseguiu ir alm dos velhos dualismos,
dos antagonismos, colocando algumas sociedades como atrasadas e outras como
desenvolvidas. Muito disso explicado pelo lugar social dos autores (de onde escrevem, o lugar
de formao acadmica, a nacionalidade). Todo esse mosaico acabou deixando brecha para a
ideia engessada de geradores de valores e receptores destes. Visto dessa forma, esses aspectos
empobrecem a esfera de anlise da poltica, criando o que deve ser, enxergando de maneira
linear o processo histrico e construindo modelos que seriam os ideais para as relaes
poltico-sociais e culturais.
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Em uma reformulao por parte dos historiadores de Cultura Poltica, eles afastam-se
dessa proposio inicial, sendo possvel expandir o conceito, dando-lhe novos significados.
Desse modo:
A categoria cultura poltica foi definida como um sistema de representaes, complexo e heterogneo, mas capaz de permitir a compreenso dos sentidos que um determinado grupo (cujo tamanho pode variar) atribui a uma dada realidade
social, em determinado momento do tempo. Um conceito capaz de possibilitar
aproximao com uma certa viso de mundo, orientando as condutas dos atores
sociais em um tempo mais longo, e redimensionando o acontecimento poltico para
alm da curta durao (GOMES, 2005, p.31).
Com isso, possvel estender o escopo de Cultura Poltica, principalmente levando em
considerao a existncia de vrias culturas polticas. Entende-se que h competio entre elas
em alguns momentos, mas tambm existe um jogo de influncia entre elas, contrapondo-se,
complementando-se em certas conjunturas, podendo em alguns momentos umas
influenciarem mais que outras; contudo, uma no se sobrepe inteiramente, deixando espaos
de articulao, de negociao.
Essa releitura do conceito deve-se ao que a historiografia chama de Nova Histria
Poltica, que assim descrita por Sandra Jatahy Pesavento:
Abandonando formas ainda herdadas de uma tradio positivista, linear, seqencial
e causal de anlise do poltico, ou ainda de um vis marxista, a ver a poltica como
manifestao superestrutural de uma infraestrutura socioeconmica, ou ainda
mesmo a uma vertente da cincia poltica, a estudar os comportamentos polticos
dos grupos, os partidos e as eleies, o renascimento da histria poltica, a
aproximao com a histria cultural rendeu bons frutos (PESAVENTO, 2005, p.76).
Nessa nova perspectiva, torna-se de suma importncia analisar como os personagens
se representam em determinada conjuntura e como esses intrpretes inseridos no cenrio do
poltico passam do campo das ideias, suas representaes, s prticas polticas que, dentro de
algo que possamos chamar de realidade, se configuram de maneira muito mais complexa.
Ainda pensando nas representaes que os vrios grupos que compem a sociedade
fazem de si, no queremos encontrar a gnese destas, muito menos transp-las de maneira
mecnica para analisar nosso objeto. Entendemos que:
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A constituio de uma cultura poltica demanda tempo, sendo um conceito que
integra o universo de fenmenos polticos de mdia e longa durao. Uma
postulao que no exclui a existncia de movimentos e de transformaes no
interior e uma cultura poltica, mas que adverte para o fato de eles no serem nem
rpidos, nem contingentes, nem arbitrrios, havendo postos mais resistentes e outros
mais permeveis (GOMES, 2005, p. 31).
Segundo a historiadora Ceres de Moraes, em seu trabalho intitulado Paraguai: a
consolidao da ditadura de Stroessner 1954-1963, muitos estudos destacam uma cultura
autoritria e clientelista no Paraguai. Para isso, procuram razes no processo colonial
paraguaio e o papel desempenhado pelos jesutas; outros embasam-se na tese do clientelismo,
sendo que neste caso a relao dos cidados se manteve por uma troca de favores com a elite
(MORAES, 2008, p.08).
Consideramos que os acontecimentos so datados, nicos. Em nosso trabalho,
julgamos ser importante caracterizar a situao do pas em um perodo mais longo, a partir
das primeiras ditaduras de Francia e dos Lpez. Procuramos no a gnese das ideias polticas
paraguaias, mas como alguns episdios colaboraram para a construo de uma percepo
poltica no Paraguai. Uma cultura poltica que foi formada dentro de um cenrio de
instabilidade poltica e que proporcionou terreno frtil a vrios regimes ditatoriais.
Culturas polticas exercem papel fundamental na legitimao de regimes, sendo seus
usos extremamente eficientes. Em todos os casos, as culturas polticas articulam, de
maneira mais ou menos tensa, ideias, valores, crenas, smbolos, ritos, mitos,
ideologias, vocabulrio (GOMES, 2005, p. 32).
Com essa reflexo sobre o conceito e pensando como podemos utiliz-lo em nossa
apreciao dentro de uma perspectiva histrica, procuramos apontar alguns traos do fazer
poltico no Paraguai. A partir disso, possvel perceber que a sociedade paraguaia esteve
imersa em um processo bastante conflitivo e instvel da sua organizao, o que proporcionou
uma militarizao do governo e gerou uma ideia de governabilidade com bases ditatoriais.
Essa situao mostrou que durante longos perodos as aes dos que detiveram o
poder estiveram aportadas em uma trade, utilizada para a manuteno dessa forma de
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governar, composta por: Foras Armadas, Partido nico e um s Governante frente destes
outros setores. No queremos dizer que isso seja uma frmula matemtica que possa
explicar a situao do Paraguai, mas que o imaginrio muda de maneira vagarosa e que isso
influenciou de maneira significativa o imaginrio poltico paraguaio.
Cultura poltica: Paraguai em perspectiva
O Paraguai um pas mediterrneo sem sada para o mar, localizado no centro do
corao da Amrica do Sul, o que constituiu um grande problema para sua histria como
estado independente. Ao contrrio dos seus vizinhos maiores, Argentina e Brasil, isso
limitava sua insero no cenrio geopoltico no Cone Sul.
Por muito tempo, o Paraguai foi administrado por um governador indicado pela Coroa
Espanhola, tendo de dirigir-se diretamente ao vice-rei do Peru. A situao muda depois que a
provncia comea a responder ao novo Vice Reinado de La Plata (1776), com sede em Buenos
Aires. Historicamente o acesso ao oceano dava-se por meio fluvial via navegao nos rios do
Prata, implicando, assim, que todas as embarcaes que rumassem para o Paraguai fossem
autorizadas por Buenos Aires (SILVA, 2006, p. 24).
Isso proporcionou uma relao de atrelamento no comrcio martimo, descontentando
uma parcela da oligarquia paraguaia, deixando-a dependente dos portos Argentinos. Com esse
acontecimento, repartiam-se as influncias entre os grupos dentro do Paraguai, o que obrigou
parte da elite a se revoltar, culminando na independncia do pas.
Quando o Paraguai se declarou independente da Espanha, em 1811, poucos dos seus
habitantes tinham realmente alguma experincia em governar. Parte do problema
dessa pequena repblica decorreu da prpria estrutura extremamente centralizada e
suspeitosa do imprio hispnico. De tal modo que os membros da elite nativa,
criollos, espanhis nascidos na Amrica, eram excludos das posies importantes
no governo colonial. Cargos de confiana eram preenchidos por oficiais enviados da
metrpole, tais como vice-reis, governadores, juzes e coletores de impostos, que
freqentemente eram transferidos para outras partes do imprio, impedindo que
criassem laos mais estreitos com as provncias (SILVA, 2007, p. 24).
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Da sua independncia em 14 de maio de 1811 at o trmino da Guerra da Trplice
Aliana3 em 1870, o pas teve frente de seu governo trs homens e trs grandes ditaduras: a
de Jos Gaspar Rodrguez de Francia (1811-1840), a de Carlos Antonio Lpez (1844-1862) e
a de Francisco Solano Lpez (1862-1870). Fatos que nos mostram uma particularidade da
nao paraguaia, qual seja: a de governos longos e o poder centralizado.
O perodo Francista
Aps a independncia, a administrao do pas assumida provisoriamente por um
triunvirato que governou por um curto perodo (1811-1813). Este ltimo foi composto por
Juan Caballero e Fulgencio Yegros, militares do incipiente Exrcito paraguaio, e ainda
Fernando de La Mora e Francisco Bogarim, homens letrados da poca; no entanto, destaca-se
a figura de um advogado oriundo de Assuno, Jos Gaspar Rodrigues de Francia, o famoso
Dr. Francia.
No ano de 1813, Francia eleito pela maioria dos que podiam votar. Desse pleito,
foram excludos os inimigos da liberdade, que se dividiam entre espaolistas (espanhis
residentes no Paraguai) e os porteistas (parte da elite local favorvel a poltica de Buenos
Aires). Essa oposio ligada aos interesses da Coroa espanhola criava uma resistncia aos
interesses da direo instaurada no Paraguai nesse momento.
No Congresso de 1816, Francia tornou-se o ditador vitalcio e conseguiu o ttulo de
El Supremo, acarretando, segundo Paul Lewis, o incio de uma longa e dura tirania e
tambm um fatdico incio para o desenvolvimento poltico paraguaio (LEWIS apud Silva,
2007 p. 24). Francia intensificou a perseguio aos monarquistas logo aps chegar ao poder,
caando direitos, confiscando bens, expulsando os que iam contra os interesses do novo
governo paraguaio.
Com isso, anulava tambm foras de antigos aliados que poderiam oferecer algum
risco a sua hegemonia; entre eles, Pedro Juan Caballero e Fulgencio Yegros, importantes
nomes no processo de independncia. Os planos caminhavam para que no existisse qualquer
oposio.
3 Os Paraguaios chamam de Guerra Grande ou Guerra Guau
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A igreja teve as ordens expulsas do Paraguai e o estado apropriou-se dos seus bens.
Essa medida foi uma reao do Ditador Perptuo ordem do papa Leo XII, em 1824, de
que arcebispos e bispos na Amrica apoiassem os esforos de Fernando VII, rei da Espanha,
para restabelecer sua autoridade sobre as antigas colnias (DORATIOTO, 2002, p. 25).
Para garantir a eficincia de suas aes, Francia criou ferramentas para estabelecer as
linhas de defesa de seu governo. Para isso:
Imps rgidos parmetros comportamentais sociedade, numa espcie de estado-
caserna, no qual tudo era direcionado manuteno de um exrcito forte. Homens
entre 17 e 60 anos eram recrutados ao servio militar, ndios ou criollos, chegando o
exrcito a contar com 5.500 homens nas tropas regulares e mais de 25.000
reservistas, numa populao estimada de 375.000 almas (SILVA, 2007, p.26).
Identificamos aqui medidas que fortaleceram uma das instituies que foram
protagonistas na vida poltica paraguaia, o Exrcito. Entretanto, com uma especificidade,
tendo frente um homem que no necessariamente precisava ser um militar, como mostra o
caso de Francia, mas que governava com a ideia vertical - que existe uma hierarquia
inquestionvel - contida nesse setor (militar).
Para manter o status quo de seu governo, Francia manteve muito pouco contato com
os pases vizinhos. E conservava sob controle do Estado o pequeno comrcio paraguaio, que
mantinha uma tmida relao com a regio de Corrientes na Argentina e pela Vila de Itapa e
com o Brasil. Isso, temporariamente, colocou o Paraguai longe das contendas da regio.
Segundo Doratioto, o afastamento do Paraguai em relao s disputas platinas:
Implicou o estabelecimento de um tipo de economia no qual o Estado se tornou
regulador de todas as atividades e detentor do monoplio do comrcio de erva-mate,
da madeira e do tabaco, os produtos mais significativos da economia nacional. Ao
confiscar terras da elite tradicional, o poder econmico do Estado paraguaio
fortaleceu-se (DORATIOTO, 2002. p. 25).
Dessas terras, Francia organizou as Estncias da Ptria, que poderiam ser arrendadas
aos camponeses ou exploradas pelo prprio Estado. Preferiu arrend-las, para manter um
maior controle sobre os camponeses. Nas palavras de Guido Rodriguez Alcal:
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Ele (Francia) preferiu arrendar as terras fiscais para assegurar uma renda, em vez de
ter os arrendatrios submissos. Outra parte das terras fiscais foi destinada s
fazendas da ptria, operadas, na sua maioria, com mo-de-obra escrava. Com o monoplio da propriedade da terra, com o produzido pelas fazendas da ptria, com o controle do comrcio exterior e o estabelecimento dos armazns do Estado, Francia conseguiu cobrir os gastos da administrao e do Exrcito e, ao mesmo
tempo, governar sem a participao, nem o apoio popular (ALCAL, 2005, p. 46).
Ainda no perodo, o Paraguai sofria com a possibilidade de uma invaso por parte da
Confederao Argentina, originria de antigas disputas entre os pases. Teve como
desdobramento a tentativa de irrupo ocorrida em 1830 sob o comando de Juan Manuel
Rosas, com o intuito de se impor sobre as antigas provncias do vice-reino do Prata. O xito
em conter essa incurso contribuiu com o discurso de proteo ptria e fortaleceu ainda mais
o governo de Francia.
Nesse sentido, foi possvel estabelecer um sistema militarizado e centralizado. O
problema era que no dispunha de um sistema burocrtico racionalmente organizado e, nesse
sentido, era inferior ao da colnia, que contava com corpo de funcionrios eficientes (Alcal,
2005).
Era preciso fomentar as relaes comerciais para que o Paraguai pudesse novamente
oxigenar sua economia, o que s se daria com uma maior abertura ocorrida logo aps a morte
de Francia em 1840. Da herana deixada pelo Supremo, identificamos o aparecimento de um
corpo militar mais organizado como sendo, para ns, a mais importante.
O Paraguai dos Lpez
Com o fim da era Francista, duas juntas militares ostentaram seguidamente o poder,
mostrando que at certo ponto, o exrcito era a nica fora organizada do pas (ARCE,
1977, p.330). Depois disso, um triunvirato e, logo em seguida, uma assembleia composta por
pessoas da elite paraguaia, que nomeou dois cnsules; Mariano Roque Alonso, militar, e o
advogado Carlos Antonio Lpez.
Em 1844, Carlos Lpez eleito presidente do Paraguai; com ele, o pas estende sua
abertura comercial com os pases vizinhos e com a Europa. Dois anos antes, em 1842, o
Imprio do Brasil reconheceu a independncia do Paraguai. Essa nova conjuntura demandava
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uma modernizao da economia. Essa necessidade encontrava obstculos no governo de Juan
Manoel de Rosas, governante de Buenos Aires, que dificultava o escoamento da produo
paraguaia com medidas que limitavam a navegao pelo esturio do Prata. Alm disso, existia
uma disputa pelo Uruguai que foi rea de litgio entre Brasil e Argentina por muito tempo, e
isso tornava Rosas um governante muito mais cauteloso nas relaes estabelecidas com seus
vizinhos.
Era interessante para o Brasil neutralizar as foras de Rosas e a influncia que tinha no
Uruguai, governado nessa poca por Manuel Oribe, alinhado com o governo argentino; assim,
eram desfavorveis as pretenses brasileiras em relao navegao pelo Prata. Para
contornar essa situao, o Brasil deu apoio aos opositores de Rosas, culminando em sua
derrubada em 1952. As diversas contendas internas no Uruguai e na Argentina (relativa
adeso de Buenos Aires Confederao) permitiram que o Brasil expandisse sua rea de
influncia na regio.
O Paraguai, dentro desse contexto, tinha como preocupao maior as diversas
discusses sobre os limites e sobre a navegao no Prata. Em 1862, morre Carlos Antonio
Lopez. Doratioto descreve assim o ltimo anseio de Carlos ao seu sucessor, seu filho
Francisco Solano Lpez:
Momento antes de expirar alertou Solano Lpez tem muitas questes pendentes, mas no busque resolv-las pela espada, mas sim pela caneta, principalmente com o
Brasil. Carlos agiu para obter um lugar para o Paraguai no plano internacional, mas tinha conscincia da debilidade do seu pas, da o pragmatismo de sua poltica
externa, pautada nos limites possveis. O falecido presidente no era um aventureiro,
nem um teimoso, e como bom administrador tradicional, conhecia os limites do seu poder. Bem diferente seria a atuao de seu filho mais velho, ao ocupar a
presidncia paraguaia (DORATIOTO, 2002.p.41).
No governo de Francisco Solano Lpez, legatrio da famlia Lpez e General das
Foras Armadas paraguaias, tem incio a Guerra da Trplice Aliana, conflito envolvendo
Brasil, Argentina, Uruguai contra o Paraguai.
Osmar Daz de Arce coloca que o Paraguay mantena una economia propia, un estado
nacional independiente marco e instrumento a su vez de la nacionalidad que surgia bajo la
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accin enrgica del Doctor Francia (ARCE, 1977, p. 330)4. Oscar Creydt, concordando com
essa ideia, assim descreve a situao do Paraguai nesse perodo:
En el Paraguay se estaba operando un rpido proceso de desenvolvimiento nacional
independiente, sobre las bases echadas por la dictadura revolucionaria de Francia.
Por esta va economica nacional lleg a adquirir un nivel de productividad que
planteaba, con mayor intensidad que antes, la necesidad y la tarea de abrir nuevos
mercados externos, de vincular al pas dirctamente a Europa. Los progresos de la
navegacin a vapor suministraban nuevas posibilidades tcnicas para tal
vinculacin. Un importante centro comercial y portuario haba surgido en
Montevideo. Se abri la perspectiva de utilizar este como una base para las
comunicaciones de ultramar, con independencia de Buenos Aires (CREYDT,2007,
p. 101).5
Essa ideia, de que o Paraguai antes da guerra era um pas que caminhava para o
progresso com grandes chances de se modernizar e que tentava fugir da influncia capitalista,
criou a tese de que Brasil e Argentina, manipulados pela Inglaterra, queriam acabar com o
desenvolvimento do autnomo Paraguai.
Esses argumentos se popularizaram com os trabalhos de autores como o historiador
argentino Len Pomer e, no Brasil, Jlio Jos Chiavenato (os dois escreveram na dcada de
1960). Ambos tentaram se contrapor imagem construda por uma historiografia tradicional
que colocava Solano Lopez como um chefe sanguinrio e pssimo estrategista, e que, com
suas decises, ocasionou a morte de milhares de cidados paraguaios em uma guerra que foi
causada pelos interesses de um s homem.
Segundo Francisco Doratioto:
Na verdade, tanto a historiografia conservadora como o revionismo simplificaram as
causas e o desenrolar da Guerra do Paraguai, ao ignorar documentos e anestesiar o
4 O Paraguai mantinha uma prpria economia, uma estrutura de Estado nacional independente marco e
instrumento por sua vez da nacionalidade que surgia sob a ao enrgica do Doutor Francia (ARCE, 1977, p. 330). (traduo do autor) 5 No Paraguai estava ocorrendo um rpido processo de desenvolvimento nacional independente, com base
lanada pela ditadura revolucionria da Francia. Por esta via, a economia nacional adquiriu um nvel superior de
produtividade. A intensidade do plantio era maior que antes, o que gerou a necessidade e a tarefa de abertura de
novos mercados externos, que ligasse o pas diretamente a Europa. Os progressos da navegao a vapor
fornecido pelas novas possibilidades tcnicas tornava isso possvel. Um centro comercial importante e porturio
havia surgido em Montevidu. Abriu-se a perspectiva de usar isto como uma base para a comunicao no
exterior, independentemente de Buenos Aires (Creydt, 2007, p. 101) (traduo do autor).
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senso crtico. Ambos substituram a metodologia do trabalho histrico pelo
emocionalismo fcil e pela denncia indignada (DORATIOTO, 2002, p.20).
A forma de representar o Paraguai dentro desse conflito ocorrido no sculo XIX
insere-se na situao poltica vivida na Amrica do Sul, no perodo em que os chamados
revisionistas escreveram. Durante o perodo das ditaduras militares do Cone Sul, alguns
personagens, inclusive Solano Lopez, ganharam um status de heri. No Paraguai, a figura de
Solano foi enaltecida pelo governo de Alfredo Stroessner (1954-1989), que reforou a ideia
revisionista.
Os interesses do Paraguai tambm existiam. Havia a necessidade de escoar seus
produtos e participar do jogo comercial e poltico do Prata. Embasamo-nos em Luiz Alberto
Moniz Bandeira:
Os interesses comerciais, sediados no porto de Montevidu, e as dificuldades
econmicas no Paraguai [...] que precisava de sada para o mar e obter recursos a
fim de manter seu desenvolvimento, convergiram no sentido de formar um s
estado, ao qual as provncias argentinas de Entre Rios e Corrientes tambm se
juntariam. Esse projeto, porm, no s se contraps aos esforos da burguesia
mercantil de Buenos Aires, lutando ainda para unificar e integrar o territrio da
Confederao Argentina, como colidiu com as polticas do Imprio do Brasil na
bacia do Prata. E abortou. O Brasil interveio manu militari no Uruguai, onde apoiou
a instalao de um governo favorvel aos seus desgnios. O Paraguai, em represlia,
invadiu-lhe o territrio, na provncia de Mato Grosso, bem como o da Argentina, a
fim de avanar sobre o Rio Grande do Sul (BANDEIRA, 2002, p.46).
Percebemos que muitas foram as causas da Guerra da Trplice Aliana: os
desentendimentos sobre questes fronteirias entre os pases envolvidos, a liberdade de
navegao dos rios platinos, o interesse de expandir reas de influncia (em especial Brasil e
Argentina), o anseio paraguaio em escoar sua produo. Essa gama de interesses culminou em
um conflito que marcou a histria e deixou um saldo negativo para o Paraguai. Sobre o
desfecho da guerra, uma das melhores snteses feita por Tlio Halpern Donghi:
O Paraguai tornou-se um pas desmembrado e devastado; as conseqncias de sua
derrota foram limitadas pelas divises que surgiram entre os vencedores. A
Argentina protegia no Paraguai os que haviam regressado do exlio; o Brasil, na
condio de obter os territrios contestados, deu seu aval a um governo dominado
pelos generais de Lopez, incitando-o a resistir s reivindicaes territoriais
argentinas. Afirmou-se assim o predomnio brasileiro, enquanto os novos
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governantes organizavam a liquidao das terras pblicas; a reconstruo do
Paraguai, muito lenta, tem lugar sob a gide da grande propriedade; o pas
continuar mantendo seus traos econmicos, sobretudo com a Argentina, que
absorve a maior parte de suas exportaes e de cujo sistema de navegao fluvial
depende para a comunicao ultramar (DONGHI, 1975, p. 146).
Vemos aqui um Paraguai com dificuldades em influenciar politicamente nas decises
tomadas por seus vizinhos maiores; Brasil e Argentina.
Falamos dos interesses dos pases vizinhos, mas importante destacar que existiu o
interesse do capital estrangeiro nas relaes econmicas dos pases sul-americanos (a exemplo
da Inglaterra e, posteriormente, dos Estados Unidos).
Citando novamente Omar Diaz de Arce com relao ao capital estrangeiro:
[...] El pas se abri al capital extranjero, sobre todo ingls, primero por la va de
emprstitos, depus outorgndole concesiones territoriales e ferrocarrileras.
Destruida gran parte de la produccin agrcola y renacido el latifundio en gran
escala, sobre todo a partir de 1885, cuando el rgimen conservador legaliz las
ventas masivas de los benes nacionales para cubrir las deudas del fisco, el sector
fundamental de la economa paraguaya pas a ser el de las estancias y plantaciones
orientadas a la exportacin. A ello se agreg a finales de siglo la extraccin del
tanino de quebracho y el aprovechamento de los bosques de maderas duras por
empresas extranjeras. Hasta la yerba mate, el cultivo tradicional, qued bajo el
control de firmas inglesas, brasileas y argentinas (ARCE, 1977, p. 332).6
Com o avano das relaes capitalistas, faz-se mister o interesse das potncias
estrangeiras em adotar uma dinmica de auxlio para seus aliados e, assim, garantir seus
interesses no restante do mundo. O caso da Guerra da Trplice Aliana mostra como o
desenvolvimento internacional do capital mudou profundamente a dinmica nas relaes
poltico-econmicas e culturais da regio platina.
6O pas abriu ao capital estrangeiro, especialmente ingls. Primeiro, por meio de emprstimos, dentro de quatro
meses, outorgando-lhe concesses territoriais e da estrada de ferro. Destruiu grande parte da produo agrcola e
assim renasceu o latifndio em grande escala. Especialmente depois de 1885, quando o regime conservador
legalizou a venda macia de bens nacionais para cobrir as dvidas do Tesouro. O setor-chave fundamental da
economia paraguaia passou a ser as estncias e plantaes voltadas para a exportao. A isto se soma, no final do
sculo, a extrao de tanino de quebracho e aproveitamento de florestas de madeira por empresas estrangeiras.
At a erva mate, de cultivo tradicional, passou a ser controlada por empresas estrangeiras, brasileiras e argentinas
(ARCE, 1977, p. 332).
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Antes mesmo da morte de Solano Lpez em Cerro Cor em 1870, Brasil e Argentina
j se articulavam para garantir um governo paraguaio mais favorvel aos seus interesses. A
historiadora Ceres Moraes escreve sobre a data de 22 de junho de 1869:
Com a presena do diplomata Paranhos, representante do Imprio do Brasil, e do Dr.
Jos Roque Prez, representante do governo argentino, reuniu-se em Assuno uma
assemblia que elegeu um triunvirato para governar o pas. Esse triunvirato era
formado por Cirilo Antnio Rivarola, Jos Diaz de Bedoya e Carlos Loizaga. Um
ano depois, em 13 de agosto de 1870, Rivarola e Loizaga renunciaram, sendo ento,
no mesmo dia eleito Facundo Machain, presidente provisrio. No dia 14 de agosto,
apenas um dia depois da escolha de Machain, Rivarola e Cndido Barreiro apoiados
pelas tropas brasileiras, deram um golpe e Rivarola assumiu a presidncia
(MORAES, 2000, p. 15).
A instabilidade poltica da sociedade paraguaia abre espao para a interveno do
Brasil e da Argentina:
Entre 1870 e 1876 una fuerza de ocupacin brasilea en Paraguay, representaba el
orden trado por los aliados. Como la contienda se llev a cabo bajo las banderas del
liberalismo mitrista y la mayora de los repatriados estaban refugiados en Argentina,
los primeros gobiernos fueron presididos por legionarios liberales, aunque la vicepresidencia se reservaba a alguno de los antiguos colaboradores de Solano
Lpez que haba preferido colocarse bajo la preotecin brasilen (ARCE, 1977, p.
333).7
H que se levar em considerao que a Argentina detinha um nmero significativo de
exilados paraguaios nesse perodo, na sua maioria, antigos opositores de Solano Lpez. Para a
Argentina, era interessante que esses exilados voltassem ao Paraguai, assim teriam aliados
importantes nesse momento. Em contrapartida, o Brasil instigava outra parcela que disputava
o poder a se contrapor s ideias argentinas. Para isso, conservou antigos aliados de Solano, a
fim de poder influenciar no processo de reestruturao do estado paraguaio.
7 Entre 1970 e 1876, uma fora de ocupao brasileira no Paraguai representava a ordem trazida pelos aliados. Como a contenda foi realizada sob as bandeiras do liberalismo mitrista e as maiorias dos repatriados estavam
refugiados na Argentina, os primeiros governos foram presididos por legionrios liberais, ainda que a vice presidncia se reservasse a alguns dos antigos colaboradores de Solano Lpez, que havia preferido colocar-se
sob a proteo brasileira (ARCE, 1977, p.333) (traduo do autor).
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Findado o perodo de Francia e dos Lpez, o Paraguai encontrava-se totalmente em
migalhas. As oligarquias locais agora procuravam sobreviver e estabelecer um novo cenrio
poltico. Para tanto, era essencial que tivessem o apoio de pases vizinhos mais fortes; no
caso: Brasil e Argentina.
Como herana de Francia e dos Lpez, chamamos a ateno para o fortalecimento dos
militares. Isso com constitutivas do que Alain Rouqui designou como um militarismo sem
militares. Nesse modelo, os chefes no conhecem a existncia de um exrcito regular, com
uma formao militar especfica; e, ainda, como singularidade, observa-se a participao de
civis sua frente, que adquirem alguma experincia militar nas rebelies que eles mesmos
promovem (o caso de Francia e Carlos Lpez) ou como participe de um incipiente exrcito
que tenta estabelecer o embrio de um militarismo (como Francisco Solano Lpez)
(ROUQUI, 1984, p. 76-77).
A interveno dos militares paraguaios comea a ser fator corriqueiro no panorama
poltico, o que um fator dissonante ao seu papel. Segundo Jacques Lambert, diferente do
mundo europeu, em que o exrcito tem a funo de defesa nacional contra o estrangeiro, na
Amrica Latina:
As funes que os exrcitos so o mais das vezes chamados a executar no so
funes de defesa nacional contra o estrangeiro. Apesar de ter conhecido no sculo
XIX verdadeiras guerras internacionais, - em 1847, a dos Estados Unidos contra o
Mxico; de 1864 a 1870, a Trplice Aliana entre o Brasil, Repblica Argentina e
Uruguai contra Solano Lpez, o ditador do Paraguai, e de 1869 a 1883, a do Pacfico
entre o Chile, Peru e Bolvia -, a Amrica Latina viveu, a este respeito, muito menos
perigosamente que a Europa. A partir dos anos 1880, no houve, na Amrica Latina,
seno uma nica e verdadeira guerra, a que de 1932 a 1935 ops a Bolvia e o
Paraguai (LAMBERT, 1979, p. 74).
A citao acima valiosa, pois, apesar de entendermos que o exrcito tinha muito
mais um carter de polcia militar que resguardava a segurana do chefe de estado, o Paraguai
teve experincias de guerras contra seus vizinhos, contra o estrangeiro. Uma identidade
nacional Paraguaia comea a ser construda, em especial, a partir desse momento histrico da
Guerra da Trplice Aliana e, no sculo XX, com a Guerra do Chaco. Um nacionalismo em
que as figuras de Francia e dos Lpez aparecem como sendo as de grandes heris. Uma
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construo que aponta esses personagens como os defensores da ptria se cristaliza no
imaginrio paraguaio.
Considerao finais
Olhando para trs, no corredor do tempo, podemos identificar que alm dos elementos
externos, como, por exemplo, o interesse do Brasil e da Argentina em expandir suas
influncias polticas sobre seus vizinhos menores, o Paraguai esteve no centro desse jogo
pendular. Para se articular dentro dessa conjuntura, o Paraguai baseou-se em uma cultura
poltica instaurada em um processo histrico que, desde a reorganizao do Estado paraguaio
ps Guerra da Trplice Aliana, fez com que o Paraguai tivesse frente de sua administrao
governantes com vocao para ditadores.
As primeiras ditaduras constituram no Paraguai um modo especfico de fazer poltica
que o difere do restante dos outros pases do Cone Sul. Suas condutas defensivas e ofensivas
em relao aos seus vizinhos Brasil e Argentina que comearam com Jos Gaspar
Rodrigues de Francia, o Supremo, que, posteriormente, deixou de herana ao governo de
Carlos Antonio Lopez e que teve seu desfecho no governo de Francisco Solano Lopez
deixaram tambm como legado uma cultura poltica que tinha como base um Estado
militarizado e que tinha frente desse setor um homem forte, um ditador.
No processo de reorganizao poltica paraguaia, que se deu logo aps o trmino da
Guerra da Trplice Aliana, a sociedade paraguaia se viu imersa em conflitos, causados pelos
interesses de grupos que detinham o poder local. Com isso, era possvel que outros
candidatos a ditadores surgissem nesse contexto.
O palco poltico desse pas se desenhou de forma catica, fruto de um cenrio de
instabilidades, e que, por muitas vezes, deixou margem para a ascenso de ditaduras. A
condio para o estabelecimento dessa cultura remonta ao processo de reorganizao poltica
paraguaia aps a Guerra da Trplice Aliana (1864-1870), deste conflito sobrou a essa nao
uma herana bastante amarga. O pas no conseguiu, depois desse perodo, dar um carter
democrtico a suas instituies representativas, o que permitiu o estabelecimento de regimes
longos baseados na fora. Um ciclo constante de golpes, sublevaes em um circuito de
constante desordem poltica.
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