VANESSA CARDOSO PACHECO
AS INFLUÊNCIAS DA RAÇA/COR NOS DESFECHOS OBSTÉTRICOS E
NEONATAIS DESFAVORÁVEIS
JOINVILLE
2017
VANESSA CARDOSO PACHECO
AS INFLUÊNCIAS DA RAÇA/COR NOS DESFECHOS OBSTÉTRICOS E
NEONATAIS DESFAVORÁVEIS.
JOINVILLE 2017
Dissertação de mestrado
apresentado como requisito para
obtenção do título de Mestre em
Saúde e Meio Ambiente, na
Universidade da Região de Joinville.
Orientador: Prof. Dr. Jean Carl Silva.
Catalogação na publicação pela Biblioteca Universitária da Univille
Pacheco, Vanessa Cardoso
P116i As influências da raça/cor nos desfechos obstétricos e neonatais desfavoráveis/ Vanessa Cardoso Pacheco; orientador Dr. Jean Carl da Silva. – Joinville: UNIVILLE, 2017.
52 f. : il. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Saúde e Meio Ambiente – Universidade da Região de Joinville)
Gravidez. 2. Recém-nascidos. 3. Grupos étnicos. 4. Saúde Pública. 5. Igualdade – Aspectos da Saúde. I. Silva, Jean Carl da (orient.). II. Título.
CDD 612.63
“De todas as formas de desigualdade, a injustiça nos cuidados de saúde é a mais chocante e desumana”.
Martin Luther King Jr
RESUMO
Este estudo teve como objetivo avaliar as influências da raça/cor nos desfechos obstétricos e neonatais desfavoráveis. Trata-se de um estudo transversal de abordagem quantitativa, com gestantes maiores de 18 anos em uma maternidade pública de referencia no município de Joinville-SC, no período de outubro de 2014 a setembro de 2015. Foram avaliadas as características socioeconômicas, demográficas e de saúde das gestantes segundo raça/cor e construídos modelos de regressão logística para cálculo de razão de chance e examinar o risco materno e neonatal nos desfechos desfavoráveis avaliados, com ajuste do efeito das variáveis de confusão. Intervalos de confiança de 95% foram estabelecidos, com valores significativos quando p<0,05. Entre as 5289 participantes, as gestantes negras prevaleceram com significância estatística entre aquelas com baixa escolaridade, hipertensão prévia, 3 ou mais filhos vivos e com ocupação. Quanto aos desfechos obstétricos e neonatais desfavoráveis diabetes gestacional: (OR=1.06, IC95% 0.70-1.60), hipertensão gestacional: (OR =1.18, IC95% 0.72-1.94), parto cesárea: (OR=1.10, IC95% 0.87-1.37), prematuridade: (OR=1.29, IC95% 0.83-2.01), baixo peso ao nascer: (OR=0.72, IC95% 0.38-1.37), macrossomia: (OR=0.96, IC95% 0.64-1.44), apgar <7 no 5º minuto: (OR=0.71, IC95% 0.36-1.38), malformação: (OR=1.98, IC95% 0.50-7.81), as gestantes negras não apresentaram maior razão de chance. Após adequação aos fatores de confusão não foi encontrado influências nos desfechos estudados. A raça/cor não se comporta como um marcador genético ou biológico, mas um construto social, que pode influenciar os indicadores agindo como determinante social das condições de saúde.
Palavra-chave: Desigualdades em saúde, equidade em saúde, grupo étnico, resultado da gravidez, recém-nascido.
ABSTRACT
The goal of this studying is to avaliate the influences of race/color on unfavorable obstetric and neonatal outcomes. It is a transverse studying of quantitative approach, with pregnant women over eighteen in a public maternity hospital in Joiville Couty, Santa Catarina State, from October 2014 to September 2015. It was evaluated the socioeconomic, demographic and pregnant women health characteristics according to race/color and it was bulit models of logistics regression in order to calculate the reason chance and check the maternal and neonatal risks on the evaluated unfavorable outcomes, with the effect adjustment of the confusion variables. 95% assurance breaks were established,with significant values where p<0,05. Among the 5289 participants, the black pregnant women prevailed with statistic meaning among those ones with low educational level, previous hypertension, three or more living children and with an occupation. To the gestational diabetes unfavorable obstetric and neonatal outcomes: (OR= 1.06, IC95% 0,70-1.60), gestational hypertension: (OR= 1.18, IC95% 0.72-1.94), cesarian child-birth: (OR = 1.10, IC95% 0.87-1.37),prematurity: (OR= 1.29,IC95% 0.83-2.01), low weight at birth: (OR = 0,72, IC95% 0.38-1.37), macrosomia: (OR= 0.96, IC95% 0.64-1.44),apgar <7 in the fifth minute: (OR= 0.71, IC95% 0.36-1.38), malformation: (OR= 1.98, IC95% 0.50-7.81), the black pregnant women didn´t have great reason chance.After adjustment for confounding factors, no influences were found on the outcomes studied. The race/color isn´t a genetic or biological marker, but it is a social construct, which can induce the indicators like social determinant of the health conditions. Key word: health differences, health equity, ethnic group, pregnancy result,
newborn.
Lista de Ilustrações
Figura 1- Diagrama de Fluxo.....................................................................................15
Gráfico 1- Características do entorno dos domicílios em Joinville, segundo raça/cor,
2010...........................................................................................................................35
Gráfico 2- Distribuição salarial da população de Joinville-SC, segundo raça/cor,
2010............................................................................................................................37
Gráfico 3- Média salarial por gênero e raça/cor, Joinville- SC, 2010.........................38
Lista de Quadros
Quadro 1- Artigos encontrados nas bases pesquisadas............................................16
Lista de Tabelas
Tabela 1. Características sociodemográficas das gestantes, de acordo com a raça/cor. Joinville, Santa Catarina, Brasil, 2014-2015................................................30 Tabela 2. Características demográfica das gestantes, de acordo com a raça/cor. Joinville, Santa Catarina, Brasil, 2014-2015...............................................................31 Tabela 3. Análise univariada dos desfechos gestacionais e perinatais, de acordo com a raça/cor. Joinville, Santa Catarina, Brasil, 2014-2015.....................................32 Tabela 4. Análise multivariada dos desfechos obstétricos e neonatais, de acordo com a raça/cor. Joinville, Santa Catarina, Brasil, 2014-2015.....................................33
Lista de Abreviações
CNS.................................................................................Conselho Nacional de Saúde IBGE .......................................................Instituto Brasileira de Geografia e Estatística IC................................................................................................Intervalo de Confiança OR................................................................................................................Odds Ratio SIDRA........................................................Sistema IBGE de Recuperação Automática SINASC..................................................Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos SPSS............................................................Statistic Package for the Social Sciences TCLE......................................................Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UNIVILLE..............................................................Universidade da Região de Joinville
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 11
2. OBJETIVOS ........................................................................................................ 13
2.1 OBJETIVO GERAL ............................................................................................. 13
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS: .............................................................................. 13
3. REVISÃO ............................................................................................................ 14
3.1 RAÇA/COR E SAÚDE ......................................................................................... 18
3.2 DESFECHOS GESTACIONAIS E RAÇA/COR ................................................... 20
3.3 DESFECHOS NEONATAIS E RAÇA/COR ......................................................... 22
4. METODOLOGIA ................................................................................................. 24
4.1 DELINEAMENTO DO ESTUDO .......................................................................... 24
4.2 QUESTOES ÉTICAS........................................................................................... 24
4.3 LOCAL................................................................................................................. 24
4.4 POPULAÇÃO ...................................................................................................... 24
4.5 FONTE E COLETA DE DADOS .......................................................................... 25
4.6 PROCESSAMENTO E ANÁLISE DE DADOS .................................................... 25
4.7 APRESENTAÇÃO E DIVULGAÇÃO DOS RESULTADOS ................................. 28
5. RESULTADOS .................................................................................................... 29
6. DISCUSSÃO ....................................................................................................... 34
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 42
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 43
ANEXOS ................................................................................................................... 48
ANEXO A- CONFIRAMAÇÃO DE SUBMISSÃO DE ARTIGO .................................. 49
ANEXO B- PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA ........................................................ 50
ANEXO C- TERMO DE EXEQUIBILIDADE .............................................................. 51
ANEXO D- COMPROVANTE DE SUBMISSÃO DE ARTIGO ................................... 52
11
1. INTRODUÇÃO
Para avaliar as iniquidades em saúde no Brasil, é necessário resgatar as
diferenças históricas que determinaram as diferentes formas de viver, adoecer e
morrer no país. As condições de vida da população negra brasileira impactam
diretamente na sua saúde, e o racismo institucional, entendido como a incapacidade
dos serviços de lidar com as diferenças étnicas, estimula a violação dos direitos
humanos, em especial, para as mulheres negras, que sofrem com o sexismo e o
racismo (BRASIL, 2011).
A utilização de categorias raciais para avaliação das iniquidades em saúde
deve considerar esta construção social das diferenças biológicas, e não somente as
diferenças genéticas ou geográficas (MOUBARAC, 2013).
Os estudos das categorias de classificação por raça/cor iniciaram no Brasil
em 1976, com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, e se intensificaram
principalmente nos anos 2000, após acordos firmados na III Conferência Mundial de
Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata,
realizada em Durban, na África do Sul (PETRUCCELLI; SABOIA, 2013).
A Política de Atenção Integral à Saúde da População Negra é resultado das
contínuas e intensas ações do movimento negro junto ao Ministério da Saúde, que
permitiram avanços no que se refere à utilização do quesito raça/cor nos sistemas
de informação em saúde, e a ampliação da percepção da influencia da raça/cor,
para além dos riscos físicos, biológicos ou geneticamente determinados, envolvendo
as situações de saúde agravadas pelas condições de vida da população negra no
Brasil e pela dificuldade de acesso e/ou assistência à saúde adequada. (BRASIL,
2013a).
A raça/cor e etnia têm sido utilizadas em estudos para medir diferenças
sociais, tratamentos e desfechos em saúde. Já foram constatadas diferenças no
acesso, atendimento e nos desfechos das condições de saúde devido à raça/cor no
Brasil, nos Estados Unidos e no Reino Unido (ARAÚJO et al., 2009); (ZHANG et al.,
2013); (KHALIL et al., 2013).
O termo raça/cor diz respeito a características fenotípicas, em especial a cor
da pele, já a etnia enfatiza as características socioculturais. No Brasil a classificação
12
oficial de identificação racial utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), é baseada na cor da pele e contempla cinco categorias; branca,
preta, parda, amarela e indígena (KABAD; BASTOS; SANTOS, 2012).
A morbimortalidade materna da mulher negra pode estar relacionada à
predisposição biológica das negras para doenças como hipertensão arterial e
diabetes mellitus, mas também aos fatores relacionados à dificuldade de acesso, à
baixa qualidade do atendimento (por razões sociais ou de discriminação) e à falta de
ações ou de capacitação dos profissionais de saúde voltadas para os riscos
específicos, aos quais as mulheres negras estão expostas (BRASIL, 2010).
Assim, é preciso que estudos que abordem a questão racial na área da saúde
no Brasil sejam intensificados, para oferecer subsídios aos profissionais, gestores e
à população em geral para que a assistência à saúde seja mais equânime. O
cuidado pode desempenhar um papel importante para atenuar as disparidades em
saúde, portanto esforços para melhoria da qualidade, e diretrizes claras para
prestação de cuidados de pré-natal, parto e pós-parto livre de preconceitos,
ampliarão o acesso e a qualidade dos cuidados obstétricos para todas as mulheres
(BRYANT et al., 2010).
Os envolvidos no processo de produção de saúde sejam eles trabalhadores,
gestores ou usuários, devem se apropriar das diferenças encontradas nos
indicadores construídos com recorte racial, para que possam adequar os cuidados
em saúde e produzir saúde de forma equânime. Partindo deste cenário, este estudo
se propôs avaliar a seguinte hipótese: A raça/cor influencia nos desfechos
obstétricos e neonatais desfavoráveis.
13
2. OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
Avaliar as influências da raça/cor nos desfechos obstétricos e neonatais
desfavoráveis em uma maternidade pública.
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
Descrever as características sociodemográfica das gestantes segundo a
raça/cor;
Comparar a raça/cor com os desfechos obstétricos desfavoráveis;
Comparar a raça/cor com os desfechos neonatais desfavoráveis.
14
3. REVISÃO
Conforme as normas do Programa de Pós Graduação em Saúde e Meio
Ambiente da UNIVILLE, este capítulo está apresentado no formato de artigo
científico, o qual já foi submetido para publicação no periódico “Ciência e Saúde
Coletiva”. A confirmação da submissão encontra-se no Anexo A.
Para delineamento da revisão de literatura, foi realizada uma busca nas bases
de dados MEDLINE, Embase, Biblioteca Cochrane e LILACS para identificar as
publicações entre 2005 e 2015 que abordassem a influencia da raça/cor materna
nos desfechos obstétricos e neonatais desfavoráveis, utilizando as descritores ethnic
groups, pregnancy, newborns, delivery, e os boleanos “and” e “or” para maior
aproximação com o tema.
Os critérios de inclusão para os artigos foram:
A) População
Gestantes com 18 anos ou mais
B) Critérios de exclusão
Artigos publicados em idiomas que não inglês, português ou
espanhol;
Artigos que abordam as influências da raça/cor em desfechos não
obstétricos ou neonatais;
Artigos duplicados;
Artigos com gestantes em condições específicas (DM, obesas)
C) Desfechos avaliados
Desfechos obstétricos;
Desfechos neonatais
A partir da seleção inicial das bases de dados escolhidas, obteve-se 2370
artigos. Posteriormente foram avaliados considerando; trabalhos repetidos, leitura
15
dos descritores, leitura dos títulos, leitura dos resumos e análise metodológica,
conforme exposto na figura abaixo.
Figura 1 – Diagrama de Fluxo
Fonte: Prisma 2009 Flow Diagram adaptado
Todos os estudos encontrados foram de coorte retrospectivo realizados nos
Estados Unidos ou no Reino Unido. As categorias raciais utilizadas consideraram
diferenças fenotípicas e/ou localização geográfica, e em todos os estudos esta
variável foi heterodeclarada, conforme apresentado no quadro 1.
16
Quadro 1- Artigos encontrados nas bases de dados pesquisadas entre 2005 e 2015.
Título Autores Ano n Publico alvo Objetivo Tipo de estudo Resultados Periódico
1 Adverse perinatal
outcomes among
Interracial Couples in
the United States
GETAHUN, D.;
ANANTH, C. V.
2005 21.005.786 Gestantes Analisar
desfechos
neonatais por
raça dos pais
nos estados
unidos
Estudo de
coorte
retrospectivo
1995- 2001
Mães negras
maior risco.
Natimorto.
Pequeno.
mortalidade
Obstetrics and
Gynecology,
american
colege of
2 Paradoxical trends
and racial differences
in obstetric quality and
neonatal and maternal
mortality
HOWELL, E. A.
et al.
2013 74.452.979 Gestantes e
neonatos
Avaliar a
tendência por
raça dos
indicadores de
cuidados
obstétricos
Estudo de
coorte
retrospectivo
US
De 2000 -2009
Melhorias nos
indicadores de
qualidade não
refletem por raça.
Mortalidade
neonatal e
internação
materna maior
negras
Obstetrics and
gynecology
3 Maternal racial origin
and adverse
pregnancy outcome: a
cohort study
KHALIL, A. et al. 2013 76.158 Gestantes Avaliar
associação da
raça e
desfechos
obstétricos
Estudo
retrospectivo
UK 2012
Pré-eclampsia,
hipertensão,
diabetes,pequeno
idade gestacional
Ultrasound in
obstetrics &
gynecology
17
4 . Racial differences in
prenatal care of
mothers delivering
very low birth weight
infants.
PAUL, D. A. et
al.
2006 1.234 Crianças
baixo peso
Determinar se
há diferenças
raciais no
cuidado pré-
natal de
crianças de
baixo peso
Estudo de
coorte
retrospectivo
1993-2002
Brancas mais
propensas a
receber
esteroides pré-
natal, tocoliticos e
cesárea.
. Journal of
perinatology
5 The mortality risk of
expectant
management
compared with
delivery stratified by
gestational age and
race and ethnicity.
ROSENSTEIN,
M. G. et al.
2014 3.759.300 Gestantes Avaliar o risco
de mortalidade
infantil por
raça
Estudo de
coorte
retrospectivo
na Califórnia
1997-2006
Natimorto, e
morte infantil
mais risco entre
as negras e
reduz com mais
de 39 semanas.
. American
journal of
obstetrics and
gynecology
6 . Racial disparities in
economic and clinical
outcomes of
pregnancy among
Medicaid recipients.
ZHANG, S. et al. 2013 1.472.912 Gestantes Analisar as
disparidades
étnicas dos
desfechos
obstétricos e
os custos
médicos
Estudo de
coorte
retrospectivo
em 14 estados
americanos
2006-2007
Preeclampsia,
pretermo,
pequeno para IG,
natimorto
Maternal and
child health
journal
18
Considerando os artigos encontrados foi possível dividir os resultados em 3
grupos; raça/cor e saúde, desfechos gestacionais e raça/cor e desfechos neonatais
e raça/cor.
3.1 RAÇA/COR E SAÚDE
As disparidades raciais e étnicas na saúde ainda persistem, apesar dos
progressos consideráveis nos serviços de saúde e avanços na qualidade do
atendimento ao usuário. Muitos fatores contribuem para estas disparidades e agem
de formas complexas. Portanto, estratégias para redução das iniquidades em saúde,
precisam ser constantemente discutidas. Essas estratégias buscam não só reduzir
as disparidades de saúde, mas também melhorar a eficiência e a equidade dos
cuidados de todos os usuários. Ainda hoje, o diagnóstico, decisões de tratamento,
bem como os sentimentos sobre os usuários, são influenciados pela raça/cor ou
etnia e estereótipos associados a eles (INSTITUTE OF MEDICINE, 2002).
Joinville possui uma população de 515.228 habitantes, 70.989 (13,7%) são
negros, e entre eles 35.000 são mulheres negras. A influencia da raça/cor na saúde
pode ocorrer segundo o Ministério da Saúde de 4 formas, por agravos
geneticamente determinados, adquiridos ou derivados de condições
socioeconômicas desfavoráveis, de evolução agravada ou de tratamento dificultado
e condições fisiológicas alteradas por condições socioeconômicas (BRASIL, 2013a).
Entre os geneticamente determinados, a anemia falciforme, deficiência de
glicose 6 fosfato desidrogenase, e ainda com elevada frequência de genes
responsáveis ou associados à hipertensão arterial e diabetes mellitus. Já, entre os
derivados de condições desfavoráveis de vida da população negra, é possível
elencar a desnutrição, mortes violentas, mortalidade infantil elevada, abortos
sépticos, anemia ferropriva, infecções sexualmente transmissíveis, doenças do
trabalho, transtornos mentais resultantes da exposição ao racismo e ainda
transtornos derivados do abuso de substâncias psicoativas, como o alcoolismo e a
toxicomania (BRASIL, 2013a).
Com evolução agravada ou com tratamento dificultado, novamente em
destaque estão a hipertensão arterial, diabetes mellitus, coronariopatias,
insuficiência renal crônica, câncer e mioma. Quanto às condições fisiológicas
19
alteradas por condições socioeconômicas ou de acesso ao serviço de saúde, e de
maior relevância neste estudo estão o crescimento, gravidez, parto e
envelhecimento (BRASIL, 2013a).
As condições de vida e saúde prévias a gravidez interferem na forma como a
gravidez se desenvolve e em seus desfechos, assim como, as complicações neste
período tornam as mulheres mais propensas a doenças cardiovasculares na vida
adulta, como hipertensão arterial, doença isquêmica cardíaca e acidente vascular
cerebral futuro.
A hipertensão arterial acomete uma em cada quatro pessoas adultas. Assim,
estima-se que atinja em torno de 25 % da população brasileira nesta faixa etária. É
responsável por 40% dos infartos, 80% dos acidentes vasculares e 25% dos casos
de insuficiência renal terminal (BRASIL, 2013b).
A prevalência da hipertensão arterial na população negra é mais elevada,
bem como é maior sua gravidade, particularmente quanto à incidência de
hipertensão arterial maligna, acidente vascular encefálico e insuficiência renal
crônica. Esse comportamento pode estar relacionado a fatores étnicos e/ou
socioeconômicos (BRASIL, 2013b).
Dados norte-americanos mostram que há maior prevalência de obesidade do
tipo troncular em negros, e caracteriza esta população como de maior risco para o
desenvolvimento de diabetes mellitus e doenças cardiovasculares (BRASIL, 2001).
A Sociedade Brasileira de Cardiologia, em estudo que avaliou a relação da
raça/cor com a síndrome metabólica (hipertensão arterial, alterações lipídicas e
glicídicas) identificou maior prevalência em mulheres negras, associada à obesidade
central (BARBOSA et al., 2010).
O diabetes mellitus e a hipertensão arterial são a primeira causa de
mortalidade e de hospitalização no Sistema Único de Saúde e representam mais da
metade dos diagnósticos primários das pessoas com insuficiência renal crônica
submetidos à diálise (BRASIL, 2013c).
Nos países em desenvolvimento, a hipertensão arterial gestacional é a
principal causa de mortalidade materna, sendo responsável por um grande número
de internações em centros de tratamento intensivo (BRASIL, 2013b).
20
3.2 DESFECHOS GESTACIONAIS E RAÇA/COR
A origem racial materna e os resultados adversos na gravidez são utilizados
em diversos estudos internacionais. No Reino Unido, um estudo com 76.158
gestantes, encontrou o risco de morte fetal duas vezes maior em gestantes negras
em comparação as brancas, além de taxas significativamente maiores em todos os
resultados adversos (baixo peso, pré-eclampsia, pré-termo, doença hipertensiva
especifica da gravidez e diabetes mellitus gestacional), exceto cesárea eletiva.
As complicações na gestação e nos desfechos perinatais têm afetado de 13 a
20% das mulheres nos Estados Unidos todos os anos, entre eles estão pré-
eclampsia, diabetes mellitus, morte materna e consequências em longo prazo como
diabetes mellitus tipo dois, doenças hipertensiva e cardiovascular (ZHANG et al.,
2013).
Quando estudam-se as disparidades em saúde é necessário ampliar olhar
para os fatores modificáveis. Em um estudo realizado na Califórnia, foi elencado o
acesso ao cuidado pré-natal, ultrassonografia, fatores sociais, econômicos,
comportamentos de saúde e em menor escala os biológicos (ROSENSTEIN et al.,
2014).
Nos Estados Unidos, o Centro Nacional de Saúde e as estatísticas de
mortalidade perinatal e nascimento avaliaram 5.138.122 gestantes e encontraram
um risco duas vezes maior de morte fetal entre as mulheres negras do que entre as
brancas, com redução à medida que a idade gestacional aumenta. A maior
escolaridade também esteve associada da redução do risco de morte fetal, no
entanto reduz mais para as gestantes brancas do que para as negras. As
complicações de parto também foram 10% maior entre as mulheres negra
(WILLINGER; KO; REDDY, 2009).
A etnia da mãe afetou as complicações obstétricas em estudo realizado em
Londres com 75.400 mulheres, entre elas hipertensão arterial, diabetes mellitus,
prematuridade, feto pequeno ou grande para idade gestacional, natimorto, colestase
obstétrica e cesariana de emergência. As gestantes negras tirveram risco 2,77 vezes
maior de desenvolver pré-eclampsia, 1,38 vezes maior de ter doença hipertensiva
especifica da gravidez, 3,48 vezes maior de ter um feto pequeno para idade
gestacional, 2,42 vezes maior de natimortalidade, 1,82 maior para diabetes mellitus
21
gestacional e 2,42 vezes maior para cesárea de emergência. Entre as causas
elencadas para estas disparidades estão o acesso tardio ao pré-natal e a baixa
escolaridade das gestantes negras (KHALIL et al., 2013).
Em estudo na Califórnia, mulheres negras também apresentaram menos anos
de escolaridade, mais seguro público de saúde, desenvolveram pré-eclâmpsia e
tiveram bebês pequenos para idade gestacional (ROSENSTEIN et al., 2014).
Entre gestantes diabéticas da Califórnia, mulheres negras tiveram mais
hipertensão arterial crônica (11,6%), que as brancas (3,5%). Tiveram 1,57 mais
chances de ter pré-eclampsia, 1,56 mais risco de prematuridade, duas vezes mais
obesidade, fator este que favorece o desenvolvimento de comorbidades crônicas.
Entre os fatores relacionados a estes riscos estão a falta de acesso ao pré-natal,
quantidade e qualidade de consultas de pré-natal inadequadas, a falta de
diagnóstico de diabetes mellitus pré-gestacional e de comorbidades crônicas. Em
outro estudo, 64% das mulheres negras tiveram avaliação diagnóstica correta e
100% das mulheres brancas, sugerindo que as mulheres negras tiveram menos
relação de confiança com os médicos (NGUYEN et al., 2012).
No Brasil, a hipertensão arterial e a diabetes mellitus ou gestacional são
importantes fatores de risco a serem controlados. As alterações hipertensivas da
gestação estão associadas a complicações graves fetais e maternas e a um risco
maior de mortalidade materna e perinatal. A hipertensão arterial sistêmica acomete
de 5% a 10% das gestações, já a diabetes gestacional é o problema metabólico
mais comum na gestação e tem prevalência entre 3% e 13% das gestações. A
prevalência estimada de diabetes gestacional no Brasil é de 7,6% entre as gestantes
com mais de 20 anos (BRASIL, 2010).
As gestantes negras apresentam alto risco em todos os desfechos obstétricos
avaliados ao longo de dois anos em 14 estados americanos. Com a redução destas
disparidades também foi possível reduzir os custos médicos em aproximadamente
214 milhões de dólares, com ações envolvendo os múltiplos fatores resultados de
complexas interações entre os riscos biológicos, psicológicos e ambientais que se
acumulam através da vida da mulher (ZHANG et al., 2013).
De acordo com estudos analisados pelo Ministério da Saúde, o baixo peso ao
nascer e o retardo de crescimento intrauterino tem maior prevalência em crianças
22
pobres no país. Sobre os riscos maternos nas síndromes hipertensivas da gestação,
gestantes não brancas tiveram risco 14 vezes maior de pré-eclampsia, independente
do fator de risco idade, pré-eclampsia prévia, obesidade e paridade (ASSIS; VIANA;
RASSI, 2008).
Já as mulheres pretas e pardas, que constituem as mulheres negras,
apresentaram condições desfavoráveis no nascer, apresentando-se em maior
número entre gestantes adolescentes, com baixa escolaridade, sem trabalho
remunerado e que precisaram procurar maior número de serviços de saúde para
conseguir atendimento. Esta situação se manteve mesmo entre o grupo de maior
escolaridade (LEAL; NOGUEIRA DA GAMA; BRAGA DA CUNHA, 2005).
3.3 DESFECHOS NEONATAIS E RAÇA/COR
Os principais eventos adversos neonatais são a natimortalidade e a
mortalidade infantil. Os recém-nascidos de mulheres negras apresentam elevado
risco de desenvolver ambos os eventos, chegando a apresentar mais que o dobro
de risco que aqueles nascidos de mulheres brancas.
A taxa de mortalidade infantil nos Estados Unidos em 2001, foi de 5,7 por
1000 nascidos vivos brancos e de 14 por 1000 nascidos negros. Em estudo que
analisou mais de 5 milhões de nascimentos na Califórnia, as gestantes negras
apresentaram taxas de natimorto de 18 por 10.000 nascidos, enquanto mulheres
brancas apresentaram 9,4 por 10.000. Crianças negras apresentaram taxas de
mortalidade infantil de 24 por 10.000 nascimentos, enquanto crianças brancas
tiveram taxa de 10,8 por 10.000 (ROSENSTEIN et al., 2014).
As complicações neonatais são mais altas em bebês nascidos com menos de
39 semanas. A prematuridade em 2001 nos Estados Unidos foi de 11% entre as
brancas e 17,5% entre as negras. Apesar disso, as mães negras tiveram menos
acesso aos esteroides para redução de morbidades associadas à prematuridade
(PAUL et al., 2006).
No Reino Unido a morte fetal foi duas vezes mais elevada em mulheres
negras, com taxas significativamente maiores em todos os desfechos neonatais
desfavoráveis. Com associação ao acesso ao pré-natal tardio, baixa escolaridade e
natimorto anterior (KHALIL et al., 2013).
23
O baixo peso ao nascer no ano de 2013 foi de 8% nos Estados Unidos
considerando a população em geral, quando realizado o recorte racial entre as
crianças negras este percentual sobe para 13%, quase o dobro do apresentado
pelas crianças brancas,7% no mesmo ano (MARTIN et al., 2015).
O principal componente da mortalidade infantil atualmente é o neonatal
precoce (0-6 dias de vida) e 25% acontecem nas primeiras 24 horas, indicando uma
relação estreita com a atenção ao parto e nascimento. A prematuridade, a
malformação congênita, a asfixia intra-parto, as infecções perinatais e os fatores
maternos são as principais causas, com uma proporção considerável de mortes
preveníveis por ação dos serviços de saúde. Portanto é necessário aprofundar a
compreensão dos processos de assistência no parto e nascimento em mulheres
negras e os diferenciar em relação às brancas, para que se tenha uma diagnóstico
mais preciso a respeito das falhas assistenciais para este grupo de mulheres, se
ocorrem, como e quando ocorrem (AUGUSTO, 2014).
O risco da natimortalidade chegou a 18 por 10 mil nascimentos, e de
mortalidade infantil a 24 por 10 mil nascimentos entre as mulheres negras, entre as
mulheres brancas foi de 9,4 e 10,8 respectivamente. Esta coorte Americana excluiu
multíparas, gestantes com hipertensão arterial e diabetes mellitus preexistentes,
sugerindo a identificação além das questões biológicas de fatores modificáveis como
cuidados no pré-natal, acesso a ultrassonografia, fatores sociais, econômicos e
comportamentos de saúde (ROSENSTEIN et al., 2014).
24
4. METODOLOGIA
4.1 DELINEAMENTO DO ESTUDO
Trata-se de um estudo transversal com abordagem quantitativa. Teve como
objetivo avaliar as influencias da raça/cor nos desfechos obstétricos e neonatais
desfavoráveis.
4.2 QUESTOES ÉTICAS
O projeto foi submetido à avaliação do comitê de ética da Universidade da
Região de Joinville - UNIVILLE e foi aprovado com o parecer número 1.210.357
(Anexo B). Após a aprovação, a pesquisa foi autorizada por meio do Termo de
Exequibilidade (Anexo C) da instituição coparticipante. A coleta dos dados foi
realizada em banco de dados secundários da instituição, desta forma dispensando
o uso de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). No entanto,
respeitando a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, o sigilo das
informações foi garantido durante a utilização dos dados coletados, que
permanecerão sob posse e guarda da pesquisadora e após 5 anos da publicação
serão apagados do meio digital.
4.3 LOCAL
A maternidade Darcy Vargas é uma instituição pública estadual de referência
na Macrorregião de Joinville para assistência à saúde integral da mulher, recém-
nascidos e família. O hospital dispõe de 132 leitos, sendo 96 obstétricos, 36
neonatais dos quais 10 são de UTI neonatal. Auxilia na formação de profissionais
nas áreas correlatas por ser uma Unidade Hospitalar de Ensino e promove o bem
estar no ambiente de trabalho, educação e saúde à comunidade e preservação do
meio ambiente.
4.4 POPULAÇÃO
Foram incluídas todas as gestantes que internaram para parto, com data de
admissão entre outubro de 2014 e setembro de 2015, maiores de 18 anos. Foram
25
excluídas 89 com gestações gemelares e 2 declaradas como amarelas, totalizando
5289 participantes.
4.5 FONTE E COLETA DE DADOS
A coleta foi realizada nos relatórios gerados pelo banco de dados da
Maternidade, com variáveis maternas e do recém-nascido. A raça/cor foi utilizada
como variável independente, respeitado as categorias propostas pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) branca, preta, parda, amarela e
indígena.
Quanto ao método de identificação, há baixo grau de discordância entre a
autoatribuição e a heteroatribuição. Neste estudo esta informação foi
heterodeclarada, conforme rotina da instituição (PETRUCCELLI; SABOIA, 2013).
Para avaliação de dois marcadores de inserção social, ocupação e renda,
foram utilizadas informações do Sistema de Informação Sobre Nascidos Vivos
(SINASC) e do banco de dados do Sistema IBGE de Recuperação Automática
(SIDRA), pois não são preconizados no banco de dados da instituição. É um limite
do estudo.
4.6 PROCESSAMENTO E ANÁLISE DE DADOS
Os dados foram tratados estatisticamente, por meio do software Statistical
Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21.0. Inicialmente, todas as
variáveis foram analisadas descritivamente. Para testar a homogeneidade dos
grupos em relação às proporções, foi utilizado o teste Qui-quadrado ou o teste exato
de Fisher para frequências menores que 5.
As variáveis socioeconômicas, demográficas e de saúde foram:
Idade: em anos completos agrupadas em quatro faixas etárias:
a) < 20;
b) 21 a 29;
c) 30 a 34;
d) >34 anos.
26
Escolaridade:
a) analfabeto;
b) alfabetizado;
c) ensino fundamental incompleto;
d) ensino fundamental completo;
e) ensino médico incompleto;
f) ensino médio completo;
g) ensino superior incompleto;
h) ensino superior completo.
Estado civil:
a) com companheiro;
b) sem companheiro;
Ocupação atual: (formal ou informal)
a) com ocupação;
b) sem ocupação;
c) aposentada.
Número de filhos vivos:
a) ≤ 3;
b) >3.
Número de filhos mortos:
a) ≤ 2;
b) >2.
Número de consultas de pré-natal:
a) ≤ 6;
b) >6.
Doenças anteriores à gestação:
a) hipertensão crônica;
b) diabetes pré-gestacional.
Para análise univariada foram utilizadas as variáveis de desfecho:
27
Diabetes gestacional:
a) presente;
b) ausente.
Hipertensão gestacional:
a) presente;
b) ausente
Tipo de parto:
a) vaginal;
b) cesárea;
Idade gestacional:
a) < 37 semanas;
b) 37 a 41semanas;
c) > 41 semanas.
Peso ao nascer:
a) < 2.500;
b) 2.500 a 4.000;
c) > 4.000 gramas.
Apgar no 1º e 5º minuto:
a) < 7;
b) ≥7.
Malformação:
a) presente;
b) ausente
Óbito perinatal:
a) presente;
b) ausente.
Foram construídos modelos de regressão logística multivariada para cálculo
de razão de chance, de modo a examinar o risco materno nos desfechos
desfavoráveis avaliados: diabetes gestacional, hipertensão gestacional; parto
cesárea; prematuridade < 37 semanas; baixo peso <2.500 gramas; macrossomia
>4.000 gramas, Apgar 1º e 5º minuto < 7; malformação e óbito perinatal. Foram
28
ajustados os potenciais efeitos das variáveis de confusão: idade, escolaridade,
estado civil, ocupação, filhos mortos, consulta pré-natal e doenças anteriores. Estas
variáveis foram escolhidas pelo reconhecimento na literatura, da associação com os
desfechos estudados. Intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram estabelecidos.
Sendo que eram considerados valores significativos quando p<0,05.
4.7 APRESENTAÇÃO E DIVULGAÇÃO DOS RESULTADOS
Os resultados serão apresentados e divulgados na forma de artigo científico
publicado em revista científica e de apresentação pública na universidade.
29
5. RESULTADOS
Conforme as normas do Programa de Pós Graduação em Saúde e Meio
Ambiente da UNIVILLE, este capítulo está apresentado no formato de artigo
científico, o qual já foi submetido para publicação ao periódico “Cadernos de Saúde
Pública / Reports in Public Health”. A confirmação da submissão encontra-se no
Anexo D.
No período estudado foram avaliadas informações de 5289 participantes de
gestação única, 4557 (86,2%) declaradas com raça/cor branca e 732 (13,8%) negra
(pretas mais pardas). Foram excluídas 89 gestações gemelares e 2 declaradas com
raça/cor amarela.
A variável ocupação, número de filhos vivos e mortos e estado civil tiveram
uma perda de 10% em relação às demais, pois foram obtidas de banco de dados
diferente.
A faixa etária prevalente foi entre 21 e 29 anos sem diferenças significativas
por raça/cor. Já a escolaridade apresentou diferença significativa (p<0,01), com
maior prevalência das gestantes negras entre aquelas alfabetizadas, com ensino
fundamental incompleto e completo, invertendo a prevalência para as brancas entre
aquelas com ensino médio completo e ensino superior completo, conforme disposto
na tabela 1.
30
Tabela 1: Características sociodemográficas das gestantes, de acordo com a raça/cor. Joinville, Santa Catarina, Brasil, 2014-2015.
Brancas
n=4557(%) Negras
n=732(%) Valor de p
Idade (anos) n=5289 ≤ 20 979 (21,5) 166 (22,7)
0,48 * 21 - 29 2172 (47,7) 335 (45,8) 30 - 34 808 (17,7) 123 (16,8) > 34 598 (13,1) 108 (14,8)
Escolaridade n=5187 Analfabeta 4 (0,1) 2 (0,3)
< 0,01 †
Alfabetizada 86 (1,9) 32 (4,4) Fundamental incompleto 790 (17,3) 84 (25,1) Fundamental completo 926 (20,3) 196 (26,8) Médio incompleto 586 (12,9) 92 (12,6) Médio completo 1736 (38,1) 196 (26,8) Superior incompleto 171 (3,8) 14 (1,9) Superior completo 257 (5,6) 15 (2,0)
Estado civil n= 4717 Sem companheiro 829 (18,2) 150 (20,5)
0,06 * Com companheiro 3249 (71,3) 489 (66,8)
Ocupação n=4717 Com ocupação 1943 (42,6) 344 (47,0)
<0,01 † Sem ocupação 2131 (46,8) 293 (40,0) Aposentada 4 (0,1) 2 (0,3)
Testes estatísticos: * Qui quadrado; † Exato de Fischer. *n= número de participantes com informação.
Entre as participantes, 3738 (79%) vivem com companheiro, sem significância
estatística por raça/cor, 2424 (51%) estão sem ocupação, com diferença significativa
(p<0,01), sendo as gestantes negras maioria entre aquelas com ocupação.
Já quanto ao número de filhos, 4145 (88%) tem menos de 3 filhos vivos com
diferença estatisticamente significantes (p<0,01) por raça/cor, estando as negras
entre aquelas com mais de 3 filhos vivos e 4563 (97%) das participantes com menos
de 2 filhos mortos, como disposto na tabela 2.
31
Tabela 2: Características demográficas das gestantes, de acordo com a raça/cor. Joinville, Santa Catarina, Brasil, 2014-2015.
Testes estatísticos: * Qui quadrado; † Exato de Fischer.
*n= número de participantes com informação.
Entre as participantes, 3% tinham hipertensão crônica, entre as gestantes
negras esse percentual sobe para 4,2%, com significância estatística (p=0,04). 42
(1%) gestantes tinham diabetes pré-gestacional e 3969 (84%) realizaram mais de 6
consultas de pré-natal.
A Tabela 3 apresenta a análise univariada dos desfechos obstétricos e
neonatais. As gestantes apresentaram 7% de diabetes gestacional, 5% de
hipertensão gestacional, 62% tiveram parto cesárea, 92% com idade gestacional
entre 37 e 41 semanas. Quanto ao peso de nascimento 86% dos recém-nascidos
apresentaram peso adequado, com 96% apresentando apgar maior que 7 no 5º
minuto. Nenhum dos desfechos apresentou diferença significativa segundo raça/cor.
Brancas
n=4557(%) Negras
n=732(%) Valor de p
Número de filhos vivos n=4717
≤ 3 3623 (79,5) 522 (71,3) <0,01 *
> 3 455 (10,0) 117 (16,0) Número de filhos morto n=4717
≤ 2 3944 (86,5) 619 (84,6) < 0,83 *
> 2 134 (2,9) 20 (2,7) Número de consultas n=4233 pré-natais
≤ 6 228 (5,0) 36 (4,9) 0,97 *
> 6 3431 (75,3) 538 (73,5) Doenças anteriores à gestação
n= 202
Hipertensão crônica 129 (2,8) 31 (4,2) 0,04 † Diabetes pré-gestacional 33 (0,7) 9 (1,2) 0,15 †
32
Tabela 3 - Análise univariada dos desfechos gestacionais e perinatais, de acordo com a raça/cor. Joinville, Santa Catarina, Brasil, 2014-2015.
Branca
n=4557 (%) Negra
n=732 (%) Valor de p
Doenças gestacionais n= 606 Diabetes gestacional 297 (6,5) 54 (7,4) 0,38 * Hipertensão gestacional 215 (4,7) 40 (5,5) 0,38 *
Tipo de parto n=4711 Vaginal 1214 (26,6) 200 (27,3)
0,98 * Cesárea 2830 (62,1) 467 (63,8)
Idade gestacional n= 5289 < 37 371 (8,1) 59 (8,1)
0,78 † 37 - 41 4183 (91,8) 673 (91,9) > 41 3 (0,1) 0 (0,0)
Peso ao nascimento (gr) n= 5289 < 2500 330 (7,2) 48 (6,6)
0,671 * 2500 - 4000 3944 (86,5) 634 (86,6) > 4000 283 (6,2) 50 (6,8)
Apgar ao 1o minute n= 5247 < 7 879 (19,3) 157 (20,1)
0,56 * ≥ 7 3637 (79,8) 574 (78,4)
Apgar ao 5o minute n= 5255 < 7 150 (3,3) 21 (2,9)
0,57 † ≥ 7 4366 (95,8) 699 (95,5)
Malformação congenital n=19 15 (0,3) 4 (0,5) 0,36 † Óbito n= 57
Natimorto 41 (0,9) 10 (1,4) 0,231 † Neomorto 6 (0,1) 0 (0,0) … Testes estatísticos: * Qui quadrado;
† Exato de Fischer.
**n= número de participantes com informação.
Para avaliação da razão de chance dos desfechos obstétricos e neonatais
desfavoráveis segundo raça/cor foi realizada análise multivariada, com ajuste de
potenciais efeitos das variáveis de confusão, conforme tabela 4. As variáveis de
confusão utilizadas foram escolhidas considerando a conhecida relação destas com
os desfechos avaliados.
Os desfechos obstétricos desfavoráveis nas gestantes negras não
apresentaram diferença para diabetes gestacional: (OR=1.06, IC95% 0.70-1.60),
hipertensão gestacional: (OR =1.18, IC95% 0.72-1.94), parto cesárea: (OR=1.10,
IC95% 0.87-1.37), prematuridade: (OR=1.29, IC95% 0.83-2.01).
Quanto aos desfechos neonatais desfavoráveis, os recém-nascidos de
gestantes negras não apresentaram diferença para baixo peso ao nascer: (OR=0.72,
IC95% 0.38-1.37), macrossomia: (OR=0.96, IC95% 0.64-1.44), apgar <7 no 5º
minuto: (OR=0.71, IC95% 0.36-1.38), malformação: (OR=1.98, IC95% 0.50-7.81).
33
Tabela 4 - Análise multivariada dos desfechos obstétricos e neonatais, de acordo com a raça/cor. Joinville, Santa Catarina, Brasil, 2014-2015.
Grupo
(Raça/cor) n (%)
OR Bruto (IC 95%)
valor de p
OR Ajustado (IC 95%)
valor de p
Diabetes gestacional Branca 297 (6,5) - - - -
Negra 54 (7,4) 0,87 (0,64-1,18) 0,38 (1,06 (0,70-1,60) 0,77
Hipertensão gestacional
Branca 215 (4,7) - - - -
Negra 40 (5,5) 1,16 (0,82-1,65) 0,38 (1,18 (0,72-1,94) 0,49
Parto cesáreo Branca 2830 (62,1) - - - -
Negra 467 (63,8) 0,99 (0,84-1,19) 0,98 (1,10 (0,87-1,37) 0,40
Prematuridade Branca 371 (8,1) - - - -
Negra 59 (8,1) 0,98 (0,74-1,31) 0,93 (1,29 (0,83-2,01) 0,24
Baixo peso ao nascer
Branca 330 (7,2) - - - -
Negra 48 (6,6) 0,82 (0,53-1,26) 0,37 (0,72 (0,38-1,37) 0,32
Macrossomia Branca 283 (6,2) - - - -
Negra 50 (6,8) 0,91 (0,66-1,24) 0,55 (0,96 (0,64-1,44) 0,86
Apgar 1o <7 Branca 879 (19,3) - - - -
Negra 157 (20,1) 1,06 (0,87-1,28) 0,56 (1,17 (0,90-1,52) 0,22
Apgar 5o <7 Branca 150 (3,3) - - - -
Negra 21 (2,9) 0,87 (0,55-1,39) 0,57 (0,71 (0,36-1,38) 0,31
Malformação Branca 15 (0,3) - - - -
Negra 4 (0,5) 1,66 (0,55-5,03) 0,36 (1,98 (0,50-7,81) 0,32
Natimortalidade Branca 41 (0,9) - - - -
Negra 10 (1,4) 1,52 (0,76-3,05) 0,23 1,27 (0,61-2,66) 0,51
Morte neonatal Branca 6 (0,1) - - - -
Negra 0 (0,0) … … … …
Abreviações: OR, odds ratio; IC, intervalo de confiança. Variáveis ajustadas: Idade, escolaridade, estado civil, ocupação, número de filhos vivos, número de filhos mortos, número de consultas pré-natais, presença de doenças anteriores à gestação (hipertensão crônica e diabetes pré-gestacional).
34
6. DISCUSSÃO
A comparação das influencias da raça/cor entre gestantes brancas e negras
proposta neste estudo, identificou diferenças das gestantes negras em relação às
brancas quanto à hipertensão crônica, baixa escolaridade, multiparidade e
ocupação, e evidenciando a relação da raça/cor com as variáveis socioeconômicas,
demográficas e de saúde. Já na análise da razão de chance dos desfechos
desfavoráveis, não foram evidenciadas diferenças significativas segundo a raça/cor.
No Brasil entre as condições, doenças ou agravos mais comuns na população
negra estão aquelas adquiridas ou derivados de situações socioeconômicas
desfavoráveis (BRASIL, 2001).
A pobreza, a falta de acesso aos serviços de saúde, e variações genéticas
podem contribuir para disparidades raciais, quanto à ocorrência de hipertesão
arterial e diabetes mellitus (MARTINS; AGODOA; NORRIS, 2012).
A hipertensão arterial que apresentou maior prevalência entre as mulheres
negras, é considerada um problema de saúde pública pelo seu elevado custo aos
serviços de saúde e impacto social. A prevalência varia conforme a faixa etária,
sexo, raça/cor, obesidade e presença de patologias associadas, como diabetes e
doença renal. Nas mulheres em idade fértil, a prevalência varia de 0,6 a 2,0%.
Embora a literatura mostre a raça negra como fator de risco para doença
hipertensiva específica da gravidez, neste estudo não encontramos esta associação
(FREIRE; TEDOLDI, 2009).
Muitas vezes as disparidades raciais podem ser corrigidas pelo acesso a
adequado ao serviço de saúde, dessa forma, esta variável pode ter sido influenciada
pelo número adequado de consultas pré-natal. O reconhecimento das
susceptibilidades raciais pode ajudar a orientar a assistência e direcionar
intervenções para diminuir o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares
durante e após a gravidez (GHOSH et al., 2014).
A raça/cor é elemento estruturante das desigualdades sociais no Brasil ao
lado da classe social, gênero e região de moradia. Apesar da classificação racial ser
baseada nas características físicas dos indivíduos, a discriminação racial e o
racismo na sociedade brasileira decorrem da relação pejorativa que se faz entre os
35
aspectos culturais e físicos, observáveis na estética corporal e produzindo efeitos na
inserção social, que é um produto das relações sociais (ARAÚJO et al., 2009)
(BRASIL, 2016).
As desvantagens da população negra podem extrapolar os indicadores
socioeconômicos e se estender para os indicadores de acesso aos serviços de
saúde e indicadores de mortalidade. A questão das desigualdades sociais em saúde
pode ser abordada a partir da verificação de diferenças absolutas nas condições de
vida de diferentes populações, como observamos no Gráfico 1, ou através das
diferenças relativas entre elas (CUNHA, 2008) (BARATA, 2001).
Indicadores sociais como ocupação, escolaridade e renda são determinantes
do estado de saúde das populações atuando tanto sobre o perfil de morbidade e
mortalidade quanto sobre o acesso e utilização dos serviços de saúde. Ainda que se
reconheça que a raça/cor não é por si só um fator de risco, é preciso considerar a
inserção social adversa da população negra, que constitui um agravante de sua
vulnerabilidade diante das condições de saúde (BARATA, 2009) (CUNHA, 2008).
Gráfico 1- Características do entorno dos domicílios em Joinville, segundo
raça/cor, 2010.
Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2016.
36
A população negra no município de Joinville, reside nos domicílios com piores
condições sanitárias, convivendo mais com a falta de arborização, esgoto à céu
aberto e lixo acumulado, possibilitando um ambiente de maior risco à saúde.
Já a escolaridade materna pode ser considerada um marcador obstétrico de
risco tanto para a gestante quanto para o recém-nascido, pois influencia quando e
como a gestante acessa o serviço de saúde, o quanto compreende as orientações
de autocuidado e cuidado com o bebe ao longo das consultas de pré-natal. Além
disso, a baixa escolaridade tem associação com baixo peso ao nascer,
multiparidade e menor número de consultas pré-natal (HAIDAR; OLIVEIRA;
NASCIMENTO, 2001).
Neste estudo as gestantes negras prevaleceram entre aquelas com baixa
escolaridade (analfabeta, alfabetizada, ensino fundamental). O principal
determinante do acesso à educação e da progressão dentro de padrões de
adequação (idade/série) é a renda familiar, com influencia em todas as faixas de
renda da variável raça/cor (ANDRADE; DACHS, 2007).
No Brasil, a população negra tem pior remuneração no mercado de trabalho,
escolaridade mais baixa e sofre maiores restrições no acesso a serviços de saúde.
Mesmo quando apresentam escolaridade idêntica aos brancos, não tem níveis de
renda similares (CUNHA, 2008).
A variável renda não consta no banco de dados utilizado, entretanto dados do
município demonstram que a população negra vivendo em situação de pobreza ou
extrema pobreza é o dobro da população branca , reforçando esta sinergia entre os
determinantes de acesso e progressão adequada à educação (IBGE, 2016).
A ocupação é um marcador da posição social dos indivíduos, neste estudo, as
mulheres negras prevaleceram entre aquelas com ocupação. Entretanto, a
distribuição salarial da população Joinvillense acompanha a distribuição nacional,
(Gráfico 2), com maior prevalência da população negra entre aqueles vivendo com
1/8 de salário mínimo a 1 salário, com inversão da prevalência a partir de 1 salário
mínimo até mais de 10 salários (BARATA, 2009) (IBGE, 2016).
37
Gráfico 2 – Distribuição salarial da população de Joinville-SC, segundo raça/cor, 2010.
Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2016.
É necessário que haja políticas públicas com ações afirmativas que diminuam
as perdas sucessivas ao longo do sistema educacional, em especial das famílias de
baixa renda, nos quais majoritariamente estão crianças e jovens negros.
O combate a desigualdades torna-se mais difícil no desenvolvimento de
políticas públicas, principalmente quando a origem destas desigualdades não esta
somente relacionada com as diferenças sociais, mas também com a discriminação
racial (CUNHA, 2008).
A taxa de fecundidade no Brasil é de 1,7 filhas/os por mulher em idade fértil,
a maioria das participantes tinha menos de 3 filhos vivos (88%) e menos de 2 filhos
mortos (97%), entretanto as negras concentraram-se de maneira significativa entre
aquelas com mais de 3 filhos vivos (MARCONDES et al., 2013).
Os arranjos familiares brasileiros em 2012 apresentavam quase 38% dos
domicílios com mulheres como a pessoa de referência.Entre as famílias com pessoa
de referência do sexo feminino, 42,7% eram compostas por mulheres sem
companheiro com filhas/os. As mulheres negras estavam à frente de 52,6% das
famílias com pessoa de referência do sexo feminino (BRASIL, 2015).
Essa organização familiar faz com que as mulheres negras precisem garantir
o sustento dos filhos. Embora haja maior número de mulheres negras com
38
ocupação, são predominantemente em condições precárias, o que dificulta a
autonomia econômica (MARIANO; CARLOTO, 2013).
A média salarial segundo raça/cor e gênero no município também reflete esta
assimetria de renda (gráfico 3), as mulheres negras apresentam média salarial 25%
menor que as mulheres brancas (IBGE, 2016).
Gráfico 3- Média salarial por gênero e raça/cor, Joinville- SC, 2010.
Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2016.
As políticas sociais como programas de transferência direta de renda já
demonstraram que contribuem para redução da pobreza e da desigualdade,
principalmente para a população negra que vivencia de forma mais intensa esta
condição (IPEA, 2014).
Quanto à razão de chance nos desfechos obstétricos e neonatais
desfavoráveis segundo raça/cor, não foram evidenciadas diferenças significativas
por raça/cor, diferente de outros achados em 14 estados americanos em as
gestantes negras tiveram os piores desfechos (ZHANG et al., 2013).
As alterações hipertensivas da gestação estão associadas a complicações
graves fetais e maternas e a um risco maior de mortalidade materna e perinatal. Nos
países em desenvolvimento, a hipertensão gestacional é a principal causa de
mortalidade materna, sendo responsável por um grande número de internações em
39
centros de tratamento intensivo. As gestantes negras apresentam risco aumentado
de pré-eclampsia, independente do fator de risco idade, pré-eclampsia prévia,
obesidade e paridade (BRASIL, 2013b).
Apesar de encontrarmos a hipertensão crônica de forma significativamente
maior entre as gestantes negras, a hipertensão gestacional não teve o mesmo
comportamento (OR =1.18, IC95% 0.72-1.94).
A diabetes gestacional estimada nacionalmente em 7,6%, também aparece
em outros estudos com maior risco entre as mulheres negras, já neste foi de 6,6%
sem diferenças significativas por raça/cor (OR=1.06, IC95% 0.70-1.60) (ASSIS;
VIANA; RASSI, 2008); (WANG et al., 2012); (BRYANT et al., 2010).
O parto cesárea pode causar complicações significativas e às vezes
permanentes, assim como sequelas ou morte, principalmente cesáreas de
emergência. Segundo a OMS, o parto cesárea está relacionado com risco de morrer
3,5 vezes maior, de infecção puerperal 5 vezes maior e com prematuros, então
recomenda que as instituições mantenham taxas entre 5 e 15%. As disparidades
raciais foram identificadas em estudos internacionais, como maior taxa entre as
gestantes negras. A região sul apresenta o percentual mais elevado de parto
cesárea 60,1%, neste estudo foi de 62%, sugerindo riscos pela medicalização do
parto independente da raça/cor (OR=1.10, IC95% 0.87-1.37) (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2014); (WASHINGTON et al., 2012).
Estima-se a prematuridade para o Brasil de até 11,3%, com registros de
influência da raça/cor quando associada a escolaridade materna. Em estudos
internacionais, o parto prematuro permanece como risco para as gestantes negras
ainda que isoladas as variáveis sociodemográficas. No nosso estudo, foi de 8%, sem
diferenças por raça/cor (OR=1.29, IC95% 0.83-2.01) (LEAL; GAMA; CUNHA, 2006)
(KHALIL et al., 2013) (ZHANG et al., 2013)(32) (BRYANT et al., 2010).
A OMS estima que a prevalência de baixo peso ao nascer seja menor de
10%. Nos Estados Unidos no ano de 2013 o percentual foi de 8%, mas entre os
nascidos de mães negras chegou a 13%. Já no Brasil em 2010 o percentual foi de
8,4% e as mães negras tiveram mais chance de terem filhos com baixo peso ao
nascer em todas as regiões e em todos os níveis de escolaridade. Na região sul o
percentual de baixo peso no mesmo período foi de 8,7% e entre as mulheres negras
40
atingiu 10,6%. Em nossos achados, o baixo peso ao nascer foi de 7% sem
diferenças por raça/cor (OR=0.72, IC95% 0.38-1.37) (MARTIN et al., 2015);
(NILSON et al., 2015).
As diferenças raciais encontradas na literatura quanto à malformação não são
claras quanto à relação com suscetibilidade genética, diferenças cullturais, sociais e
o que poderia modificar esta associação. Neste estudo, as diferenças quanto a
malformação não foram encontradas (OR=1.98, IC95% 0.50-7.81) (EGBE et al.,
2015).
Assim não se revelou associação da raça/cor com maior risco de um
desfecho desfavorável, tanto obstétrico quanto neonatal, quando isolados os efeitos
das variáveis de confusão. Ainda que haja comprovação da predisposição genética
da população negra para algumas doenças, a classificação fenotípica não
representa uma homogeneidade biológica, já que entre indivíduos com as mesmas
características fenotípicas pode haver maior variação genética. Além disso, é difícil
mensurar o impacto da colonização e consequente miscigenação no componente
genético (GOODMAN, 2000).
Desse modo, para análise do recorte racial é preciso considerar além das
diferenças numéricas com significância estatística, as questões históricas,
sociopolíticas e econômicas, que contribuem para existência, manutenção ou
ampliação dos diferenciais no interior dos grupos ou intergrupos, além disso, o
racismo nem sempre se faz presente, de forma explícita e mensurável, nas
interações (LOPES, 2005).
Os resultados da pesquisa sugerem desigualdades raciais, socioeconômicas,
demográficas e de saúde da mulher negra. Dessa forma é possível inferir que o uso
da variável raça/cor em estudos de saúde precisa considera-la como um construto
social, ainda quando utilizado na análise de condições com comprovado
componente genético associado a raça/cor.
A melhora nas condições de vida da mulher negra, especialmente quanto a
renda e acesso ao sistema de ensino com progressão adequada, são essenciais
para os indicadores de saúde desta população. Para este enfrentamento se faz
necessário políticas de ações afirmativas para a população negra como
41
complemento das políticas universais, para garantir que a melhor inserção social da
população negra resulte também na redução das desigualdades.
42
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após adequação aos fatores de confusão não foram encontradas influências
da raça/cor nos desfechos estudados, mesmo em desfechos com comprovada
interferência genética em outros estudos, como a hipertensão gestacional e diabetes
mellitus.
Considerando as diferentes composições genéticas entre indivíduos de
mesmo fenótipo, e a homogeneidade genética entre indivíduos geograficamente
próximos, é possível que as doenças com forte determinação genética manifestem-
se com características próprias na população brasileira, e entre as diferentes
regiões do Brasil, diferente de outros lugares da América e mesmo da África
(BRASIL, 2001) (PENA, 2005).
As influencias da miscigenação e colonização não podem ser mensuradas,
mas podem ter importante papel no componente genético nesta região, reforçando a
raça/cor como determinante social e não uma entidade biológica.
Doenças ligadas à pobreza podem ser mais incidentes do que aquelas de
origem genética, devido a situação de desigualdade vivenciada pelos negros no país
e ainda hoje percebida nos indicadores de acesso inclusive da saúde. A ausência da
variável renda, um marcador de inserção social, foi uma limitação neste estudo.
Assim é importante que estudos na área da saúde avaliem a raça/cor como
um construto social, considerando o efeito da condição socioeconômica, acesso a
serviço de saúde e escolaridade da população negra na análise da variável
enquanto risco para desfechos, uma vez que a discriminação racial nem sempre se
faz presente de forma explicita e mensurável nas relações sociais. (LOPES, 2005)
43
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ANEXOS
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ANEXO A- CONFIRAMAÇÃO DE SUBMISSÃO DE ARTIGO
PNPS2016 10 anos <[email protected]
Bom dia Sra. Vanessa,
confirmamos e agradecemos o envio do artigo.
Atenciosamente,
Fabio Carvalho, em nome dos editores convidados.
50
ANEXO B- PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA
51
ANEXO C- TERMO DE EXEQUIBILIDADE
52
ANEXO D- COMPROVANTE DE SUBMISSÃO DE ARTIGO