Os primeiros epigramas em português / Isabella Tardin Cardoso
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Caro Aluno: Essa atividade pós-exibição é a segunda, de um conjunto de propostas,
que têm por base o segundo episódio do programa de áudio Frases
Célebres. As atividades pós-exibição são compostas por textos que
retomam os programas e encaminham sugestões de atividades a serem
realizadas por vocês. Recomendamos que elas sejam feitas após a
audição em sala de aula desse episódio. No Portal do Professor você
encontrará jogos interativos correspondentes a esse episódio e que trata
dos mesmos temas das atividades.
Os primeiros epigramas em português / Isabella Tardin Cardoso
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Atividade Os primeiros epigramas em português
Episódio O epigrama na literatura em língua portuguesa
Programa Frases célebres
Antônio Ferreira: um pioneiro
Considera-se que os primeiros epigramas publicados em português são os escritos por
Antônio Ferreira, poeta nascido em 1528, na cidade de Lisboa, onde faleceu em 1569.
Oi pessoal, obrigado pela
torcida no Quiz! Quem sabe é
da próxima?! Eu fiquei
curioso: quem foi mesmo esse
Antônio Ferreira?
Os primeiros epigramas em português / Isabella Tardin Cardoso
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Quase três décadas depois de sua morte, publica-se a edição póstuma de Poemas
Lusitanos (de 1598), antologia que reúne a maior parte da obra do autor, sem dúvida
influenciada pelo escritor e estudioso Sá de Miranda (1481-1558).
A obra publicada de Ferreira é composta de poemas inspirados em autores antigos, ou, ainda,
em autores do Renascimento italiano, que já haviam absorvido o repertório greco-romano
antigo. Lêem-se, entre os Poemas Lusitanos, poemas em uma forma moderna, os sonetos, mas
constam ali sobretudo diversos gêneros literários cultivados na Antiguidade greco-romana.
Dentre eles, temos, além dos epigramas, as odes e as cartas, inspiradas sobretudo no
poeta Horácio (que viveu no século I a.C.); as éclogas, baseadas em Virgílio (séc. I a.C.),
e a primeira tragédia montada em português: Castro¸ que imita grandemente tragédias
de Sêneca (séc. I d.C.).
Vale lembrar que a imitação que caracterizou o Renascimento como um todo não se reduz
a simples cópia: mesmo quando mais próxima de uma tradução, tem-se, na verdade, uma
recriação a partir de formas antigas. Estas, consideradas perfeitas, de beleza exemplar,
eram, com isso, direcionadas ao mundo moderno. Tal recriação reflete, é claro, também
valores morais e estéticos da época e ambiente em que viveu cada autor.
Nesse sentido, um aspecto do ambiente português que sem dúvida influenciou o
pioneirismo de Antônio Ferreira foi o fato de ele ter seguido, diferentemente da maioria
dos demais grandes poetas de sua época, o programa de estudos humanísticos
recentemente decretado pelo rei D. João III de Portugal.
Na então florescente Universidade de Coimbra, o poeta teve a oportunidade de estudar
latim e grego, além de conhecer um amplo repertório de autores clássicos.
Dentro dos Poemas Lusitanos, o Livro dos Epigramas é de pequena extensão, com apenas
dez poemas. No entanto, o cuidado com que são escritos influenciou largamente a
produção nesse e em outros gêneros de poesia em língua portuguesa da época. O Livro
dos Epigramas começa com dois epigramas laudatórios, descrevendo positivamente
pessoas conhecidas. Do conjunto, tem-se, ainda, um epigrama de invectiva (Epigr. 5,
“Traduzido. Contra um maldicente”) e outro que fala de Dido, personagem da mitologia
greco-romana (Epigr. 7, “A um retrato de Dido”).
Os seis epigramas restantes de Ferreira (ou seja, mais da metade dos dez publicados)
apresentam, em comum, o tema do amor triunfante. Entre eles, há imitações mais ou
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menos livres de poesias de algumas fontes conhecidas. Uma delas é a obra intitulada
Anacreontea, poemas publicados no século XVI atribuídos (hoje se sabe, erroneamente)
ao poeta grego Anacreonte (séc. VI a.C.).
Outra fonte é o livro Erotopaegnion (editado em Nápoles, 1520), do poeta neolatino
Girolamo Angeriano, que, por sua vez, imita poesias da Antiguidade e teve ampla
influência na Europa.
Embora não denominados como epigramas, os dezenove poemas publicados no Livro dos
Epitáfios lembram os epigramas fúnebres antigos. Provavelmente a composição de
poesia epigramática entre poetas da época de Ferreira era mais frequente do que se
registra: edições posteriores dos Poemas Lusitanos incluem, em seu apêndice, um
epigrama de caráter circunstancial, dedicado a seu amigo e também poeta Pero de
Andrade Caminha, de quem trataremos na próxima Atividade.
Autores: Isabella Tardin Cardoso (Coordenadora)
Carol Martins da Rocha Lilian Nunes da Costa
Mariana Musa de Paula e Silva Robson Tadeu Cesila
Exercício 1
O Epigrama e o Monumento
Alguns epigramas modernos continuam a lembrar a origem desse tipo de texto, que a
princípio servia de inscrição a objetos e monumentos (de origem grega: epi – , “sobre” +
–grama, “escrito”).
Para saber mais
Sobre o termo “epigrama” e sobre inscrições epigramáticas antigas, ver “O Epigrama na
Antiguidade”, Atividades 1 e 2 (Programa Frases Célebres, 1º ano do Ensino Médio, Episódio 2).
Nos textos seguintes, observaremos, a princípio, alguns epigramas de Antônio Ferreira
que se apresentam como se fossem inscrições a um retrato. O primeiro é dedicado a uma
pessoa conhecida; na sequência, o outro se refere a uma personagem da mitologia
greco-romana.
Em tempo: os textos que veremos a seguir foram escritos há mais de quatrocentos anos.
Os primeiros epigramas em português / Isabella Tardin Cardoso
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Para você ter uma idéia de como era o português da época, na maioria dos poemas que
apresentamos, a grafia não foi modernizada. Em caso de dúvida quanto ao equivalente
em português moderno, ou ainda do significado dos termos, consulte o vocabulário a
cada poema.
O seguinte epigrama de Antônio Ferreira, que abre o Livro dos Epigramas, é dedicado à
irmã de um outro poeta, Pero de Andrade Caminha, a qual havia se tornado freira. Leia
com atenção o poema e, a seguir, responda às perguntas sobre o texto:
A um retrato de Dona Caterina de Souza
Mostrou o que pode a mão, a tinta, e arte.
Mas só o que não se vê é Caterina.
Onde ela não está toda, não está parte.
Divina fermosura, alma divina:
tais graças raramente o céu reparte.
Mas inda d'outras foi mais alta dina.
A quem tal a criou deu vida, e alma:
triunfou do mundo; tem nos céus a palma. (Epigr. 1, in A. Ferreira, Poemas Lusitanos. Edição crítica, Introdução e Comentário de T.
F. Earle, p. 103)
Glossário
- fermosura: formosura, beleza
- dina: digna, merecedora.
- palma: aprovação, vitória, triunfo.
a. Qual é o sujeito do verbo “mostrou” (v. 1) no verso abaixo?
“Mostrou o que pode a mão, a tinta, e arte.”
b. Nos versos seguintes, há uma reclamação quanto à capacidade da pintura no tocante
à representação de uma pessoa. Qual é essa reclamação? Como o poeta a justifica?
“Mas só o que não se vê é Caterina/Onde ela não está toda, não está parte.” (v. 2-3)
c. Sabemos que palavras e imagens são formas de representar o mundo. A suposta
concorrência entre um poema e as artes visuais quanto à melhor forma de
representação era um tema já presente na poesia da Antiguidade. Tal
“concorrência” é perceptível nos versos seguintes do epigrama em estudo (v. 5-8),
nos quais o próprio poeta retrata Caterina, não com tinta, mas com palavras.
Os primeiros epigramas em português / Isabella Tardin Cardoso
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Explique que aspectos da moça são descritos.
“Divina fermosura, alma divina:
tais graças raramente o céu reparte.
Mas inda d'outras foi mais alta dina.
A quem tal a criou deu vida, e alma:
triunfou do mundo; tem nos céus a palma.”
O próximo epigrama que veremos é também uma inscrição a um retrato, mas agora de
uma personagem mitológica: Dido, rainha de Cartago, viúva do rei Siqueu.
No episódio do livro IV da obra épica Eneida, do poeta romano Virgílio (70 a.C.-19 a.C.),
a personagem teria cometido suicídio porque abandonada pelo herói Eneias, por quem
ela havia se apaixonado. Mas Antônio Ferreira defende, neste epigrama, uma outra
versão:
A um retrato de Dido
À mão do pintor devo nova vida.
Maro me deve a honra difamada.
Nem Dido foi de Eneias conhecida,
Nem viu Cartago sua frota errada.
Eu mesma me matei, porque sostida
Fosse a fé casta a meu Sicheo só dada.
Vinguei sua morte, ergui nova Cidade.
Vale mais que os poetas, a verdade.
(Epigr. 7, in: A. Ferreira, Edição crítica, Introdução e Comentário de T. F. Earle, p. 103)
Glossário
- Maro: Publius Virgilius Maro, i. e., o poeta Virgílio.
- Nem Dido foi de Eneias conhecida: Dido não foi conhecida por Enéias.
- errada: errante, vagante, perdida
- porque: para que (ideia de finalidade)
- sostida: sustida, mantida
- Sicheo: Siqueu, marido de Dido.
a) No poema acima, vemos que o poeta usa de várias inversões gramaticais, por
exemplo, a passagem “porque sostida/Fosse a fé casta a meu Sicheo só dada”
ficaria, numa ordem que hoje em dia é considerada mais cotidiana, desta maneira:
Os primeiros epigramas em português / Isabella Tardin Cardoso
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“porque a fé casta fosse sostida, só dada a meu Sicheo”
Algo semelhante acontece em “Vale mais que os poetas, a verdade” (v. 8). Qual o
sujeito do verbo “vale” nesta frase?
b) No epigrama anterior (A um retrato de Dona Caterina de Souza), segundo o poeta, a
pintura não daria conta do retrato verdadeiro do ser representado (no caso, D.
Caterina). Este epigrama afirma a mesma coisa quanto ao retrato pictórico de Dido?
Justifique sua resposta embasando-se em partes do poema.
c) O epigrama faz referência a uma tradição mitológica diferente da histórica contada
por Virgílio, segundo a qual Dido teria se suicidado para se manter fiel ao marido,
morto, Siqueu.
No poema anterior, o poeta faz um retrato, referindo-se em terceira pessoa à D.
Caterina, ser representado. Neste, há uma narrativa em primeira pessoa, i. e., é como
se a pessoa representada contasse, ela mesma, sua história.
c.1 - Que elementos do poema justificam essa afirmação?
c.2 - Visto que se trata de defender uma entre outras versões mitológicas acerca
de Dido, que efeito tem o uso da primeira pessoa nesta argumentação?
Exercício 2
Epigrama e o amor triunfante
A seguir veremos epigramas sobre a tópica do amor triunfante, que é, como se disse, o
tema mais comum entre os poemas do Livro dos Epigramas de Antônio Ferreira. Os dois
foram baseados em poemas que eram, na época de Antônio Ferreira, atribuídos ao grego
Anacreonte (séc. VI a.C.).
Publicados em língua grega por Henricus Stephanus (Henri Estienne) em 1554, e
traduzidos para o latim por Helias Andreas (1556, p. 28-29), hoje se sabe que os poemas
denominados Anacreontea não foram escritos pelo autor grego.
Este epigrama é uma versão livre do poema 24 dos Anacreontea:
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Fermosura
Ao touro cornos, unhas ao lião
voar à águia, ao cervo ligeireza,
e a todas as mais feras quantas são,
deu su’ arma, e sua força a natureza.
Ao homem deu esforço, e boa razão:
Não tem que dar à feminil fraqueza.
Pois que lhe deu? Ah, deu-lhe fermosura,
Arma que ferro, e fogo ainda mais dura.
(Epigr. 9, in: A. Ferreira, Poemas Lusitanos. Edição crítica, Introdução e Comentário de T.
F. Earle, p. 103)
Glossário - cornos: chifres
- lião: leão
- feminil: da mulher
Responda em seguida às questões sobre o poema acima, sempre indicando as partes do
poema em que você se baseou para respondê-las.
a) Que características o poema atribui ao homem?
b) Que características o poema atribui à mulher?
c) No poema, com base em que argumento se justifica que a mulher não é fraca?
d) O epigrama não usa a palavra amor. Mesmo assim, pode-se dizer que o epigrama
trata, do triunfo desse sentimento. Justifique esta afirmação.
e) Que contribuição os exemplos do mundo animal trazem para a argumentação do
poema?
Exercício 3
Métrica, rima e outros recursos poéticos
Para tentarmos compreender o que se entendia por epigrama na época de Antônio
Ferreira, é interessante notar aspectos formais dos poemas assim denominados.
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Por exemplo, todos os apresentados no Livro dos Epigramas foram compostos com o
mesmo número de versos e com o mesmo número de sílabas métricas em cada verso.
Eram poemas constituídos de oito versos (chamados oitavas), e cada verso era do tipo
decassílabo (isto é, com dez sílabas métricas), além de ter rimas do tipo abababcc. Tais
características foram inspiradas nos poemas do Renascimento italiano.
Vamos ver o último aspecto com mais detalhe no poema que acabamos de estudar. Por
exemplo, note-se como a rima abababcc funciona no poema abaixo (–ão = a; –eza = b; -
ura = c):
Fermosura
Ao touro cornos, unhas ao lião (a)
voar à águia, ao cervo ligeireza, (b)
e a todas as mais feras quantas são, (a)
deu su’ arma, e sua força a natureza. (b)
Ao homem deu esforço, e boa razão: (a)
Não tem que dar à feminil fraqueza. (b)
Pois que lhe deu? Ah, deu-lhe fermosura, (c)
Arma que ferro, e fogo ainda mais dura. (c)
Abaixo apresentamos outro poema do Livro dos Epigramas de Antônio Ferreira.
Novamente, será preciso um pouco de atenção, pois, nos versos abaixo, o sujeito está
com frequência após o verbo. Por exemplo, no verso “Forjava em Lemos com destreza, e
arte/Setas a Amor de Vênus o marido”, o sujeito de “forjava” é “de Vênus o marido”: ou
seja: “O marido de Vênus forjava em Lemnos com destreza, e arte setas a (para) Amor”.
Mais uma vez, pode parecer complicado, mas, depois de uma primeira leitura, a gente se
acostuma e consegue apreciar melhor o poema. E os exercícios de compreensão vêm em
seguida para ajudar!
Marte enamorado
Forjava em Lemno com destreza, e arte
Setas a Amor de Vénus o marido:
A branda Vénus lhe põe mel de ũa parte,
Mas d’outra parte lhe põe fel Cupido.
Entrou brandindo a grossa lança Marte,
Riu-se das setas. - Queres ser ferido
De ũa? - Amor diz - Prova ora, se te praz;
Feriu-o; riu-se Vénus, Marte jaz.
Os primeiros epigramas em português / Isabella Tardin Cardoso
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(Epigr. 10 in A. Ferreira, Poemas Lusitanos. Edição crítica, Introdução e Comentário de T.
F. Earle, p. 106)
Glossário - Lemno: Lemnos, ilha vulcânica situada ao norte do mar Egeu.
- Forjava... setas: produzia flechas.
- Vénus: Vênus (Afrodite, em grego), a deusa do amor na mitologia greco-romana.
- ũa: uma.
- de Vénus o marido: o marido de Vênus, Vulcano (Efesto, em grego), deus do fogo e da metalurgia.
- Marte: (Ares, em grego) é o deus da guerra na mitologia greco-romana.
- Cupido: (Eros, em grego) filho de Vênus é o deus responsável por provocar, por meio de suas flechas, a
paixão amorosa.
- ora: agora.
- praz: apraz, agrada.
a) Sobre os versos: “A branda Vénus lhe põe mel de ũa parte,/Mas d’outra parte lhe põe
fel Cupido” (v. 3-4), a que substantivo o pronome “lhe” faz referência? Explique a
passagem. Para ajudá-lo na resposta, devemos lembrar que no século XVI o pronome
“lhe” era invariável, isto é, tinha uma mesma forma no singular e no plural.
b) Sobre os versos “Entrou brandindo a grossa lança Marte,/Riu-se das setas”, quem é o
sujeito de “entrou brandindo” e de “riu-se das setas”?
c) Vimos que o poema anterior, usando de comparações com o mundo animal, trata da
tópica do amor triunfante. Este, usando de mitologia, retoma o tema nos versos
transcritos a seguir. Justifique esta afirmação, explicando com suas palavras o que o
texto abaixo narra:
Queres ser ferido/De uma? (Amor diz) Prova agora se te apraz;/Feriu-o; riu-se Vênus:
Marte jaz. (v. 6-8)
d) Tanto em “Fermosura”, quanto em “Marte enamorado”, emprega-se a mesma
metáfora (um para a beleza, outro para o amor). Qual é ela?
e) Como o poema “Fermosura”, o poema “Marte enamorado” segue o tipo de rima
abababcc. Identifique os elementos da rima, preenchendo as lacunas abaixo:
A = __________
B = __________
C = __________
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PARA SABER MAIS
Marte e Vênus
O poema “Marte enamorado” alude ao episódio famoso da mitologia greco-romana
antiga: o caso amoroso entre Vênus, deusa do amor, e Marte, deus da guerra. Essa
história foi tratada por diversos artistas, tanto das letras, quanto das artes visuais desde
a Antiguidade. Um exemplo, no âmbito da pintura do Renascimento:
Na poesia antiga, o episódio mitológico foi cantado, por exemplo, na Odisseia (canto 8,
versos 338-42) pelo poeta grego Homero (c. séc. VIII ou VII a.C.) e retomado pelo romano
Ovídio (séc. I d. C.) nos poemas A arte de amar (livro 2, versos 585) e Metamorfoses (livro
IV, versos 167-189).
Para mais informação sobre a mitologia grega e romana, sugerimos alguns dicionários que
indicam as fontes antigas:
P. Grimal. Dicionário da mitologia grega e romana. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 2000
(4a. ed.).
W. Smith, A Classical dictionary of greek and roman biography mythology and geography
by sir William Smith (revised throughout and in part rewritten by G. E. Marindin).
London : John Murray, 1932.
Uma versão dessa obra de referência pode ser acessada em:
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus:text:1999.04.0104
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Ora, Dudu, em várias universidades brasileiras há gente ensinando, traduzindo,
estudando o grego clássico. Para dar um exemplo, entrevistamos uma dessas pessoas: o
professor Flávio Ribeiro de Oliveira, que traduziu inclusive diversos epigramas discutidos
no Episódio “O Epigrama na Antiguidade”.
Vocês falam de poemas imitados de poetas gregos, como Anacreonte, de poemas de Homero... Queria saber: quem hoje em dia estuda e ensina o grego da Antiguidade?
Os primeiros epigramas em português / Isabella Tardin Cardoso
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O tradutor e professor de Língua e Literatura Grega (Unicamp) Flávio Ribeiro de Oliveira. Foto de arquivo pessoal.
Entrevista concedida em 2010. Como você teve o primeiro contato com o grego e o latim, e o que o estimulou a decidir trabalhar com língua e literatura clássicas? Nos anos 80 estudava Filosofia na USP. Fui aluno de Gérard Lebrun e de Oswaldo Porchat,
que despertaram meu interesse pela filosofia antiga. Comecei a estudar grego e latim para
ler os filósofos antigos em sua própria língua: Platão, Aristóteles, Sexto Empírico, Cícero...
Ao mesmo tempo, comecei a estudar a literatura grega e a latina. Interessou-me sobretudo
a tragédia grega. Decidi fazer meu mestrado sobre o Aias (ou Ájax), uma peça de Sófocles.
Desde então, trabalho sobretudo com a literatura antiga, mas eventualmente revisito a
filosofia, sobretudo Platão (que, aliás, tem grande valor literário).
Além dos epigramas publicados no Episódio “O Epigrama na Antiguidade”, você costuma ler e/ou traduzir poesia epigramática de outros autores? Se sim, quais, e do que você gosta nesses epigramas?
Leio com freqüência Calímaco, mas não costumo traduzir seus epigramas.
Além de traduzir (que sabemos, tem muito de autoria também), você costuma escrever poesia, literatura em geral?
Os primeiros epigramas em português / Isabella Tardin Cardoso
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Confesso que às vezes perpetro um ou outro texto literário, que mantenho escondido com
todo o cuidado...
Você está trabalhando em alguma tradução no momento? Conte um pouco sobre a obra e seu processo de tradução.
Estou traduzindo o Édipo Rei, de Sófocles, a pedido de uma editora. Trata-se de uma
tragédia de que gosto muito – não exagero se disser que é uma das mais perfeitas criações
literárias do Ocidente. Traduzir poesia não é simples. Não basta compreender
sintaticamente o texto original; não basta transmitir, em português, o mesmo conteúdo
expresso pelo grego: em poesia, a forma é crucial. Há, no original, ritmos, jogos de
palavras, figuras de linguagem etc. que não têm uma correspondência exata no português.
O tradutor deve buscar equivalências aproximadas. Às vezes, uma boa solução semântica,
que dá conta do sentido do original, não dá conta de suas características formais (por
exemplo, de seu ritmo, de suas aliterações etc.). Outras vezes, encontramos uma boa
solução formal, que, contudo, é inadequada do ponto de vista semântico (por exemplo,
uma solução que preserve uma aliteração do verso original, mas que não traduza com
precisão seu sentido). O tradutor normalmente encontra uma solução entre esses dois
extremos. Mas é preciso sempre administrar as perdas – quanto se perde do sentido, quanto
se perde da forma... Todo tradutor sempre trai o original, mas ele deve decidir como vai
traí-lo.
Quais gêneros e/ou autores antigos são seus preferidos no momento? Por quê (o que o atrai neles)?
Releio sempre Homero, Sófocles, Eurípides. Eu diria que são autores infinitos, inesgotáveis.
Pode-se reler a Medeia de Eurípides, por exemplo, cinqüenta, cem vezes – e sempre com
prazer renovado, sempre descobrindo um novo texto. Mas também leio constantemente
autores modernos (já se disse que o sujeito que só lê os antigos é tão tolo quanto aquele
que nunca lê os antigos): não posso ficar muito tempo sem ler Stendhal, por exemplo.
Que obras (livros, filmes, músicas, etc.) você recomendaria para pessoas interessadas em começar a conhecer a língua, a literatura e a cultura greco-romanas antigas?
Recomendo sobretudo a leitura dos próprios autores antigos. Há uma imagem falsa de que a
literatura clássica é difícil, árida, inacessível, “chata”... Ora, na verdade é uma delícia ler
Homero, ler os trágicos gregos, ler Ovídio... Quanto a filmes e música: muitas óperas
tiraram seu tema de tragédias gregas. Sugiro, por exemplo, a Elektra, de Richard Strauss
(há várias boas gravações em DVD). Em CD pode-se ouvir, por exemplo, a Maria Callas no
papel de Medeia, na Medea de Cherubini. No cinema, há inúmeras adaptações de obras da
cultura greco-romana. Recomendo, por exemplo, dois filmes instigantes de Pier Paolo
Pasolini: a Medeia e o Édipo Rei (ambos foram lançados em DVD no Brasil)
Qual é sua posição quanto a se ter latim e grego clássicos como disciplinas do Ensino Médio no Brasil? Por quê?
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Sou contra a obrigatoriedade no Brasil atual. Seria uma catástrofe: legiões de professores
mal preparados torturando alunos com quadros de declinação... Não se pode impor grego e
latim a alunos que não têm, por exemplo, a mínima noção da sintaxe de sua língua
materna. É preciso, antes, dar aos alunos do ensino médio uma formação e um repertório
cultural que, hoje, eles não têm. Seria necessário criar uma base cultural sólida, criar
condições sociais e culturais nas quais o estudo de latim e de grego tivesse um sentido para
o estudante brasileiro do ensino médio, nas quais esse estudante tivesse vontade ou
sentisse a necessidade de estudar grego e latim. É um processo longo e trabalhoso, que
exige uma política séria para a educação no país, a longo prazo, com investimentos
contínuos na educação em todos os níveis, investimentos na formação de professores etc.
Numa situação ideal, acho que os estudantes deveriam ter a opção de estudar grego e
latim, caso tivessem interesse – assim como acho que deveriam ter a opção de estudar
alemão, francês, italiano etc.
Pequena Biobibliografia Flávio Ribeiro de Oliveira nasceu em São Paulo em 1964. Graduou-se em Filosofia na USP e fez mestrado e
doutorado em Letras Clássicas, também na USP. Fez pós-doutorado no Centre Léon Robin de Recherches sur la
Pensée Antique (Sorbonne – ENS – CNRS).
Foi professor de língua e literatura gregas na USP (1992-1994) e Unesp (1995). Desde 1996 é professor dessas
mesmas disciplinas no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.
Publicou traduções da Medeia de Eurípides (Odysseus, 2006), do Aias de Sófocles (Iluminuras, 2008) e das
Traquínias de Sófocles (Editora da Unicamp, 2009). Tem no prelo uma tradução do Hipólito de Eurípides
(Odysseus).
BIBLIOGRAFIA AULETE, C. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. 5ª edição. Rio de Janeiro: Editora Delta, 1970.
ANASTÁCIO, V. Visões de glória: uma introdução à poesia de Pêro de Andrade Caminha. Vol. 1-2. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998.
BAILLY, A. Dictionnaire Grec-Français. Paris: Hachette, 1963.
CUNHA, C.; CINTRA, L. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 4ª edição. Rio de Janeiro: Lexikon, 2007.
DEZZOTI, J. D. O epigrama latino e sua expressão vernácula. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 1990.
EARLE, T. F. The Muse reborn. The Poetry of António Ferreira. Oxford: Clarendon Press, 1988.
EARLE, T. F. Musa renascida. A poesia de António Ferreira. Lisboa: Caminho,1988.
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FERREIRA, A. Poemas Lusitanos. Edição crítica, Introdução e Comentário de T. F. Earle. Lisboa: Fundacão Calouste Gulbenkian, 2000.
HAYNES, K. “The Modern Reception of Greek Epigram” in BING, P, BRUSS, J. S. (ed.). Brill's Companion to Hellenistic Epigram. Leiden/Boston: Brill, 2007, p. 565-583.
HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001.
HOWATSON, M. C. (ed.). Oxford Companion to Classical Literature. Oxford: Clarendon Press, 1989.
TREVIZAM, M. A elegia erótica romana e a tradição didascálica como matrizes compositivas
da Ars Amatoria de Ovídio. Dissertação de Mestrado inédita. Campinas: Instituto de Estudos
da Linguagem, Unicamp, 2003.
VASCONCELLOS, P. S. “Reflexões sobre a noção de arte alusiva e de intertextualidade no
estudo da poesia latina”, Classica (Brasil) 20, 2007.
VEYNE, P. A elegia erótica romana (O amor, a poesia e o ocidente). Tradução Milton Meira
do Nascimento e Maria das Graças de Souza Nascimento. São Paulo: Brasiliense, 1985.
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