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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ - PUCPR

LAIS CORDEIRO

CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE

PROFESSORES E ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA:

HISTÓRIA E MEMÓRIA NOS ANOS 50 E 60 DO SÉCULO XX.

CURITIBA2006

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LAIS CORDEIRO

CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE PROFESSORES

E ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA: HISTÓRIA E MEMÓRIA

NOS ANOS 50 E 60 DO SÉCULO XX.

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, na Linha de Pesquisa História das Idéias e das práticas Educacionais no Brasil, como requesito parcial à obtenção do título de mestre. Orientadora: Profª Dra. Rosa Lydia Teixeira Corrêa.

CURITIBA2006

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LAIS CORDEIRO

CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO DE PROFESSORES

E ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA: HISTÓRIA E MEMÓRIA

NOS ANOS 50 E 60 DO SÉCULO XX.

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, na Linha de Pesquisa História das Idéias e das práticas Educacionais no Brasil, como requesito parcial à obtenção do título de mestre.

COMISSÃO EXAMINADORA

_________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Elisabeth Blanck

Miguel

_________________________________ Prof.ª Dr.ª Marta Morais da Costa

_________________________________Prof.ª Dr.ª Rosa Lydia Teixeira Correia

Curitiba, ____ de __________de_______

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Dedico este trabalho aos meus filhos Cássia e

André, que são a justificativa maior de todo meu

esforço para a consolidação do sonho de fazer

parte daqueles que buscam entender a

Educação no Brasil.

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AGRADECIMENTOS

À minha família que tanto sacrificou-se para que eu pudesse concluir este

trabalho.

À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Rosa Lydia Teixeira Correia, que soube a hora

de me chamar ao real e a hora de dizer-me o quanto eu estava progredindo.

Aos meus pais, que sequer sabem a enormidade de seus gestos de carinho e

encorajamento.

A Deus que me deu o caminho a ser seguido.

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RESUMO

A presente pesquisa investiga a (s) concepção (ões) de Educação presente (s) na formação de professores de Língua Portuguesa sob o enfoque histórico nos anos 50 e 60 do século XX. Para entender tais concepções , realiza-se uma breve retrospectiva histórica do período em questão recuperando aspectos políticos e econômicos que o caracterizaram. A sustentação de tal procedimento efetuou-se em historiadores como Romaneli, Ribeiro, Cunha, entre outros. O fio condutor da investigação são as orientações normativas contidas na Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), instituída no ano de 1958, cujas concepções vinculam-se ao Funcionalismo, ao Estruturalismo e ao Nacionalismo. Esse documento estabeleceu uma nova compreensão sobre o que deveria ser considerado como conteúdo no ensino da Língua Portuguesa. Além disso, foi necessário retroceder ao período imediatamente anterior e posterior à implantação daquelas normas, o que foi feito por meio de dois elementos: análise de livros didáticos usados no ensino da língua materna naquele momento e, para a contextualização do estudo, foram realizadas entrevistas com professores de Língua Portuguesa então atuantes ou que se formaram naquele período. Os aspectos relativos à concepção de língua alicerçam-se em Saussere e Bakhtin visando ao entendimento dos aspectos que nortearam a formação docente nos anos que margearam a Nomenclatura Gramatical Brasileira.

Palavras-chave: educação, formação de professores, ensino da Língua Portuguesa, história, Nomenclatura Gramatical Brasileira.

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ABSTRACT

This research studies educational conceptions adopted in formative activities in the 50's and 60's of the last century for Portuguese teachers under a historical perspective. In order to understand these conceptions, this work presents a brief historical background recovering the political and economic aspects of the period. Historians such as Romaneli, Ribeiro, Cunha and others gave the theoretical support of the hitorical part of the research. The starting point of this investigation was the language norm of the Brazilian Grammar (Nomenclatura Gramatical Brasileira - NGB) of 1958, closely related to Functionalism, Structuralism and Nationalism. This research established a new understanding of what was supposed to be the Portuguese Language teaching content. Furthermore, the study of the period before and the one after the implementation of NGB was also required and it happened in two ways: the analysis of text books used in teaching the mother language at that time and, for constextualization purposes, interviews with Portuguese teachers, some teaching at that time and others being prepared to be teachers in the period of this research. To achieve a better understanding of the concepts adopted in teacher formative activities of the target period of this study, the aspects related to language conceptions are based on Saussure and Bakhtin.

Key words: educational, formative activities for teachers, Portuguese Language Teaching, History, Brazilian Writing Norm.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................ 09

2. RETROSPECTIVA SOCIAL, POLÍTICA E ECONÔMICA DO BRASIL ENTRE

1950 E 1960............................................................................................12

2.1 A questão da nacionalização no período de 1930 a 1960......................12

2.2. A educação escolar no Brasil e no Paraná.............................................23

3. A LÍNGUA PORTUGUESA COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DE

CIDADÃOS...............................................................................................37

3.1. A língua portuguesa brasileira..............................................................37

3.2. A formação do professor de Língua Portuguesa....................................51

4. OS EFEITOS DA NOMENCLATURA GRAMATICAL BRASILEIRA NAS

CONCEPÇÕES DE ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E NA FORMAÇÃO

DE PROFESSORES................................................................................64

4.1 As causas da estruturação da Nomenclatura Gramatical Brasileira –

NGB.....................................................................................................65

4.2 – Os livros didáticos antes da Nomenclatura Gramatical

Brasileira......................................................................................................70

4.2.1 – Guérios: autor e educador...............................................................83

4.3 – Os livros didáticos depois da Nomenclatura Gramatical Brasileira

(NGB)........85

4.4 - A formação do professor de Língua Portuguesa nos anos 50 e 60......94

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................103

REFERÊNCIAS.............................................................................................109

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.......................................................................113

ANEXOS......................................................................................................116

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1 INTRODUÇÃO

A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) promulgada no ano de

1958, para alguns filólogos daquela época, invalidava as gramáticas

existentes até então e libertava o português do Brasil. Além disso, ainda na

visão de tais filólogos, abriu novas perspectivas para o ensino de Língua

Portuguesa. Fecundada em um contexto nacionalista e nascida através dos

anseios de filólogos em oficializar a Língua Portuguesa do Brasil, a

Nomenclatura Gramatical Brasileira pode ser considerada um baluarte

representativo do Tecnicismo, que norteia a formação de docentes em

línguas, notadamente em língua portuguesa. Embora tal questão pareça

óbvia à primeira vista, este trabalho investigou-a visando superar,

compreensões apriorísticas.

Dessa forma a pesquisa efetuou-se em três momentos: a) prosseguir no

levantamento, seleção, leitura, análise e sistematização bibliográfica visando

orientar a fundamentação teórica; b) levantamento, seleção, leitura e análise

de livros didáticos e livros lidos por professores e alunos de cursos de língua

portuguesa no período de estudo; c) entrevista com professores e alunos de

curso de língua portuguesa existentes no período do estudo.

Visando situar o problema de interesse deste estudo que é saber a

concepção ou as concepções que estiveram presentes na formação de

professores de Língua Portuguesa nas décadas de 50 e 60, fez- se necessário

realizar inicialmente um exercício intelectual de síntese, tendo como

referência a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), que norteia os

conteúdos e a metodologia do ensino de língua portuguesa no Brasil desde

1958.

Para se resolver a questão acima, traçaram-se os seguintes objetivos:

analisar, por meio de livros de Língua Portuguesa, a influência da

Nomenclatura Gramatical Brasileira de 1958 na formação de docentes de

modo geral e de Língua Portuguesa em particular visando destacar e analisar

também que concepção acha-se presente na orientação advinda dessa

nomenclatura. Analisar também, se essa influência está presente na maioria

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dos livros de Língua Portuguesa destinados à formação de professores dessa

língua no período em estudo.

A pesquisa pautou-se na história para alcançar seus objetivos. O inicio

do século XX que foi marcado pela modernização, na qual a mecanização

passou a ser referencial para todos os setores da sociedade. Também data

desse período as primeira tentativas de diferenciação entre a Língua

Portuguesa usada no Brasil e a usada em Portugal. A caminhada histórica

alcança a institucionalização das universidades a partir da década de trinta.

Nos anos de 1930, início do Governo de Getúlio Vargas, a educação buscou a

democratização (menção à Escola Nova), fato que acaba interferindo nas

metodologias de ensino em geral e em especial nas de ensino de Língua

Portuguesa. Os primeiros momentos das Faculdades de Letras não podem

ser deixados de lado, pois, afinal, eles interferiram diretamente no contexto

do ensino de língua materna.

Visando explicações para a estruturação da Nomenclatura Gramatical

Brasileira e seus reflexos na postura dos professores de Língua Portuguesa

diante do andamento da ação docente, passa-se pelo período pós-guerra

que se apresentou com uma política educacional populista1 e com a

continuidade na busca da oficialização das diferenças entre a língua

portuguesa do Brasil e a de Portugal.

Chegando-se, enfim, ao período de Juscelino Kubitschek tem-se o

slogan “50 anos em 5” que teve como resultado é o maior crescimento

industrial de toda a história do Brasil, cujo pano de fundo positivista. Tal

passagem tornou-se vital, pois o Paradigma Tecnicista, fruto daquele

discurso, permeia os planos de ensino de Língua Portuguesa e estrutura os

livros didáticos, cujos saberes estão retratados numa cronologia de

conteúdos demarcados e nominados pela NGB (Nomenclatura Gramatical

Brasileira) de 1958.

A partir daí, caminhou-se para a análise das concepções existentes nos

livros didáticos editados entre 1952 e 1964, assim como sua repercussão na

1 Embora a democratização da escola fosse uma necessidade, usa-se o termo

populismo por ser de consenso entre estudiosos do período Vargas.

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formação de docentes de Língua Portuguesa e no ensino da mesma por

professores atuantes naquele período.

Estruturou-se a pesquisa em três capítulos: 1º - Retrospectiva social,

política e econômica do Brasil entre 1900 e1960. Neste momento do discurso

procura-se inserir o interlocutor no contexto histórico que molda os

elementos geradores da Nomenclatura Gramatical Brasileira. 2º - A Língua

Portuguesa como instrumento de formação de cidadãos. Aprofunda-se nesse

capítulo as reflexões do uso da língua materna em prol da criação de uma

identidade nacional. 3º - Os efeitos da Nomenclatura Gramatical Brasileira no

ensino de Língua Portuguesa e na formação de professores. Aqui, tem-se uma

análise de livros anteriores à NGB (Nomenclatura Gramatical Brasileira) e

posteriores a ela. Inseridas em tal análise estão intrínsecas as concepções e

saberes dos docentes de Língua Portuguesa dos anos de 1950 e 1960.

Também neste capítulo é feita uma reflexão a partir de depoimentos de

professores que atuavam no ensino de Língua Portuguesa ou cursavam

Letras naquele mesmo momento.

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2 RETROSPECTIVA SOCIAL, POLÍTICA E ECONÔMICA DO BRASIL

ENTRE 1950 E 1960.

O sentimento nacionalista, que permeou a vida de alguns brasileiros e

influenciou o desenrolar da história do Brasil no período em estudo, agiu

diretamente na defesa da língua portuguesa falada no Brasil. O resultado de

tal defesa é a NGB - Nomenclatura Gramatical Brasileira concebida em 1958.

Para melhor se perceber as causas e conseqüências do nacionalismo

no contexto histórico brasileiro; e, consequentemente, na estruturação da

Nomenclatura Gramatical Brasileira; discorrer-se-á sobre a história a partir

das duas primeiras décadas do século XX. Buscando uma linearidade,

percorrer-se-á os tempos de governo de Getúlio Vargas, cujo nacionalismo é

meta principal de governo. Nos governos de Juscelino Kubitschek e João

Goulart abordar-se-á, principalmente, a concretização da Nomenclatura

Gramatical Brasileira. E, finalmente, chegar-se-á à Ditadura Militar, que será o

ponto final da exposição.

2.1 A questão da Nacionalização no período de 1930 a 1960.

O processo político-econômico brasileiro do inicio do século XX foi

marcado pela modernização, as máquinas passaram a ser o referencial para

todos os setores da sociedade e, embora ainda não existisse o termo

globalização, tal fenômeno era global. A elite econômica desfilava com seus

automóveis, suas invenções. Os literatos da época usaram nos cenários

elevadores, telefones, rádios, automóveis entre outros avanços tecnológicos,

como é o caso de Mário de Andrade em sua obra Paulicéia Desvairada. A

pintura, entre outros temas, buscou retratar a vida daqueles para quem o

progresso não chegou, aqui, cita-se como exemplo a obra de Lasar Segall,

Rua das erradias de 1926, que expõe a depressiva zona do mangue carioca.

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No mesmo período em que ocorria a pobreza retratada por Segall em

alguns pontos da cidade do Rio de Janeiro, acontecia em todo país o declínio

das oligarquias. Ribeiro traz a seguinte justifica para tal fato: "tal declínio

evidentemente ocorre devido à existência de novas forças sociais, em

decorrência das modificações na estrutura econômica" (Ribeiro, 1986, p, 91).

Ribeiro ainda explica as causas e o papel dessa modificação: “a modificação

básica é representada pelo impulso sofrido pelo parque manufatureiro que,

apesar de débil, passa a ter papel indispensável no conjunto da economia

brasileira.” (Ribeiro, 1986, p, 91)

Isso faz com que muitos daqueles que imperavam no campo se

transferissem para as regiões urbanas buscando alternativas na indústria

que sofre uma grande expansão. A relação estabelecida entre dominantes e

dominados no campo permanece na cidade conforme explana Ribeiro:

O componente representado pela burguesia industrial apresenta pontos de contato com os outros setores da classe dominante, não só pelo fato de muitos dos industriais serem ou terem sido fazendeiros, como também por se colocarem numa relação de dominação no que diz respeito à mão de obra. (1986, p. 92)

Tais acontecimentos fazem de São Paulo uma metrópole próspera.

Sobre isso Cereja e Magalhães afirmam: “A introdução de nosso país na

modernidade possui íntima ligação com o vertiginoso crescimento industrial

de São Paulo, que se deu a partir do início do século XX” (2005, p. 227). A

riqueza gerada por essa situação transformou-se em investimentos em vários

setores da economia paulista, principalmente o industrial. A arte também

beneficiou-se de tamanho progresso, pois

As frações das elites mais comprometidas com o crescimento industrial incorporavam os anseios de renovação e de revitalização cultural do país, que se manifestavam através de jovens inquietos e intelectualizados, alguns dos quais aristocráticos, que chegavam da Europa trazendo idéias e propostas das vanguardas para os mais diversos campos artísticos, o patrocínio de artistas acontecia corriqueiramente. (Amaral, 2005, p. 228)

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A chegada da massa de imigrantes entre 1880 e 1900,

principalmente italianos, em decorrência da força que representou, acabou

sendo um fator que impulsionou a industrialização. Por outro lado, muitos

desses imigrantes haviam vivido a experiência da luta de classes em seus

países e, em prol de melhores condições de trabalho, divulgaram aqui idéias

anarquistas e socialistas. O resultado de tais elementos é a organização do

proletariado que traz como conseqüência várias greves, sendo a maior delas

em 1917 em São Paulo

Os primeiros anos do século XX são, ainda, de radicais transformações

políticas, e abrangem acontecimentos decisivos para a vida nacional, como

as revoltas deflagradas pelo Movimento Tenentista ocorrido em 1922, que

teve como origem a crise política dos pleitos eleitorais. O Governo Federal

atuava ostensivamente na política partidária dos Estados e o Corpo Militar

era usado para manter a estabilidade política, fato que não agradava àqueles

militares cuja visão voltava ao momento da Proclamação da República e, por

isso, sentiam-se à margem da política nacional, pois se julgavam com o

direito de participar mais dos destinos do país pela inserção em decisões

políticas de caráter nacional. Esse contexto é agravado em outubro de

1921, quando o jornal Correio da Manhã publica algumas cartas

ofensivas ao Exército atribuídas ao candidato da "política do café com leite"

( nome dado à alternância no poder entre mineiros e paulistas) à Presidência

da República, Artur Bernardes que sai vencedor. Com a vitória de Bernardes,

jovens oficiais rebelaram-se para evitar a sua posse. O Tenentismo, portanto,

surgiu como um movimento de jovens oficiais decididos a romper com as

bases governamentais e através dele reivindicavam reformas nas bases

militares e na política atuante, pois concluíram “que o regime político era

bom, ruim eram os homens que estavam no poder” (Ribeiro, 1986, p. 93).

O ponto culminante do Movimento foi a “Grande Marcha” iniciada em

abril de 1925, quando as forças gaúchas comandadas pelo capitão Luís

Carlos Prestes se uniam com as tropas que fugiam de São Paulo. Os dois

grupos unidos mantiveram focos para retomar a luta. Prestes iniciou a longa

marcha afastando-se do país. A coluna atravessou o Paraguai e voltou ao

Brasil através do Mato Grosso, passando por Goiás, a coluna dirigiu-se para o

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Nordeste, atingiu o Estado do Maranhão e chegou, logo depois, à região

nordeste. Lá, os rebeldes percorreram praticamente todos os estados,

chegando a ameaçar efetivamente a cidade de Teresina. Em todos os

momentos a maior resistência vinha das forças arregimentadas pelos

coronéis.

Focos do movimento eclodiram por várias cidades. “ A série de

levantes dos tenentes ao longo da década de 20 culminou, em 1930, com a

sua participação na mudança do regime político em aliança com partidos das

oligarquias dissidentes e das camadas médias urbanas” ( Cunha, 1986 p.

233).

Ainda em 1922, aconteceu a fundação do Partido Comunista.

Intelectuais do porte de Astrojildo Pereira (um de seus fundadores), Caio

Prado Jr., Graciliano Ramos e Mário Schenberg vinculavam-se aos projetos

centrados na sociedade que tinham nas camadas proletárias o sujeito real da

intervenção social. Assim o PC foi o primeiro a representar de forma aberta e

programática o conjunto do proletariado brasileiro, e também a primeira

agremiação política a romper com os estreitos limites locais e ter âmbito

nacional. Assim, “ a intensidade do movimento operário, já então organizado

sob a liderança do Partido Comunista Brasileiro (...), mostrava não ser mais

possível definir a ‘questão social’ como um caso de polícia. Seria necessária

uma redefinição dessa ‘questão’, fazendo-se certas concessões aos

trabalhadores... (Cunha, 1986 p.233).

Não se pode deixar de referir a derrocada do monopólio na produção

de café tão poderoso em grande parte do século XIX e no início do século XX.

Ocasionada pela crise de 1929, mais especificamente com a quebra da bolsa

de Nova Iorque causada pela elevação das taxas de importação, medida de

proteção do governo dos Estados Unidos frente aos produtos europeus que

circulavam em abundância pelo território norte – americano. Em resposta, a

Europa elevou suas taxas alfandegárias na mesma medida. O resultado foi

uma crise no comércio mundial e a recessão.

Para tentar escapar da recessão, as empresas capitalizavam-se

colocando suas ações no mercado. A especulação foi maior do que se poderia

imaginar. Assim, o mercado deixou de confiar na Bolsa e quando as empresas

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buscaram saídas para encontrar capital, as ações simplesmente deixaram de

ser negociadas. Era a queda da Bolsa de Nova Iorque. O famoso “crack” da

Bolsa teve repercussão imediata no mercado mundial, gerando uma crise

gigantesca.

Tal crise afetou o governo e os cafeicultores brasileiros na medida em

que havia entre ambos o Convênio de Taubaté, assinado em 1906. Nele

estava estipulado que “garantiriam aos cafeicultores um preço mínimo por

saca de café, estabelecido em moeda estrangeira, mas pago em moeda

brasileira...” (Cunha, 1986 p. 234). Com a quebra da Bolsa acontece um

rompimento entre a burguesia cafeeira e os seus representantes políticos. “

As medidas tomadas por Washington Luís para enfrentar a crise,

abandonando a valorização do café, procurando manter os preços internos,

provocaram o desagrado da burguesia cafeeira.” (Cunha 1986 p. 234)

Em meio a isso, a política “café com leite” governava descontentando

os militares que acabaram organizando o Movimento Tenentista. No bojo

desses acontecimentos surgia o Modernismo representante de insatisfações

no campo artístico do período, assim também é percebido por Romanelli:

Durante o transcurso dos anos 20, vemos, portanto, irromperem as revoltas armadas que definiram o Tenentismo, a criação do Partido Comunista e a Semana de Arte Moderna, os quais tinham em comum a contestação e a oposição à velha ordem oligárquica latifundiária. (2005, p. 49)

Todos os componentes desse momento histórico apontam para um

nacionalismo que norteou mudanças ao longo das décadas seguintes. “Em

outubro de 1930, o Governo do Presidente Washington Luiz era derrubado por

um movimento armado que se iniciava ao sul do país e tivera repercussões

em vários pontos do território brasileiro.” (Romanelli, 2005, p.47)

Essa foi a chamada Revolução de 30 que teve como desfecho a

chegada de Getúlio Vargas ao poder. O Movimento, como diz Romanelli,

2005, p. 49 “ resultou de uma coalizão de forças” (...) Dessa coalizão podiam

distinguir-se duas correntes: a dos que desejavam mudanças apenas no

sentido jurídico, ou mesmo, promulgavam troca de pessoas no poder, e a

dos que se propunham lutar por mudanças mais profundas.” Esses últimos “

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os tenentes queriam um governo centralizado e nacionalista”. Como se

percebe os tenentistas primavam pelo nacionalismo. Como eles os

participantes do Modernismo tinham como maior característica a defesa

daquilo que é nacional, inclusive a defesa da língua coloquial usada pelo

brasileiro. Com essa intenção “ Tarsila escreveu o Manifesto Antropófago2 que

seria o início do movimento antropofágico brasileiro, com a intenção de

deglutir e abrasileirar toda a cultura européia.” (Infante, 2005, p. 510).

Tendo os modernistas uma visão nacionalista ,e sendo boa parte de

seus participantes pertencentes ao Partido Comunista (como é o caso de

Graciliano Ramos), conclui-se que, embora nascido de idéias importadas,

também primou por tudo que fosse nacional assim como os tenentistas o

foram, aliás um dos líderes desse último, Prestes, foi um famoso filiado do

Partido Comunista Brasileiro.

Esse emaranhado de acontecimentos, como já foi dito, leva ao poder

Getúlio Vargas em 1930, com a coalizão, entre tenentistas e

constitucionalistas “ os tenentistas conseguiram impor-se durante os

primeiros anos e a Revolução Constitucionalista foi um movimento

malogrado” (Romanelli, 2005, p.50). Com os tenentistas ao lado de Vargas, o

nacionalismo tomou força e expandiu-se, tento como resultado “ o

florescimento da cultura nacional” (Romanelli, 2005, p. 54).

Vargas foi uma das figuras mais complexas da política brasileira. Era

odiado por componentes dos flancos e do centro inclusive, mas amado por

grande parte do povo que o chamava de "pai dos pobres". Estrategista

exemplar, uniu forças antagônicas para chegar ao poder pregando o fim dos

arranjos políticos oligárquicos da República Velha através da ampliação da

democracia. Para tanto tentou acabar com o chamado "voto de cabresto"

implantando o voto secreto. Os tenentes entendiam, porém, que apenas a

adoção de voto secreto não acabaria com o “voto de cabresto”, pois a

situação era resquício das seculares relações de trabalho no campo. Assim,

propunham a suspensão provisória do processo eleitoral.

2 Manifesto Antropófago é o gerador do Movimento Antropofágico, cujo objetivo era

“devorar” idéias estrangeiras, eliminar o que não fosse bom para a realidade brasileira e

adaptar aquilo que fosse interessante à arte nacional.

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Essa medida contribuiu com a "Revolução Constitucionalista de São

Paulo" (de julho a setembro de 1932), pois, mesmo sendo lógica, era

impopular e não agradou aos Constitucionalistas. “ Em junho de 1932, as

classes dominantes em São Paulo, com apoio de parte do aparelho do Estado

aí localizado, e das camadas médias seduzidas pelo ‘constitucionalismo’,

levantaram-se em armas contra o poder central” ( Cunha, 1986, p. 239).

Mesmo derrotados militarmente, os liberais paulistas uniram-se aos

conservadores e juntos forçaram Vargas a convocar uma constituinte e

eleições. Foram vencidos, “Vargas foi eleito pela Assembléia presidente

constitucional do Brasil até 1938. (...) Quando aconteceriam “eleições

diretas para presidente da República. (...), mas Vargas estava impedido de se

candidatar...” (Cunha, p. 253)

Em 1935, a Intentona Comunista pretendeu levar os comunistas ao

poder com um golpe, mas Vargas novamente sai vitorioso. Os comunistas

procuraram tomar vários quartéis; por outro lado, a situação internacional,

com a ascensão do nazi-fascismo, favorecia a implantação de regimes

totalitários de direita. Nesse quadro, Vargas deu um golpe de Estado, em

novembro de 1937, antes mesmo do término de seu mandato, pois, como já

foi comentado, ele estava proibido de se candidatar à presidência em 1938.

Conforme relata Cunha:

Em novembro de 1937, o Senado e a Câmara dos Deputados foram fechados, dissolvidos todos os partidos políticos, proibidas as milícias, uniformes e insígnias, controladas as polícias militares estaduais pelo Exército, queimadas as bandeiras dos estados(símbolo da sua autonomia) (1986, p.254)

Vargas transformou-se em ditador e proclamou o "Estado Novo",

instaurando o populismo. Nesse período, que vai de 1937 até 1945, criou a

Justiça do Trabalho (1939), instituiu o salário mínimo, a Consolidação das Leis

do Trabalho, também conhecida por CLT. Os direitos trabalhistas também são

frutos de seu governo: carteira profissional, semana de trabalho de 48 horas

e as férias remuneradas. Em 1938, criou o IBGE ( Instituto brasileiro de

Geografia e Estatística), entre outras realizações.

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Na busca de uma economia estável e nacional, o governo encontra

nas idéias de Roberto Simonsen a saída para o problema, conforme aponta

Cunha:

O Estado Novo assumiu as idéias que Roberto Simonsen, famoso líder industrial paulista, vinha defendendo há alguns anos. Dizia ele que diante do valor declinante das exportações de mercadorias brasileiras e da ascensão das estrangeiras, não restava outra solução além da substituição dos produtos importados, sob o patrocínio do Estado. (Cunha, 1986, p. 254)

Assim sendo, investiu muito na área de infra-estrutura. Iniciou com os

EUA entendimento para instalar uma grande indústria siderúrgica no país e

equipar as Forças Armadas, em troca da participação do Brasil na Segunda

Guerra Mundial, criando a Companhia Siderúrgica Nacional (1940), a Vale do

Rio Doce (1942), e a Hidrelétrica do Vale do São Francisco (1945).

Além disso, dissolveu o Congresso, proibiu partidos políticos,

estabeleceu censura à imprensa e sufocou uma tentativa de golpe

integralista (nazi-fascista) banindo seus líderes e também os liberais que se

opunham ao seu governo. Rompeu com os países do Eixo (Alemanha, Itália e

Japão), estabeleceu as bases da nacionalização do petróleo, introduziu um

sistema de câmbio e cotas para regularizar a exportação de café. A ditadura

caiu com o fim da guerra.

Embora tenha sido um ditador e governado com medidas

controladoras e populistas, o governo de Vargas foi marcado pelo

investimento no Brasil. Além de criar obras de infra-estrutura e desenvolver o

parque industrial brasileiro, tomou medidas favoráveis aos trabalhadores. Foi

na área do trabalho que deixou sua marca registrada. Sua política

econômica gerou empregos no Brasil e suas medidas na área do trabalho

favoreceram os trabalhadores brasileiros. Ou seja, Getúlio foi impulsionado

pelo nacionalismo.

Embora Vargas tivesse o apoio popular, a vitória das democracias na II

Guerra Mundial precipitou o fim do Estado Novo. Os setores liberais

agrupados na UDN (União Democrática Nacional), os intelectuais que se

uniram com a publicação do Manifesto dos Escritores e os chefes militares

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democratas conseguiram que Vargas marcasse eleições presidenciais e

convocasse uma constituinte. Tais forças políticas lançaram candidatos

próprios para a presidência, mas o prestígio do qual gozava Vargas,

principalmente frente aos trabalhadores das indústrias, estruturou, em 1945,

o Movimento do Quererismo (nome originário do slogan do movimento:

Queremos Getúlio), cujo objetivo era de defender a permanência de Getúlio

Vargas na presidência da República. No viés do movimento em questão,

surge o Partido Comunista do Brasil, recém-legalizado após anos de

clandestinidade, manifestando apoio a Getúlio. Nos anos que se sucederam,

o movimento atingiu outras capitais e ganhou dimensões de massa. Os

queremistas estavam seguros do prestígio do presidente. Vargas, por sua vez,

saudava os manifestantes da sacada do palácio presidencial e começava a

dar mostras de que pretendia continuar no poder.

Em outubro de 1945, Vargas foi deposto pelo alto comando do

Exército após tentar colocar seu irmão Benjamim Vargas na chefia do Polícia

do Distrito Federal. Tal manobra foi interpretada por seus adversários como

um golpe para preparar sua continuidade no poder.

Em 1946 assume o governo Eurico Gaspar Dutra, que foi apoiado por

Vargas, pois havia sido seu ministro da Guerra do governo. Naquele mesmo

ano é promulgada uma nova Constituição, cujos traços principais foram o

retorno da democracia, assegurando mandato presidencial de 5 anos,

eleições diretas e a manutenção de inúmeros direitos trabalhistas

conquistados ao longo da Era Vargas. Quanto à educação, a nova

Constituição retoma parte do texto de 1934 relativos à gratuidade . “No art.

168-II, lê-se o seguinte: ‘O ensino primário oficial é gratuito para todos; o

ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-a para quantos provarem falta

ou insuficiência de recursos’. “ ( Ribeiro, 1986, p. 123). Mas, embora com o

apoio de Getúlio, que ainda gozava de certo prestígio popular, o governo

Dutra não consegue resolver o problema da “inflação que iniciada em 1942

marcou o governo Dutra, enriquecendo um pequeno grupo apenas, já que os

salários reais diminuíam, e os preços subiam assustadoramente.” (Ribeiro,

1986, p. 124)

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Internamente, o general Dutra objetivou acatar os interesse da classe

dominante. Essa tinha conseguido grandes vantagens, como o acúmulo de

capital, durante o Estado Novo. Depois de fortalecido passou a querer

participar mais de perto nas decisões governamentais. Para atingir seu

intento, Dutra buscou aperfeiçoamento da assistência estatal nos setores de

saúde, alimentação, transporte e energia. Adotou uma política econômica

liberalizante, facilitando o acúmulo de capital às custas de baixos salários, e

expandindo as empresas estrangeiras. Esta última traz conseqüências

drásticas à economia nacional.

O PCB (Parido Comunista Brasileiro) teve seu registro de

funcionamento cassado em função da política externa que se alia aos Estados

Unidos na Guerra Fria e rompe relações com a União Soviética. A

conseqüência mais imediata foi a abertura da economia brasileira às

importações norte-americanas. Para tentar evitar o crescimento excessivo de

tais importações, o Cruzeiro, moeda nacional, foi desvalorizado.

Os nacionalistas fizeram campanha contra o governo. As oligarquias

industriais, por sua vez, exigiam o congelamento do salário-mínimo com a

intenção de garantir o acúmulo de capitais. Isso provocava, é claro, greves

diuturnas e cuja responsabilidade era imputada aos comunistas. Mais de 100

sindicatos sofreram intervenção governamental com o intuito de encurralar o

movimento popular.

A conciliação social era improvável. A burguesia, temerosa em perder o

controle das massas urbanas proletárias que se inquietavam, o que

comprometia seu capital, decide substituir Dutra por alguém capaz conduzir

as massas.

Embora deposto em 1945, não foi difícil para Getúlio convencer o

eleitorado de que ele era a solução para os problemas que se apresentaram

no Governo Dutra. E assim foi reeleito em 1951. Com o apoio de setores

dissidentes (maioria) do PSD e todo o PTB, o "pai dos pobres", como era

conhecido Getúlio derrotou Eduardo Gomes (UDN) e Cristiano Machado

(candidato oficial do PSD) .

Nesse momento as marcas do governo Vargas, que já eram visíveis

anteriormente, se fazem explícitas e irrefutáveis: o populismo e o

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nacionalismo. Para tanto o plano interno é voltado ao desenvolvimento da

indústria nacional, tomando como base o acúmulo de capital. O plano

externo direciona-se para a criação de uma economia independente do

capitalismo internacional, agora sob a liderança norte-americana.

Colocando em prática suas aspirações de alavancar a economia,

Vargas direciona-se ao nacionalismo. Assim, lançou as bases para a

industrialização do país criando o Banco Nacional do Desenvolvimento

(BNDES) para financiar o programa. Na busca de uma aproximação maior

com os trabalhadores, Vargas concedeu aumentos salariais da ordem de

100%. Aumentou o salário mínimo em mais de 300%.

Ainda no primeiro ano de seu governo, Getúlio denunciou a espantosa

remessa de lucros das empresas estrangeiras para suas matrizes, uma

terrível sangria para a economia nacional. Por conta disso, foi aprovada a Lei

de Remessas de Lucro em 1952, obrigando as empresas multinacionais a

reinvestirem no mínimo 10% de seu lucro líquido.

Sua política econômica nacionalista também é marcada pela criação

da PETROBRÁS em 1953 e do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico), pela idealização da Eletrobrás, concebida somente no Governo

Goulart. Reequipou as ferrovias, construiu 600 quilômetros de rodovias por

ano, aumentou em 60% a produção de energia e limitou a remessa de

lucro para o

exterior das empresas estrangeiras.

As decisões de Getúlio não agradavam a todos, tanto que em 1954,

homens de sua guarda pessoal contrataram pistoleiros para eliminar o

jornalista da oposição Carlos Lacerda e estes mataram por engano um major

da Aeronáutica. Lacerda era jornalista, ex-comunista, extremista de direita

nos anos 40 e editava o jornal "Tribuna da Imprensa" e principal inimigo de

Getúlio. Para ele, Vargas era corrupto, extremamente benevolente para com

seus aliados e excessivamente tolerante para com os comunistas. Atacado

pelos opositores e diante do ultimato de renúncia feito pelas Forças Armadas,

Getúlio Vargas suicidou-se com dois tiros no peito na madrugada de 24 de

agosto daquele mesmo ano.

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A influência de Getúlio no contexto nacional é tão imensa que mesmo

depois de sua morte, seus atos continuam conduzindo os passos de nossa

política. É o caso de sua carta-testamento transformada em programa

político pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), influente na eleição de JK

pela coligação PTB/PSD e mantenedora da chama do nacionalismo petebista

até o golpe militar de 1964.

A sucessão presidencial se dá através de Juscelino Kubitschek de

Oliveira que, eleito em 1955 pela coligação do PSD - Partido Social

Democrático - com o PTB - Partido Trabalhista Brasileiro, tem o gaúcho João

Goulart como vice-presidente. É a continuidade do populismo. Só que ao

contrário de Vargas, Juscelino Kubitschek incentiva a entrada do capital

estrangeiro. Com isso setores militares e políticos da oposição, especialmente

da UDN – União Democrática Nacional -, iniciam um movimento a favor de

um golpe militar contra a posse de J.K. Mas em novembro de 1955, o ex-

ministro da guerra, General Teixeira Lott, põe as tropas nas ruas e garante a

posse do presidente eleito em janeiro de 1956.

O slogan de Juscelino era desenvolver o Brasil “50 anos em 5”. Uma

das premissas para a efetivação de tais palavras era a industrialização

acelerada do país e fazer desta o centro das atividades nacionais, superando

a dependência da economia do café. O resultado é o maior crescimento

industrial de toda a história do Brasil, a produção se expande na ordem de

80%. A receita para tamanho sucesso é o incentivo ao investimento do

capital estrangeiro. Segundo Ribeiro

no transcorrer do governo de Juscelino, há a tentativa (impossível) de conciliar o modelo político – nacional-desenvolvimentista – com o modelo econômico – substituição de importações em sua segunda fase -, agora contando basicamente com a colaboração do capital estrangeiro. (1986, p. 141)

Com o objetivo de levar o desenvolvimento para o interior do país, a

nova capital - Brasília - começa a ser construída em 1957 e é inaugurada em

1960. O projeto da cidade fica com o urbanista Lúcio Costa e o arquiteto

Oscar Niemeyer. A construção mobiliza trabalhadores de todas as regiões do

país. Mais de treze mil quilômetros de rodovias federais, ligando a nova

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capital aos principais centros urbanos, são construídos. “Desta forma, os anos

de 1956 a 1961 constituíram-se no período ‘áureo’ do desenvolvimento

econômico brasileiro, aumentando as possibilidades de emprego ...” (Ribeiro,

1986, p. 141)

Também na década de 20 consolida-se o Modernismo, corrente

artística surgida como resposta às conseqüências da industrialização,

revalorizando a arte e sua forma. Para tanto os integrantes do movimento

apresentaram às seguintes características:

1o.) aprofundamento da investigação da cultura e da realidade, iniciada pelos pré-modernistas3; 2o.) valorização da linguagem falada e de suas formas típica como recurso literário, o que significou uma profunda remodelação da linguagem literária, que desde então se libertou definitivamente de modelos acadêmicos e passou a considerar as formas coloquiais e populares um patrimônio cultural expressivo muito importante. (Infante, 2005, p.506)

2.2. Educação escolar no Brasil e no Paraná

A Educação na década de 1920 passa por uma reforma, estruturada

por Sampaio Dória, que representava a corrente liberal, a qual defendia a

igualdade de oportunidades e a evolução pela educação, além disso era

vinculado à Liga Nacionalista de São Paulo e via o analfabetismo como

incompatível com a civilização. Ademais temia – como boa parte da elite

intelectual e política dos anos 1920 – pela integridade da Pátria, afirmando

que

a alfabetização do povo é, na paz, a questão nacional por excelência. Só pela solução dela o Brasil poderá assimilar o estrangeiro que aqui se instala em busca de fortuna esquiva. Do contrário, é o nacional que desaparecerá absorvido pela inteligência mais culta dos imigrantes. (Dória, 1923, p.16)

3 Pré-modernismo: movimento literário surgido no início do século XX e que deu base

para o Modernismo.

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Dória explicita a preocupação em não deixar o nacional sucumbir ao

estrangeiro. A clareza de Dória não pára na ânsia do nacionalismo, continua

no seu posicionamento em relação ao sistema de ensino anterior, o qual

julgava pretensioso e ineficaz:

a escola urbana de quatro anos tal como tínhamos antes da Reforma, é a mais pura, a mais acabada ideologia delirante. É um aparelhamento que não alcança, nem pode jamais alcançar os fins que visava. (Dória, 1923, p. 299)

Sendo o objetivo maior da reforma levar a instrução básica a todas as

crianças, foram criadas delegacias regionais de ensino, que visavam alcançar

alternativas para os altos índices de analfabetismo, cujo percentual na

população de mais de 15 anos era maior que 69%. Como pode ser observado

no quadro a seguir :

Especificação 1900 1920População 17.438.434 30.635.605Densidade demográfica 2,06 4,88Renda per capita em dólares 55 90Percentual de população urbana 10 16Percentual de analfabetos (de 15 anos e mais)

65,3 69,9

(Lourenço Filho, apud Romanelli, 2005, p. 62)

As proposições da reforma eram tão avançadas a ponto de Azevedo

(1958, p. 55) afirmar que se tratava de “um divisor de águas” entre as idéias

conservadoras e as renovadoras ''uma reação categórica, intencional e

sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional (...)''. Essa

educação deixava a condição de privilégio das classes mais abastadas e

direcionar-se-ia à população em geral. Como é percebido no contexto a

seguir.

deixa de constituir um privilégio determinado pela condição econômica e social do indivíduo, para assumir um ''caráter biológico'', com que ela se organiza para a coletividade em geral, reconhecendo a todo o indivíduo o direito a ser educado até onde o permitam as suas aptidões naturais, independentemente de razões de ordem econômica e social. (Azevedo, 1958, p. 64)

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O emaranhado de acontecimentos atinge a todos os estados, e o

Paraná não passa incólume. No início do século XX começa a se delinear

uma elite de intelectuais do Paraná com a fundação do Museu Paranaense

por Ermelino de Leão e José Cândido da Silva Muricy e com as busca da

construção da identidade do Paraná. A modernidade se amplia trazendo a

melhoria da eletricidade, o telefone, a industrialização, os bondes,

automóveis e tudo isso através dos trilhos dos trens que desde muito já

figuravam em nossas paisagens. Com o progresso veio a necessidade de se

educar a população. Assim, algumas escolas primárias surgiram pelo estado.

Vale lembrar que embora tenha ocorrido um aumento na demanda de alunos,

a grande maioria da população ainda não tinha acesso ao ensino das

primeiras letras.

À propagação das escolas primárias paranaenses, seguiu-se a valorização do ensino público secundário de cunho propedêutico e dos cursos profissionalizantes.(...) Curitiba contava ainda com o Instituto de Agronomia, o Instituto Comercial, a Escola de Aprendizes e Artífices e a Escola Profissional Feminina. (WACHOWICZ, 2004 p. 91)

Além da educação pública também proliferaram as escolas particulares,

dentre elas as escolas de imigrantes. Sustentadas por diversas entidades

representativas de comunidades étnicas: alemães, polonesas, ucranianas,

italianas.

O nacionalismo, tão intenso no período em questão, atinge diretamente

as escolas estrangeiras em função do receio de se perder a nacionalidade em

meio a tantas culturas que chegavam diuturnamente. As escolas dos

imigrantes passaram a ser alvo constante de investidas. Uma das exigências

do nacionalismo foi a obrigatoriedade do ensino da Língua Portuguesa, da

história e da cultura brasileira. Tais obrigatoriedades apareceram em 1917,

no “Código do Ensino” de iniciativa do então Secretário do Interior, Justiça e

Instrução Pública, Dr. Enéas Marques dos Santos. O conteúdo do “Código de

Ensino”, referente ao ensino particular, é exposto por WACHOWICZ:

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Art.180 – É obrigatório, em todas as instituições particulares do curso primário ou secundário, nacionais ou estrangeiras, o ensino da Língua Portuguesa.Art. 181 – Não poderão receber quaisquer favores diretos ou indiretos do Estado ou Institutos as escolas particulares que não cumprirem os seguintes preceitos:Parágrafo 2º. – Ensinar a Corografia do Brasil, a História do Brasil e a Língua Portuguesa, ao menos de acordo com o programa oficial do curso primário.

Essa exigência fez com que as escolas polonesas, por exemplo,

modificassem seus programas para atendê-la. Para tanto estipularam o

seguinte currículo: pela parte da manhã ensinavam o polonês; à tarde o

português; entre uma aula e outra, havia um intervalo de dez minutos, sendo

que o tempo de duração de uma aula era de sessenta minutos; observa-se

aqui uma preocupação com o tempo de atenção dos alunos, pois não seria

produtível uma aula seguida de outra. Atendendo ainda ao avanço da

modernização, as escolas que tinham seus professores vindos da Europa ou

com relações européias e, consequentemente, com ideais relativos à Escola

Nova conforme atesta Wachowicz

Procurava-se a atualização pedagógica. Nos cursos de aperfeiçoamento, realizados nas férias e promovidos pela entidades dos professores, como a Kultura e Oswiata4, e aos quais comparecia grande número de professores, tratava-se das disciplinas pedagógicas, sobretudo Psicologia, Metodologia e Prática, na linha dos defensores da Escola Nova, movimento que na época já estava desenvolvido na Europa e Estados Unidos. (2002, p. 84)

Assim, eram estruturados os métodos de ensino para os cursos de

aperfeiçoamento, fundamentados no seguinte processo psicológico: “a)

preparo da criança para novos dados(...) b) apresentação dos dados novos

(...) c) comparação (...) d) generalização (...) e) aplicação (...)”(Wachowicz,

2002, p. 85). Já a alfabetização acontecia dentro do seguinte processo:

O professor deve, gradualmente, introduzir exercícios sistemáticos, que preparam a criança para o estudo na cartilha. As crianças devem aprender a separar palavras curtas em sons, até serem capazes de o fazerem sem o auxílio do professor. Isso pode ser feito através de jogos e brincadeira, em que as

4 Kultura e Oswiata: entidades que visavam à restauração da escola polonesa no

Brasil.

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crianças se exercitam em interesse (...) Além disso, antes de começar o trabalho na Cartilha, a criança deve aprender a dominar o lápis (...) a criança dever desenhar bastante, e livremente: desenhar as personagens das histórias que ouve, desenhar aquilo que a interessa – com o objetivo de dominar o lápis. (Wachowicz , 2002, p. 87)

Embora bem estruturadas sob o ponto de vista pedagógico, as escolas

polonesas não sobreviveram às investidas do nacionalismo criado pelo medo

gerado pela Primeira, e logo, pela Segunda Guerra Mundial, pois para

lideranças políticas a existência de comunidades estrangeiras era fato

fomentador de desconfianças e inseguranças, já que tais comunidades

mantinham relacionamentos com seus países de origem e isso poderia gerar

movimentos homônimos aos existentes na Europa.

Com o fim das escolas polonesas, o Governo substituiu-as por escolas

nacionais, mas isso aconteceu quinze ou vinte anos mais tarde, resultando

no analfabetismo de uma geração inteira,

12.283 crianças, em 1937, recebiam instrução básica nas 349 escolas da imigração polonesa no Brasil. Estas 349 escolas foram repentinamente fechadas pelo fato de serem estrangeiras, e não foram imediatamente substituídas por escoas nacionais; a substituição destas escolas pela Escola Pública tardou de 15 a 20 anos e, em alguns lugares, ainda não se realizou; o resultado foi a permanência, no analfabetismo, de uma geração inteira, na colonização polonesa, nos Estados Meridionais do país. (WACHOWICZ, 2004, p. 99)

Devido ao panorama histórico da educação, o Paraná sofria com a

inexistência de profissionais capacitados. A falta desses profissionais ficou

mais clara quando o Paraná perdeu, na justiça, a Região do Contestado para

Santa Catarina. Esse acontecimento fez com que as lideranças políticas da

época se empenhassem mais num projeto de 1892, cujo progenitor era Rocha

Pombo. O projeto vislumbrava a fundação da Universidade do Paraná, sendo

inclusive colocada na Praça Ouvidor Pardinho sua pedra fundamental, porém

não houve andamento, pois o Movimento Federalista impediu a criação da

Universidade.

Após 20 anos o projeto é retomado tendo como líder Victor Ferreira do

Amaral, pois o Paraná se desenvolvia muito com abundante produção da

erva-mate e não podia mais esperar. Assim, “em 1913, a Universidade

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começou a funcionar com os cursos de Ciências Jurídicas e Sociais,

Engenharia, Medicina e Cirurgia, Comércio, Odontologia, Farmácia e

Obstetrícia.” (Wachowicz, 1986, p. 56)

Com a Primeira Guerra Mundial, veio a recessão econômica, depois,

em 1920, em nome de um nacionalismo ( o mesmo que interveio nas escolas

ditas estrangeiras), o Governo Federal lança mão de uma lei que decreta o

fechamento das Universidades, pois não via com bons olhos as iniciativas

surgidas de forma independente nos estados. Para evitar o fechamento, a

Universidade é desmembrada e transformada em faculdades. Durante mais

de 30 anos lutou-se pela Universidade, mas somente na década de cinqüenta

as faculdades são novamente reunidas e formam a Universidade Federal do

Paraná.

A industrialização é, ao mesmo tempo, causa e efeito do progresso

tecnológico, e, concomitante, veio a necessidade de mão de obra, como

conseqüência um aumento da demanda no ensino superior.

Assim se molda o panorama histórico não só do Paraná mas também do

Brasil nas décadas de 10 e 20 do século XX: um grande desenvolvimento

industrial, e, consequentemente, um aumento populacional urbano gerado

por aqueles que fugiam do desalento rural; por ex-escravos e/ou

descendentes que não tinham para onde ir; por imigrantes obrigados pela

guerra ou em busca de novas perspectivas de vida vinham aos grandes

centros com a esperança de realizar seus sonhos. Esse aglomerado de

elementos contribui para a fundação do Partido Comunista.

As idéias no campo da educação aparecem diferentes das do século

antecedente, quando a economia era voltada para o campo e não havia a

necessidade de mão de obra alfabetizada. Agora, com a industrialização, o

mercado precisa de pessoas mais preparadas, mesmo que fosse para apertar

um único botão. Fato também exemplificado em Tempos Modernos de 1936,

filme dirigido, produzido e estrelado por Chaplin. Assim a preocupação com

os problemas sociais, em especial com o alto índice de analfabetismo se

justifica e como conseqüência traz nas entrelinhas o nacionalismo exaltado

nas outras áreas já discutidas.

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no campo das idéias, as coisas começaram a mudar com movimentos culturais e pedagógicos em favor de reformas mais profundas; de outro, no campo das aspirações sociais, as mudanças vieram com o aumento da demanda escolar impulsionada pelo ritmo mais acelerado do progresso de urbanização ocasionado pelo impulso dado à industrialização após a I Guerra e acentuado depois de 1930. (Romanelli, 2005, p. 45)

A educação tomou o mesmo rumo da política e da economia. No

primeiro momento do Governo Vargas coexistiam “ duas políticas

educacionais opostas, a liberal e a autoritária” (Cunha, p.230). A última teve

suas origens nos anos 20 quando no governo de Artur Bernardes medidas

foram tomadas para impedir contestações à ordem social. Dessas medidas

surgiram o Conselho Nacional dos Estudantes e depois a União Nacional de

Estudantes – UNE- , “resultado da tentativa de cooptação dos estudantes,

opositores ao autoritarismo, pelo Estado, interessado no seu controle por

mecanismos corporativos.” (Cunha,1986, p. 230). Contudo, as intenções não

são completamente alcançadas. A UNE caracterizou-se (embora estruturada

em bases autoritárias)

por orientações democráticas, conseguindo razoável espaço político, mesmo durante o Estado Novo”, pois “ a UNE nasceu junto com a elaboração de uma nova política educacional, na mesma linha dos educadores liberais igualitaristas, então silenciados, mas defendendo posições muito mais radicais do que as sonhadas por eles.” (Cunha, 1986, p. 230, 231)

Os "educadores liberais igualitaristas" aos quais Cunha refere-se no

trecho anterior, surgem no bojo das necessidades das classes trabalhadoras

e dos estratos médios a partir de meados de 1932.

Dessa forma durante o período de 32 a 1935 a educação escolar vivia “

os conflitos cruzados entre setores das classes dominantes, da burocracia do

estado, de setores das camadas médias e das classes trabalhadoras

propiciaram o desenvolvimento contraditório das duas políticas educacionais”

(Cunha,1986, p.231) Mas também é nesse período que ocorrem grandes

mudanças em nosso contexto educacional como afirma Cunha:

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Anísio Teixeira foi convocado (...) para ocupar a Diretoria de Educação do Distrito Federal, o que fez de 1932 até 1935. Neste período, realizou importantes mudanças no sistema educacional escolar da cidade do Rio de Janeiro, principalmente no que se refere à diminuição das distinções curriculares que separavam as escolas pós-primárias para futuros operários, das escolas secundárias para futuros burocratas e profissionais liberais. (1985, p. 275)

A política educacional liberal estruturava-se no Liberalismo que

conforme Cunha é um “sistema de idéias construído por pensadores ingleses

e franceses, nos séculos XVII e XVIII (...) baseia-se em cinco princípios: o

individualismo, a liberdade, a propriedade, a igualdade e a democracia”

(1986, p. 256). Tais princípios deram margem à Escola Nova que via no

individualismo a capacidade de cada ser humano desenvolver seus talentos

próprios, na liberdade de escolha, na igualdade de direitos, todos devem ter

condições iguais de competir, na democracia igualitária onde todos têm o

direito de participar.

Essas novas idéias tornam-se densas ao mesmo tempo em que o

Ministério da Educação, criado por Getúlio Vargas 11 dias depois de sua

posse, em 03 de novembro de 1930, tem como seu primeiro Ministro,

Francisco Campos, reformador da educação em Minas Gerais na década de

20, seguidor da Escola Nova, que havia chegado ao Brasil pelas mãos de

educadores como Lourenço Filho, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo entre

outros. Dessa forma nos descreve Cunha, aquele momento: “ Era no Rio de

Janeiro, sede da ABE, onde estava o principal foco irradiador de idéias

renovadoras no campo educacional” (1986, p. 273)

Essa nova visão não surge por uma questão social (ao menos sob o

ponto de vista dos governantes), mas sim econômica pois, como pode ser

observado em Romanelli:

desde a segunda metade do século XIX, os países mais desenvolvidos vinham cuidando da implantação definitiva da escola pública, universal e gratuita. (...) O capitalismo, notadamente o capitalismo industrial, engendra a necessidade de fornecer conhecimento a camadas cada vez mais numerosas,

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seja pelas exigências da própria produção, seja pelas necessidades do consumo que essa produção acarreta. Ampliar a área social de atuação do sistema capitalista industrial é condição de sobrevivência deste.(2005, p. 59)

A preocupação, seja qual for seu motivo, rendeu pontos positivos, pois

o índice de analfabetismo na década de 20 beirava os 70 por cento, duas

décadas depois já havia baixado quatorze pontos percentuais, isso na

população com idade superior a 15 anos, como mostra Romanelli (2005, p.

62), comentando o trabalho de Lourenço Filho.

Em 1955, surge o Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, cujo

objetivo era pôr em evidência a cultura brasileira. Criado em 1955 por Café

Filho e implementado por Juscelino Kubitschek, o ISEB projetou-se como

centro formulador de uma ideologia desenvolvimentista no país. Também

sobressaiu enquanto matriz de uma concepção de cultura como elemento

impulsionador de transformações socioeconômicas e de fixação de

identidades nacionais.

O nacional-desenvolvimentismo foi então concebido como essa

ideologia-síntese capaz de levar o país por meio da ação estatal

(planejamento e investimento público) e de uma ampla frente classista à

superação do atraso econômico-social e da alienação cultural. Uma nação

desenvolvida e soberana estava, assim, no horizonte ideológico da maioria

desses intelectuais.

Também em 55, acontece a Campanha Nacional de Alimentação Escolar

- CNAEO que garantia a alimentação escolar dos alunos de toda a rede de

educação infantil matriculados em escolas públicas e filantrópicas, tendo

como objetivo atender às necessidades nutricionais dos alunos durante sua

permanência em sala de aula e, assim, contribuir para o crescimento, para o

desenvolvimento, para a aprendizagem e o conseqüente bom rendimento

escolar, bem como a formação de hábitos alimentares saudáveis.

As lutas ideológicas em torno da organização do sistema educacional

brasileiro têm suas vitórias dentro do governo de Juscelino Kubitschek.

Iniciadas em 1946, as idéias foram organizadas por uma comissão presidida

pelo eminente educador Lourenço Filho e dividida em três subcomissões:

uma para o Ensino Primário, uma para o Ensino Secundário e outra para o

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Ensino Superior. Em novembro de 1948, um anteprojeto foi encaminhado à

Câmara Federal. Dava-se início a uma luta ideológica em torno das propostas

apresentadas. Primeiramente as discussões estavam voltadas às

interpretações contraditórias das propostas constitucionais. Posteriormente,

relacionaram-se à questão da responsabilidade do Estado quanto à educação,

inspirados nos educadores da velha geração de 30, e a participação das

instituições privadas de ensino. Depois de 13 anos de acirradas discussões foi

promulgada a Lei 4.024, em 20 de dezembro de 1961. A esse respeito

Romanelli comenta:

Notaram-se dois períodos nos debates em torno da reforma do ensino: um primeiro, mais prolongado, que vai de 1948, quando foi apresentado o anteprojeto primitivo, até 1958; um segundo período começa aí e termina com a votação da lei, em 1961. (2005, p. 172)

A luta trouxe resultados positivos para o sistema educacional, pois

colocou lado a lado educadores dos anos trinta e os contemporâneos da

década de sessenta, além de elementos de segmentos sociais diferentes

como estudantes e operários. Ainda em Romanelli encontra-se a seguinte

ótica a respeito:

A consciência aprofundada e amadurecida dos problemas relativos à nossa realidade educacional agora mobilizavam um contingente muito mais significativo do que aquele com que tinham contado ‘os pioneiros’. Participavam também da luta estudantes , operários e intelectuais.(p. 172)

É facilmente percebida a preocupação com a realidade social brasileira

expressada desde a era Vargas, mas, mesmo assim, pouco se evoluiu no

sistema educacional, pois “havia ainda pouca probabilidade de que os termos

‘diretrizes e bases’ tivessem adequada interpretação por parte da

mentalidade formada no exercício das funções políticas do regime anterior.”

(Romanelli, 173)

A preocupação com os índices de analfabetismo continua presente,

tanto que em 1958 acontece a Campanha Nacional de Erradicação do

Analfabetismo, nascida do conflito existente entre a visão de que o

desenvolvimento econômico possibilita o desenvolvimento educacional e a

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de que o desenvolvimento educacional possibilita o desenvolvimento

econômico. A primeira defendida pelo grupo dos desenvolvimentistas, já a

segunda empunhada por educadores e economistas. À frente do projeto

estava Darci Ribeiro que inspirado pelo movimento da Escola Nova, cujo líder

era o educador baiano Anísio Teixeira, Darcy entrou na luta pela escola

pública gratuita e de qualidade. E abraçou definitivamente a causa da

educação, regendo movimentos como esse. O resultado de tanto esforço

aparece nos índices de analfabetismo nas décadas de 50 e 60 em relação às

anteriores, é o que mostra o gráfico a seguir estruturado por Lourenço Filho.

INDICADORES DEMOGRÁFICOS E ECONÔMICOS DE TAXAS DE ALFABETIZAÇÃO

Especificação 1940 1950 1960População 41.236.315 51.944.397 70.119.07

1Densidade demográfica 4,8

8 6,14 8,3

9Renda per capita em dólares

180

- 236

Percentual de população urbana

31

36 46

Percentual de analfabetos (de 15 anos ou mais)

56, 2

50,0 39,5

Fonte: Lourenço Filho, Evolução da Taxa de Analfabetismo de 1900 a 1960. R.B.E.P., nº. 100. Fundação IBGE Brasil: Séries Estatísticas Retrospectivas,1970.

A diferença de percentual de analfabetos com mais de 15 anos entre as

décadas de 40 e 60 é de 16,7% a menos. Isso é de extremo significado,

levando-se em conta que a população cresceu praticamente 70%.

Analisando-se ainda os índices apresentados acima e comparando-os com

aqueles referidos na página 22 percebe-se que houve uma diminuição do

analfabetismo em quase 100%, em contra-partida a população quadriplicou.

Para se entender melhor o momento em questão, tem-se a necessidade

de refletir sobre os fatos até então acontecidos. Desde o final do século XIX, o

Brasil observa a valorização daquilo que é nacional. A intensificação desse

nacionalismo é evidenciado a partir de 1930. Nota-se isso primeiramente na

política, paulatinamente, voltada também para os problemas sociais

escancarados por grupos proletários organizados, inclui-se, nesse contexto, a

política educacional cada vez mais preocupada com o acesso do povo às

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escolas. Também a economia tem um surto de nacionalismo quando busca

seu próprio desenvolvimento distanciando-se do capital estrangeiro. As

artes, em especial a literatura, fazem um caminham pela realidade brasileira

buscando expor suas mazelas, suas verdades dentro de um enredo cujas

paisagens e personagens são tipicamente nacionais. Nessa visão

nacionalista, surge oficialmente em 1958 a NGB – Nomenclatura Gramatical

Brasileira que será melhor abordada no capítulo seguinte. Em 58 também,

vale lembrar, o Brasil ganha sua primeira Copa do Mundo, e, logicamente, o

sentimento patriótico cresce, aumentando ainda mais os sentimentos

nacionalistas já existentes.

Em 1957, 400 mil trabalhadores fizeram uma greve geral por reajuste

de salários para compensar a inflação. No Nordeste, as lutas pela terra se

intensificaram através das Ligas Camponesas que reivindicavam reforma

agrária e agitavam a política da região. O FMI – Fundo Monetário Internacional

- condicionou a liberação de empréstimos a uma política de contenção

salarial e corte nos gastos públicos. Isso desagradou os nacionalistas que,

imediatamente, pressionaram Kubitschek.

O período final do governo Kubitschek foi marcado por uma crise

econômica que, agravada com o rápido crescimento da indústria e dos gastos

com a construção da capital, elevou a inflação de menos de 20% ao ano em

1956, a mais de 30% em 1960. Como conseqüência cresceu a oposição ao

governo.

Jânio Quadros, sucessor de JK, logo após sua posse em 31 de janeiro de

1961, vira notícia em todos os jornais. Como exemplo reporta-se ao jornal

Folha de São Paulo que na edição de 25 de agosto de 1961 trouxe a seguinte

manchete " O presidente Jânio Quadros renunciou hoje ao cargo de

Presidente da República" .Eleito com apoio da mídia e elite , Jânio trazia como

lema “Vou varrer deste pais a corrupção” . Dentre suas principais medidas

estão o reatamento das relações diplomáticas com os países socialistas, e a

conseqüente condecoração de Che Guevara com a ordem do Cruzeiro do Sul.

Devido aos problemas inflacionários busca controlar as remessas de lucros

para o exterior. Renuncia após sete meses de governo, quando assume seu

vice.

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Jango, como era conhecido João Goulart – vice de Jânio, sob regime

parlamentarista, assumiu a presidência em 7 de setembro de 1961 e

governou até o Golpe de 64, ocorrido em 1º de abril. O confronto entre as

diferentes políticas econômicas marcaram seu mandato. Além disso, ainda

enfrentou conflitos sociais e greves urbanas e rurais.

A contradição de seu governo é observada na busca do estreitamento

de relações entre o movimento sindical e setores nacional-reformistas e na

política de estabilização baseada na contenção salarial, cujo objetivo era

reprimir os altos índices de inflação e manter as taxas de crescimento da

economia. Essas eram condições indispensáveis para a obtenção de novos

empréstimos junto ao FMI com finalidade de renegociação da dívida externa

e para a elevação do nível de investimento. O Plano Trienal também

determinou a realização das chamadas reformas de base: reforma agrária,

fiscal, educacional, bancária e eleitoral. Para o governo, elas eram

necessárias ao desenvolvimento de um "capitalismo nacional" e

"progressista".

A política de contenção salarial culminou com a convocação de uma

greve reivindicando melhoria das condições de trabalho e a formação de um

ministério nacionalista e democrático em 1961, estruturado pela

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria. O resultado do

movimento foi a conquista do 13º salário para os trabalhadores urbanos. No

mesmo ano realizou-se o 1º Congresso Nacional de Lavradores e

Trabalhadores Agrícolas, em Belo Horizonte, Minas Gerais. As exigências

foram a reforma agrária e a CLT (Consolidação das Leis de Trabalho) para os

trabalhadores rurais. Em 62, com a aprovação do Estatuto do Trabalhador

Rural, muitas ligas camponesas se transformaram em sindicatos rurais.

A velocidade dos acontecimentos também é sentida no âmbito da

educação. Nesse encontra-se Paulo Freire que com seu sistema de

alfabetização inovador alfabetizou 300 trabalhadores rurais de Angico no Rio

Grande do Norte em apenas 45 dias. Infelizmente para nós e felizmente para

os chilenos, Freire, em 1964 após o golpe militar, é exilado por 14 anos no

Chile. Durante esse período participa ativamente de projetos alfabetizadores

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daquele país, que recebe uma distinção da UNESCO por ser um dos países

que mais contribuíram para a luta contra o analfabetismo.

Ainda na esteira da velocidade, são criadas as Universidades de

Brasília, a Federal de Alagoas, Espírito Santo e as Católicas de Petrópolis e de

Salvador. A justificativa para as intensas ações na área de educação é

encontrada em Romanelli quando cita um texto de Florestan Fernandes:

Os países subdesenvolvidos são, também, os que mais dependem da educação como fator social construtivo. Tais países precisam da educação para mobilizar o elemento humano e inseri-lo no sistema de produção nacional; precisam da educação para alargar o horizonte cultural do homem, adaptando-o ao presente a uma complicada trama de aspirações, que dão sentido e continuidade às tendências de desenvolvimento econômico e de progresso social; e estilos de vida e incentivar novas formas de relações sociais, requeridos ou impostos pela gradual expansão da ordem social democrática (2005, p. 183)

A lei de Diretrizes e Bases, votada no ano de 1961, refletia exatamente

o posicionamento de Florestan. “Foi a oportunidade com que contou a

sociedade brasileira para organizar seu sistema de ensino, pelo menos em

seu aspecto formal” (Romanelli, 2005, p. 183)

No ano seguinte, foi instalado o Conselho Federal de Educação que

meses depois aprovou o Plano Nacional de Educação a ser desenvolvido

entre 1962 e 1970. As metas eram: 100% da população escolar entre 7 e 14

anos matriculada no ensino primário; já a etapa seguinte, ginasial, exigiria

índices de matrícula entre 30 e 50%, dependendo da faixa etária e da série a

ser cursada. O ensino superior esperava 50% daqueles que terminassem o

curso colegial.

Essas reformas aumentaram a oposição ao governo e exaltaram a

polarização da sociedade brasileira: de um lado o proletariado de outro a

burguesia que, aliás, rapidamente afasta-se do governo . Jango, para evitar o

isolamento, reforçou as alianças com as correntes reformistas aproximando-

se de Leonel Brizola, então deputado federal pela Guanabara, de Miguel

Arraes, governador de Pernambuco, da UNE (União Nacional dos Estudantes)

e do Partido Comunista, que, mesmo ilegal, atuava nos movimentos popular

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e sindical. O Plano Trienal foi abandonado em meados de 1963. Um plebiscito

nacional, efetuado nesse mesmo ano, derruba o parlamentarismo com 80%

dos votos para o presidencialismo.

As medidas de caráter nacionalista continuaram a ser implementadas

pelo Presidente. Assim, acontecem a limitação da remessa de capital para o

exterior, a nacionalização das empresas de comunicação e a revisão das

concessões para exploração de minérios. Logicamente, as retaliações

estrangeiras surgiram na mesma velocidade dos acontecimentos. Ocorre a

interrupção das negociações da dívida externa e o corte do crédito pelo

governo e pelas empresas privadas norte-americanas.

A Frente Parlamentar Nacionalista formada pelo Congresso vem em

apoio a Jango. Também se estrutura no Congresso a Ação Democrática

Parlamentar, que recebia ajuda financeira do Instituto Brasileiro de Ação

Democrática (I.B.A.D.), instituição mantida pela Embaixada dos Estados

Unidos. Essas duas frentes opostas fazem crescer a agitação política. Ao lado

de Jango estavam organizações como a UNE (União Nacional dos Estudantes),

a CGT e as Ligas Camponesas. No lado oposto encontravam-se o IPES, o IBAD

e a TFP (Tradição, Família e Propriedade).

A crise tem seu clímax no dia 13 de março, quando Jango decretou a

nacionalização das refinarias privadas de petróleo e desapropriou terras ao

longo das margens de ferrovias, de rodovias e de zonas de irrigação de

açudes públicos para a reforma agrária. Isso tudo perante 300 mil pessoas.

A reação foi imediata, tanto que seis dias após o pronunciamento de

Jango, em 19 de março, realizou-se, em São Paulo, "Marcha da Família com

Deus pela Liberdade" a maior mobilização contra o governo. Organizada por

grupos da direita, com influência dos setores conservadores da Igreja

Católica, a manifestação reuniu cerca de 400 mil pessoas e forneceu o apoio

político necessário para derrubar o Presidente. Menos de duas semanas

depois, iniciou-se o movimento para o golpe. No dia 1º de abril, ao perceber

que não contava com nenhum dispositivo militar e muito menos o apoio

armado dos grupos que o sustentavam, João Goulart abandona Brasília e

segue para Porto Alegre. Começava então a Ditadura Militar.

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3 A LÍNGUA PORTUGUESA COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO

DE CIDADÃOS

3.1. A língua portuguesa brasileira

O sentimento nacionalista que se apoderou de significativo número de

brasileiros nas primeiras décadas do século XX fez com que a visão de

ensino ampliasse seu foco. Nesse sentido o ensino de Língua Portuguesa

também sofre o impacto dessa nova maneira de ver o Brasil e sua sociedade,

pois o quadro político, que se manifestava no período da década de 1930, é

caracterizado por Cunha como dualista: de um lado um Estado Liberal, que

advém do “liberalismo(...) um sistema de idéias construído por pensadores

ingleses e franceses, nos séculos XVII e XVIII, utilizado como arma ideológica

da burguesia nas lutas contra a aristocracia.”( CUNHA, 1986, p. 256) como

resquício da política café com leite, onde o poder político encontra-se em

uma elite financeira. De outro tem-se o Estado Totalitário no qual o controle é

exercido por uma classe. No caso do Brasil esse estado foi representado por

aqueles que se opuseram à elite financeira: os representantes das Forças

Armadas. No âmbito político, embora não dominantes, constituíam-se ainda:

comunistas, sindicalistas entre outros movimentos, pois os trabalhadores

reivindicavam melhores remunerações, melhores condições de trabalho,

descanso semanal, regularidade nas horas trabalhadas entre outras

solicitações; fato que gerou conflitos como as greves operárias. Para controlar

a situação, é constituído o Estado Autoritário, representado por Vargas,

visando intervir na realidade social. Para controlá-la “O Estado autoritário

desempenha a função de árbitro e interventor na realidade social,

administrando os conflitos acima dos interesses particularistas dos grupos e

classes sociais, visando o interesse coletivo” (CUNHA, 1986, p. 281).

Tal exposição é fundamental para o entendimento do conceito da

Educação escolar e, em especial, do ensino de Língua Portuguesa naquele

período, pois a instauração do novo regime deveria diminuir os conflitos

existentes. Para tanto, uma das preocupações foi tornar, ao menos

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teoricamente, a Educação acessível a todas as camadas sociais; medida,

aliás, extremamente populista, fato que dava forças ao governo federal e

atenuava os movimentos populares. Tal necessidade fica explícita na fala de

Nagle “pela multiplicação das instituições escolares, pela disseminação da

educação escolar, será possível incorporar grandes camadas da população na

senda do progresso nacional e colocar o Brasil no caminho das grandes

nações do mundo” (1974, p. 99). Nagle manifesta o pensamento dos

segmentos políticos e intelectuais que viam na educação a razão para inserir

o Brasil na senda da modernidade. Assim Romanelli vê os anos 30 desta

forma:

virada na História do Brasil, desses momentos raros na vida dos

povos quando se assiste a um processo de mudança real, não só

na quantidade como na qualidade. O país, há muito sentindo

insuficiências, amadureceu sua realidade e passa a enfrentá-la

com decisão: a data é o coroamento de longa trajetória de

perguntas, perplexidades e lutas e o início de uma nova política,

que se traduz em todos os planos – social, econômico,

intelectual. (2005, p. 10)

A extensão da educação a todas as classes sociais exigia um novo

pensar sobre as ações no sistema de ensino. A conseqüência desse pensar é

explicitada na publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em

1932, ou seja, dois anos após a posse de Getúlio Vargas, escrito por Fernando

de Azevedo e assinado por vários intelectuais da época, dentre eles Anísio

Teixeira. O manifesto foi, como atesta Fernando de Azevedo, “um divisor de

águas” entre educadores liberais e conservadores, pois foi um movimento de

reação à pedagogia tradicional e, além disso, alicerçou-se nos fundamentos

da biologia e da psicologia dando ênfase ao indivíduo e a seu potencial

criador.

Observa-se que o contexto educacional estrutura-se com as mesmas

bases políticas: de um lado tem-se os liberais, constituídos por intelectuais

como Azevedo e Teixeira; de outro os conservadores com base católica

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principalmente. Os primeiros assentam-se em elementos norteadores na

Escola Nova.

A Escola Nova tendo como base idéias de John Dewey, filósofo,

educador americano de extrema importância no século XX. Defendia as

potencialidades individuais e valores democráticos como a educação para

todos. Nessa concepção a educação é o único meio realmente efetivo para a

construção de uma sociedade democrática, que respeite as características

individuais de cada pessoa, inserindo-a em seu grupo social respeitando sua

unicidade, mas vendo-a como parte integrante e participativa de um todo.

Segundo Cunha

O binômio ‘indivíduo-grupo’ - ou ‘indivíduo-sociedade’ - torna-se constante nas reflexões dos autores da época. Ele aparece, via de regra, sugerindo que a escola, norteada por princípios de respeito à vida social, não pode prescindir da compreensão dos atributos individuais do educando. Esse mesmo binômio também é enunciado de modo alternativo, sugerindo que a educação, embora voltada para o aluno, como ser peculiar, não pode fugir às suas responsabilidades quanto à organização social. (1995, p. 48),

Essa visão de educação “ foi acolhida no Brasil, proposta por Anísio

Teixeira”( Behrens, 2000, p. 47) que, ao conhecer o ideário de Dewey,

internaliza a concepção de educação, de homem, de sociedade defendidas

pelo educador americano. Segundo Anísio, a escola é local propício para a

construção de uma consciência social. Nela o indivíduo adquire valores; nela

há condições para formar o ser social, pois a urbanidade exige, cada vez

mais, a cooperação no trabalho, no lazer, no cotidiano. Assim, nos descreve

Anísio Teixeira sua concepção de escola.

Como a escola visa formar o homem para o modo de vida democrático, toda ela deve procurar, desde o início, mostrar que o indivíduo, em si e por si, é somente necessidades e impotências; que só existe em função dos outros e por causa dos outros; que a sua ação é sempre uma transação com as coisas e pessoas e que saber é um conjunto de conceitos e operações destinados a atender àquelas necessidades, pela manipulação acertada e adequada das coisas e pela cooperação com os outros no trabalho que, hoje é sempre de grupo, cada um

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dependendo de todos e todos dependendo de cada um” (Teixeira, 1956, p. 10) 3 .

A escola, ainda na visão de Teixeira, deve ser agente de uma contínua

construção, reconstrução e transformação social e, ainda, colaborar com a

constante reflexão e revisão social frente à dinamicidade de uma sociedade

democrática:

O conceito social de educação significa que, cuide a escola de interesses vocacionais ou interesses especiais de qualquer sorte, ela não será educativa se não utilizar esses interesses como meios para a participação em todos os interesses da sociedade... Cultura ou utilitarismo serão ideais educativos quando constituírem processo para uma plena e generosa participação na vida social (Teixeira, 1930b, p. 88-89)

Enquanto a Escola Nova preocupa-se com o indivíduo, com o social,

com o democrático e os coloca como ideais educativos desde que contribuam

para com o processo da construção social, a Escola Tradicional centra-se no

ensino das humanidades, sem se preocupar com a individualidade.

O panorama da educação é, ao mesmo tempo, causa e conseqüência

de fatos históricos. Conseqüência porque surge a partir do antagonismo entre

a visão vanguardista de educadores como Anísio Teixeira e o olhar

conservador daqueles que há muito se encontravam articulados ao poder

político e econômico, no caso os católicos.

A nova visão da educação fez com que se pensasse sobre o fazer

pedagógico. Naquele momento de transformação, a teoria da Escola Nova

inicia um longo confronto com o conservadorismo da Escola Tradicional que

avança décadas e aparece nos anos 60 reforçado pela oposição entre a

Escola Privada e a Escola Pública. “ Costuma-se dizer que a discussão nesta

fase foi motivada pelos choques entre as diversas correntes em defesa dos

princípios da escola pública e da escola particular.” (Ribeiro, 1986, p. 150)

O conflito acontecia em função do posicionamento das escolas

confessionais, pois “do ponto de vista pedagógico, a Igreja Católica acusa a

escola pública de ter condições de desenvolver somente a inteligência e,

enquanto tal, instrui mas não educa”. Além disso, ainda “relacionam o

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aumento do índice de criminalidade com propagação da escola pública”

(Ribeiro, 1986, p.150). Não contentes os católicos acusavam “ os defensores

da escola pública de serem socialistas, comunistas e, enquanto tal,

pertencentes aos partidos radicais, extremistas da esquerda, os inimigos de

Deus, da Pátria e da Família” (Ribeiro, 1986, p. 151/152).

Os defensores da escola pública rebatiam as acusações do fazer

pedagógico “demonstrando que ela (escola pública) não se omite quanto aos

problemas dos fins da educação, entendendo que os próprios meios

subordinam-se a tais fins.” (Ribeiro, 1986, p. 152). Já o fato dos defensores

da escola pública serem comunistas contribuía para os contrapostos

explicitados pelos educadores que

influenciados pela ‘idéias novas’ rebatiam tal argumento, afirmando que não cabia nem ao Estado e nem à família determinar (...) o tipo de formação do indivíduo. O que os grupos sociais deveriam proporcionar eram as condições para que cada um fosse responsável pela própria formação. Daí a escola pública a mais adequada. (Ribeiro, 1986, p. 152)

Em meio às discussões sobre a escola pública e privada, sobre a Escola

Nova e a Escola Tradicional, o ensino de Língua Portuguesa caminhava sem

muitas mudanças. Mas a onda de nacionalismo surgida com o Romantismo

nos meados do século XIX rompe a carapaça dos literatos e faz com que

esses busquem alternativas para a literatura. Todo o movimento literário da

época foi envolvido pelo nacionalismo que, aliás, passou a ser uma

característica do Modernismo5 conforme se observa em Lajolo e Zilberman: “

o tema dominante consiste no nacionalismo, presente desde as intenções

geradoras do movimento”. Os autores voltados para a literatura infantil

começaram a escrever sobre os problemas enfrentados pelas crianças ao

lerem texto no português de Portugal. Sobre isso, ainda, Lajolo e Zilberman

expõem:

As queixas de falta de material brasileiro são representadas pela tradução e adaptação de várias histórias européias que, circulando muitas vezes em edições portuguesas, não tinham, com os pequenos leitores brasileiros, sequer a cumplicidade do

5 Modernismo: escola literária que tem como marco inicial a Semana de Arte

Moderna de 1922.

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idioma. Editadas em Portugal, eram escritas num português que se distanciava bastante da língua materna dos leitores brasileiros. (Lajolo e Zilberman, 1987, p. 31)

Os problemas com as edições portuguesas são amenizados com o

surgimento da moderna indústria editorial brasileira. O aprimoramento

técnico de tipografias e o empreendimentos editoriais, como o de Monteiro

Lobato que “a partir de 1921, dedica-se à tarefa de editor, preocupado em

lançar novos autores”(Nicola, 1999, p. 267) As conseqüências foram visíveis,

pois o aumento do número de revistas e jornais, principalmente os literários,

criados para divulgar as novas idéias modernistas acompanhou o

crescimento - ainda que pequeno - do público leitor. É o caso da Revista

Klaxon “primeiro periódico modernista, fruto das agitações do ano de 1921 e

da grande festa que foi a Semana de Arte Moderna.” (Nicola, 1999, p. 293)

Sobre Monteiro Lobato e sobre o nacionalismo da literatura infantil,

Nicola comenta:

A literatura infantil lobatiana, além do caráter moralista e pedagógico, não abandona a luta pelos interesses nacionais empreendida pelo autor, com personagens representativos das várias facetas de nosso povo e o Sítio do Picapau Amarelo, que é a imagem do próprio Brasil. Leia-se, por exemplo, O poço do Visconde, em que a ficção e a realidade se misturam em torno do problema do petróleo. (1999, p. 268)

Ainda sobre literatura infantil e, especificamente, sobre seu uso

pedagógico, Lajolo e Zilberman falam: “Ocorreu também a apropriação

brasileira de um projeto educativo e ideológico que via no texto infantil e na

escola (e, principalmente, em ambos superpostos) aliados imprescindíveis

para a formação de cidadãos.” (1987, p. 32)

Isso significa dizer que a língua portuguesa passou, através do texto

infantil, a ser grande ferramenta para incutir no povo brasileiro a visão do

que se imagina ser um cidadão. É o que se percebe no texto de Olavo Bilac e

Coelho Neto usado por Lajolo e Zilberman para exemplificar o nacionalismo

na literatura infantil, vale lembrar que Olavo Bilac pertence ao

Parnasianismo6, portanto essa visão de cidadão está amarrada ao militarismo

6 Parnasianismo: estética da arte sobre a arte, que se manifesta a partir do final da

década de 1870, prolongando-se até a Semana de Arte Moderna.

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que naquele espaço de tempo esteve em evidência, pois a fase literária em

questão está dentro do contexto histórico que antecedeu a República,

proclamada pelos militares, portanto as concepções estavam muito ligadas

ao militarismo.

De repente, a música tocou os primeiros compassos do hino nacional. Um vento brando, vindo do mar, agitou a bandeira brasileira, que estava no centro de um pelotão. A bandeira desdobrou-se, palpitou no ar espalmada, com um meneio triunfal. Parecia que o símbolo da Pátria abençoava os filhos que iam partir, para defendê-la.

E, então, ali, a idéia sagrada da Pátria se apresentou, nítida e bela, diante da alma de Anselmo. E ele, compreendendo enfim que sua vida valia menos do que a honra de sua nação. Pediu a Deus, com os olhos cheios de lágrimas, que o fizesse um dia morrer gloriosamente, abraçado às dobras daquela formosa bandeira, toda verde e dourada, verde como os campos, dourada como as madrugadas de sua terra. ( 1987, p. 32)

A necessidade de se trabalhar com uma língua diferente da lusitana

aparece com maior ênfase nesse momento, pois através do ensino de língua

portuguesa tem-se o formato de cidadão esperado naquele momento. Porém

as idéias nacionalistas dentro da literatura não são contemporâneas do

Parnasianismo, são anteriores ao século XX. É o caso de José de Alencar, por

exemplo, que escreve "Iracema" e "O Guarani", cujos heróis são

representantes únicos do povo brasileiro (segundo a visão romântica dessa

fase literária). Já Gonçalves Dias demonstra imensa saudade da terra natal

em seu imortal poema "Canção do Exílio". Ambos pertencentes ao

Romantismo, fase literária da primeira metade do século XIX, mas com raízes

no século XVIII. Tal nacionalismo é explicitado como característica romântica

por Nicola : “os românticos cultivavam o nacionalismo, que se manifestava na

exaltação da natureza pátria, no retorno ao passado histórico e na criação do

herói nacional” (1999, p. 129)

Já no parnasianismo que acontece no final do século XIX, encontra-se

como característica

o caráter de modelo exemplar que se examinou no plano temático manifesta-se também ao nível da linguagem. Não por

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coincidência, data desse mesmo fim de século XIX uma séria preocupação com a correção de linguagem, presente na produção literária em geral. (Lajolo e Zilberman, 1999, p. 41)

Lajolo e Zilberman abrem o capítulo “O modelo da língua nacional” com

um texto de Olavo Bilac, transcrito a seguir:

Falemos da língua admirável, que, com o torrão natal, recebemos de nossos maiores: d’ela falando, falemos de nós todos, como Brasileiros, e do futuro e da segurança do Brasil. (...)

Queremos que o Brasil seja Brasil! Queremos conservar a nossa raça, o nosso nome, a nossa história, e principalmente a nossa língua, que é toda nossa vida, o nosso sangue, a nossa alma, a nossa religião!(...)

A língua faz parte da terra. Se queremos defender a nacionalidade, defendendo o solo, é urgente que defendamos também, e antes de tudo, a língua, que já se integrou no solo, e já é base da nacionalidade. (1999, p. 41)

Na Semana de Arte Moderna de 1922, nomes como Oswald de Andrade,

Mário de Andrade, Manuel Bandeira entre outros se apresentam oficialmente

no cenário literário. Todos pertencentes ao Modernismo, movimento

enraizado nas Vanguardas Européias, traz como principal aspecto o

renascimento do nacionalismo do Romantismo, agora revestido de uma

ojeriza a tudo que é estrangeiro. Característica ascendente de vários

movimentos como o Antropofágico. Sob esse enfoque os autores expõem sua

aversão inclusive à estrutura gramatical da Língua Portuguesa usada no

Brasil que era cópia daquela empregada em terras lusitanas. É exatamente

sobre essa polêmica que fala o poema "Pronominais" de Oswald de Andrade

transcrito a seguir:

Dê-me um cigarrodiz a gramáticado professor e do alunoe do mulato sabidoMas o bom negro e o bom branco da Nação Brasileiradizem todos os diasDeixa disso camaradaMe dá um cigarro. (Nicola, 1999, p. 308)

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Percebe-se aqui uma evidente crítica ao uso de regras gramaticais

importadas por uma elite em detrimento de outras usadas naturalmente pelo

povo. Além da crítica percebe-se a defesa daquilo que é nacional, inclusive o

falar do brasileiro, reflexo do contexto histórico daquele momento que incluía

, entre outros fatos relevantes, a ascensão do Comunismo, como se nota

pelo uso do vocábulo camarada no penúltimo parágrafo. A crítica à

gramática lusitana consiste na obrigatoriedade de ênclise (colocação do

pronome depois do verbo), enquanto que o português do Brasil usa a próclise

(colocação do pronome antes do verbo). E, ainda, no uso descontraído da

segunda pessoa tu (verbo dar conjugado no imperativo afirmativo dá) sem

as devidas concordâncias nas relações pronominais.

Além de Oswald de Andrade, Manuel Bandeira também exalta o falar

do povo em uma obra da década de 1930. Observa-se isso no trecho abaixo

transcrito de Evocação do Recife quando o autor se reporta ao fato de ele

saber das coisas não pela forma escrita dos jornais e dos livros, mas sim pela

língua falada pelo povo.

A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livrosVinha da boca do povo na língua errada do povoLíngua certa do povoPorque ele é que fala gostoso o português do BrasilAo passo que nósO que fazemosÉ macaquearA sintaxe lusíada. (Nicola, 1999, p. 312)

O movimento modernista pregava a tomada de consciência da

realidade brasileira e defendia de forma ferrenha tudo que fosse nacional. O

nacionalismo foi extremamente marcante no movimento. Sobre isso,

transcreve-se do livro de Nicola um trecho do discurso de Mário de Andrade,

grande escritor modernista, proferido na conferência “O Movimento

Modernista”, de 1942:

Manifestado especialmente pela arte, mas manchado também com violência os costumes sociais e políticos, o movimento modernista foi o prenunciador, o

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preparador e por muitas partes o criador de um estado de espírito nacional. A transformação do mundo, com o enfraquecimento gradativo dos grandes impérios, com a prática européia de novos ideais políticos, a rapidez dos transportes e mil e uma outras causas internacionais, bem como o desenvolvimento da consciência americana e brasileira, os progressos internos da técnica e da educação, impunham a criação de um espírito novo e exigiam a reverificação e mesmo a remodelação da Inteligência nacional. Isto foi o movimento modernista, de que a Semana de Arte Moderna ficou sendo o brado coletivo principal. (1999, p. 272)

Embora os modernistas tenham explicitado as críticas à imposição de

uso de uma língua que divergia daquela utilizada pela maioria da população

brasileira, essa reivindicação não foi exclusividade deles. Em 1907, fomentou-

se um movimento cujo objetivo era simplificar a ortografia da língua

portuguesa e Portugal já se manifestava para alterar o sistema ortográfico.

Assim, antes que os lusitanos fizessem a alteração deles, já teria acontecido

a brasileira. Essa passagem é descrita por Coutinho em sua obra:

Antes que o Governo Português tornasse obrigatória a reforma ortográfica para Portugal e suas colônias, em 1911, cogitou entre nós a Academia Brasileira de Letras de adotar, nas suas publicações oficiais, um sistema de grafia de objetivo manifestamente simplificador. (1995, p. 79)

Apenas a reforma portuguesa é realizada. Mas a idéia de oficializar as

diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal arrasta-se até 1915,

quando “a Academia Brasileira aprova a proposta do acadêmico Silva Ramos,

no sentido de se harmonizar a reforma de 1907 com a portuguesa.”

( Coutinho, 1995, p. 79). Mas a história não terminaria naquele momento.

Quatro anos mais tarde, sem maiores esclarecimentos acontece a revogação

de tal proposta. Fato que levou “acadêmicos esclarecidos, em cujo número

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figuravam Silva Ramos7, Amadeu Amaral8, Mário de Alencar9 e Medeiros

Alburquerque10 a reforçarem sua caminhada em busca da oficialização da

ortografia nacional”. (Coutinho, 1995, p. 80) Como se percebe a busca de

aproximação da língua portuguesa aos usos da mesma no Brasil é anterior ao

movimento modernista. Contudo foi com o auxílio do nacionalismo dos

modernistas que as diferenças entre o português do Brasil e de Portugal

tornaram-se explícitas.

A soma de todos esses fatos levou, em 1931, o Governo Provisório de

Getúlio Vargas a promulgar a primeira lei que trata de reforma ortográfica,

sob o Decreto 20 108, de 15/06/1931, que dispõe sobre o uso da ortografia

simplificada nas repartições públicas e nos estabelecimentos de ensino.

Conforme relata Coutinho:

Foi compreendendo isso que o nosso Governo, no intuito patriótico de solucionar de uma vez tão complexo problema, fonte de tamanhas incertezas e dificuldades, tornou oficial, em todo o território brasileiro, o Acordo celebrado, em 1931, entre a nossa Academia de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa. (1995, p. 80)

Sanado o problema, acreditava-se que a língua portuguesa utilizada

agora no Brasil possuía características do povo brasileiro. Já não era um

produto importado. Mas “como surgissem depois dúvidas na aplicação do

Acordo, em matéria de acentuação das palavras, foram elas sanadas pelo

Decreto Lei no. 292, de 23 de fevereiro de 1938.” (Coutinho, 1995. P. 80)

Não apenas o sentimento nacionalista influencia os movimentos em

torno da língua portuguesa usada no Brasil. Eles acontecem também em

7 Silva Ramos: Professor, filólogo, poeta, membro fundador da Academia Brasileira de

Letras. http://www.biblio.com.br/conteudo/biografias/silvaramos.htm8 Amadeu Amaral: poeta, folclorista, filólogo e ensaísta. No Brasil, foi o primeiro a

estudar cientificamente um dialeto regional

http://www.biblio.com.br/conteudo/AmadeuAmaral/AmadeuAmaral.htm 9 Mário de Alencar: poeta, jornalista, contista e romancista. Filho do grande romancista José de Alencar

http://www.biblio.com.br/conteudo/MariodeAlencar/MariodeAlencar.htm10 Medeiros Albuquerque: jornalista, professor, político, contista, poeta, orador,

romancista, teatrólogo, ensaísta e memorialista

http://www.biblio.com.br/conteudo/medeirosalbuquerque/medeirosealbuquerque.htm

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função da lingüística11 que estava se difundindo a partir dos estudos de

análises internas que percebem a língua como “um sistema de signos

lingüísticos convencionais usados pelos membros de uma mesma

comunidade. Em outras palavras: um grupo social convenciona e utiliza um

conjunto organizado de elementos lingüísticos representativos.” (Infante,

2005, p. 11) e não mais como uma série de normas impostas pelo estrato

social dominante. Ainda sobre a nova visão de conceito de língua tem-se

Suassuna quando se reporta a Saussure, lingüista franco-suíço. Aliás,

Câmara Jr. afirma que Saussure entendia a gramática descritiva,

cientificamente conduzida, isto é de maneira sistemática, objetiva e

coerente. O propósito dele era ver essa gramática como disciplina autônoma,

independente das disciplinas filosóficas da lógica e da psicologia (1999, p.

13). Retomando Suassuna, ao reportar-se a Saussure, tem-se:

Os postulados lingüísticos de Saussure foram traçados sob uma ótica estruturalista (por sinal, ele pode ser considerado o inaugurador oficial do Estruturalismo)12

(...) estabeleceu uma distinção entre a língua e a fala, considerando a língua um sistema abstrato, homogêneo, social, supra-individual, ao passo que a fala seria a realização concreta e individual da língua.(1999, p. 64)

A individualidade cogitada no fragmento acima vem ao encontro das

idéias dos defensores da Escola Nova e ao encontro dos ideais daqueles que

pensavam na língua portuguesa do Brasil como sendo um bem nacional.

Lembramos que entre os princípios da Escola Nova está o atendimento

educacional às características individuais dos alunos. Àquilo que é próprio de

cada um (emoções, sentimentos, desejos, interesses e características de

personalidade) é preciso que os educadores estejam atentos. Desse modo a

língua pode ser entendida como parte dessa individualidade quer de sujeitos

quer da nação. Naquele momento havia a preocupação com o modo pelo

11 Lingüística: ciência da linguagem introduzida no Brasil por Joaquim Mattoso Câmara

Jr.12 Estruturalismo: método de análise e de estudo que privilegia a pesquisa das

estruturas organizado um domínio. Nas disciplinas contemporâneas, foi inspirando-se

sobretudo no modelo fornecido pela lingüística de F. Saussure que o estruturalismo apareceu

como método fecundo. (Durozoi e Roussel, 1993, p. 169)

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qual os brasileiros usavam a língua, com suas diferenças de ortografia, de

concordância, de sintaxe, de semântica enfim com as diferenças provocadas

por vários fatores entre eles a distância geográfica entre brasileiros e

portugueses. Vale lembrar que a língua é a identidade de uma nação.

Enquanto a Lingüística se expandia pelo Brasil e pelo mundo, os

acordos ortográficos entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia de

Ciências de Lisboa aconteciam mais duas vezes. Uma em 1943 e outra em

1945. A passagem de Coutinho a seguir é elucidativa quanto a não chegada

de acordo nesses encontros:

Depois de muita discussão, pronunciou-se o Congresso Nacional pelo de 1943, que mereceu a sanção do Governo, seno, por conseguinte, adotado em todo território brasileiro. Em Portugal, é usado o de 1945. (Coutinho, 1995, p. 80)

No bojo desses acontecimentos estava o Positivismo, conceito criado

por Augusto Comte na segunda metade do século XIX para denominar a sua

filosofia, cuja

Característica é a romantização da ciência, sua devoção como único guia da vida individual e social do homem, único conhecimento, única moral, única religião possível. Como Romantismo em ciência, o Positivismo acompanha e estimula o nascimento e a afirmação da organização técnico-industrial da sociedade moderna e expressa a exaltação otimista que acompanhou a origem do industrialismo. (Abbagnano, 2003, p. 776)

Embora fosse uma filosofia do século XIX, no século seguinte, ainda

encontrava-se intensa, tanto que a presença do Positivismo é percebida

inclusive nas canções populares, como é o caso do samba “Positivismo” de

Noel Rosa e Orestes Barbosa em 1933.

A verdade, meu amor, mora num poço, / É Pilatos, lá na Bíblia quem nos diz, / E também faleceu por ter pescoço, / O (infeliz) autor da guilhotina de Paris. / Vai, orgulhosa, querida, / Mas aceita esta lição: / No câmbio incerto da vida, / A libra sempre é o coração, / O amor vem por princípio, a ordem por base, / O progresso é que deve vir por fim, / Desprezaste esta lei de Augusto Comte, / E foste ser feliz longe de mim.(Noel Rosa, Perfil 2003)

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Este trecho demonstra a presença da filosofia positivista em um meio

cultural popular do Brasil ao retratar a transgressão do fundamento básico

de tal filosofia pela amada do eu poético. A presença do Positivismo ainda é

observada no dístico Ordem e Progresso impresso na bandeira brasileira.

Mas a busca de elementos de identificação da língua com a linguagem

usada pela maioria dos brasileiros não ficou estagnada à ortografia. O

sentimento nacionalista que se instala em grupos de intelectuais e grupos

políticos ideológicos e economicamente dominantes; o anseio pela

democratização da escola; o conseqüente nacionalismo explícito dos autores

modernistas; o enfoque racionalista trazido pelo Positivismo; a divulgação da

visão sobre a língua que traz a Lingüística orientam, posteriormente, os

rumos da língua usada no Brasil. Assim começa a se estruturar a NGB

( Nomenclatura Gramatical Brasileira) oficializada em 1958. Pois já existia

uma ortografia própria para o Brasil, portanto já era hora de se esboçar uma

nomenclatura apropriada para o uso brasileiro.

Esse rumos são traçados por grandes filólogos como Silveira Bueno,

Serafim Silva Neto, entre outros, com o objetivo de buscar elementos que

estruturassem a língua portuguesa brasileira. O primeiro publica, em 1955, a

obra Tratado de Semântica Geral cujo tema era o sentido das palavras no

português do Brasil. O segundo, também em 1955, publica o livro Introdução

ao Estudo da língua Portuguesa no Brasil, o tema desse, como se observa no

próprio título, são as diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal.

Resenhas críticas de tais obras foram produzidas por Edison Nobre

Lacerda, crítico e colaborador do jornal Gazeta do Povo daquele período,

foram divulgadas em jornais e conferências, posteriormente reunidas, junto

com outras análises, em uma coletânea editada também em 1955.

Lacerda deixa claro em sua resenha sobre a obra Tratado de Semântica

Geral que não concorda como muitas das observações feitas por Bueno, mas

reconhece a importância do estudo para aquele momento: “embora não

endossemos todas as afirmações do preclaro Professor, não temos dúvida em

reconhecer o grande valor do Tratado” (1955, p. 163). Já sobre Silva Neto

apresenta-se inteiramente de acordo com a visão exposta no livro ”as

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peculiaridades do português brasileiro, que se refletem na nossa literatura,

sobretudo a partir dos românticos, o eminente filólogo as vê, como devem ser

vistas, não como ‘erros’, mas como novos processos estilísticos.” (1955, p.

167)

O fato de os estudos dos filólogos estarem sendo editados e merecendo

análises expostas pela imprensa mostra que havia naquela época uma

inquietação em relação à língua no sentido de seu uso e de sua grafia. Além

disso, o número de nomenclaturas usadas era enorme tanto que Antenor

Nascentes, em 1946, publica a obra Léxico de Nomenclatura Gramatical

Brasileira.

A inquietação é tamanha que a Portaria de número 152 de 1957

designa uma comissão constituída pelos Professores Antenor Nascentes13,

Cândido Jucá Filho14, Carlos Henrique da Rocha Lima15 e Celso Ferreira da

Cunha16 com o objetivo de uniformizar e simplificar a nomenclatura

gramatical usada para o ensino de língua portuguesa. Assim, em 1958, o

então Ministro da Educação Clóvis Salgado aprova a Nomenclatura

Gramatical Brasileira – NGB – usada até hoje. Exemplo disso é a distribuição

dos conteúdos nos livros didáticos que seguem a mesma ordem: fonética,

morfologia e sintaxe.

A comissão se organiza e estrutura a Nomenclatura Gramatical

Brasileira. O resultado do trabalho é passado às mãos do então ministro

Clóvis Salgado. Junto a ele foram enumerados os motivos que

13 Antenor Nascentes: filólogo e escritor, autor de obras como: Dicionário de dúvidas e

dificuldades do idioma nacional(1943) e Léxico de nomenclatura gramatical brasileira (1946)

(Nova Enciclopédia de Biografias, p. 892, vl. 04) 14 Cândido Jucá Filho: escritor e professor brasileiro, dedicou-se ao magistério

secundário. Publicou obras como: Novo Método de Análise da Linguagem. (Nova Enciclopédia

de Biografias, p. 670, vl.03)15 Carlos Henrique da Rocha Lima: filólogo brasileiro, pertencente a ABL – publicou

obras como: Teoria da análise sintática (1963), Gramática Normativa da Língua Portuguesa

(1957). ( Grande Enciclopédia Larousse Cultural, p.3661)16 Celso Ferreira da Cunha: filólogo, gramático e lingüista brasileiro, autor de livros

como Gramática Moderna de acordo com a Nomenclatura Gramatical Brasileira. ( Dicionário

Larousse Cultural, p. 250)

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desencadearam sua elaboração, conforme é percebido no trecho da carta de

apresentação da Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) ao Ministro.

Releva salientar que a Comissão, ao considerar as modificações propostas, teve sempre em mira a recomendação de V.Ex.a constante da Portaria Ministerial nº 152- “uma terminologia simples, adequada e uniforme”- bem como atender ao tríplice aspecto fixado nas Normas Preliminares de Trabalho: a) a exatidão científica do termo; b) a sua vulgarização internacional; c) a sua tradição na vida escolar brasileira.

É percebido que o “tríplice aspecto” relacionado no texto acima traz

implícitas duas preocupações daquele momento histórico. A primeira delas,

explicitada na letra a, é relativa à cientificidade das coisas, característica do

Positivismo que, embora distante temporalmente, ainda influencia a

comissão estruturadora da NGB. A segunda relaciona-se ao nacionalismo

que escancara-se no item seguinte quando usou-se o termo vulgarização. Por

fim esse mesmo nacionalismo é reafirmado no momento em que se enfatiza

seu uso na vida escolar brasileira.

O documento foi oficializado somente em 1959 conforme se observa na

portaria transcrita do prefácio da obra A Nomenclatura Gramatical Brasileira

Definida e Exemplificada de Guérios:

PORTARIA Nº 36, DE 28 DE JANEIRO DE 1959O Ministro do Estado da Educação e Cultura, tendo em

vista as razões que determinaram a expedição da Portaria nº 152, de 24 de abril de 1957, e considerando que o trabalho proposto pela Comissão resultou de minucioso exame das contribuições apresentadas por filólogos e lingüistas, de todo o País, ao Anteprojeto de Simplificação e Unificação da Nomenclatura Gramatical Brasileira, resolve:

Art.1º - Recomendar a adoção da Nomenclatura Gramatical Brasileira, que segue anexa à presente Portaria, no ensino programático da Língua Portuguesa e nas atividades que visem à verificação do aprendizado, nos estabelecimentos de ensino.

Art.2º - Aconselhar que entre em vigor: a) para o ensino programático e atividades dele decorrentes, a partir do início do primeiro período do ano letivo de 1959; b) para os exames de admissão, adaptação, habilitação, seleção e do art. 91 a, partir dos que se realizarem em primeira época para o período letivo de 1960. (Guérios, 1960, prefácio)

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Presume-se então, a partir da análise do documento acima, que o

ensino com base na Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) nas salas de

aula torna-se imperativo. Embora apareça o termo recomenda-se, fica

obrigatória a sua utilização no conteúdo programático quando se estipula a

verificação de sua aprendizagem na seleção nos exames de admissão a partir

de 1960.

3.2. A formação do professor de Língua Portuguesa

A necessidade, num país de língua portuguesa, de uma disciplina no

currículo escolar, que tenha por objeto e objetivo o estudo dessa língua, e de

um profissional formado especificamente para encarregar-se do ensino da

mesma é uma necessidade. Contudo em uma perspectiva histórica percebe-

se que nem sempre foi assim. A disciplina de Língua Portuguesa, como é

nominada hoje, só passou a existir nos currículos escolares brasileiros nas

últimas décadas do século XIX; antes denominava-se gramática, retórica

como se percebe no

Plano do Real Colégio de Nossa Senhora e São Caetano, publicado por seu reitor, o presbítero João Romão da Silva, ilustra o funcionamento do ensino de língua materna nas primeiras décadas do século XIX.(...) O currículo básico previsto pela escola do padre Romão, estendia-se da gramática à filosofia, passando pela retórica” (Lajolo & Zilberman, 1998, p. 146).

Antes disso, no período imperial por exemplo, os profissionais que

direcionavam o seu trabalho para a aquisição da escrita da língua materna

eram chamados de mestre de primeiras letras “ haveria (...) um bom mestre

de primeiras letras, em cuja aula se ensinaria a ler e depois escrever bem e

com acerto a língua nacional” ( Lajolo e Zilberman, 1998, p. 146). O conceito

do que seria língua nacional estava muito ligado ao português falado em

Portugal e o conteúdo da disciplina, consequentemente, voltava-se para os

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autores portugueses, para o latim e para retórica; é o que se percebe ainda

em Lajolo e Zilberman:

os discípulos serão solidariamente instruídos na gramática portuguesa por um método particular e fácil, falando-se na mesma língua com pureza e sem os ordinários defeitos e lendo para este fim autores puros e eloqüentes: serão da mesma forma instruídos em aritmética, álgebra, geometria, geografia, história universal, história de Portugal(...) latim, (...) retórica...” (1998, p. 147)

Em 1930 iniciam-se mudanças no sistema escolar brasileiro conforme

Lajolo e Zilberman:

As dificuldades vão se transmitindo de geração em geração, até 1930, ano de mudança política, que traz de volta a idéia de tratar da instrução através de uma agência específica, o Ministério de Educação, na ocasião acoplado ao da Saúde. De lá vieram novas medidas, a vida escolar se organizou, o livro didático, precisando responder a novas questões, deu outra forma ao ensino ( 1998, p. 156)

Embora os acontecimentos da década de 30 tenham impulsionado

a educação como um todo, somente em meados de 1940, isso significa já

dez anos de existência de locais de estudo de Língua Portuguesa, é que

aparecem concretizadas as primeiras transformações na visão do que seria o

ensino da mesma. A explicação para tamanha resistência é o conhecimento

que então se tinha da língua: gramática, retórica e poética aprendidas de e

em autores latinos e gregos. É possível fazer essa constatação por meio da

décima quarta publicação do livro didático de língua portuguesa “Sei Ler” de

Theodoro de Morais, editado em 1935, ou seja, cinco anos depois da

implementação da nova visão de educação promovida por Vargas. Mesmo

sendo a edição posterior a 1930, o livro traz as mesmas concepções de

conteúdo, ou seja, ainda permanecem a retórica, a poética e a gramática. A

primeira é explicitada quando Theodoro de Morais enfatiza a oralidade.

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Materializam-se os sons o que pensamos. São eles arautos que se devem fazer entender. Desandasse o nosso aparelho vocal a emitir sons desprovidos de sentido e teríamos nele o equivalente de um ventilador defeituoso, que atirasse ao chão, com a palha, a polpa nutritiva do espírito – a polpa das idéias que devia subir para o celeiro e lá, assimilando-se, contribuir para a atividade do cérebro.(1935, p. 313)

Quanto à poética e à gramática, tem-se bem claro o seu uso como

conteúdo de Língua Portuguesa na estrutura do livro que se baseia em textos

de grandes poetas como Antero de Quental, citado pelo autor no poema a

seguir:

Deus e Poesia

Que te diz a natureza,A despedir-se saudosa,Findo o dia?Quando a noite é mais formosaE o luar tem mais beleza?

- Poesia.Que te diz esse profundoBrilhar trêmulo de estrelasPelos céus?E ao vê-las assim tão belasEm que te fala este mundo?

- Fala em Deus. (Theodoro de Morais, 1935, p.21)

Por outro lado a gramática é observada quando o autor reporta-se a

Sampaio Dória, grande nome da educação brasileira e autor de vários livros

voltados para a educação, entre eles “Como se aprende a língua” editado

pela primeira vez em 1922, cujas edições chegaram até 1946.

Posteriormente à primeira edição, Theodoro de Morais diz que a gramática

será melhor trabalhada no livro de Dória: “... como nos ensina Sampaio Dória

no seu livro admirável Como se aprende a língua, teria a oportunidade de ser

útil, facilitando ao pequeno estudante o conhecimento da estrutura e da vida

relacional dos períodos.” (1935, p. 314)

A concepção de que as descrições e as normas apresentadas pela

gramática são o caminho para “falar e escrever corretamente.” ( Suassuna,

1999, p. 25) também justifica o ensino da mesma nas aulas de língua

portuguesa.

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Antes da década de 30 não havia cursos para a formação de

profissionais na área de ensino da língua materna. Assim, para se alcançar a

exigência social de escrever, pessoas sem formação específica como

autodidatas com formação humanística ministravam as aulas de língua

portuguesa. É o caso de Joaquim Mattoso Câmara Jr. que “formado em

Arquitetura (1927) e em Direito (1932), entrou para o magistério já em 1928,

e a partir de 1937 se dedicou exclusivamente a ele, passando para a área de

língua e lingüística” (Câmara, 2000, p. 03)

A falta de formação de profissionais para a educação, em especial para

o ensino da língua materna, aparece já na primeira metade do século XIX,

quando “o General Abreu e Lima, interessado nos problemas nacionais,

publica, em 1835, o Bosquejo histórico, político e literário do Brasil, criticando

com agudeza as lacunas culturais do país. (...) refere-se à absoluta

inexistência de qualquer programa de formação de professores”(Lajolo e

Zilberman, 1998, p. 163)

Como não havia uma formação específica, o ensino de língua

portuguesa dependia da concepção dos educadores em relação ao que

deveria ser conteúdo. O mesmo acontecia com a metodologia e com o

material utilizado. Assim, nas primeiras décadas do século XX, coexistiram

duas correntes: uma que se utilizava das gramáticas e outra que fazia uso

das coletâneas de textos como material de apoio em suas aulas. É o que

demonstra Suassuna ao se reportar ao prólogo de Ribeiro na primeira edição

de seu livro em 1890, cujo teor aparece exatamente igual na edição de 1915:

Duas direções diferentes têm dado os escritores ao estudo da ciência da linguagem: na primeira o sentido das palavras é tudo, a sua função e o seu valor lógico; a gramática considerada sob esse aspecto é uma ciência puramente abstrata, como o é a lógica, a que se vincula intimamente e com que se confunde; na segunda atentam mais nos elementos mórficos das palavras, consideram-nas sob seu aspecto material; a gramática então se torna uma sorte de anatomia ou histologia: estudam-se as palavras como compostas de órgãos, estudam-se, para nos exprimirmos assim, os tecidos desses órgãos, os elementos desses tecidos, como nascem e vivem, como crescem, prolificam e definham, se encorpam e se apoucam (...) aparecem e morrem. (1999, p. 26)

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Assim a primeira direção era focada no sentido da palavra, no seu

valor semântico, para tanto os autores estruturavam suas obras a partir de

textos de autores consagrados ou não, esse é o caso de Theodoro de

Moraes, já analisado neste capítulo. De formato simples e uniforme, o livro

apresenta um texto, algumas observações sobre interpretação e em seguida

comentários sobre elementos da língua normatizados pela gramática. A

segunda direção sobre a qual Ribeiro discorre restringe-se à exposição de

uma gramática normativa, sem explicações pormenorizadas. Exemplo desse

rumo é o próprio Ribeiro, conforme atesta Suassuna: apesar de esse autor

apontar para vantagem de uma articulação (...), observa-se que ele também

privilegia a segunda (1999, p.26).

Sobre esse aspecto, Coutinho discorre:

Os que se formaram em torno dos anos de 60 sabem que os estudiosos das Letras, os eternos amantes da poesia e da ficção, vivíamos em uma tensão entre dois pólos intelectuais e morais. De um lado, a compreensão da obra literária exigia uma leitura imanente rigorosa que, àquela altura, nos era proporcionada pelo estruturalismo e pelo retorno aos formalistas russos, que anos e anos de censura haviam impedido de circular na cultura ocidental. O outro pólo, de cunho ético e político, era constituído pela urgência de entender a sociedade brasileira que habitávamos e que nos habitava, e, se possível, intervir nas suas estruturas iníquas; para tanto, a teoria mais vigorosa de que se dispunha vinha do marxismo17 que só então passou a ter presença efetiva na cultura universitária e, em particular, na cultura da nossa Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. A tensão entre essas duas exigências foi constitutiva de um certo tipo de intelectual, que ainda sobrevive. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141995000300021

As diferentes óticas, comentadas por Coutinho, voltadas para a Língua

Portuguesa estavam emaranhadas em duas concepções: 1ª - a de que o

ensino da língua materna deve privilegiar a forma, a estrutura, portanto a

gramática deveria estar em primeiro plano; 2ª - a de que o ensino se dá

através da interlocução entre emissor e receptor.

Independente de qual direção tomassem, os professores precisavam ter

pleno domínio da língua, pois as explicações e as atividades necessárias ao

17 marxismo: lingüística – os signos só emergem, decididamente, do processo de interação entre uma consciência individual e uma outra. ( Volochinov, 1986, p. 35)

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entendimento do conteúdo precisavam ser formuladas por eles. Ao que tudo

indica, para aqueles que tinham a oportunidade de acesso à escola, os

professores de língua portuguesa alcançavam seus objetivos. É o que

abordam Lajolo e Zilberman através das anotações de uma normalista do

final do século XIX:

Amanhã já tenho de começar a escrever diariamente carta ou redação da Escola e copiar o exercício dos ornamentos da memória. Nós da Escola poderemos sair sem saber Geometria, Francês, História e tudo mais; mas sairmos sem saber escrever uma carta, eu duvido. (...) Também Seu Sebastião depois da aula fica na porta à espera, e todas temos de ir saindo e entregando o exercício e a redação. Nenhum tem coragem de afrontar o professor de Português, porque vemos que ele se esforça o mais que pode em nosso benefício. (1996, p. 45)

Usar como exemplo as impressões de uma normalista do final do

século XIX para o momento histórico do início do século XX é justificado

também em Lajolo e Zilberman quando afirmam “o século XX começava não

muito diferente de seu antecessor: a República não cumprira as promessas

(...) As dificuldades vão se transmitido de geração em geração, até 1930, ano

de mudança política” (1998, p. 156). Se não ocorreram mudanças, significa

que as concepções de ensino também não se alteraram.

A mudança política a qual Lajolo e Zilberman referem-se é o início do

Governo de Getúlio Vargas. Nesse momento o movimento da Escola Nova

expande-se vigorosamente conforme constata Ribeiro:

A comprovação do fato de as chamadas “idéias novas” estarem se propagando vem da constatação de estarem elas presentes: (...) 3º na criação das Universidades, como a de São Paulo (1934), com a participação de Fernando de Azevedo, incluindo uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e a do Distrito Federal (1935), com uma composição de escola distinta das tradicionais, uma vez que se constituía de faculdades de Ciências Naturais, Ciências Sociais, Letras e Educação; ( Ribeiro, 1986, p. 107)

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Na década de 1930, portanto, aparecem as primeiras faculdades de

letras. Com a criação dos cursos de Letras tem-se um direcionamento para o

ensino de Língua Portuguesa18 cujo objeto de estudo foi a Língua e os

objetivos eram: 1) a formação de profissionais para o ensino e a pesquisa na

área de Letras; 2) a elevação do nível do ensino secundário, normal e

superior e, consequentemente, a intelectualidade da sociedade em geral. Os

objetivos, obviamente, não poderiam ser outros, pois a concretização da

faculdade aconteceu na esteira do movimento da Escola Nova, pois essa

idealizava a democratização da educação e, para tanto, precisava de

profissionais que respondessem aos anseios de tais ideais. Isso é explicitado

no trecho do Manifesto de Fernando Azevedo transcrito a seguir:

X. reconstrução do sistema educacional em bases que possam contribuir para a interpenetração das classes sociais e formação de uma sociedade humana mais justa e que tenha por objeto a organização da escola unificada, desde o Jardim dá Infância à Universidade, (1958, p. 59)

Assim, a Faculdade de Letras dividiu-se em dois cursos: o de Letras

Clássicas e Português cuja grade curricular ficou assim definida: filologia

grega e latim; Filologia Portuguesa; Literatura Luso-Brasileira; Literatura

Grega e Literatura Latina. E o de Letras Estrangeiras apresentava-se como as

disciplinas de Língua e Literatura Francesa e Língua e Literatura Italiana.

Assim procederam todas as faculdades de Letras do país. Inclusive a

Universidade Federal do Paraná UFPR aborda o Decreto Lei 1.190/3919 no qual

se previam quatro novos departamentos: Filosofia, Ciências e “Letras (cursos

de Letras Clássicas, Letras Neolatinas e Letras Anglogermânicas)”

(Wachowicz, 1986, p. 189) para esclarecer o contexto histórico da

implantação de seus cursos.

O livro didático também foi atingido pelo movimento da década de

1930, pois aquele período

18 A denominação ensino de língua portuguesa aparece na década de 80, mas durante

todo trabalho usamo-la para facilitar o encaminhamento da redação.19 http://www.humanas.ufpr.br/adm/historico.htm

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traz de volta a idéia de tratar da instrução através de uma agência específica, o Ministério de Educação, na ocasião acoplado ao da Saúde. (...) De lá vieram novas medidas, a vida escolar se organizou, o livro didático, precisando responder a novas questões, deu outra forma ao ensino. (Lajolo e Zilberman, 1998, p. 156)

As novas medidas, às quais Lajolo e Zilberman fazem referência,

relacionam-se aos objetivos dos participantes do movimento da Escola Nova:

democratizar a educação. É observado nesse período, ainda por Lajolo e

Zilberman, uma certa aversão à figura do professor. Para comprovar as

autoras transcrevem um trecho autobiográfico de José Lins do Rego:

Meu primeiro mestre me ensinava as letras, a princípio com agrado. Aos poucos foi se aborrecendo e chegou até a gritar:

- Menino Burro!Aí apareceu dona Judite, sua mulher, e corrigiu o

nervoso do marido. Não havia jeito. As lágrimas corriam dos meus olhos e comecei a ter ódio do dr. Figueiredo. (1998, p. 159)

Vale ressaltar aqui que a visão de José Lins do Rego é ampliada pelo

seu enfoque literário, porém é interessante na medida em que tal fragmento

traz à tona a posição de alguns professores daquele período, não existindo

uma formação específica, não havia como se exigir um comportamento

didático - pedagógico.

Apesar de já implantados os cursos de Letras, dez anos foram

necessários para se sentir as primeiras alterações no ensino de Língua

Portuguesa. Isso significa dizer que a imagem descrita por José Lins do Rego

a respeito do professor chega à década de 1940. Uma das contribuições mais

importantes para que transformações ocorressem foi a de Joaquim Mattoso

Câmara Junior, o grande pioneiro, no Brasil, da lingüística descritiva “estudo

do mecanismo pelo qual uma dada língua funciona, num determinado

momento, como meio de comunicação entre seus falantes” (Câmara Jr.,

1999, p. 11)20.

20 Camara JR. ministrou o primeiro curso de lingüística do Brasil, na Universidade do

Distrito Federal (1938 e 1939) e depois na Universidade do Brasil, a partir de 1948, foi

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Nos anos de 1940, Joaquim Mattoso Câmara Jr. publicou o primeiro

compêndio de lingüística da língua portuguesa e marcou o estabelecimento

de uma bibliografia básica da disciplina no país. Além disso, sistematizou a

língua falada no Brasil – são os primeiros passos, depois dos acordo

ortográfico de 1931, para se pensar em uma estrutura de língua diferente, ou

ao menos não homônima à de Portugal. Vale lembrar que nessa época todo

estudo lingüístico sobre a língua portuguesa orientava-se pelo português

lusitano. Assim instaurou-se o estruturalismo, através dos estudos de Mattoso

Câmara, no Brasil.

O nacionalismo subjacente aos movimentos históricos junto à nova

visão a respeito da língua trazida pela lingüística delineiam novas

perspectivas para o ensino de Língua Portuguesa. O objeto de ensino – a

língua - , aos poucos, perde a característica de mercadoria importada e passa

a ser vista como produto nacional, produto social, como devem ser todas as

línguas.

A reestruturação da Escola Secundária (hoje Ensino Médio) de abril de

1931 também trazia os ideais do nacionalismo e da democratização da

escola conforme se observa no esboço de um programa educacional extraído

do Manifesto de Fernando de Azevedo e transcrito por Ribeiro:

I. Estabelecimento de um sistema completo, com uma estrutura orgânica, conforme as necessidades brasileiras, as novas diretrizes econômicas e sociais da civilização atual.II. organização da escola secundária (12 a 18 anos) em tipo flexível de nítida finalidade social, com escola para o povo, não preposta a preservar e a transmitir as culturas clássicas, mas destinada, pela sua estrutura democrática, a ser acessível e proporcionar as mesmas oportunidades para todos, tendo, sobre a base de uma cultura geral comum (3 anos), as seções de especialização para as atividades de preferência intelectual (humanidades e ciências) ou de preferência manual e mecânica (cursos de caráter técnico) (1986, p. 102)

professor regente de Lingüística na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil.

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Observa-se no item I a referência ao nacionalismo quando aparece a

expressão “necessidades brasileiras”, já no item II a democratização da

escola é percebida em todo o discurso, mas evidencia-se ao mencionar que

a escola devia “ser acessível e proporcionar as mesmas oportunidades para

todos”.

Caminhava-se para o período de 1937 a 1955 denominado por Ribeiro

como “Modelo Nacional Desenvolvimentista com Base na Industrialização

“ (1986, p. 05), nesse modelo acontece “o crescimento cada vez mais

acelerado de forças econômico-sociais “ (Ribeiro, 1986, p. 119) Tal

dinamismo atingiu a Educação que se estruturou para suportar a demanda do

novo veio financeiro: a indústria , que exigiu racionalismo para o

desempenho das funções mais elementares. Esse contexto justifica o caráter

técnico que foi atribuído à escola secundária. Aliás, o racionalismo que

transparece nesse momento foi, entre outras causas, reflexo do Positivismo

que chegou ao Brasil nas malas de brasileiros vindos da Europa nos meados

de 1850 e que se estendeu no tempo com o auxílio das concepções militares.

A Educação passa a ser vista como um instrumento de divulgação da

ideologia do Estado Novo. Para tanto o Estado precisava manter uma

vigilância sobre ela. Assim, a reforma de 1931, segundo Cunha, “ representou

maior controle do poder central sobre o ensino secundário” (1986, p. 293).

Não apenas o ensino secundário sofreu o controle do governo mas também o

ensino superior, pois “a escolha de reitores, diretores e até mesmo dos

membros do conselho técnico – administrativo de cada instituto por

cooptação faria o poder do Estado penetrar até as primeiras instâncias da

organização do ensino” (Cunha 1986, p. 298)

Embora controladora, a Reforma Francisco Campos, ocorrida em 1931,

preocupou-se bastante com o ensino secundário, sendo o mesmo subdivido

em dois ciclos: "um fundamental , de cinco anos de duração, e outro

complementar, de dois anos, visando à preparação para o ingresso no ensino

superior " (Romanelli, 2005, p. 246).

A preocupação com a preparação dos futuros discentes do ensino

superior é nítida, conforme demonstra Cunha ao explicar a fala de

Capanema: “no Brasil, haveria cursos ‘adequados’ aos vestibulares das três

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faculdades principais: medicina, engenharia e direito, prevendo-se a

existência de outro para faculdade vindoura de educação, ciências e letras”

(1986, p. 292). Percebe-se que o ensino das Letras não vinha em primeiro

plano, mesmo porque tal ensino em nível superior estava engatinhando. Mas

o interessante é que mesmo não existindo, ou estando no início a faculdade

de Letras, havia preocupação com o ensino de línguas pois,

O currículo do novo ensino secundário trouxe uma novidade ao ensino de línguas. O francês era, tradicionalmente, a língua viva mais importante para os estudantes do ensino superior e, consequentemente, do secundário. O currículo de 1931, entretanto, fez a língua francesa presente apenas no curso fundamental, incluindo a inglesa e a alemã (esta facultativa) no currículo do curso complementar21 (1986 p. 292)

Além disso, no campo do ensino profissional houve alguma alteração a

ser considerada: foram criados dois tipos, um mantido pelo sistema oficial e

outro, paralelo, mantido pelas empresas. Assim, surgem o SENAI (Serviço

Nacional de Aprendizagem Industrial) e o SENAC (Serviço Nacional de

Aprendizagem Comercial). Com isso, ainda em 1942, o Decreto – lei 4.481

dispõe sobre a obrigatoriedade das indústrias a matricularem 8% de seus

funcionários nas escolas do SENAI. Nota-se claramente a preocupação com a

qualificação da mão de obra, e, consequentemente, com a educação.

Vale lembrar que no cenário mundial acontecia a Segunda Guerra, e o

Brasil não tinha como fugir das conseqüências desse acontecimento de

dimensões únicas. A marinha alemã em represália à chegada da marinha

americana no Nordeste, afunda navios brasileiros. Assim “em 21 agosto de

1942, o governo brasileiro declarou guerra ao Eixo” (Cunha, 2004, p. 324).

Eixo foi a denominação dada à aliança política e militar entre Alemanha -

Berlim , Roma – Itália e Tóquio – Japão. Isso, aparentemente, fez com que o

Brasil se aproximasse dos Estados Unidos que se instalaram no Nordeste

brasileiro depois da destruição da base militar de Pearl Harbor.

O nacionalismo manteve-se durante a existência do Estado Novo (entre

1937 e 1945). Getúlio Vargas evidencia o nacionalismo através da

continuidade da estruturação do Estado, iniciada em 30, orientando-se cada

21 Curso complementar era o curso que preparava os estudantes para o vestibular.

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vez mais para a intervenção estatal na economia e para o nacionalismo

econômico. Foram criados nesse período o Conselho Nacional do Petróleo

(CNP), o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), a

Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Fábrica Nacional de Motores

(FNM), entre outros.

A Reforma Capanema, em 1942, estruturou o ensino industrial,

reformou o ensino comercial e trouxe mudanças no ensino secundário. Sua

culminância foi as Leis Orgânicas de 1946. Em 1948 inicia-se a caminhada

para a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1961. O pano de fundo desta é

revestido de divergências em torno da descentralização ou não do ensino que

tornam-se mais veementes após a apresentação, pelo deputado Carlos

Lacerda, de um substitutivo, cujo teor versava sobre a liberdade de ensino,

passando este a estimular a iniciativa privada.

Ainda sobre a iniciativa privada, deve-se lembrar que as idéias

nacionalistas - reavivadas pela Primeira Guerra Mundial - e o conseqüente

Código do Ensino de 1917, não desapareceram e, conforme o artigo 180 da

reforma em questão “é obrigatório, em todas as instituições particulares do

curso primário ou secundário, nacionais ou estrangeiras, o ensino da Língua

Portuguesa” (Wachowicz, 2002, p. 40). Existindo a intenção de se utilizar da

educação como meio de imprimir sua ideologia no cidadão que ali se

formava, o ensino da língua materna era aquele que mais concorria infundir

tal ideologia nos discentes e, por conseqüência, na nação.

Não foi apenas no âmbito educacional que o populismo getulista

aconteceu, ele foi sentido em todas as áreas, e a trabalhista certamente é a

mais lembrada, Neste sentido, em 1943 ocorre a consolidação das Leis

Trabalhistas, que exigem a implantação de creches nas empresas para os

filhos de funcionários.

Concomitante a esses fatos históricos, aconteceu, a partir da década

de trinta, a institucionalização das universidades que, gradativamente,

aumentou o número de matrículas no ensino superior culminando com as

organizações estudantis, fortalecidas nos anos cinqüenta e início dos anos

sessenta. A importância delas é vista nos movimentos alavancados pela UNE

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(União Nacional dos Estudantes) inclusive no período inicial de Ditadura

Militar na década de sessenta.

O período pós-guerra apresenta-se com a política educacional

populista de outrora. E, para efetivar a práxis de tal política, são

transformadas em estatais instituições de ensino privado para atender as

parcelas carentes da sociedade. Nesse contexto estavam a maioria das

universidades federalizadas existentes hoje no país, entre elas a

Universidade Federal do Paraná. Vale ressaltar que a estatização do ensino

superior agradou a professores e a alunos. Os primeiros por garantirem a

estabilidade, os segundos por não precisarem mais pagar por seus cursos.

Diante disso desenvolveu-se uma estratégia (subsidiada por diretrizes

doutrinárias introdutórias do ensino religioso nas escolas públicas) para

minimizar a influência do Estado sobre o ensino superior. Em decorrência

surgem as faculdades católicas no Rio de Janeiro em 1941, que, cinco anos

depois, transformam-se em Universidade Católica do Rio de Janeiro, sendo a

primeira universidade privada do país.

Na década de 50 surgiu a televisão como força avassaladora,

monopolizando o tempo e a mente das crianças e dos jovens, afastando-os

progressivamente do hábito da leitura. Suassuna afirma que os meios de

comunicação em massa , em especial a televisão “leva a admitir a perda da

hegemonia da linguagem escrita, embora esta tenha se constituído,

efetivamente, no primeiro meio de comunicação de massa”(1999, p. 39).

Como se percebe, a compreensão e, poderíamos dizer, o lugar do ensino da

Língua começa a perder, digamos, certa importância na década de setenta,

pois a disciplina de Língua Portuguesa passa a ser entendida no âmbito mais

abrangente da Comunicação e Expressão, tanto para séries iniciais como

para as intermediárias do Ensino de Primeiro Grau. Nesse momento vários

autores se apropriam do nome da disciplina e utilizam-no em suas obras, é o

caso de Maria de Lourdes Ramos Krieger que, através da Editora Lunardelli

Brochura, publica seu livro Comunicação e Expressão através do Conto e

Crônica em 1976, direcionado ao ensino de 6ª série.

A televisão foi resultado do avanço tecnológico que aconteceu na

esteira do Positivismo que, aliás, não margeou apenas a tecnologia, a política

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também foi visada. Exemplo disso foi a vitória de Juscelino Kubitschek nos

meados dos anos 50 cuja promessa maior era “fazer o Brasil progredir

cinqüenta anos em cinco, atacando o problema das estradas, da energia, dos

transportes e a construção de Brasília” (Ribeiro, 1986, p. 139) Esse impulso

na economia fez com que os horizontes se ampliassem, pois em relação à

Educação “houve um aumento percentual das despesas realizadas pela União

de quase 4,0%” (Ribeiro, 1986, p. 139) e, ainda, aconteceu a diversificação

das atividades econômicas criando novos empregos em quantidade e

qualidade, aumentando assim as possibilidades de acesso à escola, pois a

demanda de mão – de – obra qualificada cresce. Conforme Ribeiro, o sistema

de ensino estruturou-se da seguinte forma:

Quanto à estrutura de ensino, manteve as etapas: ensino primário de pelo menos 4 anos, ensino ginasial de 4 anos com as subdivisões de secundário, comercial, industrial, agrícola e normal, ensino colegial de 3 anos, subdividido em secundário, comercial, industrial, agrícola e normal, e o ensino superior. (Ribiero 1986. P. 153)

As possibilidades de acesso à escola exigiram a reformulação das

funções e dos objetivos dessa instituição. Assim em 1961 teve-se “a idéia de

que a educação deveria ser considerada como comunicação a serviço da

transformação do mundo” (Ribeiro, 1986, p. 156) Mas até se chegar a 1961,

mudanças aconteceram. Uma delas foi relativa ao ensino de Língua

Portuguesa.

Como já foi observado anteriormente, os professores da língua

materna estruturavam suas aulas a partir de dois tipos de livros didáticos:

aqueles que priorizavam a gramática e aqueles que se detinham à produção

e compreensão textual. Além disso aconteciam os embates entre filólogos

brasileiros e portugueses na busca de alternativas para a distância entre as

ortografias distintas de uma mesma língua. Como também já foi mencionado,

essa discussão foi encerrada em 1943 com o acordo ortográfico entre Brasil e

Portugal. Aliás vale lembrar que aconteceu um último acordo em 2004.

Independente das prioridades estipuladas pelos autores dos livros didáticos, a

necessidade de se organizar o ensino da língua materna foi inevitável. Com

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um número maior de alunos nas salas de aula, era imprescindível a

unificação do ensino para atender a uma clientela cada vez mais crescente.

Assim, estruturou-se em 1958 a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB).

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4 OS EFEITOS DA NOMENCLATURA GRAMATICAL BRASILEIRA

NAS CONCEPÇÕES DE ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E NA

FORMAÇÃO DE PROFESSORES.

A Nomenclatura Gramatical Brasileira marcou o ensino de Língua

Portuguesa. Para explicar tal fato, discorrer-se-á sobre a mesma em quatro

momentos: 1º - as causas de sua estruturação; 2º - os livros didáticos de

Língua Portuguesa que a antecederam; 3º - os livros didáticos de Língua

Portuguesa posteriores a ela; e finalmente o 4º - a formação dos professores

no período em que a NGB foi concebida.

4.1 As causas da estruturação da Nomenclatura Gramatical Brasileira

– NGB

Apoia-se em Saviani, quando ele discorre sobre o período de 1930 a

1970, para sintetizar a História da Educação Brasileira até então analisada,

Entre 1930 e 1960 caracterizou-se pelo predomínio da concepção humanista com progressivo avanço da versão moderna em detrimento da versão tradicional. No período posterior a 1960 a concepção humanista começa a ceder lugar à tendência tecnicista (concepção analítica) que vai se tornar nitidamente predominante especialmente a partir de 1969. (Filosofia da Educação Brasileira, 1983, p. 19)

Uma das justificativas para a mudança apontada por Saviani foi o

contexto de 1950 até o golpe de 64, quando Brasil viveu um período de

verdadeira euforia política e econômica, pois nesse espaço de tempo está

incluído o governo democrático de Juscelino Kubitschek (1956 -1961), que

"empreendeu uma política econômica industrial e desenvolvimentista,

levando à nação um Plano de Metas que propunha fazer o Brasil progredir 50

anos em 5” ( Ribeiro 1986, p. 139). Esse pode ser um bom exemplo daquilo

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que poderíamos denominar de indícios preliminares de características do

Tecnicismo, tendência que viria a ser instituída, posteriormente, nos anos 70

do século XX, também no campo da educação revelando uma concepção

educativa fortemente vinculada às teorias sistêmicas.

O Tecnicismo calca-se em uma racionalidade técnica que é substrato

da eficiência, da eficácia e produtividade de qualquer sistema, entre eles o

educacional escolar. Com elementos advindos do Funcionalismo22, o

tecnicismo foi e contínua sendo um modo de entender a educação

principalmente a partir do uso dos meios de ensino como imprescindíveis

para garantir a qualidade e, consequentemente eficiência da aprendizagem

escolar .

Um bom exemplo de Tecnicismo é a Gramática Normativa. Não que esta

seja derivada daquele, pois, muito antes do Tecnicismo a Gramática

Normativa já existia. Apenas deve-se ressaltar que nela encontram-se,

nitidamente, elementos do funcionalismo como: objetividade, funcionalidade

e eficiência. Exemplos disso são observados no índice que dividido em

capítulos organizam a distribuição dos conteúdos, tornando a busca pelos

mesmos funcional, nos capítulos que comumente apresentam-se

estruturados em explicação, exemplificação e exercícios. É o caso do livro

didático “Curso de Gramática Aplicada aos Textos” de Ulisses de Infante que

está dividida em fonologia, morfologia e sintaxe. Todas as unidades trazem a

mesma organização: dividem-se em capítulos e esses seguem um único

esquema: texto, usado como pretexto para o estudo dos elementos

gramaticais, análise desse texto e os elementos constituintes da gramática

normativa elencados na Nomenclatura Gramatical Brasileira conforme se

observa no fragmento a seguir:

Capítulo 27. Sintaxe do período simples (I) – Termos essenciais da oração Fome (João Rui de Souza), 420. Lendo o texto, 421. Introdução, 421. Os termos essenciais, 422. Sujeito, 4223. Predicado, 423. Atividades, 425. Tipos de sujeito, 426. Sujeito

22Funcionalismo : teoria, adotada sobretudo em etnologia, segundo a qual o sentido

de um fato cultural só pode aparecer quando examinam suas relações funcionais com o

conjunto dos outros fatos sociais. (Durozoi e Roussel, 1993, p. 204)

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determinado, 426. Sujeito indeterminado, 426. Oração sem sujeito, 427. Atividades (Infante, sumário)

Essa estrutura prima pela funcionalidade, pois basta procurar no índice

aquilo que se precisa e, imediatamente, localiza-se o desejado. A objetividade

é percebida na precisão de conceitos como “Predicado é aquilo que se

declara do sujeito”(Infante, 2004, p. 423). Assim, se é funcional e objetivo

torna-se eficiente, pois atinge o objetivo a que se propõe: “apresentar os

conteúdos da disciplina gramatical de forma a que ela possa constituir um

poderoso instrumento na utilização diária da palavra falada e escrita”

(Infante, 2004, p. 3).

É interessante ressaltar que, embora essa pesquisa abranja o contexto

histórico até a década de 1960, a gramática normativa usada no período de

ouro do Tecnicismo no Brasil, a década de 70, é resultado do contexto

histórico contemporâneo ao governo de Juscelino Kubitschek, mais

precisamente em 1958, quando surge a atual Nomenclatura da Gramática

Brasileira, organizada com princípios do nacionalismo e do funcionalismo e,

ainda, das descobertas da Lingüística

Os movimentos nacionalistas em prol de uma língua portuguesa

brasileira, já comentados anteriormente, aparecem desde a fase literária do

Romantismo. Cabe aqui recorrer a Machado de Assis, que, além do Realismo,

também integrou o Romantismo, quando comenta sobre a importância da

gramática: “Uma boa gramática é um alto serviço a uma língua e a um país.

Se essa língua é a nossa, e o País é este em que vivemos, o serviço cresce”

(Assis, apud, Tôrres, p. prefácio).

Esse mesmo nacionalismo coexiste com o crescimento industrial

impulsionado nos anos de 1920 mais ou menos e que adquire seu apogeu

nos anos de 1970. Vale mencionar que nesse espaço de tempo evidenciaram-

se duas concepções de nacionalismo. Uma embasada na visão militar que

almejava o civismo e outra com vistas ao desenvolvimento econômico. Essa

fomentada nos anos trinta e quarenta no governo de Getúlio Vargas. Aquela

relativo às décadas de 1960 e 1970, durante o Regime Militar. Independente

das concepções do nacionalismo, o ensino de Língua Portuguesa foi utilizado

como base para que ele fosse difundido.

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O crescimento industrial cria a necessidade de mão de obra qualificada.

Segundo Romanelli, “ onde, pois, se desenvolvem relações capitalistas,

nasce a necessidade da leitura e da escrita, como pré-requisito de uma

melhor condição para concorrência no mercado de trabalho” (2005, p. 59).

Assim, a democratização da escola passa a traduzir uma espécie de

luta de classes, pois a demanda de alunos aumenta, mas a de escolas não.

Sobre isso Romanelli expõe:

Essa luta assumiu no terreno educacional características assaz contraditórias, uma vez que o sistema escolar, cada vez mais crescente e cada vez mais exigente, em matéria de democratização do ensino, e , de outro lado, o controle das elites mantidas no poder, que buscavam, por todos os meios disponíveis, conter a pressão popular, pela distribuição limitada de escolas (2005, p. 61)

De qualquer forma, o resultado foi um número maior de alunos nas

salas de aula e, portanto uma nova postura dos professores durante suas

aulas. Um dos problemas enfrentados era a diversidade de termos para os

elementos gramaticais, pois cada gramático de renome batizava os termos

de acordo com a sua subjetividade. Esse problema seria sanado com a

Nomenclatura Gramatical Brasileira – NGB, estruturada em 1958 por uma

comissão formada por notáveis da época, dentre os quais estavam Antenor

Nascentes e Celso Cunha; estabeleceu uma divisão esquemática dos

conteúdos gramaticais, unificando e fixando, para uso escolar, a

nomenclatura a ser usada pelos professores. Devido a grande repercussão,

em 1959, ainda no governo de JK, uma portaria recomendou sua adoção em

todo o território nacional.

Embora com problemas referentes às nomenclaturas, os livros didáticos

norteados pela concepção de que o ensino da gramática, base para o

aprendizado da língua, eram muito respeitados. Além deles também haviam

os simpatizantes das coletâneas literárias23, defensores do ensino da língua

baseados na concepção de que o texto é o norte para o bom aprendizado da

língua materna.

23 Exemplo de obra simpatizante das coletâneas é “Sei Ler” de Theodor de Moraes.

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O segundo ascendente da Nomenclatura Gramatical Brasileira já fazia

parte do contexto histórico brasileiro desde os meados do século XIX, quando

as ciências são exaltadas. O Funcionalismo imprime sua marca na NGB

quando ela estrutura-se de forma objetiva e racional a partir de um esquema

que determina a seguinte fragmentação: “Fonética, morfologia e sintaxe”

(Infante, 2005, p. 22), mas essa fragmentação está interligada, as partes

formam um todo.

A Lingüística também corrobora para o aparecimento da Nomenclatura

Gramatical Brasileira. Segundo Câmara Jr, ao abordar em sua obra os

problemas levantados pela então nova ciência, comenta sobre as variações

lingüísticas:

Um dos percalços mais sérios com que se tem defrontado a gramática descritiva, desde a Antigüidade Clássica, é o fato da enorme variabilidade da língua no seu uso num momento dado. Ela varia no espaço, criando no seu território o conceito dos dialetos regionais. (1999, p. 17)

Ora, se é fato a variação da língua no espaço, a diferença entre o

português do Brasil e o de Portugal fica documentado e assim pode ser

diferenciado através de uma nomenclatura própria.

A esse respeito reporta-se a resenha de Lacerda, publicada na

Gazeta do Povo em 1955, cujo tema era o livro "Introdução ao Estudo da

Língua Portuguesa no Brasil" de Serafim Silva Neto. Lacerda faz o seguinte

comentário sobre a obra:

As peculiaridades do português brasileiro, que se refletem na nossa literatura, sobretudo a partir dos românticos, o eminente filólogo as vê, como devem ser vistas, não como ‘erros’, mas como novos processos estilísticos. (1955, p. 167)

Dentro do âmbito da lingüística ainda, pode-se ter como exemplo a

caminhada de Saussure nos primeiros momentos de seus estudos que

culminaram com a obra póstuma Curso de Lingüística Geral de 1916. A

primeira providência de Saussure foi “pôr ordem nos estudos lingüísticos”

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(Carvalho, 2003, p.26). O motivo dessa providência também é explicado por

Carvalho: “os lingüistas até então tratavam de coisas diferentes com nomes

iguais e vice-versa” (Carvalho, 2003, p. 26). Assim como na lingüística,

havia, na nomenclatura gramatical da língua portuguesa usada no Brasil,

uma infinidade de denominações e de conceitos para uma única classe

gramatical. Portanto a providência de Saussure é a mesma dos gramáticos

que estruturaram a Nomenclatura Gramatical Brasileira – conciliar as

nomenclaturas.

Ainda encontra-se em Saussure justificativas para se estruturar uma

língua em torno de uma gramática normativa, pois língua

Não se confunde com linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem é um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. (Saussere, 2004, p. 16)

Se a língua é um conjunto de convenções, o mais coerente é que se estruture

tais convenções na forma de uma gramática normativa.

Como se percebe a Nomenclatura Gramatical Brasileira é conseqüência

de um contexto histórico estruturado no movimento cujas bases estão

assentadas, principalmente, no funcionalismo nacionalista que encontra na

lingüística justificativa para impulsionar o ideário de nacionalização da língua.

4.2 – Os livros didáticos antes da Nomenclatura Gramatical Brasileira

Faz-se necessário neste instante abrir espaço para a análise do livro

didático, pois “o livro escolar, ao fazer parte da cultura escolar, não integra

essa cultura arbitrariamente. É organizado, veiculado e utilizado com uma

intencionalidade, já que é portador de uma dimensão da cultura social mais

ampla” (Corrêa, 2000, p. 19)

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Como já foi discorrido no capítulo anterior, a dualidade da educação

não se restringia aos paradigmas ou sistemas adotados mas também, no

caso do ensino de Língua Portuguesa o dualismo apareceu inclusive nos livros

didáticos. Assim têm-se duas correntes: os livros estruturados a partir da

concepção de que o ensino deveria ser através da gramática como sempre

havia sido desde os gregos, e outro que via o ensino de Língua Portuguesa

estruturado a partir do uso de textos.

Sendo assim, para se obter um perfil dos livros norteados pelo ensino

da gramática analisar-se-ão: a décima quarta edição de "Sei Ler", de

Theodoro de Moraes, publicado em 1935, destinado à terceira série do

chamado ensino ginasial; a obra de Valter Wey, "Língua Portuguesa" de 1953

, indicado para a segunda série do colegial; o livro "Português Colegial de

Antônio Sales Campos", publicado em 1955 e direcionado para alunos do

curso colegial em geral e ainda a quinta e a sétima edição de "Português

Ginasial" de R.F. Mansur Guérios, de 1952 e 1956 respectivamente,

direcionados às quatro séries ginasiais; também de Guérios a obra "Português

para o Concurso de Habilitação à Faculdade de Medicina, Escola de

Engenharia, etc.", da Universidade do Paraná, editado em 1958, o que seria

equivalente ao terceiro ano do ensino médio hoje. Todos anteriores à

Nomenclatura Gramatical Brasileira.24

Antes da Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), os autores,

seguidores do modelo cuja linha mestra era a gramática, para facilitar o uso

do material relacionavam, em ordem alfabética, os elementos constituintes

da gramática, exemplo disso é o índice alfabético encontrado (anexo 01) já

no início do livro "Português Ginasial" de R.F. Mansur Guérios, pois não se

dividia a gramática dentro do esquema: fonética, morfologia, sintaxe.

Percebe-se isso ao confrontarem-se os livros didáticos de Theodoro de

Moraes25 e de Mansur Guérios, ambos abordam a tonicidade em um

24 Sem a pretensão de alterar ou causar algum dano à obra, apenas com a intenção

de facilitar a compreensão dos trechos, todos os recortes feitos para a exemplificação de

afirmações estão adaptadas à ortografia contemporânea.25 Theodoro de Moraes foi escritor de obras voltadas para a metodologia da leitura,

todas publicadas pela Companhia Editora Nacional.

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determinado momento de suas obras. Segundo Moraes “As palavras

esdrúxulas são aquelas que pronunciamos erguendo o tom, a altura da voz,

quando dizemos a antepenúltima sílaba: pálido, búzio, número” (1935, p. 41).

Já Guérios afirma “Se a sílaba tônica for a antepenúltima sílaba, dir-se-á que

o vocábulo é proparoxítono (ou esdrúxulo): médico, pérfido, sílaba, etc.”

(1952, p. 231)

Como se observa em Guérios encontram-se duas denominações para

as proparoxítonas, mostrando o caos de terminologias vivido nos anos

anteriores à NGB (Nomenclatura Gramatical Brasileira) de 1958, pois ele usa

os termos esdrúxula e proparoxítona na ânsia de contemplar todos os nomes

usados para um único processo de acento prosódico .

A obra "Português Ginasial" de Guérios tanto na edição de 1956 como

na de 1952 aborda os vocábulos o, a, os, as da seguinte forma:

Os articulares ou artigos o, a, os, as podem ser pronomes demonstrativos: Disse-o (= Disse isso). Não sabes o que dizes. (= Não sabes isso que dizes). Refiro-me ao livro do professor e ao (livro) do aluno. Dei-lhe a minha pena e a de Paulo. Dei-lhe os meus livros e os que pertenciam a Paulo. (1952, p. 32 / 1956, p. 42)

O fato de não haver distinção clara entre as classes gramaticais faz

com que o autor atribua aos vocábulos o, a, os, as capacidade de serem, ao

mesmo tempo, artigos e pronomes demonstrativos tanto que exemplifica tal

capacidade em um único momento sem fazer diferenciação entre uma classe

e outra. Para perceber que os pronomes são exemplificados nas três

primeiras orações e os artigos nas três últimas o interlocutor deve ter um

bom domínio da morfologia da Língua Portuguesa, isso demonstra a

inexistência de preocupação com o aspecto metodológico da exposição dos

conteúdos aos receptores da obra. Ainda sobre a abrangência dos conceitos

dados às classes gramaticais, não se pode deixar de mencionar que os

artigos em questão são explanados dentro de um único capítulo que engloba

os adjetivos e os pronomes sem dar nenhuma explicação a respeito.

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Ao analisar a obra "Português para o concurso de habilitação à

Faculdade de Medicina, Escola de Engenharia, etc.", da Universidade do

Paraná também de R.F.Mansur Guérios, percebe-se a oscilação das

nomenclaturas dentro de obras distintas, embora de um mesmo autor. Pois

Guérios, ao abordar o conteúdo orações coordenadas, nomina aquelas que

não possuem conjunção como “coordenada assindética ou justaposta” (1958,

p. 18). Quando explica as orações sindéticas também dá dois nomes para as

“aditivas ou aproximativas” (1958, p. 18). Contudo, na obra "Português

Ginasial" de 1956, Guérios explica as orações coordenadas da seguinte

forma: “A oração que tiver conjunção coordenativa clara, será chamada

oração coordenada sindética, se não tiver conjunção, mas vírgula ou ponto-e-

vírgula, será chamada oração coordenada assindética.” (1956, p. 73)

À medida que as edições aproximam-se de 1958, ano da estruturação

da Nomenclatura Gramatical Brasileira, os livros didáticos voltados ao ensino

da gramática normativa demonstram uma maior preocupação de unificação

de denominações, assim apresentam vários nomes para um único termo.

Nesses livros a preocupação com os elementos da gramática normativa

eram primários (no sentido se estarem em primeiro plano). Assim, não havia

relação com textos, o que existia era um apanhado de frases soltas que

serviam de base para a explicação da função, da classe, ou da formação da

palavra. Como se observa na transcrição da explanação de Guérios sobre os

adjetivos: “O adjetivo é colocado antes ou depois do substantivo (...) Mulher

bela” (1952, p. 33). Nenhum comentário além desse é feito. Dessa forma,

para se entender a explicação de Guérios o interlocutor deveria ter o

conhecimento do conceito de substantivo e de adjetivo. Percebe-se aqui uma

relação com o Estruturalismo, pois tem-se, nesse caso, a relação entre o

substantivo mulher e adjetivo bela. É essa relação que permite a língua

operar, portanto não haveria a necessidade de maiores explicações sobre as

classes gramaticais. Essa concepção é chamada de Gramática Sincrônica26

que segundo Câmara “é o mecanismo pelo qual uma dada língua funciona,

26 Gramática Sincrônica: uma das divisões da lingüística feita por Saussere, a outra denominou-se Diacrônica. Essa analisa a língua através da história, aquela através da estrutura (Câmara, 1999, p. 13)

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num dado momento(...) como meio de comunicação entre os seus falantes, e

na análise da estrutura, ou configuração formal” (1999, p. 11). Aliás é

interessante mencionar que Guérios tinha como “livros de cabeceira:

Dauzat27, Meillet28, Saussure (...), cada qual a arrastar após si novos

lineamentos lingüísticos, tudo a ensejar um levantamento acadêmico (Arns,

1979, p. 12). Isso não significa dizer que na década de 1950 Guérios fosse

discípulo de Saussure, mas seguia a gramática tradicional com certeza, pois

“desde Fernão de Oliveira e João de Barros29 no século XVI, vêm se

multiplicando as gramáticas, pautadas no modelo greco-latino, intituladas

quer sincrônica, quer expositivas (Câmara, 1999, p. 11).

A relação gramática – texto começou a ser exposta em 1951 quando

são publicadas portarias norteadoras de programas que visavam uma

metodologia baseada no ensino da língua materna através do texto. Guérios

em sua obra Português Ginasial, na edição de 1952, justifica a desobediência

a tais portarias: “já andava bem adiantada a composição desta gramática,

quando o ‘Diário Oficial’ da União publicou a portarias no. 966, de 2-10-51,

com os novos programas. Em conseqüência, não foi possível proceder à

reforma” (1952, prefácio). Em seguida Guérios argumenta “Se bem que a

vigência dos mesmos se verifiquem gradativamente, a começar da 1ª série,

em 1952” (1952, prefácio). A confiança no trabalho do professor era tão

consistente que o autor transcreve os novos programas constantes na

referida portaria pois “contando com a inteligência e a boa vontade dos

colegas, no sentido de acomodar os pontos entre as séries ou locupletar os

vazios que se verificam neste volume” (Guérios, 1952, prefácio)

Na transcrição da portaria 966 de outubro de 1952 feita por Guérios,

observa-se a leitura e a interpretação de textos em todas as séries, pois

desde a primeira até a quarta série o programa começa com o seguinte

conteúdo: “1. a) Leitura e interpretação de excertos breves e fáceis de

27 Dauzat: lingüista francês http://test.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882001000200003&lng=es&nrm=iso

28 Meillet: lingüista francês http://test.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882001000200003&lng=es&nrm=is

29 Fernão de Oliveira e João de Barros inauguram gramatização do português no século XVI.

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prosadores e poetas brasileiros dos dois últimos séculos.” (Guérios, 1952,

prefácio). Isso significa que a concepção de ensino da Língua Portuguesa

abraça o contexto como referencial, com isso não haveria de se partir de uma

parte, neste caso de uma palavra, mas do todo – o texto. A concepção

encontrada aqui margeava os ideais nacionalistas de formação da cultura

nacional ao explicitar a autoria brasileira dos textos. Aliás, três anos mais

tarde, tais ideais davam base para o Instituto de Estudos Brasileiros – ISEB

conforme discorrido na página 28.

Pelas observações feitas a respeito das portarias chega-se à conclusão

de que a próxima edição do livro traria as alterações necessárias para o

cumprimento de tais publicações no Diário Oficial, mas a preocupação de

alguns autores, como Guérios, em relação ao ensino da gramática era tão

acentuado que a obra Português Ginasial aparece reeditada em 1956 sem

nenhuma alteração na estruturação dos conteúdos que novamente são

apresentados seguindo o seguinte esquema: conteúdo

explicação do conteúdo exercícios de fixação. Exemplo disso é a primeira

lição das edições de 1952 e 1956 da obra em questão, das quais

transcrevem-se algumas partes a seguir:

Lição 1ª - DA FRASE

Todos falam por meio de palavras combinadas e em ordem. Ninguém dirá ou escreverá – Lição a estuda Pedro – mas, sim – Pedro estuda a lição. É a isto que se chama frase (...)

Uma oração pode exprimir:Afirmação: Pedro estuda a lição.(...) QUESTIONÁRIO:1) Que é frase? 2) Como se chama a frase de sentido

completo?3) Para que servem as reticências? (1952, p. 15 e 16; 1956, p. 17)

Não há nenhum texto para ser lido, interpretado ou analisado. As

evidências de que se deve priorizar o texto, conforme a portaria de 1952,

aparecem apenas na introdução da obra em um item destinado às

instruções metodológicas conforme seguem: “Nas duas primeiras séries do

Curso Ginasial, o ensino de gramática será acentuadamente prático,

ministrado à medida que os fatos ocorrem, sempre baseado na leitura de

textos já interpretados com a possível minúcia.” (1956, prefácio). O discurso

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evidencia uma metodologia não contempladora da pseudo linearidade do

conteúdo gramatical: fonética, morfologia, sintaxe, pois ele deve ser

trabalhado segundo as palavras de Guérios de acordo com ao

acontecimentos dos fatos.

No parágrafo seguinte o autor retoma o discurso do ensino através da

gramática e se contrapõe ao próprio discurso quando elenca alguns

conteúdos “Recomendam-se pequenos exercícios orais e escritos, sobretudo

os referentes às flexões, às regras de concordância e regência e ao emprego

das formas mais freqüentes.” (1956, prefácio)

Com cuidado para não reforçar a contradição, o autor retoma logo a

prioridade da leitura e da interpretação do texto discorrendo desta forma:

A análise sintática será feita com razoável sobriedade; convém evitar os excessos de nomenclaturas, os pormenores, os subentendidos, as construções que, embora usuais e corretas, não estão sujeitas aos rigores da lógica. Não se perca de vista que o objetivo da análise é orientar o estudante na inteligência dos textos e na correção dos erros que ele comete. Excelente processo de raciocínio, deve ela, entretanto, intervir com oportunidade, sem prejuízo do ensino prático e literário da língua. (1956, prefácio)

Mas, imediatamente, exalta a nomenclatura gramatical ao dizer que

não há como se trabalhar a língua sem primeiro fazer a análise sintática:

“São mais apropriados à análise léxica os períodos já analisados

sintaticamente. Como é óbvio, não se pode, muitas vezes, sentir a categoria

de uma palavra sem o conhecimento prévio de sua função na frase.” (1956,

p. prefácio)

Guérios traz intrínseca sua concepção de ensino da língua materna,

por mais que busque enquadra-se nos novos programas impostos pelas

portarias de 1951, não consegue desvencilhar-se da idéia de que a

gramática é fonte do bem falar e do bem escrever, entranhada em muitos

autores como bem comenta Câmara Jr. ao explicar o objetivo de análise

estrutural da gramática:

Já tinha em princípio esse objetivo a gramática tradicional, elaborada a partir da Antigüidade Clássica para a língua grega e em seguida a latina. Em português, desde Fernão de Oliveira e

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João de Barros no século XVI, vêm se multiplicando as gramáticas, pautadas pelo modelo greco-latino, intituladas quer descritivas, quer expositivas. Ora, mais propriamente normativas, se limitam a apresentar uma norma de comportamento lingüístico, de acordo com a sempre repetida definição – arte de falar e escrever corretamente- (1999, p. 11)

Suassuna, ao expor suas análises sobre livros didáticos de língua

portuguesa, intertextualiza com Câmara Jr. “a gramática é um instrumento

do bem falar e escrever” (Suassuna, 1999, p. 26).

Câmara Jr. deixa claro que as questões sobre a gramática não são

recentes. Em Suassuna tem-se a reafirmação de que tais questões são

antigas ao explicitar as primeiras concepções sobre gramática já “No período

helenístico, a gramática grega recebe grande impulso. (...) O estudo do Certo

e do Errado, na Grécia antiga, foi bastante desenvolvido” (1999, p.21).

Obviamente o certo estava contemplado nas gramáticas e o errado exposto

nos falares dos menos intelectualizados. Com uma tradição tão antiga, não é

de surpreender a posição de defensor do ensino da gramática abraçada por

Guérios.

O nacionalismo presente naquele contexto histórico, em que a obra de

Guérios está inserida, contribui para a construção de uma gramática da

língua portuguesa usada no Brasil como já foi demonstrado no capítulo

anterior. Aliado à visão de que gramática é sinônimo do bem falar e

escrever boa parte dos autores de livros didáticos e professores, reafirma a

concepção de ensino da língua materna dos gramaticistas como Guérios.

Além disso endossa o nacionalismo, pois regulamentar a gramática seria

construir bases a partir do uso correto da língua para construir uma nação

civilizada. Falar correto e bem é ser civilizado, portanto educado.

Esse nacionalismo positivista abordado anteriormente, corrobora com a

fragmentação da língua quando estudada sob o ponto de vista da gramática,

pois segundo Antero de Quental o que importava era “resolver, decompor,

classificar e explicar o mundo dos fatos e das idéias” (Quental, apud Nicola,

1999, p. 178).

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Antero de Quental foi um poeta do Realismo / Naturalismo Português,

sua fala acima transcrita está em um de seus discursos na Questão Coimbrã30

em 1865. Embora longe da época de Guérios, tal correlação é justificada

pela introdução do Positivismo que se dá justamente no Realismo /

Naturalismo, fase literária contemporânea da filosofia comteana. Isso não

significa que a normatização da língua não acontecia antes do Positivismo,

este apenas reforça a idéia de cientificidade daquela, pois a resolução, a

decomposição, a explicação da forma padrão é a base da gramática

normativa .

Ainda sobre a cientificidade , recorre-se a Câmara Jr. quando este se

refere aos novos olhares lançados pelos lingüistas sobre a gramática :

“procuram ascender a um plano que bem se pode chamar científico em seus

propósitos, pois procuram explicar a organização e o funcionamento das

formas lingüísticas com objetividade e espírito de análise.” (1999, p. 11)

As concepções de Câmara Jr são contemporâneas ao surgimento da

NGB (Nomenclatura Gramatical Brasileira), pois, embora sua obra em

questão seja de 1969, no prólogo da mesma, intitulado Advertência, o autor,

ao explicar os princípios norteadores da obra, relata que “o assunto não me

tomou (...) de surpresa, pois tem sido abordado por mim em cursos aqui e no

estrangeiro, além de tratado, de 1956 a 1968, no exercício do cargo de

professor titular de português na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da

Universidade Católica de Petrópolis.” Torna-se claro e necessário comentar

sobre a temporalidade coexistente entre NGB e Câmara Jr. quando é

relembrado que o último contribuiu muito na área de língua portuguesa no

Brasil e, portanto, a cientificidade atribuída por ele à gramática é relevante

para o entendimento de que a mesma era assunto inquietante que tinha

nuances do Positivismo como pano de fundo.

A preocupação com a gramática fica evidente em outra obra de Câmara

Jr., Manual de expressão oral e escrita, quando o autor discorre sobre o caos

lingüístico que aconteceria se não existisse uma normatização para a língua:

30 Questão Coimbrã: embate entre os conservadores Românticos, e os vanguardistas

Realistas/ Naturalistas.

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Seria penoso que diante dessa precariedade da norma lingüística cada um de nós tivesse, a cada momento, de achar soluções por si. A gramática normativa, que se define como a arte de escrever e falar corretamente, poupa-nos esse esforço, apresentando uma espécie de código de leis, que estudamos para obedecer (1981, p. 91)

Em 1935, foi publicada a décima quarta edição do livro de Theodoro de

Moraes. Provavelmente, o primeiro exemplar seja de 1921, se for entendido

que ocorreu uma edição por ano. Outra evidência de que a obra pertence aos

anos vinte é o texto equivalente ao hoje chamado manual do professor ou

assessoria pedagógica, com data de janeiro de 1925.

A análise mostrou que, ao contrário das obras de Guérios, não havia

nenhuma preocupação com portarias ou decretos, pois, em momento algum,

faz alusão àquelas e a estes. O motivo mais provável de tal despreocupação

está no fato de a obra ser direcionada especialmente à leitura, e isso

desemboca na concepção de que o ensino da língua está diretamente ligado

a interpretação e análise textual. Também a escola, embora já existissem

movimentos para reverter o quadro, não era para todos, pois em “1920,

65% da população de 15 anos e mais era analfabeta” ( Ribeiro, 1986, p. 78).

A ausência de atitudes para a reversão do quadro é comentada por Ribeiro

quando se reporta aos Anuários Estatísticos, cuja primeira publicação

aconteceu em 1916, mas não teve continuidade: “a ausência deles indica um

certo desinteresse, uma não-prioridade em relação à organização escolar

com objetivo de atender à população em sua totalidade.”(1986, p. 80)

Assim o livro não precisava ser prático, pois o professor teria tempo

para estruturar e atender as necessidades dos alunos em sala de aula.

Mas a prioridade da leitura não exime o aprendizado das regras

gramaticais tidas como aquelas do bem falar e do bem escrever. Muito pelo

contrário essas sempre aparecem trabalhadas de forma paralela, isto é, as

regras estabelecidas pelo falar formal se apresentam, na maioria das vezes

indiretamente, como se observa no exercício a seguir extraído do livro em

questão:

Um cavalo pode ser veloz, manso, dócil, branco, etc., isto é pode ter várias qualidades. Podemos imaginar cada uma delas separadas do cavalo que as possui, podemos separá-las mentalmente. É este um dos poderes da nossa inteligência, e

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tem por nome abstração. Um substantivo que serve para indicar uma qualidade assim separada do seu possuidor, é o que chamamos um substantivo abstrato. O melhor meio para, de pronto, agruparmos muitos substantivos abstratos é escolhermos o adjetivo correspondente para ponto de partida. Experimentemos:

Adjetivo substantivo Dócil ?Justo ?Injusto ? (Moraes, 1935, p. 161)

O exercício acima está relacionado a um texto, aliás todo o livro

procede as atividades a partir de um texto. Sendo assim, pode-se observar

que a gramática aparece em função de uma necessidade de conhecimento

surgido a partir de uma leitura. As nomenclaturas são explicadas no próprio

exercício, quando o autor explicita o conceito de substantivo abstrato,

imediatamente relaciona a palavras que apareceram no texto da aula (ver

anexo 1). O enunciado da questão utiliza a função fática31 da linguagem, isso

mostra a preocupação do autor no quesito interlocução, pois busca

elementos para se aproximar do leitor, transformando um simples enunciado

em uma conversa informal e, assim, conduzindo o receptor através do

discurso.

Vale lembrar que nesse período não havia uma padronização da

nomenclatura gramatical brasileira, logo os autores de livros didáticos não se

preocupavam em transmitir nomenclaturas, mas sim em explicar o

funcionamento dos elementos constitutivos da língua. É o que mostra o livro

de Theodoro de Morais em várias passagens e, em especial, quando aborda a

transitividade verbal:

I) Comparemos os verbos destas duas sentenças:A menina COLHEU flores.A menina DORMIU.Na 1ª sentença, o verbo colheu traz-nos à lembrança

duas idéias: o colhedor e a coisa que foi colhida. O colhedor foi a menina; a coisa que foi colhida foram as flores. Quer isto dizer que a ação designada pelo verbo colher começou na menina e acabou nas flores; passou daquela para estas. A menina fez ou executou a ação de colher. As flores receberam, sofreram a ação: foram colhidas.

Já o mesmo não acontece com o verbo da 2ª sentença. O verbo dormiu traz-nos à lembrança só uma idéia: a menina que

31 Função fática: centrada no contato, no canal, caracteriza-se pelo uso de certas

expressões, visando estabelecer o contato com o interlocutor. ( Sacconi, 2005, p. 17)

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dormiu. A ação de dormir começou na dorminhoca e acabou nela mesma. Não foi além.

O verbo que designa uma ação que passa do que executa à pessoa ou ao objeto que a recebe, chama-se verbo transitivo.

O verbo que designa uma ação que não passa daquele que a executa, chama-se verbo intransitivo.(1935, p. 171)

Percebe-se primeiro a preocupação com a funcionalidade dos termos e

depois com a nomenclatura. Isso fica mais evidente na continuidade da

explicação:

Se o amigo não dormiu, está agora preparando para, topando com um verbo, saber se ele é transitivo ou intransitivo. Os transitivos são polidos e delicados. Se lhes perguntamos, eles respondem... Querem ver? Aqui está esta sentença incompleta:

O menino cortou...Perguntemos:- Cortou... o quê?E o cortou nos dirá, conforme a verdade:- O menino cortou o dedo.(...)

Tomemos agora um verbo intransitivo, acostemo-lo com a maior das amabilidades, e ele faz-se de surdo. Não responde. Querem ver? Aqui está esta sentença:

A locomotiva apitou.Perguntemos:- Apitou o quê?Nem resposta. (Moraes, 1935 p. 171)

Nota-se que, logo após conceituar os verbos transitivos e intransitivos,

o autor retoma a função fática da língua e demonstra como os verbos

funcionam no contexto da oração. O reforço no uso da função fática é

justificado pela tentativa de tornar o aprendizado mais agradável, aliás isso é

tão claro que observa-se a busca do humor quando o autor questiona se a

explanação não causou sono no receptor.

As características funcionalistas também são observadas na forma

sistematizada do tempo usado em sala de aula. Sobre isso Moraes, quando,

em 1925, expõe as instruções de uso da sua obra primeiro discorrendo sobre

a fase de preparação da aula pelo professor. Vale lembrar que os livros

didáticos não traziam as aula preparadas, diferentemente do encontrado

hoje, o professor devia estruturá-las. Depois fala sobre a fase de realização

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das atividades em sala de aula pelo professor e pelo aluno. Após tece o

seguinte comentário:

Adotada esta orientação que, aliás, nada tem de nova e já é até tradicional em nossas classes, cada um dos capítulos, assim o exigem a ordem e a exiguidade do tempo útil de cada lição, deve tomar dois dias de aula: um para a fase de preparação, outro para a fase de realização. (1935, p. 315)

Na contramão dos livros didáticos exclusivos de gramática normativa,

como os de Guérios, encontra-se a obra de Valter Wey que apresenta uma

coletânea de textos cuja função é subsidiar o programa escolar conforme o

próprio autor esclarece no prefácio do livro:

1 – a) Leitura, interpretação, análise literária, comentário gramatical e filológico de textos de autores brasileiros e portugueses, a partir do século XVI. b) Exercícios orais: impressões de leituras feitas fora da aula; exposição de matéria do programa. C) Composição escrita: dissertação sobre temas sociais e assuntos literários: artigos para revista escolar; pequenos ensaios de crítica. D) Revisão de provas tipográficas. (1953, prólogo)

A preocupação do autor com leitura, interpretação e análise evidencia-

se imediatamente, pois é o primeiro tópico abordado. Percebe-se ainda que a

gramática é colocada em segundo plano, pois a ela é destinado apenas um

comentário. O esquema descrito do prefácio é seguido literalmente no

corpo da obra, neste tem-se o seguinte caminho: tema

comentário sobre o tema referências bibliográficas do comentário

um ou dois textos de outros autores sobre o mesmo tema exercícios

contempladores das subjetividades dos discentes.

As etapas descritas acima são religiosamente seguidas em todos os

capítulos, mas para exemplificação utilizou-se apenas o primeiro capítulo cujo

tema é Teoria da Literatura. Dele foi analisada sua introdução que fala sobre

as influências a que está sujeita a literatura e sua posição entre as demais

artes, assunto sobre o qual Valter Wey discorre arduamente durante seis

páginas e o embasa com dezesseis autores. Em seguida apresenta dois

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textos: o primeiro de José Veríssimo, cujo título é: "Que é literatura?"; o

segundo de Fidelino de Figueiredo com o título: "Arte e Realidade". Após os

textos, o autor expõe os seguintes exercícios, que, embora longos, se faz

necessária, a seguir, sua citação.

1- Comentar e resumir as idéias expostas por Fidelino de Figueiredo em Últimas Aventuras, capítulo Noção de literatura – páginas 208-214.

2- Definições de literatura para discussão:a) “A obra literária é um conjunto de frases escritas ou

faladas, destinadas por imagens de toda espécie, quer muito vivas e precisas, quer mais vagas e ideais, a produzir nos leitores ou auditores uma emoção especial, a estética” (Hennequin).

b) “Arte literária é a realização do belo literário, segundo os preceitos da boa invenção, perfeita disposição e excelente elocução”(apud A.S.Amora).

c) “Não há definições que valham em literatura: toda literatura, e particularmente uma literatura de acento pessoal, de intenções renovadoras, define-se por suas obras, está em seus exemplos”(Guilherme de Torre).

3- Trabalho para a classe: “Evolução histórica do conceito de literatura” (V. bibliografia).

4- Resumir as idéias de Taine e explicar no que elas se diferenciam essencialmente da teoria de B. Croce.

5- Comente como Silvio Romero se serviu da teoria de Taine para aplicá-la na sua “História dá Literatura Brasileira”.

6- Discutir as idéias de José Veríssimo sobre literatura, principalmente as que estão no texto da antologia. (1953, p. 22)

Nota-se em Valter Wey uma preocupação com as relações que seus

interlocutores devem fazer, pois no primeiro exercícios ele pede que seja

feita uma resenha de um texto que aborda conceitos de literatura, cujo autor

é utilizado por Wey com um excerto sobre arte e realidade. Com esse

exercício Wey faz com que seus receptores interajam com o fragmento

citado em seu livro e com uma idéia mais densa sobre o mesmo tema

expressa na obra de Fidelino Figueiredo.

Mas a caminhada não pára. O passo seguinte é ampliar conceitos

abordados no exercício anterior, para tanto, são expostas concepções de

vários autores sobre literatura. É solicitado, nesse momento, que seja feita

uma discussão sobre tais conceitos. Após, são solicitadas novas leituras

indicadas na bibliografia, assim como novos resumos e análises. A mesma

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estratégia é seguida nos demais capítulos, assim o autor busca contemplar

seus conteúdos: leitura, interpretação, análise literária. Em momento algum

os exercícios abordaram a gramática, confirmando que esta fica em segundo

plano na obra de Wey.

As concepções positivistas aparecem na obra de Wey imbutidas no

método para a aquisição do conhecimento. O passo a passo utilizado aparece

de forma gradual como uma experiência.

Na mesma linha de Wey, encontra-se a terceira edição, datada de

1955, da obra Português Colegial de Antônio Sales Campos32. Em ambos

existe uma cronologia de conteúdos, pois o primeiro autor, por direcionar sua

obra para a segunda série do Curso Colegial, aborda os aspectos da literatura

portuguesa, já Sales Campos trabalha aspectos da literatura brasileira, pois

sua obra está estruturada para a terceira série do colegial.

Embora seguissem a mesma linha, Sales Campos não foi conivente na

metodologia de exposição dos conteúdos. Enquanto Wey preocupou-se em

explicar, exemplificar e induzir à prática do conteúdo abordado, o Campos

apenas expôs e exemplificou. A prática através de exercícios não acontece na

obra de Antônio Sales Campos, mas, assim como seu contemporâneo, faz

uma coletânea de textos para leitura, compreensão e análise subentendendo

que era tarefa do professor estruturar os exercícios necessários ao

entendimento do conteúdo trabalhado.

O ensino de língua portuguesa, quando analisado através dos livros

didáticos anteriores à NGB ( Nomenclatura Gramatical Brasileira), acontecia

de duas formas. A tradicional, assim denominada na carta de apresentação

da Nomenclatura Gramatical Brasileira ao Ministro Clóvis Salgado, que

primava pelo ensino a partir da compreensão da gramática normativa, e

aquela que visava o ensino a partir da compreensão, interpretação e

produção de textos literários conforme se percebe na obra "Sei Ler" de

Theodoro de Morais.

Independente do caminho seguido, havia algo em comum nos livros

didático anteriores à NGB: o fato de que o professor que os usasse como

32 Antônio S. Campos foi prof. de Literatura do Col. Univers., livre-docente de Lit. Bras.

da F. de Filos., Ciên. e Letras da Univ. de S. P., diretor da Inst. Púb. do Ceará, Prof. dos Col. Rio

Branco e Roosevell em S. Paulo.

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material de apoio em classe deveria ter pleno domínio do conteúdo a ser

trabalhado, pois nem os livros que privilegiavam o ensino de gramática, nem

aqueles que priorizavam os textos traziam as aulas preparadas. Assim, o

professor precisava, quisesse ou não, estruturar seus planos de aula.

4.2.1 – Guérios: autor e educador.

O Professor Rosário Farani Mansur Guérios fez parte da história de

vida daqueles que foram parte imprescindível deste trabalho: os docentes

que gentilmente concederam as entrevistas analisadas no capítulo 4, item 4;

será objeto de uma breve apreciação neste momento.

Curitibano, nascido em 10 de setembro de 1897, Rosário Farani

Mansur Guérios, filho de pai árabe e de mãe italiana, sempre conviveu com

idiomas diferentes da sua língua materna. Desde cedo interessou-se pelos

estudos da lingüística e pelo aprendizado de várias idiomas. Estudou no

ginásio Bom Jesus e formou-se em Direito pela Universidade Federal do

Paraná em 1934.

Leciona Português no Colégio Estadual Regente Feijó, em Ponta Grossa, no Colégio Estadual do Paraná por quatorze anos e na Escola Técnica de Curitiba durante duas décadas. Professor Catedrático titular de Língua Portuguesa do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade do Paraná, professor contratado de Filologia Românica na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e assistente de Lingüística no Museu Paranaense. (Vargas, 2001, p.247)

Realmente, pelo extenso currículo do Professor Guérios, depreende-se

que certamente muitas das influências daí decorrentes fizeram parte e que

compuseram a vida acadêmica de um grande grupo de estudantes, pois,

além de todas as funções já mencionadas, ainda manteve “durante muitos

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anos na Voz do Paraná e na Gazeta do Povo a seção Divagações Lingüísticas,

de consulta obrigatória a estudantes e professores” (Vargas, 2001, p. 247).

Seus conhecimentos romperam a fronteira do estado e chegaram à Academia

Brasileira de Filologia. Como se isso ainda não bastasse, foi delegado

permanente do Brasil junto ao Comitê Internacional de Ciências Onomásticas

com sede na Bélgica. Mas sua ascensão internacional não pára aqui, pois “R.

F. Mansur Guérios se torna referência científica do International Journal of

American Lingüistics “ (Arns, 1979, p. 13)

Seu interesse por idiomas o leva a pesquisar línguas indígenas que

rendem duas obras: "Estudos Sobre a Língua Caingangue" (1942) e "Estudos

Sobre a Língua Camacã" (1945). Antes disso, em 1932, quando tinha apenas

25 anos publica "Novos Rumos da Tupinologia", obra que surpreende

estudiosos da época.

O Professor Mansur Guérios era um apaixonado por idiomas,

tanto que

aos 14 anos, aponta ‘O lyrico”, seu jornal, em que inicia as primeiras perquirições na ordem vernácula, aliás, depois de já aos oito anos, ter vasculhado, com curiosidade e penetração, problemas do porquê do h, em hervilha e outros termos de questão, segundo sua linguagem de menino. (Arns, 1979, p. 11)

Além dos idiomas, Guérios também abraçou a docência na área de

Humanas pois

a filosofia e a sociologia eram o suporte necessário e imperativo, inarredável e inegociável de sua posição universitária, sem o que nenhum arcabouço permitiria sua ereção. Fundamentavam-se um pensamento e uma mentalidade universitária, paranaense, na área das Ciências Humanas, particularmente. (Arns, 1979, p. 12)

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Em entrevista à Gazeta do Povo, publicada em 06/10/2002 na página

03, Priscila Gante de Moraes, neta do Professor Guérios, descreve um pouco

da personalidade do ilustre filólogo:

Ele era um homem rigoroso, mas quem o conhecia gostava dele. Não se cansava de dividir com os outros o conhecimento acumulado durante os anos. Além das aulas, dedicava parte do seu tempo para atender os alunos. (Gazeta do Povo, 2002, p. 03)

Desta forma caminhou o Professor Dr. Rosário Farani Mansur Guérios,

contribuindo com a formação da intelectualidade paranaense até sua morte

em 31 de agosto de 1987.

4.3 – Os livros didáticos depois da Nomenclatura Gramatical

Brasileira (NGB)

A NGB passa a ser imprescindível para o ensino de Língua Portuguesa,

portanto os livros didáticos voltados a ela aparecem de maneira vertiginosa.

Para oficializar a importância atribuída a NGB tem respaldo na portaria

número 36, de 28 de janeiro de 1959 que determina:

Art. 1º - Recomendar a adoção da Nomenclatura Gramatical Brasileira , (...) no ensino da Língua Portuguesa e nas atividades que visem à verificação do aprendizado, nos estabelecimentos de ensino.

Art. 2º - Aconselhar que entre em vigor:

a) para o ensino programático e atividades dele decorrentes, a partir do início do primeiro período do ano letivo de 1959;

b) para os exames de admissão, adaptação, habilitação, seleção (...), a partir dos que se realizarem em primeira época para o período letivo de 1960. (Portaria 036/59)

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Para se entender o momento pós Nomenclatura Gramatical Brasileira,

livros didáticos imediatamente posteriores a ela foram analisados. São eles:

Moderna Gramática Expositiva de Artur de Almeida Tôrres destinada aos

alunos do ensino secundário ou superior, editado em 1964; Exercícios

Gramaticais e Textos para Corrigir de Luiz P. Victoria de 1961, confeccionada

para o público em geral; A Nomenclatura Gramatical Brasileira Definida e

Exemplificada de R. F. Mansur Guérios de 1960, direcionada para professores

de Língua Portuguesa; Conhecimento Básico de Orlando Mendes de Morais e

João Guimarães de 1965, que não pretendiam direcionar a uma série em

especial, pois como os próprios autores afirmam trata-se de um dicionário de

gramática; Português no Colégio de Raul Moreira Léllis de 1964, destinado

aos alunos de primeiro e segundo anos do colegial e Programa de Admissão

de 1964 cuja parte de língua portuguesa ficou a cargo de Domingos Paschoal

Cegalla estruturados aqueles que pretendiam prestar exame de admissão.

A diversidade de termos existentes nas gramáticas escolares não

atendia mais às necessidades da sociedade que caminhava para uma

pretensa organização racional e técnica, agregado a isso, tem-se o ideário da

Escola Nova que visava proporcionar condições de educação escolar a todos

sem distinção de estrato social. As conseqüências foram, como já comentado

no capítulo 2, item 2, um aumento de alunos e falta de estrutura física para

atender a nova demanda. Com um número maior de alunos, com a busca da

racionalidade e da técnica, o material didático usado nas aulas precisava ser

revisto. Além disso, os professores sentiam-se inseguros e questionados a

respeito das várias denominações para um mesmo termo. Sobre isso

encontra-se no prefácio da primeira edição de 1959, da Moderna Gramática

Expositiva de Artur de Almeida Tôrres33, ao falar sobre as vantagens da

uniformização da nomenclatura gramatical, a confirmação do desconforto dos

docentes em relação à diversidade de denominações:

33 Artur de Almeida Tôrres foi professor no Col. Dom Pedro II, na Academia Brasileira

de Filologia da Sociedade Brasileira de Romanistas.

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Seu grande mérito está, pois, em ter acabado com a multiplicidade de processos e classificações individuais, resolvendo um importante problema que tanto torturava os estudantes e concorria para o desprestígio do próprio mestre, que não raro se via embaraçado diante dos mais variados e extravagantes critérios.(1959, p. prefácio).

Além de buscar resolver a diversidade de termos, os estruturadores da NGB

se utilizaram de esquemas para tornar a gramática funcional. Pode-se

justificar tal procedimento em função de, naquele momento histórico, o

Estruturalismo de Saussure estar em evidência. Carvalho discorre sobre a

popularidade da obra Cours de linguistique générale de Saussure :

O surto do movimento estruturalista data, por exemplo, da década de 1930- retardado, senão interrompido pelo desencadear da Segunda Grande Guerra- e, no entanto, as suas bases teóricas já estavam solidamente fincadas (...) então outros caminhos iriam surgir , nos quais se poderiam aprofundar os antigos. Tal o que se deu em 1957, quando Godel publicou as Sources manuscrites du cours de linguistique générale. (2003, p. 09)

Com número de alunos aumentado pela democratização do acesso à

escola e pela necessidade do mercado de trabalho, pois “havia (...)

diversificação das atividades econômicas criando novos empregos em

quantidade e qualidade” ( Ribeiro, 1986, p. 143); cada vez mais exigia uma

estrutura organizada, uniforme e objetiva, bem aos moldes do Funcionalismo

como se percebe na nota introdutória da editora responsável pela obra

"Moderna Gramática Expositiva" de Artur de Almeida Tôrres quando reporta-

se à objetividade do livro: “...pela perfeição das definições como pelo

cuidadoso estudo das exceções, pela ausência absoluta de prolixidade,

defeito tão comum em obras deste tipo.”(1963, p. introdutória). Não apenas a

editora reflete sinais de racionalidade técnica na organização mas também

Tôrres, autor da obra, no prefácio da primeira edição em 1959, anexo à obra

editada em 1963, ao tecer o comentário abaixo; evidenciam-se

características de racionalidade organizacional ao reportar-se ao progresso

da ciências da linguagem :

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Posto que ainda se ressinta de algumas ligeiras imperfeições, o que é compreensível em trabalhos desta natureza, a nova Nomenclatura tem a vantagem incontestável de haver simplificado e unificado os métodos até então adotados entre nós, traçando rumos mais seguros e consentâneos com o progresso da ciência da linguagem. (1963, p. prefácio)

Vale lembrar que sistematização e racionalidade técnica são

características encontradas no Funcionalismo, pois as partes de um todo,

embora fracionadas, se articulam, fazem transações como demonstra o

fragmento a seguir extraído de Abbagnano:

Para indicar a unidade da função, o próprio Dewey empregou a palavra transação, que servia para ressaltar a impossibilidade de considerar os elementos de uma função qualquer como entidades autônomas e independentes da relação de que participam. (2003, p. 811)

Além disso o nacionalismo promovia uma busca incansável da

identidade brasileira e, naquele momento, para um grupo de intelectuais a

NGB era a consolidação de tal identidade. A mesma nota introdutória da

obra em questão traz a seguinte afirmação:

Esta Nomenclatura, que de certo modo invalida as gramáticas até então publicadas e abre novas perspectivas para o ensino e o estudo da gramática portuguesa, retrata a evolução do idioma e seu estágio atual de desenvolvimento. É, diríamos, o grito de Ipiranga do português do Brasil (1963, p. introdutória)

A Nomenclatura Gramatical Brasileira fez as atenções se voltarem

para os livros didáticos que primavam o ensino da língua materna a partir

da gramática. Percebe-se essa evidência ainda na obra de Artur de Almeida

Tôrres, "Moderna Gramática Expositiva", que, conforme informação na contra

capa da décima quinta edição (ver anexo 02), teve oito edições apenas no

ano de 1959, sendo duas (a quarta e a quinta) em um único mês: setembro.

Ainda sobre as edições da obra em questão, salienta-se o fato de que, nos

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anos subsequentes, aconteceram três edições em 1960, duas em 61, três em

1962 e a 15ª edição à qual pertence o exemplar analisado. A busca

desenfreada pela obra, causadora do número elevado de edições em tão

breve espaço de tempo, mostra o grau de importância dado à NGB.

Nessa mesma obra encontra-se na nota explicativa da editora a

seguinte concepção de ensino de língua portuguesa:

Uma gramática do idioma é um dos mais preciosos instrumentos de trabalho e de cultura. Só com o estudo acurado da gramática se alcança o domínio do idioma, que tanto importa ao estudante como ao profissional, pois é fundamental para se obter rendimento nas leituras e melhor se saber expressar, por escrito ou verbalmente, idéias e conhecimentos. (1963, p. introdutória)

R. F. Mansur Guérios, já analisado anteriormente através de duas

edições da obra Português Ginasial, aparece no contexto pós NGB ( mais

precisamente em 1960) com o livro "A Nomenclatura Gramatical Brasileira

Definida e Exemplificada". Nela Guérios reafirma sua predileção pelo ensino

da língua materna através da gramática e exalta as qualidades da NGB:

A convite do Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais da Secretaria da Educação e Cultura e da Casa do Professor Primário do Paraná, ministrei aulas em várias turmas, com o fito de explanar , principalmente aos colegas, a nova nomenclatura gramatical (...) São óbvias as vantagens de uma nomenclatura gramatical simplificada e unificada, tanto para os docentes quanto mais para os discentes. (1960, p. introdutória)

As concepções de Guérios são encontradas na obra de Luiz A P.

Victoria34, Exercícios Gramaticais e Textos para Corrigir, de 1961. A diferença

entre ambos está na exposição dos conteúdos. O último não traz explicações,

apenas o certo e o errado, sob o ponto de vista da NGB. Já o primeiro busca

justificativas para os fatos gramaticais. Além disso Victoria, já na capa do

livro, estampa a seguinte frase : “(Português sem mestre)”. Em outras

34 Luiz A P. Victoria foi professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da

Universidade de São Paulo, foi autor de dezenas de livros ligados ao ensino de Línguas.

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palavras, ele afirma que para se aprender a língua materna basta saber as

formas estipuladas pela gramática normativa. Ainda na capa, consta a

reafirmação de tal concepção: “Destina-se a: estudantes em geral; revisores;

candidatos a todos os concursos oficiais ou privados”.

Na mesma linha, sob a orientação de Victoria, tem-se a obra

Conhecimento Básico – Dicionário de Gramática e Noções Básicas de

Gramática , de Orlando Mendes de Moraes35 e João Guimarães36, de 1963.

Nessa encontram-se relacionados em ordem alfabética elementos

constituintes da NGB e da Gramática Histórica conforme exemplo:

ABRANDAMENTONa passagem para o português muitas palavras latinas

permutaram uma consoante forte em homorgânica branda. A essa transformação chamamos abrandamento ou sonorização. Damos alguns exemplos:C em g: cattu – gato;

formica – formiga; ( 1963, p. 09)

A mescla de gramática histórica e gramática normativa é sentida em

toda a obra, pois ao mesmo tempo em que esclarece um fato lingüístico

através do contexto histórico , aparecem explicações puramente normativas

como: “sujeito é o membro da oração do qual se declara alguma coisa”

(1963, p. 141)

No emaranhado de concepções (históricas/normativas), ao se abordar

as noções básicas de gramática, tem-se a seguinte explicação: “GRAMÁTICA

NORMATIVA (ou EXPOSITIVA) estabelece as normas para falar e escrever

corretamente. GRAMÁTICA HISTÓRICA explica a origem e a evolução da

língua.” (Moraes & Guimarães, 1963, p. 165)37. Portanto a abordagem da

gramática histórica se justifica pela necessidade de se ensinar a gramática

normativa.

35 Orlando Mendes de Morais foi professor da rede pública de São Paulo e autor de

livros voltados para o ensino da gramática.36 João Guimarães foi prof. da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da

Universidade de São Paulo e autor. 37 Caixa alta no original.

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A relevância da gramática toma dimensões cada vez maiores, tanto

que na obra Português no Colégio de Raul Moreira Léllis38, na segunda edição,

em 1963, traz no programa do primeiro ano colegial uma ementa repleta de

elementos gramaticais e, já no término, como penúltimo elencado “e) Leitura

e interpretação de poucos textos brevíssimos de autores da época

anteclássica.” (1963, p. 17)

Vale ressaltar que esta obra traz em seu prefácio recortes da Lei no.

4024, de dezembro de 1961, cujo caráter era menos rígido que a anterior,

pois , segundo Romanelli, “a tacharam até de ‘carta de libertação da

educação nacional ‘’’ (2005, p. 179). A justificativa para tal afirmação está no

fato daquela Lei conter princípios da Escola Nova que primavam pela

subjetividade, ou seja, o aluno era visto como um indivíduo com diferenças

que não permitiam que o tratassem de forma massificada embora como

afirma Romanelli

Em 1º de julho de 1959, o O Estado de São Paulo e o Diário do Congresso Nacional publicaram um segundo Manifesto dos Educadores, uma mais redigido por Fernando Azevedo e assinado por 189 pessoas, dentre as quais educadores, intelectuais e estudantes (...) sem abandonar sua linha de pensamento original, deixava um pouco de lado a preocupação de afirmar os princípios da Escola Nova. (...)

Em 20 de dezembro de 1961, o projeto era transformado em lei. ( 2005, p. 179)

Nos recortes da Lei, encontrados na obra de Léllis, destaca-se:

Nas recomendações (...) ao ensino da Língua Portuguesa, consta que o estudo da linguagem deverá ser feito visando, primordialmente, a proporcionar ao educando adequada expressão oral e escrita, considerando-se os estudos teóricos de gramática e de estilística ‘meramente subsidiários’, constituindo apenas meio para desenvolver no discente a sua capacidade de expressão (Léllis, 1963, p. 15)

Percebe-se que o ensino dos elementos gramaticais deve servir para o

objetivo maior que é a oralidade e a escrita. Mesmo estando mais à vontade

para estruturar seu livro didático, Léllis não se desvencilha da concepção de

que o ensino da língua acontece através da gramática, tanto que dedica um

38 Raul Moreira Léllis foi professor dá Faculdade Católica de Filosofia, da Faculdade de

Santa Úrsula e professor no Instituto de Educação de São Paulo.

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ano inteiro ao estudo de elementos gramaticais sob o ponto de vista

histórico, como se quisesse justificar a sua gramática contemporânea, pois

“nenhuma lei é capaz, por si só, de operar transformações profundas, por

mais avançada que seja” (Romanelli, 2005, p. 179)

Ainda sobre a liberdade teorizada, mas não praticada por Léllis, recorre-

se, mais uma vez à Romanelli que, ao discorrer sobre as concepções de

ensino contidas na lei, finaliza dizendo:

Foi, sem dúvida, um progresso em matéria de legislação. Dissemos em matéria de legislação e dissemos bem, porque, na prática, as escolas acabaram compondo o seu currículo de acordo com os recursos materiais e humanos de que já dispunham. (2005, p. 181)

Se o currículo não mudou em função dos recursos materiais e

humanos, certamente a concepção de ensino de língua portuguesa também

não se alterou, sendo assim Léllis mantém suas convicções e seus conceitos

sobre o ensino de Língua Portuguesa.

No mesmo viés da obra de Léllis encontra-se o livro, muito conhecido

na década de sessenta, Programa de Admissão que trazia os conteúdos de

Português, Geografia, História do Brasil e Matemática em um único exemplar.

Pode-se dizer que tal estrutura lembra as apostilas usadas, até hoje, pelos

“cursinhos pré vestibular”, pois ambos apresentam a mesma função:

preparar o aluno para uma avaliação que o promoverá ou não para um novo

nível educacional.

No programa de Português do referido livro, o autor Domingos

Paschoal Cegalla39 elenca como conteúdo elementos da fonética e da

morfologia como ”alfabeto; vogais e consoantes; grupos vocálicos (...)

Conhecimentos das categorias gramaticais (...) Conjugação completa dos

verbos auxiliares e dos regulares” (1964, p. 11). Em momento algum, no

programa, menciona-se algo relativo a texto, seja produção, interpretação ou

análise. Contudo, no corpo da obra, todos os capítulos são iniciados por um

texto. A primeira vista isso denota a concepção de que o ensino da língua

será feito a partir de textos reunidos em uma coletânea como era feito em

39 Domingos Paschoal Cegalla é renomado autor de livros didáticos e de manuais de

gramática.

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algumas obras anteriores à NGB, mas é um ledo engano. O caráter do texto é

apenas figurativo, não há nada além de um breve estudo do vocabulário e,

não regularmente, a solicitação “Faça uma breve interpretação oral do trecho

acima” (Cegalla, 1965, p. 16). Imediatamente, após os texto de abertura,

aparecem exercícios mecânicos intermináveis sobre o conteúdo gramatical

abordado como: “Classifique os encontros vocálicos (...) Sublinhe os

encontros consonantais” (Cegalla, 1964, p. 27). A concepção de que a

gramática é o conteúdo fundamental para o ensino da língua materna

novamente fica frisada.

Os livros didáticos direcionados ao ensino da gramática normativa que

dividiam espaço antes da NGB com aqueles estruturados a partir de

coletâneas e que primavam pela análise, pela interpretação e pela produção

textual, ganham um espaço quase que exclusivo após a oficialização da

Nomenclatura Gramatical Brasileira. A única diferença destes para aqueles

anteriores à NGB é a tentativa dos autores em associar a gramática

normativa ao texto, buscando assim satisfazer as exigências da Lei 4.024, de

1961 que solicita o texto nos programas de língua portuguesa. Mas a

tentativa parece falha, pois o texto aparece apenas com função decorativa,

não há interlocução entre texto e gramática em nenhum momento da obra

de Cegalla. Santos, ao descrever seus primeiros anos como docente comenta:

Ao ingressar no magistério oficial, em 1968, como professora de Português, realizei um trabalho nos moldes da linha tradicional. Minhas aulas semanais eram dedicadas ao estudo de textos, ao estudo gramatical (que ocupava a maior parte do tempo) e à produção de textos (uma aula semanal) Nesse trabalho, o ponto de partida para as atividades era sempre um texto de autor consagrado, proposto pelo livro didático adotado, utilizado como pretexto para o estudo das regras gramaticais (1991, p. 10)

A descrição feita por Santos reflete o contexto do professor de língua

portuguesa da década de sessenta, e reforça a análise do obra de Cegalla

quando ressalta o fato de o texto servir apenas como elemento decorativo.

O livro didático de língua portuguesa conforme se constituiu a partir da

Nomenclatura Gramatical Brasileira transformou-se em um manual de

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gramática, cujo objetivo maior é informar o essencial a respeito dos conceitos

dos elementos constituintes da gramática normativa. Aliás, o conteúdo de

Língua Portuguesa parece restringir-se apenas à nomenclatura dos

elementos, pois não há preocupação com ensino do uso dos termos, mas sim

com o ensino do nome dado aos termos. Exemplo disso é a estrutura

transcrita a seguir: “Termos acessórios da oração são as expressões

secundárias da oração. São três – adjunto adnominal, adjunto adverbial e

aposto.”(Guérios, 1960, p. 29) Transcreve-se ainda um conceito clássico das

gramáticas “substantivo é a palavra com que designamos os seres em geral”

(Tôrres, 1964, p. 15)

O aspecto apostilado da obra Programa de Admissão é reforçado mais

tarde pelos princípios de racionalidade presentes no ideário tecnicista, o qual

segundo Saviani consiste em “planejar a educação de modo a dotá-la de uma

organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que

pudessem pôr em risco sua eficiência”(1985, p.16). Portanto a NGB

(Nomenclatura Gramatical Brasileira), se observada a partir da ótica do

Tecnicismo, equivale a um manual do ensino da Língua Portuguesa. Sendo

um manual, os professores que se utilizavam de tais livros não precisavam se

preocupar com os planos de aula, pois os livros já traziam as explicações

necessárias a elas.

As concepções contidas na Nomenclatura Gramatical Brasileira são

resultado do ensino tradicional de Língua Portuguesa, pois, historicamente,

seus articuladores tiveram uma formação tradicional e foram filólogos ligados

a aprendizagem e ao ensino de gramática. Por mais que estivessem em um

contexto no qual apareciam questões relativas ao nacionalismo, à lingüística,

ao Estruturalismo e ao Funcionalismo (vale lembrar que os dois últimos

relacionados ao Positivismo), não poderiam deixar de imprimir suas

concepções pessoais.

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4.4 A formação do professor de Língua Portuguesa nos anos 50 e 60.

A formação dos docentes de Língua Portuguesa nas décadas de 1950

e 1960 foi reflexo da dualidade existente no contexto histórico e em especial

nas concepções trazidas pela Lingüística, que, por sua vez, também

apareceram de duas formas: o Estruturalismo de Saussure, já comentado nos

capítulos anteriores, e o Marxismo de Bakhtin40. Segundo Bosi:

os que se formaram em torno dos anos de 60 sabem que os estudiosos das Letras, os eternos amantes da poesia e da ficção, vivíamos em uma tensão entre dois pólos intelectuais e morais. De um lado, a compreensão da obra literária exigia uma leitura imanente rigorosa que, àquela altura, nos era proporcionada pelo estruturalismo e pelo retorno aos formalistas russos, que anos e anos de censura haviam impedido de circular na cultura ocidental. O outro pólo, de cunho ético e político, era constituído pela urgência de entender a sociedade brasileira que habitávamos e que nos habitava, e, se possível, intervir nas suas estruturas iníquas; para tanto, a teoria mais vigorosa de que se dispunha vinha do marxismo que só então passou a ter presença efetiva na cultura universitária e, em particular, na cultura da nossa Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. A tensão entre essas duas exigências foi constitutiva de um certo tipo de intelectual, que ainda sobrevive.http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141995000300021

O Formalismo e o Estruturalismo lingüístico defendiam a concepção de

que o texto estruturava-se através de um sistema e suas relações internas

formavam uma rede significante. Já o Marxismo41 voltava-se para uma

análise da sociedade em que as relações básicas de produção,

substancialmente econômicas, determinavam estruturas de classe na medida

em que impunham regimes de exploração, os quais, por sua vez, se

traduziam em relações de dominação.

40 Marxismo de Bakhtin: Filosofia da linguagem na qual “toda enunciação faz parte de um processo de comunicação ininterrupto, é um elemento do diálogo” (Bakhtin, 1986, p.15)

41 Marxismo: teoria social, econômica e política baseada nas concepções de Kal Marx (Abbagnano, 2001, p. 673)

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Para esclarecer melhor as diferenças entre Bakhtin e Saussure, reporta-

se à nota introdutória da obra Marxismo e Filosofia da Linguagem de Bakhtin

com a pseudônimo de V.N. Volochínov, onde encontra-se a seguinte análise:

Bakhtin coloca, em primeiro lugar, a questão dos dados reais da lingüística, da natureza real dos fatos da língua. A língua é, como para Saussere, um fato social, cuja existência se funda nas necessidades da comunicação. Mas, ao contrário da lingüística unificante de Saussere e de seus herdeiros, que faz da língua um objeto abstrato ideal, que se consagra a ela como sistema sincrônico homogêneo e rejeita suas manifestações (a fala) individuais, Bakhtin, por sua vez valoriza justamente a fala, a enunciação, e afirma sua natureza social, não individual: a fala está indissoluvelmente ligada às condições da comunicação, que, por sua vez, estão sempre ligadas às estruturas sociais. (Bakhtin, 1986, p. 14)

Em meio ao emaranhado de concepções a respeito do conceito de

língua e de fatos históricos, aconteceu em 1958 a NGB, Nomenclatura

Gramatical Brasileira, que provocou alterações nos livros didáticos de língua

portuguesa. Antes dela, havia dois grupos de autores: um primava pelo

aprendizado da língua materna através de textos, em especial os literários, é

o caso do livro “Sei Ler” de Theodoro de Moraes analisado anteriormente;

outro buscava na estrutura gramatical subsídios para o trabalho em sala de

aula, exemplo desse grupo é a obra de Mansur Guérios também já analisada.

Depois da NGB, predominaram os livros que defendiam o ensino da língua

portuguesa através da gramática, tornando assim o livro didático de língua

portuguesa em um manual.

Para se entender os reflexos disso na formação dos professores de

língua portuguesa, foram feitas entrevistas com alguns docentes que

cursavam Letras no período imediatamente anterior e imediatamente

posterior à Nomenclatura Gramatical Brasileira, ou seja, entre 1957 e 1963.

Além desses, tornaram-se necessárias entrevistas com professores que

atuaram naquele período.

As perguntas foram diretas, mas as respostas eram abertas com a

intenção de deixar o entrevistado bem à vontade para responder e, também,

para não direcioná-las. Assim, cada entrevistado expôs suas saudades, suas

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verdades de acordo com as impressões do momento em que viveu. A

entrevista confeccionada para o grupo daqueles que eram graduandos de

Letras norteou-se a partir das seguintes questões: 1- Como transcorriam

as aulas de Língua Portuguesa? 2- Qual a metodologia usada nas aulas? 3-

Quais conteúdos eram trabalhados? 4- Qual material didático era usado? 5-

Percebeu-se alguma alteração na rotina da aulas quando surgiu a NGB?

O processo usado para a coleta dos dados foi variado, a maioria do

entrevistados respondeu as perguntas via e-mail, alguns pessoalmente e

outros preferiram responder por telefone. Já as entrevistas com o grupo que

atuou como professor naquele período aconteceu pessoalmente. As

perguntas para esse grupo não diferenciaram das feitas ao outro, foram elas:

1- Quais livros didáticos eram usados nas aulas de Língua Portuguesa? 2-

Quais as estratégias utilizadas nas aulas? 3- Como a gramática era

trabalhada? 4- Quais os reflexos da Nomenclatura Gramatical Brasileira nos

conteúdos de Língua Portuguesa?

Alguns dos entrevistados do grupo daqueles que passaram pelo curso

de Letras no período entre 1957 e 1963, ao responder o item 01, além do

saudosismo normal do bom tempo de faculdade, e, talvez em função desse

saudosismo, fizeram comentários sobre a postura dos alunos frente ao

professor: “aquilo que o professor falava era inquestionável” (depoimento,

anexo 03, p. 05) aqui se percebe a existência da concepção Tradicional, na

qual a escola, segundo Saviani "se organiza como uma agência centrada no

professor, o qual transmite, segundo uma gradação lógica, o acervo cultural

aos alunos" (1994, p. 18). A confirmação de tal concepção acontece com

frases como “era como se a sala de aula fosse uma biblioteca” (depoimento,

anexo 03, p. 05) cujo teor remete à ordem existente nas classe em função da

austeridade exercida pelo professor. Mas esses comentários servem apenas

como ilustração da descontração no momento da entrevista, pois o objetivo

da mesma era buscar subsídios para verificar a formação do professor

naquele período, embora, é claro, tais imagens não estejam fora do contexto,

elas não foram o foco principal. O interessante nas respostas para a questão

01, foi a unanimidade em relação ao número de alunos em classe “minha

turma, quando formou-se, era apenas de seis alunos” (depoimento, anexo 03,

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p. 08). A quantidade de alunos parece ter norteado as aulas de Língua

Portuguesa, pois “sentávamos em volta do professor porque a sala era muito

espaçosa e discutíamos textos, nomenclaturas, enfim, opinávamos sobre

tudo, mas sempre direcionados pelo professor” (depoimento, anexo 03,

p.08), é percebida, no discurso do entrevistado que o professor possibilitava

a interlocução em classe, característica da Escola Nova conforme Saviani:

o professor agiria como estimulador e orientador da aprendizagem (...) Tal aprendizagem seria uma decorrência espontânea do ambiente estimulante e da relação viva que se estabeleceria entre os alunos e entre estes e o professor. Para tanto, cada professor teria de trabalhar com pequenos grupos de alunos, sem o que a relação intrapessoal, essência da atividade educativa, ficaria dificultada (1994, p. 21).

Além da interlocução, também nota-se que o pequeno número de

alunos contribuía para que a pedagogia escolanovista existisse em classe,

mas a expressão "direcionados pelo professor" retoma a pedagogia

tradicional, pois "na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor que

era, ao mesmo tempo, o sujeito do processo, o elemento decisivo e decisório"

(Saviani, 1996, p. 24)

Percebe-se, portanto, que, naquele momento, o professor caminhava

entre duas concepções, pois ele encontrava-se em um período contraditório.

Isso justifica o posicionamento tradicional do docente como dono do saber e

nuances de características da Escola Nova ao possibilitar a individualidade,

mesmo que controlada, o professor demonstrava princípio democrático,

humanista, além de proporcionar reflexão sobre aquilo que era o conteúdo a

ser trabalhado.

As respostas obtidas para a segunda pergunta confirmam as dadas à

questão número 01, entre elas encontra-se o seguinte texto:

O professor entrava em sala, indicava a página na qual encontrava-se o item a ser estudado, pedia que lêssemos, depois tecia comentários e solicitava que discorrêssemos sobre aquilo que tínhamos lido e ouvido. Depois solicitava que registrássemos tudo por escrito.

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Essa era a rotina adotada pela maioria. (Depoimento, anexo 3, p. 03)

A postura tradicional do professor é verificada nas atitudes autoritárias

e repetitivas, pois " as escolas eram organizadas em forma de classes, cada

uma contando com um professor que expunha as lições que os alunos

seguiam atentamente e aplicava os exercícios que os alunos

deveriam realizar disciplinadamente" (Saviani,1994, p. 18). Mas mesmo

assim promovia o debate e o registro subjetivo das considerações

estruturadas em aula.

Em relação à questão 03 (quais conteúdos eram trabalhados?) , boa

parte reportou-se à leitura, constatando-se, entretanto, que a mesma é

confundida com forma, ainda que a pontuação possa ser considerada como

conteúdo.

era o que mais se fazia, as aulas de português eram praticamente só de leitura. Liamos silenciosamente, em voz alta, aliás os momentos desta última eram aterrorizantes, pois eram cobradas: postura, entonação, pontuação. Não saber ler em público era uma vergonha. Mas sempre nos solicitavam a análise sintática, os elementos mórificos. (depoimento, anexo 03, p. 03)

Em outro depoimento temos a seguinte afirmação: “gramática não

faltava, mas liamos muito também, fazíamos produção e análise de texto

inclusive” (depoimento, anexo 03, p. 06). Isso significa, segundo a análise dos

depoimentos, que no período pesquisado na formação do professor de Língua

Portuguesa a gramática, embora presente, não é o único conteúdo

trabalhado.

Na quarta questão destinada a buscar elementos sobre os livros

didáticos usados nos cursos de Letras, obtiveram-se respostas como: “não

havia nenhum livro específico, na maioria, depois da explicação feita pelo

professor, às vezes usávamos textos contidos nos livros de literatura para

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analisar os conteúdos de Língua Portuguesa.” (depoimento, anexo 03, p. 04)

Sobre isso Magda Soares42, em entrevista à TVE Brasil comenta:

a Antologia Nacional (...), foi um livro usado durante os anos 60 nas aulas de Português, ele era apenas uma antologia, uma coletânea de textos. Ao lado da Antologia, usava-se uma gramática, que era uma gramática normativa, sem exercícios, sem atividades, nada disso. http://www.tvebrasil.com.br/SALTO/entrevistas/magda_soares.htm

Tanto a fala de Magda Soares quanto o depoimento transcritos acima

confirmam a análise da resposta à questão 03: o ensino de gramática e a

análise textual coexistiam, sendo o primeiro em decorrência da última.

O fato de os livros de gramática não apresentarem exercícios poderia

ser um inconveniente, mas o professor daquele período via-se com o dono do

saber, Magda Soares comenta sobre isso quando lhe perguntam sobre o

manual do professor:

Esse manual do professor surge no fim dos anos 60, início dos anos 70. É uma outra diferença grande. Antes disso, eu imagino que os professores considerariam quase que como uma ofensa que lhes fosse oferecido um manual do professor ao lado do livro do aluno, mas isso se tornou uma necessidade a partir dos anos 60, exatamente pelo rebaixamento do ensino.http://www.tvebrasil.com.br/SALTO/entrevistas/magda_soares.htm

A quinta pergunta referia-se especificamente aos reflexos da

Nomenclatura Gramatical Brasileira nas aulas de Língua Portuguesa. A

maioria afirmou não ter sentido alteração profunda no andamento das aulas,

mas os comentários eram intensos: “naquela época ouvíamos comentários

referentes à NGB, mas a metodologia, o conteúdo enfim, não houve

alterações.” (depoimento, anexo 03, p. 06). Em outro depoimento tem-se a

seguinte resposta: “Havia apenas comentários.” (anexo, 3 p. 5). Ainda

apareceram reflexões como: Nas aulas não aconteceram alterações. Mas

lembro que havia muitos comentários. Os professores seguiram seus 42 Magda Soares: Doutora em Educação, Licenciada em Letras e autora de várias

obras sobre educação e leitura.

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planejamentos, pelo menos era o que se percebia.” (depoimento, anexo 3,

p.8). Embora tenha aparecido o seguinte comentário “Mansur Guérios foi

meu professor, ele escreveu vários livros de gramática, portanto ele

discursava sobre a NGB e a usava em sala.” (depoimento, anexo 3, p. 7) fato

bastante compreensível, pois Guérios foi um dos autores analisados neste

trabalho e nele observou-se a preferência pela gramática normativa, percebe-

se que, ao menos nos primeiros momentos, a Nomenclatura Gramatical

Brasileira não refletiu imediatamente nas aulas de Língua Portuguesa nos

cursos de Letras. Contudo um dos entrevistados fez a seguinte explanação:

“só percebi o sentido da NGB quando, mais tarde, fui lecionar e vi os livros

didáticos quase que na totalidade trabalhando apenas a nomenclatura

gramatical. (depoimento, anexo 03, p. 02)

A formação desses professores seguiu o contexto histórico da época. O

reflexo da educação dualista, com paradigmas divergentes atuando ao

mesmo tempo culminou com concepções bastante heterogêneas, mas com

um ponto em comum: a gramática é importante para o ensino de Língua

Portuguesa, porém não haveria motivo de tê-la como conteúdo se não fosse

com a finalidade da utilização dela no texto. Além disso, outro fator relevante

na construção das concepções e na formação desses docente foi, sem

dúvida, a figura de seus professores ao mesmo tempo rígidos e

comprometidos com a função do magistério.

As entrevistas feitas com aqueles que atuaram como professores no

período em questão iniciaram com a questão de quais livros didáticos eram

usados nas aulas de Língua Portuguesa. Um dos entrevistados citou o livro

“Sei Ler” de Theodoro de Moraes:

Eu usei muito o livro Sei Ler de Theodoro de Moraes, ele me auxiliava muito. Sempre pedia que os alunos copiassem da lousa os textos. Assim eu treinava a ortografia, a pontuação. Os exercícios do livro eram simples e fáceis de serem entendidos. Era muito bom o livro. (depoimento, anexo 3, p. 12)

Outros mencionaram Programa de Admissão, cuja parte cabia à

Língua Portuguesa de Domingos Paschoal Cegalla43, ambos analisados nesta

43 Ver anexo 3 página 12

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pesquisa, percebe-se aqui a dualidade do período: Moraes primando pelo

ensino através do texto, e Cegalla baseando-se na gramática.

A respostas às questões sobre as estratégias utilizadas nas aulas

trouxeram à tona a primazia do ensino através dos textos, pois a maioria dos

professores esboçaram a seguinte roteiro: 1º- leitura silenciosa e em voz alta

do texto; 2º- cópia do texto; 3º - análise do texto; 4º- produção textual a partir

do texto; 5º - entrega do texto para correção; 6º - devolução do texto para

reescrita; 7º - leitura dos textos em voz alta pelos alunos; 8º - explicação oral

do conteúdo gramatical; 9º feitura de exercícios de fixação. O depoimento

transcrito a seguir confirma tais passos:

No livro Programa de Admissão, os capítulos eram abertos por um texto, mas não havia, se não me falha a memória, exercícios com texto. Por isso eu pedia para que os alunos lessem silenciosamente ou em voz alta, pedia para que explicassem o que tinham entendido, às vezes eu passa um questionário sobre o texto no quadro. Pedia para que os alunos copiassem o texto, aliás nada era escrito no livro, tudo deveria ser feito no caderno. Os alunos produziam textos a partir daquele lido, depois da correção os reescreviam. De vez em quando pedia a leitura dos textos. A gramática aparecia em seguida aos textos e vinha acompanhada de alguns exercícios, assim eu explicava o conteúdo e pedia que fizessem os exercícios. (depoimento, anexo 03, p. 10)

Em relação à terceira questão cujo teor recai sobre o trabalho com a

gramática em sala de aula, os entrevistados foram diretos com se observa na

resposta transcrita a seguir: “a gramática era trabalhada de maneira

tradicional, o professor explicava as regras e os alunos faziam os exercícios”

(depoimento, anexo 3, p. 11), ou “a gramática era trabalhada de maneira

tradicional, o professor, no caso eu, explicava as regras e os alunos faziam os

exercícios” (depoimento, anexo 3, p. 13). A objetividade e o teor das

respostas demonstram concepções da Escola Tradicional, cuja escola

funciona como “local de apropriação de conteúdos e confrontação com

modelos e demonstrações.” (Silva, 196, p. 86)

Quanto à questão sobre os reflexos da Nomenclatura Gramatical

Brasileira nos conteúdos de Língua Portuguesa, os entrevistados foram

unânimes: “Eu já estava no contexto da NGB, lembro que ela passou a ser

solicitada nos concursos. Foi bastante inquietante, pois a mudança dos

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nomes dos termos fez com que surgissem vários livros. Tivemos que ir atrás

deles.”(depoimento, anexo 3, p. 11). Sobre a avalanche de livros um dos

entrevistados fez o seguinte comentário:

no começo da década de sessenta, lembro que circulava um livro do Mansur Guérios, que era professor da Universidade Federal do Paraná, sobre a Nomenclatura Gramatical Brasileira. Alguns anos depois, fui ministrar aulas no curso colegial e lá conheci o livro porque os conhecimentos da gramática normativa eram pré-requisito nos exames de admissão. (depoimento, anexo 13, p. )

Percebe-se nos depoimentos que a Nomenclatura Gramatical Brasileira

não teve grande repercussão no primeiro ano de sua existência, mas nos

decorrentes foi tomando corpo e acaba delimitando o conteúdo de Língua

Portuguesa.

As concepções sobre o objeto de ensino da Língua Portuguesa

perpassam pelos conteúdo da gramática normativa, pois

a gramática normativa estabelece a norma culta, ou seja, o padrão lingüístico que socialmente é considerado modelar (...) as línguas que têm forma escrita, como é o caso do português, necessitam da gramática normativa para se garantir a existência de um padrão lingüístico uniforme ( Cipro e Infante, 2005, p. 16)

Como é observado por Cipro Neto e Infante, no texto acima, a

gramática é necessária, portanto o conhecimento dela, principalmente, por

parte do professores de Língua Portuguesa é essencial. Assim não há como

não a fazer presente na formação de tais profissionais. Contudo percebe-se

no discurso dos contemporâneos do surgimento da Nomenclatura Gramatical

Brasileira uma preocupação em trabalhar os conteúdos de Língua

Portuguesa através da análise de textos, buscando, desta forma, outros

métodos de ensino. Sobre isso Tanuri comenta:

A preocupação com a metodologia do ensino – herdada do ideário escolanovista – continuava a se fazer presente. Na euforia desenvolvimentista dos anos 50, as tentativas de ‘modernização’ do ensino, que ocorriam na

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escola média e na superior, atingem, também o ensino primário e a formação de seus professores. ( 2000, p.78)

Portanto a formação de professores daquele período transcorria de

acordo com a dualidade existente, procurando conciliar posturas diferentes,

mas com o surgimento da Nomenclatura Gramatical Brasileira, sua adoção

como conteúdo programático de Língua Portuguesa e posterior pré-

requisito para exames de admissão, por exemplo, a transformam em único

foco do ensino da língua materna. Assim toda a atenção voltou-se para a

Nomenclatura Gramatical Brasileira. Os livros didáticos moldaram-se de

acordo com as exigências da NGB, por exemplo a divisão gramatical:

fonética, morfologia e sintaxe que permanece até hoje. A formação do

professor também a fazer-se em torno da NGB, se o material usado

contempla tais conteúdos, nada mais lógico que aqueles que irão explicá-los

se debrucem sobre eles e os assimilem.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contexto histórico do final do século XIX e do começo do século XX foi

marcado pelos opostos: proletariado/burguesia, imigrantes/brasileiros,

comunismo/capitalismo cidade/campo, militar/civil, língua portuguesa do

Brasil/ língua portuguesa de Portugal. Pela relevância dessas dualidades,

serão feitas, a seguir, algumas ponderações a respeito das mesmas.

A crise gerada pela derrocada da produção de café, o avanço

tecnológico industrial, os imigrantes europeus que chegaram para substituir a

mão de obra escrava ou fugiram da Primeira Guerra Mundial ajudaram no

aumento da população urbana. Esses imigrantes vinham com uma cultura

diferente, com concepções de sociedade, de economia, de educação

diversificadas. Idéias anarquistas e socialistas desembarcavam com eles. A

soma dessas idéias mais o crescimento das metrópoles e o desenvolvimento

industrial resultou na organização do proletariado. No decorrer das primeiras

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décadas do século XX, como conseqüência de tal organização, ocorreram

várias greves, sendo a maior delas em 1917 em São Paulo - mesmo ano da

Revolução Russa.

A chegada dos imigrantes desencadeia uma preocupação no que se

refere à identidade da pátria. Com uma experiência histórica muito maior do

que a brasileira, eles eram sinônimo de perigo em relação à identidade

nacional. Esse foi um dos motivos que levaram Sampaio Dória a elaborar um

sistema de ensino que privilegiasse a classe menos favorecida. Nesse

sentido, a preocupação como o analfabetismo foi ampliada, pois escrever a

língua nacional era visto como arma de defesa contra o estrangeirismo. Mais

tarde a xenofobia causada pela Segunda Guerra ecoa tanto que o ensino de

língua portuguesa foi imposto, pelo governo brasileiro, às escolas dos

imigrantes.

O mundo vê, através da Revolução Russa de 1917, o atrito da

ambivalência entre comunismo e capitalismo. A presença do primeiro

incomoda muito o segundo que reage de forma violenta. Mas, mesmo com

tais investidas, os comunistas reagiram e conseguiram benefícios para os

trabalhadores.

Os opostos cidade / campo explicitam-se com a falência dos barões do

café, com o aquecimento industrial, com a vinda dos ex-escravos para a

periferia, com a concentração dos imigrantes no grandes centros. O resultado

foi a queda da política café com leite e uma valorização, ainda maior das

metrópoles.

O contraste militar / civil evidencia-se com o Movimento Tenentista

ocorrido em 1922, que teve como origem a crise política dos pleitos

eleitorais. O Governo Federal atuava ostensivamente na política partidária

dos Estados e o Corpo Militar era usado para manter a estabilidade política,

fato que não agradava àqueles militares cuja visão voltava ao momento da

Proclamação da República e, por isso, sentiam-se à margem da política

nacional, pois julgavam-se com o direito sobre os poderes governamentais

que, naquele momento, estava nas mãos de civis.

Em relação ao dueto Língua Portuguesa de Portugal e a Língua

Portuguesa do Brasil, os literatos demonstraram oposição em relação a tudo

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que não fosse nacional, inclusive à língua usa em Portugal, evidencia-se tal

fato quando um grupo de jovens se organizou em torno de um movimento

chamado Modernismo.

Em meio aos acontecimentos, estavam intelectuais da língua

portuguesa do Brasil. Eles lutavam para oficializar as diferenças entre a

Língua Portuguesa usada em Portugal e a Língua Portuguesa usada pelos

brasileiros. Nesse sentido, acordos ortográficos entre a Academia Brasileira

de Letras e a Academia de Ciências de Lisboa proliferaram desde o início do

século XX. Esse novo pensar sobre a língua materna acontece também em

função da lingüística difundida a partir dos estudos de análises internas que

percebem a língua como um sistema de signos lingüísticos convencionados e

usados por membros de uma mesma comunidade.

Tais acontecimentos são norteados por um sentimento nacionalista que

começa com a vontade de estruturar um país, é reforçado pelo anseio de

criar uma identidade nacional e culmina com a necessidade econômica de

gerar capital nacional. E, no bojo dos acontecimentos, está a língua materna

que passa a ser grande ferramenta para incutir no povo brasileiro o universo

do que se imaginava ser um cidadão.

O pano de fundo de todo esse contexto é o Positivismo que, em função

da industrialização, da necessidade de mão de obra para alimentar o

desenvolvimento, mantém suas características de organização e

prosperidade. Na esteira deste aparecem de um lado o Funcionalismo, com o

que manteve diálogo, de outro o Estruturalismo, com o qual não se articula.

Nesse cenário, a educação não passa despercebida, pois nela são

vistas alternativas para a resolução dos problemas nacionais. A língua

materna transforma-se em instrumento para a articulação da identidade

nacional e, através da alfabetização, para o problema da falta de mão de

obra qualificada, pois com a industrialização saber ler e escrever torna-se

necessário.

Assim, o ensino de língua portuguesa acontecia de duas formas: aquele

que tratava a língua como um todo e buscava elementos textuais para o

entendimento da mesma e o convencional que entendia o ensino da língua

como exclusividade da gramática. O primeiro primava pela análise, produção

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e compreensão textual. O segundo baseava-se no ensino repetitivo de regras

e nomenclaturas gramaticais. Portanto os professores da língua materna

estruturavam suas aulas a partir de dois tipos de livros didáticos: aqueles que

priorizavam a gramática e aqueles que se detinham à produção e

compreensão textual. Contudo, por não haver consenso entre os autores dos

livros do primeiro modelo em relação à nomenclatura gramatical, coexistiam

vários nomes para um mesmo elemento gramatical.

Ainda sobre a forma de livro didático, fosse do grupo que priorizava a

gramática ou do grupo que valorizava o texto, é necessário ponderar que os

autores anteriores à Nomenclatura Gramatical Brasileira não se preocupavam

com o aspecto didático de suas obras. O fato de não constarem nas obras

explicações pormenorizadas sobre os conteúdos contemplados, fazia com

que o docente que as utilizasse buscasse elementos, instrumentos que o

auxiliasse em suas aulas. A conseqüência de tal necessidade era um

profissional comprometido e conhecedor profundo dos aspectos a servirem

de base para a formação de seus alunos.

Para suprir a necessidade de conciliação da nominação dos termos

gramaticais no sentido de simplificar o ensino da gramática; para abrandar a

ânsia de se ter uma nomenclatura própria atendendo aos ideais do

nacionalismo, às necessidades decorrentes do novo sistema de ensino, surge

em 1958 a Nomenclatura Gramatical que, mais tarde, é vista como um

manual organizado segundo os princípios de racionalidade presentes no

ideário tecnicista

Ao que tudo indica, os debates sobre a constituição da NGB não afetou

imediatamente a cotidiano dos cursos de Letras e dos professores, parece

que eles ficaram restritos ao grupo de intelectuais que a estruturaram, pois

nos depoimentos dos professores contemporâneos a ela observa-se que a

Nomenclatura Gramatical Brasileira chegou pronta à escola na forma de

livros didáticos e da Portaria número 36, de 28 de janeiro de 1959, que a

incorpora ao conteúdo programático de Língua Portuguesa.

Ao analisar as concepções presentes na formação de professores de

Língua Portuguesa do período imediatamente anterior à Nomenclatura

Gramatical Brasileira, percebe-se a incorporação a elas do dualismo do

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contexto histórico brasileiro daquele período. Também são depreendidas duas

posturas entre os estudiosos de línguas: os estruturalistas e os marxistas.

A partir da Nomenclatura Gramatical Brasileira, inicia-se uma unificação

no ensino de Língua Portuguesa. Os livros didáticos, por exemplo, que se

apresentavam de duas formas (uns priorizando o texto e outros a gramática)

depois de 1958 apresentam, quase que com exclusividade, os elementos

constitutivos da NGB. Além disso, sua objetividade, funcionalidade e

eficiência a transformam em um manual aos moldes do tecnicismo que, por

sua vez, descende do Positivismo. Assim a Nomenclatura Gramatical

Brasileira virou sinônimo de conteúdo de Língua Portuguesa, pois ao se abrir

um livro didático de Língua Portuguesa, na grande maioria deles encontra-se

a seguinte seqüência: um texto, a interpretação desse texto, conceitos

gramaticais, fonéticos, morfológicos e sintáticos. Confirmando assim a

fragmentação e a mecanização do conhecimento, característicos do

Tecnicismo, cujo elemento principal de abordagem não é nem o professor

nem o aluno e sim a organização racional dos conteúdos a serem ensinados.

Nesse sentido a NGB encaixou-se perfeitamente às metodologias, pois nada

mais técnico do que um manual.

O problema, que aqui se encontra, é que um manual é feito para ser

assimilado de forma objetiva por qualquer indivíduo que tenha capacidade de

entendimento. Nesse sentido a NGB – Nomenclatura Gramatical Brasileira –

contribuiu para incutir no docente de Língua Portuguesa, desde a sua

formação, que ensinar a língua materna é apresentar um compêndio de

nomenclaturas, portanto houve uma restrição de conhecimentos, pois esses

profissionais tiveram a NGB como sinônimo de conteúdo. Não que a

gramática não deva ser ensinada nas escolas, muito pelo contrário. O que

aconteceu foi que o professor ficou condicionado a ensinar a nomenclatura e

não as relações dos elementos gramaticais dentro do discurso. Além disso

esses profissionais não tiveram mais que se preocupar com a estruturação de

seus planos de aula, pois boa parte dos livros didáticos que a seguiram

vinham com exercícios e explicações.

Portanto o problema que motivou a pesquisa: investigar qual (is)

concepção (ões) de educação e de formação de professores de Língua

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Portuguesa nos anos cinqüenta e sessenta do século XX se resolve a partir da

seguinte constatação: a educação daquele período foi norteada pelo

sentimento nacionalista que, com auxílio do ideário da Escola Nova, a

concebe como de direito de todos. As concepções relacionadas à formação de

professores de Língua Portuguesa decorrem também do nacionalismo, pois a

formação de uma identidade nacional está relacionada à língua materna de

um povo. Além disso, estudiosos da língua pátria defendiam a oficialização da

existência da Língua Portuguesa do Brasil. A culminância desta última foi a

constituição da Nomenclatura Gramatical Brasileira em 1958. O caráter

objetivo, eficiente e funcional da NGB deriva das concepções do

Funcionalismo que, por sua vez trazia bases positivistas. Os autores de tal

documento eram contemporâneos da difusão do Estruturalismo, portanto as

concepções desta filosofia também o marcaram. Devido a propagação do

Maxismo que acontecia também na lingüística suas características foram

assimiladas pelos docentes daquele período.

A análise das concepções presentes na formação de professores de

Língua Portuguesa por meio de livros escolares destinados a essa formação, a

ponderação sobre a influência da Nomenclatura Gramatical Brasileira de

1958 na formação de docentes de Língua Portuguesa e análise das

concepções presentes na orientação advinda dessa nomenclatura foram

objetivos da presente investigação. E, sobre isso, cinco aspectos foram

observados:

1º - antes da Nomenclatura Gramatical Brasileira os livros

didáticos traziam várias nomenclaturas para um mesmo termo, o que

dificultava o desenvolvimento das aulas por parte dos docentes;

2º - também antes dela, a existência de obras destinadas ao

ensino de Língua Portuguesa através de textos era intensa;

3º - as duas vertentes não tinham, salvo algumas exceções,

caráter pedagógico;

4º - depois da NGB, os livros didáticos a priorizaram, tornado-a

sinônimo de conteúdo de Língua Portuguesa;

5º - os livros didáticos passaram a ter um aspecto apostilado,

minimizando o trabalho docente.

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Observa-se nos aspectos elencados acima a necessidade de

estruturação das aulas pelo docente, decorrente da ausência de explicações

pormenorizadas nos livros didáticos anteriores à Nomenclatura Gramatical

Brasileira. Tal necessidade oportunizava um maior esclarecimento na

condução das atividades em classe, pois o docente era o autor de suas

ações.

Como os livros didáticos estavam diretamente ligados à formação do

professor de Língua Portuguesa, as concepções que os constituíram a

perpassaram. Isso significa dizer que depois da Nomenclatura Gramatical

Brasileira os professores foram formados sob as concepções desta e

passaram a priorizá-lá como conteúdo quase que único de Língua Portuguesa

e, como conseqüência, as denominações gramaticais passaram a ser mais

relevantes que a própria estrutura gramatical. Além disso, a minimização do

trabalho docente, favorecida pelo formato apostilado do livro didático, leva o

professor a reproduzir e não a refletir sobre suas ações em sala de aula.

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ANEXOS

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