JOÃO GEORGETON BARBOSA DA SILVA
DA TUTELA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS TRIBUTÁRIOS
CENTRO UNIVERSITÁRIO TOLEDO Araçatuba/SP
2008
JOÃO GEORGETON BARBOSA DA SILVA
DA TUTELA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS TRIBUTÁRIOS
Dissertação de Mestrado apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito à banca examinadora do Centro Universitário Toledo sob orientação da Prof. Dra. Yara R. de Toledo
CENTRO UNIVERSITÁRIO TOLEDO ARAÇATUBA/SP
2008
Banca Examinadora
__________________________________
Orientadora: Profa. Dra. Yara R. de Toledo
_________________________________
Examinador: Prof. Dr. Jose Sebastião
__________________________________
Examinador: Prof. Dr. Ivan Aparecido Ruiz
Araçatuba, 07 de março de 2008.
AGRADECIMENTOS
Necessário render agradecimentos á minha orientadora Profa. Dra. Yara
R. de Toledo, pela ajuda inestimável, aconselhamento sábio e, principalmente, pelo carinho
singular que marcou este mestrando.
Agradeço meu irmão, Dr. Aylton Marcelo e Dra. Claudia Munhoz, pelo
exemplo silencioso de dedicação, disciplina e honradez, com os quais venho pautando meu
trilhar.
Também cabe agradecer Dra. Maíra Tonzar, cuja ajuda fraterna e
prestimosa me garantiram a possibilidade de desenvolvimento e conclusão deste estudo.
O eterno agradecimento á Fabiola pelo companheirismo, incentivo,
compreensão constante, otimismo inabalável e, principalmente, pelo apoio incondicional.
Mas, sobretudo, devo agradecimentos á meus pais, por jamais terem
desistido.
“(...) na História sempre foi mais difícil subordinar o
Poder ao Direito do que o Direito ao Poder. Se criamos
agora Estados Democráticos de Direito, temos um
elevado bem a preservar. Isso deve ser tarefa de todos os
juristas responsáveis, não importa em que poder de
Estado ou em que função eles atuem” (Klaus Stern,2001)
RESUMO
O presente trabalho pretende ressaltar a importância dos direitos e garantias dos indivíduos
frente ao Estado, em matéria tributária, inseridos na Carta Constitucional de 1988,
procurando caracterizá-los como direitos fundamentais, enquanto princípios garantidores da
dignidade humana, e assim defendendo a possibilidade de apresentarem-se como cláusulas
pétreas, inserindo os direitos e garantias constitucionais tributárias no rol imutável da
Constituição Federal.
PALAVRAS- CHAVES : direito, tributo, fundamental, cláusula pétrea.
ABSTRACT
This study aims to talk about the importance of the individual rights and guarantees
towards the State which are inserted in the Brazilian Federal Constitution (1988) in the
taxes’ section and also to name them as fundamental rights as they help assure the dignity
of mankind. This research discusses the possibility of inserting these rights and guarantees
in the list of immutable rights in the Brazilian Federal Constitution.
KEY WORS: right, tax, fundamental rights, immutable list of rights.
EXTRACTO :
El presente trabajo pretiende resaltar la importância de los derechos y garantias de los
indivíduos frente al Estado, en matéria triburaria, inseridos en la Carta Constitucional de
1988, buscando caracterizarlos como derechos fundamentales, mentras princípios
garantizadores de la dignidad humana, y así defendiendo la posibilidad de se apresentaren
como cláusulas pétreas, inseriendo lo derechos y garantias constitucionales tributarias en el
rol inmutable de la Constitución federal.
PALAVRAS CHAVES: derecho, tributo, fundamental, cláusula pétrea.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................08
Capítulo I – Dos Direitos Fundamentais
1.1 Conceito e definição .................................................................................................12
1.2 Características...........................................................................................................19
1.3 Da Fundamentalidade dos Direitos: critério formal e material...............................22
Capítulo II – Dos Princípios Constitucionais no Brasil
2.1 Conceito e definição .................................................................................................27
2.2 Da relatividade e da força vinculante .......................................................................32
2.3 Da conectividade com os diretos e garantias fundamentais .....................................33
Capítulo III – Dos Princípios Constitucionais Tributários no Brasil
3.1 Conceito de Princípio Constitucional tributário ......................................................35
3.2 Dos Princípios em espécie........................................................................................38
3.3 Das cláusulas pétreas................................................................................................41
Capítulo IV – Dos Limites a Tributação e o Devido Processo Legal
4.1 Da tributação como forma de intervenção estatal ....................................................56
4.2 Das limitações ao poder de tributar .........................................................................67
4.2.1 legalidade no âmbito tributário................................................................67
4.2.2 Limites do Poder Derivado Reformador .................................................72
4.2.3 Medidas provisórias e tributação ............................................................83
4.3 Do poder de tributar e dos direitos fundamentais ....................................................90
4.4 Devido processo legal substancial e formal ............................................................95
Capítulo V - Do Código de Defesa do Contribuinte
5.1 Da legislação alienígena.........................................................................................105
5.2 Dos Códigos do Contribuinte Estaduais ................................................................109
5.3 Do Projeto Legislativo 646/1999 ............................................................................115
CONCLUSÃO ............................................................................................................132
REFERÊNCIAS ........................................................................................................141
ANEXOS ....................................................................................................................149
Anexo A - Projeto de Lei nº 646/1999 .........................................................................150
INTRODUÇÃO
Na atual sociedade capitalista em que se vive, dotada de uma
complexidade jamais vista na história contemporânea, as condições de vida do ser humano
estão, intimamente, relacionadas à sua condição econômica, aos meios de auferi-la e
usufruí-la.
Assim, a depauperação do poder econômico do individuo em
conseqüência da necessidade insaciável dos Entes Públicos de auferir maiores recursos,
resultam em depreciação da dignidade humana.
Em sua defesa a sociedade armou-se de direitos e garantias
constitucionais, na busca de limitar a atuação do Estado; não obstante apresenta-se
constante a mitigação de tais direitos por meio de alterações constitucionais, não raras
vezes, flagrantemente à revelia dos princípios e normas da Carta Magna.
Tal situação de vilipêndio à Constituição exige um aprofundamento de
estudos a fim de propiciar barreiras, em princípio doutrinárias, que possam intimidar seus
autores, bem como sensibilizar os guardiões da Norma Maior.
Não se pretende, aqui, anular a necessidade da tributação pelo Estado,
forma inerente deste em adquirir recursos com o fito da promoção e manutenção do bem
comum.
Nesta esteira entende-se legitima a distribuição de competências dos
Entes Públicos, até porque é fruto de democrática decisão dos constituintes de 1988, sendo
a atividade tributária essencial à própria existência do Estado e obrigação do cidadão,
asseveramos a necessidade e obrigatoriedade do pagamento de tributos, até como parte do
pacto social.
Nesse sentido assevera-se que o dever fundamental de pagar o justo
tributo possui base empírica no art. 3º, I da Constituição Federal, e, mormente nos artigos
constitucionais que distribuem competência tributária aos entes da federação, i.ena medida
em que a União tem competência tributária para instituir impostos sobre a importação de
produtos estrangeiros (art. 153, I), o contribuinte tem o dever fundamental de pagar o justo
imposto sobre a importação, e assim se dá com os outros impostos e demais tributos do
sistema tributário nacional: a cada competência tributária corresponde um dever
fundamental do cidadão-contribuinte; eis aí uma das vertentes da cidadania fiscal.
A necessidade de tributação deve, então, ser justa e legítima, razão da
existência do Direito Tributário, o qual consiste no conjunto de leis de caráter técnico que
estabelecem ao Estado, a forma e os limites de sua atuação junto aos cidadãos e empresas
contribuintes, no sentido de buscar recursos para o seu adequado e constitucional
funcionamento.
Assim, não se pretende subtrair o direito, constitucionalmente
acobertado, mas defender a garantia, também constitucional, de limitação do poder de
tributar, nos patamares criados pelo poder constituinte originário; o qual estabeleceu
princípios como salvaguarda para o individuo contribuinte.
Busca-se analisar a existência de direitos fundamentais a partir destes
princípios constitucionais tributários, exigindo-se a sua tutela, por meio das garantias
constitucionalmente previstas; ademais, diante da possibilidade de tais princípios incidirem
sobre a valorização da dignidade humana.
Mais ainda, se propõe a investigar a inclusão de direitos e garantias
tributárias no rol de Clausulas Pétreas asseguradas pelo artigo 60, § 4º da Constituição
Federal, e, assim sendo, questionando a constitucionalidade de alterações pelo poder
constituinte derivado reformador na seara tributária, analisando então o posicionamento dos
Tribunais Superiores quanto ao tema.
Permite-se ainda, uma análise de temas correlatos, que se entende de
suma importância, ora por sua ligação intrínseca com o foco pretendido, como o princípio
do devido processo legal, da legalidade, tratado em sua abrangência geral junto ao Estado
de Direito, bem como em seu enfoque estrito, como sua característica quando imposto à
seara tributária; ora por sua importância contemporânea, sendo aqui destaque a utilização
da tributação com o fito de intervenção na economia, funcionando a compulsoriedade fiscal
como regulador do mercado econômico, com o conseqüente reflexo na sociedade.
Nesse ínterim, entende-se salutar tecer análise acerca da criação proposta
pelo Senado de um Código de Diretos e Deveres do Contribuinte, legislação que viria a
ressaltar as garantias já existentes em nossa Lei Maior, mas infelizmente, não raras vezes,
desconsideradas.
Tais inserções, mesmo periféricas, vêm no intuito de somar
conhecimento com relação ao tema, demonstrando as preocupações que propiciam estudos
e posicionamentos nos diversos setores da sociedade, diante da necessidade de ressaltar os
meios de asseverar a tutela dos direitos e garantias do indivíduo, diante da atuação do
Estado enquanto fisco.
A opção por submeter os fundamentais princípios tributários ao título
das limitações ao poder de tributar é de Aliomar Baleeiro, citado ainda por Sacha Calmon
Navarro Coelho.
Não sem razão. Em verdade, a Constituição Tributária, aí elencados os
princípios constitucionais tributários, desempenham o papel de incomensurável importância
de Estatuto do Contribuinte, o que equivale a dizer, de pronto, contra os abusos do poder
tributante.
O poder de tributar ofensivo ao conjunto principio lógico esposado pelo
Texto Constitucional poderia ser capaz de vergastá-lo de modo singularmente inaceitável.
Propomos-nos analisar se seria, então, imprescindível a tutela dos direitos e a utilização das
garantias inerentes por meio da jurisdição.
CAPITULO I – DIREITOS FUNDAMENTAIS
1.1 – Conceito e definição
O primeiro questionamento que se apresenta se refere à conceituação do
venha a ser direitos fundamentais; de plano revela-se tarefa delicada, tamanha a gama de
referencias conceituais a que se remete, bem como sua evolução e desenvolvimento
histórico.
Realmente, entende-se que os direitos fundamentais, em sua atual
concepção, são o produto de vários fatores e fontes, "[...] desde tradições arraigadas nas
diversas civilizações, até a conjugação dos pensamentos filosófico-jurídicos, das idéias
surgidas com o cristianismo e o direito natural" (MORAES, 2003, p. 19).
José Afonso da Silva (2000, p. 176-177), afirma que os direitos
fundamentais surgem em função de reivindicações e lutas pela conquista de direitos, mas
apresenta como pressupostos duas categorias de condições, a saber:
• condições reais (ou históricas), onde às declarações do século
XVIII manifestaram-se na contradição entre o regime da
monarquia absoluta e degenerada e o surgimento de uma
sociedade tendente à expansão comercial e cultural; e
• condições ideais (ou lógicas), consistindo nas diversas fontes de
inspiração filosófica anotadas pela doutrina francesa, tais como o
pensamento cristão, o direito natural e o iluminismo.
Outra questão que se apresenta é o uso dos termos “direitos
fundamentais” e “direitos humanos” utilizados de forma indiscriminada, empregados
muitas vezes como sinônimos, mas, apesar de possuírem linhas comuns, não tem o mesmo
significado.
Ensina Paulo Bonavides (2003, p.560) que este último termo, “direitos
humanos” ou “direitos do homem”, costuma ser mais empregado por autores anglo-saxões
e latinos, enquanto que a expressão “direitos fundamentais” é de uso mais corrente entre os
publicistas germânicos.
Por seu turno, ensina J. J. Gomes Canotilho (1998, p.359) que:
“as expressões direitos do homem e direitos fundamentais são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jus naturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta”.
No entanto, apesar da utilização indiscriminada de tais acepções e à
estreita ligação entre tais conceitos, o termo “direitos humanos” reserva-se ao campo
histórico e filosófico, enquanto que a terminologia “direitos fundamentais” resta reservada
ao discurso jurídico.
Neste diapasão, ensina Antonio Perez Luño ( LOPES, 2001, p.41):
“Los derechos humanos suelen venir entendidos como um conjunto de facultades e instituciones que, em cada momento histórico, concretan las exigencias de la dignidad, la libertad y la igualdad humanas, los cuales deben ser reconocidos positivamente por los ordenamientos jurídicos a nivel nacional e internacional. Em tanto que com la noción de los derechos fundamentales se tiende a aludir a aquellos derechos humanos garantizados por el ordenamiento jurídico positivo, em la mayor de los casos em su normativa constitucional y que suelen gozar de tutela reforzada.”
Apresenta-se, assim, a definição defendida, com mestria, pelo
conceituado Ingo Wolfgang Sarlet (2001, pg.82), para quem os direitos fundamentais são:
“(...) todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparadas, agregando-se à Constituição material, tendo ou não assento na Constituição formal.”
É definição abstrata, com conceituação que se analisou em tópico
próprio, pois para o mesmo autor a descrição e os referenciais concretos do conteúdo dos
direitos fundamentais só podem ser analisados à luz do Direito Positivo.
Assim, ainda poderia se definir os direitos fundamentais como direitos
humanos positivados e inseridos na categoria de direitos subjetivos, ou melhor, “aqueles
direitos que o direito vigente qualifica como tais” e cujo fim almejado é “criar e manter os
pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana”, conforme
ensina Paulo Bonavides (2003, p.560), amparado na doutrina do constitucionalista Konrad
Hesse.
Segundo Alexandre de Moraes (2003, pg.61) em sua análise dos direitos
em tela assevera que seriam:
“(...) o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais.”
Aqui cabe, adiantadamente, pois se retornará ao tema, breve analise
quanto ao conceito de dignidade da pessoa humana como qualidade intrínseca e distintiva
reconhecida em cada ser humano, como conteúdo de constituição material, que o faz
merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade.
Implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres
fundamentais que assegurem à pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante
e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida
saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos
destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
A Organização Mundial de Saúde assevera como vida saudável a
corresponde ao completo bem-estar físico, mental e social.
Lembra-se, ainda, que não se poderia conceituar direitos fundamentais
apenas como relativos à dignidade da pessoa humana, entendendo que a inadequação do
conceito estaria em que a Constituição portuguesa – como a brasileira – também consagra
direitos fundamentais de pessoas coletivas, a denotar que a idéia de dignidade humana não
seria sempre o vetor definidor dos direitos fundamentais.
Moraes (2003, p.63) assevera neste diapasão:
“Igualmente, as pessoas jurídicas são beneficiárias dos direitos e garantias individuais, pois se reconhece às associações o direito à existência, o eu de nada adiantaria se fosse possível excluí-las de todos os seus demais direitos. Dessa forma, os direitos enunciados e garantidos pela constituição são de brasileiros, pessoas físicas e jurídicas.”
Importante ressaltar, nessa discussão, o entendimento de J.C. Vieira de
Andrade (2001, p.111) para quem:
“os preceitos relativos aos direitos fundamentais não podem ser pensados apenas do ponto de vista dos indivíduos, enquanto posições jurídicas de que estes são titulares perante o Estado, designadamente para dele se defenderem, antes valem juridicamente também do ponto de vista da comunidade, como valores ou fins que esta se propõe prosseguir, em grande medida através da ação estadual. Por outro lado, no âmbito de cada um dos direitos fundamentais, em volta deles ou nas relações entre eles, os preceitos constitucionais determinam espaços normativos, preenchidos por valores ou interesses humanos afirmados como bases objetivas de ordenação da vida social.”
Entende-se interessante salientar tais comentários, mais a guisa de amor
ao debate, e à riqueza de entendimento e discussões; uma vez que se defende a idéia de que
a dignidade humana ultrapassa as fronteiras da individualidade, quando em confronto com
as imposições estatais.
Mas, sem dúvida alguma, por fim rende-se ao argumento da dignidade
da pessoa humana, contra-argumentando que de toda forma, embora haja direitos
formalmente consagrados como fundamentais que não apresentam ligação direta com o
princípio da dignidade humana.
Seria esse princípio que inspira os típicos direitos fundamentais,
atendendo à exigência de respeito à vida, à liberdade, à igualdade, à integridade física e
íntima de cada ser humano e à segurança (inclusive, e especialmente pela relação com
nosso tema, a jurídica).
É o princípio da dignidade humana que justifica o postulado da isonomia
e que demanda fórmulas de limitação do poder, prevenindo contra o arbítrio e a injustiça.
Nesse diapasão deve-se destacar que o legislador constituinte elevou a
dignidade da pessoa humana à condição de princípio (e valor) jurídico-constitucional
fundamental (art. 1º, III), de forma expressa:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
(grifo nosso)
O princípio da dignidade da pessoa humana é simultaneamente princípio
constitucional fundamental e princípio geral de direito, não se cuidando de conceitos
excludentes.
Também para José Afonso da Silva (2001, p.196), a dignidade da pessoa
humana é um princípio constitucional geral já que diz respeito a toda a ordem jurídica,
permeando todo o ordenamento jurídico pátrio, como um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito, proclamando um valor universal.
No entanto seu reconhecimento principiológico não significa,
infelizmente, a certeza de respeito à dignidade da pessoa.
Apesar da fundamentação, aplicável de forma abstrata e geral, como de
resto, inerente aos princípios, na dignidade da pessoa humana e tendo em conta que do
próprio princípio da dignidade da pessoa (isoladamente considerado) podem e até mesmo
devem ser deduzidos direitos fundamentais autônomos, não especificados.
Infelizmente ainda não haveria um consenso em reconhecer que existe
um direito fundamental à dignidade, discussão doutrinária se procurará abranger, com o fito
de elevar o principio da dignidade ao status de direito fundamental.
Nesse entendimento, primeira constatação se impõe pela localização
jurídica no ordenamento pátrio, da qualificação da dignidade da pessoa humana como
princípio fundamental traduz a certeza de que o artigo 1º, inciso III, de nossa Lei Maior não
contém apenas (embora também e acima de tudo) uma declaração de conteúdo ético e
moral, mas que constitui norma jurídico-positiva dotada, em sua plenitude, de status
constitucional formal e material e, como tal, inequivocamente carregado de eficácia,
alcançando, portanto, a condição de valor jurídico fundamental da comunidade.
Como princípio e valor fundamental constitui fonte que anima e justifica
a própria existência de um ordenamento jurídico, razão pela qual, para muitos como nós,
justifica-se plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior
hierarquia axiológico-valorativa.
No caso da dignidade da pessoa humana o conceito além de normativo é
axiológico, porque a dignidade é valor, é a expressão do valor da pessoa humana. Todo
valor é a projeção de um bem para alguém; no caso, a pessoa humana é o bem e a
dignidade, o seu valor, isto é, a sua projeção.
A dignidade da pessoa humana, com total justiça, foi guindada a
condição de princípio (e, portanto, sempre também valor) fundamental do nosso Estado
Democrático de Direito.
Nessa medida, há que se convir em que os direitos fundamentais, ao
menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio
da dignidade da pessoa humana.
Outro questionamento suscitado seria o da inquestionabilidade e
inexcepcionalidade dos direitos fundamentais.
Sem dúvida, pela importância de sua função, originada na defesa da
dignidade da pessoa humana, conceito que direciona todo o ordenamento constitucional da
atual Carta Magna, poder-se-ia entender tais direitos como inquestionáveis e
inexcepcionáveis, entendendo-os como absolutos; no entanto tal argumentação não é
pacifica, assim Alexandre de Moraes (2003, p.60) argumenta que:
“os direitos humanos fundamentais", dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5º da Constituição federal, não podem ser utilizados como verdadeiro escudo de proteção da pratica de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna ("Principio da relatividade ou convivência das liberdades publicas).”
Neste diapasão, acrescenta o conhecido escritor:
“Desta forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o interprete deve utilizar-se do principio da concordância pratica ou da harmonização de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua.”
Assim sendo, amparados nos ensinamentos de Alexandre de Moraes,
encontra-se a possibilidade de relativização dos direitos fundamentais, isto é, a
possibilidade de seu questionamento, bem como a existência de exceções.
Tal entendimento se afigura extremamente delicado, dada a importância
de tais direitos; porque se aceitam tais possibilidades unicamente quando do choque de dois
ou mais direitos, ambos fundamentais.
1.2 Características
As características dos direitos fundamentais podem então ser assim
resumidas: historicidade; universalidade; relatividade; e irrenunciabilidade.
Historicidade. Os direitos fundamentais são resultados de um longo
processo histórico, de uma lenta evolução. Eles não nasceram em uma data específica e
nem foram engendrados em um único país, embora alguns momentos da história e certos
Estados podem ser mencionados como relevantes e que contribuíram fortemente para a sua
origem e seu fortalecimento.
Faz-se necessário ressaltar ainda a influência do cristianismo, que ao
defender e difundir a idéia de que o ser humano fora criado à imagem e semelhança de
Deus, nos remete ao principio da igualdade.
Nessa evolução histórica, vieram as várias declarações de direitos do
homem, como a “Magna Charta Liberatium” (1215), a Declaração americana (1776), a
francesa (1789), e a Declaração da ONU (1948), que, certamente, influenciaram o
surgimento das proteções jurídicas dos direitos fundamentais em outros países.
José Afonso da Silva (2000, p.177) afirma que os direitos fundamentais
surgem em função de reivindicações e lutas pela conquista de direitos, mas apresenta como
pressupostos duas categorias de condições, a saber: condições reais (ou históricas), onde às
declarações do século XVIII manifestaram-se na contradição entre o regime da monarquia
absoluta e degenerada e o surgimento de uma sociedade tendente à expansão comercial e
cultural; e condições ideais (ou lógicas), consistindo nas diversas fontes de inspiração
filosófica anotadas pela doutrina francesa, tais como o pensamento cristão, o direito natural
e o iluminismo.
Universalidade. O sentido dessa característica dos direitos fundamentais
é que estes se destinam a todos os homens. A sua essência por si já rejeita a idéia de
discriminação na aplicação e garantia desses direitos básicos. Um dos seus objetivos
mesmo é de garantir que todos os homens tenham acesso aos direitos fundamentais, num
tratamento isonômico que lhe peculiariza, que deve ser universal.
Relatividade. Esta característica decorre da idéia de que os direitos
fundamentais não podem ser tidos como absolutos, de aplicação ilimitada. Ao se exercitar
tais direitos, muitas vezes um deles conflitará com outro. O direito de propriedade, por
exemplo, esbarra no direito público da desapropriação. O exercício do direito de
informação pode encontrar óbice no direito à imagem.
Irrenunciabilidade. Uma marca dos direitos fundamentais é que os seus
destinatários não podem a eles renunciar. Têm a faculdade de escolher o momento de
exercê-los, em certas hipóteses, mas nunca de dispor dos mesmos de forma definitiva.
A análise dos Direitos Fundamentais não se apresenta estanque neste
subitem; aqui apenas desfraldamos a cortina temática, uma vez que maiores indagações
estarão inseridas nos demais tópicos deste trabalho, uma vez que a fundamentalidade dos
direitos constitucionalmente previstos encontra-se intimamente ligada aos demais temas
que ainda serão abordados.
Alexandre de Moraes, na obra de sua autoria “Direitos Humanos e
Fundamentais”, Ed. Atlas, pág. 41, entende que os direitos fundamentais apresentam outras
características além das acima referidas. Acrescenta, portanto, as seguintes:
- “inviolabilidade: impossibilidade de desrespeito por determinações
infraconstitucionais ou por atos das autoridades públicas, sob pena de responsabilização
civil, administrativa e criminal";
- universalidade: a abrangência desses direitos engloba todos os
indivíduos, independente de sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político-
filosófica;
- efetividade: a atuação do Poder Público deve ser no sentido de
garantir a efetivação dos direitos e garantias previstos, com mecanismos coercitivos para
tanto, uma vez que a Constituição Federal não se satisfaz com o simples reconhecimento
abstrato;
- interdependência: as várias previsões constitucionais, apesar de
autônomas, possuem diversas interseções para atingirem suas finalidades. Assim, por
exemplo, a liberdade de locomoção está intimamente ligada à garantia do habeas corpus,
bem como previsão de prisão somente por flagrante delito ou por ordem da autoridade
judicial competente;
- complementariedade: os direitos humanos fundamentais não devem
ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta com a finalidade de alcance dos
objetivos previstos pelo legislador constituinte. ““
1.3 Da Fundamentalidade dos Direitos: critérios formal e material
A fundamentalidade revela-se pelo conteúdo do direito – base do
ordenamento jurídico – e pela posição normativa (onde e como é dito: expressão no
ordenamento jurídico como norma da Constituição). Concorrem, portanto, ambos os
critérios (material e formal) para definir esse marco em um direito.
Se a fundamentalidade é pano de fundo do próprio direito em questão
(vida, saúde, igualdade, liberdade, segurança, etc.), sua força maior advém, entre nós,
exatamente da previsão constitucional em decorrência do passado histórico de declarações.
Salientando que a Constituição possui uma existência formal ou
material.
Sendo a primeira, existência formal, geralmente, associada à
constitucionalização, apontando quatro dimensões relevantes, quais sejam: situam-se no
ápice de todo ordenamento jurídico; como normas constitucionais encontram-se submetidas
aos procedimentos agravados de revisão, além de constituir limites materiais da própria
revisão (afirmação de suma importância no discorrer dos demais tópicos); tratam de normas
aplicáveis e dotadas de vinculatividade imediata aos poderes públicos e privados.
Enquanto a fundamentação material implica conteúdo dos direitos
fundamentais que é decisivamente constitutivo das estruturas básicas do Estado e da
sociedade.
Neste diapasão, tem-se na idéia dessa fundamentalidade material e
formal presente no § 2º do art. 5º proporciona uma abertura da constituição para outros
direitos fundamentais, conforme ressalta Sarlet (2004, pg.93), não se referindo somente aos
positivados como os direitos fundamentais que se encontram fora do rol do Título II da
Constituição.
José Joaquim Gomes Canotilho (2003, pg.355), em sua obra afirma a
existência do “princípio da não tipicidade” dos direitos fundamentais que juntamente com
uma compreensão aberta do âmbito normativo das normas concretamente consagradoras de
direitos fundamentais, possibilitará uma concretização e desenvolvimento plural de todo o
sistema constitucional.
Conseqüentemente, os direitos fundamentais estão ligados,
umbilicalmente, a sua “fundamentalidade”, que pode ser vista nos sentidos material e
formal, como citado anteriormente.
Essa última está vinculada ao sistema constitucional positivo. A
Constituição confere dignidade e proteção especiais aos direitos fundamentais, seja
deixando claro que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata (art. 5o, §1o, CF), seja permitindo a conclusão de que os direitos
fundamentais estão protegidos não apenas diante do legislador ordinário, mas também
contra o poder constituinte reformador - por integrarem o rol das denominadas cláusulas
pétreas (art. 60, CF), afirmação extremamente importante, a qual será tema de tópico
próprio neste trabalho.
Importa relembrar, nesta quadra, a oportuna lembrança de Cármen Lúcia
Antunes Rocha (SARLET, 2005, pg.92), que, ao sufragar o princípio da proibição de
retrocesso, afirmou que:
“as conquistas relativas aos direitos fundamentais não podem ser destruídas, anuladas ou combalidas, por se cuidarem de avanços da humanidade, e não de dádivas estatais que pudessem ser retiradas segundo opiniões de momento ou eventuais maiorias parlamentares”.
Por outro lado, a fundamentalidade material parte da premissa de que os
direitos fundamentais repercutem sobre a estrutura do Estado e da sociedade.
No Título II (arts. 5º a 17) da Constituição Federal está descrito: “Dos
direitos e garantias fundamentais”. O primeiro artigo desse Título, isto é, o art. 5o, afirma
no seu §2º, expressamente:
Art. 5º...
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte.
Essa norma permite, por meio da aceitação da idéia de fundamentalidade
material, que outros direitos, ainda que não expressamente previstos na Constituição e, por
maior razão, não enumerados no Título II, sejam considerados direitos fundamentais.
Sobremaneira importante, a constatação de que a Constituição, em seu
art. 5o, §2o, institui um sistema constitucional aberto á fundamentalidade material.
Portanto, se a Constituição enumera direitos fundamentais no seu Título
II, isso não impede que direitos fundamentais – por exemplo, o direito ao meio ambiente e,
principalmente ao nosso estudo, os direitos e garantais na seara tributária - estejam
inseridos em outros dos seus Títulos, ou mesmo fora dela.
Mas, para a caracterização de um direito fundamental a partir de sua
fundamentalidade material, é imprescindível a análise de seu conteúdo, isto é, da
circunstância de terem, ou não, decisões fundamentais sobre a estrutura do Estado e da
sociedade, de modo especial, porém, no que diz com a posição nesses ocupada pela pessoa
humana.
Considerando-se, então, a Constituição Federal, quanto à
fundamentalidade material, pode-se afirmar que decorre da circunstância de conterem,
esses direitos, decisões fundamentais sobre a estrutura básica do Estado e da Sociedade, ou
seja, se eles são inferidos dos princípios e do regime adotado pela Constituição (art. 5º, §
2º).
A fundamentalidade formal refere-se ao fato de esses direitos
encontrarem-se no ápice de todo o ordenamento, submetendo-se aos limites formais e
materiais da reforma constitucional (art. 60), além de serem normas diretamente aplicáveis
e que vinculam de forma imediata à sociedade (art. 5º, §1º). Com relação especifica as
clausulas pétreas nos propôs-se a investigação mais detida no desenrolar de tópico próprio,
dada sua importância para o presente estudo.
A nota da fundamentalidade é essencial para a revelação de direitos
fundamentais fora do catálogo expresso na Constituição, permitindo uma interpretação
extensiva. O direito de resistência à opressão, por exemplo, conquanto não previsto
textualmente, pode ser considerado integrante da Constituição em virtude de sua
fundamentalidade.
Podendo ser fundamentalidade também como integrante da Constituição
escrita, como posição normativa, denominada como formal, onde expressam limites
formais, matérias da reforma constitucional e, direitos pétreos.
Apresentando-se como posições jurídicas da pessoa, seja na sua
dimensão individual, coletiva ou social, foram consagradas no âmbito dos direitos
fundamentais por decisão do Legislador-Constituinte.
Capítulo II – Dos Princípios Constitucionais no Brasil
2.1 Conceito e definição
Ao se iniciar a construção deste trabalho, visando analisar o
questionamento ora proposto, vê-se obrigado a delimitar os termos estudados, iniciando
pela palavra princípio.
O autor Miguel Reale (1991, pg.300), em sua obra Lições Preliminares
leciona que os princípios são: “certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base
de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”.
Na visão de Ruy Samuel Espíndola (1999, p. 47):
“Pode-se concluir que a idéia de principio ou sua conceituação, seja lá qual for o campo do saber que se tenha em mente, designa a estruturação de um sistema de
idéias, pensamentos ou normas por uma idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos ou norma derivam, se reconduzem e/ou se subordinam.”
Em sua lição, De Plácido e Silva (2000, pg.447), estudioso dos
vocábulos jurídicos, ensina que: “os princípios são o conjunto de regras ou preceitos que se
fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando a conduta a ser tida em
uma operação jurídica”.
Segundo Roque Antonio Carrazza (2006, p.37) a conceituação seria:
“princípio é começo, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo. Nesta medida, é, ainda, a pedra angular de qualquer sistema.”
No entendimento de José Afonso da Silva (2001, p.95), principio
exprime a noção de mandamento nuclear de um sistema; citando o Mestre Bandeira de
Melo (1981, p.545), o qual define o principio jurídico como:
“(...)mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa, não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de estrutura mestra.” (grifo nosso)
Assim, ainda citando Jose Afonso da Silva (2001, p. 96):
“Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são (como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira) núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais. Então, os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar
positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio e constituindo preceitos básicos da organização constitucional.”
Impõe-se, por enriquecedor, reproduzir o entendimento de Carmem
Lucia Antunes Rocha (1994, p.25), referente aos princípios constitucionais:
“Os princípios constitucionais são os conteúdos primários diretores do sistema jurídico-normativo fundamental de um Estado. Dotados de originalidade e superioridade material sobre todos os conteúdos que foram o ordenamento constitucional, os valores firmados pela sociedade são transformados pelo Direito em princípios. Adotados pelo constituinte, sedimentam-se nas normas, tornando-se, então pelares que informam e conformam o Direito que rege as relações jurídicas no Estado. São eles, assim, as colunas mestras da grande construção do Direito, cujos fundamentos se afirmam no sistema constitucional(...).”
Nessa mesma linha é a lição de Paulo Bonavides (2003, p.286), a saber:
“A proclamação da normatividade dos princípios em novas formulações conceituais e os arestos das Cortes Supremas no constitucionalismo contemporâneo corroboram essa tendência irresistível que conduz à valoração e eficácia dos princípios como normas-chaves de todo o sistema jurídico; normas das quais se retirou o conteúdo inócuo da programaticidade, mediante o qual se costumava neutralizar a eficácia das Constituições em seus valores reverenciais, em seus objetivos básicos, em seus princípios cardeais” .
Devemos, ainda, no remeter a outra conceituação, agora especificamente
ao que seja principio jurídico, para tanto nos reportamos ao ensinamento de Roque Antonio
Carrazza (2006, p.39), o qual assevera:
“principio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explicito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam”
Continuando sua analise, José Afonso da Silva (2000, p.96), ressalta
mais um entendimento e distinção, assim:
“Há, no entanto, quem concebe regras e princípios como espécies de norma , de modo que a distinção entre regras e princípios constitui uma distinção entre duas espécies de normas. A compreensão dessa doutrina exige conceituação precisa de normas e regras, inclusive para estabelecer a distinção entre ambas, o que os expositores da doutrina não tem feito, deixando assim obscuro seu ensinamento.”
Já na visão de Guerra Filho (2006, p.32) :
“As regras trazem a descrição de estados de coisa formados por um fato ou um certo número deles, enquanto nos princípios há uma referencia direta a valores. Daí se dizer que as regras se fundamentam nos princípios, os quais não fundamentariam diretamente nenhuma ação, dependendo para isso da intermediação de uma regra concretizadora. Princípios, portanto, tem um grau incomensuravelmente mais alto de generalidade e abstração do que a mais geral e abstrata das regras.”
Entendendo, esse mestre, que os princípios são determinações de
otimização (ALEXY, 1985, pg.85), que se cumpre na medida das possibilidades, fáticas e
jurídicas, que se oferecem concretamente.
Argumentando ainda, conforme Canotilho, que serviriam como
imposições legiferantes ou de imposições constitucionais fundamentadoras de um dever
concreto de o Estado e os poderes públicos dinamizar, dentro das possibilidades e
condições materiais indispensáveis à realização e exercício efetivo dos direitos
fundamentais, aqui no caso especifico de referir-se a normas programáticas.
Os princípios fundamentais podem ou não ser expressos no texto
constitucional onde representam determinados valores que excedem ao ordenamento
jurídico-positivo do Estado, pois estão presentes em todo e qualquer ordenamento
constitucional seja de forma implícita ou explícita, justificando-se tal inserção na própria
fundamentalidade de suas normas, que, apesar do pensamento positivista, entende-se tal
fundamentalidade ser inerente à pessoa humana, esta, a qual, em ultima instancia, vem a ser
a gênese de existência do Estado.
Nesta esteira deve-se asseverar a elevação, como já foi dito, do valor da
dignidade da pessoa humana à categoria de principio constitucional, porque se entende
como fundamental, permeando todo o arcabouço jurídico pátrio.
A dignidade da pessoa humana tem caráter jurídico-normativo,
recebendo plena eficácia em nossa ordem constitucional, motivo pelo qual, guindada à
condição de princípio (e, portanto, sempre também valor) fundamental do nosso Estado
Democrático de Direito.
Na sua perspectiva principiológica, a dignidade da pessoa atua, portanto
– no que comunga das características das normas-princípio em geral – como um mandado
de otimização, ordenando algo (no caso, a proteção e promoção da dignidade da pessoa)
que deve ser realizado na maior medida possível, considerando as possibilidades fáticas e
jurídicas existentes, ao passo que as regras contêm prescrições imperativas de conduta.
Apropriado salientar que a concepção de que um principio jurídico é
norma de Direito talhou-se através de evolução analítica interessante.
Primeiro, a metodologia jurídica tradicional distinguia os princípios das
normas, tratando-as como categorias pertencentes a tipos conceituais distintos.
Assim, norma tinha um significado e principio, outro. Mas, mesmo
assim, a idéia de norma era sobreposta, dogmática e normativamente, à idéia de principio;
conforme assevera Josef Esser (1961, p.498).
Depois, devido aos acréscimos teórico-analíticos de Dworkin e Alexy,
pacificou-se a distinção entre regras e princípios como espécies do gênero norma de direito,
conforme Bonavides (1994, p.243) e Grau (1990, p.107).
Posteriormente, devido à tematização nos trabalhos dos espanhóis Perez
Luño, Prieto Sanchis e García de Entarria (ARAGON, 1990, p.85), chega-se a dividir, no
gênero norma, mais uma espécie categorial normativa: os valores.
Então, segundo essas tematizações, norma é o gênero do qual os
princípios , as regras e os valores são espécies.
Dworkin, em Taking Rights Seriously, citado por Grau (1990, p. 107),
estabeleceu mais dois critérios, baseados em duas idéias: a primeira, a do tudo ou nada, e a
segunda, a do peso ou da importância.
“as regras jurídicas são aplicáveis por completo ou não são, de modo absoluto, aplicáveis. Trata-se de um tudo ou nada. Desde que os pressupostos de fato aos quais a regra se refira (...) se verifiquem, em uma situação concreta, e sendo ela valida, em qualquer caso há de ser aplicada. Já os princípios jurídicos atuam de modo diverso: mesmo aqueles que mais se assemelham às regras não se aplicam automática e necessariamente quando as condições previstas como suficientes para sua aplicação se manifestam.” (GRAU, 1990, p.108)
O segundo critério, decorrente do primeiro, acentua:
“(...) que os princípios possuem uma dimensão que não é própria das regras jurídicas: a dimensão do peso ou importância. Assim, quando se entrecruzam vários princípios, quem há de resolver o conflito deve levar em conta o peso relativo de cada um deles (...). As regras não possuem tal dimensão. Não podemos afirmar que uma delas, no interior do sistema normativo, é mais importante do que outra, de modo que, no caso de conflito ente ambas, deva prevalecer uma em virtude do seu peso maior. Se duas regra entram em conflito, uma delas não é válida.” (GRAU, 1990, p. 110)
Com relação à dupla estrutura (princípio e regra) da dignidade, verifica-
se que o conteúdo da regra da dignidade da pessoa decorre apenas a partir do processo de
ponderação que se opera no nível do princípio da dignidade, quando cotejado, com outros
princípios, de tal sorte que absoluta seria a regra, mas jamais o princípio.
2.2 Da Relatividade e da força vinculante
O princípio da dignidade da pessoa humana não é absoluto, mas tal
afirmação não lhe subtrai valor, uma vez que sua relatividade somente se apresenta quando
em choque com outro direito fundamental, frise-se, da mesma estirpe, resultado do conflito
direto entre detentores de tais direitos.
Assim, inexistem princípios absolutos, já que tal condição contradiz a
própria essência da noção e a estrutura normativa dos princípios. Assim, princípios
absolutos ou não são princípios ou são outra coisa do que habitualmente como tal se tem
considerado.
Além disso, resta a evidência, amplamente comprovada na prática, de
que o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser realizado em diversos graus, isto
sem falar na necessidade de se resolver eventuais tensões entre a dignidade de diversas
pessoas, ou mesmo da possível existência de um conflito entre o direito à vida e à
dignidade, envolvendo um mesmo sujeito (titular) de direitos.
A dignidade assume, isso sim, posição privilegiada no âmbito de uma
eventual necessidade de ponderação entre os bens jurídico-constitucionais. Tornando-se
deficiente qualquer análise sobre direitos fundamentais que não enfoque,
concomitantemente, o princípio da dignidade humana; a justificar a constante abordagem
deste principio.
No mínimo, impende reconhecer que mesmo prevalecendo em face de
todos os demais princípios (e regras) do ordenamento, não há como afastar a necessária
relativização (ou convivência harmônica) do princípio da dignidade da pessoa em
homenagem à igual dignidade de todos os seres humanos.
Tal opção, entendendo o princípio como norma jurídica, não exclui o
reconhecimento da dimensão axiológica, isto é, dos valores, ínsita aos princípios, mas
também presente nas regras.
2.3 Da conectividade com os direitos e garantias fundamentais
Ousa-se afirmar que os direitos fundamentais se apresentam como a
concretização dos princípios fundamentais; os quais, obrigatoriamente, permeiam todo o
ordenamento jurídico pátrio, a começar, e justamente por encontrar-se no ápice da pirâmide
kelsiana, irradiando seus preceitos, bem como delimitando e obrigando todas as demais
normas.
O lugar dos princípios, sobremaneira, os com status constitucional, é
inquestionavelmente incomparável. É norma jurídica, e como tal detentora de força
cogente, mas uma ofensa a eles dirigida macula muito mais fortemente o sistema, conforme
já salientado anteriormente por Bandeira de Mello.
Outro produto dessa evolução, é que deixaram de ser os princípios meros
instrumentos de interpretação, e aí outra constatação de seu caráter de espécie normativa,
para adquirirem a peculiar feição de cogência e normatividade.
Ter-se-ia, assim, uma linha de entendimento a asseverar a importância
sobremaneira dos princípios constitucionais.
Atualmente, não mais como simples forma de exegese do ordenamento
jurídico, mas, sobretudo, invocados como norma cogente, como parte indissolúvel de um
sistema, de contornos gerais, sim, mas nem por isso abstrativado, ou destituído de força, ao
contrario, entendem-se os princípios constitucionais como normas superiores, por si só
aplicáveis em todo seu conteúdo, servindo ainda como parâmetro e, sobretudo, limitação
para as demais normas, mais especificas em seu conteúdo.
Então, em se entendendo que tais princípios, ademais por serem
constitucionais, material e formalmente, consubstanciam-se em normas plenamente
aplicáveis, assevera-se que se constituem em direitos ou deveres, que obrigam e vinculam
Estado e indivíduos, e em sendo direitos para o individuo e constituindo dever apontado ao
detentor de poder, limitando sua atuação, conseqüentemente, se impõe como Direitos
Fundamentais.
Capítulo III – Dos Princípios Constitucionais Tributários no Brasil
A matéria tributária implantada no sistema brasileiro optou por uma
intencional exaustividade de seus preceitos, direitos e deveres dos contribuintes, no bojo
do ordenamento jurídico nacional, primando pela sua alocação na própria Constituição
Federal.
Compactuamos, aqui, com o entendimento de Hugo de Brito Machado
(1996, p.91):
“O poder constituinte originário definiu os princípios básicos do sistema tributário um dos quais consiste em que os tributos são somente os que nele estão previstos. E estabeleceu, ainda os princípios aos quais se subordinam os tributos regularmente instituídos nos termos e limites do sistema.”
Assim o legislador pátrio, mais precisamente, em sua gênese, o detentor
do poder constituinte originário, introduziu no ordenamento constitucional um tópico
especifico à tributação, delimitando expressamente o poder e os limites de tributar pelo
ente público, muitas vezes utilizando-se de princípios, submetendo todas as espécies de
tributos a uma limitação principiológica.
3.1 Conceito de Princípio Constitucional tributário
Aproveita-se, mais uma vez, a definição clássica elaborada pelo grande
administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello (1981, p.545). Segundo este tratadista,
e vale a pena a transcrição, por sê-lo insubstituível enquanto conceito de princípio:
“(...) é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque
representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de estrutura mestra. “
Não resta dúvida, de acordo com esse entendimento, que é ímpar e
fundamental o lugar e o papel a serem ocupados pelos princípios jurídicos. Como bem foi
dito e verificável na notável definição de Bandeira de Mello, é a mais grave forma de
inconstitucionalidade.
Paulo Barros de Carvalho (2002, p.139) assim se referiu ao tratar do
Sistema Constitucional Tributário:
“Pertencendo ao estrato mesmo da constituição, da qual se destaca por mero expediente lógico de cunho didático, o subsistema constitucional tributário realiza as funções do todo, dispondo sobre os poderes capitais do Estado, no campo da tributação, ao lado de medidas que asseguram as garantias imprescindíveis à liberdade das pessoas, diante daqueles poderes. Empreende, na trama normativa, uma construção harmoniosa e conciliadora, que visa a atingir o valor supremo da certeza, pela segurança das relações jurídicas que se estabelecem ente Administração e administrados. E, ao fazê-lo, enuncia normas que são verdadeiros princípios, tal o poder aglutinante de que são portadoras, permeando, penetrando e influenciando um numero inominável de outras regras que lhe são subordinadas.”
E assim o é, posto tratar-se de figura essencial à solidez e coesão do
sistema jurídico, que na definição mais apropriada não deve ser concebido como um
amontoado de normas.
Sistema aqui deverá ser aquilo “...que esteja apto para captar adequação
interior e a unidade da ordem jurídica.” Ou o “ ... correspondente...” a “ ... uma ordenação
axiológica ou teleológica ...” (TEMER, 1995, pg.34).
A opção por submeter os fundamentais princípios tributários ao título
das limitações ao poder de tributar é de Aliomar Baleeiro, citado também por Sacha
Calmon Navarro Coêlho.
Não sem razão. Em verdade, a “Constituição Tributária”, aí elencados
os princípios constitucionais tributários, desempenham o papel de incomensurável
importância de Estatuto do Contribuinte, o que equivale a dizer, de pronto contra os
abusos do poder tributante.
O poder de tributar ofensivo ao conjunto principiológico esposado pelo
Texto Constitucional é capaz de vergastá-lo de modo singularmente inaceitável.
Assim, temos que a limitação ao poder tributante dos entes políticos,
seja por regra expressa na Constituição Federal, seja com base em um principio
constitucional, apresenta-se como supedâneo de garantia do cidadão, enquanto
contribuinte, devendo amparar-se de tutela.
Neste diapasão conta-se com o entendimento do ilustre Roque Antonio
Carrazza (CARRAZA, 1998, p.410), que assevera a existência de direitos do individuo a
limitar a atuação tributacional do Estado, como também apresentam como direitos
fundamentais, constatação levantada e defendida em tópico anterior:
“...o Estado, ao exercer a tributação, deve observar os limites que a ordem constitucional lhe impôs, inclusive no que atina com os direitos subjetivos públicos das pessoas. (...) O ‘estatuto do contribuinte’ exige que a tributação, livre de qualquer arbitrariedade, realize a idéia de Estado de Direito. (...) As pessoas políticas, enquanto tributam, não podem agir de maneira arbitrária e sem obstáculo algum, diante dos contribuintes. Muito pelo contrário: em suas relações com eles, submetem-se a um rígido regime jurídico. Assim, regem suas condutas de acordo com as regras que veiculam os direitos fundamentais e que colimam, também, limitar o exercício da competência tributária, subordinando-o à ordem jurídica.”
Mantendo e atualizando mesmo entendimento em obra mais recente:
“É que a tributação deve desenvolver-se dentro dos limites que a carta Suprema traçou (fulminando o poder tributário absoluto do Estado). Este objetivo é alcançado, basicamente, respeitando-se os direitos fundamentais do contribuinte e aquela faixa de liberdade das pessoas, onde a tributação não pode se desenvolver.” (CARRAZZA, 2002, p. 411)
3.2 – Dos Princípios em Espécie
Daí a importância de se definir, com a maior clareza possível, quais são,
efetivamente, os princípios constitucionais tributários insertos na Constituição Federal de
1988 possíveis de serem interpretados como exteriorizações de direitos e garantias
individuais a fim de fornecer um limite objetivo contra a atuação do legislador constituinte
derivado.
Tal questionamento não encontra, mais uma vez, resposta uníssona na
doutrina, entendendo-se, via de regra, que estes estariam insertos, conforme mencionado,
nos artigos 150 e 151 da Constituição Federal, conforme defendem, por exemplo, Luiz
Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (DAVID ARAUJO; NUNES JUNIOR,
1998, pg.315):
“A Seção II do Capítulo I do Título VI da Constituição da República abriga as chamadas limitações ao poder de tributar, é dizer, cláusulas constitucionais caracterizadas pela finalidade de impor limites à atividade impositiva tributária do Poder Público. São regras que limitam o poder de tributar, garantindo, indiretamente, o direito de propriedade. Por tais mandamentos, há garantia de que o Estado, através da tributação, não poderá atuar em determinadas situações. Portanto, trata-se de garantia individual, que deve ser entendida com cláusula pétrea, pois decorrência do direito de propriedade.”
Para os citados autores seriam princípios constitucionais tributários os
seguintes:
a) princípio da estrita legalidade;
b) princípio da igualdade tributária;
c) princípio da irretroatividade da lei tributária;
d) princípio da anterioridade;
e) princípio do não-confisco;
f) princípio da proibição de limites ao tráfego de pessoas ou bens;
g) princípio da uniformidade; e
h) princípio da não-discriminação tributária, em razão da procedência ou
destino dos bens.
Entretanto, encontra-se no magistério do Professor Sacha Calmon
Navarro Coelho (2001, pg.179) significativos esclarecimentos quanto aos princípios
poderiam constituir o rol de direitos e garantias dos contribuintes:
São princípios expressos na Constituição da República, em matéria
tributária, conexos aos direitos fundamentais, os seguintes:
A) legalidade formal e material da tributação (art. 5°, II e 150, I);
b) irretroatividade da lei tributária e dos critérios ligados à sua aplicação
administrativa e judicial (art. 5°, XXXVI, e 150, III, ´´a´´);
C) anterioridade da lei tributária em relação ao fato jurígeno tributário,
seja anual, seja a nonagesimal (arts. 150, III, "b" e ´´95, § 6°), também
chamado princípio da não-surpresa;
D) princípio do livre trânsito de pessoas e bens em território nacional,
vedada a criação de barreiras estaduais ou municipais (art. 150, V);
E) princípio da isonomia tributária (art. 5°, I e 150, II);
F) princípios da capacidade econômica e da pessoalidade dos impostos
(art. 145, § 1°);
G) princípio do não-confisco (negativa de tributo com efeito
confiscatório) a teor dos artigos 5° e 150, IV;
H) princípios da generalidade, universalidade e progressividade do
Imposto de Renda (art. 153, § 2°);
I) princípio da progressividade dos impostos sobre a propriedade urbana
e rural (arts. 153, § 4° e 156, § 1°);
J) princípio da não-cumulatividade do ICMS e do IPI (arts. 153, § 3°, II,
e 155, II).
Salienta, ainda, o autor, elencando princípios derivados do todo sistema
jurídico da Constituição:
• o princípio federativo da uniformidade da tributação federal;
• o princípio do tratamento fiscal privilegiado para as regiões
economicamente subdesenvolvidas e para as microempresas;
• o princípio da unidade nacional e do mercado comum nacional;
• o princípio da isonomia entre as pessoas políticas;
• o princípio da anualidade orçamentária, influindo nos impostos
periódicos;
• o princípio do devido processo legal nas esferas administrativa e
judicial, em matéria fiscal;
• o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional da lei e do ato
administrativo de caráter fiscal;
• o princípio do sigilo fiscal, bancário e profissional. (...)
E finaliza, incontestavelmente, o doutrinador:
“Os princípios constitucionais tributários e as imunidades (vedações ao poder de tributar) traduzem reafirmações, expansões e garantias dos direitos fundamentais e do regime federal. São portanto cláusulas constitucionais perenes, pétreas, insuprimíveis (art. 60, § 4°, da CF).”
Acentua-se, então, que todo o Direito Tributário brasileiro é controlável
pelo Supremo Tribunal Federal, a partir dos princípios constitucionais tributário. Nenhuma
corte constitucional abarca tamanho rol de princípios para moldar o poder de tributar e
proteger os direitos e garantias do contribuinte.
Dispõe o art. 150 da CF/88 que os princípios explícitos devem ser
observados "sem prejuízo de outras garantais asseguradas ao contribuinte". Com isso
dispõe que as garantias do contribuinte estão entre os direitos e garantias fundamentais.
Elenca, ainda, o renomado jurista, não menos que 10 princípios
expressamente dispostos no texto constitucionais, sendo quatro deles insertos em outros
artigos além do 150, e, ainda, apresenta mais oito princípios "derivados do sistema jurídico
da constituição".
A conclusão do autor também é no sentido de que nenhum destes
princípios poderá ser suprimido, ou ter seu âmbito de abrangência reduzido, considerando-
os uma extensão dos direitos e garantias individuais, inserido, portanto, na proteção
conferida pela imutabilidade intrínseca às cláusulas pétreas.
3.3 – Das Cláusulas Pétreas
Inquestionável que os entes tributantes devem respeito aos princípios
constitucionais, como um todo, os limites ao poder de tributar constituem direitos e
garantias individuais do cidadão contribuinte, apesar de dissociados do artigo 5º da
Constituição Federal.
Logo, em sendo direitos não estariam amparados pelas clausulas pétreas?
Conforme possibilita o § 2º do artigo 5º da CF.
Assim, neste ponto, que o § 2º, do artigo 5º, da Constituição Federal, já
prevê expressamente que os direitos e garantias individuais não se resumem apenas aos
indicados no artigo 5º da Constituição, incluindo todos aqueles trazidos no texto
constitucional e nos tratados internacionais que o Brasil seja parte, "in verbis":
Art. 5° (...)
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte.
Alexandre de Moraes (2001, p.529) ao tratar do tema, assim dispôs:
“...Lembremo-nos, ainda, que a grande novidade do referido art. 60 está na inclusão, entre as limitações ao poder de reforma da Constituição, dos direitos inerentes ao exercício da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais, que por não se encontrarem restritos ao rol do art. 5º, resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caráter individual dispersos no texto da Carta Magna.”
Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal (Adin 939-7/DF) ao
considerar cláusula pétrea, e conseqüentemente imodificável, a garantia constitucional
assegurada ao cidadão no art. 150, III, b, da Constituição Federal (princípio da
anterioridade tributária), entendendo que ao visar subtraí-la de sua esfera protetiva, estaria a
Emenda Constitucional nº 3, de 1993, deparando-se com um obstáculo intransponível,
contido no art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal."
Assim, confortavelmente, comungamos da elogiável e coerente decisão,
vislumbrando um direito fundamental tributário e, sobretudo, inalterável, no artigo
constitucional em referencia, a saber:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios:
III - cobrar tributos:
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei
que os instituiu ou aumentou;
Considerando que estamos em um Estado Democrático de Direito; então
devemos respeitar a Constituição Federal, principalmente seu núcleo intangível; sob pena
de se renegar a essência motivadora desse Estado de Direito.
Infelizmente, o entendimento de nossa Corte Suprema, não se apresenta
pacificada. Apenas para ilustrar tal dissenso doutrinário, também observado em nossos
tribunais, é pertinente destacar o comentário do Ministro Carlos Velloso, do Supremo
Tribunal Federal, em artigo publicado na Revista de Direito Tributário nº 69, p. 218 ,
quanto à possível extensão dos direitos e garantias individuais em matéria tributária:
“(...) é possível identificar, nos rol dos direitos e garantias que constituem o Estatuto dos Contribuintes – arts. 150, 151 e 152 – os direitos e garantias que estão cobertos pelas cláusulas pétreas do artigo 60, § 4º, IV da Constituição Federal. (...) Todavia, questões muito mais de Direito Tributário, como a capacidade contributiva, não obstante sua importância na realização da igualdade tributária, não consigo conferi-lhes os galos de direitos humanos, de direito fundamental. E foi assim que votei na citada adejem 939-DF. Quanto à questão da não-cumulatividade, a proibição, em princípio, é dirigida ao legislador ordinário, e não ao legislador constituinte derivado (art. 154, I). Assim também votei na ADIn 939-DF. O mesmo pode ser dito em relação à não-observância dos fatos geradores ou da base de cálculo já estabelecidos na Constituição: a proibição é também dirigida ao legislador ordinário e não ao constituinte derivado (CF, art. 154, I).
Apesar do merecido respeito oferecido a tal jurista da mais alta corte, tal
entendimento não se coaduna com a interpretação extensiva e sistemática necessária nos
trato dos direitos e garantias individuais.
A demonstrar a insistente incerteza que a questão propicia, salienta-se o
entendimento pelo Doutor Paulo Roberto Lyrio Pimenta que, em analise ao inciso IV do
parágrafo quarto do artigo 60 da Constituição Federal, explicita:
“(...) o significado da expressão "direitos e garantias individuais", no campo tributário, comporta pelo menos três interpretações: i) os direitos e garantias individuais são apenas aqueles previstos no Título II da Constituição; ii) os direitos e garantias individuais contemplam aqueles previstos no Título II e as "limitações do poder de tributar", indicadas na seção II do Título IV; iii) a expressão alcança qualquer direito e garantia constitucional outorgada ao contribuinte. (In: Revista Dialética de Direito Tributário nº 92., p. 42.)
Apesar de respeitáveis duvidas, a doutrina vem-se alicerçando no
entendimento de garantir aos princípios constitucionais tributários o condão da
imutabilidade, neste sentido, encontramos o posicionamento de Clélio Chiesa (2003, pg.
16), que ao tratar do assunto expõe com propriedade que:
“Dentre as normas constitucionais que não podem ser objeto de supressão, encontram-se os direitos e garantias constitucionais assegurados aos cidadãos. O § 2°, do art. 5°, da Constituição Federal, estabelece que os direitos e garantias expressos no referido dispositivo não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados. Dentre outros princípios, a nosso ver, são intocáveis, os princípios da estrita legalidade, o da isonomia em matéria tributária, o da capacidade contributiva, o da segurança jurídica, o que assegura o direito de propriedade, o da anterioridade em matéria tributária, o que veda a tributação com caráter confiscatório e o que veda a sobreposição de bases tributáveis.”
Assim, já se possui elementos importantes para obter uma definição
satisfatória para a expressão "direitos e garantias individuais", em matéria tributária, que
passará necessariamente pela constatação de que estes não se encontram adstritos a
determinados artigos da Constituição Federal (por exemplo, artigos 5º, 150 e 151), e, com
isso, rompemos com um forte paradigma da doutrina clássica do direito tributário.
Contribuição valiosa é dada pelo Professor Alexandre de Moraes (2003,
p.61), que define direitos individuais como sendo: "disposições meramente declaratórias,
que são as que exprimem existência legal aos direitos reconhecidos"; ao passo que as
garantias seriam conceituadas como "disposições assecuratórias, que são as que, em defesa
dos direitos, limitam o poder".
Pode-se afirmar, assim, que os direitos individuais envolvem as normas
constitucionais que conferem ou declaram bens que possam integrar o patrimônio jurídico
do contribuinte, ao passo que as garantias são dispositivos de natureza assecuratória, i.e.,
disposições que assegurem tais direitos.
Exemplificando, o inciso XV do artigo 5º da Constituição Federal traz
um exemplo de direito individual, qual seja, o direito de locomoção, consubstanciado-se o
"Habeas Corpus", previsto no inciso LXVIII, do mesmo artigo 5º, em verdadeira garantia,
assegurando o exercício de tal direito, como vedação dirigida ao Estado, que não poderá
tolhê-lo por ilegalidade ou abuso de poder.
Assim também ocorre com a garantia do Mandado de Segurança a
amparar direito liquido e certo, contra os mesmos excessos, via de regra, oriundos do poder
estatal.
No tocante à apresentação de direitos e garantias individuais no sistema
tributário constitucional consiste em analisar aqueles já comumente aceitos como tais, entre
os quais se devem asseverar:
• princípio da legalidade (art. 5º, II);
• princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º,
XXXV);
• princípio do devido processo legal e contraditório (art. 5º, LIV e
LVII);
• princípio da estrita legalidade tributária (art. 150, I);
• princípio da igualdade tributária (art. 150, II);
• princípio da irretroatividade tributária (art. 150, III, a);
• princípio da anterioridade tributária (art. 150, III, b);
• princípio da vedação da utilização de tributos com efeitos de confisco
(art. 150)
Salientando que os citados princípios não se configuram em numerus
clausus, mas sim em rol exemplificativo a consubstanciar as garantias aqui defendidas.
Dessa forma, o legislador constituinte, mais do que afirmar a existência
de princípios orientadores do Direito Tributário, positivou tais preceitos na forma de
vedação ao poder público, afirmando ainda como garantias asseguradas ao contribuinte,
como ilustra o art. 150.
A própria redação desta norma ganhou destaque na jurisprudência
brasileira por ocasião da instituição do IPMF em 1993, eis que por emenda constitucional, o
Congresso Nacional da época pretendia afastar a incidência de algumas daquelas garantias
asseguradas ao contribuinte.
Nesta ocasião, como foi citado anteriormente, o próprio Supremo
Tribunal Federal respondeu a tal questão, no julgamento da constitucionalidade do então
IPMF (Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira), ao entender que a Emenda
Constitucional 3/93 (ADIN 939-7/DF) que permitia que o mencionado imposto não
respeitasse ao princípio da anterioridade tributária feria cláusula pétrea, e, portanto, era
inconstitucional, afastando sua cobrança no exercício de 1993.
É fácil notar a vasta gama de princípios constitucionais, sejam de
natureza geral, sejam específicos para o direito tributário, erigidos à condição de cláusulas
pétreas, e, quanto aos últimos, assim aceitos tanto pela doutrina como pela jurisprudência.
Nesse sentido, interessante noticiar o entendimento de Ives Gandra da
Silva Martins (2005, p.87) quando assevera:
“Nada obstante, as trevas tributárias que cobrem hoje o setor produtor de riquezas e empregos – só não produz mais porque o “Estado Tributário” não deixa -, a Constituinte de 1988 atribuiu às limitações constitucionais ao poder de tributar a natureza de Cláusulas pétreas, visto que o art. 150 começa com a seguinte dicção: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:...”.
Sem prejuízo de outras garantias, todas aquelas colocadas no art. 150, por serem garantias individuais, são normas imodificáveis, de vez que o art. 60, § 4º, inciso IV, preceitua:
“§4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
...
IV – os direitos e garantias individuais.”
Certamente pode-se afirmar que tal se dá não só porque são princípios,
mas, também e principalmente porque agregam, incorporam direitos ao patrimônio jurídico
dos contribuintes, servindo, em sua totalidade, como verdadeiras garantias dos cidadãos em
face do Poder do Estado.
Não se mostra absurda, portanto, a afirmação segundo a qual outros
princípios tributários insertos na Constituição Federal, e que possuam tais características,
também devam ser tidos como direitos e garantias individuais, e, como corolário lógico de
tal raciocínio, insuscetíveis de supressão ou mesmo de ter reduzida sua esfera de proteção e
abrangência, ainda que por meio do exercício do Poder Constituinte Derivado, com relação
a esta ultima afirmação, nos aprofundaremos em tópico próprio, mais adiante.
Entende-se sobremaneira conveniente e oportuna a menção de decisões
do Supremo Tribunal Federal por tratar-se do órgão constitucionalmente incumbido de
dirimir, em única ou última instância, questionamentos que envolvam dispositivos
constantes da Lei Maior.
Assim, acredita-se ser de grande valia destacar os comentários exarados
nos votos dos Eminentes Ministros, quando do julgamento da questão envolvendo o IPMF:
Entendimento do Ministro Sydney Sanches:
“Agora, já ao ensejo do julgamento do mérito, não estou convencido do contrário, sobretudo depois da leitura dos votos dos eminentes Ministros ILMAR GALVÃO, MARCO AURÉLIO, CARLOS VELLOSO, CELSO DE MELLO, PAULO BROSSARD E NÉRI DA SILVEIRA, que, mesmo para efeito de medida cautelar de suspensão da cobrança de tributo, em 1993, não deixaram de vislumbrar, desde logo, a violação, quanto a esse ponto, ao princípio da garantia individual do contribuinte, que nem por Emenda Constitucional se pode afrontar, ainda que temporariamente, em face dos referidos § 2º do art. 5º, artigos 150, III, "b", e 60, parágrafos 4º, inciso IV da Constituição Federal. Nem me parece que, além das exceções ao princípio da anterioridade, previstas expressamente no § 1º do art. 150, pela Constituição originária, outras pudessem ser estabelecidas por emenda constitucional, ou seja, pela Constituição derivada. Se não se entender assim, o princípio e a garantia individual que ela encerra, ficariam esvaziados, mediante novas e sucessivas emendas constitucionais, alargando as exceções, seja para impostos previstos no texto originário, seja para os não previstos.”
Entendimento do Ministro Carlos Velloso:
“Senhor Presidente, examino a questão posta na Emenda Constitucional nº. 3, de 1993. Tenho como relevante, no ponto, a argüição, no sentido de que a Emenda Constitucional nº. 3, desrespeitando ou fazendo tábula rasa do princípio da anterioridade, excepcionando-o, viola limitação material ao poder constituinte derivado, a limitação inscrita no art. 60, § 4º, IV da Constituição.
Ora, a Constituição, no seu art. 60, § 4º, inciso IV, estabelece que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e
garantias individuais. Direitos e garantias individuais não são apenas aqueles que estão inscritos nos incisos do art. 5º. Não. Esses direitos e essas garantias se espalham pela Constituição. O próprio art. 5º, no seu § 2º, estabelece que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
É sabido, hoje, que a doutrina dos direitos fundamentais não compreende, apenas, direitos e garantias individuais, mas, também, direitos e garantias sociais, direitos atinentes à nacionalidade e direitos políticos. Este quadro todo compõe a teoria dos direitos fundamentais. Hoje não falamos, apenas, em direitos individuais, assim direitos de primeira geração. Já falamos em direitos de primeira, de segunda, de terceira e até de quarta geração.
E o entendimento do Ministro Celso de Mello:
“O respeito incondicional aos princípios constitucionais evidencia-se como dever inderrogável do Poder Público. A ofensa do Estado a esses valores – que desempenham, enquanto categorias fundamentais que são, um papel subordinante na própria configuração dos direitos individuais ou coletivos – introduz um perigoso fator de desequilíbrio sistêmico e rompe, por completo, a harmonia que deve presidir as relações, sempre tão estruturalmente, desiguais, entre as pessoas e o Poder.
Não posso desconhecer – especialmente neste momento em que se amplia o espaço do dissenso e se intensificam, em função de uma norma tão claramente hostil a valores constitucionais básicos, as relações de antagonismo entre o Fisco e os indivíduos – que os princípios constitucionais tributários, sobre representarem importante conquista político-jurídica dos contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos outorgados, pelo ordenamento positivo, aos sujeitos passivos das obrigações fiscais. Desde que existam ara impor limitações ao poder de tributar, esses postulados têm por destinatário exclusivo o poder estatal, que se submete, quaisquer que sejam os contribuintes, à imperatividade de suas restrições.”
Com enorme satisfação assevera-se a unanimidade de entendimento no
que concerne à possibilidade de acolhermos certos princípios constitucionais tributários
como verdadeiros direitos e garantias dos contribuintes, merecedores de proteção idêntica
àquela concedida aos direitos e garantias previstos no artigo 5° da Constituição Federal,
haja vista encontrarem-se acobertados pelo manto das cláusulas pétreas constitucionais.
Mais uma vez se ampara, nos arriscando a redundância, no
posicionamento de Clélio Chiesa (2003, pg.16) que ao tratar do assunto expõe com
propriedade que:
“Dentre as normas constitucionais que não podem ser objeto de supressão, encontram-se os direitos e garantias constitucionais assegurados aos cidadãos. O § 2°, do art. 5°, da Constituição Federal, estabelece que os direitos e garantias expressos no referido dispositivo não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados. Dentre outros princípios, a nosso ver, são intocáveis, os princípios da estrita legalidade, o da isonomia em matéria tributária, o da capacidade contributiva, o da segurança jurídica, o que assegura o direito de propriedade, o da anterioridade em matéria tributária, o que veda a tributação com caráter confiscatório e o que veda a sobreposição de bases tributáveis.”
Comungando do mesmo entendimento, encontram-se em tais princípios
os alicerces do sistema constitucional tributário brasileiro apresentados no art. 154, I, c/c as
do art. 155 e 156, da Constituição Federal.
Denota-se uma divisão rígida de competências entre as pessoas políticas,
no campo de atuação de cada uma delas. Emoldurando, a Constituição Federal de maneira
exaustiva os eventos que podem ser eleitos pelos Estados-membros, Distrito Federal e
Municípios como hipóteses de incidência de impostos.
No tocante à competência da União para tributar por meio de impostos,
enumerou alguns eventos, listados no art. 153 da Constituição Federal, e estabeleceu no art.
154, I, que a União poderá, mediante lei complementar, mais um registro da estrita
legalidade, demonstrando a importância da consulta e anuência prévia dos representantes da
população, instituir impostos não previstos no art. 153, desde que sejam não-cumulativos e
não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados na Constituição
Federal, in verbis:
Art. 154. A União poderá instituir:
I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo
anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato
gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta
Constituição; (grifo nosso).
Afirma-se, neste diapasão, que tal principio é fundamental para o
sistema e não pode ser suprimido ou represado nem mesmo por meio de Emenda à
Constituição.
Trata-se de uma diretriz que confere maior eficácia aos princípios da
capacidade contributiva, ao que assegura o direito de propriedade e ao que veda a
instituição de tributos com efeito de confisco, na medida em que não permite a instituição
de impostos cumulativos e cujo ´´fato gerador´´ e base de cálculo sejam idênticos aos de
outros já indicados como passíveis de serem tributados por outros impostos; sob pena de
configurar um bis in idem passível de ação junto ao Judiciário, a fim de impedir a cobrança
ou a devolução dos valores.
Conseqüentemente, e aqui nos vemos acompanhados por diversos
doutrinadores, assevera-se que os princípios constitucionais abarcados explícita ou
implicitamente nos dispositivos da Lei Maior atinentes ao sistema tributário nacional, e que
possam ser interpretados como uma inserção, reafirmação ou expansão de direitos ou de
garantias individuais.
Em conseqüência lógica, encontram-se, sem qualquer sombra de dúvida,
sob o manto da imutabilidade, estando insertos nesta proteção vários princípios, inseridos
ou não no artigo 150 da Constituição Federal, como é o caso, por exemplo, dos princípios
da não-cumulatividade do ICMS e do IPI (arts. 153, § 3°, II, e 155, II), da vedação a bi-
tributação art, 154, I, dentre muitos outros.
Veja-se, então, a expressão constitucional:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se
encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em
razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos,
títulos ou direitos;
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da
vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei
que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido
publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto
na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de
19.12.2003)
IV - utilizar tributo com efeito de confisco;
V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio
de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança
de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive
suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das
instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos,
atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
IV - produtos industrializados
§ 3º - O imposto previsto no inciso IV:
II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em
cada operação com o montante cobrado nas anteriores;
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir
impostos sobre:
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre
prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal
e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se
iniciem no exterior
Nesta esteira, não seria possível ao poder constituinte reformador, sob
qualquer pretexto, eliminar tais direitos e garantias, mesmo que para tanto se utilizasse da
edição de Emenda Constitucional posto que, como foi visto, tão somente ao Poder
Constituinte Originário é dado inovar no ordenamento jurídico de forma ilimitada e
incondicionada.
Entende-se ainda, que mais uma vez devemos ressaltar a característica
de fundamentalidade de tais direitos e garantias, uma vez que o poder econômico do
cidadão está intimamente ligado à valorização de sua dignidade humana, sem esquecermos
que a desigualdade social e econômica tem sido o fator preponderante na violação dos
direitos mais fundamentais dos cidadãos, que vem vilipendiar as condições mínimas a
sustentar a dignidade humana da população.
Lembrando, sempre, que a finalidade do Estado não é arrecadar, per si, a
arrecadação deve ser um meio para que se atinja o bem comum.
J.J. CANOTILHO, em sua obra “Fundamentos da Constituição”;
considera os direitos fundamentais a “raiz antropológica” essencial da legitimidade da
Constituição e do poder político: “esta dimensão de universalidade e de intersubjectividade
(sic) reconduz-nos sempre a uma referência, ou seja, os direitos do homem.”
Assevera, ainda, o renomado constitucionalista português
(CANOTILHO, 1993, pg.170) que:
“perante as experiências históricas de aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendentais ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República.”
Argumenta, com base neste entendimento democrático, alicerce de nossa
sociedade, que direitos, liberdades e garantias em seu conjunto consubstanciam o próprio
cerne do Estado de Direito, cujos princípios, presentes na consciência jurídica geral,
informam a lei constitucional.
Assenta o Estado Democrático de Direito na limitação do Estado pelo
Direito e na legitimação do poder político estatal pelo povo, ressaltando os limites jurídicos
advindos dos princípios e regras internacionais. Aduz que a Constituição “tanto é lei
fundamental dos direitos, liberdades e garantias, como dos direitos econômicos, sociais e
culturais; tanto é imperativo jurídico no que respeita ao estatuto dos órgãos de soberania,
como quando trata da organização econômica ou das relações sociais em geral”.
Assim, dá-se ao direito de mais uma vez ressaltar que a finalidade do
Estado não é arrecadar, per si, a arrecadação deve ser um meio para se atingir o bem
comum. Assim o resultado deveria retornar à sua origem em forma de atendimento as
necessidades dos cidadãos.
Em nosso entender, todos os direitos intimamente relacionados com a
dignidade da pessoa humana, sobretudo aqueles inseridos expressamente na Lei Maior,
devem ser tratados como direitos fundamentais, neles se incluindo os direitos e garantias
tributárias, consubstanciadas em normas e princípios constitucionais.
Do exposto, como não poderia deixar de ser, afirma-se necessária,
além da postura ideológica neste sentido, a compreensão, aceitação e respeito,
referente adoção de uma interpretação extensiva do art. 5º, § 2º da CF, a postura no
sentido de reconhecer nestes princípios verdadeiras reafirmações ou extensões dos
direitos e garantias individuais.
Capítulo IV – DOS LIMITES À TRIBUTAÇÃO E O DEVIDO PROCESSO LEGAL
4.1 – Da Tributação como forma de Intervenção Estatal
Neste ponto de nosso estudo não se poderia furtar a tecer alguns
comentários a essa forma tão peculiar e corriqueira de atuação do Estado junto á condução
dos ditames econômicos que regem a sociedade, a utilização do sistema tributário,
efetivamente da criação, aumentos ou diminuição e cobrança de tributos das pessoas físicas
e jurídicas, como meio de regulação e, até controle, do sistema econômico nacional.
Ressalta-se não se discorrer aqui sobre os temas mais centrais deste
estudo, no entanto, entende-se de grande valia tal inserção, com o intuito, de mais uma vez,
demonstrarmos a importância do tema tributário, bem com ressaltar mais uma forma de
como o Estado pode utilizar-se, e o faz, de seu poder ínsito de tributação compulsória.
Buscar-se-á, então, sempre mantendo uma análise principiológica dos
temas tratados, situar os fundamentos e meios que propiciam a atitude interventora do
Estado no horizonte econômico, mais precisamente, na utilização da tributação como meio
intervencionista da economia, alertando sobre a usual justificativa de o Estado assim atuar
no papel precípuo de agente promotor da melhoria das condições de vida dos indivíduos
sob a sua jurisdição, pela do fortalecimento da economia nacional, mas alertando, como
antes, o cuidado em não resvalar na simples ânsia arrecadatória do Estado, o que acaba por
desvirtuar a tributação como meio eficaz de fomento econômico.
A maioria da doutrina costuma destacar as formas mais comuns de
intervenção do Estado no domínio econômico, dissertando ora pela sua atuação direta
através de serviços públicos ou outras formas de exploração e tantas outras vezes pela
disciplina feita pelos organismos estatais nas atividades econômicas privadas.
Ocorre que, sem prejuízo destas, algumas vezes é relegado para um
segundo plano o reconhecimento das atividades de fomento como também uma parte do
tripé da intervenção estatal na ordem econômica.
Certamente, não se pretende aqui afastar a inegável incidência crescente
do Estado regulador de atividades econômicas privadas ou dos serviços econômicos de
interesse geral da sociedade e a conseqüente disciplina jurídica que a acompanhou.
Neste diapasão, o constitucionalista Diogo de Figueiredo (1989, pg.89)
comparou o texto magno da Carta de 1967/69 – que segundo ele estava longe de ser
considerada uma constituição suma (ou principiológica) – com a “Constituição cidadã” de
1988, constatando que na anterior havia quatorze estatutos de intervenção estatal, e que esta
última contém quarenta e um.
Realmente, são ao todo quarenta e um os dispositivos constitucionais da
Carta de 1988 que dispõem sobre a intervenção do Estado na ordem econômica,
subdivididos pelo jurista em intervenções regulatórias (28 dispositivos), intervenção
concorrencial (1 dispositivo), intervenções sancionatórias (5 dispositivos) e intervenções
monopolistas (7 dispositivos).
Normas utilizadas com o fito de regular a economia considerando
políticas comerciais, carga fiscal, intervenção do governo na economia, política monetária,
investimento externo, preços e salários, direito de propriedade, regulamentação da
economia e mercado informal.
Contudo, não se pode olvidar da relevância daquela última forma de
intervenção (regulador de atividades econômicas privadas ou dos serviços econômicos de
interesse geral da sociedade) através de estímulos e desestímulos para setores privados, já
que muitas vezes tal versão de fomento se realiza através da tributação.
Deve-se ressaltar que a relação da tributação com a ordem econômica
não representa uma novidade dos tempos atuais. Antes mesmo da sistematização havida
pela famosa Emenda Constitucional n° 18, em 1965, e completada pelo Código Tributário
Nacional em 1966 o Estado Brasileiro já empregava os tributos como uma clara forma de
sua longa mão sobre as atividades econômicas e privadas, criando vários tributos dotados
de ampla extrafiscalidade, sendo bons exemplos as diversas taxas que marcaram o período
anterior à codificação.
A extrafiscalidade se constitui no "algo a mais" que a obtenção de receitas
mediante tributos; liga-se a valores constitucionais; pode decorrer de isenções, benefícios
fiscais, progressividade de alíquotas, finalidades especiais, entre outros institutos criadores
de diferenças entre os indivíduos, que são, em última análise, agentes políticos, econômicos
e sociais.
Os estudiosos, porém, alternam-se em apresentar concepções amplas ou
restritas do termo.
São restritas, por considerar extrafiscalidade apenas as medidas fiscais de
incentivo ou de desestímulo a comportamentos, as acepções de Fábio Fanucchi (1976,
pg.54), que reconhece o tributo como extrafiscal quando se verifica, em sua cobrança, outros
interesses que não sejam os de simples arrecadação de recursos financeiros que se
exteriorizam mediante alívios e agravamentos fiscais; de Ruy Barbosa Nogueira (1986,
pg.197), para quem a extrafiscalidade corresponde á intervenção no Estado mediante
tributos, a estimular ou a desestimular condutas; e Casalta Nabais (1998, pg.628), que
identifica extrafiscalidade nas normas tributárias que têm o "intuito de actuar directamente
sobre os comportamentos econômicos e sociais de seus destinatários".
São ampliadas as concepções de autores que vêem na extrafiscalidade,
além de estímulos e desestímulos a comportamentos, todo expediente tributário que vise á
realização de valores que exceda a "mera" arrecadação de tributos.
A extrafiscalidade, como forma de intervenção estatal na economia,
apresenta uma dupla configuração: de um lado, a extrafiscalidade se deixa absorver pela
fiscalidade, constituindo a dimensão finalista do tributo; de outro, permanece como
categoria autônoma de ingressos públicos, a gerar prestações não tributárias.
Das palavras de Ricardo Lobo Torres (2001, pg.167), excluindo o que o
autor denomina de extrafiscalidade autônoma, que não é objeto deste trabalho - revela-se a
união inseparável com a fiscalidade, na norma tributária.
Nosso objeto de estudo é a extrafiscalidade que se agrega à fiscalidade,
para atuar, finalisticamente, em domínios de ciências como a economia, a sociologia, a
política. Não se limita, portanto, induzir ou reprimir comportamentos, nem visa apenas a
objetivos econômicos, mas também culturais, artísticos e desportivos, dentre outros.
A extrafiscalidade é o princípio ontológico da tributação e epistemológico
do Direito Tributário, que justifica juridicamente a atividade tributante do Estado e a impele,
com vistas na realização dos fins estatais e dos valores constitucionais, conforme as políticas
públicas constitucionalmente estabelecidas, delimitada (a atividade estatal) pelos princípios
que revelam as garantias fundamentais do contribuinte.
Entende-se melhor adotar um conceito amplo de extrafiscalidade, pois,
seguindo o conceito restrito, o fenômeno abrangeria somente a incidência tributária,
notadamente de impostos, tendente a desestimular condutas e os benefícios fiscais que
adotam a forma de exoneração tributária, capazes de estimular condutas, limitadas à
realização de certos valores constitucionais, deixando de lado diversos institutos de Direito
Tributário que não encontram melhor explicação sob o prisma da fiscalidade.
Ao contrário, o conceito amplo permite ver a extrafiscalidade na
destinação específica do produto arrecadado pelos tributos classificados como
"contribuições", em benefícios fiscais como o SIMPLES (Sistema Integrado de Pagamento
de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte), no
Refis, Programa de Recuperação Fiscal e em outras formas de parcelamento e nas leis de
incentivo a cultura, entre outros institutos que não buscam estimular ou desestimular
condutas, mas realizar diretamente qualquer valor constitucional.
Mesmo após o marco de sistematização do setor, ainda que as taxas não
mais se prestassem com tanta intensidade para tal função, o novo Estado descobre a
ferramenta do empréstimo compulsório de natureza econômica prevista no art. 15, III do
CTN como uma clara forma de prosseguir naquela tarefa e esticar os tributos para o
cumprimento de funções extra fiscais.
Claro que a não recepção daquela espécie de empréstimo tributário-
econômico, que ficou tão conhecida nas décadas de 70 e 80, guiou o foco desta percepção
para os novos e modernizados mecanismos consagrados pela Constituição de 1988.
Consulta superficial ao texto de 1988 sugeriria ao intérprete que o
grande instrumento substituto trazido pelo legislador constituinte originário estava na óbvia
contribuição de intervenção no domínio econômico prevista no art. 149 CRFB, a saber:
Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições
sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das
categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua
atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146,
III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º,
relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
Mas importante é registrar que tal figura não representava uma inovação
naquele momento, eis que toda a estrutura do fomento da pesquisa do açúcar e do álcool e o
instituto oficial criado (IAA), por exemplo, foi custeada através desta forma.
Não obstante o reconhecimento constitucional da contribuição
interventiva certamente ganhou o destaque dos pontos de aproximação entre a ordem
econômica e a tributação.
Ainda mais que, sem prejuízo da previsão genérica do art. 149 CRFB,
houve por bem o legislador derivado da Emenda n° 33 prever a possibilidade expressa e as
características básicas da famosa CIDE sobre os combustíveis no art. 177§4° CRFB. Então
vejamos:
Art. 177. Constituem monopólio da União:
§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio
econômico relativa às atividades de importação ou comercialização
de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool
combustível deverá atender aos seguintes requisitos: (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
Ademais, a tributação e a sua interseção com a ordem econômica não se
restringe a tais contribuições, sendo a atual Constituição recheada de instrumentos
tributários para eventual atuação de fomento.
Exemplos desta possibilidade residem nos chamados impostos
regulatórios consagrados na possibilidade de fixação das alíquotas do Importação,
Exportação, IPI e IOF por ato do Poder Executivo (art. 153§1° CRFB), suavizando a regra
da Legalidade Estrita e que também não precisam respeitar os rigores do Princípio da
Anterioridade (art. 150§1°, 1ª parte, CRFB). Valendo a pena a leitura:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
§ 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os
limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos
enumerados nos incisos I, II, IV e V.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios:
III - cobrar tributos:
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei
que os instituiu ou aumentou
§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos
nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso
III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II,
III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos
previstos nos arts. 155, III, e 156, I. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Neste sentido, incontáveis seriam os exemplos de utilização dessas
ferramentas, passando pelo caso dos carros importados ao incremento do seguro de vida,
todos estimulados ou desestimulados através de uma simples modificação de alíquotas.
Na afirmação do Professor Celso Ribeiro Bastos, (2004, pg.258):
“nos momentos de grande demanda, e nos momentos de crise, atua incentivando, instigando o mercado. È por isso que se tem, no nosso sistema, bem como na maior parte do mundo, o Estado como agente normativo e regulador da ordem econômica.”
Com certeza, não existe melhor instrumento para tal que aqueles
tributos regulatórios e a facilidade de rápida inserção modificativa.
E mesmo que não estejamos tratando dos impostos regulatórios,
qualquer decisão de tributar ou desonerar um determinado setor trará inquestionáveis
conseqüências no controle ou fomento do setor.
Neste campo, exemplos surgem desde a indústria automobilística com o
IPI dos carros populares até o imposto de renda das pessoas físicas e o consumo de
previdência privada.
A pretensão atual do governo em utilizar as deduções do IR para
estimular a formalização dos trabalhadores domésticos traz nova ilustração da
extrafiscalidade nos tempos desta Constituição.
Não bastassem todos estes exemplos, deve ainda ser observado que
várias outras hipóteses tributárias passam a admitir tal autorização constitucional para que
os tributos sirvam para tais fins.
Notadamente através da mitigação, neste momento subtraindo as devidas
críticas, dos Princípios da Legalidade Estrita e da Anterioridade, tal qual ocorre na CPMF
(art. 74§1° ADCT), a própria CIDE combustível (Art. 177§4°, I CRFB) e o ICMS também
sobre os combustíveis (art. 155§4°, IV “c” CRFB), ainda que sem maiores utilizações
práticas. Isto para não esmiuçar aqui as funções havidas no IPTU e no ITR em razão da
função social, art. 156§1° e art. 153§4° da CRFB que também representam formas claras de
intervenção no domínio econômico. Citaremos alguns, a titulo de analise:
Art. 74. A União poderá instituir contribuição provisória sobre
movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de
natureza financeira. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 12,
de 1996)
§ 1º A alíquota da contribuição de que trata este artigo não
excederá a vinte e cinco centésimos por cento, facultado ao Poder
Executivo reduzi-la ou restabelecê-la, total ou parcialmente, nas
condições e limites fixados em lei. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 12, de 1996)
Art. 177. Constituem monopólio da União:
§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio
econômico relativa às atividades de importação ou comercialização
de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool
combustível deverá atender aos seguintes requisitos: (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
I - a alíquota da contribuição poderá ser: (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 33, de 2001)
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir
impostos sobre:
§ 4º Na hipótese do inciso XII, h, observar-se-á o seguinte:
IV - as alíquotas do imposto serão definidas mediante deliberação
dos Estados e Distrito Federal, nos termos do § 2º, XII, g,
observando-se o seguinte: (Incluído pela Emenda Constitucional nº
33, de 2001)
c) poderão ser reduzidas e restabelecidas, não se lhes aplicando o
disposto no art. 150, III, b.(Incluído pela Emenda Constitucional nº
33, de 2001)
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art.
182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:(Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
Perante tais exemplos parece óbvio que não se pode dissociar a
tributação moderna das demais funções do Estado, sobremaneira quanto à intervenção no
domínio econômico, sendo evidente que um estudo sistematizado da Constituição
Econômica e Tributária exige o compatibilizar todos os institutos e ferramentas previstas.
Ressalte-se que a utilização da tributação intervencionista, quando não
impulsionada pela exagerada fome arrecadatória do Estado, que a transforma em elemento
nocivo e desestimulador da economia privada; poderia apresentar-se como alavanca
impulsionadora da iniciativa e desenvolvimento da economia privada, gerando renda,
empregos e riqueza nacional.
4.2 - Das Limitações ao Poder de Tributar
4.2.1 – Do Principio da Legalidade no âmbito tributário
O Principio da Legalidade apresenta-se como um direito fundamental do
individuo, enquanto célula constituinte de um Estado; o qual encontra limitação em tal
principio, de modo a coibir a sedução de arbitrariedade a que o exercício do poder estatal
propicia.
Esse principio encontra-se positivado em nossa Constituição Federal no
inciso II do artigo 5º: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em
virtude de lei.”.
Assim, tal evocação acaba por permear todo nosso arcabouço jurídico,
limitando a atuação do Estado a um procedimento formal de consulta e anuência dos
representantes escolhidos pela sociedade.
Igual entendimento apresenta-se expressamente na seara tributária no art.
150, I da Constituição Federal, asseverando o principio da legalidade estrita à temática
tributaria, justamente na seção das limitações do poder tributante, senão vejamos:
Seção II
DAS LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (grifo nosso)
Não obstante o direito positivo constitucional assegura também outros
inúmeros limites formais à atividade impositiva; a própria definição constitucional de
competência tributária é construída segundo parâmetros formais. Limite formal por
excelência é a legalidade, entendida como exigência inafastável de que o dever tributário
decorra de expressa previsão em texto votado, aprovado e promulgado pelos representantes
legais do povo e segundo os procedimentos previamente previstos pelo próprio direito
positivo.
É interessante observar que a legalidade, embora constitua uma limitação
ao poder tributário, pode se transformar em instrumento de opressão quando for utilizada
pelos detentores do poder como ameaça à liberdade individual. Ricardo Lobo Torres (2001,
pg.56) afirma que:
“o relacionamento entre liberdade e tributo é dramático, por se afirmar sob o signo da bipolaridade: o tributo é garantia da liberdade e, ao mesmo tempo, possui a extraordinária aptidão para destruí-la; a liberdade se autolimita para se assumir como fiscalidade e se revolta, rompendo os laços da legalidade, quando oprimida pelo tributo ilegítimo. Quem não percebe a bipolaridade da liberdade acaba por recusar legitimidade ao próprio tributo.”
A abrangência do principio da legalidade alcança, como já citado, todo o
ordenamento jurídico pátrio, e na seara tributacional não poderia ser diferente, tanto que o
Código Tributário Nacional, o qual é anterior a atual Constituição Federal, encontrou
recepção nesta com status de lei complementar, aliás como exigido pela própria CF para a
regulamentação de normas gerais no campo dos tributos.
O princípio vem expresso no art. 97, caput e inc. I, do CTN, que
determina a instituição ou extinção de tributos tão-somente pela lei.
Nesse sentido, ensina o professor Hugo de Brito Machado (2006, p.57)
que “Pelo princípio da legalidade tem-se a garantia de que nenhum tributo será instituído,
nem aumentado, a não ser através de lei (CF/88, art. 150, inc. I). A Constituição é
explicita”. Essa é a regra, exceto nas hipóteses ressalvadas pela própria Constituição.
E finaliza, em tom de alerta:
“No Brasil, como, em geral, nos países que consagram a divisão dos Poderes do Estado, o principio da legalidade constitui o mais importante limite aos governantes na atividade de tributação. Por isto mesmo, teóricos a serviço do Poder já cuidam de construir teses com o objetivo de amesquinhá-lo. Entre estas a que coloca a solidariedade como algo moderno e que no denominado Estado Social deveria se sobrepor à legalidade, colocada como algo inseparável do individualismo. O Poder busca, sempre, formas para contornar os limites que o Direito vai muito custo construindo.” (MACHADO, 2006, p. 59)
Conquanto o teor do texto constitucional determine que as regras
tributárias atinentes à instituição ou extinção de tributos devam ser por lei, atualmente,
admite-se que medidas provisórias sejam utilizadas para tal fim. Entretanto, o texto da
Emenda Constitucional 32, art. 62, parágrafo 2º, estabeleceu que se pode fazer uso de tal
medida, na instituição ou majoração de tributos, sobre o tema tratamos em tópico
especifico.
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da
República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei,
devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de
impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II,
só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido
convertida em lei até o último dia daquele em que foi
editada.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
Assim sendo, com a aludida alteração constitucional ocorre uma
mitigação do principio da legalidade no campo tributacional possibilitando ao ente público
competente legislar quase livremente na satisfação de sua necessidade arrecadatória.
Nesse ínterim, se é obrigado, com veemência, a discordar, não apenas da
violação do principio da legalidade, que acreditamos fira inclusive a legitimidade da
cobrança, a qual deveria estar abarcada pela concordância popular, efetivada na anuência de
seus representantes; mas também pela própria forma como se deu tal mitigação
principiológica, uma vez que se entende que a legalidade apresenta-se como direito
fundamental do cidadão, e referencia para a fundamentação e existência do Estado
Democrático.
Deve-se ressaltar que a existência do Estado moderno se ampara na
satisfação daquelas necessidades do cidadão que só podem realizar-se com a atuação
estatal; a busca do bem comum e a arrecadação é um meio para se atingir aquela finalidade;
recordando que os direitos fundamentais se apresentam, sobretudo em nossa atual
Constituição, como limitação ou freio aos ditames do Estado.
Tal finalidade é inerente a sua gênese medieval de uma Lei Maior,
quando os nobres impuseram a Carta Magna, com o fito de cercear os desmandos do rei.
Assim, já em 1215 surgia na Inglaterra a Magna Carta, a qual
representou um grande avanço, fixando alguns princípios que mais tarde tomariam caráter
universal.
Em que pese sua relevância histórica, este Texto não pode ser
considerado uma declaração de direitos em sentido moderno, já que se trata mais
precisamente de uma carta feudal, elaborada para proteger os barões e os homens livres,
restringindo o poder absoluto do monarca (SILVA, 2000, p.156).
A Constituição apresenta-se como a Lei Maior, a Lei das Leis, à qual
todos devem obediência, principalmente o Estado, tal como em seu nascedouro; então
como explicar e, sobretudo aceitar a violação do principio da legalidade, uma das razões e
sustentáculos da democracia, juntamente com o sufrágio. A Legalidade enuncia a
necessidade de respeito ao desejo da sociedade; existindo como imposição ao Estado e não
por liberalidade deste.
Tal como ocorre no campo penal, onde tão somente por meio de lei é
possível a atuação estatal; paralelamente, também na seara tributacional, na qual se invade
compulsoriamente o patrimônio do cidadão, subtraindo-lhe valores que impositivamente
corroboram seu apoio e auxilio à Administração Pública, deve haver parâmetros muito bem
delineados a assegurar os limites para a invasão consentida do patrimônio particular.
A positivação constitucional dos direitos fundamentais, em especial o da
legalidade, em tela, é indubitavelmente um grande avanço e uma conquista erigida por
séculos de luta e desenvolvimento; mas infelizmente o direito positivo padece do efeito
colateral da mutabilidade, concretizada em alterações no texto legal ao sabor das
necessidades e caprichos, geralmente momentâneos, da autoridade governante.
Na busca de impedir tais conveniências nossa Lei Maior consagrou a
existência de clausulas pétreas, reservatórios legais inacessíveis á mutabilidade jurídica por
parte do Estado, sobre o tema nos debruçamos em momento mais adequado e especifico.
Resta, então, defender a elevação máxima do principio da legalidade,
como ocorre na área penal, estendendo-a ao campo da tributação, sobretudo no atual grau
de desenvolvimento da sociedade, onde a condição econômica do individuo esta intima e
inexoravelmente ligada á manutenção de sua existência e de sua dignidade humana.
4.2.2 – Limites do Poder Derivado Reformador
Considerando que a sociedade brasileira optou por pautar-se pelos
princípios do Estado Democrático de Direito, alinhando-se entre os países que adotam um
sistema jurídico positivado, ou seja, que possuem seu ordenamento estruturado em textos,
documentos normativos, dos quais são extraídas as normas que regulam o comportamento
dos indivíduos em suas relações intersubjetivas.
Assim, estando nosso sistema jurídico alicerçado no chamado direito
positivo outra não pode ser a conclusão que não a de que o convívio social será regrado,
primordialmente, por normas jurídicas, postas no sistema através dos mais diversos
veículos, como, por exemplo, os decretos, os regulamentos, as leis, as medidas provisórias
e a própria Constituição Federal.
A Constituição Federal, por seu turno, encontra-se no ápice da pirâmide
normativa – e aqui já esposamos nosso posicionamento no sentido de acolher a teoria da
pirâmide hierárquico-normativa de Kelsen para bem compreender a forma pela qual é
composto e estruturado o arcabouço jurídico pátrio, fornecendo o necessário fundamento de
validade para todas as outras normas existentes no sistema.
Nas palavras do Professor Alexandre de Moraes (2003, p.36), a
Constituição é:
“a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos.”
No entanto, se todas as normas componentes do direito positivo pátrio
obtém seu fundamento de validade da Constituição Federal, seria pertinente questionarmos
quanto o fundamento da própria Constituição, e, mais do que isso, quanto aos limites
eventualmente impostos ao exercício do poder que a constitui, se é que tais limites existem.
A principal premissa a ser adotada para alcançarmos uma resposta
minimamente aceitável, é a de que qualquer grupo de pessoas que se proponha a viver junto
em determinado espaço territorial terá como principal tarefa organizar a forma pela qual se
dará tal convívio, ou seja, deverão estabelecer, ainda que minimamente, regras a serem
seguidas por todos para uma convivência harmoniosa, independentemente de tais regras
estarem ou não positivadas.
Outra não é a lição dada pelo Professor Antônio José Miguel Freu Rosa
(1998, pg.02):
“A necessidade de limites obrigatórios à liberdade humana, e daí a necessidade de direito, resulta da própria natureza humana. O egoísmo (o instinto de conservação) impele o homem a cometer excessos na busca para satisfazer suas necessidades. Mas sua característica como ente coletivo (forma de conservação) torna impossíveis excessos individuais.”
Se os homens se juntassem, conservando, porém, sua independência
individual, reciprocamente, haveria uma ‘pluralidade de seres isolados’, apenas. Não é isso,
entretanto, o que acontece. Sua reunião passa a formar uma ‘sociedade’, compondo uma
personalidade distinta.
Cabe ao direito, portanto, a tarefa de estabelecer e disciplinar,
cuidadosamente, com justiça, as relações dos homens entre si, especialmente em suas
ações, suas relações com os detentores do Poder Público, bem como as relações dos
detentores do Poder Público entre si.
Com propriedade, José Cretella Júnior (1998, pg.86) expõe a evolução
pela qual necessariamente passam os indivíduos que pretendam conviver em sociedade:
“Inicialmente, nos agrupamentos humanos primitivos – clãs ou tribos – reinava o caos, sobressaindo a violência, a força bruta, lutando os homens entre si para
obtenção de alimentos, de bens, de escolha de melhor lugar para caça, pesca ou abrigo. Era o estado de guerra.”
Lentamente, perceberam os homens a precariedade de tal situação,
prejudicial a todos e a cada um do grupo. Foi então que o mais forte, o mais apto, ou o mais
astuto, passou a dominar os demais, impondo a ordem. Desaparece a luta no grupo. Usos e
costumes são observados, possibilitando-se melhor modo de vida do grupo.
A estabilidade alcançada permite a sobrevivência da espécie humana,
unindo-se todos, sob o comando do chefe, para enfrentar grupos inimigos.
A situação é garantida por inúmeras regras, seguidas por todos. O
infrator da norma é reprimido pelo Poder, concentrado na pessoa do chefe.
Indubitavelmente, nesse momento, a sociedade exige organização,
convivência pacífica, de homem para homem, fixada em regras consuetudinárias que ditam
o modo de agir dos componentes do grupo.
O direito é costumeiro. Usos e costumes, não escritos, regulam a vida
comunitária. Sem essa disciplinação normativa, a solução dos conflitos de interesses diários
só poderia continuar a ser resolvida pela violência, pela ‘lei do mais forte’.
Pura utopia é a existência de sociedade sem leis, costumeiras, ou
escritas, pois ‘onde há sociedade há direito’ (ubi societas, ibi ius), e, reciprocamente ‘onde
há direito há sociedade’ (ubi ius, ibi societas), pois o ordenamento jurídico é ponto
essencial da vida dos agrupamentos humanos. O estabelecimento da ordem põe fim ao
caos, levando ao progresso da sociedade.
Seguindo o raciocínio dos eminentes juristas citados, se pode
seguramente afirmar que a Constituição é fruto de um ato de poder, emanado, via de regra,
do próprio povo que a pretende instituir como forma de estabelecer o regramento mínimo
destinado a estruturar a sociedade em que pretendem conviver.
Mas não podemos nos esquecer, entretanto, que há hipóteses em que a
Lei Maior de determinadas nações é imposta sem qualquer participação popular, situação
em que recebem a denominação de constituições "outorgadas". Em nosso país temos como
exemplo as constituições de 1824, 1937, 1967 e a EC n° 1/1969.
Mas, conforme já exposto, vivemos atualmente sob a égide de um
"Estado Democrático de Direito", ou seja, foi mediante o exercício do poder emanado do
povo, denominado "Poder Constituinte", que se estabeleceu a Lei Fundamental atualmente
em vigor.
È necessário destacar, entretanto, que muito embora a titularidade do
Poder Constituinte caiba ao povo, seu exercício, geralmente, é delegado a determinado
número de representantes, aos quais é incumbida a missão de exteriorizar a vontade
popular, convertendo-a, no caso dos países de constituição escrita, em um documento, ou
Carta Constitucional.
Nesse diapasão, tem-se que o Poder Constituinte Originário, enquanto
manifestação do Poder emanado do povo que inaugura uma nova ordem jurídica, não
possui qualquer restrição, atribuindo-se-lhe a característica de ser inicial, ilimitado e
incondicionado.
Sobre o assunto, é pertinente trazer a lume, uma vez mais, os
ensinamentos do Professor Antônio José Miguel Freu Rosa (1998, pg.178):
“O poder constituinte originário é a última instância de decisão na ordem jurídica estatal. Não se subordina a limitações de lei alguma, estando sujeito apenas às pressões populares, das classes sociais e aos valores morais e espirituais da opinião pública. Nem sequer se acha vinculado ao princípio da harmonia entre os Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.”
Michel Temer (1995, pg.34), ao tratar do tema, estabelece uma série de
variantes intrinsecamente ligadas á amplitude de atuação do Poder Constituinte Originário:
“Como todo movimento inaugural, não há limitações à sua atividade. Materialmente, o constituinte estabelecerá a preceituação que entender mais adequada: criará Estado Unitário ou Federal; estabelecerá forma republicana ou monárquica de governo; fixará sistemas de governo, parlamentar, presidencial ou diretorial; dirá como se atribui o exercício do poder; descreverá e assegurará, ou não, direitos reputados individuais. Enfim, criará o Estado mediante atuação ilimitada do Poder. Quanto à forma de produção constituinte, os exercentes do poder, seja pela via revolucionária (quando a forma de atuação jamais vem a público), seja pela via de Assembléia, é que estabelecerão tal procedimento.”
É forçoso reconhecer que o Poder Constituinte Originário possui ampla e
ilimitada autonomia para dispor sobre todo e qualquer assunto que diga respeito á
Constituição que pretende implementar podendo, inclusive, determinar se esta será
imutável, ou se admitirá alterações de seu texto, com maior ou menor grau de dificuldade
para tais modificações.
Realmente, pode-se seguramente afirmar que a Constituição Federal de
1988 prevê, no artigo 60, a possibilidade de alteração de seu texto, por meio das Emendas
Constitucionais, estabelecendo um procedimento legislativo solene e dificultoso para sua
edição, apresentando, ainda, um rol de matérias que não poderão sequer ser objeto de
deliberação ou de projetos tendentes a aboli-las.
Mister ressaltar a importância do tema, tendo a Constituição estabelecido
uma subseção especificada para seu regramento, a saber:
Da Emenda à Constituição
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos
Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades
da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria
relativa de seus membros.
§ 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de
intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se
obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo
número de ordem.
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Nosso ordenamento jurídico, portanto, admite a alteração do texto
constitucional, mediante o exercício do que se convencionou denominar de "Poder
Constituinte Derivado", e que se exterioriza pela autuação do Poder Legislativo (Congresso
Nacional), segundo procedimento específico previsto na própria Constituição, no sentido de
modificar o texto constitucional, adequando-o aos anseios e à dinâmica social.
Importante destacar, entretanto, que tal poder não se confunde com
aquele exercido quando da instituição da nova ordem jurídica, estando adstrito aos
parâmetros estabelecidos pela própria Carta Constitucional, apresentando-se condicionado
e limitado por ela.
O Supremo Tribunal Federal em oportunidade de manifestar-se sobre o
assunto, esclarece e distingue a questão da limitação imposta ao Poder Constituinte
Derivado, contrapondo-a que a natureza irrestrita do Poder Constituinte Originário:
"EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafos 1. e 2. do artigo
45 da Constituição Federal. - A tese de que há hierarquia entre normas
constitucionais originarias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de
umas em face de outras e incompossível com o sistema de Constituição rígida. -
Na atual Carta Magna "compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a
guarda da Constituição" (artigo 102, "caput"), o que implica dizer que essa
jurisdição lhe e atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como
um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder
Constituinte originário, a fim de verificar se este teria, ou não, violado os
princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da
mesma Constituição. - Por outro lado, as clausulas pétreas não podem ser
invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas
constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores,
porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte
derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo Poder
Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs
ao próprio Poder Constituinte originário com relação às outras que não sejam
consideradas como clausulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas. Ação
não conhecida por impossibilidade jurídica do pedido." (ADI 815 / DF – Distrito
Federal – STF – Rel. Min. Moreira Alves - DJ 10-05-96 PP-15131).
Assim, percebe-se claramente que uma das limitações ao Poder
Constituinte Derivado consubstancia-se na estrita observância àquelas matérias, pontos ou
princípios pertencentes ao chamado "núcleo intangível da Constituição", positivadas no
artigo 60, § 4° da Carta Magna, já expresso anteriormente.
Certificada, expressamente, a atuação do legislador no sentido de abolir
quaisquer das hipóteses insertas no parágrafo quarto do artigo 60 da Constituição Federal,
como a forma federativa do Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a
separação dos poderes; ou os direitos e garantias individuais, a conseqüência inafastável
será o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma jurídica que se pretendeu
introduzir no ordenamento, ainda que se trate de Emenda Constitucional.
Nesse sentido, reportamo-nos às lições de Alexandre de Moraes (2001,
pg. 543):
"A emenda à Constituição Federal, enquanto proposta, é considerada um ato infraconstitucional sem qualquer normatividade, só ingressando no ordenamento jurídico após a sua aprovação, passando então a ser preceito constitucional, da mesma hierarquia das normas constitucionais originárias.”
Tal fato é possível, pois a emenda à Constituição é produzida segundo
uma forma e versando sobre conteúdo previamente limitado pelo legislador constituinte
originário.
Dessa maneira, se houver respeito aos preceitos fixados pelo art. 60 da
Constituição Federal, a emenda constitucional ingressará no ordenamento jurídico com
status constitucional, devendo ser compatibilizada com as demais normas originárias.
Se quaisquer das limitações, porém, impostas pelo citado artigo for
desrespeitada, a emenda constitucional será inconstitucional, devendo ser retirada do
ordenamento jurídico através das regras de controle de constitucionalidade, por
inobservância ás limitações jurídicas estabelecidas na Lei Maior.
Assim, será necessária a incidência do controle de constitucionalidade
difuso ou concentrado, sobre emendas constitucionais, a fim de verificar-se sua
constitucionalidade ou não, a partir da análise do respeito aos parâmetros fixados no art. 60
da Constituição Federal para alteração constitucional.
Logo, obrigatoriamente, o Poder Legislativo, no exercício do Poder
Constituinte derivado reformador, submete-se às limitações constitucionais.
Assim, pode-se seguramente afirmar que o Poder Constituinte Originário
pode e deve limitar as alterações ao texto por esse mesmo poder elaborado, o que no
sistema atual é feito pela exigência de um processo especial, específico para a elaboração
das Emendas Constitucionais, havendo limitações para o exercício do Poder Constituinte
Derivado, porque, dentre essas limitações há as de natureza material, ou seja, as restrições
quanto à matéria que poderá ser tratada por tais Emendas.
A conclusão lógica das premissas apresentadas implica reconhecer que
se a Constituição Federal elegeu cláusulas pétreas, ou seja, matérias constitucionais que não
poderão ser alteradas, a única forma de fazê-lo seria mediante a implantação de outra
ordem constitucional, isto é, promovendo-se, novamente, a atuação do Poder Constituinte
Originário.
Assim, por exemplo, a única forma de inserir a prisão perpétua no Brasil
seria mediante o exercício do Poder Constituinte Originário, restando maculada pelo
insanável vício da inconstitucionalidade qualquer tentativa do Poder Constituinte Derivado
Reformador de incluir tal previsão na Constituição Federal de 1988.
É forçoso concluir, também, que uma Emenda Constitucional pode e
deve ser declarada inconstitucional no tocante à matéria se for tendente a abolir qualquer
das matérias elencadas no parágrafo 4º do artigo 60, da Constituição Federal.
Em razão da delimitação temática que se optou por adotar no presente
trabalho, serão restringidos nossos estudos ao inciso IV do dispositivo constitucional
mencionado, que trata dos direitos e garantias individuais, a fim de aferir quanto á
abrangência destes, especificamente no âmbito do sistema tributário constitucional,
coadunando-os com os princípios constitucionais tributários.
Na verdade, importa registrar que modificar as normas constitucionais
não implica em alterar por completo a Constituição, ou na forma enunciada pelos
Professores CANOTILHO e VITAL MOREIRA (1991, pg.293), já citados, “a revisão
serve para alterar a Constituição, mas não para mudar a Constituição”. E, neste sentido,
aqueles princípios só podem ser entendidos como cláusulas de proteção do contribuinte,
fora da atuação reformadora.
Este também é o entendimento de Otto Bachof (1994, pg.65), quando
afirma aquele autor que “... princípios não podem ser modificados à vontade, seguindo o
caminho do processo de revisão regulado pela lei constitucional: ...” “Uma lei de alteração
da Constituição, ... poderia, por conseguinte, ser inconstitucional
Nesse diapasão, vale lembrar o, já citado anteriormente, entendimento do
Supremo Tribunal Federal, na ADIn 939-7, que reconhece, expressamente, o Princípio da
Anterioridade e as Imunidades como cláusulas pétreas do Direito Brasileiro, privilegiando a
segurança de tais institutos ante a qualquer necessidade de modernização eventualmente
ponderada pelo legislador reformador.
4.2.3 - MEDIDAS PROVISÓRIAS E TRIBUTAÇÃO
Entre as espécies normativas presentes no ordenamento jurídico
brasileiro, elencadas na Constituição Federal de 1988, tem-se a Medida Provisória, presente
no artigo 59, inc.V da Carta Magna, tal espécie normativa é similar ao criticado Decreto-lei
dos tempos do regime de exceção. Veja-se sua apresentação expressa na Constituição
Federal de 1988:
Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I - emendas à Constituição;
II - leis complementares;
III - leis ordinárias;
IV - leis delegadas;
V - medidas provisórias;
VI - decretos legislativos;
A medida provisória, para que seja utilizada, deve obedecer a dois
requisitos expressos: existência de relevância e urgência, a fim de respaldar sua utilização.
Requisitos plenamente justificáveis uma vez que se trata de mitigação
flagrante ao principio da legalidade, supedâneo do Estado Democrático de Direito.
Admitidos os requisitos, a medida provisória, espécie normativa com
força de lei, editada pela poder executivo, exercendo constitucionalmente a função inerente
do poder legislativo, devera ser submetida imediatamente ao crivo do Congresso Nacional,
conforme preceitua o art. 62, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001,
a saber:
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da
República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei,
devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) (grifo
nosso)
§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de
impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II,
só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido
convertida em lei até o último dia daquele em que foi
editada.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
O § 3º deste artigo (incluído pela EC nº 32/01), ainda diz que as medidas
provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de
60 dias, prorrogável uma vez por igual período e contado de sua publicação (§§ 4º e 7º do
art. 62); mais uma limitação, elogiável diga-se, á “legislatura” executiva.
“Art. 62 (...)
§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12
perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei
no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez
por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por
decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
É interessante ressaltar que o antigo Decreto-Lei, presente
expressamente na Constituição de 1967 em seu art. 49, inc. V, que fora sempre
extremamente criticado como efetividade de um regime autoritário e ditatorial pelos
constituintes de 1988, teve seu lugar ocupado na Constituição Cidadã, pela medida
provisória, aliás, justamente na busca de corrigir abusos e distorções existentes durante o
regime de exceção.
Contraditoriamente ao que se procurava corrigir, a medida provisória
viu-se expandida de seus limites constitucionais, infelizmente acobertado pelo tão esperado
Estado de Direito, o qual ignorou, sistematicamente, seus pressupostos constitucionais de
validade, por meio de edições e reedições infindáveis, muitas vezes para manter os já
elevados índices arrecadatórios do executivo, o qual tendo experimentado maior
elasticidade de recursos, não aceita se ver tolhido destes.
Sobre os requisitos constitucionais à edição de medida provisória, quais
sejam, relevância e urgência, de bom alvitre analisar sua conceituação.
É relevante aquilo/algo que tem importância ou fundamento; que tem
grande valor; que é indispensável (DINIZ, 1998, pg.125). É urgente aquilo/algo que não
pode ser adiado, por não admitir delonga; que tem de ser feito rapidamente; que é
premente. E ainda, urgente é o que deve ser realizado com extrema rapidez, sob pena não
surtir o efeito desejado. Interesse público relevante é o que se superpõe, se sobreleva.
Mais uma vez, no que tange aos pressupostos, há uma desconsideração
preordenada e escancarada; como se a relevância e urgência não estivessem expressos no
texto constitucional.
Tal quadro de arbitrariedade não poderia passar ileso pelo crivo de
doutrinadores e juristas, citando inúmeras criticas como a de Márcia Maria Corrêa de
Azevedo, citada em nota de rodapé por Pedro Lenza (2004, pg.249):
“as medidas provisórias representam o câncer que consome, lenta e gradualmente, a saúde de nossa democracia. Como o vírus maligno, de fora, estranho, que veio instalar-se num organismo já meio fraco, debilitado, encontrando então ambiente apropriado para desenvolver-se, modificar o núcleo de células sadias, alterando a estrutura do DNA, reproduzindo-se de modo descontrolado e violento, ocupando todo o espaço da vida sadia, da normalidade. Tem até nome de vírus – provvedimenti provvisori (com (sic) forza di lege)’ (in Prática do processo legislativo, p. 178).”
Para se ter uma idéia do número excessivo de medidas provisórias
editadas pelo poder executivo de 1988 para cá, frise-se, já acobertados pelo Estado
Democrático de Direito; veja-se o seguinte quadro comparativo e respectivos gráficos
(baseado nas informações coletadas em 04/11/2007 junto ao site da Presidência da
República – (www.presidencia.gov.br):
SARNEY
1988 (mar./dez.)1989 (jan./dez.)1990 (jan./mar.)
Total: 125
COLLOR
1990 (mar./dez.)1991 (jan./dez.)1992 (jan./out.)
Total: 89
ITAMAR
1992 (out./dez.)1993 (jan./dez.)1994 (jan./dez.)
Total: 142
FHC1º governo
1995 (jan./dez.)1996 (jan./dez.)1997 (jan./dez.)1998 (jan./dez.)
Total: 160
FHC 2º governo
1999 (jan./dez.)2000 (jan./dez.)2001 (jan./set.)2001/2002 (15 meses)
total: 103 + 102 = 205
LULA
2003/2007 (59 meses)
total: 397
Conforme se verifica, as medidas provisórias têm sido utilizadas
incondicionalmente e, sobretudo, de forma desmedida, estando o executivo a “legislar” por
meio desta espécie normativa.
Não faltam criticas a tal mecanismo de governo, mas nos atemos neste
estudo a algumas mais especificamente.
Devemos sempre lembrar que o Estado existe a fim de proporcionar o
bem comum, tal entidade fora criada por uma sociedade que se desenvolvia, sendo uma
exigência desse mesmo desenvolvimento, tendo, assim, sua gênese no próprio ser humano.
Logo, o Estado existe para servir aos indivíduos, então, a fim de evitar a
deturpação deste entendimento criaram-se regras no intuito de conter o seu poder, a regra
principal e mais utilizada foi o estabelecimento de uma norma maior, como nossa
Constituição, em seu nascedouro especificamente para, além de outros objetivos, impor
limites e barreiras a essa entidade que se tornava tirânica, utilizando como meio de
cerceamento a concessão de direitos fundamentais aos indivíduos componentes dessa
sociedade.
O principio/regime democrático é mais uma exultação deste
entendimento humanista; bem como o principio da legalidade, umbilicalmente ligado á
limitação do poder do Estado. A medida provisória vem rechaçar toda esta linha de
entendimento.
No entanto, buscando não radicalizar a presente análise, entendemos a
necessidade de meios de a Administração Pública poder atuar de forma ágil quando diante
de uma situação de relevância e urgência, mas, sobretudo, sempre considerando tais
pressupostos em sua plenitude, sob pena de se retornar a uma era medieval de onipotência
da autoridade governante.
Assim, entendemos até aceitável a mitigação do principio da legalidade,
em casos especialíssimos, ainda que submetidos a críticas e regras; mas não podemos
aceitar a sublimação completa e soturna a que tal princípio, reserva da soberania popular,
vem sendo exposto.
Mais uma vez se reporta ao entendimento de que o principio da
legalidade constitui um Direito Fundamental, estando assim acobertado como limitação ao
Poder Constituinte Derivado, tópico de que nos ocuparemos ulteriormente.
Tal exultação do principio Legalista encontra aplicação, quase absoluta,
por exemplo na área penal, possivelmente pela falta de interesse política de atuação estatal
nessa seara.
Contraditoriamente, no âmbito tributário, em momento de análise da
necessidade pelo Estado e da possibilidade (capacidade contributiva) do cidadão, a
discricionariedade estatal torna-se quase absoluta por meio da medida provisória,
transformando a exigência tributaria, função legitima do Estado e essencial para execução
de sua atuação, em mera subtração do patrimônio particular, diante da desconsideração da
análise pelos representantes da sociedade, exigência secular na seara tributaria, sendo uma
das motivações da criação de Leis Superiores.
4.3 Do Poder de tributar e dos Direitos Fundamentais
Como citado anteriormente, o sistema tributário constitucional regulou
taxativamente quais os tributos exigíveis do contribuinte, bem como os detalhes na sua
formalização no que concerne a competência tributária, fato gerador, base de calculo,
alíquota, sujeito passivo, imunidades, etc.
Assim, a Constituição Federal nos brindou com um arcabouço fechado
estabelecendo normas para o exercício do poder tributante ao sujeito ativo, isto é, do
Estado, limitando assim sua atuação.
Tais limitações estão consubstanciadas nas regras constitucionais
atinentes a tributação, mais especificamente nos Princípios Tributários Constitucionais, os
quais, de todo o exposto, entende-se constituírem Direitos Fundamentais do Contribuinte,
entendimento apoiado por Hugo de Brito Machado (2006, p.91) que assevera:
“Tendo-se em vista que o sistema tributário é organizado com base em conceitos jurídicos praticamente universais e constitui notável limitação ao poder de tributar, é razoável entender-se que sua preservação é um direto fundamental do cidadão.”
Importante ressaltar, em defesa da tese da fundamentalidade dos limites
impostos ao ente tributante, a posição geográfica constitucional de tais limitações, para as
quais o constituinte de 1988 reservou capitulo especifico caracterizando sua importância e
elevado valor dentro do sistema constitucional, aliás, redundando em sistema próprio, de
tema e matéria especificados; conforme preceitua Hugo de Brito Machado (2006, p.91):
“O poder constituinte originário definiu os princípios básicos do sistema tributário, um dos quais consiste em que os tributos são somente os que nele estão previstos. E estabeleceu, ainda, os princípios aos quais se subordinam os tributos regularmente instituídos nos termos e limites do sistema.”
Neste diapasão, em sendo tais limitações tributarias direitos
fundamentais do contribuinte, igualmente aos direitos presentes no artigo 5º da
Constituição Federal, propositalmente alocados no Titulo “Dos Direitos e Garantias
Fundamentais”, quais sejam a igualdade de todos perante a lei, a inviolabilidade da
propriedade privada, a liberdade de opinião, pensamento e consciência, liberdade de ir e
vir, de associação e reunião, entre outras.
Estariam assim, os direitos dos contribuintes respaldados por garantias
que lhes assegurassem a eficácia e respeito, como por exemplo o mandado de segurança e
os meios de controle de constitucionalidade. Nesta seara, cabe salientar o pensamento de
Roque Antonio Carrazza (2006, p.388):
“Não deixa de causar estranheza que os direitos do homem respeitados só enquanto alvo de tutela pelo ordenamento jurídico. Mas, efetivamente, tais direitos, embora inatos, só se transformam em direitos subjetivos quando o ordenamento jurídico os garante, dando aos indivíduos os meios necessários para constrangerem as demais pessoas, inclusive o Estado, a honrá-los.”
Aliás, o mesmo autor defende com relação ás garantias, que seria
desnecessária sua existência formal, as quais geralmente vêm alocadas próximas à
declaração de direitos, asseverando que por constituírem direitos subjetivos, por si só, já
alcançariam guarida junto ao poder judiciário:
“Apesar de não haver, no Brasil, dispositivo expresso neste sentido, entendemos que a Constituição, justamente porque formada por normas jurídicas, permite que os direitos por ela conferidos sejam judicialmente pleiteados, mesmo à falta de lei que os torne mais efetivos.” (Carrazza, 2006, p. 389)
Por sorte, o ordenamento pátrio além de declarar expressamente os
diretos fundamentais, ainda os dota de efetividade por meio de garantias previamente
estabelecidas, e anteriormente citadas; mas mesmo diante de sua ausência o individuo não
estaria desguarnecido de tutela, “neste sentido, militam, também, em favor dos direitos
fundamentais dos contribuintes a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o
mandado de injunção.”(CARRAZA, 2006, p. 389)
Não obstante defendermos, até o momento, o respeito aos direitos do
indivíduo enquanto contribuinte, ressaltamos que os direitos fundamentais,
tradicionalmente reconhecidos como tal, presentes no artigo 5º da Constituição Federal,
também se encontram como alvo de infração por meio do poder de tributar do Estado, uma
vez que a atividade tributaria do ente público pode se apresentar como limitadora do
exercício dos direitos fundamentais, restringindo-os ou mesmo eliminando-os, seja em
busca de efeitos extra-fiscais ou arrecadatórios.
Assim a tributação exacerbada das passagens terrestres ou aéreas poderia
limitar a liberdade de locomoção; os poderes da fiscalização tributaria podem possibilitar a
quebra do sigilo bancário e da correspondência, e a invasão do domicilio; impostos
excessivos sobre sociedades e associações impedem o direito de reunião e associação; sem
citarmos a tributação de alimentos, remédios, vestuário, etc, os quais poderiam, se
desmesurados, colocar em risco a própria existência do individuo; enfim o Estado poderia,
por meio da tributação, restringir, desestimular e até anular o exercício dos direitos
fundamentais, também, do artigo 5º da Constituição.
Assim, entende-se, que a violação a normas que limitam o poder de
tributar pelo Estado estaria ferindo não apenas direitos fundamentais tributários, mas
também, de forma mediata, os direitos fundamentais inseridos diretamente no artigo 5º da
Constituição Federal.
“Os direitos fundamentais, evidentemente, também amparam o contribuinte contra os Poderes do Estado, inclusive o Legislativo. Deveras, todo o Capítulo I do Título II da Constituição Brasileira delimita o exercício das competências tributarias das pessoas políticas, impedindo-as de ingressarem nas áreas reservados aos direitos “a vida, a liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” dos contribuintes. Os direitos consagrados no art. 5º do Diploma Magno são tão ou mais relevantes do que os recebidos pela União, pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal para instituir impostos, taxas e contribuição de melhoria. Daí serem inconstitucionais as normas jurídicas que, a pretexto de exercitarem competências tributarias, impedirem ou tolherem o pleno desfrute dos direitos públicos subjetivos dos contribuintes.” (CARRAZZA, 2006, p. 408)
Assim, entende-se, que as limitações ao poder de tributar constituem-se
em direitos fundamentais tributários do contribuinte, bem como vem coroar o exercício dos
direitos fundamentais do art. 5º, senão vejamos:
a) Art. 150, I – ao princípio da legalidade, de tributação somente com
representação - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
b) Art. 150, II – principio da isonomia – proibindo tratamento desigual
entre contribuintes na mesma espécie;
c) Art. 150, III, “a” e “b” – princípios da legalidade e anterioridade;
d) Art. 150, IV - direito de propriedade, o qual proíbe a uso da
tributação com efeito de confisco. Ressalte-se, aqui, a difícil tarefa de caracterizar o
confisco, de tal modo que a Suprema Corte Argentina chegou a fixá-lo em 33% do valor da
propriedade para os impostos territorial e de doação, enquanto que, no projeto de lei
complementar 173/99, do então Senado Fernando Henrique Cardoso, caracteriza-se o
confisco “sempre que seu valor, na mesma incidência ou em incidências sucessivas, superar
o valor normal de mercado dos bens, direitos ou serviços envolvidos no respectivo fato
gerador ou ultrapassar 50% do valor das rendas geradas na mesma incidência” expondo
Ricardo Lobo Torres que os princípios da razoabilidade e da economicidade, bem
manejados, tem a aptidão de modular o efeito confiscatório.
e) Art. 150, V – a liberdade de ir e vir – direito de locomoção, proibindo
a limitação ao tráfego de pessoas de bens;
f) Art. 150, VI, “b”- à liberdade de pensamento e religião – proibindo
instituir impostos sobre templo de qualquer culto;
g) Art. 150, VI, “c” - á liberdade de pensamento, proibindo impostos
sobre patrimônio, renda ou serviços de partidos políticos, entidades sindicais de
trabalhadores, instituições de educação e assistenciais sem fins lucrativos.
h) Art. 150, VI, “d” – à liberdade de pensamento e de palavra –
proibindo impostos sobre livros, jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão.
Neste diapasão, vem a doutrina e assevera:
“Merecem guarida, neste passo, as lições da doutrina norte-americana, quando apregoa que a ordem jurídica impõe restrições ao exercício da competência tributaria, com o fito de proteger os direitos fundamentais das pessoas, abrigando-se das arbitrariedades do poder (Thomas Cooley).” (Cooley, 1982 apud CARRAZZA, 2006, p. 408)
E, ainda, reiterando a convicção de que os direitos do contribuinte
expressos nos princípios constitucionais tributários, bem como nos artigos a pouco citados,
continua o autor:
“È que a tributação deve desenvolver-se dentro dos limites que a Carta Suprema traçou (fulminando o poder tributário absoluto do Estado). Este objetivo é alcançado, basicamente, respeitando-se os direitos fundamentais do contribuinte e aquela faixa de liberdade das pessoas, onde a tributação não ode se desenvolver.” (CARRAZZA, 2006, p.411)
Finalizando seu entendimento, de forma peremptória: “Inafastável, pois,
a idéia de que os diretos fundamentais, constitucionalmente reconhecidos, refreiam as
competências que as pessoas políticas receberam para tributar.” (CARRAZA, 2006, p.413)
4.4 Devido Processo Legal Substancial e Formal
O Principio do Devido Processo Legal encontra-se expressamente
garantido na Constituição Federal no inciso LIV do artigo 5º: "Ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".
Assim, a atual Constituição vem coroar o ordenamento jurídico pátrio
com um principio já presente em outros sistemas, sobremaneira no common law norte
americano; no entanto cabe registrar que a gênese original do instituto reputa-se de origem
inglesa, uma vez que:
“o primeiro ordenamento que teria mencionado tal princípio foi a Magna Charta, ou “Carta do João Sem Terra”, em 1215, especificamente em seu artigo 39. Tal estatuto teria sido criado como uma espécie de garantia contra os abusos da coroa inglesa. Contudo, o termo atualmente consagrado somente foi utilizado pela lei inglesa em 1354, no Statute of Westminster of the Liberties of London.” (NERY JUNIOR, 2004, p.61)
A utilização do instituto do Due Process of law no sistema norte
americano remonta de longa data, tendo sofrido uma maturação natural em sua
aplicabilidade, aplicando-se não apenas a necessidade de observância dos procedimentos
previamente estipulados pelo ordenamento, mas, sobretudo na busca da equidade de todo o
sistema normativo.
“No direito norte-americano, o due process of law foi expressamente consagrado na Constituição Federal de 1787, embora tal garantia já tenha sido presenciada em algumas Constituições Estaduais daquela nação. Destaque para a chamada “Declaração dos Direitos de Maryland”, em 1976, a qual foi a primeira a fazer uma referência expressa aos bens jurídicos vida, liberdade e propriedade, trinômio este consagrado pela Constituição Federal norte-americana”. (NERY JUNIOR, 2004, p. 62)
A conceituação de qualquer principio se faz tarefa delicada pela
importância que apresenta e abrangência do citado instituto, assim para tanto, sem maiores
riscos no reportamos a Luiz Rodrigues Wambier (2006, p. 68), para o qual devido processo
legal “significa o processo cujo procedimento e cujas conseqüências tenham sido previstas
em lei e que estejam em sintonia com os valores constitucionais. Exige-se um processo
razoável à luz dos direitos e garantias fundamentais”.
Assim, a introdução do devido processo legal em nossa Lei Maior,
consagrando-o como principio constitucional, e, ainda, pela sua localização dentro dos
direitos e garantias fundamentais, dotou-a de enorme abrangência, alocando em seu bojo
demais princípios como a ampla defesa, o contraditório, a proibição da prova ilícita, do juiz
natural, entre outros.
Tornando-se, assim, impossível reduzir sua influência apenas às normas
e ditames de cunho processual, mas, sobretudo, com penetração no próprio direito material.
O conceito trazido por Nelson Nery Junior (2004, p. 68) vem enfatizar a
aplicação em sentido material do devido processo legal:
“[...] o principio do due process of law caracteriza-se pelo trinômio vida-liberdade-propriedade, vale dizer, tem-se o direito de tutela àqueles bens da vida em seu sentido mais amplo e genérico. Tudo o que disser a respeito da tutela da vida, liberdade ou propriedade está sob a proteção da due process clause.”
Assim sendo, devemos considerar a existência de dois aspectos ou
sentidos do devido processo legal, o sentido formal, adjetivo ou processual e o sentido
substantivo ou material. Nesse sentido afirma André L. Borges Netto:
"Duas são as facetas do devido processo legal, a adjetiva (que garante aos cidadãos um processo justo e que se configura como um direito negativo, porque o conceito dele extraído apenas limita a conduta do governo quando este atua no sentido de restringir a vida, a liberdade ou o patrimônio dos cidadãos) e a substantiva (que, mediante autorização da Constituição, indica a existência de competência a ser exercida pelo Judiciário, no sentido de poder afastar a aplicabilidade de leis ou de atos governamentais na hipótese de os mesmos serem arbitrários, tudo como forma de limitar a conduta daqueles agentes públicos)". (Revista Jurídica Virtual do Palácio do Planalto Nº 12 – MAIO, 2000)
No sentido formal podemos considerar o devido processo legal como “a
garantia concedida à parte processual para utilizar-se da plenitude dos meios jurídicos
existentes" (TAVARES, 2003, p.483), aqui encampando os princípios da ampla defesa,
contraditório e demais direitos fundamentais de cunho processual, sempre na busca de
assegurar a igualdade das partes em litígio quando na busca de suas pretensões.
Seria então, o direito do individuo exigir respeito às normas
procedimentais previamente existentes, à ordem jurídica posta, regras estas direcionadas e
exigíveis ao caso sub judice. Nesse ínterim vale invocar o entendimento de Maria Rosynete
Oliveira Lima (1999, p. 290):
“Um procedimento satisfaz à norma inscrita no artigo 5º, LIV, da Constituição Federal quando observar, basicamente, o preceito isonômico entre as partes em litígio e resultar em uma decisão motivada, emanada de um órgão julgador natural e imparcial.”
Percebe-se, então, que o âmbito de abrangência do devido processo legal
em seu sentido formal é mais restrito, consubstanciado no respeito à “sucessão ordenada de
atos que deve ser observada” (MOTTA apud PORTO, 2003, p. 274); enquanto o sentido
substantivo ou material engloba ainda a defesa do direito material, principalmente ao
presente estudo, a observância dos direitos fundamentais como a vida, liberdade, igualdade,
segurança e propriedade; acobertando diversos ramos do direito.
Assim, necessário presumir-se, que o efeito do devido processo legal
atinge inclusive a atuação do legislativo; em sentido formal pela obediência ao processo
legislativo e em sentido material pela busca de justiça quando do exercício de legislar, com
base nos padrões éticos e morais defendidos pela sociedade.
Argumento com ressonância na doutrina de Nery Junior (2004, p.68):
“Toda lei que não for razoável, isto é, que não seja a law of the land, é contrária ao direito e
deve ser controlada pelo Poder Judiciário.”
Neste diapasão, incontestável a importância do devido processo legal
como mecanismo limitador do poder do Estado, e sobremaneira ao nosso estudo, como
limite a atuação do ente tributante.
Logo, impossível aceitar ou, ao menos, não se questionar atos
administrativos e, principalmente, legislativos que criem ou alterem regras tributarias com
repudio aos direitos fundamentais presentes no art. 5º, 150 e seguintes da Constituição
Federal, a exemplo da possibilidade de tributação por meio de medida provisória, já
salientado anteriormente.
Assim, a inobservância de um direito fundamental tributário restaria alvo
de afronta ao devido processo legal formal, uma vez que se defende tratar-se, como direito
fundamental do individuo contribuinte, de clausula pétrea, impossível de alteração pelo
legislador derivado, apesar de distante do capitulo próprio dos direitos fundamentais, mas
nem por isso menos fundamental, conforme § 2º do art. 5º da Constituição Federal, objeto
de analise anterior.
E ainda, sob o aspecto material, caso a nefasta novidade tributaria, a
guisa de amor ao debate, não infringisse os princípios e regras constitucionais processuais,
poderia ser rechaçada pelo judiciário sob o argumento da iniqüidade se, por exemplo,
viesse a reprimir ou aniquilar o direito de propriedade.
Nesse ínterim, situação análoga já fora matéria de apreciação pelo
Supremo Tribunal Federal, alhures, diga-se de passagem, no julgamento do Recurso
Extraordinário n. 18.331:
"O poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de
destruir, uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos
limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho,
comércio e da indústria e com o direito de propriedade. É um poder
cujo exercício não deve ir ate o abuso, o excesso, o desvio, sendo
aplicável, ainda aqui, a doutrina fecunda do détournement de
pouvoir". (STF, RE N. 18.331, Ministro Orozimbo Nonato, j.
21/09/1951).
Outras vezes, no entanto, o Pretório Excelso, apenas nos acena com a
possibilidade de sua atuação, conforme decisão de seu Plenário na ação direta de
inconstitucionalidade nº 1231-2, de 2005, tendo como relator o Ministro Carlos Velloso:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ANISTIA: LEI CONCESSIVA.
Lei 8.985, de 07.02.95. CF, art. 48, VIII, art. 21, XVII. LEI DE
ANISTIA: NORMA GERAL. I. - Lei 8.985/95, que concede
anistia aos candidatos às eleições gerais de 1994, tem caráter geral,
mesmo porque é da natureza da anistia beneficiar alguém ou a um
grupo de pessoas. Cabimento da ação direta de
inconstitucionalidade. II. - A anistia, que depende de lei, é para os
crimes políticos. Essa é a regra. Consubstancia, ela, ato político,
com natureza política. Excepcionalmente, estende-se a crimes
comuns, certo que, para estes, há o indulto e a graça, institutos
distintos da anistia (CF, art. 84, XII). Pode abranger, também,
qualquer sanção imposta por lei. III. - A anistia é ato político,
concedido mediante lei, assim da competência do Congresso e do
Chefe do Executivo, correndo por conta destes a avaliação dos
critérios de conveniência e oportunidade do ato, sem dispensa,
entretanto, do controle judicial, porque pode ocorrer, por exemplo,
desvio do poder de legislar ou afronta ao devido processo legal
substancial (CF, art. 5º, LIV). IV. - Constitucionalidade da Lei
8.985, de 1995. V. - ADI julgada improcedente.14
Poderíamos, então, conceber que pelo princípio do devido processo legal
substantivo todas as normas jurídicas e atos do Poder Público poderiam ser declarados
inconstitucionais por serem injustos, irrazoáveis ou desproporcionais, afigurando-se como
limite à discricionariedade do legislador, administrador e do julgador.
Incorporando, aqui, no sentido substantivo do devido processo legal, os
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Assim, a limitação imposta pelo devido processo legal substantivo
poderá delimitar o alcance do poder discricionário e da conveniência dos atos do poder
público, bem como do legislador, uma vez que "é por seu intermédio que se procede ao
exame da razoabilidade (reasonableness) e da racionalidade (rationality) das normas
jurídicas e dos atos do Poder Público em geral".(BARROSO, 2001, p. 214).
No entanto, devemos enriquecer a presente discussão com um
entendimento peculiar de Paulo Bonavides (2000, p. 388) para quem:
"O emprego do critério de proporcionalidade pode resultar sem dúvida no grave risco de um considerável reforço dos poderes do juiz, com a conseqüente diminuição do raio de competência elaborativa atribuída ao legislador".
Tal assertiva, reputa-se necessária a guisa de demonstrar a importância
do tema e a controvérsia suscitada em seu redor, alvo de dissonância de autores renomados,
aos quais não poderíamos nos furtar.
Não obstante, entende-se ainda mais perigosa a não utilização dos
princípios da razoabilidade e proporcionalidade, guindados pelo devido processo legal
material, na constante busca de se consolidar a plena eficácia dos direitos fundamentais, por
meio da vigilância e, sempre que necessária, da limitação dos atos legislativos e
administrativos.
Assevera-se, assim, a necessária aplicabilidade do devido processo legal
formal e material, sem receios de exacerbações pelo judiciário, o qual, devemos ressaltar, é
parte integrante do Estado, em sendo este uno, apenas divido por critério de atribuições,
previstas constitucionalmente.
Assim, a atuação do judiciário não adentraria à função do legislativo,
estando recolhida a sua atribuição própria, qual seja, zelar pela observância e correta
execução do ordenamento jurídico, incluído o respeito aos princípios e direitos
fundamentais, como o devido processo legal em suas duas vertentes.
Nesse sentido, entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal
em decisão procedente na ação direta de inconstitucionalidade nº 1158-8/AM:
"A essência do substantive due process of law reside na
necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas
contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva
ou, como no caso, destituída do necessário coeficiente de
razoabilidade. (...) Isso significa, dentro da perspectiva da extensão
da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do
Estado, que este não dispõe de competência para legislar
ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com
o seu comportamento institucional, situações normativas de
absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o
desempenho da função estatal".
Assim, entende-se, inafastável a análise do devido processo legal, em
seus dois sentidos, quando em vigilância ao respeito e proteção dos direitos fundamentais
na seara tributária, caso ocorra sublimação ou mitigação dos princípios constitucionais
tributários.
Uma vez que sua inobservância atingiria, também, os direitos
fundamentais do artigo 5º da Constituição; isto é, a vida, liberdade, igualdade e
propriedade.
CAPITULO V - CÓDIGO DE DEFESA DO CONTRIBUINTE
Neste momento cabe uma sucinta, porém pertinente, análise sobre a elogiável
tentativa do legislativo federal de amparar mais eficazmente o contribuinte brasileiro por
meio da elaboração de um “Código do Contribuinte”.
Acentua-se sem maior presunção, que a denominação mais coerente seria
Código de Defesa do Contribuinte em um paralelismo intencional ao Estatuto
Consumerista, uma vez que este veio assegurar diversas normas no intuito de defender e
salvaguardar o consumidor, o qual se encontrava destituído de maiores meios para fazer
valer seus direitos e garantias, como de resto se assemelha o atual status quo do
contribuinte na seara tributaria.
Na busca de conceituar o “Código do Contribuinte” nos amparamos na
definição de Humberto Ávila (2001) como sendo:
”o conjunto de normas que positiva a forma, o conteúdo e medida da tributação e que deve ser interpretado com a finalidade de realizar uma simétrica e superadora–unidade sintética entre os direitos-deveres dos contribuintes e os deveres-poderes da Administração Tributária.” ÁVILA, Humberto. Estatuto do Contribuinte: conteúdo e alcance.Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº 3, junho, 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 23.04.2007.
Neste diapasão, conveniente citar o endendimento de Paulo Henrique
Miotto Donaldeli (2005), quando assevera que o Código do Contribuinte:
"(...) exige uma tributação livre de qualquer arbitrariedade, para que se possa realizar a idéia de Estado de Direito. O moderno Direito Tributário, aquele que decorre do Estado de Direito, já não mais conhece o súdito, que era um mero objeto da tributação, sendo que, agora a Administração Financeira relaciona-se com o cidadão livre e emancipado, garantindo a todos o princípio da Segurança Judiciária Tributária (na qual exige que os contribuintes tenham condições de conhecer os seus direitos e deveres tributários, que, devem decorrer da lei igual para todos, irretroativa e votada pela pessoa jurídica competente) e o da Confiança da Lei Fiscal." DONADELI, Paulo Henrique Miotto. O Estatuto e a Defesa do Contribuinte. Júris Síntese IOB nº 56 – nov./dez./2005.CD-ROM.
Deve-se ainda pontuar cautelosamente na investigação da referida
norma, heróica em sua pretensão, mas à mercê das discussões legislativas, que,
infelizmente, ainda poderá descaracterizá-la.
No entanto, a simples intenção de buscar produzir-se referido texto já se
apresenta digno de elogios.
5.1 Da Legislação Alienígena
Um Código de Defesa do Contribuinte é tema de interesse social. Tema
este que já nos chega com certo atraso, já tendo sido alvo de estudos e efetivação pela
legislação internacional. Trata-se, pois, de questão ética muito discutida em países com
economias e sistemas políticos diferentes.
Primeira abordagem que merece referencia é o Pacto de San Jose da
Costa Rica, o qual, já em 1969, fazia menção a direitos na seara fiscal, mais
especificamente em seu art. 8º, no § 1º, verbis:
“§ 1º. Toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias e
dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que
se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista,
fiscal ou de qualquer outra natureza.” (grifo nosso)
Percebe-se que referida norma já amparava os direitos do contribuinte,
expressamente consignando “direitos e obrigações de natureza fiscal”, evidenciando o
principio do devido processo legal, o do juiz natural e imparcial; quando no artigo 8º
enfatiza as garantias judiciais.
O Pacto de San José veio a ser incorporado ao ordenamento jurídico
pátrio por meio do decreto 678 de 1992, exigindo, assim, respeito a seus ditames.
Alem do citado pacto internacional, diversos paises já se declinaram em
constituir um documento normativo no qual estabeleceram direitos e obrigações do
contribuinte e da Administração fiscal.
Assim o Canadá, em 1985, em sua “Declaration of Taxpayer Rights”,
objeto do projeto de emenda da House of Commons, visando a confirmar os direitos dos
contribuintes e criar o Bureau de Proteção dos Constribuintes, emendando também o
Income Tax Act, a fim de determinar que o ônus da prova incumbe ao Ministro, ao
pretender exigir imposto do contribuinte, de este colaborou plenamente com o Ministério,
fornecendo-lhe todos os documentos razoavelmente necessários exigidos e deu uma
explicação razoável das operações financeiras praticadas.
Assim, diante da boa vontade do contribuinte, estaria ele eivado no
direito a informação, cortesia e consideração, imparcialidade, presunção de honestidade,
tratamento justo, privacidade e confidencialidade, recurso, audiência antes do pagamento, e
atuação negocial com a menor oneração tributária.
Também os Estados Unidos da América definiu direitos dos
contribuintes no Taxpayer Bill of Rights, em seu Titulo III do Internal Revenue Service
restructuring and reform act de 1998, dentre os quais merecem referencia o ônus da prova
incumbente à Administração Fiscal; preenchidas algumas condições; confidencialidade;
pagamento do tributo em prestações; restituição das custas e despesas do contribuinte com
a defesa em processos administrativos e judiciais em caso de vitória (inclusive despesas
com advogado); aviso prévio de 30 dias para apresentar defesa ou solicitar parcelamento
em caso de penhora de contas bancárias.
A Espanha, Monarquia Parlamentar, aprovou sua “Ley de Derechos y
Garantias de los Contribuyentes” em 26.02.1998, garantindo como direitos gerais dos
contribuintes:
• Observância da capacidade econômica e dos princípios de justiça,
generalidade, igualdade, progressividade, eqüitativa distribuição da
carga tributária e proibição do confisco;
• Garantia de aplicação do sistema tributário submetida aos princípios da
generalidade, proporcionalidade, eficácia e limitação dos custos
indiretos do cumprimento das obrigações acessórias;
• Direito de informação e assistência pela Administração Fiscal;
• Direito a conhecer o estado dos procedimentos de que seja parte;
• Direito a certidões e cópias das declarações apresentadas;
• Direito de não apresentar documentos já apresentados e que estejam
em poder da Administração;
• Confidencialidade;
• Respeito e consideração por parte da Administração;
• Direito de consulta;
• Prazo Maximo de decisão dos procedimentos de seis meses, salvo
disposição legal distinta;
• Direito a prescrição no prazo de 04 anos;
• Prazo de duração da fiscalização de doze meses, prorrogável por igual
período, em situações pré estabelecidas;
• Direito a recurso
Percebe-se, assim, que o Código do Contribuinte espanhol apresenta-se
bastante minucioso no trato da relação fisco e contribuinte.
Logo após, no ano de 2000, a Itália, pais parlamentarista, também aprova
seu ”Statuto dei Diritti Del Contribuente”, o qual apresenta-se como:
“Marco de renovação e modernização da obrigação tributária, sempre mais semelhante à obrigação do Código Civil, posicionando o contribuinte não mais como súdito, mas como cidadão, em situação paritária com o Fisco, caracterizando-se por abandonar a ultrapassada visão do Fisco como inimigo do contribuinte, por ser não uma mera carta de intenções, mas sim o ponto de chegada da evolução do direito tributário, inspirado não no autoritarismo, mas na cooperação e respeito recíproco, dando como missão estratégica da Administração Fiscal favorecer o adimplemento espontâneo da obrigação fiscal, destruindo o mito de ser o Estatuto idealizado contra a Administração Tributária.” (BUSCEMA, FORTE E SANTILLI, 2002, p. XVI)
O código italiano garante, entre outros direitos, o de informação dos atos
relativos ao contribuinte; proibição de se exigir do contribuinte documentos já em poder da
Administração ( a exemplo do já citado código espanhol); motivação dos atos da
Administração Financeira; extinção da obrigação tributária por compensação; respeito aos
princípios da colaboração e boa-fé; criação do Garante del Contribuente, órgão colegiado,
composto de três membros (um magistrado, um funcionário da Administração Financeira e
um advogado, comercialista ou contador), com a função de apreciar denuncia escrita de
disfunções, irregularidade ou comportamento prejudicial na relação entre fisco e
contribuinte
5.2 Dos Códigos do Contribuinte Estaduais
Necessário enfatizar que, não obstante a lentidão do legislativo federal,
alguns estados brasileiros se adiantaram e já efetivaram seu Estatuto do Contribuinte, como
Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais.
O Código de Defesa do Contribuinte de Minas Gerais, oriundo da lei
13.515/2000, apresenta-se em 41 artigos, trazendo em suas sete seções: dos princípios; dos
direitos do contribuinte; da proteção, da informação e da orientação ao contribuinte; das
vedações; das normas e das praticas abusivas; do sistema estadual de defesa do
contribuinte; das sanções; finalizando com as disposições gerais.
Na seção dos princípios apresentam-se os objetivos do código dentre os
quais o de promover o bom relacionamento entre o fisco e o contribuinte, a proteção ao
contribuinte dos excessos do poder estatal, assegurar a ampla defesa do contribuinte em
processo administrativo, prevenir e reparar os abusos do ente arrecadatório estadual e
assegurar a prestação de orientação ao contribuinte.
No que tange aos direitos dos contribuintes, na seção II, afiguram-se
dentre outros:
1. igualdade de tratamento em qualquer repartição administrativa;
2. acesso a dados e informações de seu interesse e obtenção de certidões
no prazo de 15 dias;
3. educação tributária e orientação sobre procedimentos
administrativos;
4. recusa a prestar informações por requisição verbal, quando preferir
intimação por escrito;
5. exigir mandado judicial para busca em local que não contenha
mercadoria ou documento de interesse da fiscalização, que poderá lacrar
o móvel ou depósito em que acredite estejam os bens ou documentos,
lavrando termo próprio e entregando-o ao contribuinte, solicitando de
imediato ao seu superior a obtenção de ordem judicial;
6. amplo direito de defesa;
7. observância pela administração dos princípios da legalidade,
igualdade, anterioridade, irretroatividade, publicidade, capacidade
contributiva, impessoalidade, uniformidade, não-diferenciação e vedação
de confisco;
8. gerência de seu próprio negócio, vedação a divulgação de quaisquer
informações, obtidas por razões de oficio, sobre sua situação econômica
ou financeira ou de terceiro, e sobre a natureza e estado de seus
negócios;
9. não ser cobrado de obrigações prescritas;
10. ver excluídas dos sistemas das repartições fazendárias referencias a
débitos prescritos, tributários ou não.
Em outra seção, fica garantido o sigilo de informações do contribuinte,
mesmo o inadimplente, bem como veda a divulgação sobre seus débitos nos meios de
comunicação.
Outro ponto que merece citação é a proibição de restringir beneficio ou
incentivo fiscal de contribuinte que esteja em litígio administrativo ou judicial em
andamento, ou exigir certidão negativa a fim de efetuar consulta ou pedido de regime
especial de tributação ou restituição de impostos.
Caracteriza, ainda, como abusiva as exigências da administração com
base em presunções não previstas em lei ou que obriguem a renúncia do direito de
indenização; bem como as obrigações que contrariem a boa-fé, a equidade, os bons
costumes ou os princípios fundamentais do sistema jurídico, assim como as obrigações
excessivamente onerosas ao contribuinte.
E ainda, em analogia ao órgão de defesa do consumidor – Procon, criou
o Sistema Estadual de Defesa do Contribuinte – SISDECON, composto pela Câmara de
Defeso do Contribuinte – CADECON e pelos Serviços de Proteção dos Direitos do
Contribuinte – DECON; órgãos estaduais com objeto de auxiliarem na defesa do
contribuinte junto ao fisco; podendo oferecer consultas, receber denuncias, reclamações e
sugestões, podendo ainda, representar contra servidores, ou figurar como assistente do
contribuinte em litígio.
Temos também, o “Código de direitos, garantias e obrigações do
contribuinte do Estado de São Paulo”, presente na lei complementar 939/2003; sendo que
no capitulo referente às disposições preliminares apresentam-se os princípios que norteiam
o código, alias, bastante similar ao código mineiro.
Quanto aos direitos que asseguram o contribuinte devemos destacar:
• adequado e eficaz atendimento pela Secretaria da Fazenda;
• igualdade de tratamento, respeito e urbanidade nas repartições
públicas do Estado;
• ciência formal da tramitação do processo administrativo-fiscal, vista
e obtenção de cópias;
• preservação do sigilo de seus negócios;
• possibilidade de cumprir as obrigações acessórias pro meios
eletrônicos;
• exercício do direito de defesa;
• obtenção de certidões, no prazo de 10 dias úteis;
• direito de petição;
• ressarcimento de danos oriundos de agente da administração publica;
• exclusão da responsabilidade pelo pagamento de tributo e de multa
não previstos na legislação;
• possibilidade de corrigir obrigação tributária, antes de iniciado o
procedimento fiscal;
• presunção relativa da verdade nos lançamentos contidos em seus
livros e documentos contábeis ou fiscais;
• observância do contraditório, ampla defesa e duplicidade de
instancia;
• participação paritária dos contribuintes no julgamento do processo
na instancia colegiada;
• utilização de benefícios e incentivos, apesar de pendência processual;
• devolução de bens e documentos no prazo de 180 dias, salvo quando
prova de infração;
• invalidação dos atos e procedimentos com inobservância dos
pressupostos legais e regulamentares.
Cabe ressaltar a instituição do CODECON – Conselho Estadual de
Defesa do Contribuinte, nos mesmos moldes do análogo órgão mineiro, inclusive em sua
composição, com representantes do poder publico e entidades empresariais e de classe.
Salutar, ainda, citarmos o “Código de Direitos e Deveres do Contribuinte
do Estado de Santa Catarina”, editado pela lei complementar 313/2005; interessante
salientar a referida norma baseou-se no projeto de lei 646/1999 em tramite no Congresso
Nacional, objeto de próxima analise; observando a existência de enormes semelhanças,
também, com os demais códigos estaduais já citados.
Como, por exemplo, em seu capitulo III, elencando os direitos do
contribuinte, onde cumpre colocar em relevo:
• Igualdade de tratamento, respeito e urbanidade pelas autoridades e
servidores da Administração Tributária;
• Obtenção de informações necessárias ao cumprimento de suas
obrigações;
• Formular alegações e apresentar documentos antes das decisões
administrativas, e tê-los considerados por escrito e fundamentadamente;
• Ter ciência formal da tramitação dos processos administrativo-
tributários em que tenha condição de interessado, bem como deles ter
direito à vista e a obtenção de cópias;
• Fazer-se assistir por advogado;
• Identificar o servidor de repartição tributária e conhecer-lhe a função
e atribuições do cargo;
• Receber comprovante pormenorizado dos registros, documentos,
livros e mercadorias entregues à fiscalização ou por ela apreendidos e de
prestar informações apenas por escrito às autoridades, em prazo não
inferior a 5 (cinco) dias úteis.
Cumpre-nos, ainda, enfatizar a existência de deveres por parte dos
contribuintes, a semelhança dos demais estatutos, para com a administração fiscal, dentre as
quais convêm asseverar:
• Tratamento, com respeito e urbanidade, aos funcionários da
administração fazendária do Estado;
• Identificação do titular, sócio, diretor ou representante nas repartições
administrativas e fazendárias e nas ações fiscais;
• Fornecimento de condições de segurança e local adequado em seu
estabelecimento, para a execução dos procedimentos de fiscalização;
• Apuração, declaração e recolhimento do imposto devido, na forma
prevista na legislação;
• Apresentação em ordem, quando solicitados, no prazo estabelecido
na legislação, de bens, mercadorias, informações, livros, documentos,
impressos, papéis, programas de computador ou arquivos eletrônicos;
• Manutenção em ordem, pelo prazo previsto na legislação, de livros,
documentos, impressos e registros eletrônicos relativos ao imposto;
• Prestar informações por escrito às autoridades fiscais, sempre que
solicitadas e atender às intimações e requisições efetuadas pelas
autoridades fiscais, relativas à apresentação de documentos, livros,
mercadorias, informações, arquivos, papéis, ou comparecimento à
repartição tributária.
O Código de Direitos e Deveres do Contribuinte do Estado de Santa
Catarina consagra o postulado do devido processo legal substantivo tributário (MARTINS e
NALINI, 2001, p. 223) ao explicitar em seu texto os princípios da justiça, legalidade,
finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa,
contraditório, duplo grau de deliberação, segurança jurídica, interesse público e eficiência
(artigos 24, 34 a 42).
5.3 Do Projeto Legislativo nº 646/1999
Mesmo tardia, a discussão se apresenta contemporânea, e muito bem
vinda, por meio da tramitação pelo Congresso Nacional do Projeto de Lei Complementar
do Senado nº 646, de 1999, que trata dos direitos e das garantias do contribuinte no âmbito
das Administrações Fazendárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios. Tal projeto, segundo Fernando Lemme Weiss (2003, p.144):
“teve como matriz a Lei espanhola de Direitos e Garantias do Contribuinte nº 1, de 26/2/1998, referido autor, cita inclusive o Estatuto dos Direitos do Contribuinte da Itália, instituído pela Lei nº 212, de 27/7/2000. Já a Justificação do referido Projeto de Lei, faz menção não só à aludida lei espanhola, mas também à Declaração norte-americana de Direitos do Contribuinte II, aprovada em 30/7/1996.”
Na esteira mundial, entende-se que a aprovação de uma Lei que
contenha os direitos e garantias dos contribuintes é atitude amplamente exigida por todos os
setores sociais, constituindo marco de inegável transcendência no processo de
fortalecimento do princípio de segurança jurídica, característico das sociedades
democráticas mais avançadas.
Permite também, aprofundar a idéia de equilíbrio das situações jurídicas
da Administração tributária e dos contribuintes, com a finalidade de favorecer o melhor
cumprimento voluntário das obrigações destes.
Ressalta-se, sobremaneira, a esperança de que se aprofundem os ditames
do referido projeto a fim de possibilitar verdadeira guarida por meio da efetivação dos
princípios tributários constitucionais, aqui entendidos como direitos fundamentais, que
deveriam ser os grandes norteadores a indicar o desfecho normativo.
Mas passe-se a analisar alguns aspectos de maior relevância no texto
legislativo ainda em discussão.
Em sua justificativa, importante reproduzir a afirmação do Senador
Bornhausen, autor do projeto:
“Não se cuida de interpretar nossa Carta Magna, mas de construí-la. Se
na interpretação circunscreve-se o aplicador a compreender a norma para torná-la coerente
com o sistema positivado no qual se insere, e daí extrair a solução do caso concreto, já na
construção seu trabalho é reler a Constituição em face dos novos fatos políticos e das novas
demandas sociais para sobre eles projetar os princípios fundamentais implícitos da Carta
e, destarte, dar-lhes solução justa sem ruptura institucional, sem cismas sociais e sem a
necessidade de sucessivas e infindáveis emendas.” (grifo nosso)
Ainda em sua justificativa, o Senador assevera:
“De outra parte, há que se ter presente que vive hoje o mundo a era dos
direitos legislados. A cidadania não se satisfaz mais com meras declarações de direitos -
todo direito é. Assim, a Constituição brasileira tornou expresso que "as normas definidoras
dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata" (art. 5º, §1º). Longe está o
tempo de ter o cidadão seus direitos fundamentais subordinados à discricionariedade do
Estado mediante cláusulas de eficácia contida ou não auto-aplicáveis ou apenas
programáticas.” (grifo nosso)
O projeto de Lei Complementar do Senado nº 646/1999 contém
cinqüenta e três artigos, divididos em sete capítulos, a saber: Capítulo I – Das Disposições
Preliminares (artigos 1º a 3º); Capítulo II – Das Normas Fundamentais (artigos 4º a 17);
Capítulo III – Dos Direitos dos Contribuintes (artigos 19 a 30); Capítulo IV – Das
Consultas em Matéria Tributária (artigos 31 a 33); Capítulo V – Dos Deveres da
Administração Fazendária (artigos 34 a 46). Capítulo VI – Da Defesa do Contribuinte
(artigos 47 a 48) Capítulo VI – Das Disposições Finais (artigos 49 a 53). E, por fim, a
justificação. Conforme compilado do “Anexo A” do presente estudo.
O próprio Senador Bornhausen assevera, nos itens 7 a 21 de suas
justificativas, os pontos, em seu entender, mais relevantes do projeto, a saber:
“(...)
7. Destaquem-se, de início, algumas disposições que, no projeto, mais
afetam a relação do cidadão-contribuinte com Fisco e mais demandam o repensar de
práticas consagradas no nosso direito público.
A cláusula que conceitua justiça tributária como aquela que "atenda aos
princípios constitucionais da isonomia, da capacidade contributiva, da eqüitativa
distribuição da carga tributária, da generalidade, da progressividade e da não-
confiscatoriedade" (art. 2º, parágrafo único). São parâmetros para a validade dos tributos,
tanto para o Fisco que o institua, quanto para o contribuinte que o conteste. Sua abstração
cederá à eficácia no exame de cada caso concreto, seja no plano administrativo ou no
processo judicial.
Tal norma, em combinação com aquelas que dispõem sobre o processo
administrativo-tributário e a fundamentação dos atos da Administração Fazendária, abre
campo novo à relação do cidadão com o agente estatal.
8. A explicitação de que o exigir ou aumentar tributo somente se dará
mediante lei (Const. Fed., art. 150, inciso I) "pressupõe a estipulação expressa de todos os
elementos indispensáveis à incidência, quais sejam, descrição objetiva da materialidade do
fato gerador, a indicação dos sujeitos do vínculo obrigacional, da base de cálculo e da
alíquota, bem como dos aspectos temporal e espacial da obrigação tributária" (art. 4º). Mais
do que a legalidade formal, também a transparência, a moralidade e a economicidade
(Const. Fed., art. 37, caput) na relação de direito entre os sujeitos ativo e passivo da relação
tributária.
9. O respeito à anualidade (Const. Fed., art. 150, inciso III, alínea b)
mediante publicidade que se dê, efetivamente, dentro do ano civil anterior ao da
exigibilidade, mediante circulação dos diários oficiais até 31 de dezembro, com acesso aos
assinantes e ao público em geral, donde inválidas as ficções de circulação com data
retroativa do periódico (art. 5º e 9º).
10. A identificação diferenciada dos fatos geradores e das bases de
cálculo dos impostos atribuídos à competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, de sorte a evidenciar a inexistência, ainda que indireta, da bitributação (art.
7º).
11. A explicitação do serviço prestado ou posto à disposição do obrigado
e do exercício do poder de polícia que justifiquem a criação de taxas (art. 6º).
12. Crucial à nova cidadania e à construção constitucional é a disposição
de que "os efeitos da decisão transitada em julgado, em controle difuso ou em ação direta,
proclamando a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual, municipal ou
do Distrito Federal, não implicarão exigência de complementação, no âmbito
administrativo ou judicial, do valor do crédito tributário extinto anteriormente à vigência da
decisão" (art. 15).
Cuida-se de conferir estabilidade e previsibilidade à relação jurídica já
consolidada entre o contribuinte e o Fisco. Vale dizer, extinto embora o crédito tributário,
ou usufruída uma vantagem fiscal qualquer, estará o contribuinte sujeito a ter que pagar a
mais, ou a se desfazer e a compensar monetariamente a vantagem fiscal, se, a qualquer
momento, em futuro incerto e não sabido, vier o Judiciário a declarar inconstitucional a lei
vigente ao tempo de consolidação da relação tributária.
Está consagrado na nossa cultura jurídica que a lei declarada
inconstitucional, mediante decisão final do Judiciário, é nula desde sua edição, não se
convalidando qualquer ato sob ela praticado. Não contempla a jurisprudência a hipótese de
o Judiciário, particularmente as cortes constitucionais, poderem, caso a caso, mediante
juízo de oportunidade política e conveniência social, em face dos valores acolhidos na
Constituição mesma, dentre eles, sem dúvida, a estabilidade e previsibilidade da lei e das
relações dela legitimamente extraídas, declarar a inconstitucionalidade com efeito para o
futuro.
Este o passo de construção constitucional. Por que não acolher o
Judiciário brasileiro a experiência de outros sistemas constitucionais, mais antigos, mais
estáveis e culturalmente mais prestigiosos, nos quais as cortes constitucionais adotam tal
procedimento? São clássicos e inúmeros os precedentes, até mesmo no campo do direito
penal e processual penal, e portanto no âmbito crucial da liberdade, nos quais, reconhecida
a inconstitucionalidade da lei no caso concreto, e assim anulada a condenação, não se
estenderam, genérica e retroativamente, os efeitos da decisão.
Ao valor constitucional supremo de não se admitir como válida a norma
contrária à Constituição, sem o que ruiria o primado da constituição escrita, se coloca outro
valor essencial à ordem jurídica, qual seja, a consolidação imutável da relação contribuinte-
Fisco, vale dizer, sociedade civil-Estado, validamente constituída conforme a lei vigente.
Estranho ao sistema valorativo de uma Constituição que cria uma ordem
estatal fundada em um sistema de direitos e garantias individuais em face do Estado, vale
dizer, de uma ordem estatal que extrai validade legal e legitimidade política da sociedade
civil que a gerencia mediante representantes eleitos, estranho será repita-se admitir a eterna
instabilidade e imprevisibilidade de uma relação jurídica do cidadão-contribuinte
validamente constituída com o agente estatal sob a lei.
A norma é central à compreensão dessa nova cidadania, vale dizer, de
uma relação entre iguais, no plano das relações obrigacionais do cidadão-contribuinte com
o Estado fiscal.
A motivação da norma tem agora reconhecimento formal; sua percepção
cultural está acolhida na recentíssima Lei nº 9.868, de 10 de novembro último (DOU
11.nov.99), cujo art. 27 dispõe: "ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social,
poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir
os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em
julgado ou de outro momento que venha a ser fixado".
13. Outras disposições relevantes desse novo tempo homenageiam o
princípio de que ninguém será privado de seus bens e direitos sem o devido processo legal
(Const. Fed., art. 5º, incisos LIV e LV).
Assim, fica proibida a interdição de estabelecimentos, a proibição de
transacionar com repartições públicas, a instituição de barreiras fiscais e outros meios
coercitivos para a cobrança extrajudicial de tributos (art. 13 e 14).
Da mesma forma, em razão de processo administrativo ou judicial, em
matéria tributária, impedir-se o contribuinte de fruir de benefícios e incentivos fiscais ou
financeiros, ou de ter acesso a linhas oficiais de crédito ou de participar de licitações (art.
26).
É vedado à Administração Fazendária recusar, em razão de débitos
tributários pendentes, autorização para o contribuinte imprimir os documentos necessários
ao desempenho de suas atividades; ou bloquear, suspender ou cancelar inscrição do
contribuinte sem a observância dos princípios do contraditório e da prévia e ampla defesa
(art. 37, incisos I e III).
Não menos importante, veda-se à Administração o uso de força policial
nas diligências ao estabelecimento do contribuinte, salvo se com autorização judicial na
hipótese de justo receio de resistência (art. 37, V).
O direito de defesa ou de recurso, administrativo ou judicial, não poderá
ser condicionado a depósito, fiança, caução, aval ou outro ônus qualquer, exceto na
execução fiscal, nos termos da lei processual aplicável (art. 18).
14. Somente ao Judiciário será permitido desconsiderar a personalidade
jurídica da sociedade quando for ela instrumento de fraude à lei para ocultar sócios ou
terceiros que tenham poder de controle, conforme a Lei das Sociedades Anônimas (art. 16).
A desconsideração (disregard of legal entity doctrine) visa a punir o
abuso de direito e a fraude mediante o uso de personalidade jurídica. O primeiro conceito
clássico vem de 1912, e foi lembrado em conferência pelo renomado jurista Rubens
Requião: "quando o conceito de pessoa jurídica se emprega para defraudar os credores,
para subtrair-se a uma obrigação existente, para desviar a aplicação de uma lei, para
constituir ou conservar um monopólio ou para proteger velhacos ou delinqüentes, os
tribunais poderão prescindir da personalidade jurídica e considerar que a sociedade é um
conjunto de homens que participam ativamente de tais atos e farão justiça entre pessoas
reais" (E.S.D., 2/76).
Já o conceito revela a exclusividade dos tribunais. O que faz o projeto é
prevenir a manipulação e o mau uso desse mecanismo de compreensão e análise dos
negócios de uma pessoa jurídica pela Administração Fazendária como forma de coagir o
contribuinte, no processo administrativo-tributário, o qual se desenvolve sem o controle e a
condução isenta do terceiro imparcial o Juiz, perante quem os pedidos de requisição de
documentos hão de ser justificados e submetidos ao crivo do contraditório.
15. As técnicas presuntivas são instrumento de eficácia gerencial. O que
não admite o projeto é ser o sujeito passivo tomado de surpresa com o ônus da obrigação.
Por isso mesmo, a lealdade do Estado com o cidadão-contribuinte demanda a publicidade
prévia do ato para ciência dos que por ele são afetados para sua impugnação administrativa
ou judicial (art. 35).
16. Parcelado o débito tributário, e se cumprido o acordo, não pode o
cidadão-contribuinte continuar a sofrer os ônus da inadimplência. O projeto resolve disputa
doutrinária e divergência de tratamentos administrativos e de jurisprudência ao definir o
parcelamento como novação, donde o retorno ao pleno estado de adimplência, inclusive
para a obtenção de certidões negativas de débitos fiscais (art. 36).
17. Relevantes os prazos estabelecidos para as decisões da
Administração Fazendária, livrando o cidadão-contribuinte da espera infindável para a
solução de suas demandas.
Assim, circunscrita a Administração Fazendária ao objeto lançado no
termo de início da fiscalização, tem ela prazo de 90 dias para ultimar as diligências (art.
46).
O prazo máximo para emitir decisão nos processos, nas solicitações ou
nas reclamações será de 30 dias (art. 19, XII e 41).
Nas consultas o prazo é de 30 dias, com a ressalva importante de que,
oferecendo o contribuinte sua interpretação, prevalecerá esta se o Fisco não observar o
prazo da lei (art. 31).
Vistos o equilíbrio entre as partes, a realidade da gerência da
Administração Fazendária e o direito público que rege a matéria, todos os prazos são
prorrogáveis uma única vez, por igual período, mediante justificação.
18. Os contribuintes passarão a conhecer os impostos incidentes sobre
mercadorias, especialmente as que compõem a cesta básica, bem como os incidentes sobre
serviços bancários, pela divulgação semestral da carga tributária a eles agregada (art. 20).
19. Duas outras disposições reforçam a lealdade que deve reger as
relações do cidadão-contribuinte com o Fisco.
A primeira firma que, sem prejuízo da sucumbência, o contribuinte será
reembolsado do custo das fianças e outras garantias de instância judicial, para a suspensão
do crédito tributário, quando este for julgado improcedente (art. 25). Nas execuções fiscais,
em especial, para recorrer judicialmente, vê-se o contribuinte obrigado a afiançar o débito
que se lhe impõe, com que arca com o custo financeiro até agora não compensável.
A segunda permite que o contribuinte, credor do Fisco em face de
decisão final, administrativa ou fiscal, compense o crédito contra débitos quaisquer que
tenha perante a mesma Fazenda Pública (art. 29), com o que o projeto encerra demandas
intermináveis nas quais se disputa sobre a natureza coincidente ou não dos tributos que
enseje a compensação.
20. O projeto, dada sua natureza de lei complementar , resolve ainda a
compreensão do melhor sentido do quanto disposto nos artigos 150, inciso VI, alínea c e
195, §7º, da Constituição Federal, os quais remetem à lei a criação das exigências e dos
requisitos de fruição das imunidades tributárias nela previstas (art. 8º). Cuida-se, conforme
a melhor leitura para a eficácia substantiva da Constituição, de lei complementar, nunca de
lei ordinária, porquanto, sabidamente, é da lei complementar a competência para regular as
limitações constitucionais ao poder de tributar (Const. Fed., art. 146, II). É esta a lição dos
autores de maior nomeada.
A relevância social e política dos partidos políticos e suas fundações, das
entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social,
sem fins lucrativos, justifica que o Congresso Nacional encerre a rixa doutrinária.
O mandamento da lei complementar que o projeto explicita é exatamente
aquele acolhido pelo Supremo Tribunal Federal, na sessão plenária do dia 11 de novembro
de 1999, em processo de que foi relator o Ministro Moreira Alves, quando aquela Corte
confirmou medida liminar antes deferida pelo Ministro Marco Aurélio, sustando os efeitos
de lei ordinária que pretendera atuar no campo do art. 146, inciso II, da Constituição
Federal.
21. A eficácia desta Lei fica assegurada mediante ações administrativas
ou judiciais, de iniciativa individual ou coletiva, nos moldes do Código de Defesa do
Contribuinte (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, art. 81 e seguintes). Destarte, o
Ministério Público e as associações civis ficam legitimados para a ação coletiva na defesa
dos direitos e garantias explicitados no projeto (art. 47).”
Abstrai-se das justificativas do presente projeto em análise, uma busca,
entre outras, de impor o principio da igualdade entre as partes envolvidas na obrigação
tributária, impondo limites normativos temporais e procedimentais ao poder tributante do
Estado, e, principalmente, ao seu longa manus executivo, a Administração Fiscal;
reforçando a tripartição de poder, uma vez que o Fisco, não raramente, se atribui poderes de
executivo (inerente), mas também de legislador, por meio de portarias, ordens de serviço,
etc; e até atuando como judiciário, quando cerceia o uso ou propriedade de bens e direitos
dos contribuintes sem o aval do devido processo legal judicial.
Nesse ínterim, cabe ressaltar, fora os já elencados pelo próprio autor do
projeto, outros pontos, que se entende relevantes no Código dos Direitos do Contribuinte:
• Reúne, numa única lei, todos os Direitos do Contribuinte que hoje se
encontram desordenados e espalhados em diversas legislações.
• Não cobrar impostos sobre operações comerciais, industriais, de
prestação de serviço, de simples compra e venda, de locação, de
exportação, enquanto o contribuinte não receber valores e/ou riquezas
que materializem o pagamento por tais negócios.
• Obriga o Estado a informar ao consumidor, no momento do ato da
compra, os impostos que sua compra implica.
• Afasta qualquer imposição de impedimento ao contribuinte quanto ao
acesso a benefícios e incentivos fiscais e financeiros, linhas oficiais de
crédito ou de participação de licitações, quando estiver pendente contra
ele processo administrativo ou judicial, em matéria tributária.
• Acaba com a possibilidade do uso espalhafatoso e intimidador de força
policial nas diligências da fiscalização, exceto nos casos de
comprovada resistência.
• Assegura explicitamente o direito de defesa ou de recurso,
administrativo ou judicial, sem condicionamento a depósito, fiança,
caução, aval ou outro ônus qualquer.
• Garante que o cidadão-contribuinte não seja execrado no Cadastro de
Inadimplentes se parcelado o débito tributário e cumprido o acordo.
• Proíbe que o fisco proceda na interdição de estabelecimentos e/ou
impeça o contribuinte de transacionar com repartições públicas; e/ou
imponha barreiras fiscais e outros meios coercitivos para a cobrança
extrajudicial de tributos. Dívidas de Impostos devem ser cobrados
exclusivamente via processo administrativo e/ou Execução Judicial.
• Não permite que o fisco retenha imposto a ser restituído por um prazo
superior a 180 dias ou que a totalidade destes impostos supere 35% do
PIB.
• Garante que a ação penal contra o contribuinte, pela eventual prática
de crime contra a ordem tributária, assim como a ação de quebra de
sigilo, só poderá ser proposta após o encerramento do processo
administrativo que comprove a irregularidade fiscal.
Nesta última garantia, entende-se, haver especial importância, sem
menosprezo às demais, tanto que alvo de um Projeto de Emenda Constitucional (PEC
nº175-A) de autoria do Deputado Federal Mussa Demes, o qual tenciona inserir no art. 145
da CF, entre outras modificações, o seguinte texto normativo: “Ninguém será processado
penalmente antes de encerrado o processo administrativo tributário que aprecie a matéria da
denúncia.”
Este tipo de exigência não se afigura como inovação genuinamente
brasileira.
Verbi gratia, no Direito Espanhol, o chamado jus persequendi in juditio
fica condicionado ao término do processo administrativo e, mais ainda, à representação dos
agentes fiscais (delegados de hacienda) ao Ministério Público (denominado de Ministério
Fiscal).
Veja-se, a respeito, opinião exarada por Víctor Moreno Catena (2000,
p.644), processualista ibérico:
“Por no poder constituir autonomamente objeto de um processo extra penal, la jurisprudencia del TS, respecto de la denuncia de los Delegados de Hacienda Pública (...) ha entendido que tal denuncia constituía una condición objetiva de perseguibilidad y carecía del carácter prejudicial pues, que en absoluto se establece en dichos preceptos una cuestión prejudicial administrativa, ya que en ningún sitio se dice que previamente a la actuación judicial es preciso que las actuaciones administrativas hayan adquirido firmeza y no son cuestiones prejudiciales jurisdiccionales.”
Importante noticiar decisões judiciais, frise-se, não isoladas, de
entendimento neste sentido, assim vejamos:
“O princípio da independência das instâncias administrativa e
penal não autoriza a que se impute ao contribuinte a prática de
crime de natureza fiscal antes mesmo de a Administração proceder
a regular apuração da existência do débito, ou quando nulo o
procedimento administrativo de que resultou a lavratura do Auto
de Infração. Ordem concedida para determinar-se o trancamento da
ação penal.” (TRF 3ª Região, HC 96.03.060711-8, DJU
09.10.1996)
Percorrendo a mesma senda, o TRF da 5ª Região cansou-se de julgar:
EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. ORDEM DE
HABEAS CORPUS PARA TRANCAR AÇÃO PENAL.
ADMISSIBILIDADE. CRIME CONTRA A ORDEM
TRIBUTÁRIA. LEI 8.137/90, ART. 1º, I A IV. INIDONEIDADE
DAS PROVAS COLIGIDAS NA INSTÂNCIA
ADMINISTRATIVA FISCAL, CONFORME
PRONUNCIAMENTOS DO 3º CONSELHO DE
CONTRIBUINTES DO MINISTÉRIO DA FAZENDA.
DENÚNCIA QUE NÃO DESCREVE A CONDUTA
INDIVIDUAL DE CADA UM DOS ACRIMINADOS.
CONCESSÃO DA ORDEM. 1. É ADMISSÍVEL O USO DO
HABEAS CORPUS COM O FITO DE OBTER-SE O
TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL, QUANDO A
MATERIALIDADE DELICTIVA NÃO FOI PREVIAMENTE
APURADA, TRATANDO-SE DE CRIME CUJA EXISTÊNCIA
DEPENDE DESSA APURAÇÃO, QUAIS OS CRIMES
CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. 2. A DENÚNCIA PARA
IMPUTAÇÃO DE CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
NACIONAL, CONSISTENTE EM REDUÇÃO OU SUPRESSÃO
DE TRIBUTO, MEDIANTE DIVERSAS CONDUTAS
FRAUDULENTAS (LEI 8.137/90, ART. 1º, I A IV), DEPENDE
INDISPENSAVELMENTE DE PRÉVIA DECISÃO
DEFINITIVA DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA FISCAL
COMPETENTE, SOBRE OS FATOS A SEREM NELA
ARTICULADOS, TANTO PARA APURAR A
MATERIALIDADE OBJETIVA DOS DELITOS COMO PARA
ENSEJAR A AMPLA DEFESA DO ACUSADO (ART. 5º, LV
DA CF), INCLUSIVE OPORTUNIZANDO AO INFRATOR A
POSSIBILIDADE DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, PELA
SOLVÊNCIA VOLUNTÁRIA DO ENCARGO TRIBUTÁRIO
(LEI 9.249/95, ART. 34). 3. SE A PEÇA DENUNCIATÓRIA
NÃO DESCREVE A ALEGADA PARTICIPAÇÃO DO
AGENTE NA CONSUMAÇÃO DOS FATOS DELITIVOS QUE
RELATA, SENDO DE ELABORAÇÃO GENÉRICA, QUANTO
À TIPICIDADE DA CONDUTA IMPUTADA, IMPÕE-SE A
SUA INACEITAÇÃO, MESMO QUE SE TRATE DOS
CHAMADOS CRIMES DE AUTORIA COLETIVA OU
SOCIETÁRIOS. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. 4.
ORDEM CONCEDIDA (TRF da 5ª Região, Apelação Criminal
1728/PE, Rel. Des. Fed. Araken Mariz, DJU 24.09.1999)
Assim, tal inovação normativa presente no projeto do Código do
Contribuinte vem concretizar um entendimento defendido pela doutrina e por diversas
decisões judiciais; amparando maiores garantias ao contribuinte.
Tanto de cunho material, uma vez que havendo, ainda, discussão
administrativa sobre a existência do pretenso fato delituoso, não estaria configurada a
materialidade do delito; bem como de cunho processual, já que a decisão da ação e/ou
recurso constituiria verdadeira condição de procedibilidade da ação penal.
Apesar de todo o exposto, ainda assim, entende-se que tais colocações,
apesar de elogiáveis, configuram-se ainda modestas se comparadas a garantias já efetivadas
no exterior.
Nesse ínterim cabe ressaltar, a titulo de ilustração e sugestão, os avanços
obtidos pelos contribuintes nos países que colocaram em prática o Estatuto do Contribuinte.
Como ocorreu nos Estados Unidos, na Itália, na Espanha e no México,
onde seus “Estatutos” instituem regras de defesa do Contribuinte, regulamentam e
disciplinam a atuação do Fisco, além de estabelecer mecanismos que garantam a reparação
imediata de eventuais prejuízos causados aos contribuintes, criando, inclusive, a figura do
chamado “Advogado do Contribuinte”, figura independente, com mandato e que atua em
escritório dentro da própria Receita Federal, tendo poder de fazer representações, de afastar
funcionários e de obrigar o Fisco a dar respostas rápidas aos contribuintes. Vindo assim, a
consubstanciar a tão ansiada igualdade entre fisco e contribuinte.
Não bastassem os argumentos levantados, em defesa da necessidade de
um Código de defesa do contribuinte, há de se registrar o pensamento do Prof. Roque
Antonio Carrazza (2006, p. 43), em palestra sobre o tema:
“(...) O Código Tributário Nacional é um diploma voltado mais em favor das entidades tributantes; só por via oblíqua repercute no campo dos direitos fundamentais dos contribuintes. Daí a necessidade de um outro diploma legal que cuide precipuamente dos direitos dos contribuintes. Concordo, por outro lado, que a Constituição federal protege, com riqueza de detalhes, o contribuinte contra eventuais excessos fazendários. Mesmo assim, entendo que o Código de Defesa do Contribuinte é necessário, já que ele é que vai dar operatividade e plena eficácia aos mandamentos constitucionais que conferem garantias ao contribuinte. Ele virá, nesse ponto, explicitar o que já se encontra implícito na Constituição, mas que, muita vez, não vem implementado, na prática. Por isso sou um defensor ardoroso do Código de Defesa do Contribuinte, que como sempre digo, tornará mais justa a tributação. Depois, nos países mais avançados em matéria tributária, como os Estados Unidos, a Itália, a Espanha, a Bélgica, e o Japão, há um Código de Defesa do Contribuinte. E, vejam os colegas que são países onde a tributação é levada a sério, onde os sonegadores são processados e muitas vezes chegam a amargar o cárcere, em suma, a experiência revelou, nesses paises, que o Código de Defesa do Contribuinte não inviabilizou a tributação. Em suma, o Código de Defesa do Contribuinte não vai prestigiar o sonegador, nem vai evitar a tributação; apenas vai ajudar a mantê-la dentro do chamado Estado de Direito.”
CONCLUSÃO
No momento de se concluir o presente trabalho faz-se obrigatório
analisar os caminhos trilhados, ou a que se foi levado, no intuito de encontrar respostas
lógico-jurídicas a amparar nosso raciocínio e entendimento.
Ao se iniciar as conjecturas, opta-se pelo caminho principiológica do
tema; assim busca-se analisar se os princípios tributários constitucionais, expressamente
previstos e delimitados, poderiam abarcar direitos e garantias, também constitucionais.
Os quais configurariam direitos fundamentais do individuo, enquanto
contribuinte, exigindo assim, tutela, se possível especificas á seara tributária, paralelamente
á tutela dos direitos fundamentais previstos no art. 5º da constituição, a vista do Hábeas
Corpus e do Mandado de Segurança, por exemplo, também para o cidadão contribuinte.
Após a conceituação, onde analisamos, também, a fundamentalidade de
tais direitos, considerando seus aspectos formais e materiais, assim considerando sua
localização geográfica na Carta Magna, em Titulo específica, bem como sua importância na
normatização da estrutura básica do Estado e da sociedade.
No Capítulo II buscou-se conceituar os Princípios constantes da
Constituição Federal, caracterizando sua força normativa, bem como sua relação com os
direitos fundamentais, uma vez que tais princípios consubstanciam-se em normas
plenamente aplicáveis, assim conclui-se que se constituem em direitos ou deveres, que
obrigam e vinculam Estado e indivíduos, e em sendo direitos para o individuo e
constituindo dever apontado ao detentor de poder, limitando sua atuação,
conseqüentemente, se impõe como Direitos Fundamentais.
Notadamente, se escolheu tal temática, dada a complexidade da
sociedade moderna, onde seria impensável a busca da sobrevivência por meio de métodos
ancestrais como a caça e a pesca, as quais se implementadas livremente, redundariam em
crimes contra o patrimônio alheio, bem como ao meio ambiente; uma vez que quase todas
as coisas, atualmente, possuem proprietários.
Tais métodos, usados alhures para saciar a fome, por exemplo, foram
substituídos pelos engendrados mecanismos do trabalho e da economia de mercado,
exigindo do indivíduo atuação completamente diferenciada na busca de sua sobrevivência,
e, sobretudo, para a manutenção de sua dignidade humana.
A pertinência do tema da valorização dos princípios, com destaque ao da
dignidade humana, se faz presente e permeia todo o desenvolvimento deste estudo, uma vez
que ampara a fundamentalidade dos direitos e garantias constitucionais.
Alias, os Direitos Fundamentais figuram no pólo central deste trabalho,
uma vez que se apresentam, expressamente, como clausulas pétreas em nossa Carta Magna.
O enfoque dos Princípios Constitucionais Tributários, aqui entendidos
como direitos fundamentais, por meio da conceituação extensiva possibilitada pelo § 2º do
art. 5º da Lei Maior, apresenta-se no Capítulo III, em que se conceituam tais princípios,
analisando suas espécies; reservando ainda, parte especial á análise de sua elevação ao
patamar de clausulas pétreas.
Assim, buscou-se no decorrer da análise do presente Capítulo estudar,
conceituar e asseverar a existência de direitos fundamentais inseridos, expressamente e
implicitamente, nos princípios constitucionais, mais especificamente nos princípios
constitucionais tributários; os quais ensejariam normas limitadoras ao poder de tributar do
Estado, por constituírem-se em direitos individuais fundamentais imutabilizados pelo art.
60 em seu § 4º, inciso IV.
A característica de fundamentalidade das normas oriundas destes
princípios constitucionais tributários apresenta-se pelo conteúdo material que encerram,
consubstanciando norma/valor, haja vista sua gênese principiológica, trazendo por
finalidade básica o respeito á dignidade humana.
Ressaltando aqui, que se defende uma intima ligação entre os direitos
fundamentais presentes no artigo 5º da Constituição Federal, quais sejam: vida, liberdade,
igualdade, segurança e propriedade; com os direitos fundamentais tributários, uma vez que
a elevação desmedida ou arbitrária de um tributo redundaria, inevitavelmente, numa
restrição ou supressão daqueles direitos. Vindo, por fim, no mínimo, a mitigar o principio
da dignidade da pessoa humana.
Assim assevera-se que a tributação mantém íntima ligação com os
princípios e direitos fundamentais, sobremaneira a dignidade humana; se não, vejamos;
atualmente a condição econômica e financeira do individuo constitui alicerce para a
existência e exercício efetivo de quase todos os demais direitos individuais, sobretudo os
concernentes á dignidade da pessoa humana.
O direito à vida, no que tange à alimentação; a saúde, que apesar da
existência da assistencial social pelo Estado, bem como o fornecimento de medicamentos,
percebe-se uma nítida dificuldade em atender toda a sociedade, ademais, de forma
eficiente; o direito à liberdade, especificamente de locomoção (ir e vir), apresenta-se
limitado pela questão do transporte, cuja utilização exige poder econômico e/ou pagamento
de taxas (IPVA, aquisição de veiculo, passagem, etc); o direito à igualdade, seara
caracterizada pelo exclusão e desigualdade social, que na maioria das vezes, é resultado do
status econômico do individuo; sem falar nos direitos sociais, como a educação, que
mesmo pública, ou é de má qualidade ou, quando satisfatória, geralmente de nível superior,
torna-se inacessível às camadas sem condição econômica; sem se aprofundar, ainda, na
analise da segurança, o lazer, etc, adentrando, como não poderia deixar, nos direitos sociais.
Assim sendo, forçoso admitir a importância da condição econômica do
individuo na garantia e exercício de tais direitos, sendo tal condição o pano de fundo para
execução dos direitos com qualidade.
Delimitada a importância do tema, conclui-se totalmente possível e
exigível a elevação dos princípios tributários constitucionais a condição de direitos
fundamentais, tanto pela sua fundamentalidade formal quanto, e, sobretudo, pela
materialidade do tema, como já pontuado, de crucial importância a amparar a existência da
tão desejada dignidade humana.
Assim sendo, e já conceituando aqueles princípios como direitos
fundamentais, é se obrigado, com base no próprio ordenamento jurídico, haja vista o § 2º
do art. 5º da Lei Maior, o qual, categoricamente, prescreve a existência de direitos
fundamentais em todo o corpo da Carta Magna, exaltando a materialidade dos direitos, em
detrimento de sua prescrição formal, assevera-se a afirmação da conseqüente imutabilidade
destes princípios constitucionais tributários, bem como as garantias individuais na seara
tributária, devendo o ente estatal tributante observar rigorosamente a limitação a que se
encontra obrigado, haja vista figurarem no tópico constitucional denominado “Das
Limitações do Poder de Tributar”.
Nesse ínterim, por meio do Capítulo IV, dispensamos atenção especial a
esta temática, especialmente necessária no intuito e efetivar a vigilância e proteção aos
referidos direitos fundamentais tributários.
Dissertamos sobre o uso da tributação como forma de o Estado intervir
na economia, conseqüentemente, na própria sociedade. Tal Capítulo apresenta-se essencial,
em vista da necessidade de se dar tutela aos direitos fundamentais por meio a atuação da
jurisdição.
Assevera-se a valorização do principio da legalidade, como ocorre na
seara penal, onde apenas por meio de lei, criada por procedimento formal e material
previamente estabelecido; entendo que o mesmo valor e status deve emanar do princípio
quando nortear a seara tributaria; infelizmente tal assertiva não apresenta consubstanciada,
haja vista as inúmeras alterações citadas por meio do poder constituinte reformador e até
por medida provisória.
Neste diapasão não se pode compactuar com alterações efetuadas na Lei
Maior, que venham a limitar direitos fundamentais tributários, quanto mais se engendradas
com a finalidade de extirpar referidos direitos.
Assim se assevera que mesmo por meio de Emenda Constitucional,
procedimento previsto na própria legislação superior, não se poderiam alterar tais direitos,
exceto se com o fito de lhes aumentar a abrangência.
Logo, entende-se, incabível ao Poder Constituinte Reformador navegar
por tal temática, uma vez constituírem clausulas pétreas, eivadas na condição de
imutabilidade, aceitando-se sua redução ou eliminação apenas, e tão-somente, por autoria
do Poder Constituinte Originário, sendo necessário, nessa esteira, uma Assembléia
Constituinte, considerando nossa atual condição de Estado Democrático de Direito, a
elaborar uma nova Constituição.
Infelizmente, e, ressalte-se, com grande pesar, depara-se com a redução
ou mitigação de direitos fundamentais tributários, haja vista a possibilidade de criação e
majoração de tributos por meio de Medida Provisória, em flagrante desrespeito e vilipêndio
ao Princípio da Legalidade, amparado no art. 150, I da Carta Magna, ocorrida por meio de
Emenda a Constituição, com o conluio dos representantes da população, fato lamentável,
que neste estudo, não nos damos ao trabalho de criticar, dado o regime democrático que
buscamos defender; mas sobretudo tal alteração, a nosso ver inconstitucional, encontrou
guarida no Pretório Excelso, justamente os guardiões da Constituição Federal, entende-se
aqui um claro posicionamento ideológico, outro argumento que tecemos e que determina
sobremaneira a adoção ou não de nossa linha de entendimento.
Urge asseverar que a tutela dos direitos fundamentais tributários por
meio da jurisdição se faz imprescindível; assim a vigilância pela sua manutenção, respeito,
proteção e exigência apresenta-se como obrigação do Estado, como um todo.
Ao legislador cabe o respeito ao devido processo legal, quando na
função inerente de legislar; devendo considerar tanto o aspecto formal do Due Process of
Law como o seu aspecto material, tema de análise especifica no Capítulo IV, tal a sua
influencia na tutela dos direitos fundamentais.
Mas diante da inobservância do devido processo legal, cabe ao
Judiciário, como guardião do ordenamento jurídico, apresentar-se; concretizando as
garantias que próprio ordenamento impõe, sobretudo, aqueles presentes no processo
constitucional, como o habeas corpus, o mandado de segurança, as formas de controle de
constitucionalidade; mecanismos inerentes à função jurisdicional do Estado.
Coibindo, assim, o desrespeito ao procedimento, no âmbito formal,
quando as regras do processo legislativo forem desconsideradas, bem como em seu
contexto material, diante de iniqüidade na atuação legislativa; a qual ocorre, por exemplo,
quando a titulo de tributar a propriedade, o Estado acaba por destruí-la, por meio do
confisco, situação expressamente vedada pela Constituição Tributária, mas que poderia
estar embutida, ardilosamente, na majoração do tributo.
Nesse ínterim é importante ressaltar que apesar do referido apoio á
mitigação do princípio da legalidade tributária, os Ministros do Supremo Tribunal Federal,
em várias oportunidades, como também foi citado, esmeraram-se em defender e conceituar
a fundamentalidade dos direitos fundamentais tributários que limitam a atuação do ente
tributante, posicionamento que, apesar de não elidir a conivência com a citada alteração
constitucional via Emenda, veio enriquecer posicionamentos similares aos defendidos neste
estudo.
Aliás, nos conforta a constatação de tantos eméritos juristas e
doutrinadores, felizmente com maior mestria, enfileirarem-se na defesa das garantias e
direitos fundamentais tributários; também guindando-os ao status clausulas pétreas e
corolário da dignidade da pessoa humana.
No Capítulo V dissertamos sobre a iniciativa do legislativo, assaz
importante ao presente estudo, de criar o “Estatuto do Contribuinte”, ou como preferem
alguns autores, Código de Defesa do Contribuinte, em evidente referencia ao Código
Consumerista.
Tal analise se faz significativa diante da intencional busca, no presente
estudo, de garantir a tutela dos direitos fundamentais tributários; a qual, apesar da
existência constitucional, ganharia ainda maior relevo se consubstanciada em codificação
própria.
O Código do Contribuinte viria a dar, citando Carrazza, operatividade e
plena eficácia aos mandamentos constitucionais; uma vez que, apesar da existência do
Código Tributário Nacional, este vem consubstanciar, precipuamente, os deveres do
contribuinte, mas muito pouco se refere a seus direitos.
Ilustra-se sua importância por meio de referencia a iniciativas
internacionais no mesmo sentido, países como Estados Unidos, Itália, Canadá, Espanha,
entre outras, já se conscientizaram da importância da codificação especifica do tema, a fim
de garantir os direitos dos contribuintes, frise-se, presentes em nossa Constituição Federal,
bem como coibir os excessos do Estado tributante.
O citado Código traria regras amparadas em Princípios Constitucionais
tributários e direitos fundamentais da mesma estirpe, dirimindo, por estarem
especificamente expressas, quaisquer dúvidas ou interpretações equivocadas, parciais ou
tendenciosas na relação fisco e contribuinte.
Concluímos, assim, termos atingido o objetivo desta dissertação,
comprovar a existência de direitos fundamentais extraídos dos Princípios Constitucionais
tributários, os quais exercem uma função axiologicamente mais importante que a das
regras, constituindo-se, como alicerce do sistema, redundando em normas e direitos,
explícitos ou implícitos, mas dotados de força cogente.
Logo, em constituindo direitos aos indivíduos enquanto contribuintes,
atuando, então, como limitador das ações dos demais indivíduos, e sobremaneira, do
Estado; configuram direitos fundamentais, tais como os expressos no art. 5º da Carta
Magna, e mantêm sua fundamentalidade, apesar de figurarem em posição geográfica
diversa, com base no §2º do mesmo art. 5º.
Em conseqüência, apresentam-se como cláusulas pétreas, como os
demais direitos fundamentais, por força do inciso IV do art. 60 da Constituição Federal; e
assim, tornando-se impossível sua supressão, exceto pelo Poder Constituinte Originário.
Por fim, mas não menos importante, a constante lembrança de que uma
Lei Maior existe, para, entre outras objetivos, limitar o poder do Estado, sempre seduzido
pelo exercício de sua atuação, limitação esta efetivada por meio da concessão de direitos
aos indivíduos, verdadeiras salvaguardas obtidas após séculos de luta e determinação.
Assim, imperativo, a tutela, principalmente pela jurisdição processual constitucional, dos
direitos fundamentais tributários, exigindo-se o respeito não apenas a norma, mas,
sobretudo a pessoa humana, origem e fim de normas, princípios e valores.
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. Central de Concursos – www.centraldeconcursos.com.br
. Folha Online – www.folhaonline.com.br
. Heritage Foundation – www.heritage.org
. Instituto Liberal – www.institutoliberal.org.br
. Ministério do Planejamento – http://www.planejamento.gov.br
. ONU – www.hdr.undp.org
. Presidência da República – www.planalto.gov.br
. Radiobrás – www.radiobras.gov.br
. Senado Federal – www.senado.gov.br
. www.direitosdocontribuinte.com.br
ANEXOS
Anexo A – Projeto de Lei nº 646/1999 e suas justificativas:
PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR DO SENADO Nº 646, DE 1999
Dispõe sobre os direitos e as garantias do contribuinte e dá outras providências.
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º. Esta Lei Complementar estabelece normas gerais sobre direitos e garantias
aplicáveis na relação tributária do contribuinte com as administrações fazendárias da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (artigos 24, inciso I e seu §1º, e 146,
incisos II e III, da Constituição Federal).
§1º. São contribuintes, para os efeitos desta Lei Complementar e para os das leis federais,
estaduais, municipais e do Distrito Federal que dela decorram, as pessoas físicas ou
jurídicas em qualquer situação de sujeição passiva tributária, inclusive a responsabilidade, a
substituição, a solidariedade e a sucessão tributárias, além do referido no art. 121, parágrafo
único, inciso I, do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966).
§2º. Estão sujeitos às disposições desta Lei Complementar, também, os agentes de retenção
dos tributos, os representantes legais ou voluntários e os legalmente obrigados a colaborar
com o fisco.
Art. 2º. A instituição ou majoração de tributos atenderá aos princípios da justiça tributária.
Parágrafo único. Considera-se justa a tributação que atenda aos princípios da isonomia, da
capacidade contributiva, da eqüitativa distribuição da carga tributária, da generalidade, da
progressividade e da não- confiscatoriedade.
Art. 3º. Os direitos e garantias do contribuinte disciplinados na presente Lei serão
reconhecidos pela Administração Fazendária, sem prejuízo de outros decorrentes da
Constituição Federal, dos princípios nela expressos e dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte.
CAPÍTULO II
DAS NORMAS FUNDAMENTAIS
Art. 4º. A legalidade da instituição do tributo (art. 150, inciso I, da Constituição Federal)
pressupõe a estipulação expressa de todos os elementos indispensáveis à incidência, quais
sejam, a descrição objetiva da materialidade do fato gerador; a indicação dos sujeitos do
vínculo obrigacional, da base de cálculo e da alíquota, bem como dos aspectos temporal e
espacial da obrigação tributária.
Art. 5º. Somente a lei, observado o princípio da anterioridade (art. 150, inciso III, alínea b e
art. 195, §6º, da Constituição Federal), pode estabelecer a antecipação do prazo para
recolhimento do tributo, a alteração de condições que, de qualquer forma, onerem o
contribuinte, bem como a estipulação de requisitos que modifiquem os meios ou modos
operacionais de apuração do débito tributário.
Art. 6º. As leis instituidoras de taxa deverão identificar expressamente o serviço prestado
ou posto à disposição do obrigado ou indicar expressamente o exercício do poder de polícia
que justificar a medida.
Art. 7º. Os impostos atribuídos à competência das pessoas políticas de direito
constitucional interno terão, entre si, fatos geradores e base de cálculo diferentes, de tal
modo que possam ser objetivamente identificados.
Art. 8º. Somente lei complementar poderá estabelecer requisitos para a fruição das
imunidades tributárias previstas nos artigos 150, inciso VI, alínea c e 195, §7º, da
Constituição Federal.
Art. 9º. O jornal oficial, ou o periódico que o substitua, deverá, no caso de instituição ou
majoração de tributos submetidos ao princípio da anterioridade tributária (art. 150, inciso
III, alínea b, da Constituição Federal), ter comprovadamente circulado e ficado acessível ao
público até o dia 31 de dezembro do ano anterior ao da cobrança do tributo.
Parágrafo único. É vedada a tiragem de edição especial ou extraordinária dos órgãos de
divulgação mencionados no caput quando veiculem lei que institua ou aumente tributo ou
qualquer matéria de natureza tributária.
Art. 10. O exercício dos direitos de petição e de obtenção de certidão em órgãos públicos
(art. 5º, inciso XXXIV, alíneas a e b, da Constituição Federal) independe de prova de o
contribuinte estar em dia com suas obrigações tributárias, principais ou acessórias.
Art. 11. As leis, regulamentos e demais normas jurídicas que modifiquem matéria
tributária indicarão, expressamente, as que estejam sendo revogadas ou alteradas,
identificando, com clareza, o assunto, a alteração e o objetivo desta.
Art. 12. A Administração Fazendária assegurará aos contribuintes o pleno acesso às
informações acerca das normas tributárias e à interpretação que oficialmente lhes atribua.
Art. 13. Não será admitida a aplicação de multas ou encargos de índole sancionatória em
decorrência do acesso à via judicial por iniciativa do contribuinte.
Art. 14. É vedada, para fins de cobrança extrajudicial de tributos, a adoção de meios
coercitivos contra o contribuinte, tais como a interdição de estabelecimento, a proibição de
transacionar com órgãos e entidades públicas e instituições oficiais de crédito, a imposição
de sanções administrativas ou a instituição de barreiras fiscais.
Parágrafo único. Os regimes especiais de fiscalização, aplicáveis a determinados
contribuintes, somente poderão ser instituídos nos estritos termos da lei tributária.
Art. 15. Os efeitos da decisão transitada em julgado, em controle difuso ou em ação direta,
proclamando a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual, municipal ou
do Distrito Federal, não implicarão exigência de complementação, no âmbito
administrativo ou judicial, do valor do crédito tributário extinto anteriormente à vigência da
decisão.
Art. 16. Somente o Poder Judiciário poderá desconsiderar a personalidade jurídica de
sociedade, quando, em detrimento da Administração Fazendária, houver comprovado abuso
de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou
contrato social.
§1º. A desconsideração da personalidade jurídica por decisão judicial ocorrerá também nos
casos de falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da empresa,
provocados por má administração.
§2º. A desconsideração somente pode ser realizada em relação a terceiros que, nos termos
da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976), detenham
poder de controle sobre a empresa.
§3º. A desconsideração fica limitada aos sócios da pessoa jurídica e exige prova
inequívoca de que a sociedade foi utilizada para acobertamento dos sócios e utilizada como
instrumento de fraude.
Art. 17. Presume-se a boa-fé do contribuinte até que a Administração Fazendária
comprove o contrário.
Parágrafo único. Ninguém será obrigado a atestar ou testemunhar contra si próprio,
considerando-se ilícita a prova assim obtida do contribuinte (art. 5º, inciso LVI,
Constituição Federal).
Art. 18. Além dos requisitos de prazo, forma e competência, é vedado à legislação
tributária estabelecer qualquer outra condição que limite o direito à interposição de
impugnações ou recursos na esfera administrativa.
§1º. Nenhum depósito, fiança, caução, aval ou qualquer outro ônus poderá ser exigido do
contribuinte, administrativamente ou em juízo, como condição para admissibilidade de
defesa ou recurso no processo tributário-administrativo ou no processo judicial.
§2º. Excetua-se do disposto neste artigo a garantia da execução fiscal, nos termos da lei
processual aplicável.
CAPÍTULO III
DOS DIREITOS DO CONTRIBUINTE
Art. 19. São direitos do contribuinte:
I - ser tratado com respeito e urbanidade pelas autoridades e servidores, que deverão
facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações;
II - poder exercer os seus direitos, ter acesso às informações de que necessite e dar
cumprimento às suas obrigações;
III - formular alegações e apresentar documentos antes das decisões administrativas, e tê-
los considerados por escrito e fundamentadamente;
IV - ter ciência formal da tramitação dos processos administrativo-tributários em que tenha
a condição de interessado, deles ter vista e obter as cópias que requeira, e conhecer
formalmente as decisões neles proferidas;
V - fazer-se assistir por Advogado;
VI - identificar o servidor de repartição fazendária e conhecer-lhe a função e atribuições do
cargo;
VII - receber comprovante pormenorizado dos registros, documentos, livros e mercadorias
entregues à fiscalização fazendária ou por ela apreendidos;
VIII - prestar informações apenas por escrito às autoridades fazendárias, em prazo não
inferior a 5 (cinco) dias;
IX - ser informado dos prazos para pagamento das prestações a seu encargo, inclusive
multas e acessórios, com orientação completa quanto ao procedimento a adotar e à
existência de hipóteses de redução do montante exigido;
X - recolher o tributo no órgão competente, sem prejuízo de poder fazê-lo junto à rede
bancária autorizada;
XI - obter certidão negativa de débito, ainda que o crédito tributário tenha sido extinto por
causa diversa do pagamento, ou se tornado inexigível, sem prejuízo de nela constar a razão
determinante da extinção ou da inexigibilidade;
XII - receber, no prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável justificadamente uma única vez e por
igual período, resposta fundamentada a pleito formulado à Administração Fazendária,
inclusive pedido de certidão negativa, sob pena de responsabilização funcional do agente;
XII - receber, no prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável justificadamente uma única vez e por
igual período, resposta fundamentada a pleito formulado à Administração Fazendária,
inclusive pedido de certidão negativa, sob pena de responsabilização funcional, pessoal e
patrimonial do agente;
XIII - ter preservado, perante a Administração Fazendária, o sigilo de seus negócios,
documentos e operações, quando não envolvam os tributos objeto de fiscalização;
XIV - não ser obrigado a exibir documento que já se encontre em poder da administração
pública;
XV - receber da Administração Fazendária, no que se refere a pagamentos, reembolsos,
juros e atualização monetária, o mesmo tratamento que esta dispensa ao contribuinte, em
idênticas situações.
Art. 20. A Administração Fazendária informará, semestralmente, a carga tributária
incidente sobre mercadorias e serviços, inclusive bancários (art. 150, §5º, da Constituição
Federal).
§1º. Será especialmente informada a carga tributária incidente sobre as mercadorias que
compõem a cesta básica.
§2º. A não-edição de pautas que contenham os valores e informações a que alude este
artigo configura infração funcional do responsável.
Art. 21. O contribuinte será informado do valor cadastral dos bens imóveis e dos
procedimentos de sua obtenção, para fins de ciência dos elementos utilizados na
exigibilidade dos impostos que incidam sobre a propriedade imobiliária e a transmissão dos
direitos a ela relativos.
Parágrafo único. Configura excesso de exação a avaliação administrativa do imóvel em
valores manifestamente superiores aos de mercado, por ela respondendo solidariamente
quem assinar o laudo e seu superior imediato, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
Art. 22. O contribuinte tem direito de, na forma da lei, ser notificado da cobrança de tributo
ou multa.
Parágrafo único. Além do disposto no art. 42 desta Lei, a notificação deverá indicar as
impugnações cabíveis, o prazo para sua interposição, o órgão competente para julgamento,
o valor cobrado e seu respectivo cálculo, e, de maneira destacada, o não condicionamento
da defesa a qualquer desembolso prévio.
Art. 23. O órgão no qual tramita o processo administrativo tributário determinará a
intimação do interessado para ciência de decisão ou efetivação de diligências.
§1º. A intimação deverá conter:
I - a identificação do intimado e o nome do órgão ou entidade administrativa;
II - a finalidade da intimação;
III - a data, hora e local de comparecimento;
IV - informação sobre a necessidade de comparecimento pessoal ou possibilidade de se
fazer representar;
V - informação sobre a possibilidade de continuidade do processo independentemente de
seu comparecimento;
VI - a indicação dos fatos e fundamentos legais pertinentes.
§2º. A intimação observará a antecedência mínima de 5 (cinco) dias úteis quanto à data de
comparecimento.
§3º. A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de
recebimento, por telegrama ou por outro meio que assegure a certeza da ciência do
interessado.
§4º. No caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido, a
intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial.
§5º. As intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais.
§6º. O comparecimento do contribuinte supre a falta ou a irregularidade da intimação.
Art. 24. Serão objeto de intimação os atos do processo de que resultem, para o interessado,
a imposição de deveres, ônus, sanções ou restrições ao exercício de direitos e atividades,
assim como os atos de outra natureza que produzam efeito na relação tributária.
Art. 25. Sem prejuízo dos ônus da sucumbência, o contribuinte será reembolsado do custo
das fianças e outras garantias da instância judicial, para a suspensão do crédito tributário,
quando este for julgado improcedente.
Art. 26. A existência de processo administrativo ou judicial pendente, em matéria tributária,
não impedirá o contribuinte de fruir de benefícios e incentivos fiscais ou financeiros, nem
de ter acesso a linhas oficiais de crédito e de participar de licitações.
Art. 27. São assegurados, nos processos administrativo fiscal, o contraditório, a ampla
defesa e o duplo grau de deliberação.
§1º. A segunda instância administrativa será organizada como colegiado, no qual terão
assento, de forma paritária, representantes da administração e dos contribuintes.
§2º. O disposto neste artigo não se aplica ao processo administrativo de consulta nem ao
relativo a perdimento de bens.
Art. 28. A autuação do contribuinte depende da análise de sua defesa prévia, apresentada
em 5 (cinco) dias a contar da intimação.
Parágrafo único. A não-apresentação de defesa prévia não impede o prosseguimento do
processo, mas não implica confissão quanto à matéria de fato.
Art. 29. O crédito tributário do contribuinte, assim reconhecido em decisão administrativa
definitiva ou sentença judicial transitada em julgado, poderá, por opção sua, ser
compensado com débitos relativos à mesma Fazenda Pública.
Parágrafo único. Ao crédito tributário do contribuinte, objeto da compensação a que se
refere o caput deste artigo, aplicam-se os mesmos índices de correção monetária incidentes
sobre os débitos fiscais, contados desde o pagamento indevido, bem como juros contados
da decisão definitiva que o reconheceu.
Art. 30. Na hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário pelo depósito do
seu montante integral, o valor respectivo será aplicado, por ordem do Juízo, em conta
remunerada segundo, no mínimo, os índices de atualização e rentabilidade aplicáveis à
caderneta de poupança.
CAPÍTULO IV
DAS CONSULTAS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
Art. 31. Os contribuintes e as entidades que os representam poderão formular consultas à
Administração Fazendária acerca da vigência, da interpretação e da aplicação da legislação
tributária, observado o seguinte:
I - as consultas deverão ser respondidas por escrito no prazo máximo de 30 (trinta) dias,
prorrogável uma única vez, por igual período, fundamentadamente, sob pena de
responsabilização funcional;
II - a pendência da resposta impede a autuação por fato que seja objeto da consulta;
III - a ausência de resposta no prazo previsto no inciso I implicará aceitação, pela
Administração Fazendária, da interpretação e do tratamento normativo dado pelo
contribuinte à hipótese objeto da consulta.
Parágrafo único. A Administração Fazendária é administrativa e civilmente responsável por
dano que a conduta de acordo com a resposta à consulta imponha ao contribuinte.
Art. 32. Os contribuintes têm direito à igualdade entre as soluções a consultas relativas a
uma mesma matéria, fundadas em idêntica norma jurídica.
§1º. A diversidade de tratamento administrativo-normativo a hipóteses idênticas permite ao
contribuinte a adoção do entendimento que lhe seja mais favorável.
§2º. As respostas às consultas serão publicadas na íntegra no jornal oficial ou periódico que
o substitua.
Art. 33. Os princípios que regem o procedimento previsto para a discussão do lançamento
tributário são aplicáveis, no que couber, ao direito de consulta do contribuinte.
CAPÍTULO V
DOS DEVERES DA ADMINISTRAÇÃO FAZENDÁRIA
Art. 34. A Administração Fazendária, no desempenho de suas atribuições, pautará sua
atuação de forma a impor o menor ônus possível aos contribuintes, assim no procedimento
e no processo administrativo, como no processo judicial.
Art. 35. A utilização de técnicas presuntivas depende de publicação, com antecedência
mínima de 30 (trinta) dias, das orientações a serem seguidas e de sua base normativa, para
conhecimento do sujeito passivo a fim de que este possa, se for o caso, impugnar sua
aplicação.
Parágrafo único. Os indícios, presunções, ficções e equiparações legais não poderão ser
instituídos para desvincular a pretensão ao tributo da ocorrência do fato gerador, como
definido na Constituição Federal e na lei complementar.
Art. 36. O parcelamento do débito tributário implica novação, fazendo com que o
contribuinte retorne, a este título, ao pleno estado de adimplência, inclusive para fins de
obtenção de certidões negativas de débitos fiscais.
Art. 37. É vedado à Administração Fazendária, sob pena de responsabilidade funcional de
seu agente:
I - recusar, em razão da existência de débitos tributários pendentes, autorização para o
contribuinte imprimir documentos fiscais necessários ao desempenho de suas atividades;
II - induzir, por qualquer meio, a autodenúncia ou a confissão do contribuinte, por meio de
artifícios ou prevalecimento da boa-fé, temor ou ignorância;
III - bloquear, suspender ou cancelar inscrição do contribuinte, sem a observância dos
princípios do contraditório e da prévia e ampla defesa;
IV - reter, além do tempo estritamente necessário à prática dos atos assecuratórios de seus
interesses, documentos, livros e mercadorias apreendidos dos contribuintes, nos casos
previstos em lei;
V - fazer-se acompanhar de força policial nas diligências ao estabelecimento do
contribuinte, salvo se com autorização judicial na hipótese de justo receio de resistência ao
ato fiscalizatório; e
VI - divulgar, em órgão de comunicação social, o nome de contribuintes em débito.
Parágrafo único. O direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e
efeitos comerciais ou fiscais dos contribuintes restringe-se aos tributos de competência da
pessoa política que realizar a fiscalização.
Art. 38. O agente da Administração Fazendária não poderá deixar de receber requerimentos
ou comunicações apresentados para protocolo nas repartições fazendárias, sob pena de
responsabilização funcional.
Art. 39. A Administração Fazendária obedecerá, dentre outros, aos princípios da justiça,
legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla
defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Art. 40. Nos processos administrativos perante a Administração Fazendária, serão
observados, dentre outros critérios, os de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;
II - atendimento aos fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou
competências, salvo autorização de lei;
III - objetividade no atendimento do interesse jurídico, vedada a promoção pessoal de
agentes ou autoridades;
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas
na Constituição;
VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções
em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;
VII - indicação dos pressupostos e fundamentos de fato e de direito que determinarem a
decisão;
VIII - observância das formalidades necessárias, essenciais à garantia dos direitos dos
contribuintes;
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza,
segurança e respeito aos direitos dos contribuintes;
X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de
provas e à interposição de recursos nos processos de que possam resultar sanções e nas
situações de litígio;
XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;
XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo tributário, sem prejuízo da atuação
dos interessados.
Art. 41. É obrigatória a emissão de decisão fundamentada, pela Administração Fazendária,
nos processos, solicitações ou reclamações em matéria de sua competência, no prazo
máximo de 30 (trinta) dias, prorrogável, justificadamente, uma única vez e por igual
período.
Art. 42. Os atos administrativos da Administração Fazendária, sob pena de nulidade, serão
motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III - decidam recursos administrativo-tributários;
IV - decorram de reexame de ofício;
V - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres,
laudos, propostas e relatórios oficiais; ou
VI - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo-
tributário.
§1º. A motivação há de ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração
de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou
propostas que, neste caso, serão parte integrante do ato.
§2º. É permitida a utilização de meio mecânico para a reprodução de fundamentos da
decisão, desde que haja identidade do tema e que não reste prejudicado direito ou garantia
do interessado.
§3º. A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais
constará da respectiva ata ou de termo escrito.
Art. 43. A ação penal contra o contribuinte, pela eventual prática de crime contra a ordem
tributária, assim como a ação de quebra de sigilo, só poderão ser propostas após
o encerramento do processo administrativo que comprove a irregularidade fiscal.
§1º. A tramitação do processo administrativo suspende a fluência do lapso prescricional
penal.
§2º. O ajuizamento de ação de quebra de sigilo antes do encerramento do processo
administrativo-tributário será admitido somente quando essencial à comprovação da
irregularidade fiscal em apuração.
Art. 44. O processo de execução fiscal somente pode ser ajuizado ou prosseguir contra
quem figure expressamente na certidão da dívida ativa como sujeito passivo tributário.
§1º. A execução fiscal em desacordo com o disposto no caput deste artigo admite
indenização judicial por danos morais, materiais e à imagem.
§2º. A substituição de certidão de dívida ativa após a oposição de embargos à execução
implica sucumbência parcial incidente sobre o montante excluído ou reduzido da certidão
anterior.
Art. 45. É obrigatória a inscrição do crédito tributário na dívida ativa no prazo de até 30
(trinta) dias contados de sua constituição definitiva, sob pena de responsabilidade funcional
pela omissão.
Art. 46. O termo de início de fiscalização deverá obrigatoriamente circunscrever
precisamente seu objeto, vinculando a Administração Fazendária.
Parágrafo único. Do termo a que alude o caput deverá constar o prazo máximo para a
ultimação das diligências, que não poderá exceder a 90 (noventa) dias, prorrogável
justificadamente uma única vez e por igual período.
CAPÍTULO VI
DA DEFESA DO CONTRIBUINTE
Art. 47. A defesa dos direitos e garantias dos contribuintes poderá ser exercida
administrativamente ou em juízo, individualmente ou a título coletivo.
§1º. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos desta Lei, os
transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos desta Lei, os
transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de
pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de
origem comum.
§2º. Para os fins do §1º deste artigo, são legitimados concorrentemente:
I - o Ministério Público; e,
II - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus
fins institucionais a defesa dos interesses, direitos e garantias protegidos por esta Lei,
dispensada a autorização assemblear.
§3º. O requisito de pré-constituição a que se refere o §2º deste artigo pode ser dispensado
pelo Juiz quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou
característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
§4º. Nas ações coletivas a que se refere este artigo não haverá adiantamento de custas,
emolumentos, honorários periciais ou quaisquer outras despesas, nem condenação da
associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogados, custas e despesas
processuais.
§5º. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela
propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao
décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.
Art. 48. Para a defesa dos direitos e garantias protegidos por esta Lei são admissíveis todas
as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela, observadas as
normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.
CAPÍTULO VII
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 49. O parágrafo único e seu inciso I, do art. 174 do Código Tributário Nacional (Lei nº
5.172, de 25 de outubro de 1966), passam a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 174. (...)
Parágrafo único. A fluência do lapso prescricional tributário interrompe-se:
I - pela decisão interlocutória do Juiz que ordena a citação (art. 8º, §2º, da Lei nº 6.830/80);
(...)."
Art. 50. Ficam revogados:
I - o art. 193 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966);
II - o § 3º do art. 6º; o § 3º do art. 11 e os artigos 25, 26, 34 e 38 da Lei de Execuções
Fiscais (Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980).
Art. 51. O caput e o § 3º do art. 40 da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830, de 22 de
setembro de 1980), passam a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 40. O Juiz suspenderá o curso da execução enquanto não for localizado o devedor ou
encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora e, nestes casos, o prazo de
prescrição será de 5 (cinco) anos. (...)
§3º. Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados
os autos para prosseguimento da execução, observado o prazo do 'caput' deste artigo."
Art. 52. Esta Lei entrará em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após a sua publicação.
Art. 53. Revogam-se as disposições em contrário.
JUSTIFICATIVA
O projeto de "Código de Defesa do Contribuinte" abre a página de uma
nova cidadania. Com ele o cidadão-contribuinte passa a ter uma relação de igualdade
jurídica com o Fisco para, mediante co-responsabilidade cívica, tratarem juntos, e com
transparência democrática, da origem e da aplicação da arrecadação pública. Os deveres e
os direitos são mútuos; nada se presume negativamente contra um ou outro; o quanto se
decidir, a favor de um ou outro, será mediante expressa indicação dos fatos e motivada
declinação do direito.
2. A justa compreensão do que aqui se propõe, para daí extrair o quanto
a sociedade civil tem o direito de ver e sentir da ação estatal, exige um repensar crítico de
métodos e presunções do direito público. O projeto implica, substancialmente, uma
revolução cultural na compreensão da Constituição, para nela se ler o quanto em outras
sociedades democráticas, mais sólidas e corajosas no reconhecer e tornar eficazes os
direitos da cidadania, já o fizeram há séculos ou décadas.
Não se cuida de interpretar nossa Carta Magna, mas de construí-la. Se na
interpretação circunscreve-se o aplicador a compreender a norma para torná-la coerente
com o sistema positivado no qual se insere, e daí extrair a solução do caso concreto, já na
construção seu trabalho é reler a Constituição em face dos novos fatos políticos e das novas
demandas sociais para sobre eles projetar os princípios fundamentais implícitos da Carta e,
destarte, dar-lhes solução justa sem ruptura institucional, sem cismas sociais e sem a
necessidade de sucessivas e infindáveis emendas.
Mediante construção o legislador, assim como o intérprete e o aplicador
da lei, não só reconsubstanciam os mecanismos de igualdade jurídica concebidos pelo
constituinte originário, como também, e mais fundamentalmente, revivificam os ideais de
justiça social da sociedade civil.
Foi esta leitura construtiva da Constituição, como meio de sua renovação
constante, que tornou possível, às sociedades libertárias que inspiraram o
constitucionalismo moderno, responder às demandas advindas com o tempo. Não se pode
admitir, sob pena de confissão de fracasso, que não tenha tido idêntica vontade o
constituinte brasileiro de 1988.
De outra parte, há que se ter presente que vive hoje o mundo a era dos
direitos legislados. A cidadania não se satisfaz mais com meras declarações de direitos -
todo direito é. Assim, a Constituição brasileira tornou expresso que "as normas definidoras
dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata" (art. 5º, §1º). Longe está o
tempo de ter o cidadão seus direitos fundamentais subordinados à discricionariedade do
Estado mediante cláusulas de eficácia contida ou não auto-aplicáveis ou apenas
programáticas.
Os regimes de liberdade sempre rejeitaram essa visão positivista radical
que caracterizou os regimes autoritários da democracia formal. Não há mais no mundo
moderno da cidadania ativa, no qual definitivamente se insere o Brasil, espaço para
constituições semânticas, nas quais sobre a cidadania pende a espada de Dâmocles nas
mãos dos dirigentes de plantão. Tanto somos parte dessa universalidade dos direitos que em
1988 dispôs o constituinte que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte" (art. 5º, §2º).
3. Igualmente indispensável ter presente que o projeto não se limita a
revisitar os direitos e garantias fundamentais plasmados na Constituição, mas, também e
principalmente, deles extrair seus consectários necessários para, daí, em passo seguinte,
condicionar a interpretação e a jurisprudência do direito tributário. Por isso mesmo, este
Código põe fim a rixas doutrinárias e resolve divergências de jurisprudência, harmonizando
a aplicação do direito com o objetivo de conferir previsibilidade e estabilidade à relação
jurídica do contribuinte com o Fisco.
Nesse espírito, não se ocupa o projeto, salvo o explicitado em suas
disposições finais, em revogar ou reescrever disposições do Código Tributário Nacional.
Não se pode perder de vista que, concebido embora sob o influxo democrático da
Constituição de 1946, o direito tributário brasileiro codificado em 1966, particularmente
nas relações do Fisco com o contribuinte, foi implementado sob as condições autocráticas
das Cartas de 1967 e 1969. Daí o propósito do Código de Defesa do Contribuinte de
interpretar o direito tributário nacional nos moldes libertários da Constituição de 1988 e da
jurisprudência dela resultante, cuja sede é a sociedade civil, e cujo objeto maior é
harmonizar, sob condições de igualdade jurídica, os interesses individuais e coletivos em
face do Estado.
A destinação exata deste projeto, por conseguinte, se põe na forma do
art. 2º, §2º, da Lei de Introdução ao Código Civil: "A lei nova, que estabeleça disposições
gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior". É, pois,
um projeto que encerra lei de caráter explicativo, para o fim de submeter o direito vigente,
consolidado e expandido em um regime político autocrático, ao sentido democrático e ao
espírito libertário da Constituição de 1988. Desta, da evidente prevalência dos direitos
humanos e da concepção de uma sociedade civil controladora e legitimadora do Estado,
decorre a obrigação do Congresso Nacional de conferir eficácia construtiva ao direito
anterior, recepcionado em 1988, mediante exegese compatível com os comandos
normativos objetivos da Lei Maior.
II
4. O presente projeto de lei complementar torna eficaz, na relação do
cidadão-contribuinte com o Fisco, a ordem de valores normatizados no sistema
constitucional brasileiro.
No que complementa e explica, para tornar substantivamente eficazes, os
dispositivos constitucionais sobre a declaração de direitos fundamentais do contribuinte e
sobre os princípios de justiça fiscal condicionadores da tributação, põe a sociedade civil em
pé de igualdade legal com os gerentes estatais na busca e consecução dos grandes ideais de
justiça social e redistribuição da riqueza mediante a tributação. Em outras palavras, cuida
de sistematizar e unificar as regras referentes ao estatuto do contribuinte.
5. Assiste-se, nesta virada de século, a um extraordinário fortalecimento
dos direitos fundamentais, seja no plano das legislações internas e dos tratados
internacionais, seja no campo da reflexão jurídica e da busca da sua justificativa ética.
Nessa perspectiva, os direitos fundamentais do contribuinte passam a ter nova relevância. A
Constituição de 1988 dedica todo um capítulo (art. 150 a 152) às limitações ao poder de
tributar, que consubstanciam os direitos básicos do cidadão frente ao poder fiscal do Estado
e que se colocam como contraponto tributário do elenco dos direitos e garantias
proclamados e assegurados pelo art. 5º.
As normas constitucionais, contudo, por sua generalidade e abertura,
necessitam de complementação na via legislativa a fim de harmonizar os direitos humanos
e o ordenamento tributário positivo.
Por outro lado, reafirma-se a preocupação com a justiça fiscal, que,
sendo especial emanação da idéia de justiça social, necessita de princípios positivados que a
instrumentalizem.
Esses dois vetores - os direitos fundamentais do contribuinte e a busca
da justiça fiscal - passam a vincular o direito hodierno no plano nacional e no internacional.
Alguns tratados, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José
da Costa Rica - 1969), dispõem sobre os direitos básicos dos contribuintes. Nos Estados
Unidos foi aprovada, em 30 de julho de 1996, a Declaração de Direitos do Contribuinte II
(Taxpayer Bill of Rights II), que alterou o Código de Rendas Internas de 1986 (Internal
Revenue Code) para fortalecer a proteção aos contribuintes.
Na Espanha publicou-se a "Ley de Derechos y Garantias de los
Contribuyentes" - LDGC (nº 1/1998, de 26 de fevereiro), que "regula os direitos e garantias
básicas dos contribuintes em suas relações com as Administrações tributárias" e que,
segundo sua Exposição de Motivos, constituiu "um marco de inegável transcendência no
processo de reforço do princípio da segurança jurídica característico das sociedades
democráticas mais avançadas, permitindo, ademais, aprofundar a idéia de equilíbrio das
situações jurídicas da Administração tributária e dos contribuintes, com a finalidade de
favorecer a estes o melhor cumprimento voluntário das obrigações".
6. O Código de Defesa do Contribuinte, que ora se propõe, tem, por
conseguinte, o objetivo de fortalecer a cidadania fiscal, complementando as normas
constitucionais pertinentes e compatibilizando a legislação brasileira com a internacional
num momento de globalização e expansão das economias nacionais.
III
7. Destaquem-se, de início, algumas disposições que, no projeto, mais
afetam a relação do cidadão-contribuinte com Fisco e mais demandam o repensar de
práticas consagradas no nosso direito público.
A cláusula que conceitua justiça tributária como aquela que "atenda aos
princípios constitucionais da isonomia, da capacidade contributiva, da eqüitativa
distribuição da carga tributária, da generalidade, da progressividade e da não-
confiscatoriedade" (art. 2º, parágrafo único). São parâmetros para a validade dos tributos,
tanto para o Fisco que o institua, quanto para o contribuinte que o conteste. Sua abstração
cederá à eficácia no exame de cada caso concreto, seja no plano administrativo ou no
processo judicial.
Tal norma, em combinação com aquelas que dispõem sobre o processo
administrativo-tributário e a fundamentação dos atos da Administração Fazendária, abre
campo novo à relação do cidadão com o agente estatal.
8. A explicitação de que o exigir ou aumentar tributo somente se dará
mediante lei (Const. Fed., art. 150, inciso I) "pressupõe a estipulação expressa de todos os
elementos indispensáveis à incidência, quais sejam, descrição objetiva da materialidade do
fato gerador, a indicação dos sujeitos do vínculo obrigacional, da base de cálculo e da
alíquota, bem como dos aspectos temporal e espacial da obrigação tributária" (art. 4º). Mais
do que a legalidade formal, também a transparência, a moralidade e a economicidade
(Const. Fed., art. 37, caput) na relação de direito entre os sujeitos ativo e passivo da relação
tributária.
9. O respeito à anualidade (Const. Fed., art. 150, inciso III, alínea b)
mediante publicidade que se dê, efetivamente, dentro do ano civil anterior ao da
exigibilidade, mediante circulação dos diários oficiais até 31 de dezembro, com acesso aos
assinantes e ao público em geral, donde inválidas as ficções de circulação com data
retroativa do periódico (art. 5º e 9º).
10. A identificação diferenciada dos fatos geradores e das bases de
cálculo dos impostos atribuídos à competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, de sorte a evidenciar a inexistência, ainda que indireta, da bitributação (art.
7º).
11. A explicitação do serviço prestado ou posto à disposição do obrigado
e do exercício do poder de polícia que justifiquem a criação de taxas (art. 6º).
12. Crucial à nova cidadania e à construção constitucional é a disposição
de que "os efeitos da decisão transitada em julgado, em controle difuso ou em ação direta,
proclamando a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual, municipal ou
do Distrito Federal, não implicarão exigência de complementação, no âmbito
administrativo ou judicial, do valor do crédito tributário extinto anteriormente à vigência da
decisão" (art. 15).
Cuida-se de conferir estabilidade e previsibilidade à relação jurídica já
consolidada entre o contribuinte e o Fisco. Vale dizer, extinto embora o crédito tributário,
ou usufruída uma vantagem fiscal qualquer, estará o contribuinte sujeito a ter que pagar a
mais, ou a se desfazer e a compensar monetariamente a vantagem fiscal, se, a qualquer
momento, em futuro incerto e não sabido, vier o Judiciário a declarar inconstitucional a lei
vigente ao tempo de consolidação da relação tributária.
Está consagrado na nossa cultura jurídica que a lei declarada
inconstitucional, mediante decisão final do Judiciário, é nula desde sua edição, não se
convalidando qualquer ato sob ela praticado. Não contempla a jurisprudência a hipótese de
o Judiciário, particularmente as cortes constitucionais, poderem, caso a caso, mediante
juízo de oportunidade política e conveniência social, em face dos valores acolhidos na
Constituição mesma, dentre eles, sem dúvida, a estabilidade e previsibilidade da lei e das
relações dela legitimamente extraídas, declarar a inconstitucionalidade com efeito para o
futuro.
Este o passo de construção constitucional. Por que não acolher o
Judiciário brasileiro a experiência de outros sistemas constitucionais, mais antigos, mais
estáveis e culturalmente mais prestigiosos, nos quais as cortes constitucionais adotam tal
procedimento? São clássicos e inúmeros os precedentes, até mesmo no campo do direito
penal e processual penal, e portanto no âmbito crucial da liberdade, nos quais, reconhecida
a inconstitucionalidade da lei no caso concreto, e assim anulada a condenação, não se
estenderam, genérica e retroativamente, os efeitos da decisão.
Ao valor constitucional supremo de não se admitir como válida a norma
contrária à Constituição, sem o que ruiria o primado da constituição escrita, se coloca outro
valor essencial à ordem jurídica, qual seja, a consolidação imutável da relação contribuinte-
Fisco, vale dizer, sociedade civil-Estado, validamente constituída conforme a lei vigente.
Estranho ao sistema valorativo de uma Constituição que cria uma ordem
estatal fundada em um sistema de direitos e garantias individuais em face do Estado, vale
dizer, de uma ordem estatal que extrai validade legal e legitimidade política da sociedade
civil que a gerencia mediante representantes eleitos, estranho será repita-se admitir a eterna
instabilidade e imprevisibilidade de uma relação jurídica do cidadão-contribuinte
validamente constituída com o agente estatal sob a lei.
A norma é central à compreensão dessa nova cidadania, vale dizer, de
uma relação entre iguais, no plano das relações obrigacionais do cidadão-contribuinte com
o Estado fiscal.
A motivação da norma tem agora reconhecimento formal; sua percepção
cultural está acolhida na recentíssima Lei nº 9.868, de 10 de novembro último (DOU
11.nov.99), cujo art. 27 dispõe: "ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social,
poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir
os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em
julgado ou de outro momento que venha a ser fixado".
13. Outras disposições relevantes desse novo tempo homenageiam o
princípio de que ninguém será privado de seus bens e direitos sem o devido processo legal
(Const. Fed., art. 5º, incisos LIV e LV).
Assim, fica proibida a interdição de estabelecimentos, a proibição de
transacionar com repartições públicas, a instituição de barreiras fiscais e outros meios
coercitivos para a cobrança extrajudicial de tributos (art. 13 e 14).
Da mesma forma, em razão de processo administrativo ou judicial, em
matéria tributária, impedir-se o contribuinte de fruir de benefícios e incentivos fiscais ou
financeiros, ou de ter acesso a linhas oficiais de crédito ou de participar de licitações (art.
26).
É vedado à Administração Fazendária recusar, em razão de débitos
tributários pendentes, autorização para o contribuinte imprimir os documentos necessários
ao desempenho de suas atividades; ou bloquear, suspender ou cancelar inscrição do
contribuinte sem a observância dos princípios do contraditório e da prévia e ampla defesa
(art. 37, incisos I e III).
Não menos importante, veda-se à Administração o uso de força policial
nas diligências ao estabelecimento do contribuinte, salvo se com autorização judicial na
hipótese de justo receio de resistência (art. 37, V).
O direito de defesa ou de recurso, administrativo ou judicial, não poderá
ser condicionado a depósito, fiança, caução, aval ou outro ônus qualquer, exceto na
execução fiscal, nos termos da lei processual aplicável (art. 18).
14. Somente ao Judiciário será permitido desconsiderar a personalidade
jurídica da sociedade quando for ela instrumento de fraude à lei para ocultar sócios ou
terceiros que tenham poder de controle, conforme a Lei das Sociedades Anônimas (art. 16).
A desconsideração (disregard of legal entity doctrine) visa a punir o
abuso de direito e a fraude mediante o uso de personalidade jurídica. O primeiro conceito
clássico vem de 1912, e foi lembrado em conferência pelo renomado jurista Rubens
Requião: "quando o conceito de pessoa jurídica se emprega para defraudar os credores,
para subtrair-se a uma obrigação existente, para desviar a aplicação de uma lei, para
constituir ou conservar um monopólio ou para proteger velhacos ou delinqüentes, os
tribunais poderão prescindir da personalidade jurídica e considerar que a sociedade é um
conjunto de homens que participam ativamente de tais atos e farão justiça entre pessoas
reais" (E.S.D., 2/76).
Já o conceito revela a exclusividade dos tribunais. O que faz o projeto é
prevenir a manipulação e o mau uso desse mecanismo de compreensão e análise dos
negócios de uma pessoa jurídica pela Administração Fazendária como forma de coagir o
contribuinte, no processo administrativo-tributário, o qual se desenvolve sem o controle e a
condução isenta do terceiro imparcial o Juiz, perante o qual os pedidos de requisição de
documentos hão de ser justificados e submetidos ao crivo do contraditório.
15. As técnicas presuntivas são instrumento de eficácia gerencial. O que
não admite o projeto é ser o sujeito passivo tomado de surpresa com o ônus da obrigação.
Por isso mesmo, a lealdade do Estado com o cidadão-contribuinte demanda a publicidade
prévia do ato para ciência dos que por ele são afetados para sua impugnação administrativa
ou judicial (art. 35).
16. Parcelado o débito tributário, e se cumprido o acordo, não pode o
cidadão-contribuinte continuar a sofrer os ônus da inadimplência. O projeto resolve disputa
doutrinária e divergência de tratamentos administrativos e de jurisprudência ao definir o
parcelamento como novação, donde o retorno ao pleno estado de adimplência, inclusive
para a obtenção de certidões negativas de débitos fiscais (art. 36).
17. Relevantes os prazos estabelecidos para as decisões da
Administração Fazendária, livrando o cidadão-contribuinte da espera infindável para a
solução de suas demandas.
Assim, circunscrita a Administração Fazendária ao objeto lançado no
termo de início da fiscalização, tem ela prazo de 90 dias para ultimar as diligências (art.
46).
O prazo máximo para emitir decisão nos processos, nas solicitações ou
nas reclamações será de 30 dias (art. 19, XII e 41).
Nas consultas o prazo é de 30 dias, com a ressalva importante de que,
oferecendo o contribuinte sua interpretação, prevalecerá esta se o Fisco não observar o
prazo da lei (art. 31).
Vistos o equilíbrio entre as partes, a realidade da gerência da
Administração Fazendária e o direito público que rege a matéria, todos os prazos são
prorrogáveis uma única vez, por igual período, mediante justificação.
18. Os contribuintes passarão a conhecer os impostos incidentes sobre
mercadorias, especialmente as que compõem a cesta básica, bem como os incidentes sobre
serviços bancários, pela divulgação semestral da carga tributária a eles agregada (art. 20).
19. Duas outras disposições reforçam a lealdade que deve reger as
relações do cidadão-contribuinte com o Fisco.
A primeira firma que, sem prejuízo da sucumbência, o contribuinte será
reembolsado do custo das fianças e outras garantias de instância judicial, para a suspensão
do crédito tributário, quando este for julgado improcedente (art. 25). Nas execuções fiscais,
em especial, para recorrer judicialmente, vê-se o contribuinte obrigado a afiançar o débito
que se lhe impõe, com que arca com o custo financeiro até agora não compensável.
A segunda permite que o contribuinte, credor do Fisco em face de
decisão final, administrativa ou fiscal, compense o crédito contra débitos quaisquer que
tenha perante a mesma Fazenda Pública (art. 29), com o que o projeto encerra demandas
intermináveis nas quais se disputa sobre a natureza coincidente ou não dos tributos que
enseje a compensação.
20. O projeto, dada sua natureza de lei complementar , resolve ainda a
compreensão do melhor sentido do quanto disposto nos artigos 150, inciso VI, alínea c e
195, §7º, da Constituição Federal, os quais remetem à lei a criação das exigências e dos
requisitos de fruição das imunidades tributárias nela previstas (art. 8º). Cuida-se, conforme
a melhor leitura para a eficácia substantiva da Constituição, de lei complementar, nunca de
lei ordinária, porquanto, sabidamente, é da lei complementar a competência para regular as
limitações constitucionais ao poder de tributar (Const. Fed., art. 146, II). É esta a lição dos
autores de maior nomeada.
A relevância social e política dos partidos políticos e suas fundações, das
entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social,
sem fins lucrativos, justifica que o Congresso Nacional encerre a rixa doutrinária.
O mandamento da lei complementar que o projeto explicita é exatamente
aquele acolhido pelo Supremo Tribunal Federal, na sessão plenária do dia 11 de novembro
de 1999, em processo de que foi relator o Ministro Moreira Alves, quando aquela Corte
confirmou medida liminar antes deferida pelo Ministro Marco Aurélio, sustando os efeitos
de lei ordinária que pretendera atuar no campo do art. 146, inciso II, da Constituição
Federal.
21. A eficácia desta Lei fica assegurada mediante ações administrativas
ou judiciais, de iniciativa individual ou coletiva, nos moldes do Código de Defesa do
Contribuinte (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, art. 81 e seguintes). Destarte, o
Ministério Público e as associações civis ficam legitimados para a ação coletiva na defesa
dos direitos e garantias explicitados no projeto (art. 47).
IV
22. O projeto estrutura a Lei de Direitos e Garantias do Contribuinte em
sete capítulos, a saber: das disposições preliminares, das normas fundamentais, dos direitos
do contribuinte, das consultas em matéria tributária, dos deveres da administração
fazendária, da defesa do contribuinte e das disposições finais.
No capítulo inicial estabelece-se o fundamento de validade da lei
complementar, estendendo os seus efeitos à União, aos Estados e Distrito Federal e aos
Municípios. Define-se o conceito de contribuinte, que é tomado em sua acepção mais
ampla, a abranger todas as formas de sujeição passiva tributária, inclusive responsabilidade,
substituição tributária, solidariedade e sucessão tributária. Introduz-se dispositivo de grande
alcance para a justificativa ético-jurídica da tributação, determinando-se que a instituição de
tributos atenderá ao princípio da justiça tributária, com o corolário de que se considera justa
a tributação que atenda aos princípios constitucionais da isonomia, capacidade contributiva
das pessoas obrigadas ao pagamento de tributos, eqüitativa distribuição da carga tributária,
generalidade, progressividade e não-confiscatoriedade.
Declara-se que os direitos e garantias do contribuinte serão reconhecidos
pela Administração Fazendária, sem prejuízo de outros decorrentes da Constituição
Federal, dos princípios nela expressos ou implícitos, e dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte.
O projeto, por conseguinte, deixa claro, nas disposições introdutórias, a
eficácia nacional da lei, o objetivo de proteger o contribuinte, firmando-lhe o estatuto legal
e declarando-lhe os direitos e as garantias, e a preocupação em considerar como integrantes
da mesma equação valorativa os princípios relacionados com a sua liberdade e com a
justiça fiscal.
23. O Capítulo II versa sobre as normas fundamentais, estampa as
normas gerais estruturantes da relação jurídico-tributária, complementa a definição dos
princípios constitucionais vinculados à segurança jurídica, baliza os aspectos essenciais à
definição do tributo no quadro da legalidade tributária e veda à lei ordinária estabelecer
requisitos para a fruição das imunidades tributárias.
O princípio constitucional da anterioridade, freqüentemente objeto de
abuso por parte do administrador e do legislador ordinário, é fortalecido, prescrevendo-se
que para a cobrança de tributos, no exercício seguinte, o jornal oficial deverá ser distribuído
a todos os assinantes e ser acessível ao público em geral até 31 de dezembro do exercício
anterior.
De grande alcance para a transparência da legislação tributária é a
previsão de que as leis e os regulamentos modificadores de normas tributárias relacionarão
as que forem revogadas, bem assim as que tiverem sua redação alterada. No mesmo sentido
as que obrigam a Administração Fazendária a assegurar aos contribuintes o pleno acesso às
informações acerca das normas tributárias e da interpretação que oficialmente lhes atribua.
Ratifica-se, por lei, a proibição de sanções políticas, já proclamada pelo
Judiciário. Inovação de grande alcance é a norma antielisiva que permite a desconsideração
da personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento da Administração
Fazendária, houver comprovado abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou
ato ilícito, ou violação dos estatutos ou contrato social.
24. O Capítulo III estabelece o catálogo dos direitos do contribuinte.
Dentre eles os de ter acesso à identificação do funcionário das repartições fazendárias,
prestar às autoridades fazendárias informações apenas por escrito, receber em 30 dias
resposta a seus pleitos, não exibir documentos já apresentados a outros órgãos da
Administração Pública, ser posto no mesmo plano da Administração Fazendária no que se
refere a pagamentos, reembolsos, juros e atualização monetária. Adotam-se diversas
medidas de proteção no âmbito da defesa perante as instâncias administrativas e judiciais,
inclusive a previsão, constante também do Projeto de Emenda Constitucional 175/95, de
que a ação penal contra o contribuinte, pela eventual prática de crime contra a ordem
tributária, só poderá ser proposta após o encerramento do processo administrativo,
suspendendo-se durante a tramitação do processo administrativo a fluência da prescrição
penal.
Na área do processo administrativo-tributário vedam-se a instituição de
instância única e a adoção de condições que limitem o direito à interposição de
impugnações ou recursos.
O projeto incorpora, ainda, alguns dos princípios centrais estampados na
lei geral do processo administrativo federal (Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999) para
que se lhe confiram caráter nacional vinculante.
25. O Capítulo IV dispõe sobre as consultas em matéria tributária,
campo no qual ocorrem algumas das violações mais graves aos direitos do contribuinte.
Fixa-se o prazo de 30 dias para a resposta da Administração, o que coibirá o abuso
freqüentemente praticado de deixar o sujeito passivo sem a orientação do Fisco. Os
contribuintes passam a ter direito à igualdade entre as soluções de consultas relativas a uma
mesma matéria, fundadas em idêntica norma jurídica, com o que estende aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios a medida já adotada na esfera da União pela Lei nº 9.430,
de 30 de dezembro de 1996 (art. 48, §§ 5º, 6º, 9º, 10 e 11), em consonância com a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
26. Reserva-se o Capítulo V para os deveres da Administração
Fazendária, que hão de ser correspectivos aos direitos dos contribuintes. O princípio geral é
o de que a Administração Fazendária pautará sua conduta de modo a assegurar o menor
ônus possível aos contribuintes, inclusive no que concerne à execução fiscal.
Diversos dispositivos disciplinam as atividades do Fisco no intuito de
resguardar a boa-fé do contribuinte e zelar pela moralidade administrativa: obriga-se a
inscrição na dívida ativa em 30 dias; proíbe-se que presunções e ficções legais desvinculem
a pretensão ao tributo da ocorrência do fato gerador; declara-se que o parcelamento do
débito implica novação; restringe-se o direito de examinar mercadorias, livros e arquivos
aos tributos de competência da pessoa política que realizar a fiscalização; proíbe-se à
Administração Fazendária a divulgação, em órgãos de comunicação social, do nome dos
contribuintes em débito; prevê-se que o termo de início de fiscalização obrigatoriamente
circunscreva seu objeto, vinculando a Administração Fazendária; vedam-se, dentre outras
práticas administrativas, o cerceamento de direitos dos devedores, de abuso da boa-fé ou
ignorância do contribuinte, de constrangimento na cobrança de tributos e de demora no
exercício das atividades previstas em lei; proíbe-se o agente da Administração de deixar de
receber requerimentos ou comunicações apresentados para protocolo nas repartições
fazendárias.
27. As normas do Capítulo VI cuidam da defesa do contribuinte
mediante adoção do modelo de defesa coletiva consagrado no Código de Defesa do
Consumidor. Definem-se, por conseguinte, sob os mesmos termos e condições, os
interesses ou direitos difusos e os coletivos, assim como os individuais homogêneos,
seguida da legitimação do Ministério Público e das associações civis para a ação judicial.
28. No Capítulo VII, em disposições finais, adaptam-se alguns
dispositivos do Código Tributário Nacional e da Lei de Execuções Fiscais à filosofia deste
projeto de lei, como também à legislação e jurisprudência superior.
Sala das Sessões, 25 de novembro de 1999.
JORGE BORNHAUSEN Senador