3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
1
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA
COMARCA DA CAPITAL
A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO,
através do seu Núcleo de Defesa do Consumidor, pelos Defensores Públicos ao
final subscritos, vem, respeitosamente perante Vossa Excelência, com fulcro nas
Leis 7.347/85 e 8.078/90, ajuizar a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
com pedido de tutela de urgência
em face do ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pessoa jurídica de direito público
interno, CNPJ n. 42.498.600/0001-71, representado pelo Procurador-Geral do
Estado do Rio de Janeiro, com endereço na Rua do Carmo, n. 27, Centro, Rio
de Janeiro – RJ, CEP 10011-020, pelas razões que passa a expor:
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
2
I – DA LEGITIMIDADE
A Defensoria Pública, através de seu Núcleo de Defesa do
Consumidor está incluído no rol de legitimados do art. 82, III, da Lei nº 8.078/90,
tratando-se de órgão da administração pública direta, criado para a defesa dos
interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme
a Resolução nº 204/2002 da DPGE.
Inclusive, ante a nova redação dada pela Emenda
Constitucional n. 80 de 4 de junho de 2014, a Defensoria Pública possui
legitimidade constitucional para a defesa dos direitos coletivos, conforme se
verifica da nova redação do art. 134 da Constituição Federal (grifos nossos):
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe,
como expressão e instrumento do regime democrático,
fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos
direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e
extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma
integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV
do art. 5º desta Constituição Federal.
O papel de proteção do consumidor pela Defensoria Pública
também está previsto na legislação específica de sua organização, sendo uma
de suas funções institucionais “a defesa dos direitos coletivos”, como previsto
nos arts. 1°; 4º, VII, VIII, X, XI; 106-A da Lei Complementar nº 80/94, com
redação dada pela Lei Complementar n. 132/2009.
Na legislação estadual há disposições no mesmo sentido. A
Constituição do Estado do Rio de Janeiro prevê, entre suas funções institucionais
o patrocínio “os direitos e interesses do consumidor lesado, na forma da lei” (art.
179, § 2º, V, alínea f). No mesmo sentido o disposto no art. 22, § 3º, da Lei
Complementar Estadual nº 6/77: “aos Defensores Públicos incumbe também a
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
3
defesa dos direitos dos consumidores que se sentirem lesados na aquisição de
bens e serviços”.
Ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal decidiu em Ação
Direta de Inconstitucionalidade que a Defensoria Pública possui legitimidade
sem limitações para o ajuizamento de ações coletivas: (grifos nossos)
ADI 3943 - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, reconheceu a
legitimidade ativa da requerente, vencido o Ministro Marco Aurélio.
Por maioria, o Tribunal rejeitou a preliminar de prejudicialidade da
ação, vencido o Ministro Teori Zavascki. No mérito, o Tribunal, por
unanimidade e nos termos do voto da Relatora, julgou improcedente
o pedido formulado na ação. Ausentes o Ministro Dias Toffoli,
participando, na qualidade de Presidente do Tribunal Superior
Eleitoral, de palestra e compromissos na República Italiana e do
Programa de Visitantes Internacionais, por ocasião das Eleições para a
Câmara dos Comuns do Reino Unido, e, justificadamente, o Ministro
Luiz Fux. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski.
Plenário, 07.05.2015.
Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em
sessão nesta quinta-feira (7), julgou improcedente a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 3943 e considerou constitucional a
atribuição da Defensoria Pública em propor ação civil pública. Essa
atribuição foi questionada pela Associação Nacional dos Membros do
Ministério Público (Conamp) sob a alegação de que, tendo sido criada
para atender, gratuitamente, cidadãos sem condições de se defender
judicialmente, seria impossível para a Defensoria Pública atuar na
defesa de interesses coletivos, por meio de ação civil pública.
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
4
Seguindo o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, os ministros
entenderam que o aumento de atribuições da instituição amplia o
acesso à Justiça e é perfeitamente compatível com a Lei Complementar
132/2009 e com as alterações à Constituição Federal promovidas pela
Emenda Constitucional 80/2014, que estenderam as atribuições da
Defensoria Pública e incluíram a de propor ação civil pública.
A relatora argumentou que não há qualquer vedação constitucional
para a proposição desse tipo de ação pela Defensoria, nem norma que
atribua ao Ministério Público prerrogativa exclusiva para ajuizar ações
de proteção de direitos coletivos. Segundo a ministra, a ausência de
conflitos de ordem subjetiva decorrente da atuação das instituições,
igualmente essenciais à Justiça, demonstra inexistir prejuízo
institucional para o Ministério Público.
“Inexiste nos autos comprovação de afetar essa legitimação,
concorrente e autônoma da Defensoria Pública, às atribuições do
Ministério Público, ao qual cabe promover, privativamente, ação penal
pública, na forma da lei, mas não se tem esse ditame no que diz
respeito à ação civil pública”, afirmou.
A ministra salientou que, além de constitucional, a inclusão taxativa
da defesa dos direitos coletivos no rol de atribuições da Defensoria
Pública é coerente com as novas tendências e crescentes demandas
sociais de se garantir e ampliar os instrumentos de acesso à Justiça.
Em seu entendimento, não é interesse da sociedade limitar a tutela
dos hipossuficientes. Ela lembrou, ainda, que o STF tem atuado para
garantir à Defensoria papel de relevância como instituição
permanente essencial à função jurisdicional do Estado.
“A ninguém comprometido com a construção e densificação das
normas que compõem o sistema constitucional do estado democrático
de direito interessa alijar aqueles que, às vezes, têm no Judiciário sua
última esperança, pela impossibilidade de ter acesso por meio dessas
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
5
ações coletivas”, afirmou a relatora, ao evidenciar a possibilidade de,
por meio de uma ação coletiva, evitar-se centenas de ações
individuais.
A ministra ressaltou, por fim, a importância da ampliação dos
legitimados aptos a propor ação para defender a coletividade.
Segundo ela, em um país marcado por inegáveis diferenças e por
concentração de renda, uma das grandes barreiras para a
implementação da democracia e da cidadania ainda é o acesso à
Justiça. “O dever estatal de promover políticas públicas tendentes a
reduzir ou suprimir essas enormes diferenças passa pela
operacionalização dos instrumentos que atendam com eficiência a
necessidade de seus cidadãos”, argumentou a ministra Cármen Lúcia.
O entendimento da relatora foi seguido por unanimidade no
Plenário.1
Por fim, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou o
entendimento do STF no julgamento dos Embargos de Divergência no RESP n.
1.192.577:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.192.577 - RS
(2014/0246972-3)
RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ
EMBARGANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL
ADVOGADOS : RAFAEL RAPHAELLI DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL EMBARGADO : SOCIEDADE DR
BARTHOLOMEU TACCHINI - PLANO DE SAÚDE TACCHIMED
1 http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=291085, acesso em 2 de julho de 15
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
6
ADVOGADOS : TIAGO B TURRA E OUTRO(S) EDUARDO HEITOR PORTO
E OUTRO(S)
EMENTA
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL NOS EMBARGOS
INFRINGENTES. PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA
PÚBLICA PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FAVOR
DE IDOSOS. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE EM RAZÃO DA IDADE TIDO
POR ABUSIVO. TUTELA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
DEFESA DE NECESSITADOS, NÃO SÓ OS CARENTES DE RECURSOS
ECONÔMICOS, MAS TAMBÉM OS HIPOSSUFICIENTES JURÍDICOS.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS.
1. Controvérsia acerca da legitimidade da Defensoria Pública para
propor ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos
de consumidores idosos, que tiveram seu plano de saúde reajustado,
com arguida abusividade, em razão da faixa etária.
2. A atuação primordial da Defensoria Pública, sem dúvida, é a
assistência jurídica e a defesa dos necessitados econômicos,
entretanto, também exerce suas atividades em auxílio a necessitados
jurídicos, não necessariamente carentes de recursos econômicos, como
é o caso, por exemplo, quando exerce a função do curador especial,
previsto no art. 9.º, inciso II, do Código de Processo Civil, e do defensor
dativo no processo penal, conforme consta no art. 265 do Código de
Processo Penal.
3. No caso, o direito fundamental tutelado está entre os mais
importantes, qual seja, o direito à saúde. Ademais, o grupo de
consumidores potencialmente lesado é formado por idosos, cuja
condição de vulnerabilidade já é reconhecida na própria Constituição
Federal, que dispõe no seu art. 230, sob o Capítulo VII do Título VIII ("Da
Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso"): "A família,
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
7
a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas,
assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua
dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida."
4. "A expressão 'necessitados' (art. 134, caput, da Constituição), que
qualifica, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser
entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de
modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos
financeiros – os miseráveis e pobres –, os hipervulneráveis (isto é, os
socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as
gerações futuras), Documento: 1430834 - Inteiro Teor do Acórdão - Site
certificado - DJe: 13/11/2015 Página 1 de 35 Superior Tribunal de
Justiça enfim todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta
de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de
poder econômico ou político, 'necessitem' da mão benevolente e
solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio
Estado. Vê-se, então, que a partir da ideia tradicional da instituição
forma-se, no “Welfare State”, um novo e mais abrangente círculo de
sujeitos salvaguardados processualmente, isto é, adota-se uma
compreensão de minus habentes impregnada de significado social,
organizacional e de dignificação da pessoa humana " (REsp
1.264.116/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,
julgado em 18/10/2011, DJe 13/04/2012).
5. O Supremo Tribunal Federal, a propósito, recentemente, ao julgar a
ADI 3943/DF, em acórdão ainda pendente de publicação, concluiu que
a Defensoria Pública tem legitimidade para propor ação civil pública,
na defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos,
julgando improcedente o pedido de declaração de
inconstitucionalidade formulado contra o art. 5.º, inciso II, da Lei n.º
7.347/1985, alterada pela Lei n.º 11.448/2007 ("Art. 5.º - Têm
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
8
legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: ... II - a
Defensoria Pública ").
6. Embargos de divergência acolhidos para, reformando o acórdão
embargado, restabelecer o julgamento dos embargos infringentes
prolatado pelo Terceiro Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul, que reconhecera a legitimidade da Defensoria
Pública para ajuizar a ação civil pública em questão.
Assim é que a atuação da Defensoria Pública não se trata de
uma faculdade. Ao contrário, reveste-se a atuação de um poder-dever do
Defensor Público que, tendo a sua disposição o ordenamento jurídico, deverá
utilizá-lo de todas as formas para alcançar o escopo constitucional delineado.
Por todo o exposto, restou cabalmente demonstrada a
legitimidade extraordinária da Defensoria Pública, através de seu Núcleo de
Defesa do Consumidor, para a propositura da presente demanda coletiva,
objetivando tutelar os interesses dos beneficiários do Bilhete Único
intermunicipal, lesados pela conduta ilícita adiante relatada.
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
9
II – DOS FATOS (DO REAJUSTE DO BILHETE ÚNICO PARA 2017)
Em novembro de 2016, o Poder Executivo previu, por meio do
Decreto Nº 45.808, o reajuste o valor do Bilhete Único de R$ 6,50 (seis reais e
cinquenta centavos) para R$ 7,50 (sete reais e cinquenta centavos).
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
10
Contudo, em 30 de dezembro de 2016, por meio de emenda ao
PL Nº 2248/2016, foi realizada a opção política por se revogar/suspender o
Decreto acima, através da edição da Lei Estadual 7506 que reajustou e fixou
o valor do Bilhete Único Intermunicipal para R$ 8,00 (oito reais), a partir de
janeiro de 2017:
LEI ESTADUAL Nº 7.506 DE 29 DE DEZEMBRO DE 2016
Art. 7º - Fica reajustado o valor pecuniário do Bilhete Único
Intermunicipal para R$ 8,00 (oito reais), com vigência a partir de 1º
de janeiro de 2017.
Por fim, em janeiro do presente ano, foi editado o Decreto do
Poder Executivo que reajustou para o ano de 2017, pela 2ª (segunda) vez o
valor do Bilhete Único Intermunicipal para o valor de R$ 8,55 (oito reais e
cinquenta e cinco centavos), em razão do reajuste da tarifa de transporte
intermunicipal ocorrida em janeiro de 2017:
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
11
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
12
Inconformado, este legitimado coletivo, ante à flagrante
ilegalidade do Decreto, que afronta e extrapola seu poder regulamentar, expediu
Nota Técnica ao Legislativo, com o fim de se sustar (por Decreto Legislativo) o
segundo reajuste concedido equivocadamente pelo Executivo ao Bilhete Único
para o ano de 2017 (doc. Anexo).
Tendo em vista o recesso legislativo até fevereiro deste ano,
tendo em vista a urgência da suspensão da medida ilegal que entra em vigor em
13 de fevereiro de 2017, afetando, aproximadamente, 4 (quatro) milhões de
pessoas, usuários do transporte público; não restou alternativa senão o
ajuizamento da presente ação coletiva.
III - DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
III.1 - DA SUPERIORIDADE HIERÁRQUICA DA LEI EM RELAÇÃO AO
DECRETO – VALOR (HOJE) FIXADO EM LEI
Até novembro de 2016, o valor do Bilhete Único era fixado e,
portanto, podia ser reajustado por meio de Decreto, conforme demonstra o
exemplo acima.2
Ocorre que, com a edição da Lei Estadual n. 7506/2016, o
valor do Bilhete Único passou a ser fixado por lei em sentido estrito.
Em consequência da fixação do valor do Bilhete Único por meio
de Lei, ante o conceito clássico da hierarquia das normas, da estrutura piramidal
de Kelsen, somente por meio de outra Lei (ou outro ato normativo superior, como
a Constituição) é que pode haver sua revogação/alteração.
2 Decreto Nº 45.808 de 2016 – que reajustou o valor do Bilhete Único para R$ 8,00 para 2017
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
13
Assim, tendo em vista que decreto é ato normativo de
hierarquia inferior a lei, por questão formal, não pode o decreto alterar a lei.
Desse forma, o valor fixado em lei por esta Casa Legislativa não pode ser revisto
por Decreto, como pretendeu fazer o Poder Executivo por meio do Decreto n.
45.888/2017 que não tem o condão de revogar o artigo 7º da Lei Estadual n.
7506/2016.
Logo, forçoso concluir que o Decreto n. 45.888/2017, no
tocante ao reajuste do valor do Bilhete Único, é ilegal e excedeu os limites do
poder regulamentar do Executivo. Por este motivo, o Poder Executivo usurpou
atribuição exclusiva do Poder Legislativo, ao violar o princípio da Reserva de Lei.
Ressalta-se que Constituição pode ser alterada por Emenda
Constitucional; Lei pode ser alterada/revogada por Lei; e Decreto pode ser
alterado/revogado por Decreto, nunca o contrário. Ou seja, Lei não pode alterar
a Constituição, nem Decreto pode alterar/revogar a Lei.
Lei é um ato normativo primário, o Decreto (regulamentar)
é ato normativo secundário, abaixo da Lei, e deve observá-la.
Destarte, impõe-se seja realizado o controle externo do ato
ilegal pelo Judiciário, com a devida declaração de ilegalidade do Decreto n.
45.888/2017, de modo a permanecer íntegro o equilíbrio entre os Poderes e o
princípio da legalidade estrita.
Trata-se de conceitos claros e simples, que há muito são
indiscutíveis na doutrina e na jurisprudência. Vejamos a decisão vinculante em
sede de ADI e a antiga jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (grifos
nossos):
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
14
ADI 531 AgR / DF - DISTRITO FEDERAL
AG.REG.NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
Julgamento: 11/12/1991 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação
DJ 03-04-1992 PP-04288 EMENT VOL-01656-01 PP-00095
RTJ VOL-00139-01 PP-00067
Parte(s)
AGTE.: PARTIDO DOS TRABALHADORES
ADVDOS.: JONAS DUARTE JOSÉ DA SILVA E OUTROS
AGDO.: DIRETOR DO DEPARTAMENTO DA RECEITA FEDERAL
Ementa
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - INSTRUÇÃO
NORMATIVA Nº 62, DO DEPARTAMENTO DA RECEITA FEDERAL -
SUA NATUREZA REGULAMENTAR - IMPOSSIBILIDADE DE
CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE -
SEGUIMENTO NEGADO POR DECISÃO SINGULAR -
COMPETÊNCIA DO RELATOR (RISTF, ART. 21, § 1º; LEI 8.038, ART.
38) - PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO PRESERVADO (CF,
ART. 97) - AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
- E inquestionável que assiste à Suprema Corte, em sua composição
plenária, a competência exclusiva para julgar o processo de controle
concentrado de constitucionalidade e, pelo voto da maioria absoluta
dos seus membros, declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do Poder Público (CF, art. 97; RISTF, art. 5º, VII e art. 173).
Essa regra de competência, no entanto, muito embora de observância
indeclinável por qualquer órgão judiciário colegiado, não subtrai ao
Relator da causa o poder de efetuar - enquanto responsável pela
ordenação e direção do processo (RISTF, art. 21, I) - o controle prévio
dos requisitos formais da fiscalização normativa abstrata, o que inclui,
dentre outras atribuições, o exame dos pressupostos processuais e
das condições da própria ação direta. A possibilidade de controle
recursal, "a posteriori", dos atos decisórios que o Relator pratica, no
desempenho de sua competência monocrática, dá concreção, no
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
15
âmbito do Supremo Tribunal Federal, ao princípio da reserva de
Plenário, inscrito no art. 97 da Lei Fundamental da Republica. - As
Instruções Normativas, editadas por Órgão competente da
Administração Tributária, constituem espécies jurídicas de caráter
secundário, cuja validade e eficácia resultam, imediatamente, de
sua estrita observância dos limites impostos pelas leis, tratados,
convenções internacionais, ou decretos presidenciais, de que
devem constituir normas complementares. Não se revelam, por isso
mesmo, aptas a sofrerem o controle concentrado de
constitucionalidade, que pressupõe o confronto direto do ato
impugnado com a Lei Fundamental.
Decisão
Por votação unânime, o Tribunal negou provimento ao agravo
regimental. Votou o Presidente. Plenário, 11.12.91.
ADI 533 MC / DF – DISTRITO FEDERAL
MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO
Julgamento: 07/08/1991 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação
DJ 27-09-1991 PP-13325 EMENT VOL-01635-01 PP-00006
RTJ VOL-00139-02 PP-00473
Ementa
- CONSTITUCIONAL. ATOS NORMATIVOS PRIMARIOS.
IMPOSSIBILIDADE DE SUA REVOGAÇÃO POR ATOS
NORMATIVOS SECUNDARIOS.
I. Decreto com força de lei, assim ato normativo primário.
Impossibilidade de sua revogação mediante decreto comum, ato
normativo secundário.
II. Ocorrência dos pressupostos da cautelar. Deferimento.
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
16
RE 17679 / DF – DISTRITO FEDERAL
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. JOSÉ LINHARES
Julgamento: 30/10/1950 Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação
DJ 23-11-1950 PP-10599 EMENT VOL-00021-01 PP-00378
ADJ 01-08-1951 PP-02117
Parte(s)
RECORRENTE: INSTITUTO DE APOSENTADORIA E PENSÕES
DOS EMPREGADOS DE TRANSPORTES E CARGAS.
RECORRIDO: MESBLA S.A.
Ementa
ABONOS PROVISORIOS. NÃO ESTA O EMPREGADOR OBRIGADO
A RECOLHER CONTRIBUIÇÃO PARA INSTITUTO DE
APOSENTADORIA E PENSÕES SOBRE OS ABONOS
PROVISORIOS RECEBIDOS PELOS EMPREGADOS. APLICAÇÃO E
INTELIGENCIA DO ART. 76, DO DECRETO 22.637, DE 1946, E DEC-
LEI N. 3.813, DE 1941, PRORROGADO PELO DE N. 4.356, DE 1942.
A LEI SE REVOGA POR OUTRA. QUANDO OCORRE A
REVOGAÇÃO TACITA. NÃO CABIMENTO DE RECURSO.
Decisão
Não tomaram conhecimento, unanimemente.
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
17
Citamos, por fim, a jurisprudência pacífica também do Superior
Tribunal de Justiça, no mesmo sentido (grifos nossos):
RMS 21942 / MS
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA
2006/0108611-0
Ministro LUIZ FUX (1122)
T1 - PRIMEIRA TURMA
15/02/2011
DJe 13/04/2011
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL E
TRIBUTÁRIO. IPVA. ISENÇÃO. ARTIGO 1º, DO DECRETO ESTADUAL 9.918/2000.
RESTRIÇÃO AOS VEÍCULOS ADQUIRIDOS DE REVENDEDORES LOCALIZADOS NO
ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL. EXORBITÂNCIA DOS LIMITES IMPOSTOS PELA LEI
ESTADUAL 1.810/97. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LEGALIDADE ESTRITA.
INOBSERVÂNCIA. AFASTAMENTO DE ATO NORMATIVO SECUNDÁRIO POR ÓRGÃO
FRACIONÁRIO DO TRIBUNAL. POSSIBILIDADE. SÚMULA VINCULANTE 10/STF.
OBSERVÂNCIA.
1. A isenção do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), concedida pelo
Decreto Estadual 9.918/2000, revela-se ilegal e inconstitucional, porquanto introduzida, no
ordenamento jurídico, por ato normativo secundário, que extrapolou os limites do texto legal
regulamentado (qual seja, a Lei Estadual 1.810/97), bem como ante a inobservância do princípio
constitucional da legalidade estrita, encartado no artigo 150, § 6º, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988.
2. Com efeito, a Lei Estadual 1.810/97, ao dispor sobre os tributos de competência do Estado do
Mato Grosso do Sul, preceituou que: "Art. 314 - Fica o Poder Executivo autorizado a regulamentar
esta Lei, podendo o Regulamento dispor que, mediante Resolução baixada pelo Secretário de
Estado de Finanças, Orçamento e Planejamento, sejam expedidas normas complementares aos
seus dispositivos. (...) § 2º - Fica a Secretaria de Estado de Finanças, Orçamento e Planejamento
autorizada a promover campanhas de incentivos à arrecadação estadual, por meio de formas
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
18
julgadas técnica e economicamente viáveis, inclusive com a premiação de consumidores
estimulados à exigência de notas fiscais."
3. O Governador do Estado do Mato Grosso do Sul, no exercício de seu poder normativo e com
base no artigo 314, da Lei Estadual 1.810/97, expediu o Decreto Estadual 9.918/2000, verbis:
"Considerando que, pelo sistema tributário vigente, o ICMS incidente nas operações de saídas
diretamente ao consumidor final pertence ao Estado onde se encontra o estabelecimento que
promove a saída, ainda que o consumidor adquirente esteja localizado em outra unidade da
Federação; Considerando que, em decorrência de fatores de mercado, a procura por veículos
novos em outra unidade da Federação, diretamente pelo consumidor, vem aumentando
significativamente, em prejuízo do mercado local e, consequentemente, da arrecadação do
ICMS; Considerando que a exoneração do IPVA ou a redução do seu valor, condicionadas à
aquisição dos respectivos veículos neste Estado, são medidas capazes de estimular essa
aquisição em estabelecimentos revendedores localizados neste Estado, com vantagem para o
comércio local e, conseqüentemente, para a arrecadação deste Estado; onsiderando que,
quantitativamente, a receita proveniente do ICMS, por veículo, é maior que a do IPVA, fato que
justifica a renúncia de uma para garantir a outra, por resultar em maior vantagem para o Estado.
DECRETA
Art. 1º As pessoas, físicas ou jurídicas, que adquirirem veículos automotores novos, classificados
nos códigos da NBM/SH relacionados na Seção A do Subanexo V (na redação do Decreto nº
9.889, de 2 de maio de 2000) ao Anexo I ao Regulamento do ICMS, de revendedores localizados
no Estado de Mato Grosso do Sul, credenciados pelo Sindicato de Concessionárias de Veículos
Automotores do Estado de Mato Grosso do Sul, no período de 1º de junho a 30 de novembro de
2000, ficam isentas do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) incidente
sobre a propriedade dos respectivos veículos, relativamente à primeira tributação."
4. Como de sabença, a validade dos atos normativos secundários (entre os quais figura o
decreto regulamentador) pressupõe a estrita observância dos limites impostos pelos atos
normativos primários a que se subordinam (leis, tratados, convenções internacionais,
etc.), sendo certo que, se vierem a positivar em seu texto uma exegese que possa irromper
a hierarquia normativa sobrejacente, viciar-se-ão de ilegalidade e não de
inconstitucionalidade (Precedentes do Supremo Tribunal Federal: ADI 531 AgR, Rel. Ministro
Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 11.12.1991, DJ 03.04.1992; e ADI 365 AgR, Rel.
Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 07.11.1990, DJ 15.03.1991).
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
19
5. Conseqüentemente, sobressai a "ilegalidade" do decreto regulamentador que extrapolou os
limites impostos pela Lei Estadual 1.810/97, ao instituir hipótese isentiva não prevista no texto
normativo primário.
6. Ainda que assim não fosse, o aludido diploma normativo encontra-se eivado de
inconstitucionalidade formal, uma vez que o princípio constitucional da legalidade estrita, além
de proscrever a exigência ou aumento de tributo sem lei que o estabeleça, condiciona a
concessão de isenção à edição de lei específica, consoante se infere da leitura do artigo 150,
inciso I, e § 6º, da Carta Magna: "Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (...) § 6.º Qualquer subsídio ou isenção,
redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a
impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal,
estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o
correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g." 7. Ne
se segmento, abalizada doutrina assinala que:
"O princípio da legalidade é limite objetivo que se presta, ao mesmo tempo, para oferecer
segurança jurídica aos cidadãos, na certeza de que não serão compelidos a praticar ações
diversas daquelas prescritas por representantes legislativos, e para assegurar a observância ao
princípio constitucional da tripartição dos poderes. O princípio da legalidade compele o intérprete,
como é o caso dos julgadores, a procurar frases prescritivas, única e exclusivamente, entre as
introduzidas no ordenamento positivo por via de lei ou de diploma que tenha o mesmo status. Se
do conseqüente da regra advier obrigação de dar, fazer ou não fazer alguma coisa, sua
construção reivindicará a seleção de enunciados colhidos apenas e tão-somente no plano legal."
(Paulo de Barros Carvalho, in "Direito Tributário: Linguagem e Método", 2ª ed., 2008, Ed. Noeses,
São Paulo, págs. 282/283) 8. Ademais, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 97, determina
que somente a lei pode estabelecer as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos
tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades (inciso VI).
9. Deveras, o princípio da legalidade tributária, corolário do valor Segurança Jurídica, não se
resume à simples exigência de comando abstrato, geral e impessoal (reserva de lei material),
mas, também, à necessidade de sua formulação pelo órgão titular da função legislativa (reserva
de lei formal) (Luciano Amaro, in "Direito Tributário Brasileiro", 10ª ed., 2004, Ed. Saraiva, São
Paulo, pág. 116).
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
20
10. Destarte, a instituição de isenção tributária mediante decreto oriundo do Poder Executivo,
além de extrapolar o exercício do poder regulamentar (em flagrante oposição ao princípio
da hierarquia das leis), caracteriza violação ao princípio da legalidade tributária estrita, razão
pela qual manifesta a ilegalidade/inconstitucionalidade do Decreto Estadual 9.918/2000.
11. Assim, revela-se prejudicada a análise da insurgência sob a ótica da alegada inobservância
aos princípios constitucionais da isonomia (artigo 150, II, da CRFB/88) e da não-discriminação
tributária em razão da origem ou do destino dos bens e serviços (artigo 152, da CRFB/88), o que
poderia, em tese, resultar na extensão da isenção de IPVA aos contribuintes, residentes no
Estado do Mato Grosso do Sul, que adquiriram veículos automotores novos de revendedores
localizados em outros Estados Membros.
12. A Súmula Vinculante 10/STF cristalizou o entendimento de que: "Viola a cláusula de reserva
de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare
expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua
incidência, no todo ou em parte."
13. Entrementes, é certo que a exigência de observância à cláusula de reserva de plenário não
abrange os atos normativos secundários do Poder Público, uma vez não estabelecido confronto
direto com a Constituição, razão pela qual inaplicável a Súmula Vinculante 10/STF à espécie.
14. Recurso ordinário desprovido.
Isto posto, demonstra-se que o Decreto em tela é ILEGAL,
devendo ser removido (existência/validade/eficácia retirada) do nosso
ordenamento jurídico.
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
21
III.2 – DA AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE, DO BIS IN IDEM / DUPLICIDADE
DO REAJUSTE PARA 2017
Conforme demonstramos acima, os Poderes Legislativo e
Executivo REAJUSTARAM o valor do Bilhete Único através da aprovação e
sanção da Lei Estadual n. 7.506 de 30 de dezembro de 2016 para o ano de 2017
no índice de 23% (vinte e três por cento).
Contudo, tendo em vista o reajuste das tarifas de ônibus
intermunicipais para o ano de 2017 no percentual de 6,99% (seis vincula
noventa e nove por cento), o Poder Executivo aplicou o mesmo valor de
REAJUSTE PARA O VALOR JÁ REAJUSTADO do Bilhete Único, sob o
fundamento que a Lei Estadual n. 5.628/2009 prevê o reajuste de ambos na
mesma data e proporção.3
Esquece-se, porém, que o reajuste do Bilhete Único para o
ano de 2017 já ocorrera pela Lei Estadual n. 7.506 de 30 de dezembro de
2016...
Ocorreu uma duplicidade de reajuste do valor do Bilhete
Único para o ano de 2017.
Primeiro o valor do Bilhete Único, de R$ 6,50 sofreu o reajuste
de 23% (R$ 8,00) para o ano de 2017 pela Lei Estadual n. 7.506/2016 (alterou
parcialmente a Lei Estadual n. 5.628/2009).
Segundo, o Decreto n. 45.888 de 12 de janeiro de 2017 reajustou
em mais 6,99% o valor do Bilhete Único (já reajustado), passando de R$ 8,00
para R$ 8,55 (todos em 2017)...
O bis in idem ocorrido é irrazoável e é um fenômeno que
consiste na repetição de uma “sanção” (reajuste) sobre mesmo fato (valor
do Bilhete Único para o ano de 2017).
3 Decreto n. 45.888 de 12 de janeiro de 2017
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
22
REsp 1478439 / RS
RECURSO ESPECIAL
2014/0151778-2
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES (1141)
S1 - PRIMEIRA SEÇÃO
25/03/2015
DJe 27/03/2015
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL
REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO
STJ 08/2008. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. AUDITORES FISCAIS DA RECEITA
FEDERAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO INDIVIDUAL CONTRA A FAZENDA PÚBLICA.
REAJUSTE DE 28,86%. INCIDÊNCIA SOBRE A GRATIFICAÇÃO DE ESTÍMULO À
FISCALIZAÇÃO E ARRECADAÇÃO - GEFA, APÓS A EDIÇÃO DA MEDIDA
PROVISÓRIA 831/1995 E ATÉ A EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA 1.915/1999.
POSSIBILIDADE. APLICABILIDADE DO MESMO ENTENDIMENTO FIRMADO NO
JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO 1.318.315/AL. RECURSO
ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Cinge-se a controvérsia posta em exame à análise acerca da incidência ou não
do reajuste de 28,86% sobre a Gratificação de Estímulo à Fiscalização e Arrecadação
- GEFA, no período entre a data da edição da Medida Provisória 831, de 18 de janeiro
de 1995, e da Medida Provisória 1.915-1, de 29 de julho de 1999.
2. A Gratificação de Estímulo à Fiscalização e Arrecadação – GEFA foi criada pelo
Decreto-Lei 2.357/1987, hipótese em que tal gratificação era atribuída em forma de
pontos por servidor em função do desempenho global da Administração Tributária,
consistindo cada ponto em 0,095% do vencimento básico do respectivo padrão do
servidor.
3. A Lei 7.787/1989 dispôs que GEFA atenderia os mesmos princípios estabelecidos
pela Lei 7.711/1988, que criou a Retribuição Adicional Variável - RAV, também
devida aos Auditores-Fiscais e Técnicos-Fiscais do Tesouro Nacional.
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
23
4. A Lei 8.477/1992 assegurou que a Retribuição Adicional Variável - RAV, instituída
pela Lei 7.711/1988, e a GEFA, quando devida aos Fiscais de Contribuições
Previdenciárias (art. 11 da Lei 7.787/1989), observariam o limite previsto no art.
12 da Lei 8.460/1992, isto é, limitou o valor da RAV e da GEFA ao equivalente ao
soldo de Almirante-de-Esquadra, de General-de-Exército ou Tenente-Brigadeiro.
5. Ocorre que o soldo de Almirante-de-Esquadra foi reajustado pela Lei
8.627/1993 no percentual de 28,86%, o que afastaria a incidência do reajuste sobre
a GEFA nesse período, sob pena de incorrer em bis in idem.
6. Contudo, em 18 de janeiro de 1995 foi editada a Medida Provisória 831, convertida
na Lei 9.624, de 02/04/1998, onde modificou-se a forma de cálculo da RAV e da
GEFA, as quais passaram a serem pagas em valor fixo, correspondente ao oito
vezes o maior vencimento básico do servidor situado no grau mais elevado da
respectiva carreira.
7. Consoante entendimento sedimentado pelo Pretório Excelso, o reajuste de
28,86%, de que tratam as Leis 8.622 e 8.627, ambas de 1993, por ser tratar de reajuste
geral de vencimentos, incide sobre a remuneração do servidor, incluídas as parcelas
vencimentais que possuam como base de cálculo o vencimento básico do servidor,
bem como as gratificações, adicionais e parcelas de natureza permanente, atreladas
ou não ao vencimento básico, que devem observar pela sobredita reposição salarial,
sendo vedado, contudo, que as parcelas vinculadas ao vencimento básico sejam objeto
de dupla incidência do aludido reajuste, o que caracterizaria bis in idem. Nesse
sentido: REsp 990.284/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira
Seção do STJ, julgado em 26/11/2008, DJe 13/4/2009.
8. In casu, desde a edição da Medida Provisória 831, de 1995, a GEFA não tinha por
base de cálculo o vencimento básico do respectivo servidor, nem o soldo de
Almirante-de-Esquadra, mas sim o maior vencimento básico da respectiva categoria,
correspondendo a oito vezes o maior vencimento básico da tabela referente aos
Auditores Fiscais, que pode ou não corresponder com a referência ocupada pelo
respectivo servidor.
9. Impõe-se aferir se o maior vencimento básico da tabela (padrão A-III) sofreu algum
reajuste em decorrência da edição das Leis 8.622 e 8.627, ambas de 1993, a fim
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
24
de concluir-se por eventual compensação, na forma do que enuncia a Súmula
672/STF.
10. Nesses termos, relativamente a um determinado Auditor Fiscal reposicionado do
padrão B-VI para o A-III, há uma coincidência no fato de o padrão A-III surgir duas
vezes no cálculo do reajuste de 28,86%: (i) está no vencimento básico deste Auditor
Fiscal (aí sim, o reajuste de 28,86% sofrerá compensação pelo reposicionamento); e
(ii) está na base de cálculo da GEFA (que é de oito vezes o valor do mais alto
vencimento básico da respectiva tabela, que é o padrão A-III), e esta verba recebe o
reajuste de 28,86% sem desconto por não ter como base de cálculo o vencimento deste
específico servidor, não tendo relevância, no ponto, o reposicionamento determinado
pela Lei 8.627/1993.
11. É de se ressaltar que o padrão A-III já se encontrava previsto pela Lei 8.460/1992
(Anexo II) como o vencimento básico mais alto e o aumento de valor promovido pelos
arts. 1º e 2º da Lei 8.622/1992 não é compensável no pagamento do reajuste de
28,86% sobre a GEFA porque trata-se de reajuste de natureza diversa daquela
constatada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RMS 22.307/DF.
Assim, não há que confundir o pagamento do reajuste de 28,86% sobre o vencimento
básico do Auditor Fiscal (o que é compensável pelo reposicionamento) com o
pagamento do mesmo reajuste sobre a GEFA, cuja base de cálculo é o padrão A-III
multiplicado por oito, cujo reajuste pelas Leis 8.622/1993 e 8.627/1993 não justifica
compensação, à luz do entendimento do STF no RMS 22.307/DF e da
Súmula 672/STF.
12. Portanto, conclui-se que incide o reajuste de 28,86% sobre a Gratificação de
Estímulo à Fiscalização e Arrecadação - GEFA, após a edição da Medida Provisória
831/1995 e até a edição da Medida Provisória 1.915-1/1999, mais precisamente no
período de janeiro de 1995 a julho de 1999, quando teria a sua base de cálculo
desvinculada do soldo de Almirante-de-Esquadra e vinculada ao maior vencimento
básico da respectiva tabela.
13. Aplica-se à GEFA o mesmo entendimento adotado pela 1ª Seção do STJ no
julgamento do REsp 1.318.315/AL, sob a sistemática do art. 543-C do CPC,
porquanto, não obstante referir-se a verba distinta (RAV), produz reflexos também no
que se refere à incidência do mesmo índice sobre a GEFA, especialmente diante das
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
25
disposições do art. 8° da Medida Provisória 831/1995 e do art. 11 da Lei 9.624/1998,
que tratam dessas duas verbas de forma conjunta, conferindo-lhes tratamento
idêntico e a mesma base de cálculo. Precedente: AgRg no REsp 1.162.264/RS, Rel.
Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma do STJ, julgado em 5/6/2014, DJe 8/8/2014.
14. A Medida Provisória 1.915-1, de 29/7/1999, além de promover uma reestruturação
da Carreira Auditoria do Tesouro Nacional, alterando a nomenclatura para "Carreira
Auditoria da Receita Federal", reajustou a remuneração e concedeu aumento de um
padrão para cada classe dos servidores em questão, dispondo ainda, em seu art. 14,
que "os integrantes da Carreira da Auditoria-Fiscal da Previdência Social e da Carreira
Fiscalização do Trabalho não fazem jus à percepção da Gratificação de Estímulo à
Fiscalização e Arrecadação - GEFA, criada pelo Decreto-Lei nº 2.371, de 18 de
novembro de 1987", sendo este o termo final da incidência do reajuste de 28,86% sobre
a GEFA.
15. Sucumbência recíproca mantida.
16. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao
regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
Ademais, ressaltamos que não se pode confundir reajuste da
tarifa de ônibus, que é apta a recompor o equilíbrio econômico-financeiro da
concessão em tela (6,99%) com reajuste do valor do Bilhete Único, que é uma
política pública de subsídio (tarifa social) destinada à população hipossuficiente
fluminense.
Ressaltamos que o reajuste exacerbado/irrazoável do valor
do Bilhete Único implica em extinguir a política pública da tarifa social de
transporte à população carente. É dizer: só se valerá da tarifa social quem
gastar mais de R$ 8,55 (oito reais e cinquenta e cinco centavos) para se
deslocar, casos que são exceção e não regra.
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
26
Impor mais um reajuste ao valor do Bilhete Único é
desconsiderar o reajuste legal já aplicado anteriormente por meio de Lei, é
prejudicar somente os mais pobres (que terão de arcar com todo o valor da
passagem que até dezembro de 2016 era de R$ 6,50).
Vejamos o valor do transporte arcado pelo passageiro (grande
parte carente), em seus diversos modais de integração, por amostragem, a título
de exemplificação:
MODAL VALOR
Trem R$ 4,20 ( a partir de
02/02/17)4
Barcas R$ 4,105
Metrô R$ 4,106
Ônibus Municipal R$ 3,807
BRT R$ 3,808
Se somarmos o valor da utilização de 2 (dois) transportes,
observaremos que pouquíssimos superarão o valor de R$ 8,00 (oito reais).
No caso do aumento do valor do Bilhete Único para R$ 8,55 (oito
reais e cinquenta e cinco centavos), praticamente ninguém usufruirá desse
benefício social.
Em outras palavras, por via indireta, o Decreto n. 45.888 de 12
de janeiro de 2017 acaba por, na prática, EXTINGUIR O BILHETE ÚNICO.
4 http://www.supervia.com.br/pt-br/estacoes-e-tarifas/formas-de-pagamento 5 http://www.grupoccr.com.br/barcas/mobile 6 https://www.metrorio.com.br/como-pagar/meios-e-tarifas 7 https://onibusrio.wordpress.com/tarifas/ 8 https://onibusrio.wordpress.com/tarifas/
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
27
Ressaltamos mais uma vez:
1 – O valor do Bilhete Único era de R$ 6,50 até dezembro
de 2016;
2 – Lei Estadual reajustando e fixando o valor do Bilhete
Único no valor de R$ 8,00, a partir de 2017;9
4 – agora, o Executivo editou unilateralmente um novo
reajuste do valor do Bilhete Único para a cifra de R$ 8,55,
para o ano de 2017.10
Em dezembro de 2016 o valor do Bilhete Único era R$ 6,50 (seis
reais e cinquenta centavos).
Reajustar o valor para R$ 8,55 (oito reais e cinquenta e cinco
centavos) representa um aumento de 31,6% (trinta e um vírgula seis por
cento) no valor do Bilhete Único para o ano de 2017.
Trata-se de um valor irrazoável, não encontrando previsão em
nenhum índice oficial de reajuste de preço (ressaltando que o reajuste da tarifa
intermunicipal de 2016 para 2017 foi de 6,99%, bem abaixo de 31,6%).
Com base nos dados informados pelo RioCard ao Tribunal de
Contas do Estado, existem, aproximadamente, 4 milhões de usuários
cadastrados no Bilhete Único, o que significa 8 milhões de transações diárias
(ida e volta da viagem).11
9 Lei Estadual n. n. 7.506/2016 para o ano de 2017 (alterando a Lei Estadual n. 5.628/2009) 10 Decreto n. 45.888 de 12 de janeiro de 2017 11 Processo TCE n. 4.337-2/2015
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
28
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
29
Assim sendo, ressaltamos que tal medida tem potencial de
impactar no aumento de R$ 1,10 (um real e dez centavos) diariamente no
orçamento de, aproximadamente, quatro milhões de passageiros,
representando, contando ida e volta, aumento do valor diário do transporte
para a população de, aproximadamente, R$ 8.800.000,00 (oito milhões e
oitocentos mil reais).
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
30
IV - DO RESSARCIMENTO DOS DANOS MORAIS E MATERIAIS
Em situações como tais, o ordenamento jurídico admite de forma
expressa a reparação do dano moral coletivo, como forma de tutela dos direitos
transindividuais violados, o que deflui do art. 6o, inciso VI, do Código de Defesa
do Consumidor e art. 1o, inciso IV, da Lei n˚. 7.347/85:
CDC
Art. 6o. São direitos básicos do consumidor: (...)
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e
morais, individuais, coletivos e difusos.
Lei 7.347/85
Art. 1˚. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da
ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados:
(...)
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
De acordo com Schreiber:
“O tecido normativo brasileiro não parece deixar qualquer dúvida
no tocante ao reconhecimento de tutela a interesses
transindividuais, que, uma vez lesados, resultam em danos
coletivos ou difusos, que podem assumir conotação patrimonial
ou moral. Tais danos podem, como também reconhece
expressamente a nossa ordem jurídica, ser objeto de ações de
reparação.
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
31
Chamemos a isso dano moral coletivo, reformulando nosso
conceito de dano moral para adequá-lo aos dispositivos legais,
ou tratemos dessas situações sob outra denominação qualquer
(danos extrapatrimoniais coletivos e difusos), pouco importa. O
importante é que superemos uma polêmica artificial, que tem
obstado a aplicação do instrumento compensatório em defesa
de interesses supraindividuais que o ordenamento jurídico
brasileiro expressamente reconhece, sem qualquer ressalva,
como merecedoras de tutela”12.
A tese tem sido reiteradamente acolhida no âmbito das Cortes
Superiores do país, a exemplo dos precedente a seguir:
REsp 1509923 / SP
Relator(a) Ministro HUMBERTO MARTINS
Órgão Julgador SEGUNDA TURMA
Data do Julgamento: 06/10/2015
Data da Publicação/Fonte: DJe 22/10/2015
Ementa: PROCESSO COLETIVO E CONSUMIDOR. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. JOGOS DE AZAR. BINGOS, CAÇA-NÍQUEIS
E AFINS. SÚMULA VINCULANTE 2/STF. VEDAÇÃO PELA LEI
9.981/2000. INEXISTÊNCIA, POR ORA, DE LEGISLAÇÃO QUE
AUTORIZE A ATIVIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL
COLETIVO. CABIMENTO.
1. Na origem, o Ministério Público Federal e a União
promoveram ação civil pública contra casas de bingos, caça-
níqueis e demais jogos de azar, pleiteando a condenação em
obrigações de fazer e não fazer atinentes à interdição da
atividade, além de indenização por dano moral coletivo a ser
revertida para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.
12 SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade, 2a edição, São Paulo: Atlas, 2003, p. 102.
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
32
2. A sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido
relativa às interdições, bem como apontou os efeitos dos jogos
ilegais não só para o consumidor como também para a família,
a coletividade, a economia e a saúde pública, também condenou
as rés à indenização por dano moral coletivo, a ser apurada na
fase de liquidação, sob o parâmetro de 20% da média
arrecadada a partir da expiração das autorizações a elas
concedidas até a efetiva interdição das atividades. O Tribunal de
origem, em agravo regimental, reformou a sentença de primeiro
grau para afastar a condenação das rés ao pagamento de dano
moral coletivo.
3. É competência privativa da União legislar sobre sistemas de
consórcios e sorteios. Nesse sentido, a Súmula Vinculante 2
considera "inconstitucional a lei ou ato normativo Estadual ou
Distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios,
inclusive bingos e loterias" (STF, DJe 31, de 6/6/2007).
4. A exploração de casas de bingo chegou a ser permitida pela
Lei 9.615/1998 (arts. 59 a 81), mas tais dispositivos legais foram
revogados pela Lei 9.981/2000, a partir de 31/12/2001,
"respeitando-se as autorizações que estiverem em vigor até a
data da sua expiração" (art. 2º). A União detém a exploração
direta de loterias federais ("jogos autorizados") e o Decreto
50.954/1961 incumbe a administração das loterias federais à
Caixa Econômica Federal. Portanto, enquanto não sobrevier
legislação que a autorize, a exploração comercial de jogos de
bingo e de demais jogos de azar não encontra amparo no
ordenamento jurídico pátrio vigente.
5. Quando os interesses e direitos individuais coletivamente
considerados trazem repercussão social apta a transpor as
pretensões particulares, autoriza-se sua tutela pela via
coletiva (arts. 81 e 82 do CDC).
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
33
6. O art. 6º do CDC traz como direitos básicos do consumidor:
"(...) I - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais
e morais, individuais, coletivos e difusos; (...) VII - o acesso
aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção
ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,
coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica,
administrativa e técnica aos necessitados".
7. A responsabilidade civil é objetiva, respondendo os réus,
"independentemente da existência de culpa, pela reparação
dos danos causados aos consumidores" (art. 12, caput, do
CDC).
8. O dano moral coletivo prescinde da comprovação de dor,
de sofrimento e de abalo psicológico, pois tal comprovação,
embora possível na esfera individual, torna-se inaplicável
quando se cuida de interesses difusos e coletivos. Nesse
sentido: REsp 1.410.698/MG, Rel. Ministro HUMBERTO
MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 30/06/2015; REsp
1.057.274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA
TURMA, DJe 26/02/2010. Recurso especial interposto pelo
Parquet foi conhecido e provido para restabelecer a condenação
das rés ao pagamento de indenização por dano moral coletivo,
na forma fixada pela sentença de primeiro grau.
Da mesma forma, o TJRJ, em recente julgado, decidiu
favoravelmente à Defensoria Pública, em acórdão assim ementado:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
6ª CÂMARA CÍVEL
Apelação nº. 0230547-80.2013.8.19.0001
APELANTE: DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
APELADO: ESTADO DO RIO DE JANEIRO
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
34
RELATORA: DES. CLAUDIA PIRES DOS SANTOS FERREIRA
APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA, AJUIZADA PELA
DEFENSORIA PÚBLICA. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE
E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. CUMPRIMENTO DE
MEDIDA DE SEGURANÇA NO HOSPITAL PENITENCIÁRIO
ESTADUAL HEITOR CARRILHO. PORTADORES DE DOENÇA
MENTAL EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE. OMISSÃO
ESPECÍFICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NA
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS QUE
ASSEGUREM A DESINTERNAÇÃO. GRAVE VIOLAÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS. DANO MORAL INDIVIDUAL E
COLETIVO, CONFIGURADOS. HONORÁRIOS. APLICAÇÃO
DA SÚMULA 421 DO STJ. PROVIMENTO DO RECURSO
PARA CONFIRMAR A LIMINAR CAUTELAR, DEFERIDA,
PROIBINDO O INGRESSO DE NOVOS INTERNADOS NO
REFERIDO NOSOCÔMIO, BEM COMO, REFORMAR A
SENTENÇA PARA JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE
OS PEDIDOS DA DEFENSORIA PÚBLICA.
Tal imposição legal se deve, in casu, à essencialidade do serviço
público de transporte coletivo, do qual dependem diariamente milhares de
cidadãos.
Os danos decorrentes da ILEGALIDADE e
DESPROPORCIONALIDADE da prática abusiva imposta, são inerentes às
próprias condutas do réu, consistente em impor, de forma unilateral e sem a
devida forma que o Direito exige (alteração de Lei por meio de Lei), a majoração
do valor do subsídio do Bilhete Único em 6,99% (seis vírgula noventa e nove por
cento) a, aproximadamente, 4.000.000 (quatro milhões) de usuários diários.
Impondo que milhões de pessoas arquem ilegalmente com um
valor, diariamente, que somados, representam milhões de reais todo os dias...
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
35
Desta forma, o descaso da ré com a coletividade de usuários do
serviço, titulares do direito fundamental à sua regular e adequada prestação nos
termos legais, é de elevada significância e ultrapassa os limites da tolerabilidade,
sendo grave o suficiente para produzir verdadeiro transtorno à coletividade de
usuários dependentes do serviço público essencial em comento. A prática
impugnada gera intranquilidade social e alterações relevantes na ordem
extrapatrimonial coletiva, a ensejar sua condenação na obrigação de reparar o
dano moral coletivo causado.
Neste sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,
que reconhece o cabimento do dano moral coletivo em casos semelhantes ao
dos autos, senão vejamos:
ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE -
IDOSOS - DANO MORAL COLETIVO -
DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE
SOFRIMENTO – APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO
MORAL INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DE IDOSOS
PARA USUFRUTO DE DIREITO - ILEGALIDADE DA
EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE - ART.
39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO - LEI 10741/2003
VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.
1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é
transindividual e atinge uma classe específica ou não
de pessoas, é passível de comprovação pela presença
de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos
enquanto síntese das individualidades percebidas
como segmento, derivado de uma mesma relação
jurídica-base .
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
36
2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da
comprovação de dor, de sofrimento e de abalo
psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do
indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e
coletivos .
3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão
dos idosos a procedimento de cadastramento para o gozo
do benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado
pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, §
1º exige apenas a apresentação de documento de
identidade.
4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado
o sistema normativo.
5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que
considerou as circunstancias fáticas e probatória e
restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso,
mantém-se a decisão.
5. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1057274, SEGUNDA TURMA, Rel. Ministra ELIANA
CALMON, Dje 26.2.2010). – grifou-se –
A indenização por dano moral coletivo também tem importante
função pedagógica, a fim de evitar novas lesões aos passageiros de transporte
público sem o devido respeito à Lei. No caso dos autos, conforme acima já
demonstrado, a violação ao direito público essencial de transporte público sem
nenhuma formalidade exigida pelo ordenamento jurídico (Decreto revogando
Lei), aumentando um valor de uma tarifa social de transporte que está fixada em
lei – utilizado diariamente por milhões de usuários – resta claro que a ausência
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
37
de fixação de sanção ou a imposição desta em valor reduzido seria verdadeiro
desestímulo à adequação da conduta irregular e ao cumprimento de eventual
decisão favorável do Juízo.
A fixação do valor da sanção deve se dar de modo a fazer a
conduta irregular deixar de ser vantajosa para quem a pratica, o que só pode ser
alcançado quando se leva em consideração a saúde econômica daquele que
opta por se manter na irregularidade.
Assim, imperiosa que a condenação da reparação dos danos
morais coletivos causados aos usuários de transporte público acompanhe a
condenação de obrigação de não-fazer abaixo lançada, sendo esta a única
medida adequada a fazer cessar a prática irregular (ilegal) até aqui verificada.
V - DOS REQUISITOS PARA O DEFERIMENTO DA TUTELA DE URGÊNCIA:
A existência da Lei Estadual n. 7.506 de 29 de dezembro de
2016 e as considerações feitas no decorrer da exordial, em especial a expedição
de Decreto Regulamentador revogando/alterando a Lei, em prejuízo da
população evidenciam a presença de prova inequívoca e da verossimilhança
das alegações ora expostas no que concerne a violação do princípio da
Legalidade Estrita, da Separação dos Poderes, da Razoabilidade, bis in idem,
das normas do Código de Defesa do Consumidor, e da Constituição da
República de 1988.
A probabilidade do direito restou demonstrada diante das
considerações acerca da violação à Lei (ato normativo primário) por um Decreto
Regulamentar (ato normativo secundário) já trazidos à colação na exordial.
Está presente o perigo de dano e risco ao resultado útil do
processo, uma vez que o acolhimento da demanda sem a antecipação de tutela
poderá importar no prejuízo diário a 4.000.000 (quatro milhões) de usuários do
Bilhete Único, representando, diariamente, com o trajeto ida e volta (o dobro),
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
38
aproximadamente um valor de R$ 8.800.000,00 (oito milhões e oitocentos mil
reais), repito, diariamente...
Ademais, é inequívoco o risco que representa o implemento de
um reajuste ilegal, que será realizada a partir da data de 13 de fevereiro de
2017, diante da demora na solução do processo e a urgência exigida pelo caso
na adoção das medidas pleiteadas.
Assim, demonstrado se encontra o requisito autorizador da
concessão da tutela de urgência previsto no art. 300, do Código de Processo
Civil e 84, parágrafo 3°, do Código de Defesa do Consumidor.
VI – DOS PEDIDOS:
Isto posto, requer a Defensoria Pública do Estado do Rio de
Janeiro, ante a necessidade de se sustar e, ao final, invalidar o ILEGAL e
REPETIDO reajuste do valor do Bilhete Único para o ano de 2017, previsto no
art. 1º do Decreto n. 45.888/2017, que desconsidera e extrapola o reajuste dado
pela Lei Estadual n. 7.506 de 29 de dezembro de 2016 (art. 7°), violando-se o
princípio da Separação dos Poderes, a Legalidade Estrita, o bis in idem e a
razoabilidade do impacto financeiro na população carente trabalhadora do
Estado do Rio de Janeiro:
a) A CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA, inaudita
altera parte, para que:
a.1 - seja suspenso o art. 1º do Decreto n. 45.888/2017, intimando-
se o Réu e, pessoalmente, o Governador, sob pena de multa diária a
ser aplicada por V. Exa, sugerida em valor não inferior a R$
100.000,00 (cem mil reais) e/ou outras medidas eficazes a serem
determinadas por V. Exa.;
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
39
a.2 – Determine que não se altere o valor do Bilhete Único fixado na
Lei Estadual n. 7.506 de 29 de dezembro de 2016 (art. 7°), ou em Lei
que o substitua, sem a devida alteração legislativa, sob pena de multa
diária a ser aplicada por V. Exa, sugerida em valor não inferior a R$
100.000,00 (cem mil reais) e/ou outras medidas eficazes a serem
determinadas por V. Exa.
b) Seja concedida a dispensa do pagamento de custas,
emolumentos e outros encargos, desde logo, a vista do que
dispõem o artigo 18 da Lei n. 7.347/85 e artigo 87 da Lei n.
8.078/90;
c) A designação de audiência de conciliação a ser realizada no
prazo de trinta dias, bem como a citação do Réu, com a
antecedência mínima de vinte dias, para, querendo comparecer
viabilizando a conciliação ou responder aos termos da presente,
nos moldes dos artigos 334 e 335, do CPC;
d) A intimação eletrônica da 3ª e da 6ª DP do Núcleo de Defesa
do Consumidor da Defensoria Pública do Estado do Rio de
Janeiro, de todos os atos processuais.
e) Seja publicado o edital a que se refere o artigo 94 do Código de
Defesa do Consumidor;
f) A intervenção do Ministério Público para acompanhar o
presente feito, na condição de custos legis ou, querendo, na
condição de litisconsorte ativo;
g) A PROCEDÊNCIA do pedido para, confirmar os efeitos da
tutela de urgência, e emitir preceito definitivo, determinando a:
g.1- DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE do art. 1º do Decreto n.
45.888/2017;
3ª e 6 ª DE FE NSOR IA P ÚB L ICA J UNTO AO NÚC LE O DE DE FE SA DO CO NSUMIDOR
40
g.2 – CONDENAÇÃO do réu a indenizar, da forma mais ampla e
completa possível, os danos materiais e morais de que tenham
padecido os consumidores, individualmente considerados, em virtude
dos fatos narrados, a ser apurado em liquidação;
g.3 – CONDENAÇÃO do réu a indenizar os danos materiais e morais
causados aos usuários do bilhete único de transporte público,
considerados em sentido coletivo, no valor mínimo de R$
8.800.000,00 (oito milhões e oitocentos mil reais), a ser revertido ao
Fundo de Reconstituição de Bens Lesados, mencionado no art. 13,
da Lei 7.347/85;
h) que seja condenado o demandante ao pagamento dos ônus da
sucumbência, incluindo os honorários.
Finalmente, protestam, nos termos do artigo 332, do Código de
Processo Civil, pela produção de todas as provas em direito admissíveis,
notadamente a documental, sem prejuízo da inversão do ônus da prova previsto
no art. 6o, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
Dá-se à causa, por força do disposto no artigo 258, do Código de
Processo Civil, o valor de R$ 8.800.000,00 (oito milhões e oitocentos mil reais).
Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 2017.
Patrícia Cardoso Maciel Tavares
Defensora Pública
3º D.P. do Núcleo de Defesa do
Consumidor
Mat. 817.908-7
Eduardo Chow De Martino Tostes
Defensor Público
6ª D.P. do Núcleo de Defesa do
Consumidor
Mat. 969.598-2