7/23/2019 Expressividades Corporais Autonomas
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EXPRESSIVIDADES CORPORAIS AUTNOMAS
Nadir Nbrega Oliveira1
PPGAC- UFBA
Palavras-chave: DANA BANKOMA AGENTE CULTURAL
A minha cidade, Salvador, est inclusa num contexto de festas, de danas, de gestos
e de movimentos. Eu fao parte dela, na medida do possvel tentando acompanhar as
mudanas culturais estimuladas pelo avano tecnolgico, pelas relaes comerciais e as
educacionais contemporneas.
Minha morada inicial foi no bairro do Uruguai, na parte dos Alagados (cidade
baixa), onde iniciei minha aproximao com as manifestaes artsticas e religiosas.
Participava com entusiasmo das batucadas (Uruguai Hora H e mudana da Massaranduba),
dos grupos de mascarados, das novenas e trezenas de Santo Antonio, do senhor do Bonfim
e da Nossa senhora dos Mares. Tambm participava das festas populares da Ribeira, da
lavagem do Bonfim, da procisso da Conceio da Praia, dos ternos de reis e dos concursosde quadrilhas juninas.
Acredito que desde criana j tinha sensibilidade para as artes estimulada pelos
meus familiares. O meu av gostava de tocar violo e a minha av gostava de sambar e
freqentar as festas de largos e procisses.
Era emocionante percorrer o bairro do Uruguai para ver as formas criativas dos
altares de Santo Antonio, feitos de papeis crepom e laminados, sentir os cheiros de incensos
bastante peculiares durante o ms de junho. Era prazeiroso ouvir as msicas de Bievenido
Granda, Lus Kalaf, Clia Cruz, The Beatles, Joozinho da Gomia, Renato e seus blue
caps, Jerry Adriani e o nosso rei Roberto Carlos.
1Mestra em Artes Cnicas pelo PPGAC/UFBA. Coregrafa, danarina, arte educadora. Autora dos livros:Dana Afro- Sincretismo de Movimentos (1992) e Ag Alafiju, Odara! A presena de Clyde Wesley Morganna Escola de Dana da Ufba, de 1971 a 1978 (2007).
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Tudo acontecia de forma espontnea, pois a minha famlia muito pobre no podia
pagar uma escola de Artes tampouco me levar para visitar museus e galeria de arte. Estas
maravilhas no faziam parte do meu universo.
Naquele perodo no havia limites. Era tudo muito engraado. Desde criana
gostava de ir s festinhas pra danar bolero, o twist e o i i i. Era chic. Era atual. Ganhei
at concurso por saber danar.
Mas, as minhas relaes familiares e pessoais se modificaram quando resolvi
investir em profissionalizar os meus gestos corporais e o meu desejo de atuar no palco.
Nesta trajetria aprendo que o homem dana para expressar seus sentimentos, suas
ansiedades e valores culturais. A dana pode ter uma funo ritualstica, de diverso ou
artstica. Reportando-me a Adriana KAEPLER (1978), a dana uma representao
cultural de qualquer povo e sempre se faz presente em todos os perodos do nascimento ata morte. Esta representao presente nas comunidades indgenas e afro-brasileiras
sempre apreciada nos rituais para os ancestrais.
Ao longo dos anos busco contextualizar as trajetrias artsticas e dos processos
criativos de performers afro descendentes annimos ou no. Neste trabalho, destaca-se,
como vis de abordagem, o fato de que nas apresentaes, o corpo do afro descendente no
apropriado, pelas funes espetaculares, como objeto de folclorizao ou esteriotipao,
mas, pelo contrrio, como sujeito poltico de marcante presena na afirmao identitria de
etnicidade e cultura ancestral.
Sabe-se que adana um conjunto organizado de movimentos ritmados do corpo
acompanhado por msica ou no, atravs dos elementos como forma, ritmo, espao, tempo
e fora. Na dana, o artista (coregrafo/bailarino) capta as realidades do mundo, atravs da
sua capacidade de observao, anlise e imaginao, bem como a partir das suas referncias
pessoais, condies culturais e de todas as impregnaes que o cercam, tornando-se
visualmente contemplveis, graas s combinaes dos movimentos corporais.
A respeito do gesto corporal, considero que, tanto no que relativo vida cotidiana
quanto no que refere s artes cnicas, ele o elemento intermedirio entre interioridade
(conscincia) e exterioridade (ser fsico) (PAVIS, 1999: 184). O gesto tido, ento como a
exteriorizao de sentimentos que se evidenciam no corpo.
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A nossa realidade mostra que parte do nosso alunado afro descendente tem
dificuldades em sentirem-se sujeitos, capazes de criarem, repartirem, observarem e
desejarem de no parar de crescer. Muitos deles no percebem que a arte permite
experincias, descobertas e desejos de melhoras.
Concordo com Teixeira COELHO ao afirmar que o primeiro e grande desafio e a
primeira grande decepo para o agente cultural brasileiro: reconhecer que na ao cultural
seu objetivo no criar diretamente, mas apenas criar as condies para que os outros o
faam.(1988:25).
A prtica da dana coreografada pode ser interpretada enquanto leitura do espao
ritual das sociedades, nas quais esta se desenvolve. Ao contextualizar os corpos de um
grupo social determinado, ou melhor, ao traduzir e incorporar os smbolos significantes de
uma sociedade, a dana se apresenta de maneira singular, enquanto objeto susceptvel
pesquisa e ao questionamento.
A dana aparece, isto significa que ela existe. No importa se executada no palco
de um teatro ou num terreiro de candombl. Tento criar uma linguagem de conquista e
percepo de mundo e de sociedade. Nestas criaes so definidas as histrias, os
contedos, os jeitos dos alunos viverem a vida. Tudo se faz presente atravs do canto, da
msica, dos instrumentos, dos figurinos, dos penteados, dos adereos, das coreografias, dapoesia etc.
A nossa classe artstica em conjunto com os segmentos oficias da cultura ainda no
conseguiram encontrar meios de atingir a clientela jovem da periferia no sentido de
estimula-los a freqentarem o teatro. Os diretores/autores devem criar espetculos que
proporcionem esta periferia a entrarem no jogo, a dialogar com o objeto, com o texto ou
com a fala.
No existe teatro sem platia e a importncia da presena do espectador
no teatro precisa ser vista no somente por uma razo econmica, de sustentao
financeira das produes [...] No h evoluo ou transformao do teatro que se
d sem a efetiva participao dos espectadores. (DESGRANGES, 2003, p.27)
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A clientela na qual trabalho (bloco afro BANKOMA) no se restringe somente ao
carnaval. O bloco uma das aes scio cultural do Terreiro So Jorge Filho da Gomia,
assim como neste espao religioso de origem bantu se desenvolve tambm oficina de
confeco de instrumentos, de violo, de percusso, de tcnica e criatividade corporal e de
pano da costa.
Estes jovens e adultos pouco freqentam cinema e teatro. Suas subverses so
desenvolvidas nas quadras, nas praas e no terreiro, com as suas danas, com suas msicas,
com seus cantos e seus figurinos.
Pelos processos de ordem econmica e cultural, bvio que o espetculo Shopping
and Funking no teria uma boa aceitao na s pelo fato de ser um texto de alto teor de
complexidade como tambm no ser apresentado regularmente nesta nossa capital.
Dana e ritualidade sempre estiveram estreitamente ligadas s anlises etnolgicas
das sociedades tradicionais das matrizes estticas brancas, negras e indgenas. A dana,
enquanto incorporadora dos paradigmas sociais, permite o reencontro dos traos de
celebrao rituais de onde foi gerada e cuja origem se remete a um tempo scio-histrico-
poltico e cultural, tambm a ancestralidade.
Independente de qual seja a sociedade em questo, a dana tem sido consideradacomo uma traduo gestual de uma temporalidade. Como enfatiza ASANTE (1985:71):
A dana uma arte complexa que expressa todo o patrimnio pico, histrico e
mstico das culturas africanas; atravs dela tambm os griots, os trovadores nos
quais atravessando as vilas africanas, contam as histrias mitolgicas e trazem
notcias nas aldeias.
Tratando-se das tradies orais, bvio que a histria era contada ou representada
com o instrumento comunicativo principal do homem: o corpo.
Em Salvador, a dana est imbuda de um gestual e de um dinamismo prprios, cuja
simbologia no pode ser dissociada de suas matrizes culturais, em especial a africana, na
qual o danar se traduz como poder de comunicao em sentidos profundos.
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profunda da natureza comunica-se com a essncia profunda dos homens, e mesmo num
contexto adverso do colonialismo e neocolonialismo, herdamos desses ancestrais negros o
vigor das nossas comunalidades.(LUZ, 2005:52).
Aqui em Salvador visvel a movimentao inspirada em alguma dana de orix,dana esta que inseparvel do fenmeno religioso propriamente dito. A dana faz parte
integral do ritual do candombl representando a devoo direta dos deuses e divindades.
O meu objeto uma sombrinha que passa a ser um cajado, porque esse
cajado de Exu e os meus movimentos esto relacionados a ele. A sombrinha no
comeo do espetculo vai aberta at a minha colega de dana que busca ela
como se fosse um escravo levando a madame. (Gessica Catarina, 2007)
Em minha percepo, os trechos musicais so partes do protesto verbal que, a partirda presena corporal dos afro descendentes em cena, de sua motricidade e de seus
movimentos, torna-se a prpria sntese do sentido de corpo, de msica e danas negras, e
que d sustentculo esttico-poltico aos espetculos.
So corpos/sujeitos que contam suas histrias, criando formas, ondulando,
deslizando, saltando, girando, excitando, cortando, demonstrando capacidades corporais de
tornar presente sua ancestralidade, ao mesmo tempo em que so capazes de executar tantos
outros movimentos, quanto assim sejam necessrios, todos, a partir da conscincia da
existncia das marcas da cultura da dominao racial, ferradas, tatuadas nestes corpos,
como sinais de subalternidade e esteretipos de submisso.
Chego a concluso que esse corpo mesmo destinando-se ao candombl e capoeira,
no se banaliza, no se estereotipiza, no se subjuga, mas sim prope uma autonomia, a
qual chamo de corpo sujeito, ou seja, corpo que realiza suas danas como manifestao de
si, de seus desejos e de suas ancestralidades, expresses culturais que so incorporadas
como parte legtima de constituio integral desse sujeito, em si e em suas comunidades.
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Aluno Marcelo Cardoso, apresentando solo, inspirado no orix Oxossi, no
Terreiro So Jorge Filho da Gomia. Ano 2007.
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Aluna Tmara em desfile de carnaval 2007 no Bloco Afro Bankoma-
Salvador/Bahia.
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REFERENCIAS
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DESGRANGES, Flvio.A Pedagogia do Espectador. So Paulo, Hucitec, 2003.
KAEPPLER, Adrianne.Dance in Antropological Perspective. Ann. Rev. Antropol., 1978
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LUZ, Marco Aurlio Agad: dinmica da civilizao africano-brasileira. Salvador:
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PAVIS, Patrice. A anlise dos espetculos. Traduo de Srgio Slvia Coelho. So Paulo:
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OLIVEIRA, Nadir Nbrega. Dana Afro-Sincretismo de Movimentos. Salvador.
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--------------O Samba do Crioulo Doido: Recontando sua histria com os seus corpos. In:
Cadernos do GIPE CIT, PPGAC/UFBA. (Org.) Eliana Rodrigues Silva. N 13. Estudos
do Corpo III, 2005.
---------------AG ALAFIJU,ODARA! A presena de Clyde Wesley Morgan na Escola
de Dana da UFBA, de 1971 a 1978.Dissertao de mestrado PPGAC/UFBA. Salvador,
2006.
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WELSH, Kariamu. African dance. Philadelphia: Chelsea House Publishers, 2004.
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