Cassel vem de uma família de executores de maldições - Pessoas que têm o poder de mudar as suas emoções, suas lembranças, sua sorte com o mais leve toque de suas mãos. E desde que executar maldições é ilegal, todos eles são bandidos e ladrões. Exceto por Cassel. Ele não tem o toque mágico, por isso é um estranho, o garoto certo em uma família torta. Você só tem que ignorar um pequeno detalhe... ele matou sua melhor amiga, Lila, há três anos.
Desde então, Cassel tem cuidadosamente construído uma fachada de normalidade,
se misturando na multidão. Mas a fachada começa a desmoronar quando ele começa seu
sonambulismo, conduzido durante a noite por pesadelos sobre um gato branco que quer
dizer-lhe alguma coisa. Ele está começando a perceber outras coisas preocupantes,
incluindo o comportamento estranho de seus dois irmãos. Eles guardam segredos dele,
preso em um ar misterioso. Então Cassel começa a suspeitar que é parte de uma grande
farsa, e também quer saber o que realmente aconteceu com Lila. Pode ser que ela ainda
esteja viva? Para descobrir isso, Cassel deve se juntar aos vigaristas.
Capítulo um
EU ACORDEI DE PÉS DESCALÇOS, em pé sobre os ladrilhos frios de ardósia.
Olhando aturdido para baixo. Eu suguei uma lufada de ar gelado.
Acima de mim estão as escadas. Abaixo de mim, a estátua de bronze do Coronel
Wallingford que me faz perceber que estou vendo o terreno do pico do Prédio Smythe,
meu dormitório.
Eu não tinha memória de subir as escadas até o telhado. Eu não sei nem como
chegar onde estou o que é um problema já que terei que descer, de preferência de uma
maneira que não envolva eu morrendo.
Balançando, eu me forço a ficar o mais parado possível. E não respirar muito
fortemente. E agarrar os ladrilhos com os meus dedos do pé.
A noite está silencioso, o tipo de silêncio que faz qualquer tipo de movimento ou
respiração nervosa ecoar. Quando os contornos negros das árvores acima fazem barulho,
eu pulo de surpresa. Meu pé desliza em algo liso. Musgo.
Eu tento me estabilizar, mas minhas pernas se desequilibram embaixo de mim.
Eu procuro por algo para me segurar quando o meu peito nu acerta o ladrilho.
Minha palma bate forte em um pedaço afiado de cobre que está reluzindo, mas eu mal
sinto a dor. Chutando, meu pé encontra o guarda-neve1, e eu pressiono os meus dedos do
pé contra ele, me estabilizando. Eu rio de alívio, mesmo que eu esteja tremendo tanto que
escalar está fora de questão.
O frio faz os meus dedos ficarem amortecidos. A descarga de adrenalina faz o meu
cérebro zunir.
— Socorro, — eu digo suavemente, e sinto uma risada louca de nervosismo se
acumular na minha garganta. Eu mordo o interior da minha bochecha para suprimi-la.
Eu não posso pedir por ajuda. Eu não posso chamar alguém. Se eu fizer isso, então a
minha pretensão cuidadosamente mantida que eu sou apenas um cara normal ira
desaparecer para sempre. Sonambulismo é coisa de criança estranha e vergonhosa.
Olhando através do telhado na penumbra, eu tento chegar aos guardas-neve,
pequenos pedaços triangulares de plástico transparentes que impedem o gelo de cair nas
folhas, pequenos pedaços triangulares que nunca foram feitos para manter o meu peso. Se
eu conseguisse chegar perto de uma janela, talvez conseguisse escalar para baixo.
Eu coloco meu pé na beirada para fora, passando tão devagar quanto é possível e me
arrastando para o guarda neve mais próximo. O meu estômago raspa contra o bolor,
alguns dos ladrinhos estão fissurados e desiguais abaixo de mim. Eu piso no primeiro
guarda neve, então mais para baixo em outro e todo o caminho até aquele na beirada do
telhado. Lá, arquejando, com as janelas muito abaixo de mim e com nenhum lugar
restante para ir, eu decido que eu não estou com vontade de morrer por vergonha.
Eu puxo três respirações profundas de ar gelado e grito.
— Ei! Ei! Socorro! – A noite absorve a minha voz. Eu escuto a distante expansão de
máquinas ao longo do corredor, mas nada das janelas abaixo de mim.
— EI! – Eu grito desta vez, gutural, tão alto quanto consigo, alto o bastante que as
palavras arranham minha garganta. – Socorro!
Uma luz trêmula em um dos quartos e vejo a pressão de mãos contra uma janela de
vidro. Um momento depois uma janela deslizou aberta. – Olá? – alguém gritou sonolento
a partir de baixo. Por um momento a voz dela lembrou-o de outra garota. Uma garota
morta.
Eu pendurei minha cabeça na beirada e tentei dar o meu sorriso mais aflito. Para que
ela não se apavorasse. — Aqui em cima, — eu disse. — No telhado.
— Oh, meu Deus, — Justine Moore arfou.
Willow Davis vem até a janela. — Eu vou chamar o coordenador do andar.
Eu aperto a minha bochecha contra o ladrilho frio e tento me convencer que tudo
está bem, que isso não é uma maldição, que é só eu esperar um pouco mais, as coisas
ficarão bem.
Uma multidão se junta abaixo de mim, saindo de seus dormitórios.
— Pula, — algum idiota grita. — Faça!
— Sr. Sharpe? — O Reitor Wharton chama. — Desça daí de uma vez, Sr. Sharpe!
— Seu cabelo grisalho faz pontas como se ele tivesse sido eletrocutado, e o seu roupão
está do avesso e mal amarrado. A faculdade inteira pode ver a sua cueca branca.
Eu percebo abruptamente que estou usando apenas boxer. Se ele parece rídículo, eu
estou pior.
— Cassel! — A Sra. Noyes grita. — Cassel, não pule! Eu sei que as coisas estão
difíceis... — Ela para aí, como se não tivesse certeza do que dizer depois. Ela está
provavelmente tentando se lembrar de o que é tão difícil. Eu tenho boas notas. Dou-me
bem com todos.
Eu olho para baixo novamente. As câmeras do telefone piscam. Calouros estão
pendurados nas janelas vizinhas no Dormitório Strong, e segundanistas e terceiranistas
estão de pé espalhados no gramado em seus pijamas e camisolas, apesar de que os
professores estão tentando desesperadamente conduzi-los de volta para dentro.
Eu dou o meu melhor sorriso. — Xis, — eu digo suavemente.
— Desça Sr. Sharpe, — grita o Reitor Wharton. — Eu estou te avisando!
— Estou bem, Sra. Noyes, — eu falo. — Eu não sei como eu vim parar aqui. Eu
acho que eu estava sonâmbulo.
Eu sonhei com um gato branco. Ele se inclinou em mim, aspirando profundamente,
como se ele fosse sugar todo o ar dos meus pulmões, mas então ele mordeu a minha
língua ao invés. Não havia dor, somente um senso de um pânico avassalador e sufocante.
No sonho, a minha língua era uma coisa vermelha contorcida, do tamanho de um rato e
molhada, que a gata carregava em sua boca. Eu a queria de volta. Eu corri para fora da
cama e tentei agarrá-la, mas ela era muito esbelta e muita rápida. Eu a persegui. Quando
eu percebi, estava me equilibrando no telhado mofado.
Uma sirene zuniu a distância, se aproximando. Minhas bochechas doíam de sorrir.
Eventualmente um bombeiro subiu a escada para me descer. Eles colocaram uma
coberta ao meu redor, mas aí os meus dentes já estavam tremendo tanto que eu não
conseguia responder nenhuma das perguntas deles. Era como se o gato tivesse comido a
minha língua no final das contas.
A última vez que eu estive no escritorio da diretora, o meu avô estava lá comigo
para me matricular na faculdade. Eu me lembro de vê-lo pegar uma vasilha inteira de
balas de menta e colocá-las no bolso de seu casaco enquanto o Reitor Wharton falava
sobre que ótimo jovem que eu seria. A vasilha de cristal foi para o bolso oposto.
Embrulhado em uma coberta, eu me sento na cadeira de couro verde e mexo na gaze
que cobre a minha mão. Um ótimo jovem de fato.
— Sonâmbulo? — O Reitor Wharton diz. — Ele está vestido em um casaco de lã
marrom, mas o seu cabelo está ainda bagunçado. Ele está de pé próximo à prateleira das
enciclopédias antigas e passa um dedo enluvado sobre as lombadas de couro que estão se
desfazendo.
Eu notei que há uma nova vasilha de vidro barato para as balas de menta na mesa.
Minha cabeça está pulsando. Eu queria que as mentas fossem aspirinas.
— Eu costumava ser sonâmbulo, — eu digo. — Eu não tenho feito isso por um
longo tempo.
Sonambulismo não é assim tão incomum em jovens, especialmente meninos. Eu
procurei na internet depois de acordar em um estacionamento quando eu tinha treze anos,
meus lábios azuis de frio, incapaz de espantar a sensação estranha que havia acabado de
retornar de algum lugar que eu não conseguia me lembrar.
Do lado de fora as janelas chumbadas de vidro mostram as árvores brilhando de
dourado por causa do sol nascente. A diretora, a Sra. Northcutt, está com os olhos
inchados e vermelhos. Ela está bebendo café de uma caneca com o símbolo de
Wallingford e segurando-a tão firme que o couro de suas luvas em cima de suas juntas
está esticado.
— Eu ouvi que você está tendo alguns problemas com a sua namorada, — a diretora
Northcutt diz.
— Não, — eu digo. — Nem um pouco. — Audrey terminou comigo depois do
feriado de inverno, exausta por causa do meu humor. É impossível ter problemas com
uma namorada que não é mais minha.
A diretora limpa a sua garganta. — Alguns estudantes acham que você está
executando um banco de apostas. Você está em algum tipo de problema? Deve dinheiro a
alguém?
Eu olho para baixo e tento não sorrir com a menção do meu pequeno império
criminal. É apenas faço um pouco de falsificação e algumas apostas. Eu não estou
executando um único golpe; nem aceitei a sugestão do meu irmão Philip de que nós
poderíamos ser os principais fornecedores de bebidas para menores. Eu tenho quase
certeza que a diretora não liga sobre as apostas, mas estou feliz que ela não sabe que as
apostas mais populares são sobre quais professores estão ficando. Northcutt e Wharton e
um lançe longe, mas isso não impede que as pessoas apostem dinheiro neles. Eu balanço
a minha cabeça.
— Você experimentou mudanças de humor ultimamente? — o Reitor Wharton
pergunta.
— Não, — eu digo.
— E quanto a mudanças no apetite ou padrões de sono? — ele soa como se
estivesse recitando as palavras de um livro.
— O problema são os meus padrões de sono, — eu digo.
— O que você quer dizer? — pergunta a Diretora Northcutt, de repente atenta.
— Nada! Somente que eu estava sonâmbulo, não tentando me matar. E se eu
quisesse me matar, não me jogaria de um telhado. E se eu fosse me jogar de um telhado,
eu colocaria uma calça antes de fazer isso.
A diretora tomou um gole de sua xícara. Ela relaxou o seu aperto. — Nosso
advogado me aconselhou que até que o médico possa nos garantir que nada como isso irá
acontecer novamente, nós não podemos permitir que você ficasse nos dormitórios. Você
é um risco à segurança.
Eu pensei que as pessoas me encheriam muito o saco, mas eu nunca pensei que
haveria reais consequências. Eu pensei que iria ser repreendido. Talvez até alguns
deméritos. Eu estou muito atordoado para dizer qualquer coisa por um longo momento.
— Mas eu não fiz nada errado.
O que é estúpido, claro. Coisas não acontecem com as pessoas porque elas
merecem. Além disso, fiz bastante coisa errada.
— O seu irmão Philip está vindo te buscar, — Reitor Wharton diz. Ele e a diretora
trocam olhares, e a mão de Wharton vai inconscientemente para o seu pescoço, onde vejo
o cordão colorido e os contornos do amuleto embaixo de sua camisa branca.
Eu entendi. Eles estão se perguntando se eu fui amaldiçoado. Amaldiçoado. Não é
um segredo tão grande que o meu avô é um executor de morte para a família Zacharov.
Ele tem os tocos enegrecidos onde os seus dedos costumavam comprovar o feito. E se
eles lessem o jornal, eles saberiam sobre a minha mãe. Não é um grande esforço para
Wharton e Northcutt culparem toda e qualquer estranheza sobre mim como sendo um
trabalho de maldição.
— Você não pode me expulsar por ser sonâmbulo, — eu digo, ficando de pé. —
Isso não pode ser legal. Algum tipo de descriminação contra... — eu paro de falar
enquanto o pavor se acomoda no meu estômago porque por um momento me pergunto se
eu posso ter sido amaldiçoado. Eu tento me lembrar se alguém encostou em mim com
uma mão, mas não posso me lembrar de ninguém me tocando que não estava claramente
de luvas.
— Não chegamos a nenhuma determinação sobre o seu futuro aqui em Wallingford
ainda. — A diretora folheia alguns papéis em sua mesa. O reitor serve-se de um pouco de
café.
— Eu ainda posso estudar de dia. — Eu não quero dormir em uma casa vazia ou
ficar com algum dos meus irmãos, mas eu vou. Eu faço o que seja para manter a minha
vida do jeito que está.
— Vá para o seu dormitório e empacote algumas coisas. Considere-se em licença
médica.
— Somente até que eu consiga uma receita do médico, — eu digo.
Nenhum deles responde, e depois de alguns momentos de todos parados
desajeitadamente, eu sigo para a porta.
Não seja muito complacente. Aqui é a verdade essencial sobre mim: Eu matei uma
garota quando tinha quatorze anos. O nome dela era Lila, ela era a minha melhor amiga,
e eu a amava. Eu a matei de qualquer forma. Há muito do assassinato que é um borrão,
mas os meus irmãos me encontraram de pé sobre o corpo dela com sangue em minhas
mãos e um sorriso estranho despontando na minha boca. O que eu mais me lembro é a
sensação de estar olhando para Lila – o sorriso bobo de ter me livrado de algo.
Ninguém sabe que eu sou um assassino exceto a minha família. E eu, claro.
Eu não quero ser essa pessoa, então passo a maior parte do meu tempo na faculdade
fingindo e mentindo. Exige muito esforço fingir que você é algo que não é. Eu não penso
sobre qual música eu gosto; eu penso sobre a música que deveria gostar. Quando eu tinha
uma namorada, tentei convencê-la que eu era o cara que ela queria que eu fosse. Quando
estava com uma galera, eu ficava no fundo até que desobrisse como fazê-los rirem. Por
sorte, se há uma coisa que eu sou bom, é em fingir e mentir.
Eu te disse que fiz muita coisa errada.
Eu caminho ainda descalço, ainda envolto no cobertor áspero do bombeiro, pelo
terreno iluminado pelo sol e até o meu quarto no dormitório. Sam Yu, meu colega de
quarto, está amarrando uma gravata fina ao redor do colarinho de sua camisa enrugada
quando ando pela porta. Ele olha para cima, assustado.
— Estou bem, — eu digo cuidadosamente. — No caso de você querer saber.
O Sam é um entusiasta de filmes de terror e um baita nerd em ciência que cobriu o
nosso quarto com máscaras de alienígenas com olhos esbugalhados e pôsteres
respingados de sangue. Os pais dele queriam que ele fosse para o MIT2 e de lá para algum
trabalho rentável na área farmacêutica. Ele quer fazer efeitos especiais para filmes.
Apesar do fato dele ter o físico de um urso e ser obcecado por sangue falso, ele até agora
falhou em enfrentá-los até o nível de que eles nem sabem que há uma discordância. Eu
gosto de pensar que somos algo como amigos.
Nós não saímos com muitas das mesmas pessoas, o que torna ser algo como amigos
mais fáceis.
— Eu não estava... Fazendo o que você acha que eu estava fazendo, — eu disse para
ele. — Eu não quero morrer ou algo assim.
Sam sorri e coloca suas luvas de Wallingford. — Eu só ia dizer que é uma boa coisa
que você não dorme pelado.
Eu fungo e caio na minha cama. A estrutura guincha em protesto. No travesseiro
próximo a minha cabeça está um novo envelope, marcado com um código me dizendo
que um calouro quer apostar cinquenta dólares na Victoria Quaroni no show de talentos.
As chances são astronômicas, mas o dinheiro me lembra de que alguém vai ter que
manter a contabilidade e o pagamento enquanto eu estiver fora.
Sam chutou a base do estribo levemente. — Você tem certeza que está bem?
Eu aceno. Eu sei que deveria dizer para ele que eu estou indo para casa, que ele
estava prestes a se tornar um daqueles caras sortudos com um quarto só para ele, mas eu
não quero perturbar o meu próprio senso de normalidade. — Só estou cansado.
Sam pega a sua mochila. — Vejo você na aula, cara louco.
Eu ergo a minha mão com o curativo e aceno um adeus, então eu me paro. – Ei,
espera um segundo.
Mão na maçaneta, ele se vira.
— Eu só estava pensando... Se eu for embora. Você acha que você poderia deixar as
pessoas continuarem a deixar o dinheiro delas aqui? — Me incomoda pedir,
simultaneamente me colocando em dívida e tornando o negócio de ser expulso real, mas
não estou pronto para desistir da única coisa que eu tenho a meu favor em Wallingford.
Ele hesita.
— Esqueça, — eu digo. — Finja que eu nunca...
Ele me interrompe. — Eu ganho uma porcentagem?
— Vinte e cinco, — Vinte e cinco por cento. Mas você terá que fazer mais do que
só pegar o dinheiro por isso.
Ele acena lentamente. — Sim, ok.
Eu sorrio. — Você é o cara mais confiável que eu conheço.
— Adulação te levará para qualquer lugar, — Sam diz. – Exceto, aparentemente,
para o telhado.
— Legal, — eu digo com um suspiro. Eu me tiro da cama e pego uma calça preta do
uniforme do guarda-roupa.
— Então por que você vai embora? Eles não estão te expulsando, certo?
Colocando a calça, eu viro o meu rosto para o outro lado, mas não consigo manter o
mal-estar fora da minha voz. — Não. Eu não sei. Deixe-me te passar tudo.
Ele acena. — Tudo bem. O que eu faço.
— Eu te darei o meu caderno com as apostas, registros, tudo, e você só preenche
quaisquer apostas que você conseguir. — Eu fico de pé, puxando a minha cadeira até o
guarda-roupa e pulando em cima do assento. — Aqui. — Meus dedos se fecham no
caderno que eu prendi acima da porta. Eu o arranco. Outro do segundo ano ainda está lá
em cima, de quando os negócios ficaram tão grandes que eu não podia mais confiar na
minha memória-boa-mas-que-não é-fotográfica.
Sam dá um meio sorriso. Eu posso notar que ele está impressionado que ele nunca
notou o meu esconderijo. — Eu acho que consigo fazer isso.
As páginas que ele está folheando são arquivos de todas as apostas feitas desde o
começo do nosso segundo ano em Wallingford, e as chances de cada uma. Apostas na
chance do rato solto no Dormitório Stanton ser morto por Kevin Brown com o seu
bastão, ou pelo Dr. Milton com as suas armadilhas de bacon, ou ser pego por Chaiyawat
Terweil com a sua armadilha totalmente humana feita de alface. (As chances estão a
favor do bastão). Se Amanda, Sharone, ou Courtney vão ser escaladas como a atriz
principal em Pippin e se a atriz principal seria substituída pela sua suplente. (Courtney
conseguiu; eles ainda estão nos ensaios). E quantas vezes na semana ‗brownies de nozes,
mas sem nozes‘ vão ser servidas na lanchonete.
Agenciadores de verdade levam uma porcentagem, com base em um livro de
balanços para garantir um lucro. Tipo, se alguém colocar cinco pratas em uma luta, eles
estão realmente colocando quatro e cinquenta, e os outros cinquenta centavos irá para o
agenciador. O agenciador não liga para quem ganha; ele só se importa que as chances
funcionem para que ele possa usar o dinheiro dos perdedores para pagar os ganhadores.
Eu não sou um agenciador de verdade. Os garotos de Wallingford querem apostar em
coisas bobas, coisas que possa nunca se realizar. Eles têm dinheiro para queimar. Então
uma parte do tempo eu calculo as chances logo de cara da maneira que um verdadeiro
agenciador faz – e outra parte do tempo eu calculo as chances do meu jeito e só espero
que eu consiga embolsar tudo ao invés de pagar o que eu não consigo arcar. Você poderia
dizer que eu estou jogando também. Você estaria certo.
— Lembre-se, — eu digo, — dinheiro somente. Sem cartões de crédito; sem
relógios.
Ele revira os olhos. — Você está falando sério que alguém acha que você tem uma
máquina para cartão de crédito aqui?
— Não, — eu digo. — Eles querem que você leve o cartão de crédito deles e
compre algo que custa o que eles devem. Não faça isso; fica parecendo que você roubou
o cartão deles, e acredite em mim, é isso que eles vão falar para os pais deles.
Sam hesita. — Sim, — ele disse finalmente.
— Tudo bem, — eu digo. — Há um novo envelope na mesa. Não se esqueça de
marcar tudo. — Eu sei que estou enchendo o saco, mas não posso contar para ele que eu
preciso do dinheiro que ganho. Não é fácil ir para uma faculdade como essa sem
dinheiro. Eu sou o único de dezessete anos sem um carro em Wallingford.
Eu faço uma moção para ele me entregar o caderno.
Logo que eu acabo de prendê-lo de volta no lugar, alguém bate forte na porta,
fazendo com que eu quase caia. Antes que eu possa dizer algo, ela abre, e o nosso
coordenador de dormitório entra. Ele olha para mim meio esperando me encontrar
fazendo uma armadilha.
Eu pulo da cadeira. – Eu só estava...
— Obrigado por pegar a minha mochila, — Sam diz.
— Samuel Yu, — diz o Sr. Valerio. — Eu tenho quase certeza que o café da manhã
terminou e as aulas já começaram.
— Eu aposto que você está certo, — Sam diz, com um sorriso na minha direção.
Eu poderia enganar Sam se eu quisesse. Eu faria dessa maneira, pediria a ajuda dele,
oferecendo a ele um pequeno lucro ao mesmo tempo. Para poder pegar uma grande parte
do dinheiro de seus pais. Eu podia enganar Sam, mas eu não vou.
Sério, eu não vou.
Enquanto a porta se fecha atrás de Sam. Valério se vira para mim. — Seu irmão não
pode vir até amanhã de manhã, então você terá que ir às aulas com o resto dos alunos.
Nós ainda estamos discutindo se você passará a noite.
— Você pode sempre me prender na cabeceira da cama, — eu digo, mas Valério
não acha isso muito engraçado.
Minha mãe explicou o básico para enganar alguém bem na época que explicou sobre
a execução da maldição. Para ela a maldição era como conseguia o que ela queria e
enganar os outros era como ela conseguia escapar. Eu não posso fazer as pessoas amarem
ou odiarem instantaneamente, como ela pode virar o corpo deles contra eles como Philip
consegue, ou tirar a sorte deles como o meu outro irmão, Barron, mas você não precisa
ser um executor para ser um enganador de pessoas.
Para mim a maldição é um suporte, mas a enganação é tudo.
Foi a minha mãe que me ensinou que se eu fosse ferrar alguém – com magia e
esperteza, ou só com esperteza – você teria que conhecer o alvo melhor do que ele
conhece a si próprio.
A primeira coisa que você tem que fazer é ganhar a confiança dele. Conquista-lo. Só
ter certeza que ele pense que ele é mais esperto do que você. Então você – ou,
idealmente, seu parceiro – sugeri a aposta.
Deixe o seu alvo conseguir algo de primeiro. Nos negócios isso é chamado de
convencimento‘. Quando ele sabe que já tem o dinheiro em seu bolso e pode ir embora, é
aí que ele abaixa sua guarda.
Na segunda vez é quando você apresenta as apostas maiores. A grande aposta. Esta
é a parte que a minha mãe nunca teve que se preocupar. Como uma executora de emoção,
ela pode fazer qualquer um confiar nela. Mas ela ainda precisa passar por todos os
estágios, para que depois, quando eles pensassem sobre isso, eles não descobrirão que ela
os amaldiçoou.
Depois há apenas a realização do golpe e a fuga.
Ser um artista na enganação significa pensar que você é mais inteligente do que
qualquer um e que você pensou em tudo. Que você pode se safar de qualquer coisa. Que
pode enganar qualquer um.
Eu queria poder dizer que eu não penso sobre enganar alguém quando lido com as
pessoas, mas a diferença entre eu e minha mãe é que eu não me engano.
Capítulo Dois
EU SÓ TIVE TEMPO SUFUCIENTE para tirar meu uniforme e correr para a aula
de francês; café da manhã já tinha acabado faz tempo. A televisão de Wallingford
crepitou à vida quando eu despejei os meus livros sobre minha mesa.
Sadie Flores anunciava a partir da tela que durante o período de atividades o clube
de Latim iria ter uma venda de bolos para apoiar a sua construção de uma pequena gruta
ao ar livre, e que a equipe de rugby se reunirá dentro do ginásio. Administrei para
cambalear pelas minhas aulas até cair no sono durante a aula de história. Eu acordei
abruptamente com baba molhando a manga da minha camisa e Sr. Lewis perguntando: —
"Em que ano a declaração entrou em vigor, Sr. Sharpe?.
— 1920 — murmuro. — Nove anos depois que a Lei Seca começou. Logo antes do
mercado de ações caírem.
— Muito bom. — ele diz não muito feliz. — E você pode me dizer por que a
declaração não foi revogada, como a proibição?
Eu limpei minha boca. Minha dor de cabeça não ficou nem um pouco melhor. —
Uh, porque o mercado negro provia pessoas com trabalho desagradáveis de qualquer
maneira?
Uns punhados de pessoas riram, mas Sr. Lewis não era um deles. Ele aponta na
direção da lousa, onde umas emaranhadas questões estavam escritos com giz. Algo sobre
as iniciativas econômicas e um acordo de comércio com a União Europeia. —
Aparentemente, você pode fazer muitas coisas habilidosas durante o sono, Sr. Sharpe,
mas prestar atenção a minha aula não parece ser uma delas.
Ele deu a maior gargalhada. Fiquei acordado o resto do período, apesar de várias
vezes ter que espetar-me com uma caneta, para fazê-lo.
Eu voltei ao meu dormitório e dormi durante o período em que deveria estar
recebendo a ajuda de professores em aulas em que estava com dificuldade, pela prática
de trilha, e pela reunião da equipe de debate. Acordei no meio do jantar, senti o ritmo da
minha vida normal recuando, e não tinha ideia de como recuperá-la.
A Preparatória de Wallingford é muito parecida com o que imaginei quando meu
irmão Barron trouxe para casa o folheto. Os gramados eram menos verdes e os edifícios
eram menores, mas a biblioteca era bastante impressionante e todos usavam casacos para
jantar. Crianças vêm para Wallingford, por duas razões muito diferentes. Qualquer escola
privada é o seu bilhete para uma extravagante universidade, ou eles foram expulsos da
escola pública e estão usando o dinheiro dos pais para evitar a escola para jovens
delinquentes que é sua única opção.
Wallingford não é exatamente Choate3 ou Deerfield Academy4, mas ela estava
disposta a me aceitar, mesmo com os meus laços com os Zacharovs. Barron pensou que a
escola iria me dar estrutura. Nenhuma casa bagunçada. Sem caos. Já tinha feito muito.
Aqui, a minha incapacidade de fazer o trabalho de executor de maldição era realmente
uma vantagem à primeira vez que isso era bom para nada. E ainda assim eu vejo em mim
uma tendência a procurar todos os problemas que está faltando nessa nova vida. Como
correr para apostar, quando preciso de dinheiro. Eu não consigo parar de trabalhar todos
os ângulos.
O refeitório era de madeira com um teto alto abobadado que faz com que nosso
barulho ecoe. As paredes estão decoradas com pinturas de importantes chefes da escola e,
claro, Wallingford em si. Coronel Wallingford, o fundador da escola preparatória
Wallingford, morto pelo trabalho de um executor de maldição um ano antes da proibição
entrar em vigor, eu tinha escárnio de sua moldura dourada.
Meus sapatos estalavam sobre as telhas de mármore desgastadas, e franzi as
sobrancelhas, quando as vozes ao meu redor se fundiram em um único zumbido que
ressoa em meus ouvidos. Andei pela cozinha, as minhas mãos úmidas, o suor molhando o
algodão das minhas luvas enquanto eu abria a porta.
Eu olho em volta automaticamente para ver se Audrey estava aqui. Ela não estava,
mas eu não deveria ter olhado. Eu tenho que ignorá-la apenas o suficiente para que ela
não ache que me importo, mas não muito. Muito me dará distância também.
Especialmente hoje, quando estou tão desorientado.
— Você está atrasado. — Uma das damas do serviço de comida diz sem tirar os
olhos de onde estava limpando o balcão. Ela aparentava além da idade de aposentadoria,
pelo menos tão antiga quanto meu avô, e alguns de seus cachos não naturais caíram para
fora do lado de sua toca de plástico.
— O jantar acabou.
— Sim. — E então eu murmuro, — Desculpe.
— A comida está guardada.— Ela olha para mim. Ela levanta suas mãos cobertas de
plástico. — Vai estar fria.
— Eu gosto de comida fria. Eu lhe dou o meu melhor sorriso meio envergonhado.
Ela sacode a cabeça. — Eu gosto de garotos com um bom apetite. Todos vocês
parecem tão magro, e nas revistas falam que vocês passam fome igual às meninas.
— Não eu, — eu digo — e meu estômago ronca, o que a faz rir.
— Vá lá fora e eu vou trazer-lhe um prato. Levarei alguns biscoitos para fora
também. — Agora que ela decidiu que eu era uma pobre criança com necessidade de
alimentação, ela pareceu feliz com a agitação. Ao contrário da maioria dos refeitórios
escolares, os alimentos em Wallingford eram bons. Os cookies eram escuros com melaço
e picante com gengibre. O espaguete, quando ela trouxe, estava morno, mas eu podia
sentir a carne no molho vermelho. Enquanto eu enxugava algumas delas com pão,
Daneca Wasserman veio até a mesa.
— Posso me sentar? — ela perguntou.
Olho para o relógio. — A sala de estudo vai começar em breve. — seu emaranhado
de cachos castanhos parecia selvagens, puxado para trás com uma faixa de sândalo. Eu
deixei cair o meu olhar para o a bolsa de linho em seu quadril, repleta de botons que
diziam ENERGIZADAS PELO TOFU, ABAIXO PROP5 2, DIREITO DOS
TRABALHADORES.
— Você não está no clube de debate, — ela diz.
— Sim. — Me senti mal por evitar Daneca ou dar respostas meio rudes, mas venho
fazendo isso desde que eu a conheci, em Wallingford. Mesmo sabendo que ela é uma das
amigas de Sam e viver com ele fazia evitar Daneca ser mais difícil.
— Minha mãe quer falar com você. Ela diz que o que você fez foi um grito de
socorro.
— Foi. — eu digo. — É por isso que eu estava gritando Socorro! — eu realmente
não tinha sutileza.
Ela fez um barulho impaciente. A família de Daneca era fundadora da HEX, um
grupo de advocacia que pretendia fazer com que ser executor fosse legal de novo, —
basicamente leis contra executores mais sérios que poderiam ser melhor aplicadas. Eu
tinha visto sua mãe na televisão, filmada sentada no escritório de sua casa de alvenaria
em Princeton, um jardim florido visível através da janela atrás dela.
Sra. Wasserman falou sobre como, apesar das leis, ninguém queria estar sem um
executor de sorte em um casamento ou um batizado, e que esses tipos de obras eram
benéficos. Falou sobre como isso beneficiava famílias de crime por evitar que executores
encontrem maneiras de usar os seus talentos de forma legal. Ela admitiu ser um executor.
Foi um discurso impressionante. Um discurso perigoso.
— Mamãe lida com famílias de executores o tempo todo. — diz Daneca. — Os
problemas que crianças que são executoras de maldição enfrentam.
— Eu sei isso, Daneca. Veja, eu não quis participar do seu clube HEX júnior no ano
passado, e não quero mexer com esse tipo de coisa agora. Eu não sou um executor, e não
me importo se vocês são. Encontre alguém para contratar ou salvar, ou seja, o que for que
você está tentando fazer. E eu não quero conhecer sua mãe.
Ela hesita. — Eu não sou um executor. Eu não sou. Só porque eu quero.
— Tanto faz. Eu disse que não me importo.
— Você não se importa que os executores estejam sendo cercados e baleados na
Coréia do Sul? — E aqui nos EUA estão sendo forçado o que é basicamente servidão
pelas famílias do crime? — Você não se importa com nada disso?
— Não, eu não me importo.
Do outro lado da sala, Valério se dirigia para mim. Isso foi suficiente para fazer
Daneca decidir que não queria arriscar um desmerecimento por não estar onde deveria
estar. Mão na sua bolsa, ela sai com um único olhar para mim. A combinação de
decepção e desprezo em seu último olhar doía.
Eu coloquei um pedaço grande de pão embebido em molho em minha boca e fiquei
lá.
— Parabéns. Você vai dormir em seu quarto hoje à noite, Sr. Sharpe.
Eu aceno, mastigando. Talvez se eu fizer isso através da noite, eles vão considerar
deixar-me ficar.
— Mas eu quero que você saiba que tenho o cachorro de Dean Wharton, e ela vai
dormir no corredor. Aquele cachorro estará latindo como o inferno se você for a um dos
passeios à meia-noite. Então melhor eu não ver você sair do seu quarto, nem mesmo para
ir ao banheiro. Você entendeu?
Eu engulo. — Sim, senhor.
— Melhor voltar e começar o seu dever de casa.
— Certo, — eu digo. — Absolutamente. Obrigado, senhor.
Eu raramente volto do refeitório sozinho. Acima das árvores, suas folhas um verde
pálido de novos botões, morcegos voavam pelo céu ainda claro. O ar estava pesado com
o cheiro de grama amassada, misturada com a fumaça. Alguém em algum lugar estava
queimando a folhagem molhada e meio decomposta do inverno.
Sam estava sentado em sua mesa, com fones de ouvido, com as suas costas largas
para a porta e cabeça abaixada enquanto rabiscava nas páginas do seu livro de física. Ele
mal olhou para cima quando eu pulei em cima da cama. Nós tínhamos cerca de três horas
de dever de casa por noite, e nosso período noturno de estudo é de apenas duas horas,
então se você quiser passar o intervalo das nove e meia sem enlouquecer, você tem que
se apressar. Eu não estou certo de que uma foto de uma garota zumbi de olhos
esbugalhados comendo o cérebro de um idiota veterano chamado James Page é parte do
dever de casa do Sam, mas se é, o professor de física dele é maravilhoso.
Eu tiro meus livros da mochila e começo os meus problemas de trigonometria, mas
enquanto meu lápis arranha as páginas do meu caderno, eu percebo que não me lembro
da aula o bastante para resolver alguma coisa. Empurrando aqueles livros em direção ao
meu travesseiro, decido ler os capítulos designados para nós em mitologia. É mais
daquele tipo de família disfuncional Olimpiana, estrelando Zeus. Sua namorada grávida,
Semele, é enganada por sua esposa, Hera, que a mandar ver Zeus em toda sua divina
glória. Apesar de saber que isso matará Semele, ele se mostra. Uns minutos depois ele
está tirando o bebê Dionísio do útero queimado de Semele e costurando-o em sua própria
perna. Não me admira que Dionísio ter engolido o tempo. Eu chego à parte onde Dionísio
está sendo criado como uma menina (para mantê-lo escondido de Hera, claro), quando
Kyle bate no batente da porta.
— O quê? — Sam diz, tirando um de seus botões e virando em sua cadeira. —
Telefone para você, — Kyle diz, olhando no minha direção.
Eu acho que antes de todos terem um celular, a única maneira dos estudantes
ligarem para casa era guardar os trocados e alimentar o telefone público que existe no
final do corredor de cada dormitório. Apesar dos trotes ocasionais da meia-noite,
Wallingford havia deixado àqueles telefones no mesmo lugar. A pessoa às vezes o usava;
a maior parte dos telefonemas era de pais ligando para alguém cuja bateria havia morrido
ou que não estava retornando as mensagens. Ou minha mãe, ligando da cadeia.
Eu peguei o familiar telefone pesado e preto. — Alô?
— Eu estou muito decepcionada com você. — Mamãe diz. — Que a escola está te
fazendo ficar com a cabeça mole. O que você estava fazendo em cima de um telhado? —
Teoricamente, mamãe não poderia ligar para outro telefone público de outro telefone
público na prisão, mas ela conseguiu um jeito de fazer isso. Primeiro ela fazia com que a
minha cunhada aceitasse a ligação, e então Maura me incluía na ligação ou para qualquer
outra pessoa que a mamãe precise. Advogados. Philip. Barron.
Claro, mamãe não podia incluir o meu celular na ligação, porque ela tem certeza que
todas as ligações feitas para celular estão sendo ouvidas por algum cara obscuro do
governo, então ela tenta evitar usá-los.
— Eu estou bem, — eu digo. — Obrigado por se preocupar comigo. — Sua voz me
lembrava que Philip viria me buscar de manhã. Eu tenho uma pequena fantasia que ele
nem se incomodaria em aparecer e tudo isso acabasse.
— Me preocupando com você? Eu sou sua mãe! Eu deveria estar aí! É tão injusto
que eu tenha que estar enjaulada aqui enquanto você está fazendo passeios no telhado, se
metendo em confusões que você nunca se meteria se tivesse uma família estável, uma
mãe em casa. Foi isso que eu disse ao juiz. Eu disse para ele que se ele me prendesse,
isso aconteceria. Bem, não isso especificamente, mas ninguém pode dizer que não o
avisei.
Mamãe gosta de falar. Ela gosta tanto de falar, que você pode fazer aham com ela e
ter uma conversação inteira na qual você não diz uma palavra. Especialmente agora, que
ela está tão longe que mesmo que esteja brava ela não pode encostar-se à tua pele e fazer
você soluçar com remorso. Emoção faz trabalhar seu lado poderoso.
— Escute, — ela diz. — Você vai para casa com o Philip. Você ficará com o nosso
tipo de pessoa, pelo menos. Ficará seguro.
Nosso tipo de pessoa. Executores. Só que eu não sou um. O único não executor da
minha família. Eu coloco a minha mãe em cima do receptor.
— Eu estou em algum tipo de problema?
— Claro que não. Não seja ridículo. Você sabe que eu ganhei a carta mais gentil
daquele conde. Ele quer me levar em um cruzeiro com ele quando sair daqui. O que você
acha disso? Você devia vir junto. Eu digo para ele que você é o meu assistente.
Eu sorrio. Claro que ela pode ser assustadora e manipuladora, mas ela me ama. —
Tudo bem, mãe.
— Sério? Oh, isso será ótimo, querido. Você sabe que essa coisa toda é tão injusta.
Eu não posso acreditar que eles me afastariam dos meus bebês quando vocês mais
precisam de mim. Eu falei com os meus advogados, e eles vão endireitar essa coisa toda.
Eu falei para eles que vocês precisam de mim. Mas se você pudesse escrever uma carta.
Isso ajudaria.
Eu sei que eu não vou. — Eu tenho que ir, mãe. É período de estudo. Eu não deveria
estar no telefone.
— Oh, deixe-me falar com aquele coordenador de andar seu. Qual o nome dele.
Valerie?
— Valerio.
— Só o chame para mim. Eu explicarei tudo. Eu tenho certeza que ele é um bom
homem.
— Eu realmente tenho que ir. Eu tenho dever de casa.
Eu escutei a risada dela, e então um som que é dela acendendo um cigarro. Eu
escuto a inalação profunda, o pequeno ruído de papel queimado. — Por quê? Você não
tem mais o que fazer nesse lugar.
— Se eu não fizer o meu dever de casa, eu não terei.
— Querido, você sabe qual é o problema? Você leva tudo muito a sério. É porque
você é o bebê da família. — Eu posso imaginar ela chegando a essa linha de pensamento,
cutucando o ar para dar ênfase, de pé contra um bloco de concreto pintado da prisão.
— Tchau, mãe.
— Fique com seus irmãos — ela disse suavemente. — Fique seguro.
— Tchau, mãe, — eu disse de novo, e desliguei. Meu peito ficou apertado.
Eu fiquei parado no corredor por mais alguns momentos, até o intervalo começar e
todos começarem a ir para a sala comum no primeiro andar.
Rahul Pathak e Jeremy Fletcher-Fiske, os outros dois jogadores de futebol do
segundo ano na casa, me acenaram para sentar no sofá listrado que eles estavam
sentados. Eu acenei de volta, peguei um pacote de chocolate quente, e misturei em uma
grande xícara de café. Eu acho que tecnicamente o café deveria ser para os empregados,
mas todos nós bebemos e ninguém diz nada.
Quando eu me sento, Jeremy faz uma careta. — Você conseguiu o heebeegeebies?
— Sim, da minha mãe, — eu digo, sem nenhum estresse. HBG é a abreviação para
algum longo termo médico que quer dizer ‗executor‘, por isso o ‗heebeegeebies. ‘
— Ah, vamos, — ele diz. — Sério, eu tenho uma proposta para você. Eu preciso
que você me arrume alguém que possa arrumar a minha namorada e a fazer ficar bem
gostosa para mim. No baile. Nós podemos pagar.
— Eu não conheço ninguém assim.
— Claro que você conhece — Jeremy diz, olhando para mim fixamente, como se eu
estivesse tão abaixo dele que ele não consegue nem imaginar o que precisa fazer para me
persuadir. Eu deveria ficar feliz por ajudar. É por isso que estou aqui. — Ela vai tirar até
as pulseiras e tudo. Ela quer fazer. Eu imagino o quanto ele pagaria por isso. Não o
bastante para me manter longe de encrenca. — Desculpa. Eu não posso te ajudar.
Rahul pega um envelope de dentro do bolso de seu casaco e empurra-o na minha
direção.
— Olhe, eu disse que não posso, — eu digo novamente. — Eu não posso ok?
— Não, não, — ele diz. — Eu vi o rato. Eu tenho certeza absoluta que ele estava
indo na direção daquelas armadilhas de cola. Morto antes de amanhã.
Ele faz um sinal de cortar a garganta com um sorriso. — Cinquenta dólares na cola.
Jeremy faz careta, como se ele não tivesse certeza se estava certo em desistir de me
testar, mas ele não sabe como voltar para a conversa também.
Eu enfio o envelope no meu bolso, me forçando a relaxar. — Espero que não, — eu
digo rapidamente, me lembrando de que depois que eu voltar ao quarto, vou fazer o Sam
anotar a quantia e isso será um bom treinamento. — Aquele rato é bom para os negócios.
— Sim, porque você só quer continuar tirando nosso dinheiro, — Rahul diz, mas ele
sorri quando diz.
Eu dou de ombros. Não há uma resposta boa.
— Eu aposto que ele vai comer um dos pés e fugir, — Jeremy diz. — ―Aquela
coisa é um sobrevivente.‖.
— Sobet6, Jeremy, — Rahul diz. — Coloque.
— Eu não tenho aqui comigo, — Jeremy diz, revirando os bolsos de sua calça de
dentro para fora com um gesto exagerado.
Rahul ri. — Eu te cubro.
O café mocho queima na minha garganta. Eu estou odiando tudo sobre esta
conversa. — Se você precisar receber, o Sam vai cuidar dos negócios para mim.
Eles param a negociação e olham pelo salão até o Sam. Ele está sentado em uma
mesa de frente para uma pilha de papel milímetro, desenhando uma estatueta de chumbo.
Próxima a ele Jill Pearson-White joga uns dados de lados estranhos e soca seus punhos
no ar.
— Você confia nele com o nosso dinheiro? — Rahul pergunta.
— Eu confio nele, — eu digo. — E você confia em mim.
— Você tem certeza que podemos confiar em você? Aquilo lá foi bem um tipo de
comportamento bem Um Estranho no Ninho7 ontem à noite. — A nova namorada do
Jeremy está no clube de drama, e isso se mostra através das suas referências de filmes. —
E agora você vai embora por um tempo? — Mesmo com o café correndo nas minhas
veias e o longo cochilo da tarde, eu estou cansado. E eu estou cansado de explicar sobre o
sonambulismo. Ninguém acredita em mim de qualquer forma. — Isso é pessoal, — eu
digo, e então bato na parte do envelope que está aparecendo no meu bolso. — Isso é
profissional.
Naquela noite, deitado na escuridão e olhando para o teto, eu não estou certo que o
café e o açúcar que eu engoli foram o bastante. Não tem jeito deles me deixarem voltar
para Wallingford se eu ficar sonâmbulo de novo, então não quero arriscar pegar no sono.
Eu consigo ouvir o cachorro do lado de fora da porta, suas unhas fazendo barulho nas
tábuas de madeira no corredor antes de se acomodar em um novo lugar com um leve
baque. Eu continuo pensando em Philip. Eu continuo pensando em como, diferentemente
de Barron, ele não olhava nos meus olhos desde que eu tinha quatorze anos. Ele nunca
me deixava brincar com o seu filho. Agora terei que ficar na casa com ele até que consiga
achar uma maneira de voltar para a escola.
— Hei, — Sam diz da outra cama. — Você está me assustando, olhando para o teto
desse jeito. Você parece estar morto. Sem piscar.
— Eu estou piscando. — Eu mantenho minha voz baixa. — Eu não quero pegar no
sono.
Ele se mexe nas cobertas, virando para o lado. — Por quê? Você tem medo que
você vai...
— Sim, — eu digo.
— Oh, — Eu estou contente que não posso ver a sua expressão pela escuridão. — E
se você fez algo tão terrível que você não quer encarar ninguém que sabia sobre isso? —
Minha voz era tão suave que eu não tinha certeza que ele podia me ouvir. Eu não sei o
que me fez dizer isso. Eu nunca falava sobre coisas assim, e certamente não com o Sam.
— Você tentou se matar?
Eu acho que deveria ter visto isso vir, mas eu não vi. — Não, — eu digo. — De
verdade.
Eu o percebi imaginando as possíveis respostas, e eu desejamos não ter perguntado.
— Tudo. Esta coisa terrível. Por que você fez isso? — ele perguntou finalmente.
— Você não pode saber, — eu digo.
— Isso não faz sentido. Como eu posso não saber? — A maneira como estamos
conversando me lembra de um dos jogos do Sam. Você alcança uma encruzilhada e há
um pequeno caminho retorcido indo em direção às montanhas. O caminho largo parece ir
em direção à cidade. Que caminho você escolherá?
Como se eu fosse um personagem que ele está tentando jogar e ele não gosta das
regras.
— Você não pode. Essa é a pior parte. Não é algo que quer acreditar que você
poderia fazer um dia. Mas você fez. — Eu não gosto das regras também.
Sam se encosta-se aos travesseiros. — Eu acho que começaria com isso. Deve haver
uma razão. Se você não sabe qual é, você provavelmente faria de novo.
Eu encaro a escuridão e desejo não estar tão cansado. — É difícil ser uma boa
pessoa, — eu digo. — Por que eu já sei que eu não sou.
— Algumas vezes, — Sam diz, — Eu posso notar que você está mentindo.
— Eu nunca minto, — Eu minto.
Depois de não dormir nada noite passada, eu estou bem confuso pela manhã.
Quando o Valerio bate na porta, eu respondo, estou limpo depois de um banho frio que
me acordou o bastante para colocar algumas roupas. Ele parece aliviado em me encontrar
vivo no meu quarto. Próximo a Valerio está o meu irmão Philip. Seus óculos escuros
caros espelhados estão empurrados em cima do seu cabelo negro lambido, e um relógio
de ouro cintila no seu pulso. A pele bronzeada de Philip faz o dente dele parecer ainda
mais branco quando sorri.
— Sr. Sharpe, o conselho de curadores falou com a equipe de advogados da escola,
e eles querem que eu comunique a você que se voltar para escola, você precisa ser
avaliado por um médico, e que o médico deverá ser capaz de assegurar a escola que nada
como o incidente que aconteceu anteontem aconteça novamente. Você está me
entendendo?
Eu abro a boca para dizer que eu entendo, mas a mão enluvada do meu irmão no
meu braço me para.
— Você está pronto? — Philip pergunta suavemente, ainda sorrindo.
Eu balanço a minha cabeça, gesticulando a minha volta para a falta de malas, os
livros escolares espalhados, a cama desfeita. Sim, claro, Philip finalmente apareceu, mas
seria legal se ele me perguntasse se eu estava bem. Eu quase caí do telhado. Claramente
algo estava errado comigo. — Precisa de ajuda? — Philip ofereceu, e eu fiquei pensando
se Valerio notou o tom de sua voz. Na família Sharpe a pior coisa que você pode fazer é
ser vulnerável em frente a seu alvo. E todos que não são nós, são alvos.
— Eu estou bem, — eu digo, agarrando uma sacola de pintura do armário.
Philip se vira para o Valerio. — Eu realmente agradeço por você estar cuidando do
meu irmão.
Isso surpreende tanto o coordenador do corredor, por um momento, que ele não
parece saber o que dizer. Eu acho que algumas pessoas consideraram chamar os
bombeiros voluntários locais para arrancar um garoto do telhado era um grande cuidado.
— Nós estávamos todos chocados quando...
— O importante... — Philip interrompe suavemente, — É que ele está bem.
Eu reviro meus olhos enquanto enfio coisas na mochila — roupas sujas, Ipod, livros,
deveres de casa, meu gatinho de vidro, um pendrive onde eu mantenho todos os meus
trabalhos – e tentando ignorar a conversa deles. Eu só estarei fora por uns dois dias. Eu
não preciso de muita coisa. No caminho para o carro, Philip se vira para mim.
— Como você pôde ser tão burro?
Eu dou de ombros, irritado comigo mesmo. — Eu pensei que tinha parado. — Philip
tira a chave e aperta o controle remoto para destrancar a Mercedes. Eu deslizo para o
banco de passageiro, tirando copos de café do assento e jogo para o tapete no chão, onde
impressões amassadas do Mapquest8 se molham com o líquido derramado.
— Eu espero que você esteja falando do sonambulismo, — Philip diz, — Já que
obviamente você não parou de ser burro.
Capítulo Três
Eu empurrei as couves de Bruxelas no meu prato e escutei o meu sobrinho gritar da
sua alta cadeira até que a Maura, esposa do Philip, lhe dê uma coisa de plástico congelada
para ele morder. A pele ao redor dos olhos de Maura está escura como se machucado.
Aos vinte e um ela parece velha.
— Eu coloquei algumas cobertas no sofá-cama do escritório, — ela diz. — Atrás
dela estão armários com gordura espalhada e papel laminado espalhados nos balcões. Eu
quero dizer para ela que não precisa se preocupar comigo além de todo o resto.
— Obrigado, — eu disse ao invés, porque as cobertas já estão no escritório e eu não
quero abusar da hospitalidade do Philip parecendo ingrato. Eu não vou, por exemplo,
falar que a cozinha está muito quente, quase sufocante. Lembra-me da época dos
feriados, quando o forno ficava ligado o dia inteiro. E isso me faz pensar sobre nosso pai
sentado na mesa de jantar, fumando longos e finos cigarros que amarelavam a ponta de
seus dedos, enquanto o peru cozinhava. Algumas vezes, nos dias ruins, quando realmente
sentia falta dele, eu comprava cigarros e os queimava em um cinzeiro.
Nesse momento, no entanto, tudo o que eu sinto falta é de Wallingford e da pessoa
que eu podia fingir ser quando eu estava lá.
— Vovô está vindo amanhã, — Philip diz. — Ele quer que você vá à casa antiga e o
ajude a limpar as coisas. Ele diz que quer tudo pronto para a mamãe, quando ela sair.
— Eu não acho que seja isso que ela quer, — eu digo. — Ela não gosta que as
pessoas mexam em suas coisas.
Ele suspira. — Diga isso para ele.
— Eu não quero ir, — eu digo. Philip quer dizer a casa que nós crescemos — uma
casa grande e velha cheia com muitas coisas que nossos pais acumularam. Nenhuma
venda de garagem ficou sem um item roubado enquanto eles faziam seu caminho ao
redor do país em todos os verões, enquanto as crianças ficavam no Pine Barrens9 com o
vovô. Até o momento Quando o papai morreu, o lixo estava tão amontoado que havia
túneis, em vez de quartos.
— Então não vá, — Philip diz, e por um momento eu realmente acho que ele vai me
olhar nos olhos, mas ele se direciona para o meu colarinho ao invés disso. — Mamãe
pode se cuidar sozinha. Ela sempre fez isso. Eu duvido até que ela vá voltar para aquele
lixão quando terminar a sentença dela.
Mamãe e Philip estão brigados desde o julgamento, quando ele relutantemente
ameaçou a testemunha para ajudar no time de defesa dela. Philip é um executor do
trabalho – um executor de corpo – que pode quebrar uma perna com um toque de seu
dedo mindinho. Não acho que ele perdou a mamãe por ter sido condenada apesar dele.
Fora isso, as consequências o fizeram ficar bem doente.
Eu suspiro. Sabe se lá aonde vou se eu não for com o vovô. Eu duvido muito que
Philip esteja planejando me deixar ficar. — Você pode dizer ao vovô que eu vou ser o
servente dele até voltar para a escola. E isso levará uma semana, no máximo.
— Diga isso você mesmo, — Philip diz.
Maura cruza os braços no peito. É tão estranho vê-la de mãos nuas que eu estou
envergonhado. Mamãe odiava luvas em casa; ela dizia que famílias supostamente
deveriam confiar uns nos outros. Eu acho que Philip acredita nisso também. Ou algo.
É diferente quando as mãos pertencem a alguém que não é meu parente, mesmo ela
sendo minha cunhada. Eu tento forçar o meu olhar para a clavícula dela.
— Não deixe ele te forçar a ficar naquele lugar esquisito, — Maura me diz.
— Nós costumávamos viver lá! — Philip se levanta e pega uma cerveja da
geladeira. — De qualquer forma, não sou eu que está falando para ele ir. — Ele abre a
tampa, bebe um longo gole, e desabotoa o pescoço da sua camisa branca. Eu vejo o colar
de quelóides, onde o seu criador cortou em seu pescoço para simbolizar a morte da vida
anterior de Philip, e então encheu o machucado com cinza até que ficou cicatrizaddo em
uma longa e inchada linha. Parece um verme com cor de carne enrolado acima de sua
clavícula. Todos os executores, menos os chefes do crime, as tem. Assim como a rosa
acima do seu coração mostrava que você era um dos mafiosos russos, ou como a mafia
japonesa inseria pérolas embaixo da pele dos seus pênis para cada ano na cadeia. Philip
conseguiu suas cicatrizes há três anos; agora tudo o que ele tem que fazer para ver as
pessoas vacilarem é soltar o seu colar.
Eu não vacilo.
As seis grandes famílias executoras se tornaram poderosas na parte baixa da Costa
Leste nos anos trinta e continuaram dessa forma desde sempre. Nonomura. Goldbloom.
Volpe. Rice. Brennan. Zacharov. Eles controlam tudo, dos amuletos baratos e
provavelmente falsos que ficam balançando perto dos isqueiros nos balcões das lojas de
conveniência, até os leitores de tarô nos shoppings que oferecem pequenas maldições por
vinte dólares a mais, para atacar e matar aqueles que podem pagar por isso e sabem para
quem pagar. E o meu irmão é uma das pessoas a quem você paga, da mesma forma com
o meu avô.
Maura desvia o olhar dele, olhando sonhadoramente pela janela para o trecho quase
morto de grama do lado de fora do apartamento. — Você ouve a música? Lá fora.
Cassel quer ficar na casa velha, — Philip diz com um olhar rápido e repressor na
minha direção. — E não há música nenhuma, Maura. Nenhuma música, tudo bem?
Maura cantarola um pouco enquanto ela começa a recolher os pratos.
— Você está bem? — eu pergunto a ela.
— Ela está ótima, — Philip diz. — Ela está cansada. Ela fica cansada.
— Eu vou fazer o meu dever de casa, — eu digo, e quando nenhum deles me para,
eu vou para o andar de cima para o escritório do Philip no loft. O sofá está feito com
lençóis novos, e as cobertas que ela prometeu estão empilhados no canto, tão recém-
lavados que sinto o cheiro do sabão em pó. Sentado em uma cadeira de couro na frente da
mesa, eu me viro e ligo o computador.
A tela treme à vida, revelando uma tela de fundo cheia de pastas. Abro um janela do
navegador e verifico meu email. Audrey me mandou uma mensagem.
Eu clico tão rápido que ela abre duas vezes.
―Preocupada com vc,‖ lê-se. Só isso. Ela nem mesmo assinou o nome.
Eu conheci Audrey no começo do primeiro ano. Ela normalmente sentava na parede
de cimento do estacionamento no almoço, tomando café e lendo antigas brochuras da
Tanith Lee10. Uma vez era Não Morda o Sol. Eu o li também; Lila havia me emprestado.
Eu disse para ela que havia gostado mais de Sabella.
— É porque você é um romântico, — ela disse. — Os caras são românticos, sério.
Garotas são pragmáticas.
— Isso não é verdade, — eu disse para ela, mas algumas vezes, depois de nós
começarmos a sair, eu me perguntei se ela estava certa.
Eu demoro vinte minutos para respondê-la. — Em casa para o fds. Ansioso por
muitas horas de televisão diurna. — Espero que a mensagem transmita a quantidade certa
de indiferença, que certamente levou bastante tempo para fingir.
Finalmente, aperto enviar e solto um gemido, me sentindo estúpido de novo.
A maior parte do resto dos meus emails que não são spam são links para o vídeo
comigo subindo para o telhado, alguém já havia colocado no Youtube, e algumas
mensagens dos professores, me passando as atividades da semana.
Eu aceito o último como um sinal que nem tudo está perdido no que diz respeito a
voltar para Wallingford, apesar do acontecido. Eu ainda tenho os deveres de ontem à
noite para terminar também, mas antes de eu começar, quero descobrir como posso
convencer a escola a esquecer de tudo sobre o incidente no telhado. Depois de procurar
um pouco no Google, eu encontro dois especialistas de sono a uma hora de viagem. Eu
imprimo os dois endereços e salvo os dois logotipos como arquivo jpg no meu pendrive.
É um começo. Eu não dou valor ao fato de que nenhum médico vai colocar a reputação
em risco para garantir que eu não andarei dormindo novamente, mas posso dar um jeito
nisso.
Eu estou me sentindo bem confiante, então decido tentar sair do plano de limpeza do
vovô. Eu ligo para o celular do Barron. Ele responde na segunda chamada, soando
esbaforido.
— Você está ocupado? — eu pergunto.
— Não tão ocupado para o meu irmão que quase deu um salto picado. Então, o que
aconteceu?
— Eu tive um sonho estranho e comecei a andar dormindo novamente. Não era
nada, mas agora estou preso a mercê do Philip até que a escola perceba que eu não vou
me matar. — Eu suspiro. Barron e eu sempre brigávamos quando nós éramos crianças,
mas agora ele é praticamente a única pessoa na minha família que posso realmente
conversar.
— O Philip está te irritando? — Barron diz.
— Vamos colocar dessa maneira: Se eu ficar aqui tempo suficiente, vou me matar.
— O mais importante é que você está bem, — Barron diz o que é satisfatório, se não
paternalista.
— Eu posso ir ficar com você? — Eu pergunto. O Barron está em Princeton,
estudando direito, o que é bem engraçado porque ele é um mentiroso compulsivo. Ele é o
tipo de mentiroso que esquece totalmente o que te disse na última vez, mas ele acredita
em cada mentira com tanta convicção que algumas vezes ele pode te convencer de tudo.
Eu não acho que ele durará um minuto na corte antes que invente alguma coisa absurda
sobre o seu cliente.
— Eu teria que falar com o meu colega de quarto, — ele diz. — Ela está namorando
um embaixador, e ele está sempre mandando um carro para leva-la até Nova York. Ela
pode não querer mais estresse.
Sim, como isso. — Bem, se ela não está aí muito, talvez ela não se importe. De
outra forma, talvez eu possa surfar por alguns sofás por aí. — Eu falo de uma vez. —
Sempre há um ponto de ônibus.
— Por que você não pode ficar com Philip?
— Ele está me despachando com o vovô para limpar a antiga casa. Ele não disse
isso, mas eu não acho que ele me queira aqui.
— Não seja paranoico, — Barron diz. — Philip quer você aí. Claro que ele quer.
Philip iria querer Barron.
Quando eu tinha uns sete anos, eu costumava seguir o Philip com seus treze anos
por toda a casa, fingindo que nós éramos super-heróis. Ele era o herói principal e eu era o
seu sócio, o Robin para o Batman dele. Eu continuei fingindo estar em apuros para que
ele pudesse vir me salvar. Quando eu estava na velha caixa de areia, era uma grande
ampulheta que iria me sufocar. Eu estava na piscina infantil furada sendo perseguido por
tubarões. Eu ligaria e chamaria ele, mas era sempre Barron que no final vinha.
Ele já era o sócio de verdade de Philip aos dez anos, bom para cuidar das coisas que
Philip estava muito ocupado para fazer. Como eu. Eu passei a maior parte da minha
infância com ciúmes de Barron. E queria ser ele, e me ressentia que ele tinha vindo
primeiro.
Isso foi antes de eu perceber que nunca seria ele.
— Talvez eu pudesse ir só por alguns dias, — eu disse.
— Claro, claro, — ele diz, mas não é um assentimento. É enrolação. — Então, me
diga que sonho louco que você teve. O que te fez subir no telhado?
Eu fungo. — Um gato roubou a minha língua e eu a queria de volta.
Ele ri. — Seu cérebro é um lugar obscuro. Da próxima vez, só deixe a língua ir,
garoto.
Eu odeio ser chamado de garoto, mas não quero discutir.
Nós dizemos nosso adeus e eu coloco o receptor do telefone no gancho e o coloco
na parede. Eu envio meus e-mails com os deveres feitos.
Começo a abrir pastas aleatórias no computador do Philip quando Maura vem até a
porta. Há muitas fotos de mulheres nuas deitadas de costas, tirando longas luvas de
veludo. Garotas tocando seios nus com chocantes mãos nuas. Eu fecho a pasta
obviamente fora de lugar de um cara com calças de aparência louca, vestindo um
pingente de diamante gigante. Do patamar de material escandaloso, tudo é muito manso.
— Aqui. — Ela segura uma xícara do que parece cheirar como chã de menta. Seus
olhos não se focam direito no meu, e dois comprimidos descansam em sua palma. —
Philip disse para te dar isto.
— O que é isso?
— Eles ajudarão a descansar.
Eu pego os comprimido e o chá.
— O que está acontecendo com vocês dois? — ela pergunta. — Ele fica tão
estranho quando você está aqui.
— Nada, — eu digo, porque gosto da Maura. Eu não quero contar para ela que
Philip provavelmente não me quer sozinho na casa com ela ou o filho por causa da Lila.
Philip viu meu rosto, viu o sangue, se livrou do corpo. Se eu fosse ele, eu não me queria
aqui também.
Eu acordo no meio da noite com uma vontade urgente de fazer xixi. Minha cabeça está
vaga, e de primeira eu quase não noto as vozes no andar de baixo enquanto cambaleio
pelo corredor acarpetado. Eu urino, e então alcanço a descarga. Eu paro com a minha
mão na alavanca.
— O que você está fazendo aqui? — Philip está perguntando.
— Eu vim logo que soube. — A voz de vovô é nítida. Ele vive em uma pequena
cidade chamada Carney, nos Pine Barrens, e ele pegou um traço do sotaque de lá – ou ele
deixou algum sotaque antigo fazer uma aparição. Carney é como um cemitério onde
todos já possuem história e construíram casas em cima dela. Praticamente ninguém na
cidade não é um executor, e muitos poucos dos executores lá são mais novos que sessenta
anos; é onde eles vão para morrer.
— Nós estamos cuidando bem dele. — Por um momento eu fico estupefato, tentando
descobrir se eu estou ouvindo direito. Barron está no andar de baixo. Eu não posso
imaginar por que ele não me contou que estava vindo. Mamãe costumava dizer que ele e
o Philip escondiam coisas maiores porque eu era o menor, mas eu sabia que era verdade
porque eles eram executores e eu não. Até o vovô não estava subindo para me incluir
nessa pequena conferência.
Eu posso ser um membro da família, mas sempre serei um forasteiro.
Assassinar alguém não ajudava, apesar, que de certo ponto de vista, você poderia achar
que ajudaria. Pelo menos provava que eu era capaz de ser um criminoso.
— O garoto precisa de alguém para ficar de olho nele, — Vovô diz. — Algo para
manter suas mãos ocupadas.
— Ele precisa descansar, — Barron diz. — Além disso, nós nem sabemos o que
aconteceu. E se alguém estava atrás dele? E se Zacharov descobriu o que aconteceu com
Lila? Ele ainda está procurando pela filha dele.
Pensar nisso faz o meu sangue virar gelo.
Alguém bufa. Eu imagino que seja Philip, mas então vovô diz, — E ele
aparentemente está seguro com vocês dois palhaços?
— Sim, — Philip diz. — Nós o mantivemos seguro até agora.
Eu chego mais perto da escada, me agaixando na sacada que fica em cima da sala de
estar. Eles devem estar na cozinha, já que eu posso ouvi-los claramente. Eu estou pronto
para descer e dizer para eles o quão claramente posso ouvi-los. Eu vou forçá-los a me
incluir.
— Talvez você não tenha tempo para se preocupar com o seu irmão, considerando o
quanto você deveria estar preocupado com aquela esposa sua. Você acha que eu não
percebi? E você não deveria estar executando ela.
Isso me para, pé no primeiro degrau acarpetado. Executando ela?
— Deixe Maura fora disso, — Philip diz. — Você nunca gostou dela.
— Tudo bem, — Vovô diz. — Não é da minha conta como você conduz a sua casa.
Você verá cedo o bastante. Eu só acho que você está com as mãos cheias.
— Ele não quer ir com você, — Philip diz. Eu estou surpreso – ou Philip realmente
odeia que vovô diga a ele o que fazer ou o Barron convenceu-o a me deixar ficar depois
de tudo.
— E se Cassel estava no telhado porque ele queria pular? Pense no que ele passou,
— vovô diz.
— Ele não é assim, — Barron diz. — Ele manteve seu nariz limpo naquela escola.
O garoto precisa descansar, só.
A porta do quarto principal abre e Maura sai para o corredor. Seu pijama de flanela
passeia acima de seu quadril. Eu posso ver uma ponta de sua roupa íntima.
Ela pisca, mas não parece surpresa em me ver na sacada. — Eu pensei ter ouvido
vozes. Tem alguém aqui?
Eu dou de ombros, meu coração batendo forte. Eu levo um momento para perceber
que eu não fui pego fazendo nada. — Eu escutei vozes também.
Ela parece muito magra. Sua clavícula parece fraca, ameaçando sair de sua pele. —
A música está muito alta esta noite. Eu estou com medo de não conseguir ouvir o bebê.
— Não se preocupe, — eu digo suavemente. — Ele deve estar dormindo como um –
bem, como um bebê. — Eu sorrio, mesmo sabendo que a piada é sem graça. Ela me
deixa nervoso. Ela parece um estranho no escuro.
Ela se senta ao meu lado no carpete, arrumando o seu pijama que está pendurado em
suas pernas entre os balaústres das escadas. Eu posso contar os nós nas suas costas. — Eu
vou deixá-lo, sabe. Philip.
Eu me pergunto o que ele fez para ela. Eu tenho quase certeza que ela não sabe que
foi executada, mas se é uma maldição de amor, talvez esteja acabando. Elas acabam
apesar de demorar de seis até mesmo oito meses. Eu me pergunto se posso perguntar se
ela já visitou minha mãe na prisão. Mamãe tem que usar luvas, mas ela poderia
facilmente ter tirado alguns fios para deixar a pele encostar contra a pele enquanto dizem
adeus. — Eu não sei, — eu digo.
— Logo. É um segredo. Você guardará o meu segredo, certo?
Eu aceno rapidamente.
— Por que você não está lá embaixo? Com os outros?
Eu dou de ombros. — Irmãos menores sempre ficam de fora, certos? — Eles ainda
estão conversando lá embaixo. Eu não consigo ouvir as palavras direito, mas estou com
medo de parar de falar, com medo de que ela possa ouvir o que eles estão dizendo sobre
ela.
— Você não é um bom mentiroso. Philip é bom, mas não você.
— Hei, — eu digo honestamente ofendido. — Eu sou um excelente mentiroso. Eu
sou o melhor mentiroso na história dos mentirosos.
— Mentiroso, — ela diz com um pequeno sorriso se espalhando em seu rosto. —
Por que seus pais te chamam de Cassel?
Soou derrotado e divertido. — Mamãe amava nomes extravagantes. Papai insistiu
em que seu primeiro filho fosse nomeado com o nome dele, Philip, mas depois disso, ela
pôde nomear Barron e eu de qualquer coisa fantasiosa que ela quisesse. Se ela tivesse
conseguido o que ela queria, Philip teria sido Jasper.
Ela revira os olhos. — Vamos lá. Tem certeza de que eles não pertencem a família
dela? Nomes tradicionais?
— Quem sabe? É tudo um mistério. O papai era loiro e eu aposto que ele achou o
nome Sharpe em uma caixa cheia de identidades falsas. E no que concerne o lado da
família de mamãe, vovô diz que seu pai – o avô dela – era um marajá da India. O último
nome dele, Singer, poderia ser derivado de Singh. Mas essa é apenas uma das histórias.
— Seu avô me contou que alguém na sua família descendeu de um escravo fugitivo,
— ela diz. Eu me pergunto o que ela estava pensando quando se casou com Philip. As
pessoas sempre me abordam nos trens e falam comigo em línguas diferentes, como se
obviamente eu fosse entendê-los. Incomoda-me que eu nunca entendo.
— Sim, — eu digo. — Eu gosto mais da história do marajá. E nem me venha com
aquela história que nós somos Iroquois11. Ou italianos. E não somente italianos, mas
descendentes de Julius Caesar.
Isso a faz rir alto o bastante que eu me pergunto se dá para ouvi-la lá debaixo, mas o
ritmo da conversa deles não muda. — Ele era um executor? — ela pergunta, com voz
baixa novamente. — Philip não gosta de falar sobre isso.
— O tataravô Singer? — eu pergunto. — Eu não sei. Com os tocos dos dedos da
mão esquerda enegrecidos, eu tenho certeza que ela sabe que meu avô, é um executor da
morte. Todo tipo de maldição desprende algum tipo de efeito bumerangue, mas
maldições de morte podem matar uma parte de você. Se você tiver sorte, ela apodrece
alguns de seus dedos. Se não, talvez ela apodreça os pulmões ou o coração. Toda
execução de maldição executa o executor, o meu avô diz.
— Você sempre soube que não poderia fazer? Sua mãe sabia?
Eu balanço a minha cabeça. — Não. Quando nós éramos pequenos, ela tinha medo
que nós poderíamos executar alguém por acidente. Ela pensou que viria eventualmente,
então ela não nos encorajou. — Eu penso sobre a avaliação rápida de mamãe de um alvo
e a série de habilidades sombrias que ela fez nos encorajou a aprender. Faz-me quase
sentir sua falta. — Eu costumava fingir que era, no entanto. Um executor. Uma vez eu
pensei que transformando uma formiga em um pedaço de pau até que Barron me disse
que tinha mudado-as para encher o meu saco.
— Transformação, huh? — O sorriso da Maura era distante.
— Qual é o ponto de fingir ser qualquer coisa menos que o praticante mais talentoso
das maldições mais raras? — eu pergunto.
Ela dá de ombros. — Eu costumava achar que podia fazer as pessoas caírem. Toda a
vez que a minha irmã arranhava o joelho, eu tinha certeza que era eu. Eu chorei quando
descobri que não era.
Maura olha em direção ao quarto do filho dela. — Philip não quer que nós testemos
o bebê, mas estou com medo. E se a nossa criança machucar alguém por acidente? E se
uma de nossas crianças nascerem com má formação? Pelo menos se ele fosse a favor, nós
saberíamos.
— Só o mantenha com luvas, — eu digo, sabendo que Philip nunca vai concordar
em fazer o teste. — Até que ele esteja velho o suficiente para tentar uma pequena
execução. Na aula sobre saúde nosso professor costumava dizer que se alguém viesse na
sua direção na rua com as mãos nuas, considere estas mãos como potencialmente mortais
como espadas desembainhadas.
— Todas as crianças se desenvolvem diferentemente, ninguém pode saber quando
eles estarão prontos, — Maura diz. — As luvinhas de bebê são tão bonitinhas, no
entanto.
Eu bocejo e viro para a Maura. Eles podem passar toda a noite debatendo o que eles
querem fazer comigo, mas isso não vai me impedir de fazer uns esquemas para me
colocar de volta na escola. — Você realmente escuta música? Qual é o ritmo dela?
Seu sorriso fica radiante, apesar do seu olhar continuar no carpete. — Como anjos
cantando agudamente no meu nome.
Todos os pêlos ao longo do meu braço se arrepiam.
Capítulo Quatro
Na casa de meus pais, nada era organizado. Roupas empilhadas, formando montes
que cresciam e viravam montanhas, que Philip, Barron e eu tínhamos que escalar.
Os montes de roupas enchiam o corredor e perseguiam meus pais pra fora de seu
próprio quarto então, eles eventualmente dormiam no cômodo que era o escritório do
papai.
Caixas e malas vazias enchiam os espaços na desordem, caixas que já guardaram
anéis, sapatos e roupas.
Uma trombeta que minha mãe quis fazer de lâmpada descansava em cima de uma
pilha de revistas esfarrapadas, com artigos que papai planejou ler, perto, cabeças, braços
e pernas de bonecas que minha mãe prometeu remendar para uma criança de Carney, ao
lado, uma infinidade de botões reserva, alguns continuavam em sua embalagem
transparente individual.
Uma cafeteria pousava sobre uma torre de pratos, apoiada em um para segurar o
café que derramasse.
É estranho ver tudo isso, exatamente do mesmo modo que era quando meus pais
moravam aqui.
Eu peguei uma moeda e a estalei longe com os nós dos dedos, como papai me
ensinou.
— Este lugar é um chiqueiro, — Vovô disse, andando pela sala de jantar, puxando
os suspensórios em suas calças.
Depois de passar meses vivendo nos ordenados quartos de Wallingford, onde eles te
davam um sábado de detenção se seu quarto não passasse nas frequentes inspeções, eu
senti o antigo senso conflitante de familiaridade e desgosto.
Aspirei ao leve odor de urina de cavalos, com alguma coisa ácida, que outrora foi
doce.
Philip passou minha bolsa pelo chão de linóleo quebrado. — Qual a chance de eu
pegar o carro emprestado? — Eu perguntei ao vovô.
— Amanhã, — ele disse. — se nós tivermos o bastante. — Você escolheu um
médico?
— Sim, — eu menti, — é por isso que eu preciso do carro. — O que eu preciso é de
tempo sozinho o suficiente, para pôr em prática meu plano de voltar para Wallingford.
Isso envolvia um médico, mas não um que ele estava esperando de mim.
Philip tirou seus óculos de sol. — Quando é a consulta?
— Amanhã, — eu disse impulsivamente, fixando meu olhar em Philip, e
elaborando, — Ás duas, com Dr. Churchil, especialista do sono, em Princeton, tudo bem
para você? As melhores mentiras possuíam o máximo de verdade que fosse possível,
então eu disse exatamente para onde eu estava planejando ir. Só não disse o porquê.
— Maura mandou algumas coisas, — Philip disse. — Deixe-me trazer antes que eu
esqueça. —Nenhuma das sugestões vinha a calhar para complementar à confecção da
nomeação, o que me deixou profundamente aliviado.
Alguém deve ter cortado através do caos de nossa casa e olhado como quem procura
anéis em uma árvore, e camadas de sedimento.
Eles encontraram o pelo preto e branco do cachorro que tivemos quando eu tinha
seis anos, a calça escovada que minha mãe usou uma vez, as sete fronhas molhadas de
sangue de quando eu machuquei o joelho. Todos os segredos de nossa família,
descansando em uma estaca eterna.
Às vezes a casa parecia apenas suja, mas às vezes parecia mágica. Mamãe podia
alcançar um vão ou uma bolsa, ou armário e enfiar qualquer coisa que ela precisasse.
Ela tirou um cordão de diamantes para usar na festa de Ano Novo, junto com anéis
amarelos e verdes com pedras grandes e minúsculas. Ela tirou a saga inteira de Nárnia
quando eu estava com febre, e tinha enjoado de todos os livros debaixo da minha cama.
E ela tirou um tabuleiro de xadrez quando eu terminei de ler Lewis.
— Tem gatos ali fora, — vovô disse, olhando pela janela enquanto lavava uma
xícara de café na pia. — No celeiro.
Philip tirou cuidadosamente a bolsa de mantimentos. Sua expressão estranha.
— Selvagens, — vovô falou usando um garfo para alavancar um pré-histórico
pedaço de torrada da torradeira, e jogando no saco de lixo pendurado na maçaneta da
porta. Eu fui até ele, e perscrutei pela janela. Eu podia vê-los, movimentos fluídos
serpenteando para uma parte enferrujada da pintura, e depois um gato branco sentado
num pedaço de erva daninha com a cauda balançando.
— Você acha que eles vivem aqui faz tempo?
Meu avô balançou a cabeça.
—Aposto que eles eram de estimação. Eles parecem domesticados. — Vovô
grunhiu.
— Talvez eu deva dar alguma comida, — eu disse.
— Coloque umas armadilhas, — disse Philip. —Melhor capturá-los antes que saiam
de controle.
Depois que Philip se foi, eu coloquei comida, de qualquer jeito – uma vasilha de
atum, e eles não se aproximaram enquanto eu estava parado lá, mas brigaram quando fui
para o fundo da estrada.
Eu contei cinco gatos – um único branco, dois malhados que eu passei um longo
tempo tentando separar, um preto fofo com uma manchinha branca embaixo do queixo e
uma pequenininha cor de caramelo.
Eu e vovô passamos o resto da manhã limpando a repugnante cozinha, manobrando
nossas fiéis luvas de borracha. Nós jogamos uma pilha de garfos enferrujados, uma
peneira, e algumas frigideiras. Nós arrancamos um pouco do piso e descobrimos um
ninho de baratas que se espalharam tão rapidamente que fizeram estardalhaço.
Eu liguei para Sam depois do almoço, mas Johan atendeu seu telefone, Sam,
aparentemente, estava ocupado testando seu controle sênior ―o espaço sobre a grama do
senhor.‖ Esse experimento levava a forma de uma proteção de um pé em volta e em cima,
até alguém tentar acertar algo em sua cabeça. — Eu disse que ligava depois. — Com
quem você está falando? — meu avô perguntou, esfregando seu rosto na camiseta. —
Ninguém.
— Bom, — ele disse, — visto que nós temos muito trabalho a fazer. — Eu sentei de
pernas abertas em uma das cadeiras da cozinha, e apoiei meu queixo no encosto. — Você
acha que há algo errado comigo, ou o quê?
— Aqui está o que eu acho: estou limpando essa casa. Eu não sou jovem, então você
deveria colaborar. Você não quer ser um inútil garotinho.
Eu ri. — Eu posso ser jovem, mais não nasci ontem. Essa não é a resposta.
— Se você é tão esperto, me diga o que está acontecendo. — Ele sorri depois de
dizer isso como se uma discussão fosse sua ideia de diversão. Estar com ele me fazia
pensar sobre ser uma criança, correndo em torno do quintal em Carney, a salvo e livre
pelo resto do verão.
Ele não precisava da nossa ajuda para uma palestra, ou empurrar algum item de
roubo pelas nossas calças. Ele nos fazia limpar o celeiro em vez disso.
Eu decidi que ia tentar uma estratégia diferente, pra mostrar a ele que eu estava
prestando atenção.
— O que está acontecendo? Eu não sei o que está errado comigo, mas sem dúvida
tem algo errado com Maura. — Ele parou de rir.
— O que você quer dizer? — Você a viu?
—Ela parecia horrível. E acha que está ouvindo música. — E ouvi você dizer que
Philip estava executando-a. — Vovô balançou a cabeça e jogou sua camisa na mesa.
— Ele não está.
— Ah, qual é, — Eu disse. — Eu a vi, você sabe o que ela me disse?
Ele abriu sua boca, mas uma batida o impediu de falar, e nós dois nos viramos. O
rosto de Audrey estava recortada no nojento vidro da porta de trás. Ela franziu, como se
tivesse certeza de que estava no local errado, mas então ela bateu e empurrou a porta,
para soltá-la.
— Como você me achou? — eu perguntei, chocado, soando frio, como nunca
esperei estar.
— Eles te expulsaram? — ela colocou uma mão enluvada azul no quadril. Ela estava
falando comigo.
— Certo — eu disse por que sou um completo imbecil. — Desculpe. Venha. Obrigado
por... , mas ela estava fixada na pilha de papéis e cinzeiros, mãos de manequim e
coadores de chá que se aninhavam na bancada.
— Por agora, — eu disse condescentemente, para minha voz não quebrar. Eu pensei
que estava acostumado com o mal-estar de sentir falta de alguém, de sentir saudade de
Audrey, mas justamente agora eu percebia o quão mais eu sentia saudade dela, de não
poder vê-la todo dia na aula, ou sentada na grama do campinho.
De repente, não me importei sobre a própria quantidade de ignorância. — Vamos
para a sala de estar.
— Eu sou o avô dele. — Vovô ofereceu sua mão esquerda. A luva de borracha
estava limpa, onde faltavam os dedos. Eu estava feliz que ela não pudesse ver seus dedos.
Audrey se tocou, segurando sua mão enluvada contra o estômago, como se só agora ela
tivesse percebido quem ele era.
— Desculpe, — eu disse. — Vô, essa é Audrey. Audrey, meu avô.
— Uma garota bonita como você pode me chamar de Desi, — ele disse, alisando
seu cabelo, com uma audácia de velhaco a ser reprimida. Ele continuou alisando
enquanto nós voltávamos até a sala.
Eu sentei no nosso divã rasgado. Eu me perguntei o que ela havia achado da casa e
se ela ia dizer alguma coisa sobre meu avô. Quando eu era criança e trazia algum amigo,
ficava muito orgulhoso do caos. Eu gostava de saber pular os montes, e vidros
estilhaçados quando tropeçava. Agora só parece um oceano de loucura, que eu não tinha
jeito de explicar.
Ela alcança seu bolso preto e brilhante, e pegou um punhado de folhas impressas.
— Aqui, — ela diz, jogando os papéis no meu colo e caindo desleixada, ao meu
lado.
Seu cabelo vermelho estava brilhante, como se ela tivesse acabado de sair de um
banho frio, contra meus braços.
O cabelo de Lila era loiro, manchado de vermelho sangue da última vez que eu a vi.
Eu apertei meus olhos bem fortes, enfiei meus dedos neles, até que eu não visse
nada além de escuridão. Até eu empurrar a imagem pra longe. Quando eu era namorado
de Audrey, eu pensei que ia fazê-la gostar de mim, fazendo-a pensar que eu era como
todo mundo. Eu pensei sobre reconquistá-la, perguntando-me se poderia fazê-lo.
Perguntando-me quanto tempo eu levaria para enlouquecer, e ela me deixar de novo.
Eu só não sou um cara bom o suficiente para mantê-la comigo.
— Alguns 'soníferos' causam sonambulismo, — Audrey disse, indicando os papéis.
— Não oficialmente, eu trouxe alguns artigos da biblioteca da escola. Alguns caras
estavam até dirigindo enquanto dormiam. Eu estava pensando que você poderia dizer
apenas...
— Eu estava me automedicando para insônia? — eu perguntei, rolando e
pressionando meu rosto em seu ombro, sentindo o cheiro dela, filtrado através do tecido
de flanela. Ela não me afasta. Eu considerei beijá-la bem aqui, nesse sofá nojento, mas
algum instinto de autopreservação me empediram. Uma vez que alguém machuca você, é
mais difícil relaxar a sua volta, mais difícil pensar que estão seguros para amar. Mas não
faz você parar de querer essa pessoa. Ás vezes eu realmente acho que torna pior o querer.
— Isso não tem que ser verdade. Você pode só dizer que estava tomando remédios
para dormir, — ela disse, como se eu não entendesse a mentira, em uma espécie de doce
humilhação.
Isso não é um plano ruim na verdade. Se eu tivesse sido esperto, e tivesse pensado
por mim mesmo antes, provavelmente ainda estaria na escola. — Eu já disse a eles que
tive histórias de sonambulismo desde a infância.
— Merda, — ela disse. — Muito ruim. Tem essa outra pílula, na Austrália que faz
as pessoas se embriagarem, comerem e pintar sua porta enquanto dormem. — Ela
abaixou a cabeça e eu vi seis pequenos amuletos de proteção deslizando pela sua
clavícula. Sorte. Sonhos. Emoção. Corpo. Memória. Morte. O sétimo — transformação
— estava preso em seu suéter.
Eu me imaginei apertando sua garganta com minhas mãos, e fiquei feliz em ver que
estava horrorizado. Eu me sentia culpado quando pensava em matar garotas, mas esse era
o único modo de me testar, de me dar à certeza que nenhuma coisa horrível estava
tentando sair de dentro de mim.
Eu me movi e desenganchei o pingente, deixando-o cair de novo em seu pescoço.
Lembrava sangue. Provavelmente era falso. Não existiam muitos executores de
transformação por aí, para ter muitos amuletos de verdade. Uma geração ou duas. A
pedra me fazia pensar se o resto era falso também.
Ela mordeu seu lábio. — Você acha que isso tem algo a ver com seu pai estar morto.
— Eu me sobressaltei abruptamente, então encostei minhas costas no apoio de braço,
realmente liso.
— Se eu penso que tem algo a ver com isso. Ele estava num acidente de carro no
meio do dia.
— Sonambulismo pode ser desencadeado por estresse. — E sobre sua mãe estar na
cadeia? Isso é muito estressante.
Minha voz aumentou. — Papai está morto por quase três anos e mamãe está presa
praticamente o mesmo período. Você não acha que...
— Não fique aborrecido.
—Não estou aborrecido! Esfreguei minha mão contra meu rosto.
— Muito bem, olhe eu estou quase me jogando do telhado, estou expulso da escola,
e você acha que tenho um problema mental. Eu tenho razões para estar de saco cheio. —
Eu respirei fundo, e tentei dar a ela o meu melhor sorriso apologético. — Mas não com
você.
— Está certo, — ela disse me empurrando. — Não comigo.
Eu peguei sua mão enluvada na minha. — Eu não posso manipular Northcut. Vou
voltar para Wallingford em tempo. —Odiava tê-la no meio da minha caótica casa,
sabendo mais de mim do que era confortável. Senti-me virado do avesso, todas as minhas
entranhas expostas.
Eu não quero que ela vá embora, no entanto.
— Olhe, — ela sussurrou com uma olhada na direção da cozinha. — Eu não quero
te tirar do sério de novo, mas você não acha que foi tocado? Sabe como é, abracadabra?
Tocado, Executado. Maldito. — Por ser sonâmbulo?
— Pra você pular do telhado, ela disse. — Isso pareceria suicídio.
— Essa seria uma linda e cara maldição. — Eu não quero dizer a ela que pensei
nisso, que toda a minha família pensou nisso, tanto, que eles até discutiram secretamente
sobre isso, sobre a possibilidade. — Além disso, eu estou vivo, o que torna menos
provável.
— Você deve perguntar ao seu avô, — ela disse levemente.
Se você for esperto, você vai me contar o que está acontecendo.
Eu acenei, e falei que ela pusesse os papéis de volta em sua bolsa. Quando me
abraçou com o animo leve, eu não pude deixar de notar, minhas mãos descansavam em
suas pequenas costas, e pude sentir sua respiração quente em meu pescoço. Com ela,
poderia aprender a ser normal. Toda vez que ela me tocava, sentia a esperança de me
tornar um rapaz normal.
— É melhor você ir, — eu disse, antes que fizesse algo estúpido.
Na porta, enquanto ela ia, me virei para olhar para rosto do meu avô, ele está
torcendo uma chave de fenda no fogão, tentando limpar a crosta, sem nenhuma aparente
preocupação que toda a família Zacharov poderia estar atrás de mim. Ele trabalhou para
eles, então não é como se ele não soubesse do que eles são capazes, ele sabe melhor que
eu. Talvez seja por isso que ele está aqui. Pra me proteger. O pensamento me fez olhar de
novo para a pia com uma combinação de horror, culpa e gratidão.
Naquela noite, no meu antigo quarto cheio de ratos,
Com pôsteres de Magritte escondendo o teto e prateleiras de livros, cheias de robôs
e novelas Hard Boys. Eu sonhei que estava perdido em uma tempestade.
Mesmo que fosse um sonho, e eu estivesse totalmente certo de ser um sonho, a
chuva esfriava a minha pele e eu quase não conseguia enxergar com a água em meus
olhos. Eu intuí correr para a única luz visível, protegendo meu rosto com uma mão.
Eu vim para a porta gasta do celeiro, atrás da casa. Mergulhei através da porta,
embora decidisse que era um erro entrar no nosso celeiro. Em vez das velhas ferramentas
e móveis descartados, estava um longo corredor, iluminado por tochas. Se eu olhasse de
perto, perceberia que as tochas eram mantidas por mãos muito reais, paracia ser de gesso.
Uma mão agarrou um cabo de metal e eu pulei para trás com isso. Então, andando para
mais perto, vi como cada pulso estava rigidamente preso à parede. Eu podia ver cada tira
de carne irregular.
— Olá, — eu chamei como fiz do telhado. Desta vez, sem nenhuma resposta.
Eu olhei de volta, a porta do celeiro ainda estava abertas, lâminas de chuva
empoçavam na madeira. Porque era um sonho, não me preocupei em voltar e fechar a
porta, eu só segui pelo corredor. Depois do que pareceu um longo e desproporcional
tempo andando, cheguei a uma porta gasta, com uma maçaneta feita do pé de um veado.
A pele grossa do animal fazia cócegas na palma das minhas mãos enquanto eu a puxava.
Dentro um futon do quarto de Barron e um vestido que eu tinha certeza que minha
mãe tinha comprado do ebay12, pretendendo pintar de verde-maçã o quarto de hóspedes.
Eu abri à cômoda e encontrei pares de calças velhas de Philip. Eles estavam secos, o
conjunto de cima serviu perfeitamente em mim quando eu o experimentei. Tinha uma
camisa branca que também era de Papai atrás da porta.
Lembro-me da cigarrilha quebrando bem embaixo do cotovelo, e o cheiro da loção
pós-barba do meu pai.
Sabendo que era um sonho, eu não estava apavorado, quando andei de volta para o
corredor, e dessa vez achei meus passos me levando até uma porta pintada de branco e
um cristal como maçaneta.
A sineta parecia um tipo de sineta de chamar os criados nas mansões do PBS13
show, mas esta era feita de pedaços brilhantes de um antigo candelabro. Quando eu
puxei, um conjunto de sons de sino ecoou pelo espaço. A porta abriu. Uma velha mesa de
picnic e duas cadeiras de quintal descansavam no meio de uma ampla sala cinza. Talvez
eu estivesse no celeiro, depois de tudo, porque o espaço entre as ripas da parede eram
grandes o suficiente para que eu pudesse ver a chuva vinda do céu tempestuoso. A mesa
era disposta com um tipo de seda bordada, e com candelabros de prata em cima, dois
cavalos de batalha prateados, e um livro com as bordas das folhas douradas, no centro de
cada um, uma redoma os cobria.
Taças de vidro cortado preenchiam cada arranjo. Fora da melancolia, os gatos
vieram, malhados, cor de laranja, gatos cor de caramelo, e gatos tão pretos que eu não
podia discerni-los de suas sombras. Eles rastejaram em direção a mim, centenas deles,
fervilhando, cada vez mais perto.
Eu pulei em uma cadeira, agarrando um candelabro, incerto de que coisa doentia
meu cérebro criaria a seguir, quando uma pequena figura dissimulada andou dentro
aposento. Aquilo estava usando um minúsculo vestido, como o que as bonecas caras
usavam. Lila tinha um monte de bonecas vestidas daquele jeito; Sua mãe gritava com ela,
se ela as tocasse. Nós brincávamos com as bonecas de qualquer jeito, quando a mãe dela
não estava olhando. Nós trazíamos a princesa através do quintal do vovô, planejando que
ela conquistasse um de meu Power Rangers, com um tamagotchi14 quebrado e um mapa
estrelar – até que o vestido estava rajado de manchas de grama. Este vestido estava sujo
também.
O véu deslizou e caiu. Embaixo, era uma cara de gato. Um gato, em pé nas duas
pernas, sua cabeça triangular inclinada para um lado, quase como se seu pescoço
estivesse quebrado, seu corpo coberto pelo vestido. Eu não podia evitar, eu ri.
— Eu preciso de sua ajuda, — disse a pequena figura. — Sua voz era triste e macia,
e soava como a de Lila, mas com uma inclinação que devia ser exatamente como os gatos
deveriam soar quando falavam.
— Ok, — Eu disse. O que mais eu poderia dizer?
— Uma maldição foi posta em mim, — o gato Lila disse. — Uma maldição que só
você pode quebrar.
Os outros gatos nos assistiam rabos chicoteando, bigodes tremendo. Ainda
silenciosos.
— Quem amaldiçoou você? — eu perguntei, tentando sufocar minha risada.
— Você, — disse o gato branco. Meu sorriso se tornou uma careta. A Lila morta, e
a gata, não deveriam juntar suas mãos numa súplica, não deveriam falar.
— Só você pode desfazer a maldição, — ela disse, e eu tentei acompanhar o
movimento de sua boca, a visão de suas presas, para ver como ela podia falar sem lábios.
— As pistas estão em todo lugar, nós não temos muito tempo.
Isso é um sonho, eu lembrei a mim mesmo. Um obscuro e caótico, mas apenas um
sonho. Eu já sonhei com um gato antes. — Você mordeu minha língua?
— Você parece tê-la de volta, — a gata branca disse seus olhos sombreados sem
piscar. Eu abri minha boca para falar, mas eu senti garras nas minhas costas, unhas em
minha pele e ao invés de falar eu gritei.
Gritei e sentei. Acordei.
Eu ouvi as batidas da chuva contra minha janela, e percebi que estava molhado, em
meu edredom, molhado e pegajoso. Eu estava de volta ao meu quarto, minha velha cama,
e minhas mãos estavam tremendas tanto que eu tive que apertá-las contra meu corpo,
para fazê-las parar.
Capítulo Cinco
QUANDO EU DESCI CAMBALEANDO para a cozinha pela manhã, eu encontrei
vovô fazendo café e fritando ovos em gordura de bacon. Eu estou de jeans e uma
camiseta gasta da Wallingford. Eu não sinto falta das luvas que coçam ou da gravata
apertada; conforto é o prêmio de consolação por ser expulso, eu acho, mas não quero me
acostumar muito.
Eu encontro uma folha presa na minha perna enquanto eu estou me vestindo, e isso
foi o bastante para me fazer lembrar que acordei encharcado de chuva. Eu estive
sonâmbulo novamente, mas quanto mais eu penso sobre o sonho, mais confuso eu fico.
Nada letal aconteceu, o que tira a vingança de Zacharov da jogada. Então talvez seja só
culpa que me faça sonhar com Lila. Culpa faz você ficar louco, certo? Alimenta-se de
dentro de você.
Como na obra do Poe, O Conto do Coração‘, o qual a Sra. Noyes nos fez ler em voz
alta, onde o narrador escuta o coração de sua vítima bater embaixo do piso, cada vez mais
alto até que ele confessa. — Eu admito ter feito! Aqui, aqui! Aqui está o batimento do
seu terrível coração!
— Eu preciso falar com você, — eu digo, pegando uma caneca e colocando leite
dentro primeiro, e então adicionando café. O leite enche até o topo, junto com manchas
de poeira que eu deveria ter visto antes. — Eu tive um sonho estranho.
— Deixe-me adivinhar. Você foi amarrado por mulheres ninjas. Com peitões.
— Uh, não. — Eu tomo um gole do café e estremeço. Vovô o faz ridiculamente
forte.
Meu avô enfia uma tira de bacon na boca com um sorriso. — Acho que seria um
pouco estranho se nós tivéssemos o mesmo sonho.
Eu reviro os olhos. — Bem, é melhor você não me contar mais nada. Não estrague a
surpresa caso eu sonhe com isso hoje à noite.
Vovô ri, mas sai como uma tosse. Eu olho para fora da janela. Não há gatos no
gramado. Enquanto assisto vovô colocar catchup nos seus ovos, o líquido vermelho se
espalhando, eu acho. Há muito sangue, e eu não me lembro de ter esfaqueado-a, mas uma
faca molhada está na minha mão e o sangue está espalhado no chão como um grosso
verniz.
— Então você vai me contar sobre o sonho que você teve mesmo? — Meu avô
senta-se a mesa, lambendo os lábios.
— Sim, — eu digo, piscando enquanto me lembro de onde eu estou. Mamãe diz que
esses rápidos e doentios lampejos do assassinato melhorariam com o tempo, mas eles só
ficaram menos frequentes. Talvez alguma parte decente de mim não quer esquecer.
— Você está esperando um convite por escrito? — Vovô pergunta.
— O sonho começou comigo lá fora na chuva. Eu andei até uma explosão, e então
eu acordo na minha cama, com lama por todos os meus pés. Sonambulismo novamente,
eu acho.
— Você acha?— ele pergunta.
— Lila estava no meu sonho. — Eu forcei as palavras para fora. Nós nunca
falávamos de Lila ou da forma como toda a família me protegeu, depois. Como minha
mãe chorou na gola de pele do seu casaco e me abraçou e me disse que se eu tivesse feito
aquilo, então ela tinha certeza que aquela piranha Zacharov tinha merecido, e ela não
ligava para o que dizia, eu ainda era o seu bebê. Como havia algo escuro sob as minhas
unhas e eu não conseguia tirar. Eu tentei com as minhas próprias unhas e então com uma
faca de margarina, apertando até que começava a sangrar. Até o meu sangue lavar a outra
escuridão.
Então a minha consciência está finalmente me consumindo. Já era hora. Vovô
levantou uma sobrancelha.
— Talvez ajudasse se você falasse sobre ela. Falar sobre como matou-a. Tirar isso
do seu peito. Eu já fiz coisas ruins, garoto. Eu não vou julgá-lo.
Mamãe foi presa não muito depois do assassinato de Lila. Não por minha causa,
exatamente, mas ela estava meio doida. Ela queria uma grande pontuação e ela queria
rápido.
— O que você quer que eu diga? Eu a matei? Eu sei que matei, mesmo se eu não me
lembro disso. Eu sempre imaginei se a mamãe pagou alguém para me fazer esquecer os
detalhes. Talvez ela pensasse que se eu não lembrasse como me senti, eu não faria de
novo. — Deve haver algo morto dentro de mim, porque pessoas normais não ficam de pé
sobre o corpo de alguém que eles amam e não sentem nada fora uma distante e horrível
alegria. — Lila era uma executora do sonho, e então eu acho que o sonambulismo e os
pesadelos parecem irônicos. Eu não estou dizendo que não os mereço; eu só quero
entender porque eles estão acontecendo.
— Talvez você devesse ir para Carney. Ver o teu tio Armen. Ele ainda consegue
fazer alguma execução de memória. Talvez ele possa te ajudar a lembrar.
— O tio Armen tem Alzheimer, — eu digo. Ele é um amigo do vovô de quando eles
eram crianças, e ele não era realmente o meu tio.
Vovô funga. — Besteira. Mas vamos ver o que o doutor chique acha primeiro.
Eu coloco mais café na minha caneca. Uma semana depois de Lila ter morrido e
Barron e Philip esconderem o corpo dela onde quer que seja que os corpos eram
escondidos, eu fui a um orelhão e liguei para a mãe de Lila. Eu prometi que não iria,
tendo escutado o meu avô explicar que se alguém descobrisse o que eu fiz, a família
inteira pagaria. Eu sabia que os Zacharovs dificilmente esqueceriam quem havia
escavado a cova e limpado o sangue e falhado em me entregar, mas eu não podia deixar
de pensar na mãe de Lila sozinha naquela casa.
Sozinha e esperando a filha voltar para casa.
O toque parecia muito pesado. Eu senti uma tontura. Quando a mãe dela atendeu, eu
desliguei. E então eu dei a volta até o lado de trás da loja de conveniência e vomitei as
entranhas para fora.
O vovô se levantou. — Que tal você começar pelos banheiros lá de cima? Eu vou
sair para comprar suprimentos.
— Não se esqueça do leite, — eu digo.
— Minha memória está boa, — ele atirou em resposta para mim enquanto alcançava
seu casaco.
Os ladrilhos do piso do banheiro estão rachados e quebrados em pedaços, e há um
armário de banheiro branco e barato enfiado contra uma parede. Dentro há dezenas e
dezenas de toalhas desiguais, algumas cheias de buracos, e garrafas de plástico âmbar
com algumas pílulas em cada uma. Na prateleira debaixo daquilo há vidros com líquidos
escuros e latas de pó.
Enquanto eu limpo bolas de seda cheias de bebês aranha dos cantos do chuveiro e
jogo fora garrafas de xampu grudentas e a maior parte vazias, eu não consigo parar de
pensar na Lila. Nós tínhamos nove anos quando nos conhecemos. O casamento dos pais
dela estava acabando e ela e a mãe foram viver com a avó em Pine Barrens. Ela tinha um
cabelo loiro como fios de lã, um olho castanho e um verde, e tudo o que eu sabia sobre
ela era o que o vovô dizia que o seu pai era alguém importante.
Lila era o que todos podiam pensar de uma garota que poderia te dar pesadelos com
um simples toque de uma mão, ela era filha do Manda-Chuva da família Zacharov. Ela
era mimada até não querer mais.
Aos nove, ela me vencia sem remorso no videogame, subia colinas e árvores tão
rápido que eu sempre estava há três passos atrás de suas longas pernas, e me mordia
quando eu tentava roubar suas bonecas e as escondia. Eu não podia dizer se ela me
odiava na maior parte do tempo, mesmo quando nós passamos semanas escondidos
embaixo dos galhos de um salgueiro, desenhando civilizações na terra e então as
destruindo como deuses insensíveis. Mas eu estava acostumado com irmãos que eram
rápidos e cruéis e eu a idolatrava.
E então seus pais se divorciaram. Eu não a vi mais até que ambos tivéssemos treze
anos.
Vovô voltou com várias sacolas de compra bem a tempo de começar a chover
novamente, a maioria deles era produtos para vidro, cerveja, papéis-toalha. Ele também
havia trazido ratoeiras. — É para gambás, mas elas funcionarão, — ele disse. — E eles
são humanitários – diz na embalagem – então não fique estressado. Não há um anexo
com a guilhotina.
— Legal, — eu digo, tirando-as do porta-malas.
Ele me deixa sozinho para carrega-las para o celeiro. Os gatos estão lá; eu posso ver
os seus olhos brilhando enquanto eu monto a primeira jaula de metal com a sua
portinhola vai-e-volta. Eu abro a lata de comida úmida, a deslizando para dentro da
armadilha. Algo faz um barulho suave no chão atrás de mim e eu me viro. A gata branca
está de pé há uns cinco metros de mim, língua rosada lambendo seus dentes afiados. Na
luz da tarde eu posso ver que suas orelhas estão distorcidas. Crostas de grama – frescas –
se espalham ao longo de seu pescoço.
— Aqui, gatinho, gatinho, — eu digo, palavras sem sentido começaram a sair
automaticamente da minha boca. Eu abro outra lata. A gata pula quando a abertura se
abre com barulho, e eu percebo o quão tenso eu tenho estado. Como se ela fosse falar.
Mas a gata é só uma gata. Só uma gata vira-lata vivendo em um celeiro e quase sendo
presa. Eu tento alcança-la com uma mão enluvada, e ela fica intimidada. Animal esperto.
— Aqui, gatinha, gatinha, — eu digo.
A gata se aproxima de mim lentamente. Ela cheira os meus dedos, e enquanto eu
seguro a minha respiração, ela esfrega sua bochecha contra a minha mãe; pelo macio e
bigodes enrolados e a ponta de seus dentes se enfiando na minha pele.
Eu coloco no chão a lata de comida para gatos, assistindo enquanto ela corre até a
lata. Eu me estico para acaricia-la novamente, mas ela chia, costas se arqueando e pêlo se
erguendo. Ela se parece com uma cobra.
— É assim que eu gosto, — eu digo, acariciando-a da mesma forma.
Ela me segue de volta para a casa. Suas omoplatas se sobressaem sobre as costas, e
seu casaco branco de pele manchado com lama. Eu a deixo entrar na cozinha e dou água
para ela em uma taça de Martini.
— Você não vai trazer esse animal sujo aqui, vai? — meu avô diz.
— Ela é uma gata, vovô, não uma barata.
Ele olha para ela ceticamente. A camiseta dele está coberta de poeira e ele está
colocando conhaque em um daqueles copos de plástico para refrigerante que vem com
seu próprio canudo.
— O que você quer com um gato?
— Nada. Eu não sei. Ela parece faminta.
— Você vai deixar todos eles aqui? — Vovô pergunta. — Eu aposto que todos estão
famintos.
Eu sorrio. — Eu prometo que nada mais do que um por vez.
— Não é para isso que eu comprei aquelas armadilhas.
— Eu sei, — eu digo. — Você comprou as armadilhas para que então nós
pudéssemos pegar todos os gatos, e deixa-los em um campo a 20 quilômetros daqui, e
fazer apostas em qual voltará primeiro.
Ele balança a cabeça. — É melhor você voltar para a limpeza, espertinho.·.
— Eu tenho uma consulta no médico com... – eu digo.
— Eu lembro. Vamos ver o quanto consegue terminar antes de você sair.
Dando de ombros, eu vou para a sala com um monte de caixas vazias e fita adesiva.
Eu abro as caixas e as arrasto para a lata de lixo do lado de fora. E então eu começo a
mexer nas pilhas. A gata me assiste com olhos brilhantes.
Circulares de propaganda vendendo bijuterias e um regalo de pele antiga que parece
que tem sarna, vai para a lata de lixo. Brochuras voltam para as prateleiras a menos que
eles se pareçam com algo que eu queira ler as páginas ou as páginas pareçam muito
velhas. Uma cesta de luvas de couro, algumas delas coladas uma na outra por estarem
muito próximas de um termo ventilador, vai para o lixo também.
Não importa o quanto eu jogo fora, sempre há mais. Pilhas se colidem umas com as
outras e me confundem sobre onde eu estava limpando por último. Há dezenas de sacolas
plásticas amassadas juntas, uma com um par de brincos e o recibo ainda junto, outras
contendo pedaços de panos aleatórios ou pedaços de um sanduíche.
Há algumas chaves de fenda, porcas e parafusos, meu boletim da quinta série, a
cabine de um trem de brinquedo, rolos de cartões com adesivos de PAGO, imãs de Ohio,
três vasos com flores secas dentro deles e um vaso cheio de flores de plásticas, uma caixa
de papelão com enfeites quebrados, uma bagunça grudenta de algo escuro e derretido
cobrindo um antigo rádio.
Quando pego um desumidificador coberto de poeira, uma caixa cheia de fotografias
cai no chão.
Elas são pin ups15 em preto e branco. A mulher nelas está vestindo luvas de verão na
altura do pulso, um espartilho antigo, e meia-calça de náilon. Seu cabelo tinha o estilo da
Bettie Page e ela estava ajoelhada em um sofá, sorrindo para a pessoa tirando as fotos,
um homem cujos dedos aparecem em uma das fotos usando um anel de casamento que
parece ser caro em cima das suas luvas pretas. Eu sei quem é a mulher das fotos. Mamãe
está bem bonita.
A primeira vez que eu percebi que tinha talento para o crime foi depois que mamãe
me levou para sair – só eu – para uma vitamina de cereja. Era um dia escaldante de verão
e o assento de couro no carro dela estava quente pelo sol, queimando as costas das
minhas pernas até um pouco desconfortável. Minha boca havia se tornado vermelho
brilhante quando nós paramos em um posto de gasolina e então demos a volta por trás,
como se mamãe fosse calibrar os pneus.
— Vê aquela casa? — ela me perguntou. Ela estava apontando para um lugar que
parecia um rancho com uma divisão metálica e persiana negra.
— Eu quero que você passe por aquela janela do lado de trás pelas escadas. Só se
arraste para dentro e pegue um envelope creme da mesa.
Eu devo ter encarado a mamãe como se eu não tivesse entendido nada.
— É um jogo, Cassel. Faça o mais rápido possível e eu cronometrarei você. —
Aqui, me dê a sua bebida.
Eu acho que eu sabia que não era um jogo, mas corri do mesmo jeito e eu me
impulsionei para cima pela torneira de água e me joguei pela janela com a suavidade que
só uma criança consegue. O envelope pardo estava exatamente no lugar onde mamãe
falou que estaria. Por perto, pilhas de papéis descansavam sobre as xícaras de café cheias
de canetas e réguas e colheres. Havia um pequeno gato de vidro na mesa com o que
parecia ser ouro cintilante dentro. O ar-condicionado fazia o suor secar nos meus braços e
costas enquanto eu segurava a escultura para a luz. Eu enfiei o gato no meu bolso.
Quando eu trouxe o envelope de volta para ela, ela estava tomando a minha
vitamina.
— Aqui, — eu disse.
Ela sorriu. Sua boca estava vermelha brilhante também. — Bom trabalho, querido.
— E eu percebi a razão dela ter me levado ao invés dos meus irmãos era que eu poderia
ser útil. Que eu não precisava ser um executor para ser útil. Que eu poderia ser bom nas
coisas, melhor que eles eram, até.
Aquele conhecimento cantou nas minhas veias como adrenalina.
Talvez eu tivesse sete anos. Não tenho certeza. Foi antes da Lila. Eu nunca contei a
ninguém sobre o gato.
Eu amontoei as fotografias, com algumas mais do vovô e do pai da Lila em Atlantic
City na frente do bar. Eles estavam de pé com um senhor mais velhos que eu não
conhecia braços envoltos nos ombros uns dos outros.
Eu limpei camadas de poeira debaixo dos sofás e cadeiras até que subiu e me
sufocou. Quando sentei para descansar, eu encontrei um caderno enfiado embaixo de um
dos sofás, cheio de escritas da mamãe. Nenhuma foto ousada mais, só coisas chatas.
Remoção do tanque de óleo – enterrado — está rabiscada em um lado da página,
enquanto no outro lado se lê, ―pegar cenouras, frango (inteiro), alvejante, fósforos, óleo
de motor. Duas páginas depois há alguns endereços, com um círculo sobre um. E então
um recado para ligar para a revendedora de carro e convencê-los de não alugar um carro
por uma semana. Há alguns outros recados para diferentes esquemas, com anotações no
lado. Eu leio tudo, sorrindo apesar de tudo.
Dentro de duas horas eu irei conduzir meu próprio esquema, então é melhor estudar
bem.
Na nossa família – talvez em toda a família – há esta ideia que as crianças puxam a
alguém de outra geração. Como o Philip que aparentemente puxou ao nosso avô, o pai da
minha mãe. O Philip foi o que largou a escola para se juntar aos Zacharovs e ganhou seu
colar de queloide há uns anos atrás. Ele é bem leal e estável, mesmo que tenha que pagar
o aluguel estourando joelhos. Eu o imagino aposentado em Carney, caçando uma nova
geração de jovens executores no seu gramado.
A lenda familiar diz que o Barron é igual à mamãe, mesmo ele executando sorte e
ela emoção. Mamãe pode tornar qualquer um amigo dela, pode acender uma conversa,
em qualquer lugar, porque ela genuinamente acredita que enganar os outros é um jogo. E
tudo o que importa para ela é ganhar todas às vezes.
Isso me deixa para ser igual ao meu sortudo pai executor, exceto que eu não sou. Ele
era a pessoa que conseguia segurar tudo junto. Quando ele estava vivo, mamãe agia
normalmente a maior parte do tempo. Foi somente quando ele morreu que ela começou a
correr atrás de milionários com suas luvas de fora. A segunda vez que o cara acordou no
final de um cruzeiro cem mil mais leves e louco de paixão, seu advogado chamou a
polícia.
Ela não conseguia parar. Ela ama enganar os outros.
Eu digo para mim mesmo que não sou como ela, mas eu tenho que admitir que eu
amo isso também.
Eu passo as páginas do caderno, procurando por algo que não sei o que é – talvez
algo familiar, talvez algum segredo que me fará rir. Enquanto eu viro as páginas,
encontro um envelope grudado em um marca-página. Escrito ao lado estão às palavras —
‗Dê isso para se lembrar!‘ — eu rasguei e o abri e encontrei um amuleto da memória, de
prata, com a palavra lembrar‘ estampada nele e uma pedra azul inteira encaixada no
centro. Parece antigo, a prata com manchas negras nos sulcos e toda a peça pesava em
minha mão.
Amuleto para jogar fora a execução de maldição, amuletos iguais aos que a Audrey
tem pendurado no pescoço, são tão antigos quanto às maldições em si. Executores fazem
isso ao amaldiçoar uma única pedra que absorve uma maldição inteira, incluindo a
operação militar. E então aquela pedra é condicionada, irá engolir uma maldição do
mesmo tipo. Então se o sortudo executor amaldiçoa um pedaço de jade e a usa contra a
sua pele, e então alguém tenta amaldiçoa-lo com má sorte, a jade se quebra e ele não é
afetada. Você tem que arrumar outro amuleto cada vez que você é executado, e você tem
que ter um para cada tipo de mágica, mas você está seguro. Somente a pedra tem efeito,
não prata ou ouro, couro ou madeira. Certas pessoas preferem um tipo ou outro, há
amuletos feitos de tudo, desde cascalho até granito. Se o que eu estou segurando é um
amuleto, a pedra azul é o que a deixa com poder.
Eu me pergunto se mamãe contrabandeou alguma herança familiar ou se isso
realmente pertence a ela. É meio engraçado pensar em esquecer um amuleto da memória.
Eu o enfiei no meu bolso. Enquanto limpava a sala, eu encontrei uma máquina de fazer
botões, duas sacolas plásticas de polibol, uma espada com ferrugem manchando a lâmina,
três bonecas quebradas que eu não lembro de ser de alguém, uma cadeira giratória que
me assustava quando eu era criança porque eu jurava que ela era idêntica a uma que vi na
televisão na noite anterior antes de Barron e Philip a terem trazido para casa, um bastão
de hockey, e uma coleção de medalhas para diferentes tipos de conquistas militares. É
quase meio-dia quando termino e minhas mãos e as barras das minhas calças estão pretas
de sujeira. Eu jogo fora montes de jornais e catálogos, contas que provavelmente não
foram pagas há anos, sacolas plásticas de ganchos e fios, e o bastão de hockey.
A espada eu encosto à parede.
O lado de fora da casa está cheia de sacolas de lixo pela manhã de trabalho.
Há coisas suficientes para não fazermos outra viagem ao lixão por um longo tempo.
Eu olho para as pequenas casas dos vizinhos com seus gramados cortados e portas
brilhantes, e então olho para a minha. As persianas caem sem forma de cada lado de uma
fileira de janelas de frente, e uma das vidraças está quebrada. A pintura está tão antiga
que as telhas de cedro parecem cinza. A casa está apodrecendo de dentro para fora.
Eu estou no processo de arrastar a cadeira para o lado da escada quando o vovô
desce as escadas e balança as chaves na minha frente.·.
— Volte a tempo para o jantar, — ele diz.
Eu pego as chaves, as segurando forte o bastante para o serrilhando dela se afundar
na minha palma. Deixando a cadeira onde ela está eu vou para a garagem como se
realmente tivesse um compromisso que estivesse atrasado para ir.
Capítulo Seis
O ENDEREÇO QUE EU PEGUEI da internet para o escritório do Dr. Churchill é
na esquina da Avenida Vandeventer no centro de Princeton. Eu estaciono perto de um
restaurante de fondue e me verifico no espelho retrovisor, penteio os cabelos com o dedo
para deixar ele reto na esperança de me fazer ficar mais como um bom garoto, confiável.
Mesmo tendo lavado as minhas mãos três vezes no banheiro da loja de conveniência
quando parei para tomar café, eu ainda posso sentir a sujeira granulada do óleo na minha
pele. Eu tento não esfregar os dedos no meu jeans enquanto eu ando para a área da
recepção e vou em direção à mesa.
A mulher atendendo ao telefone tem cabelos ruivos tingidos e óculos em volta do
pescoço em uma corrente de contas. Eu me pergunto se ela fez a corrente ela mesma, e
irracionalmente associo artesanato com gentileza. Ela parece estar nos seus cinquenta
anos pelas linhas em seu rosto e todo o branco de suas raízes.
— Oi, — eu digo. — Eu tenho um horário marcado às duas.
Ela olha para mim sem sorrir e bate no teclado na frente dela. Eu sei que não haverá
nada naquela tela sobre mim, mas está tudo bem. É parte do meu plano.
— Qual é o seu nome? — ela pergunta.
— Cassel Sharpe. — Eu tento me ater à verdade o máximo possível, no caso de
haver necessidade de elaborar algo ou uma foto de identificação. Enquanto ela digita para
tentar descobrir de quem é o erro, eu dou uma olhada no escritório. Há uma jovem atrás
da mesa, usando um avental roxo claro, e eu acho que ela pode ser uma enfermeira, já
que havia um único nome de médico —Dr. Eric Churchill, MD — na porta arquivos no
topo das prateleiras do lado de trás estão em pastas verde-escuras, e um aviso sobre os
horários do feriado está grudado na frente da mesa. No material para escritório, eu tento
alcançar.
— Eu não vejo nada aqui, Sr. Sharpe, — ela diz.
— Ah, — eu digo minha mão congelando. Eu não posso arrancar o adesivo sem ela
perceber o movimento.
— Ah. — Eu tento parecer preocupado e esperançoso que ela terá pena de mim e
faria mais alguma busca infrutífera ou, melhor ainda, ir perguntar a alguém. Ela não
parece notar meu estresse falso e parece, de fato, mais irritada do que empática.
— Quem marcou o horário?
— Minha mãe. Você acha que pode estar no nome dela?
A enfermeira de avental pega um arquivo e o coloca no balcão, perto de onde estou
parado.
— Não há nenhum Sharpe aqui, — a recepcionista diz, seu olhar firme.
— Acho que sua mãe cometeu um erro!
Eu respiro fundo e me concentro em minimizar os meus movimentos. Mentirosos
tocam seus rostos, tentando esconder a si mesmos. Eles ficam duros. Eles farão dezenas
de coisas não verbais – respirar rápido, falar rápido, enrubescer – que pode denunciar
eles. — O último nome dela é Singer. Você poderia verificar?
Enquanto ela vira o rosto em direção à tela, eu deslizo o arquivo para fora do balcão
e para dentro do meu casaco.
— Não. Nenhum Singer, — ela diz, com um irritamento profundo. — Você gostaria
de ligar para a sua mãe, talvez?
— Sim, é melhor, — eu digo constrito. Enquanto eu me viro, eu puxo o aviso de
cima da mesa. Eu não tenho ideia se ela me vê. Eu me forço a não olho para trás, só
continuo a andar com um braço cruzado sobre o meu casaco para manter o arquivo no
lugar, e o outro braço deslizando o pedaço de papel para dentro do arquivo, tudo
perfeitamente natural.
Ouço a porta fechar e uma mulher— talvez o paciente que iria com o arquivo —
falou — Eu não entendo. Se eu estou amaldiçoada, então para que serve este amuleto?
Quero dizer, olhe para ele, ele está coberto de esmeraldas, você está me dizendo que ele
não é melhor do que um centavo de armazenamento.
Eu não fiz uma pausa para ouvir o resto. Eu só caminhei em direção à porta.
— Sr. Sharpe, — uma voz masculina disse.
As portas estavam bem na minha frente. Apenas mais alguns passos vãos me levar
por eles, mas eu parei. Afinal, meu plano não vai funcionar se eles se lembrarem de mim,
e eles se lembrarão de um paciente que eles tiveram que caçar. — Uh, sim?
Dr. Churchill era um homem bronzeado e magro, com óculos de lentes grossas e
ondulados cabelos cortados rentes, tão brancos como cascas de ovos. Ele empurrou os
óculos para cima da ponta de seu nariz distraidamente.
— Eu não sei o que aconteceu com a sua consulta, mas eu tenho algum tempo
agora. Pode vir.
— O quê? — Eu digo, voltando-me para a recepcionista, a mão ainda segurando
meu casaco fechado. — Eu pensei que você disse-.
Ela franziu a testa.
— Você quer ver o médico ou não?
Eu não consigo pensar em nada para fazer, além de voltar.
Uma enfermeira me levou a uma sala com uma mesa de exame coberto de papel
amarrotado. Ela me dá uma prancheta com um formulário que pedia um endereço e
informações sobre seguros. Então, ela me deixa sozinho olhando para um gráfico
mostrando as diferentes fases do sono e suas formas de onda. Eu rasguei o forro do meu
casaco o suficiente para soltar o arquivo dentro dela. Então eu sentei na ponta da mesa e
anotei fatos sobre mim que são na sua maioria verdadeira.
Havia vários folhetos sobre o balcão: ―Os quatro tipos de Insônia‖, ―Sintomas do
assalto da HBG, perigos da apneia do sono, e" Tudo Sobre a narcolepsia. "·.
Eu pego o folheto de HBG. Esse é o termo legal para o que minha mãe dizia que
fazia com aqueles caras ricos. Há pontos redondos com uma lista de sintomas, e as
precauções que o diagnóstico diferencial (o que significa que) em cada uma é bastante
amplo:
• Vertigem
• Alucinações auditivas
• Alucinações visuais
• Dores de cabeça
• Fadiga
• Aumento da ansiedade
Eu penso sobre a música de Maura e me pergunto o quão estranho as alucinações
podem chegar.
Meu telefone faz um zumbido e o tiro do bolso automaticamente, ainda olhando o
panfleto. Não estou surpreso com nenhuma informação – como, eu sei que tenho muitas
dores de cabeça porque minha mãe me deu um trabalho emocional do jeito que outros
pais dão um descanso – mas ainda é estranho ver isso impresso em preto e branco. Eu
abro o telefone e deixo o panfleto cair no chão. Venha já aqui. Dizia a mensagem. Temos
um grande problema. É a única mensagem de texto que recebi onde tudo está escrito
certo. É de Sam.
Eu empurro os botões para ligar de volta para ele imediatamente, mas a ligação vai
para a caixa postal e eu percebo que ele deve estar na aula. Eu verifico a hora no telefone.
Mais meia hora até o almoço. Eu digito rapidamente – o que você fez? – que não podia
ser a mensagem mais sensível, mas estou imaginando um desastre. Estou imaginando-o
apanhado com meu livro, me delatando. Estou imaginado ser condenado a peneirar os
detritos dos meus pais até que o vovô me encontre algum outro trabalho estranho. A
resposta vem rápida. Pagamento.
Eu respiro. Alguém deve ter ganhado uma aposta e, claro, ele não tem o dinheiro pra
cobri-la. Acabe logo, eu digito de volta quando a porta abre e o doutor entra. Dr.
Churchill pega a prancheta e olha para ela e não para mim. — Dolores diz que houve
algum tipo de confusão?
Eu presumo que Dolores é a senhora hostil da recepção.
— Mamãe me disse que eu tinha uma consulta com você hoje. — A mentira saiu
fácil; eu até soei um pouco ressentido. Há um ponto de inflexão nas mentiras, um ponto
onde você diz alguma coisa tantas vezes que ela parece mais verdadeira que a verdade.
Ele me olha então, e eu sinto como se ele estivesse vendo mais do que eu queria. Eu
penso sobre o arquivo escondido no meu casaco, tão perto que ele poderia alcança-lo e
pegá-lo antes que eu pudesse pará-lo. Eu espero que ele não tenha um estetoscópio,
porque meu coração está tentando cavar seu caminho para fora do meu peito.
— Então por que ela marcou uma consulta para você com um especialista do sono?
Que tipo de problemas você está tendo? — Ele pergunta.
Eu hesito. Eu quero contar para ele sobre acordar no telhado, sobre o meu
sonambulismo e os sonhos, mas se eu contar, ele pode se lembrar de mim. Eu sei que ele
não vai me prescrever o que preciso – nenhum médicos são faria isso – mas eu não posso
arriscar que ele escreva para Wallingford qualquer outro tipo de carta.
— Deixe-me adivinhar, — ele diz, me surpreendendo, por que como alguém
adivinharia a causa de alguém vir a uma clínica de sono?
— Você está aqui para o teste.
Eu não tenho ideia do que ele está falando.
— Certo, — eu digo. — O teste.
— Então, quem cancelou a consulta? — Seu pai?
Eu estou perdido, nada a fazer a não ser continuar o disfarce.
— Provavelmente o meu pai.
Ele acena como se isso fizesse sentido, procurando algo em uma gaveta até que as
suas mãos enluvadas emergem segurando um punhado de eletrodos. Ele começa a
prendê-los na minha testa, seus lados grudentos puxando a minha pele.
— Agora nós vamos medir as suas ondas gamas.
Ele os liga a uma máquina e ela vive agulhas deslizando sobre o papel em um
padrão que é imitado em uma tela a minha esquerda.
— Ondas Gamas, — eu repito. Eu nem estou dormindo, então não vejo a razão em
medir minhas ondas gamas. — Isso vai doer?
— Rápido e indolor. — O doutor olha o papel. — Alguma razão para você achar
que você é gama hiperbárico?
Gama hiperbárico. Aquele longo termo médico para executor. HBH. Heebeegeebies.
— O... O quê? — Eu gaguejo.
Seus olhos se estreitam. — Eu pensei...
Eu penso na mulher que ouvi na recepção. Ela estava reclamando sobre ter sido
executada, e ela soava como se eles tivessem feito um teste nela para provar. Mas ele não
está me perguntando se acho que fui executado. Ele está me perguntando se eu acho que
eu sou um executor. Este é um novo teste, aquele do qual eles ficavam falando nos
jornais, aquele que os políticos conservadores querem que seja obrigatório.
Teoricamente, teste compulsório impedirá que jovens HBG de quebrarem a lei por
acidente quando usar seus poderes pela primeira vez. Teoricamente, os resultados devem
permanecer privados, então não há nenhum mal, certo? Mas ninguém realmente acha que
aqueles resultados ficarão privados.
Eles acabarão com o governo, que adoram recrutar executores por contraterrorismo
e outros trabalhos estranhos. Ou ―legalmente ou não‖ aqueles resultados terminarão nas
mãos das autoridades locais. Se o teste obrigatório acontecer, o resto será difícil de
aguentar. Sim, eu sei que o argumento escorregadio é uma falácia lógica, mas
ocasionalmente um argumento se torna particularmente engordurado.
Adeptos da proposição têm exigido que os não executores fossem testados. A ideia é
simples. Mesmo se os executores não fizerem o teste, eles serão os únicos a recusá-lo.
Dessa forma, mesmo se o teste obrigatório não for aprovado, ainda ficará fácil de
descobrir quem é gama hiperbárico. Eu pulo para fora da mesa, tirando os eletrodos da
minha pele. Eu posso não me dar bem com a minha família, mas ser parte de algum tipo
de banco de dados de não executores usados como uma rede para prender Philip, Barron
e o Vovô é horrível.
— Eu tenho que ir. Sinto muito.
— Sente-se novamente. Nós terminaremos em um momento, — ele diz, pegando os
fios.
— Sr. Sharpe! — Dessa vez quando eu vou para a porta, eu não paro até que eu
passo por elas.
Mantendo minha cabeça baixa, eu ignoro a enfermeira me chamando e as pessoas
me encarando na sala de espera. Eu ignoro tudo exceto a minha necessidade de estar em
outro lugar que não seja aqui.
Eu continuo dizendo a mim mesmo para respirar enquanto eu dirijo. Meu pé
empurra mais e mais forte o pedal do acelerador e meus dedos perdem tempo mexendo
no rádio só para ter algum som para afogar um único pensamento: eu estraguei tudo.
Eu deveria ser imperceptível, mas me tornei memorável. E ainda, eu usei meu
próprio nome. Eu sabia onde tinha errado: quando o doutor disse que sabia para o que eu
estava lá. Eu tinha esse problema. Algumas vezes eu estou muito apaixonado pelo
esquema; mesmo quando dá errado. Eu prefiro que se vire contra mim a fugir. Eu deveria
ter parado o doutor e corrigi-lo, mas eu estava muito curioso, muito ansioso em continuar
e descobrir o que ele falaria depois.
Eu ainda tinha os papéis. Eu ainda podia fazer o plano acontecer. Com recriminação
batendo nos meus ouvidos mais alto que música, eu encosto-me ao estacionamento da
Target. A parte da frente mostra cestas de cor pastel com ovos de chocolate nelas, mesmo
que eles ficarão rançosos antes da Páscoa. Eu vou até a seção de eletrônico e pego um
celular descartável. Minha segunda parada é em uma loja de fotocópias, onde eu alugo
um tempo no computador. O zumbido constante dos fotocopiadoras e o cheiro de tinta
me lembram da escola e da calma, mas quando eu tiro o arquivo da minha bolsa, meu
coração começa a acelerar tudo de novo.
O outro erro que eu cometi. Roubar um arquivo. Por que eu fui memorável o
bastante, agora eles podem pensar em mim quando considerarem as formas que o arquivo
poderia ter desaparecido. Tudo o que eu preciso é do logo do centro do sono – a
resolução naquela que eu encontrei na Internet é tão ruim que eu não posso usar para
nada exceto para fax. Eu não preciso do arquivo. Um arquivo pode me meter em uma
encrenca séria. Mas quando eu vi a pasta naquele balcão, eu apenas o peguei.
E agora, deixo-o aberto neste balcão, e eu me sinto ainda mais estúpido. É só o
nome de alguma mulher, seu seguro de saúde, um monte de números e prontuários em
linhas tortas. Nada daquilo significa alguma coisa para mim. A única coisa boa é que o
Dr. Churchill assinou uma das páginas, pelo menos eu podia copiar o seu rabisco.
Eu passo por mais algumas páginas, até que eu vejo um gráfico nomeado ‗ondas
gamas‘ com círculos vermelhos em volta de picos nas linhas tortas. Ondas gamas. Um
pouquinho de pesquisa no Google me explica o que eu estou vendo. Aparentemente
executores de sonho colocam a pessoa em um estado de sono que é como um sono
profundo, exceto pelas ondas gamas. Ondas gama – de acordo com o artigo – estão
normalmente presentes durante o estágio mais profundo do sono ou em um sono REM.
No prontuário, ondas gama estavam presentes nos estágios mais profundos de sono,
quando não havia movimento do olho e quando acontecia tanto o sonambulismo quanto o
terror noturno. Isso é o que prova que ela estava em uma execução de sono.
Aparentemente, de acordo com o mesmo site, ondas gama é a chave para determinar
se você é um executor também. As ondas do executor são mais altas do que as das
pessoas normais, dormindo ou acordadas.
Muito maiores.
Gama hiperbárico.
Eu encaro a tela. Esta informação sempre esteve disponível para mim com apenas
alguns cliques do mouse, e mesmo assim eu nunca pensei realmente nisso. Sentado aqui,
tento descobrir por que eu tratei a situação no consultório médico tão mal. Eu não fui
esperto. Eu me apavorei. Minha mãe me instruiu várias vezes para não contar para
ninguém sobre a família – nem o que eu sabia e nem o que eu achava – então é horrível
perceber que nada precisa ser dito. Eles podiam saber através da sua pele.
E mesmo assim há uma patética parte de mim que quer ligar para o doutor e dizer:
Você quase terminou o teste. Você conseguiu um resultado? E ele falaria Cassel, todos
estão errados sobre você. Você é o executor mais incrível da Rua Incrível. Nós não
entendemos por que você não sabia disso. Parabéns. Bem-vindo a vida que você deveria
ter.
Eu tenho que empurrar esses pensamentos para fora da minha cabeça. Eu não posso
me dar ao luxo de me distrair. O Sam estava esperando por mim em Wallingford, e se eu
quero fazer mais do que só visitar o campus várias e várias vezes para sair dessa
confusão, eu tenho que arrumar uma carta.
Primeiro eu olho pelos materiais de escritório. E então encontro a fonte onde estava
o endereço, usei a foto no programa de edição para me livrar das informações antigas, e
digitei o número de telefone do meu novo celular pré-pago. Eu apago todo o texto sobre
os horários de feriados do escritório e digito minhas próprias palavras no lugar. Cassel
Sharpe tem sido meu paciente por muitos anos. Contra as regras restritas deste
consultório, ele descontinuou sua medicação, o que resultou em um episódio de
sonambulismo. ‘ Eu não tenho certeza o que digitar depois.
Outra rápida procurada no Google parece um pouquinho de linguagem médica. O
paciente indicou um distúrbio do sono, estimulante-dependente que induziram crises de
insônia. Ele teve sido medicado e está dormindo a noite toda, sem mais incidentes. Como
a insônia é frequentemente causal no sonambulismo, eu acredito que não há nenhuma
razão médica para Cassel ser impedido de assistir as aulas ou ser monitorado durante a
noite. ‘
Dou um sorriso para a tela, desejando agarrar um dos empresários que estão
pegando os gráficos de pizza impressos e mostrar-lhes como eu sou inteligente. Eu tenho
vontade de me gabar. Eu me pergunto o que mais o falso Dr. Churchill conseguiria
convencer Wallingford acreditar. ― Além disso," eu escrevo‖, eu eliminei qualquer
agressão externa como uma causa para o sonambulismo do paciente. "Não há razão para
eles se preocuparem com algo que provavelmente é apenas a minha culpa louca de
autoimolação. Nenhuma razão para me preocupar com isso também.
Eu imprimo minha carta no documento falso e imprimo um envelope falso. E então
eu o fecho e pago a minha conta na loja de fotocópia. Enquanto eu coloco a carta na
caixa do correio, eu percebo que é melhor que o meu plano tenha uma segunda
alternativa se eu ficar suspenso.Que eu pare de ser sonâmbulo.
Eu chego a Wallingford perto das quatro, o que quer dizer que o Sam está no treino.
É fácil entrar no Auditório Carter Thompson e sentar em um dos bancos na parte de trás.
As luzes são fracas aqui, todas estão inundando o palco, onde o elenco está evitando que
o Pippin assassine o seu pai.
— Fiquem perto um do outro, — a professora de drama Srta. Stavrakis diz
claramente entediada. — E erga essa faca no alto, Pippin. Tem que pegar a luz para que
possamos vê-la.
Eu vejo Audrey de pé perto de Greg Harmsford. Ela está sorrindo. Apesar de eu não
poder ver seu rosto claramente, a memória me diz que a blusa azul que ela está usando é
da cor de seus olhos.
— Por favor, tente permanecer morto, — Srta. Stavrakis diz para o garoto
interpretando Charles, James Page. — Você tem apenas alguns momentos para ficar
deitado aí antes de nós trazermos você de volta a vida.
Sam vai para o palco e limpa sua garganta. — Hum, com licença, mas antes de
começarmos novamente, nós podemos pelo menos tentar outro efeito? É meio falso sem
o pacote de sangue e nós precisamos praticar. Uh, e vocês não acham que seria o máximo
se o Pippin atirasse no Charles ao invés de esfaqueá-lo? E então nós podíamos usar as
cápsulas e aí realmente iria espalhar.
— Nós estamos falando do século dezoito aqui, — Srta. Stavraski diz. — Sem
armas.
— Mas no começo do musical, eles estão com roupas de época diferente de
diferentes períodos, — ele diz. — Isso não implica que...
— Sem armas, — diz a Srta. Stavrakis.
— Tudo bem, e que tal nós usarmos um dos pacotes? Ou eu poderia prender a
cápsula de sangue no final da faca retráctil.
— Nós temos que repassar o resto da cena, Sam. Veja-me antes do ensaio amanhã e
nós falaremos sobre isso. Está bem?
— Tudo bem, — ele diz, e se espreita para os bastidores. Eu me levanto e o sigo.
Eu o encontro de pé perto de uma mesa. Garrafas de um líquido vermelho
descansam perto de embalagens de camisinhas. Eu consigo ouvir a voz de Audrey em
algum lugar do outro lado, gritando algo sobre uma festa no sábado à noite.
— Que diabos esta acontecendo aqui atrás?— eu pergunto para ele. — O clube de
Drama festejando.
Sam se vira repentinamente. Eu não acho que ele tinha ideia que eu estava ali. E
então ele olha para baixo para o que está na frente dele e ri nervosamente.
— Isso são para o sangue, — ele diz, mas eu posso ver o vermelho subindo a
garganta dele. — Você as enche. Elas são bem fortes, mas elas são fáceis de estourar
também.
Eu pego uma. — O que você disser cara.
— Não, olhe. — Ele pega uma de mim. — Você monta uma pequena carga
explosiva em uma placa de metal coberta de espuma, e então você cobre a carga com a
bolsa de sangue. É alimentado por uma bateria, assim você só tem que prendê-lo e passar
o gatilho por baixo do corpo do ator em algum lugar fora da vista. Tipo, com fita adesiva.
Se é para um vídeo ou algo assim, vir os fios não importa tanto. Você pode editá-los para
fora. Mas no palco ele tem que parecer verdadeiro.
— Certo, — eu digo. — É uma pena que eles não vão deixar você fazer isso.
— Eles também não são fãs dos meus prostóticos. Eu queria colocar uma barba no
James. Tipo, a Srta. Stavrakis já viu alguma das pinturas do Carlos Magno? Totalmente
barbudo. — Ele me olha por um longo momento. — Você está bem?
— Com certeza. Claro, mas quem ganhou essa?
— Ah, sim, desculpa. — Ele dá a volta para guardar o seu equipamento. — Dois
professores foram avistados ficando – praticamente ninguém apostou nisso, mas três
pessoas sim. Seu pagamento é tipo, seiscentos pilas. — Ele corrigiu a si mesmo.
— Nosso pagamento.
— Eu acho que a casa nem sempre ganha. — Eu calculei errado as minhas chances,
mas eu não quero que ele saiba o tamanho do prejuízo que eu vou levar. Eu conto com as
más apostas das pessoas.
— Quem?
Ele sorri. — Ramirez e Carter.
Eu balanço a minha cabeça. A professora de música e a professora nova de inglês.
Ambas casados com outras pessoas.
— Provas? É melhor que você não esteja dando nenhum dinheiro sem isso – Ele
abre o seu laptop e me mostra a foto. A Srta. Carter está com a mão dela no pescoço da
Srta. Ramirez e sua boca esta na frente da outra.
— Adulteradas? — Eu perguntei esperançosamente.
Ele balança a cabeça.
— Sabem, as pessoas estão agindo bem estranhas desde que eu assumi a sua
operação. Perguntando aos meus amigos sobre mim.
— Pessoas não gostam de pensar que os seus apostadores profissionais têm amigos.
Fazem-nos ficarem nervosos.
— Eu não vou abdicar de ter amigos.
— Claro que você não vai, — eu disse automaticamente. — Eu vou pegar o
dinheiro. — Olha, — eu disse, e suspirei.
— Sinto muito se eu pareço durão demais ou sei lá, pedindo provas para você. —
Minha pele pinica com desconforto. Eu estive agindo como o amigo bandido do Sam.
— Você não está sendo estranho, — ele disse, parecendo intrigado. — Não mais
estranho que o normal, quer dizer. Você parece bem, cara.
Eu acho que ele costumava desconfiar de pessoas com péssimo temperamento. Ou
talvez eu nunca parecesse tão normal quanto pensei. Marchando a caminho da biblioteca,
eu mantive minha cabeça baixa. Eu tenho quase certeza que se o Northcutt ou um dos
seus lacaios me ver, eles considerarão a minha caminhada pelo campus uma violação da
minha ‗licença médica‘. Eu consegui evitar olhar qualquer um no olho ou dar de cara
com alguém no caminho para a biblioteca.
A Biblioteca Lainhart é o prédio mais feio do campus, construído com o fundo
doado de um músico nos anos oitenta, quando aparentemente as pessoas pensaram que
um prédio redondo inclinado em um ângulo estranho era exatamente a coisa que ele
precisava para atualizar os grandes edifícios de tijolos em volta dele. Mas o tanto que ele
é feio do lado de fora, dentro é cheio de sofás confortáveis. Prateleiras de livros se
espalham de um salão central com várias pessoas sentadas e um grande globo que os
veteranos tentam roubar todo ano (uma aposta popular).
A bibliotecária aparece por trás de sua grande mesa de carvalho. Ela recém terminou
a faculdade e tem óculos olho-de-gato em todas as cores do arco-íris. Vários perdedores
colocaram dinheiro em apostas para ficar com ela. Eu me senti mal quando eu disse as
chances que eu atribuí.
— É bom ter você de volta, Cassel, — ela disse.
— Bom ter voltado, Srta. Fiske. — Uma vez visto, imaginei que o melhor que podia
fazer era não ser suspeito. Esperançosamente quando ela notar que não estou de volta de
verdade, eu estarei.
Meu dinheiro de trabalho – um total de três mil dólares – está escondido entre as
páginas de uma grande onomástica16 de couro. Eu mantive o dinheiro lá pelos últimos
dois anos sem incidentes. Ninguém tocava aquilo exceto eu. Meu único medo é que o
livro seja dispensado, já que ninguém usa uma onomástica, mas eu acho que Wallingford
a mantém porque parece caro e obscuro o bastante para ressegurar os pais que os seus
filhos estão aprendendo coisa de gênio.
Eu abro o livro e enfio dentro do bolso seiscentos dólares, mexo no livro por uns
dois minutos agindo como se estivesse considerando ler um pouco de poesia
renascentista, e então eu escapuli de volta para o dormitório, onde o Sam supostamente
deve me encontrar. Quando saio das escadas e vou para o corredor, Valério sai do seu
quarto. Desviando para o lado, dentro do banheiro, e então me fecho dentro de uma baia.
Encostando-me contra a parede enquanto espero que o meu coração volte a bater
normalmente, eu tento me lembrar de que enquanto ninguém me ver fazendo algo
vergonhoso, não há razão para se sentir humilhado. Valério não me segue. Eu mando
uma mensagem para o Sam.
Ele entra no banheiro momentos depois, rindo. — Que lugar mais clandestino para
uma reunião.
Eu abro a porta da baia. — Pode rir. — Não há rancor na minha voz, apesar disso.
Só alívio.
— A costa está limpa, — ele diz. — A águia pousou no ninho. A vaca está sozinha.
Eu não posso evitar a não ser rir enquanto tiro o dinheiro do meu bolso.
— Você é um mestre da enganação.
— Hei, — ele disse. — Você pode me ensinar como calcular as probabilidades?
Tipo se há algo que eu quero fazer uma aposta? E qual é o negócio com a contagem de
pontos nos jogos? Como você descobre? Você não está fazendo da forma que eles
ensinam na internet.
— Sou complicado, — eu digo, enrolando. O que quero dizer é, é arranjado. Ele se
escota na pia. — Nós asiáticos somos todos gênios matemáticos.
— Ok, gênio. Talvez outra hora, então?
— Claro, — ele diz, e imagino se ele já está planejando me cortar fora do meu
próprio negócio. Eu imagino que eu posso ferrar com ele de alguma forma se ele fizer
isso, mas o pensamento de ter que fazer um plano me faz ficar cansado. Sam conta o
dinheiro cuidadosamente. Eu o vejo no espelho.
— Sabe o que eu desejo? — ele pergunta quando termina.
— O quê?
— Que alguém convertesse a minha cama em um robô que lutaria contra outras
camas-robô até a morte, por mim.
Isso faz uma risada assustada sair de mim.
— Isso seria bem incrível.
Um sorriso lento e tímido surge em sua boca.
— E nós poderíamos apostar neles. E nos tornarmos podres de ricos.
Eu encosto a minha cabeça contra o batente da porta, olhando para o azulejo na
parede e o padrão de rachaduras amarelas lá, e então sorrio.
—Eu retiro tudo que eu possa ter insinuado do contrário. Sam, você é um gênio.
Eu não sou bom em ter amigos. Quero dizer, posso ser útil para as pessoas. Eu posso
me encaixar. Eu sou convidado para festas e eu posso sentar em qualquer mesa que quero
no refeitório.
Mas na verdade confiar em alguém quando eles não tinham nada a ganhar de mim
simplesmente não fazia sentido. Todas as amizades eram negociações de poder.
Como, ok, Philip tem um melhor amigo, o Anton. Anton é primo da Lila; ele veio
para Camey com ela nos verões. Anton e Philip passaram três meses calorentos bebendo
todo o tipo de licor que eles podiam tirar dos habitantes locais e trabalhando no carro
deles.
A mãe de Anton é a irmã de Zacharov, Eva, fazendo dele o parente vivo mais
próximo dos Zacharov. Anton se certificava que Philip soubesse disto se Philip queria
trabalhar para a família, isso significava que ele iria trabalhar para Anton. A amizade
deles era – e é – baseada no conhecimento de Philip que Anton estava no comando e
Philip pronto para seguir o seu comando.
Anton não gostava de mim porque a minha amizade com Lila parecia ter surgido
sem o conhecimento do status dele. Uma vez, quando nós tínhamos treze anos, ele entrou
na cozinha da vó de Lila. Lila e eu estávamos lutando sobre alguma coisa idiota, batendo
nos armários e rindo. Ele me puxou de cima dela e me jogou no chão.
— Peça desculpas, seu pequeno pervertido, — ele disse.
Era verdade que todo o empurra e puxa era na maior parte uma desculpa para tocar a
Lila, mas eu preferia ser chutado a admitir isso.
— Pare!— ela gritou para Anton, agarrando as suas mãos enluvadas.
— Seu pai me mandou aqui para manter um olho em você, — ele disse. — Ele não
ia querer você passando todo o seu tempo com esse delinquente. Ele nem mesmo é um de
nós.
— Você não pode me dizer o que fazer, — Lila disse para ele. — Nunca.
Ele olhou para mim.
— E que tal eu dizer para você o que fazer Cassel? Fique de joelhos. Isso é o que
você deve fazer em frente a uma princesa dos executores.
— Não dê ouvidos a ele, — Lila disse duramente. — Fique de pé.
Eu estava começando a levantar quando ele me chutou no ombro. Eu caí de volta de
joelhos.
— Pare!— ela gritou.
— Bom, — ele disse. — Agora por que você não beija o pé dela? Você sabe que
você quer.
— Eu disse para deixa-lo em paz, Anton, — Lila disse. —Por que você tem que ser
tão idiota?
— Beije o pé dela, — ele disse, — E eu deixo você se levantar.
Ele tinha dezenove e era gigante. Meu ombro doía e minhas bochechas estavam
queimando. Eu me inclinei para frente e apertei minha boca no topo do pé de sandálias da
Lila. Nós estivemos nadando mais cedo naquele dia, sua pele tinha o gosto de sal. Ela
puxou sua perna para trás. Anton riu.
— Você acha que já está no comando, — ela disse sua voz trêmula. — Você acha
que papai vai fazer você seu herdeiro, mas eu sou a filha dele. Eu. Eu sou sua herdeira. E
quando eu for a chefe da família Zacharov, eu não vou esquecer-me disso.
Eu me levantei lentamente e andei de volta para a casa do vovô.
Ela não quis falar comigo por semanas depois daquilo, provavelmente porque eu fiz
o que Anton havia mandado ao invés do que ela tinha falado. E Philip seguiu como se
nada tivesse acontecido. Como se ele já tivesse se decidido de quem ele gostava mais, já
havia escolhido poder ao invés de mim.
Eu não posso confiar que as pessoas que eu gosto não vão me machucar. E eu não
estou certo que posso confiar em mim mesmo para não machuca-los também.
Amizade é uma droga.
Eu olho para o relógio no meu telefone no caminho para o carro e imagino que seja
melhor ir para casa se eu não quero que o meu avô note o quanto estive fora. Mas eu
tenho mais uma parada para fazer. No meu caminho para o carro, ligo para Maura. Ela é
o ingrediente final do meu plano: alguém para atender o pré-pago quando ele tocar.
— Alô? — ela disse suavemente. Eu escuto o bebê chorar ao fundo.
— Hei, — eu digo, e solto a respiração. Eu estava preocupado que Philip atenderia.
— É o Cassel. Você está ocupada?
— Só tentando limpar alguns pêssegos da parede. Você está procurando o seu
irmão? Ele está...
— Não, — eu digo, talvez um pouco rápido demais. — Eu tenho que te pedir um
favor. Para você. Realmente me ajudaria.
— Tudo bem, — ela diz.
— Tudo o que você tem que fazer é atender um celular que eu vou te dar e fingir ser
uma recepcionista do centro do sono. Eu escreverei exatamente o que você tem que falar.
— Deixe-me adivinhar. Eu tenho que dizer que você tem que voltar para a escola.
— Nada disso. Só confirme que o consultório mandou uma carta e que o doutor está
com um paciente, mas ele ligará para eles novamente. E então me ligue e eu lidarei com
o resto. Eu não acho nem que chegará a isso. Eles podem querer verificar se o consultório
realmente mandou uma carta, mas provavelmente é isso.
— Você não é novo demais para viver uma vida de crimes? — eu sorrio.
— Então você vai fazer?
— Claro. Traga o telefone. Philip não vai voltar por mais uma hora. Eu acredito que
você não quer que ele saiba sobre isso.
Eu sorrio. Ela parece tão normal que é difícil lembrar-se de uma Maura de olhos
fundos empoleirados no alto da escada, falando sobre os anjos.
— Maura você é uma deusa. Vou esculpir sua imagem em purê de batatas para que
todos possam adorar você, como eu. Quando você deixar Philip, você casa comigo?
Ela ri. — É melhor você não deixar Philip ouvir você dizer isso.
— Sim, — eu digo. — Você ainda está? Quero dizer, ele já sabe?
— Sabe sobre o quê?
— Oh, — eu digo desajeitadamente. — Na outra noite. Você estava falando sobre ir
embora, mas, hei, eu acho que vocês se acertaram. Isso é ótimo.
— Eu nunca disse isso, — Maura diz, sua voz sem emoção. — Por que eu diria isso
se Philip e eu estamos tão felizes?
— Eu não sei. Eu provavelmente entendi errado. Eu tenho que ir. Eu estarei aí com
o telefone. — Eu desligo minhas mãos escorregadias pelo suor. Eu não tenho ideia do
que acabou de acontecer. Talvez ela não queira dizer nada pelo telefone, no caso de
pessoas estarem escutando. Ou talvez alguém esteja lá – alguém que ela não podia falar
nada na frente.
Eu penso no vovô dizendo que Philip estava executando-a, e eu imaginei se havia
entendido errado. Talvez ela realmente não se lembre do que ela falou, porque ele
contratou alguém para tirar estas memórias dela. Talvez ela não se lembre de várias
coisas.
Maura abre a porta quando eu toco a campainha, mas somente entreaberta. Ela não
me convida para entrar também. Uma agitação inquieta o meu estômago. Eu olho para os
olhos dela, tentando ler algo neles, mas ela só parece vazia, drenada.
— Obrigado de novo por fazer isso. — Eu entrego o telefone, embrulhado em um
pedaço de papel com instruções nele.
— Está bem. — Suas luvas de couro encostam-se à minha enquanto ela pega o
celular, e eu percebo que ela está prestes a fechar a porta. Eu enfio meu pé na abertura
para pará-la.
— Espere, — eu digo. — Espere um segundo.
Ela franziu a sobrancelha. — Você se lembra da música? — eu pergunto para ela.
Ela deixa a porta se abrir, me encarando.
— Você escuta também? Começou esta manhã e é tão linda. Você não acha que ela
é linda?
— Eu nunca escutei nada parecido, — eu digo cautelosamente. Ela honestamente
não se lembra. Eu posso pensar em apenas uma pessoa que se beneficiaria com o
esquecimento dela em deixar o marido.
Eu procuro no meu bolso e tiro o amuleto da memória. Dê isso para se lembrar.
Parece uma relíquia de família, algo que possa ser passado para frente para uma nora
favorita para recebê-la na família.
— Minha mãe queria que você tivesse isso, eu minto.
Ela se encolhe para trás, e eu me lembro de que nem todo mundo gosta da minha
mãe.
— Philip não quer que eu use amuletos, — ela diz. — Ele diz que a mulher de um
executor não deveria parecer com medo.
— Você pode esconder, — eu digo rapidamente, mas a porta já está se fechando.
— Se cuide, — Maura diz por um pequeno espaço que ainda está aberto. — Tchau,
Cassel.
Eu fico em pé nos degraus por alguns momentos com o amuleto ainda na minha
mão, tentando pensar. Tentando lembrar.
A memória é escorregadia. Dobra-se com o nosso entendimento do mundo, se vira
para acomodar nossos preconceitos. Não é confiável. Testemunhas raramente lembram-
se das mesmas coisas. Eles identificam as pessoas erradas. Eles nos dão detalhes de
eventos que nunca aconteceram. A memória é escorregadia, mas minhas memórias
pareceram ainda mais escorregadias.
Depois que os pais da Lila se divorciaram, ela foi arrastada para a Europa por um
tempo, e então passou diversos verões em Nova York com o seu pai. Eu só sabia onde ela
estava porque a avó dela disse para a minha avó, então eu estava surpreso em entrar na
cozinha um dia e ver Lila ali, sentada no balcão e falando com Barron como se ela nunca
tivesse ido embora. — Hei, — ela disse, estourando uma bola de chiclete. Ela havia
cortado o seu cabelo até a altura do queixo e havia pitando-o de rosa-choque. Isso e um
grosso lápis de olho a fez parecer mais velha do que treze anos. Mais velha que eu.
— Suma, — Barron disse. — Nós estamos falando de negócios. — Minha garganta
ficou apertada, como se engolir pudesse doer. — Que seja. — Eu peguei o meu livro do
Heinlein e uma maçã e voltei para o porão. Eu sentei encarando a televisão por um tempo
enquanto um desenho anime com uma grande espada acabava com uma quantidade
satisfatória de monstros. Eu pensei sobre o quanto eu não ligava que a Lila havia voltado.
Depois de um tempo ela veio pelas escadas e pulou no sofá de couro gasto ao meu lado.
Seus dedões estavam enfiados pelos buracos de sua blusa cinza, e eu notei um curativo ao
longo da curva de sua bochecha.
— O que você quer? — eu perguntei.
— Ver você. O que você acha?— Ela gesticulou para o meu livro. — É bom?
— Se você gosta de assassinas clonadas e gostosas. E quem não gosta?
— Só pessoa loucas, — ela disse, e eu não pude evitar sorrir. Ela me contou um
pouco sobre Paris, sobre o diamante que o seu pai havia apostado e ganhado no
Sotheby‘s, que aparentemente era para ter pertencido ao Rasputin e dado a ele vida
eterna. Sobre como ela tomou café na varanda, tomando xícaras de café com leite e
comendo pão com manteiga doce. Ela não parecia sentir muita saudade de South Jersey,
e eu não podia culpá-la.
— Então, o que o Barron queria? — eu perguntei para ela.
— Nada. — Ela mordeu o lábio enquanto ela puxava todo aquele cabelo rosa, em
um liso e apertado rabo de cavalo.
— Coisa secreta de executor,— eu disse, balançando minhas mãos para mostrar o
quão impressionado eu estava.
— Ooooh. Não me conte. Eu posso correr para os policiais.
Ela estudou o inhame deformado em seu dedão. — Ele diz que é simples. Só umas
duas horas. E ele me prometeu devoção eterna.
— Isso é um bom ganho, — eu disse.
Coisa de executor. Eu ainda não sei onde eles foram ou o que ela fez, mas quando
ela voltou, seu cabelo estava todo bagunçado e seu batom havia sumido. Nós não falamos
sobre isso, mas nós assistimos a muitos filmes em preto-e-branco de comédia pastelão no
porão, e ela me deixou fumar um pouco dos Gitanes sem filtro que ela havia pegado em
Paris. Ciúme venenoso zumbia pelas minhas veias. Eu queria matar o Barron. Eu acho
que me contentei com Lila.
Capítulo Sete
EU VOLTO PARA A CASA antiga na hora do jantar, que na verdade é algum tipo
de goulash17, com macarrão grosso e pontilhado com lascas de cenoura e cebolas pérola.
Eu como três pratos e engulo tudo com café preto enquanto o gato se movimenta ao redor
dos meus tornozelos. Eu dou para ela toda a carne que eu indiferentemente separei.
— Como foi à visita no médico? — Vovô está tomando café também, e sua mão
treme um pouco quando ele leva a xícara para os lábios. Eu me pergunto o que mais tem
na xícara.
— Bem, — eu digo vagarosamente. Eu não quero contar para ele sobre o teste ou
sobre Maura e suas memórias falhas, mas isso me deixa com bem pouco para dizer. —
Eles me prenderam em uma máquina e queriam que eu tentasse dormir.
— Lá no consultório mesmo?
Isso pareceu bem incomum, mas não havia como voltar agora. — Eu consegui
capotar um pouco. Eles estavam apenas tentando obter alguns resultados básicos. Um
patamar, — eu disse.
— Aham, — Vovô diz, e se levanta para lavar os pratos. — Deve ser por isso que
você chegou tão tarde.
Eu pego o meu prato e ando até a pia, sem dizer nada.
Mais tarde naquela noite, quando estou coberto de pó, mas a maior parte do andar de
cima está limpo, nós assistimos Band of the Banned18. Nele, os executores de maldição
que pertencem a uma equipe secreta do FBI usam seus poderes para deterem outros
executores, a maior parte deles traficantes de drogas e assassinos em série.
— Você quer saber como detectar se alguém é um executor? — Vovô pergunta com
um grunhido. Ele guardou a cadeira que eu odeio e está sentado nela, seu rosto aceso com
a cor azul por causa da tela. O herói do programa, MacEldern, acabou de derrubar uma
porta com um chute enquanto um executor de emoção faz os caras maus chorarem de
remorso e começarem a divagar uma confissão. É bem podre, mas vovô não me deixa
mudar o canal.
Eu olho para os tocos de dedos enegrecidos do meu avô.
— Como?
— Ele é o único que irá negar que tem poderes. Todo mundo acha que tem alguma
coisa. Eles têm algumas histórias sobre tal vez que eles desejaram que alguma coisa ruim
acontecesse para alguém e aconteceu, ou desejaram que algum idiota os amasse e eles
foram correspondidos. Como se toda a maldita coincidência no mundo fosse uma
execução.
— Talvez eles tenham um pouco de poder, — eu digo. — Talvez todo mundo tenha.
Vovô bufa.
— Não vá acreditando nessa merda. Você pode não ser um executor, mas você vem
de uma orgulhosa família de executores. Você é muito inteligente para soar como –
qualéoseunome – que disse que se as crianças tomarem bastante LSD19, elas irão
destrancar seus poderes.
Uma a cada mil pessoas é um executor, e de todos elas, sessenta por cento são
executores da sorte. As pessoas apenas querem brincar com a sorte. Vovô deveria
entender isso.
— Timothy Leary, — eu digo.
— Sim, bem, veja como isso aconteceu. Todos os garotos tentando tocar o outro,
encerradno metade fora de suas cabeças, imaginando que haviam executado e foram
executados, imaginando que estavam todos morrendo de uso contínuo, e um tentando
destruir o outro. Os anos sessenta e setenta foram décadas idiotas, cheios de
desinformação e loucas estrelas do rock tentando serem profetas, fingindo serem
executores. Você sabe quantos executores foram contratados apenas para fazer a
execução que o Fabuloso Freddie disse que fez sozinho?
Não faz sentido tentar distrair vovô de seus desabafos uma vez que ele já começou.
Ele os ama demais para se importar em perceber que escutei sobre eles um milhão de
vezes antes. O melhor que eu posso esperar é tentar empurrá-lo para um novo desabafo.
— Você já foi contratado por um deles? Você deveria ter quantos, vinte, trinta e poucos
naquela época?
— Eu fazia o que o velho Zacharov dizia, não fazia? Nada de freelance. Apesar
disso, conheço algumas pessoas que fizeram. — Ele ri. — Como um cara que saiu em
turnê com a Banda Black Hole. Executor físico. Muito bom. Alguém irritou a banda,
aquele alguém ficaria na tração.
— Eu teria pensado que execução de emoção seria mais popular. — Apesar de eu
mesmo ficar absorto. Geralmente quando ele dá esse discurso, eu sinto como se ele
estivesse dando-o para o resto da família e eu só estou escutando por cima. Desta vez
estamos sozinhos. E eu penso em todas as coisas que eu vi em fotos na Internet ou nos
especiais antigos da VH120. Os artistas com cabeças de bode, as sereias, que dançavam
em tanques, até se afogarem porque a transformista não sabia o que estava fazendo
quando os amaldiçoou, as pessoas refeitas como desenhos animados com a cabeça grande
e olhos enormes. Tudo no final sendo obra de um único executor de transformação que
morreu de overdose em seu quarto de hotel, cercado por animais executados que estavam
de pé em duas pernas e falavam coisas sem sentido.
Não há mais executores de transformação para as bandas contratarem para fazer
nada disso hoje em dia, mesmo se fosse legalizado. Pode haver um na China, mas
ninguém ouviu falar dele já faz um tempo.
— Bem, ninguém pode executar uma multidão. Muitas pessoas. Teve um garoto que
tentou. Ele imaginou que mal faria; ele se desviou do uso em excesso. Ele deixou toda a
multidão tocá-lo, um depois do outro, e os fazia se sentir eufóricos. Como se estivesse
drogado.
— Então o uso em excesso deixa eufórico também, não é? Qual é o mal nisso?
A gata branca pula no sofá perto de mim e começa a arranhar as almofadas com
suas garras.
— Viu, esse é o problema com os jovens – essa é a forma como todos vocês
pensam. Como se vocês fossem imortais. Como se todas as coisas estúpidas que estão
fazendo, ninguém havia pensado antes. Ele ficou louco. Claro, babando, fazendo careta,
um feliz louco, mas não de todo, louco. Ele é o filho de um dos manda-chuvas da família
Brennan, então pelo menos eles podem bancar os cuidados dele.
O vovô começa novamente com seu desabafo sobre a estupidez dos jovens em geral
e jovens executores especificamente. Eu estico o braço para acariciar a gata e ela fica
quieta sob o toque da minha mão, não ronronando, só ficando parada como uma pedra.
Antes de eu ir para a cama naquela noite, eu me fixo no armário de remédios. Eu
pego dois comprimidos para dormir e durmo com a gata no meu cotovelo.
Eu não sonho.
Alguém está me balançando. — Hei dorminhoco, levante-se.
Vovô me dá uma xícara de um café um pouco forte demais, mas nesta manhã eu
estou grato por ela. Minha cabeça parece que está cheia de areia.
Eu alcanço a minha calça e visto-a. Minhas mãos automaticamente se enfiam nos
bolsos, mas a meio caminho de realizar o gesto eu percebo que algo está faltando. O
amuleto. O amuleto da mamãe. Aquele que tentei entregar para a Maura.
Lembre-se.
Eu fico de joelhos e me enfio embaixo da cama. Pó, livros que eu não via há anos, e
vinte e cinco centavos.
— O que você está procurando? — Vovô me pergunta.
— Nada, — eu digo.
Quando nós éramos pequenos, mamãe deixava Philip, Barron e eu de pé perto um
do outro e nos dizia que a família era tudo, que nós éramos as únicas pessoas com que
nós podíamos contar. E então ela tocava os nossos ombros com suas mãos nuas, um de
cada vez, e nós ficávamos repletos de amor um pelo outro, sufocado pelo amor.
―Prometa aos seus irmãos que vocês amarão um ao outro para sempre e que vocês
farão o que for para proteger um ao outro. Vocês nunca vão machucar um ao outro.
Vocês nunca roubarão um do outro. Família é a coisa mais importante. Ninguém os
amará tanto quanto a sua família.‖
Nós nos abraçávamos, chorávamos e prometíamos.
Execução de emoção some depois de alguns meses, até que um ano depois você se
sente bobo sobre coisas que fez e disse quando foi executado, mas você não esquece
como foi ser abarrotado com aquelas emoções.
Aquelas eram as únicas vezes que eu consegui me sentir seguro.
Ainda segurando o café, vou até o lado de fora para clarear a minha cabeça. Um pé
na frente do outro. O ar está frio e limpo, e eu encho o meu pulmão como um homem se
afogando.
Coisas caem dos bolsos, eu digo para mim mesmo, e me pergunto se antes de entrar
totalmente em parafuso, eu deva verificar o carro. Se estiver lá, enfiado no meio do
assento ou na sujeira em um dos tapetes do chão, eu vou me sentir bem estúpido. Eu
espero que possa me sentir estúpido.
Impulsivamente eu abro o meu celular. Há umas duas chamadas perdidas da minha
mãe – ela deve odiar que não consiga me ligar em uma linha fixa – mas eu as ignoro e
ligo para Barron. Eu preciso de alguém para responder perguntas, alguém que eu posso
acreditar que não vá me proteger. A ligação vai direto para a caixa postal. Fico parado lá,
apertando o redial várias vezes, escutando a chamada, eu não tenho para quem mais ligar.
Finalmente me ocorre que possa haver uma maneira de ligar para o seu quarto no
dormitório diretamente.
Eu ligo para o número principal de Princeton. Parece que eles não conseguem achar
o quarto dele, mas eu me lembro do nome da colega de quarto dele.
Uma garota atende, sua voz está rouca e suave, como se o telefone tivesse acordado
a.
— Oh, hei, — eu digo. — Eu estou procurando pelo meu irmão Barron?
— O Barron não estuda mais aqui, — ela diz.
— O quê?
— Ele largou uns dois meses depois do começo do ano. — Ela soa impaciente, não
mais sonolenta. — Você é o irmão dele? Ele deixou um monte de coisas dele, sabe.
— Ele é distraído. — Barron sempre foi distraído, mas agora distraído quer dizer
sinistro. — Eu posso pegar o que quer que seja que ele deixou.
— Eu já mandei pelo correio. — Ela para de falar abruptamente, e eu me pergunto o
que aconteceu entre os dois. Eu não consigo imaginar Barron largando a escola por causa
de uma garota, mas eu não consigo imaginar Barron largando Princeton por nenhuma
razão. — Eu cansei dele me prometendo vir buscar e nunca aparecendo. Ele nunca me
deu dinheiro nem para a postagem.
Minha mente acelera. — O endereço para onde você enviou todas as coisas, você
ainda tem?
— Sim. Você tem certeza que é o irmão dele?
— É minha culpa não saber onde ele está, — eu minto rapidamente. — Depois que
o papai morreu eu virei um verdadeiro pirralho. Nós tivemos uma briga no funeral e não
atendi nenhuma de suas ligações. — Eu estou impressionado quando a minha voz se
altera no lugar certo automaticamente.
— Oh, — ela diz.
— veja eu só quero dizer para ele o quão arrependido eu estou,— eu digo, bordando
um pouco mais meu conto. Eu não sei se eu pareço arrependido. O que sinto é um tipo
gelado de temor.
Eu escuto o farfalhar de papéis do outro lado da linha. — Você tem uma caneta?
Eu anoto o endereço na minha mão, agradeço-a, e desligo enquanto volto para a
casa. Lá eu encontro o meu avô fazendo pilhas de dezenas de cartões de festas que ele
está tirando detrás do guarda-roupa. Glitter suja suas luvas. É estranho como os quartos
parecem vazios sem todo aquele lixo. Meus passos fazem eco.
— Hei, — eu digo. — Eu preciso do carro novamente.
— Nós ainda temos que terminar os quartos do andar de cima, — ele diz. — Além
do pórtico e da sala de estar. E até os quartos que você já terminou, nós temos que
encaixotar.
Eu ergo o telefone e balanço-o levemente, como se fosse o culpado. — O médico
precisa de mim novamente para mais alguns testes. — Minta até que você comece a
acreditar – este é o verdadeiro segredo da mentira. A única maneira de você não se
entregar.
Pena que eu ainda não cheguei lá.
— Eu pensei que poderia ser algo assim, — ele diz com um profundo suspiro. Eu
espero que ele me descubra, diga que ele já falou com o médico ou que já está claro para
ele desde o começo que eu estou mentindo. Ele não diz nenhuma dessas coisas; ele
alcança o bolso de seu casaco e me joga as chaves.
Meu amuleto não está no chão da caminhonete do vovô ou preso na dobra do banco
do motorista, apesar de achar uma sacola de comida amassada lá. Eu paro para abastecer
e para comprar mais café e três barras de chocolate. Enquanto eu espero pelo cara voltar
com o meu troco, eu programo o novo endereço de Barron no GPS do meu telefone. O
lugar fica em Trenton, um que eu nunca estive.
Eu não tenho muito para continuar exceto o palpite que todas as coisas estranhas –
meu sonambulismo, as memórias contraditórias da Maura, Barron largando a faculdade
sem falar para ninguém, até mesmo o amuleto desaparecido – estão relacionadas.
Mas enquanto o meu pé pressiona o acelerador e o carro vai mais rápido, eu sinto
como se pela primeira vez em um longo tempo que estou indo na direção certa.
Lila teve a sua festa de aniversário de quatorze anos em algum grande hotel do pai
dela na cidade. Era o tipo de coisa onde vários executores se encontravam, passavam
envelopes que em teoria tinham somente a ver com a festa, e falavam sobre coisas que
eram melhores não serem ouvidas por tipos como eu. Lila me puxou para o seu quarto no
hotel uma hora antes de supostamente começar. Ela tinha uma tonelada de maquiagem
cintilante preta e uma camiseta grande com uma cara de um gato desenhado. Seu cabelo
não era rosa mais; eram loiros platinado e pontudo.
— Eu odeio isso,— ela disse, sentando na cama. Suas mãos estavam nuas. — Eu
odeio festas.
— Talvez você pudesse se afogar em um balde de champanhe, — eu disse
amavelmente.
Ela me ignorou. — Vamos furar as orelhas um do outro. Eu quero furar suas
orelhas.
As orelhas dela já estavam penduradas com pequenas pérolas. Eu aposto que se eu
raspasse-as contra o meu dente, elas não seriam reais. Ela tocou um brinco
conscientemente, como se ela pudesse ouvir meus pensamentos. — Eu fiz estes com uma
pistolinha de brinco quando eu tinha sete anos, — ela disse. — Minha mãe me disse que
me daria sorvete se eu não chorasse, mas eu chorei do mesmo jeito.
— E você quer mais buracos porque você acha que a dor vai te distrair de toda a
celebração irritante? Ou porque me perfurar vai fazer você se sentir melhor?
— Algo assim. — Ela sorriu enigmaticamente, foi para o banheiro, e saiu com uma
bola de algodão e um alfinete. Depois de arruma-lós em cima do frigobar, ela puxou uma
das pequenas garrafas de vodka. — Vá pegar gelo da máquina.
— Você não tem amigos – quer dizer, não é que não sejamos amigos, mas...
— É complicado, — ela disse. — Jennifer me odeia por causa de algo que a
Lorraine e a Margot disseram para ela. Elas sempre estão inventando coisas. Eu não
quero falar sobre elas. Eu quero gelo.
— Você é meio que uma valentona, — eu disse.
— Eu tenho que ser capaz de mandar nas pessoas um dia, — ela disse, seu olhar
firme. — Como o papai faz. Além disso, você já sabia que eu era uma valentona. Você
me conhece.
— O que faz você pensar que eu quero minhas orelhas furadas?
— Garotas acham orelhas furadas sexys. Além disso, eu conheço você, também.
Você gosta de ser intimidado.
— Talvez eu gostasse quando tinha nove anos, — eu disse, mas peguei o balde no
corredor e trouxe-o cheio de gelo.
Ela caminhou até a cômoda, pulou para cima, e empurrou uma pilha de CDs, roupas
íntimas, e anotações dobradas no chão.
— Venha aqui, — ela disse sua voz baixa, dramática. — Primeiro você acende o
fósforo, e então você passa o alfinete pela chama. — Vê? — Lila acende o fósforo e vira
o alfinete no fogo. Seus olhos brilham. — Fica preto e incandescente. Agora está
esterilizado.
— Fique parado, — ela disse seus dedos frios na minha pele. Eu vi o gelo
derretendo escorrer pelo seu pulso e pingar do seu cotovelo. Nós dois esperamos, em
silêncio, como se isso fosse um rito de passagem. Depois de um minuto mais ou menos
ela derrubou o gelo e apertou o alfinete contra a minha orelha, perfurando-o lentamente.
— Ai! — Eu me afastei no último instante.
Ela riu. — Cassel! O alfinete está metade espetada na sua orelha.
— Está doendo, — eu disse meio espantado. Mas não era isso. Era muita sensação –
o toque das coxas dela me segurando no lugar misturado com a forte dor.
— Você pode me machucar mais se você quiser, — ela disse, e empurrou o alfinete
através de um impulso súbito e selvagem. Eu prendi minha respiração.
Ela saiu da cômoda para pegar mais gelo do balde para a sua própria orelha. Seus
olhos estavam brilhando. — Faça o meu lá em cima. Você vai ter que apertar bastante
para passar pela cartilagem.
Eu passei o alfinete em cima do fósforo e o alinhei bem em cima dos furos da orelha
que ela já tinha. Lila mordeu seu lábio, mas ela não chorou, mesmo quando eu vi seus
olhos com água. Ela apenas enfiou seus dedos na barra de veludo da minha calça
enquanto eu apertava. O alfinete de metal se entortou um pouco, e eu me perguntei se eu
seria capaz de enfiá-lo até o final, quando de repente ele foi com um estalo audível. Ela
fez um som estrangulado, e eu fechei o alfinete com cuidado para que ficasse pendurado
como um brinco formal chique no topo de sua orelha.
E então ela mergulhou os tufos de algodão na vodka para tirar o sangue e nos serviu
uma dose forte para cada. Suas mãos estavam tremendo.
— Feliz aniversário, — eu disse.
Eu escuto passos fora da porta, mas Lila não parece notá-los. Ao invés disso, ela se
inclina para frente. Sua língua estava tão quente quanto o fósforo na minha orelha, e fez o
meu corpo sacudir surpreso. Eu ainda estava tentando me convencer que havia
acontecido realmente quando ela mostrou a língua dela e me mostrou meu próprio
sangue.
Foi aí que o a porta se abriu e a mãe da Lila entrou. Ela limpou a garganta, mas Lila
não se afastou.
— O que está acontecendo aqui? Por que você não está pronta para a sua festa?
— Eu estarei elegantemente atrasada, — Lila disse um sorriso ameaçando os cantos
da boca dela.
— Você andou bebendo? — A Sra. Zacharov olhou para mim como se eu fosse um
estranho. — Saia.
Eu passei pela mãe da Lila e saí porta afora.
A festa está a pleno vapor quando eu cheguei lá, cheio de pessoas que eu não
conhecia. Eu me senti deslocado enquanto me arrastava para o meu assento, e minha
orelha pulsava como um segundo coração. Para compensar, eu tentei ser engraçado na
frente dos amigos da Lila e terminei sendo tão desagradável que um cara que havia
estudado com ela deu um soco em mim no banheiro masculino. Eu o empurrei, e ele feriu
a cabeça em uma das pias.
No outro dia, Barron me disse que ele havia chamado Lila para sair. Eles
começaram a namorar no momento em que estava sendo escoltado para fora do hotel.
De acordo com o meu GPS, a nova casa do Barron é uma casa geminada em uma
rua com calçadas quebradas e alguns apartamentos com tábuas. Uma das janelas da frente
dele estava com quase todo o vidro faltando e estava parcialmente coberto com fita
adesiva. Eu abri a porta de rede e bati na porta de madeira barata. Lascas de tinta saíram
na minha mão.
Eu bato, espero, e bato novamente. Não há resposta e nenhuma moto estacionada
nas proximidades também. Eu não vejo nenhuma luz pelo jornal que está grudado no
lugar das persianas.
Há uma fechadura básica e uma tranca na porta. Fácil de entrar. Minha carteira de
motorista desliza pela abertura e destrava o primeiro. A tranca é mais difícil, mas eu pego
um fio no porta-malas do meu carro, enfio-o através do orifício da chave, e remexo nos
pinos até que todos estão na mesma posição. Por sorte o Barron não havia melhorado o
sistema para nada muito sofisticado. Eu viro a maçaneta, pego minha carteira de
motorista, e entro na cozinha.
Por um momento, eu olho para a bancada laminada, eu acho que invadi a casa
errada. Cobrindo a bancada branca estão avisos: ―Caderno irá te falar o que você
esqueceu‖ ―Chaves no gancho,‖ ―Pague contas em dinheiro,‖ ―Você é Barron Sharpe,‖
―Telefone no casaco,‖ uma caixa de leite está aberta no balcão, seu conteúdo qualhado
com cinzas de cigarro. Bitucas flutuam na superfície. Há uma pilha de contas – a maior
parte empréstimo estudantil – todas fechadas.
‗Você é Barron Sharpe‘ não deixa muito espaço para dúvidas.
O notebook dele e uma pilha de pastas pardas cobrem a mesa de jogo no centro da
cozinha. Eu caio em uma das cadeiras e olho por cima os arquivos – documentos
jurídicos da apelação da minha mãe. Ele fez anotações com um marca-texto vermelho
tomate, e finalmente me ocorre que esta pode ser a razão que ele largou a faculdade. Ele
deve estar cuidando do caso. Isso faz sentido, mas não o bastante.
Há um caderno anotações em cima de uma das pastas, marcado de Fevereiro a
Abril. Eu o abro, esperando ver mais anotações sobre o caso, mas parece muito com um
diário. No topo de cada página há uma data, e embaixo está uma lista obsessivamente
detalhada do que Barron comeu, com quem ele falou, como ele estava se sentindo – e
então no final, uma lista pontuada de coisas para se lembrar. Hoje começava:
19 de Março
Café da Manhã: Vitamina de protéina
Corri três quilômetros
Depois de acordar, experimentei uma pequena letargia e dor nos músculos.
Usei: Camisa de botões verde claro, calça cargo preta, sapatos pretos (Prada).
Mamãe continua reclamando sobre os outros reclusos, de como ela está sofrendo
sem nós, e ela tem medo que, basicamente, nós estamos fora do controle dela. Ela precisa
perceber que nós crescemos, mas eu não sei se ela está pronta para isso. Enquanto nos
aproximamos mais e mais do julgamento, eu me preocupo mais sobre como a vida será
quando ela vier para casa.
Ela diz que conquistou um milionário e está apostando muitas das suas fichas nele.
Eu mandei recortes para ela sobre ele. Estou preocupado com ela se metendo em
confusão novamente e eu honestamente não posso acreditar que este homem não tenha
ideia de quem ela seja – e se ele não souber, permanecerá sem saber. Quando ela sair da
cadeia, ela deverá ser mais circunspecta, algo que estou certo que ela não estará disposta
a ser.
Eu não consigo me lembrar de rostos do colegial. Eu encontrei alguém na rua que
disse que me conhecia. Eu disse para ele que eu era o irmão gêmeo do Barron e que eu
estudava em outra escola. Eu devo estudar o livro anual.
Philip esta mais chato do que nunca. Ele age como se estivesse disposto a fazer o
necessário, mas ele não está. Não é somente fraqueza, mas uma necessidade romântica
contínua de acreditar que ele está sendo manipulado contra a vontade dele ao invés de
admitir que ele queira poder e previlégio. Ele me faz mais doente cada dia, mas Anton
confia nele de um jeito que Anton nunca confiaria realmente em mim. Mas o Anton
acredita que eu posso cumprir, e eu duvido que ele diga isso sobre o Philip.
Talvez o dinheiro que nós conseguirmos será o suficiente para controlar mamãe por
um tempo. Quando isto acabar, Anton nos deverá tudo.
As anotações de hoje param aqui, mas voltando para algumas semanas atrás, eu
posso ver que ele gravou detalhes aleatórios, conversas, e sentimentos como se ele
estivesse esperando esquecê-los. Eu abro o notebook ansiosamente, sem saber ao certo
que tipo de coisa estranha vou encontrar, mas está programado no modo econômico, com
a página mostrando a minha estréia no Youtube.
A filmagem ruim foi feita com um celular, então a qualidade está granulada e eu não
pareço muito mais do que um borrão pálido e sem camisa, mas eu me retraio quando
parece que estou perdendo o meu equilíbrio. Eu escuto alguém gritar ‗pule‘ ao fundo, e o
ângulo se movem para a multidão. Em um momento eu a vejo. Uma forma branca perto
dos arbustos atrofiados. A gata, lambendo a pata. A gata que eu estava perseguindo no
sonho. Eu encaro o vídeo e a encaro, tentando encontrar sentido em como uma gata no
meu sonho – uma gata que parece muito com a gata que esteve durmindo no pé da minha
cama – poderia realmente estar lá naquela noite.
Eu tiro o notebook da mesa e abro a folha no dia que o vídeo foi colocado na
internet.
15 de Março
Café da Manhã: Claras de ovos
Corri três quilômetros
Depois de acordar, me senti bem. Exceto o nariz.
Usei: jeans azul escuro (Monarchy), casaco, camisa azul (HUGO).
Entrei no email de C e encontrei o vídeo. Claramente mostra L. Mas sem pistas de
onde ela está agora. C está na casa velha, mas G está lá e está mantendo um olho em
tudo. P diz que ele vai cuidar disso. Isso é tudo culpa dele.
Cuidado com os ventos de Março. Uma piada. Eu encontrei o colar dela, mas sem
pistas de como ela tirou-o. P não deve ter colocado-o direito. Eu tenho que encontrar uma
maneira de usar isto para afastar P e A ainda mais.
Eu tenho controle da situação.
Controle‘ está sublinhado duas vezes, a segunda linha riscada tão forte que rasgou a
folha.
Eu encaro a inscrição até que as palavras se embaralham na minha frente. C é Cassel
– o vídeo deve ter sido o meu em cima do telhado. P deve ser Philip. A, poderia ser
Anton, já que Barron o mencionou antes. Eu pisco para o G um momento e percebo que é
o nosso avô21. Mas L? Eu imediatamente penso na Lila, mesmo que não tenha sentido.
Eu pego o notebook e coloco o vídeo meu novamente, quadro a quadro. Nós mal
podemos ver a multidão; a câmera passa muito rápida pelas pessoas para reparar em
qualquer coisa além dos borrões. Os únicos rostos que eu consigo ver pertencem aos
estudantes. Sem Lila. Sem garotas mortas. Ninguém que não pertença lá. Ninguém
usando um colar.
A única coisa no vídeo que poderia estar usando um colar é a gata.
Somente você pode desfazer a maldição.
O pensamento é tão absurdo que na verdade me faz rir.
Eu ando em direção ao banheiro para jogar água no meu rosto, mas enquanto eu
passo uma porta, um cheiro forte de amônia me pára. Entrando no quarto, está vazio
exceto por uma gaiola de metal que está perto da janela. A porta articulada está aberta. O
jornal está enfiado na gaiola e o piso de madeira ao redor está manchado de, dado o
cheiro acentuado e o amarelo, é provavelmente urina de gato. Camadas grossas disso,
como se algo tivesse sido mantido aqui por um longo tempo e ninguém havia limpado
nada.
Eu segurei minha respiração e me inclinei para mais perto. Presos em alguns fios
estão alguns cabelos curtos brancos. Eu saio do quarto.
O Barron está perdendo as memórias. Maura também, e talvez eu também. Eu não
me lembro dos detalhes da morte de Lila. Eu não me lembro como eu subi no telhado. Eu
não me lembro do que aconteceu com o meu amuleto da memória.
Vamos supor que alguém esteja pegando estas memórias. Eu não acho que isso seja
muito exagero.
Vamos também supor que alguém me deu aquele sonho, aquele onde a gata estava
implorando por ajuda. Se eu fui amaldiçoado para tê-lo, isso significaria que alguém teria
me tocado com as mãos na minha pele. A gata – aquela que dormia na minha cama,
aquele perto do meu dormitório no vídeo – me tocou.
Então talvez a gata me desse os sonhos.
Claro, isso é rídiculo. Gatos são animais. Eles não podem fazer uma execução de
maldição mais do que eles podem compor e realizar uma sonata ou compor uma
villanelle22
A menos que a gata seja realmente uma garota. Uma garota que era uma executora
de sonhos. Lila.
Que significaria algo totalmente diferente – não somente que algumas memórias do
assassinato dela foram roubadas de mim. Isso significaria que ela não está morta.
Capítulo oito
NO BANHEIRO DE BARRON as paredes de ladrilho bege parecem familiares,
mas é como se tivesse vendo-os de um ângulo errado.
É loucura, a ideia de Lila ser um gato. A ideia que Barron a manteve presa na casa
dele todo esse tempo é ainda mais louca. E a ideia que eu possa não ter matado a Lila me
desconcerta tanto que não sei como me estabilizar.
Eu olho no espelho, encarando o meu rosto. Olhando para o cabelo desgrenhado se
enrolando ao redor do meu maxilar e dos meus olhos inchados, olhando para ver se eu
deveria estar com medo. Se eu ainda sou um assassino. Se estou enlouquecendo.
Há uma sensação confusa de deja-vu enquanto olho para o reflexo da banheira atrás
de mim. Eu tropeço e mal consigo me equilibrar.
Eu me debatia na água e as minhas mãos se transformaram em braços que se
transformaram em estrela-do-mar ondulando como cobras. Tudo deu errado e eu estava
me desmembrando e a água estava encobrindo a minha cabeça e...
Mais coisas que eu lembrava pela metade.
Eu me virei e agachei no piso, tocando o ladrilho perto da torneira da banheira. Eu
quase podia me lembrar dos meus dedos alcançando a mesma torneira, mas então a
memória se torna surreal e como num sonho e os meus dedos se tornam ásperas garras
negras.
Medo animal, instintivo e horrível, me sobrecarrega. Eu tenho que sair daqui, essa é
a única coisa que possa pensar. Eu sigo para a porta da frente, com inteligência o
suficiente apenas para virar a maçaneta para que a porta se feche atrás de mim quando
encostar. Eu entro no carro do vovô e sento por um momento, esperando para me sentir
como uma criança estúpida correndo de algum fantasma de mentira. Eu como uma das
barras de chocolate enquanto espero. O chocolate tem gosto de pó, mas eu o engulo de
qualquer forma.
Eu tenho que pensar um pouco.
Minhas memórias estão cheias de sombras, e não adianta correr atrás delas em
minha cabeça para torná-las mais substanciais.
O que eu preciso é de um executor. Um que me dará as respostas sem fazer muitas
perguntas. Um que irá me ajudar a encaixar esse quebra-cabeça e me mostrar o quadro
inteiro. Eu ligo a ignição e sigo para o sul.
O shopping sujo da Rota nove é menos que um shopping e mais um grande depósito
com corredores de lojas individuais separadas por balcões ou cortinas. Barron e eu
pedíamos para Philip ou vovô nos levar, e então nós passávamos o dia comendo
cachorro-quente e comprando facas baratas para esconder nas nossas botas. Barron
reclamava sobre estar preso comigo, mas logo que nós chegássemos lá, ele desapareceria
para conversar com a garota que trabalhava vendendo pepinos em conserva em tonéis.
O lugar não parece tão diferente quanto parecia na época. Na frente uma mulher está
de pé ao lado de um barril de cestas de cor pastel enquanto um cara está tentando vender
um monte de peles de coelho. Três por cinco pratas.
Lá dentro, os cheiros de comida frita fazem o meu estômago grunhir. Eu me
encaminho em direção aos fundos, passando a banca com carteiras de pele de enguia e o
lugar com pesados anéis de prata e dragões de latão, em direção às cartomantes com suas
saias de veludo e baralhos marcados. Elas cobram cinco dólares para dizer ‗ Você às
vezes se sente solitário, mesmo na companhia de outros‘ ou ‗Você passou por uma perda
trágica que te deu uma perceptividade fora do comum‘ ou até ‗Você é normalmente
tímido, mas no futuro você se encontrará sendo o centro das atenções‘.
Há vários pequenos shoppings como este em Jersey, mas este aqui fica a apenas
vinte minutos de Carney. O verdadeiro negócio das cartomantes é vender amuletos feitos
para residentes aposentados; alguns executores e até fazer trabalho freelance na parte de
trás do shopping. É o melhor lugar para ir para uma execução de maldição barata que não
está diretamente relacionada às famílias do crime. E os amuletos são muito mais
confiáveis e variados do que o tipo que você consegue em uma loja normal e no posto de
gasolina.
Eu vou até uma mesa envolta com um lenço. – Annie Torta, — eu digo, e a mulher
idosa sorri. Um de seus dentes está preto com a podridão. Ela está usando anéis plásticos
e de vidro por cima de suas luvas de cetim roxas, e ela está com várias camadas de
vestidos com pequenos sinos ao redor da bainha.
— Eu te conheço, Cassel Sharpe. Como está a sua mãe?
Annie está vendendo mágica por mais tempo do que eu estou vivo. Ela é da velha
guarda. Discreta. E com o pouco de conhecimento que eu tenho, a única coisa que tenho
certeza é que eu não posso me dar ao luxo de dividi-lo.
— Cadeia. Foi pega amaldiçoando um cara rico.
Annie suspira. Ela está na vida, então ela não está surpresa ou envergonhada por
mim, como as pessoas na faculdade estariam. Ela muda o seu peso para frente. – Fora
logo?
Eu aceno, apesar de que eu não tenho certeza. A mamãe continua dizendo que ela
não fez nada (que eu não acredito), que a prova contra ela é o preconceito e o suborno
(que eu acredito um pouco), e que será derrubada no recurso que está se arrastando desde
sempre. – Você sente falta da sua mãe, não é?
Eu aceno novamente, apesar de que não tenho certeza disso também, É mais fácil
com ela afastada um pouco, incapaz de revirar nossas vidas a qualquer momento. Da
cadeia ela é uma matriarca benevolente, um pouco louca. Em casa ela volta a ser uma
déspota.
— Eu preciso comprar uns dois amuletos. Para a memória. Uns bons.
— O quê? Você acha que eu vendo alguns que não são bons?
Eu sorrio. – Eu sei que você vende.
Isso torna o sorriso dela perverso. Ela dá uma tapinha no meu rosto com uma mão
coberta de cetim. Eu me lembro de que eu não fiz a barba e que as minhas bochechas
estão provavelmente ásperas o bastante para se prender no tecido, mas ela não parece se
importar. – Igual aos seus irmãos. Você sabe o que eles costumavam dizer sobre meninos
como vocês? Esperto como o diabo e duas vezes mais bonito.
É um elogio um pouco ridículo, mas me envergonha e eu olho para o chão. – Eu
tenho algumas perguntas também. Sobre a magia da memória. Veja eu sei que eu não sou
um executor, mas eu realmente preciso saber.
Annie puxa um pacote de baralho de tarô. — Sente-se, — ela diz, e remexe embaixo
da mesa, tirando uma grande caixa de ferramentas de plástico. Dentro há um conjunto de
pedras. Ela tira um pedaço lustroso de ônix com um buraco cravado pelo meio, e um
naco de cristal rosa turvo. — Primeiro as coisas importantes. Aqui estão os amuletos que
você me pediu.
Muitos dos amuletos bons parecem como lixo. Estes não parecem tão ruins.
— Eu odeio perguntar, — eu digo, sentando-me do lado contrário da cadeira
dobrável de metal. – Mas...
— Você quer algo melhor?
Eu balanço minha cabeça. – Só menor.
Ela murmura baixinho e se vira novamente para o seu estoque. — Aqui, eu tenho
isso. — Ela segurou uma pedra, talvez um pedaço de caminho de cascalho.
— Eu aceito estes, — eu digo, apontando para a pedrinha e o círculo de ônix. – Na
verdade, me dê três destas pequenas se você as tiver. E mais a ônix.
Annie ergue suas sobrancelhas, mas diz apenas, — Quarenta. Cada.
Normalmente eu seria mais chato com ela, mas imagino que ela esteja inflacionando
o valor para que ela possa justificar a informação que ela vai dar. Eu tiro umas notas e as
entrego.
Ela sorri com o seu sorriso de dente podre. – Então, o que você quer saber?
— Como você pode saber se as suas memórias foram alteradas? Há apenas um
buraco negro nos seus pensamentos? As memórias podem ser substituídas por outras
memórias?
Ela acende um cigarro enrolado a mão que cheira a folhas de chá verde. — Eu não
estou admitindo conhecer ninguém quando responder isso. Eu estou somente
especulando, entendeu? Tudo o que eu faço é estes amuletos e eu vendo uns poucos que
os meus amigos fazem, e o governo não conseguiu tornar isso ilegal ainda.
— Claro, — eu digo afrontado. — Só porque eu não...
— Não fique preocupado. Eu não estou explicando para você. Eu estou explicando
para a edificação de qualquer um que possa estar escutando esta conversa. E eles estão.
— Quem está?
Ela me dá um longo olhar, como se eu fosse lento, e traga o seu cigarro, soprando
fumaça de ervas no ar. — O governo.
— Oh, — eu digo. Apesar de eu ter quase certeza que ela só está sendo paranoica
possivelmente com um toque de demência, eu sinto uma vontade intensa de olhar atrás de
mim.
— Agora vamos para as suas perguntas. A sensação depende de quem fez a
execução. Os melhores executores fazem tudo sem discrepância. Eles removem a
memória e a substituem por uma nova. Os piores são preguiçosos. Eles podem ser
capazes de fazer você lembrar que deve dinheiro a eles, mas se não há dinheiro no seu
bolso e você não se lembra de tê-lo gastado também, você vai começar a fazer perguntas.
— A maioria dos executores de memória se encaixa no meio em termos de
habilidade. Eles deixam para trás pedaços, fios. Um céu azul sem o resto do dia. Um
pesar doloroso sem causa.
— Pistas, — eu digo.
— Claro, se você quiser chama-lós disso. — Ela puxa outro longo trago em seu
cigarro de chá. — Há quatro tipos diferentes de maldição de memória. Um executor de
memória pode tirar memórias bem da sua cabeça, deixando aquele grande buraco que
você falou, ou eles podem te dar novas memórias de coisas que nunca aconteceram. Eles
podem peneirar as suas memórias e aprender coisas, ou eles podem simplesmente
bloquear o seu acesso às suas próprias memórias.
— Por que eles fariam essas últimas coisas? Bloquear o acesso? — Eu toco o
círculo preto suave da pedra de memória. Ela desliza contra a almofada do meu dedo
enluvado.
— Porque é mais fácil bloquear o acesso do que remover totalmente uma memória,
o que a torna mais barata. Da mesma forma que uma única peça de memória é mais fácil
do que criar uma totalmente nova. E se você remover o bloqueio, então à memória volta
o que é bom se você quer ser capaz de reverter o processo.
Eu aceno com a cabeça, apesar de não estar certo de estar entendendo.
— Um executor de memória desonesto irá cobrar por tirar uma memória, mas
apenas irá colocar um bloqueio. Então ele irá cobrar a vítima para tirar o bloqueio
novamente. Isso é mau negócio, mas o que estas crianças sabem? Eles não têm mais
respeito. — Ela olha para mim intensamente. — Sua família nunca te contou nada disso?
— Eu não sou um executor, — eu a lembro, mas vergonha esquenta o meu rosto. Eu
deveria saber; minha família deveria ter confiado em mim o suficiente. Que eles não
falavam nada sobre o que eles achavam de mim.
— Mas o seu irmão..., — ela diz.
— Pode ser revertido? – eu pergunto, interrompendo-a. Eu realmente não quero
falar sobre a minha família agora.
Ela olha para mim com tanta atenção que abaixo o meu olhar. Então ela limpa a
garganta e começa a falar como se eu não tivesse sido completamente rude. —Maldição
da memória é permanente. Mas isso não significa que as pessoas não podem mudar de
ideia. Você pode fazer alguém se lembrar de que você é a coisa mais linda lá fora, mas
eles podem te dar uma olhada e decidir ao contrário.
Eu forço um sorriso, mas o meu estômago está com a sensação de que engoli
chumbo. — E quanto à execução de transformação?
Ela dá de ombros. Os sinos em sua saia balançam. — O que tem?
— É permanente também?
— Outro executor de transformação pode desfazê-lo, contanto que a pessoa fora
transformada em algo vivo. Um executor de transformação pode transformar um menino
em um barco e então de volta em um menino, mas o garoto não viverá após a
transformação. Uma vez que um ser vivente se torna uma coisa não vivente, é isso.
É isso. Eu quero pergunta sobre uma garota transformada em um gato, mas eu não
posso arriscar ser tão específico. Eu já arrisquei o bastante.
— Obrigado, — eu digo, ficando de pé. Eu não tenho certeza do que aprendi, exceto
que as respostas que preciso não serão fáceis de conseguir.
Ela pisca. — Você diga ao seu avô que Annie Torta estava perguntando dele.
— Eu vou, — eu digo, apesar de que eu sei que não vou. Se disser a ele que eu
estava perto de Carney, ele iria querer saber o porquê.
Eu começo a descer pelo corredor quando me lembro de algo e me viro. – Ei, a
Sra.Zaila ainda está vivendo na cidade?
A mãe de Lila. Eu penso em quando eu desliguei o telefone público com o som da
voz dela, sobre a maneira que ela olhou par mim quando ela me encontrou no quarto de
hotel na festa de aniversário da Lila.
Como por anos eu pensei que ela via alguma escuridão em mim mesmo que eu não
tivesse visto.
— Claro que sim, — Annie diz. – Ela não pode deixar Carney, ou aquele marido
dela irá atrás dela.
— Ir atrás dela?
— Ele acha que ela sabe onde a filha deles foi e não está dizendo para ele. Eu disse
para ela não se preocupar. Ela viverá mais que ele. Até mesmo o Diamante da
Ressurreição não pode durar para sempre.
— A pedra que ele conseguiu em Paris com Lila? – Eu me lembrei de que o
diamante tinha algo a ver com Rasputin, mas eu não me lembrava de que ele tinha um
nome.
— É suposto que ele contém uma maldição que o usuário nunca morre. Soa como
um monte de merda, certo? Isso significaria que uma pedra poderia fazer mais do que
desviar maldições. Mas parece funcionar. Ninguém o matou ainda, e muitas pessoas já
tentaram. Eu amaria dar uma olhada nele. — Ela inclina a cabeça para um lado. — Você
estava apaixonado pela filha dele, Lila, né? Agora que eu penso nisso, eu me lembro de
você babando atrás dela. Você e aquele irmão seu.
— isso foi há muito tempo atrás.
Ela se inclina para beijar a minha bochecha, o que me faz recuar assustado. — Dois
irmãos apaixonados pela mesma mulher nunca termina bem.
Barron namorou várias outras garotas enquanto ele namorava Lila. Garotas da idade
dele, garotas que iam para a mesma escola que ele e tinham seus próprios carros. Lila
ligava e perguntava por Barron, e eu dizia alguma mentira idiota óbvia que eu esperava
que ela percebesse, mas ela sempre acreditava. Então nós conversávamos até que Barron
chegasse à casa a tempo para dizer boa noite para ela ou ela adormecesse.
As piores vezes, no entanto, eram quando ele estava em casa e falava com ela com
uma voz aborrecida enquanto ele assistia à televisão.
— Ela é só uma criança, — ele me disse quando perguntei para ele sobre ela. —Ela
não é minha namorada de verdade. Além disso, ela mora tipo, há duas horas daqui.
— Por que você não termina com ela então? – Eu pensei no som da respiração dela
no telefone, se estabilizando enquanto pegava no sono. Eu não entendi como ele podia
querer alguém mais além dela.
Ele sorria. — Eu não quero machucar os sentimentos dela.
Eu bati minha mão na mesa de café. Pilhas de pratos e lixo tremularam. —Você só
está saindo com ela porque ela é filha do Zacharov.
Seu sorriso aumentou. — Você não sabe disso. Talvez eu esteja saindo com ela só
para encher o teu saco.
Eu queria dizer para ela a verdade sobre ele, mas então ela pararia de ligar.
Os yakuza23 colocavam pérolas em seus pênis, um para cada ano que passavam na
cadeia. O cara faz uma fenda na pele de seu pênis com uma tira de bambu e empurra a
pérola para dentro. Deve ser espetacularmente doloroso. Eu imagino que não pode ser tão
ruim enfiar três pequenas bolinhas embaixo da pele da minha perna.
No banco traseiro do carro do vovô, cruzo a minha perna esquerda do meu jeans até
o meu joelho. Eu comprei o que achei serem os suprimentos necessários em um mercado
próximo, e agora, no estacionamento, coloco na sacola plástica e no banco. Primeiro eu
tenho que barbear um espaço de seis centímetros no meu joelho com uma gilete
descartável e lavá-la com água mineral. É lento. A gilete é barata, e quando eu termino,
minha pele está vermelha e sangrando com pequenos cortes.
Eu percebi que não tenho nada para limpar o que provavelmente é mais sangue do
que esperava. Eu tiro a minha camiseta e pressiono-a na pele, ignorando a ardência. Eu
tenho uma garrafa de peróxido de hidrogênio para esterilizá-la, mas eu não o faço. Talvez
eu tenha a coragem para usá-la no fim, mas agora minha perna já está doendo o bastante.
Deslizando a gilete para fora de uma caixa delas, eu olho culpadamente para a janela
do carro. Famílias estão andando pelo lugar, crianças sendo empurrados nas cestas dos
carrinhos, homens carregando bandejas de cafés. Não olhe, eu digo para eles
silenciosamente, e deslizo a borda afiada em cima da minha perna.
Ela vai tão facilmente e com tão pouca dor que me assusta. Eu somente sinto uma
ferroada ardida movendo-se pelos meus membros. Até parece enganar a minha pele,
porque por um momento há apenas uma linha na minha perna onde a carne se divide.
Então o sangue brota ao longo do corte, primeiro em pedaços, então se acumulando em
uma longa tira vermelha.
Empurrar as bolinhas para dentro é a parte mais agonizante. Parece que eu estou
arrancando a minha própria pele enquanto eu deslizo as três bolinhas, uma para cada ano
que eu pensei ser um assassino. Cada uma machuca tanto que eu tenho que engolir o
enjoo enquanto eu passo a agulha, torcendo-a, e dou a mim mesmo dois pontos terríveis,
agonizantes e malfeitos.
Eu vou para casa e pego Lila e nós vamos para o mais longe possível. Talvez nós
iremos para a China encontrar alguém para transformá-la de volta em uma garota, talvez
eu a leve para o seu pai e tente explicar. Mas nós vamos hoje à noite.
Eu não estou mais perto de descobrir quem é o executor de memória do que eu
estava antes de visitar a Annie Torta, mas tenho mais certeza do que nunca que eu fui
amaldiçoado. Eu acho que é Anton, já que obviamente ele, Philip e Barron estão
conspirando juntos. Eu pensei que o Anton executava a sorte, mas ele pode ter bagunçado
a minha cabeça para pensar assim. Se ele é o executor de memória, ele com certeza
bagunçou com a memória de Barron.
E Philip só deixou isso acontecer.
Enquanto eu assistia o peróxido de hidrogênio espumar, disse a mim mesmo que
estava tudo bem em estar um pouco zonzo agora, tudo bem que as minhas mãos estavam
tremendo, porque estava terminado. Acabou. Ninguém será capaz de me fazer esquecer
uma única coisa. Nunca mais de novo.
Quando saio do carro na entrada da casa, eu noto que as portas do celeiro estão
abertas. Eu ando até lá e dou uma olhada. Sem armadilhas. Sem gatos. Sem olhos
brilhando nas sombras.
Eu fico para lá, olhando por um longo momento, tentando entender o que aconteceu.
Então corro para a casa e abro a porta com tudo.
— Onde estão os gatos? – eu grito.
— O seu irmão chamou o abrigo de animais, — vovô diz, olhando por cima de uma
pilha de lençóis comidos por traças. – Eles vieram essa tarde.
— E quanto ao gato branco? Meu gato?
— Você sabe que não iria poder ficar com ela, — ele diz. – Deixe-a ir para pessoas
que poderão cuidar dela.
— Como você pôde fazer isso? Como você pôde os deixar levarem-na?
Ele estica a mão, mas eu me afasto.
— Que irmão? Quem chamou o abrigo? — Minha voz está trêmula de raiva.
— Você não pode culpá-lo, — ele diz. – Ele só estava fazer as coisas certas aqui
neste lugar. Eles estavam fazendo uma bagunça no celeiro.
— Quem foi? – eu pergunto.
— Philip, — ele diz com um dar de ombros, derrotado. Ele ainda está falando,
explicando algo sobre como os gatos irem embora é uma boa coisa, mas eu não estou
escutando.
Eu estou pensando sobre Barron e Maura e as minhas memórias roubadas e o gato
sumido e como eu vou fazer Philip pagar por isso. Tudo isso. Com juros.
Capítulo Nove
Eu odeio andar em abrigos. Odeio o cheiro de urina, fezes, comida e jornal
molhado, tudo envolvido junto. Odeio o lamento desesperado dos animais, os infindáveis
choros das gaiolas, e a culpa por não ser capaz de fazer nada por eles.
Eu já me sinto um pouco louco, quando ando no primeiro andar do abrigo, e isso me
levou até o terceiro andar, para encontrá-la. A gata branca.
Ela olhava pra mim por trás da gaiola. Ela não estava uivando, ou esfregando seu
focinho contra as grades como os outros animais. Ela parecia uma cobra, pronta para
atacar. Mas ela não parecia com nada que fosse humano.
— O que você é? — eu disse. — Lila?
Isso a fez se levantar e vir em frente às grades. Ela miou uma vez, queixosa. Um
tremor me atravessou, em parte por medo e em parte por repulsa.
Uma garota não pode ser um gato.
Sem querer, a memória da última vez que vi Lila ressurge. Eu podia cheirar o
sangue. Eu podia sentir um sorriso repuxando minha boca, quando olhei para baixo, para
seu corpo. Mesmo que essa memória fosse falsa, parecia real. Isso – a ideia que ela
continuava viva, que eu poderia salvá-la – Parecia fingimento. Parecia que eu estava
mentindo para mim mesmo, perdendo minha mente.
Mesmo assim, seus olhos mal combinados, azul e verde, eram muito parecidos com
o de Lila. E ela olhou para mim.
E mesmo que eu pensasse que estava enlouquecendo, mesmo que sinta que é
impossível, estou certo que é ela. Eu me viro e ela mia de novo e de novo, mas eu me
faço ignorá-la e ando para fora da área de animais. Subo para o escritório, onde uma
mulher pesada com uma blusa estampada com um cachorro schnauzer24 dizia para um
garoto onde pendurar os panfletos que prometiam recompensa pela sua cobra piton25
perdida.
— Eu gostaria de adotar o gato branco, — Eu disse a ela.
Ela deslizou para mim um formulário. Lá perguntava meu nome, e endereço do meu
veterinário, quanto tempo eu morei no meu endereço atual, e se eu concordava com os
termos. Eu respondi as perguntas, enquanto pensava no que ela iria querer ouvir, e deixei
em branco a parte do veterinário. Minhas mãos tremem e me sinto como no dia do
acidente de carro do meu pai, quando o tempo pareceu transcorrer de forma diferente,
entre eu e as outras pessoas. Muito rápido e muito lento, eu não posso pensar se vai ser
assim, quando eu sair daqui com o gato, se eu sou capaz de sentar e esperar para pegá-la
de novo.
— É seu aniversário?
Eu assenti. —Você só tem dezessete. — ―Ela apontou letras douradas no topo do
papel, que diziam ‗Ter dezoito anos para adotar‖ eu só fixei o olhar, geralmente eu presto
atenção em coisas desse tipo, eu planejo através das possibilidades. Mas em vez disso, eu
estava sugando ar como um peixe. — Você não entende, — eu falei, e assisti suas
sobrancelhas franzirem. — Isso não está certo. Aquela é a minha gata — quero dizer, a
única que quero adotar. Alguém tem que tirá-la daqui. Ela é realmente minha.
— Ela não veio com uma coleira, — ela respondeu. — Ou avisos.
Eu ri inquieto, — Ela está sempre prendendo em alguma coisa.
— Garoto, esse gato estava vivendo em um celeiro, chegou aqui apenas a um par de
horas atrás, e se alguém a estava alimentando, não estava fazendo isso há muito tempo.
— Ela estava vivendo em um celeiro, — eu disse. — Mas agora ela vive comigo.
A mulher sacudiu a cabeça. — Eu não sei o que aconteceu, mas eu posso imaginar.
Você não tinha permissão para levar gatos para casa e seus pais a mandaram para o
abrigo, irresponsáveis.
— Isso não aconteceu. — Eu me perguntava o que aconteceria se eu dissesse a ela o
que de fato havia acontecido. Eu quase ri.
O sino na frente da porta badalou e um casal com uma criança a atravessaram. A
mulher com camiseta de schnauzer se virou para eles com um sorriso.
— Nós estamos aqui para adotar um animalzinho! — gritou a garotinha. Tudo ao
redor de seus lábios parecia grudento, suas luvas estavam manchadas com algo marrom.
— Espere, — eu disse desesperado. — Por favor.
A mulher me deu um breve olhar penalizado. — Volte quando convencer seus pais a
permitirem. Como essa criança.
Eu tomei uma curta respiração. — Você vai trabalhar aqui, amanhã? Eu perguntei a
ela.
Ela colocou uma mão no quadril, agora chateada, provavelmente porque ela sentiu
pena de mim, mas eu não me importei. — Não, mas o rapaz de amanhã vai te dizer a
mesma coisa. Traga um responsável. — Eu concordei, mas eu não estava mais realmente
ouvindo, porque minha cabeça estava cheia com o som de Lila guinchando atrás das
grades. Chorando e chorando, sem ninguém vir.
Meu pai me ensinou esse truque para me acalmar.
Como quando eu estava indo até uma casa para roubar alguma coisa, ou se a polícia
estivesse me interrogando. Ele disse pra eu imaginar que estava numa praia, e me
concentrar nos sons da limpa água azul tamborilando meus pés. Sentir a areia debaixo
dos meus dedos. Respirar fundo o ar marinho. Não funcionou.
Sam atendeu no segundo toque. — Estou em aula prática, — ele disse num sussurro
rápido. — Stavrakis está me dando o olho fedorento. Fale rápido.
Eu tenho bem pouco para oferecer a Sam. Estou confiando nele, mais que em mim,
e eu sei que confiar não vale muito mais. Eu sequer sei o que ele vai querer. — Eu
realmente preciso da sua ajuda.
— Você está bem? Você parece sério. — Eu me fiz rir. — Eu tenho que tirar um
gato do abrigo de animais Rumelt. Pense nisso como prison break26 — Isso fez à mágica,
— ele riu.
— Qual gato?
— Meu gato. Você pensa o quê? Que eu vou resgatar gatos de estranhos? — Deixe-
me ver, ela estava em uma emboscada, ela é inocente. Como todo mundo na prisão. —
Eu pensei em mamãe. A risada borbulhou em minha garganta, tudo errado: sarcástica,
áspera. — Deus, amanhã então? — como se eu tivesse me obrigado a parar.
— Sim, é ele, — eu o ouvi dizer, mas sua voz estava esfumaçada, como se ele
estivesse tapando o telefone. — Você quer vir? – ele disse a outra pessoa, mas eu não
pude ouvir a resposta.
— Sam! — eu disse, batendo minha mão no painel.
— E aí Cassel. — É Daneca, falando suavemente, Daneca com suas drogas, suas
causas e seu nunca notar que eu a evito. — O que é tudo isso sobre esse gato? — Sam
disse que você precisa de uma mão.
— Eu só preciso de uma pessoa, — eu digo a ela. A última coisa que eu quero é ter
alguém como Daneca cuidando das minhas costas. — Sam disse que ele poderia usar
uma bike. — O que há de errado com o carro dele? — Sam dirige um carro funerário,
com aparência muito envenenada, para chegar a ser responsável. Ele o converteu pra
correr com graxa. Dentro sempre tem o cheiro gostoso de comida frita.
— Não tenho certeza, — ela disse. Eu acho que não tenho muitas escolhas, mordi
minha bochecha e rangi as palavras. Eu desliguei o telefone antes que pudesse ser mais
ridículo, minha mente ocupada em imaginar quais possibilidades de pagar o que eu
estava devendo a eles. Se todas as amizades são negociações de poder, eu totalmente
perdi essa negociação.
Vovô estava furioso quando cheguei a casa. Ele começou a gritar comigo assim que
eu atravessei a porta. Merda estúpida sobre eu pegar o carro sem permissão e como essa é
minha casa, e eu devo ser o primeiro a cuidar dela. Ele teve muito a dizer sobre quão
velho e enfermo ele está, me fazendo rir, e minha risada fazendo-o gritar ainda mais.
— Só cala a boca! — eu gritei e subi pro meu quarto.
Ele não disse mais nada.
Vamos pensar sobre a gata que se tornou Lila. Só por outro minuto, mesmo que
você pense que perdeu. Só pra tentar fingir que foi diferente, que foi outra pessoa que a
deixou daquele jeito. Que outra pessoa está executando meus irmãos. E outra pessoa que
precisa de um executor de transformação, que o faça (ou ela) um dos mais poderosos
executores da América. Ao qual eu estava preso, e não podia lutar.
O poster da Magritte colado sobre mim mostrava as costas de um bem cuidado
homem do século XIX olhando para o espelho em seu manto, mas o reflexo no espelho
era da parte de trás de sua cabeça, quando notei isso, eu quis que nunca pudesse ver o
rosto do homem, mas agora, quando eu olho, me pergunto se ele tem um.
Meu telefone tocou por volta das dez da noite. Era Sam, e quando eu atendi, pude
ouvir que ele está bêbado. — Vem pra cá, — ele disse com a voz maníaca e pastosa. —
Eu estou numa festa.
— Eu estou cansado, — eu disse. Eu estive parado no mesmo pedaço de gesso
quebrado por horas, eu não sentia como se quisesse sair.
— Vamos lá, — ele disse. — Eu nem mesmo estaria aqui se não fosse por você.
Eu rolei os olhos.
— O que quer dizer?
— Esses caras me amam agora que eu sou o apostador profissional deles. ele riu. —
Gavin Perry me ofereceu uma cerveja! Você fez isso por mim, cara, e eu não vou
esquecer. Amanhã nós vamos pegar seu gato, e então...
— Tá certo, onde você está?— Era meio divertido que ele pensasse que me deve
qualquer coisa, quando está fazendo coisas por mim nas duas vias. Eu me pus fora da
cama.
Depois de tudo, não há razão para ficar aqui. Tudo que estou fazendo é pensar em
Lila como gata, presa em uma gaiola, e chorando até arranhar sua garganta, ou
examinando minhas próprias memórias.
Ele me deu um endereço. É na casa de Zoe Papadopoulos, eu já estive lá antes. Seus
pais viajam a trabalho enquanto ela hospeda um bando de festeiros.
Vovô está adormecido na frente da TV, no jornal eu vejo o governador Patton, que
tem uma grande proposta de patrocínio. Uma coisa que se supões fazer que todo mundo
teste, se acerta quem é executor, e quem não é. Patton está dizendo como ele acredita que
os executores deveriam vir em frente apoiando sua proposta, então o mundo poderia
saber que eles são bons, cidadãos civilizados que eles reivindicam ser. Ele diz que
ninguém precisa saber o que tem no papel, exceto cada um. Agora ele não tem nenhum
plano de proposta para qualquer legislação que dê ao governo acesso aos seus arquivos
de medicamentos particulares.
Vovô ronca. Eu pego as chaves, e me mando. A casa de Zoe é um dos novos
empreendimentos na Station Neshanic. Num estiramento de alguns hectares, com
florestas agregadas. Era enorme, e quando entrei, a estrada estava obstruída por carros.
As maciças portas duplas foram abertas violentamente, e então uma garota que não
conheço, saiu rindo histericamente na frente da varanda, inclinada contra uma luxuosa
coluna com uma garrafa de vinho tinto em suas mãos.
— O que você está celebrando? — eu pergunto a ela.
— Celebrando, — ela repete, como se não entendesse a palavra. Então um lento
sorriso desliza nos cantos de sua boca. — Vida!
Eu não posso sequer forçar um sorriso de volta. Minha pele coça para estar em outro
lugar. Pra estar arrombando o abrigo de animais. Para estar fazendo alguma coisa. A
espera é o pior dos contras, a longa avenida de horas esperando as coisas começarem a
acontecer, aí é quando os nervos pegam o melhor das pessoas. Eu entrei, controlando
para que meus nervos não peguem o melhor de mim.
A sala de estar está repleta de velas no fim, derretendo parafina na mobília. Umas
poucas crianças estavam aqui, sentadas no chão e tomando cerveja.
Uma secundarista disse alguma coisa, e todos olharam pra mim, e somente quinze
minutos para eles lembrarem. Minha débil e patética vida social estava a um passo de
ficar pior.
Eu dei a eles um aceno e me perguntei se Sam estava ao menos fazendo apostas
sobre os rumores a meu respeito. Era melhor estar.
Na cozinha, um bando de veteranos estava agrupado em volta de Harvey Silverman,
que estava derrubando uma pirâmide com tiros. Lá fora na piscina, eu vi mais dos
festeiros. Estava muito frio para nadar, mas um casal totalmente vestido estava lá mesmo
assim, seus lábios azuis na luz do pátio.
— Cassel Sharpe, — Audrey disse, passando seu braço em mim. — Vejo que a gata
o soltou aqui.
— Os olhos dela estão brilhantes, seu sorriso vago. Ela continua adorável. Ela olha
de relance para Greg Harmsford, encostado contra uma estante de livros, falando com
duas garotas do time de hockey. Eu me pergunto se eles vieram juntos para a festa.
— Como sempre, — ela disse, olhando de volta para mim, — Assistindo das
sombras, observando todos. Julgando-nos.
— Não é isso que eu estou fazendo. — Eu digo. Eu não sei explicar quão assustado
eu estou em ser julgado.
— Eu gostava quando você era meu namorado, — ela disse, e encostou sua cabeça
em meu ombro, talvez pelo hábito, talvez porque está bêbada. É muita ternura pra ser
fingimento. — Eu gostava de você me assistindo.
Eu resisti à urgência de dizer a ela, que se me dissesse que eu fiz as coisas certas, eu
as faria de novas.
— Você não gostava de mim, quando eu era sua namorada? — ela perguntou, sua
voz foi macia, quase uma respiração.
— Você foi à única que terminou. — eu disse a ela, mas minha voz quebrou, e as
palavras saíram cuidadosas. Eu não me importo com o que estou dizendo. Só me importo
em mantê-la aqui, falando comigo. Ela me faz sentir que é possível deslizar da minha
antiga vida para a dela, onde tudo e fácil e honesto.
— Eu não terminei com você, — ela disse. — Eu não acho.
— Oh, — eu disse, então me inclinei e a beijei. Eu não pensei. Não pense. Eu só
encostei meus lábios contra os dela. Ela tinha gosto de tequila. Era um beijo raivoso,
muito cheio de aflição, frustração e conhecimento que eu estava pirando com tudo e não
sabia o que fazer quando as coisas ficavam piores e piradas.
Ela alcançou meus ombros com suas mãos gentis. Ela não me afastou. Seus dedos
fazendo espirais em meu pescoço fizeram um pouco de cócegas, e eu ri em seus lábios.
Eu diminuí. Melhor. Ela lambeu minha boca.
Eu deixei meus dedos passearem em sua clavícula, entrando no espaço em seu
pescoço. Eu quis beijá-la ali, quis passar minha boca e minha língua através da estrada de
sardas em sua pele leite.
— Ei, — Greg disse. — Sai de perto dela. — Audrey hesitou para trás, para perto de
Greg. Eu senti como se tivesse voltado à tona de águas profundas, enquanto me arqueava.
Eu esqueci que estávamos em uma festa.
— Você está bêbada, — Greg disse a ela e agarrou em seus braços. Audrey oscilou
um pouco instável.
Meus dedos se fecharam em punhos. Eu quero jogá-lo na parede, quebrar meus
punhos na cara dele. Olho para Audrey esperando um sinal. Digo a mim mesmo que ela
parece assustada, ou mesmo chateada, e eu vou machuca-lo.
Mesmo assim ela está olhando pra baixo, seu rosto virado para longe de mim. Toda
raiva chafurdando em algo repugnante.
— O que você faz aqui? — Greg disse. — Eu achei que a diretoria finalmente
tivesse percebido o marginal que você é e te chutado.
— Eu não acho que esse seja um evento escolar oficial, — eu respondi.
— Ninguém quer você por perto, amaldiçoando as namoradas alheias. — Seu
sorriso é um borrão. — Ambos sabemos que esse é o único modo de você ter um
encontro.
Eu penso em Maura, e minha visão estreita. É como se estivesse olhando para Greg
através de um túnel de escuridão. Meus punhos se apertam tão forte, que eu posso sentir
minhas unhas atravessando o couro das minhas luvas.
Eu o atingi forte, mandando o escorregando pelo chão de madeira. Meu pé está a
caminho de se cravar em sua costela, mas antes, Rahul Pathak me agarra pela cintura e
me puxa pra longe dele.
— Cai fora Sharpe, — Rahul diz, mas eu me esforço contra o seu aperto. Tudo o
que eu quero é chutar Greg de novo. Alguém que eu não consigo ver agarra meu pulso, e
prende atrás de mim. Audrey se foi. Greg se levanta, esfregando a boca.
— Eu li o julgamento de sua mãe, Sharpe. Eu sei que você é igual a ela.
— Se eu fosse eu faria você implorar pra eu te socar, — eu zombei.
— Leve o lá pra fora, — alguém disse, e Rahul me guiou em direção à porta. Os
nadadores olharam para cima quando nós atravessamos. Algumas pessoas sentadas
levantaram-se, como se estivessem esperando uma briga.
Eu tentei me forçar fora do aperto dos caras, e quando eles me soltaram, eu não
esperava, e fui direto para a grama.
— O que deu em você? — Rahul disse. Ele respirava com dificuldade.
Eu olhei para as estrelas.
— Desculpe, — eu disse. A outra pessoa me segurando me virou, e se revelou
Kevin Ford. Ele é baixo, mas encorpado. Um lutador. Ele estava me olhando, como se
esperasse que eu tentasse alguma coisa. — Fica frio, — Rahul disse. — Isso não parece
com você, cara.
— Eu acho que me esqueci de mim mesmo, — eu disse. Eu esqueci que não
pertencia. Que nunca pertenceria.
Eu coloquei meu charme, para estar em seus livros, mas eu nunca seria seu amigo.
Eu esqueci meu delicado principio de pretexto, que minha vida social estava sendo
construída.
Kevin e Rahul andaram de volta para a casa. Kevin disse alguma coisa, muito baixo
para que eu ouvisse e Rahul riu baixinho.
Eu olhei para as estrelas de novo. Ninguém nunca me ensinou as constelações, então
pra mim elas eram todos pontinhos. Caos, não é um exemplo, mesmo assim. Quando eu
era criança, eu fiz uma constelação, mas não pude encontrá-la uma segunda vez.
Aquém se arrastou através da grama pra me alcançar, borrando as caóticas estrelas.
Por um momento, eu pensei que poderia ser Aubrey. Era Sam.
— Aí está você, — Ele disse. Eu me levantei enquanto ele tropeçava, e vomitava no
arbusto de hortênsias embaixo da janela da cozinha. Algumas das garotas sentadas no
saguão começaram a rir. — Estou feliz que você está aqui, — Sam disse quando
terminou, — mas acho que é melhor você me levar pra casa.
Eu peguei café pra ele, em um drive-thru de fast food, e misturei com um bocado de
açúcar. Eu achei que isso ia ajudá-lo a ficar sóbrio, mas ele vomitou mais no asfalto do
estacionamento. Ele limpou a boca, respirando. Eu liguei o rádio, e nós sentamos lá pra
escutar seu estômago gorgolejar. Outra música, sobre alguém executado por amor. Como
era romântico passar por uma lavagem cerebral.
— Eu fingia que era um executor quando era criança, — ele disse.
— Todo mundo — eu disse a ele.
— Até mesmo você?
— Especialmente eu.
Eu oferecia outra xícara de café. Era minha e eu tinha deixado preto, mas devia ter
mais sachês de açúcar em algum lugar. Ele balançou a cabeça.
— Como se descobre um executor? Quando você sabe que não é?
— Estou certo que é a mesma coisa com você. Nossos pais nos dizem para não fazer
bagunça com os executores por aí. Minha mãe vai tão longe que nos diz que a criança
que usou trabalha antes de crescer, morreu com um golpe de retorno27.
— Isso não é verdade? — Eu franzi. — O único modo de matar os outros é se você
for muito azarado com o golpe de retorno, e com execuções de morte, e mesmo assim,
não importa quantos anos você tem. Mas meus irmãos sabiam quando eram bonitinhos.
Barron ganhou coisas de outras pessoas, perdendo, sabia? E Phillip sempre estava indo
bem nas lutas. — Eu me lembro de mamãe sendo chamada na escolinha quando Phillip
quebrou as pernas de três meninos maiores que ele. O tiro de retorno o deixou doente por
um mês, mas ninguém mexeu com ele de novo. Eu não sei como ela administrou isso,
mas ninguém o reportou à justiça. Eu tentei pensar em um exemplo com Barron sobre
isso, mas nada me veio à mente. — Uma vez que você se descubra um executor, você
aprende coisas secretas sobre os outros executores. Eu não posso te dizer essa parte,
porque eu não sei.
— Você supostamente pode me dizer metade disso?
— Não, — Eu disse ligando o carro.
— Mas você está tão bêbado que estou lindamente certo que você não vai lembrar
de qualquer jeito.
Alguma coisa entre pedir desculpas para Sr. Yu por trazer Sam para casa tão tarde,
jogando-o em sua cama, e voltando para o estacionamento de arquitetura colonial, eu
percebi alguma coisa.
Se Lila é um gato, então existe um executor de transformação aqui nos Estados
Unidos. Eu sabia disso antes, mas ainda não tinha realmente pensado sobre o que isso
queria dizer. O governo faria tudo o que pudesse para recrutá-lo para si. Os criminosos
familiares estariam desesperados para contratá-lo. Era isso que eles estavam conspirando.
Se Phillip soubesse quem é essa pessoa, a memória do executor faria sentido.
Eles realmente tinham um executor de transformação.
E alguma coisa importante me estava escapando.
Capítulo Dez
Sam e Daneca me encontram fora da cafeteria. Estão, sentados no capô de seu carro
fúnebre antigo, um Cadillac Superior 1978 no estacionamento lateral; e Sam está
horrível, tomando pequenos goles de seu enorme copo, enquanto o faz, estremece. O
carro está perfeitamente polido, sua pintura preta metálica encerada esta riscada apenas
pelo adesivo que diz IMPULSIONADO POR OLEO 100% VEGETAL, colado bem
encima do para-choque cromado. Sam usa uma jaqueta sobre uma camisa branca com
uma gravata, mas a jaqueta é muito curta nos braços, como se talvez estivesse guardado
na parte superior de seu armário durante muito tempo.
Daneca esta estranha sem uniforme. Usa jeans largos na parte inferior por cima de
suas sandálias finas, mas sua blusa branca esta perfeitamente passada.
— Vejo que seu carro esta fora da loja. — digo a Sam.
Ele fica confuso. — Meu carro–.
Daneca discute. — Pensei em vir de qualquer modo, já que eu disse que o faria.
Tomo uma respiração profunda e limpo minhas mãos em minha calça. Estou muito
nervoso para me preocupar em que eles me meteram. — Realmente gosto de caras que
renunciem ao seu sábado para me ajudar. — digo, virando uma nova página de
Comportamento Cavalheiresco.
— Então, qual é o problema com este gato? — Daneca pergunta.
— É de um amigo da família. — digo, esperando que eles rissem.
Sam olha seu copo. Posso ver o brilho de suor em seu rosto. Parece-se com uma
enorme ressaca. — Pensei que você tivesse dito que o gato era seu.
— Bem, ele é. Era meu. — estou apenas me confundindo. Estou esquecendo os
fundamentos da mentira. Deve ser simples. A verdade é complicada, por isso que
ninguém acredita em uma mentira até a metade. — Isto é o que preciso que façam...
Suponho que não recebeu meu recado?
— Por acaso não estou bem vestido o suficiente? — Sam pergunta, inclinando-se
para trás de modo a que possamos apreciar o esplendor de seu traje.
— Não bebi Haterade28.
— Você parece louco. — digo, sacudindo a cabeça. — Como um empregado louco.
Ou um garçom.
Ele olha para Daneca e ela começa a rir. — É por isso que você está vestida assim?
— Sam se aloja novamente no carro. — Isto não é tão bom para o meu ego.
— Daneca pode fazê-lo. — digo. — Daneca representa mais o papel.
— Humilhação sobre humilhação. — queixa-se Sam. — Daneca parece rica porque
é rica.
— Você também é. — disse-lhe, o que faz com ela coloque seus óculos de sol sobre
os olhos e se queixe de novo. Os pais de Sam são donos de uma rede de concessionárias
de carros, por isso parece irônico que dirija um carro fúnebre e se oponha as grandes
petroleiras.
— Não vai ser difícil. — digo, tentando tirar da minha cabeça todas as vezes que a
ignorei. — Você vai ser uma boa menina rica que supostamente tem aos seus cuidados o
gato branco de pelo longo de sua avó.
O gato também tem um colar de cristal Swarovski avaliado em milhões.
Sam senta-se. — Seu gato é persa? Adoro suas pequenas caras achatadas. Sempre
paracem tão irritados.
— Não. — digo-lhe com toda a calma que posso, mesmo querendo bater em Sam,
na cabeça. — Não é meu gato. É seu gato; Apenas me deixe terminar.
— Mas ela não tem um gato. — levanta suas mãos ante meu olhar. — Bem.
— Em primeiro ligar, você irá atrás de Coconut, mas depois perguntará se tem gatos
suavemente brancos. Você esta desesperada. Sua avó voltará para casa na segunda feira e
vai te matar. Terá que pagar quinhentos dólares para a pessoa detrás do balcão por
qualquer gato completamente branco e peludo..., sem fazer perguntas. — eles estão se
olhando de maneira estranha. — Não há nenhum monitor no escritório que comprove.
— Portanto, me dão um gato e eu lhes dou dinheiro? — Daneca pergunta.
Balanço a cabeça. — Não. Eles não têm um gato branco, suave e peludo. Nosso gato
é um gato de pelo curto.
— Cara, eu acho que seu plano tem uma falha. — Sam disse lentamente.
— Confiem em mim. — digo-lhes e coloco meu maior e mais encantador sorriso.
Daneca vai para o abrigo de Animais Rumelt e vira-se, parecendo um pouco agitada.
— Como foi? — pergunto-lhe.
— Não sei. — disse, e por um momento, estou furioso de não poder ter jogado sua
parte também. Estou furioso por seus pais não tenham lhe ensinado a mentir e enganar
adequadamente, portanto agora eu sou traída por sua inexperiência.
— Tinha uma mulher lá? — pergunto, mordendo o interior de minha boca.
— não, estava um tipo magro. Com uns vinte anos; suponho.
— O que você disse quando falou sobre o dinheiro? Ou o colar?
— Nada. — disse. — Que não tinha nenhum gato branco suave. Não sei se fiz bem.
Estava tão assustada.
— Esta bem. — pegou-lhe a mão. — Estar assustada é bom, Acaba de perde a
Coconut de sua avó. Qualquer pessoa se assustaria. Apenas me diga, deu-lhe o seu
número?
— Essa foi à única vez que ele parecia interessado no que estava dizendo. — ela ri.
— E agora fazemos o que?
Encolho os ombros.
— Agora esperamos. A parte seguinte não poderá acontecer durante uma hora pelo
menos. — olho para Daneca e ela me dá o mesmo olhar que me deu quando me neguei a
me inscrever para qualquer uma de suas causas. O olhar que dizia que eu havia traído a
quem ela pensava que deveria ser. Mas não tira sua mão enluvada da minha.
— Quando é que eu tenho que fazer minha parte? — Sam pergunta. Estou doente
dos nervos. Esta parte é delicada e se não funcionar, meu único plano de respaldo é
recrutar tipos sem casa para tentar adotar o gato.
— Posso lidar com isso. — digo.
Ele me dá um olhar ferido. — Quero ir junto para te ver trabalhar sua magia.
Sinto-me mal por arrastá-lo aqui em um sábado por nenhuma razão.
— Esta bem. Digo finalmente. — Tem apenas que seguir meu exemplo.
Esperamos uma hora e meia, bebendo café e chocolate quente até que minha pele
parecia nervosa. Por último pego uma pulseira de uma bolsa de Claire coloca-a em meu
bolso e pego um monte de folhetos de minha bolsa. Daneca esta comendo de um pacote
de grãos de café cobertos de chocolate e me olha de maneira estranha. Pergunto-me se
alguma vez poderei voltar a Wallingford, ou se já revelei muito de mim mesmo.
Pergunto-me se devo dizer-lhe que sua parte terminou e que pode ir para casa, mas
se dissesse, deveria tê-lo feito há mais de uma hora, portanto decido que é melhor não
fazê-lo agora.
— Para que são aqueles? — Sam pergunta, apontando os panfletos.
— Já verá. — digo. Cruzamos a avenida, o que implica nós nos encontrarmos
atravessando duas carreiras de tráfego quando o farol muda, e depois caminhar por uma
rua lateral até chegar ao refúgio. Há um monte de gente ali para um sábado, a maioria
deles em uma sala cheia de gatos, onde se refugiam na varanda coberta por dezenas e
dezenas de gatos miando, cochilando e arranhando. Sinto que meu coração cai quando
vejo que Lila não esta ali. A possibilidade de que tenha sido levada para casa com uma
família já titubeava em meu coração.
Lila.
Não estou fingindo ou vendo-a mais quando penso
O gato branco é Lila.
Sam me olha como se acabasse de perceber que eu não tenho nem ideia do que
estou fazendo. Clareioo minha garganta. O homem no balcão me olha. Seu rosto é uma
mistura de grãos.
— Hey, eu posso colocar isto aqui? — digo-lhe e seguro um panfleto.
É um papel branco brilhante e há uma fotografia que baixei da internet do lindo
peludo gato persa branco que pude encontrar sem colar. Uma nítida imagem de nossa
descrição de Coconut. Em cima está a palavra, ―ENCONTRADO‖ e depois um número
de telefone. Coloquei o panfleto sobre a mesa diante desse tipo.
— Claro. — disse.
É um sinal perfeito. Jovem o suficiente para querer o dinheiro e a glória de ajudar
uma garota bonita. De repente estou muito contente de que Daneca decidisse ser parte do
plano.
Começo a colar outra copia no balcão, rezando para que no caos o tipo visse o
panfleto que eu deixei na mesa para ele. Uma mulher mais velha começa a perguntar por
um mistura de Pit Bull, o distraindo. Sam está inquieto ao meu lado como se não tivesse
ideia do que está acontecendo. Cai um panfleto da minha mão como se fosse um acidente
e eu o pego de novo.
Finalmente a mulher vai embora.
— Obrigado por me deixar colocar isto. — digo, chamando a atenção do homem, e
finalmente ele olha para o panfleto. Posso ver as engrenagens movendo-se atrás de seus
olhos.
— Hey. Você encontrou este gato? — disse.
— Sim. — eu digo. — Espero mantê-la. — as pessoas adoram ajudar. Faz-lhes se
sentir bem. A ganância é a cereja do bolo. — Minha irmãzinha esta super. Feliz. Esteve
querendo um gato por muito tempo.
Sam me olha quando eu digo ―super.‖ Talvez tenha razão, tenho que atenuá-lo.
Deslizo minha mão para o meu bolso e pego uma pulseira que brilha com as luzes
fluorescentes.
— Veja este colorido colar. — eu rio. — Quem coloca algo como isto em um gato?
— Acho que conheço o proprietário. — disse o homem lentamente. Seus olhos
brilham como as pedras.
Em termos de persuasão, bem, eu já vi piores.
— Cara, minha irmã vai ficar decepcionada. — respiro profundamente e a deixo
escapar novamente. — Bem, diga ao seu amigo que me ligue.
Esta é a hora da verdade, e quando olho o rosto branco em cima do balcão, posso
dizer que eu o tenho. Provavelmente ele não seja um cara mal, mas quinhentos dólares é
bastante atraente. Além do colar.
Além do mais, ele teria um desculpa para ligar para Daneca.
— Espere. — disse ele. — Quem sabe você possa trazer o gato aqui, tenho certeza
que conheço o dono. O nome do gato é Coconut.
Viro-me para a porta e depois para ele.
— Fui estúpido em dizer para minha irmã, mas agora ela esta toda feliz e..., bem,
presumo que não teriam algum gato branco aqui? Tudo o que eu disse a ela foi sobre a
cor.
Ele parece ansioso. — Temos. Claro.
Deixei sair a minha respiração. Não estou fingindo o alivio que se vê em meu rosto.
— Oh, maravilha. Eu adoraria ter um gato branco para levar para casa.
Ele sorri. Como eu disse, as pessoas adoram ajudar, especialmente quando podem
ajudar a si mesmo quando o fazem.
— Ótimo. — digo. — Deixe-me levar os papéis e nós levaremos o gato. O gato
peludo de seu amigo está na casa desse garoto. Então iremos buscá-la e te traremos. —
indiquei Sam.
— A coisa provavelmente esta enchendo o sofá da minha mãe com pulgas. — disse
Sam, o que é perfeito. Desejaria poder lhe dizer isso, mas tudo o que eu possa fazer é lhe
dar um olhar agradecido.
Marco os dedos no formulário, e desta vez sei o que fazer. Escrevo minha idade
como sendo dezenove, especificando um veterinário e invento um nome que nem sequer
está próximo do meu.
— Você tem alguma identificação? — ele pergunta.
— Claro. — eu digo, alcançando minha carteira em meu bolso traseiro. Eu a abro e
toco o lugar onde estão as carteiras de motorista para dirigir Vans. A minha não esta ali.
— Oh, cara. — eu digo. — Este não é o meu dia.
— Onde você a deixou. — pergunta o homem.
Balanço a cabeça. — Não tenho ideia. Olha; eu entendo totalmente se isso quebra as
regras ou o que for. Procurarei outro lugar para pregar os panfletos, depois irei buscar
minha licença. Talvez seu amigo possa me ligar e simplesmente eu lhe entregar o gato.
Minha irmã entenderá.
O tipo me dá um olhar longo, me avaliando. — Você tem as taxas de adoção? — ele
pergunta.
Olha para baixo, para o papel, mas eu já sei o que ele diz. — Cinquenta dólares,
claro.
A porta de entrada soa e algumas pessoas a atravessam, mas o homem atrás do
balcão mantem seus olhos em mim. Lambe os lábios.
Pego o dinheiro e o coloco sobre o balcão diante dele. Gastei um tanto da minha
poupança nos últimos dias, entre as más apostas e os gastos. Vou ter que ser cuidadoso se
Lila e eu terminarmos vivendo do resto.
— Está bem, eu vou te ajudar. — disse, pegando o dinheiro.
— Oh! — digo. — Legal. Obrigado. — sei que é melhor exagerar.
— Então este gato de pêlo longo. — disse Sam, e eu congelo, desejando que ele não
meta a pata nisso. Olha o homem atrás do balcão. — Você precisa chamar o seu amigo
ou algo assim?
— Eu o farei. — ele disse, e eu posso ver o vermelho deslizando por seu pescoço.
— Quero lhe fazer uma surpresa.
Uma mulher se aproxima do balcão, aperta um formulário preenchido em sua mão.
Parece impaciente. Tenho que jogar.
— Podemos levar o gato agora? — pergunto. Coloquei o bracelete sobre o balcão.
— Oh, seu amigo provavelmente vá querer seu colar de volta também.
Ele olha para a mulher e depois para mim. Então sua mão se fecha sobre o bracelete
e se dirige para a parte posterior e volta alguns minutos mais tarde brandindo um
transporte para animais de estimação.
Minha mão treme quando o pego. Sam me sorri com espanto, mas tudo o que eu
posso pensar é que eu a tenho. Eu o fiz. Está aqui em minhas mãos. Olho através dos
buracos de ar e posso vê-la, andando de um lado para o outro. Lila. Uma sacudida de
terror me transpassa no quão errado é que ela esteja presa nesse pequeno corpo.
— Estarei de volta em uma hora. — digo ao homem, com a esperança de nunca
voltar a vê-lo.
Não me agrada está parte.
Sempre odiei a parte em que sei que eles estarão esperando, sua esperança se azeda
com a vergonha de sua própria credulidade.
Mas eu aperto a mandíbula, pego o transporte de gatos com Lila nele e saio pela
porta. Quando o abro no estacionamento da cafeteria, a primeira coisa que ela faz é me
morder forte na palma de minha mão. A próxima coisa que faz é ronronar.
Mamãe disse que porque ela pode fazer com que as pessoas sintam o que ela quer,
ela sabe como pensam. Disse que se eu fosse como ela, teria o instinto também.
Talvez por ser um executor tente ser toda mística, mas acho que mamãe conhece a
pessoa porque olha em seus rostos muito de perto. Há aqueles olhares da pessoa que dura
menos de um segundo, micro expressões, as chama de pistas fugazes que revelam muito
mais do que desejamos. Acho que minha mãe vê isso até mesmo sem nem sequer se dar
conta. Eu os vejo também.
Enquanto caminhamos até a cafeteria com o gato em meus braços, posso dizer que
Sam se assustou pelo estresse, por sua parte nela, por meu planejamento. O que posso
dizer? Não importa o tanto que eu lhe sorria.
No entanto, eu não sou minha mãe. Não sou um executor de emoções. Saber que ele
se assustou não me ajuda. Não posso fazer com que se sinta diferente.
Coloco o gato em uma das mesas de café e pego alguns guardanapos para limpar o
sangue de meu pulso. Minha mão lateja. Daneca sorri para o gato como se fosse um
conjunto completo de prata Gorham recentemente caída de um caminhão.
Lila mia e o barman olha por trás da maquina de café expresso. O gato chora de
novo, depois pego um pouco de espuma da borda do copo de papel de Daneca.
Eu somente olho para a Lila-gato, totalmente incapaz de fazer algo mais do que
sufocar o estranho som de lamento que se arrasta até o fundo de minha garganta.
— Não. — disse Daneca, movendo o gato. O gato mia e então desfalece sobre a
mesa. Começa a lamber sua perna.
— Não vai acreditar como eu fiz. — disse Sam para Daneca, inclinando-se para
frente com entusiasmo.
Olho para o barman e para os outros clientes, depois para ele. Todo mundo presta
muita atenção em nós. O gato começa a mastigar o extremo de uma unha.
— Sam. — eu digo, advertindo-lhe.
— Sabe Sharpe. — disse, me olhando e depois olhando ao redor. — Você tem
algumas habilidades interessantes.
Eu sorrio em reconhecimento de suas palavras, mas dói. Tenho sido tão cuidadoso
de não deixar ninguém na escola ver o meu outro lado, ver o que eu sou, e agora
estraguei isso em meia hora.
Daneca inclina a cabeça. — Você é doce. Todo este problema por um gatinho. —
acaricia a parte superior da cabeça do gato, esfregando atrás de suas orelhas.
Meu celular toca em meu bolso, vibrando. Coloco-me de pé, deixando cair os
guardanapos com sangue no cesto de lixo e atendo o telefone. — Alô.
— Será melhor que você traga meu carro. — disse o avô. — Antes que eu chame a
policia e diga a eles que você o roubou.
— Desculpe. — digo com arrependimento. Então o resto do que ele disse se funde e
eu rio. — Espera, você acaba de me ameaçar com chamar a policia? Como eu adoraria
ver isso.
O avô resmunga e eu acho que talvez ele esteja rindo também. — Dirija-se para
onde Philip está; que ele quer ter alguma espécie de jantar conosco. Disse que Maura vai
cozinhar. Você acha que ela seja uma boa cozinheira?
— O que você acha de comprar uma pizza? — eu digo, olhando para o gato. Ele
esta se esfregando na mão de Daneca. — Deixe-me me tranquilizar fora de casa. — não
acho que esteja pronto para ver Philip e não estapear sua cara.
— Muito tarde, pequeno frouxo. Já passo para te buscar e você é minha viagem para
casa, portanto traga seu rabo para o apartamento de seu irmão.
Começo a dizer algo, mas a linha cai.
— Você está com problemas? — Sam pergunta. A forma como o diz, me faz
questionar-me se ele está pensando em como sair daqui se eu estiver.
Balanço a cabeça. — Um jantar de família. Chego tarde. — quero lhes dizer o quão
agradecido que estou, de como sinto ter que arrastá-los a minha bagunça, mas nada disso
é certo. Só lamento por mim mesmo. Lamento que agora saibam algo que eu não quero.
Adoraria poder lhes fazer esquecer. Por um momento eu entendo o impulso de executar a
memória até meus ossos.
— Ah! — eu digo. — Um de vocês pode cuidar da gata por algumas horas?
Sam geme. — Vamos Sharpe. O que é que realmente esta acontecendo aqui?
— Eu cuidarei. — se oferece Daneca. — Com uma condição.
— Talvez possa deixá-la no carro. — eu digo. Sobretudo quero olhar seus estranhos
olhos de gato e suas patinhas e lhe perguntar se ela é Lila. Apesar do que eu já tinha
decidido. Quero voltar a decidir.
Não se pode manter um gato em um carro. — ela disse. — Ficará muito quente.
— Claro. Você tem razão. — sorrio, mas parece mais como uma careta. Então
balanço minha cabeça, como se estivesse tentando me desfazer da minha expressão.
Estou muito longe de meu caminho. Confundo-me. — Você poderia cuidar dela durante
a noite?
O gato grunhe do fundo de sua garganta.
— Confie em mim. — disse ao gato. — Eu tenho um plano. — Daneca e Sam me
olham como se eu tivesse perdido a cabeça.
Não quero estar longe dela, mas vou precisar de um pouco de tempo para tirar o
resto do meu dinheiro da biblioteca e conseguir um carro. Então poderemos sair da
cidade. Essa é a única forma que ela vai estar a salvo.
Daneca encolhe os ombros. — Acho que sim, mas vou estar à noite na residência de
estudantes. Meus pais tem alguma conferência, por isso depois do jantar dirigirão até
Vermont. Minha companheira de quarto não é alérgica nem nada e eu com bastante
certeza de que serei capaz de escondê-la. Acho que vai ficar bem.
Lila mia, mas me levanto de qualquer modo, imaginando-as tendo uma festa e
passando a noite juntas. Pergunto-me que tipo de sonhos Daneca vai ter.
— Obrigado. — digo mecanicamente. Minha mente esta correndo com planos.
— Espere. — disse ela. — Eu disse que havia uma condição.
— Oh! — digo. — Claro.
— Eu quero que me leve em casa.
— Eu posso... — começa Sam.
Daneca o interrompe. — Não, preciso que Cassel me leve. E que esteja de acordo
em entrar em minha casa por um minuto.
Suspiro. Sei que sua mãe quer falar comigo, provavelmente porque pense que sou
um executor me negando a me unir a causa. — Não tenho tempo. Tenho que chegar à
casa de meu irmão.
— Há tempo. — disse Daneca. — Eu disse que é apenas um minuto.
Suspiro novamente. — Bem, está bem.
A casa de Daneca está bem ao lado da rua principal de Princeton, um elegante piso
antigo colonial com hortênsias verdes e âmbar que demarcam a cerca. Cheira a dinheiro
antigo, o tipo de educação que permite a elite se manter desta maneira, e o privilegio
intimidante. Nunca sequer entrei em uma casa assim.
Daneca, no entanto, vai para o interior como se não fosse nada. Deixa sua mochila
cair na entrada, baixa o transporte de gatos para o chão de madeira polida, e se dirige por
um corredor cheio de gravuras antigos pensadores.
O gato mia em voz baixa de sua jaula.
— Mamãe. — Daneca chama. — Mamãe.
Eu paro na sala de jantar, um vaso azul e branco, cheio de flores ligeiramente
murchas descansa sobre uma mesa polida, entre candelabros de prata.
Meus dedos formigam pela vontade de empurrar aqueles candelabros para minha
bolsa.
Olho novamente para a sala, por instinto e vejo um menino loiro que parece em
torno dos doze anos de pé nas escadas. Este me olhando como se soubesse que sou um
ladrão.
— Uh, olá. — digo. — Você deve ser o irmão de Daneca.
— Que se foda. — disse o menino e volta a subir as escadas.
— Aqui. — grita a mãe de Daneca, e ela caminha nesta direção. Daneca esta me
esperando próxima a porta entreaberta de um cômodo cheio de livros até o teto. A
senhora Wasserman senta-se em um sofá perto de uma pequena mesa.
— Perdido? — Daneca me pergunta.
— É uma casa grande. — eu digo.
— Bom, traga-o. — disse a senhora Wasserman, e Daneca me introduz no interior.
Senta-se na poltrona da escrivaninha de madeira de sua mãe e a faz girar um pouco com
um de seus dedos dos pés.
Sou deixado para me sentar na beira de um divã de couro marrom.
— É um prazer te conhecer. — digo.
— Sério? — a senhora Wasserman tem um bagunçado cabelo castanho crespo que
não parece lhe incomodar. Seus pés descalços estão cobertos por uma meia de aspecto
suave. — Fico feliz. Ouvi dizer que você é um pouco cauteloso conosco.
— Não quero decepcioná-la, mas eu não sou um executor. — eu digo. — Penso que
talvez tenha havido um mal entendido.
— Você sabe de onde provem o termo ―executor‖? — ela pergunta, inclinando-se
para frente, fazendo pouco caso de meu desconcerto.
— Executar magia? — pergunto.
— É muito mais moderno do que isso. — disse. — Há muito tempo, fomos
chamados de ―magos‖. Mas desde o século XVII até a década de 1930, fomos chamados
de ―mãos que tocam‖. O termo ―Executor‖ vem dos campos de trabalho29. Quando a
proibição foi aprovada, ninguém sabia realmente como fazê-la cumprir, então as pessoas
esperavam o julgamento nos campos de trabalho. O governo demorou muito para
encontrar uma maneira de levar a cabo um julgamento. Algumas pessoas esperaram anos.
Aí é onde as famílias do crime começaram..., naqueles acampamentos. Começaram a
recrutar. A proibição criou o crime organizado como nós o conhecemos.
— Na Austrália, por exemplo, onde a execução nunca foi ilegal, não há nenhum
grupo real com o tipo de poder que nossas famílias do crime têm. E na Europa, as
famílias estão tão enraizadas que são praticamente os segundos governantes.
— Algumas pessoas pensam que os executores não têm direitos. — digo, pensando
em minha mãe. — E na Austrália nunca foi ilegal os executores de maldição, já que foi
fundada pelos executores de maldição ou magos ou mãos que tocam, ou seja, o que for;
quem tenha sido enviado a uma colônia penal.
— Realmente você conhece qual é sua historia, mas quero que veja algo. — a
senhora Wasserman coloca uma pilha grande de fotos em branco e preto diante de mim.
Homens e mulheres com as mãos cortadas, balançando tigelas sobre suas cabeças. — Isto
é o que acostumava acontecer com os executores de todo o mundo e ainda o fazem em
alguns lugares. As pessoas falam de como os executores abusavam de seu poder, sobre
como era o poder real por trás dos tronos, designadores de reis, mas você tem que
entender que, a maioria dos executores estavam em pequenas aldeias. Muitos ainda estão.
E a violência contra eles não é levada a sério.
Ela tem razão nisso. É difícil levar a sério a violência quando os executores são os
que têm todas as vantagens. Olho as fotos novamente. Meus olhos continuam parando
sobre a carne brutalmente cortada, escura e provavelmente queimada.
Ela me vê olhar fixamente.
— Uma coisa surpreende. — disse. — Alguns deles aprenderam a trabalhar com os
pés.
— Verdade? — olho para ela.
Ela sorri. — Se mais pessoas souberem disso, não sei se as luvas seriam tão
populares. O uso de luvas data do Império Bizantino. Naquele tempo então as pessoas as
usava para se proteger do que chamavam de toque. Eles acreditavam que os demônios
caminhavam entre as pessoas e seu toque traria o caos e terror. Nisto então se pensava
que os executores eram demônios que podiam ser negociados com grandes recompensas.
Se tivesse um bebê executor, era porque tinha entrado um demônio dentro dele. Justiano,
o primeiro imperador, pegou todos os bebês e os criou em uma enorme torre, um exército
irrefreável de demônios.
— Porque me diz isto? Sei que os executores têm sido usados em um monte de
diferentes maneiras estúpidas.
— Porque Zacharov e os outros chefes das famílias do crime estão fazendo o
mesmo. Sua gente dá voltas por todas as estações de ônibus nas grandes cidades à espera
de fugitivos. Dão-lhes um lugar para ficar e um pequeno emprego e antes que saibam,
são como meninos-demônios bizantinos, adquirem uma divida que os faz ser tratados
como presos ou prostitutas.
— Temos um menino que fica conosco. — disse Daneca. — Chris. Seus pais o
largaram.
Penso no menino loiro na escada.
A senhora Wasserman dá para Daneca um olhar severo. — Esta é a história de
Chris.
— Tenho que ir. — eu digo me levantando. Sinto-me desconfortável, sinto como se
minha pele estivesse muito apertada. Tenho que sair desta conversa.
— Quero que saiba que quando estiver pronto, eu posso te ajudar. — ela disse. —
Você poderia salvar muitos meninos das torres.
— Não sou quem você acredita que eu seja. — digo. — Eu não sou um executor.
— Você não tem que sê-lo. — disse a senhora Wasserman. — Você sabe coisas,
Cassel. Coisas que poderiam ajudar gente como Chris.
— Eu te acompanharei até lá fora. — disse Daneca.
Eu me dirijo até a porta rapidamente. Tenho que sair. Sinto como se não pudesse
respirar.
— Está bem. Eu te verei amanhã. — eu murmuro.
Capítulo Onze
O RICO ODOR DA ovelha com alho me atinge quando abro a porta do apartamento
de Philip e da Maura. Apesar de me incomodar com toda essa baboseira sobre a obtenção
de direitos, vovô está dormindo em uma poltrona com um copo de vinho tinto, que
descansa em seu estômago, embalado nas garras soltas de sua mão esquerda e se
inclinando um pouco em direção ao seu peito. Na televisão na frente dele um pregador
cheio da grana está falando sobre os executores se apresentarem e se voluntariar para
serem testados, para que então as pessoas possam dar as mãos em sinal de amizade, sem
luvas. Ele diz que todas as pessoas são pecadoras e o poder é muito tentador. Executores
irão se entregar eventualmente se eles não estivessem sendo vigiados.
Eu não tenho certeza se ele está errado, exceto sobre todo aquele negócio das mãos
tocando estranhos, o que soa nojento.
Eu escuto o tilintar dos pratos enquanto Philip sai da cozinha. Eu recuo ao vê-lo. É
como ter algum tipo de dupla visão surreal. Philip meu irmão. Philip que provalmente
está roubando as minhas memórias e de Barron.
— Você está atrasado, — ele diz.
— Qual é a ocasião? — eu pergunto. — A Maura está caprichando.
Barron sai detrás de Philip, segurando duas taças de vinho. Ele parece mais magro
do que da última vez que eu o vi. Seus olhos estão vermelhos e seu cabelo curto em
camadas parece maior, bagunçado, enrolado. — Ela está doida. Continua dizendo que ela
nunca fez um jantar antes. É melhor você voltar lá, Philip.
Eu quero sentir pena dele, pensando em todos aqueles bilhetes malucos para ele
mesmo, mas tudo o que posso ver é uma pequena gaiola no chão cheio de camadas
grudentas de urina. Tudo o que eu consigo pensar é ele aumentando o som da música
para afogar os choros da Lila.
Philip joga as mãos para cima. — Maura sempre torna as coisas maiores do que são.
— Ele retorna novamente para a cozinha.
— Então por que você está fazendo isso? — Eu pergunto para o Barron.
Ele sorri. — O recurso da mamãe está quase acabando. Nós só estamos esperando
pelo veredito. Está acontecendo.
— Mamãe vai sair? — Eu pego a taça de sua mão e bebo o vinho de um gole só. É
errado que a primeira coisa que sinto é pânico. Mamãe saindo da cadeia quer dizer ela de
volta em nossas vidas, se metendo. Quer dizer caos.
E então eu lembro que não estarei aqui. No caminho para cá eu desisti da ideia de
ter um carro. Amanhã eu vou usar um dos computadores da escola para marcar uma
passagem de trem em direção ao sul.
Barron olha para vovô e então de volta para mim. — Depende do veredito, mas eu
estou bem otimista. Eu perguntei a uns dois professores meus, e eles acham que não tem
jeito dela não ganhar. Eles dizem que ela é um dos melhores casos que eles já viram. Eu
estive trabalhando no caso como um estudo independente, então meus professores
estiveram envolvidos também.
— Ótimo, — eu digo, meio escutando. Perguntando-me se consigo comprar um
carro que possa dormir.
Vovô abre os olhos, e eu percebo que ele não está nem um pouco dormindo. — Pare
com toda essa merda, Barron. Cassel é muito inteligente para acreditar em você. De
qualquer forma, sua mãe está saindo e – se Deus quiser – deverá estar feliz por poder
voltar para casa para um lugar limpo. O garoto esteve fazendo um bom trabalho.
Maura enfia sua cabeça para fora do outro cômodo. — ―Ah, você está aqui,‖ ela
diz. Ela está com um moletom rosa. Eu posso ver suas clavículas salientes acima do zíper
de seu capuz. — Bom. Sente-se. Eu acho que estamos prontos para comer.
Barron segue para a cozinha, e quando começo a seguir, vovô agarra o meu braço.
— O que está acontecendo?
— O que quer dizer? — eu pergunto.
— Eu sei que algo está acontecendo com vocês garotos, e eu quero saber o que é. —
Eu posso sentir o cheiro de vinho no seu hálito, mas ele parece perfeitamente lúcido.
Eu quero contar para ele, mas não posso. Ele é um cara leal, e é difícil para eu
imaginá-lo tendo algo a ver com o sequestro da filha do seu chefe, mas minha falta de
imaginação não é razão suficiente para confiar.
— Nada, — eu digo, revirando os olhos, e vou sentar para jantar.
Maura estende uma toalha branca de mesa em cima da mesa da cozinha e acrescenta
duas cadeiras dobráveis. Na mesa está um candelabro prata que um cara conhecido por
Uncle Monopoly deu a Philip no seu casamento, um que estou certo que é roubado. A
chama das velas fazem tudo parecer melhor, principalmente jogando o resto da cozinha
nas sombras. Um carneiro assado com pedaços de alho saindo da carne como pedacinhos
de ossos estão dispostos em uma bandeja ao lado de uma tigela com cenouras assadas e
pastinaga. Vovô bebe a maior parte do seu vinho de uma taça que Barron continua
enchendo, mas há o bastante para fazer eu me sentir agradavelmente zonzo. Até o bebê
parece feliz de bater um chocalho de prata em sua bandeja e lambuzar seu rosto com purê
de batatas.
Eu reconheço os pratos em que nós estamos comendo. Eu ajudei a mamãe a roubar
estes.
Olhando para o espelho no corredor, é como se eu estiivesse assistindo todos nós
brincando em uma casa de espelhos, uma paródia da reunião familiar. Olhe para nós
celebrando nossos empreendimentos criminosos. Olhe para nós sorrindo. Olhe para nós
mentindo.
Maura está trazendo o café quando o telefone toca. Philip se levanta e volta alguns
minutos depois, segurando-o para mim.
— Mamãe, — ele diz.
Eu pego o telefone dele e retorno para a sala. — Parabéns, — eu digo para o
receptor.
— Você esteve evitando as minhas ligaçãos. — Mamãe parece mais entretida do
que irritada. — Seu avô disse que você estava se sentindo melhor. Ele diz que os meninos
que se sentem bem não ligam para suas mães. É verdade?
— Eu estou maravilhoso, — eu digo para ela. — No pico da saúde.
— Aham. E você está dormindo bem?
— Estou dormindo na minha própria cama, até, — eu digo alegremente.
— Engraçado, — ela diz. Eu posso ouvir as profundas baforadas que me dizem que
ela está fumando. — Isso é bom, acho que você continua engraçado.
— Desculpa, — eu digo novamente. — Eu estou com muita coisa na cabeça.
— Seu avô disse isso, também. Ele disse que você estava pensando bastante sobre
certo alguém. Pensar, leva a falar, Cassel. Outras pessoas estavam te apoiando naquela
época. Apoie-as e esqueça-a.
— E se eu não puder? — eu pergunto. Eu não sei o que ela sabe ou de que lado está,
mas alguma parte imatura de mim quer acreditar que ela me ajudaria se pudesse.
Há um momento de hesitação. — Ela se foi, bebê. Você tem que parar de deixar que
ela tenha poder sobre...
— Mãe, — eu digo, interrompendo-a. Eu estou me afastando mais da cozinha, até
que eu paro perto da janela panorâmica na sala, perto da porta da frente. — Que tipo de
executor é Anton?
Sua voz ficou baixa. — Anton é o sobrinho do Zacharov, seu herdeiro. Você fique
longe dele e deixe os seus irmãos cuidarem de você.
— Ele é um executor de memória? Só me diga isso. Diga sim ou não.
— Coloque Philip de volta no telefone.
— Mãe, — eu digo novamente, — por favor. Diga-me. Eu posso não ser um
executor, mas eu ainda sou o seu filho. Por favor.
— Coloque o seu irmão de volta no telefone, Cassel. Agora.
Por um momento eu considero desligar o telefone. E então considero bater o
telefone contra o chão até ele quebrar. Nenhuma opção me dará mais do que satisfação.
Eu ando pela casa e coloco o telefone do lado do prato de torta do Philip.
— No meu tempo, — Vovô dizia. Ele estava no meio de algum dos seus discursos.
―No meu tempo, os executores ainda eram respeitados‖. Nós mantínhamos a paz na
vizinhança. Era ilegal, claro, mas os policiais viravam o rosto se eles soubessem o que
era bom para eles.
Ele está claramente bêbado.
Barron e vovô vão para a sala assistir televisão, enquanto Philip fala com a mamãe
na extensão no loft. Maura está na pia, raspando os alimentos para dentro do barulhento
coletor de lixo. Ela está esfregando uma panela, e seus lábios se afastam de suas gengivas
como um cão antes da mordida.
Eu quero contar para ela sobre as memórias perdidas, mas não sei como fazer isso
sem irritá-la.
— O jantar estava bom, — eu digo finalmente.
Ela se vira, relaxando seus traços para uma expressão agradável e vaga. — Eu
queimei as cenouras.
Eu coloco minhas mãos nos bolsos, remexendo. — Saboroso.
Ela franziu a sobrancelha. — Você precisa de algo, Cassel?
— Eu queria te agradecer. Por me ajudar no outro dia.
— E por mentir para a sua escola? — ela pergunta com um sorriso envergonhado,
secando a panela. — Eles não ligaram ainda.
— Eles ligarão. — Eu pego outro guardanapo e começo a secar a água de uma faca.
— Você não tem um lava-louças?
— Desbota a lâmina,— ela diz, pegando a faca de mim e colocando-a na gaveta. —
E a panela tem muita coisa grudada no fundo. Algumas coisas você tem que fazer na
mão.
Eu largo o guardanapo no balcão com uma decisão súbita. — Eu tenho algo para
você. — Eu vou até onde o meu casaco está pendurado e alcanço algo em meu bolso.
— Ei, venha se sentar, — Barron chama.
— Em um segundo,— eu digo, andando rapidamente de volta para a cozinha.
— Olha, — eu digo para a Maura, abrindo minha mão para mostrar para ela o
amuleto de ônix. — Eu sei o que você disse sobre ser uma esposa de um executor e ser...
— Muito atencioso da sua parte, — ela diz. A pedra brilha sobre as luzes recessivas
como uma gota de alcatrão derramado. — Igual ao seu irmão. Você não entende favores,
só trocas.
— Pegue uma agulha e a prenda no seu sutiã — eu digo para ela. — Promete?
— Charmoso. — Ela inclina sua cabeça. — Você parece com ele, sabe. Meu
marido.
— Eu acho, — eu digo. — Nós somos irmãos.
— Você fica bonito com todo esse cabelo negro bagunçado. E seu sorriso torto. —
São elogios, mas ela não sooa muito cortês. — Você pratica sorrir assim?
Algumas vezes em situações intensas eu não posso evitar a não ser sorrir um pouco.
— Meu sorriso é naturalmente torto.
— Você não é tão charmoso quanto pensa, — ela diz, andando na minha direção,
tão perto que a sua respiração está quente e ácida em meu rosto. Eu dou um passo para
trás, e minhas pernas batem contra a beirada do seu balcão. — Você não é tão charmoso
quanto ele.
— Tudo bem, — eu digo. — Só me prometa que você vai usá-lo.
— Por quê? — ela pergunta. — Que tipo de amuleto é tão importante?
Eu olho de relance para a porta. Eu posso ouvir a televisão no outro cômodo, algum
programa de variedades que vovô gosta.
— Um amuleto de memória, — eu digo suavemente. — É melhor do que parece.
Diga que você vai usá-lo.
— Tudo bem.
Eu tento sorrir, um sorriso menos torto possível. — Nós não executores temos que
ficar juntos.
— O que você quer dizer? Ela estreita os olhos. — Você acha que eu sou burra?
Você é um deles. Eu me lembro disso.
Eu balanço minha cabeça, mas eu não sei o que dizer. Talvez seja melhor que espere
o amuleto mostrar para ela a verdade antes de tentar discutir com ela sobre coisas que não
importam de qualquer forma.
— O vovô está desmaiado, — Barron diz quando eu entro na sala. — Parece que
você vai ter que dormir aqui. Eu não acho que vou para qualquer lugar também. — Ele
boceja.
— Eu posso dirigir e levar ele, — eu digo. Eu me sinto sufocado por todas as coisas
que não posso dizer, sobre todas as coisas que eu suspeitava que os meus irmãos
estivassem fazendo. Eu quero ir para casa e começar a arrumar as malas.
— O que você disse para a mamãe? — ele pergunta. Ele está tomando café preto em
uma das xícaras da Maura, aquelas que vêm com um pires. — Está demorando um pouco
para acalmá-la.
— Só o que ela sabe sobre algo e não quer me contar, — eu digo.
— Por favor, se nós tivéssemos um dólar para cada coisa que a mamãe nunca nos
contou, nós já teríamos um milhão.
— Eu teria bem mais dinheiro do que você. — Eu me sentei no sofá. Eu não posso
ir embora sem pelo menos tentar avisá-lo. — Posso te perguntar uma coisa?
Barron vira na minha direção. — Claro. Manda.
— Você lembra quando nós éramos crianças e nós fomos à praia lá perto de
Carney? Havia sapos no chão. Você pegou um bem pequenininho que pulou das tuas
mãos. Eu apertei o meu até que vomitou todas as tripas para fora. Eu pensava que tinha
morrido, mas então quando nós o deixamos sozinho por um momento, ele desapareceu.
Como se tivesse sugado as tripas e pulado para longe. Você se lembra disso?
— Sim, — Barron disse, com um dar de ombros. — Por quê?
— E sobre quando você e Philip pegaram todas aquelas Playboys do lixo e você
recortou todos os peitos e cobriu uma lâmpada com eles? E então o negócio pegou fogo e
você me deu cinco dólares para mentir para mamãe e o papai sobre isso?
Ele ri. — Quem poderia esquecer-se disso?
— Ok. E sobre quando você fumou toda aquela erva que você pensou que estava
batizada com algo? Você caiu na banheira, mas você se recusou a sair porque você estava
convencido que a parte detrás de sua cabeça iria cair. A única coisa te acalmava era ler
em voz alta, então eu li o único livro no banheiro – um dos romances da mamãe chamado
A Flor do Vento, da capa até o final.
— Por que você está me perguntando sobre isso?
— Você se lembra?
— Claro sim, eu me lembro. Você leu o livro inteiro. Foi fácil limpar o sangue
depois que eu saí. Agora, qual é a da interrogação?
— Nenhuma dessas coisas aconteceu, — eu disse para ele. — Não com você. Você
não estava lá no negócio do sapo. Meu colega de quarto que me contou a história sobre o
incêndio dos peitos nas lâmpadas. Ele pagou a irmãzinha dele para mentir. A terceira
história aconteceu com um cara chamado Jace no meu dormitório. Infelizmente, ninguém
tinha A Flor do Vento em mãos. Eu e o Sam e outro cara no nosso corredor nos
revezamos lendo Paraíso Perdido pela porta trancada. Eu acho que realmente só o fez
ficar mais paranóico, no entanto.
— Isso não é verdade, — ele disse.
— Bem, ele parecia mais paranóico para mim, — eu disse. — E ele ainda fica um
pouco estranho quando se fala de anjos.
— Você acha que é tão engraçado. — Barron senta-se mais reto. — Eu só estava
brincando, tentando imaginar qual era o teu objetivo. — Você não pode me enganar,
Cassel.
— Eu enganei você, — eu disse. — Você está perdendo memórias e você está
tentando disfarçar. Eu perdi memórias também.
Ele me deu um olhar estranho. — Você quer dizer sobre a Lila.
— Isso é história antiga, — eu digo.
Ele olha para vovô novamente. — Eu lembro que você estava obviamente com
ciúmes que eu estava saindo com ela. Você tinha uma queda ou algo e você sempre
tentava me fazer largá-la. Um dia eu entrei no porão do vovô e ela estava deitada no
chão. Você estava de pé em cima dela com uma expressão chocada em seu rosto. — Eu
suspeito que ele esteja contando a história só para me provocar, só para me dar o troco
por envergonhá-lo.
— E uma faca, — eu disse. Incomodava-me que a coisa que eu mais me lembrava –
meu sorriso horrível – está ausente da sua história.
— Certo. Uma faca. Você disse que não se lembrava de nada, mas é óbvio o que
aconteceu. — Ele balança a cabeça. — Philip estava horrorizado que Zacharov
descobrisse, mas o sangue é mais grosso que a água. Nós te cobrimos, escondemos o
corpo dela. Mentimos.
Havia algo errado com o jeito que ele estava descrevendo a sua memória. É como se
ele estivesse lembrando-se de algumas frases de um livro sobre uma batalha ao invés de
realmente se lembrar da batalha. Ninguém poderia realmente dizer que o sangue é mais
grosso que a água, quando sua memória deveria estar cheia de vermelhidão e manchas
coaguladas.
— Você a amava, certo? — eu perguntei para ele.
Ele fez um gesto, uma aceno com as suas mãos que eu não consigo interpretar. —
Ela era realmente especial. — Um sorriso levanta um lado de sua boca. — Você
certamente pensava isso.
Ele devia saber o que estava na gaiola em seu quarto extra, o que estava chorando e
comendo o que fosse que ele dava a ela e sujando o seu piso. – Eu acho que é verdade o
que eles dizem – eu havia amado muito para odiar.
Barron inclinou sua cabeça. — O que você quer dizer?
— É uma citação. De Racine. Que também, você já deve ter ouvido, há uma fina
linha entre amor e ódio.
— Então você a matou porque você a amava muito? Ou não estamos mais falando
de você e dela?
— Eu não sei, — eu digo. — Eu só estou falando. Eu quero que você seja
cuidadoso.
Eu parei quando Philip chega à entrada da porta.
— Eu acabei de sair do telefone com a mamãe, — ele diz. — Eu preciso falar com
Cassel. Sozinho.
Barron olha para Philip e de volta para mim. — Então, o que de suspeito está
acontecendo? Saber se eu deveria tomar cuidado.
Eu dei de ombros. — Eu seria o último, a saber.
Philip me leva de volta para a cozinha e senta-se a mesa, cruzando os braços em
cima da toalha de mesa manchada. Em volta dele estão alguns pratos remanescentes e
diversa taça de vinha em sua maioria vazia. Ele pega uma garrafa de Maker‘s Mark e
enche uma das xícaras de café usada com licor âmbar. — Sente-se.
Eu sento, e ele me observa silenciosamente.
— Por que o nervosismo? — Eu digo, mas meus dedos alcançam inconscientemente
o lugar onde as contas descansam embaixo da minha pele. A dor é reconfortante e
viciante como tocar a ponta da minha língua no espaço onde fora arrancado um dente
recentemente. — Eu devo ter irritado a mamãe.
— Eu não faço ideia do que você acha que sabe, — Philip diz. — Mas você tem que
entender que tudo o que eu estive tentando fazer – tudo o que eu sempre tentei fazer é
proteger você. Eu quero que você esteja seguro.
Que frase. Eu balanço a minha cabeça, mas eu não o contradigo. — Tudo bem,
então. Do que você está me protegendo?
— De você mesmo, — ele diz e agora ele me olha no olho. Por um momento eu
vejo o malandro que as pessoas têm medo – mandíbula apertada, cabelo fazendo sombra
em seu rosto. Mas depois de todos esses anos, pelo menos ele havia finalmente me
olhado.
— Não se ache tanto, — eu digo. — Eu sou grandinho.
— As coisas estão duras sem papai, — ele diz. — Faculdade de direito não é barata.
Wallingford não é barata. Só as contas da mamãe já são sufocantes. Vovô tem algumas
economias, mas nós já usamos isso. Eu tenho que assumir. E eu faço o melhor que eu
posso. Eu quero que nós tenhamos coisas, Cassel. Eu quero que o meu filho tenha coisas.
— Ele tomou outro gole lento de sua xícara e então ri para si mesmo. Seus olhos brilham
quando ele olha de volta para mim, e me pergunto quanto mais de licor ele já bebeu. O
bastante para ficar bem desenrolado.
— Tudo bem, — eu digo.
— Isso significa correrer alguns riscos. E se eu te contasse que há algo que eu
preciso de você? — Philip diz. — Algo que eu e o Barron precisamos de você. — Eu
penso na Lila em meu sonho, pedindo por ajuda. A sobreposição das memórias era
vertiginosa.
— Você precisa da minha ajuda? — Eu pergunto.
— Eu preciso que você confie em nós, — Philip diz, inclinando sua cabeça para um
lado e me dando aquele sorriso superior de irmão mais velho. Ele acha que ele está me
ensinando uma lição.
— Eu deveria ser capaz de confiar nos meus próprios irmãos, certo? — eu pergunto.
Eu acho que consegui falar sem o sarcasmo.
— Bom, — ele diz. Há algo triste e cansado no balanço de seus ombros, algo que
parece menos com crueldade e mais com resignação. Deixa-me incerto das minhas
conclusões. Eu penso em nós sendo crianças de novo e o quanto eu amava quando Philip
me dava atenção – mesmo o tipo de atenção que vinha na forma de ordem. Eu gostava de
lutar para pegar uma cerveja da geladeira para ele e abrir o topo como um barman, e
então sorrir para ele, esperando o aceno de agradecimento improvisado.
E aqui estou eu, tentando achar uma maneira onde ele não é um vilão. Esperando
pelo agradecimento. Tudo porque ele finalmente havia me olhado nos olhos.
— As coisas vão ficar diferentes para nós logo. Grandemente diferente. Nós teremos
que lutar. — Ele faz um gesto repentino batendo sobre um dos copos de vinho que Maura
não havia guardado. A apenas um pouco de líquido nele, mas ela corre sobre o pano
branco em uma maré de molhamento rosa. Ele não parece notar.
— O que vai ser diferente? — eu pergunto para ele.
— Eu não posso te contar os detalhes, — ele diz, e olha em direção à sala. E então
ele fica de pé, trêmulo. — Por agora, só não atrapalhe. E não mexa com a mamãe. Me dê
sua palavra.
E suspiro. A conversa está girando em círculos, sem sentido. Ele quer que eu confie
nele, mas ele não confia em mim. Ele quer que eu o obedeça.
— Sim, — eu minto. — Você tem minha palavra. Família cuida de família. Eu
entendo.
Enquanto me levanto, eu percebo que a taça de vinho que ele derrubou não estava
tão vazia quanto eu pensava. Algum tipo de sedimento permanece no fundo. Eu me
inclino e arrasto meu dedo pela meleca de grânulos que parecem açúcar, tentando meu
lembrar quem estava sentado aqui.
Através dos protestos daeMaura e da insistência irritante do Barron, eu tento
carregar vovô para o carro. Meu coração bate como se eu estivesse em uma luta quando
eu recuso as ofertas para dormir no escritório ou no sofá. Eu digo que não estou cansado.
Eu invento uma consulta que vovô tem com uma viúva do bingo de manhã. Vovô está
pesado e tão drogado e bêbado que ele mal responde.
Philip o havia drogado. A razão me ilude, mas eu penso na meleca e sei que Philip
deve ter feito isso.
— Você deveria ficar, — Barron diz pela milionésima vez.
— Você vai derrubá-lo, — Philip diz. — Tome cuidado.
— Então me ajude, — eu digo, grunhindo.
Philip apaga seu cigarro no corrediço de alumínio e desliza seu ombro embaixo do
braço do vovô para levantá-lo.
— Só leve-o de volta para dentro de casa, — Barron diz, e um olhar passa entre
eles. A careta do Barron se intensifica. — Cassel, como você vai levá-lo para dentro de
casa quando chegar lá se você precisa da ajuda de Philip para colocá-lo no carro?
— Ele vai estar mais sóbrio até lá, — eu digo.
— E se ele não estiver? — Barron fala, mas Philip caminha em direção à porta do
carro.
Por um momento eu acho que ele vai bloquear o meu caminho, e não tenho ideia do
que eu vou fazer se ele fizer isso. Ele abre a porta, apesar disso, e a segura enquanto eu
iço vovô para dentro e coloco o cinto nele.
Enquanto eu dirijo para fora da garagem, eu olho de volta para Philip, Barron e
Maura. Alívio me inunda. Estou livre. Estou quase fora daqui.
Meu telefone toca, me assustando. Vovô não se mexe, apesar de estar alto; o som
ligado no volume máximo. Eu assisto o cair e levantar do seu peito para ter certeza que
ele ainda está respirando.
— Alô? — eu digo, nem mesmo me importando em olhar quem está ligando. Eu me
pergunto o quão longe fica o hospital e se eu deveria ir.
Philip e Barron não matariam vovô. E se eles estivessem planejando matá-lo, Philip
não o envenenaria em sua própria cozinha. E se ele fizesse isso, ele com certeza não
tentariam colocar o corpo na cama em seu próprio quarto de hóspedes.
Eu repeti este pensamento para mim várias vezes.
— Você pode me ouvir? É a Daneca,— ela diz, sussurrando. — E o Sam.
Eu não sei por quanto tempo ela está falando.
Eu olho para o relógio no painel. — O que aconteceu? É tipo, três da manhã.
Ela me conta, mas eu mal estou ouvindo-a mais. Minha mente está repassando por
todas as coisas possíveis que você pode dar para alguém para que ela desmaie. Soníferos
é a escolha óbvia. Elas funcionam muito bem com bebida também.
Eu percebo que o outro lado da linha está silenciosamente esperando. — O quê?—
eu pergunto. — Você pode falar de novo?
— Eu disse que o seu gato é nojento, — ela diz, lentamente, claramente
incomodada.
— Ela está bem? A gata está bem?
Sam começa a rir. — A gata está ótima, mas há um ratinho marrom no piso da
Daneca com a cabeça cortada. Sua gata matou nosso rato.
— O rabo dele parece um pedaço de fio, — Daneca diz.
— O rato? — eu pergunto. — O rato da lenda? Aquela que todos estão apostando
por seis meses?
— O que acontece se todo mundo perder a aposta? — Sam pergunta. — Ninguém
acertou. Quem diabos nós pagamos?
— Quem liga para isso? O que eu faço? — Daneca diz. — A gata está me
encarando, e eu acho que aquilo é sangue na boca dela. Eu olho para ela e vejo a morte
de centenas de ratos e pássaros. Eu os vejo alinhados marchando para a boca dela ao
longe de um carpete desenrolado de língua como aqueles desenhos antigos. Eu acho que
ela vai me comer depois.
— Passe a mão na gata, cara, — disse o Sam. — Ela te trouxe um presente. Ela quer
que você diga para ela o quão foda ela é.
— Você é uma pequenininha máquina de matar, — Daneca diz.
— O que ela está fazendo? — Eu pergunto.
— Ronronando! — Daneca diz. Ela parece encantada. — Boa gatinha. Quem é uma
incrível máquina de matar? É isso aí! Você é! Você é um leãozinho brutal, muito brutal!
Sim, você é!
Sam ri tanto que ele engasga. — Qual é o teu problema? Sério.
— Ela gosta disso, — Daneca diz.
— Eu odeio ser aquele que te mostrará isso, — ele diz, — mas ele não entende o
que você está falando.
— Talvez ela entenda, — eu digo. — Quem pode saber certo? Ela está ronronando.
— Que seja cara. Então, nós ficamos com o dinheiro?
— É isso ou soltar outro rato dentro das paredes.
— Certo, então, — Sam diz. — Nós ficamos com o dinheiro.
Eu dirijo o resto do caminho para casa, tiro o cinto do vovô, e o balanço. Quando
isso não funciona, eu dou uma tapa nele forte o bastante que ele grunhiu e abre os olhos
um pouco.
— Mary? — ele diz, — o que me incomoda porque esse é o nome da minha avó e
ela já morreu faz tempo.
— Segure em mim, — eu digo, — mas suas pernas parecem borracha e ele não está
ajudando muito. Nós vamos lentamente. Eu o levo diretamente para o banheiro e o deixo
caído no piso enquanto eu preparo uma mistura de peróxido de hidrogênio e água.
Quando ele começa a vomitar, eu começo a pensar que a minha aula de química
avançada foi boa o bastante para algo. Eu me pergunto se isso seria uma boa razão para
oferecer ao Reitor Wharton em favor de me deixar voltar.
Capítulo Doze
— Ei levanta! — alguém está falando. Eu pisquei confuso. Eu estava deitado no
sofá e Philip jogado por cima de mim. — Você dormiu como um morto.
— Se mortos roncam, — Barron disse. — Ei, bom trabalho aqui, a sala está ótima.
Mais limpa do que eu nunca vi.
Temor serpenteou minha garganta, sufocando-me.
Eu olhei para vovô. Ele continuava desmaiado na cadeira reclinável com um balde
perto dele. Vovô estava vomitando há horas, mas ele parecia bem quando caiu no sono.
Coerente. Eu tinha pensado que todo o barulho o tinha acordado. — O que você deu pra
ele? — eu perguntei, jogando a perna pra longe do afegão.
— Ele está bem, — disse Philip. — Eu prometo. Terá passado pela manhã.
O subir e descer do peito do vovô me tranquilizava. Ao assisti-lo dormir, por um
momento pensei ver suas pálpebras tremerem.
— Sempre preocupado, — Barron resmungou. — E nós sempre te dizemos que ele
está bem. Eles sempre estão bem. Por que você se preocupa tanto?
Philip lançou-lhe um olhar. — Deixe Cassel em paz. Família cuida da família.
Barron riu. — É por isso que ele não deveria se preocupar. Estamos aqui para cuidar
dos dois. — Ele se virou pra mim. — Melhor se preparar rápido, no entento, pense sobre
as coisas infelizes que podem acontecer. Você sabe o quanto Anton odeia esperar.
Eu não sei o que mais fazer, então coloco meu jeans e jogo um casaco por cima da
camiseta com a qual eu dormi.
Eles pareciam bem confortáveis esperando por mim, tão confortáveis que, pensando
no que Barron disse, eu cheguei à embriagada conclusão de que isso já tinha acontecido
antes. Eles tinham me tirado dessa casa — talvez do meu dormitório — e não me lembro
de nada. Eu alguma vez surtei? Estou surtando agora.
Eu apanhei minhas luvas e calcei um par de botas de trabalho. Minhas mãos
tremiam com adrenalina e medo, tanto que eu mal pude colocar as luvas.
— Deixem me ver seus bolsos, — Philip disse.
— O que? — eu parei de amarrar os laços para olhar para ele.
Ele suspirou. — Vire eles para fora.
Eu faço, pensando na dor do corte em minha panturrilha, os amuletos curando
dentro de minha pele. Ele confere o bolso da roupa, procurando por algo escondido ali,
então ele apalpou minhas roupas. Minhas mãos se fecharam em punho, e eu quis tanto
bater em Philip que meus braços doeram pela força que fiz para não bater nele. —
Procurando por uma balinha?
— Nós precisamos saber o que você está levando, só isso. — Philip disse
suavemente.
Adrenalina tinha me exaurido. Eu estava loucamente acordado e começando a ficar
com raiva.
Ele olhou para Barron, que pegou meu braço. Ele não está usando uma luva.
Eu puxei pra trás. — Não me toque!
É engraçado o quão instintivo é; mantive minha voz baixa quando disse isso. Porque
em alguma ridícula parte de minha cabeça, isso continua sendo um negócio de família.
Nem me ocorre gritar por ajuda.
Barron levanta as duas mãos. — Hey, okay. Mas isso é importante. Leva alguns
minutos para as velhas memórias se liquidarem, pense de novo. Estamos nisso juntos.
Estamos do mesmo lado.
Foi aí que eu percebi que eles já tinham me executado, antes de me acordarem.
Minha pele se arrepiou de horror e eu tive que agir rápido, respiração superficial para
evitar correr pra longe deles, dessa casa. Aceno, comprando pra mim mais tempo. Não
tenho ideia de quais memórias eles esperam que eu tenha.
Vi Barron colocar sua luva de volta e ajeitar em sua mão, esticando-a.
Eu entendi o que uma mão nua significa.
Philip não é o único por trás das memórias roubadas. Anton não é o executor de
memórias.
Barron é — ele deve ser. Ele não perdeu suas memórias porque ele era executor; ele
não é distraído. Toda vez que ele pega uma memória minha ou de Maura ou todas as
outras pessoas de onde ele deve estar roubando, ele perde uma dele mesmo. Golpe de
retorno. Eu procurei minhas memórias por uma ocasião em que ele trabalhou por acaso,
mas nada. Apenas um sentido obscuro que eu sei que ele é um sortudo executor. Eu não
posso nem me lembrar de quando comecei a saber‘ disso.
Agora que eu prestei atenção nisso, a memória nem mesmo parece real. Ela foge de
mim, como a cópia de uma cópia borrada.
— Está pronto? — Philip perguntou.
Levantei-me, mas minhas pernas estavam tremendas. Uma coisa é suspeitar que
meu irmão estivesse me executando, outra era ficar perto dele uma vez que sei que ele
fez isso. Eu sou o melhor vigarista dessa família, eu me garanto. Eu posso mentir. Eu
posso parecer calmo até que eu esteja calmo.
Mas outra parte de minha mente está uivando, chacoalhando e brigando por outras
falsas memórias. Eu sei que é impossível procurar o que não está lá, e ainda assim eu
procuro, passando pelos últimos dias, semanas, anos — dentro da minha mente, como se
eu fosse me perder no tempo.
Quanto mais minha vida foi reimaginada pelo Barron? Pânico esfriava minha pele
como uma doença.
Nós descemos as escadas da casa silenciosamente, até a Mercedes estacionada na
rua com os faróis dianteiros desligados e a ignição sussurrando. Anton ao volante. Ele
parecia mais velho do que da última vez que o vi, e havia uma cicatriz no seu lábio
superior. Combinava com a cicatriz de queloide em seu pescoço.
— Por que demoraram tanto? — Anton disse, acendendo um cigarro e jogando o
fósforo pela janela.
Barron escorregou no banco de trás pra perto de mim. — Pra que a pressa? Nós
temos a noite toda, esse carinha aqui não tem escola de manhã. — Ele bagunçou meu
cabelo.
Eu empurrei pra longe sua mão enluvada. O aborrecimento era surrealmente
familiar. É como se Barron pensasse que estamos numa viagem de carro em família.
Philip foi para o banco do carona, olhou pra nós e sorriu.
Eu tive que imaginar o que eles acham que sei. Tenho que ser esperto. Soa como
eles devem acreditar em alguma desorientação, mas não uma completa falta de pistas. —
O que estamos fazendo esta noite?
— Nós vamos treinar pra essa quarta-feira. — Anton disse. — Para o assassinato.
Tenho certeza que vacilei. Meu coração martelou. Assassinato?
— E então vocês vão bloquear a memória, — eu disse, lutando para manter minha
voz estável. Eu lembre o que Annie Crooked disse sobre bloquear o acesso a memória,
então esse bloqueio pode ser removido mais tarde e a memória perdida revertida me
perguntou se tínhamos ensaiado antes. Se sim, estou ferrado. — Por que você tem que
continuar me fazendo esquecer?
— Estamos te protegendo — Philip disse automaticamente.
Certo.
Inclinei-me pra frente no banco. — Então meu trabalho é o mesmo? — eu digo o
que parece vago o suficiente para não mostrar minha ignorância, mas encoraja uma
resposta.
Barron acena. — Tudo que tem que fazer é se aproximar de Zacharov e colocar sua
mão descoberta no pulso dele. Então você muda o coração dele pra pedra.
Engoli em seco, concentrado em manter minha respiração uniforme. Eles não
podem realmente querer dizer o que estão dizendo. — Não seria mais fácil atirar nele? —
perguntei, porque a coisa toda era ridícula.
Anton me olhou com olhos pesados. — Tem certeza que ele pode fazer isso? Toda
essa memória mágica, ele é instável. É do meu futuro que estamos falando.
Meu futuro. Certo. Ele é o sobrinho do Zacharov. Qualquer coisa acontece com o
homem no comando, o manto desliza sobre seus ombros.
―Não nos aborreça, — Philip diz para mim em sua voz estou-sendo-paciente‖. —
Isso será mamão com açúcar. Temos planejado isso há muito tempo.
— O que você sabe sobre o diamante da ressurreição? — Barron perguntou.
— Deu imortalidade a Rasputin ou algo assim, — eu disse, deliberei vagamente. —
Zacharov ganhou em um leilão em Paris.
Barron fez uma careta, como se ele não esperasse que eu soubesse tanto.
— O Ressurrecional Diamond tem trinta e sete quilates do tamanho da unha polegar
de um adulto. — Ele disse. — Tem um colorido de um fraco vermelho, como se fosse
uma gota de sangue derramada numa piscina d‘água.
Perguntei-me se ele estava citando alguém. O catalogo Christie‘s. alguma coisa. Se
eu apenas me concentrasse nos detalhes como em um enigma, então talvez eu não
surtasse completamente.
— Isso não apenas protegeu Rasputin de múltiplos atentados, mas depois dele
passou para outras pessoas. Houve relatos de armas de assassinos que não funcionaram
num momento crítico, ou veneno de alguma forma encontrando o caminho para a xícara
do envenenador. Zacharov foi almejado em três ocasiões diferentes e as balas não o
atingiram. Seja quem for o dono do diamante da ressurreição não pode ser morto.
— Eu pensei que essa coisa era um mito ou algo assim?— eu disse. — Uma lenda.
— Oh, então agora ele é um expert no trabalho, — Anton disse.
Mas os olhos do Barron estavam brilhando. — Tenho pesquisado o diamante da
ressurreição por um longo tempo.
Pensei o quanto dessa pesquisa ele ainda se lembra ou se foi reduzida a apenas
algumas frases. Talvez ele não estivesse citando um catalogo de leilão; talvez estivesse
citando uma de suas anotações.
— Há quanto tempo você tem pesquisado isso?— perguntei.
Ele está realmente irritado agora. — Sete anos.
No banco da frente Philip bufou.
— Então você começou antes de Zacharov ter o diamante?
— Fui eu quem contou pra ele sobre isso. — A expressão do Barron é inflexível,
determinada, mas acho que posso ver o medo em seu rosto. Ele está mentindo, mas ele
nunca vai admitir que esteja mentindo. Não há evidencia no mundo que fará desistir de
um pedido uma vez que ele fez isso. Se ele mentiu, ele teria que admitir o quanto de sua
memória já se foi.
Philip e Anton riram um para o outro. Eles também sabem que ele está mentindo. É
como ir ao cinema com eles no verão quando todos ficaram em Carney com nossos avós.
A familiaridade me faz relaxar apesar de mim.
— Então eu na verdade concordo com isso? — eu disse.
Eles riram mais.
Tenho que ir com cuidado. — Se o diamante da ressurreição supostamente previne
assassinatos, você tem certeza que vou ser capaz de contornar isso?
Ele parece estar dentro dos limites da ignorância crível ou hesitação. Anton sorri
para mim no espelho retrovisor. — Você não está fazendo a execução de morte. O que
quer que seja a pedra não irá interromper o seu tipo de mágica.
Meu tipo de magia.
Coração de pedra.
— Eu? — Eu sou um executor de transformações?
Quem amaldiçoou você? Eu perguntei ao gato no meu sonho.
Foi você.
Acho que vou ficar doente. Não, eu realmente vou ficar doente. Pressionei meus
olhos fechados, encostei a cabeça na janela fria. E me concentrei em segurar o que estava
no meu estômago.
Ele está mentindo. Ele tem que estar mentindo.
— Eu sou, — comecei.
Sou um executor. Sou um executor. Sou um executor.
O pensamento retumbava na minha cabeça como uma dessas minúsculas bolas de
borracha que simplesmente não param de quicar nas coisas. Eu não consigo pensar em
nada, além disso.
Eu pensei que daria qualquer coisa para ser um executor. Mas de alguma forma isso
parece como uma violação hedionda da minha fantasia de infância.
Qual é o ponto de fingir ser qualquer coisa menos do que o mais talentosos
patricante das maldições mais raro? Exceto, eu acho que eu não estou fingindo mais.
— Você está bem aí? —Barron pergunta.
— Claro, — eu digo lentamente. — Eu estou bem. Apenas cansado. É muito tarde.
E minha cabeça está me matando.
— Vamos parar para um café, — diz Anton.
Nós fazemos. Consigo derramar metade do meu café na minha camisa, e a queima
do líquido escaldante é a primeira coisa que me faz sentir a meio caminho de ser normal.
A entrada para o restaurante — Koshchey's — é tão ornamentado que parece algo
saído de um outro tempo. A porta da frente é de um bronze tão brilhante que parece ouro.
Pedras de passaros, as suas penas pintadas de azul claro, laranja e vermelho.
— Oh, muito bom, — diz Barron.
— Hey, — diz Anton — Isso pertence à minha família. Respeite.
Barron encolhe os ombros. Philip balança a cabeça.
A calçada em frente tem o tipo de quietude que só vem muito cedo pela manhã, e na
quietude que eu acho que o restaurante parece estranhamente majestoso. Talvez eu tenha
mal gosto.
Anton torce a chave na fechadura e abre a porta. Entramos na sala escura.
— Tem certeza que ninguém está aqui? — Philip pergunta.
— É meio da noite, — diz Anton. — Quem vai estar aqui? Essa chave não foi fácil
de encontrar.
— Tudo bem, — diz Barron — Então este lugar vai estar cheio de mesas e as
pessoas políticas. Pessoas ricas e entediadas que não se importa de estar com gangsters.
Talvez alguns executores da família Volpe e Nonomura,— estamos atualmente nos
aliando com eles. — Ele anda pela sala para apontar para um lugar debaixo de um lustre
enorme pendurado com alguns enormes cristais azuis entre as claras. Brilha, mesmo na
luz fraca. — Haverá um pódio alto, palestras chatas.
Eu olho ao redor. — O que é isso?
— Arrecadador de fundos para 'Vote Não na Proposição Dois'. Zacharov está
mantendo isso. — Barron olha para mim de forma estranha. Eu me pergunto se eu
deveria saber disso.
— E eu vou apenas andar até ele? — Eu pergunto. — Na frente de todo mundo?
— Fica frio, — diz Philip. — Pela milionésima vez, temos um plano. Estávamos
esperando muito tempo para que isso seja idiota, ok?
— Meu tio tem alguns hábitos muito específicos, — Anton diz. — Ele não vai ter o
seu guarda-costas perto dele, porque ele não pode ter pessoas de sua sociedade ou outras
famílias pensando que ele tem medo. Então, ao invés de guardas, ele tem executores se
revezam como a sua comitiva. Philip e eu estamos programado para estar no rabo dele
por duas horas, a partir de 10:30.
Eu assinto minha cabeça, mas o meu olhar se desvia para as paredes, para pinturas a
óleo de casas com pernas de galinha correndo ao lado de mulheres cavalgando caldeirões
através dos céus, todos refletido em espelhos enormes. Todos os nossos movimentos
brilhavem neles também, por isso que eu fico pensando que eu vejo alguém em
movimento quando é só eu mesmo.
— Seu trabalho é manter um olho em nós depois disso e esperar que Zacharov se
encaminhe para o banheiro. Ele quer isso limpo quando ele a usa, por isso vamos estar
sozinhos. É aí que você vai dar a ele o toque.
— Onde é? — Eu pergunto.
— Há dois banheiros de homens, — diz Anton, apontando. —Um deles tem uma
janela. Ele vai pegar o outro. Eu vou mostrar a você.
Barron e Philip se encaminham em direção a uma porta em preto brilhante
estampado em ouro com a imagem de um homem a cavalo. Eu sigo.
— Nós vamos com Zacharov, — Philip diz. — Você espera alguns minutos e depois
você entra.
— Eu não vou estar na sala, — diz Barron. —Vou estar fora — com você — para se
certificar que tudo corra bem.
Eu empurro a porta e entro em uma grande banheiro. Um mural de azulejos ocupa
toda a parede distante, um enorme pássaro vermelho e laranja e as moscas de ouro na
frente de uma árvore coberta de que parecem couves, mas presumo que são as folhas
realmente muito estilizada. O secador de mãos está anexado a essa parede, mas alguém
tinha pintado-o de ouro quase do mesmo tom que os ladrilhos. Cabines estão de um lado,
urinóis de outro, e um trecho com uma bancada de mármore cheia de brilhantes pias de
bronze.
— Eu serei Zacharov, — Anton diz, e foi ficar na pia. Então ele olha para mim, e eu
acho que ele percebe que está prestes a produzir um assassinado.
— Não, espere. Eu serei eu. Barron, você será meu tio. — Eles trocaram de lugar.
— Ok, vá em frente, — Anton diz para mim.
— O que eu digo? — Eu pergunto.
— Finja que você está bêbado, — diz Barron. — Muito bêbado pra notar que você
não deveria estar lá.
Eu cambaleio da porta até Barron.
— Tirem-no daqui, — diz Barron em um falso sotaque que eu acho que suposto
deveria ser russo.
Estendo a minha mão enluvada e tento mudar minha voz. — É uma verdadeira
honra, senhor.
Barron apenas olha para mim. — Eu não sei se ele comprimentará.
— Claro que ele vai, — Anton diz. — Philip aqui vai dizer que Cassel é o seu irmão
mais novo. Tente novamente, Cassel.
— Senhor, é uma verdadeira honra estar aqui. Eu realmente aprecio a maneira que
você está fazendo sua parte para tornar os executores em segurança, para que possamos
explorar todas as pessoas. — Eu ofereço minha mão de novo.
— Pare de ser um comediante, — Philip diz, mas não como se ele realmente
significa isso — Concentre-se no dinheiro e como você vai conseguir os seus dedos em
sua pele.
— Eu vou enfiar a minha mão sob o punho de sua manga. Atraves de um buraco na
minha luva. Eu só preciso do meu maior dedo para tocar a pele.
Barron ri. — O velho truque da mamãe. O jeito que ela fez aquele cara na pista de
corrida. Você se lembrou.
Eu mordo de volta um comentário sobre lembrar e apenas aceno com a cabeça,
olhando para baixo.
—Vá em frente, — Anton diz. —Mostre-me.
Estendo a minha mão direita, e quando Barron pegá-o, eu envolvo minha mão
esquerda em seu pulso e agito. A mão esquerda segura o braço de Barron no lugar de
modo que, mesmo se ele lutar irá levar um momento para fugir. Os olhos de Anton se
arregalam um pouco. Ele tem medo. Eu posso ler sua mente.
E, assim como tenho certeza que ele me odeia. Ele odeia ter medo e me odeia por
fazê-lo se sentir assim.
—Uma verdadeira honra, senhor, — eu digo.
Anton acena. — Então, você transforma o seu coração em pedra. Que deve ser
semelhante —
— Muito poético, — eu digo.
— O quê?
— Muito poético, transformando o seu coração em pedra. Foi idéia sua?
— Vai parecer como um ataque cardíaco, pelo menos até a autópsia, — Anton diz,
ignorando a minha pergunta. — E é isso que vamos deixá-los pensar que era. Você vai
enfrentar um golpe de retorno aqui, e então nós vamos chamar um médico.
— Você não parecia bêbado o suficiente, — diz Barron.
— Eu vou parecer bêbado, — eu digo.
Barron está se olhando pelo espelho. Ele suaviza uma de suas sobrancelhas, em
seguida, vira a cabeça para admirar o seu perfil. Sua barba está tão curta que poderia ter
sido feita com uma navalha. Bonito. Um verdadeiro vendedor de óleo de cobra. "Você
deveria vomitar."
— O quê? Você quer que eu enfie o dedo na minha garganta?
— Por que não?
— Por quê? — Eu me inclino contra a parede, estudando Philip e Barron. Seus
rostos são os dois que eu melhor conheço em todo o mundo, e agora eles estão sem
defesa. Philip se move indo e vindo, de cara amarrada. Ele cruza e descruza os braços
sobre o peito. Ele é um funcioário leal e ele tem que estar um pouco desconfortável com
a idéia de tirar o chefe da família, mesmo que isso significa tornar-se rico e poderoso da
noite para o dia. Mesmo que isso signifique colocar seu amigo de infância no comando e
fazendo-se indispensável.
Barron, no entanto, parece estar se divertindo. Eu não sei o que ele está ganhando,
exceto que ele adora estar no controle. E é óbvio que ele conseguiu fazer Anton e Philip
precisar dele. Ele pode estar queimando suas próprias memórias ao fazê-lo, mas ele tem
poder sobre todos nós.
Claro, talvez ele está nisso por o dinheiro também. Estamos falando de um monte de
dinheiro, sendo o chefe de uma família de crimes.
— Com medo que você não será capaz de fazê-lo? — Barron pergunta, e eu me
lembro que estamos falando de vômitos. — Mas penso — a coisa mais difícil é ficar na
porta. Desta forma, você pode sair pela porta com a mão sobre sua boca, empurrar-se
para dentro da cabine, fechá-la atrás de você, e atirar o seus biscoitos. Ele vai estar rindo
de você quando você sair. Alvo fácil.
— Não é uma má idéia, — Philip diz, concordando.
— Eu nunca me fiz vomitar antes, — eu digo. — Eu não tenho idéia de quanto
tempo vai demorar."
— Que tal isso, — diz Barron. "Vá na cozinha. Vomite em uma tigela. Vamos
engarrafar o vômito e prendê-lo atrás do vaso sanitário da cabine com fita em primeiro
lugar. Se alguém achar isso, então você está por sua conta, mas caso contrário, você pode
levar o tempo que precisa agora e não se preocupar com isso então.
— Isso é nojento, — eu digo.
— Só faça isso, — Anton diz.
— Não, — eu digo. — Eu posso agir como bêbado com os olhos fechados. —Não
tenho a intenção de fazer nada disso na quarta-feira, embora eu não sei bem o que eu vou
fazer no lugar. Mas eu posso esquematizar isso na parte da manhã; agora eu preciso
observar.
— Vômite, ou eu vou fazer você desejar fazer, — Anton diz.
Eu viro meu pescoço para o lado, para que ele possa ver a extensão de pele sem
marcas. — Sem cicatrizes, — eu digo. — Eu não sou da sua família, e você não é meu
chefe.
— É melhor acreditar que eu sou seu chefe, — Anton diz, caminhando até mim e
agarrando a gola da minha camisa, esticando-o em direção a ele.
— Basta. — Philip fica entre nós, e Anton solta de mim. — Você, vá na cozinha e
enfie o dedo em sua garganta, — ele diz para mim. — Não seja tão melindrosos. — Ele
se vira para Anton. —Para de perturbar meu irmão. Estamos colocando pressão suficiente
nele.
Não escapa do meu conhecimento que Anton se afasta e socos a porta da cabine,
Barron está sorrindo.
Quanto mais brigamos, mais Barron está no controle.
Empurro Anton e continuo em frente para as grandes portas duplas para onde eu
acho que é a cozinha, escura e cheio com o cheiro de páprica e canela.
Eu alcanço a parede e ligar o interruptor. Pote inoxidável e de cobre refletem as
luzes fluorescentes. Eu poderia continuar para fora da porta traseira, mas não há nenhum
ponto. Eu preciso deles para continuar pensando que eu estava ignorante aos fatos. Eu
não preciso deles me perseguindo pelas ruas e depois me procurar até encontrar os
amuletos na minha perna, mesmo se eu ficar aqui, significa o dever degradante e
desagradável de vomitar em uma tigela. Abro um dos refrigeradores industriais e beber
alguns goles de leite direto da caixa. Espero que isso vá revestir meu estômago.
Os forros das minhas luvas estão úmidos de suor, quando eu os tiro fora. Minhas
mãos tem aparência pálida nas luzes.
Eu penso no peróxido de hidrogênio que dei para vovô e me pergunto se isso é
algum tipo de punição cármica. Eu coloquei meu dedo na minha língua, testando quão
terrível que iria ser. Minha pele tem gosto de sal.
— Hey, — diz alguém.
Quando me viro, eu vejo que não é Anton ou Philip ou Barron. É um cara que eu
não conheço com um casaco comprido e uma arma apontada diretamente para mim.
O leite desliza para fora das minhas mãos e cai no chão, espirrando para fora da
caixa.
— O que você está fazendo aqui? — O homem diz.
— Oh, — eu digo, pensando rápido. — Meu amigo tem uma chave. Ele trabalha
para um dos donos.
— Você está falando com alguém? — Veio uma voz por trás, e outro homem com a
cabeça raspada entra na sala. Sua T-shirt tem um V profundo, revelando seu colar de
cicatrizes. Ele olha para mim. — Quem é esse?
— Ei, cara, — eu digo, com as minhas mãos levantadas para cima. Eu estou fazendo
uma história na minha cabeça sobre quem eu sou, entrando no papel. Eu sou um garoto
trabalhador, saido de um onibus, à procura de um emprego e um lugar para dormir,
alguém me contou sobre esse lugar por causa de sua conexão com Zacharov. — Eu
estava roubando comida. Sinto muito. Eu vou lavar a louça ou o que seja para pagar por
ele.
Então a porta do outro lado abre e Anton e Philip avançar.
— Que diabos? — O homem com a cabeça raspada diz.
— Afaste-se dele, — diz Philip.
O cara com o longo casaco oscilações sua arma em direção ao meu irmão.
Estendo minha mão instintivamente e toco o tambor, para empurrá-lo para longe de
Philip. O metal é mais quente do que eu pensava que seria. Então, algo em mim chega tão
instintivamente como eu estendi a mão para transformar a arma.
É como se eu pudesse ver o metal se transformando em partículas, mas em vez de
ser sólida, é líquida, que flui em formas infinitas. Tudo o que tenho a fazer é escolher
uma.
Eu olho para cima, e o homem está segurando o que eu imaginava, uma cobra
enrolada em torno de seus dedos, suas escamas verdes tão brilhantes como as asas da
Phoenix na entrada.
O homem grita, balançando seu braço como se fosse fogo.
A cobra ondula, apertando suas voltas, sua boca abrindo e fechando como se fosse
engasgar. Um momento depois, uma bala cai de sua boca, saltando contra o balcão de aço
inox.
Dois tiros soam para fora.
Algo está errado comigo, — com meu corpo.
Meu peito contrai dolorosamente e empurro meu ombro. Por um momento eu acho
que eu sou o único que é atinjido, até que eu olhar para baixo e vejo os meus dedos se
tornando raízes retorcidas. Eu dou um passo adiante, e minhas pernas se curvam. Um
deles está coberto de pêlos e curvado para trás. Eu pisco, e eu estou vendo tudo atraves
de dezenas de olhos. Eu até posso ver atrás de mim, como se eu tivesse olhos lá também,
mas tudo o que há para ver é o piso de ladrilho rachado. Eu viro minha cabeça e vejo os
dois homens deitados no chão. Sangue misturado com leite, e a arma está deslizando em
direção a mim, sua língua estalando para fora para saborear o ar.
Estou alucinando. Eu estou morrendo. Terror sobe pela minha garganta, mas não
posso gritar.
— O que diabos eles estavam fazendo aqui? Matar nosso povo não é parte do plano,
— Anton está gritando. — Isso não deveria acontecer!
Meus braços são troncos de uma árvore, os braços de um sofá, eles estão torcendo
como um rolo de corda.
Alguém me ajudar. Por favor, me ajude. Ajude-me.
Anton aponta para mim. — Tudo isso é culpa dele!
Eu tento ficar em pé, mas a minha metade inferior é como o de um peixe. Meus
olhos estão se movendo em minha cabeça. Eu tento falar, mas os sons borbulhantes de o
quer que seja que eu tenha no lugar dos lábios.
— Temos que nos livrar dos corpos, — diz Barron.
Há outros sons, em seguida, ossos sendo quebrados e uma conversão acalorada. Eu
tento fazer a minha cabeça virar para que eu possa ver, mas eu já não sei como.
— Mantenha-o quieto, — Anton grita.
Eu estava fazendo um som? Eu não posso nem me ouvir.
Sinto-me mãos em mim e me levantando, puxando-me através do restaurante.
Minha cabeça cai para trás, e percebo que o teto é pintado com um mural de um velho nu,
sua cimitarra erguida, montando um cavalo marrom descendo uma colina. A crina do
cavalo e o cabelo comprido do homem estão soprando no vento. Faz-me rir, que sai como
uma chaleira de apito.
— É apenas golpe de retorno, — diz Philip suavemente. —Você vai ficar bem logo.
Ele me coloca no porta-malas do carro de Anton e fecha. Isso fede a óleo e outra
coisa, mas eu estou tão por fora que mal noto. Eu torço no escuro quando o motor
começa a funcionar, meu corpo não o meu próprio.
Estamos em uma rodovia quando eu volto para mim mesmo. Faróis de carros que
nós seguiam de forma irregular através do contorno do caroo. Minha cabeça está batendo
desconfortavelmente contra o carpete com cada solavanco da estrada, e eu posso sentir o
tremor do painel debaixo de mim. Eu me esforçar em uma posição diferente e toco um
plástico preenchido com algo macio e ainda quente.
Por um momento eu penso em deitar minha cabeça contra ela, até que eu toco uma
mancha umida e pegajosa e perceber o que estou tocando.
Sacos de lixo.
Eu engasgo no escuro e tento me arrastar o mais longe quanto posso. Aperto-me
muito contra a traseira do carro até que eu não posso ir mais longe. O metal pressionou
em minhas costas e eu só posso apoiar o meu pescoço sem jeito com o meu braço, mas eu
fico assim a viagem toda.
Quando o carro dá uma guinada para uma parada, estou ferido e com a cabeça
abaixada. Eu ouço o bater de portas, barulho de cascalho, e depois o porta malas se abre.
Anton está de pé em cima de mim. Estamos na garagem da minha casa.
— Por que você fez isso ? — Ele grita.
Eu balanço a cabeça. Eu não sei por que eu transformei a arma, ou mesmo como eu
o fiz. Eu olho para a minha mão e vejo que está manchado com um escuro e sombrio
vermelho.
Minha mão está nua.
"Isto supostamente é um segredo.Você supostamente é um segredo." Então ele
percebe as minhas mãos também. Eles devem ter deixado minhas luvas no restaurante.
Ele aperta a mandíbula.
— Sinto muito, — eu digo, escalada tonto até ficar em pé. Sinto muito.
— Como você se sente? — Barron me perguntou.
— Doente, — digo-lhe, mas não é o passeio de carro recente que está a me fazendo
querer vomitar. Eu sei que estou tremendo, e não há nada que eu possa fazer para
controlá-lo.
— Eu matei aqueles homens por causa de você, — Anton diz. — Suas mortes estão
em suas mãos. Tudo que eu quero fazer é trazer de volta os velhos tempos, quando era
algo importante ser um executor. Quando era bom, não uma coisa para se envergonhar.
Quando eramos donos de todos os políticos, todos os policiais. Éramos como príncipes
nesta cidade naquela época, e podemos ser novamente.
— Relamentes bons, eles costumavam nos chamar, — ele diz. — Relamente bons.
Expertes.Habilidosos. Quando eu estiver no comando, eu vou trazer de volta os velhos
tempos e fazer esta cidade tremer. Essa é uma boa meta, um objetivo digno.
— E como você vai fazer isso? — Eu pergunto. —Você acha que o governo vai
permitir porque você abriu caminho assassinando, até o topo de uma família de crime?
Você acha que zacharow poderia ter o mundo pelas bolas, mas ele é todo 'Não,
obrigado'?
Anton me bate em cheio na mandíbula. Dor explode na minha cabeça e eu tropeço
para trás, mal mantendo o meu equilíbrio.
"Hey," diz Philip, empurrando Anton de volta. — Ele é apenas um garoto com a
boca grande.
Eu dou dois passos em direção Anton, e Barron agarra meu braço.
— Não seja estúpido, — ele diz, e puxa minhas mangas para baixo sobre as minhas
mãos.
— Segure-o, — Anton diz para Barron. Ele olha para mim. —Eu não terminei com
você, garoto.
O agarre de Barron aperta.
— O que você está fazendo, Anton? — Philip pergunta, tentando soar razoável. —
Nós não temos tempo para isso. Além disso, ele vai acordar com as contusões. Pense.
Anton balança a cabeça. —Saia do meu caminho, Philip. Eu não deveria ter que
lembrá-lo que eu sou seu chefe.
Philip olha para trás e para frente entre mim e Anton, pesando a raiva de Anton e
minha estupidez.
— Hey, — eu digo, lutando contra a aperto de Barron. Estou exausto, e não luto
com força, mas isso não impede a minha boca. — O que você vai fazer? Matar-me,
também? Como os homens? Como Lila. Vamos lá, o que ela realmente fez? Será que ela
entrou em seu caminho? Insultou-o? Não rastejou?
Às vezes eu sou muito estúpido. Eu acho que eu mereço o soco que Barron me
segura no lugar para levar. Aquele que me pega apenas sob minha bochecha e faz com
que minha visão fique branca. Eu posso sentir o golpe por todo o caminho até os meus
dentes.
— Cala a boca! — Anton grita.
Minha boca inunda com o gosto de moedas antigas. Minhas bochechas e língua
parecer ser feitas de hambúrguer cru, o sangue diblando nos meus lábios.
— Basta, — Philip diz. — Já chega.
— Eu decido quando é o suficiente, — diz Anton.
— Ok, me desculpe, — Eu digo, cuspindo a boca cheia de sangue no chão. —Lição
aprendida. Você não pode bater o lixo fora de mim agora. Eu não quis dizer isso.
Eu olho a tempo de ver Philip acender um cigarro e se afastar, soprando fumaça no
ar. E ver Anton trazer o punho para baixo no meu intestino.
Tento torcer para fora do caminho, mas eu já estou muito ferido para ser rápido, e
não há nenhum lugar para ir com as mãos de Barron presas em mim. Dor brilhante me
faz dobrar para a frente, gemendo. Sou grato quando eu sento-o soltar meus braços para
que eu possa deslizar para o chão e enrolar meu corpo em torno de si. Eu não quero me
mover. Eu quero ficar deitado até que tudo parar de doer.
— Chute-o — Anton diz. Sua voz está tremendo. — Eu quero saber se você é leal a
mim. Faça isso ou essa coisa toda será cancelada.
Eu me forço para sentar e tentar empurrar-me de pé. Os três estão olhando para mim
como se eu fosse algo que eles encontraram no fundo de seus sapatos. A palavra por
favor" se repete em minha mente. — Não está na cara, — eu digo em seu lugar.
O pé de Barron bate-me para o chão. Leva apenas alguns chutes mais para eu perder
a consciência.
Capítulo Treze
EU NÃO QUERO ME MEXER porque até mesmo respirar machuca as minhas
costelas. As contusões doem mais de manhã do que elas doíam na noite anterior.
Deitado na cama no meu antigo quarto, eu testo minha memória os pontos em
branco. Lembro-me de ser criança, grudando a língua na minha gengiva depois de um
dente ter caído. Mas eu me lembro da noite passada muito claramente: meus irmãos de pé
em cima de mim, Barron chutando o meu estômago várias vezes. Eu me lembro da arma
se alterando, enrolando-se ao redor do pulso do homem. A única coisa que eu não lembro
é como cheguei à cama, mas eu acho que é porque desmaiei.
— Oh, Deus, — eu digo, esfregando a minha mão no meu rosto, então olhando para
a minha mão para ter certeza que ela é ainda minha. Ter certeza que não havia se
retorcido em algum outro formato.
Eu estiquei meu braço para baixo lentamente e cuidadosamente para tocar o
machucado na minha perna onde os amuletos estão. Eu sinto a dureza de uma inteira
embaixo dos meus dedos e tracejo os cacos onde duas quebradas. Minha pele pula acesa
de dor, com a pressão. Eu não estava louco. Uma pedra quebrou ontem à noite, embaixo
da minha pele, para cada vez que Barron tentou me amaldiçoar.
Barron.
Ele é o executor de memória. Foi ele que mudou as memórias de Maura. E as
minhas.
O meu estômago se aperta e eu rolo cautelosamente para um lado, com medo de que
eu vá vomitar e então engasgo com o vômito. Vertiginosamente eu vejo o gato branco
sentado em uma pilha de roupas para lavar, seus olhos estão entreabertos.
— O que você está fazendo aqui? – eu sussurro. Minha voz soa como se cacos de
vidro estivessem presos na minha garganta.
Ela se levanta, esticando suas patas para amassar a blusa onde ela estava deitada.
Suas unhas afundam no tecido como pequenas agulhas. Então suas costas se arquejam.
— Você os viu me trazendo de volta para cá? – eu coaxei.
Sua língua golpeou seu nariz.
— Pare de brincar comigo, — eu digo.
Ela se acocora e depois salta para cima da cama, me assustando. Eu dou um gemido
por causa da dor fresca. — Eu sei o que você é, — eu digo. — Eu sei o que eu fiz com
você.
Somente você pode desfazer a maldição. Claro.
Seu pêlo é suave contra o meu braço, e eu estico a mão na direção dela. Ela me
deixa acariciar suas costas. Eu estou mentindo. Eu não sei o que ela é. Eu acho que eu sei
quem ela é, mas eu não tenho certeza do que ela é mais.
— Eu não sei como te transformar de volta, — eu digo. — Eu descobri que fui eu
que transformei você. Eu descobri esta parte. Mas eu não sei como eu fiz isso.
Ela fica tensa, e eu viro para afundar o meu rosto no pêlo dela. Eu sinto as
almofadas ásperas de suas patas. Suas pequenas garras são afiadas contra a minha pele.
— Eu não tenho um amuleto de sonho, — eu digo. – Eu não tenho nada para evitar
que você me amaldiçoe. Você pode me fazer sonhar, não pode? Como a tempestade no
telhado. Como antes de você ser um gato.
Seu ronronar é um estrondo, como um trovão distante.
Eu fecho meus olhos.
Eu acordo ainda dolorido. Eu estou deitado em uma piscina de sangue, escorregando
enquanto eu tento levantar. Se inclinando em cima de mim estão Philip, Barron, Anton e
Lila.
— Ele não se lembra de nada. — a menina Lila diz. Quando ela sorri, seus dentes
caninos são pontos afiados. Ela parece mais velha do que quatorze anos. Ela está linda e
terrível. Eu me encolho para longe dela.
Ela ri.
— Quem se machucou? – eu pergunto.
— Eu, — ela diz. – Você não se lembra? Eu morri.
Eu me levanto até ficar de joelhos e me encontro no palco do teatro em Wallingford.
Sozinho. A pesada cortina azul está fechada na minha frente, e eu acho que posso ouvir
sons de um público atrás dela. Quando eu olho para baixo, o sangue não está mais lá, mas
um alçapão está aberto. Eu tento ficar de pé, escorrego, e quase caio no buraco.
— Você precisa de maquiagem, — alguém diz. Eu virei minha cabeça. É a Daneca,
em uma armadura de placas, se aproximando de mim com uma nuvem de pó. Ela acerta o
meu rosto com ela. Há uma nuvem de pó.
— Estou sonhando, — eu disse em voz alta, o que não ajudou tanto quanto deveria.
Eu abri meus olhos e me encontrei não mais no palco de Wallingford, mas no corredor de
um teatro majestoso. As paredes de madeira estavam sulcadas com poeira acima de um
tapete vermelho. Luzes gotejavam como cristais, e os tetos de gesso estavam pintados
com afrescos de ouro. Nas filas de bancos no terraço em frente ao palco, os gatos com
roupas passavam um pelo outro. Eu me viro e ao redor, e alguns deles olham em minha
direção, seus olhos brilhando com a luz refletida.
Eu tropeço em uma das fileiras vazia e pego um assento enquanto a escura cortina
vermelha se abre.
Lila entra no palco, vestindo um longo vestido branco vitoriano com botões de
pérolas. Ela é seguida por Anton, então Philip e Barron. Cada um dos caras está com uma
fantasia de diferentes períodos. Anton está em um terno roxo com um enorme chapéu de
penas, Philip está vestido como um lorde elisabetano com um gibão e um colar, e Barron
está vestindo um longo manto negro. Eu não consigo decidir se é para ele ser um padre
ou um juiz.
— oh, — Lila diz, pressionando a parte de trás de seu pulso contra a sua testa. — Eu
sou uma jovem e muito dada ao entretenimento.
Barron se curva profundamente. — Acontece que eu posso entreter.
— Acontece — diz Anton, — que Philip e eu temos algo paralelo acontecendo onde
eu me livro das pessoas por dinheiro. Eu não posso deixar que o pai dela saiba. Eu vou
assumir os negócios um dia.
— Logo, ai de mim, — diz Lila. – Ai de mim.
Barron sorri e esfrega suas mãos juntas. — Acontece que eu gosto de dinheiro.
Philip olha diretamente para mim, como se fosse comigo que ele estivesse
conversando. — Anton vai ser o nosso ingresso para fora dos negócios pequenos. E eu
acho que a minha namorada está grávida. Você entende certo? Eu estou fazendo isso por
todos nós.
Eu balancei a cabeça. Eu não entendo.
No palco, Lila dá um pequeno grito e começa a encolher, mudando de forma até que
ela está do tamanho de um rato. Então o gato branco pula para baixo de um dos balcões
do teatro, seu vestido se rasgando em fragmentos irregulares no assoalho e saindo em seu
corpo peludo.
Atacando, ela pega a Lila-rato com seus dentes e morde para fora sua pequena
cabeça. Sangue se espalha pelo palco.
— Lila, — eu digo. — Pare. Pare com todos os jogos.
O gato engole os restos e olha para mim. E então as luzes do palco estão virando na
minha direção, a claridade me faz piscar confuso. Eu me levanto. O gato branco anda na
minha direção. Seus olhos – aqueles olhos azul e verde – são tão claramente de Lila que
eu tropeço para trás e caio no corredor.
— Você tem que cortar para fora minha cabeça, — ela diz.
— Não, — eu digo para ela.
— Você me ama? – ela pergunta.
Seus dentes são como facas de marfim. — Eu não sei, — eu digo.
— Se você me ama você irá cortar para fora minha cabeça.
De alguma forma eu tenho uma espada nas mãos e eu estou balançando-a. O gato
está se transformando da mesma forma que a Lila, mas ele está ficando maior, crescendo
em algo monstruoso. O aplauso da audiência é ensurdecedor.
Minhas costelas estão pulsando, mas me forço a tirar minhas pernas da cama. Eu
ando até o banheiro, urino, e então mastigo um punhado de aspirina. Olhando-me no
espelho, vendo meus olhos vermelhos e a massa de contusões perto das minhas costelas,
eu penso sobre o sonho, sobre o gato pairando em cima de mim.
É ridículo, mas não estou rindo.
— É você? — a voz do vovô vem do andar de baixo.
— Sim, — eu respondo.
— Você dormiu tarde, — ele diz, e eu posso ouvi-lo murmurando, provavelmente
sobre o quão preguiçoso eu sou.
— Não estou me sentindo bem, — eu digo para ele da escada. — Acho que não
consigo fazer limpeza hoje.
— Eu também não estou muito bem, — ele diz. — Noite dura ontem, hein? Eu bebi
tanto que não me lembro da maior parte.
Eu desço as escadas, segurando minhas costelas meio-inconsciente. Eu tropeço.
Nada parece certo. Minha pele não se ajusta. Eu sou o Humpty Dumpty30. Todos os
cavalos do rei e todos os homens do rei falharam em me montar novamente.
— Algo aconteceu que você queira me contar? — Vovô pergunta. Eu penso em
como os seus olhos pareciam piscar no escuro ontem à noite. Eu me pergunto o que ele
ouviu. O que ele suspeita.
— Nada, — eu digo, e me sirvo de uma xícara de café. Eu o tomo puro, e o calor na
minha barriga é a primeira coisa confortante que me lembro de sentir em algum tempo.
O vovô inclina sua cabeça na minha direção. —Você está uma merda.
— Eu te disse que eu não me sentia bem.
O telefone toca no outro cômodo, um som estridente mexe com os meus nervos. –
Você me diz muitas coisas, — vovô diz, e sai para atender ao telefone.
Eu vejo o gato nas escadas, seu corpo fantasmagórico em um feixe de luz do sol. Ela
se obscurece na minha visão. Meus irmãos estavam desconfortáveis, mas não pelos
motivos que eu havia pensado. Não porque eu era um assassino ou um intruso. Eu estava
tão por dentro que eu nem sabia disso. Eu era a pessoa mais por dentro de todas. Eu
estava escondido de tão por dentro que eu estava. Por um momento queria jogar todos os
utensílios no chão. Eu queria gritar e berrar. Eu queria pegar este poder recém-descoberto
e mudar tudo o que eu tocasse.
Chumbo em ouro.
Carne em pedra.
Gravetos em cobras.
Eu segurei a xícara de café, e pensei sobre o cano da arma derretendo e se
transformando na minha mão, mas não importa o quanto eu tentasse conjurar aquele
momento, a xícara permanecia. O slogan ainda lia-se TRANSPORTE ARMHERST:
NÓS LEVANTAMOS COISAS em um pano de fundo marrom brilhante.
— O que você está fazendo? — vovô pergunta, e a minha mão vacila, derramando
café na camiseta. Ele está segurando o telefone. — Philip. Para você. Diz que você
deixou algo lá.
Eu balanço a minha cabeça.
— Pegue, — vovô diz, soando exasperado, e não posso pensar em uma desculpa
para não fazê-lo, então eu o faço.
— Sim? — eu digo.
— O que você fez com ela? – Sua voz soava grossa de raiva e algo mais. Pânico.
— Quem? — eu pergunto.
— Maura. Ela foi embora, e ela levou o meu filho. Você tem que me contar onde ela
está Cassel.
— Eu? — eu pergunto para ele. Ontem a noite ele viu Barron me chutar no
estômago até eu desmaiar, e hoje ele está me acusando de planejar a fuga da Maura? A
raiva fez a minha visão ficar nublada. Eu segurei o telefone com tanta força que eu estava
com medo que o invólucro de plástico vá quebrar.
Ele deveria estar se desculpando comigo. Ele deveria estar implorando.
— Eu sei que você esteve falando com ela. O que você contou para ela? O que você
fez com ela?
— Oh, sinto muito, — eu disse automaticamente, fúria gelada em cada palavra. —
Eu não me lembro. — Eu apertei no botão para desligar o telefone, sentindo um prazer
vingativo tão grande que levo um momento para perceber o quão incrivelmente estúpido
eu fui.
Então eu me lembro de que não sou mais Cassel Sharpe, o irmão mais novo e
decepção total. Eu sou o mais poderoso dos praticantes de uma das maldições mais raras.
Eu não vou pegar Lila e ir embora da cidade. Eu não vou para lugar nenhum.
Eles deveriam estar com medo de mim.
Vovô sai mais ou menos uma hora depois, me perguntando se eu preciso de algo da
loja. Eu digo que não. Ele me diz para colocar algumas das minhas roupas na sacola.
— O que está acontecendo? – eu pergunto.
— Nós vamos fazer uma pequena viagem até Carney, — ele diz.
Eu assinto com a cabeça, agarro minhas costelas, e o vejo ir.
Lila me encara do centro dos montes de papéis, roupas e pratos na mesa da sala de
jantar. Ela está comendo algo. Eu me aproximo e vejo um pedaço de bacon, a gordura
sendo embebida por um lenço.
— O vovô te deu isso? — eu pergunto.
Ela senta-se em suas patas traseiras e lambe sua boca.
Meu celular está tocando. O identificador diz que é a Daneca.
— Você deu a ela um deslize, — eu digo. — Você realmente andou até aqui?
Lila boceja, mostrando suas presas.
Eu sei que eu tenho que transformá-la, agora antes que vovô retorne. Antes que as
minhas costelas comecem a doer novamente e eu não consiga me concentrar.
Se somente eu soubesse como.
Seus olhos estavam brilhando enquanto caminhava em direção a ela.
Uma maldição foi colocada sobre mim. Uma maldição que somente você pode
quebrar.
Eu estiquei minha mão e toquei o pêlo dela. Seus ossos pareciam leves, frágeis,
como os ossos de um pássaro. Eu me lembro do momento quando o cano da arma
começou a se transformar em escamas, tentando convocar o impulso que o fez se
transformar.
Nada.
Eu imaginei Lila, imaginei o gato se alongando, crescendo em uma menina.
Enquanto eu imaginava, estava consciente que eu não sabia como Lila pareceria agora.
Eu tirei isso da cabeça e me deixei inventar algum tipo de combinação da garota que eu
conhecia e a garota do meu sonho. Perto o bastante. Eu a imaginei se transformando,
imaginei até que eu estava tremendo por causa da concentração, mas ela ainda não se
transformou.
O gato dá um rosnado profundo.
Eu pego uma das cadeiras da sala de jantar e sento em cima dela, descansando a
minha testa contra a madeira na parte de trás.
Quando eu transformei a arma, não estava pensando sobre isso. O instinto tomou
conta. Era como se algum músculo da memória ou uma parte do meu cérebro que eu
somente podia acessar quando alguém que eu me importava estava em perigo.
Eu estive bravo muitas vezes. Eu nunca transformei acidentalmente minhas luvas
em folhas ou transformei alguém em algo. Então não é emoção.
Eu penso sobre a formiga que Barron me contou que eu havia transformado em um
graveto. Eu não consigo me lembrar do que eu fiz.
Eu olhei ao redor no cômodo. A espada que eu encontrei quando estava limpando na
sala está bem aonde eu a deixei, inclinada contra a parede. Eu a pego sinto seu peso,
como se estivesse distante do meu corpo. Eu noto a ferrugem ao longo da lâmina. A
espada parece pesada em minhas mãos, não como a leve lâmina de esgrima na escola.
Se você me ama, corte fora minha cabeça.
— Lila, — eu digo. — Eu não sei como te transformar.
Ela anda até a beirada da mesa e pula para o chão. Surreal. Tudo é surreal. Nada
disso está acontecendo.
— Eu estou pensando em fazer algo para me forçar. Algo louco. Para forçar a
mágica.
Isso é estúpido. Alguém tem que me parar. Ela tem que me parar.
Ela esfrega sua bochecha contra a lâmina, fechando seus olhos, e então esfrega seu
corpo inteiro contra a lâmina. De trás para frente. De trás para frente.
— Você realmente acha que isso é uma boa ideia?
Ela mia e pula de volta na mesa. Então ela senta, esperando.
Eu me estico e coloco uma mão no pelo de suas costas. — Eu vou balançar esta
espada na sua cabeça, ok? Mas eu não vou te acertar.
— Fique parada.
Ela só está me assistindo, só esperando. Ela não se mexe, exceto pelo balançar de
seu rabo.
Eu afasto a espada e balanço-a em direção ao seu pequeno corpo. Eu a balanço com
toda a força do meu corpo.
Oh, Deus, eu vou matá-la novamente.
E então eu vejo. Tudo fica fluído. Eu sei que posso transformar a espada na minha
mão em um pedaço de corda, um lençol de água, uma camada de sujeira. E o gato não é
mais um conjunto frágil de ossos de pássaro e pêlo. Eu posso ver a grave maldição tecida
nela, obscurecendo a garota lá em baixo. Um simples empurrão mental e ele se quebra.
De repente estou trazendo a espada abaixo, em cima de uma forma nua de uma
garota se agachando. Eu me afasto, mas o meu peso está bem fora do equilíbrio.
Eu tropeço no chão e a espada voa para fora das minhas mãos. Ela bate em um baú
veneziano cor de água do outro lado da sala de jantar.
Ela é um emaranhado de cachos da cor de palha e pele bronzeada pelo sol. Ela tenta
se levantar e não consegue. Talvez ela tenha se esquecido de como.
Desta vez quando o efeito bumerangue me acerta, é como se o meu corpo estivesse
tentando se dilacerar sozinho.
— Cassel, — ela diz. Ela está ajoelhada sobre mim, em uma camiseta muito grande.
Eu posso ver quase a extensão inteira de suas pernas nuas quando eu viro a cabeça. —
Cassel, alguém está vindo. Acorde.
Minhas costelas doem novamente. Eu não sei se isso é uma coisa boa ou ruim. Eu só
preciso dormir. Se eu dormir o suficiente, quando acordar, estarei de volta em
Wallingford e o Sam estará borrifando nele muito perfume e tudo voltará do jeito como
as coisas eram.
Ela me dá um tapa, forte.
Dou uma respiração profunda e abro meus olhos. Minha bochecha está ardendo.
Quando eu viro a minha cabeça, posso ver o cabo da espada e um vaso quebrado que
deve ter caído do baú. O chão inteiro está recém-coberto de papéis e livros.
— Alguém está vindo, — ela diz. Sua voz soa diferente de como eu costumava me
lembrar. Áspera. Rouca.
— Meu avô, — eu digo. — Ele foi à loja.
— Há duas pessoas lá fora. — Seu rosto é tanto familiar quanto estranho. Olhar para
ela faz o meu estômago doer. Eu estico uma mão.
Ela se afasta. Claro que ela não quer que eu a toque. Olha o que eu posso fazer.
— Depressa, — ela diz.
Eu tropeço. — Oh, — eu digo em voz alta, porque eu me lembro da estúpida coisa
que disse para o Philip. Eu não posso acreditar que eu poderia ser bom em enganar.
— O armário, — eu digo.
O armário para casacos está lotado com lã e pelos comidos por traças. Nós chutamos
as caixas no fundo e nos apertamos lá dentro. A única maneira de cabermos sem
pressionar contra a porta é nos abaixarmos embaixo da haste que está segurando os
cabides e deixar isso me manter lá dentro. A vara bate no meu braço, e Lila vem depois
de mim, fechando a porta. E então ela está pressionada contra as minhas costelas
doloridas, inspirando curtos suspiros rápidos. Sua respiração cheira como grama e algo
mais, algo mais rico e mais obscuro. Está quente contra o meu pescoço.
Eu não posso vê-la, somente pedaços de luz ao longo do contorno da porta. Um dos
colarinhos de vison da minha mãe roça no meu queixo, e há um leve rastro de perfume.
Eu escuto a porta da frente se abrir e então a voz do Philip chama, — Cassel? Vovô?
Automaticamente eu faço um movimento repentino. É só um reflexo, não muito,
mas faz a Lila agarrar os meus braços e enfiar as suas unhas nos meus bíceps.
— Shhhhhh, — ela diz.
— Você fica quieta, — eu sussurro de volta. Eu agarro seus ombros sem decidir
conscientemente, espelhando o seu gesto. No escuro ela é um fantasma. Não é real. Seus
ombros estão tremendo levemente, vibrando embaixo das minhas mãos.
As nossas mãos estão nuas. É chocante.
Ela está se inclinando para frente.
Então sua boca está deslizando contra a minha. Seus lábios estão abertos, suaves e
entregues. Nossos dentes batem juntos, e ela tem o gosto de cada pensamento obscuro
que eu já tive. Este é o beijo que eu fantasiei desde quando eu tinha quatorze anos – o
beijo que eu queria e nunca ganhei, e agora que estava acontecendo eu não conseguia
pará-lo. Meus ombros pressionaram contra a parede. Eu estiquei uma mão para me
estabilizar, agarrando o ombro de lã de um casaco com tanta força que eu podia sentir o
tecido antigo rasgar.
Ela morde a minha língua.
— Ele não está aqui, — Barron diz. — O carro se foi.
Lila se afasta de mim abruptamente, inclinando seu pescoço para que o seu cabelo
esteja no meu rosto.
— O que você acha que ele contou para o vovô? — Philip pergunta.
— Nada, — Barron diz. — Você está exagerando.
— Você não o escutou no telefone, — diz o Philip. — Ele se lembrou, eu não sei do
quê. O bastante para saber que alguém estava amaldiçoando-o.
Algo se esmaga debaixo de um dos seus pés. Considerando todas as coisas
espalhadas no chão, poderia ser qualquer coisa. — Ele é um espertinho. Você só está
sendo paranóico.
A respiração de Lila está quente contra o meu pescoço.
Sons de passos nas escadas me dizem que eles vão me procurar lá em cima.
Nós estamos tão próximos que é impossível não tocá-la. E isso faz eu me lembrar de
que ela devia estar me tocando para me fazer sonhar.
— Naquela noite, em Wallingford — você estava no quarto comigo? — eu sussurro.
— Eles precisavam de mim para te pegar, — ela diz. — Para fazer você ficar
sonâmbulo e ir até eles. Eu fiz muitas pessoas irem sonâmbulas até eles.
Eu imaginei uma forma branca nos degraus, o cachorro do coordenador de andar
começando a latir antes que ela fizesse o cachorro sonhar também.
— Por que você me beijou? — eu perguntei a ela, mantendo minha voz baixa.
— Para calar a tua boca, — ela diz. — Por que mais?
Nós ficamos em silêncio por um momento. Acima de nós eu posso ouvir os meus
irmãos andando pelas tábuas rangendo. Eu me pergunto se eles estavam em seus antigos
quartos. Eu me pergunto se eles estão no meu quarto, fuçando nas minhas coisas como
eles fuçaram nas coisas de Barron.
— Obrigado, — eu digo, por fim, sarcasticamente. Meu coração está batendo como
um chocalho.
— Você não se lembra de nada, não é? Eu descobri essa parte. Barron me disse que
você riu quando ele te contou que estava em uma gaiola, mas você não riu, não é?
— Claro que não, — eu disse. — Ninguém me disse que você estava viva.
Ela me oferece uma estranha risada curta e murmurada. — Como você acha que eu
morri? — eu penso na gaiola e ela estando lá nos últimos três anos. Como isso poderia
deixar qualquer um louco. Não que ela parecesse mais louca do que qualquer outra
pessoa. Eu, por exemplo.
— Eu te esfaqueei. — Minha voz quebra com as palavras, mesmo a minha memória
não sendo verdadeira.
Ela está quieta. Tudo o que eu posso ouvir é o pulsar do meu próprio coração.
— Eu me lembro, — eu digo. — O sangue. Escorregando no chão. E me sentindo
alegre, como se tivesse escapado. Olhando para o seu corpo e me sentindo da maneira
como eu me senti – a memória ainda parece tão real. Como algo que ninguém pudesse ter
inventado, porque era tão horrível. E como eu estava – é pior do que não sentir nada,
como se você fosse somente um psicopata. É muito pior pensar que você gostou daquilo.
— Eu estou contente que nós estamos no escuro. É impossível imaginar dizer tudo isso
na cara dela.
— Era para eles terem me matado, — Lila diz. — Barron e eu estávamos na casa do
seu avô no porão, e ele agarrou meus braços. De primeira eu achei que ele estava
brincando, que queria lutar, até que você e Philip entraram. Philip estava dizendo algo
para você, e você só continuava balançando sua cabeça.
Eu queria dizer que não era verdade, que não havia acontecido, mas claro que eu
não tinha ideia.
— Eu continuava pedindo para Barron deixar eu me levantar, mas ele nem olhava
para mim. Philip pegou uma faca, e foi aí que você pareceu ter mudado de ideia. Você
andou até mim e olhou para baixo, mas era como se você não estivesse realmente
olhando para mim. Como se você nem soubesse quem eu era. Barron começou a se
levantar, e eu estava aliviada, até que você pegou meus pulsos e os apertou no tapete
felpudo. Você os pressionou mais forte do que ele.
Eu engoli com dificuldade e fechei meus olhos, com medo que ela iria dizer em
seguida.
Passos na escada fez ela se encolher.
— Me conte, — eu sussurrei. Minha voz saindo mais alta do que eu planejara.
Provavelmente não alta o bastante para chamar a atenção deles. — Me conte o resto.
Ela pressiona sua mão nua contra a minha boca. — Cala a boca. — Ela está
sussurrando, mas ela soa feroz.
Se eu lutar, eu realmente vou fazer barulho.
— Eu não quero que você conte para Anton, — Philip diz. Ele parece que está perto,
e o corpo da Lila se estremece. Eu tento deslizar minha mão contra seus antebraços para
acalmá-la, mas isso só parece fazê-la tremer ainda mais.
— Dizer a ele o quê? — pergunta o Barron. — Que você acha que o Cassel vai
falhar? Você quer que essa coisa toda se desmorone?
— Eu não quero que isso exploda em nossas caras. E Anton está agindo mais
instável.
— Nós podemos cuidar do Anton quando isso acabar. O Cassel está bem. Você o
mima demais.
— Eu só acho que isso é arriscado. É um plano arriscado e Cassel precisa estar de
acordo. Eu acho que você se esqueceu de fazê-lo esquecer.
— Você sabe o que eu acho? — Barron diz. — Eu acho que aquela vadia da sua
esposa é o problema. Eu disse para você largar dela.
— Cala a boca. — Eu escuto o grunhido por baixo da aparente calma de Philip.
— Ótimo, mas ele estava andando com ela ontem à noite depois do jantar. Ela
obviamente descobriu o bastante para ir embora.
— Mas Cassel...
— Cassel nada. Ela disse para ele o que ela suspeitava. E estava jogando verde para
ver se era verdade. Ver como você reagiria. Ele não sabe de nada ainda, a menos que
você enlouqueça. Simples. Caso encerrado. Agora vamos.
— E quanto a Lila?
— Nós a encontraremos, — ele diz. — Ela é um gato. O que ela pode fazer?
Eu escuto a porta bater. Nós esperamos pelo que parece ser uns dez minutos e então
deslizamos pela vara para abrir a porta do armário. Eu olho ao redor do cômodo. Está
bagunçado, mas não mais do que antes.
Lila dá um passo atrás de mim, e quando olho de volta para ela, sua boca se curva
um pouco no canto. Ela se vira na direção do banheiro.
Eu pego o pulso dela. — Por que você está fazendo isso? Conte-me. Como você
fugiu do Barron. Por que você me atraiu para o telhado no Dormitório Smythe com
aquele sonho louco.
— Eu queria te matar, — ela diz, um pequeno sorriso aumentando.
Eu largo o pulso dela como se estivesse me queimando. — Você o quê?
— Eu não consegui fazê-lo, — ela diz. — Eu odiava você ainda mais do que eu
odiava eles, mas eu ainda não conseguia fazê-lo. Isso é algo, certo?
Eu me senti como se ela tivesse tirado o ar dos meus pulmões.
— Não, — eu digo. —Não é nada. É menos do que nada.
A porta da cozinha se abre com um rangido. Lila se pressiona contra a parede, me
atirando um olhar de aviso. Não há tempo para correr para o armário, então eu entro na
cozinha para aguentar o que está vindo. Para dar a Lila alguns minutos para se esconder.
Philip sorri da porta. — Eu sabia que você estava aqui.
— Eu acabei de entrar, — eu digo, mesmo que ele saiba que eu estou mentindo.
Ele dá um passo na minha direção, e eu dou um passo para trás. Eu me pergunto se
ele irá tentar me matar. Eu ergo minhas mãos, ainda nuas. Ele não parece notar.
— Eu preciso que você diga para ela, — Philip diz, e por um momento eu não sei de
quem ele está falando. — Diga a Maura que eu fui fraco. Diga para ela que eu sinto
muito. Diga a ela que vou parar.
— Eu te disse que não sei onde a Maura está.
— Tudo bem, — ele diz tenso. — Vejo você na quarta à noite. E, Cassel, talvez
você esteja puto ou tem perguntas, mas irá valer a pena no final. Confie na gente um
pouco mais e você vai ter tudo o que você sempre quis.
Ele sai e desce a colina para o carro parado de Barron. Lila entra no cômodo e
coloca sua mão no meu ombro. Eu tento espantá-la.
— Nós temos que sair daqui, — ela diz. — Você precisa descansar.
Eu me viro para concordar, mas ela já está tirando suas luvas e o casaco do armário.
Capítulo Catorze
Final da tarde, a luz solar flui através da janela, e acordo com minha cabeça apoiada
contra cachos loiros e pele quente. No começo estou tão desorientado que não consigo
entender quem está ao meu lado e por que ela não tem muitas roupas postas.
Sam está fechando a porta do quarto. — Ei, cara, — ele diz em um sussurro.
Lila faz um pequeno gesto de queixa e gira contra a parede, seu corpo deslizando
contra o meu, dobrando sua camisa para cima. Ela amassa o travesseiro sobre sua cabeça.
Lembro-me vagamente de andar até a loja de conveniência três quadras da minha
casa, chamando um táxi, e depois sentar na calçada e esperar, Lila encostada em mim.
Descobri que meu dormitório ia ficar vazio por um par de horas. Não havia nenhum outro
lugar que eu poderia pensar em ir.
— Não se preocupe, — Sam disse. — Eu não tenho visto Valerio. Mas na próxima
vez coloque uma meia na porta.
— Uma meia?
— Meu irmão diz que é o sinal universal para conseguir alguma forma legal de
alertar seu companheiro de quarto para que ele possa fazer outros planos para a noite.
Como desistir de deixar seu companheiro de quarto caminhar por conta própria.
— Uh, sim, — eu disse bocejando. — Desculpe. Meia. Vou lembrar.
— Quem é ela?— , ele sussurra, indicando-a com seu queixo. ―Será que ela ainda
vai para a escola aqui‖? — Ele abaixa mais ainda sua voz. — E você está louco?
Lila rola sobre ela novamente e sorri sonolenta para Sam. — O uniforme é bonito.
— Ela diz em sua nova e áspera voz.
Sam ruboriza.
— Eu sou Lila, e sim, ele é louco. Mas você deve ter notado isso antes. Ele já era
louco quando eu o conheci, e ele obviamente ficará mais louco ao longo do tempo. —
Com seus dedos com luvas, ela despenteia meu cabelo.
Eu fiz uma careta. — Ela é uma velha amiga. Uma amiga da família.
— Todo mundo está voltando, — Sam disse, erguendo as sobrancelhas. — É melhor
você e sua amiga saírem.
Lila empurrou-se em seu cotovelo. ―Está se sentindo melhor?‖. Isso parecia não
incomodá-la estar metade vestida com uma perna pressionada contra mim. Talvez ela se
acostumou em estar nua quando era uma gata, mas eu estou completamente
desacostumado com isso.
— Sim, — eu disse. Minhas costelas estão doloridas, mas a dor é fraca.
Ela boceja e estica seus braços, inclinando seu corpo e fazendo sua espinha estalar
audivelmente.
Parece que o mundo inteiro virou de cabeça para baixo. Não existem mais regras.
— Ei, — eu digo para Sam, porque se o mundo ficou louco, então acho que posso
fazer o que eu quiser. — Adivinhe só? Sou um executor.
Ele me encarou, boquiaberto. Lila empurrou-se para seus pés.
— Você não pode contar a ele isto, — ela diz.
— Por quê? — eu perguntei, em seguida virei para ele. — Eu não tinha nenhuma
ideia até ontem. Doido, certo?
— De que tipo? — ele consegue chiar para fora.
— Se você lhe disser isso, — Lila diz, — Eu vou matar você, mas primeiro vou
matar ele.
— Considere a pergunta retratada, — segurando suas mãos em uma oferta de paz.
Algumas das minhas roupas ainda estão no armário e nas gavetas. Eu agarro tudo o
que preciso, em seguida vou para a biblioteca para tirar um empréstimo do meu negócio.
Caminhamos até a loja da esquina aonde todos os alunos de Wallingford vão para
roubar chiclete. Lila pega um frasco de xampu, um sabonete, e um enorme copo de café,
e três barras de chocolate. Eu pago.
O proprietário, Sr Gazonas, sorri para mim.
— Ele é um bom garoto, — ele diz a Lila. — Educado. Não rouba. Não como as
outras crianças que vêm aqui. Segure-se a este.
Isso me faz rir.
Eu me inclino contra a parede exterior. — Você quer ligar para sua mãe?
Lila balança sua cabeça. — Com todas as fofocas em Carney? De jeito nenhum. Eu
não quero ninguém, apenas meu pai sabe que estou de volta.
Eu aceno devagar. — Então, nós o chamamos.
— Preciso tomar um banho primeiro. — Lila diz, enrolando a sacola plástica em
volta do pulso. Ela arregaçou um par das minhas calças sociais e parecia um vagabundo
nelas, a camisa larga e umas botas amarradas ela encontrou no fundo do meu armário.
Eu disquei para a mesma empresa de táxi que tinha nos dado uma carona até aqui.
— Não temos nenhum lugar para nos arrumar, — eu digo.
— Quarto de hotel, — ela diz.
Há um hotel não muito longe de uma caminhada a partir de onde estamos um
agradável lugar básico que os pais ficam às vezes, mas isso não vai funcionar. —
Acredite em mim, eles não vão deixar dois de nós pegarmos um quarto. Crianças tentam
o tempo todo.
Ela encolheu os ombros.
Eu pendurei sobre o despachante. — Tudo bem, — eu disse. Estou pensando em
como quando os quartos são limpos, as portas estão abertas. Nós nunca seremos capazes
de conseguir um quarto, mas podemos ser capazes de roubar um para um banho, se
tivermos sorte.
Enquanto desciamos pelo estacionamento, vi Audrey com duas de suas amigas,
Stacey e Jenna. Stacey aponta-me o dedo. Jenna cutuca Audrey com seu cotovelo. Eu sei
que deveria desviar o olhar, mas não fiz. Audrey levanta sua cabeça. Seus olhos estão
sombreados.
— Você a conhece? — Lila pergunta.
— Sim, — eu digo, e finalmente viramos em direção ao hotel.
— Ela é bonita, — Lila diz.
— Sim, — eu digo novamente, e enfio minhas mãos nos bolsos, fundo... Dedos
enluvados contra o vinco.
Lila continua olhando para trás. — Eu aposto que ela tem um chuveiro.
Aqui está outra coisa que mamãe me disse uma e outra vez sobre fraudes. A primeira coisa
que você tem de ter é a marca de confiança, mas é sempre mais convincente quando alguém
diferente do que você sugere o resultado para a marca. É por isso que a maioria dos
esquemas de confiança tem um parceiro.
— Cassel me contou tudo sobre você, — Lila diz a Audrey. Seu sorriso muda de
vagabunda sem teto para uma garota normal, mesmo com seu cabelo emaranhado.
Audrey olha de mim para Lila e então de volta para mim, como se ela estivesse
tentando decidir se isto é parte de algum jogo.
— O que ele disse, — Jenna pergunta, tomando um longo gole de sua Coca diet.
— Minha prima acabou de voltar da Índia, — eu digo, e aceno em direção a Lila. —
Seus pais estavam vivendo em algum lugar indu. Eu estava contando a ela sobre
Wallingford.
As mãos de Audrey vão para seu quadril. — Ela é sua prima?
Lila ergue suas sobrancelhas por um momento, então um largo sorriso divide seu
rosto. — Oh, porque eu sou tão pálida, certo?
Stacey recua. Audrey me olha como se tentasse ver se estou ofendido. A ideia de
política menos correta de Wallingford nunca menciona nada sobre raça. Nunca. Pele
bronzeada e cabelo escuro são suposto ser tão invisível como cabelo vermelho ou loiro,
ou pele tão branca como mármore com veias azuis.
— Não, está tudo bem, — Lila disse. — Somos meio-primos. Minha mãe se casou
com o irmão da mãe dele.
Minha mãe nem mesmo tem um irmão.
Eu não ergui uma sobrancelha.
Eu não sorri.
Eu não admito a mim mesmo que fraudando a menina eu poderia ainda estar
apaixonado por estar fazendo meu pulso acelerar.
— Audrey, — eu disse, porque conheço este roteiro muito bem, — Podemos
conversar por um minuto?
— Cassel, — Lila diz. —Tenho que cortar meu cabelo. Tenho que tomar um banho.
Vamos. — Ela sorri para Audrey e agarra meu braço. — Foi um prazer conhecer você.
Eu mantenho meu olhar sobre Audrey, esperando ela responder.
— Acho que você pode falar quando voltar da escola, — Jenna disse.
— Ela poderia usar o chuveiro do dormitório, — Audrey diz hesitante.
Eu sou uma pessoa muito má.
— Assim, poderíamos conversar? — eu pergunto a ela. — Isso seria ótimo!
— Claro —, ela diz, sem olhar para mim.
Enquanto caminhamos de volta para Wallingford, Lila exibi um sorriso. —Fácil, —
ela gesticula com os lábios.
Audrey e eu nos sentamos nos degraus de cimento em frente ao prédio de artes. Seu
pescoço está manchado, a maneira que fica quando ela está nervosa. Ela continua
empurrando seu cabelo vermelho fora de seu rosto, enganchando-o sobre uma orelha,
mas ele cai solto com cada brisa.
— Sinto muito sobre o que aconteceu na festa, — eu digo. Quero tocar seu cabelo,
colocá-lo para trás, mas não faço.
— Sou uma mulher independente. Faço minhas próprias decisões, — ela diz. Suas
mãos enluvadas puxam o tecido de sua calça cinza.
— Eu só quis dizer que eu...
— Eu sei o que quer dizer, — ela diz. — Eu estava bêbada, e você não deve beijar
garotas bêbadas, certamente não na frente de seus namorados. Não é cavalheiresco.
— Greg é seu namorado? — Aquilo certamente explicaria a reação dele.
Ela morde seu lábio inferior e dá de ombros.
— E então eu bati nele, — eu digo rapidamente, para fazê-la rir. — Sem revólveres
de madrugada. Você deve estar muito desapontada. Cavalheirismo está realmente morto.
Ela sorri claramente aliviada que não vou interrogá-la. — Estou desapontada.
— Sou mais engraçado que Greg, — eu digo. É fácil falar com ela hoje, sabendo
que eu não matei a última garota que eu estava apaixonado. Eu não tinha ideia de quão
pesado era o fardo até que estabeleci isso.
— Mas ele gosta mais de mim do que alguma vez você fez, — ela disse.
— Ele deve gostar muito de você, então. — Eu olho em seus olhos enquanto digo
isso, e sou recompensado pelo rubor manchado se espalhando por todo seu rosto.
Ela me dá um golpe no braço. — Ooooh. Você é engraçado.
— Isso significa que você não desistiu ainda de mim?
Ela se inclina para trás e se estica. — Eu não tenho certeza. Você vai voltar para
escola?
Eu aceno. — Eu voltarei.
— Tick tock, — ela diz. — Eu poderia esquecer tudo sobre você.
Eu dou uma risada. — A ausência diminuiu as pequenas paixões e aumenta as
grandes.
— Você tem uma boa memória, — ela diz, mas seu olhar está focado em algum
lugar atrás de mim.
— Eu mencionei que eu era mais inteligente que Greg também?— Quando ela não
reagiu, eu virei para ver o que ela estava encarando.
Lila está parada através de um ângulo em nossa direção em uma longa saia e uma
blusa que obviamente falava por alguém. Ela cortou tanto seu cabelo que estava menor
que o meu: um boné pálido prateado na cabeça. Ela ainda usava minhas botas, e seus
lábios estavam brilhando com gloss. rosa. Por um momento eu não respiro.
— Grande diferença, — Audrey diz.
O sorriso de Lila se amplia. Ela aproxima-se e conecta seu braço no meu. — Muito
obrigada por me deixar usar seu chuveiro.
— Sem problema, — diz Audrey. Ela está nos observando, como se de repente ela
achasse que há algo errado sobre o que aconteceu. Talvez seja apenas quão diferente Lila
parece.
— Temos que pegar um trem, Cassel, — Lila diz.
— Sim —, eu digo. — Eu ligo para você.
Audrey acena a cabeça, ainda olhando desnorteada.
Lila e eu seguimos em direção à calçada, e eu sei o que é isso. O ignorar e a fuga.
Altas apostas ou baixas apostas, os passos são os mesmo.
Acontece que não sou como meu pai, afinal. Eu realmente sou como minha mãe.
A estação ferroviária está praticamente vazia sem o tráfego dos dias úteis. Um cara
da minha idade se senta em um dos bancos de madeira pintada, discutindo com uma
garota cujos olhos parecem vermelhos e inchados. Uma senhora debruça-se sobre um
carrinho de puxar mantimentos. Em pé no canto mais distante duas garotas com
moicanos esbeltos tingidos em um profundo rosa dando risadinhas juntas sobre um game
boy.
— Devemos chamar seu pai. — Pesquei meu celular fora do meu bolso. —
Certifique-se que ele estará em seu escritório quando chegarmos lá.
Lila olha para o vidro de uma máquina de venda automática, sua expressão ilegível.
Seu reflexo vacila um pouco, como se estivesse tremendo. — Nós não estamos indo para
Nova Iorque. Temos que levá-lo para me encontrar em algum outro lugar.
— Por quê?
— Porque não quero que ninguém além dele saiba que estou de volta. Ninguém.
Não temos ideia de quem está trabalhando com Anton.
— Tudo bem, — eu digo balançando a cabeça. Afinal, depois de tudo que ela tem
passado uma pequena paranoia provavelmente não está inapropriado.
— Eu ouvi muita coisa, — ela diz. — Sei quais os planos deles.
— Tudo bem, — eu digo novamente. Nunca pensei que ela não soubesse.
— Prometa-me que não vai lhe dizer o que aconteceu comigo, ela diz e abaixa sua
voz. — Eu não quero que ele saiba que eu era um gato.
— Tudo bem, — eu digo de novo. — Não vou dizer nada que você não queira, mas
ele vai esperar que eu diga algo.
Estou envergonhado por meu próprio alivio. Eu não tinha certeza o que aconteceria. Tão
irritado como estou com Barron e Philip, tanto como os odeio agora mesmo, se Zacharov
soubesse o que eles fizeram, ele os mataria. Não tenho certeza se quero vê-los mortos.
Lila estende a mão para meu telefone. — Você não vai estar lá. Vou sozinha.
Eu abro minha boca, e ela me dá um olhar de advertência, que me deixou saber que
era melhor pensar bem antes de falar. — Olhe, deixe-me apenas ir com você no trem. Eu
deixarei você aonde quer que seja. Segura.
— Posso cuidar de mim mesma, — ela disse, e houve um barulho em sua voz que
soou como um grunhido.
— Eu sei disso, — entrego-lhe o telefone.
— Ótimo, — ela diz, sacudindo-o aberto.
Fiz uma careta enquanto ela bate nos números. Não chamando Zacharov, mesmo se
isso atrase minha necessidade de tomar decisões, não é uma solução. A vida dele está em
perigo. Nós precisamos de uma estratégia. — Você não pode pensar que seu pai vai
culpá-la? Isso é loucura.
— Acho que meu pai vai sentir pena de mim, — ela diz. Posso ouvir o toque do
outro lado.
— Ele vai pensar que você foi corajosa.
— Talvez, — ela diz, — Mas ele não vai pensar que sei cuidar de mim mesma.
Eu ouço uma voz de mulher, e Lila coloca o telefone no ouvido. — Eu gostaria de
falar com Sr. Ivan Zacharov.
Há uma longa pausa. Seus lábios pressionam juntos em uma linha fina. — Não, isso
não é uma piada. Ele vai querer falar comigo.
Ela bate na parede com um chute muito grande. — Coloque-o na linha.
Eu levanto minhas sobrancelhas. Ela cobre o receptor com a mão. — Eles estão o
procurando.
— Olá, papai, — ela diz, fechando os olhos.
Alguns momentos depois ela diz, — Não, não posso provar que sou eu. Como
poderia provar isso? Eu posso ouvir a voz dele como um zumbido distante, cada vez mais
alto.
— Eu não sei. Não lembro, — ela diz com firmeza. — Não me chame de mentirosa.
Sou Lilian.
Ela morde o lábio e, depois de alguns momentos, empurra o telefone em minha
direção. — Fale com ele.
— O que você quer que eu diga? — Mantive minha voz baixa, mas a perspectiva de
falar com o Sr. Zacharov fez a palma de a minha mão suar.
Ela alcançou até a bandeja de panfletos e empurrou um para mim. — Diga para ele
nos encontrar lá.
Eu olho para baixo.
— Ele tem um quarto no Taj Mahal, — Lila chiou.
Eu pego o telefone. — Um, olá senhor, — eu digo para o receptor, mas ele continua
gritando. Finalmente, ele parece registrar que ela não está mais na linha.
A voz dele é de quem está habituado às suas ordens sendo obedecidas. — Onde ela
está? Onde você está agora? Apenas me diga isso.
— Ela quer que você nos encontre em Atlantic City31. Ela diz que você tem um
lugar lá. No Taj Mahal.
O telefone fica tão silencioso que por um momento penso que ele desligou na minha
cara.
— Que tipo de armação estou entrando? — ele diz finalmente, devagar.
— Ela só quer que você a encontre. Sozinho. Esteja lá às nove horas esta noite. E
não conte a ninguém. — Eu não sei o que mais fazer para mantê-lo de argumentar, então
desliguei o telefone.
Olhei para Lila. — Podemos realmente chegar lá às nove?
Ela espalha aberto o horário. — Sim, tempo de sobra. Isso foi perfeito.
Eu cuidadosamente alimento a máquina com uma nota de vinte, passei pelas etapas
e retirei nosso destino. O troco veio em moedas, dólares prata vibrando contra a bandeja
como sinos.
Você não pode pegar um trem no meio de Jersey diretamente até Atlantic City.
Você tem de andar todo o caminho até Filadélfia e trocar de trem na Trigésima Estação
para a linha Atlantic. Assim que nos acomodamos em nossos assentos, Lila rasga a sacola
e come três barras de chocolates em rápidas mordidas gananciosas. Em seguida, ela
esfrega seu rosto com o punho, articulando seus dedos sobre sua bochecha para seu nariz.
Não é um gesto humano, ou pelo menos não é como os seres humanos fazem o mesmo
gesto.
Desconfortável, eu olho o vidro sujo, para o mar de casas embaçadas além dele.
Cada um, cheio de segredos.
— Diga-me o que aconteceu naquela noite, — eu digo. — O resto dela, quando eu
trasformei você.
— Tudo bem, — ela diz. —Mas primeiro eu preciso que você entenda por que meu
pai não pode saber o que aconteceu comigo. Sou filha única é uma menina. Famílias
como a minha, são realmente tradicionais. As mulheres podem ser executoras poderosas,
mas raramente são lideres, entende?
Eu aceno minha cabeça.
— Se papai descobrir o que aconteceu, ele trará vingança sobre Anton e seus
irmãos, talvez até mesmo em você. E depois eu serei a filha que precisa ser protegida. Eu
nunca poderia ser a chefe de família.
— Eu terei minha própria vingança e vou salvar meu pai de Anton. Então ele verá
que mereço ser sua herdeira. Ela cruza suas pernas, apoiando seus pés ao meu lado.
Minhas botas ficam enormes nela, e um dos laços tinha desamarrado.
É difícil imaginá-la como o chefe da família Zacharov.
Aceno de novo. Penso em Barron me chutando nas costelas. Penso em Philip
olhando para mim enquanto me contorcia. A raiva sobe em mim, quente e perigoso. —
Você vai precisar de mim para fazer isso.
Seus olhos se estreitam. — Isso é um problema?
Eu os odeio, mas é minha família. — Quero que você deixe meus irmãos fora de seu
plano.
Posso vê-la cerrar sua mandíbula enquanto ela traz seus dentes juntos abruptamente.
— Eu mereço uma vingança, — ela diz.
— Você quer lidar com sua família do seu jeito. Tudo bem. Deixe-me lidar com
minha família.
— Você não sabe mesmo o que eles fizeram para você.
Eu recuo da onda de terror que sinto. Engulo-a. — Tudo bem, conte-me.
Ela lambe seus lábios. — Você quer saber o que aconteceu naquela noite? Eu lhe
disse que eles estavam discutindo. Anton disse a Barron para se livrar de mim. Você
deveria ter me transformado... Em algo. Algo de vidro para que ele pudesse me
despedaçar. Algo morto então eu estaria morta. Isso é o que eles continuavam dizendo
enquanto você estava me prendendo no chão.
— Philip disse que se você não fizesse isso, eles iam ter de me machucar e isso faria
uma bagunça. Barron continuou dizendo algo sobre lembrar o que eu fiz a você e eu
continuei gritando que não fiz nada. Seu olhar caiu por um momento.
Conte. — Por que Anton quer você morta?
— Ele quer assumir minha família. Ele estava com medo que papai coloque-o como
seu herdeiro comigo por perto. Então ele sempre me quis morta. Ele apenas precisava de
uma maneira de fazer acontecer que não o incriminasse.
— A desculpa para se livrar de mim era que Barron tinha me pedido para fazer
algumas pessoas sonambular fora de suas casas. Eu encostava contra eles durante o dia, e
então naquela noite eles teriam um sonho e se levantariam e ficariam parados em seus
gramados. Às vezes eles acordavam no caminho e a maldição desaparecia, outras vezes
não. Eu não sabia para que era isso. Barron disse que eram pessoas que deviam dinheiro
ao meu pai e que Barron seria capaz de conversar com eles, evitando-os de se
machucarem. Anton descobriu que Barron tinha me usado para ajudar e disse-lhe que eu
tinha de ser morta ou então...
— Ou então o que? Qual é a grande coisa em fazer as pessoas serem sonâmbulas?
— Eu me inclino para trás. A cadeira de vinil range.
— Uma, seus irmãos? Eles fazem pessoas desaparecerem. Isso é o que eles fazem.
— Eles matam pessoas? — Minha voz saiu muito alta. Não sei por que estava
chocado. Eu sei que criminosos fazem coisas más, e temo que meus irmãos possam ser
criminosos. Eu tinha apenas assumido que, o que fosse que Philip faz por Anton era
insignificante. Coisa tipo perna quebrada.
Lila faz uma carranca para mim e olha ao redor do trem, mas mesmo depois da
minha explosão, ninguém parece interessado em nós. Sua voz continua baixa, quase um
sussurro, como se ela pudesse maquiar meu erro através de super Compensação. — Eles
não matam ninguém. Eles pegam seu irmão mais novo para fazer isso para eles. Ele
transforma pessoas em objetos. Em seguida eles jogam o objeto fora.
— O quê? — Eu a ouvi, apenas não acredito que ouvi direito.
— Eles estão usando você como um lixo humano descartável — Ela fez uma
moldura com suas mãos e olhou através. — Retrato de um assassino adolescente.
Levanto-me, mesmo estando em um trem e não há nenhum lugar para eu ir.
— Cassel? — Ela estende a mão para mim, e eu recuo.
Há um rugido em meus ouvidos. Sou grato. Não acho que posso ouvir muito mais.
— Sinto muito. Mas você tinha que suspeitar—
Eu acho que vou vomitar.
Eu empurro meu caminho através das portas pesadas e sobre a plataforma entre os
carros. A união entre os dois carros vai e vem sob meus pés. Estou de pé bem acima dos
ganchos e correntes que ligam o trem em sua forma serpenteando. Ar frio sopra meu
cabelo, em seguida ar quente do motor bate em meu rosto.
Eu fico lá parado, mãos contra o metal deslizante, até que começo a me acalmar.
Eu penso que entendo por que todos aqueles executores desistem. Acho que entendo
esse tipo de medo agora.
Nós somos, em grande parte, quem nos lembraram de ser nós mesmos. É por isso
que os hábitos são tão difíceis de quebrar.
Se lermbrarmos a nós mesmos para sermos mentirosos, esperamos não dizer a
verdade. Se pensarmos em nós mesmo como honestos, nós esforçaríamos a mais.
Por três inteiros dias eu não era um assassino. Lila tinha voltado dos mortos, e com
ela, a redução da minha auto aversão. Mas agora a pilha de cadáveres cambaleia acima de
mim, ameaçando me esmagar e sufocar com culpa.
Toda minha vida eu quiz que meus irmãos confiassem em mim. Permitir-me
conhecer seus segredos. Eu queria que eles, especialmente Philip, pensasse em mim
como um cúmplice digno.
Mesmo depois de eles terem chutado a porcaria fora de mim, meu instinto foi tentar
salvá-los.
Agora eu apenas quero vingança.
Afinal, eu já sou um assassino. Ninguém espera que um assassino pare de matar. Eu
agarro a barra de metal rolante do trem, meus dedos apertando em volta como se fosse à
garganta de Philip. Eu não quero ser um monstro, mas talvez seja tarde demais para ser
outra coisa.
A porta balança aberta e o condutor pisa na plataforma e passa por mim.
— Você não pode andar por aqui, — ele diz, olhando para trás.
— Tudo bem, — eu digo e ele abre a porta para o próximo carro, pronto para cobrar
mais ingressos. Ele realmente não se importa. Eu provavelmente poderia ficar onde estou
por um longo tempo antes que ele volte novamente.
Eu sugo outro par de ar fétido e depois volto para Lila.
— Muito dramático, — ela diz quando me sento.
Os olhos dela parecem machucados em volta das bordas. Ela havia encontrado uma
caneta em algum lugar e começou rabiscando a tinta sobre sua perna, abaixo do joelho.
Eu me sinto horrível, mas não me desculpo.
— Sim, — eu digo. — Sou um cara dramático. Muito nervoso.
Isso faz com que ela sorria, mas desaparece rapidamente.
— Eu odiei você, deitado em sua confortável cama em sua escola, se preocupando
com notas e meninas e não sobre o que você me fez.
Aperto meus dentes. — Você dormiu na minha cama. Realmente acha que é
confortável?
Ela sorri, mas soa mais como um soluço.
Eu olho pela janela. Estamos na floresta agora.
— Eu não deveria ter dito isso. Você estava dormindo em uma gaiola. Não sou uma
boa pessoa, Lila —. Eu hesitei. — Mas eu fiz... Eu me importo com o que fiz a você.
Pensei sobre você a cada dia. E sinto muito. Estou humilhantemente, pateticamente triste.
— Não quero sua compaixão, — ela diz, mas sua voz soa mais suave.
— É muito ruim, — eu digo.
Ela me dá um sorriso torto irônico e chuta-me com minhas próprias botas.
— Eu gostaria que você me dissesse o resto do que aconteceu. Como transformei
você. Como você conseguiu fugir. Não vou mais ficar histérico. Vou ouvir o que seja que
você tem para me dizer.
Ela balança a cabeça e volta a desenhar em sua perna. Redemoinhos que espiralam
fora em um centro de tinta azul.
— Certo. Então. Ai está você, pressionando-me para baixo do tapete. Você parece
furioso, irritado. Mas então você coloca esse estranho sorriso em seu rosto. Estou com
medo, realmente medo, porque acho que você vai fazer isso. Você se inclina e sussurra
em meu ouvido. Corra. Isso é o que você diz.
— Corra? — eu pergunto.
— Eu sei louco, certo? Você ainda está em cima de mim, como vou fazer alguma
coisa? Mas então começo a mudar.
A caneta pressiona sua pele, duro agora. Arranhando sua perna.
— Parecia como se minha pele estivesse ficando apertada e irritada. Meus ossos
torceram e eu me tornei curvada, pequena. Minha visão borrou, e então eu pude rastejar
longe de você. Eu não sabia como correr em quatro patas, mas corri assim mesmo.
— Eu ouvi você gritar, mas não olhei para trás. Havia muita gritaria.
— Eles me pegaram debaixo de alguns arbustos. Eu corri para fora de casa, mas eu
não podia correr mais rápido.
Ela para o desenho de linha e começa a esmurrar a ponta da caneta contra sua perna.
— Ei, — eu disse, colocando minhas mãos enluvadas sobre as dela.
Ela pisca rapidamente, como se tivesse esquecido onde estava.
— Barron me colocou em uma gaiola e colocou um colar de choque em volta do
meu pescoço, o tipo que usam em cachorrinhos. Ele disse que era melhor se eu estivesse
morta. Eu estava fora do caminho, mas ele ainda poderia me usar. Fiz as pessoas
sonambular direto para vocês meninos; era fácil para um gato deslizar para dentro de casa
e tocar alguém. Eu até mesmo fiz você sonâmbulo para fora dos dormitórios para onde
seus irmãos estavam esperando.
— Você me olhou como se eu não fosse nada. Um animal. — Suas narinas abrem.
— Eu pensei que você estava tentando me salvar. Mas você nunca tentou me salvar
novamente.
Eu não sei o que dizer. Sinto um profundo e dolorido pesar que dói mais do que
consigo expressar. Não tenho palavras. Eu quero tocá-la, mas não mereço isso.
Ela balança sua cabeça. — Eu sei que Barron executou você. Estou aqui agora por
causa de você. Eu não deveria dizer isso.
— Está tudo bem, — tomo uma profunda respiração. — Tenho muito do que me
arrepender.
— Eu deveria ter adivinhado que eles tinham mudado suas memórias. Barron é tão
ocupado tentando fazer as pessoas lembrarem-se do que ele quer, e os faz esquecerem de
todo o resto que ele não percebe que está despojando seu próprio cérebro. Ele não pode
puxar as cordas porque esqueceu onde estão.
— É só que você vai estar tão louco sendo sozinho assim. Às vezes ele esquecia
minha água ou comida e eu chorava, chorava, chorava. — Ela para de falar e olha pela
janela. — Eu tentei contar historias a mim mesma para passar o tempo. Contos de fadas.
Mas elas esgotaram.
— No começo eu tentei escapar, mas acho que depois de um tempo eu apenas
esgotei toda a minha esperança como nas histórias. — Lila baixou sua voz e se inclinou
para mim, tão perto que os cabelos em minha nuca subiram com sua respiração. —
Quando eu descobri que você estava indo machucar meu pai, quando eu os ouvi, percebi
que escapar não importava. Eu sabia que tinha de matar você.
— Estou feliz que você não fez, — eu digo. Penso em meus pés descalços
deslizando no telhado.
Ela sorri. — Acontece que Barron não estava me observando tanto quanto antes. Eu
desgastei a parte de nylon do colar o suficiente. Ainda era difícil tirá-lo do resto do
caminho, mas eu fiz.
Eu acho que o sangue incrustou em seu pelo quando eu a vi aquela primeira vez.
— Você ainda me odeia? — eu perguntei.
— Eu não sei, — ela diz. — Um pouco.
Minhas costelas doeram. Quero fechar meus olhos. Em algum lugar no trem algum
bebê começou a chorar. O empresário a dois assentos em nossa frente está no telefone. —
Eu não quero sorvete — ele diz. — Eu não gosto de sorvete.
Acho que talvez eu mereça que minhas costelas doam mais.
Capítulo Quinze
As luzes de Atlantic city reluziam ao longo do calçadão, iluminado como o dia.
Finalmente saímos do táxi em frente ao hotel Taj Mahal, ambos sonolentos e espichando-
se da longa viagem.
Olho para meu relógio. É cerca de quinze minutos depois das nove. Ela está
atrasada.
— Acho que posso levar isso daqui, — Lila diz.
Bocejando, eu tiro uma caneta, a caneta dela. A que ela estava escrevendo em sua
perna. Escrevo meu número em seu braço, logo acima de sua luva.
Ela está observando com seus olhos semicerrados enquanto assino marcas de tinta
através de sua pele. Eu me pergunto como seria beijá-la agora, sob os postes de luz, com
meus olhos abertos.
— Deixe-me saber quando você estiver bem, — eu digo baixinho em seu lugar.
Ela olha para o número. — Você vai voltar?
Eu balanço minha cabeça. — Vou esticar minhas pernas e pegar algo para comer.
Não vou a nenhum lugar até que você ligue.
Ela acena. — Deseje-me sorte.
— Boa sorte, — eu digo.
Eu a observo se afastar, uma arrogância em seu andar, em direção à entrada do
hotel. Espero um par de minutos, então começo pelas portas do cassino.
Dentro eu inalo o cheiro familiar de cigarros velhos e uísque. As máquinas cantando
e tinindo. Moedas retinem à distância. Pessoas se aninham sobre os caça-níqueis, grandes
copos de plásticos em uma mão e fichas na outra. Alguns parecem como se tivessem
estado lá por algum tempo.
Dois rapazes da segurança saíram da parede e partiram em minha direção.
— Ei, garoto, — um deles chama. — Espere um segundo. Provavelmente eles
avaliam que sou menor de idade.
— Apenas passando, — eu digo e empurro através da porta de trás. A maresia pica
meu rosto.
Eu sigo a tábua cinza gasta, mãos nos bolsos, pensando em Lila lá em cima com seu
pai. Quando eu era criança, Zacharov era uma figura sombria, uma lenda, o bicho-papão.
Eu o encontrei talvez três vezes, e uma dessas vezes foi enquanto eu estava sendo
expulso da festa de aniversário de sua filha.
Ele sorriu, eu me lembro disso.
Na parte de trás do Taj Mahal, algumas senhoras debruçaram-se sobre o corrimão,
jogando algo na areia. Alguns caras em agasalhos fumavam perto da entrada, chamando
as mulheres que passavam. E um homem com um longo casaco de cashmere e cabelo
branco prateado olha para o mar.
Eu toco meu bolso com meu celular no mesmo. Eu deveria ligar para vovô, mas não
estou pronto para dar desculpas.
O homem de cabelos brancos se vira em minha direção. Olhando eu volta, vejo dois
caras enormes tentando parecer discretos perto de uma vitrine de balas.
— Cassel Sharpe, — Sr. Zacharov diz, um leve sotaque fazendo meu nome soar
exótico. Mesmo estando escuro, óculos de sol cobrem seus olhos. Uma gorda, pálida
pedra vermelha reluz no broche em sua gravata. — Acredito que um telefonema foi feito
para mim a partir do seu celular.
Acontece que minha mãe estava certa sobre telefones fixos afinal.
— Certo, — eu digo, tentando agir casual.
Ele olha ao redor como se ele fosse capaz discerni-la no meio da multidão. — Onde
ela está?
— Na sala, — digo a ele. — Onde ela disse que estava indo.
Houve um ruivo no fundo de sua garganta, e me viro de repente, meu corpo
sacudindo. Meus músculos doem. Eu esqueço o quão dolorido eles já estavam.
Sr. Zacharov ri. — Gatos, ele diz. Dezenas de gatos selvagens sob o calçadão. Lila
sempre amou gatos. Você se lembra.
Eu não digo nada.
— Se ela estivesse na sala, meu pessoal teria chamado. Ele inclina a cabeça e
desliza sua mão enluvada no bolso. — Acho que você está jogando um jogo. Quem você
conseguiu para fingir ser minha filha no telefone? Você ia me pedir dinheiro? Isso se
parece como um estúpido jogo.
— Ela disse para encontrá-la sozinha. — Eu me inclino em sua direção, e ele
estende sua mão enluvada para me impedir de chegar muito perto. Um de seus capangas
se dirige em nossa direção. Eu abaixo minha voz. — Ela provavelmente já viu um dos
seus e partiu.
Ele ri. — Você é um vilão patético, Cassel Sharpe. Uma verdadeira decepção.
— Não, — eu digo. — Ela realmente é... O grande cara empurra meu braço para trás
e para cima, duro.
— Por favor, — eu arquejo. — Minhas costelas.
— Obrigado por me dizer onde bater, — o cara diz. Seu nariz é permanentemente
torto para um lado. Ele é um estereótipo vivo.
Sr. Zacharov dá tapinhas em minhas bochechas. Posso sentir o cheiro de ouro de
suas luvas. — Achei que você poderia se revelar mais parecido com seu avô, mas sua
mãe mimou todos os seus garotos.
Aquilo me fez rir.
O cara empurrou meu braço novamente. Eles fazem um som como se saíssem de
seus encaixes, e faço um tipo diferente de som.
— Papai, — a voz de Lila em um tom baixo e estranhamente ameaçador, corta
através do ruído do calçadão. — Deixe Cassel em paz.
Lila entra na praia. Por um momento eu a vejo como ele devo ver, meio estranha e
meio fantasma. Ela é uma mulher, não a criança que ele perdeu, mas a boca cruel dela é
idêntica a sua.
Além disso, não podem existir muitas pessoas com um único olho azul e um único
verde.
Ele pisca. Então tira os óculos de sol lentamente. — Lila?— ele soa tão frágil como
o vidro.
O cara relaxa seu aperto, e me empurro longe dele. Tento esfregar um pouco de
sensibilidade de volta ao meu braço.
— Espero que você confie em seus homens, — ela diz. Sua voz quebra. — Porque
isso é um segredo. Eu sou um segredo.
— Sinto muito, — o Sr. Zacharov diz. — Eu não achava que você era real. — Ele
estende suas mãos enluvadas em direção a ela.
Ela apenas fica parada, eriçando-se, como se estivesse lutando contra algo selvagem
dentro dela. Ela não vai para ele.
— Vamos sair daqui, — eu digo tocando o braço dela. — Vamos resolver isso em
particular.
Zacharov olha para mim como se não conseguisse lembrar quem eu sou.
— Dentro, — eu digo.
Os dois caras grandes em longos casacos parecem aliviados por terem algo para
fazer.
— As pessoas estão olhando, — um deles diz, colocando sua mão nas costas do Sr.
Zacharov e guiando para o cassino.
Os outros olham para mim cautelosamente. Lila pega minha mão enluvada e dá a ele
um olhar frio que sou grato. Ele recua, colocando-se atrás de nós enquanto entramos no
Taj Mahal.
Levanto minhas sobrancelhas para Lila.
— Você tem um talento real para ter seu traseiro chutado, — ela diz.
Ninguém nos questiona enquanto andamos através do cassino e pegamos o elevador.
A emoção crua no rosto de Zacharov é algo particular, algo que sei que ele não
queria que eu visse. Eu me pergunto se deveria tentar partir, mas a mão enluvada de Lila
está agarrando a minha forte o suficiente para machucar. Tento manter meu olhar
educado acima da porta do elevador, olhando os números subirem para cima e para cima.
Na suíte há uma parede com um painel de madeira com uma única tela plana, um
sofá de couro, e um vaso de hortênsias frescas sobre uma mesa baixa. O lugar é enorme,
cavernoso, com enormes janelas abertas para mostrar a extensão do oceano de tinta preta
em seguida. Um dos grandes caras joga o casaco sobre uma cadeira e deixa-me ver as
armas amarradas debaixo dos braços e nas costas. Mais armas do que ele tem mãos.
Zacharov derrama um líquido pálido em um copo de vidro e lança de volta. —
Vocês dois querem uma bebida? — ele diz para nós. — O minibar está cheio de Coca-
Cola.
Eu me levanto.
— Não, — ele diz. — Eu sou seu anfitrião. — Ele acena para um de seus homens. O
homem dá um grunhido e se move para a geladeira.
— Só água —, Lila diz.
— Alguma aspirina, — eu digo.
— Oh, vamos lá, — o homem diz enquanto suas mãos pegam os copos e a aspirina.
— Eu não o machuquei tão ruim assim.
— Não, — eu digo. — Você não fez. — Eu mastigo três aspirinas e tento me
inclinar contra os travesseiros de um modo que não me faça querer gritar.
— Vocês vão até o cassino, — Zacharov diz para os caras. — Ganhem algum
dinheiro.
— Claro que sim, — um diz. Ele pega seu casaco novamente e seguem lentamente
para a porta. Zacharov olha para mim como se ele fosse me pedir para acompanha-los.
— Cassel, — ele diz, — quanto tempo você conhece o paradeiro de minha filha?
— Cerca de três dias —, eu digo.
Lila estreita os olhos, mas não vejo sentido em esconder isso.
Ele serve-se de outra bebida. — Por que você não me chamou mais cedo?
— Lila apenas apareceu do nada, — eu digo o que é basicamente a verdade. — Eu
pensei que ela estava morta. Eu não a vi desde que tínhamos catorze anos. Eu estava
apenas seguindo sua ordem.
Zacharov toma um gole de seu copo e estremece. — Lila você vai-me dizer onde
tem estado?
Ela encolhe seus ombros magros e evita seu olhar.
— Você está protegendo alguém. Sua mãe? Eu sempre achei que ela tinha levado
você para longe de mim. Diga-me que você se fartou com o velho...
— Não. — Lila diz.
Ele ainda está perdido no pensamento. — Ela praticamente me acusou de tê-la
assassinada. Ela disse ao FBI que eu disse que você estava melhor morta do que com ela.
O FBI.
— Eu não estava com a mamãe, — Lila diz. — Mamãe não tem nada a ver com
isso.
Ele para e a encara. — Então o que? Será que alguém fez... — ele deixa a frase
inacabada e se vira para mim. — E você? Você machucou minha filha?
Eu hesito.
— Ele não fez nada para mim, — Lila diz.
Zacharov toca a mão enluvada em meu ombro. — A apelação de sua mãe está
chegando, não é Cassel?
— Sim, senhor, — eu digo.
— Eu odiaria ver qualquer coisa errada com isso. Se eu descobrir...
— Deixe-o em paz, — Lila diz. — Ouça-me papai. Apenas me ouça por um minuto.
Eu não estou pronta para falar o que aconteceu. Pare de tentar encontrar alguém para
culpar. Pare com o interrogatório. Estou em casa agora. Você não está feliz que estou em
casa?
— Claro que estou feliz, — ele diz claramente atingido.
Toco minha costela ferida sem pensar. Quero outra aspirina, mas não sei onde o cara
colocou a garrafa.
— Estou confiando em você por causa dela, — ele diz para mim, e então sua voz
suaviza. — Minha filha e eu precisamos conversar. Precisamos estar sozinhos, você
entende isso, certo?
Eu aceno minha cabeça. Lila está olhando para a água negra. Ela não vira.
Zacharov pega sua carteira dentro de seu paletó e conta quinhentos dólares.
— Aqui, — ele diz.
— Não posso aceitar isso, — eu digo.
— Eu me sentiria melhor se você o fizesse, — ele diz.
Eu me levanto e tento não estremecer enquanto o faço. Balanço minha cabeça. —
Espero que você não tenha seu coração instigado no melhor dos sentimento.
Ele bufa. — Um dos meninos vai deixá-lo em casa.
— Eu posso ir? Sério?
— Não se engane. Posso ir buscá-lo como uma moeda de dez centavos fora da
calçada a qualquer momento que eu queira.
Quero dizer algo para Lila, mas suas costas ainda estão para mim. Não posso
adivinhar seus pensamentos.
— Tenho uma pequena festa na quarta-feira em um lugar chamado Koshchey. Um
arrecadador. Você deve vir. — Zacharov diz. — Sabe por que eu gosto de Koshchey?
Eu balanço minha cabeça.
— Você conhece quem é Koshchey, o imortal?
— Não, — eu digo, pensando no estranho mural no teto do restaurante.
— No folclore russo Koshchey é um feiticeiro que pode se transformar em um
furacão e destruir seus inimigos. — Zacharov toca o broche brilhante em seu peito. —
Ele esconde sua alma em um ovo de pato, então ele não pode ser morto. Não cruze
comigo, Cassel. Não sou um homem seguro para se fazer seu inimigo.
— Eu entendo, — eu digo e abro a porta. O que eu entendo é que eu e Lila estamos
por nossa conta e nem mesmo temos um plano.
—E, Cassel?
Eu me viro.
— Obrigado por trazer minha filha de volta.
Eu saio pela porta. Enquanto espero o elevador chegar, meu telefone toca. Estou tão
cansado que parece um esforço enorme tirá-lo do bolso.
— Alô —, eu digo.
— Cassel? — diz o Reitor Wharton. Ele não parece feliz. — Sinto muito por estar
ligando tão tarde, mas apenas tenho a resposta final de um dos membros do Conselho
sobre a Costa Oeste. Bem vindo de volta a Wallingford. Recebemos o relatório de seu
médico e todo o Conselho votou. Gostaríamos que você continuasse a ser um estudante
de dia numa base experimental, mas enquanto você não entrar mais em problemas, nós
podemos considerar deixá-lo voltar aos dormitórios no seu último ano.
Eu abafo um riso irônico que ameaçar subir por minha garganta. Minha trapaça
funcionou. Posso voltar para a escola. Mas não posso continuar sendo a pessoa que
pensei que era.
— Obrigado senhor, — eu consegui dizer.
— Esperamos vê-lo amanhã de manhã, Sr Shape. Uma vez que você pagou até o fim
do ano, sinta-se livre para comer o café da manhã e o jantar no refeitório.
Segunda de manhã? — eu ecoei.
— Sim, amanhã pela manhã. A menos que tenha outros planos, — ele diz
secamente.
— Não — eu digo. — Claro que não. Até amanhã, Reitor. Obrigado, Reitor.
—Um dos caras de Zacharov me leva para casa. Seu nome passa a ser Stanley. Ele é
de Iowa. E não sabe praticamente nada da Rússia. Ele não é bom com línguas, ele diz.
Ele me diz tudo isso quando me deixa em frente a minha casa. Mesmo ele fazendo
me sentar no banco de trás do carro na cidade com o divisor de privacidade erguido, acho
que ele pode ver mais do que eu pensava. Acho que ele me viu desabotoar minha camisa
e roçar meus dedos sobre as contusões roxeando a pele sobre as costelas, testando cada
osso que dava. Eu não achava que era só porque ele estava tão simpático quando
chegamos a casa, ele também me deu o pote inteira de aspirinas.
Capítulo Dezesseis
MEU AVÔ NÃO estava em casa quando eu cheguei lá, mas havia uma nota riscada
a caneta no verso de um recibo e preso a geladeira com um imã de CHIHUAHUAS.
Fui para Carney por alguns dias.
Ligue-me quando chegar em casa.
Eu encarei a nota, tentando decifrar o que significava, mas não consigo pensar além
do fato de que não haverá um carro pra pegar emprestado amanhã. Eu subi, acertei o
alarme do meu telefone, empurrei uma cadeira contra a porta, e mastiguei outra mão
cheia de aspirina. Eu nem sequer tirei os sapatos antes de ir para debaixo dos lençóis; eu
apenas enfiei o rosto no travesseiro e cai no sono como um homem morto finalmente
voltando pro seu tumulo.
Por um momento depois do alarme se desligar eu acordei num pulo, eu não sei onde
eu estou. Eu olhei em volta, para o quarto que eu dormia quando era uma criança e
parecia ter pertencido a outro alguém.
Debruço-me e desligo o celular, pisco algumas vezes.
Minha cabeça está mais clara do que em dias.
A dor diminuiu um pouco, talvez porque eu finalmente dormi um pouco, mas a
realidade sobre o que aconteceu e o que está prestes a acontecer parece finalmente estar
afundando. Eu não tenho muito tempo, três dias, para planejar.
E eu preciso ficar distante dos meus irmãos tempo suficiente para fazer isso.
Wallingford será bom no momento. Eles nem imaginam que eu estarei por lá, e mesmo
se eles descobrissem, ao menos estando na escola não é óbvio esconder. Ao menos posso
continuar a agir como se eu fosse um robô assassino esperando por uma palavra de
comando eles.
Eu vasculhei meu closet atrás de minha camisa e as calças do uniforme. Eu não
trouxe minha jaqueta ou sapatos comigo quando arrumei a mala no dormitório, mas tenho
um problema maior do que isso. Eu não tenho carona pra escola.
Calcei uns tênis e liguei pro Sam.
— Você tem alguma ideia de que horas são? — ele disse grogue.
— Eu preciso que você venha me pegar — falei pra ele.
— Cara, onde você está?
Eu dei a ele o endereço e ele desligou. Espero que ele não vire pro outro lado e volte
a dormir.
No banheiro, enquanto escovava meus dentes, eu vi que minha bochecha está roxa
com contusões acima da barba rala que cresceu. Meu cabelo estava ficando longo antes e
está ainda mais emaranhado agora, mas eu molhei e tentei arrumar.
Não me barbeei, mesmo que seja contra as regras estar qualquer coisa além de como
um lisinho bumbum de bebê, porque já posso imaginar o quão ruim os machucados
pareceriam se eles pudessem ver o resto.
Lá embaixo, enquanto eu fazia o café e assistia o liquido preto cair, eu penso em
Lila olhando longe pro mar. Eu penso nela de costas pra mim enquanto eu saio pela
porta.
Minha mãe diz que quando você está passando alguém para trás, tem de haver algo
em jogo, algo tão grande que eles não vão se afastar, mesmo se as coisas estão
incompletas.
Eles têm que estar convencidos. Uma vez que caíram, você ganha.
Lila está parada. Ela não está se afastando, o que significa que eu também não posso
me afastar.
Estou totalmente convencido.
Eles estão ganhando.
Todos os professores são realmente legais pra mim. A maioria, com a exceção do
Dr. Stewart, que me dá um monte de zeros, anunciando os números cuidadosamente
enquanto põe cada um na caderneta, entenderam que eu falhei em fazer os trabalhos de
casa, ainda que tenham me enviado por e-mail as atividades diariamente. Eles me
disseram que estavam felizes em me ter de volta. MS. Noyes até me abraçou.
Meus colegas de classe me olhavam como se eu fosse um lunático perigoso de duas
cabeças e uma desagradável doença transmissível. Eu mantive minha cabeça baixa, comi
minhas Tater Tots32 no almoço, e tentei parecer interessado nas minhas aulas.
Tudo enquanto eu sonhava acordado com o esquema.
Daneca sentou-se ao meu lado no refeitório e puxou seu caderno de educação cívica
na minha direção. — Você quer copiar minhas anotações?
— Copiar suas anotações? — eu disse lentamente, olhando pro livro.
Ela rolou os olhos. O cabelo dela em duas tranças, cada uma amarrada com um
cordão grosso. —Você não tem que copiar se não quiser.
— Não, — eu disse. — Eu quero. Com certeza. — Olhei para caderno na minha
frente, virando as páginas, vendo sua caligrafia arredondada. Delineio as marcas com
meu dedo enluvado, uma ideia começando a se formar em minha mente.
Abri um largo sorriso.
Sam colocou uma bandeja no outro lado. Era uma montanha de um deliciosamente
cheiroso macarrão com queijo.
— Hey, — ele disse. — Prepare-se pra ficar bem feliz.
Era a última coisa que eu esperava que ele falasse.
— O que? — perguntei. Meus dedos traçando novas palavras na margem do
caderno de Daneca. Planos. Estou escrevendo num estilo familiar, mas não próprio.
— Ninguém achava que você ia voltar. Ninguém. Niiiiiiiiiiiiiingueeeeeem.
— Obrigado. Sim, posso ver como você pensou que eu acharia isso comovente.
— Cara, — ele disse. — Um monte de gente só perdeu um monte de dinheiro. Nós
armamos para essa má aposta. Somos reis da finança!
Balancei minha cabeça em admiração. — Sempre disse que você era um gênio.
Nós batemos um no ombro do outro e batemos os punhos e apenas continuamos
sorrindo como idiotas.
Daneca enrugou a testa, e Sam parou. — Uh, — Sam disse. — Havia outras coisas
sobre as quais queríamos falar com você.
— Coisas menos divertidas estou achando, — eu disse.
— Desculpe-me por perder seu gato, — ela me disse depois de algum tempo.
— Oh, — eu disse, olhando pra cima. — Não. A gata está bem. A gata está de volta
aonde ela pertence.
— O que você quer dizer?
Balancei a cabeça. — Muito complicado.
— Você está em algum tipo de problema? — Sam perguntou. — Porque se estiver,
talvez você possa nos contar. Cara, sem ofensas, mas você parece estar perdidão.
Daneca limpa a garganta. — Ele me contou o que você contou pra ele quando ele te
encontrou na cama com aquela garota. Sobre ser um...
Olhei em volta da cafeteria, mas ninguém parecia perto o suficiente para ouvir. —
Você contou pra ela que eu era um executor?
Sam olhou rápido pra baixo. — Nós temos saído juntos, com o jogo e tudo mais.
Sinto muito, muito mesmo. Eu sei que isso não foi legal.
Claro. É normal que pessoas fofoquem. É normal que pessoas contem coisas umas
as outras, especialmente quando estão tentando impressionar. Eu acho que eu deveria me
sentir traído, mas tudo que sentia era alívio.
Estou cansado de fingir.
— Vocês tem uma coisa? — eu perguntei. — Uma coisa tipo namorado e
namorada?
— É, — Daneca disse, sua expressão era algo entre prazer e vergonha.
Sam parecia que ia desmaiar.
— Isso é ótimo, — eu disse. — Eu não pretendia mentir pra sua mãe, Daneca. Eu
não sabia. — Mas eu sei que não teria dito a ela. Eu teria mentido; eu apenas não tive a
chance.
— Você está saindo com aquela garota? — ela perguntou. — A que estava
dormindo com você?
Aquilo provocou uma gargalhada minha. — Não.
— Então, o que, você estava apenas...
— Não estávamos, — eu disse rapidamente. — Acredite em mim, não estávamos.
Primeiro, ela é provavelmente louca, segundo, ela me odeia.
— Ok, então quem é ela? — Daneca perguntou.
— Pensei que você queria saber o que eu sou.
— Eu quero que você acredite que pode confiar em mim. E Sam. Você pode confiar
em nós. — Ela parou. — Você tem que confiar em alguém.
Inclinei a cabeça. Ela está certa se eu quero que qualquer plano dê certo, vou
precisar de ajuda. — O nome dela é Lila Zacharov.
Daneca ficou boquiaberta. — A garota que desapareceu, tipo, quando estávamos na
escola secundaria?
— Você sabe sobre ela?
— Claro, — Daneca disse, pegando uma das minhas Tater Tots. Óleo encharcou sua
luva. — Todo mundo sabe disso. Uma princesa da família do crime? Um crime com a
princesinha? O crime da princesa. O caso dela apareceu bastante nos noticiários. Minha
mãe ficou estranha sobre me deixar ir a qualquer lugar sozinha depois disso. — Ele
colocou a tot na boca. — Então, o que realmente aconteceu com ela?
Eu hesitei, mas é tudo ou nada agora. — Ela foi transformada num gato, — eu disse.
Eu senti meu rosto se transformar numa careta estranha. É tão natural, dizer a verdade.
Daneca engasgou, cuspindo a comida na mão.
— Uma execução de transformação? Daneca disse. Então depois de um momento,
ela sussurrou. — A gata?
— Isso é loucura, — disse Sam.
— Eu sei que vocês pensam que estou inventando isso, — eu disse, coçando o rosto.
— Não achamos isso. — Ela disse, e se mexeu um pouco.
Sam estremeceu. Eu acho que ela o chutou por debaixo da mesa. — Eu não quis
dizer louco tipo, ‗você é louco‘ — ele disse. — Quer dizer, isso é como ‗Whoa. ‘
— Claro. Ok. — Não tenho certeza se eles acreditam em mim, mas sinto um
confuso senso de esperança.
Ocorre-me que eu tenho feito exatamente o que preciso a fim de configurar em
Daneca e Sam para uma parceria. Eles já estão envolvidos. Eles confiam em mim. Eles
me viram armar uma antes. Isso é coisa grande; eu só tenho que prometer pra eles um
ganho maior.
Meu celular toca e olho pra baixo. É um numero que não conheço. Abro o flip, e
levo o aparelho ate minha orelha.
— Alô?
— Isso é o que quero que você faça, — disse Lila. — Você vai à festa na quarta-
feira e fingirá trabalhar pro meu pai, da mesma forma que você deveria. Estou confiando
em você pra isso. Eu acho que papai é esperto o suficiente para ir com você.
— Esse é o plano?
— Essa é a sua parte. Não posso falar muito, então você tem que me escutar. Alguns
minutos depois eu vou atravessar a porta com uma arma, atirar no Anton e salvar o papai.
Minha parte. Simples.
Há tanta coisa que pode dar errado nesse plano que não sei nem por onde começar.
— Lila...
— Eu ainda tenho seu irmão Philip fora disso, bem como você queria, — ela disse.
— Como? — eu perguntei paralisado.
— Eu disse ao meu guarda-costas que ele estava rondando a cobertura e me viu.
Eles me deixaram trancá-lo aqui em cima. Isso significa que só temos Barron e Anton
para nos preocupar.
Apenas Barron e Anton. Esfreguei o nariz. — Você disso que ia manter meus dois
irmãos fora disso.
— Nosso acordo mudou, — ela disse. — Só tem um problema.
— O que é?
— Ninguém aqui deveria carregar uma arma na festa. Eles não vão me deixar ter
uma.
— Eu não tenho uma — eu me parei. Sério, não é uma boa ideia falar sobre armas e
eu estando na escola, especialmente na mesma sentença. — Eu não tenho uma.
— Haverá um detector de metal, — ela disse. — Consiga uma, e pense numa forma
de entrar com ela.
— É impossível, — eu disse.
— Você me deve, — disse Lila. A voz dela tão suave quanto cinzas.
— Eu sei, — eu disse derrotado. — Eu sei disso.
A linha caiu.
Eu fiquei olhando para a parede do refeitório, tentando me convencer de que ela não
está armando para mim.
— Aconteceu alguma coisa? — Sam perguntou.
— Eu tenho que ir, — eu disse. — Aula vai começar.
— Vamos matar aula, — disse Daneca.
Balancei minha cabeça. — Não no meu primeiro dia de volta.
— Vamos nos encontrar no período de atividades, — Sam disse. — Fora do teatro.
E então você irá nos contar o que aconteceu.
No caminho pra aula, eu liguei de volta para o número que Lila me ligou.
Um homem atendeu; não Zacharov. — Ela está aí? Eu perguntei.
— Não sei de quem você está falando, — ele disse rude.
— Apenas diga a ela que preciso de mais duas entradas pra quarta.
— Não há ninguém aqui.
—Apenas diga a ela, — eu disse.
Tenho que acreditar que ele disse.
Encostado na parede do refeitório comecei a falar. Contando para Sam e Daneca,
sinto arrancar minha própria pele e mostrar tudo embaixo. Isso dói.
Eu não engano eles. Nem tento. Apenas começo do começo e conto pra eles sobre
ser o único não executor em uma família de executores. Eu conto a eles sobre Lila e
achando que eu tinha assassinado ela, sobre me encontrar no telhado.
— Como pode todos vocês serem executores de maldição? — Sam perguntou.
— Executores são como olhos verdes, — Daneca disse. — Às vezes apenas aparece
na família, mas se os pais são ambos executores, crianças executoras são mais prováveis.
Como, repare que quase um por sento dos australianos é executores, porque o país foi
fundado como uma colônia penitenciária para executores, mas apenas, como, um
centésimo de um por cento das pessoas na U.S. são executores.
— Oh, — disse Sam. Eu não acho que ele estava esperando uma resposta tão
abrangente. Eu sei, eu não esperava.
Daneca encolheu os ombros.
Ele se virou pra mim. — Então, que tipo de executor você é?
— Ele é provavelmente um executor de sorte, — disse Daneca. — todo mundo é um
executor de sorte.
— Ele não é, — Sam disse. — Ele já nos disse isso.
— O que eu sou. . . Não importa. A questão é que meus irmãos querem que eu mate
esse cara e eu não quero.
— Então você é um executor de morte, — Sam disse.
Daneca socou-o no braço, e apesar de ser enorme ele reclamou. ―Ow.‖
Resmunguei. — Olha isso realmente não importa porque eu não irei executar
ninguém, certo?
— Você não pode apenas vazar? — Sam perguntou. — Fugir da cidade?
Eu me distrai por um momento, então balancei minha cabeça. — Não vou.
— Deixe-me tentar entender, — Sam disse. — Você acredita que seus irmãos
possam potencialmente te fazer matar alguém, mas você vai continuar por aí e deixa-los
tentar. Por que diabos?
— Eu acredito — eu disse, — Que eu sou um jovem rapaz muito esperto com dois
fantasticamente espertos amigos. E eu acredito, além disso, que um desses amigos tem
procurado pela oportunidade de mostrar essa esperteza de falsas armas de fogo.
Nesse ponto, os olhos do Sam brilharam. — Sério? O cara que vai levar o tiro tem que por os
fios pelas calças, colocar o gatilho no bolso ou algo assim. E isso teria que ser cronometrado para
acontecer no exato momento do disparo. A menos que você esteja falando de uma morte
falsa. Isso é muito mais falso sério.
— Tiros apenas, — eu disse.
— Espere, — Daneca disse. — O que é, exatamente, que você está planejando
fazer?
—Eu tenho algumas ideias, — eu disse o mais inocente possível. — Maioria
malvada.
Falamos sobre o plano pelo menos doze vezes. Refinamos do ridículo, ao
improvável de dar certo. Então ao invés de ir jantar no refeitório, eles me levaram até a
casa de Barron e eu lhes mostrei como arrombar uma fechadura.
Sem vovô em casa parece vazia e enorme. Sinto falta dos montes oscilantes
enquanto eu fazia café. Essa casa parece não familiar perturbadoramente cheia de
possibilidades.
Abri o novo caderno em um ventilador na minha frente, estalei os dedos e me
preparei para uma longa noite.
Quando acordei na terça de manhã com baba escurecendo o punho da minha camisa,
e Sam buzinando na garagem, eu mal escovei os dentes antes de tropeçar porta fora.
Ele me estendeu uma xicara de café. — Você dormiu com essas roupas? Ele
perguntou.
Eu quase não aguento a ideia de beber mais café, mas eu bebo. — Sono? Pergunto.
— Você tem tinta azul na sua cara. — Ele disse.
Eu virei o visor e olhei no pequeno espelho. Minha nuca estava parecendo sujo e
meus olhos estavam vermelhos. Estou terrível. A mancha de tinta em meu rosto é o
último dos meus problemas.
Na escola estou tão distraído que a Srª Noyes me chama e pergunta se está tudo bem
em casa. Então ela checa se minhas pupilas estão dilatadas. Dr. Stewart me diz para fazer
a barba.
Eu caio no sono no meio da reunião do time de debate. Eu acordo no meio de um
debate sobre me acordar ou não. Então me arrasto pelo departamento de drama para um
tutorial de Sam em armas.
Eu devorei o jantar e, depois fui para o estacionamento com Sam.
— Mr. Sharpe, — Valerio chamou, andando em nossa direção. — Mr. Yu. Espero
que não estejam pensando em sair do campus.
— Só vou levar o Cassel em casa, — Sam disse.
— Você tem meia hora para voltar antes do período de estudos começarem, — ele
disse, apontando pro seu relógio.
Eu volto para a mesa e para os cadernos e acabo dormindo no sofá da sala com todas
as luzes acesas. Há tanto trabalho pra fazer. Eu não me lembro de metade do que escrevi
e quando olho as palavras pela manhã elas não perecem terem sido escritas por mim de
forma alguma.
Sam chega na hora.
— Posso pegar seu carro emprestado? — eu disse. — Não acho que vou pra escola
hoje. Eu tenho uma grande noite.
Ele me entrega as chaves. — Você vai querer um caixão só pra você quando vir
como essa coisa anda na estrada.
Eu o levei pra escola, então voltei pra casa de Barron. Sou o melhor tipo de ladrão, o
tipo que deixa pra trás itens de valor igual aos que ele roubou.
Então vou pra casa e me barbeio até minha pele estar lisinha.
Eu estou tão cansado que caio no sono e não desperto até Barron sacudir meu braço.
— Hey, dorminhoco, — disse Barron, sentado na cadeira que nunca gostei, com
seus braços dobrados. Ele se joga para trás, empurrando as pernas da frente pra cima com
seu peso.
Anton inclina-se contra o batente da porta pra dentro da sala de jantar. Um palito
repousa no seu lábio inferior. — Melhor se arrumar, garoto.
— O que você está fazendo aqui? — eu perguntei, tentando soar sincero. Eu passei
por eles e andei até a cozinha e me servi com um pouco de café passado. Tinha um gosto
ácido de bateria, mas no bom sentido.
— Vamos festejar, — Barron disse fazendo careta quando viu o que eu estou
fazendo. — Na cidade. Será bem presunçoso. Muitos arruaceiros.
— Philip está preso, — disse Anton. — Zacharov o enviou numa missão de último
minuto. — Sei que não é verdade, mas não posso dizer se Anton está preocupado. Posso
imaginar Lila enviando uma mensagem com o celular de Philip.
Esfreguei a mão nos olhos. — Você quer que eu vá?
Anton e Barron trocaram olhares. — É, — Barron disse. — Pensei que tínhamos te
contado sobre...
— Não, olha, vocês vão lá. Tenho muita lição para fazer.
Anton pegou a xícara de minhas mãos e cuspiu o palito nela. — Não seja estúpido.
Nenhum garoto da tua idade quer sentar em casa para fazer a lição ao invés de festejar.
Agora suba e tome um banho.
Eu vou. A ducha parecia como agulhas quentes em minhas costas, relaxando meus
músculos. Há uma aranha, uma que pendia debruçada no teto, cuidando de seu ninho de
ovos. Coloquei shampoo em meu cabelo e assisti as gotinhas de água pegarem em sua
teia.
Quando saí do Box, a porta está aberta e Barron me estende uma toalha. Ele me
lança um rápido olhar antes de eu me enrolar na toalha. Tento me virar para o lado, mas
não sou rápido o suficiente.
— O que é isso na tua perna?
Percebi que nu é fácil procurar por amuletos.
— Hey, — eu disse, — Há uma coisa chamada privacidade. Talvez você tenha
ouvido falar.
Ele segurou meu ombro. — Deixe-me ver sua perna.
Aperto a toalha mais forte. — É apenas um corte.
Ele me deixou passar por ele e chegar ao corredor, mas Anton esperava em meu
quarto.
— O segure, — Barron disse, e Anton chutou minha perna, me desequilibrando. Eu
caio na cama, o que não foi ruim exceto por Barron prender meus braços embaixo de
meu queixo e me puxar do colchão.
— Me solte! — eu gritei. A toalha se foi e eu luto, embaraçado e com medo,
enquanto Anton pesquisa seu bolso de trás.
Uma faca surge da bainha em sua mão. A lâmina da faca surge fora do punho ébano em suas
mãos. — O que temos aqui? — Anton disse, cutucando minha panturrilha onde as pedras
costuraram minha pele. A área inteira palpita quando ele pressiona. Infectada.
Quando ele me corta, não consigo evitar. Eu grito.
Capítulo Dezessete
— MANHOSO, — BARRON DIZ, olhando para minha perna ensanguentada. Ele
coloca o resto das três molhadas pedras vermelhas em seu bolso.
— Desde quando você tem usado esse truque?
Até os melhores planos dão errado. O universo não gosta de ninguém pensando que
isso pode ser controlado. Todos os planos requerem um grau de improviso, mas eles
normalmente não dão errados imediatamente.
— Grande coisa seu imbecil — eu disse o que foi bem infantil, mas ele é meu irmão
e ele me inspira isso. — Vamos lá, me bate tão forte pra me arrancar dois dentes. Esse
será um ótimo visual de festa.
— Ele lembra, — disse Anton, balançando a cabeça. — Estamos ferrados, Barron.
Bom trabalho.
Barron murmura uma maldição. — Pra quem você contou?
Virei pra ele. — Sei que sou um executor. Um executor de transformação. Vamos
começar com você contando pra mim por que me fez pensar que eu não era um.
Eles trocaram um olhar enlouquecedor, como se de alguma forma eles pudessem
pedir tempo, ir até a outra sala e discutir o que me dizer.
Barron senta no fim de minha cama e se recompõe. — Mamãe queria que
mentíssemos pra você. O que você é - é perigoso. Ela achou que fosse melhor pra você
não saber até que fosse mais velho. Quando você descobriu isso quando era uma criança
pequena, ela me pediu pra fazê-lo esquecer. Foi como isso começou.
Olhei para lençol ensanguentado e para o buraco lentamente sangrando em minha
perna. — Então ela sabia? Sobre tudo isso?
Barron balançou a cabeça, ignorando o olhar negativo que Anton enviou em sua
direção. — Não. Não queríamos que ela se preocupasse. A cadeia tem sido difícil pra ela
e os efeitos colaterais da execução dela tornaram suas emoções instáveis. Mas a grana
está curta, mesmo antes de ela ir presa. Você sabe disso.
Eu acenei lentamente.
— Philip surgiu com um plano. Assassinato é o dinheiro mais rápido que existe. E o
dinheiro vai para assassinos que são confiáveis, que podem dar conta de corpos
permanentemente. Com você, nós podemos fazer isso. — Ele fala tudo isso como se eu
fosse ficar todo empolgado com a esperteza de meu irmão. — Anton se certificou de que
ninguém sabia quem eram os reais responsáveis pelos assassinatos.
— E eu não tenho uma palavra? Em ser um assassino?
Ele encolheu os ombros. — Você era apenas uma criança. Não parecia justo pra
você atravessar por um monte de trauma. Então fizemos você esquecer tudo o que fez.
Estávamos tentando te proteger.
— Que tal um chute no estômago? Seria essa a quantidade certa de trauma? Ou que
tal isso? — eu apontei pra minha perna. — Você continua me protegendo, Barron?
Barron abriu a boca, mas nenhuma mentira esperta saiu.
— Philip tentou-te proteger, — Anton disse. — Você não iria calar a boca. Você
não ia faciliatar. Hora de se fortalecer. — ele hesitou, seu tom ficou incerto. — Quando
eu tinha sua idade, eu sabia o suficiente para não retrucar a realeza dos executores. Minha
mãe cortou essas marcas em minha garganta quando fiz treze anos e reabriu para encher
de cinzas todo ano até eu completar vinte. Para me lembrar de quem eu era. — Ele tocou
suas cicatrizes perolando seu pescoço. — Para me lembrar, que a dor é a melhor
professora.
— Apenas nos diga se contou para alguém, — Barron disse.
Você não pode ir contra um homem honesto. Apenas os gananciosos ou os
desesperados estão dispostos a colocar de lado suas reservas para obter algo que eles não
merecem. Tenho escutado muitas pessoas — meu pai inclusive, usava isso para justificar
roubar.
— Dê-me parte da grana — eu disse pro Anton. — Se estou ganhando isso, eu
decido como gastar.
— Feito, — Anton disse.
— Eu contei ao meu colega de quarto Sam que eu era um executor. Não que tipo,
apenas que eu era um.
Anton soltou um longo suspiro. — Isso é tudo? Isso é tudo o que fez? — ele
começou a rir.
Barron se juntou a ele. Logo estávamos rindo como se eu tivesse contado a melhor
piada que todos já ouviram.
Uma piada que eles estavam gananciosos e desesperados o suficiente para acreditar.
— Bom — Anton disse. — Coloque um belo terno, ok? Não estamos indo para um
baile de escola.
Eu hesitei em meu closet. Inclinando-me para baixo, eu procurei na minha mochila
por algo apropriado. Empurrando meu uniforme para o lado e alguns pares de jeans,
achei uma camisa e a ajeitei.
— Então Philip teve uma ideia e você continuou com isso? Nem parece você, — eu
disse, andando desajeitadamente de volta para a porta. Algo agarrou meu pé e num
acidente proposital fingi tropeçar no Barron. Meus dedos são rápidos e ágeis. — Opa,
desculpe.
— Cuidado, — ele disse.
Encostei-me contra o batente da porta e aí bocejei cobrindo minha boca com minha
mão. — Vamos. Diga-me por que você realmente não contou nada.
Um meio sorriso estranho cresceu no rosto de Barron. — É tão injusto, você, entre
todo mundo, recebe o santo graal da execução de maldição. E eu preso com a execução
de memorias como se eu fosse algum tipo de equipe de limpeza. Claro, é útil quando
você quer fazer alguma coisa mundana e fácil. Eu podia colar na escola ou eu podia
impedir alguém de lembra de algo que fiz para eles, mas o que isso significa? Não muito.
Você sabe quantos executores de transformação sequer nasceram no mundo em uma dada
década? Talvez um. Você nasceu com um verdadeiro poder e você nem aprecia isso.
— Eu não sabia disso, — eu disse.
— Isso ficou em você, — ele disse, colocando sua mão desprovida de luva em meu
ombro. O cabelo da minha nuca arrepiou.
Tentei reagir como se eu não tivesse pego na mão o última amuleto que ele cortou
de mim e então engoli. Talvez executor de transformação seja desperdiçado comigo, mas
ilusionismo com as mãos não é.
Eu acabei pegando um dos velhos ternos do quarto de meus pais. Mamãe,
previsivelmente, não jogou fora nenhum dos pertences do papai, então todos os ternos
continuam pendurados no fundo do armário, ultrapassados e cheirando a naftalina, como
se estivessem esperando ele voltar de longas férias. Uma jaqueta trespassada me serviu
surpreendentemente bem, e quando escorreguei minhas mãos nos bolsos da calça listrada,
encontrei um lenço que ainda tinha o cheiro da colônia dele.
Faço um torniquete com ele em meu punho enquanto sigo Anton e meu irmão até a
Mercedes do Anton.
No carro Anton fuma um cigarro atrás do outro, me olhando pelo espelho retrovisor.
— Você se lembra de que deve fazer? — ele me perguntou enquanto atrevamos o túnel
para Manhattan.
— Sim, — eu disse.
— Você vai ficar bem. Depois disso, se você quiser, iremos cortar suas cicatrizes de
pescoço. Barron, também.
— Sim, — eu disse de novo. No terno do papai me senti estranhamente perigoso.
A porta da frente, bronze dos Koshchey está arreganhada quando aparecemos em
frente, e há dois homens enormes com óculos escuros e longos casacos de lã checando
uma lista. Uma mulher num vestido brilhante dourado pendurada no braço de um homem
de cabelos brancos enquanto eles esperavam atrás de um trio fumando charutos. Dois
criados vieram e abriram as portas da Mercedes. Um deles parecia ter minha idade, e
sorri abertamente para ele, mas ele não sorriu de volta.
Chegamos, acenamos atravessado para direita. Nada de listas para nós. Apenas uma
rápida checagem de armas.
Lá dentro está abarrotado de gente. Muitos deles aglomerados no bar, passando
bebidas para trás, para pessoas levarem para as mesas. Um monte de carinhas está
segurando doses de vodka.
— Á Zacharov! — um brinde.
— A corações e bares abertos! — declarou outro.
— E pernas abertas, — disse Anton.
— Anton!— um jovem magro se inclina com um sorriso, segurando um copo. —
Você está atrasado. Melhor se apressar.
Anton me dá uma longa olhada, e ele e o outro homem se afastam de Barron e eu.
Eu adentro o enorme salão de baile, passando trabalhadores risonhos de sabe-se lá
quantas famílias. Pergunto-me quantos deles são autônomos, quantos deles fogem da
vida normal no Kansas ou um dos Carolinas vão para a cidade grande e é recrutado por
Zacharov. Barron me segue, sua mão pressionada contra meu ombro. Parecia uma
ameaça.
No pequeno palco do outro lado do salão, uma mulher numa roupa rosa pálido está
falando no podium ao microfone. — Vocês devem estar se perguntando por que nós que
estamos em New York, precisamos doar fundos para parar uma situação que irá afetar
New Jersey. Será que não devemos guardar o nosso dinheiro no caso de que precisemos
combater essa mesma luta aqui, em nosso próprio estado? Deixem-me dizer-vos,
Senhoras e Senhores Deputados, se a situação passar por um único lugar, especialmente
em um lugar onde muito de nós tem parentes e familiares, em seguida, ela irá se espalhar.
Temos de defender os direitos dos nossos vizinhos à privacidade, de modo que haverá
alguém deixado para defender a nossa.
Uma menina em um vestido preto, seus cachos castanhos puxados para trás com
grampos de strass e seu sorriso um pouco largo, escovou contra mim. Ela parecia ótima, e
eu tenho que me parar de dizer isso.
— Oi, — Daneca diz languidamente. — Lembra-se de mim?
Eu de alguma forma evito não rolar os olhos para o seu excessivo desempenho. —
Este é meu irmão Barron. Barron, esta é Dani.
Barron olha entre nós. — Hey Dani.
— Eu derrotei-o no xadrez quando sua escola competiu com a minha escola, — ela
diz, embelezando a simples história que bolamos ontem.
— Ah, é? — Ele relaxa um pouco e sorri. — Então você é uma menina muito
inteligente.
Ela fica pálida. Barron parece afiado em seu terno, com seus olhos frios e cachos
angelicais. Eu acho que Daneca não estava acostumada com sociopatas flertando com
ela, ela tropeça em suas palavras. — Inteligente o suficiente para-inteligente suficiente.
— Posso falar com ela por um minuto? — Eu pergunto-lhe. — Sozinho.
Ele acena. — Eu vou conseguir alguma comida. Só preste atenção no tempo,
jogador.
— Certo, — eu digo.
Ele agarra meu ombro. Seus dedos afundam nos nodosos músculos de forma que se
parecei bem. Fraternal. — Você está pronto, certo?
— Eu estarei — eu digo, mas tenho que desviar o olhar. Eu não quero que ele saiba
o quanto dói para ele atuar como agora, quando nada disso é verdade.
— Durão, — ele diz, e sai em direção ao samovars33 de chá, e as bandejas
abarrotadas com arenque de picles, com peixes brilhando no molho vermelho de romã, e
com cerca de um milhão de diferentes tipos de Piroshki34.
Daneca inclina-se para mim, aperta um pacote de sangue embrulhado com fios sob o
meu casaco, e sussurra: — Nós temos o material para Lila.
Eu olho para cima involuntariamente. O frio em minha barriga. — Você falou com
ela?
Daneca sacode a cabeça. — Sam está com ela agora. Ela não está muito feliz que
tudo que conseguimos é uma arma de mentira que Sam ainda está colando.
Eu imagino o sorriso afiado de Lila. — Ela sabe o que tem que fazer?
Daneca acena.
— Conhecendo Sam, ele explicou isso demais. Ele queria que eu tivesse certeza que
você estava bem com recolocar seus cabos no mecanismo de gatilho.
— Eu acho que sim. Eu-.
— Cassel Sharpe, — alguém diz, e eu me viro. Vovô está vestindo um terno
marrom e chapéu virado em um ângulo libertino, uma pena através da banda. "O que
diabos vocês estão fazendo aqui? É melhor ter alguma boa explicação.
Ontem, quando revemos o plano de novo e de novo, eu nunca pensei sobre Vovô
aparecendo. Porque eu sou um idiota, basicamente, um idiota com pobres habilidades de
planejamento. Claro que ele está aqui. Onde mais ele poderia ser?
Sério, o que mais poderia dar errado?
— Barron me trouxe, — eu digo. — Não sou autorizado a sair numa noite de
escola? Vamos isso é praticamente um evento familiar.
Ele olha ao redor da sala, como se ele estivesse procurando a sua própria sombra. —
Você deveria ir para casa. Agora.
— Ok, — eu digo, apaziguador, segurando minhas mãos. — Deixa-me comer
alguma coisa e eu vou.
Daneca se afasta de nós, na direção do bar. Ela me dá uma piscadela que parece
indicar a suposição ultrajante que eu tenha as coisas sob controle.
— Não, — ele diz. — Você está levando sua bundo para fora, e eu vou te levar para
casa.
— O que há de errado? Eu não estou entrando em qualquer confusão.
— Você deveria ter-me ligado depois de eu te deixei uma mensagem, é o que está
errado. Este não é um bom lugar para você, entendeu?
Um homem em um terno escuro com um dente de ouro olha em nossa direção com
uma risada ante a familiar cena que estamos armando. Garoto malcriado. Homem mais
velho. Exceto que avô estava agindo como um louco.
— Ok, — eu digo, olhando para o relógio. Dez para as dez. — Apenas me diga o
que está acontecendo.
— Eu vou dizer-lhe no caminho, — ele diz, envolvendo sua mão em volta do meu
braço. Eu quero me afastar dele, mas meu braço foi arrancado fora de seu soquete muitas
vezes nos últimos dias. Deixei que ele me levasse em direção à porta até eu chegar perto
o suficiente do bar para ser capaz de chamar a atenção de Anton.
— Olha o que eu achei, — eu digo. — Você conhece meu avô.
De acordo como os olhos de Anton se estreitam, eu estou supondo que meu avô não
é a sua pessoa favorita. A parte superior do bar de zinco está repleta de copos de dose e
pelo menos uma garrafa vazia de Pshenichnaya35.
— Eu só parei para ver alguns velhos amigos, — diz vovô. — Nós estamos indo.
— Não, Cassel — disse Anton. — Ele não teve uma bebida ainda. — Ele derrama
uma para mim, que recebe a atenção de alguns dos outros jovens executores. Eles voltam
seus olhares avaliativos em minha direção.
Há uma intensidade ardente no rosto de Anton, desmentida por seu meio sorriso e a
forma lânguida que está encostado no bar. Se ele quer liderar a família, ele vai ter que
liderar caras como avô. Ele não pode se dar ao luxo de se mostrar para um homem velho.
Ele tem algo a provar, e ele está feliz em me usar para provar isso.
— Tome uma bebida, — diz Anton.
— Ele é menor de idade, — diz vovô.
Isso faz com que os caras no bar riam. Eu jogo a vodca em um único gole. Calor
inunda meu estômago e minha garganta arde. Eu tusso. Todo mundo ri mais.
— É como tudo, — um dos caras diz. — O primeiro é o pior.
Anton derrama-me outra dose. — Você está errado, — ele diz. — O segundo é o
pior, porque você sabe o que está vindo.
— Vá em frente, — vovô diz para mim. —Tome a sua bebida, e então nós estamos
indo."
Eu olho para o relógio. Dez e vinte.
A segunda dose queima todo o caminho.
Um dos caras bate nas minhas costas. — Vamos lá, — ele diz ao meu avô. —Deixe
a criança ficar. Nós vamos cuidar bem dele.
— Cassel, — vovô, diz com firmeza, fazendo meu nome uma repreensão. —Você
não está cansado daquela sua escola de fantasia.
— Eu vim com Barron, — eu digo. Chego ao longo do bar e tomo uma terceira
dose. Os caras adoraram isso.
— Você está indo comigo, — diz vovô sob sua respiração.
Desta vez, a vodka desceu minha garganta como água. Eu passo longe do bar e me
faça tropeçar um pouco. Sinto-me arrebatado com confiança. Eu sou Cassel Sharpe.
Minha boca quer dar forma às palavras. Eu sou mais esperto do que todo mundo e pensei
em tudo.
— Você está bem? — Anton pergunta, olhando para mim como se ele estivesse
tentando descobrir se eu estou bêbado. Seus planos dependem de mim. Eu olho mais
vazio o possível e espero que isso o assute. Nenhum ponto em eu ser o único infeliz.
Vovô me reboca em direção às portas duplas, contra a maré de pessoas. — Ele vai
dormir fora, no carro.
— Deixe-me só correr para o banheiro, — digo a vovô. —Eu já volto.
Ele olha furioso.
— Vamos, — eu digo. —É uma longa viagem. — Na parede o relógio marca 10h30min. Anton
vai estara entrando em posição, guardando Zacharov. Barron's, provavelmente já está
porcurando por mim. Mas quanto tempo antes que Zacharov se mostre ainda é uma
incógnita. Sua bexiga podia ser feito de ferro.
— Eu vou com você, — diz vovô.
— Eu acho que você pode confiar em mim para urinar sem entrar em nenhum
problema.
— Sim, — ele diz — mas eu não.
Nós dirigimos em direção ao banheiro, que está perto o suficiente da cozinha, temos
que caminhar pela área sombria e com janelas atrás do bar. Eu olho e vejo Zacharov e
uma bela mulher com cabelos cor de mel pendurada em seu braço. A gema vermelha e
pálida na gravata está combinando com os rubis suspensos de suas orelhas. As pessoas
estão declarando seu apoio e sacudindo sua mão, luva de couro contra luva de couro.
Lá na multidão Eu penso que a vi. Lila. Seus cabelos brancos sob as luzes. A boca
pintada de sangue brilhante.
Ela não deveria estar aqui ainda. Ela vai estragar tudo.
Eu desvio para o Buffet. Em sua direção. No momento que eu chego lá, ela se foi....
— E agora? — vovô pergunta.
Eu atiro um rosa-flavored syrniki na minha boca.
— Estou tentando roubar comida, — eu digo, — já que você é tão maluco que não
vai me deixar comer.
— Eu sei o que você está tentando fazer, — diz ele. — Eu vejo você olhando para o
relógio. Sem mais enrolação, Cassel. Urine ou não.
— Ok, — eu digo, e caminho até o banheiro. Dez e quarenta. Eu não sei quanto
tempo eu posso arrastar meus pés.
Há alguns outros caras por aqui, penteando seus cabelos nos espelhos. Um magro de
olhos inchados loiro está fazendo uma linha de coque fora do balcão. Ele nem sequer
olhou para cima quando a porta se abre.
Entro na primeira cabine e sento-me sobre a tampa do vaso, tentando me acalmar.
Meu relógio marca 10h43min.
Eu me pergunto se Lila quer arruinar tudo. Eu me pergunto se realmente a vi no
meio da multidão, ou se eu apenas conjurei-a para fora dos meus medos.
Eu tiro meu paletó, desabotou a camisa, e grudo o pacote de sangue falso
diretamente na minha pele, resignando-me à depilação que vou começar mais tarde,
quando eu puxá-lo fora. Briguei com o fio por dentro do bolso da calça, rasgando a
costura e adicionando mais fita para que o gatilho fosse fácil de agarrar.
Dez e quarenta e sete.
Eu verifico a garrafa de vômito grudada atrás do vaso sanitário. Está lá, mas não
tenho idéia de qual deles finalmente cedeu e vomitou. Sorrio com o pensamento.
Dez e quarenta e oito. Eu ato o fio ao gatilho.
— Está tudo bem aí? — vovô chama. Alguém espia.
— Só um segundo, — eu digo.
Faço um barulho de asfixia e derramo metade do conteúdo do frasco de vomitar. A
sala se enche com o cheiro de vinagre de três dias. Eu esforço para vomitar de novo,
desta vez para valer.
Eu derramarei a outra metade e cuidadosamente devolvo a garrafa vazia para a fita.
Inclinar-me para baixo é o pior. Eu faço barulhos de vômito de novo.
— Você está bem? — vovô não soa mais impaciente. — Cassel?
— Tudo bem, — eu digo, e cuspo.
Eu tampo o vaso e abotou a minha camisa cuidadosamente, e então puxo o paletó,
mas não o abotou.
A porta abre e ouço a voz de Anton. — Todos para fora. Precisamos esvaziar o
banheiro.
Minhas pernas ficam inseguras com alívio. Abro a porta do banheiro e encosto na
armação. Quase todo mundo já foi expulso pelo meu vômito falso, mas os retardatários e
o de cabeça com coque estão passando por Anton. Zacharov fica na pia.
— Desi Singer, — ele diz, esfregando o lado da boca. — Tem sido um longo tempo.
— Esta é uma festa muito bonita, — diz o meu avô gravemente, apontando para
Zacharov, seu assentimento quase um arco. — Eu não calculei você como um político.
— Nós que quebramos as leis devemos nos importar mais com elas. Nós lidamos
com eles mais do que as outras pessoas, afinal.
— Eles dizem que todos os bandidos realmente grandes, eventualmente, entram na
política, — diz o avô.
Zacharov sorri para isso, mas quando ele me vê, o sorriso desaparece.
—Ninguém deveria estar aqui, — diz Anton.
— Desculpa, — eu digo, furando a minha mão. —Eu estou um pouco bêbado. Está
é uma grande festa, senhor.
Vovô agarra o meu braço para puxar-me embora, mas Anton o para.
— Este é o irmão de Philip. — Anton sorri como isto é tudo uma brincadeira
divertida. — Dê a criança uma emoção.
Zacharov estende a mão devagar, olhando-me nos olhos. — Cassel, certo?
Nossos olhos se encontram. — Está bem, ok. Se você não quiser apertar.
Ele mantem meu olhar. — Vá em frente.
Eu pego sua mão na minha e cubro seu pulso com a outra mão, empurrando meus
dedos com luva em sua manga, mecho meu dedo através da pequena abertura no couro
para que eu possa escovar a pele de seu pulso. Seus olhos se abrem mais quando eu o
toco, como se tivesse lhe dado um choque elétrico. Ele empurra para trás.
Eu o puxo bruscamente em direção a mim. — Você tem que fingir morrer, —eu
sussurro contra sua orelha. — Seu coração simplesmente virou pedra.
Zacharov cambaleia longe de mim, atingido. Ele olha para Anton, e por um
momento eu acho que ele vai pedir algo que me arruine. Então ele dá uma guinada
abrupta contra a dobradiça de uma das portas e, tropeçando para trás, bate a cabeça
contra o secador de mão. Ele suspira silenciosamente e desliza para baixo da parede, a
mão atada em sua camisa como se ele tentasse apertar seu peito.
Nós assistimos seus olhos se fecharem. Sua boca abriu mais uma vez, como se ele
estivesse tentando pegar um último suspiro de ar.
Zacharov não é um mau intrerprete.
— O que você fez? — vovô atira. — Desfaça isso, Cassel. Tudo o que você fez. —
Meu avô me olha como se ele não me conhecesse.
— Cale a boca, meu velho, — diz Anton, batendo da atrás da cabeça do avô.
Quero agarrar Anton, mas não há tempo.
Concentro-me em me transformar. Eu imagino uma lâmina surgindo através da
minha própria cabeça, tentei sentir o impulso para executar isso.
Eu tenho que me concentrar. Eu penso em Lila, e eu com uma faca através dela. Eu
imagino levantando a lâmina e sentindo todo o peso de horror e ódio de mim mesmo. A
falsa memória ainda tem o poder de me aterrorizar.
Eu realmente sacudo minha mão um pouquinho, em resposta, e então eu sinto meu
corpo maleável. Eu imagino a mão de meu pai em meu próprio lugar. Imagino seus
bruscos dedos e calos ásperos.
Mão de meu pai se foi junto com seu terno.
Uma pequena transformação. Uma pequena mudança. Um que eu espero ter o
mínimo golpe de retorno.
Uma ondulação percorre a minha carne. Concentro-me em dar um passo em direção
à parede, mas meu pé parece que está se espalhando, derretendo.
Anton enfia a mão no casaco e abre junto com uma faca borboleta. Ela gira em seus
dedos, tão brilhantes como as escamas de um peixe. Ele se inclina sobre Zacharov e
cuidadosamente corta o nó de sua gravata. — Tudo vai ser diferente agora, — ele diz,
tirando o diamante da Ressurreição de dentro de seu bolso.
Anton se vira para mim, ainda segurando a faca, e de repente isso parece um plano
terrível.
— Tenho certeza que você não se lembra, — diz Anton, a voz baixa. —Mas você
me fez um amuleto. Nem pense em tentar executar-me.
Como se eu pudesse fazer qualquer coisa, exceto cair de joelhos contorcendo meu
corpo.
Através de uma embaçada e alterada visão, eu vejo meu avô agachado próximo a
Zacharov.
Meus membros mudam, nadadeiras nascem em minha pele, e um quinto e sexto
braço bate na parede. Minha cabeça agita para frente e para trás. Minha língua bifurca.
Tudo entra em caimbrãs quando próprios ossos estralam para fora das órbitas.
Meus olhos se tornam mil olhos, piscam juntos ante o teto pintado. Eu digo a mim
mesmo que vai acabar logo, mas isso continua e continua.
Anton caminha na direção a vovô. — Você é um leal executor, por isso me deixa
triste ter que fazer isso.
— Pare aí mesmo, — diz vovô.
Anton balança a cabeça. — Estou contente por Philip não ter que presenciar isso.
Ele não entenderia, mas eu acho que você sim, velho. Um líder tem que ser cuidadoso
com quem começa a contar histórias sobre ele.
Tento virar, mas minhas pernas estão pesadas e eles batem contra o chão. Eu não sei
como manejá-las. Eu tento gritar, mas minha voz não é minha, há um apito de pássaro
nela, provavelmente a partir do endurecimento do bico no meu rosto.
— Adeus, — diz Anton ao meu avô. — Estou prestes a me tornar uma lenda.
Alguém bate na porta. A faca pára, pairando na frente da garganta do meu avô.
— Sou eu, — Barron diz do outro lado. — Abra.
— Deixe-me abrir a porta, — diz vovô. — Guarde a faca. Se eu sou leal a alguém, é
para este rapaz aqui. E se você quer que ele seja leal a você, você vai ser cuidadoso.
— Anton, — eu digo a partir do piso. É difícil formar as palavras com a minha
língua ondulando. — Porta!
Anton olha para mim, guardando a faca na bainha, e abre a porta.
Concentro-me em passar a minha mão transformada no bolso da minha calça.
Barron dá alguns passos duros para o banheiro, em seguida, cambaleia para a frente,
como se fosse empurrado por trás.
— Mantenha as mãos onde eu possa vê-las, — a voz de uma menina manda. Lila
está vestindo um vestido vermelho tão apertado quanto curto. Seu único acessório é a
grande arma prateada brilhando sob as luzes fluorescentes. A porta se fechou atrás dela.
A arma parece real. E ela está apontando-o diretamente para Anton.
Anton parte os lábios, como se ele fosse dizer o nome dela, mas as palavras não
saem.
— Você me ouviu, — ela diz.
— Ele matou seu pai, — Anton diz, apontando a faca para mim. — Não fui eu. Foi
ele.
Seu olhar se desloca para onde o corpo de Zacharov descansa, e o cano da arma
vacila.
Eu alcanço o meu casaco, esperando que meus dedos fiquem como dedos o tempo
suficiente para ser úteis. Minha língua volta a funcionar novamente. — Você não
entende. Eu nunca quis.
— Eu estou cansada de suas desculpas, — ela diz, nivelando a arma para mim. Sua
mão está tremenda. — Você não sabia o que estava fazendo. Você não se lembra. Você
não queria magoar ninguém.
Ela não soava como pretendia.
Eu tento ficar em pé. — Lila-
— Cale-se, Cassel, — ela diz, e atira em mim.
Sangue respinga cobrindo minha camisa.
Eu suspiro, como um peixe.
Enquanto fecho os olhos, eu escuto vovô falar meu nome.
Não há nada como um tiro para fazer-lhe o centro da festa.
Capítulo Dezoito
Eu me feri. Eu esperava isso, mas silenciosamente a respiração golpeia para fora de
mim. Umidade escoa através da minha camisa, formando uma aderência à minha pele.
Eu tento acalmar minha respiração tanto quanto possível. Meu corpo está mudando
devagar; O golpe de retorno está diminuindo. Eu quero manter meus olhos abertos, mas
eu preciso que Anton realmente acredite que eu fui baleado, então eu escuto em vez de
olhar.
— Vocês dois contra a pia, — diz Lila. — Ponha as mãos onde eu possa vê-las.
As pessoas estão se movendo em torno de mim. Eu ouvi um gemido vindo da
direção do meu avô, mas eu não posso dar ao luxo de olhar.
— Como você pode estar aqui? — Anton pergunta a ela.
— Oh, cheguei agora, — Lila diz baixa e perigosa. — Você sabe como eu cheguei
aqui. Eu andei. Desde Wallingford. Sobre minhas pequenas pernas.
Eu tento me mover, só um pouco, assim será mais fácil me por de pé mais tarde.
Tal como um ilusionista, o artista engana o suspeito. Enquanto todo mundo está
olhando para ele puxar um coelho da cartola, ele esta realmente serrando uma menina no
meio. Você acha que ele está fazendo um truque quando ele já está fazendo outro.
Você acha que eu estou morrendo, mas estou rindo de você.
Eu odeio isso, eu amo isto. Eu odeio que a adrenalina extravase através do meu
corpo me enchendo de uma vertiginosa alegria. Eu não sou uma boa pessoa.
Mas ludibriou Anton e Barron sentiu-se fantástica.
Eu posso ouvir seus passos ecoando ao redor de mim, movendo-se em direção a
dela.
— Sinto muito, Lila, — diz Anton. —Eu sei que—
— Você deveria ter me matado quando teve a chance, — diz ela.
Alguém toca meu ombro, e eu quase recuei. Dedos duros e lisos no meu pescoço, à
procura de um pulso. A única coisa que eu não posso fingir. Ele puxa abrindo minha
jaqueta. Se ele desabotoar a minha camisa, ele vai ver os fios.
— Você é um diabinho, Cassel Sharpe, — vovô diz num sussurro da respiração
dele.
Esperto como o diabo e duas vezes mais bonito. Eu me esforçar para não sorrir.
— Dê-me a arma, — Anton diz, e desta vez eu abro meus olhos uma lasca. Ele tem
uma faca na mão. — Você sabe que você não quer fazer isso.
— Chegue contra a pia! — Ela diz.
Ele deixa cair à faca dele e golpeou com mão dele em direção a ela, derrubando a
arma dela fora de seu aperto. Maneou-se através do chão.
Ela dispara para ir ao mesmo tempo que ele o faz, mas ele conseguiu chegar
primeiro. Eu tento me levantar, mas vovô me pressiona de volta para baixo.
Erguendo a arma, Anton dispara três vezes no peito dela.
Ela cambaleia para trás, mas ela não esta conectada por fios acima assim há nenhum
estrondo, nenhum sangue. Os projeteis bateram nela inofensivamente, enquanto saltavam
ao chão.
Estamos feitos.
Anton olhava para ela, portanto à arma esta na mão dele. Então ele olha para mim.
Meus olhos estão bem abertos.
— Eu vou matar você, — ele rosna, deixando de lado a falsa arma. Bate os azulejos
tão duro um pedaço disto lasca fora.
Isto é ruim.
Meu avô ficou entre nós, e eu tento empurrá-lo para fora do caminho, quando uma
voz vem do outro lado do quarto.
Barron aponta um dedo acusador em minha direção. — Você brincou comigo. —
Ele parecia instável.
— Vocês todos estão brincando, — Zacharov diz na voz acentuada dele. — Você é
igual esse aqui, com pistolas de água quando era uma criança. Correndo ao redor e
ensopando tudo.
— Porque você – O que você sabe ? — Anton pergunta. — Oor que você fingiu —
Zacharov fez careta. — Eu nunca teria acreditado que você, Anton, trairia nossa
família. Eu nunca teria acreditado que você conspiraria para me matar. Você, de todas as
pessoas, quem eu teria tornado meu herdeiro. — Zacharov olha para meu avô. — Família
não significa nada mais, enganou-me?
Vovô olha de Barron para mim, como se ele não estivesse seguro como responder.
Anton dá dois passos para Zacharov, a boca dele torcendo de um modo feio. Barron
apanha a faca que Anton derrubou e sacode isto ao redor das mãos dele.
Eu rolo por cima e me empurro, enquanto deslizo pelo chão no falso sangue. Eu
consigo me levantar sobre meus joelhos.
— Você nunca vai partir daqui vivo, — Anton conta para Zacharov, apontando para
Barron com a faca.
Eu só tenho um carta restante para jogar, mas é uma boa. Eu estou de pé. Isto é
como estar no telhado do refeitório Smythe de novo; se eu deslizar, eu morro.
— Eu não tenho medo, — Zacharov diz, tranquilamente olhando para Anton. —
Precisa coragem para matar um homem com suas mãos. Você não tem as bolas.
— Se cale, — Anton diz. Ele vira para Barron. — Dê-me à faca. Eu mostrarei para
ele o assustado.
Lila apressa-se para Anton, mas o pai a agarra e segura seu braço, puxando-a para
trás contra ele.
O lábio dela enrola. Os olhos dela ardem como fogo quando ela encara o primo.
— Eu matarei você, — ela diz.
Barron não entrega a faca, mas ele começa a sorrir. Ele eleva a ponta para a
garganta de Anton.
— Não aponte essa coisa para mim, — Anton diz, enquanto empurra à mão de
Barron. — O que você está esperando em troca? Dê aqui.
— Eu estou apontando do jeito certo, — Barron diz. — Desculpe.
Eu tomo uma respiração profunda e libero minha armadilha. —Nós temos nos
reunidos com Zacharov por meses, Barron e eu. Correto, senhor?
Zacharov me dá um olhar duro. Eu o imagino mantendo-se ciente contra a minha
manobra, mas ele entende a realidade que sustenta a faca no pescoço de Anton é a coisa
mais importante. Os dedos de Zacharov se apertam nos braços de Lila.
— Isso é correto.
Barron acena com a cabeça.
— Não, você não tem, — Anton diz a Barron. —Por quê? Mesmo que você me
ferre, não há forma de você ferrar Philip.
— Ele também está nisto, — diz Barron. Ele torce a faca em sua mão, enquanto
deixa as luzes fluorescentes refletirem fora da lâmina.
— Philip jamais se voltaria contra mim. Isso é impossível. Nós planejamos isto
junto. Nós planejamos isto durante anos.
Barron encolhe os ombros dele. — Se isso é verdade, então onde ele está? Se ele
fosse tão leal, ele não estaria aqui?
Então Anton olha para mim. — Isto não faz sentido.
— O que não faz sentido? — Lila pergunta. Ela atravessou os olhos dela para mim
por um momento. — Você pensa que é o único que pode trair as pessoas, Anton? Você
pensa que é o único mentiroso?
Eu posso ver o conflito no rosto de Anton. Ele ainda está pesando o seu próximo
movimento.
— Nós tínhamos que ter certeza de que você estava falando sério sobre matar o
cabeça de nossa família, — Barron diz. Ele não pareceu confuso; ele nem sequer vacilou.
— Mas ele vai matar você, idiota, — Anton diz. Ele soa perdido. — Você jogou
tudo fora para nada. Você sequestrou a filha dele. Você é um homem morto. Ele vai
executar todos nos.
— Ele nos perdoou, — Barron diz. —Ele fez um trato com o Philip e eu, permitindo
o deslize. Era mais importante provar que você planejou matar ele. Nós somos
insignificantes. Você é o sobrinho dele.
Zacharov bufa suavemente, agitando a cabeça dele. Então ele estende a mão dele
para Barron, que suavemente derruba a faca da mão de Zacharov.
Eu deixei sair um fôlego que eu não sabia que estava prendendo.
— Anton, — Zacharov diz, deixando Lila ir como se ele percebesse de repente que
ele deveria. — Você está em desvantagem. Hora de arrumar a casa. Deitem no chão. Lila,
você vai ficar com Stanley. Diga a ele que há algo aqui que nós temos que negociar.
Lila limpa as mãos dela no vestido e não olha nenhum de nós no rosto. Eu tento
pegar o olhar dela, mas é impossível. Ela vai em direção à porta.
Zacharov é o único que conhece meu olhar. Ele sabe que eu joguei com ele, mesmo
que ainda não sabesse como. Ele me dá um leve aceno de cabeça.
Eu suponho que provei a mim mesmo afinal de contas.
— Obrigado, Barron. E Cassel, naturalmente. — Eu posso ouvir o ranger dos dentes
conforme ele agradece meu irmão e a mim pela mentira. — Por que você não vai com
Lila e espera por mim na cozinha? Nós não terminados aqui. Desi, você tenha certeza de
não perambularem.
— Você, — Anton diz, olhando para mim. —Você fez isto. Você fez isto acontecer.
— Eu fiz de você um tolo, — eu digo, no qual talvez não é a coisa mais inteligente,
mas eu sou bobo e volúvel com alívio.
Mais, você sabe que eu sou terrível em manter a minha boca fechada.
Anton se lança em mim, fechando a distância antes de eu pudesse reagir. Nós
colidimos para trás com um dos boxes, e minha cabeça bate dentro do azulejo junto a um
dos banheiros. Eu vejo vovô agarrando o pescoço de Anton como se ele conseguisse
puxá-lo fora de mim, mas Anton é demasiado enorme e endurecido para isso.
Seus punhos golpearam contra minha cara. Eu inclino para cima, batendo minha
testa contra o seu crânio duro o bastante para me deixar atordoado com dor. Ele arqueia
para cima, como se fosse me esmurrar novamente, quando seus olhos perdem o foco. Ele
cai pesadamente sobre a minha cabeça e precisamente deitado ali, pesando como uma
manta.
Eu me rastrjo para trás, não se importando com o assoalho sujo, apenas tentando sair
debaixo do peso dele. Ele parece pálido, os lábios dele já indo para o azul.
Ele está morto.
Anton está morto.
Eu ainda estou encarando-o, quando Lila abaixa e preciona um chumaço de papel
higiênico na minha boca. Eu nem mesmo percebi que estava sangrando.
— Lila, — Zacharov diz. — Venha. Eu preciso que você sai daqui.
— Você sempre pensa que é muito inteligente para seu próprio bem? — ela
pergunta para mim suavemente, antes de ir para trás, para o pai dela.
Vovô está segurando o próprio pulso dele, arqueando sobre uma forma protetora.
— Você esta bem? — Eu lhe pergunto, empurrando a mim mesmo para cima e
apoiando pesadamente contra a parede.
— Eu estarei bem quando nós sairmos deste banheiro, — vovô diz. Então eu reparo
que a sua mão direita dele está exposta e o seu dedo anelar está escuro, escuridão
esparrama por debaixo da unha.
— Oh, — eu digo. Ele salvou minha vida.
Ele ri. — O que? Você não pensou que eu ainda tivesse isto em mim?
Estou envergonhado para admitir que esqueci que ele ainda é um executor de morte.
Eu sempre pensei que ele era um executor no tempo passado, mas ele matou Anton com
um único toque, uma pressão dos dedos contra um pescoço vulnerável.
— Você deveria ter me deixado ajudar você, — vovô diz. —Eu os escutei falando
depois do jantar daquela noite quando eles me drogaram.
— Lila, Barron, — Zacharov diz, — você dois vêm comigo. Nós deixaremos Cassel
e Desi só um momento para que se limpem. Ele olha para nós. — Não vá a qualquer
lugar.
Eu aceno conforme eles partem.
— Você tem muito o que explicar, — vovô diz.
Eu ainda estou apertando o chumaço de papel na minha bochecha. Babo sangue
verdadeiro dessa vez, da minha boca que cai sobre minha camisa próxima ao sangue
falso. Eu olho para baixo ao corpo de Anton. — Você pensou que eu ainda estava com a
execução de memoria. Por isso que você estava tentando me tirar daqui.
— O que eu deveria pensar? — vovô diz. — Que você três tiveram algum plano
ridiculamente complicado? Que Zacharov também estava nisso?
Eu sorrio para o espelho. — Nós não estamos ligados a qualquer coisa. Eu forjei os
cadernos de Barron. Barron acredita em tudo dentro desses livros. Ele tem que fazer, por
causa da perda de memória.
Isso foi o que eu fiz no último dia e meio. Por isso eu fiquei acordado toda a noite.
Reescrevendo páginas e páginas de notas com uma letra fácil de ser forjada porque eu já
conhecia tão bem. Eu construí uma vida completamente diferente para Barron; o tipo de
vida onde ele queria salvar o líder de uma família de criminosos porque Zacharov é o pai
de Lila. O tipo de vida onde eu e meus irmãos trabalhamos junto por um nobre propósito.
As mentiras mais fáceis para contar são aquelas que você quer que sejam
verdadeiras.
Vovô franje as sobrancelhas, e então a compreensão alisa o rosto dele acabando com
seu estado de choque. — Você quer dizer que ele nunca se encontrou com Zacharov?
Eu sacudo minha cabeça. — Nope. Ele simplesmente acreditou no que mostrei.
— Você se encontrou com Zacharov?
— Lila queria que nós levássemos com cuidado as coisas nós mesmos, — eu disse.
— Assim, também não.
Ele geme. — Esse é um amontoada de problemas em cima de problemas.
Eu dou um último olhar ao corpo de Anton. Algo brilha na luz. O alfinete da gravata
de diamante de Zacharov próxima à mão esquerda Anton. Ele deve ter pegado isto do
bolso dele.
Eu inclino para abaixo e apanho o alfinete.
Zacharov está apoiando contra a porta quando eu fiquei em pé. Eu não o ouvi entrar.
— Cassel Sharpe. — Ele soa cansado. — Minha filha me disse que a ideia foi dela.
Eu acenei com a minha cabeça. — Teria funcionado melhor com uma arma real.
Ele bufa. — Considerando que era a ideia dela, eu não vou cortar sua mão por tocar
minha pele. Simplesmente me conte uma coisa quanto tempo você sabe que é um
executor de transformação?
Por um momento eu abro minha boca para protestar. Eu não executoei-o; como ele
pode estar seguro que eu não estava fingindo? Então eu me lembro do golpe de retorno, e
eu me torcendo no chão.
— Não há muito tempo, — eu digo.
— E você sabia? — Zacharov vira para vovô.
— A mãe dele quis manter isto em segredo até que ele fosse bastante velho. Ela ia
lhe falar depois da liberação dela.
Vovô olha novamente para mim. — Cassel, o que você pode fazer é muito valioso
para algumas pessoas. Eu não estou dizendo que sua mãe tinha razão, mas ela é uma
mulher inteligente e —.
Eu cortei ele fora. — Eu sei vovô.
Zacharov está nos assistindo, como se ele decidisse algo na mente dele. — Eu quero
tornar isto claro: Eu nunca concordei em deixar seus irmãos viverem. Qualquer um deles.
Eu aceno, porque eu posso ouvir que ele não acabou de falar.
— Seu avô está certo. Você é valioso. E agora você é meu. Enquanto você continue
trabalhando para mim, seus irmãos ficaram vivos. Entendeu?
Eu acenei com a cabeça novamente.
Eu deveria lhe contar que eu não me importo. Que não importa a mim se eles estão
mortos. Mas eu não faço. Eu acho que é a verdade; não há ninguém sempre disposto a
amá-lo como a sua família.
— Nós estamos resolvidos aqui, — ele diz. — Por agora. Entre na cozinha e veja se
tem alguém que pode dar a você uma camisa limpa.
Vovô puxa para trás a luva da mão direita dele. Agora um de seus dedos inclina
flexivelmente como aqueles sobre sua mão esquerda.
— Oh. eu achei, — eu digo a Zacharov, segurando o Diamante da Ressurreição
antes de eu notar algo estranho. Um canto da enorme pedra esta lascado.
Zacharov tira isto de mim com um sorriso apertado. — Obrigado mais uma vez,
Cassel.
Eu aceno, tentando não deixar que descubra que eu sei que o Diamante da
Ressurreição não pode proteger ninguém. É inútil. É feito de vidro.
Fora do banheiro a festa ainda está pleno andamento. O barulho cai sobre mim como
uma onda surreal, música, risos e discursos alto o suficiente para cobrir os tiros. Nada do
que aconteceu — definitivamente não ouviram Anton ser morto — parece real na luz
clara dos lustres ou refletindo em milhares de bolhas de champanhe.
— Cassel! — Daneca grita, enquanto corria até mim. — Você está bem?
— Nós estávamos preocupados, — Sam diz. — Você esteve lá por muito tempo.
— Eu estou bem, — eu digo. — Eu não pareço bem?
— Você está coberto com sangue no meio de uma festa, — Sam diz. — Não, você
não parece bem.
— Este é o caminho, — Zacharov diz, apontando em direção à cozinha.
— Nós estamos indo com você, — diz Daneca.
Eu me sinto exaurido, e minha bochecha está pulsando. Minhas costelas ainda
doem. E eu não vejo Lila em qualquer lugar.
— Sim, — eu digo. — Esta bem.
As pessoas quase tropeçaram por cima deles mesmos buscando sair do meu
caminho conforme eu ando. Eu suponho que realmente mostro uma aparência ruim.
A visão da pequena cozinha com pessoas se movimentando ao redor disto,
conduzindo para fora as bandejas com uma quantidade de blini36 com caviar, pasteis
douradas que escoam manteiga e alho, e pequenos bolos cobertos com limão cristalizado.
Meu estômago rosna, surpreendendo a mim. Eu não deveria estar com fome apos
testemunhar outra pessoa ser morta, mas eu estou morrendo de fome.
Philip está se movendo na parte de trás flanqueado por dois homens fortes que
parecem estar retendo-o. Eu não sei se Lila o trouxe à festa ou se Zacharov enviou
alguém para pegá-lo e escoltar para cima de donde ela ficaria mantendo-o.
Quando ele me vê, os olhos dele estreitam.
— Você levou tudo de mim, — ele grita. — Maura. Meu filho. Meu futuro. Meu
amigo. Você tirou tudo.
Eu suponho que fiz.
Eu poderia contar a ele que eu não pretendia causar o que aconteceu.
— Uma droga não é? — Eu digo.
Ele luta contra os guarda-costas que o seguram. Eu não estou preocupado. Eu deixei
Daneca me guiar pela área até a despensa e as pias.
— Eu vou fazer você se arrepender do dia que você nasceu, — Philip grita para as
minhas costas. Eu o ignoro.
Lila está esperando com uma garrafa de vodca em uma mão e um copo na outro. —
Suba aqui em cima, na bancada, — ela diz.
Eu faço, empurrando uma tigela de farinha e uma espátula. Philip seguiu gritando,
mas a voz dele parece vir de longe. Eu sorrio. — Lila, esta é Daneca. Eu acho que você
conheceu Sam. Eles são meus amigos da escola.
— Ele realmente admitiu de fato nós somos seus amigos? — Sam pergunta, e
Daneca ri.
Lila verte um pouco de vodca sobre o guardanapo.
— Eu sinto muito se eu não falei com você sobre o resto de meu plano, — eu digo a
Lila. — Sobre Barron.
— Os cadernos, certo? Você consertou de alguma maneira.
Quando eu pareci surpreso, ela sorriu. — Eu vivi com ele durante anos, se lembre?
Eu vi os cadernos. Inteligente. — Ela aperta o pano contra minha bochecha, e eu vaio.
Dói muito.
— Oh, — eu digo. — Você alguma vez pensou que é durona?‖
Ela sorri caminhando amplamente. Ela se inclina próximo a mim. — Oh, eu sei que
eu sou. E sei que você gosta.
Sam ri silenciosamente. Eu não me preocupo.
Eu gosto.
Capítulo Dezenove
EU PASSEI AS PRÓXIMAS DUAS semanas cheios de coisas para fazer, fazendo
todos os deveres de casa que eu havia perdido. Daneca e Sam me ajudaram, sentando
comigo na biblioteca até o toque de recolher para os quartos, quando eu tinha que ir para
casa e eles tinham que voltar para os dormitórios. Eu passava tanto tempo na escola que
vovô me arrumou um carro. Ele me leva para algum amigo dele que me arruma um
Mercedes-Benz Turbo de 1980 por dois mil.
Corre igual merda, mas Sam prometeu me ajudar a convertê-lo. Ele ganhou algum
tipo de feira de ciências estadual com a conversão de seu carro, e ele acha que nós
poderemos conseguir ir até a feira de ciências internacional com o arranjo que ele tem
planejado para o meu carro. Até lá, eu mantenho os meus dedos cruzados para que o
motor continue funcionando.
Quando eu saio para ir para o meu carro a caminho de casa naquela terça-feira, eu
encontro Barron encostado a ele, girando as chaves ao redor de um dedo enluvado preto.
A sua moto está estacionada próximo ao meu carro no estacionamento.
— O que você quer? — eu pergunto.
— Noite de pizza, — ele diz.
Ele retorna o olhar. — É terça.
O problema com forjar um ano inteiro da vida de uma pessoa muito rapidamente é
que as suas fantasias acabam se infiltrando. Talvez você quisesse colocar só as coisas que
fossem necessárias, mas isso deixa muito espaço para preencher. Eu preenchi o espaço
com a relação que eu desejava que tivéssemos.
É um pouco vergonhoso agora que Barron está parado aqui, realmente acreditando
que nós saímos para comer pizza toda terça-feira e falamos a respeito dos nossos
sentimentos.
— Eu dirijo, — eu digo finalmente.
Nós pedimos uma pizza de queijo, molho, linguiça e peperôni em um lugar pequeno
com cabines, e jukeboxes em miniatura em cima de cada mesa de linóleo. Eu cubro o
meu pedaço com flocos de pimenta quente.
— Eu vou voltar para Princeton para terminar a faculdade, — ele diz, mordendo um
pedaço de pão de alho. — Agora que a mamãe está saindo. Algo me diz que ela vai
precisar de um advogado novamente logo. — Eu me pergunto se ele pode voltar, se ele
pode preencher os buracos no cérebro dele com livros de direito e lembrar-se deles
contanto que ele não trabalhe mais com execuções. Isso é um grande ‗contanto‘.
— Você sabe quando é a data de verdade da soltura dela?
— Eles disseram que é sexta-feira, — ele diz. — Mas eles já mudaram a data duas
vezes, então não sei o quão sério levar isso. Mas eu acho que nós deveríamos comprar
um bolo ou algo, só no caso. Na pior das hipóteses: Nós comemos o bolo de qualquer
jeito.
A memória é engraçada. Barron parece relaxado, como se realmente gostasse de
mim, porque ele não se lembra de me odiar. Ou talvez ele se lembre do sentimento de
desgosto, mas presume que ele gosta mais de mim do que odeia. Mas eu não estou
relaxado. Eu não consigo parar de lembrar. Eu quero pular da cadeira e esganá-lo.
— O que você acha que vai ser a primeira coisa que ela vai fazer quando sair? — eu
pergunto.
— Se meter, — ele diz, e ri. — O que você acha? Ela vai começar a tentar fazer as
coisas se encaminharem da maneira que ela quiser. E é melhor rezarmos para ser o
mesmo caminho que nós queremos também.
Eu sugo a minha soda pelo canudo, lambendo a gordura da minha luva, e contemplo
transformar Barron em um pedaço de pizza e então dar ele para as crianças da mesa ao
lado comer.
Mesmo assim, ainda é bom ter um irmão com quem conversar.
Mantenha os seus amigos perto e os seus inimigos mais perto ainda.
É isso que o Zacharov diz quando ele explica o porquê de ele estar mantendo o
Philip trabalhando para a família, onde ele pode manter um olho nele. As pessoas
normalmente não deixavam as famílias do crime vivas, então eu acho que não deveria
estar surpreso.
Eu pergunto para o vovô se ele tem visto o Philip, mas tudo o que ele faz é grunhir.
Lila me liga na quarta.
— Ei, — eu digo, sem reconhecer o número.
— Ei, você. — Ela parece feliz. — Você quer sair?
— Quero, — eu digo meu coração batendo forte. Eu troco a minha bolsa de ombro
com mãos repentinamente desastradas.
— Venha para a cidade. Nós podemos comprar um chocolate quente, e talvez eu
deixe você me vencer no vídeo game. Eu estou há quatro anos sem prática. Eu posso
estar um pouco enferrujada.
— Eu vou te vencer tão bonito que o seu próprio avatar vai rir de você.
— Idiota. Venha no sábado, — ela diz, e desliga.
Eu sorrio até a hora do jantar.
Na sexta-feira na hora do almoço eu vou para fora. Está quente e muitos garotos
trouxeram a comida deles para almoçarem na grama. Sam e Daneca estão sentados com
Johan Schwartz, Jill Pearson—White, e Chaiyawat Terweil. Eles acenam para mim.
Eu ergo a mão e me viro em direção ao pequeno conjunto de árvores. Eu estive
pensando sobre tudo o que aconteceu, e há uma coisa que ainda me incomoda.
Eu pego o meu celular e digito um número. Eu não espero que ninguém atenda, mas
ela atende.
— Consultório do Dr. Churchill, — Maura diz.
— É o Cassel.
— Cassel! — ela diz. — Eu estava me perguntando quando você ligaria. Você sabe
qual é a melhor sensação do mundo? Só dirigir pela estrada com a música nas alturas, o
vento no seu cabelo, e o seu bebê fazendo glu, glu alegremente no assento de seu carro.
Eu sorrio. — Você sabe para onde está indo?
— Ainda não, — ela diz. — Eu acho que saberei quando chegar lá.
— Estou feliz por você, — eu digo. — Eu só queria ligar e te dizer isso.
— Sabe do que mais eu sinto falta? — ela diz.
Eu balanço minha cabeça, e então percebo que ela não pode me ver. — Não.
— A música. — Sua voz cai baixa e suave. — Era tão lindo. Eu queria poder ouvi-
la novamente, mas acabou. Philip levou a música com ele.
Eu não consigo evitar os calafrios.
Daneca está andando na minha direção quando eu desligo o telefone. Ela parece
incomodada.
— Ei, — ela diz. — Vamos. Nós vamos nos atrasar.
Eu devo parecer estar em estado de choque ou algo assim, porque ela hesita. —
Você não tem que fazer isso se você não quiser.
— Não é isso. Eu quero, — eu digo. Eu não tenho certeza se estou sendo sincero,
mas estou certo de que Daneca e Sam estavam lá por mim quando eu realmente precisei
deles. Talvez a razão da amizade verdadeira não seja que você tenha que retribuir
gentileza, mas que seja. Pelo menos eu deveria tentar.
Enquanto Daneca, Sam e eu cruzamos o campo, eu vejo Audrey comendo uma maçã
perto da entrada do centro de artes.
Ela está sorrindo para mim da maneira que ela costumava sorrir. — Onde vocês
estão indo?
Eu respiro fundo. — À reunião do HEX. Aprender sobre os direitos dos executores.
— De verdade?— Ela olha em direção da Daneca.
— O que eu posso dizer?— Eu dou de ombros. — Estou tentando coisas novas.
— Posso ir? — Ela não se levanta, como se ela estivesse esperando que eu fosse
dizer não.
— Claro que você pode, — Daneca diz, antes que eu posso me acostumar com a
ideia de que ela quer vir. — Reuniões do HEX são para todos que querem entender
melhor um ao outro.
— Eles têm café de graça, — Sam diz.
Audrey joga a sua mão na direção dos arbustos perto da entrada. — Conte comigo.
A reunião está sendo feita na sala de música da Sra. Ramirez; ela é a conselheira.
Um piano está em um canto, e alguns tambores estão perto da parede traseira, contra uma
prateleira cheia de pastas finas com partituras. Um címbalo balança da prateleira de baixo
perto de uma parede de janelas, perto de uma barulhenta cafeteira.
A Sra. Ramirez está sentada no lado oposto no assento do piano em um círculo de
estudantes. Eu entro e puxo mais quatro cadeiras. Todos se movem educadamente para o
lado, mas a garota que está de pé não para de falar.
— O negócio é que é realmente difícil combater a discriminação quando algo é
ilegal, — a garota diz. — Quer dizer, todos acham que os executores são criminosos.
Tipo, as pessoas usam a palavra ‗executor‘ com o significado de criminoso. E, bem, se
nós fizermos uma execução, mesmo que só uma vez, nós somos criminosos. Então a
maioria de nós é, porque nós tivemos de descobrir de alguma forma e isso é normalmente
fazendo algo acontecer.
Eu não sei o nome dela, só que ela é uma caloura. Ela não olha para ninguém
quando fala, e sua voz é impetuosa. Eu estou um pouco impressionado com a sua
bravura.
— E há vários executores que nunca fizeram nada de ruim. Eles vão a casamentos e
hospitais e dão boa sorte às pessoas. Ou há pessoas que fazem execuções em abrigos e
eles dão esperança às pessoas e fazem elas se sentir confiantes e positivas. E aquela
palavra – ‗maldição‘. Como se tudo o que nós fizéssemos fosse magia ruim. Quer dizer,
porque você iria querer fazer aquelas coisas ruim? Os efeitos negativos são horríveis.
Tipo, se todo executor de sorte só fizesse as pessoas terem boa sorte, então tudo o que ele
tem é boa sorte também. Não tem que ser ruim.
Ela pausa e levanta o olhar para nós. Para mim.
— Magia, — a garota diz. — É só magia.
Quando eu chego em casa naquela noite, vovô está fazendo uma xícara de chá na
cozinha. Nós limpamos bastante coisa. Os balcões estão praticamente limpos e o forno
não está mais encrostado com comida velha. Há uma garrafa de whisky na mesa, mas a
tampa ainda está nela.
— Sua mãe ligou, — ele diz. — Ela saiu.
— Saiu? — eu repeti idiotamente. — Fora da prisão? Ela está aqui?
— Não. Mas você tem um convidado, — ele diz, se virando para limpar a torneira.
— Aquela garota Zacharov está no seu quarto.
Eu olhei para cima, como se eu pudesse ver pelo teto, surpreso e feliz. Eu me
pergunto o que ela acha da casa, e então eu me lembro de que ela já esteve aqui antes,
muitas vezes. Ela até já esteve no meu quarto antes – só que como um gato. Então cai a
ficha sobre o resto do que o vovô disse. — Por que você está chamando a Lila de ‗aquela
garota Zacharov‘? E onde está a mamãe? Ela não pode ter chegado muito longe. A cadeia
tem que te desacelerar um pouco.
— Sandra alugou um quarto de hotel. Ela diz que não quer que nós a vejamos do
jeito que ela está. A última coisa que eu ouvi, ela estava pedindo champanhe e batatas
fritas cobertas com molho em sua banheira de espuma.
— Sério?
Ele ri, mas não soa verdadeiro. — Você conhece a sua mãe.
Eu passo por ele e as caixas remanescentes de coisas misturadas na sala de jantar
sobem as escadas, subindo duas de cada vez. Eu não entendo o humor dele, mas sim a
minha necessidade de ver Lila.
— Cassel, — ele chama, e eu me viro, me inclinando sobre o balaústre. — Vá lá
para cima e traga-a aqui embaixo. Lila. Há algo que eu preciso falar com vocês dois.
— Tudo bem, — eu digo automaticamente, mas eu realmente não quero ouvir o que
quer que seja. Dois passos rápidos no corredor e eu abro a porta do meu quarto.
Lila está sentada na cama, lendo uma das antigas coleções de histórias de fantasmas
que eu nunca devolvi para a biblioteca. Ela se vira para me dar um sorriso astuto. — Eu
realmente senti sua falta, — ela diz, esticando uma mão.
— Sim? — Eu não consigo parar de olhar para ela, para a maneira que a luz do sol
da janela suja pega os cílios dela, fazendo-os brilharem como ouro, a maneira que a sua
boca se abre levemente. Ela parece à garota que eu lembrava que subia nas árvores
comigo, aquela que furou a minha orelha e lambeu meu sangue, mas ela não parece
àquela garota também. O tempo afundou as bochechas dela e fez seus olhos febrilmente
brilhantes.
Pensei nela tantas vezes neste quarto que parece que esses pensamentos a
conjuraram, uma fantasia da Lila, espalhada na minha cama. A ilusão de tudo torna fácil
andar até ela, apesar do meu coração estar batendo igual um martelo no meu peito.
— Você sentiu a minha falta? — ela pergunta, esticando o corpo igual a um gato.
Ela deixa o livro cair sem marcar a página.
— Quatro anos, — eu digo cruamente honesto dessa vez. Eu quero colocar os dedos
nus contra a linha de sua bochecha e tracejar as sardas em sua pele pálida, mas ela ainda
não parece real o bastante para tocar.
Ela se inclina para mais perto, e tudo a respeito dela é estonteantemente quente e
suave.
— Eu senti a sua falta, também, — ela diz a voz baixa e sem fôlego.
Eu riu, o que ajudou a limpar a minha cabeça um pouco. — Você queria me matar.
Ela balança a cabeça. — Eu sempre gostei de você. Eu sempre quis você. Sempre.
— Oh, — eu digo estupidamente. E então eu a beijo.
Sua boca se abre embaixo da minha e ela deita, me puxando junto para a cama com
ela. Os braços dela se prendem ao redor do meu pescoço e ela suspira contra a minha
boca. Minha pele está formigando de tão quente. Meus músculos estão tensos, como se
eu estivesse pronto para uma briga, tudo tão tendo que eu começo a tremer.
Eu dou uma única respiração tensa.
Eu estou cheio de felicidade. Tanta felicidade que eu mal posso segurar.
Agora que eu comecei a tocá-la, eu não consigo parar. Como se de alguma forma a
linguagem das minhas mãos vão falar para ela todas as coisas que eu não sei dizer em
voz alta. Meus dedos enluvados deslizam por debaixo do cós de seu jeans, sobre a sua
pele. Ela oscila um pouco, para abaixar as calças, e se estica para alcançar a minha. Eu
estou respirando a respiração dela, meus pensamentos se espiralam incoerentes.
Alguém bate na porta do quarto.
Por um momento eu não ligo. Eu não paro.
— Cassel, — vovô chama do outro lado da porta.
Eu rolo da cama e fico de pé. Lila está vermelha, respirando forte. Os lábios dela
estão vermelhos e molhados, seus olhos escuros. Eu ainda estou cambaleando.
— O quê? — eu grito.
A porta se abre e o meu avô está lá, segurando o telefone. — Eu preciso que você
venha e fale com a sua mãe, — ele diz.
Eu olho para Lila me desculpando. As bochechas dela estão manchadas de rosa e ela
está se atrapalhando com seu jeans, tentando abotoá-lo.
— Eu ligo para ela de volta. — Eu estou encarando-o, mas ele mal parece notar.
— Não, — ele diz. — Você pega esse telefone e você escute o que ela tem a dizer.
— Vô, — eu digo.
— Fale com a sua mãe, Cassel. — A voz dele é mais dura do que eu jamais escutei.
— Tudo bem! — Eu pego o telefone e vou até o corredor, acompanhando o vovô
para fora comigo.
— Parabéns por sair da cadeia, mãe, — eu digo.
— Cassel! — Ela soa animada por falar comigo, como se eu fosse um príncipe de
algum país estrangeiro.
— Sinto muito por não ir direto para casa. Eu quero ver os meus bebês, mas você
não sabe o que é viver com um monte de mulheres por todos esses anos, e nunca ter um
momento sozinha. E nenhuma das minhas roupas servia. Eu perdi tanto peso com aquela
comida horrível. Eu precisava de muitas coisas novas.
— Ótimo, — eu digo. — Então você está em um hotel?
— Em Nova Iorque, eu sei que nós temos muito que conversar bebê. Sinto muito
que eu não te contei sobre ser um executor mais cedo, mas eu sabia que as pessoas
tentariam tirar vantagem de você. E olhe o que eles fizeram. Claro, se o juiz tivesse
apenas me escutado e percebido que uma mãe precisa estar com os seus filhos, nada disso
teria acontecido. Vocês, meninos, precisavam de mim.
— Aconteceu antes de você ir para a cadeia, — eu digo.
— O quê?
— Lila. Eles tentaram me fazer matar ela antes de você ir para a cadeia. Eles a
trancaram em uma gaiola antes que você fosse para a cadeia. Não teve nada a ver com
você.
Ela hesitou um pouco. — Oh, querido, estou certa que isso não é verdade. Você só
não está se lembrando direito.
— Não – fale – comigo – sobre – memórias. — Eu praticamente cuspi as palavras.
Cada uma saindo da minha língua como uma gota de veneno.
Ela fica em silêncio, o que é tão incomum que eu não consigo me lembrar de ter
acontecido alguma vez. — Bebê, — ela diz finalmente.
— Sobre o que é essa ligação? O que é tão importante que vovô me fez falar contigo
justo nesse segundo?
— Oh, não é nada realmente. O seu avô está apenas chateado. Veja, eu tenho um
presente para você. Algo que você sempre quis. Oh, querido, você não entende o quão
feliz eu estou que você conseguiu tirar os seus irmãos de uma situação ruim. Os seu
irmão mais velho também – e você, o bebê, cuidando deles. Você merece algo só para
você.
Um pavor frio desenrola-se em meu estômago. — O quê?
— Só um pouco.
— O que você fez?
— Bem, eu fui ver o Zacharov ontem. Eu já te contei que nós nos conhecíamos?
Nós nos conhecemos. Então, eu encontrei aquela filha adorável dele quando eu estava
saindo. Você sempre gostou dela, não é?
— Não, — eu digo. Eu estou balançando a cabeça.
— Você não gostava dela? Eu pensei...
— Não. Não. Mãe, por favor, me diga que você não tocou nela. Diga que você não a
amaldiçoou.
Ela soa incerta, mas também impenitente, como se ela estivesse tentando me
persuadir a gostar da blusa que ela comprou na liquidação. — Eu achei que você ficaria
feliz. E ela cresceu e se tornou muito bonita, não acha? Não tão lindo quanto você, claro,
mas mais bonita do que aquela ruiva que você costumava passar o seu tempo.
Eu dou um passa para trás em direção à janela, batendo os meus ombros contra a
parede como se eu não me lembrasse mais como mover as minhas pernas. — Não, — eu
falo gemendo.
— Bebê, o que está errado?
— Só me diga o que você fez. Só diga. — É uma coisa desesperadoramente terrível
implorar para alguém esmagar a suas esperanças.
— Isso não é realmente algo que você diz no telefone, — ela diz me repreendendo.
— Diga! — Eu grito.
— Ok, ok. Eu a amaldiçoei para que ela amasse você, — mamãe diz. — Ela fará
absolutamente qualquer coisa por você. Qualquer coisa que você quiser. Isso não é legal?
— Conserte, — eu digo. — Você tem que desfazer isso. Coloque-a da maneira que
ela e antes. Eu a levarei para você e você pode amaldiçoa-la novamente para que ela
volte ao normal.
— Cassel, — ela diz, — Você sabe que eu não posso fazer isso. Eu posso fazer ela
te odiar. Eu posso até fazer ela não sentir nada por você, mas eu não posso tirar o que eu
já fiz. Se te incomoda tanto, só espere. A maneira como ela se sente vai diminuir
eventualmente. Quer dizer, ela não será exatamente da maneira que ela era antes.
Eu desligo o telefone. Toca de novo várias vezes. Eu vejo-o acender, vejo o nome
do hotel, aparecer no identificador de chamada.
Lila me encontra sentado no corredor, no escuro, segurando o telefone que ainda
toca quando ela chega para ver porque está demorando tanto. — Cassel? — ela sussurra.
Eu mal posso olhar para ela.
A coisa mais importante para qualquer vigarista é nunca pensar como um alvo.
Alvos pensam que eles vão conseguir um negócio com uma bolsa roubada, e então eles
ficam chateados quando a negociação não dá certo. Eles pensam que vão conseguir
ingressos na primeira fila quase de graça de um cara em pé na chuva, então elas ficam
surpresas quando os bilhetes são apenas pedaços de papel molhado.
Alvos acham que eles podem conseguir algo por nada.
Alvos acham que eles podem conseguir o que eles não merecem e que nunca
poderiam merecer.
Alvos são estúpidos e patéticos e de dar pena.
Alvos acham que eles vão para casa numa noite e teram a garota que eles amavam
desde criança de repente amando-os também.
Alvos se esquecem de que quando há algo muito bom para ser verdade, isso é
porque é uma armação.
Autora
Holly Black é o autor best-seller de romances de fantasia contemporânea para adolescentes e
crianças. Seu primeiro livro, Tithe: Um Conto de Fadas Moderno, foi publicado em 2002 pela
Simon & Schuster. Tithe era chamado de "escuro, nervoso, lindamente escrito e compulsivo de ler"
por Booklist, recebeu críticas aclamadas da Publisher's Weekly e críticas de Kirkus, e foi incluída
nos melhores livros da Associação Americana de Bibliotecas para Jovens Adultos. Holly, desde
então, escreveu dois outros livros no mesmo universo, Valente (2005) e, a sequela de Tithe,
Ironside (2007), que passou cinco semanas na lista de bestsellers do New York Times. Valente foi
um dos finalistas para o Prêmio Mythopoeic para leitores jovens e ganhador do Prêmio Andre Norton
de Excelência em Adulto Jovem de Literatura.
Para mais informações: http://www.blackholly.com/