MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA
HABEAS CORPUS Nº 174.398/PR (Eletrônico)PACIENTE: Luiz Inácio Lula da SilvaIMPETRANTE: Cristiano Zanin Martins e Outro(s)IMPETRADO: Superior Tribunal de JustiçaPETIÇÃO GTLJ/Nº 388008/2019
Excelentíssimo Senhor Ministro Relator,
Egrégia Segunda Turma,
HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO LAVAJATO. IMPETRAÇÃO VOLTADA CONTRA ACÓRDÃOQUE ASSINALOU A AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS DEADMISSIBILIDADE DE RECURSO ESPECIAL.COMPETÊNCIA PRECÍPUA DO SUPERIOR TRIBUNALDE JUSTIÇA. ARGUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO DOSMEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INIMIZADECAPITAL. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INEXISTÊNCIA DE TERATOLOGIA,ABUSO DE PODER OU FLAGRANTE ILEGALIDADE.HIPÓTESES PREVISTAS NOS ARTS. 252 E 254 DO CPPNÃO CARACTERIZADAS. AUSÊNCIA DE INDICATIVOSDE INIMIZADE CAPITAL ENTRE OS MEMBROS DOMINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E O PACIENTE.ATUAÇÃO DOS PROCURADORES QUE NÃOEXTRAPOLA OS LIMITES DE SUAS ATRIBUIÇÕESCONSTITUCIONAIS. EMISSÃO DE OPINIÕES SOBRETEMAS POLÍTICOS MANIFESTADA FORA DOS AUTOS.ATO INSERIDO NA GARANTIA DO DIREITO ÀLIBERDADE DE EXPRESSÃO. REALIZAÇÃO DEENTREVISTAS COM O INTUITO DE CONFIRMAR FATOSNOTICIADOS EM PEÇA DE INFORMAÇÃO CRIMINAL EIDENTIFICAR SUAS POSSÍVEIS TESTEMUNHAS.ATIVIDADES COMPATÍVEIS COM O PODERINVESTIGATÓRIO ATRIBUÍDO AO MINISTÉRIOPÚBLICO. CONVERSAS TRAVADAS POR APLICATIVODE TROCA DE MENSAGENS. VALOR PROVATÓRIO.NECESSIDADE DE PERÍCIA. QUEBRA DO SIGILOTELEFÔNICO E TELEMÁTICO.IMPRESCINDIBILIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIALPRÉVIA. CRIAÇÃO DE FUNDO PRIVADO.ADMINISTRAÇÃO DE VALORES PROVENIENTES DEACORDO CELEBRADO COM A PETROBRAS E ODEPARTAMENTO DE JUSTIÇA DOS EUA.INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO COM A CONDENAÇÃODO PACIENTE E O MONTANTE A SER PAGO À TITULODE REPARAÇÃO DO DANO. COMPARTILHAMENTO DEPROVAS. INADMISSIBILIDADE. DENEGAÇÃO.
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1. O entendimento pacificado do Supremo Tribunal Federal é nosentido de ser inadmissível, seja em sede de recurso extraordinário,seja pela via do habeas corpus, o reexame dos pressupostos deadmissibilidade do recurso especial pelo Supremo TribunalFederal, salvo em hipótese de flagrante ilegalidade ou abuso depoder.
2. Para dissentir do entendimento perfilhado nas instâncias deorigem, no sentido de que os representantes do Ministério Públicoseriam “inimigos capitais e políticos” do acusado, é imprescindívelo revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, inviávelna via processualmente restrita do habeas corpus, instrumentodestinado à proteção de direito demonstrável de plano, que nãoadmite dilação probatória.
3. Somente a existência de flagrante ilegalidade no ato impugnadoatacado autoriza a utilização do habeas corpus como meio deimpugnação. Não caracterizada qualquer das hipóteses previstasno art. 252 e 254 do CPP ou ainda não havendo indicativos deinimizade capital entre os representantes do Ministério PúblicoFederal e o paciente, não merece trânsito a impetração.
4. A causa de suspeição atinente à inimizade capital em relação auma das partes (art. 254, I, c/c 258, ambos do CPP) não se perfazcom a alegação indiscriminada de ser vítima de perseguiçãopolítica, exigindo-se indicação da plausibilidade de que o agenteatua movido por razões de ódio, rancor ou vingança. Esse quadronão se verifica se o agente público cinge-se a funcionar nos limitesde suas atribuições constitucionais.
5. Compete ao Ministério Público Federal, no uso de suasprerrogativas e funções constitucionais, promover, privativamente,a ação penal pública (art. 129, I, CF88). A construção de uma teseacusatória feita, por vezes, de maneira incisiva, ainda que possagerar desconforto no acusado, não pode pressupor a existência deinimizade capital com qualquer dos acusados ou configurarperseguição política.
6. A emissão de opiniões, fora dos autos, sobre temas políticos pormembro do Ministério Público está inserida na garantia do direitoà livre exposição de pensamento e expressão, garantia que nãopode ser sonegada aos procuradores/promotores pelo mero fato deserem agentes públicos.
7. É reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive emsede de repercussão geral, que o Ministério Público temlegitimidade para realizar, diretamente e por autoridade própria,atividades de investigação da prática de delitos, para fins depreparação e eventual instauração de ação penal. Nesse contexto, arealização de entrevistas com o intuito de confirmar fatosnoticiados em peça de informação criminal e identificar suaspossíveis testemunhas são absolutamente compatíveis com o poderinvestigatório atribuído ao Ministério Público Federal e, nessesentido, não revelam, em si mesmas, nenhuma ilegalidade. O alertapara dizer não se traduz ou se confunde com intimidação oucoação.
8. Eventuais conversas travadas por aplicativo de troca demensagens somente possuem valor probatório hábil a demonstrarpossível suspeição de agentes públicos no exercício de suasfunções se submetidas à perícia técnica. Além disso, o acesso aoconteúdo de conversas armazenadas em aparelhos celulares secompreende no âmbito da garantia constitucional à privacidade dascomunicações telefônicas (art. 5º, XII, da CF) e a sua utilização
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como prova somente se admitirá se realizado mediante prévia eregular autorização judicial.
9. Embora os crimes atribuídos ao paciente tenham como entelesado a Petrobras, sua condenação não tem nenhuma conexãocom a criação de fundo privado para administrar valoresprovenientes de acordo celebrado entre a Petrobras e oDepartamento de Justiça dos Estados Unidos.
10. Constitui ônus processual do impetrante do habeas corpusproduzir elementos documentais consistentes e pré-constituídos,destinados a comprovar as alegações veiculadas no writ, o qualpossui rito sumaríssimo e não comporta, portanto, dilaçãoprobatória. Assim, o pedido de compartilhamento de provasacauteladas no bojo de procedimento diverso em curso nesse STFé flagrantemente descabido, sobretudo quando o paciente sequerfigura como terceiro interessado.
PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DO HABEASCORPUS OU, NO MÉRITO, PELA DENEGAÇÃO DAORDEM.
I
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em benefício de
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, acoimando de ilegal o acórdão proferido pela 5ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Agravo Regimental no Resp n.º 1.765.139/PR, ali
interposto contra o acórdão proferido pelo TRF-4 que condenou o paciente à pena de 12 (doze)
anos e 01 (um) mês de reclusão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem dinheiro
envolvendo o apartamento 164-A, triplex, do Condomínio Solaris, localizado em Guarujá/SP.1
Contra o acórdão proferido em segunda instância, também foi interposto recurso
extraordinário, o qual foi inadmitido integralmente pelo Vice-Presidente do TRF-4, tendo LUIZ
INÁCIO LULA DA SILVA agravado dessa decisão. O julgamento do agravo está pendente de
julgamento pelo STF.
Agora, nesta impetração,2 a defesa de LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA reitera a
tese de suspeição dos Procuradores da República integrantes da Força Tarefa da Lava Jato,3
por terem atuado “nos procedimentos relacionados ao Paciente, com interesse manifesto, em
patente inobservância de inúmeros postulados, constitucionais e legais, que regem a atuação
ministerial em um ambiente civilizado e democrático”, pleiteando a anulação da ação penal
1 Fls. 2021/2410.2 Fls. 01/100.3 São eles(as): Deltan Martinazzo Dallagnol, Antonio Carlos Welter, Carlos Fernando dos Santos Lima, Januá-
rio Paludo, Isabel Cristina Groba Vieira, Orlando Martello, Diogo Castor de Mattos, Roberson Henrique Poz-zobon, Júlio Carlos Motta Noronha, Jerusa Burmann Viecill, Paulo Roberto Galvão de Carvalho, Athayde Ri-beiro Costa e Laura Gonçalves Tessler.
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desde o seu nascedouro.
Em extensa inicial, enumera atos que demonstrariam a suspeição dos membros do
Ministério Público em 1ª instância. São eles: (1) a realização de coletiva de imprensa e a
apresentação feita no formato power point, os quais tiveram como claro desígnio promover o
linchamento moral do paciente e sua falecida esposa; (2) as declarações do ex-procurador da
República Carlos Fernando dos Santos Lima, as quais denotam, em nítida utilização do direito
penal do inimigo, que a responsabilização criminal do paciente já estava cimentada; (3) “a
postagem feita pelo procurador da República Deltan Dallagnol, em sua página pessoal do
twitter, aduzindo (3.1) que a possível concessão de habeas corpus (HC 152752) em favor do
Paciente constituiria um cenário ‘que não é bom’ e (3.2) que oraria e jejuaria para torcer
que a ordem fosse denegada;” (4) a tentativa dos procuradores da República de criar uma
fundação de direito privado bilionária (R$ 2,5 bilhões) com recursos provenientes da
Petrobras; (5) diálogos entre os procuradores da Força-Tarefa e também entre o Procurador da
República Deltan Dallagnol e o ex-Juiz Sérgio Moro revelados pelo portal The Intercept
confirmando que o paciente foi vítima de conspiração.
Requer a defesa, liminarmente, que o paciente seja colocado em liberdade até o
julgamento definitivo da impetração, assim como determinada a suspensão da marcha
processual das Ações Penais n.º 5021365-32.2017.4.04.7000/PR (concernente ao sítio de
Atibaia) e 5063130-17.2016.4.04.7000/PR (referente à futura sede do Instituto Lula).
No mérito, pugnam os impetrantes pelo reconhecimento da nulidade ab initio da
Ação Penal n.º 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (caso triplex), estendendo-se os efeitos da
decisão aqui proferida a todos os procedimentos criminais instaurados em face do paciente, nos
quais exerceram múnus público os Procuradores da República acima nominados.
Por fim, aduzindo a necessidade de robustecer os elementos de prova pré-
constituída, pleiteiam o “compartilhamento das mensagens trocadas entre os procuradores da
República e outras autoridades que digam respeito, direta ou indiretamente, ao aqui Paciente e
que estejam acauteladas nos autos do Inquérito nº 4781”.4
Em decisão proferida em 29 de agosto de 2019,5 o Ministro Edson Fachin indeferiu
tanto o pleito liminar quanto o pedido de produção de provas, com apoio nos seguintes
fundamentos:
4 Fls. 99.5 Fls. 3530/3534.
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2. Cumpre assinalar, por relevante, que o deferimento da medida liminar, resultante doconcreto exercício do poder geral de cautela outorgado aos juízes e tribunais, somente sejustifica em face de situações que se ajustem aos seus específicos pressupostos: aexistência de plausibilidade jurídica (fumus boni juris), de um lado; e a possibilidade delesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora), de outro. Sem queconcorram esses dois requisitos, essenciais e cumulativos, não se legitima a concessão damedida liminar.
Cumpre observar que a Segunda Turma, no HC 164.493/PR, habeas corpus tambémimpetrado contra o ato ora indicado como coator e que, segundo as palavras da defesa,“está em tudo e por tudo relacionado” à presente impetração, indeferiu, por maioria devotos, a concessão de tutela provisória.
Sendo assim, prima facie, sem prejuízo de ulterior reapreciação da matéria no julgamentofinal do presente habeas corpus, indefiro a liminar.
3. Com relação ao pleito de produção de provas vinculadas a noticiados fatossupervenientes ao ato coator, consigno que se almeja a colheita de elementos probatóriosque não se encontram submetidos à administração e supervisão desta Relatoria, daautoridade imputada como coatora ou das instâncias antecedentes. Além disso, a defesanão noticia eventual submissão da matéria à autoridade judiciária competente.
Ademais, a jurisprudência desta Suprema Corte é firme no sentido de que o habeascorpus não comporta produção probatória, incumbindo ao impetrante a instrução dapetição inicial já com os documentos que, na visão da defesa, evidenciariam a liquidez dapretensão veiculada. Nesse sentido, menciono os seguintes precedentes de ambas asTurmas:
“Constitui ônus processual do impetrante do habeas corpus produzir elementosdocumentais consistentes e pré-constituídos, destinados a comprovar as alegaçõesveiculadas no writ, o qual possui rito sumaríssimo e não comporta, portanto, maior dilaçãoprobatória.” (HC 164414 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, SegundaTurma, julgado em 24/04/2019).
“A adequada instrução do habeas corpus, ação de rito sumário e de limitado espectro decognoscibilidade, é ônus do impetrante, sendo imprescindível que o mandamus venhaaparelhado com provas documentais pré-constituídas, as quais devem viabilizar o examedas alegações veiculadas no writ.” (HC 166543 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, PrimeiraTurma, julgado em 29/04/2019).
Na mesma linha: RHC 128305 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma,julgado em 06/11/2018; HC 156532 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, SegundaTurma, julgado em 28/08/2018; HC 154956, Relator(a): Min. GILMAR MENDES,Segunda Turma, julgado em 05/06/2018; RHC 132632 AgR, Relator(a): Min. CELSO DEMELLO, Segunda Turma, julgado em 21/06/2016.
Por tais razões, deixo de acolher o pedido de produção de provas.”
Dessa decisão, o paciente interpôs agravo regimental, sustentando a existência de
elementos a justificar a concessão de liminar para restabelecer sua plena liberdade, assim
como a necessidade de compartilhamento das provas carreadas no Inquérito n.º 4.871, em
curso nessa Suprema Corte.6
O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões, as quais foram juntadas às
fls. 3921/3948.
6 Fls. 3536/3534.
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Em seguida, foi aberta vista dos autos ao MPF para parecer acerca do mérito da
impetração.
É o relatório.
II – Preliminar de não conhecimento do habeas corpus
É pacífico o entendimento desse Supremo Tribunal Federal no sentido de ser
inadmissível, seja em sede de recurso extraordinário, seja pela via do habeas corpus, o
reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso especial pelo Supremo Tribunal
Federal, salvo em hipótese de flagrante ilegalidade ou abuso de poder.
Isso porque compete constitucionalmente ao Superior Tribunal de Justiça o
julgamento do recurso especial, “cabendo-lhe, enquanto órgão ad quem, o segundo, e
definitivo, juízo de admissibilidade, positivo ou negativo, deste recurso de fundamentação
vinculada” (HC 155080 AgR, Relatora: Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em
15/10/2018, DJe-223 Divulg 18-10-2018 Public 19-10-2018). Nesse sentido: HC nº 137.758-
AgR/SP, Segunda Turma, Rel. Ministra Rosa Weber, DJe de 2/3/17; HC nº 126.750/SPAgR,
Segunda Turma, Rel. Ministro Teori Zavascki, DJe 13/4/12; e HC nº 122.867/SP, Primeira
Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe 3/9/14.
Deveras, o exame da pretensão defensiva posta na impetração tem por pressuposto
lógico a revisão de juízo de admissibilidade do especial.
Não há, sob qualquer aspecto, como qualificar de teratológica ou manifestamente
contrária à jurisprudência do STF a decisão do STJ que rejeitou o recurso especial interposto
por LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, pois se está diante de negativa de seguimento ao
especial, por impossibilidade do reexame de fatos e provas (Súmula 7/STJ), guardando
consonância com a jurisprudência sedimentada desta Suprema Corte, no sentindo de ser
“inviável, em recurso extraordinário, o reexame do conjunto fático-probatório da causa.
Incidência da Súmula nº 279/STF’ (ARE 1.096.556-AgR/PE, Rel. Min. Dias Toffoli, 2ª
Turma, DJe 02.5.2018).
Denota-se, na verdade, que, ao procurar valer-se da via do habeas corpus para
submeter ao STF sua irresignação e, subsidiariamente, impugnar perante essa Corte o acórdão
proferido pelo Tribunal a quo, a defesa do paciente utiliza-se de um conhecido subterfúgio
para forçar a reanálise da condenação que lhe foi imposta, por órgão competente e de acordo
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com os princípios da legalidade e do devido processo legal. O réu, para exercer sua ampla
defesa deve aviar os recursos próprios, o especial e o extraordinário (os quais informa já ter
interposto), perante os tribunais superiores e aguardar a adequada análise de seu pleito.
Ademais, parte das supostas ilegalidades apontadas pelos impetrantes – em
especial a relativa à falta de isenção dos membros do Ministério Público em 1ª instância –
representam, em verdade, o seu inconformismo com a análise feita pelo Juízo sentenciante e
pelo TRF-4 a respeito do acervo probatório constante dos autos.
Em razão desse inconformismo, a defesa busca que o STF reexamine provas e
fatos, sob o pretexto de falta de isenção dos Procuradores da República integrantes da Força-
Tarefa Lava Jato, que seriam inimigos políticos do paciente.
No entanto, a defesa olvida que, para dissentir do entendimento perfilhado nas
instâncias de origem e afirmar que os representantes do Ministério Público são inimigos
capitais do acusado, é imprescindível o revolvimento do conjunto fático-probatório subjacente
aos autos, tarefa que, a toda evidência, é incabível na via estreita do habeas corpus, que, como
se sabe, é instrumento destinado à proteção de situação jurídica demonstrável de plano, que
não admite dilação probatória.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes dessa Suprema Corte:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL.DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO AO WRIT MANEJADONO STJ. DECISÃO RATIFICADA PELA TURMA JULGADORA. UTILIZAÇÃO DOHC COMO SUCEDÂNEO DE PROCEDIMENTO PREVISTO NA LEGISLAÇÃOORDINÁRIA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. RECURSO ORDINÁRIO AO QUAL SE NEGAPROVIMENTO. I – Com a submissão da decisão monocrática proferida pelo MinistroRelator ao crivo do colegiado competente, que a manteve em sua integralidade nojulgamento do agravo regimental, não há falar em violação ao princípio da colegialidade.II – Não se mostra possível, à primeira vista, constatar a parcialidade do magistrado tãosomente com base nos fundamentos lançados na decisão que decretou a prisão preventivado denunciado, uma vez que eles apenas retratam as razões de convencimento quelevaram à imposição da custódia cautelar. Impossível supor, a partir dos fundamentosdessa decisão, a existência de parcialidade ou inimizade capital entre o julgador e o orarecorrente. III – Os artigos 95, I, e seguintes do Código de Processo Penal dispõemexpressamente sobre a oposição da exceção de suspeição e seu processamento. Não sepode, portanto, substituir o procedimento previsto na legislação ordinária pela açãoconstitucional de habeas corpus. IV – Para se chegar à conclusão diversa à do acórdãoora impugnado, reconhecendo a suspeição do magistrado de piso, seria necessário orevolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, inviável na via estreita dohabeas corpus, que, como se sabe, é instrumento destinado à proteção de direitodemonstrável de plano, que não admite dilação probatória. V – Recurso ordinário aoqual se nega provimento. (RHC 120562, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI,Segunda Turma, julgado em 27/05/2014, DJe-113 DIVULG 11-06-2014 PUBLIC 12-06-2014).
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PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EMHABEAS CORPUS. ARGUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO DE MEMBRO DO MINISTÉRIOPÚBLICO. FATOS E PROVAS. 1. Para dissentir do entendimento perfilhado nasinstâncias de origem, no sentido de que a representante do Ministério Público seria“inimiga pessoal e política” do acusado, é imprescindível o revolvimento de fatos eprovas, o que não é possível na via processualmente restrita do habeas corpus (HC146.286, Rel. Min. Alexandre de Moraes e RHC 116.947, Rel. Min. Teori Zavascki). 2.Agravo regimental desprovido. (RHC 143692 AgR, Relator(a): Min. ROBERTOBARROSO, Primeira Turma, julgado em 15/10/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-240 DIVULG 12-11-2018 PUBLIC 13-11-2018).
Lembre-se que a lógica subjacente à sistemática dos recursos excepcionais impõe
que o exame levado a efeito pelos Tribunais Superiores fique adstrito às questões de direito, já
que os temas de índole fático-probatória exaurem-se com o julgamento nas vias ordinárias.
Mesmo sob a ótica estrita da admissibilidade do habeas corpus propriamente dito,
o remédio heroico não serve à reapreciação de fatos e provas, de modo que resta evidenciado
o não cabimento do presente writ.
Da própria argumentação dos impetrantes, pode-se verificar o claro intento de
forçar a reanálise do conjunto fático-probatório que ensejou a condenação do paciente. Por
diversas vezes são citados depoimentos de testemunhas, conteúdos de documentos e toda
sorte de afirmações relativas a uma suposta ausência de provas das acusações que pesam
sobre o defendente.
Aliás, como bem destacado na decisão proferida em 2ª instância, tem chamado a
atenção, em especial no âmbito dos procedimentos que guardam relação com a denominada
“Operação Lava-Jato”, a frequente utilização do habeas corpus para debater matérias
absolutamente estranhas ao incidente, que dizem respeito à instrução do processo e sem
qualquer repercussão na liberdade de locomoção, comportamento que não pode ser tolerado
pelos Tribunais Superiores Pátrios, muito menos por essa Suprema Corte.
O presente habeas corpus, portanto, carece dos elementos necessários e
suficientes para seu conhecimento.
III – Mérito da impetração
Acaso superadas a preliminar de mérito do não conhecimento, o que se admite
somente a título argumentativo – e até para ratificar a ausência de flagrante ilegalidade ou
teratologia –, cumpre consignar o acerto da decisão atacada, sobretudo porque a pretensão do
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paciente não encontra amparo na legislação.
III.1. Breves considerações sobre a tese de perseguição política
Desde que passou a ser processado nos autos da Ação Penal n.º 5046512-
94.2016.4.04.7000/PR, LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA vem insistentemente, não apenas nos
autos, mas também na imprensa e até mesmo perante a Organização das Nações Unidas
(ONU)7, defendendo ser vítima de perseguição política e de guerra jurídica (lawfare) por parte
do então juiz titular da 13a Vara da SJ/PR, Sérgio Moro, e dos Procuradores da República da
Força-Tarefa “Lava Jato”.
Nessa linha, a defesa, no presente HC e em outras impetrações, desenvolve o
raciocínio de que os Procuradores da República tramaram entre si e também com o ex-juiz
Sérgio Moro para, dentre outras coisas, e nas palavras dos próprios impetrantes: “(i) iniciar
uma investigação contra o Paciente com origem espúria; (ii) construir uma acusação que
eles próprios sabiam não ter qualquer vínculo real com a Petrobras ou a efetiva existência de
qualquer ato de corrupção ou de lavagem de dinheiro envolvendo o Paciente.”
Para fundamentar seu raciocínio, os impetrantes interpretam diversos atos
praticados pelos Procuradores da República e pelo então juiz federal que presidia os casos
afetos à “Operação Lava Jato” como indícios de um suposto sentimento de inimizade capital
tanto do magistrado quanto do órgão acusatório em relação ao ex-Presidente, assim como de
interesse pessoal dos agentes públicos no processo, o que levaria à sua suspeição na condução
da Ação Penal n.º 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, pelas causas previstas no art. 258 cc. art.
254, inciso I, ambos do Código de Processo Penal.
Consequentemente, a Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, e também as
demais deflagradas contra LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, padeceriam de nulidade absoluta,
sendo, portanto, cristalina a necessidade de restabelecimento da liberdade do acusado.
Conforme será melhor demonstrado adiante, a narrativa apresentada pelos
impetrantes apoia-se em ilações frágeis e que não encontram eco em provas.
Como se sabe, tanto a condenação, quanto a prisão provisória e a inelegibilidade
de LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA resultaram de procedimentos judiciais em que foram
asseguradas todas as garantias constitucionais aplicáveis à espécie, em especial o direito à
7 http://www.pt.org.br/defesa-de-lula-entra-com-reclamacao-no-stf-contra-descumprimento-de-moro/
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ampla defesa e ao contraditório, tendo sido confirmadas por mais de uma instância
jurisdicional.
Conforme antes já relatado, os elementos fáticos que supostamente indicariam a
inimizade capital dos Procuradores da Força-Tarefa “Lava Jato” em relação a LUIZ INÁCIO
LULA DA SILVA e o seu interesse pessoal na condução da Ação Penal nº 5046512-
94.2016.4.04.7000/PR, a macular sua imparcialidade e demonstrar perseguição ao paciente,
são os seguintes:
(a) A realização do espetáculo midiático que ficou conhecido como “Coletiva do
PowerPoint”; bem como de diversas outras entrevistas e falas públicas incriminatórias
durante o processo e fora dos autos;
(b) O tuíte publicado pelo Procurador da República Deltan Dallagnol aduzindo
que “oraria e jejuaria” para que esta Suprema Corte não concedesse ordem de habeas
corpus impetrado em favor do Paciente (Habeas Corpus nº 152.752/PR), além de outras
mensagens publicadas ou compartilhadas por Procuradores da FT “Lava Jato” em suas redes
sociais a fim de mobilizar pressão política sobre a jurisdição;
(c) O direcionamento das investigações em desfavor do Paciente; bem como a
instrumentalização da delação premiada, com a pressão exercida sobre investigados/acusados
para o fim de obter industrializados relatos que incriminassem o Paciente;
(d) A pretensa criação de um bilionário fundo privado com valores pertencentes à
Petrobras, que demonstra preocupante interesse dos membros da Força-Tarefa “Lava Jato” ao
superestimar uma narrativa que coloca o Paciente como “comandante máximo” de um
esquema ilícito na Petrobras;
(e) Diálogos entre os Procuradores da Força-Tarefa e também entre o Procurador
da República Deltan Dallagnol e o ex-Juiz Sérgio Moro revelados pelo portal The Intercept
confirmando que o paciente foi vítima de conspiração.
Passa-se, a seguir, a enfrentar pormenorizadamente cada uma das alegações
deduzidas pelo paciente, demonstrando-se, de modo sucessivo, (i) que elas não são passíveis
de serem analisadas em sede de julgamento de recursos extremos (o que conduz ao acerto da
decisão que rejeitou o recurso especial) e, em seguida, (ii) que não apresentam plausibilidade
jurídica (o que conduz ao indeferimento do presente habeas corpus).
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III.2. Da improcedência da tese de suspeição
III.2.a. Dos atos públicos supostamente tendenciosos à incriminação do acusado: acoletiva de imprensa convocada para informar sobre a denúncia oferecida contra opaciente e entrevistas concedidas pelo ex-Procurador Carlos Fernando dos Santos Lima
Um fato que, segundo os impetrantes, demonstraria a parcialidade dos
Procuradores da Força-Tarefa Lava Janto em relação a LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
consiste na entrevista coletiva em um hotel de Curitiba/PR durante a qual, sob o pretexto do
dever de informar a sociedade, promoveram “verdadeiro linchamento moral do Paciente e de
sua falecida esposa” por meio de uma apresentação sensacionalista e carregada de “pesadas
adjetivações contra o Paciente”, ilustrada por meio de “absurdo PowerPoint” que
estigmatizou a figura do paciente como criminoso.
Ainda de acordo com os impetrantes, outro exemplo claro da “obcecada
perseguição” imposta a LULA pelos Procuradores da Força-Tarefa Lava Jato, em Curitiba,
consiste nas “diversas entrevistas concedidas pelo então membro da Força-Tarefa, Carlos
Fernando Lima, ainda durante a fase pré-processual,”8 que nitidamente tiveram a intenção de
incriminar antecipadamente o agravante.
Acontece que nenhum ato praticado durante as mencionadas entrevistas é
passível de enquadramento nas hipóteses de impedimento ou suspeição previstas em lei.
Com efeito, as suspeições e impedimentos estão disciplinadas nos arts. 252 e 254
do Código de Processo Penal, cujo rol não contempla a utilização de linguagem inapropriada
pelos promotores/procuradores.
De início, há que se ter em mente que a denúncia é imputação, é acusação. Assim,
o Ministério Público deve, por obrigação legal, expor o fato criminoso com todas as suas
circunstâncias. E como parte acusadora do processo, não se espera propriamente
imparcialidade do Ministério Público.
Nesse sentido, causa surpresa que a ilustre defesa não compreenda os termos da
denúncia em seu sentido puramente técnico, procurando atribuir-lhe contornos de julgamento
moral, o que evidentemente não é compatível com a análise jurídica que deve merecer a peça
acusatória. O uso de adjetivo “ardil” ou da expressão “comandante máximo da organização
criminosa” são termos correntes na praxe criminal. Não só o seu uso não implica qualquer
desrespeito à pessoa do acusado, como a descrição dos fatos exige, se presentes tais
8 Fls. 53/54.
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características na execução do crime, que seja mencionada explicitamente.
Assim, o fato de terem, com base nos elementos de convicção até então colhidos,
identificado a função de liderança do acusado na prática delituosa e caracterizado um dado
comportamento do paciente como ardiloso não tem o condão de configurar suspeição dos
Procuradores da República que assinaram a denúncia.
Outra situação deve ser aqui distinguida: uma suposta inimizade capital do agente
público que expôs a denúncia aos jornalistas não se transfere automaticamente a quem apenas
ocupou assento à mesa ou assinou a denúncia. Assim, dos treze Procuradores da República
apontados na inicial da impetração, nem todos participaram da coletiva; dos que
participaram, nem todos usaram a palavra, e, dos que usaram a palavra, nem todos se
enquadram nas condutas que, na visão dos impetrantes, caracterizariam a suspeição.
Amizade íntima e inimizade capital são causas de suspeição essencialmente
subjetivas, e que, por isso, uma vez recusadas pelo juiz ou pelo membro do Ministério
Público, devem ser demonstradas especificamente em relação a cada um deles. A alegação
indiscriminada de que todos os que atuam na Força-Tarefa são inimigos capitais do
paciente, com todas as vênias, carece de seriedade, ou, melhor, de juridicidade.
Quanto à apresentação em powerpoint, em si, ela se situa dentro do contexto de
publicidade e de prestação de contas à sociedade que se exige de qualquer órgão público. A
“Operação Lava Jato” desnudou um grande e complexo esquema de corrupção e lavagem de
dinheiro implantado por agentes políticos, que trouxe imensos prejuízos, além dos
financeiros, às próprias instituições democráticas. A participação do ex-presidente LULA
nesse esquema (segundo a descrição contida na denúncia) é de extrema gravidade e, por isso,
entenderam os Procuradores merecedora de adequada divulgação.
Aliás, não por outro motivo é que tal conduta foi adotada como regra
procedimental desde o início da Operação Lava Jato, não sendo um comportamento isolado,
conforme se percebe dos termos da resposta à Exceção de Suspeição n.º 5051579-
40.2016.4.04.7000:
“Ressalte-se que, desde o início da Operação Lava-Jato, foram realizadas ao menos dozeentrevistas coletivas para a apresentação ao público de denúncias oferecidas peloMinistério Público Federal no caso em questão. A primeira delas, realizada no dia11/12/2014 contou com a participação do próprio Procurador-Geral da República, Dr.Rodrigo Janot, e teve lugar em um hotel situado na capital paranaense, em circunstânciase condições muito parecidas àquelas verificadas na entrevista coletiva em queapresentadas as acusações da ação penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000.”
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Na mesma seara, diferentemente do que pretende a defesa dos excipientes fazer crer, autilização de esquemas gráficos e apresentações em powerpoint é recorrente em todas asentrevistas coletivas relacionadas ao oferecimento de acusações pela Força-Tarefa daLava Jato, ato que tem por finalidade a transmissão das informações de modo mais efici -ente, ainda mais ao se considerar o complexo esquema criminoso investigado, tornando aentrevista mais didática e compreensível ao público”.
Note-se, ademais, que os fatos apresentados na atacada coletiva de imprensa
evidenciam, por óbvio, o interesse público em sua divulgação, obedecendo os critérios
enunciados na Recomendação nº 39/2016 do CNMP: atualidade, universidade e interesse
nacional.
A ênfase dada ao papel desempenhado pelo paciente, apontando-o como o centro
da organização criminosa, serviu, nas palavras dos Procuradores “para contextualizar e
delimitar sua conduta e o dolo com que agiu na acusação apresentada”. E, de fato, a análise
do texto da denúncia permite inferir, até pelo próprio cargo que ocupava, a proeminência
exercida pelo paciente. Trata-se de circunstâncias da conduta criminosa que devem ser
narradas, sob pena de inépcia, sobretudo porque os delitos eram praticados por meio de
interpostas pessoas, sem que tenha ato ilícito diretamente praticado pelo ex-Presidente da
República.
Assim, percebe-se que não desbordou a apresentação efetuada na coletiva de
imprensa da narrativa constante da peça acusatória, não sendo possível, portanto, extrair daí,
dessa narrativa da peça acusatória, a inimizade capital pretendida pela impetração.
A linguagem mais enfática, acessível apenas aos iniciados, não é compatível com
o alcance que o processo penal deve ter. Ainda que eventualmente se possa criticar a forma ou
a linguagem utilizada na referida entrevista coletiva, a apresentação em powerpoint não nada
mais fez do que trazer para uma compreensão leiga a difícil construção jurídica que domina o
nosso Direito e permeava a essência do complexo esquema ilícito desvendado. Tal fato parece
distante de caracterizar promoção de algum interesse pessoal, político ou ideológico contra o
ex-Presidente. Ao contrário, afigura-se mais como forma adequada de prestação de contas à
sociedade, o que considerando a notoriedade do denunciado tem suas justificativas.
Como acréscimo e por extremamente pertinentes ao deslinde da controvérsia, traz-
se à colação as ponderações dos Desembargadores Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos
Laus na ocasião do julgamento do Habeas Corpus n.º 5004195-95.2017.4.04.0000/PR:9
9 Interposto pelo paciente contra a decisão que rejeitou a Exceção de Suspeição n.º 5051579-40.2016.4.04.7000
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No caso dos autos, o que temos? Temos esta iniciativa do Ministério Público de levar aoconhecimento da sociedade as denúncias que estava oferecendo, as investigações que es-tava realizando e eventualmente o cometimento de algum excesso por parte da força-tare-fa do Ministério Público ao referir fatos ou fazer ilações que desbordavam das denúnciasentão oferecidas. É referido que o próprio Min. Teori Zavascki, que havia se manifestadonesse sentido, e é bastante possível que sim, este excesso tenha-se verificado. A questãoé se saber quais são os efeitos desse excesso, em algumas palavras dito midiático, da-quela apresentação. Os efeitos desse excesso seriam tornar os procuradores suspeitospara atuar no caso? Os efeitos desse excesso seriam submeter os procuradores a algumtipo de sanção disciplinar? Os efeitos desse excesso poderiam se dar também na esfera cí-vel? Sabemos que as instituições brasileiras estão abertas aos cidadãos. Neste final de se-mana mesmo, houve uma publicação também relativa ao paciente e há notícias nos jor-nais de que o paciente entraria ou teria entrado com uma ação contra aquele órgão de im-prensa. Todos nós temos direitos de acesso ao Judiciário. O paciente ingressou com umpedido no Conselho Nacional do Ministério Público contra justamente essa exposição fei-ta pela força-tarefa. Não houve naquele órgão ao qual cabe a correição dos Procuradoresnenhum provimento favorável ao paciente. O Magistrado, de outro lado, o Magistrado depiso, ao analisar essa exceção, adequadamente fundamentou a sua decisão no sentido darejeição, apontando que o Ministério Público é parte, o Ministério Público, portanto,pode requerer a condenação, pode fazer as fundamentações e as manifestações queentender, e que se houver algum excesso fora dos autos isso necessariamente não tra-rá suspeição por parte dos Procuradores. Destacou o Magistrado, na origem, que nãohá nenhum daqueles indicadores de impedimento ao funcionamento no processo, traba-lhados pelos artigos 252 e 254 do CPP, não há a evidência ali de que além de eventual ex-cesso de linguagem ou de motivação os Procuradores tenham qualquer razão pessoal con-tra o paciente que esteja motivando as suas ações. Não há nenhum elemento no sentido deque a realização das investigações e o ajuizamento das denúncias esteja sendo motivadosenão pelo cumprimento das funções institucionais do Ministério Público. E aqui cabe,quem sabe, a retomada de uma frase que volta e meia é trazida à tona no sentido de quenem tudo que incomoda é inconstitucional.”
Evidentemente que, em se tratando de um ex-Presidente da República envolvido
em escândalo criminal com prejuízos de corrupção estimados pela própria Petrobras, à época
do oferecimento da denúncia, em cerca de seis bilhões de reais, a repercussão da coletiva foi
mais intensa, mas não se pode extrair daí uma ação preordenada a condenar publicamente o
acusado, como pretende a impetração, até porque a denúncia (e sua apresentação, por suposto)
embasou-se em provas colhidas ao longo de profunda investigação e que se mostraram
suficientes não só à convicção ministerial, mas também para o seu recebimento pelo
Judiciário.
Como lucidamente pontuado pelo Desembargador Federal Leandro Paulsen, no
julgamento do HC n.º 5004195-95.2017.4.04.0000/PR, podem se apresentar “alguns excessos
sim por parte da acusação, é o que parece haver nesta hipótese, assim como muitas vezes
parece que há alguns excessos fora dos autos e mesmo no aviamento de recursos por parte
das defesas”, mas cabe ao Poder Judiciário permanecer atento e “sereno na análise
dessas questões para ver se isso realmente compromete o andamento do processo, ou não.
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No caso em questão, não se tem evidência de que o Ministério Público esteja extrapolando
as suas funções e que eventuais excessos possam comprometer a função institucional do
Ministério Público.”
Aliás, nesse mesmo contexto de conferir publicidade e transparência à
investigação, atribuição que decorre do próprio sistema jurídico, é que foram concedidas, pelo
Procurador da República Carlos Fernando Lima, hoje aposentado, entrevistas à imprensa.
Do que se extrai dos trechos reproduzidos pela defesa às fls. 54/56, não se
constata a presença de antecipação de juízo de valor a respeito de apurações em andamento.
Pelo contrário, as informações prestadas pelo Procurador da República Carlos Fernando às
revistas Época, Exame, Veja e ao Jornal de Brasília trazem nada mais do que a reprodução de
fatos e hipóteses constantes de medidas cautelares já deferidas no âmbito da Operação Lava
Jato, nas quais o agravante é investigado.
Com efeito, o mencionado Procurador da República, no exercício de suas funções
e como então porta-voz da Força-Tarefa, apenas deu transparência às informações constantes
de peças públicas, sempre frisando o caráter provisório e não conclusivo da avaliação.
O fato de mencionar que a linha investigativa apontava para a responsabilidade do
paciente não extrapola o dever de imparcialidade e respeito à presunção de inocência que
deve permear a atuação do parquet, porquanto tal conclusão já constava do pedido cautelar
formulado pelo Ministério Público no âmbito do procedimento investigatório criminal em
desfavor do agravante. Não é possível extrair dessa afirmação contornos de parcialidade.
A afirmação, em entrevistas à imprensa, do suposto poder de LUIZ INÁCIO
LULA DA SILVA de comando dos crimes havidos na Petrobras tem, por sua vez, possível
pertinência com a eventual caracterização dos benefícios supostamente recebidos das
empreiteiras como propina. Portanto, afirmar o fato não é, por evidente, causa de suspeição ou
de impedimento da Acusação.
Com efeito, admitir-se, irrestritamente, a tese defensiva significaria colocar
obstáculos à atuação do Ministério Público Federal, o que não se afeiçoa às suas prerrogativas
e funções constitucionais, como promover, privativamente, a ação penal pública (art. 129, I,
CF88). E, sendo o órgão ministerial o titular da ação penal, não se pode imaginar que ofereça
denúncia em desfavor do paciente sem que esteja convicto da sua responsabilidade criminal.
Sob esse enfoque, não é razoável exigir, como pretende a defesa, isenção daquele
que tem o dever, por comando constitucional, de promover a ação penal. A construção de uma
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tese acusatória feita, por vezes, de maneira bastante incisiva, ainda que possa gerar
desconforto no acusado, não pode pressupor a existência de inimizade capital com qualquer
dos acusados ou configurar, como alegado reiteradamente pela defesa, perseguição política.
À idêntica conclusão sobre o excesso de linguagem do órgão acusatório chegou
esse Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Arguição de Suspeição nº 89:
ARGUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO. PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA.INIMIZADE CAPITAL. ACONSELHAMENTO DAS PARTES. INOCORRÊNCIA.AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A causa de suspeição atinente à inimizadecapital em relação a uma das partes (art. 254, I, c/c 258, ambos do CPP) não se perfazcom mera alegação de animosidade, exigindo-se indicação da plausibilidade de que oagente atua movido por razões de ódio, rancor ou vingança. Esse quadro não se verificase o agente público cinge-se a funcionar nos limites de suas atribuições constitucionais,mantida, por óbvio, a possibilidade de controle judicial, a tempo e modo, do conteúdo dosatos praticados. 2. Por sua vez, a hipótese de suspeição associada ao aconselhamento dealguma das partes (art. 254, IV, c/c 258, ambos do CPP), além de pressupor que o agentepúblico revele sua posição acerca do objeto de eventual demanda, desafia a participaçãopessoal daquele que se aponta como suspeito, o que, no caso concreto, não se verifica. 3.Agravo regimental desprovido.
As considerações feitas pelos Ministros, na ocasião, foram bem delineadas em
notícia publicada no site do Supremo Tribunal Federal,10 de cujo teor se extraem os seguintes
excertos:
Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento, nasessão desta quarta-feira (13), a agravo regimental contra decisão do ministro EdsonFachin que, no final de agosto, negou Arguição de Suspeição (AS 89) suscitada peladefesa do presidente da República, Michel Temer, contra o procurador-geral daRepública, Rodrigo Janot. Os ministros presentes à sessão entenderam que não foicomprovada a existência de inimizade capital para permitir a declaração de suspeição doprocurador-geral.
(…)
Para o ministro Alexandre de Moraes, não ficou provado nos autos a caracterização deinimizade capital que possa levar à declaração de suspeição do procurador-geral. Segundoo ministro, eventuais excessos verbais que possam ter ocorrido por parte de Rodrigo Janotnão justificam a sua suspeição, se não se demonstrar a existência de aversão ou ódio,provando que a conduta persecutória apontada realmente existiu.
Os fatos apontados pela defesa do presidente da República não configuram causa desuspeição nos moldes previstos no Código de Processo Penal, salientou em seu voto aministra Rosa Weber. As alegações da defesa, no sentido da caracterização da inimizadecapital e do aconselhamento a qualquer das partes, como bem esclarecido pelo relator,não ficaram configuradas nos autos, disse a ministra.
Ao também acompanhar o relator pela rejeição da arguição, o ministro Luiz Fux lembrouque o procurador-geral da República é o único integrante do MPF que pode investigar eprocessar o presidente da República. Para o ministro, a atuação de Rodrigo Janot semprese pautou nos limites da impessoalidade e de suas atribuições institucionais. Frases de
10 Rejeitado pedido de suspeição de Rodrigo Janot para atuar em investigações contra o presidente daRepública. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=355566>.
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efeito, para o ministro, são ditas a todo instante, mas o que o procurador quis dizer é queenquanto houver indícios de crimes, haverá investigação.
O mesmo entendimento foi declarado pelo ministro Ricardo Lewandowski. Para ele, oprocurador-geral, exercendo sua responsabilidade constitucional, denunciou o presidenteda República, dentro do seu âmbito de competência. Quanto à utilização de expressão umpouco mais inusitada, o ministro lembrou que tal frase também foi endereçada a outrosinvestigados e denunciados, não sendo o presidente da República o único alvo, sendo queoutros políticos e partidos foram igualmente atingidos.
O ministro Celso de Mello disse que quem age exercendo legitimamente suas funçõesinstitucionais não pode ser qualificado como inimigo capital. O decano disse não ver, nosautos, qualquer 'patologia jurídica' que aponte hipótese de abuso de poder. Além disso, oministro lembrou que o procurador-geral da República é o promotor natural do presidenteda República nas infrações penais a ele atribuídas.
Também acompanharam o relator o ministro Dias Toffoli e a ministra presidente CármenLúcia. Não participaram do julgamento os ministros Gilmar Mendes e Luís RobertoBarroso.
Nessa perspectiva, não se verifica qualquer indicativo de suspeição ou de
inimizade capital entre as partes, inexistindo, pois, mácula na acusação.
III.2.b Mensagens publicadas por Procuradores da FT “Lava Jato” em suas redes sociais
Também não representa indicativo de suspeição dos Procuradores eventuais
manifestações que tenham publicado fora dos autos, em redes sociais. Isso porque o exame
das declarações manifestadas nas redes sociais, cujo teor está ilustrado na inicial deste
Habeas Corpus, reflete estarem os referidos membros do Ministério Público Federal
meramente externando suas opiniões acerca de alguns dos julgamentos realizados por esse
STF em processos relativos à “Operação Lava Jato”.
Com efeito, boa parte dos integrantes do Ministério Público e da comunidade
jurídica em geral entende ser constitucional a execução provisória da pena, uma vez
confirmada por tribunais em julgamento de segunda instância. Esta Procuradoria-Geral da
República, inclusive, defendeu essa tese em diversas oportunidades distintas, inclusive no
julgamento do HC n.º 152.752/PR, referido pelo Procurador da República em postagem de
Deltan Dallagnol na rede social Twitter.
Dentre os argumentos que sustentam a aduzida constitucionalidade da medida, um
deles é de ordem pragmática, relativo ao risco geral de impunidade quando se exige o
esgotamento de todas as vias recursais possíveis – principalmente em um sistema processual
complexo como é o brasileiro – para o início da execução da pena. Externar esse risco, por
óbvio, não pode ser entendido como um envolvimento pessoal com o caso concreto. Na
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realidade, o que ocorreu nos casos veiculados na inicial foi a mera exposição de pensamentos,
típica de sociedades democráticas.
É curioso, aliás, que, na própria postagem inicialmente questionada na inicial, o
Procurador da República afirma estar em risco a punição “[à] maior parte dos corruptos de
diferentes partidos, por todo o país, […]”, e os impetrantes pretenderem ilustrar essa
afirmação evidentemente genérica do Procurador – ressalte-se feita fora dos autos – como
caracterizadora de perseguição política individualizada ou envolvimento pessoal com a causa.
Olvida-se, convenientemente, a defesa de que os Procuradores da República, como cidadãos,
também gozam do direito à livre exposição de pensamento e expressão, garantias que não lhes
pode ser sonegadas por serem agentes estatais.
Nesse sentido, é salutar a reflexão feita pela então Procuradora-Geral da
República, Raquel Dodge, em pronunciamento, na qualidade de Presidente do Conselho
Nacional do Ministério Público,11 sobre a liberdade de expressão dos membros do Ministério
Público: “Todas as vezes, em qualquer democracia, que se avança no sentido de estabelecer a
censura prévia ou a inibição do direito de crítica assumindo que estão ofendidas pessoas que
nem se manifestaram, podemos estar em um ambiente que acaba diminuindo o vigor da
democracia liberal que este país assumiu e quer ser”.
Na ocasião, manifestando-se em sentido similar ao que aqui se defende em torno
do dever dos membros do Ministério Público de dar publicidade a seus atos, prestar
informações à sociedade e, assim, fomentar o debate democrático, a Presidente do CNMP
asseverou: “se há uma instituição neste país preordenada a fazer as imputações, a fazer a
crítica, é o Ministério Público”.
Finalmente, o jejum e a oração são atividades comuns de pessoas religiosas,
independentemente de suas designações, tipicamente praticadas em diversas situações. A
impetração não deixa claro em que medida o exercício dessas atividades implicaria suspeição
do Procurador da República em questão.
É preciso distinguir a emissão de opinião sobre temas políticos pelo membro do
Ministério Público do exercício da atividade político-partidária ou, como insiste a defesa, de
perseguição política.
11 Sessão ocorrida em 15/05/2018, quando o Conselho Nacional do Ministério Público começou a analisar pro-cesso administrativo disciplinar contra o Procurador Regional da República Carlos Fernando dos SantosLima, da Força Tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, no Paraná.
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III.2.c Alegação de direcionamento das investigações em desfavor do paciente
Um dos fatos trazidos neste HC para tentar demonstrar a alegação de parcialidade
dos Procuradores da República consiste em suposta coação de testemunhas arroladas na ação
penal referente ao Sítio de Atibaia. De acordo com os impetrantes, na tentativa de produzir a
qualquer custo uma prova incriminatória contra o paciente, ainda na fase pré-processual,
quatro Procuradores da Força Tarefa Lava Jato teriam (i) se deslocado até o Sítio Santa
Bárbara, em Atibaia/SP “e, em clara subversão e direcionamento da investigação,”
“diretamente realizaram perguntas a respeito do Paciente” às pessoas que ali se encontravam;
e (ii) “conduziram coercitivamente, sem mandado de intimação, a esposa e o filho de oito
anos do Sr. Lietides.”12
Aqui, mais uma vez, percebe-se que a defesa cria uma situação de ilegalidade para
tentar macular a persecução penal.
Primeiramente, é amplamente sabido e, inclusive, reconhecido pelo Supremo
Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, que o Ministério Público tem a legitimidade
para realizar, diretamente e por autoridade própria, atividades de investigação da prática de
delitos, para fins de preparação e eventual instauração de ação penal. Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO NO RECURSOEXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL DA CONTROVÉRSIA JÁ DECIDAPELO STF. PODER DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.POSSIBILIDADE DESDE QUE RESPEITADOS DIREITOS E GARANTIAS DAPESSOA INVESTIGADA (TEMA 184). AGRAVO DESPROVIDO. 1. A controvérsia arespeito da legitimidade constitucional do poder de investigação do Ministério Públicoestá pacificada no âmbito desta Corte. Em 14/5/2015, o Plenário, ao concluir ojulgamento do RE 593.727/MG, fixou a seguinte tese: “o Ministério Público dispõe decompetência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigaçõesde natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquerindiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seusagentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativasprofissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94,artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo dapossibilidade sempre presente no Estado democrático de Direito do permanente controlejurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticadospelos membros dessa instituição”. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (ARE1005861 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgadoem 22/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-153 DIVULG 31-07-2018 PUBLIC01-08-2018).
Desse modo, não há impedimento legal à diligência realizada pelos Procuradores
no Sítio Santa Bárbara.
12 Fl. 68.
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Em segundo plano, tem-se que as alegações de coação e condução coercitiva a
testemunhas não ficaram provadas pelos documentos que instruem o habeas corpus, ação de
rito sumário que deve ser acompanhada de provas documentais pré-constituídas, as quais
devem viabilizar, de pronto, o exame das alegações veiculadas no writ.
Com efeito, não se extrai dos depoimentos de Élcio Pereira Vieira e Lietides
Pereira Vieira, transcritos às fls. 68/74, conduta que extrapole os limites de normalidade de
uma diligência investigativa, que, por obvio, gera naturalmente desconforto e
constrangimento de quem é entrevistado.
Em que pese o esforço da defesa, é fato que, do teor dos mencionados
depoimentos, não se pode identificar a alegada truculência e direcionamento dos Procuradores
da Força-Tarefa. Na verdade, a situação ali delineada pelos funcionários que trabalhavam no
sítio retrata essencialmente que: (i) membros do Ministério Público Federal realizaram
diretamente diligência investigativa no interesse de procedimento investigatório devidamente
instaurado (PIC nº 1.25.000.003350.2015-90); (ii) policiais federais devidamente
identificados e caracterizados deram suporte à atividade investigativa; (iii) tal diligência
culminou na entrevista de pessoas que possivelmente tinham conhecimento dos fatos
investigados; (iv) o entrevistado foi cientificado quanto aos direitos que lhe eram assegurados,
sendo alertado para que fosse dita a verdade, indicando-se, inclusive, a possibilidade de
incorrer no crime de falso testemunho.
Destaque-se, finalmente, que a legalidade da medida adotada pelo MPF já foi
reconhecida, em 2016, pelo Conselho Nacional do Ministério Público, no âmbito da
Reclamação Disciplinar nº 1.00275/2016-36, bem como pela Corregedoria do Ministério
Público Federal:
Trechos da decisão proferida na Sindicância nº 1.00.002.000039/2016-27 daCorregedoria do MPF:
(…) A partir dos documentos que instruem a presente sindicância, bem como dasinformações prestadas, não vislumbro, no episódio narrado pelos Representantes,nenhuma falta disciplinar que possa ser atribuída aos membros do Ministério PúblicoFederal que atuam no procedimento investigatório criminal n° 1.25.000.003350-2015-90.
Tenho que as medidas adotadas no aludido feito, dentre cias, a realização de entrevistascom o intuito de confirmar fatos noticiados em peça de informação criminal e identificarsuas possíveis testemunhas, são absolutamente compatíveis com o poder investigatórioatribuído ao Ministério Público Federal e, nesse sentido, não revelam, em si mesmas,nenhuma ilegalidade.
Não me convenço, por outro lado, de que a entrevista específica conduzida, pelosRepresentados revele algum conteúdo abusivo ou violação de dever inerente ao cargo.
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Lembro que a coação ou o constrangimento que a representação alega haver sidopraticado pressupõe medida que seja de alguma forma ilegal ou abusiva, o que nãoocorre quando se trata apenas do alerta de que, caso a pessoa venha a ser chamada adepor como testemunha, poderá sofrer consequências indesejáveis na hipótese emque se demonstre haver omitido a verdade.
O que se nota, em síntese, no caso, é a intenção dos Representantes de dar ao episódiodimensão que não possui, colocando ênfase na forma talvez pouco usual como aentrevista foi conduzida, de modo a desviar a atenção do fato de que o seu conteúdo nadatem de irregular.
Com essas considerações, determino o arquivamento da presente sindicância, dando-seciência aos interessados, bem como ao Corregedor Nacional do Conselho Nacional doMinistério Público.
Ementa e trechos do Acórdão proferido na Reclamação Disciplinar nº 1.00275/2016-36 do CNMP:
RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE EMDILIGÊNCIA TRAVAM CONTATO E ESTABELECEM CONVERSA COM POSSÍVELTESTEMUNHA, DIRIGINDO-LHE PERGUNTAS SOBRE FATOS APURADOS EMPROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. ABUSO OU VIOLAÇÃO ADEVER FUNCIONAL NÃO CONFIGURADOS. ARQUIVAMENTO.
1. Instauração de procedimento investigatório criminal, no âmbito do qual se deram asfaltas disciplinares atribuídas aos reclamados, com observância do disposto na Resoluçãonº 13, de 2 de outubro de 2006, do Conselho Nacional do Ministério Público, queregulamenta o art. 8º da Lei Complementar 75/93 e o art. 26 da Lei n.º 8.625/93,disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação doprocedimento investigatório criminal, e dá outras providências.
2. O membro do Ministério Público pode, na condução das investigações, fazer oudeterminar vistorias, inspeções e quaisquer outras diligências, bem como realizar oitivaspara colheita de informações e esclarecimentos (artigo 6ª, incisos I e VIII). De igualforma, o artigo 8º, inciso V, da lei Complementar nº 75/93 permite ao membro doMinistério Público, para o exercício de suas atribuições, nos procedimentos de suacompetência, realizar inspeções e diligências investigatórias.
3. Contato travado e conversa entabulada com possível testemunha, mediante abordagemque não se revelou desarrazoada. Indagações formuladas desprovidas de caráterintimidatório. Autodeterminação da suposta vítima que não restou abalada pelasperguntas que lhe foram dirigidas, as quais recaíram sobre o conhecimento dela sobrefatos e/ou pessoas.
4. Ausência de mal injusto e grave a que estaria exposta suposta testemunha, em caso deafirmação falsa ou negativa da verdade. Alerta para dizer a verdade é lícito. Não se traduzou se confunde com intimidação ou ameaça, quer atribuída ao membro do MinistérioPúblico, quer ao advogado que, mesmo no exercício de ministério privado, prestatambém serviço público, como participante da administração da justiça.
5. Coação no curso do processo não configurada, diante da falta de emprego de ameaça –muito menos grave –, elemento normativo do tipo penal (artigo 344 do CP).
6. Atuação suficiente do órgão disciplinar de origem. Artigo 80, parágrafo único, doRICNMP.”
“(…) Dessa maneira, não há vedação legal ou regulamentar à diligência direta epessoalmente empreendida pelos reclamados; ou melhor, as normas aplicáveis sãopermissivas à realização da questionada diligência, quando e se caracterizada pelopropósito instrutório, que se evidencia, no presente caso: identificar testemunhas e/ou
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colher outros elementos de convicção/informativos, para apurar a ocorrência de infraçõespenais de natureza pública. A rigor, o próprio conceito de diligência exprime a ideia deprática de ato externo, fora da sede.
Outrossim, não se verifica atuação funcional desarrazoada na aproximação e abordagemde possível testemunha pelos reclamados. Travou-se contato, entabulou-se conversa.Pelas próprias razões que a motivaram, era natural a formulação de indagações ou que odiálogo apresentasse certo viés perscrutador, sem que isso confira caráter intimidatório àsperguntas formuladas.
Tampouco significa que a pessoa de EDIVALDO PEREIRA VIEIRA tenha sidosubmetida à “interrogatório informal”. Nenhuma indagação lhe foi feita com o intuito deconstrangê-lo. As perguntas recaíram sobre o conhecimento dele sobre fatos (…o senhorjá trabalhou no sítio Santa Bárbara?) ou pessoas (O senhor já conheceu o senhor JonasSuassuna?; O senhor já fez algum pedido pra ele em algum lugar?).
(…)
Assim, depreende-se manifesta a ausência de mal injusto e grave a que estaria expostoEDIVALDO PEREIRA VIEIRA, na eventual hipótese alegada de ter que fazer ou nãofazer algo contrário à sua vontade. A propósito, os reclamantes sequer declinaram as“consequências negativas” às quais se referem na representação; e pelo contexto fático,são as da lei, em caso de afirmação falsa ou negativa da verdade.
(…)
O alerta para dizer a verdade é lícito. Não se traduz ou se confunde com intimidação oucoação, quer atribuída ao membro do Ministério Público, quer ao advogado que, mesmono exercício de ministério privado, presta também serviço público, como participante daadministração da justiça (artigo 133 da Constituição da República e artigo 2º, § 1 º, da Leinº8.906/94). Nesse sentido: Inexiste grave ameaça ou violência na conduta do advo gadoque apenas adverte testemunha de que deveria dizer a verdade, sob pena de ser presa”(RT 598/293).
Em decorrência, a coação no curso do processo cogitada pelos reclamantes seesvai/dissipa completamente, diante da demonstrada ausência de emprego de ameça –muito menos grave –, elemento normativo do tipo penal (artigo 344 do CP).”
Quanto à entrevista de Rosilene da Luz Ferreira, verifica-se, mais uma vez, a
deslealdade da defesa em retratar os fatos, na busca desenfreada de ver anulada as ações
penais deflagradas contra o agravante.
Ocorre que, ao contrário do quanto exposto na impetração, a forma com que
conduzida a entrevista de Rosilene da Luz Ferreira passa longe de configurar condução
coercitiva. Nesse aspecto, vale trazer à baila os esclarecimentos prestados pela Força Tarefa
Lava Jato ao então juiz Sérgio Moro, que presidia a Ação Penal nº 5021365-
32.2017.4.04.7000:
(...). No dia 04 de março de 2016, foram realizadas diligências de busca e apreensão nodenominado Sitio Santa Barbara, em Atibaia, em cumprimento a ordem exarada por esseJuízo. Na ocasião, aproveitou-se para proceder à oitiva, caso viável, de três testemunhasanteriormente identificadas em razão de diligências anteriores encetadas pelo grupo deprocuradores e cujos depoimentos, ainda pendentes, poderiam auxiliar no esclarecimentode aspectos essenciais da investigação: a) da cozinheira do sítio, cuja identificação até
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então era apenas de Lena; b) do(a) caseiro(a) do sítio próximo ao Santa Barbara ondeestava instalada uma antena da empresa OI, cuja identificação era desconhecida; c) deEDIVALDO, pretenso pedreiro ou eletricista que teria auxiliado na obra, cuja tentativa deoitiva anterior restou infrutífera, tendo em vista que houve recusa em prestar depoimentoconforme referido no item anterior.
Como mencionado anteriormente, em todas as denominadas diligências de campoencetadas pelo Ministério Público, sempre se buscou minimizar os efeitos que essasdiligências causam na rotina das pessoas. Para tanto, utiliza-se o método menos invasivode entrevista e tomada de depoimentos, colhendo-os muitas vezes o depoimento ouinformação no próprio local e evitando-se, com isso, causar transtornos dedeslocamentos, seus respectivos custos ou exposição desnecessária.
Dito isso, tem-se que, de modo geral, o procedimento para a coleta de depoimentospoderá se dar no local escolhido pela testemunha em comum acordo com o MPF,podendo ser sua residência, seu local de trabalho, enfim, qualquer lugar compatível edigno, desde que minimamente formalizado e adotadas as advertências e compromissoslegais. Normalmente, esses depoimentos são tomados, gravados em áudio ou em áudio evídeo, lavrando-se apenas o respectivo temo de depoimento. Tal é a dinâmica impostapelas diversas orientações normativas do CSMPF e do CNMP, a que já se referiuanteriormente.
Assim, esse procedimento também foi observado para a testemunha ROSILENE DA LUZFERREIRA. Deste modo, no dia 04/03/2016, após a entrevista e identificação realizadacom o Procurador Januário Paludo, já por volta das 10 horas da manha, e na presença deseu companheiro ou esposo, esta se dispôs a formalizar voluntariamente o depoimento.Todavia o equipamento onde o áudio poderia ser gravado (telefone funcional) apresentavapouca carga, o que poderia inviabilizar a tomada de depoimento. Então foi proposto que odepoimento fosse tomado à tarde na própria residência da testemunha, tendo estaponderado que nesse horário trabalharia em outro local e que, para ela própria, seriamelhor que o depoimento fosse realizado ainda pela parte da manhã.
Como a equipe comandada pelo Delegado Mauat e encarregada da tomada dosdepoimentos somente encerraria os trabalhos no sítio após o meio dia, a testemunha sedispôs a comparecer na base operacional da PF no sítio Santa Barbara para formalizar eprestar depoimento ainda pela manhã, desde que pudesse se deslocar na viatura da PolíciaFederal até o local onde seria colhido o depoimento e nela ser trazida de volta a suaresidência a tempo de não se atrasar para o trabalho.
Esses são os fatos. Tendo havido comparecimento voluntário, não há que se falar emcondução coercitiva, mesmo porque recusa não houve por parte da testemunha em prestardepoimento, mas sua concordância com a adoção de procedimento que lhe era maisfavorável.
Quanto à presença ou não de menor no Sítio Santa Barbara, ainda que não haja certezapor parte do MPF quanto a esse fato, trata-se de decisão da genitora dentro do legítimoexercício do pátrio poder, sem nenhuma ingerência do Ministério Público ou dos policiaisde apoio. Ele - o menor - poderia ter permanecido junto com o esposo ou companheiro,por decisão exclusiva de seus genitores.
A segunda testemunha entrevistada pelo Procurador Januário Paludo no dia dos fatos foiDébora Bruna dos Santos Farina, caseira do sítio onde estava situada a antena, quepreferiu ser ouvida na sua residência, caso em que a equipe do Delegado Mauat para lá sedeslocou já pela parte da tarde, tendo tomado o depoimento. Ou seja, o mesmoprocedimento – de deslocamento para a tomada de depoimento – poderia ser adotado emrelação a Rosilene, se assim tivesse optado.
A terceira testemunha a ser ouvida naquela data, EDIVALDO não foi encontrada.Segundo informação colhidas com os vizinhos, ela se encontrava em casa, mas não quis
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atender. Em respeito à inviolabilidade do domicílio, o depoimento não pôde ser tomado,tendo sido requerida a providência posteriormente possivelmente já no bojo dos autos deInquérito Policial nº 5006597-38.2016.4.04.700.
Conclusivamente, ao contrário do que afirmado por Lietides Pereira Vieira(evento 1064, VÍDEO6).
Como se vê, não houve nenhuma coação ou condução coercitiva da testemunha Rosilene
da Luz Ferreira e de seu filho, tendo o procedimento se pautado pelas normas legais.
Em verdade, o que se nota, no caso, é a intenção dos impetrantes de criar situações
altamente reprováveis, em tese, protagonizadas pelos Procuradores da Força-Tarefa, valendo-se da
percepção de pessoas leigas para deturpar a verdade dos fatos e “dar ao episódio dimensão que não
possui”, como bem pontuado pelo Corregedor-Geral do Ministério Público Federal, “colocando ênfase
na forma talvez pouco usual como a entrevista foi conduzida, de modo a desviar a atenção do fato de
que o seu conteúdo nada tem de irregular”. Tanto é assim que não há insurgência da defesa quanto ao
tema nem nas alegações finais oferecidas na Ação Penal nº 5021365-32.2017.4.04.7000 nem nas
razões recursais.
III.2.d Da alegação de pressão exercida sobre investigados/acusados para o fim de obter industrializados relatos que incriminassem o Paciente
Segundo alega a defesa, “a incontrolável volúpia em acusar, condenar e prender o
aqui Paciente levou os procuradores da Lava Jato a sustentarem as pretensões condenatórias
com base nos relatos de delatores que eles próprios consideravam indignos de qualquer
credibilidade.”
Para isso, os impetrantes apontam supostas condutas abusivas do órgão acusatório
no âmbito de negociações com três investigados para a concessão de benefícios, como
contrapartida à realização de relatos incriminatórios do paciente. Os investigados apontados
foram José Adelmário Pinheiro Filho, Carlos Armando Paschoal e Antônio Palocci.
Quanto a José Adelmário, os impetrantes sustentam suas ilações, basicamente, em
matérias jornalísticas, segundo as quais a primeira tentativa de celebração de acordo de
colaboração premiada foi infrutífera por ele “inocentar Lula”.
Afora a matéria de jornal, não há elemento material algum que comprove a
assertiva. A defesa deduz da mudança de comportamento do investigado uma “pressão” dos
Procuradores da República para incriminar o paciente. Além de não haver nenhum elemento
de corroboração da aduzida “pressão”, como já salientado, tem-se que o investigado em
questão não está isolado nessa mudança de comportamento. Diversos atingidos pela
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“Operação Lava Jato”, em certa altura, adotaram postura colaborativa com a Justiça, mediante
acordo formal de colaboração premiada ou não. Dos últimos, o caso do ex-Governador do Rio
de Janeiro, Sérgio Cabral, é ilustrativo.
A alegação defensiva é ainda mais absurda no caso do colaborador Carlos
Paschoal.
Em primeiro lugar, é notório que o colaborador retificou o depoimento prestado na
ação de improbidade referida na inicial.
Ademais, sua participação nos fatos foi secundária, relativa à indicação de um
engenheiro para as obras do sítio. Não há elementos materiais, portanto, que atribuam
robustez à tese de coação do colaborador para incriminar o paciente.
Finalmente, quanto ao colaborador Antônio Palocci, a defesa basicamente sustenta
a alegação nas tais mensagens atribuídas a Procuradores da República supostamente obtidas
pelo portal The Intercept e publicadas na imprensa.
A validade dessas mensagens enquanto meio de prova será discutida em tópico
próprio. Aqui, cabe apenas destacar que sua juntada aos autos da Ação Penal n.º 5063130-
17.2016.4.04.7000/PR e referência nas alegações finais do órgão ministerial deu-se apenas
para robustecer a imputação, que já estava confirmada por diversos elementos de prova
independentes, como reconhecido pelo juízo sentenciante.
III.2.e Das mensagens publicadas pelo portal The Intercept e por outras empresasjornalísticas parceiras
De acordo com os impetrantes, a tese sustentada no presente habeas corpus é
reforçada pela série de reportagens publicadas pelo portal The Intercept Brasil (e por outras
empresas jornalísticas parceiras) acerca de diálogos travados no aplicativo Telegram entre (i)
o Procurador da República Deltan Dallagnol e o então Juiz Federal Sérgio Moro, que
conduzia os processos da Lava Jato em Curitiba, e (ii) entre os próprios integrantes do
Ministério Público Federal.
Na visão da defesa, tais mensagens, cujo conteúdo seria público e notório (CPC,
art. 374, I), revelam que os Procuradores da República da FT Lava Jato, em ações combinadas
com o ex-Juiz Sérgio Moro, “agiram com motivação pessoal e política na prática dos atos de
persecução realizados contra o Paciente”, tudo a demonstrar a patente quebra do dever de
impessoalidade e imparcialidade no exercício do múnus acusatório.
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Como se denota da inicial da impetração, a tese defensiva sugere que o material
exposto pelo citado veículo de mídia pode ser apto a conduzir a uma possível suspeição de
agentes públicos em pleno exercício de suas funções. Todavia, essa tese não se sustenta, pelos
seguintes motivos:
(i) As mensagens trocadas no âmbito do Telegram não possuem valor
probatório.
Como se sabe, os supostos diálogos travados no Telegram entre membros do MPF
e do Poder Judiciário, posteriormente publicados pelo site The Intercept Brasil e por outras
empresas jornalísticas parceiras, não tiveram sua autenticidade e integridade aferidas pelos
meios legais próprios, a saber, mediante perícia telemática. Tampouco os seus interlocutores
reconheceram nas mensagens tais atributos, muito pelo contrário.
Aliás, tratando-se de evidências digitais, caracterizadas pela volatilidade e
suscetibilidade de clonagem, somente a preservação da cadeia de custódia13 pode levar à
confirmação da integridade e autenticidade do conteúdo dos diálogos travados, o que não
ocorreu no presente caso.
A não confirmação da integridade e autenticidade do material telemático
publicado permite questionar (i) se os diálogos efetivamente ocorreram, (ii) se foram
eventualmente alterados, forjados ou mesmo descontextualizados, (iii) quem acessou, com
quem compartilhou, de que forma compartilhou, se selecionou diálogos, como e quem
divulgou.
Sendo assim, há fundadas dúvidas acerca da integridade e autenticidade de tais
mensagens, o que conduz à impossibilidade de que elas possam ser consideradas como
provas de algum fato. Veja-se que a não confirmação da autenticidade e da integridade de um
dado material impede a sua caracterização como prova, afetando esta em seu plano de
existência.
No presente caso, portanto, os supostos diálogos travados no Telegram entre
membros do MPF e do Poder Judiciário, citados pelos impetrantes, não possuem qualquer
valor probatório.
13 Conceituada como sendo o documento que identifica a cronologia de movimento e manuseio da evidênciadigital (Norma ABNT ISO/IEC 27037:2013 – Diretrizes para identificação, coleta, aquisição e preservaçãode evidência digital).
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(ii) As mensagens trocadas no âmbito do Telegram foram obtidas por meios
ilegais e criminosos, tratando-se de prova ilícita, não passível de uso no presente caso.
Ainda que os diálogos travados no Telegram entre membros do MPF e do Poder
Judiciário pudessem ser considerados, materialmente, como provas, é certo que se estaria
diante de provas inválidas e, assim, não passíveis de utilização em processos ou
procedimentos.
Como se sabe, tais supostos diálogos foram obtidos de modo não apenas ilegal,
mas também criminoso,14 uma vez que captados sem autorização judicial para a quebra de
sigilo telefônico e telemático, em grave ofensa à garantia constitucional à privacidade das
comunicações (inciso XII, art. 5º, da CF). Tal ação criminosa, inclusive, está sendo
investigada nos autos de Inquérito Policial em curso perante a 10a Vara Federal de Brasília,
em razão do qual se encontram atualmente presas preventivamente pessoas suspeitas de terem
hackeado os celulares do Procurador da República Deltan Dallagnol, do então juiz federal
Sérgio Moro e de outras autoridades públicas.
Em razão disso, tais mensagens não podem ser utilizadas para os fins pretendidos
pelos impetrantes, a saber, para os fins de (i) comprovar a suspeição dos procuradores da14 Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante vio-
lação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informaçõessem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagemilícita: (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012).Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012).§ 1ª Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa decomputador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput. (Incluído pela Lei nº 12.737, de2012).§ 2ª Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico. (Incluído pela Leinº 12.737, de 2012).§ 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerci -ais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dis-positivo invadido: (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012).Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. (In-cluído pela Lei nº 12.737, de 2012).§ 4º Na hipótese do § 3o, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização outransmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos. (Incluído pela Lei nº 12.737, de2012).§ 5º Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra: (Incluído pela Lei nº 12.737, de2012)I - Presidente da República, governadores e prefeitos; (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)II - Presidente do Supremo Tribunal Federal; (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, daCâmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)V - dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.(Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012).Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ouquebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Pena: reclusão,de dois a quatro anos, e multa.
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república integrantes da FT-Lava Jato em Curitiba que atuaram nas ações penais movidas
contra o paciente, LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA e, com isso, (ii) levar à nulidade de todos
os atos processuais praticados no curso de tais ações.
É o que decorre claramente da Constituição Federal, que prevê a inadmissibilidade
de utilização, em qualquer procedimento, de provas obtidas por meios ilícitos, estabelecendo,
como garantia de natureza fundamental, o direito à prova legalmente obtida ou produzida (art.
5º, LVI, CF)15. Em sentido semelhante prevê o art. 157 do Código de Processo Penal:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assimentendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Leinº 11.690, de 2008).
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciadoo nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas poruma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008).
§ 2º Considera-se fonte independente aquela que, por si só, seguindo os trâmites típicos e depraxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objetoda prova.
O episódio envolvendo a invasão dos celulares de Deltan Dallagnol e de Sérgio
Moro, seguida da cópia de mensagens por eles trocadas, retrata ação criminosa de gravidade
sem precedentes na história do país, na medida em que atenta não apenas contra a privacidade
e mesmo a segurança das pessoas envolvidas individualmente consideradas, mas também
contra as instituições e as autoridades constituídas da República. Na mesma linha da invasão
dos celulares de Deltan Dallagnol e de Sérgio Moro, e no mesmo período desta, sabe-se que
várias outras autoridades públicas, aí se incluindo Conselheiros do CNMP, Juízes e
Procuradores da República, também foram vítimas da ação criminosa praticada pelos mesmos
hackers, que invadiram seus celulares para acessar e usar sua identidade, enviar mensagem e
acessar mensagens trocadas em relações de trabalho, por meio de aplicativo eletrônico.
Percebe-se, portanto, estar-se diante não apenas de um crime comum de invasão
de aparelho celular, mas de um ataque ao próprio Estado brasileiro, motivado por razões
espúrias até o momento não completamente esclarecidas – o que, pela sua chocante gravidade,
reforça a completa inviabilidade de se usar o produto desse crime (mensagens trocadas entre
autoridades públicos em aplicativo de rede social) como prova apta a demonstrar a suspeição
15 Nesse sentido:“A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI),desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas(CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de or-dem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação dodireito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamentonormativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do ‘male captum, bene re-tentum” (HC 93.050, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 1º.8.2008).
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dos procuradores da República que foram vítimas de tal crime. Além disso, admitir-se tal
utilização, nos moldes pretendidos pelos impetrantes, teria como (indesejado) efeito colateral
o de incentivar o uso de meios criminosos com o fim de, mediante invasão de privacidade,
obter supostas “provas” ou elementos que possam ser usados contra autoridades públicas
envolvidas na persecução penal. Estar-se-ia diante, nesse caso, de perigoso precedente, capaz
de causar extrema insegurança aos agentes responsáveis pela persecução penal no país.
Não se desconhece que a regra da inadmissibilidade de uso de prova ilícita no
processo penal é excepcionada quando tal utilização (i) puder demonstrar a inocência do réu
ou (ii) for apta a beneficiá-lo no processo de algum outro modo, sobretudo quando desse
beneficio decorrer a devolução da sua liberdade. Ocorre que essa exceção não se aplica ao
presente caso.
Com efeito, ainda que se admitisse a utilização, nestes autos, da “prova ilícita”
consistente em algumas mensagens enviadas por Deltan Dallagnol e Sérgio Moro no ambiente
do Telegram, essa utilização não seria capaz de demonstrar a inocência de LUIZ INÁCIO
LULA DA SILVA em relação aos crimes que lhe são imputados nos processos (que estão ou
estiveram) em curso perante a 13a Vara da SJ/PR.
É que, diante do conteúdo das mensagens referidas pelos impetrantes e citadas nas
fls. 52, 65 e 77 da petição inicial deste HC, percebe-se que elas não têm o condão de afastar o
juízo de culpabilidade que levou às condenações de LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA nas
ações penais n. 5046512-94.2016.4.04.7000 (referentes ao Triplex) e 5021365-
32.2017.4.04.7000 (referentes ao Sítio de Atibaia), tampouco de demonstrar a inocência dele
nos autos dos demais processos que ainda não possuem sentença condenatória. Tais
mensagens são desprovidas de qualquer elemento apto a afastar as teses acusatórias (e as
provas que a sustentam) subjacentes a cada um desses processos – o que ocorreria, por
exemplo, se de uma delas se extraísse que a principal prova que sustentou o decreto
condenatório foi forjada.
No mesmo sentido, ainda que se admitisse a utilização, nestes autos, da “prova
ilícita” de que ora se trata, isso não beneficiaria LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA nos moldes
pretendidos pelos impetrantes, e, tampouco, teria o efeito de lhe devolver a liberdade.
É que, mesmo que as mensagens obtidas a partir da invasão dos telefones
celulares de Deltan Dallagnol e Sérgio Moro pudessem ser utilizadas nestes autos e, tal qual
afirmado pelos impetrantes, realmente demonstrassem que Procuradores da República
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“agiram com motivação pessoal e política na prática dos atos de persecução realizados
contra o Paciente” e que, portanto, incidiram em hipótese de suspeição, essa suspeição não
implicaria na nulidade da denúncia ofertada pelo MPF e dos demais atos praticados pelo MPF
no curso da ação penal no bojo da qual foi expedido o mandado de prisão contra LUIZ
INÁCIO LULA DA SILVA (ação penal n. 5046512-94.2016.4.04.700016) - única hipótese em
que a suspeição de Procuradores da República poderia beneficiar tal réu a ponto de lhe
devolver a liberdade.
Explica-se. A denúncia que deu origem à ação penal n. 5046512-
94.2016.4.04.7000 foi confeccionada e assinada por vários integrantes da Força Tarefa da lava
Jato no Paraná,17 assim como ocorreu com os demais atos praticados pelo MPF no curso da
mencionada ação penal.
Ocorre que a alegada suspeição, sendo decorrente de mensagens enviadas apenas
por um dos Procuradores da República integrantes da Força Tarefa da Lava Jato no Paraná, no
caso, por Deltan Dallagnol, por óbvio não provoca a nulidade de atos que, tal qual a denúncia,
foram confeccionados e assinados por vários outros Procuradores da República. Aqui, é
importante assinalar que os procuradores da república praticaram tais atos no pleno exercício
de sua autonomia e independência funcionais, não existindo, aliás, qualquer relação de
hierarquia entre eles.
Dessa forma, tratando-se de ato praticado por várias pessoas, que possuem
vontades independentes entre si, eventual vício na vontade de uma delas (no caso dos autos, a
“motivação pessoal e política na prática dos atos de persecução realizados contra o
Paciente”) não se estende à vontade dos demais, de modo que tal ato permanece incólume.
Nessa mesma linha, confira-se o seguinte precedente:
PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DERECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU DE REVISÃO CRIMINAL. NÃOCABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. APELAÇÃO DEFENSIVA DESPROVIDA.PARTICIPAÇÃO DE DESEMBARGADOR IMPEDIDO NO JULGAMENTO DORECURSO DE APELAÇÃO. REVISOR. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. VOTO NÃODETERMINANTE PARA O RESULTADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.[…] 3. Inexiste nulidade no julgamento da apelação quando o voto do Desembargadorimpedido não interfere no resultado do julgamento, tendo em vista que o recurso foidesprovido à unanimidade. 4. Vigora no processo penal brasileiro o princípio da livreconvicção do julgador, de modo que não há falar em eventual persuasão dos demais
16 Esse é o único mandato de prisão atualmente em vigor contra Luiz Inácio Lula Da Silva.17 São eles(as): Deltan Martinazzo Dallagnol, Antonio Carlos Welter, Carlos Fernando dos Santos Lima, Januá-
rio Paludo, Isabel Cristina Groba Vieira, Orlando Martello, Diogo Castor de Mattos, Roberson Henrique Poz-zobon, Júlio Carlos Motta Noronha, Jerusa Burmann Viecill, Paulo Roberto Galvão de Carvalho, Athayde Ri-beiro Costa e Laura Gonçalves Tessler.
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pares. 5. Habeas Corpus não conhecido. (HC 352.825/RS, Rel. Ministro NEFICORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 10/05/2016, DJe 20/05/2016).
Dessa forma, percebe-se que, no presente caso, a eventual utilização da prova
ilícita não beneficiaria o réu de nenhuma forma, pois não provaria sua inocência tampouco
provocaria uma nulidade capaz de lhe devolver a liberdade. Sendo assim, aplica-se ao
presente caso a regra geral, prevista na Constituição e no CPP, segundo a qual é inadmissível
o uso de prova ilícita no processo penal.
III.2.e Do acordo sobre o fundo bilionário da Força Tarefa Lava Jato
Outro argumento utilizado pelos impetrantes na tentativa de demonstrar a
suspeição dos Membros do MPF em 1ª instância consiste na criação de um fundo privado
para administrar bilionário montante proveniente de pagamentos realizados pela Petrobras. Na
visão da defesa, “a construção de uma narrativa superdimensionada, colocando o aqui
Paciente, na condição de Presidente da República, como ‘comandante máximo’ de um
esquema criminoso, está diretamente ligada aos interesses pessoais dos procuradores da
República de administrar — ou de interagir — com uma fundação privada bilionária.”
Sobre o ponto, caberia apenas anotar que o paciente não tem relação alguma com
o referido acordo ou com sua impugnação por esta Procuradoria-Geral da República, feita ao
ajuizar a ADPF nº 568.
Ademais, nada mais falacioso que argumentar haver “interesses diretos em impor
condenações de valores patrimoniais cada vez maiores, ainda que em descompasso com os
fatos narrados e com a legislação regente”18 com a condenação do paciente. Os valores cuja
destinação se revelou controversa eram relativos a acordo celebrado entre a Petrobras e o
Departamento de Justiça dos Estados Unidos, precisamente em razão dos crimes praticados
pela organização criminosa liderada pelo paciente, que infringiram não apenas a legislação
brasileira, mas também a daquele país.
Sendo assim, não há nenhuma conexão entre a condenação do paciente e a
destinação de tais valores. Mais ainda, nos processos que tramitam perante o juízo de piso, as
condenações a reparação de danos apontam como ente lesado a Petrobras, e a ela são
destinadas as reparações. Absolutamente implausível a tese defensiva.
De observar-se, por todos os argumentos expostos, que os impetrantes fazem
ilações infundadas, as quais não podem justificar o reconhecimento da suspeição e a nulidade18 Fl. 89.
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integral da Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, mostrando-se, pois, inviabilizada a
soltura imediata do paciente.
III.3 Da impossibilidade de concessão do pedido de compartilhamento de provasacauteladas no Inquérito n.º 4.871
Como amplamente sabido, constitui ônus processual do impetrante do habeas
corpus produzir elementos documentais consistentes e pré-constituídos, destinados a
comprovar as alegações veiculadas no writ, o qual possui rito sumaríssimo e não comporta,
portanto, dilação probatória. Nesse sentido, o pedido de compartilhamento com estes autos
das provas acauteladas no Inquérito n.º 4.871 é flagrantemente descabido.
Ademais, embora a jurisprudência sedimentada no enunciado na Súmula
Vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal confira ao terceiro interessado, no exercício
regular do seu direito de defesa, ter amplo acesso aos elementos de investigação que lhe
digam respeito, o paciente não demonstrou ser parte legítima para postular qualquer medida
com relação ao mencionado Inquérito, por não ter instruído a inicial com elementos capazes
de demonstrar que é alvo da investigação.
De qualquer sorte, o requerimento de vista ou compartilhamento dos autos deve
ser dirigido ao Relator da causa, autoridade competente para avaliar, atento ao entendimento
sumulado por essa Corte Maior, se o pleito deve, ou não, ser deferido e qual o momento mais
adequado para fazê-lo, com base no andamento das investigações.
Desse modo, não há que se falar em constrangimento ilegal decorrente do
indeferimento do pedido de produção de prova.
IV - Conclusão
Ante o exposto, o Ministério Público Federal manifesta-se pelo não
conhecimento do mandamus ou, no mérito, pela denegação da ordem aqui buscada.
Brasília, 29 de novembro de 2019.
José Adonis Callou de Araújo SáSubprocurador-Geral da República
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