UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM E APROPRIAÇÃO DOSESPAÇOS PÚBLICOS NO JARDIM JULIETA, VILA MARIA,
SÃO PAULO
Rafael Gustavo Silva Siqueira
Orientação: Professor Doutor Euler Sandeville JrSão Paulo, 2012
1
2
Sumário
Pag 1 Introdução....................................................................................................... 4
2 Método............................................................................................................ 10
3 Jardim Julieta: Caracterização....................................................................... 14
4 Jardim Julieta: Estrutura Urbana e Políticas Públicas.................................... 17
5 Coletivo CICAS............................................................................................... 25
6 Projetos Propostos para a Faixa Pública Ocupada........................................ 35
7 Grupos Sociais e o Poder Público.................................................................. 45
8 Apropriações dos Espaços Públicos.............................................................. 51
9 Uso e Ocupação do Solo............................................................................... 68
10 Considerações Finais.................................................................................... 73
11 Referências Bibliográficas............................................................................. 77
3
Introdução
4
O contato do pesquisador com o tema abordado nesse trabalho teve início antes da
concretização desse como projeto de pesquisa. Partiu, em princípio, de uma aproximação
de um Coletivo de jovens artistas nomeado CICAS (Centro Independente de Cultura
Alternativa e Social) com o Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade – Núcleo
Poéticas e Conflitos na Cidade, o qual o pesquisador faz parte, em meados de 2010. A
aproximação tinha por finalidade o pedido de apoio institucional do laboratório para a
regularização do espaço público abandonado e ocupado pelo Coletivo, no bairro Jardim
Julieta, São Paulo, que na ocasião estava fortemente ameaçado de remoção pela
Subprefeitura Vila Maria - Vila Guilherme.
O resultado dessa interlocução foi o estudo e aprofundamento da atuação do
Coletivo no bairro e sua situação de informalidade. Observou-se que o Coletivo, através
das atividades propostas, possibilitou uma rede de confiança e relações afetivas com a
comunidade de entorno, através das diversas atividades de educação popular, ambiental,
recreativas, lúdicas e artísticas, em uma região sujeita a um contexto urbano complexo.
Observou-se, também, que a proposta de trabalho dos jovens e o interesse em
estabelecer vínculos com a Universidade tinha forte ligação com as premissas do
laboratório, que pode ser explicitada através das citações abaixo:
São duas linhas de ação principais que se interpenetram: uma voltada para
estudos sobre história da paisagem, em sua relação com a cultura, as artes
e o projeto; e outra voltada para pesquisas sobre as condições
contemporâneas de transformação da paisagem, considerando
abordagens sistêmicas, participantes e artísticas.
O objetivo central desta segunda linha é desenvolver pesquisas,
disciplinas, oficinas e processos experimentais e colaborativos, envolvendo
alunos, moradores, instituições e outros sujeitos sociais interessados
nesses projetos. Os processos desencadeados envolvem metodologias
participantes e de ação, voltados para a interpretação e transformação
qualificada do espaço urbano e dos espaços de uso coletivo. Os trabalhos
fundam-se na proposição da Espiral da Sensibilidade e do Conhecimento,
na conceituação da Paisagem como experiência partilhada e socialmente
construída1, e na proposição de experiências de aprendizagem em
paisagens vivenciadas (espiral.net.br). O conhecimento e o aprendizado
1 SANDEVILLE JR., Euler. Paisagens e métodos. Algumas contribuições para elaboração de roteiros de estudo da paisagem intra-urbana. In Revista eletrônica Paisagens em Debate, FAU. USP, v. 2, p. 1. 2004a.
5
são entendidos como uma construção partilhada e experimental de
saberes e práticas, em contínua reconstrução. As vivências do laboratório
em situações que fogem da teoria e vão para a cidade como espaço de
aprendizado e de pensamento são enriquecedoras, aguçam a sensibilidade
de cada pesquisador, permitindo um rico processo de aprofundamento dos
pressupostos adotados pelo Núcleo.
(…)
Esta posição assumida pelo Núcleo propõe uma inserção ativa e criativa
da Universidade pública diante das demandas sociais e ambientais
urgentes, e solidária a grupos sujeitos a situações de preconceito ou
exclusão social, e colaborativa com grupos autônomos de ação no espaço
urbano e culturais. Sem negar-lhes espaço, não se busca apenas a
publicação e o estudo bibliográfico como direcionadores de pesquisa, pré-
requisitos essenciais ao pesquisador da USP. O que se pretende, na
diversidade de ações e procedimentos adotados, é contribuir para a
formação crítica de um profissional criativo, formado também no diálogo
com a realidade e outros atores sociais que efetivamente a desenham.
Este deve ser sensível ao concreto, às condições reais e à interlocução
sensível e respeitosa com os envolvidos, na busca por um conhecimento
empírico e compartilhado entre as partes.
(SANDEVILLE JR; NEBERNYJ; SIQUEIRA:2011, P2)2
Dado esse cenário, o núcleo então aprofundou as relações com o Coletivo e
ofereceu-lhes apoio institucional através de um decreto3 que visasse a cessão do espaço
para fins culturais, sendo de atribuição do laboratório a condução de um projeto de
adequação arquitetônica da sede do Coletivo, um dos pré-requisitos para a subprefeitura
estudar a permanência do Coletivo no local. Este documento, entregue no final de 2010,
resultou em um processo administrativo4 que atualmente tramita na Secretaria Municipal
do Planejamento, Orçamento e Gestão (Sempla).
Ainda em 2010, a Secretaria Municipal de Cultura também foi acionada pelo
Coletivo e ofereceu apoio institucional para a manutenção das atividades. A partir desta
interlocução, foram realizadas diversas reuniões com gestores públicos da subprefeitura,
2 Ver : Por Espaços de Cultura Livre e Ativa em São Paulo. In: A Cultura em Luta Pela Paz. São Paulo, 2011.3 Pedido de Cessão de Uso de Área Municipal, Disciplinado pelo decreto 47.146, de 29 de março de 2006 - 4 Processo administrativo número 2010 - 0.283.109 - 8
6
resultando por fim em um acordo que envolvia a realização de outro projeto arquitetônico 5
por parte da secretaria, que deveria ser construído pela subprefeitura. Como já havia no
local técnicos da subprefeitura acompanhando as obras da praça em curso, a proposta
era de se vincular as duas obras, a partir de verba destinada através da secretaria.
Apesar de tal articulação, não foi possível o desenvolvimento da obra, já que a área não
era pertencente à Secretaria Municipal de Cultura.
O processo de trabalho para a cessão do espaço ao Coletivo proporcionou não só
a possibilidade de uma atividade na graduação que se propunha a extrapolar os limites da
Universidade como também criou diversos questionamentos sobre as dinâmicas urbanas
daquele bairro, que a iniciação científica teve por finalidade responder.
Esse trabalho – Transformação da Paisagem e Apropriação dos Espaços Públicos
no Jardim Julieta, Vila Maria – pretendeu aplicar o conceito de paisagem como é
estudado no laboratório, através do objeto de estudo. Paisagem, no núcleo, é entendida
através da noção de experiência partilhada e se dá a partir da especificidade das relações
cotidianas entre pessoas ou grupos sociais, apropriações e representações, no universo
da cultura (SANDEVILLE:2004, P03). Se trata, principalmente, do reconhecimento dos
atores sociais envolvidos e suas formas de ação e interação, determinantes para o
entendimento do arranjo formal do território estudado e as decorrentes apropriações.
Uma importante contribuição para essa pesquisa foi deixada por Carlos Nelson dos
Santos, em A Cidade como um Jogo de Cartas. Ao mostrar os importantes agentes de
transformação do espaço urbano, sugere sintetizá-los em três grupos distintos: políticos,
técnicos e funcionários que representam o Governo; as empresas, através da indústria,
comércio e serviços; a população, fragmentada nos diversos grupos sociais
(SANTOS:1988, P50). Da mesma forma, a pesquisa indicou agentes diversos que, assim
como em um jogo de cartas, interagem de forma tensa, estratégica, resultando em
diversos olhares para o mesmo espaço.
Desta forma, no decorrer da investigação, delineou-se três eixos de estudos
distintos, que se interpenetram e se relacionam de forma mais ou menos conflituosa: o
poder público e sua atuação, interesses e formas de diálogo; os grupos sociais atuantes
politicamente e sua relação com o poder público e a população; a população e as
diversas apropriações observadas dos espaços públicos. Mesmo que sintetizado nesta
introdução, esse esquema guiou e ampliou o entendimento da paisagem local.
5 Participou da elaboração do projeto os arquitetos José Rollemberg, Leon Yajima e Wanderley Ariza, os estagiários Berta de Oliveira e Gustavo Meirelles, da Secretaria Municipal de Cultura; o professor Euler Sandeville Jr, o bolsista Rafael Siqueira, do LabCidade; Luiz Carlos Sendro Junior (Juninho) e Roger Duran, do CICAS
7
Uma breve descrição da região estudada revela um nível de complexidade de
abordagem que supera a análise do local dentro de uma ideia de espaço intraurbano e
remete-nos a ideia de planejamento regional, como será visto adiante (VILLAÇA:2001).
Se trata de um bairro que tem como política pública predominante a construção de um
Pólo Logístico, situado próximo ao entroncamento das Rodovias Dutra e Fernão Dias,
com possível acesso para o Rodoanel Trecho Norte. A pesquisa buscou visualizar duas
escalas de intervenção distintas: a intraurbana, referente aos deslocamentos da
população e suas demandas no interior da cidade; e a abordagem regional, referente ao
transporte de mercadorias e à reestruturação de uma região (Ibid.). Mesmo não se
aprofundando nas questões que regem o espaço regional e intraurbano, as diferentes
escalas de abordagem se mostraram imprescindíveis para uma melhor compreensão das
dinâmicas da região, desde o estudo das dinâmicas locais (foco da pesquisa) até a escala
regional proposta pelo Pólo Logístico.
Figura 1 – Localização da área estudada a partir da mancha urbana Fonte: GoogleEarth 2009; Elaboração: Rafael S
8
Figura 2 – Localização da área estudada a partir da Subprefeitura Vila Maria-Vila GuilhermeFonte: GoogleEarth 2009; Elaboração: Rafael S
Os resultados decorrentes das diversas formas de abordagem do mesmo território
demandaram grandes esforços de aproximação e distanciamento entre escalas de
intervenção, ao mesmo passo que mostrou processos que até então eram imperceptíveis
ao pesquisador. A análise destas intervenções, em sobreposição à apropriações locais
diversas e atuação política de grupos sociais e população, foram determinantes para uma
leitura da paisagem mais complexa e próxima das dinâmicas urbanas locais.
9
Método
10
O trabalho de pesquisa realizado contou com três eixos de investigação, de acordo
com os atores sociais envolvidos no processo. Estes eixos – grupos sociais, poder público
e diversas apropriações pela população dos espaços públicos – foram construídos a partir
da rede de atores sociais levantadas em campo, em decorrência da dificuldade
institucional encontrada pelo Coletivo para a realização de suas atividades. Portanto, o
Coletivo possui presença central no trabalho, sendo que as problemáticas levantadas e a
rede de atores sociais envolvidos foram constituídos a partir das interlocuções, reuniões
sistemáticas, aproximações e distanciamentos observados ao longo do tempo com o
Coletivo, o poder público e a população.
A aproximação com o Coletivo se deu a partir dos pressupostos estabelecidos no
laboratório, em que uma das premissas é a busca pelo conhecimento conjunto e fundado,
entre outros, na “criatividade (sensibilização), investigação (construção) e participação
(integração solidária)” (SANDEVILLE JR: 2003, P2). Representou, além da finalidade de
produção acadêmica de conhecimento sob um determinado fragmento urbano, uma
produção e aprendizado conjunto com os atores envolvidos no recorte de estudo, no
anseio pela troca de experiências e conhecimentos em ação colaborativa para um
determinado fim, assim como propõe o conceito de paisagem em que o grupo se baseia6.
Para a compreensão e análise da atuação dos grupos sociais, levou-se em conta
que “tal proposição somente pode ser pensada em um campo experimental aberto, e de
uma duração indeterminada, não imediata, na qual se constrói em percurso o percurso”
(SANDEVILLE JR, 2011, p 10). O método utilizado foi o da observação e participação,
buscando a “possibilidade do envolvimento do trabalho popular na produção de
conhecimento sobre a condição de vida do povo” (BRANDAO:1987, P224). Para que o
método utilizado trouxesse resultados consistentes, optou-se pela utilização de
entrevistas abertas e coleta de histórias de vida, com o intuito de não tornar os
entrevistados simples objetos de estudo controlados pelo pesquisador mediador7, mas
sim trabalhar em prol de “um saber que oriente a ação coletiva e que, justamente por
refletir a prática do povo, seja plenamente crítico e científico, do seu ponto de vista” (Ibid.).
6 Ver “Sandeville Jr. Paisagens e métodos: Algumas contribuições para a elaboração de roteiros de estudo da paisagem intra-urbana. Artigo publicado em 2004. Paisagens em debate n.02. São Paulo, SP.”
7 Termo empregado de Brandão. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org) Repensando a pesquisa participante. P224
11
Os grupos que foram acompanhados no bairro foram o Coletivo CICAS e o Grêmio
Recreativo Cidade Fernão Dias, contudo outros grupos foram descobertos durante a
investigação, sendo a Senhoras Unidas Conj. Hab. Fernão Dias o citado neste trabalho. A
descrição e análise desses grupos foram feitas com base na análise de cidadania
proposta pelo antropólogo Antonio Arantes, em que o termo pode ser visto como um
fenômeno que envolve no mínimo dois fatores, o sentido de pertencimento e sua posição
na sociedade (ARANTES:2000 P133). Sobre estes dois fatores, o sentido de
pertencimento é o fazer “parte do que a coletividade reconhece como um de nós ou (...)
do que considera “gente como a gente”. (Ibid). Já a posição na sociedade de cada
indivíduo é definida pelos seus direitos e deveres historicamente construídos e
segregados, definidos pelas atribuições próprias de determinada posição social, “num
sistema de relações que permite e impede – ou que, numa palavra, regula – o acesso a
determinados recursos materiais e simbólicos” (Ibid.). Outro autor que guiou o
entendimento de cidadania a partir da ótica das relações com o poder público foi Roberto
Damatta. Para o autor, a sociedade brasileira é dotada de esferas de ações e
significações sociais múltiplas, em um sistema complexo em que o impulsionador é a
capacidade dos atores sociais de se relacionar e criar uma posição intermediária, de
negociação (DAMATTA:1991). Essas considerações guiaram o entendimento das
especificidades das relações cotidianas entre poder público, comunidade e grupos
sociais, considerando as apropriações e representações, no universo da cultura
(SANDEVILLE JR:2004, P3).
A aproximação com o poder público se deu a partir de duas demandas distintas. Em
um primeiro momento, como rebatimento à situação instável e ameaça de remoção do
Coletivo, estudou-se os planos e projetos para a área de estudo, com ênfase na atuação
da Subprefeitura Vila Maria – Vila Guilherme, de forma a verificar a natureza das
intervenções propostas e sua integração com os grupos sociais e as decorrentes
demandas. Esta etapa contou com tentativas de entrevistas com técnicos da
subprefeitura8 e coleta de dados, relatórios e outros documentos, que foram incluídos
neste trabalho. Houve também a aproximação com a Secretaria Municipal de Cultura e o
acompanhamento da situação de regularização do Coletivo9 e as respectivas
8 Foi realizada reunião em 30 de julho de 2010 com a arquiteta Maria Eduarda Pires, da subprefeitura; e com o Subprefeito José Luiz Sanchez Verardino, o Coletivo e o pesquisador, em 18 de novembro de 2011.
9 Não houveram reuniões formais, contudo esclarecimentos (informações públicas) em relação ao pedido de cessão feito pelo Coletivo, em 11 de julho de 2012 e 02 de agosto de 2012.
12
interlocuções entre a secretaria e a subprefeitura. Estas aproximações com a esfera
pública possibilitaram o reconhecimento dos critérios de intervenção propostos e a forma
de dialogação que há entre os poderes públicos e a comunidade.
O outro eixo que o trabalho evidencia são o mapeamento e as diversas apropriações
dos espaços livres públicos pela população, sejam elas políticas (no caso do Coletivo) ou
não. A importância do estudo das apropriações se dá, inicialmente, no reconhecimento
dos potenciais de realização de vida pública, que se concretiza nos espaços em que há a
possibilidade de encontro e diversidade. Assim, a pesquisa se propôs a estudar o sistema
de espaços livres a partir não somente do estudo da morfologia urbana em seus aspectos
funcionais, mas também nos usos como formas de apropriação, as práticas cotidianas e
as relações resultantes destas práticas. O método consistiu na observação em campo e
mapeamento dos espaços públicos apropriados; também considerou as apropriações dos
espaços públicos a partir dos usos destinados aos lotes.
No estudo de caso, os espaços de circulação, em específico a rua, se mostraram
espaços de realização plena da esfera de vida pública (TANGARI V R; ANDRADE R;
SCHLEE M B: 2009, P 71) e ainda representaram “palcos exemplares da cultura urbana”
(Ibid., P94), sendo locais privilegiados de encontro e convivência, ou de realização de
eventos diversos, como foi observado em campo nos casos de manifestações culturais e
políticas a partir do CICAS e outros Coletivos ligados ao CICAS.
O estudo e relato dessas apropriações proporcionou uma avaliação conjunta das
características morfológicas dos espaços decorrentes das políticas públicas e formas de
ocupação pela população, "em função de apropriações eventuais que transcendem a
funcionalidade mais específica do sistema de objetos" (QUEIROGA:2003, P140), como
os "inúmeros e precários campos de futebol informalmente produzidos nas periferias das
cidades megalopolitanas" (Ibid.).
Os três eixos de análise destacados – grupos sociais e população, poder público e
apropriações diversas – estão destacados neste documento a partir dos capítulos
propostos. Pretende-se, com essa organização, levar o leitor a compreender as dinâmicas
locais a partir das interações entre os diversos agentes no espaço urbano estudado,
resultando, por fim, no aprofundamento da transformação da paisagem de acordo com os
pressupostos teóricos elencados nesta iniciação científica.
13
Jardim Julieta: Caracterização
14
O Jardim Julieta caracteriza-se por ser uma área de várzea, com topografia pouco
acidentada, delimitada pelos córregos Montenegro e Violão que desaguam no Rio Cabuçu
de Cima. Se situa em uma região de acesso direto à Rodovia Fernão Dias, sendo
portanto uma área de interesse logístico metropolitano, como tem sido observado de
acordo com as políticas públicas.
O bairro apresenta morfologia urbana bem definida. Próximo à Rodovia Fernão
Dias, à leste, encontra-se o Terminal de Cargas Fernão Dias e vizinho a este, uma área
descampada destinada à estacionamento de carretas. Trata-se de dois equipamentos que
ocupam uma área de aproximadamente um quilômetro quadrado, caracterizados pelo uso
industrial. Nas extremidades destes equipamentos, nas margens do Córrego Montenegro
e Violão, é possível observar favelas já consolidadas, sendo elas a Favela do Violão e a
Favela Montenegro. Ao adentrar-se na mancha urbana a partir dos terminais, encontram-
se conjuntos de prédios habitacionais de baixo padrão, caracterizados por apresentar
espaços livres intra lotes e um gabarito baixo, de cinco andares. Os conjuntos são bem
definidos na malha urbana, sendo delimitados pela Avenida do Poeta e Rua da
Cavalgada, como ilustrado a seguir. Nas imediações destas vias, ainda é possível
observar uso comercial e habitacional de baixo padrão, representado por casas – a
maioria sobrados geminados – e pequenos comércios formais e informais em ruas locais,
característicos da paisagem de entorno próximo ao bairro.
Nas áreas residenciais, logo percebe-se uma escassez de equipamentos públicos,
como a notável ausência de locais adequados para recreação e lazer, em contraposição a
uma grande disponibilidade de espaços livres públicos subutilizados, proporcionando
diversas apropriações dos espaços contíguos, resultando também em espaços hostis em
que observa-se a utilização de drogas e marginalização, além da prostituição infantil que
tem no estacionamento de carretas seu principal indutor.
15
Figura 3 – Caracterização da área de estudoFonte: GoogleEarth 2009; Elaboração: Rafael S
16
Jardim Julieta: Estrutura urbana e políticas públicas
17
O Jardim Julieta é um bairro de origem recente, que se consolidou entre a década
de 60 e 7010 e insere-se no recorte da Subprefeitura Vila Maria/Vila Guilherme, que possui
seus primeiros arruamentos implantados no início do século XX, em meio a um panorama
do poder público que envolve a ausência de exigências de reserva de áreas públicas e
poucos instrumentos para padronização de larguras e declividades das vias, bem como a
fragilidade em relação a fiscalização de aberturas de novos loteamentos (TANGARI V R;
ANDRADE R; SCHLEE M B:2009, P349).
O processo de expansão do território da subprefeitura se deu através de
loteamentos privados, que favoreceu uma ocupação descontínua e fragmentada do
território, com baixa intervenção do poder público. Pode-se citar, das primeiras e de maior
relevância, a atuação do poder público a partir da década de 30 com o intuito de se
estabelecer critérios de abertura em novos arruamentos, que incluíram um maior apuro
em relação à legislação, adequação ao sítio e destinação de espaços livres de domínio
público11.
Nas décadas posteriores, a partir das dificuldades de loteamento e o aumento
gradativo do fluxo migratório de trabalhadores para São Paulo, a questão habitacional
ganhou uma importância frente às novas ocupações periféricas (Ibid, P349). As
ocupações das classes mais baixas se concentraram, especialmente, nas áreas de
várzea e localidades mais distantes dos eixos de transporte público, característico do
bairro Jardim Julieta. As primeiras ocupações observadas datam do início da década de
6012, caracterizadas por famílias de outros estados que, ao migrarem para São Paulo, se
instalaram gradativamente numa região “descampada, que não havia nada senão
córregos e mato”13. Em resposta à invasões de áreas e situações de riscos, o poder
público implementou gradativamente (ao longo das décadas de 70, 80 e 90) os conjuntos
habitacionais, que tem como característica comum “manter a segregação dos núcleos
implantados, seu isolamento em relação à trama do entorno e entre os diversos projetos”
(Ibid, 349). No Plano Regional Estratégico da subprefeitura em vigor estas áreas são
descritas como ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social).
10 Relato de uma família da COHAB Vila Sabrina em outubro de 2011, que não quiseram se identificar.11 Lei 2611, de 1923, inclui, entre outros, a destinação de espaços livres públicos, a saber: 5% na zona urbana; 7% na
zona suburbana; 10 % na zona rural. Disponível em: http://camaramunicipalsp.qaplaweb.com.br/iah/fulltext/leis/L2611.pdf
12 Informações de moradores antigos da COHAB Vila Sabrina, que não quiseram se identificar.13 Relato de morador da COHAB Vila Sabrina em outubro de 2011
18
Figura 3 – Área de estudo em 1958Fonte: GeoPortal; Elaboração: Rafael S
Figura 4 – Área de estudo em 2009Fonte: GoogleEarth 2009; Elaboração: Rafael S
19
A partir das ocupações e da implantação definitiva da Rodovia Fernão Dias14,
houve no Jardim Julieta uma preocupação inicial em destinar esta área para um terminal
de cargas, através do Plano de Reurbanização15 previsto em Lei, iniciado pela EMURB
(Empresa Municipal de Urbanização), em 1974, que tinha por finalidade a implantação de
“terminais de ônibus, estacionamento para veículos, equipamentos comunitários, serviços
públicos, edifícios comerciais, institucionais, residenciais, terminal de transporte (...)” (Lei
8.079 de 28/06/1974, Artigo 2). Esse plano previa a implantação de um Terminal de
Cargas na área e estabelecia diretrizes básicas para urbanização da região, com poucas
restrições técnicas. Também, não foram encontrados mapas ou desenhos das
implantações propostas.
Após uma longa data de indeterminação das destinações específicas para a área,
a partir de 1980 a EMURB retomou a proposta de implantação de um Terminal de Cargas,
cedendo 1/3 da gleba à COHAB para a implantação do Programa PROMORAR e do
Conjunto Habitacional COHAB Fernão Dias, o qual atualmente também é denominado
COHAB Vila Sabrina. O projeto de loteamento – denominado “Urbanização Fernão Dias“
e “Terminal de Cargas Fernão Dias” - foi aprovado pela SEHAB/PARSOLO de acordo com
as Leis de Loteamentos vigente16. Os primeiros projetos para o Terminal de Cargas foi
desenvolvido pela EMURB, de acordo com o Decreto17 para tal fim na época,
regulamentando o uso e ocupação do solo para a área do Terminal de Cargas, inclusive
estabelecendo critérios de dimensões de lotes. Neste decreto não há reserva de áreas
para outros usos que não os de apoio ao Terminal de Cargas, denotando a priori uma
secundarização da demanda por habitação na área. Contudo, foi verificado que, na
mesma oportunidade, destinou-se as áreas restantes do projeto do Terminal para a
implantação dos conjuntos PROMORAR e COHAB – através do loteamento “Urbanização
Fernão Dias” - definidas como ZEIS 1 (Zona Especial de Interesse Social). Parte destas
áreas atualmente são áreas livres em que não houve a implementação das habitações
populares e estão ocupadas por favelas, como é o caso da Favela do Violão.
14 A Rodovia foi inaugurada pelo então Pres. Juscelino Kubitschek em 1959 mas o trecho paulista foi somente concluído em 1961.
15 Lei 8.079 de 28/06/1974 “aprova primeira etapa do plano de reurbanização da zona Leste e nos subdistritos de Vila Guilherme e Tucuruvi, e dá outras Providências”disponível em http://camaramunicipalsp.qaplaweb.com.br/iah/fulltext/projeto/PL0080-1974.pdf
16 Leis de Loteamentos – Municipal 9.413/1981 Disponível em http://www.radarmunicipal.com.br/legislacao/lei-9413
17 Decreto 17.424 de 10/07/1981 que “regulamenta a execução de parte do Plano de Reurbanização do Tucuruvi, aprovado pela Lei 8079/74”Disponível em: http://camaramunicipalsp.qaplaweb.com.br/iah/fulltext/decretos/D17424.pdf
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Figura 5 – Loteamentos: “Terminal de Cargas Fernão Dias”; “Urbanização Fernão Dias” - 1981Fonte: GoogleEarth 2009; Elaboração: Rafael S
Após uma série de tentativas ineficientes na década de 90 e 2000 de
desenvolvimento do projeto do Terminal de Cargas, que incluíram as iniciativas de venda
de galpões pela EMURB para empresas transportadoras interessadas, bem como
instrumentos para viabilização dos gastos com o projeto e a criação de uma ZPI (Zona
Predominantemente Industrial) foi sugerido em 2010 pela Subprefeitura Vila Maria/Vila
Guilherme um plano de uso e ocupação para a área do Terminal, inclusive se
diferenciando do recorte proposto como AIU (Área de Intervenção Urbana) no Plano
Regional Estratégico de 2004, que determina a área de intervenção proposta para o Pólo
Logístico Fernão Dias.
O Plano Regional Estratégico indica, no mapa Uso e Ocupação do Solo, os
zoneamentos propostos para o recorte da Subprefeitura Vila Maria/Vila Guilherme. A área
em estudo está inscrita dentro da denominação ZM 2 - Zona Mista de Média Densidade18
e ZPI - Zona Predominantemente Industrial.
18 Zona destinada à localização de atividades típicas de subcentros regionais, permitindo também usos residenciais.Fonte: Zoneamento da Cidade de São Paulo / SEMPLA
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Figura 6 e 7 (da esquerda para a direita) – Recorte do Mapa de Desenvolvimento Urbano e Mapa de Uso e Ocupação do Solo da Subprefeitura Vila Maria / Vila Guilherme
Fonte: Plano Regional Estratégico 2004
Atualmente, o Pólo Logístico está em fase de análise e passa por processos de
Estudo de Viabilidade Ambiental (EVA). É pretendido com esse plano a ampliação do
Terminal de Cargas Fernão Dias e foi nomeado como Complexo Logístico Fernão Dias. O
plano possui duas zonas distintas, uma destinada à receber a ampliação do Terminal e
outra com fins de habitação. Para a ampliação do Terminal, o plano prevê galpões para a
acomodação das cargas vindas por rodovias e espaços destinados à apoio, tais como
áreas comerciais e apoio ao usuário. Já a área social prevê a implantação de um parque
linear, conjuntos residenciais, desapropriações e urbanização da favela do Violão e
instalação de equipamentos institucionais.
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Figura 8 – Formas de ocupação na área do Pólo Logístico Fernão Dias Fonte: EVA Complexo Logístico Fernão Dias; Elaboração: Rafael S
23
Figura 9 – Disposição das áreas do Pólo Logístico Fernão Dias Fonte: EVA Complexo Logístico Fernão Dias; Elaboração: Rafael S
Os projetos e planos observados remete-nos à ideia de planejamento regional, o
qual Villaça aponta que a estruturação desse espaço é definida pelo “deslocamento das
informações, da energia, do capital constante e das mercadorias em geral”
(VILLAÇA:2001, P20). Por se tratar de uma área que representa a divisa de município
entre São Paulo e Guarulhos, nas proximidades de rodovias e com equipamentos
metropolitanos de suma importância, logo percebe-se que a estrutura intraurbana, ou
seja, o espaço “estruturado fundamentalmente pelas condições de deslocamento do ser
humano” (Ibd, 20) tem sido secundarizada pelo poder público em prol de um
planejamento que aponta esta área como estratégica do ponto de vista de estruturação
regional. Essa tendência pode ser observada através do Complexo Logístico Fernão Dias,
o trecho norte do Rodoanel e a menção feita através do Plano Integrado de Transportes
Urbanos de 202519 para a área, apontada como “central logística do município GT1”
compondo um quadro complexo de sete áreas localizadas em região de periferia, com a
função estratégica de fluxo de mercadorias.
19 PITU 2025
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Coletivo CICAS
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A faixa pública onde encontra-se o Coletivo faz face a um conjunto de prédios da COHAB,
denominado COHAB Vila Sabrina, a um campo de futebol mantido pelo Grêmio
Recreativo Fernão Dias e ao estacionamento de carretas. O campo de futebol e o
Coletivo localizam-se em uma faixa pública extensa e pouco ocupada, sendo esta
também uma região limítrofe entre a área de estacionamento de caminhões e os prédios
habitacionais da COHAB.
O CICAS trata-se de uma ocupação de um centro comunitário sem uso ou fim
específico, em terras públicas, por um Coletivo de jovens artistas e moradores locais que
realizam atividades de educação popular, educação ambiental, recreativas, lúdicas e
artísticas, em uma região sujeita a um contexto urbano complexo. A inserção deste grupo
na comunidade, ao longo dos seis anos de sua atuação, permitiu debates acerca das
transformações da paisagem, através de sua articulação com outros Coletivos (que
enriquecem os debates do espaço público e apropriações) e também através da inserção
de membros deste grupo em conselhos e representações da sociedade civil, como o
CADES Vila Maria – Vila Guilherme e o Forum Regional de Direitos da Criança e do
Adolescente .
Os integrantes do Coletivo, em sua maioria, são ligados à música, e inicialmente
utilizaram o espaço ocupado para este fim. Buscou-se, nos primeiros anos de ocupação,
estabelecer processos criativos de aprendizado com a população de entorno, outros
Coletivos de música e bandas de música para permitir que pudessem realizar atividades
de produção musicais, shows no próprio espaço ou no espaço exterior. O Coletivo possui
uma forma de organização que, ao longo do tempo, buscou estabilizar-se através da
colaboração das pessoas envolvidas diretamente ou indiretamente, através inicialmente
de organização de eventos musicais, festas e apresentações de Coletivos. Não há um
critério claro que determina quem entra no grupo e quais são as atribuições de cada um.
Há um anseio geral de contribuição para o crescimento do grupo, que se reflete em ações
colaborativas e não hierárquicas, articuladas em rede e de caráter libertário. De fato, esta
postura é compartilhada por outros Coletivos de periferia observados, em que esta opção
de gestão têm, além de uma intenção de liberdade de expressão e escolha, uma crítica às
estruturas organizativas corporativas e institucionais.
26
Figura 10 – Forum Regional de Direitos da Criança e do Adolescente, no Coletivo CICAS Fonte: Rafael S, 2012
Figura 11 – Apresentação musical no Coletivo CICAS Fonte: Rafael S, 2012
Quando da aproximação do pesquisador ao Coletivo, em 2010, o principal Coletivo
que frequentava e geria o espaço do centro comunitário foi o Coletivo de música Sinfonia
de Cães, acompanhado por outros integrantes e bandas de música não pertencentes a
este Coletivo, contudo de acordo com a proposta de gestão do grupo. Houve durante este
primeiro momento uma ideia de ocupação do espaço para as bandas, destacada através
das intencionalidades pessoais dos integrantes20. A colaboração de outros Coletivos
também é visível neste período, em que os finais de semana eram permeados por
atividades não rotineiras, envolvendo população local, bandas convidadas pelo Coletivo e
ação de outros grupos de periferia.
A partir de 2010 e em específico 2011, percebeu-se a necessidade de
reestruturação do grupo. Após situações de adversidade entre os integrantes presentes
no centro comunitário, acordou-se que o Coletivo Sinfonia de Cães não usaria mais o
20 Juninho, um dos integrantes e diretores do CICAS, destacou sua intenção inicial no grupo de se destacar como músico.
27
espaço, forçando uma reestruturação dos integrantes e das atividades. Esta mudança foi
importante, pois possibilitou a abertura do espaço à novas demandas da população dos
conjuntos habitacionais e do entorno, possibilitando maior diversificação e envolvimento
da comunidade local. Também foi importante para definir as novas metas do grupo, as
tomadas de decisão futuras frente à dificuldades de desocupação já enfrentadas com o
poder público e o próprio nome do Coletivo, que por fim nomeou-se CICAS, Centro
Independente de Cultura Alternativa e Social.
A atuação do CICAS se dá em redes de cooperação com outros Coletivos da Zona
Norte principalmente, em que se se pode citar o Projeto Espremedor, Comunidade
Quilombaque, Coletivo de Teatro Núcleo Pavanelli, Teatro Silva, Sarau Elo da Corrente,
entre outros. Um dos principais objetivos do Coletivo é a estruturação das atividades à
população local, no intuito de permear a população de entorno e permitir, ao mesmo
tempo, a ocupação de espaços externos ao CICAS (equipamentos institucionais e
espaços públicos). Observou-se uma pluralidade de atividades propostas dentro do
espaço do CICAS e algumas outras que extrapolam o espaço físico ao longo dos anos.
Dentre as atividades, ao longo da atuação do pesquisador junto ao Coletivo, pode-se
citar: almoço comunitário, desenho para jovens, artesanato, aulas de inglês, oficina de
música e meio ambiente (crianças e jovens), atividades lúdicas, dança do ventre,
capoeira, cinema infantil, cinema nacional, gravação de música, entre outros. Além
destas, observou-se ao longo do trabalho atividades em espaços abertos desenvolvidas
em finais de semana, em que pode-se levantar as apresentações de HIP HOP, batizados
de capoeira, oficinas de graffiti, festivais de basquete de rua, filmes, oficinas de teatro,
apresentações de teatro de rua, oficinas ambientais (horta comunitária e palestras),
cortejos de maracatu, saraus, festas e shows.
28
Figura 12 – Almoço Comunitário no CICAS Fonte: Rafael S, 2012
Figura 13 – Almoço Comunitário no CICAS Fonte: Rafael S, 2012
29
Figura 14 – Apresentação de capoeira no CICAS Fonte: Rafael S, 2012
Figura 15 – Horta Comunitária no CICAS Fonte: Rafael S, 2012
30
Figura 16 – Evento com grafiteiros no CICAS Fonte: Rafael S, 2012
Durante o período de acompanhamento do grupo, estendendo-se até os dias
atuais, outras atividades e organização do espaço físico foram sendo efetuadas de acordo
com as reestruturações propostas. O envolvimento constante entre os participantes e a
comunidade permite a incorporação de novas ideias, oficinas e opções de atividades,
refletindo assim o cotidiano de um Coletivo de periferia. Para melhor explicação dos
princípios do grupo, segue trecho do caderno de apresentação do CICAS:
PRINCÍPIOS: O CICAS existe baseado nos seguintes princípios:
Garantir o Acesso Livre a Cultura e a livre expressão; Sem Fins Lucrativos;
Mecanismos Interativos de Gestão e Produção; Promover a Igualdade
Entre Todos: Artistas, Colaboradores e Público; Sustentabilidade e
Cidadania; Respeito pelo Meio Ambiente, verde e urbano; Laicismo;
Apartidarismo; Antidiscriminação; Desenvolvimento Humano e valorização
da produção independente.
VISÃO: Solidificar na comunidade um ambiente de inserção e interação
social e cultural, incentivando a colaboração comunitária, possibilitando a
construção através das artes de novas opções de entretenimento,
formação, informação e produção cultural e de cidadania.
VALORES: Respeito – Cooperação – Honestidade
Carta de apresentação do CICAS, 2012
31
A proposição e desenvolvimento das atividades no Coletivo, diverso do que em
instituições ou empresas, é realizada de acordo com os planos de trabalho do oficineiro,
resultando assim em uma organização não hierárquica, em que todos os participantes
possuem liberdade de proposição e ação. Desta forma, a utilização dos ambientes
também é livre, de acordo com as expectativas de cada curso ou oficina, inclusive
fomentando o uso do espaço público para atividades e ensino. Os ambientes internos ao
CICAS onde são desenvolvidas atividades são: estúdio de música, biblioteca, palco para
shows e espetáculos, salão de atividades, cozinha e espaços verdes; já as oficinas
propostas e em curso no ano de 2012 são: capoeira, teatro infantil, práticas da produção
em audio e vídeo e oficina de corte e costura; também, destacam-se as atividades
periódicas realizadas, como o sarau temático mensal, os festivais de música, circo e
teatro de rua, Frente de Obras e Realização de Serviços e Adaptação (FORSA CICAS),
Forum Regional de Direitos da Criança e do Adolescente, Cine CICAS, Dia da Beleza,
Praça Viva em Cores, Festa dos Coletivos e Mutirão Cultural da Quebrada. Estes eventos
periódicos possibilitam, além de divulgação do trabalho do Coletivo, a apropriação dos
espaços públicos subutilizados e degradados, como o trabalho Praça Viva em Cores, que
pretende dar sentido de apropriação para a praça construída pela subprefeitura em 2011,
além de colaborar para a conclusão dela (ainda carece de lixeiras e outros equipamentos)
e gerir o espaço juntamente com os moradores de entorno. Para o estabelecimento de
algumas das atividades, foi necessário ao longo dos anos apoio institucional de fomentos
à cultura, que por fim possibilitam que o Coletivo permaneça em funcionamento
gratuitamente, possibilitando um ambiente de trabalho sem fins lucrativos e aberto à
população. Dos prêmios recebidos pelos projetos apresentados, podemos destacar:
Projeto Janelas Abertas, uma oficina de costura comunitária, através do Programa VAI
(Valorização de Iniciativas Culturais); Copatrocínio de Primeiras Obras (Secretaria
Municipal de Cultura e Centro Cultural da Juventude), que possibilitou a elaboração de um
filme e um livro da história do Coletivo, a qual o pesquisador participou; 3ª Edição do
Prêmio Cultura Viva 2010 (Ministério da Cultura); Prêmio Pontinhos de Cultura 2010
(Ministério da Cultura); Programa IAM, Iniciativa Jovem Anhembi Morumbi; Programa de
Incentivo a Leitura da Fundação Biblioteca Nacional.
32
Figura 17 – Projeto Praça Viva em CoresFonte: Rafael S, 2012
Desta forma, a inserção do Coletivo no bairro permite outras formas de
sociabilidade, aprendizagem e ensino, em contraposição a espaços hostis e subutilizados,
em que o uso de drogas e a prostituição infantil tornam-se frequentes. Com efeito, os
equipamentos culturais no entorno são escassos e pouco ricos em relação a atividades
propostas. Destes, podemos destacar dois equipamentos onde há Clubes da Comunidade
e Clubes Desportivos Municipais. Trata-se do CDM e CDC Salverino Ferreira, localizado à
Rua José Anildo da Mata, 415 e do CDM e CDC Lauro Megale, localizado à Alameda
Primeiro Sargento Osmar Cortes Claro, 140. Contudo, somente um equipamento
encontra-se no Jardim Julieta e ambos apresentam somente o esporte como atividade
proposta, em especial o futebol. Em uma visita ao CDM e CDC Salvelino Ferreira,
próximo ao CICAS, notou-se que não há programas ou desenvolvimento de atividades
periódicas, se restringindo apenas a um campo de futebol, de acordo com relato de
usuários: “é um campo da comunidade, a gente joga futebol e depois toma uma cerveja
no bar do lado”21. É um equipamento que também abriga jogos de futebol formais22,
configurando assim um espaço pouco aberto à população, sendo de uso restrito de times
cadastrados, mesmo em ausência de campeonatos.
Este panorama de escassez de equipamentos públicos oferecidos à população, em
contraposição a uma clara intenção da subprefeitura de remoção do Coletivo, são
refletidas em ações contestatórias e políticas do Coletivo, como será visto adiante. A
posição da subprefeitura, de formalizar o espaço através da desocupação do Coletivo em
prol de outros equipamentos públicos propostos - uma quadra poliesportiva, uma praça e
21 Frequentador do CDM e CDC Salvelino Ferreira, que não quis se identificar.22 Em 2011, este equipamento recebeu jogos da Copa Bandeirante Sub 15.
33
recentemente o apoio da subprefeitura na construção de uma Unidade Básica de Saúde –
denota ações arbitrárias e que resultam, em última instância, em espaços mal projetados
e inconclusos, sem um diálogo aberto que possibilite projetos e gestão integrados.
Contudo, para melhor compreensão dos projetos pretendidos pelo Poder Público, foi
necessário uma avaliação de documentos públicos que projetam obras para a área, com
os resultados relatados no próximo capítulo.
34
Projetos propostos para a faixa pública ocupada
35
Durante a pesquisa, buscou-se através de conversas e busca de relatórios técnicos
com gestores públicos e líderes sociais o entendimento das propostas e projetos para o
espaço público em que localiza-se o centro comunitário, com o intuito de, através dos
diversos depoimentos e documentos recolher as distintas formas com que esses atores
lançam olhares para o mesmo espaço, definindo representações que por vezes são
coincidentes, por vezes destoantes. Os resultados desta etapa trouxeram outros tipos de
olhares para o pesquisador, bem como alguns questionamentos sobre a atuação política
no bairro de grupos sociais e intituições, as formas de articulação, a desintegração das
políticas públicas e as formas de diálogo na comunidade.
Os dados obtidos foram conseguidos principalmente a partir de documentos
públicos. O entendimento dos projetos para a area – em especial a Unidade Básica de
Saúde, que têm atualmente seu projeto previsto na mesma área ocupada pelo Coletivo –
não foi totalmente esclarecido através de reuniões internas do Coletivo e interlocuções
com gestores públicos23, sendo que estes, em específico o Subprefeito vigente, poucas
informações adiantaram sobre o que legalmente tem se proposto para a área. As
próximas páginas são esclarecimentos acerca dos documentos do processo
administrativo 2002-0.101.550-8, da Secretaria Municipal de Saúde.
Em maio de 2002, a Secretaria Municipal de Saúde, através do Distrito de Saúde
do Jaçanã, pediu a cessão de uma area junto à Av. João Simão de Castro para
construção de uma Unidade Básica de Saúde, para desenvolver o Programa Saúde da
Família24. A área pretendida se localizava a uma distância de três quarteirões de onde
atualmente o CICAS desenvolve suas atividades, situada entre as Ruas Claudio Santos e
Renato Serra, sendo que a localização remetia a um lote descampado na época. Próximo
à area pretendida, havia também a intenção de construção de um CEU (Centro
Educacional Unificado) pela Secretaria Municipal de Educação, que logo foi descartado.
A localização proposta para o CEU e a UBS, em local distante das habitações,
desconsiderou a grande população residente nos conjuntos habitacionais, ao propor um
equipamento isolado da comunidade, apesar de documentos públicos revelarem que
tanto a existência do equipamento de saúde quanto sua localização foi reivindicado pela
23 Foi realizada reunião em 30 de julho de 2010 com a arquiteta Maria Eduarda Pires, da subprefeitura; e com o Subprefeito José Luiz Sanchez Verardino, o Coletivo e o pesquisador, em 18 de novembro de 2011.
24 Processo administrativo 2002-0.101.550-8, folha de informação 01.
36
comunidade em 200125.
Esta localização não perdurou muito, ao passo que a Prefeitura alertou que a área
era de domínio da EMURB e tinha por finalidade a construção do Polo Logístico Fernão
Dias (na época, denominado Terminal de Cargas Fernão Dias). Em junho de 2002, a
Secretaria Municipal de Saúde optou pela área referente ao perímetro entre as Ruas da
Cavalgada e Inácio Firmo. Na época, o perímetro era ocupado por dois campos de futebol
e continha os devidos requisitos técnicos. Contudo, esta localização não foi aceita, ao
constatar que já haviam edificações e que estas ultrapassavam a taxa de ocupação
permitida em espaços livres. Atualmente, esta area contém uma escola de educação
primária, a EE Maria Antonieta de Castro.
Após diversas tentativas de cessão sem êxito, somente em 2003 a area contígua
da Avenida do Poeta, onde se localizam o campo de futebol mantido pelo Grêmio
Recreativo e o galpão atualmente ocupado pelo CICAS, foi requerida pela Secretaria
Municipal de Saúde. Na época, o centro comunitário encontrava-se sem uso, exceto o
vestiário ao lado, mantido pelo Grêmio, que também já exercia as atividades de futebol no
terreno ao lado.
Pretendia-se então transpor o campo de futebol para o terreno ao lado (onde
atualmente localiza-se o Coletivo) e utilizar-se do terreno para a UBS. Como a área já
estava no escopo de projeto do Terminal de Cargas Fernão Dias, sendo destinada à
paisagismo, optou-se pelo pedido da praça Pe. João Busco Penido Burnier, em
localização supostamente vizinha ao centro comunitário. Sobre o vestiário que na época
estava em uso, a única menção observada é a que indica que o grêmio “ficaria sem esta
estrutura caso seja demolido” 26.
25 Oficio n 495/2002 – SMS – G em 07 de maio de 200226 Memorando 208/SP-MG/GAB/03
37
Figura 18 – Área requerida pela Secretaria Municipal de Saúde, em 2002 e 2003 Fonte: GoogleEarth 2000; Elaboração: Rafael S
Em 2004, inúmeros documentos permitem uma conclusão prévia de um consenso
entre EMURB e Prefeitura para a cessão de toda a área da praça. Inclui-se nos
documentos deste ano um indeferimento em relação a um pedido de cessão do grupo
“Senhoras Unidas Conj. Hab. Fernão Dias”, efetuado em 1993, para a mesma área
requerida pelo Coletivo. Também foi observado, em 2004, uma nota da prefeitura que
declarava que o centro comunitário estava “parcial e indevidamente ocupado por
terceiros”27. Apesar de tal declaração, o ano de 2004 foi encerrado com um
encaminhamento à EDIF “para que o referido projeto arquitetônico e executivo da unidade
seja realizado.”28
Em 2005, pela primeira vez, foi apresentado um projeto arquitetônico que
contemplava a implantação em lote e o uso dos espaços para a UBS. O projeto29 se
27 Processo administrativo 2002-0.101.550-8, folha de informação 9528 Processo administrativo 2002-0.101.550-8, folha de informação 12329 Processo administrativo 2002-0.101.550-8, folha de informação 130
38
localizava ao lado do Centro Comunitário, no espaço que atualmente está ocupado pela
praça construída pela subprefeitura, recentemente. O projeto de UBS de dois pavimentos
apresentado permitia a manutenção do Centro Comunitário, utilização de parte do galpão
existente para vestiários e indicava a demolição do vestiário do Grêmio Recreativo, com
propostas de recuperação do espaço de entorno para uso da comunidade30.
Figura 19 – Área requerida pela Secretaria Municipal de Saúde, em 2004 e 2005Fonte: GoogleEarth 2004; Elaboração: Rafael S
Em 2006 e 2007, foi anexado nos documentos um Parecer Técnico de Fundação,
um Memorial Descritivo, uma Planilha de Orçamento de Custos Básicos para o perímetro
requerido e recomendações para empresas participantes da licitação, indicando que a
construção estava próxima de ser realizada e confirmando os dados de projeto
apresentados em 2005. Importante ressaltar que não é comentado nem anexado nos
documentos nenhum pedido de reintegração de posse ou qualquer similar, tampouco há
indicações de contatos ou diálogos com os ocupantes dos galpões, em especial o Grêmio
30 Processo administrativo 2002-0.101.550-8, folha de informação 133, 134.
39
Recreativo, que possuia um morador no local. O que se nota é uma articulação interna
entre poderes públicos a fim de solucionar tal impasse, sem ao menos haver alguma
menção de diretrizes a serem adotadas em relação aos ocupantes.
Segue um trecho do memorial descritivo, apresentado em 2007, mesmo ano da
ocupação do centro comunitário pelo CICAS:31
“Trata-se da construção de uma Unidade Básica de Saúde Padrão,
Segundo o projeto UBS Padrão 2 pav com 733 metros quadrados. A
implantação do prédio no local, contará com a demolição de uma
edificação (vestiário do grêmio recreativo) e de uma quadra esportiva e
reforma do vestiário do prédio existente (galpão ocupado atualmente pelo
CICAS); além da construção de duas quadras poliesportivas, colocação de
brinquedos industrializados no playground, construção de gradis com
mureta para fechamento, sistema de drenagem, tratamento arquitetônico
da area externa com plantação de árvores, grama e pavimentação para
circulação de pessoas, veículos, conforme o projeto de implantação”.
(em itálico, grifo meu)
No final de 2007, foi autorizada por fim a abertura de licitação, indicando o
encerramento das negociações entre os poderes públicos e a abertura para a construção
da Unidade Básica de Saúde32. Contudo, entre 2008 e 2010, o processo permaneceu
parado, em tentativas sucessivas da Secretaria Municipal de Saúde – Regional de Saúde
Norte de incorporação do projeto no Orçamento de 2008, 2009 e 2010, sem obter êxito
algum.
Já em 2010, observa-se as primeiras interlocuções entre a Secretaria Municipal de
Cultura e outras instituições interessadas pela area, através de uma demanda de vistoria
no local e de conhecimento de possíveis projetos da Secretaria Municipal de Cultura e
Subprefeitura Vila Maria – Vila Guilherme. Desta forma, a SIURB deu um parecer a partir
de uma reunião com arquitetos da subprefeitura, em que pode-se destacar:
“(…) fomos informados sobre a intenção daquela Subprefeitura (Vila
Maria- Vila Guilherme) de implantar um playground na mesma área do
terreno onde está prevista a implantação da UBS. Informamos que há
possibilidade de deslocar o prédio da UBS.
31 Processo administrativo 2002-0.101.550-8, folha de informação 16432 Processo administrativo 2002-0.101.550-8, folha de informação 242
40
Existe no local um galpão em péssimas condições de manutenção, que
deverá ser demolido para a implantação da UBS.
Fomos informados que a ONG CICA desenvolve no galpão algumas
atividades com crianças, porem não há documentos de cessão ou outra
forma de posse da area para a ONG.
Sem a demolição do galpão não há possibilidade de implantar outro
equipamento social no local, pois trata-se de area livre com t.o.=10%.”
(em itálico, grifo meu)
Depto de edificações – SIURB, 201033
Ainda em 2010, a SIURB anexou ao processo outro documento34 que continha,
entre outras informações, a descrição das pretensões da subprefeitura para a implantação
de um playground que ocupe “a mesma porção de terreno prevista para a implantação da
UBS” (SIURB, 2010). Também destaca-se neste documento o interesse da Secretaria
Municipal de Cultura em apoiar as atividades do Coletivo, e, por fim, a avaliação positiva
da SIURB de manter o Coletivo e a UBS na mesma porção de terreno, afirmando que “é
possível manter o galpão e implantar a UBS” (Ibd), sendo que a soma das areas não
ultrapassaria o permitido em lei para espaços livres e tal solução “atenderá projetos
futuros da Subprefeitura Vila Maria-Vila Guilherme” (Ibd35).
Esta solução, certamente, seria de comum acordo com o Coletivo, que apoia a
construção e desenvolvimento de uma UBS no local, contanto que haja também a
manutenção das atividades cotidianas do grupo.
Contudo, ao final de 2010, em vistoria, a SIURB constatou que “o terreno
encontra-se totalmente ocupado pela praça, construída pela subprefeitura” (Ibd36). A
opção colocada37, então, foi de modificar a localização da UBS para o lado do Coletivo,
onde atualmente há uma quadra de futebol recém construída pela subprefeitura, entregue
de forma inacabada. É possível que, para esta tomada de decisões, os gestores tenham
considerado o pedido de cessão feito pelo Cicas em 2010.
33 Processo administrativo 2002-0.101.550-8, folha de informação 26234 Processo administrativo 2002-0.101.550-8, folha de informação 27035 Processo administrativo 2002-0.101.550-8, folha de informação 27336 Processo administrativo 2002-0.101.550-8, folha de informação 28237 Processo administrativo 2002-0.101.550-8, folha de informação 287
41
Os documentos de 2011 são esclarecedores da situação atual em que se encontra
a area. O Relatório Fotográfico da Situação Atual da Praça Padre João Busco Penido
Burnier38 indica as localizações dos projetos desenvolvidos pela subprefeitura e a forma
como o galpão ocupado foi destituído do projeto das areas públicas, tampouco foi
considerado como area a ser demolida.
Figura 20 – Área requerida pela Secretaria Municipal de Saúde e projetos da subprefeitura de 2010 a 2012Fonte: GoogleEarth 2009; Elaboração: Rafael S
As últimas folhas de informação mostraram um avanço notável e derradeiro da
tomada de posição da Saúde, CRS Norte. São documentos extensos que tem por
finalidade justificar, algumas vezes de forma duvidosa, a intenção de remoção do Coletivo
para construção do Posto de Saúde, na Avenida do Poeta, 820.
38 Processo administrativo 2002-0.101.550-8, folha de informação 291
42
O documento apresentado em abril de 201239 mostra, além de dados do bairro,
como população, densidade e localização, a distribuição da faixa etária no bairro e as
principais causas de morte no bairro. Sobre esses, “há predominancia de faixas etárias de
crianças e jovens” e das principais causas de mortalidade apontadas no relatório, há
doenças relacionadas a aparelhos respiratório, mortes através de tráfico ou outras
atividades marginais e, com maior frequência, doença do coração e neoplastias
“comumente relacionadas à pobreza, drogas e violência”. Esta argumentação se aproxima
muito do que integrantes do CICAS tem apresentado no CADES e em reuniões do grupo,
apontando a necessidade da retirada do estacionamento de carretas do local e do
fortalecimento do Poder Público no trabalho direto com jovens e crianças, como o Coletivo
tem proposto em atividades.
O documento segue com um abaixo assinado, em que “o local identificado pelos
moradores está subutilizado e cujas atividades não são legitimadas pela população do J.
Julieta” e se refere ao galpão em que “com algumas reformas dará plenas condições de
instalar uma UBS para a população referida”. Foram apresentados três abaixo assinados
com a finalidade de comprovar a necessidade de uma UBS no centro comunitário
apropriado: um, sem o local de aplicação, efetuado no dia 28 de dezembro de 2011
quando o Coletivo já havia encerrado as atividades, com o título “reunião sobre a
implantação da UBS Jardim Julieta” sem ao menos mencionar a retirada do Coletivo;
outro sem data e local de aplicação, contudo mencionando a retirada do Coletivo; por
ultimo, um “abaixo assinado contra a ocupação inadequada de areas públicas por
entidades, associações e inclusive estacionamentos no Terminal de Cargas com fins
lucrativos na região do Jardim Julieta, Vila Sabrina e pela disponibilidade de um espaço
para implantação da UBS Jardim Julieta”.40 Ainda este ultimo abaixo assinado apresenta
que a comunidade está com uma grande carência “no atendimento na área de saúde e no
desenvolvimento de atividades esportivas e culturais destinadas às crianças da região”.
Através destes abaixos assinados, os documentos seguem reiterando o pedido de
cessão na “área ocupada pelo CICAS e reinvindicada pela população para a instalação da
Unidade Básica de Saúde do Jardim Julieta”41. O ultimo documento verificado até então42,
mostra a “área passível de transferência de administração à Secretaria Municipal de
39 Processo administrativo n 2002-0.101.550-8, folha de informação 29740 Processo administrativo n 2002-0.101.550-8, folha de informação 32041 Processo administrativo n 2002-0.101.550-8, folha de informação 33842 Processo administrativo n 2002-0.101.550-8, folha de informação 339
43
Saúde”, com seu perímetro definido exatamente onde se encontra o CICAS e o galpão do
grêmio esportivo, apresentado pela SEMPLA.
Figura 21 – Área requerida pela Secretaria Municipal de Saúde, em 2012Fonte: GoogleEarth 2009; Elaboração: Rafael S
Estes documentos se mostraram de extrema importância, ao revelar situações de
tomadas de decisões entre os diversos poderes públicos, por vezes articulados, por vezes
arbitrários, denotando um distanciamento com os grupos sociais e a comunidade,
inclusive utilizando-os como instrumento para justificar tomadas de decisão, como
verificado no caso dos abaixos assinados recentes. Este distanciamento ao longo dos
anos possibilitou diversas apropriações do espaço público e reflete atualmente em um
sério problema de gestão urbana, que será melhor explicado adiante.
44
Grupos sociais e o Poder Público
45
Uma das pretensões deste trabalho foi, essencialmente, de aplicar o conceito de
apropriação dos espaços proposto pelo laboratório, inserido na “interpretação da cultura
como ação social, política e afetiva, e da interpretação de problemas para construção
propositiva e ativa com outros parceiros” (SANDEVILLE JR: 2011, P10). O
acompanhamento sistemático do Coletivo CICAS e, em menor escala, do Grêmio
Recreativo Cidade Fernão Dias, além da observação e relato dos acontecimentos na área
de estacionamento de carretas, são referenciais que possibilitaram uma abordagem das
apropriações dentro da esfera das ações políticas e contestatórias, frente a presença do
Poder Público.
A análise destas ações, certamente, “somente pode ser pensada em um campo
experimental aberto, e de uma duração indeterminada, não imediata, na qual se constrói
em percurso o percurso” (ibid, P10), revelando um método de análise aberto, pronto a
receber alterações e se firmando ao longo do tempo de acordo com a observação das
dinâmicas urbanas a partir dos atores sociais envolvidos. Desta forma, a análise dos
processos envolvendo os atores sociais foi determinada no decorrer da pesquisa,
revelando o Coletivo CICAS como um dos principais grupos sociais atuantes no bairro.
O espaço ocupado pelo Coletivo, em 2007, possui duas edificações, ambas
pertencentes ao centro comunitário da COHAB Vila Sabrina. Durante anos, por abandono,
estes dois galpões foram apropriados por grupos sociais distintos, como na década de 90
através da Senhoras Unidas Conj. Hab. Fernão Dias. Atualmente, a edificação maior é
ocupada pelo Coletivo CICAS, a edificação menor é ocupada pelo Grêmio Recreativo
Cidade Fernão Dias para vestiário e ainda assim há um morador de rua43 que construiu
um pequeno barraco em torno de uma das paredes da edificação maior, ocupada pelo
CICAS.
O Grêmio Recreativo, além de utilizar o vestiário do centro comunitário, ocupa uma
área extensa descampada para realização de atividades desportivas, recortada pelas
Ruas Carlos Calvo e João Simão de Castro, no interior da Avenida do Poeta. Em 2011, a
partir da aproximação do Coletivo com o Grêmio, descobriu-se uma intenção desse grupo
de construção de um vestiário novo, em uma das extremidades do campo, através de
interlocuções e apoio político de uma vereadora local. Certamente, a construção de um
43 O morador é conhecido como Sabotage, mas pouco sabe-se dele.
46
vestiário novo permitiria a utilização da edificação menor pelo Coletivo, e inclusive
solucionaria impasses caso o pedido de cessão do CICAS fosse aceito – sendo que o
pedido considerou a área das duas edificações.
Ao final de 2011, deu-se início à construção do vestiário novo, através de processo
administrativo44 encabeçado pela Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação.
Nota-se que, possivelmente para possibilitar obras no referido local, houve a cessão do
espaço para a secretaria citada, tornando-se um CDC (Centro Desportivo da
Comunidade), apesar da gestão do espaço e a manutenção serem de atribuição do
Grêmio. Na identificação da obra, é possível observar o título “Obras de manutenção nas
instalações do CDC Campo C.F. do Conjunto Habitacional Fernão Dias, localizado à Av.
do Poeta, 740”.
Figura 22 – Ocupacão da Praça Pe João Burnier, a partir de grupos sociaisFonte: GoogleEarth 2009; Elaboração: Rafael S
44 Processo administrativo 2010-0.308.500-4
47
Já o Coletivo CICAS, em uma situação política desfavorável, aguarda o pedido de
cessão feito para a área das duas edificações. Contudo, para contemplar os impasses
vividos pelo Coletivo frente ao poder público, deve-se retomar o histórico das
interlocuções entre a subprefeitura, o Coletivo e o Laboratório.
As primeiras interações do pesquisador com o Coletivo foi com a finalidade de
mediar e relatar processos envolvendo o poder público. Em 2011, após tentativa da
subprefeitura de remoção do Coletivo, deu-se início às tentativas de reuniões e mediação
de conflitos entre o LabCidade e esta instituição pública, quando o pesquisador ainda não
havia sido contemplado com a bolsa de iniciação científica. Na ocasião, havia uma espera
para o pedido de cessão45 do espaço pelo CICAS e expectativas de apoio provindas da
Secretaria Municipal de Cultura, em acordos informais com o então Subprefeito Antonio
de Pádua Perosa. Havia então um consenso que envolvia a construção de um espaço
novo para o CICAS no mesmo local - encabeçado pela Secretaria Municipal de Cultura e
com execução pela subprefeitura - e a conclusão do projeto da praça pela subprefeitura,
na expectativa de um aval positivo em relação à concessão de uso do espaço para fins
culturais.
Durante este processo, em março do ano de 2011, houve a troca do Subprefeito,
assumindo então o militar José Luiz Sanches Verardino, que mantém o cargo até os dias
atuais. As reuniões que sucederam então revelaram uma nova desarticulação entre o
poder público e o Coletivo, a saber: em abril de 2011, houve reclamação por parte do
CICAS de despejo de entulho provindo da construção da praça na localização do
Coletivo; também na mesma época a subprefeitura informou que não poderia haver a
execução do projeto de arquitetura apresentado pela Secretaria Municipal de Cultura por
não haver ainda a concessão do espaço; outras reuniões propostas pelo pesquisador e
Coletivo não foram concretizadas por indisponibilidade do poder público, inclusive não
havendo outras respostas em relação à execução do projeto de adequação do espaço.
Neste mesmo período, o Coletivo foi contemplado com fomentos de incentivo à
cultura e representações em entidades civis, a saber: Aprovação no Programa VAI 2011
(01 projeto) - CICAS GRAVE II; o Selo Iniciativa Reconhecida Premio Cultura Viva (semi-
finalista como grupo informal – Ministério da Cultura); aprovação no Pontinho de Cultura
2010 (Ministério da Cultura); 2 representantes do CICAS eleitos como Conselheiros
45 Processo administrativo número 2010 - 0.283.109 - 8
48
Ambientais da Sociedade Civil no CADES Vila Maria Vila Guilherme. Nota-se com estes
dados uma desintegração entre políticas públicas e fomentos de apoio institucional, sendo
que o Coletivo possuiu apoio da Secretaria Municipal de Cultura e foi contemplado com
nomeações e projetos, contudo não conseguiu modificar sua situação de informalidade.
Em outubro de 2011, houve relatos de medição da área onde o CICAS se encontra
por funcionários da subprefeitura e Secretaria Municipal de Saúde. Nesta ocasião,
concretizou-se a intenção da subprefeitura de reformar o espaço para uma Unidade
Básica de Saúde, que foi confirmada e acompanhada pelo Coletivo e conferida junto aos
documentos públicos. Em reunião realizada em novembro de 201146, o Subprefeito propôs
um diálogo com a Secretaria Municipal de Cultura a fim de se informar sobre o processo
em andamento e buscar uma edificação para a instalação do Coletivo, reiterando a
posição de remoção. No mesmo ano, foram realizados diversos abaixo assinados com a
finalidade de justificar a retirada do Coletivo, sem o conhecimento dos integrantes do
Coletivo ou do próprio pesquisador.
As secretarias envolvidas no processo e a subprefeitura mostraram ao longo dos
dez anos de processo pouca ou quase nenhuma articulação para proposição de projetos
arquitetônicos e urbanos. À medida que as soluções arquitetônicas e urbanas fossem
sendo creditadas à acordos informais entre subprefeitura e o Coletivo, a Secretaria
Municipal de Saúde, interessada na área, não integrou as discussões propostas,
denotando uma ausência de articulação, ou mesmo níveis hierarquizados de articulação.
A subprefeitura, por sua vez, ocupou toda a extensão da praça através do Projeto
Florir, com instalação de playground, área de convívio, pista de skate e ecoponto,
isolando o centro comunitário do projeto de áreas públicas. Ao passo em que se
aguardava a construção de uma sede nova por parte da subprefeitura, em acordo
informal, em meados de 2011, o Coletivo fora notificado que não era possível a execução
de uma sede nova sem que a área pertencesse à Secretaria Municipal de Cultura. A
situação delicada em que se posicionou o Coletivo envolvia então uma outra disputa
política pela área: entre a Secretaria Municipal de Saúde e a Secretaria Municipal de
Cultura.
46 Reunião com o Subprefeito José Luiz Sanchez Verardino, o Coletivo e o pesquisador, em 18 de novembro de 2011.
49
A atuação do Coletivo CICAS, contestatória e política, insere-se no debate da
cidadania e do direito à cidade, permeado pelas recentes problemáticas apontadas neste
trabalho. A disputa política pelo espaço e a tomada de decisões em acordos entre
instituições denotam uma arbitrariedade de ações, que podem ser notadas através desta
abordagem entre os grupos sociais e as políticas públicas. Esta postura revelada pelo
poder público norteia a ideia de cidadania no Brasil como é entendida por Damatta, que é
enfraquecida pela organização hierárquica, burocrática e controladora do Poder Público,
em que “o todo predomina sobre as partes e a hierarquia é fundamental para a definição
do significado do papel das instituições e dos indivíduos” (DAMATTA:1991, P64). Assim,
confirma-se neste trabalho que a sociedade é dotada de múltiplas esferas de ações e
significações sociais, cujo o que impulsiona esse sistema é “a capacidade de relacionar e
de assim criar uma posição intermediária, posição que assume a perspectiva da relação e
que se traduz numa linguagem de conciliação, negociação, gradação” (Ibid, P79). De fato,
as diferenciações apontadas entre os grupos sociais para cessão do espaço e o
distanciamento hierárquico dos integrantes do Coletivo frente às decisões do poder
público, resultam em um entrave na esfera da cidadania e do direito à cidade, tornando
assim o Coletivo uma parte intermediária de acordos políticos.
50
Apropriações dos espaços públicos
51
No decorrer deste trabalho, notou-se que a região caracteriza-se por apresentar
inúmeras formas de apropriação dos espaços públicos. Contudo, as apropriações mais
intensas e que mobilizam maior número de pessoas, certamente, são decorrentes dos
espaços não tratados – o estacionamento de carretas, os diversos campos de futebol, o
Coletivo CICAS, os espaços públicos contíguos – o que denota que estas apropriações
são decorrentes do histórico de impasses das instituições públicas ao definirem planos e
projetos para as áreas livres no bairro.
A observação do estacionamento de carretas traz à tona formas de apropriação
decorrentes de desarticulação de políticas públicas. Se trata de uma porção de terreno
pertencente à SP Urbanismo47, de aproximadamente quinhentos metros quadrados, que
atualmente possui um extenso estacionamento de caminhões carretas nas ruas de terras
internas ao terreno, inclusive utilizando-se de áreas não pertencentes a esta delimitação.
O espaço do estacionamento é dotado de pequenos estabelecimentos comerciais,
tais como barracas e mesmo automóveis parados em que se vendem bebidas, acessórios
úteis aos caminhoneiros e comidas, principalmente nos bordos do terminal, junto à Av.
João Simão de Castro e Av. Do Poeta. O terreno não possui iluminação pública, sendo
que a energia utilizada pelas barracas é provinda de ligações irregulares. No período
noturno, o espaço tem aparência extremamente hostil, o que cria uma barreira urbana
entre moradores dos conjuntos habitacionais e entorno e o espaço ocupado pelos
caminhoneiros.
Ao buscar uma aproximação com o cotidiano do terminal, logo entende-se que se
trata de “um lugar perigoso, pois aqui não se tem lei nenhuma e se não for conhecido pelo
pessoal, (…) corre o risco de ser roubado ou coisa pior”48. Roberto, um dos caminhoneiros
que utiliza o espaço, afirma que a empresa a quem presta serviços utiliza o terminal para
descarregar cargas que adentram a São Paulo, liberando o caminhão para seguir rumo ao
Rio de Janeiro ou Santos. Afirmou também, que costuma ficar um dia no terminal
somente, é reconhecido pelo “pessoal que mantém” (Ibd) e por causa disso não se sente
incomodado ou inseguro ao utilizar o espaço. Quando perguntado sobre o “pessoal que
mantém”, preferiu não se manifestar, apenas declarando que sabe que “tem tráfico (de
drogas) e meninas menor de idade ganhando um dinheiro do pessoal” (Ibd). E segue:
47 A área pertencia à EMURB. Após a desintegração desta em 2009, passou a ser área da SP Urbanismo48 Relato de um caminhoneiro, em março de 2012.
52
“aqui só param carretas. As firmas mandam parar aqui porque não podemos no terminal
da prefeitura para carretas. Não gosto de parar aqui, mas eu cumpro regras”. (Ibd) E, por
último, “não tenho relação nenhuma com o pessoal, cumpro regras da empresa e se ela
manda, eu faço” (Ibd).
Em reuniões do Coletivo durante o tempo de pesquisa, percebeu-se que há
realmente prostituição infantil e adulta no interior do estacionamento de carretas, parte
através de mulheres de rua, parte através de residentes dos conjuntos habitacionais, de
acordo com conversas no Coletivo. Contudo, no interior do Coletivo, não há aproximação
com o “pessoal que mantém” o terminal, tampouco com caminhoneiros, reforçando a ideia
exposta por Roberto, de representar um lugar perigoso, em que não se deve ter
aproximação.
Figura 23 – Localização do estacionamento de carretasFonte: GoogleEarth 2009; Elaboração: Rafael S
53
Figura 24 – Vista para o interior do estacionamento de carretas, a partir da Av. João Simão de CastroFonte: Rafael S, 2011
Figura 25 – Prostituição infantil no interior do estacionamento Fonte: Rafael S, 2011
54
Ao atravessar a Av. Do Poeta, tem-se em uma das porções do espaço contíguo
público o CICAS, atualmente com o entorno ocupado por equipamentos recentemente
executados pela subprefeitura. O projeto de qualificação da praça Praça Pe. João Penido
Bosco Burnier – Projeto Florir, desenvolvido entre 2010 e 2012 – pretendeu plantar mudas
ao redor da praça e qualificá-la para uso da população, com passeios de pedestres e
tratamento paisagístico, bancos e mesas para jogos, playground, pista de skate e quadra
de futebol. Para a abordagem de apropriação, interessa-nos não somente o arranjo formal
do espaço, contudo “a natureza dos eventos nela verificados, tanto ou mais que pelo
sistema de objetos” (QUEIROGA:2003, P139). Em outras palavras, o “que define a praça
é o que nela se realiza” (Ibd, P139), sendo que se o espaço for dotado de sistemas de
ações que apresentem conotação pública, voltada ao encontro, já se trata de uma praça
(Ibd). Desta forma, nota-se que o espaço da praça não se limita ao sistema de objetos
observados. Durante o dia, há utilização da praça e do playground entre crianças e
adolescentes da COHAB Vila Sabrina, principalmente na pista de skate, sendo que
durante o final de semana esta ocupação aumenta. No período noturno, contudo, nota-se
o uso de drogas – principalmente maconha e crack – e um ambiente um pouco hostil na
praça, reforçado pela iluminação fraca que fora instalada recentemente. Nota-se uma
grande utilização da rua para as mesmas atividades observadas na praça – bicicletas,
skate, convivência, e no período noturno, o uso de drogas – fazendo com que o espaço
definido pela praça seja fluido em relação à rua.
Figura 20 – Praça Pe João Penido Bosco BurnierFonte: Rafael S, 2012
55
As apropriações, como práticas sociais ao ar livre (TANGARI V R; ANDRADE R;
SCHLEE M B: 2009, P63), ainda podem ser observadas como manifestação política, que
pode-se traduzir em apropriações pontuais no espaço ou mesmo apropriações sazonais
que possuem como palco uma gama de espaços, como as marchas, passeatas e
manifestações (Ibd).
O pesquisador acompanhou apropriações diversas do espaço público através do
Coletivo que contribuem para a análise da atuação política do grupo. Dentre essas, pode-
se destacar o Cortejo Unidos pela Paz, realizado em agosto de 2010, reunindo os grupos
de maracatu Mucambos de Raiz Nagô, Suburbaque, Baque Estendal, o Coletivo de Teatro
Nucleo Pavanelli, Coletivo Sarau da Brasa, entre outros. O Cortejo iniciou-se em uma
manhã de um domingo de agosto, rumo à praça dos Arcos, em que após uma
apresentação do Núcleo Pavanelli fora encerrado por um almoço comunitário, em frente
ao CICAS, aberto à população. Em abril 2012, o pesquisador acompanhou o evento de
aniversário de 5 anos do Coletivo, em que uma gama de atividades foram propostas à
comunidade, resultando em diversas apropriações dos espaços públicos de entorno ao
CICAS. Pode-se destacar, neste evento, o trabalho do Coletivo de Teatro Núcleo Pavanelli
em diversas apresentações na praça Carlos Koseritz no período da manhã, o campeonato
mirim de skate organizado pelo Coletivo, almoço comunitário, roda de capoeira,
apresentação do Maracatu Porto de Luanda, um Sarau em frente ao espaço do Coletivo,
na rua, apresentações de bandas (Xaymaca e Unification, ambas pertencentes a
integrantes do CICAS), instalação de som com dj na praça ao lado do Coletivo e como
encerramento um bolo de cinco metros de comemoração das atividades do Coletivo.
Percebe-se uma intenção do Coletivo de criar vínculos entre o grupo e o entorno
próximo, através de atividades culturais, desportivas e solidárias. Contudo, para além de
um sentido de identidade buscado pelo Coletivo com a comunidade, deve-se olhar para
estas apropriações através da ação coletiva e ativista que o CICAS propõe, inserida na
“ação que visa mudanças sociais ou políticas” (MESQUITA:2008, P11), refletidas através
da atuação política do Coletivo e o monitoramento das políticas públicas para o bairro,
bem como a crítica a estas.
56
Desta forma, as atividades propostas à comunidade em dias de festa tem por
finalidade constituir e produzir novas esferas públicas, que dependem de experiências e
da organização de formas alternativas de liberdade de expressão (Ibid, P12).
Figura 21– Apropriações do CICAS no espaço públicoFonte: GoogleEarth 2009; Elaboração: Rafael S
57
Figura 22 – Cortejo de Maracatu “Unidos pela Paz”Fonte: Carol Doro, 2010
Figura 23 – Núcleo Pavanelli em apresentação na Praça Carlos Koseritz Fonte: Rafael S, 2012
Figura 24 – Maracatu Porto de Luanda em apresentação na Praça Pe João P. Bosco BurnierFonte: Rafael S, 2012
58
Nota-se que a rua, nesta breve abordagem das apropriações a partir do Coletivo,
apresenta aspectos que extrapolam sua função mais restrita de circulação, apresentando
forte conotação pública, de livre acesso, voltada ao encontro, desde interações sociais do
cotidiano até as manifestações cívicas do Coletivo ou outros grupos sociais, refletindo
portanto características de praça (QUEIROGA)49. A praça, segundo Queiroga, é “um lugar
próprio para manifestações políticas, comemorações e protestos”(QUEIROGA:2003,
P139) sendo também um “espaço carregado de simbologias, de memórias do lugar” (Ibd),
e por fim “lugar por excelência da crítica e do ato público, do contrapoder” (Ibd).
As ruas do bairro Jardim Julieta possuem formas de apropriação diversas. Nas ruas
de entorno aos conjuntos habitacionais, observa-se nos finais de semana a rua como
palco de encontro e convívio, sendo também local para trabalho, observado através do
caldo de cana aos finais de semana no Grêmio Recreativo, a feira de domingo nas ruas
de entorno da praça Carlos Koseritz e os diversos estabelecimentos informais no terminal
de cargas. Estas ruas então são caracterizadas como local de trabalho – feira livre, caldo
e pastel, informalidade - conjugando ambiente de trabalho com lazer, através do futebol,
bicicletas e pipas, que invadem a paisagem urbana do bairro Jardim Julieta, conferindo-
lhe um significado social (ABRAHAO:2008, P128).
49 Para definir apropriações do espaço público características de praça, o autor utiliza o termo pracialidade.
59
Figura 25 – Mapa de apropriações do espaço público Fonte: GoogleEarth 2009; Elaboração: Rafael S
Figura 26 – Comércio ambulante no interior do estacionamento de carretasFonte: Rafael S, 2011
60
Figura 27 – Apropriação do espaço público a partir do Grêmio RecreativoFonte: Rafael S, 2011
A gestão e qualificação dos espaços também são fatores importantes na abordagem
das apropriações, sendo que a ausência de destinação para estes espaços podem influir
na diversidade de uso. Já os espaços especializados possuem a característica de servir à
grupos sociais diversos, fator este por vezes não contemplados em espaços de pouca
qualificação técnica. (TANGARI V R; ANDRADE R; SCHLEE M B: 2009)
A pesquisa buscou elencar os espaços públicos de entorno de qualificação técnica,
destinado ao uso mais restrito de grupos sociais diversos ou faixas etárias. Destacam-se
no bairro a requalificação da Praça Santa Luiza de Marillac e a reforma parcial da Praça
Pe João Bosco Penido Burnier, ambas através do Projeto Florir, com a locação de
campos de futebol, pista de cooper e passeios, aparelhos destinados à ginástica e
exercícios físicos. Observou-se nestas a praça a utilização por faixas etárias restritas,
sendo a maioria jovens durante o dia e noite.
Figura 28 – Praça Santa Luiza de Marillac Fonte: Rafael S, 2012
61
Figura 29 – Praça Pe João Bosco Penido BurnierFonte: Rafael S, 2011
Também foram averiguadas praças de certa qualificação técnica, mesmo com
manutenção por vezes inexistente, também foram vistoriadas e relatadas neste trabalho.
É o caso das Praças Lupércio Morelato, Praça Stuart Edgar Jones, Praça Carlos Koseritz,
Praça Lourenço de Bellis e Praça Diamantino de Jesus. São praças pouco tratadas,
carentes de equipamentos urbanos, com utilização principalmente entre crianças – no
caso do playground na Praça Diamantino de Jesus – e idosos – no caso da Praça
Lourenço de Bellis, através dos jogos de tabuleiro estampados nas mesas. Apesar de
possuirem morfologia e destinação destoantes entre si, observou-se também que estas
praças possuem como característica comum a serventia como parada final de linhas de
ônibus, com exceção feita à Praça Lourenço de Bellis.
Figura 30 – Praça Lupércio MorelatoFonte: Rafael S, 2011
62
Figura 31 – Praça Stuart Edgar JonesFonte: Rafael S, 2011
Figura 32 – Praça Carlos KoseritzFonte: Rafael S, 2011
Figura 33 – Praça Lourenço de BellisFonte: Rafael S, 2012
63
Figura 34 – Praça Diamantino de JesusFonte: Rafael S, 2011
Outras praças, bem como os espaços públicos contíguos verificados, fazem parte do
elenco dos espaços sem tratamento algum, sendo por fim espaços residuais em que não
foram destinados projetos por parte do Poder Público. Fazem parte deste elenco o espaço
público residual na Avenida do Poeta e Avenida Manuel Antonio Gonçalves e a Avenida
João Simão de Castro, vias com grande canteiro central subutilizado.
Figura 35 – Espaço residual na Avenida do PoetaFonte: Rafael S, 2011
64
Figura 36 – Espaço residual na Avenida Manuel Antonio Gonçalves; ao fundo, Favela do ViolãoFonte: Rafael S, 2011
Figura 37 – Espaço residual na Avenida João Simão de CastroFonte: Rafael S, 2011
A ausência de destinações específicas para espaços livres também resultou em
favelizações no entorno da área de estudo. Na porção norte da Avenida do Poeta,
encontra-se a Favela Montenegro, inserida nos bordos do Córrego Montenegro, com área
de aproximadamente 200 metros quadrados de ocupações ao longo do córrego. Por se
tratar de uma região limítrofe entre Subprefeituras – Vila Maria-Vila Guilherme e Jaçanã –
contudo pertencente à Subprefeitura Vila Maria-Vila Guilherme, trata-se de uma área
carente de projetos por parte do Poder Público.
Na porção sul do espaço livre da mesma avenida encontra-se a favela do Violão,
inserida nos bordos do córrego de mesmo nome. Com aproximadamente trezentos
metros quadrados de área ocupada, estende-se para além da Avenida do Poeta,
65
abrigando famílias em ambos os espaços públicos de entorno da avenida. É uma área
pertencente à SP Urbanismo, que nunca teve uma destinação clara, contudo surge no
Plano do Pólo Logístico Fernão Dias como “área social”, sem qualquer projeto destinado a
esta área. Já a área análoga a da Favela do Violão, descampada, até 2005 fora destinada
como estacionamento de carretas. Atualmente, trata-se de um espaço livre em que
crianças soltam pipas e jogam futebol.
66
Rio
Cabu
çu d
e Ci
ma
Rod
Fern
ão D
ias
Av d
o Po
eta
Av Manuel Antonio Gonçalves
Av João Simão de Castro
Córrego do Violão
Córrego Montenegro
LegendaEspaços públicos tratados Espaços públicos pouco tratados Espaços públicos residuaisPraça Luiza de Marillac Praça Lupercio Morelatto Av. do PoetaPraça Lourenço de Bellis
Av. João Simão de Castro
Favela do Violão (SP Urbanismo)Praça Pe. João Bosco P. Burnier Praça Stuart Edgar Jones Pr. do Caminhoneiro (SP Urbanismo)Praça Diamantino de Jesus
Estacionamento de carretas (SP Urbanismo)
Córrego Montenegro / Favela Montenegro
Córrego do ViolãoCDM Sauverino F. de Jesus Praça Carlos Koseritz Av. Manuel Antonio Golçalves
1 4 972 5 10
12
1511
13
16
1483 6
Mapa dos espaços públicosfonte: Rafael S
500 100 N150m
1
10 10
11
12 12 12
13
12
13
14
15
16
9
9
2
4
5
7
8
623
Uso e Ocupação do Solo
68
A avaliação das apropriações, sejam elas os espaços públicos criados pela
população voltados ao lazer ou mesmo as ocupações irregulares observadas, foram
elencadas neste trabalho com o intuito de esboçar potencialidades de paisagem para os
espaços livres no bairro. Para que esta abordagem tenha efeito, foi necessário avaliar não
somente os usos como formas de apropriação no espaço público, contudo também uma
abordagem do uso e ocupação do solo no entorno da área estudada.
O Plano Regional Estratégico da Subprefeitura Vila Maria/Vila Guilherme, no mapa
Uso e Ocupação do Solo, apresenta algumas diferenciações de usos e ocupação, a
saber: Zona Predominantemente Industrial (ZPI), referindo-se às áreas de terminal de
cargas; Zona Mista de Média Densidade (ZM2), referindo-se ao restante do território
estudado, exceto a Cohab Vila Sabrina; Zona Especial de Interesse Social 1 (ZEIS1),
referindo-se à COHAB Vila Sabrina. Ao rebater este mapa com a área de estudo, logo
percebe-se que este mapa não possui alcance na escala desejada, sendo por fim
insuficiente para uma avaliação mais cuidadosa dos usos e formas de apropriação
decorrentes dos usos.
Para tanto, foi elaborado um mapa de uso e ocupação na escala do bairro, a partir
de observações em campo e conversas com residentes e comerciantes. Observou-se que
há uma diferenciação de usos de acordo com as ruas, em que se pode observar:
- Uso habitacional de baixo padrão: Compostos pelos conjuntos habitacionais da
COHAB, favela do Violão e favela Montenegro, incluindo o “Bronx”, bairro à norte dos
conjuntos habitacionais em que predomina a ocupação por casas geminadas,
normalmente assobradadas e com poucos espaços livres. Por vezes, é possível observar
pequenos comércios, contudo são pontuais e não estão sendo considerados para essa
abordagem.
- Uso comercial / serviços: São as ruas que ladeiam os conjuntos habitacionais, em
especial as Avenidas Mendes da Rocha e Milton da Rocha, em que pode-se observar um
fluxo intenso de pessoas em dias de semana e fins de semana. A Avenida Mendes da
Rocha reúne comércios e serviços de pequeno porte e se caracteriza por apresentar um
maior adensamento do que a Avenida Mendes da Rocha. Foram observados nesta via a
disponibilidade de pequenos supermercados, mercearias, açougues, papelarias,
cabeleireiros, bancas, panificadoras, lojas de som, eletrônicos, pequenas lojas de roupas,
69
entre outros, e possui um grande fluxo de pessoas de dia. À noite, apenas pode-se
observar a presença de uma gama de botecos que também possuem grande utilização.
Já a Avenida Milton da Rocha se caracteriza por possuir um menor adensamento que a
Avenida Mendes da Rocha, apresentando maior fluxo de veículos (e leito carroçável
maior), passeios mais largos e disponibilidade de espaços públicos tratados nas
proximidades, como é o caso da Praça Lourenço de Belis (localizada à Av. Milton da
Rocha), que possui um uso intenso, como já abordado. As lojas observadas nesta via são
principalmente as relacionadas ao vestuário, mas também observou-se edificações
voltadas a venda de móveis, óticas, drogarias, eletrônicos, etc, e em ruas perpendiculares
observou-se lojas de menor porte, como papelarias, lan houses e panificadoras.
- Uso Industrial: Concerne aos espaços definidos pelo Terminal de Cargas Fernão
Dias e o estacionamento de carretas.
- Espaços públicos residuais: São os espaços não tratados já destacados que
envolvem o entorno da Avenida do Poeta e João Simão de Castro.
70
Rio
Cabu
çu d
e Ci
ma
Rod
Fern
ão D
ias
Av d
o Po
eta
Av Manuel Antonio Gonçalves
Av João Simão de Castro
Praça CarlosKoseritz
Praça Lourenço de Bellis
Rua d
a Cav
algad
a
Córrego do Violão
Av M
ilton
da
Roch
a
Av Mendes da Rocha
Córrego Montenegro
Legenda
Uso e Ocupação do Solofonte: Rafael S
Uso habitacional de baixo padrãoUso comércio e serviçosUso industrialEspaços públicos residuais
500 100 N150m
Em conversas abertas com a população, pode-se notar que as duas avenidas de
comércios e serviços citadas não se limitam à demanda cotidiana de comércios e serviços
intrabairro. Mais que isso, elas são pontos de referência para lazer e compras, sendo em
finais de semana o destino de moradores para encontro e convívio, principalmente de
jovens e crianças acompanhadas de adultos. A moradora Sueli ainda complementa:
“antes daqui (Avenida Milton da Rocha) eu ia até Santana e lá eu comprava o que queria,
roupas, sapatos, mas agora fico por aqui mesmo”.
O estudo do uso do solo é um instrumento que contribui na análise das dinâmicas
urbanas da região. Entende-se que, ao estudar em campo o uso do solo, é possível
também esboçar as atividades cotidianas da população, através dos pontos de encontro,
percursos e apropriações. Desta forma, é possível notar que não somente o tratamento
adequado dos espaços públicos são potencializadores da realização da esfera de vida
pública, contudo a organização intrabairro também determina os tipos de uso no espaço
público. Como exemplo, o pesquisador, ao visitar a Praça Lourenço de Bellis em um
sábado ensolarado, constatou que mais da metade dos usuários da praça foram ao local
para fazer compras, utilizando a praça como descanso ou ponto de encontro para a
realização das compras50. Esta abordagem também pode ser transferida à Praça Carlos
Koseritz, que apesar de apresentar apropriações diversas – como já observado – possui
também seu uso relacionado à parada final de ônibus e à Avenida Mendes da Rocha,
notável por ser uma referência de comércio local.
50 Em fevereiro de 2012 foi realizada uma pesquisa para saber os motivos da vinda da população até a Praça Lourenço de Bellis. Dos 20 perguntados, 14 relataram motivos associados à Avenida Milton da Rocha, uma importante avenida de estabelecimentos comerciais do bairro.
72
Considerações Finais
73
Este trabalho – Transformação da Paisagem e Apropriação dos Espaços Públicos no
Jardim Julieta, Vila Maria, São Paulo – teve por finalidade aplicar os conceitos estudados
no Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade - Núcleo Poéticas e Conflitos na Cidade.
A noção de paisagem como é entendida no núcleo se dá a partir de experiências
partilhadas e socialmente construídas entre os diversos agentes que interagem no espaço
urbano.
Ao avaliar o histórico de ações provindas do Poder Público para a área, percebe-se
que os planos destinados – em sua maioria no anseio de viabilizar o Terminal de Cargas –
denotam representações para o mesmo espaço destoantes do que vem sendo abordado
neste trabalho, ou seja, a necessidade de considerar as dinâmicas sociais ao conceber
planos e projetos para a área.
Flavio Villaça, em O Espaço Intraurbano no Brasil, coloca como aspectos estruturais
do espaço intraurbano o deslocamento do ser humano enquanto mercadoria força de
trabalho e enquanto consumidor (VILLAÇA:2001, P20). Por consumidor, o autor
exemplifica o termo através dos deslocamentos “casa-compras, casa-lazer, casa-escola”
(Ibd) atividades inerentes ao cidadão no espaço urbano. O autor ainda assume o grande
poder estruturador intraurbano das áreas comerciais e de serviços, já que estas
acumulam deslocamentos de trabalhadores juntamente aos deslocamentos por motivos
compras e lazer. No Jardim Julieta, fora verificado duas localidades que possuem estas
características – contudo em localizações pouco próximas dos grupos sociais estudados.
O histórico de planos e projetos para a área, entretanto, revela outros olhares para o
território que não o intraurbano. A pluralidade de áreas livres públicas pertencentes à SP
Urbanismo, em contraposição a uma demanda notável por equipamentos públicos,
espaços qualificados, habitação e lazer revela a posição do Poder Público de assumir a
área como estratégica do ponto de vista de estrutura regional, ou seja, dominada “pelo
deslocamento das informações, da energia, do capital constante e das mercadorias em
geral “ (Ibd), assim como observado em análise de planos e documentos públicos.
A partir destas constatações, as apropriações observadas nos espaços públicos não
tratados podem ser lidas a partir de dois aspectos: da indefinição de projetos e obras a
partir dos planos propostos envolvendo o Terminal de Cargas; da representação que os
planejadores públicos vislumbram para a área. Desta forma, não somente as
74
apropriações voltadas ao lazer e o ócio mas também ocupações como formas de
apropriação – como observado no caso das favelas – são decorrentes das políticas
públicas observadas no território.
A aproximação do pesquisador em um caso de ocupação de um espaço
abandonado – o Coletivo CICAS – possibilitou o entendimento e a discussão das
demandas sociais no bairro e apontou também às formas de atuação e diálogo da
subprefeitura com os grupos sociais e outras instituições. Ao passo que, tanto integrantes
do Coletivo quanto do Grêmio Recreativo apontavam para soluções integradas aos
espaços públicos – vislumbrando um plano de ocupação do espaço residual da Avenida
do Poeta com equipamentos públicos – as tomadas de decisões se mostraram pontuais e
pouco articuladas, como foi possível notar com a desarticulação entre a Subprefeitura,
Secretaria Municipal de Saúde e Secretaria Municipal de Cultura ao definir projetos para a
Praça Pe. João P. Bosco Burnier. Certamente, a desintegração dos projetos propostos
também pode ser apontada como elemento impulsionador de apropriações em espaços
subutilizados.
Desta forma, o acompanhamento do pesquisador a um Coletivo em situação de
informalidade, e portanto, em dificuldade frente ao Poder Público, foi benéfica ao
“contribuir para a discussão da cultura contemporânea na valoração e transformação das
paisagens” e permitiu “aprender em ação com outros parceiros” (SANDEVILLE:2011).
Com efeito, o ativismo proposto pelo Coletivo, entendido dentro do campo de crítica às
tomadas de decisão pelo Poder Público e às organizações institucionais, revelou ao
pesquisador níveis de compreensão das estruturas públicas que até então eram pouco
percebidas.
Essa aproximação das transformações da paisagem, através da percepção dos
diversos atores sociais, contribui para uma composição de diretrizes ambientais e urbanas
para cada região estudada. A percepção da paisagem, bem como seus conflitos, são
impulsionadores de questionamentos sobre as intervenções urbanas distanciadas da
realidade e das expectativas da população local, sendo necessário então repensar os
critérios de intervenção e urbanização. (ANGILELI, P265)
Entende-se que no decorrer deste trabalho, assumir a cidade e o território como
espaço de aprendizado do profissional arquiteto e urbanista é possibilitar uma formação e
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atuação socialmente comprometida com as demandas de profissionais que operam em
processos participativos de projeto, planejamento e gestão, e sobretudo no diálogo com
as pessoas envolvidas (SANDEVILLE JR:2011, P73). Esta dimensão da formação do
arquiteto possibilitou a inserção do pesquisador em processos de investigação da cultura
de construção e transformação das paisagens na periferia, suas condições de realização
e a discussão da produção, apropriação, através dos processos institucionais e seu
rebatimento sobre os atores sociais (SANDEVILLE JR:2011, P.76).
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