4 Esportes DOMINGO � Recife, 30 de novembro de 2014
Poucas são às vezes em
que Og de Souza, de 38 anos,
precisa franzir a testa e elevar
o olhar ao ter a atenção insti-
gada para uma conversa. As-
sumir o papel de interlocutor,
diante do skatista, deixa a
gravidade diferente, um pouco
mais atrativa. Funciona na
mesma pegada de um imã. A
gargalhada explosiva - bas-
tante peculiar, inclusive -,
transforma qualquer metro
quadrado de chão em sala de
estar. Mesmo de forma auto-
mática, meio que sem perce-
ber, a atitude de seus admi-
radores tem lá um ar de re-
verência. Mas, Og é alheio a
pedestais. Tanto que, ao se
despedir, faz questão de cum-
primentar ao estilo dos prati-
cantes da modalidade: um
aperto de mão com os dedos
entrelaçados. Afinal, assim
como ele, qualquer um pode
ser skatista.
Enquanto assistia televisão,
aos sete anos de idade, uma
propaganda de skate, que
tinha como protagonista o
então profissional pernambu-
cano Marcelo Agra, cativou de
imediato Og. À época, a po-
liomielite já havia tirado a ca-
pacidade de o garoto se sus-
tentar em pé. De casa, escu-
tava o barulho de rodinhas no
paralelepípedo das ladeiras
do bairro de Maranguape I,
em Paulista, e achou que fosse
possível também participar
daquele sobe e desce. “Eu vi
no skate um meio de trans-
porte que me daria mais agi-
lidade pra brincar na rua. De-
pois aprendi a descer ladeira.
E quando eu peguei a
manha... Cabou-se! Não lar-
guei mais”, explica a entrada
no mundo que o elevou ao
status de lenda nacional da
modalidade.
Og não lembra a última vez
em que precisou de cadeiras
de rodas para se locomover,
assim como também lhe falta
memórias dos tempos em
que chegou a andar com as
pró prias pernas. “Só sei que
um dia andei em pé pelas his-
tórias da minha mãe e da
minha avó”, conta. Apenas o
skate conseguia sustentá-lo
na juventude. Um ortopedista,
inclusive, chegou a apelidá-lo
de “cupim de aço”, pelas pró-
teses de vida útil muito curta
em poder de Og. Até a profis-
sionalização no esporte, teve
de enfrentar um intervalo de
um ano e meio longe da pai-
xão que o afastou da escola e
que ainda não lhe rendia di-
nheiro. “Minha mãe me man-
dou pra Natal (Rio Grande do
Norte) e eu trabalhei nos Cor-
reios, na área de Telegrama
Fonado, onde as pessoas li-
gavam para eu passar men-
sagens. Acabou que lá o skate
voltou para minha vida e
nunca mais me distanciei”,
afirmou Og.
Novamente ao assistir tele-
visão, o anúncio de uma com-
petição em Ponta Negra, in-
terior do Rio Grande do Norte,
o motivou a reencontrar com
o skate. Ao rever amigos do
Recife, participantes do cam-
peonato, se inscreveu e aca-
bou campeão. Outros dois
torneios, em seguida, ambos
no Nordeste, alçaram o per-
nambucano a novos títulos e
Og logo assinou contratos
com patrocinadores. Há 18
meses, o único profissional
da modalidade em atividade
no Estado está desempre-
gado. “A realidade mudou
muito. Parece não haver
mais interesse no esporte.
Este ano foi bastante duro,
mas não deixo me abater e
continuo treinando todo
santo dia”, contou o per-
nambucano, do skate trans-
formado em pernas, e que
só olha para baixo do al to da
rampa, no meio de uma
manobra.
O legendário Og de Souza
Da essência de Maranguape à grande fama internacional
■ SKATISTA superouas limitações físicas, conquistou omundo e seguevendo tudo deforma muitoparticular
ÚNICO profissionalpernambucano damodalidade, skatista continuaforte na busca pornovas oportunidadesna carreira
No meio do skate e outros esportes radicais, opernambucano Og de Souza é um nome muitoforte. A poliomielite que o acometeu quandocriança não impediu uma trajetória internacionalem cima das rodinhas, com profissionalização evivência com os maiores nomes da modalidade,uma das mais populares entre os jovens.
Folha resume
PAULO HENRIQUE TAVARES
BATISMO - As letras queformam o nome de Og nãosão uma opção artística -como o próprio gosta decontar. Og foi um nomeescolhido pelo avô, falecidoantes de o skate entrar navida do então garoto. Porconta disso, ele não sabe osignificado. O fato é que onome já foi passado ao filhode 13 anos. Og também é paide uma menina chamadaAna Julia, de 7 anos.
Saiba mais
Há três anos os amantes
do skate ganharam uma
nova área para a prática da
modalidade no Grande
Recife. No Jordão foi
fundado o projeto social
Escola de Skate, Cidadania e
Arte de Pernambuco
(Escape), que promove
aulas e ainda disponibiliza
um espaço coberto para as
atividades.
O projeto conta com cerca
de 90 jovens cadastrados e
funciona na Escola Professor
Jordão Emereciano. A
intenção dos idealizadores é
poder ampliar a prática para
outras comunidades
carentes do Recife.
“Recentemente, Og se
tornou mais um voluntário
do projeto. Essa foi uma
vitória para o Escape, porque
a história desse profissional
é uma inspiração”, disse um
dos fundadores do Escape,
Jimmy Souza.
“Eu só não conheço o
Oriente.” Og de Souza se
diz um privilegiado pela
vida proporcionada
através do skate.
Competidor de circuitos
internacionais, o atleta
teve a oportunidade de
conhecer o mundo,
mesmo com apenas o
primário em seu currículo
escolar. A experiência, no
entanto, o fez perceber
todas as lacunas deixadas
pelo Recife com relação
às questões de
acessibilidade. Há poucas
dúvidas na fala do skatista
ao eleger a capital como a
pior cidade para a
mobilidade de deficientes
físicos.
A problemática
evidenciada pelo atleta
não é motivada por
dificuldades lamentadas
em seu dia a dia. “Eu sou
um cara que não me
importo em entrar em
qualquer buraco. Eu ‘meto
as caras’ sem nenhum
medo. O skate, inclusive,
me proporciona mais
agilidade e controle total
dos meus movimentos.
Mas, eu penso naqueles
que não são como eu. E
realmente, Recife é uma
vergonha no atendimento
aos deficientes físicos”,
contou Og, em tom de
desabafo.
O único país em que ele
chegou a fixar residência
fora do Brasil foi os
Estados Unidos. Por conta
de campanhas
publicitárias, precisava
estender sua estadia além
das competições.
Na Europa, o
pernambucano já
participou de circuitos
que englobavam a maioria
dos países. Inclusive, foi
na Alemanha que o
skatista participou pela
primeira vez de um
circuito mundial,
conquistando, há 14 anos,
o prêmio de melhor
manobra. Em 2001, virou
garoto-propaganda no
continente. “Eu estampava
vários outdoors pelos
países.”
Trafegando pelas ruas sem acessibilidade Nova opçãopara o skate
“O SKATE me proporciona mais agilidade e controle total dos movimentos”, disse Og
Fotos: Peu Ricardo