8/18/2019 Modris Eksteins - A Sagração Da Primavera
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MODRIS EKSTEINS
A SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA ^A GRANDE GUERRA
E O NASCIMENTO DA ERA MODERNA
Tradução deROSAURA EICHENBERG
/
Rio de Janeiro — 1992
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Título original RITES OF SPRING
Copyright © 1989 by Modris Eksteins
Direitos para a língua portuguesa reservados, com exclusividade para o Brasil, à
EDITORA ROCCO LTDA.Rua da Assembléia, 10 Gr. 3101
Tel.: 224-5859
Telex: 38462 e d r c br
Printed in Braz///Impresso no Brasil
preparação de originais
Jo s é La u r e n i o d e Me l o
revisãoSa n d r a Pá s s a r o / We n d e l l Se t ú ba l
Q c He n r i q u e Ta r n a po l s k y—LÍX íV 'r - • ]V[AIRA#pa r u l l a
sldade de Brasilia \ <340.3
- é e o
2 *
CÍP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
Eksteins, Modris, 1943-E39s A sagração da primavera: a grande guerra e o nascimento
da era moderna / Modris Eksteins; tradução de Rosaura
Eichenberg. — Rio de Janeiro: Rocco, 1991.
Tradução de: Rites of spring.
1. Guerra Mundial, 1914-1918. 2. História moderna —
Século XX. I. ^Título.
91-0045
CDD — 940.3
940.31
CDU — 940.3
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Para Jayne
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SUMÁRIO
Prefácio . . ............ 11Prólogo: Veneza ................................................................ 17
PRIMEIRO ATO
I. PARIS .......................................................................... 25Visão .................................................................................. 2529 de maio de 1913 26Le Théâtre des Champs-Élysées ..................................... 34
Diaghilev e os Ballets Russes ........................ ................ 39Rebelião .............................................................................. 54Confronto e liberação ...................................................... 61O público .......................................................................... 67O escândalo como sucesso ............................................. 75
II. BERLIM .................................. 81Ver sacrum ........................................................................ 81Abertura ........................ 92Técnica ............................................................................... 99
A capital ............................ 103Kultur ................................................................................ 106Cultura e revolta ...................... .................................. v... 111A guerra como cultura ................................................. 123
III. NOS CAMPOS DEFLANDRES ............................. 130Um recanto de um campo estrangeiro ........................... 130
Canhões de agosto ............................................................ 134Paz na terra ...................................................................... 147O porquê ......................................................................... 154
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X. PRIMAVERA SEM FIM .......................... 381Alemanha, desperta! ............................ 381Herói vítima .................................................. 386A arte como vida .............................................................. 394O mito como realidade ............................................. 398
“Es ist ein Frühling ohneEnde!”......................
410
AGRADECIMENTOS ....................................... 419
NOTAS ................................................................................... 421
FONTES SELECIONADAS 453
ÍNDICE REMISSIVO ............................ 455
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1 C H A Z A U D
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PREFACIO
Quando nos aproximamos dos arredores de Verdun na Route Nationale 3, vindo de Metz, tendo já contemplado com prazer
a serenidade das colinas e prados ondulantes do campo dosVosges e a disciplinada guarda de honra de robustos carvalhos, somos de repente surpreendidos, a alguns quilômetrosda cidade, por uma vista lúgubre. Um borrão na paisagem.Um cemitério. Empilhados à beira da estrada estão cadáveresesmagados, corpos amassados, esqueletos cintilantes. Mas éum cemitério sem cruzes, sem lápides, sem flores. Poucos sãoos visitantes. Em geral os viajantes nem notam o lugar. Masé um memorial ilustre do século XX é de nossas referênciasculturais. Muitos diriam que é um símbolo de valores e objetivos modernos, de nossa luta e de nossos remorsos, a inter
pretação contemporânea do conjuro de Goethe, stirb und werde, “morre e transmuda-te”. É um cemitério de automóveis.
Se você continua até Verdun, atravessa a cidade e depoistoma o rumo de nordeste por estradas secundárias, pode acharo caminho que leva a um cemitério maior. Este tem cruzes.
Milhares delas. Fileiras e fileiras. Simétricas. Brancas. Todasiguais. Mais gente passa hoje pelo cemitério de automóveisdo que por este. Mais gente se identifica com os carros esmagados do que com o horror agora impessoal que este cemitérioevoca. Este é o cemitério em memória dos que morreram durante a batalha de Verdun na Primeira Guerra Mundial.
Este livro fala de morte e destruição. É um discurso sobrecemitérios. Mas, como tal, é também um íivro sobre o “trans-
mudar-se”. Um livro sobre o aparecimento, na primeira metade deste século, de nossa consciência moderna, especifica-
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mente de nossa obsessão com emancipação, e sobre o signifi
cado da Grande Guerra, como era chamada antes da deflagração da Segunda Guerra Mundial, no desenvolvimento dessa
consciência. E embora pareça, ao menos superficialmente, que
um cemitério de automóveis, com todas as suas implicações
— “Acho que os carros são hoje o equivalente cultural dasgrandes catedrais góticas”, escreveu Roland Barthes —, tenha
um significado bem maior para a mentalidade contemporânea doque um cemitério da Primeira Guerra Mundial, este livro ten
tará mostrar que os dois cemitérios estão relacionados. Para
que vingasse a nossa preocupação com a velocidade, o novo,
o transitório e a interioridade — com a vida vivida, como
se diz na gíria, “na pista de alta velocidade” —, toda uma
escala de valores e crenças teve de ceder o lugar de honra,e a Grande Guerra foi, como veremos, o acontecimento mais
significativo nessa evolução.
Nosso título, adaptado de um balé que é um marco de
modernismo, sugere nosso motivo principal: o movimento. Um
dos símbolos supremos de nosso século centrífugo e parado
xal, quando na luta pela liberdade adquirimos o poder da
destruição final, é a dança da morte, com sua ironia niilista-
orgiástica. A sagração da primavera, que foi apresentada pela primeira vez em Paris em maio de 1913, um ano antes da de
flagração da guerra, talvez seja, com sua energia rebelde e
sua celebração da vida através da morte sacrificial, a oeuvre
emblemática do mundo do século XX que, em sua busca de
vida, matou milhares de seus melhores seres humanos. Ini
cialmente, Stravinsky pretendia dar à sua partitura o título
de A vítima.
Para demonstrar o significado da Grande Guerra deve-se, é claro, lidar com os interesses e as emoções nela envol
vidos. Este livro aborda esses interesses e emoções nos termos
amplos da história^ cultural. Este gênero de história deve se
preocupar com algo mais do que a música, o balé e ás outras
artes, com algo mais até do que automóveis e cemitérios; deve
afinal desenterrar hábitos e princípios, costumes e valores,
tanto enunciados quanto pressupostos. Por mais difícil que
seja a tarefa, a história cultural deve, pelo menos, tentarcaptar o espírito de uma era.
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Esse espírito deve ser localizado no senso de prioridades
de úma sociedade. Balé, filmes e literatura, carros e cruzes
podem fornecer indícios importantes dessas prioridades, mas
estas últimas serão encontradas mais abundantemente na res
posta social a estes símbolos. Na sociedade moderna, como
este livro irá demonstrar, o público das artes, como o doshobbits* e heróis, é, do ponto de vista do historiador, uma
fonte de testemunhos até mais importante para a identidade
cultural do que os documentos literários, artefatos artísticos
ou os próprios heróis. A história da cultura moderna deve
ser, portanto, uma história não só de respostas mas também
de desafios, uma descrição tanto do leitor quanto do romance,
tanto do espectador quanto do filme, tanto da platéia quanto
do ator.Se esta idéia é apropriada ao estudo da cultura moderna,
então também é pertinente ao estudo da guerra moderna. Qua
se toda a história de guerra é escrita com um foco estreito
sobre estratégia, armas e organização, sobre generais, tanques
e políticos. Relativamente pouca atenção é dada ao moral e
à motivação dos soldados comuns numa tentativa de avaliar,
em termos amplos e comparativos, a relação entre a guerra e
a cultura. O soldado desconhecido se encontra à frente e nocentro de nossa história. Ele é a vítima de Stravinsky.
Como todas as guerras, a de 1914 foi considerada, ao
irromper, uma oportunidade não só de mudança, mas tam
bém de confirmação. A Alemanha, cuja unificação só ocorreu
em 1871 e que no espaço de uma geração se tornara uma
temível potência militar e industrial, era, às vésperas da guer
ra, a representante mais avançada da inovação e da renovação.
Apresentava-se, entre as nações, como a própria encarnaçãodo vitalismo e do brilho técnico. Para ela, a guerra devia
ser uma guerra de libertação, uma Befreiungskrieg, da hipo
crisia das formas e conveniências burguesas, e a Grã-Bretanha
lhe parecia a principal representante da ordem contra a qual
se rebelava. A Grã-Bretanha constituía, de fato, a principal
potência conservadora do mundo do fin-de-siècle. Primeira
* Personagens do ficcionista inglês J. R. R. Tolkien.
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nação industrial, agente da Pax Britannica, símbolo de umaética da iniciativa e do progresso baseada no parlamento ena lei, a Grã-Bretanha sentia que não apenas a sua primaziano mundo mas todo o seu modo de vida estava ameaçado
pela avassaladora energia e instabilidade que a Alemanha pa
recia tipificar. O envolvimento britânico na guerra de 1914iria converter uma luta pelo poder continental em verdadeiraguerra de culturas.
Ao mesmo tempo que as tensões se desenvolviam entreas nações neste mundo da virada do século, conflitos fundamentais vinham à tona em quase todas as áreas da atividadee do comportamento humano: nas artes, na moda, nos costumes sexuais, nas relações entre as gerações, na política. Todo
o motivo da libertação, que se. tomou tão predominante nonosso século — seja a emancipação das mulheres, dos homossexuais, do proletariado, da juventude, dos desejos, dos povos
—, aparece na virada do século. O termo avant-garde temsido em geral aplicado apenas a artistas e escritores que desenvolveram técnicas experimentais no seu trabalho e incitaram a rebelião contra as academias estabelecidas. A noçãode modernismo tem sido empregada para abarcar tanto esta
vanguarda quanto os impttlsos intelectuais que estavam portrás da busca de libertação 't do ato de rebeldia. Poucos críticos se arriscaram a estender estas noções de vanguarda ede modernismo aos agentes não só artísticos mas tambémsociais e políticos da revolta, e ao ato de rebelião em geral,com o intuito de identificar uma ampla onda de emoção eempenho. É o que este livro tenta fazer. A cultura é considerada um fenômeno social, e o modernismo, o principal im
pulso de nosso tempo. O livro sustenta que a Alemanha foia nação modernista par excellence de nosso século.
Como a vanguarda nas artes, a Alemanha foi varrida porum zelo reformista no fin-de-siècle e, por volta de 1914, passara a representar, tanto para si mesma quantò para a comunidade internacional, a idéia do espírito em guerra. Depoisdo trauma da derrota militar em 1918, o radicalismo na Alemanha, ao invés de se atenuar, se acentuou. O período de
Weimar, de 1918 a 1933, e o Terceiro Reich, de 1933 a 1945,foram estágios de um processo. A vanguarda tem para nós
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um eco positivo, as tropas de assalto, uma conotação assusta
dora. Este livro sugere que talvez haja entre esses dois termos
uma relação fraterna que vai além de suas origens militares.
Introspecção, primitivismo, abstração e construção de mitos
nas artes, bem como introspecção, primitivismo, abstração e
construção de mitos na política, talvez sejam manifestaçõesafins. O kitsch nazista pode ter uma relação de sangue com
a religião intelectualizada da arte, proclamada por muitos
modernos.
O nosso século é um período no qual a vida e a arte
se misturaram, no qual a existência tornou-se estetizada. A his
tória, como um dos temas deste estudo. tentará mostrar, cedeu
grande parte de sua autoridade passada à ficção. Em nossa
era pós-modernista, entretanto, uma solução conciliatória talvezseja possível e necessária. Em busca dessa solução nosso re
lato histórico segue a forma de um drama, com atos e cenas,
na acepção plena e diversificada dessas palavras. No princí
pio era o acontecimento. Só mais tarde veio a conseqüência.
BIBL IOTEr .A
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PRÓLOGO: VENEZA
‘Stava em Veneza, Ponte dos Suspiros; Um cárcere e um palácio em cada mão.
Lo f d By r o n 1818
Veneza, cidade dos doges, cidade do esplendor da Renascença,
cidade de lagunas, reflexos e sombras, é a cidade da imaginação. É uma cidade de espíritos para além do tempo mensurável. É uma cidade de sensações e, acima de tudo, de interioridade.
Veneza, com seus espelhos e miragens, é o lugar ondeRichard Wagner encontrou inspiração para sua ópera Tristão e Isolda, torturada celebração da vida, do amor e da morte,e onde morreu em 1883, no Palazzo Vendramin Calerghi,
num quarto com vista para o Canal Grande. Veneza tambémera a cidade favorita de Sergei Pavlovitch Diaghilev, que morreu no Grand Hotel des Bains de Mer no Lido, em agostode 1929. Wagner tentou unir todas as artes em sua grandiosaópera; Diaghilev tentou unir todas as artes em seu;grandioso
balé. Um criou; o outro foi artífice. Ambos foram símbolosde suas épocas. Ambos encontraram inspiração em Veneza.Ambos vieram a Veneza para morrer.
Diaghilev nasceu na província de Novgorod na Rússia,em março de 1872, numa caserna. Seu pai era oficial da guarda imperial, um leal e dedicado servidor do czar. O filho visitou Veneza pela primeira vez em 1890, aos dezoito anos, nacompanhia de seu primo e amante Dmitri Filosofov. Foi tam
bém a Veneza que ele levou Vaslav Nijinsky, o jovem bailarino polonês, depois da primeira grande temporada de ambosem Paris, em 1909. Diaghilev tinha trinta e sete anos, Nijinsky
vinte e um. Hospedaram-se no Grand Hotel des Bains, o em presário e seu novo e jovem amante. Vaslav ia freqüentemente
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banhar-se e tomar sol. Diaghilev ficava observando. Ele nunca
se banhava em público.
Passados dois anos, em 1911, Thomas Mann, que era
três anos mais moço do que Diaghilev e atribuía a Wagner
a maior influência sobre sua sensibilidade juvenil, e que em
1902 dedicara uma narrativa ao tema de Tristão, hospedou-seno Grand Hotel des Bains e pouco depois concluiu Morte
em Veneza, sua novela sobre um famoso artista de Munique,
Gustav Aschenbach, que também não se banhava em público
mas amava Veneza, “esta mais improvável das cidades”,1 e
um outro jovem polonês, Tadzio. Aschenbach sentava-se na
praia, admirando o garoto polonês, para ele o símbolo da
beleza perfeita. Quando a admiração se transformou em pai
xão, Veneza foi invadida pela cólera asiática.Como Diaghilev, Aschenbach nasceu na província, numa
pequena cidade da Silésia. Como Diaghilev, era filho de um
servidor do Estado, neste caso um alto funcionário da justiça,
e sua família também era cheia de oficiais, juízes e funcio
nários. Aschenbach, como Diaghilev, hospedou-se no Grand
Hotel des Bains no Lido.
Nas longas manhãs, na praia, seu olhar pesado descansa
va, imprudente e fixo, sobre o garoto; ao cair da tarde
o seguia, sem qualquer sentimento de vergonha, pelas
ruas estreitas da cidade, onde a morte horrenda também«circulava furtivamente; nessas horas, tinha a impressão
de que a lei moral se anulara e só o monstruoso e per
verso oferecia uma esperança.
Na manhã do dia em que Tadzio devia partir, Aschenbach
viu-o lutar na praia com outro rapaz estrangeiro, um sujeitoforte, Jaschiu. Tadzio foi rapidamente dominado. “Fazia es
forços espasmódicos para se livrar do outro, parava de mover-
se e depois começava fracamente a se contorcer.” Momen
tos depois Aschenbach morreu.
Passaram-se alguns minutos antes que viessem socorrer
o velho prostrado na cadeira. Levaram-no para o seu
quarto. E antes do anoitecer um mundo comovido e res peitoso recebeu a notícia de sua morte.
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Diaghilev conhecia bem a novela de Mann. Presenteou
amigos íntimos com exemplares dó livro. Anton Dolin rece
beu um exemplar no dia do seu aniversário em julho de 1924.
Em agosto de 1929, Diaghilev, então com cinqüenta e
sete anos, deixou seu mais recente protegido, o jovem Igor
Markevitch de dezesseis anos, em Munique, onde os dois ha
viam assistido a uma representação de Tristão, e retornou ao
Grand Hôtel des Bains em Veneza. Os bailarinos Boris Kochno
e Serge Lifar, dois dos novos amantes de Diaghilev, vieram
juntar-se a ele alguns dias mais tarde. Diaghilev, que era
diabético, morreu em 19 de agosto. Misia Sert estava presente,
junto com Kochno e Lifar. Depois que a enfermeira anun
ciou a morte, Kochno.jsohando um berro terrível, lançou-sede repente sobre Lifárí q sejmiu-se uma luta feroz, com mor
didas, arranhões e pcjínt^bé^A^Dois cachorros doidos lutavam
pelo corpo de seu^ tójno7, comentou Misia.2 Dois dias depois,
uma gôndola transportou o iorpo de Diaghilev para o cemi
tério da ilha de San Michele, onde ele está enterrado. A ins
crição na sua lápide diz:
Venise, Inspiratrice Éternelle de nos Apaisements*Se r g e d e D ia g h i l e v
1872-1929
Serge Diaghilev e Thomas Mann nunca se conheceram,
ao que parece. Mas a vida de um e a imaginação do outro
se sobrepuseram num grau evidentemente extraordinário. Coin
cidência é o nosso termo para a concomitância que não é
fruto de uma vontade consciente e que não podemos explicarem nenhum sentido definitivo. Entretanto, se nos afastamos
do mundo restritivo da causalidade linear e pensamos em ter
mos não de causa mas de contexto e confluência, é inegável
que havia muitas influências — para começar, as de Veneza
e de Wagner — operando na imaginação de Mann e de Dia
ghilev, dois gigantes do senso estético do século XX, influên
* Veneza, inspiradora eterna de nossos apaziguamentos.
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cias que levaram o primeiro a criar uma certa ficção e o
outro a levar uma vida extraordinariamente próxima dessa
ficção.
Além disso, cabe perguntar se a novela de Mann foi
menos real do que a vida de Diaghilev. Heinrich Mann, numa
resenha sobre o livro de seu irmão, percebeu que a questãocentral de Morte em Veneza era saber “o que veio em pri
meiro lugar: a realidade ou a poesia?”3 Em seu Esboço de
vida de 1930 Thomas Mann falou do "simbolismo inato” e
da "honestidade de composição” de Morte em .Veneza, um
enredo, afirmava ele, "tirado simplesmente da realidade”.
Nada foi inventado, garantia, nenhum dos cenários, nenhuma
das personagens, nenhum dos acontecimentos. Tadzio, como
ficou estabelecido desde então, foi de fato um certo Wladys-law Moes, um jovem polonês de férias em Veneza. Jaschiu
era um tal Janek Fudakowski. Aschenbach tinha uma clara
semelhança com Gustav Mahler, que morreu em 1911. Thomas
Mann, cuja arte é em geral notável por sua fusão de expe
riências autobiográficas e imaginárias, chamava sua novela
de ."uma cristalização”.4
Portanto, onde termina a ficção e onde começa a reali
dade? Talvez mesmo formular essa pergunta seja pressuporuma falsa antítese. Para Mann, o mundo exterior só tinha inte
resse como fonte de arte; a vida estava subordinada à arte.
E Diaghilev tentou levar a vida de uma personagem de fic
ção, um Rastignac moderno com a aparência de um Des Es-
seintes ou de um Charlus. Na virada do século Theodor Herzl
escrevia que "o sonho não é tão diferente da realidade como
muitos acreditam. Toda a atividade dos homens começa como
sonho e, mais tarde, torna-se sonho outra vez”. Aproximadamente nessa mesma época Oscar Wilde podia tomar .uma po
sição- caracteristicamente provocadora sobre a questão: "Uma
pessoa deveria viver de modo a se tornar uma forma de fic
ção. Ser um fato é ser um fracasso.”5 Apesar de anunciar a
intenção oposta, Marcei Duchamp tornaria indistintos os limi
tes entre a arte e a vida, ao inserir objetos reais na sua obra.
Justapondo uma face européia e uma máscara africana em
sua fotografia, Man Ray misturaria tempo, cultura e história.Truman Capote e Norman Mailer escreveriam "romances não
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ficcionais” e Tom Wolfe, com seu "novo jornalismo”, apre
sentaria a seus leitores o que um crítico chamou de "fábulas
de fatos reais”.6 Se há um único tema central na estética de
nosso século, é o de que a vida da imaginação e a vida da
ação são uma coisa só.
Serão? Não será tal fusão apenas a postulação autojusti-ficadora do artista do século XX? Um plágio moderno do
poeta-legislador de Shelley? Entretanto, talvez haja alguma
verdade na afirmação. Talvez em grande parte do século
XVIII e durante todo o século XIX o reino das idéias tenha
sido mais distinto do mundo da ação e da realidade social.
As duas esferas se achavam separadas por um senso moral,
um código social. Era muito mais provável que as idéias sur
gissem de um conjunto prescrito de princípios morais, derivado essencialmente do cristianismo e, parenteticamente, do
humanismo. A ação e o comportamento deviam ser interpre
tados em função dos mesmos princípios. Esse amortecedor,
entre pensamento e ação, um código moral positivo, desin
tegrou-se no século XX, e desse modo, no colossal roííian-
tismo e irracionalismo de nossa era, a imaginação e a ação
caminharam juntas e até se fundiram.
A sensação é tudo. O fantasma tornou-se realidade e arealidade um fantasma. De fato, John Ruskin descreveu Ve
neza como um "fantasma”
sobre as areias do mar, tão fraca — tão quieta — tão
destituída de tudo, menos de seu encanto, que bem po
deríamos ficar em dúvida, ao observar seu pálido refle
xo na miragem da laguna, sem saber qual era a Cidade
e qual a Sombra.7
Todos nos tornaremos venezianos, predisse Friedrich Nietzs-
che: "Uma centena de profundas solidões forma a cidade de
Veneza — esta é a sua magia. Um símbolo para a humanida
de futura.”8
Em 1986, enquanto Veneza continuava a deslizar para
o mar com uma rapidez perturbadora, uma exuberante exposi
ção, no valor de três milhões de dólares, intitulada "Futurismo e Futuristas”, ocorria no Palácio Grassi no Canal Grande.
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PRIMEIRO ATO
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I
PARIS
Novas meditações me provaram que as coisas devemavançar com os artistas à frente, seguidos pelos cientistas, e que cs industriais devem vir depois dessas duas
classes.
He n r i d e Sa i n t -Si mo n
1820
Sou tremendamente sensível a certas belezas físicas —dançarinas etc. — e com elas crio uma espécie de paraíso artificial na terra. Preciso estar perto da dança
para viver. Acho que foi Nietzsche quem' escreveu:“Só terei fé cm Deus se ele dançar/’
Lo u i s -Fe r d in a n d Cé l in e
Quem concebeu esse perverso Ritoda Primavera? Qual foi o malditoque achou de malferir nossos ouvidoscom rangidos e roncos e estampidos?
Carta ao Boston Herald 1924
VISÃO
O libreto, do próprio punho de Igor Stravinsky, diz, traduzido:
A sagração da primavera é uma obra musical coreográ-
fica. Representa a Rússia pagã e é unificada por uma
só idéia: o mistério e o jorro de poder criativo da Primavera. A peça não tem enredo. . .
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Primeira Parte: O Beijo da* Terra. A celebraçãoda primavera. . . Os flautistas tocam e os rapazes lêema sorte. Entra a velha.. Ela conhece o mistério da natureza e sabe predizer o futuro. Entram, vindas do rio, emfila indiana, moças de rostos pintados. Elas executam
a dança da primavera. Os jogos começam. .. As pessoasdividem-se em dois grupos, um oposto ao outro. A procissão sagrada dos velhos sábios. O mais velho e mais sá
bio interrompe os jogos da primavera, que ficam paralisados. Todos param, trêmulos... Os velhos abençoam aterra primaveril... Todos dançam apaixonadamente sobrea terra, santificando-a e unindo-se com ela.
Segunda Parte: O Grande Sacrifício. Durante toda
a noite as virgens praticam jogos misteriosos, caminhandoem círculos. Uma das virgens é consagrada como vítimae é duas vezes designada pelo destino, sendo apanhadaduas vezes na dança perpétua. As virgens homenageiam aescolhida com uma dança conjugal. Invocam os ancestrais e entregam a escolhida aos cuidados dos velhos sá
bios. Ela se sacrifica em presença dos velhos na grandedança sagrada, o grande sacrifício.1
29 DE MAIO DE 1913
Muitos pretenderam descrevê-la — aquela noite de estréiade Le Sacre du printemps em 29 de maio de 1913, umaquinta-feira, no Théâtre des Champs-Élysées: Gabriel Astruc,Romola Nijinsky, Igor Stravinsky, Misia Sert, Marie Rambert,Bronislava Nijinska, Jean Cocteau, Carl Van Vechten, Valentine Gross. Seus relatos entram em conflito a respeito dedetalhes significativos. Mas num ponto todos concordam: oacontecimento provocou uma reação sísmica.
Muitos na platéia estavam èxcepcionalmente elegantes naquela noite, quando chegaram para a abertura do pano às8:45h. Todos se mostravam excitados. Durante semanas haviam circulado rumores sobre as delícias artísticas que a com
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A imprevisibilidade era a moda mais elegante. Numa subse-
qüente representação de Le Sacre, Gertrude Stein observaria
o poeta Guillaume Apollinaire — que se proclamava o “juiz
desta longa briga entre a tradição e a inovação” — nas ca
deiras da platéia.
Ele estava com um traje a rigor e muito ocupado em
beijar as mãos de várias damas de ar importante. Foi o
primeiro de seu grupo a aparecer no mundo da alta socie
dade, de traje a rigor e beijando mãos. Nós nos diverti
mos muito e ficamos muito satisfeitas ao vê-lo compor-
tando-se desse modo.4
Em outras palavras, choque e surpresa eram o máximo da
elegância.
Independentemente das vestimentas, o público naquela
noite de estréia representou, como Cocteau observou, “o pa
pel escrito para ele”. E qual era esse papel? Escandalizar-se,
é claro, mas, ao mesmo tempo, escandalizar. O bruaá em
torno de Le Sacre estava tanto nas reações de membros do
público a seus pares quanto na própria obra. Em certos mo
mentos os bailarinos no palco devem ter se perguntado quem
fazia o espetáculo e quem era público.Pouco depois dos primeiros compassos da melancólica
melodia do fagote começaram os protestos, primeiro com asso
bios. Quando a cortina subiu e os dançarinos apareceram,
dando pulos e, contra todas as convenções, os pés virados mais
para dentro do que para fora, os gritos e as vaias se fizeram ou
vir. “Já tendo caçoado do público uma vez”, escreveu Henri Quit-
tard em Le Figaro, referindo-se aos Jeux, “a repetição da
mesma piada, de modo tão desajeitado, não foi de muito bomgosto”.5 Transformar o balé, a mais efervescente e fluida das
formas de arte, em caricatura grotesca era insultar o bom
gosto e a integridade do público. Tal era a atitude da oposi
ção. Sentia-se ofendida. Zombava. O aplauso era a resposta
dos defensores. E assim travou-se a batalha.
Trocaram-se certamente insultos pessoais; é provável que
também alguns socos; talvez cartões, para arranjar uma forma
de satisfação mais tarde. Se houve duelo ou não na manhãseguinte como resultado dos insultos, como assegura a melo-
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dramática Romola Nijinsky; se uma dama da sociedade real
mente cuspiu no rosto de um homem; se a Comtesse de Pour-
talès, como relata Cocteau, de fato se levantou com o diadema
torto, sacudindo o leque e exclamando: “Tenho sessenta anos
e esta é a primeira vez que alguém ousou caçoar de mim”;
todos esses detalhes são frivolidades sobre o significado daagitação. Ultraje e excitação houve em grande quantidade.
Realmente, o alarido foi tanto que, em certos momentos, a
música talvez tenha sido quase abafada.
Mas abafada còmpletamente? Alguns relatos dão a im
pressão de que ninguém, com exceção dos músicos da or
questra e do maestro Pierre Monteux, ouviu a música depois
dos compassos iniciais — nem mesmo os dançarinos. Primei
ro Cocteau e depois Stravinsky nos transmitiram uma imagemde Nijinsky nos bastidores, de pé sobre uma cadeira, gritando
números para os dançarinos.6 Mas ele assim fazia por causa
da dificuldade da coreografia e da falta de ritmos convencio
nais na partitura musical — Nijinsky havia sistematicamente
adotado essa atitude nos ensaios —, e não, como Cocteau e
Stravinsky desejariam que acreditássemos, por causa de quais
quer problemas que os dançarinos estavam tendo para escutar
a orquestra. Valentine Gross, cujos desenhos sobre os BalletsRusses estavam em exposição no foyer naquela noite, nos dei
xou uma descrição deliciosamente viva, mas um pouco absurda:
Não perdi nenhum lance do espetáculo que acontecia
tanto na platéia quanto no palco. De pé entre dois cama
rotes centrais, sentia-me muito à vontade no meio do tur
bilhão, aplaudindo com meus amigos. Achei que havia
algo de maravilhoso na luta titânica que devia estar ocorrendo para manter unidos esses músicos inaudíveis e
esses dançarinos surdos, em obediência às leis de seu in
visível coreógrafo. O balé era assombrosamente belo?
O quadro que ela pinta — músicos que não podem ser ouvi
dos, dançarinos que não conseguem ouvir — não tem um
caráter abstrato e absurdo? E no entanto, embora, como deixa
implícito, não pudesse ouvir a música, nem soubesse em queritmos os dançarinos estavam dançando, Valentine Gross diz
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que achou o balé "assortibrosamente belo”! Estaria ela rea
gindo ao que ouviu e viu na obra de arte apresentada, ou
estaria respondendo retrospectivamente a todo aquele delicio
so affaire?
Um toque do moderno dramaturgo também está presente
nos relatos de Cari Van Vechten. Ele tinha sido crítico demúsica e dança — o primeiro desses seres nos Estados Uni
dos — do New York Times antes de ir à Europa em 1913
como crítico teatral do New York Press. Alguns meses antes
ajudara Mabel Dodge a lançar seu famoso salão em Nova
York. "Apupos e vaias se sucederam à execução dos primei
ros compassos”, escreveu ele sobre a première de Le Sacre,
e depois seguiu-se uma explosão de gritos, contra-atacada por aplausos. Guerreávamos em torno da arte (alguns
achavam que era arte, outros achavam que não era) . . .
Uns quarenta dos que protestavam foram expulsos do tea
tro, mas isso não pôs fim aos distúrbios. As luzes da
platéia estavam totalmente acesas, mas o barulho conti
nuava, e eu me lembro da Srta. Piltz [a virgem esco
lhida] executando a sua estranha dança de histeria reli
giosa num palco obscurecido pela luz ofuscante da sala,aparentemente acompanhada pelos delírios desconexos de
uma multidão de homens e mulheres encolerizados.8
A imagem dos bailarinos dançando ao compasso da zoeira do
público é maravilhosa e reveladora. O público participou desse
famoso espetáculo tanto quanto o corpo de baile. E a que lado
pertenciam os contestadores expulsos? Quarenta? Para remo
ver um número desses teria sido certamente necessário todoum destacamento de seguranças. E ninguém, nem mesmo o
gerente do teatro, Gabriel Astruc, faz qualquer menção à
existência de tal pessoal eventualmente de plantão, nem a uma
expulsão em tão grande escala. Além do mais, Bronislava Ni-
jinska afirma, ao contrário de Van Vechten, que a "dança da
virgem escolhida” de Maria Piltz foi recebida com relativacalma.9
Outra versão da excitação dessa noite de estréia, dada por Van Vechten em outro lugar, revela que ele dificilmente
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é uma fonte confiável quanto aos detalhes. É de supor quetenha assistido à primeira e à segunda apresentação de Le Sacre, e, para sermos bondosos, parece ter confundido incidentes de ambos os espetáculos.
Eu estava num camarote em que havia alugado umacadeira. Três damas sentavam-se à minha frente, e um jovem ocupava o lugar atrás de mim. Ele ficou de pédurante todo o balé para poder ver melhor. A intensaexcitação de que estava possuído, graças à poderosa força da música, revelou-se daí a pòuco quando ele começou a bater ritmicamente no alto da minha cabeça comseus punhos. Minha emoção era tão grande que durante
algum tempo não senti os golpes, que estavam perfeitamente sincronizados com o ritmo da música. Quando percebi, me virei. Suas desculpas foram sinceras. Ambostínhamos sido arrebatados pela música.10
Neste relato a música evidentemente podia ser ouvida!Van Vechten gostaria que acreditássemos que esta é uma descrição da barulhenta noite de estréia, mas sabemos por Ger
trude Stein, que era uma das “três damas” sentadas à frentede Van Vechten, que ela assistiu apenas à segunda representação, na segunda-feira! E segundo Valentine Gross, que esteve presente em todas as quatro apresentações de • Le Sacre em Paris naqueles meses de maio e junho, a batalha da primeira noite não se repetiu. O que simplesmente sugere quea versão de Gertrude Stein não merece mais crédito do queas outras: “Não podíamos ouvir nada. . . durante toda a
apresentação, não se podia, literalmente, ouvir o som da música.”11 Literalmente? Uma partitura para mais de cem instrumentos não podia ser ouvida? Gertrude Stein foi para casacom Alice B. Toklas e escreveu não um artigo sobre o balé,mas um poema, “The One”, inspirado no estranho em seucamarote, Cari Van Vechten. Talvez simplesmente não estivesse prestando atenção à música.
A quem devemos dar crédito? Gabriel Astruc afirma em
suas memórias que gritou de seu camarote pouco depois deiniciado o espetáculo, na noite de estréia, “Écoutez d'abord!
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Vous sifflerez après!* e que imediatamente, como se em res
posta ao tridente de Netuno, a tempestade amainou: “O final
da obra foi ouvido em completo silêncio.” Apesar de todas
as contradições evidentes nos relatos de memória, estas têm
sido citadas indiscriminadamente em toda a literatura secun
dária que descreve aquela noite de estréia de 29 de maio de1913.
Mas e as matérias da imprensa? Não são mais confiáveis
que as memórias como auxílio para determinar exatamente o
que aconteceu. Foram escritas mais por críticos de plantão do
que por repórteres em sentido restrito, e conseqüentemente
todos manifestaram atitudes de parti pris semelhantes às das
divisões do público. Os comentários çríticos dirigiram-se mais
detalhadamente à partitura de Stravinsky do que à coreografia de Nijinsky — reflexo do treinamento dos críticos —,
mas isso de qualquer modo sugeria que grande parte da mú
sica tinha sido de fato ouvida.
Onde nos deixa toda essa confusão? Não haverá provas
suficientes para sugerir que o distúrbio foi causado mais pelas
facções em guerra no público, por suas expectativas, seus pre
conceitos, suas idéias preconcebidas sobre arte, do que pela
própria obra? Esta, como veremos, certamente explorava tensões, mas dificilmente as terá causado. As descrições dos
memorialistas e até os relatos dos críticos estão mais volta
dos para o scandale do que para a música e o balé, mais para
o acontecimento do que para a arte. Nenhuma das testemu
nhas jamais se refere ao resto do programa daquela noite, à
recepção dada às Sílfides, ao Espectro da rosa e ao Príncipe
Igor. Algumas pessoas, como Gertrude Stein, tão fascinadas,
mesmo que em retrospecto, por este happening do começodo século XX, insinuaram que estavam presentes quando cla
ramente não estavam. Pode-se censurá-las? Ter feito parte do
público naquela noite era ter participado não apenas de outra
exposição mas da própria criação da arte moderna, porque
a reação do público era e é tão importante para o significado
desta arte quanto as intenções daqueles que a introduziram.
* Escutem primeiro. Depois podem assobiar!
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A arte transcendeu a razão, o didatismo e um propósito mo
ral: a arte tornou-se provocação e acontecimento.
Assim, Jean Cocteau, que com sua prosa em staccato
— tão adequada à dicção percussiva de Le Sacre — nos deu
muitas de nossas duradouras imagens daquela noite de es
tréia, não hesitou em admitir que estava mais preocupadocom a verdade "subjetiva” que "objetiva”; em outras pa
lavras, com o que ele sentiu, com o que imaginou, e não
com o que realmente ocorreu. Seu relato do que aconteceu
depois da apresentação de Le Sacre — a versão de que, junto
com Stràvinsky, Nijinsky e Diaghilev, teria saído de carro às
duas horas da madrugada para o Bois de Boulogne, e de
que Diaghilev, com as lágrimas correndo pelo rosto, teria
começado a recitar Pushkin — foi contestado por Stràvinskye é um texto que é uma combinação de peça de teatro,
poesia e prosa. Mas a maioria de nossas outras testemünhas
não é diferente.
As imagens de Valentine Gross são igualmente literá
rias: os compositores Maurice Delage, "vermelho de indigna
ção como uma beterraba” e Maurice Ravel, "truculento como
um galo de briga”, e o poeta Léon-Paul Fargue "expelindo
comentários arrasadores na direção dos camarotes que vaiavam”. O compositor Florent Schmitt teria chamado de "pros
titutas” as damas de sociedade do Décimo Sexto Arrondisse-
ment e de "velho vadio” o embaixador do Império Austro-
Húngaro. Alguns afirmaram que Saint-Saéns, enfurecido, saiu
do teatro cedo; Stràvinsky disse que ele nem estava presente. Tudo isso é matéria de literatura, ou fato fermentado
pelo ego e pela memória e transformado em ficção.
Mas o que dizer do outro campo, o dos pompiers, oufilisteus, como eram chamados pelos estetas? Seu testemunho
é naturalmente mais limitado. A maior parte da crítica saiu
na imprensa quase imediatamente, más também ela estava to
talmente absorvida no acontecimento, nas implicações sociaisda arte, mais do que na própria arte.
Onde termina a ficção e onde começa o fato? Aquela
noite tempestuosa se destaca, com razão, como um símbolo
de sua época e um ponto de referência deste século. Do cenário no recém-construído e ultramoderno Théâtre des Champs-
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Elysées, em Paris, passando pelas idéias e intenções dos prota
gonistas principais, até a reação tumultuosa do público, aquela
noite de estréia de Le Sacre representa um marco no desen
volvimento do “modernismo”, modernismo como, acima de
tudo, uma cultura do acontecimento sensacional, através do
qual a arte e a vida se tornam ambas; uma questão de energiae se fundem numa coisa só. Dada a significação t crucial do
público nesta cultura, devemos olhar para o contexto mais
amplo de Le Sacre.
LE THÉÂTRE DES CHAMPS-ÉLYSÉES
A avenida Montaigne passa entre os Champs-Elysées e a
praça d’Alma no Oitavo Arrondissement . Situado numa área
de Paris que experimentou nova expansão perto do fim do
último século, o bairro fora ocupado, mesmo antes de 1914,
pela haute bourgeoisie, que ocupava também Parc Monceau,
Chaillot, Neuilly e Passy. No número 13 da avenida arbo
rizada fica o Théâtre des Champs-Elysées. Hoje em dia alise apresentam os maiores artistas do mundo.
O teatro é um dos exemplos mais belos do trabalho de
Auguste Perret, que alguns consideram “o pai da moderna
arquitetura francesa”.1 Construído entre 1911 e 1913, per
tence à primeira geração de edifícios erigidos em concreto
armado. Mas, ' além do uso de novos materiais, aço e con
creto no lugar de tijolo ou pedra, uma preocupação impor
tante de Perret foi incorporar e projetar em seu trabalho o
que ele considerava uma nova honestidade e simplicidade de
estilo. Junto com seu contemporâneo Tony Garnier, reagia
contra os predominantes estilos compósitos e pesados do pas
sado ou a moda maneirista em voga do art nouveau, com sua
ornamentação e ostentação. Linhas claras e uma nova liber
dade no uso do material eram essenciais. "Como toda a arqui
tetura baseada em falsos princípios”, escreveu Garnier, "a arquitetura antiga é um erro. Só a verdade é bela. Na arqui-
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tetura, a verdade é o resultado de cálculos feitos para satisfazer necessidades conhecidas conr materiais conhecidos”.2
Para sua época ostentosa, esta era uma formulação ousada e agressiva que ecoava afirmações semelhantes de arquitetos e urbanistas de outros lugares, especialmente Alemanha
e Áustria. “Ornamento é crime”, insistia Adolf Loos. Charles-Édouard Jeanneret, um suíço de vinte e um anos, era um jovem colega que, em 1908, estudava à tarde e de manhã tra balhava no escritório de Perret. Certo dia, Perret perguntouao jovem, que devia mais tarde tomar o nome de Le Cor busier, se já tinha ido ver o palácio de Versalhes. “Não,nunca irei!” foi a resposta. “E por que não?” “Porque Versalhes e a época clássica não são senão decadência!”3
Em 1902-1903 Perret tinha construído um bloco de apartamentos de oito andares na rua Franklin 25bis que era revolucionário em seu emprego de materiais e seus efeitos espaciais. Duas colunas de impressivas janelas salientes pareciamestar suspensas sem apoio e atraíam a atenção para a radical aplicação de vidro e concreto em padrões retangulares.Havia algum relief na fachada, mas, ao contrário do estiloart nouveau, não se impunha ao olhar. Os diplomados da
tradicional École des Beaux-Arts consideravam a nova com posição, à luz de sua surpreendente simplicidade, mais comouma questão de engenharia que de arte. O Théâtre des Champs-Élysées provocou reação semelhante.
A maior parte da construção dispendiosa da época eraimitação direta de um estilo dos séculos XVII ou XVIII, com
pouca imaginação. Esse mesmo estilo baseava-se em padrõesclássicos revividos primeiro na Itália e depois exportados para
o norte. O modo sincrético do Grand e do Petit Palais, am bos a um passo da avenida Montaigne e construídos para aexposição internacional de 1900 — quando Paris festejoua si mesma — exemplificava esta tendência imitadora. Emcomparação, o Théâtre des Champs-Élysées parecia despido.Suas linhas eram claras, até frias. A construção em cimentoarmado, com superfícies lisas e arestas agudas, transpiravaforça. Os espaços para os cartazes estavam em perfeita rela
ção geométrica com os outros padrões retangulares da fachada, com as janelas, as entradas e os painéis de hauts-
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A tendência era considerar o edifício como uma afronta arquitetônica ao bom gosto, à sociabilidade e à cortesia pari-rienses.5
A referência aos alemães não deve ser explicada apenasem termos de ódio a um inimigo numa época de nacionalismo
ressurgente. A Alemanha liderava de fato o desenvolvimentode um novo estilo arquitetônico baseado numa aceitação daindústria e da inevitabilidade do crescimento urbano. Emboraenfrentando ainda ampla oposição, na Alemanha a nova estética arquitetônica tinha ultrapassado os limites de um estilode vanguarda aceito por um pequeno número de indivíduos. No final da primeira década deste século muitas das princi pais escolas e academias de arte estavam sob a direção de
pessoas de idéias progressistas como Peter Behrens em Düsseldorf, Hans Poelzig em Breslau e Henry Van de Velde emWeimar. A influente Werkbund alemã, com sua agressiva preocupação com qualidade, utilidade e beleza em todas as obrasindustriais, foi fundada em 1907 e influenciou profundamentetoda uma geração de estudantes, entre eles Walter Gropiuse Ludwig Mies van der Rohe. Nesse mesmo ano, 1907, a
poderosa companhia de eletricidade alemã, Allgemeine Elektri
zitäts-Gesellschaft, nomeou Peter Behrens seu cohselheiro arquitetônico, o que indicava quanto as novas idéias haviamse espalhado. Na Áustria ocorriam fatos semelhantes. Pode-secompreender, portanto, que Auguste Perret fosse, na mentede muitos franceses, um agent provocateur a serviço espiritual, senão francamente remunerado, dos alemães.
Acusações semelhantes a essas dirigidas contra Perrettambém foram feitas a Gabriel Astruc, o empresário parisiense
que abertamente confessava ser, ao contrário da maioria dosfranceses nos anos anteriores a 1914, um xenófilo, um simpatizante dos estrangeiros.6 Dono de uma personalidade emocionalmente descomedida, cuja grande paixão sempre foi ocirco e que, em suas memórias, contou com igual prazer eanimação, de um lado, o fato de ter assistido à execução dequatro criminosos na guilhotina e, de outro, suas realizaçõesadministrativas, Astruc descendia de sefarditas espanhóis e era
filho de um grande rabino. Pelo casamento veio a participarda editora de música Enoch e, com ajuda financeira do melô-
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apoio financeiro — Vanderbilt, Morgan, Stillman, Rothschild,Cassei —, além do suporte, tanto moral como financeiro, deOtto H. Kahn, presidente da New York Opera.
O teatro foi inaugurado em 30 de março de 1913. Luzes projetadas na fachada enfatizavam a alvura do prédio, sua
simplicidade, e realçavam os relevos do friso de Bourdelle, Apoio e as Musas. Astruc observou o público da primeiranoite chegar para ouvir o concerto inaugural dedicado a Ben- venuto Gellini de Berlioz e a O franco-atirador de Weber.
Ao entrar no saguão-, as pessoas pareciam ficar a princípio ofuscadas. Depois paravam para olhar. Algumas ficavam alvoroçadas. Outras davam risadinhas. A maioria,
antes de emitir uma opinião, esperava para ouvir a dovizinho. As palavras "Munique”, "alemão neoclássico”se mesclavam aqui e ali.
Jacques-Émile Blanche escutou reações semelhantes — "tem plo teosófico”, "belga” —, mas foi bastante astuto para notar que certos motivos artísticos do teatro e seus programastinham uma visível inclinação para a tradição. Todo o em
preendimento era uma tentativa simbólica de sintetizar im pulsos modernos e tradicionais.9 Paris, entretanto, ainda nãoestava preparada para essa solução.
DIAGHILEV E OS BALLETS RUSSES
"Em primeiro lugar, sou um grande charlatão”, escreveu SergeDiaghilev à sua madrasta em 1895, declaração que se tornoumerecidamente famosa por sua exuberância e sua acuidadecomo auto-avaliação,
mas con brio; em segundo lugar, um grande charmeur; em terceiro lugar, tenho alguma dose de atrevimento; emquarto lugar, sou um homem com uma grande quantidade de lógica, mas de pouquíssimos princípios; em quinto
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lugar, acho que não tenho nenhum talento real. Apesar
de tudo, penso ter descoberto minha verdadeira vocação:
ser um mecenas. Tenho tudo o que é necessário, exceto
dinheiro — mais ça viendra}
A formação de Diaghilev era uma fusão de contrastes,reais e imaginados. Talvez o mais profundo desses contras
tes tenha sido o fato de seu nascimento ter causado a morte
de sua mãe. Misia Sert, personalidade igualmente extravagante
que viria a se tornar sua amiga íntima, teve um destino seme
lhante. Ambos pareceram passar a vida atormentados por uma
sensação de culpa pelo simples fato de existirem. O pai de
Diaghilev, um aristocrata provinciano, era, no entanto, dado
a negócios; possuía algumas grandes destilarias. Apesar de mi
litar, tinha um sério e profundo amor pela música. No con
texto russo, nenhuma dessas combinações era considerada in-
comum, mas o filho, à medida que se tornava cada vez mais
ocidentalizado, começou a viver sob o peso do que sentia
serem contradições em seu passado e na sua educação. Ainda
que tentasse adotar um ar cosmopolita com o passar dos anos,
Diaghilev nunca renunciou às suas raízes provincianas. Dessemodo, sempre persistiu nele uma tensão entre a experiência
formativa de sua juventude e as aspirações de sua vida adulta.
Diaghilev começou seus estudos universitários em São
Petersburgo com a intenção de se tornar advogado; conti
nuou-os no conservatório, estudando composição. Escreveu
algumas canções e até uma cena para uma ópera sobre o
tema de Boris Godunov. Tocava piano com desenvoltura e
tinha uma bela voz de barítono, tendo cantado em públicoárias de Parsifal e Lohengrin em pelo menos uma ocasião.
Dedicava-se amadoristicamente à pintura. Não se tornou advo
gado, compositor ou artista. Romola Nijinsky relata que os mú
sicos diziam que Diaghilev não era músico e que os pintores
o chamavam de diletante, mas uns e outros faziam comentá
rios generosos sobre as suas habilidades na outra arte, da
mesma forma que os estadistas afirmavam que Disraeli era
um excelente escritor, enquanto os escritores reconheciam neleum grande estadista. Entretanto, o estudo do direito e o inte-
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Valentine Serov, Alexandre Benois, Léon Bakst, Mstislav Dobu-
jinsky, Nicholas Roerich e Mikhail Larionov. O comitê de
patrocinadores da exposição era dirigido pelo Grão-Duque
Vladimir e incluía a Comtesse Greffuhle, que tinha provavel
mente o salão mais elegante de Paris e a quem Diaghilev co
nheceu, impressionou e recrutou para apoiar o seu projetodo ano seguinte, um festival de música russa.
A partir de então, um sucesso seguiu-se a outro. Em 1907,
entre 16 e 30 de maio, foram dados cinco concertos na Opéra,
cobrindo uma ampla gama de música russa, com Rimsky-
Korsakov, Rachmaninov e Glazunov regendo suas próprias
composições. Entre os cantores estavam Chaliapin e Cherkass-
kaya. O sonoro baixo dramático, em especial, foi um enorme
sucesso. No ano seguinte, 1908, Boris Godunov de Mussorgsky,numa versão revisada por Rimsky-Korsakov, foi levado a Pa
ris. A ópera sobre o czar que reinou de 1598 a 1605 e sobre
o embusteiro Dmitri não era popular em São Petersburgo. A
sociedade da corte achava ofensivas as partes da história que
questionavam a legitimidade, a justiça e a autoridade. Paris,
entretanto, pareceu amar a obra, acima de tudo o Boris de
Chaliapin. Misia Sert ficou enfeitiçada: “Deixei o teatro co
movida a ponto de compreender que algo tinha mudado naminha vida. A música estava sempre comigo.”4
Foi através da Comtesse de Greffuhle que Diaghilev co
nheceu Gabriel Astruc. Diaghilev já apresentara a Paris a
pintura russa, a música russa, a ópera russa, e, como devia
afirmar mais tarde, “da ópera ao balé foi apenas um passo”.
A existência de extraordinários bailarinos russos que eram
completamente desconhecidos fora da Rússia foi uma razão
importante para que passasse ao balé. Mas havia um ladoteórico que talvez fosse até mais importante.
Numa busca wagneriana da arte máxima, Diaghilev afir
mava que o balé continha em si mesmo todas as outras for
mas de arte. Wagner tinha concebido a ópera como uma forma
mais elevada de drama e uma evolução posterior da síntese
grega de música e palavra. Na ópera, entretanto, dizia Dia
ghilev, havia obstáculos visuais, como cantores imóveis, e bar
reiras auditivas, como a necessidade de se concentrar nas palavras, elementos que interferiam na necessária fluidez da arte.
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“No balé”, escreveu Alexandre Benois, que exerceu grandeinfluência sobre Diaghilev, “eu salientaria a mistura elementar de impressões visuais e auditivas; no balé atinge-se oideal da gesamtkunstwerk* com que Wagner sonhava e coma qual toda pessoa artisticamente dotada sonha”.5
Em junho de 1911, Stravinsky, sob o fascínio de Diaghilev, citaria o novo evangelho a Vladimir Rimsky-Korsakov,filho do compositor;
Sinto interesse e amor pelo balé mais do que por qualquer outra coisa. . . Se algum Miguel Ângelo fosse vivohoje em dia — assim pensei ao ver seus afrescos na Ca pela Sistina —, a única coisa que seu gênio admitiria e
reconheceria é a coreografia.. . O balé é a única formade arte teatral que tem como pedra fundamental os pro
blemas da beleza e nada mais.6
A busca da Gesamtkunstwerk — do Santo Graal que éa “forma de arte total” — foi realmente universal no fim doséculo XIX. Em parte por causa da enorme influência deWagner, as artes haviam se aproximado constantemente umas
das outras. Para dar aqui um exemplo ao qual voltaremosmais tarde, Debussy tomaria um poema simbolista de Mallarmée o usaria como base para uma pintura tonal de efeito semelhante ao do impressionismo na arte pictórica.
Diaghilev e Astruc chegaram a um acordo, e, em 19 demaio de 1909, os Ballets Russes — que contavam com cin-qüenta e cinco bailarinos formados exclusivamente na escolaimperial de balé e temporariamente licenciados dos teatros
imperiais de São Petersburgo e Moscou — estrearam em Parisno Théâtre du Châtelet. Aquela noite de estréia, quando faziam parte do programa Le Pavillon d’Armide, o ato daópera Príncipe Igor que inclui as danças polovtsianas e Le Festin, ocupa lugar especial nos anais do balé, e toda a tem porada russa de 1909 foi uma sensação. Perto do fim do século XIX o balé em Paris, bem como na maior parte da
* Obra de arte total.
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Europa, tinha sido rebaixado a uma simples exibição de boni
teza; passos graciosos, controlados, e figurinos encantadores;
“um pouco de virtuosismo italiano ”, nas palavras de Richard
Buckle, “ataviado com uma grande dose de coquetismo fran
cês”.7 A decoração do palco não era uma arte, apenas um
ofício deixado a cargo de artesãos. Os russos mudaram tudoisso. Os cenários de Bakst, Benois e Roerich, com suas cores
brilhantes e provocadoras e prodigalidades como o uso de
autêntica seda da Geórgia, eram estonteantes, não mais um
simples pano de fundo, mas uma parte integrante do espetá
culo. A coreografia de Fokine exigia uma nova energia e
habilidade física, captada empolgantemente nos saltos de Ni-
jinsky e na graça de Pavlova e Karsavina. Em sua autobio
grafia, Karsavina conta uma historinha sobre Nijinsky queé tão reveladora da mentalidade dele quanto do efeito de
sua agilidade.
Alguém perguntou a Nijinsky se era difícil permanecer
no ar como ele fazia quando saltava; a princípio ele não
entendeu bem, mas depois respondeu muito compenetrado:
“Não! Não! Não é difícil. Basta subir e fazer uma pe
quena pausa lá no alto.”8
Os temas eram exóticos, usualmente russos ou orientais. A
música era diferente. E a dança não era apenas uma tentativa
de relacionar movimento e som, mas de expressar o som em
movimento.
Assim, em 1909, quinze anos depois que uma aliança
diplomática fora ratificada entre o Quai d’Orsay e São Peters-
burgo em resposta à ameaça alemã, Paris finalmente se en
controu com os russos. Proust comentou:
Esta encantadora invasão, contra cujas seduções só os crí
ticos mais vulgares protestaram, trouxe a Paris, como sa
bemos, uma febre de curiosidade menos aguda, mais pura
mente estética, mas talvez tão iqtensa quanto a desper
tada pelo caso Dreyfus.9
Em 1910 os russos voltaram a Paris e depois se apresentaram no Theater des Westens em Berlim. Em 1911, para
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fugir ao perpétuo problema de tomar bailarinos emprestados
de suas companhias regulares e conseguir alguma independên
cia, Diaghilev formou sua própria companhia, os Ballets Rus-
ses de Diaghilev, e durante os anos seguintes, de 1911 a 1913,
a companhia percorreu a Europa — Monte Cario, Roma, Ber
lim, Londres, Viena, Budapeste —, deixando atrás de si umrastro de excitação, incredulidade e êxtase. Muitos jovens es
tetas registraram a exuberância dos dançarinos. Sobre a pri
meira apresentação de Schéhérazade, Proust disse a Reynaldo
Hahn que nunca tinha visto nada tão belo.10 Harold Acton
descreveu aquela produção:
. . . a pesada calma antes da tempestade no harém: o
trovão e o relâmpago dos negros vestidos de rosa e âm bar; a selvagem orgia de carícias clamorosas; o pânico
final e as punições sangrentas: a morte em espasmos
prolongados ao som de agudos violinos. Rimsky-Korsakov
pintou a tragédia; Bakst enfeitou-a com cortinas cor-de-
esmeralda, lâmpadas prateadas, tapetes de Bucara e al
mofadas de seda; Nijinsky e Karsavina lhe deram vida.
Para muitos jovens artistas, Schéhérazade foi uma inspi
ração equivalente à arquitetura gótica para os românticosou aos afrescos quatrocentistas para os pré-rafaelitas.11
Rupert Brooke, o belo e talentoso jovem poeta que se tornou
um símbolo da confusão espiritual e dos anseios de sua ge
ração, ficou em êxtase depois de ver pela primeira vez os
russos em 1912: “Eles podem até resgatar a nossa civilização.
Daria tudo para ser coreógrafo.”12
Em 1911 Londres veio a conhecer a companhia russa.Em 26 de junho a trupe de Diaghilev se apresentou no Covent
Garden, na festa da coroação do Rei Jorge V, no meio de
100 mil rosas usadas como decoração e diante de um pú
blico que incluía embaixadores e ministros, reis africanos, che
fes indígenas, marajás e mandarins, e a nata da sociedade
britânica. “Assim, em uma noite”, gracejava Diaghilev, “o
balé russo conquistou o mundo inteiro”. The Illustrated Lon-
dün News ficou tão encantado com o feito russo que pediua criaçãcr de uma companhia permanente de dança no Covent
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Garden; e o Times demonstrou tanto entusiasmo que começou a publicar artigos regulares sobre dança. Em seu número de 5 de julho, Punch estampou três desenhos relacionados com a dança, indicação do tremendo impacto causado
pelos russos. O Kaiser Guilherme da Alemanha e o Rei Afonso
da Espanha tornaram-se finalmente patrocinadores dos Ballets Russes.
A cada temporada Diaghilev se tornava mais ousado. Oerotismo ficava mais explícito. Estava presente desde o início,em Cleópatra na temporada de 1909 — a história de umarainha que procura um amante disposto a morrer ao amanhecer depois de uma noite de amor —, com sua selvagemcena báquica de tempi acelerados, grandes saltos dos etíopes,
carne à mostra e ondas de seda e ouro. Mas tornou-se maisaudacioso. Isso fez com que, em alguns grupos, a excitaçãose transformasse em inquietude.
O scandale da temporada de 1912 foi a première emParis, em 29 de maio, de UAprès-midi dfun jaune de Debussy,inspirado no poema de Mallarmé, coreografado e dançado por Nijinsky, com cenários e figurinos art nouveau de Bakst.É a história de uma divindade grega, um fauno, de chifres e
rabo, que se apaixona por uma jovem ninfa dos bosques. Nijinsky, vestido com uma malha numa época em que rou pas coladas à pele ainda eram consideradas impróprias, feztodo o público salivar e engolir em seco ao descer, ondulando os quadris, sobre a mantilha da ninfa e estremecernum orgasmo simulado. Isso foi simplesmente o ponto culminante de um balé que quebrou todas as regras do gosto tradicional. Toda a obra foi encenada de perfil na tentativa de
reproduzir as imagens de bas-reliefs e pinturas de vasos clássicos. Os movimentos, de caminhar e correr, eram quase inteiramente laterais, sempre com o pé virado para o lado, seguidos por uma rotação dos dois pés e uma mudança de
posição dos braços e da cabeça. Gaston Calmette, editor de Le Figaro, recusou-se a publicar a crítica preparada pelo corres
pondente regular de dança, Robert Brussel, redigindo ele pró prio, em vez disso, um artigo de primeira página em que
acusava o Faune de não ser “nem uma bela pastoral, nemuma obra de significado profundo. Mostram-nos um fauno
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lascivo, cujos movimentos são obscenos e bestiais em seu ero
tismo, e cujos gestos são tão grosseiros quanto indecentes”.13
Calmette iria passar de uma investida a outra em 1912-
1913. Quando Auguste Rodin saiu em defesa de Nijinsky,
Calmette classificou-o de diletante imoral que desperdiçava o
dinheiro público. Em dezembro de 1913 Calmette iniciariasua última campanha, desta vez um ataque a Joseph Caillaux,
ex-Primeiro-Ministro e então Ministro das Finanças do novo
governo Doumergue. Em 16 de março de 1914 Henriette Cail
laux, a mulher do ministro, foi de táxi até a redação do
Figaro na rua Drouot, esperou pacientemente durante uma
hora para poder falar com o editor-chefe, depois acompa
nhou-o até seu escritório particular e descarregou nele a pis
tola automática que trouxera consigo. Atingido por quatrodos seis tiros, Calmette morreu naquela noite.
Evidentemente outros membros do público também fica
ram ofendidos com o Faune, e a cena final foi ligeiramente
modificada nas apresentações posteriores. Mas os estetas se
entusiasmaram com a beleza desta “ofensa ao bom gosto”
Léon Bakst achou a coreografia obra de gênio, e o próprio
Diaghilev, a princípio hesitante até em aceitar esta extraor
dinária manifestação de independência de Nijinsky, reconheceu, apesar de tudo, o seu brilho. O artista e projetista Char
les Ricketts chegou a festejar o assassinato de Calmette.14 Os
espirituosos, é claro, trabalharam dobrado. Um jogo de pa
lavras que se fez ouvir: “Faune y soit qui mal y pense.”*
A deliberada provocação de Nijinsky no Faune era um
sintoma da ousadia cada vez maior da coreografia e lin
guagem musical dos russos. Fokine havia liderado o aban
dono das convenções do balé clássico ao cortar passos brilhantes e virtuosismos e enfatizar a interpretação da música.
Desprezava as demonstrações inexpressivas de força. “A dan
ça”, insistia ele, “não precisa ser um divertissement. Não
deve degenerar em simples ginástica. Deve de fato ser o
mundo plástico. A dança deve expressar. . . toda a época a
que o tema do balé pertence”.15
* Trocadilho com Honni soit qui mal y pense.
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estruturas harmônicas e seu interesse pelos sons em si, semreferência à melodia. A preocupação de Debussy era maiscom “sentimentos delicados”, com “momentos fugidios” doque com as esmagadoras estruturas harmônicas da escola alemãda época. Emoções fugazes, fragmentos de sensações, as bo
lhas do champanhe; eram estes os atributos dos impressionistas, que marcaram uma fase importante no colapso damúsica romântica e no movimento em direção à música interiorizada do expressionismo.
No final da primeira década do novo século, com a ajudados impressionistas, a maneira de compor estava mudandoradicalmente. De Mozart até o fim do século XIX, a músicaera composta com blocos de construção relativamente grandes:
escalas, arpejos, longas cadências. Entretanto, no final do século estas unidades eram abandonadas. A música fora reduzida a notas individuais ou, quando muito, a motivos curtos.Como na arquitetura, no movimento de artes e ofícios e na
pintura, havia uma nova ênfase em materiais básicos, cores primárias e substância elementar.
Não havia nada de acidental a respeito dos escândaloscausados por Diaghilev e seus Ballets Russes. Este “ charlatãocon brio” exa um mestre da provocação. “É o sucesso e apenas o sucesso, meu amigo”, ele escreveu a Benois em 1897,“que salva e redime tudo ... Tenho realmente uma insolênciaum tanto vulgar e estou acostumado a mandar as pessoas para o inferno”.18 Ele era uma criação nietzschiana, um su premo egotista à procura de conquistas, e conseguiu tornar-se o déspota de um império cultural que influenciou, principalmente através do balé, todas as artes de seu tempo, in
clusive a moda, a literatura, o teatro, a pintura, a decoraçãode interiores e até o cinema. Jacques-Émile Blanche chamou-ode “professor de energia, a vontade que dá corpo a concepções de outros”.19 Benois iria dizer: “Diaghilev tinha em situdo o que é necessário para ser um duce.”20 Sua importância
pública residia em suas realizações de empresário, de pro pagandista, de um duce, e menos em ser uma pessoa criativa.Como teórico, saqueou as idéias de outras pessoas; como em
presário, saqueou, com dragonnades napoleônicas' o mundo daarte. Sua criação era a capacidade de administrar, a mode-
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Embora reverenciasse a história e as realizações da cul
tura ocidental, Diaghilev considerava-se essencialmente um
pioneiro e um libertador. A vitalidade, a espontaneidade e a
mudança eram festejadas. Qualquer coisa era preferível ao
conformismo embrutecedor, até a desordem e confusão moí
ral. O dito espirituoso de Oscar Wilde, de que “não existe pecado exceto a estupidez”, também expressava os sentimen
tos de Diaghilev. Os absolutos morais e sociais foram aban
donados, e a arte, ou o senso estético, tornou-se o tema de
suprema importância porque conduziría à liberdade.
Diaghilev, é claro, era apenas uma parte, ainda que extre
mamente significativa, de uma tendência intelectual e cultural
muito mais ampla, uma revolta contra o racionalismo e uma
correspondente afirmação da vida e da experiência, que ganhou força desde a década de 1890 em diante. A rebelião
romântica, que, com sua desconfiança de sistemas mecani-
cistas, estendeu-se no passado por mais de um século, coin
cidiu no jin-de-siècle com a demolição científica, rapidamente
progressiva, do universo newtoniano. Através das descobertas
de Planck, Einstein e Freud, o homem racional solapou seu
próprio mundo. A ciência parecia assim confirmar tendências
importantes da filosofia e da arte. Henri Bergson desenvolveusua idéia de “evolução criativa”, que rejeitava a noção de
conhecimento “objetivo”: a única realidade é o élan vital, a
força da vida. Bergson se tornou uma verdadeira estrela nos
círculos elegantes de Paris. E o futurista italiano Umberto
Boccioni, refletindo a difundida preocupação com máquinas
e mudança, declarou: “Um objeto imóvel: não existe tal coisa
em nossa percepção moderna da vida.” Diaghilev estava afi
nado com essas manifestações, que saudavam uma vontade
de constante metamorfose e louvavam a beleza da transito-
riedade. Ele se agarrou à nova onda com entusiasmo. “Qui
n'avance pas recule”, decidiu.*
Neste contexto, onde noções racionalistas de causa e
efeito eram rejeitadas e a importância do momento intuitivo
acentuada, o choque e a provocação tornaram-se instrumen
* Quem não avança recua.
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tos importantes da arte. Para Diaghilev, a arte não tinha a
intenção de ensinar ou imitar a realidade; acima de tudo,
devia provocar experiência autêntica. Por meio do elemento
do choque, ele esperava produzir em seu público o que Gide
tentou obter de seu protagonista Lafcadio em Os subterrâ
neos do Vaticano, publicado em 1914: um acte gratuit, com portamento isento de motivação, objetivo, significado; pura
ação; sublime experiência livre das restrições de tempo ou
espaço. (iÊtonne-moi, Jean!”* — disse Diaghilev a Cocteau
em certa ocasião, e este veio a considerar esse momento e
essas palavras como uma revelação na estrada de Damasco.
Surpresa é liberdade. O público, na visão de Diaghilev, po
dia ser tão importante para a experiência da arte quanto os
artistas. A arte não ensinava — isso a tornaria servil; excitava, provocava, inspirava. Destravava a experiência.
Ao acreditar que o conteúdo da arte precisava impregnar-
se mais das tradições folclóricas populares e que só desta
maneira podia ser transposto o abismo entre a cultura popu
lar e a das elites, Diaghilev seguia os passos de Rousseau,
Herder e dos românticos. Era no campo russo, primitivo e
não afetado pela mecanização, que Diaghilev e seu círculo
encontravam grande parte de sua inspiração, nos desenhos e
cores das roupas dos camponeses, nas pinturas em carroças
e trenós, nos entalhes em torno de janelas e portas, e nos
mitos e fábulas de uma cultura rural despretensiosa. Segundo
Diaghilev, era desta alma russa que viria a salvação para a
Europa ocidental. “A arte russa”, escreveu em março de 1906
antes de sua primeira exposição no Ocidente, “não vai apenas
começar a desempenhar um papel; também se tornará, de
fato e no mais amplo sentido da palavra, uma das principais
condutoras de nosso iminente movimento de esclarecimento”.21Diaghilev reconhecia suas dívidas intelectuais: para com
uma cultura russa conservadora, enraizada numa tradição aris
tocrática; para com uma onda de pensamento moderno que
abarcava todo o século passado e que tinha um forte compo
nente alemão, em E. T. A. Hoffmann, Nietzsche e Wagner,
entre outros; e para com uma crescente valorização, sobre
* Surpreenda-me, Jean.
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tudo na Rússia, na Alemanha e na Europa Oriental, do
que os alemães chamavam, de cultura Volk. Mas, se possuía
um forte senso da história, sua visão voltava-se para o fu
turo. Acompanhava os manifestos e as façanhas dos futu
ristas com interesse e demonstrava afeição especial pela arte
dos futuristas russos Larionov e Goncharova. Não menosprezava a tecnologia como alguns estetas faziam, mas conside
rava a máquina um componente fundamental do futuro. No
dia de Ano-Novo de 1912, Nijinsky e Karsavina dançaram
'O espectro da rosa na Opéra de Paris, numa festa em honra
da aviação francesa. Como empresário, Diaghilev tinha uma
consciência aguda da importância. dos métodos modernos de
publicidade e propaganda, e não tinha escrúpulos de recorrer
ao exagero, à ambigüidade e à insolência em sua buscado sucesso.
A meta de seu grandioso balé era produzir uma síntese
— de todas as artes, de um legadta da história e uma visão
do futuro, de orientalismo e ocidentalismo, do moderno e do
feudal, de aristocratas e camponeses, de decadência e barbá
rie, do homem e da mulher, e assim por diante. Desejava fun
dir a dupla imagem da vida contemporânea — uma época
de transição — numa visão de totalidade, com ênfase, porém,
mais na visão do que na totalidade, mais na busca, no empe
nho, na perseguição da totalidade, por mais que isso tivesse
de ser persistente e mutável. Pretendia, com disposição fáus-
tica, dominar e integrar. A decisão disjuntiva reclamada pela
ética ele rejeitava em favor de um imperialismo estético que,
como Don Giovanni, ansiava por todas as coisas. Tratava-se
aqui de uma fome de totalidade que, no entanto, por causa
de sua ênfase na experiência, festejava mais a fome do que
a totalidade.
REBELIÃO
A empresa de balé de Diaghilev foi não só uma busca de
totalidade mas também um instrumento de liberação. Talvezo nervo mais sensível que ela tocou — e isto foi feito delibe-
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radamente — tenha sido o da moralidade sexual, que era um
símbolo tão fundamental da ordem estabelecida, especialmen
te no coração do poder imperial, econômico e político, a Eu
ropa ocidental. Por outro lado, Diaghilev era apenas herdeiro
de uma tradição prestigiosa e acumuladora. Para muitos in
telectuais do século XIX, de Saint-Simon a Feuerbach eFreud, a origem real da “alienação”, afastamento de si mes
mo, da sociedade e do mundo material, era sexual. "O pra
zer, a alegria, expande o homem”, escreveu Feuerbach; "a
dificuldade sofrida o contrai e concentra; no sofrimento o
homem nega a realidade do mundo”.1
Na era vitoriana, as classes médias, em particular, inter
pretavam o prazer em termos primordialmente espirituais e
morais, mais do que físicos ou sensuais. A gratificação dossentidos era suspeita, na verdade pecaminosa. A vontade, ba
seada em fervor moral, constituía a essência do esforço hu
mano bem-sucedido; a pura paixão, o seu oposto. Era inevi
tável que o tema da moralidade sexual se tornasse para o
movimento moderno um veículo de rebelião contra os valores
burgueses. Na arte de Gustav Klimt, nas primeiras óperas de
Richard Strauss,. nas peças de Frank Wedekind, nas excen
tricidades pessoais de Verlaine, Tchaikovsky e Wilde, e aténa moralidade descontraída do movimento da juventude ale
mã, um motivo de erotismo dominava a busca do novo e da
mudança. "Melhor uma prostituta do que um chato”, ponde
rava Wedekind, enquanto nos Estados Unidos Max Eastman
gritava: "A luxúria é sagrada!”2 O rebelde sexual, particular
mente o homossexual, tornou-se uma figura fundamental na
imagética da revolta, especialmente depois do tratamento igno
minioso que Oscar Wilde recebeu nas mãos do poder constituído. Do seu círculo de rebeldes gentis em Bloomsbury, disse
Virginia Woolf: "A palavra sodomita nunca andava longe de
nossos lábios.”3 Depois de uma longa luta consigo mesmo,
André Gide denunciou publicamente te mensonge des moeurs,
a mentira moral, e admitiu suas próprias predileções. Paixão
e amor, tinha concluído, eram mutuamente exclusivas. E a
paixão era muito mais pura que o amor.4
As inclinações sexuais de Diaghilev eram bem conhecidas, e ele não fazia nenhum esforço para mascará-las; muito
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pelo contrário. Stravinsky disse mais tarde que o séquito de
Diaghilev era “uma espécie de guarda suíça homossexual”.5
Não é de admirar que uma tensão sexual impregnasse toda a
experiência dos Ballets Russes, entre artistas, administradores,
seguidores e o público. Alguns dos temas de balé eram aber-
tamente eróticos, até sadomasoquistas, como em Cleópatra eSchéhérazade; em ambos, jovens escravos pagam com a vida
seus prazeres sexuais. Em outros, a sexualidade era velada.
Em Petrushka, o boneco morre frustrado em seu amor por
uma boneca cruel. Nijinsky afirmaria mais tarde em seu diá-
rio, escrito seis anos depois da primeira apresentação, que
os Jeuxt com seu elenco de um homem e duas mulheres, era
o modo de Diaghilev apresentar, sem perigo de censura ma-
nifesta, sua própria fantasia, claramente confessada muitasvezes a Nijinsky, de fazer amor com dois homens.6 Fosse ou
não invenção da demência de Nijinsky — o diário foi escrito
no final da Grande Guerra, quando Nijinsky já resvalava para
a loucura —, não é inconsistente com o comportamento de
Diaghilev.
Em todos os balés, as cores dos cenários, a audácia dos
figurinos e a energia ininterrupta da dança acentuavam a
paixão. Os poetas escreviam odes a Anna Pavlova; cantavamlouvores à beleza de Karsavina e Rubinstein; mas todo esteta
da Europa parecia estar apaixonado pela “graça e brutalida-
de”, para usar as palavras de Cocteau,7 de Nijinsky. Como
era de esperar foi ele proibido de dançar no Teatro Imperial
de Moscou, depois de uma apresentação de Giselle diante
da imperatriz viúva em 1911, na qual não usou nada por
cima da malha e exibiu, nas palavras de Peter Lieven, suas
“rotundités complètement impudiques”.8 De sua extraordiná-ria levitação em O espectro da rosa ao escandaloso final de
UAprés-midi d’un faune e à provocante coreografia dos Jeux,
Nijinsky, com suas proezas físicas e sua audácia mental, com
sua combinação de inocência e ousadia, seduziu a imagina-
ção de toda uma geração. O frêmito erótico que os parisien-
ses experimentavam foi sublinhado pelo retrato dele, de pági-
na inteira, em U Illustration, com a legenda: “Bailarino Ni-
jinsky mais comentado do que os debates na Câmara”.9 “Umidiota de gênio”, foi como a sexômana Misia Sert o chamou
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numa frase reveladora. Diaghilev, sempre estimulado pelo
aplauso público, tomou Nijinsky como amante depois do ex
traordinário sucesso da temporada de 1909. Os dois viveram
juntos por algum tempo e, quando se casou de repente em'
1913, Nijinsky pareceu sinceramente não compreender a razão
do ressentimento de Diaghilev. "Se é verdade que Serge nãoquer trabalhar comigo — então perdi tudo”, Nijinsky escre
veu a Stravinsky em dezembro de 1913. "Não consigo ima
ginar o que aconteceu, qual a razão do seu comportamento.
Por favor, pergunte a Serge qual é o problema, e escreva-me
a respeito.”10 Foi esta ingenuidade assombrosa — a insinua
ção de que ele não era oprimido pela bagagem moral dos
séculos, o que Gide chamava de mentira moral —, combi
nada com a ousadia de sua imaginação artística, que despertou em Proust, Cocteau, Lytton Strachey e outros uma exci
tação febril. Nijinsky era o fauno, criatura selvagem tempo
rariamente capturada pela sociedade. Imaginem, diziam a si
mesmos, este incrível espécime físico, entregue aos instintos
e à paixão, livre de restrições morais. . . e deliravam em
suas fantasias. Strachey enviou “uma grande cesta de flores
magníficas” e foi para a cama, como ele próprio declarou,
"sonhar com Nijinsky”.11
Desde os tempos da cavalaria andante, mas particular
mente desde o romantismo, a mulher — das ewig Weibliche*
— tinha sido a fonte de inspiração poética e o objeto de
culto lírico. Nas artes cênicas, a diva, a prima dorma, a bal-
lerina é que eram aplaudidas e cortejadas com flores. Mas
agora um homem, cheio de graça e beleza, ocupava o centro
das atenções. Isto era verdadeiramente revolucionário. Paraalguns, era escandaloso. Uma aura de decadência cercava os
Ballets Russes em conjunto. Robert de Flers e Gaston de Ca-
vaillet fizeram uma personagem de sua peça, Le Bois sacré,
dizer: "Estamos começando a nos tornar cavalheiros muito ele
gantes, conhecendo pessoas muito chiques, muito decadentes,muito Ballets Russes.”
* O eterno feminino.
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Era natural que a dança — a tentativa de reunir a mente
e o corpo no mesmo ritmo — se tornasse um meio impor
tante para o movimento moderno. Embora os egípcios e os
gregos tivessem dançado, a civilização cristã não tinha espaço
para a dança, e foi só depois da Renascença e da Reforma,
com sua conseqüerite secularização, que a dança ressurgiucomo expressão da imaginação. Entretanto, ainda estava asso
ciada quase exclusivamente à cultura aristocrática da corte
ou, é claro, a atividades pagãs. A ética protestante continuava
a rejeitar a dança como expressão da sensualidade e da pai
xão. A dança clássica surgiu na França e na Itália, mas com
variações nacionais'* distintas: os italianos acentuavam o vir
tuosismo e os franceses enfatizavam a criação de uma atmos
fera romântica; mas até nesses países o balé afundara nofinal do século XIX em um rígido formalismo que deixava
pouco espaço para a expressão individual. Na Grã-Bretanha
e na Alemanha a dança fora praticamente esquecida.
Foi da Rússia que veio a revitalização. Ali, entre a antiga
aristocracia e a sociedade da corte, o “estilo francês”, com
bailarinos e coreógrafos importados, experimentou crescente
popularidade durante o século XIX. O principal teatro era
o Mariinsky de São Petersburgo. Na segunda metade do século, através do marselhês Marius Petipa e do sueco Christian
Johannsen, iniciou-se em São Petersburgo uma importante ten
tativa de combinar os estilos francês e italiano, elegância com
virtuosismo, enfatizando uma nova ondulação das linhas, uma
“dança dos braços”, como veio a ser chamada. Era o começo
da escola russa, e foi sobre esses fundamentos que Diaghilev
construiu, vendo no balé uma forma superior de arte apta a
exprimir, através da ação e do movimento, em lugar da persuasão e dos argumentos, a totalidade da personalidade hu
mana, espiritual e física, e a essência do mundo não-verbal,
não-racional. Um crítico notou inteligentemente que o balé
russo era o “cinématograph du riche”}2
Diaghilev não foi o primeiro a introduzir uma nota aber
tamente erótica na dança. Havia um forte teor de fantasia
sexual na dança de Isadora Duncan e, certamente, em seu
sucesso. Tendo lido Nietzsche, esta americana de São Francisco decidiu que sua arte era a arte dionisíaca original, antes
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que Apoio intelectualizasse a emoção e transformasse a dança,de paixão em estilo, ésvaziando-a de pureza e vitalidade. Eladizia representar a espontaneidade e a expressão natural, captar a forma de improviso. Queria "libertar” de restrições ocorpo e as emoções e lhes dar a possibilidade de se fundirem
"organicamente”. Entretanto, foi menos inovadora do que gostava de pensar: apesar de suas pretensões, não pôde escaparda Grécia clássica, nem da linha curva sinuosa que tinha dominado o balé desde os românticos. Tanto quanto a sua dança,a personalidade sensual e fecunda de Duncan era uma forçacriativa, e ela teve grande sucesso por toda a Europa nosanos que se seguiram à virada do século. Na Alemanha nasceuo mito da “die heilige, göttliche Isadora” *
Foi Nijinsky quem realizou, como disse o Times de Londres, a "real revolução na dança”.13 Em 1828, Cario Blasisescrevera, em The Code of Terpsichore: "Cuidem de tornaros braços tão arredondados que a ponta dos cotovelos fiqueimperceptível.” E a curva venceu a linha reta. No balé clássico a graça e o encanto tornaram-se invariavelmente mais im
portantes que a personalidade e a interpretação. EnquantoFokine se voltava para a interpretação, Nijinsky insistia na
expressividade de modo vingativo, rebelando-se deUberadamen-te contra "a linha de beleza”, o prazer a que o olhar estavaacostumado. Em sua coreografia tomava cuidados especiais para tornar as pontas de seus cotovelos não apenas perceptíveis mas inevitáveis.
Duncan foi o instrumento através do qual se popularizaram as idéias de euritmia, o estudo do ritmo, e â "ginásticaestética”. Émile Jacques-Dalcroze fundou uma influente esco
la para Ndifundir a primeira modalidade — em Genebra inicialmente e depois em Hellerau perto de Dresden —, escolaque Diaghilev e Nijinsky visitaram em 1912 em busca deajuda para Le Sacre. Esses acontecimentos se harmonizavamcom uma nova Leibeskultur, ou "cultura do corpo”, que encontrou sua maior ressonância social na Alemanha e na Rússia, mas se manifestou por toda parte em fenômenos como
* A santa, divina Isadora.
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o “cristianismo muscular”, o movimento dos escoteiros, as
origens das olimpíadas modernas e, não menos importante,
a revolução da moda de Poiret, que libertou as mulheres dos
espartilhos e lhes deu uma nova sensualidade resplandecente
e descontraída. Pela primeira vez em um século, corpos ele
gantes tornaram-se moda, particularmente em Paris. A dança,tanto a séria quanto a popular, parecia fundamental para
toda a tendência. Em 1911, todo music-hall importante de
Londres contratava a apresentação de uma bailarina, e as im
plicações deste fato forneciam rico material para Punch.
No Crematorium a principal atração é Frl. Rollmops, cuja
dança é impregnada da mais singular sugestividade. Num
de seus números, apropriadamente intitulado Liebelei„ elafaz coisas incríveis com as panturrilhas, que são induzi
das a expressar uma ampla variedade de emoções — ora
de ternura lisonjeadora, ora de ardente paixão e por fim
de rejeição desdenhosa... M. Djujitsovitch, que deve ser
visto no Pandemonium, introduziu uma dança que todas
as noites mantém â casa superlotada numa concentração
sem paralelo. A atenção primeiro se fixa numa contração
espasmódica da rótula; depois o movimento se espalhagradativamente para outras partes do corpo, terminando
a dança num tremendo tour de force sob a forma de uma
sacudidela simultânea do pomo-de-adão e do tendão de
Aquiles. A nova dançarina sarda no Empyrean, Signora
Rigli, provocou imenso furore na sua primeira apresen
tação uma noite dessas. No número principal de seu re
pertório ela causa surpreendente sensação através de uma
hábil manipulação da clavícula, que, aos olhos de todos,se move sinuosamente, culminando num estremecimento
que faz o espectador suar frio com um terror indizível.
Coube a Miss Truly Allright, que aqui chega com uma
grande reputação adquirida nos Estados Unidos, demons
trar para um público inglês o efeito sutil, mas descon
certante, que se pode produzir numa dança envolvendo
ós músculos das orelhas. Num maravilhoso número de
“Wag-time” ela emprega aqueles órgãos com encantoirresistível, e o último adejo invariavelmente faz o tea
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tro vir abaixo. A pedido informamos que, devido a um
leve deslocamento sofrido no ensaio, Mlle. Cuibono, a
"Vénus Venezuelana”, não poderá executar sua famosa
dança da medula espinhal no Capitolium esta semana.14
A dança popular também mudava rapidamente. O turkey trot* e o tango tornaram-se a sensação de 1912 e 1913, para
o pesar de estabelecimentos de índole conservadora da Europa
e da América. Clérigos, políticos e administradores denuncia
vam o que consideravam demonstrações públicas lascivas. As
seções de cartas de jornais e revistas estavam cheias de co
mentários sobre o assunto. Salões de baile de Boston pros
creveram o tango; certos hotéis suíços proibiram os novos
passos "americanos”; um oficial prussiano foi assassinado porum general quando discutiam sobre o decoro do turkey trot;
e o kaiser tentou impedir que seus oficiais do exército e da
marinha praticassem as novas danças, pelo menos quando esti
vessem de uniforme. Mas a voga se espalhou, e Jean Richepin
sentiu-se motivado a fazer uma conferência sobre o tango
para a Academia Francesa em outubro de 1913. O mundo de
1893, quando um manual de etiqueta francês declarava que
um jovem respeitável nunca se sentaria no mesmo sofá comuma moça, parecia, vinte anos mais tarde, decididamente
medieval.
CONFRONTO E LIBERAÇÃO
Se Diaghilev se mostrava cada vez mais inclinado ao confron
to e a causar sensação, o mesmo ocorria com seus colabora
dores. Em retrospecto, os preparativos para Le Sacre têm um
ar quase de conspiração. Por volta de 1913 Stravinsky estava
seguro de sua própria importância, e através de Le Sacre
tinha a intenção de exasperar o mundo da música e do balé.
* Dança em ritmo de ragtime do início do século.
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Sua reputação internacional havia desabrochado em 1910 e
1911 com o repentino sucesso de Pássaro de fogo e Petrushka.
Em novembro de 1912 ele completou a partitura para piano
de Le Sacre, e a orquestração finalmente em março de 1913.
"A idéia da Sagração da primavera me veio”, disse Stra-
vinsky mais tarde, "enquanto ainda estava compondo O pássaro de fogo. Tinha imaginado uma cena de ritual pagão em
que uma virgem escolhida para o sacrifício dança até morrer”.
Perguntado em outra ocasião sobre o que mais lhe agradava
na Rússia, respondeu: "A violenta primavera russa que pare
cia começar no espaço de uma hora, e era como se toda a
terra estivesse se rachando. Era o acontecimento mais mara
vilhoso íie todos os anos de minha infância.”1 Assim, o tema
de Le Sacre era nascimento e morte, Eros e'Tanatos, primitivos e violentos, as experiências fundamentais de toda a exis
tência, para além do contexto cultural.
Embora a ênfase finalmente recaísse sobre os aspectos
positivos do tema — a primavera, seus ritos correspondentes,
e a vida —, o título inicial que Stravinsky deu à partitura
era revelador e nada afirmativo: A vítima. No libreto, o últi
mo quadro diz respeito, é claro, ao sacrifício da virgem esco
lhida. O balé termina com a representação de uma cena de
morte no meio da vida. A interpretação usual do balé é que
se trata de uma celebração da vida através da morte, e que
uma virgem é escolhida para ser sacrificada a fim de home
nagear as próprias qualidades de fertilidade e vida que ela
exemplifica. Entretanto, por causa da importância dada à
morte no balé, à violência associada com a regeneração, ao
papel da "vítima”, Le Sacre pode afinal ser considerado uma
tragédia.
Não se sabe se o título definitivo era original ou foi to
mado de empréstimo. A noção de regeneração e renascimento
podia ser encontrada em muitas atividades vanguardistas na
virada do século. O título do jornal dos secessionistas austría
cos era Ver Sacrum, ou Primavera Sagrada. A peça de Frank
Wedekind sobre os problemas sexuais de adolescentes chama
va-se Frühlingserwachen, ou O despertar da primavera. Excertos da obra de Proust foram publicados em Le Figaro em
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março de 1912 com o título “Au Seuil du printemps” ("Nolimiar da primavera”).
Stravinsky inicialmente discutiu o fruto de sua imaginação com Nicholas Roerich, o pintor que por fim projetouos cenários para o balé; só depois é que apresentou a idéia
de seu “balé primitivo” a Diaghilev. Este ficou imediatamentefascinado. O que também se deu com Nijinsky, quando começou a participar do pròjeto. Na verdade, todos estavam tãoexcitados e tão interessados pelo potencial de inovação básicaque consideraram Fokine conservador demais para ser o coreógrafo da partitura. No final de 1912 Stravinsky, com aimpressão de que Fokine iria ser, apesar de tudo, o coreógrafo, escreveu de Monte Cario à sua mãe:
Diaghilev e Nijinsky estão loucos por meu novo rebento, Le Sacre du printemps. O desagradável é que terá de serfeito por Fokine, que considero um artista exaurido, alguém que percorreu sua estrada rapidamente e que seesgota a cada nova obra. Schéhérazade foi o ponto altode suas realizações e, conseqüentemente, o começo deseu declínio... Novas formas devem ser criadas, e o
perverso, o voraz e talentoso Fokine sequer sonhou comelas. No início de sua carreira parecia ser extraordinariamente progressista, mas quanto mais eu conhecia a suaobra, mais compreendia que, em essência, ele não eranovo coisíssima nenhuma.2
A novidade, portanto, era um sine qua non para Stravinsky.“Não posso... compor o que desejam de mim”, queixou-se
mais tarde a Benois, “o que seria me repetir”. Este era o errode Fokine como coreógrafo; este era o erro de outros com positores: “É por isso que as pessoas se esgotam.”3 E Stravinsky não tinha nenhuma intenção de perder sua capacidade dechocar.
Fokine já estava aborrecido com Diaghilev por ele ter permitido que Nijinsky fizesse a coreografia para o Faune, e,no final de 1912, a ruptura se consumou. Nijinsky foi esco
lhido para fazer Le Sacre. Não havia dúvida de que ele agoraestava* decidido a romper com as convenções de um modo
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muito mais dramático do que no Faune. Havia até um tomapocalíptico em seu temperamento. Em dezembro de 1912,
por exemplo, Nijinsky transmitiu a Richard Strauss, via Hugovon Hofmannsthal, um pedido para que Strauss compusesse para ele “a música mais livre, menos dançável do mundo
"Ser levado por você”, Hofmannsthal escreveu a Strauss, "paraalém de todos os limites da convenção é exatamente o que elealmeja; é, afinal, um verdadeiro gênio, e justamente ali ondea trilha não está traçada é que ele deseja mostrar o que podefazer, numa região como a que você desbravou em Electra”.A
Os preparativos para Le Sacre ocorreram enquanto osBallets Russes excursionavam pela Europa durante o inverno
de 1912-1913, de Berlim, a Budapeste e Viena, a Leipzig eDresden, a Londres, e finalmente a Monte Cario para descanso e ensaios. De Leipzig, Nijinsky escreveu a Stravinskyem 25 de janeiro de 1913:
Agora sei o que Le Sacre du printemps será quando tudoestiver como ambos desejamos: novo, belo e totalmentediferente, mas para o espectador comum uma experiên
cia surpreendente e emocional.5
À medida que os ensaios se multiplicavam, Nijinsky começoua ter problemas com seus dançarinos, que achavam suas idéiasincompreensíveis e seu estilo destituído de beleza identificável.Ainda assim, embora houvesse alguns desentendimentos iniciais sobre tempi, Stravinsky estava cheio de admiração pelarealização de Nijinsky. "A coreografia de Nijinsky é incom
parável”, afirmou pouco depois da estréia.
Tudo saiu como eu queria, com pouquíssimas exceções.Mas devemos esperar muito tempo até o público se acostumar com a nossa linguagem. Estou convencido do valordo que já realizamos, e isso me dá força para novos tra
balhos.6
Pierre Monteux, o maestro da première, chamava a maior parte da música tradicional que tinha de reger de la sale mu-
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Nijinsky, fotografado por Stravinsky em Monte Carlo, 1911. (Robert Craft)
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Stravinsky e Nijinsky vestido para o papel de
Petrushka. (Bibliothèque Nationale, Paris)
Diaghilev e Cocteau. (Bettman/BBC Hulton)
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Berlim, palácio imperial, l.° de agosto de 1914. A multidão saúda
o kaiser. (Bettman/BBC Hulton)
Petrogrado, Perspectiva Nevsky, 3 de agosto de 1914. A foto foi
retpcada de maneira laboriosa mas tosca. Por quê? A cabeça
do menino menor, na primeira fila, não combina com o corpo.
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Paris, Gare de l’Est, 2 de agosto de 1914. (Bettman/BBC Hulton)
Londres, Trafalgar Square, 4 de agosto de 1914. (Bettman/BBC
Huîton)
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Natal alemão, 1914. Esta foto foi tirada na Frente Oriental, perto de
Darkehmen. Parece posada, mas realmente ocorreram comemorações nas
frentes ocidental e oriental. (Ullstein)
Paz na terra: dia de Natal de 1914. Britânicos e alemães se encontram na terra de
ninguém perto de Armenthières. Não se permitia a entrada de máquinas fotográficas
na linha de frente; por isso as fotos eram quase sempre tiradas sub-repticiamente.'
O resultado é evidente nesta foto. (Imperial War Muséum)
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Balé da batalha. Os censores franceses não permitiram que
esta foto fosse publicada durante a guerra. (ECPA)
Natal de 1916. Tropas britânicas comem sua ceia de Natal num buraco aberto por
uma bomba perto de Beaumont Hamel. Desta vez não houve confraternização depois
da ceia. (Imperial War Museum)
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Estrada de Menin. (Imperial War Museum)
Menin Road , de Paul Nash. (Imperial War Museum)
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Sentinela blindado. (Times
Newspapers, Ltd.)
Dançarinos dadaístas. (Fundação Arp)
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sique* e conseqüentemente estava muito excitado com a obra
de Stravinsky. Numa carta de 30 de março, informou ao
compositor:
Ontem finalmente ensaiei todas as três obras [Pássaro
de fogo, Petrushka e Le Sacre']. Que pena que você nãoestivesse aqui, e principalmente que não possa estar pre
sente para a explosão de Le Sacre.7
Assim, das intenções de Diaghilev à concepção de Stra
vinsky, aos objetivos e profecias de Nijinsky e à impressão
de Monteux de que Le Sacre seria uma experiência explosiva,
uma atmosfera de expectativa, provocação e tensão cercou a
criação do balé. Não há dúvida de que algum tipo de scandale
foi não só premeditado como esperado. No final do ano Stra
vinsky escreveu à sua mãe antes que ela fosse ouvir, pela
primeira vez, a última composição do filho em São Peters-
burgo: “Não se assuste se receberem Le Sacre com assobios.
Isso faz parte da ordem das coisas.”3 Não era um reconheci
mento que lhe vinha do fato consumado; era uma intenção
embutida dentro da música.Alguns argumentam que o balé russo e o esteticismo como
um todo eram basicamente apolíticos. Afirmar tal coisa é igno
rar as origens sociais da arte j í interpretar mal as implicações
sociais da revolta moderna. jO esteticismo era antipolítico na
medida em que procurava na arte, e não em partidos e par
lamentos, um meio de fortalecer a vida. Entretanto, exatamen
te ao formular estas prioridades, comportava-se de modo emi
nentemente político. Além disso, apesar de ser quase semprereticente ou ambíguo em sua reação aos movimentos e acon
tecimentos políticos, demonstrava, por definição, uma sim
patia básica para com as tendências progressistas e até revo
lucionárias, porque o esteticismo fundava-se claramente na
rejeição dos códigos e valores sociais existentes. Numa entre
vista ao New York Times em 1916, Diaghilev proclamou:
* Música suja.
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Éramos todos revolucionários. . . quando lutávamos pelacausa da arte russa, e. . . foi só por mero acaso que deixei de me tornar um revolucionário em outras coisas quenão fossem cor ou música.9
Os distúrbios de 1905, na Rússia, tinham provocado muitas manifestações de simpatia no círculo do Mundo da Arte. Em suas primeiras reações aos acontecimentos, Diaghilev foida aprovação ao temor, mas em outubro estava encantado como manifesto do czar prometendo uma constituição para a Rússia. “Estamos exultantes”, observou sua tia na época. “Ontem tomamos até champanhe. Você nunca adivinharia quemtrouxe o manifesto... Seroja [o pequeno Serge, isto é, Diaghilev], dentre todas as pessoas. Maravilhoso.” Diaghilev atéescreveu uma carta ao secretário de Estado, propondo um ministério das belas-artes.10 Em outras palavras, arte e liberação deviam andar de mãos dadas.
Mas quais eram as implicações morais e sociais desta busca de liberdade? Apesar da fascinação da vanguarda pelasclasses mais baixas, pelos párias sociais, prostitutas, criminosos e loucos, o interesse usualmente não se originava de uma
preocupação prática com o bem-estar social ou com uma rees
truturação da sociedade, mas provinha de um simples desejode eliminar as restrições à personalidade humana. O interesse
pelas camadas sociais mais baixas era assim mais simbólicodo que prático. A busca era a de uma “moralidade sem sanções e obrigações”. A ordem nietzschiana “Du sollst werden,wer du bist”* era a suprema lei moral. “Sinto grande prazera cada nova vitória da revolução...”, escreveu KonstantinSomov a Benois em 1905, “sabendo que não nos levará a um
abismo, mas à vida. Odeio demais o nosso passado. . . Souum individualista; o mundo todo gira ao meu redor, e essencialmente não me interessa sair dos limites deste ‘eu’.”11
Como em Das Einzige und sein Eigentum** (1845) deMax Stirner, que alcançou uma nova popularidade no fim doséculo, o mundo estava aqui condensado no elemento indi-
* Você deve se tornar quem você é.** O ego e o próprio dele.
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vidualista: “Para mim nada é mais elevado do que eu pró prio ”, dizia Stirner. O impulso libertário e anarquista, eminentemente político, é fundamental para a revolta moderna.
D. H. Lawrence só devia escrever seu romance abertamente político, Kangaroo, depois da guerra, mas sua arte já
tinha conotações políticas, se compreendermos a política comoalgo mais do que as estruturas formais do discurso social e aconsiderarmos como toda mediação entre os interesses do indivíduo e do grupo. Quando Anna dançou, grávida e nua, diantedo marido em The Rainbow, que Lawrence escreveu nos anosanteriores à guerra e publicou em 1915, “ela se balançava para trás e para a frente como uma espiga de milho madura,lívida no crepúsculo da tarde, ziguezagueando diante da luz
do fogo, dançando sua inexistência. . . Ele esperava obliterado”.
Apesar da estranha beleza de seus movimentos, ele não podia compreender por que ela estava dançando nua. “ ‘Oque está fazendo?’ disse asperamente. 'Vai pegar um resfriado.’ ”12
A dança era a arte de Anna. Era a arte de uma IsadoraDuncan que claramente inspirou esta passagem. Era a arte
de Nijinsky. Pertencia a eles e não a qualquer marido, amanteou público. A arte como ato apagava maridos, amantes e pú blicos. Arte era liberdade.
Mas a liberdade só tinha significado em relação ao pú blico. A dança de Anna nada significaria sem o seu marido.E assim, paradoxalmente, o público negado era fundamental
para a arte. O acte gratuit transformou-se em um fogo-fátuo,e o elemento individualista também se tornou um elemento ex
tremamente social e, portanto, político.
O PÜBLICO
Ao lado de Veneza, Paris é a cidade mais impregnada de
significado metafórico para o mundo ocidental. É uma cidadede juventude e romance, mas também de experiência e pesar;
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de exuberância e melancolia; de idéias audazes e sonhos es
maecidos; de estilo grandioso e frivolidade. Muitos encon
traram na cidade uma combinação de disparidades, uma com-
pletitude sem rival, e partilharam da lembrança que William
Shirer guardava dela: “tão perto do paraíso nesta terra como
ninguém jamais esteve”.1Quem nunca imaginou ou recordou “aquele verão em
Paris”, mesmo que ele ou ela nunca tenha posto nem jamais
venha a pôr os pés num quai ao longo do Sena? Harold Ro-
senberg, em 1940, depois da queda da cidade nas mãos dos
alemães, descreveu Paris como “o Lugar Sagrado de nossos
tempos. O único”. Repetia as palavras e sentimentos de Hein-
rich Heine, que um século antes tinha chamado Paris de “a
nova Jerusalém”, e de Thomas Appleton, cuja idéia era queParis é o lugar para onde vão os bons americanos quando mor
rem. O que sugerem estes elogios é que Paris de alguma forma
conseguiu aproveitar suas discordantes energias urbanas —
seu aglomerado de humanidade, seus conflitos de classe, suas
concentrações de cobiça e desespero — e tratar de seus pro
blemas físicos de modo a produzir um rico e estimulante efeito
espiritual.
A partir de meados do século passado, a cidade havia realmente contribuído muito para encorajar essa imagem: desde os
consideráveis melhoramentos introduzidos na cidade sob a dire
ção do prefeito do Sena na época de Louis Napoleon, o Barão
Haussmann, à repetida organização de pródigas e dispendiosas
exposições mundiais, aos acréscimos e aperfeiçoamentos arqui
tetônicos feitos por pessoas como Violet-le-Duc, à construção
da Torre Eiffel e do Sacré Coeur, às leis de censura relativa
mente frouxas que permitiam diversões e publicações que teriam pouca chance de sobrevivência em qualquer outra parte da Eu
ropa, e, finalmente, à moralidade intencionalmente ambígua,
moralidade não encontrada em nenhuma outra parte da Eu
ropa, que tolerava uma vida de rua cheia de absinto, cafés
e garotas.
Havia, entretanto, um outro lado do retrato, um lado que
se tornou mais visível à medida que o século se aproximava
de seu fim. Era o lado passivo, letárgico e duvidoso de Paris,Paris como objeto, como vítima; Paris como o lugar de crise,
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como o Iccus de uma cultura de crise; Paris como o sítio
de um tédio esmagador, a que Barrés se referiu em 1885:
“Uma profunda indiferença nos devora.”3 Paris tornara-se um
símbolo cultural, como Harold Rosenberg notou inteligente
mente em seu artigo de 1940, “não apenas por causa de seu
gênio afirmativo, mas talvez, ao contrário, por sua passividade,que lhe permitia ser possuída pelos exploradores de todas as
nações”. Em 1886, o velho Oliver Wendell Holmes achou a
cidade “monótona e melancólica. . . ociosa e apática*.4 Três
quartos de século mais tarde, um garçom disse a Jack Kerouac:
“Paris est pourri.”*5
Politicamente, Paris, depois da grande Revolução de
1789, foi um centro de radicalismo messiânico por mais de
um século, até este papel ser usurpado por Moscou em 1917.O símbolo, entretanto, era mais importante que a realidade.
Naquele século foram poucos na França os períodos de ge
nuína tolerância política em que elementos radicais podiam
fazer proselitismo livremente, e o destino dos ideais da Re
volução — liberdade, igualdade e fraternidade — evocava
muito sarcasmo e desprezo. Duas semanas antes da première
de Le Sacre, Georges Clemenceau por duas vezes se feferiu,
em discursos, ao mal na vida francesa “que nos corrói”: a
incapacidade dos franceses para se organizarem num sistema
político aceitável.6
No curso de seu desenvolvimento, Paris tornou-se não
apenas a ville des lumières, mas também um símbolo da peste
urbana. A população tornou-se mais concentrada e densa na
área central. Embora o centro da cidade fosse o mais belo
do mundo, os banlieux ou subúrbios podiam reivindicar um
lugar entre os mais feios. Aubervilliers, Les Lilas e Issy-les-
Moulineaux, construídos nos últimos vinte e cinco anos doséculo XIX numa tentativa de contra-atacar o congestionamen
to, são nomes líricos para sombrios subúrbios industriais.
Eram numerosos os bairros miseráveis sem saneamento ade
quado; em 1850 apenas uma em cinco casas tinha água. Paris
era incontestavelmente a capital ocidental dos vagabundos e
mendigos.
* Paris está podre.
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Todas as principais cidades européias se viram diantede problemas semelhantes na expansão industrial do século passado, mas em Paris o exemplo da ação política radical tinhadeixado sua marca, e as tensões sociais vieram à tona duasvezes de forma particularmente perversa. Nos dias de junho
de 1848 e durante a Comuna de 1871 o ódio de classes ex plodiu e destruiu imensos setores da cidade. Mais pessoasforam mortas em uma semana de luta de rua em maio de1871 do que em todo o período do terror jacobino, e a cidadefoi danificada em muito maior escala do que em qualquerguerra anterior ou posterior. Dizia-se que os grandes bulevares que o Barão Haussmann abriu no atravancado centro dacidade nas décadas de 1850 e 1860, a fim de dar a Paris sua
peculiar elegância urbana e leveza cultivada, teriam sido pro jetados, pelo menos em parte, com o intuito de reduzir a possibilidade de barricadas e de proporcionar às tropas não sótrânsito rápido dos quartéis ao centro mas também galerias detiro desobstruídas para o confronto com as classes dangereu- $es em caso de luta civil. A tensão política era, portanto, umaconstante na vida de Paris e refletia a luta geral pela supremacia entre passado e futuro.
Na década de 1880 o cavalo ainda dominava Paris. AÉtoile e os Champs-Elysées, rodeados de estábulos e escolasde equitação, eram o centro dos vendedores de cavalos. Ocavalheiro elegante, monóculo preso na aba da cartola, cravona lapela, brilhantes botas de montaria, falava constantementedo Jockey Clube e do concurso hípico. Palafreneiros descansavam nos cafés da rua de Pouthieu e da rua Marbeuf. Ocheiro de estrume de cavalo impregnava o ar, e os pedestres
achavam natural caminhar no meio da rua. Entretanto, em poucos anos, o automóvel tinha invadido Paris. Em 1896,Hugues le Roux, um jovem jornalista, avisou ao prefeito de
polícia que andaria com uma pistola para enfrentar os motoristas de automóveis que ameaçavam a sua segurança e a desua família nas ruas. A polícia, ele acusava, parecia totalmente despreparada para tomar qualquer medida contra osmotoristas lunáticos que haviam tornado as ruas de Paris mor
talmente perigosas.7 Setenta anos depois de ter chegado a Paris pela primeira vez no outono de 1904, quando se sentou com
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Gabriel Astruc no Café de la Paix, Arthur Rubinstein recor
dou os odores da ocasião, perfume e cheiro de cavalo.8 Ex
pressou-se com delicadeza em suas memórias. Se quisesse ser
franco, poderia ter dito que se lembrava de uma mistura de
perfume fino, descarga de motores e estrume. Isso teria ex
pressado um pouco mais claramente os opostos que haviam setornado tão marcantes em Paris, à medida que a cidade cres
cia no século passado, opostos que nunca foram mais eviden
tes do que na atmosfera brilhante mas crepuscular da belle
époque.
Paris e toda a França se viam cada vez mais absorvidas
nestas contradições, enquanto o século se aproximava de seu
fim. Depois da estarrecedora derrota do Segundo Império de
Louis Napoleon em 1870-1871 frente aos prussianos e da desastrosa guerra civil travada em Paris, o tradicional senso
de grandeza e preeminência francesa na Europa deparou-se
com a memória recente do desastre. Uma consciência parali-
sante de declínio, junto com uma controvertida busca das raí
zes do mal, impregnou a vida francesa na Terceira República.
Procuravam-se inimigos dentro e fora: as cicatrizes de guerra
eram freqíientes; os escândalos públicos pareciam multiplicar-
se, acompanhados por uma grande quantidade de atentadosanarquistas, sendo o mais divulgado, embora fosse o que ti
vesse custado menor número de vidas humanas, o que ocorreu
na Câmara dos Deputados em 9 de dezembro de 1893; e o
caso Dreyfus, que rachou todo o país na última década do
século, foi simplesmente o símbolo mais sensacional da fra
queza e do turbilhão.
Numa era de imperialismo a França perdeu terreno na
busca de colônias. Seu comércio externo declinou. Enquanto partes do mundo passavam para uma segunda fase de indus
trialização depois de 1890, a França não acompanhou o ritmo,
e os franceses, exemplificando a dúvida que tinham a respeito
de si próprios, demonstravam mais disposição a investir di
nheiro no exterior do que em casa. E enquanto a taxa de na
talidade de seus vizinhos, particularmente a da Alemanha,
crescia de modo significativo, a da França diminuía.
Até Paris parecia ter parado de se desenvolver depois de1880. A população da cidade aumentava apenas porque as
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áreas da periferia eram incorporadas aos limites metropolita
nos. Foram necessários mais de vinte anos, até 1907, para
que se concluíssem os planos de Haussmann para o Boule-
vard Raspail, e a própria avenida que recebeu o seu nome,
em homenagem às suas realizações, ficou inacabada durante
cinqüenta anos, até a década de 1920. Letargia e uma incômoda consciência de degeneração defrontavam-se assim com
um legado de grandeur e gloire. O embaixador alemão em
Paris percebeu isso em 1886; em outubro o Conde Münster
passou um cabograma para Berlim: “O desejo de que haja
algum dia uma guerra santa é comum a todos os franceses;
mas a exigência de que se cumpra logo esse desejo é recebida
com ceticismo."9
Até como árbitro cultural do mundo, papel que a maioria dos franceses considerava um legado internacional per
manente e, portanto, um direito inato, o país se sentia inde
ciso. Na segunda década deste século Paris parecia estar muito
mais enlevada com a cultura estrangeira do que com a sua:
em junho de 1911, por exemplo, houve uma saison belge em
Les Bouffes, uma saison italienne no Châtelet, uma saison
russe do outro lado da praça, no Sarah Bernhardt, e uma sai
son viennoise no Vaudeville. Embora importantes composiçõesde Charpentier, Fauré, Ravel, Schmitt e Debussy fossem exe
cutadas pela primeira vez na primavera e no verão de 1913,
toda a recènte excitação e comoção parecia ser gerada por
compositores e artistas estrangeiros: Strauss, Mussorgsky, Kuz-
netsova, Chaliapin e os Ballets Russes. Além do mais, os es
trangeiros, principalmente os russos, mostravam-se freqüente-
mente inclinados a considerar suas contribuições com um ar
de superioridade e até com arrogantes pretensões à arte su prema. “Mostramos aos parisienses”, afirmou Alexandre Be-
nois depois da temporada russa de 1909, “o que o teatro de
veria se r ... Esta viagem foi, sem dúvida, uma necessidade
histórica. Somos na civilização contemporânea o ingrediente
sem o qual ela seria inteiramente corroída”.10
Entretanto, se a arte inovadora dos estrangeiros desper
tava fascinação, rebeldes nativos como os fauvistas eram denun
ciados como agentes da anarqiua e decomposição. Por exem plo, o influente crítico Samuel RocheblaVe lamentava na época
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que a pintura na França desde Courbet tivesse perdido o auto
controle, tornando-se polêmica, política e nada mais do que
espetáculo. O fin-de-siècle, em sua opinião, era um sinônimo
de anarquia manifesta, importada do exterior. O impressionis
mo, que decompôs a cor e a luz, e o cubismo, que decompôs
a forma sólida, não eram estilos franceses, mas algo que seaproximava da “barbárie”. “Plus d’école”, dizia ele com um
suspiro, “mais une poussière de talents; plus de corps, mas
des individus”.*n
Se um importante impulso por trás da experimentação
artística na virada do século era a busca de liberação, o rom
pimento, em termos morais e estéticos, com a autoridade cen
tral, o patriarcado, o conformismo burguês, em suma, a tra
dição européia que tinha sido ditada em grande parte por
Paris, não constituía surpresa que uma fração considerável
do impulso psicológico e espiritual para esse rompimento
viesse das periferias geográficas, sociais, geracionais e sexuais.
A ênfase na juventude, na sensualidade, na homossexualidade,
no inconsciente, no primitivo e nos socialmente destituídos
provinha, na maioria dos casos, não de Paris, mas dos confins
da hegemonia tradicional. O movimento moderno estava cheiode exilados, e a condição de exilado, ou a “batalha nas fron
teiras”, como o francês polaco-italiano Apollinaire denominava
a atividade de seu grupo, tornou-se um tema predominante da
mentalidade moderna. A primeira peça do jovem Henry de
Montherlant, escrita em 1914 quando o dramaturgo tinha
dezoito anos, chamava-se L’Exil. No mesmo ano, James Joyce
compunha o primeiro esboço de sua peça Exiles. Paris, em
virtude de suas associações míticas com os ideais revolucionários, tornou-se o refúgio de muitos desses exilados, inclusive
Joyce, e assim o principal cenário da revolta moderna. Quan
do lhe perguntaram quais eram os grandes artistas franceses de
seu tempo, Cocteau respondeu: Picasso, Stravinsky e Modiglia
ni.12 Por volta de 1913, Paris havia se tornado, como Jacques-
* Não há mais escolas, apenas indícios de talento; não há mais grupos, só indivíduos.
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Émile Blanche escreveu em novembro daquele ano, a gare cen- trale da Europa;13 um centro de desenvolvimentos, mas nãoinovador.
A condição econômica e política geral da França na belle êpoque fornecia, é claro, o pano de fundo para a teatralida
de, e as preocupações culturais estavam ligadas a interesses políticos e estratégicos. Em ambos, a vulnerabilidade era a característica predominante. Quando um tratado franco-russo sematerializou em 1893, pondo fim a um quarto de século deisolamento diplomático maquinado em grande parte por Ottovon Bismarck, Paris irrompeu num júbilo que beirava a histeria. Caixas de fósforos com retratos do czar, cachimbos deKronstadt e carteiras de Neva faziam furor. Retratos do
czar e da czarina eram dependurados nos quartos das crianças. Tolstoi e Dostoievski tornaram-se a leitura favorita.
Ao interesse pela Rússia deve ser acrescentada uma obsessão pela Alemanha. Depois da derrota de 1870-1871, depois da
perda das províncias de Alsácia e Lorena para os alemães, e de pois da humilhação adicional de ver o Reich Alemão proclamado no Salão dos Espelhos em Versailles, a Prússia-Alema-nha tornou-se não apenas o inimigo desprezado, mas a encarnação do mal e, portanto, a antítese da França. A botte
ferrée de Bismarck, assentada sobre a nuca da França, tornou-se a imagem inevitável da relação de Hermann com Ma-rianne. Entretanto, neste papel mefistofélico sádico, a Prússia-Alemanha também se transformou, é claro, em fonte de interesse absorvente, interesse expresso a princípio cautelosamentemas depois de forma mais aberta. O tratamento dispensado
a Wagner é ilustrativo. Antes de meados da década de 1880,qualquer manifestação de apreço pelo compositor alemão tinhade ser quase sub-reptícia, e propostas de executar suas obrasem Paris eram recebidas com franca oposição. Na década de1890, entretanto, uma onda wagneriana estava em curso, e a
peregrinação a Bayreuth tornara-se moda. Wagner claramenteinfluenciou Mallarmé, Proust e Debussy. Em 1913 o centenário de Wagner foi festejado em Paris com representações
de Tristão e todó o ciclo do Anel dos Nibelungos, extravagância que. teria sido impensável uma geração antes.
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Algumas breves Jinhas melódicas, inspiradas em temas fol
clóricos russos, surgiam certamente, mas, a não ser isso, a
música não tinha nenhuma relação evidente com a tradição
do século XIX, nem mesmo com o impressionismo. As leis
da harmonia e do ritmo pareciam ser violadas. Foram inten
cionalmente escolhidos instrumentos sem vibrato, a fim de eliminar qualquer traço de sentimentalidade. Criaram-se novos
sons com o emprego de registros extremos para as madeiras
e as cordas. A orquestra exigida era imensa, 120 instrumen
tos, com uma alta porcentagem de percussão, o que podia pro
duzir uma formidável explosão de sons. Com sua violência,
dissonância e evidente cacofonia, a música era tãó enérgica
e primitiva quanto o tema. Debussy disse de Le Sacre que era
"algo extraordinário, selvagem. Talvez se pudesse dizer queé música primitiva com todos os recursos modernos”.2 Um
crítico chamou-a de "música ho tento te refinada”; outro afir
mou que era "a composição mais dissonante já escrita. Nunca
o culto da nota errada foi celebrado com tanta diligência, fer
vor e ferocidade”.3 Se o tema questionava a própria noção
de civilização, e se a música sublinhava este desafio, a coreo
grafia de Nijinsky aumentava a provocação. Todo virtuosis
mo foi eliminado. Não havia um único jeté, pirouette ou ara-besque. Por ironia, o homem cuja surpreendente graça e agi
lidade tinha sido freneticamente aclamada em anos anteriores
parecia ter riscado de sua composição todos os vestígios de
suas próprias conquistas. O movimento foi reduzido a pulos
pesados, com os dois pés, e a um caminhar nem uniforme
nem ritmado. Gomo em todas as composições de Nijinsky, ha
via uma posição básica: desta vez consistia em pés virados
para dentro com grande exagero, joelhos dobrados, braços presos ao corpo, cabeça de perfil com o corpo em posição fron
tal. Em outras palavras, a pose clássica era inteiramente con
traditada pelo que a muitos parecia uma contorção de cam
baios. Nijinsky chamava seus movimentos de "gestos estili
zados” para enfatizar o abandono do fluxo e ritmo da dança
clássica, acentuar as desconexões, a irregularidade, da exis
tência. Os dançarinos não eram mais indivíduos mas partes
da composição. A maioria dos movimentos se dava em gru pos. Como não havia melodia a ser seguida, os dançarinos
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tinham de acompanhar o ritmo, mas até isso era extraordi
nariamente difícil, pois cada novo compasso obedecia a uma
diferente indicação de tempo. Para aumentar a complexidade,
exigia-se muitas vezes de diversos grupos de dançarinos que
seguissem no palco ritmos diferenciados. Quando Diaghilev e
Nijinsky visitaram Dalcroze em sua escola de euritmia em1912, tinham persuadido Marie Rambert a abandonar Helle-
rau e ingressar nos Ballets Russes a fim de ajudar Nijinsky
a ensinar ritmo ao corps de ballet. O público da noite de es
tréia não foi o único a considerar o trabalho de Nijinsky de
difícil compreensão. Muitos de seus próprios dançarinos
tinham deixado claro que achavam o trabalho feio e repulsivo.
Os críticos foram, em geral, selvagens em relação a Ni
jinsky. Henri Quittard continuou .\ia cruzada contra a coreografia de Nijinsky, a quem chamou de “colegial frustrado” a
um passo da loucura.4 Louis Laloy icusou-o de ser “totalmen-
tc desprovido de idéias e até de bom senso”.5
Os cenários de Roerich foram o único elemento do balé
a não alardear novidade e, como resultado, foram virtual
mente ignorados. Entretanto, com seu uso de vermelho, verde /.
c branco em combinações que lembravam a pintura de^ícones,
complementavam quietamente a sensação de exotismo e deinfluência popular russa.
Como observou Jacques Rivière, o mais sagaz dos comen
taristas contemporâneos, a assimetria é a essência de Le Sacre.
O tema, a música e a coreografia eram todos angulosos e
bruscos. Entretanto, paradoxalmente, como se pode ver, a
assimetria é estilizada e altamente controlada. Há uma pode
rosa unidade no balé. Existe implícita na obra uma turbu
lência arrebatadora, uma densa mistura de instinto, sensualidade e destino. Nas palavras de Rivière, é “a primavera vista
de dentro para fora, com sua violência, seus espasmos e suas
fissões. Temos a impressão de estar assistindo a um drama
através de um microscópio”.
O balé contém e ilustra muitas das características essen
ciais da revolta moderna: a franca hostilidade à forma her
dada; a fascinação-pêlo primitivismo e, na verdade, por qual
quer coisa que contradiga a noção de civilização; a ênfaseno vitalismo em oposição ao racionalismo; a percepção da
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Desta vez os bárbaros russos, liderados por Nijinsky, “umaespécie de Átila da dança”, foram realmente longe demais.Receberam vaias e reagiram com surpresa.
Parece que não têm consciência alguma dos costumes e
práticas do país de cuja hospitalidade estão abusando edão a impressão de ignorar o fato de que freqüentementetomamos medidas enérgicas contra comportamentos absurdos.
Um acordo, entretanto, talvez pudesse ser negociado com osrussos.
Nijinsky teria de consentir em não' encenar mais balésque aspiram a um nível de beleza inacessível para nossasfracas mentes, e não mostrar mais mulheres “mpdernas”de trezentos anos, nem meninos pequenos mamando em
peitos, nem, por falar nisso, peitos. Em troca dessas concessões, continuaríamos a assegurar-lhe que é o maior bailarino do mundo, o mais belo dos homens, e lhe daríamos prova disso. Viveríamos então em paz.
E o artigo concluía observando que um grupo de atores poloneses estava para chegar a Paris. Seria melhor que se contivessem e não dissessem aos franceses que a única arte verdadeira é a arte polonesa.
Na frente do busto de Molière, era*melhor que não gritassem: Vive la Pologne, monsieur!
Não é preciso dizer que Alfred Capus deve ter se sentido muitosatisfeito consigo mesmo ao saborear seu humor de cabaréem letra de fôrma naquela segunda-feira do início de junho.
Um ano mais tarde, em meio à “crise de julho” provocada pelo assassinato do arquiduque austríaco, um certo Mau-rice Dupont, num artigo em La Revue Bleue, censurou a curiosidade de sua época, que ele não via como um sinal de ativi
dade intelectual superior, mas como um inquietante sintomade doença. “Um ser humanp saudável não é curioso.” Ele via
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no entusiasmo que a companhia russa havia gerado um sinal
de lamentável desequilíbrio espiritual. O caráter essencial de
uma obra como Le Sacre era o niilismo, dizia ele. A obra
tinha intensidade, mas faltava-lhe amplitude. Entorpecia os
sentidos ao invés de elevar a alma. Era uma “orgia dionisíaca
sonhada por Nietzsche e suscitada por seu desejo profético deser o farol de um mundo que se arremessa para a morte”.
Dupont pensava, entretanto, que havia alguma razão para es
perança, a prova mais espetacular da sanidade mental fran
cesa tendo sido a demonstração estridente com que Le Sacre
fora recebido.8
Quando seu artigo saiu publicado, Dupont provavelmente
notou com alívio que Gabriel Astruc tinha ido à bancarrota.
Nijinsky casara-se com Romola de Pulszky e, conseqüentemen-te, fora excluído da trupe de Diaghilev. Em suma, a “onda
moderna” sofrera contratempos. Ele poderia também ter no
tado, porém, que os cientistas se ocupavam com a possibili
dade de o mundo vir a acabar. Na Revue des deux mondes,
Charles Nordmann escrevia:
Na vida das sociedades, assim como na dos indivíduos,
existem horas de desconforto moral, quando o desesperoe a fadiga estendem suas asas de chumbo sobre os seres
humanos. Os homens começam então a sonhar com o
nada. O fim de tudo deixa de ser “indesejável”, e sua
contemplação é, de fato, consoladora. Os recentes deba
tes entre os cientistas sobre a morte do universo talvez
sejam o reflexo destes dias sombrios.9
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II
BERLIM^
O curioso é que em toda parte os cidadãos se tornaram
dançárinos.A i .f r e d Wo l f e n s t e in
1914
O bater de janelas e o estilhaçar de vidro são os
robustos sons de vida nova, os gritos de algo recém-
nascido.El ia s Ca n e t t i
No Canal de Yser, onde os regimentos de reserva dos
jovens voluntários atacaram, lá está a nossa ver sa-
crutn. . . O sacrifício que fizeram por nós significa
uma primavera sagrada para toda a Alemanha.
Fr i e d r i c h Me in e c k e
1914
VER SACRUM
“A Alemanha declarou guerra à Rússia — natação à tarde."Esta foi a incisiva nota no diário de Franz Kafka referente
a 2 de agosto de 1914.1
Os dias daquele verão foram longos e cheios de sol; as
noites, suaves e enluaradas. Ter sido uma estação bela e ines-
quecível é parte da memória daquele verão de 1914, parte de
sua pungência e de sua mística. Entretanto, não é para evocar
o sol e as estações de águas, as regatas de barcos a vela e as
tardes sonolentas — por mais importantes que sejam essasimagens para o nosso sentido poético daquele verão antes da
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tempestade — que começamos este capítulo com uma referência ao tempo; é muito simplesmente porque os belos diase noites daqueles meses de julho e agosto encorajaram os europeus a sair de casa e expor suas emoções e preconceitosem público, nas ruas e praças de suas grandes e pequenas cida
des. As enormes demonstrações de sentimento público desem penharam um papel crucial na definição do destino da Euro pa naquele ano.
Se tivesse sido um verão frio e chuvoso, como o do anoanterior e o do seguinte, será que se teria criado uma atmosfera de feira propícia à oratória fácil das ruas e à histeriada massa? Será que os líderes teriam sido levados a declarara guerra tão prontamente? Há provas de que as cenas de mul
tidões chauvinistas em Berlim, São Petersburgo, Viena, Parise Londres, nos últimos dias de julho e nos primeiros de agosto,impeliram os líderes políticos e militares da Europa ao confronto.' Foi certamente o que ocorreu na Alemanha. E a Alemanha foi a matriz da tempestade.
Depois que o arquiduque austríaco Francisco Ferdinandofoi assassinado, junto com sua mulher, no dia 28 de junhoem Sarajevo, durante sua visita imperial às províncias de Bós-
nia e Hercogovina, foi só por causa do sólido apoio alemãoque o governo austríaco decidiu adotar uma política intransigente para com a Sérvia, que, suspeitava-se, tinha dado apoiomoral e ajuda material ao grupo terrorista que executou oatentado contra o príncipe herdeiro da Áustria. Em Berlim,nas fases críticas da tomada de decisão, grandes manifestações mostraram que a população desejava firmeza e compro-metimeqto com uma resolução vitoriosa e agressiva da crise.
A excitação, já elevada no início de julho, atingiu uma intensidade febril perto do fim do mês.
Em 25 de julho, um sábado, ao entardecer, grandes multidões apinhavam-se nas ruas, esperando a resposta da Sérviaao draconiano ultimato austríaco do dia 23, o qual fazia umasérie de exigências que os sérvios teriam claramente dificuldade em aceitar. O chanceler alemão, Bethmann Hollweg, estava tão inseguro quanto à reação popular ao ultimato, e tão
preocupado com uma possível reação negativa dos berlinen-ses, que sugeriu ao kaiser que não voltasse ainda do seu cru-
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zeiro norueguês anual. Um quixotesco Guilherme ficou pro
fundamente ofendido com a sugestão, mas, presumivelmente,
ansioso também: “As coisas ficam mais loucas a cada minuto!
Agora o homem me escreve que não devo aparecer diante dos
meus súditos!”
Mas Bethmann tinha interpretado mal o ânimo da po pulação. Um repórter do Tägliche Rundschau nos deixou,
numa prosa ofegante, uma descrição de multidões arromban
do camionetas de entrega de jornais em busca de notícias sobre
a resposta sérvia, rasgando os jornais ao abrir, e lendo com
arrebatado interesse. De repente explode um grito: Et jeht los! — um modo berlinense de dizer: “Começou!” A Sérvia rejei
tou o ultimato austríaco! Et jeht los!
Esta é a frase de todos neste momento. Ela fere fundo.
E de repente, antes que se tenha consciência do que
acontece, formou-se uma multidão. Ninguém conhece nin
guém. Mas todos são dominados por uma emoção sin
cera: Guerra, guerra e um sentimento de camaradagem.
Depois um rumor solene e festivo saúda a noite: “Es
braust ein Ruf wie Donnerhall.”*2
Por volta das oito da noite uma grande massa humana
se move ao longo do Unter den Linden, o grandioso bulevar
central de Berlim, em direção ao Schloss, o palácio imperial.
No arsenal ouvem-se gritos fortes de Hoch Österreich** e no
Schloss a multidão rompe a cantar “Heil Dir im Siegerkranz”.***
Outra multidão, de milhares de pessoas, dirige-se à
Moltkestrasse, para a embaixada austríaca, onde acampa, can
tando “Ich hatte einen Kameraden”,**** uma das marchasmais populares da Alemanha. O embaixador austríaco, Szõ-
gyény-Marich, aparece afinal numa sacada e é aplaudido lou
camente. Recolhe-se, mas as canções e os gritos continuam,
e ele se sente obrigado a aparecer mais uma vez para re
* Um estrondo como de trovão.** Viva a Áustria!
*** Salve, tu que levas a coroa da vitória.**** Eu tinha um camarada.
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ceber as expressões de solidariedade. Um repórter do Vossi-
sche Zeitung, jornal liberal de Berlim, observa: “Os alemães
e os austríacos, o estudante e o soldado, o comerciante e o
trabalhador, todos se sentem unidos nesta hora extremamente
grave.”3
Depois do escurecer, por volta das onze da noite, uma
grande multidão se reúne na Porta de Brandenburg, depois
se dirige ao Ministério das Relações Exteriores na Wilhelm-
strasse, para finalmente seguir até o Ministério da Guerra.
Outros grupos se formam no Zoologischer Garten, em Kur-
fürstendamm e na Tauentzienstrasse. A massa de gente diante
do Schloss e outra multidão à frente do Palácio do Chan
celer do Reich continuam circulando até bem depois da
meia-noite.
O secretário de Bethmann, Kurt Riezler, anota em seu
diário que Bethmann está tão impressionado com a visão das
grandes e entusiásticas multidões que seu estado de espírito
visivelmente se anima e ele abandona os pressentimentos, es
pecialmente quando fica sabendo que demonstrações seme
lhantes estão acontecendo por todo o Reich.4 Na verdade, ocor
rem até alguns incidentes feios, no sábado e novamente nodomingo, indicando a intensidade da emoção pública.
No Café Fahrig em Munique, no sábado à noite, a mul
tidão fica tonta cantando canções patrióticas. Depois da meia-
noite os proprietários dão instruções ao regente da banda
para diminuir a animação e finalmente à uma e trinta para
cessar de tocar. A clientela, entretanto, ainda não está satis
feita, e, diante das tentativas de fechar o estabelecimento
por aquela noite, alguns patriotas começam a quebrar cadeiras e mesas e a despedaçar as vidraças das janelas com
tijolos.
Na tarde seguinte, também em Munique, um sérvio ex
pressa suas opiniões sobre a situação mundial e se vê logo
rodeado por uma grande multidão encolerizada, que está a
ponto de linchar sua presa, quando a polícia chega. O sérvio
é salvo e conduzido para um restaurante local. Mas a mul
tidão grita por sangue e tenta arrombar o restaurante. Ummaior destacamento de polícia, comandado pelo próprio pre-
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o correspondente em Berlim de um jornal de Frankfurt àstrês da tarde daquela sexta-feira, "por toda parte a tensãodeu lugar ao júbilo”.7 Embora as autoridades insistam emafirmar que a declaração de Kriegsgefahr não é de modoalgum sinônimo de declaração de guerra, e que esta última
depende de uma recusa russa a cancelar as ordens de mobilização, o povo alemão pensa de outro modo e já tem comocerto o resultado da crise. As donas-de-casa correm para asmercearias. Muitos proprietários de armazéns aproveitam aoportunidade para ganhar um dinheiro extra: o sal, a aveiae a farinha, todos têm significativo aumento de preço. Nasseções de alimentos das grandes lojas do centro de Berlim osenlatados são surripiados. No final da tarde, por ordem da
polícia, alguns magazines fecham as portas.Enquanto as edições extras de jornais aparecem naquela
tarde de sexta-feira com as últimas informações. Unter denLinden se enche de gente. Muitos vêm esperar o kaiser quechega de Potsdam. Às duas e quarenta e cinco aparece o carroreal. Tem grande dificuldade em abrir caminho até o palácio imperial. Os aplausos são ensurdecedores. Atrás do carrodo kaiser vem o do príncipe herdeiro e da princesa e seusfilhos mais velhos. Estes são por sua vez seguidos pelos príncipes Eitel-Friedrich, Adalbert, August Wilhelm, Oskar eJoachim. Segue-se uma fila de limusines com os conselheirosimperiais. Todos os carros, do primeiro ao último, são saudados com hurras e canções patrióticas. O chanceler do Reich,Bethmann Holhveg, e o chefe do Estado-Maior, Moltke, chegam para consultas, demoram-se pouco e saem, acompanha
dos tanto na chegada como na saída por uma aclamação delirantemente entusiástica. Outros membros da família real tam bém vão deixando o palácio, e cada automóvel tem dificuldade para passar pela multidão excitada, que o Berliner Lokal-
Anzeiger estima em cinqüenta mil pessoas. Todos os que têm poder de decisão defrontam-se diretamente com a maciça efusão de entusiasmo do povo de Berlim. Nenhum deles jamaisviu tais manifestaões antes. Nenhum deles pode ignorar o
ânimo popular. Com exceção dos carros dos dignitários, o tráfego é desviado de Unter den Linden, e a rua mais deslum
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brante de Berlim — que abriga a Universidade, a Ópera, aBiblioteca Real, vários ministérios governamentais, além deteatros, cafés e embaixadas — torna-se palco de um monumental drama grego.
Tarde da noite uma multidão de milhares de pessoas
ainda se acha reunida na frente da residência do chancelerna Wilhelmstrasse e, pouco antes da meia-noite, começa acantar para o chanceler. Bethmann finalmente aparece e fazum breve discurso de improviso. Invocando Bismarck, Guilherme I e o velho Moltke, ele insiste nas intenções pacíficasda Alemanha. Entretanto, se o inimigo coagir a Alemanha àguerra, ela lutará por sua “existência” e “honra” até a última gota de sangue. “Na gravidade desta hora, recordo-lhes
as palavras que o Príncipe Friedrich Karl gritou aos branden- burguenses: Que os seus corações batam diante de Deus eos seus punhos sobre o inimigo!”8
No dia seguinte, sábado, 1? de agosto, representam-secenas ainda mais agitadas e exuberantes. Pela manhã, normalmente o término regular de uma semana de trabalho, como comércio, as escolas e os escritórios funcionando até o meio-dia, as coisas estão longe de ser normais. As cortes penais
moabitas, por exemplo, não podem cumprir sua programação porque os acusados, as testemunhas e até os juízes e advogados não comparecem. Na frente do palácio real uma multidão, estimada entre 100 mil e 300 mil pessoas, espalha-secomo um mar desde o velho museu e os degraus da catedral, pelo Lustgarten e a grande praça, até o terraço do Schloss,sendo levada pela banda do regimento de Elizabeth a cantarexcitadamente. O regimento está de fato preso. Depois damudança de guarda no palácio, devia seguir pela praça atéo Lustgarten. Mas caiu na armadilha da multidão e agoranãó pode mais se mover. Assim, lidera as canções fervorosas. “O entusiaspio não conhecia limites”, telegrafa o corres pondente do Frankfurter Zeitung à uma e cinqüenta e cinco“e quando, como úm grande final, a vontade unida das massas entoou o ‘Pariser Einzugmarsch’,* o entusiasmo atingiuo auge.”9
* Marcha que comemora a entrada em Paris.
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Novamente membros da família real chegam ao palácio
bem no meio dessas celebrações, assim como Bethmann, chan
celer, Moltke, chefe do Estado-Maior do Exército, e Tirpitz,
Ministro da Marinha. As multidões não se dispersam durante
toda a tarde, enquanto ocorrem reuniões decisivas. Cantam,
conversam, aplaudem. Finalmente, às cinco horas, o kaiserassina a ordem de mobilização geral; e uma hora depois, em
São Petersburgo, o Conde Pourtalès, embaixador alemão, vi
sita o Ministro de Relações Exteriores russo, Sazonov, para
lhe entregar uma declaração de guerra. As graves decisões dos
últimos dias foram todas tomadas diante do pano de fundo
do entusiasmo das massas. Nenhum líder político poderia ter
resistido às pressões populares a favor de uma ação decisiva.
Por volta das seis e trinta ouve-se um grito: "Queremoso kaiser!” As cortinas da janela central do palácio se di
videm, as portas duplas envidraçadas se abrem, e o kaiser
e sua mulher aparecem para uma estrondosa recepção. Gui
lherme acena. O barulho, as canções e os aplausos diminuem
pouco a pouco. Finalmente o kaiser fala. Os alemães são
agora um povo unido, diz ele à multidão. Todas as diver
gências e divisões estão esquecidas. Como irmãos alcançarão
uma grande vitória. O curto discurso é recebido com mais júbilo e mais canções: "Die Wacht am Rhein”* e o tradi
cional hino de batalha dos protestantes "Ein’ feste Burg ist un
ser Gott”.**
Por toda a cidade as atividades daquela noite parecem
uma enorme celebração depois de uma bem-sucedida noite
de estréia de um espetáculo que contou com um elenco de
centenas de milhares de pessoas. Berlim dá uma festa para
o elenco. Por toda parte, bares e cervejarias transbordam degente. Pianos, pistões, violinos e bandas completas acompa
nham o cantar estridente de canções patrióticas, repetidas até
altas horas da madrugada, quando, num estupor alcoólico ou
simplesmente emocional, os berlinenses finalmente caem, ainda
sorrindo, em suas camas de penas.
* A vigília sobre o Reno.** Poderosa fortaleza é o nosso Deus.
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Na grande Berlim quase dois mil casamentos de erper-gência são celebrados naquele sábado e na manhã de domingo. A atmosfera eletrizada estimula toda sorte de organizações e grupos sociais a declararem publicamente sua lealdade à causa germânica. Militantes dos direitos dos homos
sexuais e das mulheres, por exemplo, se juntam' às celebrações da nacionalidade. A Associação dos Judeus Alemães emBerlim publica sua declaração no sábado, 1? de agosto: “Éevidente que todo judeu alemão está pronto a sacrificar todaa propriedade e todo o sangue exigidos pelo dever”, proclama numa de muitas afirmações exuberantes.10
Na manhã de domingo, às onze e meia, um culto religioso interconfessional é celebrado ao ar livre junto ao mo
numento a Bismarck, diante do Reichstag. Milhares comparecem a esta cerimônia incomparavelmente simbólica e sugestiva. A banda dos Guardas Fuzileiros toca, e o culto começa com o hino protestante “Niederländische Dankgebet”*com suas palavras iniciais: Wir treten zum Beten vor Gott den Gerechten.** O pregador da corte, o Licenciado Döhring,celebra o culto e, para o seu sermão, escolhe o texto “Fielaté a morte”. Coagiram a Alemanha à guerra, diz ele, mas“se nós alemães tememos a Deus, não tememos mais nadaneste mundo”. Toda a congregação repete então o Padre-Nosso,e o culto termina com o hino católico, baseado numa melodiado século IV, “Grosser Gott wir loben Dich”.*** Protestantes e católicos estão reconciliados na Alemanha. As multidões seculares dos dias anteriores freqüentemente cantavamhinos. Agora, apropriadamente, o culto religioso é seguido porcanções seculares. A Igreja e o Estado também se tornaramuma coisa só. Consciente da importância deste tipo de sim
bolismo, o kaiser comparece a um culto na antiga igreja daguarnição em Potsdam, onde, entre outros governantes prussianos, está enterrado Frederico o Grande.
No começo de agosto os alemães deliciam-se com o quelhes parece ser a síntese genuína de passado e futuro, a eter-
* Ação de graças dos Países Baixos.
** Vimos orar diante do nosso justo Deus.*** Deus Santo, nós louvamos o Teu Nome.
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nidade encarnada no momento e a resolução de todas as dis
córdias internas — partido versus partido, classe contra classe,
seita contra seita, a igreja em conflito com o Estado. A vida
alcançou transcendência. Estetizou-se. A vida transformou-se
numa Gesamtkunstwerk wagneriana, na qual as preocupa
ções materiais e todas as questões mundanas são ultrapassadas por uma força de vida espiritual.
Em outros lugares da Alemanha, seja em Frankfurt am
Main ou Frankfurt an der Oder, em Munique, em Breslau ou
em Karlsruhe, as cenas são semelhantes. Multidões se aglo
meram em torno de príncipes. O militar é idolatrado. As
igrejas ficam apinhadas de gente. Emocionalmente, a Alema
nha declarou guerra na sexta-feira, 31 de julho, o mais tardar
— certamente à Rússia e à França. Dada a intensidade dosentimento popular, é inconcebível que o kaiser possa, neste
ponto, recuar. Nunca sobreviveria a tal falta de coragem. E,
está claro, nos dias seguintes vêm as decisões cruciais e as
declarações de guerra: primeiro contra a Rússia, depois con
tra a França e finalmente contra a Grã-Bretanha.
As últimas grandes concentrações contra a guerra ocor
reram em Berlim na quinta-feira, 28 de julho, quando vinte
e sete reuniões foram organizadas por toda a cidade pelossocialdemocratas, reuniões de boa afluência, muitas das quais
culminaram em marchas. O Berliner Tageblatt estimou que
sete mil trabalhadores se reuniram na Cervejaria Friedrichshain
e dois mil na Koppenstrasse. Depois dessas reuniões, os dois
grupos se dirigiram juntos para o Kõnigstor, uma multidão de
aproximadamente dez mil pessoas. Cinqüenta policiais final
mente bloquearam a marcha, e, quando as primeiras filas dos
participantes avançaram contra a polícia, dispararam tiros defestim. A manifestação foi rapidamente dispersada, apenas com
algumas escaramuças e ferimentos leves. Trinta e duas cida
des alemãs realizaram idênticas concentrações contra a guerra.
Foram os últimos comícios significativos contra a guerra.
Nesse crítico fim de semana — sexta-feira, o último dia
de julho, e sábado e domingo, os dois primeiros dias de
agosto — os socialdemocratas, diante da mobilização dos
exércitos do czar e, portanto, de uma intensificada ameaçarüssa, e também diante de renovadas manifestações de caráter
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patriótico, começaram a aderir à causa nacionalista. Alguns
líderes socialistas se deixaram envolver na orgia da emoção.
Outros sentiram que não podiam nadar contra a corrente do
sentimento público. Vários deputados da esquerda do par
tido, convocados a Berlim para uma reunião da liderança, saí
ram de casa ainda obstinadamente opostos à guerra e determinados a votar contra os créditos de guerra, mas ao se
depararem, nas estações ferroviárias, com repetidas demons
trações de apoio público à guerra, mudaram de idéia. Em
3 de agosto, um dia antes da votação dos créditos no Reichstag,
os líderes do Partido Socialdemocrata (SPD) mudaram em
bloco para uma posição favorável à guerra. Naquela segunda-
feira, o Bremer Bürger-Zeitung, antes e novamente durante a
guerra posicionado à esquerda do partido, trombeteou nasmanchetes: CUMPRAM SEU SUPREMO DEVER!11 Gustav
Noske contou mais tarde que, se os líderes do SPD não ti
vessem aprovado os créditos de guerra, os deputados socia
listas teriam sido pisoteados até morrer na frente da Porta
de Brandemburgo. Em suma, o monarca e o governo não fo
ram os únicos influenciados pelas efusões de sentimento pú
blico, mas virtualmente todas as forças da oposição também
se deixaram arrastar pela corrente.Kurt Riezler refletiu dias depois, sobre o efeito da emo
ção pública:
A incomparável tempestade desencadeada no povo var
reu de seu caminho todas as mentes dubitativas, irreso-
lutas e temerosas. . . A nação surpreendeu os estadistas
céticos.12
As multidões, de fato, tomaram a iniciativa política na Ale
manha. A cautela foi jogada ao vento. O instante alcançou
a supremacia. Horas, anos, na verdade séculos, foram redu
zidos a momentos. A história se tornara vida.
Muitos nunca esqueceriam o estado de espírito daqueles
dias de agosto. Dez anos mais tarde Thomas Mann se referiria
àqueles dias como o marco do início de muita coisa que ainda
ia começar. Trinta e cinco anos mais tarde, Friedrich Mei-necke, o decano dos historiadores alemães, sentia um calafrio
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quando pensava no estado de espírito daquele agosto, e confessava que, apesar dos desastres que se seguiram, aquelesdias foram talvez os mais sublimes de sua vida.13
ABERTURA
Afirmar que a Alemanha era uma “nação atrasada” tornou-se quase um clichê dos textos históricos sobre aquele país.É certo que os ornamentos sociais e econômicos da modernidade — urbanização, industrialização, colônias, unidade política — chegaram todos tarde à Alemanha em comparação
com a França e particularmente com a Grã-Bretanha.Em 1800, quando a França e a Grã-Bretanha já tinham
pelo menos um século ou mais de governo centralizado atrásde si, os territórios alemães ainda eram uma colcha de retalhos de aproximadamente quatrocentos principados autônomos, só frouxamente federados numa associação que tinha o paradoxal nome de Santo Império Romano da Nação Alemã. Numa parte da Suábia, em uma área de 1.888 km2, encon
tra vam-se noventa estados. As cidades eram poucas e dificilmente comparáveis a Paris ou Londres. Em 1800 Berlim tinha uma população de uns 170 mil habitantes e era poucomais do que um centro administrativo da Prússia. Não havianenhuma indústria nacionalmente organizada, como o comércio têxtil inglês, para desenvolver laços comerciais, nenhumareligião nacional para encorajar a unidade religiosa. Para muitos alemães, o maior feito da história alemã era a Reforma.
O fato de assim considerarem um acontecimento que dividiu os povos de língua alemã ao invés de uni-los é muitoesclarecedor sobre a identidade alemã. No começo do século XVIII uma noiva escrevia a seu prometido: “Nada émais plebeu do que escrever cartas em alemão.” Cinqüentaanos mais tarde, Frederico o Grande concordava de todo ocoração. Sobre a língua alemã, ele escreveu em De la littê-rature allemande que era “meio bárbara”, dividida “em tan
tos dialetos diferentes quantas são as províncias alemãs”.“Cada grupo local”, acrescentou com desdém, “está conven-
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eido de que seu dialeto é o melhor.”1 Ainda um século de pois, por volta de 1850, quando, no rastro da reforma hapo-leônica, que destruiu o Santo Império Romano como estrutura oficial e encorajou os primórdios da mobilidade sociale da industrialização, quando a Prússia claramente come
çara a se afirmar como o mais forte e mais ambicioso dosestados alemães, Berlim, apesar de ser então um centro financeiro, comercial e ferroviário em expansão, ainda tinha uma
população de apenas 400 mil habitantes.
A Alemanha, é claro, tinha poucas fronteiras naturaisalém do mar ao norte e dos Alpes a sudoeste. Quanto aomais, a grande planície central européia dominava seu sensode identidade geográfica — larga estrada para todos os in
vasores, saqueadores e movimentos de povos desde o adventodas próprias tribos germânicas nos séculos IV e V. A faltade definição territorial, étnica, religiosa e comercial era umamarca autêntica da história alemã, e o legado era uma tradição de regionalismo, particularismo e provincianismo, paranão falar de insegurança e desconfiança. “Alemanha? Masonde é que fica? Não sei como encontrar o país”, exclamavam as vozes unidas de Schiller e Goethe no final do sé
culo XVI.II.2 Metternich, um natural da região do Reno quese estabeleceu na Áustria, observou no Congresso de Vienaque a idéia de “Alemanha” e de “um povo alemão” erauma abstração.
Quando a unidade política finalmente aconteceu nos anosde 1866 a 1871, surgiu em parte como resultado de umatransformação social cujo traço mais conseqíiente na épocafoi o aparecimento de certo espírito empreendedor num seg
mento da classe média. Igualmente importante, a lidèrança prussiana reconheceu as necessidades de poder político da estrutura estatal européia, tomou a iniciativa e adotou uma política de conquista e cefitralização. Elementos novos e tradicionais se combinaram, portanto, para forjar uma unidade política alemã como a que veio a acontecer.
Entretanto, apesar de uma unidade superficial, as fortestradições regionalistas da Alemanha não podiam ser erradi
cadas da noite para o dia, e conseqüentemente o Reich alemãoque surgiu sob a direção de Bismarck e dos Hohenzollerns
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por um lado, e de uma elite de classe média por outro, erauma curiosa fusão constitucional de federalismo e centralismo,de democracia e autocracia, de provincianismo forrado de umanecessidade “nacional”, de ambição de classe média e com postura aristocrática. Embora o espírito de integridade polí
tica fosse uma aspiração de um segmento da população alemã, particularmente dentro de algumas das camadas médias, aslealdades regionais e uma consciência das diversidades eramainda reais, e as antigas elites puderam reter uma boa partede sua preeminência porque reconheciam esta diversidade —de fato, a maioria de seus privilégios nela se baseava — edespendiam muita energia “administrando-a”.
Otto von Bismarck havia presidido a unificação alemã
na década de 1860. Tornara-se primeiro-ministro prussianoem 1862 e habilmente conduzira a Prússia ao longo detrês guerras — contra a Dinamarca, a Áustria e a França
— que culminaram na criação de um Estado alemão unificado em 1871. Continuou chanceler do novo Reich alemãodurante quase duas décadas até sua renúncia forçada em 1890.Embora os ideais conservadores de Bismarck visassem ao esta
belecimento na Alemanha de uma sociedade harmoniosa e
bem integrada, orientada pela valorização das tradições e instituições prussianas, o efeito de seu brilho como tático político por mais de trinta anos foi exatamente o oposto. No final,sua tática talvez tenha produzido um impacto mais significativo no desenvolvimento alemão do que suas metas.
Com sua constante necessidade de um bode expiatório,um inimigo a ser identificado — apontou os liberais como afonte de todos os males na década de 1860, os católicos na
de 1870 e os socialistas na de 1880 — e com seu bem imaginado refrão “O Reich está em perigo”, ele aumentou astensões de classe, as divisões religiosas e as divergências ideológicas existentes. A curto prazo, Bismarck teve grande sucesso como manipulador político; a longo prazo, fracassounotavelmente na realização de seus ideais. Sua demissão docargo de chanceler em 1890, por decisão do novo imperador,Guilherme II, foi o comentário mais eloqüente sobre este
fracasso. É uma das grandes ironias da história o fato deBismarck, o “chanceler de ferro”, que ajudou a unificar a
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volvimento preparou o cenário para os estratagemas de Bis-
marck e reforçou-lhes o efeito. Foi caracterizado por uma es
magadora velocidade e uma correspondente desorientação do
povo. Embora na Grã-Bretanha Charles Dickens, em- Bleak
House, aludisse à “época móvel” em que viveu, e Tennyson
falasse de seu tempo como de “um terrível momento de transição”, as estatísticas relativas à transformação social e eco
nômica da Alemanha sugerem que nenhum outro país tinha
mais direito de suscitar impressões de movimento e transito-
riedade. Parece haver uma relação direta entre o ataque a
antigas fixações e o crescimento de novos mitos.
Se a Grã-Bretanha liderou a mudança do modo de vida
em nosso planeta, de rural agrário para industrial urbano, a
Alemanha, mais do que qualquer outra nação, nos conduziuao nosso mundo “pós-industrial” ou tecnológico, não apenas
num sentido objetivo, na medida em que seus inventores, en
genheiros, químicos, físicos e arquitetos urbanos, entre outros,
fizeram mais do que os de qualquer outra nação para de
terminar a nossa moderna paisagem urbana e industrial, mas
também num sentido empírico, na medida em que, mais in
tensivamente do que qualquer outro país “desenvolvido”, mos
trou ao mundo a desorientação psíquica que uma rápida egeneralizada mudança do meio ambiente pode causar. A expe
riência alemã está no coração da “experiência moderna”. Os
alemães freqüentemente se referiam a si mesmos como o
Herzvolk Europas, o povo do coração da Europa. Os alemães
também são o Herzvolk do sentimento e da sensibilidade
modernos.
O ferro e o aço foram os materiais de construção da
nova era industrial. No começo da década de 1870 a produção britânica de ferro ainda era quatro vezes maior do
que a da Alemanha; sua produção de aço era o dobro da
alemã. Por volta de 1914, entretanto, a produção de aço alemã
igualava às da Grã-Bretanha, França e Rússia consideradas em
conjunto. A Grã-Bretanha, principal exportadora de ferro e
aço para o mundo durante um século, importava aço da re
gião do Ruhr por volta de 1910.
O emprego de energia é outro indicador do desenvolvimento industrial. Na Grã-Bretanha o consumo de carvão
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entre 1861 e 1913 se multiplicou duas vezes e meia; na Alemanha, durante o mesmo período, multiplicou-se treze vezese meia, tornando-se quase igual ao britânico. Mas foi nasnovas indústrias de produtos químicos e de eletricidade, quese tornaram em nosso século os alicerces do crescimento ul
terior, que o progresso alemão na virada do século foi espantoso e, ao mesmo tempo, revelador do tremendo potencial daeconomia alemã.
Em 1900 a produção britânica de ácido sulfúrico —usado para refinar petróleo e fabricar fertilizantes, explosivos, produtos têxteis e corantes, entre outras coisas — aindaera aproximadamente o dobro da alemã, mas em treze anosa relação se achava quase invertida: por volta de 1913, a
Alemanha produzia 1.700.000 toneladas e a Grã-Bretanha apenas 1.100.000. No que diz respeito aos corantes, as firmasalemãs — especialmente Badische Anilin, Höchst e AGFA —controlavam 90% do mercado mundial em 1900. Na produção de material elétrico os avanços foram igualmente assom brosos. Em 1913 o valor da produção alemã de material elétrico era duas vezes o da Grã-Bretanha e quase dez vezes oda França; as exportações alemãs nesta área eram as maio
res no mundo, quase três vezes as dos Estados Unidos. Ovalor de todas as exportações alemãs mais do que triplicouentre 1890 e 1913.
Em um período pouco maior do que o de uma geração,menor que o de uma vida prolongada, a Alemanha tinha deixado de ser um agrupamento geográfico, com elos econômicoslimitados entre suas partes, para se tornar a mais formidável potência industrial da Europa, sem falar de seu poderio militar.
Alcançar esta posição exigiu mudanças gigantescas nos padrões demográficos, na organização social e econômica ena força de trabalho. A população da Alemanha aumentou de42,5 milhões em 1875 para 49 milhões em 1890 e 65 milhões em 1913. No último período, a população da Grã-Bretanha, em comparação, cresceu de 38 para 45 milhões,e a da França de 37 para apenas 39 milhões. Às vésperasda Grande Guerra a perspectiva era de que os alemães logo se
riam mais numerosos do que os franceses, numa proporção dedois para um. Em 1870, dois terços da população alemã
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eram rurais; por volta de 1914 essa relação se invertera, edois terços dos alemães viviam num cenário urbano. Em 1871havia apenas oito cidades com mais de 100 mil habitantes,ao passo que em 1890 podiam ser encontradas vinte e seis,e em 1913 quarenta e oito. Por essa época a indústria em
pregava duas vezes mais trabalhadores do que a agricultura,e mais de um terço da população compunha-se de operáriosindustriais e suas famílias. A concentração da indústria alemãfoi outra de suas notáveis características. Em 1910 quasea metade de todos os empregados trabalhava em firmas demais de cinqüenta operários, e a capitalização da companhiaalemã média era três vezes maior que a da firma britânica média.
A velocidade da urbanização e industrialização na Alemanha fez com que muitos trabalhadores fossem moradoresurbanos de primeira geração, confrontados com todos os pro blemas sociais e psicológicos concomitantes que a mudançado campo para a cidade acarretava. A concentração de indústria e de população também produziu o rápido crescimento de uma classe administrativa, de pessoal de serviço ede burocracias municipais e estatais. À medida que a Ge
sellschaft, isto é, a sociedade, esmagava o sentido de Gemeinschaft, isto é, comunidade, à medida que a velocidade e ogigantismo se tornavam os fatos dominantes da vida, as questões sociais e trabalhistas, a ambição e o prazer do trabalhose tornavam noções abstratas que ultrapassavam o indivíduo esua escala de referências pessoais, uma questão mais de teoria e intuição que de experiência. e conhecimento. O cenáriorural pré-industrial estivera repleto de seus próprios proble
mas e indignidades sociais, mas é inegável que a industrialização, particularmente a rápida industrialização experimentada pela Alemanha, acarretou uma perturbadora quantidade dedespersonalização que o bem-estar material não podia eliminar ou retificar. A chamada nova classe média — este enorme exército de trabalhadores de escritório semi-especializadosenvolvidos principalmente na administração e nos serviços —era uma ramificação imprevista e direta das últimas fases
da industrialização, talvez até mais inclinada a um sentimentode isolamento, e portanto de vulnerabilidade, do que as clas
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ses operárias. A concentração da indústria e do comércio fezcom que este grupo social fosse particularmente grande naAlemanha.
No entanto, todos os setores da sociedade alemã foramenvolvidos no impulso e nas tendências centrífugas da época.
Por isso, ironicamente* .enquanto a consolidação ocorria emum nível — na população, na indústria e na estrutura do Estado —, a désintegração caracterizava os campos social, político e, talvez de forma muito significativa, o psicológico. Oresultado foi uma preocupação com a administração da vida,com a técnica, a ponto de esta se tornar um valor e um objetivo estético, e não apenas um meio para atingir um fim.
TÉCNICA
O culto da Technik , a ênfase no cientismo, na eficiência e naadministração, alcançou o auge na Alemanha no final do século XIX. Reforçado pelos desenvolvimentos e preocupações
materiais de uma era industrializadora, baseava-se, no entanto,em tradições culturais e políticas duradouras e bem estabelecidas: numa consciência de fraqueza e difusão e num reconhecimento de que a sobrevivência dependia de uma eficazadministração de recursos tanto naturais quanto humanos.
A sobrevivência do Santo Império Romano durante quaseum milênio foi um tributo à habilidade dos alemães para administrar e manipular o que, pelo menos nos dois últimos
séculos de sua existência, não passou de uma construção esquelética que, na famosa expressão de Voltaire, não era Santo,nem Romano nem Império. Mas a história da Prússia forneceuo exemplo mais extraordinário de administração eficaz.
Aquela história, que se inicia na época do Grande Eleitorno século XVII, passa pela carreira e pelas realizações domais maquiavélico dos antimaquiavélicos, Frederico II — queescreveu seu opúsculo Anti^Machiavel pouco antes de atacar
a Silésia em 1740 para tomá-la da Áustria —, e pelo períododa grande reforma da era napoleônica, e vai até o famoso
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menos propensa a encaminhar os estudantes, numa idade pre
coce, para áreas de estudo determinadas; sua educação secun
dária era mais diversificada do que em outros lugares; e suas
universidades não eram apenas as mais abertas e “ democrá
ticas” da Europa; constituíam centros mundialmente renoma-
dos de erudição e pesquisa. Henry Hallam disse em 1844: “Nenhum professor de Oxford, há um século, teria considerado
o conhecimento de alemão um requisito para um homem He
letras; no presente, ninguém pode dispensá-lo.”3 E alguns
anos mais tarde o historiador John Seeley observou: “Os bons
livros são em alemão.”4 Mesmo antes da unificação, os Esta
dos alemães cuidavam ativamente de fundar e promover ins
titutos de ensino e centros de pesquisa, e depois da unificação
o ritmo da participação do Estado se acelerou. Além disso,o treinamento técnico e vocacional não era deixado nas mãos
da empresa privada, como acontecia em geral na Grã-Bretanha,
mas continuava a ser uma questão de interesse nacional e
estatal.
O progresso tecnológico e científico alemão meio século
antes de 1914 é universalmente reconhecido, mas menos valo
rizado é o fato de que Einstein, Planck, Röntgen e outros ho
mens internacionalmente famosos foram apenas os mais conhecidos de um grande e ativo grupo. O incentivo estatal à edu
cação técnica e à pesquisa produziu uma colheita espantosa.
Um exemplo numa área de desénvolvimento tecnológico que,
por sua natureza, abafa o sensacionalismo, e por isso talvez
seja ainda mais digno de nota, é a indústria de alcatrão mi
neral. As seis maiores firmas alemãs dessa indústria regis
traram, entre 1886 e 1900, 948 patentes; as firmas britâni
cas equivalentes registraram apenas 86.5O culto do tecnicismo e suas conotações vitalistas tive
ram reverberações em grande parte da sociedade alemã nos
últimos anos do século XIX. Em quase todos os setores era
evidente um interesse pela novidade e pela mudança inevitável,
até na antiga aristocracia fundiária, onde no passado a mu
dança fora usualmente considerada com ceticismo e contra
riedade. Em seu último romance, Der Stechlin, concluído em
1898 e ambientado na região rural prussiana, Theodor Fontane fez uma de suas personagens, um pastor rural, dizer:
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Uma nova era está nascendo, uma era melhor e mais
feliz, acredito. Mas se não mais feliz, então pelo menos
uma era com mais oxigênio no ar, uma era em que se
possa respirar melhor. E quanto mais livremente se res
pira, mais se vive.
Entre grande parte da pequena nobreza rural, a mudança era
agora considerada inevitável, especialmente depois da depres
são agrícola que, na segunda metade da década de 1870, havia
tornado complexa e difícil a sobrevivência econômica das
classes fundiárias. A consideração importante era não permitir
que a mudança se tornasse incontrolável; tinha-se de dominá-
la de alguma maneira.
O conservadorismo alemão passou, na era bismarckiana — com Bismarck dando o exemplo —, de uma preocupação
dogmática com crenças e princípios para uma preocupação com
os negócios. O melhor símbolo deste novo oportunismo
talvez tenha sido a criação da aliança "centeio e ferro”, um
casamento de conveniência entre a agricultura em grande
escala e a indústria pesada, que fez a Alemanha se voltar
para o protecionismo econômico em 1879. "Nada poderia ser
menos conservador”, afirmou Wilhelm von Kardorff, "do quelutar por formas que com o tempo perderam sua importância”.6
Mas o resto do organismo político alemão também foi
envolvido por uma onda reformista nos primeiros cinco anos
do século XX. Isso se tornou evidente, entre outras coisas,
nos incipientes grupos de pressão e sociedades nacionalistas
cujos membros não estavam interessados na preservação do
status quo mas no rejuvenescimento de todo o processo polí
tico. Entre os próprios partidos políticos eram visíveis os sinaisde uma outra reorientação. O Partido Socialdemocrata (SPD)
passou para uma posição mais moderada, demonstrando um
claro desejo de rejeitar seu negativismo anterior. Os liberais
de esquerda, por sua vez, manifestavam interesse em se tor
nar um partido de reforma política e social, um partido que
harmonizasse esquerda e direita, "democracia e monarquia”.
E, finalmente, um segmento influente dentro do Partido de
Centro Católico também sentia que era necessária uma atitude mais conciliatória para com o socialismo e que a reforma
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deveria receber mais ênfase no programa do partido* Em
suma, estabeleceu-se na política alemã, nos anos anteriores a
1914, a base para um vago movimento de reforma demo
crática.
As eleições de 1912 produziram um resultado assombro
so. As três tendências políticas que Bismarck, num ou noutromomento, chamara de "inimigos do Reich” e, portanto, de
traidores — os liberais de esquerda, os católicos e os socia
listas — ganharam dois terços do voto nacional. Um em cada
três alemães votou a favor de um candidato socialista, e o
SPD tornou-se de longe o maior grupo político do Reichstag.
O partido reafirmou assim sua preeminência como a maior
organização socialista do mundo e líder do movimento socia
lista internacional. Embora obviamente preocupado com osgrandes ganhos socialistas, o liberal de esquerda Friedrich
Naumann não deixou de observar nos dias que se seguiram
às eleições: "Algo novo teve início na Alemanha nestes últi
mos dias; uma era está chegando ao fim; nasceu uma nova
época."7
O impulso geral na Alemanha de antes de 1914 era, por
tanto, inteiramente orientado para o futuro. Onde havia insa
tisfação ou ansiedade, esse estado de coisas devia ser supe
rado pela mudança. Todo o cenário alemão no fin-de-siècle
foi caracterizado por uma Flucht nach vorne, um voo paraa frente.
A CAPITAL
A capital — primeiro do Estado da Prússia e depois de uma
Alemanha unida — provocava em todos os seus visitantes
uma impressão imediata de novidade e vitalidade. Berlim re
presentava, de muitos modos, as transformações que a Ale
manha como um todo estava experimentando. Em comparação
com as outras capitais européias, Berlim era uma cidade arri
vista, com seu espraiado desenvolvimento na segunda metadedo século XIX mais semelhante a Nova York e Chicago do
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que às outras cidades do Velho Mundo. Walther Rathenau
chamou-a, na realidade, de "a Chicago à margem do Spree”.
A localização central de Berlim na Europa fez dela, como
da Alemanha em geral, um centro de imigrantes, atraindo e
temporariamente alojando passageiros dos territórios do leste,
da Rússia, das terras polonesas, da Boêmia, e colonos que
avançavam na direção contrária, provenientes da França e
até da Grã-Bretanha. Este foi o seu destino desde a época do
Grande Eleitor, e os berlinenses autênticos — isto é, mora
dores de quarta, terceira e até segunda geração — foram sem
pre, ao que parece, uma minoria. Na primeira metade do
século XIX a cidade cresceu constantemente enquanto a Prús
sia se afirmava dentro da Confederação Alemã e particular
mente quando o Zollverein, a união aduaneira alemã, funda
da em 1832 com sede em Berlim, se expandiu em tamanho
e atividade. Muito antes da unificação, em 1871, Berlim era
inegavelmente a capital financeira e comercial dos Estados
alemães, mas, neste papel, foi mais uma câmara de compen
sação e um centro de comunicações do que o eixo da indústria
alemã ou mesmo prussiana; esta se desenvolveu no coração
da região do Ruhr, na Silésia e em partes da Saxônia. Em
bora na segunda metade do século Berlim tenha de fato fo
mentado indústrias importantes, em particular as novas indús
trias elétrica e química, continuou a ser a personificação e
o símbolo do tecnicismo e da administração. Em relação à
sua inflada função administrativa, especialmente depois da
unificação, cresceu consideravelmente de tamanho. Em 1865
sua população era de 657 mil habitantes; por volta de 1910
passava de dois milhões, e, se fossem incluídos os subúrbios
circundantes, que seriam incorporados à “grande Berlim” em
1920, sua população já chegava perto dos quatro milhões às
vésperas da guerra. Estima-se que aproximadamente metade
de sua nova população tenha vindo das terras agrícolas da
Prússia oriental.
Quase todo visitante da capital do novo Reich ficava im
pressionado com o correspondente ar de novidade que impreg
nava a cidade. Victor Tissot, escritor suíço, visitou a cidadeem 1875 e observou:
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Heinrich Heine fala da surpresa e magia que Paris ofe
rece ao estrangeiro. Berlim também oferece surpresa mas
dificilmente qualquer magia. Fica-se surpreso com o fato
de o coração do novo império, a cidade do intelecto, des
tilar muito menos o espírito de uma capital do que Dres-
den, Frankfurt, Stuttgart ou Munique. O que Berlim exibea seus visitantes é moderno e totalmente novo. Tudo aqui
traz a marca de uma aventura, uma monarquia montada
com fragmentos e pedaços. . . Nada é menos alemão, no
sentido do alemão antigo, do que a face de Berlim...
Depois que você explora estas ruas retas e, durante dez
horas, não vê mais do que sabres, elmos e penas, então
compreende por que Berlim, apesar da reputação que
lhe conferiram os acontecimentos dos últimos anos, nuncaserá uma capital como Viena, Paris ou Londres.1
Nas- décadas seguintes a cidade foi incapaz de se livrar de
sua aura de novidade, esta fragrância um tanto indelicada do
nouveau riche; ao contrário, esse aroma foi acentuado pela
mudança tecnológica. O economista liberal Moritz Julius Bonn,
relembrando experiências na capital alemã nos últimos anos
do século, observou que em Berlim
tudo era novo e extremamente limpo; as ruas e os pré
dios eram espaçosos, mas havia muito ouropel querendo
passar por ouro. .. O lugar não era diferente de uma
cidade do petróleo no oeste americano, que floresceu da
noite para o dia e, sentindo sua força, insistia em osten
tar sua riqueza.2
Ao contrário dos naturais de outras cidades alemãs e de
outras capitais européias, os berlinenses pareciam fascinados
com a própria idéia de urbanismo e tecnologia, chegando até
a criar, nas palavras de Friedrich Sieburg, um romantismo ba
seado em "entroncamentos ferroviários, cabos, aço e trilho...
trens elevados barulhentos, torres ascendentes”. Diferente do
parisiense, que tentava preservar uma atmosfera local e co
munitária em seu quartier, o berlinense apreciava e conscientemente incentivava o cosmopolitismo e a sensação de novi-
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dade de sua cidade.3 Foi esta energia que iria atrair, nos últi
mos anos antes da guerra, artistas e intelectuais de outras
cidades alemãs, como Dresden e Munique, e até de Viena,
para a atmosfera mais descontraída e efervescente de Berlim.
Nos anos antes da guerra Berlim não foi capaz de exer
cer, como capital, nada que chegasse perto do controle cultural de uma Paris ou Londres ou mesmo Viena em seus res
pectivos países, mas esta falta de influência intensificava o
próprio caráter de novidade da cidade. Berlim era uma capital
criada, assim diziam, mais pela vontade e imaginação do que
por impulso histórico. Considerava-se Berlim a representante
da vitória do espírito sobre o conformismo e a tradição.
Berlim era, portanto, em muitos aspectos, uma capital
improvisada, um símbolo de mecanicismo e até de transitorie-dade, mas era também uma expressão de energia e dinamismo,
uma cidade de olho no futuro.
KULTUR
Na virada do século a visão futurista arrebatava grande parte
da sociedade alemã, até aquelas pessoas que execravam a vul
garidade de Berlim. A economia era expansionista. A popüla-
ção aumentava com um ritmo desconcertante. Depois das vitó
rias militares da década de 1860 e de 1870-1871, ninguém
na Europa, muito menos na Alemanha, tinha qualquer dúvida
sobre o fato de os alemães representarem o mais formidável
poder militar terrestre da Europa e, provavelmente, do mundo.Em 1914 havia um consenso, tanto dentro do país como no
exterior, de que, em termos econômicos e militares, a Alema
nha constituía o país mais poderoso do mundo.
Mas embora os alemães talvez tenham simplesmente reco
nhecido que seu sucesso internacional se devia a trabalho
duro, a um excelente sistema educacional e a uma dose de
perspicácia política e militar, a maioria relutava em aceitar
uma explicação tão mundana para o importante desempenhoda nação. Sonhava com uma fusão de mundos, o físico e o
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espiritual. Na verdade, o empreendimento técnico, à medida
que ampliava suas dimensões, ficava correspondentementç mais
propenso à fabulação. A necessidade pode ter gerado a inven
ção, mas a invenção produziu depois a intenção. O técnico
espiritualizou-se* A eficiência tornou-se um fim; deixou de
ser um meio. E a própria Alemanha veio a ser a expressãode uma “força vital” elementar. Tal era a substância do idea
lismo alemão.
Desta forma, a educação como conceito social foi suplan
tada pela Bildung, ou auto-aperfeiçoamento, que subentendia a
educação mais do espírito do que do ser social. A perícia militar
nascida da necessidade geográfica deu lugar a Macht , ou poder,
a que foi conferida uma pureza de ser acima da consciência
e da crítica. E o Estado, como instrumento do bem-estar pú blico, foi substituído por der Staat , a corporificação idealiza
da do salus populi. Os alemães do período imperial pareciam
particularmente sensíveis a noções idealistas seculares segundo
as quais a suprema realidade era espiritual e o mundo ma
terial não só podia como devia ser transcendido pelos ideais.
Não surpreende que muitos alemães no final do século
chegassem a atribuir a seus supostos inimigos aquelas carac
terísticas que desejavam tanto vencer em si mesmos. Assim podiam afirmar que a civilização anglo-francesa, que desde o
século XVI havia estabelecido gradativamente uma hegemonia
política e cultural no mundo, fundamentava-se em racionalis-
mo, empirismo e utilidade; em outras palavras, em exteriori
dades. Era este um mundo da forma, destituído de valores
espirituais: era uma cultura não da honestidade e verdadeira
liberdade, mas de maneiras, superficialidade e dissimulação.
As noções de liberalismo e igualdade não passavam no etosanglo-francês de slogans hipócritas — Lug und Trug, men
tira e trapaça. Mascaravam a ditadura da forma, óbvia na
preocupação francesa com o bon goüt e no envolvimento bri
tânico com o comércio. Num tal contexto, não era possível
a verdadeira liberdade.
Em contraposição, atribuía-se à Kultur alemã uma preo
cupação com a “liberdade interior”, com a autenticidade, com
a verdade mais do que com a impostura, com a essência emoposição à aparência, com a totalidade mais do que com a
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norma. A Kultur alemã erar uma questão de “superação”, umaquestão de reconciliar as “duas almas” que residiam no peitode Fausto. A contribuição de Richard Wagner à percepçãoalemã da Kultur nos últimos vinte e cinco anos do século XIXfoi de particular importância. Sua visão da grande ópera não
visava apenas a unir todas as artes, mas também elevar suaGesamtkunstwerk, sua obra de arte total, a uma posição desuprema síntese e expressão da Kultur , uma combinação dearte, história e vida contemporânea num drama total, ondeo símbolo e o mito se tornavam a essência da existência. Atéa política estava subsumida no teatro. É difícil exagerar a influência de Wagner sobre a consciência alemã c seu papelna emergência de uma estética moderna como um todo. Bay-
reuth tornou-se um santuário erigido à transcendência da vidae da realidade pela arte e a imaginação, um lugar onde omomento estético iria encapsular todo o significado da história e todo o potencial do futuro. Muitos fora da Alemanhatambém se deixaram arrebatar pela promessa wagneriana: Dia-ghilev, Herzl, Shaw, como pioneiros. “Quando toco Wagner”,disse Arthur Symons a James Joyce, “estou num outro mun
do”.1 No festival de Berlim de 1914, pouco antes da deflagração da guerra, Parsifal foi apresentado na Casa Real daÓpera de 31 de maio a 7 de junho, e depois todo o ciclo doAnel foi encenado de 9 a 13 de junho.
Outros, “idealistas mais vulgares”, pediam uma estetiza-ção semelhante da vida. Em seu Rembrandt ais Erzieher,* quealcançou imenso sucesso, Julius Langbehn exortou os alemãesa se afastarem do que ele considerava uma preocupação com
atividades materialistas, tornando-se uma nação de artistas. Avida devia idealmente imitar a arte. A vida devia ser visão eespetáculo, uma obra de arte panorâmica, uma busca de tita-nismo, não uma preocupação com códigos de comportamentoe moralidade. Esta era a esterilidade do liberalismo burguês,dizia Langbehn, em que os alemães pareciam estar incorrendono fim do século.
* Rembrandt como educador.
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O impacto de Langbehn foi reforçado por Houston Ste
wart Chamberlain, cujo livro Grundlagen des neunzehnten
Jahrhunderts* foi publicado em 1899 e se tomou enorme
mente popular. Chamberlain, que ridicularizava qualquer pre
tensão a objetividade por parte dos historiadores, chamando-a
de “barbárie acadêmica", era um viajante mal-humorado, mas
extremamente talentoso e fascinante, da odisséia moderna rumo
ao irracionalismo, um símbolo extraordinário da viagem em
preendida a partir da respeitabilidade burguesa, com uma
visão de mundo e valores sociais prescritos, em direção ao
narcisismo e à fantasia total. Garoto doentio, cuja mãe mor
reu cedo e cujo pai marinheiro o abandonou entre parentes
na França e a escola na Inglaterra, Chamberlain amadureceu
como uma .personalidade “marginal", sujeito a distúrbios ner
vosos, sem pátria, laços familiares ou posição social. O pai
planejava mandá-lo ao Canadá para cuidar de uma fazenda,
mas a aventura foi descartada por causa da saúde frágil do
rapaz. Chamberlain perambulou por Versailles, Genebra e
Paris, onde em 1883 perdeu muito dinheiro com especulações
financeiras, até chegar à Alemanha. Lá casou com a primeira
mulher, dez anos mais velha do que ele, e também se deixou
empolgar pelo culto de Wagner. Apesar de sua comprovadacapacidade como cientista, foi como servo do mito wagneria
no que Chamberlain encontrou sua raison d'être, primeiro em
Leipzig, depois em Viena e por fim em Bayreuth, no lar da
Gesamtkunstwerk , onde acabou casando com sua segunda mu
lher, a filha de Wagner, assim completando a simbiose. Numa
trajetória paralela viria a propor uma ideologia germânica xe
nófoba e virulenta, que fez vibrar uma corda sensível no kaiser
Guilherme II e, depois de 1906, no chefe do Estado-Maior,Helmuth von Moltke, e que redundaria, nos últimos anos de
vida de Chamberlain, numa admiração, aliás recíproca, por
Adolf Hitler.
Chamberlain é uma personalidade interessante por mui
tas razões: por ser um racista bem articulado que não pode
ser descartado peremptoriamente como um tolo; por ser um
* Fundamentos do século XIX.
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publicista e propagandista de prodigiosa influência. Mas, de
nosso ponto de vista, é a sua fuga para um esteticismo como
dista que adquire um significado particular. Em 1884, con
frontado com um desastre financeiro aos vinte e nove anos,
ele escreveu:
Acho que é a minha paixão por Wagner que me dá for
ças para suportar tudo; assim que a porta do meu escri-
tório se fecha atrás de mim, sei que não adianta me abor
recer; por isso, janto bem e passeio pelo bulevar, pen-
sando nas obras de arte do futuro, ou vou visitar um
de meus amigos wagnerianos, ou escrevo a um de meus
numerosos correspondentes wagnerianos.2
Ele passou a acreditar que o homem poderia ser redimido e
dignificado pela arte e que, em particular, a arte de Wagner
poderia estabelecer uma ponte entre a natureza sensual do
homem e seu propósito moral. A história existia apenas como
espírito, e não como realidade objetiva; suas verdades só
podiam ser abordadas pela intuição, não por um método crí
tico. Chamberlain talvez tenha vulgarizado Johann G. Droy-
sen, Wilhelm Dilthey, Heinrich Rickert e Wilhelm Windel-
band — que no pensamento histórico deslocaram a ênfasedo objeto para o sujeito; em outras palavras, da história para
o historiador — mas ele também fazia parte de uma tendência
cultural mais ampla que, numa era de elevada industrializa
ção, procurava respostas para os problemas sociais do homem
não no mundo exterior mas na sua alma. Analogamente, a
visão pública desse mundo exterior era cada vez mais influen
ciada, numa época de comunicações em rápido desenvolvi
mento, por estas explosões de interpretação egomaníaca. “Descartes”, escreveu Chamberlain, “observou que todos os sá
bios do mundo não poderiam definir a cor ‘branca’, mas eu
só preciso abrir os olhos para vê-la, e o mesmo vale para a
‘raça’ ”.3
Chamberlain pertencia ao grupo de nacionalistas místicos
que ganhou ascendência nos círculos intelectuais da Alema
nha depois da virada do século e que, seguindo Wagner, ten
tava espiritualizar a vida transformando-a em uma busca de beleza. Como Langbehn e o poeta Stefan George, que tam-
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bém viam a arte como poder, ele desejava tornar a vida uma
obra de arte, pois só num tal contexto se manifestaria a per
sonalidade total do homem. Desse modo também a história
tinha de se transformar num produto inteiramente espiritual.
A distinção apaixonada que os alemães começaram a fa
zer, no final do século XIX, éntre Kultur e Zivilisation eracertamente não só a resposta à observação de um mundo ex
terior, mas também uma reação à própria imagem vista no
espelho. Na verdade, havia na distinção um forte elemento,
talvez até preponderante, de autocrítica e pensamento desi-
derativo, como alguns dos críticos mais perspicazes, de Scho-
penhauer a Burckhardt e Nietzsche, apontaram em suas es
peculações filosóficas e históricas. Que uma Alemanha absor
vida em Macht e técnica qualificasse desdenhosamente osingleses de comerciantes fleumáticos e os franceses de palha
ços gauleses, Nietzsche, por exemplo, achava profundamente
irônico: a vitória prussiana sobre a França continha as se
mentes da derrota do J&eist, espírito, alemão. O Geist se tor-
a ipntradição.4
u:o-aversão eram evidentes no idea-
im otimismo subjacente embutido
'metafísica de que a Alemanha repre-da época, de que ela estava na
da mudança no mundo do início
do século XX, e de que era a principal representante de um
hegeliano Espírito do Mundo — visão captada num verso de
pé quebrado que se tornou a principal pretensão à fama pós
tuma de um certo Emanuel Geibel de Lübeck, contemporâneo
de Bismarck: Denn am deutschen Wesen soll die Welt
genesen.*
nava, por si mesmo; u]
Se a autocrítica ,/e
lismo alemão, h,
numa fé românticasentava a dinâmica essencia
vanguarda do movimento e
nau
CULTURA E REVOLTA
Se a idéia do espírito em guerra era fundamental para a auto-
imagem da vanguarda européia de antes de 1914, a Alema
* Graças à alma alemã o mundo terá cura.
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nha como nação era quem melhor representava essa idéia; e
se para uma emergente estética moderna era fundamental ques
tionar os padrões percebidos como predominantes no século
XIX, a Alemanha era quem melhor representava a revolta.
Seu sistema político era uma tentativa de produzir uma
síntese de monarquia e democracia, centralismo e federalis
mo. Suas universidades eram admiradas pelas pesquisas que
promoviam. Ela tinha o maior partido socialista do mundo,
para o qual todo o movimento trabalhista internacional se
voltava em busca de liderança. Seus movimentos de juventu
de, dos direitos das mulheres e até da emancipação dos ho
mossexuais eram grandes e ativos. Estes se expandiram no
contexto de um Lebensreformbewegung* que, como o nome
sugere, visava a uma reorientação não só de hábitos básicosda existência mas de valores fundamentais da vida. Segundo
o censo de 1907, 30,6% das mulheres alemãs tinham um
emprego lucrativo. Nenhum outro país do mundo podia igua
lar esse número.1 Berlim, Munique e Dresden eram vibrantes
centros culturais. Picasso disse em 1897 que, se tivesse um
filho que desejasse ser artista, ele o mandaria estudar em Mu
nique, e não em Paris.2 Na introdução do catálogo de sua
segunda exposição pós-impressionista, em 1912, Roger Fry,obviamente identificando o pós-impressionismo com a expe
rimentação em geral na pintura, escreveu: "As escolas pós-
impressionistas estão florescendo, quase se podería dizer gras
sando, na Suíça, na Austro-Hungria e sobretudo na Alema
nha.”3 Strindberg, Ibsen e Munch tiveram uma recepção mais
calorosa na Alemanha do que em seus próprios países. Nas
artes decorativas e na arquitetura, a Alemanha se mostrava
mais aberta a experimentos, mais disposta a aceitar a indústria e a basear nela uma estética do que a França ou a Grã-
Bretanha. Embora, por exemplo, o estabelecimento cultural
britânico considerasse de modo totalmente crítico a constru
ção do Palácio de Cristal, Lothar Bucher registrou em 1851
que a imaginação popular ficou encantada com o edifício: "A
impressão produzida naqueles que o viram era de uma beleza
* Movimento de reforma da vida.
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tão romântica que reproduções do palácio eram encontradasdependuradas nas paredes dos chalés de remotas vilas alemãs.”4
Já vimos que os parisienses que criticavam o Théâtre desChamps-Elysées o associavam à experimentação e à a-historicidade alemãs. O movimento que os arquitetos, artesãos eescritores alemães fomentavam “mostrou-se bastante forte”, segundo o julgamento de um crítico, “para produzir um estilouniversal de pensar e construir, e não apenas alguns ditos eatos revolucionários de uns poucos indivíduos”.5 Na dança moderna foi na Alemanha que Isadora Duncan e Émile Jacques-Dalcroze fundaram suas primeiras escolas. Díaghilev foi naturalmente atraído por Paris em suas tournées no Ocidente, porque afinal era o coração da cultura ocidental que ele queriaconquistar, mas suas temporadas na Alemanha obtiveram mais
pronta aceitação, mesmo que tenham recebido igual aplauso.Depois da estréia do Faune em 12 de dezembro de 1912, emBerlim, ele passou um cabograma a Astruc:
Ontem estréia triunfal na Nova Casa Real da Ópera.Faune bisado. Dez vezes. Nenhum protesto. Toda Berlim presente. Strauss,. Hofmannsthal, Reinhardt, Nikisch,
todo o grupo Secessão, Rei de Portugal, embaixadores ecorte. Grinaldas e flores para Nijinsky. Imprensa entusiástica. Longo artigo Hofmannsthal em Tageblatt. Imperador, Imperatriz e Príncipes vindo ao balé domingo. Tivelonga conversa com Imperador que estava maravilhadoe agradeceu à companhia. Enorme sucesso.6
Portanto, o etos essencial da Alemanha antes de 1914
subentendia uma busca de novas formas, formas concebidasnão em termos de leis e finitude mas em termos de símbolo,metáfora e mito. Como jovem estudante de arte, Emil Noldeesteve em Paris de 1899 a 1900. Ia freqüentemente ao Louvre
para copiar pinturas. Certo dia tinha quase terminado umacópia da Alegoria de Davalos de Ticiano quando um estranho às suas costas observou: “Você não é latino. Vê-se pelaintensidade de caráter de suas figuras humanas.”7 Se a histó
ria, relatada por Nolde em suas memórias, é verdadeira, re presenta bem a percepção alemã da individualidade no come
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ço do século: o alemão, assim ele se julgava, erá muito mais
espiritual que seus vizinhos. “A criatividade alemã é funda
mentalmente diferente da criatividade latina”, escreveu o ar
tista Ernst Ludwig Kirchner.
O latino tira suas formas do objeto tal como existe nanatureza. O alemão cria sua forma na fantasia, a partir
de uma visão peculiar a ele mesmo. As formas da natu
reza visível lhe servem apenas de símbolos. . . e ele não
procura a beleza na aparência mas em algo além.8
A Alemanha, mais amplamente que qualquer outro país,
representava as aspirações de uma vanguarda nacional — o
desejo de romper o “cerco” da influência anglo-francesa, aimposição de uma ordem mundial pela Pax Britannica e pela
Civilisation francesa, uma ordem codificada politicamente como
‘‘liberalismo burguês”.
Embora em alguns setores da Alemanha houvesse um
sentimento de que a Kultur se encontrava sob os ataques da
superficialidade, do capricho e do efêmero, e de que deviam
ser tomadas medidas para consolidá-la — como sugeriam,
entre outros, Langbehn e Chamberlain —, e embora houvesseuma boa dose de ansiedade em todas as classes, estado de
espírito que naturalmente preocupava governos e líderes, ainda
havia um forte senso de confiança, otimismo e missão, uma
crença em die deutsche Sendung, numa missão alemã. Era ge
neralizado o sentimento de que a onda de reforma era algo
maior e mais significativo do que qualquer uma de suas par
tes específicas — e, em alguns casos, inaceitáveis —, e de
que constituía o coração e a alma da nação. Friedrich Gun-dolf e Friedrich Wolters, dois discípulos dq poeta Stefan
George, referiam-se a esta idéia quando em 1912 insistiram
no fato de que não havia nada de imoral ou anormal no
homoerotismo. “Ao contrário, sempre acreditamos que nessas
relações deve se encontrar algo essencialmente formativo para
a cultura alemã em geral.” A visão era de uma cultura com
prometida com o “amor heroicizado”.9
A Alemanha tinha, de fato, o maior movimento de emancipação homossexual da Europa às vésperas da Primeira Guer
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ra Mundial. Já em 1898 August Bebel achou necessário fazer
um discurso sobre o tema no Reichstag. A homossexualidade
no círculo do kaiser èra bem conhecida mesmo antes de o
jornalista Maximilian Harden decidir torná-la pública em
1906. Na Alemanha Magnus Hirschfeld liderou a campanha
para revisar o parágrafo 175 do código civil, e por volta de1914 sua petição continha assinaturas de 30 mil médicos,
750 professores universitários e milhares de outras pessoas.
Em 1914 Berlim tinha cerca de quarenta bares homossexuais e,
segundo as estimativas da polícia, de um a dois mil prosti
tutos.10
Nada disso tem a intenção de sugerir que os alemães aco
lhiam bem a homossexualidade ou estavam preparados para
tolerá-la publicamente — não estavam —, mas a relativa desenvoltura do movimento na Alemanha indica de fato uma
dose de tolerância não encontrada em outros lugares. Além
disso, a homossexualidade e a tolerância para com ela são,
como muitos sugeriram, fundamentais para a desintegração
de constantes, para a emancipação do instinto, para o colapso
do “homem público” e, na verdade, para toda a estética
moderna.
A liberação sexual na Alemanha fin-de-siècle não se limitou aos homossexuais. Em geral havia uma nova ênfase na
Leibeskultur , ou cultura do corpo, numa valorização do corpo
humano livre de tabus e restrições sociais; na libertação do
corpo de espartilhos, cintos e sutiãs. O movimento da juven
tude, que floresceu depois da virada do século, deliciava-se
com um “retorno à natureza” e celebrava uma sexualidade
bem pouco dissoluta, mas certamente mais livre, que consti
tuía uma parte de sua rebelião contra uma geração mais velha, envolvida, segundo os jovens, em repressão e hipocrisia.
Na década de 1890, a Freikörperkultur , ou livre cultura do
corpo — um eufemismo para nudismo —, tornou-se parte de
um movimento de mania de saúde que promovia dietas macro
bióticas, legumes cultivados em casa e estações de cura na
natureza. Nas artes a rebelião contra os costumes da classe
média era ainda mais impressionante: das peças de Lulu de
Frank Wedekind, que exaltavam a prostituta por ser umarebelde, passando pela Salomé de Strauss, que decapitou João
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Batista por ter ele se recusado a satisfazer o desejo sexual
dela, à reprimida mas óbvia corrente sexual submersa nas
primeiras narrativas de Thomas Mann, os artistas usavam o
sexo para exprimir sua desilusão com os valores e priorida
des contemporâneos, e, mais ainda, sua crença numa energia
vital e irreprimível.Os temas sexuais na literatura e na arte implicavam uma
dose de violência que era mais impressionante e permanente
na Alemanha do que em qualquer outra parte. Aqui nova-
mente a fascinação pela violência representava um interesse
pela vida, pela destruição como ato de criação, pela doença
como parte da. existência. Em Wedekind, Lulu é assassinada;
em Strauss, Salomé é quem assassina; em Mann, Aschenbach
morre vitimado .por uma combinação de atmosfera doentia edesejo sexual não realizado. Nos primórdios do expressionis-
mo alemão havia uma presença da violência — no tema, na
forma, na cor —, mais intensa do que a encontrada no cubis
mo ou no futurismo. Os manifestos futuristas de Marinetti
trombeteavam a destruição de monumentos e museus, e a quei
ma de bibliotecas, e Wyndham Lewis fundou um jornal
chamado Blast para captar essas intenções, mas um elemento
de histrionismo e até de galhofa dominava tais esforços. Nosexpressionistas alemães Franz Marc e August Macke, a vio
lência era menos uma manifestação superficial e mais a ex
pressão de uma profunda excitação espiritual, da qual a apa
rência assumida, beirando a inocência e o encanto de um
colegial, não fornecia nenhum indício. "Nossas idéias e nos
sos ideais devem usar cilício”, escreveu Marc; "devemos ali
mentá-los com gafanhotos e mel silvestre, e não com história,
se quisermos escapar da fadiga de nosso mau gosto europeu.”11A fascinação pelo primitivismo, ou, num outro sentido,
o desejo de estabelecer contato com o elementar no espírito
alemão, atingiu muitos níveis na Alemanha, particularmente
dentro das classes médias. O movimento da juventude, com
seu ímpeto de fugir de uma civilização urbana de mera forma
e impostura e voltar à natureza, estava repleto de tais asso
ciações. Venerava Turnvater Jahn, o homem que fundara as
sociedades de ginástica nos Estados alemães durante as guerras de libertação contra Napoleão e que, por algum tempo na
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juventude, vivera em uma caverna e mais tarde caminhara pelas ruas de Berlim vestido com uma pele de urso. As origens tribais dos alemães também eram constantemente evocadas na virada do século, tanto no discurso político como emgeral. Numa famosa alocução às tropas que estavam sendo
enviadas para ajudar a sufocar a rebelião dos Boxers, o kaiser pregou o retorno ao espírito dos hunos. Em 8 de julho de1914 o Berliner Tageblatt, importante diário berlinense de tendência liberal de esquerda, começou a publicar como folhetimum romance de Karl Hans Strobl, intitulado So ziehen wir aus zur Hermannsschlacht .* O jornal continuou a publicar episódios em agosto depois da deflagração da guerra. O títuloreferia-se à famosa batalha do ano 9 D.C., quando Armínio,
da tribo dos queruscos, derrotou as legiões do general romanoVaro nas florestas ao norte da atual Hanover. O enorme monumento a Hermann, que ainda se encontra na floresta Teu-toburg, fora terminado em 1875. Muitos artistas além de Marce Macke encontravam inspiração na contemplação do primitivo. Durante uma viagem aos Mares do Sul, Emil Nolde comentou no início de 1914:
Homens primitivos /vivem na natureza, integram-se nela,são uma parte do todo. Às vezes, tenho a sensação de quesão os únicos seres humanos reais que ainda restam, ede que nós, por outro lado, somos bonecos disformes, artificiais e cheios de presunção.
Ele lamentava todo o processo do imperialismo, particularmente a versão britânicá: sentia que muita essência tinha sidodestruída e substituída apenas por fingimento.12
Tanto no próprio país como no exterior muitas pessoasestavam cativadas, algumas exasperadas, pela efervescência cultural alemã. Nas camadas sociais médias alemãs estava longede haver estima universal pelas peças de Wedekind, pela artede Marc e Macke, ou pelo "aperfeiçoamento do corpo” e oidealismo rarefeito da juventude urbana. As classes trabalha-
* Assim partimos para a Batalha de Hermann.
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doras, nem é preciso dizer, não concordavam com as preten
sões dos boêmios burgueses. Mas o interessante é que nada
disso parecia negar a identificação geral da maioria dos ale
mães com as idéias de novidade, regeneração e mudança. Ob
servadores estrangeiros tinham uma reação semelhante. O filó
sofo americano, nascido na Espanha, George Santayana pensava principalmente na Alemanha quando escreveu:
O espírito com que partidos e nações que estão fora do
âmbito da liberdade inglesa se confrontam não é mater
nal, fraternal, nem cristão. A bravura e a moralidade
deles consistem em seu indomável egotismo. A liberdade
que querem é a liberdade absoluta, um desejo que é bem
primitivo.13
Santayana denegriu o "egotismo” alemão, o que ele via como
a ênfase em virtudes privadas e conformismo público, atitu
de que lhe indicava o atraso do desenvolvimento social e mo
ral alemão. Entretanto, apesar do sarcasmo e da contrariedade,
ele também percebeu a vitalidade no coração dos assuntos
alemães: "A imaginação moral alemã está m ais ... apaixona
da pela vida do que pela sabedoria.”14 Nos primeiros dias deagosto de 1914, H. G. Wells falava da "vaidade monstruosa”
que caracterizava os alemães.15
Igor Stravinsky mostrava uma disposição mais favorável.
Em fevereiro de 1913, depois de já ter ouvido duas vezes a
Elektra de Strauss, escreveu numa carta:
Estou totalmente em êxtase. E a sua melhor composição.
Que falem dos vulgarismos que estão sempre presentesem Strauss, e a isto a minha resposta é: quanto mais pro
fundamente se examinam as obras de arte alemãs, mais
se verifica que todas sofrem disso. . . A Elektra de Strauss
é uma coisa maravilhosa!16
Por "vulgarismos” Stravinsky presumivelmente entendia os as
pectos "elementares” da obra e também o desafio ao público
que a obra representava. Além disso, se grande parte da artemoderna alemã se preocupava com os fundamentos, inferia-se
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que a cultura alemã como um todo, tanto consumidores como
criadores, se harmonizava mais com a experimentação e a
novidade. Ser “elementar” era rebelar-se contra normas sufo
cantes e embrutecedoras, contra convenções sem sentido, con
tra a insinceridade. Tudo isso estava no âmago da interpre
tação alemã de Kultur. Se os alemães enquanto indivíduosnem sempre tinham uma atitude clara para com a mudança,
a cultura promovia a mudança vingativamente.
Em nenhuma outra parte houve prova mais dramática
desse fato do que na área das relações exteriores e das metas
de política externa. Em sua atitude agressiva para com outros
países e povos, a Alemanha mostrou pouca compreensão, es
pecialmente depois da virada do século, das ansiedades, dese
jos e interesses de aliados, neutros ou inimigos. Assim, osreceios britânicos a respeito das ambições navais alemãs, a
preocupação francesa com as pretensões coloniais alemãs,] e
a cautela russa quanto às postulações alemãs sobre o tema
de uma união aduaneira da Europa Central, estendendo-se do
Mar do Norte ao Adriático e da Alsácia às fronteiras da Rús
sia, encontravam pouca simpatia na Alemanha, seja nos cor
redores do poder, seja na população em geral.
Em 1896 o governo adotou abertamente o que veio a serchamado de Weltpolitik, ou “política mundial”, em oposição
a uma política externa centrada até aquele momento na Eu
ropa. A Weltpolitik não era uma política externa imposta aos
alemães pelas maquinações de um pequeno grupo de conse
lheiros ao redor do kaiser. Refletia um sentimento bem difun
dido, incentivado por um grande número de eminentes inte
lectuais e por associações públicas, de que a Alemanha devia
expandir-se ou entrar em declínio. Esta mudança de política,acompanhada como foi pela inauguração de um programa de
construção naval e uma busca ruidosa de mais colônias, des
pertou naturalmente preocupações no exterior a respeito das
intenções de longo alcance da Alemanha. Dentro da Alema
nha, entretanto, essas dúvidas externas eram interpretadas ape
nas como ameaças veladas. Dada a localização geográfica da
Alemanha, sua recente consolidação como Estado-nação e a
mistura de insegurança e auto-afirmação em sua constituição,não surpreendia que os alemães começassem a temer que uma
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conspiração estivesse em andamento, liderada pela Inglaterra,
a pérfida Albion, para encurralar e esmagar a Alemanha e
assim suprimir a novidade, o espírito, o incentivo e a aven
tura. As pretensões britânicas em matéria de livre comércio,
mercado aberto e ética liberal eram, em nível mundial, pura
hipocrisia — assim se dizia na Alemanha. A Grã-Bretanha eraum país empenhado em reter sua posição internacional, man
ter arrogantemente o controle dos mares, negar ditatorialmente
o direito de qualquer outra nação a construir uma armada
e a seguir uma política imperial. As declarações formais bri
tânicas sobre o império da lei, democracia e justiça eram,
dada a sua política externa, obviamente uma impostura. No
contexto internacional os alemães inclinavam-se a considerar
seu país como uma força progressista e libertadora que introduziria uma nova honestidade nos arranjos de poder no mun
do. Em contraste com isso, a Grã-Bretanha constituía, do ponto
de vista alemão, o poder arquiconservador, determinado a
manter o status quo.
O kaiser Guilherme II, que tinha ascendido ao trono
alemão em 1888 aos vinte e nove anos, era um representante
apropriado desta Alemanha nascente e turbulenta. Walther
Rathenau diria dele que "nunca antes um indivíduo simbólico representou tão perfeitamente uma época”.17 Guilherme não
apenas personificava as contradições e os conflitos do país
que governava; ele procurava uma resolução desses conflitos
na fantasia.
Na realidade, era um homem sensível, afeminado e ex
tremamente nervoso* cujos amigos íntimos eram homossexuais,-
homens para os quais se via atraído pelo calor e afeição que
não conseguia encontrar no mundo oficial demasiadamente circunscrito e nos limites da vida familiar tradicional e domi
nada pelo sexo masculino. Entretanto, a imagem que se sentia
constrangido a apresentar de si mesmo era a do supremo
senhor da guerra, o epítome da masculinidade, da força e
da determinação patriarcal. Mas, embora tenha centralizado
o governo e a administração na Alemanha num grau sem pre
cedente, e embora tenha gerado sete filhos, parece ter encon
trado pouca satisfação em seu papel de governante ou de pai.Confrontado dentro de si mesmo com a dicotomia entre fra-
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queza e poder, e nenhum dos extremos sendo aceitável, ele
recorreu ao mesmo comportamento que a nação adotara cole
tivamente: interminável representação teatral. Bertrand Rus-
sell tinha a impressão de que o kaiser era, sobretudo, um
ator.18 Quando Guilherme demitiu Bismarck em 1890, o prín
cipe Bernhard von Bülow observou que o próprio Guilhermequeria desempenhar o papel de Bismarck.19
Muitos comentavam a natureza histriónica de Guilherme,
seu gosto pela pompa e pela cerimônia, e sua vida de fantasia.
Sua capacidade de atenção tinha curta duração; conseqüente-
mente, os relatórios dos fatos que lhe apresentavam tinham
de ser sucintos, mas dramáticos. Sua natureza inquieta exigia
constantes excursões e lisonja constante; era o turista moder
no em oposição ao viajante tradicional. Seu amigo mais chegado, o príncipe Philipp zu Eulenburg, era um poeta razoa
velmente bem-sucedido, músico e compositor que se consi
derava principalmente um artista, forçado pelas circunstâncias
sociais e pelas pressões dos pais a levar a vida monótona do
serviço público. Guilherme deleitava-se com as artes, parti
cularmente com espetáculos exuberantes. Tinha vivo interesse
pela ópera e pelo teatro, deixando mais de uma vez os pro
fissionais espantados com seu conhecimento. Se seus gostoseram em sua maior parte convencionais, ele pelo menos tole
rava ocasionalmente a experimentação e demonstrava uma afei
ção particular pelos Ballets Russes.
O interesse do kaiser e da corte pela dança tinha al
gumas implicações estranhas mas reveladoras. Com alguma
freqüência, ao que consta, Dietrich conde von Hülsen-Háseler,
chefe do gabinete militar, punha um tutu e, diante do kaiser
e de convidados reunidos, um público em geral misturado,embora nunca incluísse a imperatriz, executava admiráveis
pirouettes e arabesques. Uma dessas apresentações deveria ser
a última de Hülsen. Em 1908, na casa de Max Egon Fiirst
zu Fiirstenberg, outro amigo íntimo de Guilherme e impor
tante conselheiro de política externa, Hülsen começou a dan
çar e repentinamente caiu morto, vítima de um ataque do
coração.20 Talvez se possa descartar facilmente esse tipo de di
vertimento como uma engraçada brincadeira juvenil, digna dastravessuras de escoteiros, mas à luz dos paradoxos presentes
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no caráter do kaiser e na dinâmica cultural de seu país as
aclamadas apresentações de Híilsen adquirem uma importân
cia simbólica considerável. Mesmo deixando de lado as-im
plicações sexuais dos episódios de Híilsen, pode-se dizer que,
embora Guilherme considerasse a arte no domínio público
um meio de cultivar ideais na, sociedade e, particularmente,de educar as camadas inferiores, em sua vida privada e sensi
bilidade pessoal inclinava-se a julgar a arte em termos vi-
talistas.
Mas Guilherme não se interessava apenas pelas artes;
tinha um insaciável apetite para novas tecnologias. Num dis
curso de 1906 ele anunciou “o século do carro a motor” e
predisse inteligentemente que a nova época seria "a era da
comunicação”.21 Via em si próprio e em seus interesses uma
imagem da alma alemã, onde fins e meios, arte e tecnologia,
constituíam uma coisa só. O historiador de arte Meier-Graefe
considerava o kaiser uma síntese de Frederico Barba-roxa e
um americano moderno, intuição que sugeria corretamente que
a história não tinha nenhuma integridade para Guilherme e
era pouco mais do que um brinquedo para um ego colossal.
Não é de admirar que Guilherme tenha se entusiasmado coma visão que H, S. Chamberlain tinha da história, mais como
espírito do que como realidade objetiva; e a Igreja Memorial
do Kaiser Guilherme, que ele construíra no centro de Berlim
em homenagem a seu avô, junto com a horrenda Siegesallee,
que passava pelo meio do Tiergarten e unia a Zona Oeste
a Unter den Linden, revelava a natureza totalmente mítica
de seu sentido histórico. Theodor Fontane teve uma reação
semelhante à de Meier-Graefe: “O que me agrada no kaiser
é a sua ruptura completa com o antigo, e o que não me
agrada no kaiser é esse desejo contraditório de restaurar o
antigo.”22
Havia uma tendência comparável na arte do período,
onde os temas do apocalipse e do atavismo eram motivos cen
trais — o casamento do primitivo e do ultramodemo junto
com a negação da história que tal atitude acarretava. Em
bora carente de profundidade, a mente do kaiser funcionavaem direção semelhante. A arte moderna se tornara aconte-
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cimento. Também o kaiser gostava de fazer crer que ele eraum evento.
O plano Schlieffen, a única estratégia militar que ò$ alemães possuíam para uma guerra em duas frentes, foi outra
expressão fatal da predominância da fantasia e da preocupa
ção com o momento fáustico no pensamento alemão. O plano previa um rápido ataque através da Bélgica, uma conversão brusca à esquerda no norte da França e a conquista de Paris,de onde todos os recursos poderiam então ser dirigidos contra a Rússia. O plano prometia vitória total na Europa com
base em uma batalha importante no norte da França. Eraum projeto grandioso, um roteiro wagneriano, que elevava
uma limitada aventura tática a uma visão total. A estratégia
era a do jogador que se imagina diretor de banco.O homem que teria a sina de implementar o plano Schlief
fen, sucessor de Schlieffen na chefia do Estado-Maior, fíel-muth von Moltke, revelava divisões em sua personalidade semelhantes às do kaiser. Moltke tinha muito mais paixão pelasartes do que pelas questões militares. Pintava e tocava violon
celo. Em particular, admitia: “Vivo inteiramente para as artes.”23 Estava trabalhando numa tradução alemã de Pelléas et
Melisande
de Maeterlinck, e diziam que sempre trazia consigo um exemplar do Fausto de Goethe.
A GUERRA COMO CULTURA
Em agosto de 1914 a maioria dos alemães considerava em
termos espirituais o conflito armado em que estava entrando.A guerra era sobretudo uma idéia, e não uma conspiraçãocom o objetivo de aumentar o território alemão. Para aqueles que refletiam sobre a questão, tal aumento estava fadadoa ser uma conseqüência da vitória, uma necessidade estraté
gica e um acessório da afirmação alemã, mas o território nãoconstituía o motivo da guerra. Até setembro o governo e osmilitares não tinham objetivos bélicos concretos, apenas umaestratégia e uma visão, a da expansão alemã num sentido maisexistencial que físico.
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A idéia de que esta seria uma "guerra preventiva”, para
impedir os desígnios agressivos e as ambições de potências
hostis que rodeavam a Alemanha, fazia certamente parte do
pensamento de homens como Tirpitz e Moltke. Mas estas con
siderações defensivas,. apesar de freqüentemente discutidas,
eram invariavelmente subsumidas por uma percepção grandiosa do poder alemão, cuja hora, sentia-se, havia chegado.
Os dois aspectos, o prático e o idealista, não se excluíam mu
tuamente, como sugeriram tantos historiadores que estuda
ram os objetivos da guerra; ambos eram ingredientes essen
ciais da personalidade alemã às vésperas da guerra.
Apesar de a Guerra da Criméia, a Guerra Civil Ameri
cana e a Guerra dos Bôeres serem prova suficiente de que
uma conflagração de monta envolveria uma luta longa, demorada e amarga, poucos estrategistas, táticos ou planejadores,
alemães ou de qualquer outra nacionalidade, previam qualquer
coisa que não fosse uma solução rápida para um futuro con
flito. Embora no decorrer do século XIX os militares se ti
vessem preocupado cada vez mais com o tamanho e o nú
mero de suas tropas, com a guerra como fenômeno de mas
sas, a visão por toda parte ainda era a de uma guerra de
movimento, heroísmo e decisões rápidas. As estradas de ferrolevariam os homens à frente de batalha imediatamente; as
metralhadoras seriam usadas no ataque; navios possantes e
artilharia pesada esmagariam o inimigo em pouco tempo. En
tretanto, embora o equipamento fosse importante, considerava-
se a guerra, especialmente na Alemanha, o supremo teste do
espírito e, como tal, um teste de vitalidade, cultura e vida.
A guerra, escreveu Friedrich von Bernhardi em 1911 num vo
lume que iria esgotar seis edições alemãs em dois anos, eraum "princípio doador de vida”. Era expressão de uma cul
tura superior.1 "A guerra”, escreveu um contemporâneo de
Bernhardi, era de fato "o preço que se deve pagar pela cul
tura”.2 Em outras palavras, considerada como o alicerce da
cultura ou conio um patamar para um nível mais elevado decriatividade e espírito, a guerra era parte essencial da ima
gem e do amor-próprio de uma nação,
Quando rebentou a guerra, os alemães estavam convencidos, como se expressou Theodor Heuss, que era um liberal
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sólido e certamente estava longe de ser um nacionalista fanático, de sua "superioridade moral”, de sua "força moral”e de seu "direito moral”.3 Para Conrad Haussmann, tambémda esquerda liberal, a guerra era uma questão de vontade:"Na Alemanha há uma única vontade de todos, a vontade de
se afirmar.”4Ê claro que seria um esforço nacional, esta guerra,mas apenas porque seria um esforço de cada alemão. "Comonão temos nenhum Bismarck entre nós”, declarou FriedrichMeinecke, "cada um de nós tem de ser um pedaço de Bismarck”.5 A declaração do SPD sobye os créditos de guerrano Reichstag, em 4 de agosto, até incluía a palavra míticaKultur, que os socialistas antes associavam a interesses declasse mas agora adotavam como símbolo da causa de cada
alemão. Tratava-se, dizia o documento dos socialistas, de proteger a pátria, em sua hora de crise, contra o despotismorusso, de "assegurar a Kultur e a independência de nossaterra”.6 A imprensa do SPD falava em defender a Kultur eassim "libertar a Europa”! "Portanto”, dizia o Chemnitzer Volkstimme, "defendemos neste momento tudo o que a Kultur alemã e a liberdade alemã significam contra um inimigo bár baro e brutal”.7
Sobre a votação no Reichstag dos créditos de guerra, odeputado socialista Eduard David escreveu em seu diário: “Alembrança do incrível entusiasmo dos outros partidos, do governo e dos espectadores, quando estávamos de pé para sermos contados, nunca me abandonará.” Depois ele foi passearcom a filha na Unter den Linden. A tensão emocional daqueledia fora tão grande que ele tinha de reprimir as lágrimas."Ter minha filhinha junto de mim me faz bem. Se ao menos
ela não fizesse tantas perguntas desnecessárias.”8 As perguntasdiretas da menina eram evidentemente uma ameaça às fantasias evocadas pelos acontecimentos do dia.
Para o artista Ludwig Thoma, em Munique, a guerraera uma tragédia, mas também uma necessidade inevitável. Em1® de agosto ele se encaminhava para a estação ferroviáriacom a intenção de ir a Tegemsee, quando uma multidão seformou à frente da estação, na esquina da Schützenstrasse, e
foram lidas ordens de mobilização. "Desapareceu a pressão”,escreveu Thóma sobre suas reações à situação,
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desapareceu a incerteza. . . E então fui dominado pelaimpressão de que este povo bravo e industrioso tinha decomprar com seu sangue o direito de trabalhar e criarvalores para a humanidade. E um ódio feroz por aqueles que tinham perturbado a paz afastou qualquer ou
tro sentimento.
A Alemanha trabalhara duro e fora bem-sucedida; o resultado foi inveja e ciúme entre os seus vizinhos. Thoma sentia-se ultrajado.9 Sentimentos semelhantes eram expressos portodo o país. Para Magnus Hirschfeld, líder do movimento homossexual e nada admirador do estabelecimento burocráticoda nação, a guerra era em defesa da “honestidade e da sin
ceridade” e contra a “cultura do smoking” da Grã-Bretanhae da França. À afirmação de que a Grã-Bretanha era o larda liberdade e a Alemanha a terra da tirania e da opressão,Hirschfeld replicava que a Grã-Bretanha havia condenadoseus grandes poetas e escritores no último século. Byron tinhasido escorraçado do país, Shelley proibido de educar os filhos e Oscar Wilde enviado à prisão. Em contraposição, Les-sing, Goethe e Nietzsche foram saudados em sua terra com
aplausos, e não com humilhação.10Se na Grã-Bretanha, na França e nos Estados Unidosidéias milenaristas iriam aparecer no decorrer da guerra —“a guerra para acabar com todas as guerras” e “a guerra paratornar o mundo seguro para a democracia” —, na Alemanhao estado de espírito foi apocalíptico desde o início. As visõesdas nações aliadas tinham um forte conteúdo social e político.,como na promessa feita por Lloyd George de “lares apro
priados para heróis”. Para os alemães, entretanto, o milêniodevia ser, em primeiro lugar, uma questão espiritual. ParaThoma a esperança era que “depois da dor desta guerra surgisse uma Alemanha livre, bela e feliz”.
Portanto, para a Alemanha a guerra era eine innere Notwendigkeit, uma necessidade espiritual. Era uma busca deautenticidade, de verdade, de auto-realização, isto é, daquelesvalores que a vanguarda tinha invocado antes da guerra, e
contra aquelas características — materialismo, banalidade, hi pocrisia, tirania — que ela havia atacado. Estas últimas es-
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tavam associadas particularmente à Inglaterra, e era certa
mente a Inglaterra que se tornaria o inimigo mais odiado da
Alemanha depois que ela entrou na guerra em 4 de agosto.
Gott strafe England — que Deus castigue a Inglaterra —
tornou-se o lema até de muitos alemães que tinham sido mo
derados antes da guerra.Para muitos a guerra era também uma libertação — da
vulgaridade, das restrições e das convenções. Artistas e inte
lectuais estavam entre os mais atacados pela febre da guerra.
As salas de aula e de conferência esvaziaram-se quando os
estudantes literalmente correram para o serviço militar. Em
3 de agosto os reitores e os conselhos administrativos de uni
versidades bávaras lançaram um apelo à juventude acadêmica:
Estudantes! As musas silenciaram. O que importa é a
batalha, a batalha a que nos forçaram em defesa da
Kultur alemã, que se vê ameaçada pelos bárbaros do
leste, e em defesa dos valores alemães, que o inimigo
no Ocidente inveja. Desse modo, o furor teutonicus irrom
pe em chamas mais uma vez. Refulge o entusiasmo das
guerras de libertação, e começa a guerra santa.11
Depois que o reitor da Universidade de Kiel fez um apelo aos
estudantes, quase todo o corpo discente masculino se alistou.
A associação da guerra com libertação e liberdade, uma
Befreiungs ou Freiheitskampf, era muito difundida. Para Cari
Zuckmayer a guerra representava “libertação da estreiteza e
mesquinhez burguesas”; para Franz Schauwecker, “umas fé
rias da vida”; Magnus Hirschfeld via nos uniformes, nas di
visas e nas armas um estimulante sexual.12 Quando, no editorial de 31 de julho, o Berliner Lokal-Anzeiger observou
que o estado de espírito na Alemanha era de alívio, captou
o que a maioria provavelmente sentia. Mas a liberdade era
sobretudo subjetiva, uma liberação da imaginação. Emil Lud-
wig, que depois da guerra se tornou o flagelo daqueles que,
segundo ele, tinham sido os senhores da guerra de 1914, fi
cou tão arrebatado pela febre de agosto quanto todos os ou
tros. Com uma exuberância que mais tarde quis claramentereprimir e esconder — em seu livro de 1929, Julho de 1914,
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referiu-se às massas como "os enganados” e falou sobre "a
inocência coletiva nas ruas da Europa” —, ele escreveu "A
vitória moral”, .artigo que foi publicado no Berliner Tageblatt
em 5 de agosto: “E mesmo que viesse a desabar sobre nós
uma catástrofe que ninguém ousa imaginar, a vitória moral
desta semana nunca poderia ser erradicada.”13
Para Ludwig e muitos outros, o mundo parecia alterado
de uma hora para outra. "A guerra”, como Ernst Glaeser
diria mais tarde em seu romance Jahrgang 1902, "tornara
belo o mundo”. Chegara para a sociedade em geral o mo
mento faustiano que Wagner, Diaghilev e outros modernos
procuraram realizar em suas formas de arte. "Esta guerra é
um prazer estético incomparável”, diria uma das personagensde Glaeser.14 Glaeser não estava inventando idéias após a
ocorrência dos fatos. As cartas alemãs que chegavam do front
estavam cheias de associações entre a guerra e a arte. "Poesia,
arte, filosofia e cultura — é com isso que a batalha tem a
ver”, insistia o estudante Rudolf Fischer.15 Depois de passar
alguns meses nas trincheiras, Franz Marc ainda considerava
a guerra uma questão de espírito:
Continuemos soldados mesmo depois da guerra. . . pois
esta não é uma guerra contra um inimigo eterno, como
dizem os jornais e nossos honrados políticos, nem de uma
raça contra outra; é uma guerra civil européia, uma guerra
contra o inimigo interno invisível do espírito europeu.16
Hermann Hesse fez associações semelhantes. A guerra, iro
nicamente, era uma questão de vida, não de morte; uma afirmação de vitalidade, energia, virtude. Era uma questão de
arte. "Tenho na mais alta conta os valores morais da guerra
em geral”, disse ele a um amigo.
Serem arrancados de uma monótona paz capitalista foi
bom para muitos alemães, e parece-me que um verda
deiro artista atribuiria maior valor a uma nação de ho
mens que enfrentaram a morte e que conhecem o quehá de instantâneo e estimulante na vida de acampamento.17
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Quando partiu para se juntar a seu regimento, Otto Braun,
um jovem de dezessete anos, estava intensamente arrebatado
pelo que considerava um ato de criação — “a forma nascente
de uma nova era” —, e rezava para que pudesse desempe-
nhar sua parte "ajudando a criar esta nova era no espírito
da divindade ainda adormecida”.18Em julho e agosto de 1914, a Alemanha representou sua
Frühlingsfeier, sua sagração da primavera.
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III
NOS GAMPOS DE FLANDRES
A cena foi extremamente dramática, e não acredito
que será vista de novo num campo de batalha.Um soldado da Companhia B do 2.° Regimento de
East Lancashire, em carta para casa no fim
do ano de 1914.
Num país progressista a mudança é constante; e não se trata de saber se se deve resistir à mudança que é
inevitável, mas se essa mudança deve realizar-se em
consonância com os hábitos, os costumes, as leis e as
tradições do povo, ou se deve ser executada em obe
diência a princípios abstratos e doutrinas arbitrárias
e gerais.
Be n j a m i n D i s r a e l i
Todo jogo significa alguma coisa.
J. Hu i z i n g a
UM RECANTO DE UM CAMPO ESTRANGEIRO
Quando a Sra. Packer, de Broadclyst, em Devon, recebeu
uma carta do* marido nos últimos dias de dezembro de 1914,
provavelmente não quis acreditar a princípio no seu conteúdo.
Sabia que ele estava em algum lugar na frente de batalha —
a localização exata, não sabia ao certo porque o censor mi-
litar proibia a revelação desses detalhes em cartas — e, sem
dúvida, acreditava que ele estava lutando bravamente pelo
rei e pelo país. Tinha esperanças de que ele pudesse passar
pelo menos o dia de Natal nos alojamentos, longe do front,
mas quando começou a ler a carta compreendeu imediatamenteque seu desejo não fora realizado.
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Seu marido passara realmente o Natal no front — como
membro da Companhia A do 1° Batalhão do Regimento de
Devonshire —, estacionado perto de Wulverghem ao sul de
Ypres, em Flandres. Mas na maior parte do dia ele estivera
mais fora da linha de fogo do que dentro dela. Que Natal
inacreditável! Em vez de combater os alemães, o caboPacker, junto com centenas de companheiros de regimento,
brigada e divisão daquele setor e milhares de outros ao longo
da linha britânica em Flandres, tinha se arriscado a entrar
na terra de ninguém entre as trincheiras para se encontrar
e confraternizar com o inimigo. Os alemães haviam aparecido
em igual número.
Packer contava, em seu relato daquele dia surpreendente,
como em troca de um pouco de tabaco recebera uma chuva
de presentes: chocolate, biscoitos, charutos, cigarros, %um par
de luvas, um relógio com corrente e um pincel de barba! Uma
colheita extraordinária! Era uma proporção entre dar e rece
ber que teria envergonhado uma criança, mas Packer se re
gozijava com a experiência, atitude igual à de muitos de seus
compatriotas. “Assim, veja você”, contou ele à mulher com
seu jeito de atribuir pouca importância ao fato, “ganhei um
bom presente de Natal e pude passear em segurança por
algumas horas”. A Sra. Packer ficou tão espantada com a
carta que a enviou imediatamente ao jornal local, e ela foi
publicada no dia do Ano-Novo no Western Times de Exeter.1
O fuzileiro G. A. Farmer, cujo 2° Batalhão de Fuzilei
ros da Rainha, de Westminster, ocupava uma posição ainda
mais avançada na frente de batalha naquele Natal, pôde in
cluir em sua carta aos familiares, em Leiscester, um comentário mais exuberante e eloqüente: “Foi realmente um dos
Natais mais maravilhosos que já passei.” A família deve ter
ficado pasma. Havia uma guerra, afinal! Farmer continuava:
Os homens de ambos os lados estavam imbuídos do ver
dadeiro espírito da época e de comum acordo pararam de
lutar e adotaram uma visão diferente e mais brilhante da
vida, e assim estávamos tão tranqüilos quanto vocês na boa e velha Inglaterra.2
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se repetido durante a guerra sugere, além disso, que não fo
ram os “canhões de agosto”, mas os eventos subseqüentes,
que despedaçaram o velho mundo. A “garden party eduardia-
na” não terminou repentinamente em 4 de agosto de 1914,
como se tem afirmado.8 Uma década depois da guerra W. A.
Quinton, do 1? Batalhão de Bedfordshire, escreveria:
Homens que se juntaram a nós mais tarde inclinavam-se
a não acreditar no que dizíamos quando falávamos do in
cidente, e não é de admirar, pois à medida que os meses
passavam, nós, que realmente estivemos lá, mal podía
mos compreender que tudo aquilo tivesse acontecido, a
não ser pelo fato de que cada pequeno detalhe se con
servava bem nítido na memória.9
R. G. Garrod, do 20? Batalhão de Hussardos, foi um daque
les que sempre se recusaram a acreditar que á confraterniza
ção tivesse ocorrido. Escreveu em suas memórias que nunca
encontrara um soldado que tivesse saído para a terra de nin
guém e confraternizado com o inimigo naquele Natal de 1914,
e, por isso, concluía que a trégua de Natal não passava de
um mito,10 como os anjos que supostamente teriam ajudadoas tropas britânicas na sua retirada de Mons em agosto de
1914.
A incredulidade de Garrod e as expressões de espanto
a respeito da trégua têm, na verdade, relação entre si. Para
muitos, a trégua, particularmente as dimensões que assumiu,
aconteceu inesperadamente. Foi uma surpresa não porque as
tréguas na guerra fossem raras — bem ao contrário; eram
normais —, mas porque a luta nos primeiros cinco mesestinha sido muito áspera e intensa e cobrara uma taxa muito
elevada de baixas. Além disso, desde o início a propaganda
desempenhou papel importante na guerra, e a campanha anglo-
francesa para retratar o alemão como um bárbaro desmesu
rado, incapaz de emoções humanas normais como compaixão
e amizade, já tinha naquele primeiro Natal surtido efeito. Fi
nalmente, as tentativas de vários grupos, inclusive o Vaticano
e o Senado Americano, no sentido de arranjar um cessar-fogooficial para o Natal haviam sido rejeitadas pelos beligerantes.
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Portanto, a maioria dos combatentes que tinham sobrevivido
aos cinco primeiros meses sombrios, e, o que é mais impor
tante, aqueles — e eram a maioria — que haviam chegado
ao front recentemente, imbuídos de certas idéias sobre o ini
migo, tinham boa razão para pensar que esta não era uma
guerra convencional e que o mundo estava, na verdade, emvias de ser transformado por ela. Mas o que a trégua revelou,
por sua natureza espontânea e não oficial, foi que certas ati
tudes e valores eram capazes de pronta recuperação. Apesar
da matança dos primeiros meses, foi a guerra subseqüente que
começou a alterar profundamente esses valores e a apressar
e difundir no Ocidente a tendência ao narcisismo e à fantasia
que tinha sida característica da vanguarda e de grandes seg
mentos da população alemã antes da guerra.
CANHÕES DE AGOSTO
A guerra se iniciara com movimento, movimento de homens
e material numa çscala nunca antes testemunhada na história.Por toda a Europa, aproximadamente seis milhões de homens
receberam ordens no início de agosto e começaram a se des
locar. Visando a um rápido golpe mortal a oeste, os alemães
puseram a sua estratégia em marcha acelerada no dia seis.
Sobre as pontes do Reno passavam 550 trens por dia. Pela
ponte Hohenzollern em Colônia passava um trem a cada dez
rtíinutos na primeira fase da guerra. Em menos de uma sema
na foram reunidos um milhão e meio de homens para a inves
tida. Os franceses se mostraram igualmente diligentes. Em
duas ’semanas mais de três milhões de franceses se desloca
ram em sete mil trens.
O plano Schlieffen, em sua concepção original, devia ter
as características de uma porta giratória, na analogia de Basil
Liddell Hart. Quando aumentasse a investida dos alemães
que entravam por um lado da porta através da Bélgica e do
norte da França, os franceses, que concentravam seu ataqueno sul, seriam atraídos e aumentariam a quantidade de mo-
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vimento da porta e, portanto, do ataque desfechado ao norte.
Implementado por Moltke, o plano foi, porém, modifiqado.
A investida no norte não foi tão vigorosa como se planejara
originalmente. Um Moltke nervoso decidiu primeiro reforçar
seu flanco esquerdo no sul contra os franceses. Depois, quan
do o exército belga se retirou para Antuérpia, Moltke separousete divisões do flanco direito de ataque para dispô-las contra
os belgas e impedir o rompimento da linha. Mais para o fim
de agosto ele novamente enfraqueceu a investida ao enviar
quatro divisões para repelir o avanço russo na Prússia Orien
tal. Em seguida, além de debilitar a força do ataque ao norte,
Moltke ainda resolveu permitir que o príncipe herdeiro Rup-
precht da Baviera, que comandava o Sexto Exército no sul,
decidisse se devia atacar os franceses ou, como ditava o planoSchlieffen, atraí-los para uma armadilha. Levado pelo desejo
de acentuar a importância da contribuição bávara, Rupprecht
tomou a iniciativa e decidiu atacar, de modo que os france
ses, embora repelidos na área de Morhange-Sarrebourg, foram
forçados pela ação de Rupprecht a consolidar suas defesas,
em vez de se aventurarem a uma posição de ataque mais
vulnerável. Dessa forma, o particularismo alemão desempe
nhou um papel no destino do plano Schlieffen. Mais uma veza realidade da Alemanha — sua fragmentação e lealdade aos
interesses locais — minou a visão de unidade e solidariedade.
O avanço alemão através da Bélgica foi retardado por
uma inesperada resistência local. Além disso, o flanco direi
to, sob o comando de von Kluck, depois de dar uma surra nos *
britânicos em Mons, atravessou o ponto crítico mais cedo do
que o planejado, e o enfraquecido avanço alemão foi final
mente detido no Marne na segunda semana de setembro. Seguiram-se a retirada alemã para o Aisne, onde os alemães
começaram a se entrincheirar contra a perseguição dos alia
dos, e mais tarde as manobras mútuas ao norte — a chamada
corrida para o mar — que foi uma tentativa de ambos os
lados no sentido de evitar um ataque pelo flanco. Da metade
de outubro ao começo de novembro, os alemães tentaram de
sesperadamente passar por Ypres, usando grande número de
voluntários que tinham corrido a se alistar em agosto, masa linha dos aliados resistiu apesar de enormes perdas. Depois
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da primeira batalha de Ypres, batalha que alguns alemães
chamariam de “o massacre das crianças”, a guerra de movi
mento estava, por ora, encerrada no ocidente. Os exércitos
regulares tinham sido dizimados. Os estoques de munição,
para fuma guerra que devia estar concluída na época em que
“as folhas caem”, estavam esgotados. A metralhadora, planejada como arma de ataque, provara seu valor mortal como
a suprema arma de defesa. Além disso, o terreno da Bélgica
e do norte da França, com suas inúmeras vilas, fazendas e
cercas, deu ao defensor uma vantagem sobre o atacante. Do
Canal da Mancha à fronteira suíça apareceu uma bizarra e
denteada linha de fortificações de trincheira, a única res
posta que os estados-maiores puderam conceber para o ines
perado impasse.Depois da derrota sofrida pelos alemães no Marne, Fal-
kenhayn sucedeu a Moltke e, na esteira de seu fracasso em
Ypres em outubro e novembro, decidiu que o plano Schlieffen
tinha de ser abandonado. Embora ainda acreditasse que a
frente decisiva estava no ocidente, curvou-se à piessão dos
“orientais” — Hindenburg, Ludendorff e Conrad — que de
fendiam providências urgentes para enfrentar o perigo russo.
Assim, os interesses da ofensiva alemã voltaram-se para o
leste. Nesse meio tempo os chefes militares britânicos e fran
ceses aceitaram relutantemente que talvez tivessem de manter,
por algum tempo, suas posições, até poderem reunir o efetivo
e o poder de fogo necessários para um golpe decisivo.
As baixas alemãs e francesas tinham sido tremendas. Os
alemães perderam um milhão de homens nos primeiros cinco
meses. A França, na “batalha das fronteiras” de agosto, per
deu mais de 300 mil homens em duas semanas. Alguns regi
mentos perderam três quartos de seus homens no primeiro
mês. No final de dezembro as perdas francesas totais eram com
paráveis às alemãs, aproximadamente 300 mil mortos e 600
mil feridos ou desaparecidos. No fim de 1914 praticamente
toda família francesa e alemã tinha sofrido alguma perda. De
vido às baixas estarrecedoras no começo da luta, no fim do
ano a maior parte da Frente Ocidental francesa e alemã eraconstituída por reservas.
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Em Mons, Le Cateau e depois especialmente em Ypres,
a maioria da Força Expedicionária Britânica (BEF) original,
de 160 mil homens, fora aniquilada. Só em Ypres as perdas
chegaram a 54.105. Em dezembro os Velhos Desprezíveis,
apelido que os soldados de linha britânicos tinham se dado
em resposta à declaração do kaiser que, no início de agosto,qualificara a BEF de “exercitozinho desprezível", constituíam
pouco mais do que um frágil esqueleto dos exércitos de vo
luntários. Como exemplo da proporção das baixas, a 11* Bri
gada contava, em 20 de dezembro, com apenas 18% de seus
primitivos oficiais e 28% de seus soldados. Dentro dessa bri
gada, a Infantaria Ligeira de Somerset perdera 36 oficiais e
1.153 homens de outros postos, e daqueles que tinham em
barcado em agosto, tão alegremente, restavam apenas quatrooficiais e 266 soldados. A 7* Divisão, que chegou à França
em outubro, começou a campanha de Ypres com 400 oficiais
e 12 mil soldados, e encerrou-a com 44 oficiais e 2.336 sol
dados, uma perda de mais de 9 mil homens em dezoito dias.
"Ali com mãos enfraquecidas atiramos a to ch a..." No final
do ano um milhão de britânicos haviam se alistado, e o im
pério como um todo tinha agora dois milhões de homens em
armas. Por volta de dezembro a maioria das tropas britânicasnas trincheiras era formada por voluntários.1
Para as autoridades militares, que haviam se convencido
de que o resultado de uma futura guerra dependeria de uma
única batalha importante, era impossível aceitar o impasse no
Ocidente. O século anterior tinha sido uma época de extraor
dinário movimento e mudança tecnológica. Pressupunha-se que
a guerra refletiria esse movimento. "Berthelot me perguntou”,
registrou o general-de-divisão Henry Wilson em seu diário nodia 13 de setembro de 1914, depois da batalha do Marne,
"quando eu achava que invadiríamos a Alemanha, e respondi
que, a não ser que cometêssemos algum erro crasso, deve
ríamos estar em Elsenborn em 4 •semanas. Ele achava que
em 3 semanas".2 Kitchener, quando Ministro da Guerra bri
tânico, tivera a presciência de pedir a criação de um exército
britânico de massas na primeira rôuhião do conselho de guer
ra, em 5 de agosto — "Devemos estar preparados", disse ele,"para colocar em campanha exércitos de milhões e mantê-los
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durante vários anos” —, mas seu apelo enfrentou acentuada
oposição e até sarcasmo no gabinete e no estado-maior bri
tânicos. Sir Edward Grey, o Ministro das Relações Exteriores,
observou que a estimativa da duração da guerra feita por
Kitchener "parecia a quase todos nós improvável, senão in
crível”.3 Os Novos Exércitos, embora aprovados, destinavam-se de fato inicialmente a assegurar a paz, mais do que ganhar
a guerra.
Durante novembro e dezembro de 1914 e durante todo
o ano de 1915 e mesmo parte de 1916, até o desastre do
Somme, vigorou nos exércitos da Entente a opinião de que
o espírito ofensivo era muito importante e de que, apesar dos
reveses e de outras provas em contrário, um rompimento da
linha de combate, uma investida decisiva, colocaria em movimento a parada máquina de guerra. A vitória viria então
em semanas. Por volta de dezembro de 1914 o estado-maior
britânico tinha relutantemente concordado que a investida de
cisiva teria de esperar pela chegada dos Novos Exércitos na
primavera, mas a partir desse momento a guerra de movimento
recomèçaria. Os franceses, com boa parte de seu país ocupa
da pelo invasor estrangeiro, mostravam-se compreensivelmente
ainda mais determinados a manter essas crenças. Perto dofinal do ano afirmavam que com alguma paciência os Aliados
conseguiriam aos poucos superioridade em efetivos, munições,
cavalos, dinheiro e suprimentos. Depois, no momento apro
priado, seria dado o golpe decisivo. "O general Joffre”, afir
mava um resumo do que os oficiais deviam dizer a seus ho
mens no começo de janeiro de 1915, "não lhe [ao inimigo]
aplicou um golpe final porque queria economizar vidas fran
cesas”.4 O general no comando do Quarto Exército francêsinsistia em que todos os seus comandantes convencessem suas
tropas de que eram os alemães, e não os franceses, que esta
vam sitiados.5 Até a falta de granadas e munição e as intole
ráveis condições físicas da guerra de trincheiras no Ocidente,
à medida que o inverno se aproximava com suas chuvas inter
mináveis, transformando o campo de batalha num pântano
lamacento intransitável, não conseguiam alterar esta preocupa
ção básica com a ofensiva. Um mês, dois meses, três no máximo: tal era o teor geral das previsões. "Se nos suprissem
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com farta munição de artilharia. . disse Douglas Haig, que
nesse período comandava o Primeiro Exército britânico, ao
correspondente militar do Times em 22 de janeiro de 1915,
“poderíamos atravessar a linha alemã em vários pontos”.6
Em dezembro a chuva, que tinha sido intermitente. desde
o começo de setembro, tornou-se interminável em Flandres,Artois e Picardia. Caiu mais água naquele mês do que em
qualquer outro dezembro desde 1876 — mais de quinze cen
tímetros. Os belos dias de agosto tornaram-se substância de
sonhos. Os canos dos fuzis entupiam-se de lama e negavam
fogo. Depois de um ataque britânico em 18-19 dç dezembro,
os alemães informaram que a maioria de seus ferimentos pro
vinha de baionetas, porque os fuzis de seus oponentes esta
vam obstruídos.7 Rios transbordaram. Nos arredores do RioLys, o nível da água chegou a trinta centímetros do nível do
solo. No Somme, as condições do setor eram semelhantes. Em
suas trincheiras os soldados ficavam com água pelos joelhos
e às vezes atolavam-se até o tórax na lama, tendo de ser pu
xados para fora por meio de cordas. Num setor perto de La
Bassée, uma represa se rompeu e afogou os homens em, seus
abrigos de trincheira. Em dezembro os diários de guerra dos
regimentos freqüentemente dedicavam mais espaço à guerracontra os elementos do que à batalha contra o inimigo humano.
Notas típicas como “lama desesperadora” e “trincheiras im
possíveis” apenas sugerem a escala da miséria e os problemas
que os combatentes enfrentavam. Bombas de puxar água, man
gueiras, pás e picaretas tornaram-se armas mais importantes
do que fuzis ou artilharia. Em 24 de dezembro circulou a
notícia de que os alemães tinham virado uma mangueira para
as trincheiras britânicas à sua frente, num setor perto de Bé-thune, procurando inundá-las. E alguns dias mais tarde o co
mando da 7^ Divisão Britânica ficou preocupado com a pos
sibilidade de os alemães, dos quais se dizia que tinham fecha
do as comportas em Comines, estarem canalizando água para
as trincheiras britânicas.8 Os dois rumores pressupunham uma
forma não cavalheiresca de guerra que, assim se presumia, não
seria de estranhar partindo dos alemães.
Em muitos lugares até os altos parapeitos eram insuficientes, e era preciso retirar as tropas para terreno seco, deixando
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apenas pequenos postos de observação ou patrulhas a patinharna lama. As comunicações e os movimentos laterais eraminviáveis. Efetuar uma substituição de tropas na linha de frentelevava freqiientemente até quase oito horas, enquanto em condições normais isso se fazia em uma hora mais ou menos.
Os "lenhadores” assumiram maior importância tática do queos piquetes de reconhecimento, porque as achas de lenha, juntocom a tela de arame ofereciam pelo menos alguma proteçãocontra o afundamento na lama.
Em dezembro e janeiro a natureza das baixas refletiu ocaráter da nova guerra: ulceração produzida pelo frio, reumatismo e pé-de-trincheira causaram muito mais vítimas doque o combate real. “É surpreendente que todo o batalhão
não tenha pegado pneumonia”, observou o diário de um regimento.9 Quando a umidade de dezembro penetrou na pelee nos ossos, o Primeiro Exército britânico informou suas baixas na segunda semana de janeiro: 70 oficiais e 2.886 soldados.Destes, 45 oficiais e 2.320 soldados estavam listados comodoentes. Mas apenas 11 oficiais e 144 soldados tinham sidomortos, e 14 oficiais e 401 soldados estavam feridos.10 O comandante de uma unidade informava sobriamente a seus supe
riores no começo de janeiro: "No momento o estado de coisasresultante do prolongado tempo chuvoso é o fator dominantena situação.”11 Uma semana antes do Natal, Frank Isherwoodenviou suas saudações à família: "Todos os meus votos deum Feliz Natal. Eu não quero ver outro se vai ser igual aeste.”12 E não viu.
Esgotamento era o resultado inevitável de três ou quatrodias nas trincheiras. Percy Jones, dos Fuzileiros da Rainha,
de Westminster, viu os componentes do 1° Regimento de Fuzileiros Reais deixarem as trincheiras na manhã de 23 de dezem bro. Eles estavam
esfarrapados, estropiados, desgarrados, feridos nos pés, extenuados, pareciam em geral aniquilados. Cabeludos, bar
bados, a cara imunda, a cabeça coberta de trapos de todosos tipos, os homens mais pareciam uns selvagens pré-
históricos do que um regimento de primeira classe doExército Britânico.13
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Os elementos não tinham favoritos. Alemães, franceses
e britânicos, todos sofriam, e nenhum lado encontrava res
postas melhores para a situação. Havia, entretanto, grande
curiosidade de saber como o inimigo estava enfrentando este
aspecto inesperado da guerra. Os alemães parecem ter ficado
com particular inveja das jaquetas de pele de carneiro ou decabra que foram distribuídas em muitos pontos da linha bri
tânica no final do ano, e das botas de cano alto atadas com
cordões que os britânicos usavam, em contraste com as botas
de borracha de cano curto fornecidas aos alemães. As jaquetas
tornaram-se prêmios que os alemães procuravam obter em
escaramuças na terra de ninguém. A história dos regimentos
alemães admitiu que, depois de um ataque britânico perto de
Neuve Chapelle em 18 de dezembro, o 13° Regimento saqueouos mortos britânicos em busca de despojos, dando particular
atenção às jaquetas de pele de carneiro.14
Eram comuns os saques em busca de espólios e de re
cordações para mandar aos familiares como prova de parti
cipação em combate, especialmente nesta primeira fase da
guerra. Todos eram dados a esta prática. “Em ingleses tomba
dos encontramos relógios, ouro e Cruzes de Ferro de solda
dos alemães", acusou Gustav Riebensahm.15 Se os alemãesadmiravam as botas altas dos britânicos, estes se interessavam
pelas botas de borracha que alguns alemães usavam para ten
tar enfrentar a lama e a água. Considerar o equipamento do
adversário — uniformes, casacos, botas e outros acessórios —
de qualidade superior era natural, porque aparentemente nada
podia ser pior do que o próprio equipamento, que se mos
trava inadequado para impedir a umidade e o frio. Isto prova
velmente explica pelo menos um bom número de comunicados de dezembro e janeiro alertando para o subterfúgio de
o inimigo se apresentar vestido, segundo os boatos, com os
uniformes dos adversários. “Oficial de Observação de Artilha
ria, na seção esquerda da 17* Brigada, informa que o inimigo
tem homens usando saiote escocês", dizia uma nota no diário
da 6* Divisão britânica na metade de janeiro.16
Entretanto, apesar de todas as provas de que eram im
possíveis ataques bem-sucedidos em tais condições, os cornaidantes de exércitos, abrigados em alojamentos quentes e secos,
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não deixavam de enfatizar a necessidade de manter um espí
rito ofensivo, conservar os instintos agressivos afiados para
futuras batalhas decisivas. Tocaias e reides noturnos preci
savam acontecer constantemente; sapas ou túneis deviam ser
levados adiante; e ataques vigorosos tinham de ser tentados
repetidas vezes. Mesmo que nada de concreto se conseguisseno momento — assim determinava o raciocínio —, importava
o efeito sobre o moral da tropa.
As condições atmosféricas naturalmente forneciam sufi
cientes motivos de preocupação com o moral da tropa, mas
o comandante da 2* Unidade Britânica, numa ordem de 4 de
dezembro, referiu-se também a uma “teoria de vida que man
da viver e deixar viver”, que parecia ter surgido nas linhas
de frente e què, ele insistia, tinha de ser reprimida imediatamente.17 Sua observação foi motivada por muitos indícios de
intercâmbios amistosos entre os Aliados e as tropas inimigas.
Esses incidentes, que aumentaram no decorrer de novembro
e dezembro, provocaram alarme entre as “altas patentes”. Era
traição chegar a qualquer entendimento particular com o ini
migo e mais ainda confraternizar com ele, sem permissão. Os
incidentes eram raramente registrados nos diários oficiais de
guerra por medo de que provocassem cólera nos oficiais de
hierarquia mais elevada, mas o próprio fato de que tenha
ocorrido uma quantidade cada vez maior de referências perto
do final do ano sugere que os incidentes. não registrados se
riam ainda mais numerosos. A prática de não atirar em certas
horas do dia, especialmente durante as refeições, tornou-se
comum entre unidades que já se defrontavam há algum tem
po. Existiam também arranjos não oficiais sobre tiros de to
caia durante a rendição da guarda e sobre a conduta durante
o patrulhamento. Charles Sorley descreveu tais entendimentosem uma carta alguns meses mais tarde: “Sem absolutamente
‘confraternizar’ com o inimigo, não incomodamos o Irmão
Boche setenta metros adiante, desde que ele seja gentil conos
co.” Comentou o tédio da atividade durante o dia, que con
sistia em reconstruir trincheiras e censurar as çartas dos
soldados.
Durante a noite consegue-se um pouco de animação patrulhando a cerca de arame do inimigo. Nossos princi
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pais inimigos são as urtigas e os mosquitos. Todas as
patrulhas — inglesas e alemãs — são muito avessas ao
princípio de morte e glória; assim, ao se encontrarem
por acaso uma com a outra. . . ambas fingem que uma
é o levita e a outra o bom samaritano e passam ao largo,
sem dizer uma palavra. Os dois lados sabem que bom bardear o inimigo seria uma violação inútil das leis não
escritas que governam as relações de combatentes per
manentemente a cem metros de distância um do1 outro,
aos quais tornou-se claro que arrumar encrenca para o
outro não passa de um modo indireto de arrumá-la para
si próprio.18
Freqüentemente os homens em trincheiras opostas ficavam tão próximos que podiam ouvir as vozes .uns dos outros,
e as zombarias entre as linhas tornavam-se naturais, bem
como tentativas de diversões. O soldado Frank Devine do 6?
Batalhão Gordon da Alta Escócia contou, em uma carta a
seus familiares, em 21 de dezembro, que certa manhã tinha
começado a cantar “0 ’ a’ a’ the airts”, canção sentimental esco
cesa que fala do amor pela terra natal, e que um alemão
do outro lado respondera com “Tipperary”.
Eles gritam todas as manhãs convidando-nos para o al
moço. Um dia desses ergueram um pedaço de quadro-
negro, no qual tinham escrito com letras grandes: “Quan
do vocês, ingleses, irão para casa e nos deixarão em paz?”
Gritam para nós que desejam a paz.19
O 16? Regimento de Reserva da Infantaria da Baviera
registrou que em 18 de dezembro, perto de Ypres, enquantoocorria uma luta feroz mais ao sul, um homem de Allgäu,
área alpina no sudoeste da Alemanha, subiu no parapeito e
cantou uma melodia tirolesa para Tommy Atkins.*20 O senso
de humor no meio da miséria era freqüentemente brilhante.
Em 10 de dezembro, aproximadamente às nove da manhã, os
* Nome dado genericamente ao soldado britânico.
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saxões que se encontravam diante do 2° Batalhão de Essexgritaram que estavam cheios e que haviam hasteado a bandeiraalemã a meio pau. Um membro do Batalhão de Essex retrucoucom um oferecimento de rum e gim. Os saxões recusaram agentileza dizendo que só bebiam champanhe nas trincheiras!21
Perto do 2° Batalhão de Essex, os Fuzileiros de Lancashire fizeram um trato com seus adversários: a troca delatas de carne em conserva por insígnias de capacetes.
“ . . . o trato está feito”, registrou o diário da divisão,“ salvo o ligeiro desacordo sobre quem sairá primeiro de suatrincheira para apanhar a sua parte”.22 É claro que os entendimentos levavam tempo para ser cultivados e nem sempreeram apreciados ou honrados por uma unidade substituta. Assim, o 2° Batalhão de Essex se deu bem com os saxões, masos prussianos que substituíram estes últimos foram qualificados de um "bando de grosseirões que não respondem quandose fala com eles”.23
Em suma, uma certa dose de bons sentimentos — entendimentos e acordos particulares — tinha se desenvolvidoentre trincheiras opostas nas semanas antes do Natal. Deviaformar a base para a trégua de Natal. O comando britâniconão era o único a se preocupar com o efeito desta guerra paralisada sobre o moral dos combatentes. Uma semana antesde serem emitidas as ordens britânicas contra a confraternização, o General Falkenhayn tinha dado avisos semelhantes aseus oficiais: os incidentes de confraternização deviam ser"investigados cuidadosamente pelos superiores e desencorajados de forma enérgica”.24 O crescente número de incidentesindica, entretanto, que as advertências dos superiores tinham
pouco efeito.
O estado do tempo e as condições das trincheiras estimularam o desenvolvimento de um sentimento amistoso entreos grupos em guerra, mas a relação cada vez mais deteriorada entre os oficiais e os soldados, particularmente entre oscomandantes atrás das linhas e os homens nâs linhas defrente, também contribuiu para o estado de espírito que pro
duziu os acontecimentos do Natal. As táticas improdutivas eaparentemente sem sentido dos estados-maiores na Frente Oci-
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dental causavam uma boa dose de descontentamento. Por exem
plo, para manter a ênfase no "espírito ofensivo”, e para obri
gar os alemães a sentirem que não podiam transferir mais
nenhuma tropa para a Frente Oriental sem enfraquecer seria
mente sua posição no' ocidente, os britânicos lançaram im
portante ataque ao longo da metade sul de sua frente em 18de dezembro. A Unidade Indiana foi o instrumento principal
do ataque, mas cerca de dois terços da linha britânica se en
volveram no apoio às investidas. As batalhas aconteceram
desde Le Touquet ao norte até Givenchy ao sul, cessando ape
nas em 22 de dezembro, e do ponto de vista do moral, senão
da estratégia britânica, todo o empreendimento só pode ser
descrito como um desastre.
Na noite do dia dezoito a 7^ Divisão atacou os ves tf alia-
nos e os saxões perto de Neuve Chapelle e Fromelles com re
sultados terríveis, perdendo 37 oficiais e 784 soldados. Só
o 2° Batalhão Real de Warwickshire perdeu 320 homens, in
clusive o oficial comandante. Num pelotão de 57 homens ape
nas um soldado que fazia as vezes de cabo e três outros ho
mens saíram ilesos. O 2? Batalhão de Guardas Escoceses,
que capturou vinte e cinco metros da trincheira oposta, mas
que, incapaz de manter a posição avançada, foi obrigado a
se retirar de manhã, perdeu seis oficiais e 188 homens com
sua ação. Apenas um oficial que participou do ataque voltou
incólume.
Ao longo de toda a linha os resultados foram semelhan
tes. Quaisquer sucessos registrados eram temporários. Os ale
mães tiveram o mesmo destino. Contra-atacaram em Givenchy
em 20 de dezembro e fizeram um pequeno avanço, mas doisdias mais tarde os britânicos replicaram, expulsando os ale
mães de suas novas posições. Conseqüentemente, às vésperas
do Natal, depois de cinco dias de luta feroz, as posições eram
virtualmente as mesmas do dia dezoito, antes de começar a
batalha. Tais gestos de "espírito ofensivo” da parte dos ad
versários impressionavam de fato os alemães, que não redu
ziam suas forças no ocidente no grau em. que teriam desejado,
mas a matança- terrível e inútil também provocou desânimoentre as tropas britânicas.
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No dia dezenove, a 1* Brigada de Fuzileiros e o 1° Ba
talhão de Infantaria Ligeira de Somerset tinham atacado entre
Le Gheir e St. Yves no meio da tarde, em plena luz do dia.
Uma barragem de artilharia deveria ter danificado os entre
laçamentos de arame farpado do inimigo a fim de permitir a
passagem dos britânicos. Mas, para o caso dò arame não estárcortado, cada homem carregava um colchão de palha para
estender sobre o arame farpado!25 Os alemães devem ter se
espantado com o espetáculo bizarro que viam à sua frente
quando o ataque começou. Como era de esperar, a artilharia
fracassara completamente na tarefa a ela atribuída, e, tendo
de carregar colchões além do equipamento normal, que já
pesava quase trinta quilos, poucos soldados britânicos conse
guiram chegar ao arame farpado, a uns 120 metros de distância, e menos ainda às trincheiras inimigas. A matança foi vio
lenta. Um dos oficiais que comandavam o ataque, um certo
coronel Sutton, informou mais tarde que o esforço tinha sido
"um fracasso completo”. Embora o comandante da brigada,
atrás das linhas, pensasse que a ação alcançara um objetivo
importante — impedir que os alemães transferissem tropas
para a Frente Oriental —, Sutton não pôde esconder a pro
funda tristeza e contrariedade, quando fez seu relatório.
Do ponto de vista do batalhão, os únicos efeitos da ação
foram de caráter sentimental: em primeiro lugar, orgulho
pelo comportamento valoroso das companhias atacantes
que avançaram sem hesitar contra uma linha inabalável
de defensores bem arjnados; e em segundo lugar, dor
pela perda de tantos camaradas queridos, que não pude
ram ser poupados.26
Como nos casos de confraternização, os diários de guerraoficiais relutam em registrar provas de inimizade; assim, os
exemplos que aparecem nos diários podem ser legitimamente
interpretados como simples indícios da magnitude do ressen
timento. A nota queixosa de 15 de dezembro no diário da
15* Brigada (5* Divisão) sugere emoções profundas: "Re
cebidas ordens da Divisão GOC para atacar e lavançar aos
poucos — mas difícil saber onde e como fazê-lo.”27
Ao longo da frente franco-alemã ocorriam ataques semelhantes, iniciados em primeiro lugar pelos franceses em Cham-
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pagne, e verificava-se igual desencanto em conseqüência do
elevado número de baixas e da falta de êxito tangível. Dos
soldados e dos oficiais subalternos seriam ouvidas muitas ex
pressões de hostilidade contra os altos comandos em meio à ca
maradagem na terra de ninguém no dia de Natal. Uma carta
alemã de 27 de dezembro, interceptada pelos franceses, falava não só da grande confraternização mas de um incidente
observado pelos alemães alguns dias antes, quando soldados
franceses atiraram em seu próprio oficial porque este não que
ria se render numa situação desesperada, em que a morte
teria sido a única recompensa pela bravura. Eles assassinaram
seu oficial e depois se renderam.23
Os soldados alemães também reclamavam. O jovem Albert
Sommer contou em seu diário que o comandante idiota” desua companhia obrigou os homens a saírem em patrulhas na
véspera de Natal para descobrir quem estava do outro lado.
Houve troca de tiros, o que provocou a artilharia inimiga,
destruindo a paz da noite. Sommer acrescentou amargamente
que o comandante ficou na trincheira e celebrou o Natal com
drinques, enquanto seus homens enfrentavam a morte.29
Entretanto, embora o tempo, as condições físicas nas
trincheiras e o desapontamento com a condução da guerrainfluíssem na mente dos soldados na linha de frente, estas
preocupações não são suficientes para explicar o que aconteceu
nos dias em torno do Natal de 1914. Os mesmos fatores desalen-
tadores surgiriam mais tarde na guerra, quase sempre em dimen
sões mais brutais, mas a confraternização em escala semelhante
nunca mais viria a acontecer. Havia alguma coisa na motiva
ção e na sensibilidade do soldado da linha de frente em de
zembro de 1914 qu*e iria desaparecer na continuação da guer
ra, um conjunto de valores sociais e uma disposição psicoló
gica que seriam drasticamente alterados pelo curso da guerra.
PAZ NA TERRA
Na véspera de Natal a temperatura começou de repente acair. As trincheiras alagadas congelaram. A lama tornou-se um
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problema menor, o que por si só levantou o ânimo. Para os
alemães, a véspera de Natal é a parte mais festiva das come
morações natalinas, e ao anoitecer, em quase toda a extensão
da linha alemã, surgiram pequenas árvores de Natal, o tradi
cional Tannenbaum, numa clara infração das instruções ofi
ciais que proibiam árvores dentro das trincheiras. Para efeitodecorativo, muitas árvores tinham velas, reais ou de imitação.
Segundo os relatórios, os franceses — para quem a ár
vore de Natal era muitas vezes uma novidade — e os britâ
nicos ficaram a princípio intrigados com o estranho efeito lu
minoso que viam à sua frente, e pensando que se tratasse
de um ardil, abriram fogo em; muitos pontos. “A primeira coisa
estranha aconteceu”, observou Percy Jones, “quando percebe
mos umas três grandes fogueiras atrás das linhas inimigas. Esteé um lugar onde é geralmente uma loucura riscar um fósfo
ro”. Depois apareceram luzes nas trincheiras inimigas. “Nos
sa opinião pessoal era de que o inimigo se preparava para um
grande ataque, por isso começamos a arranjar a munição e
os fuzis, aprontando-nos para uma ação rápida.” Ouviu-se en
tão uma voz alemã: “Não atirem!” “Estava tudo bem”, rela
tou Jones, “mas tínhamos escutado tantas histórias sobre a des
lealdade alemã que mantivemos uma vigilância extrema.”1Todos os estados-maiores tinham avisado a suas tropas
que estivessem preparadas para um ataque de surpresa no
Natal e no Ano-Novo. A argumentação alemã dizia que os
franceses e os britânicos eram materialistas e desalmados de
mais para comemorar o Natal com espírito adequado. Os
franceses consideravam os alemães pagãos; os britânicos os
tinham na conta de bárbaros; por isso, não se devia esperar
deles conduta cristã normal no dia de Natal. Apesar disso,embora o fogo da artilharia tenha feito desaparecer as árvo
res alemãs em vários pontos por alguns minutos, elas quase
sempre reapareciam quando o tiroteio diminuía. O espírito do
Natal era irreprimível.
Depois que surgiram as árvores, começaram as canções,
às vezes estridentes, mas em geral lentas e sentimentais. Na
grande maioria dos casos foram os alemães, ao que parece, que
começaram a cantar, e o efeito na trincheira oposta, quandoas vozes começaram a ecoar pelos frios descampados da terra
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de ninguém, foi de fascinação. Em muitos lugares, "Stille Nacht, heilige Nacht” ("Noite Feliz”) ou "Es ist ein’ Ros’entsprungen” ("Uma Rosa Nasceu”) foi entoada serenamenteem coro. Num certo ponto, do outro lado das trincheiras francesas, uma gaita de boca começou a tocar "Noite Feliz” sozi
nha, num momento de silêncio, e os sons suaves e obsessivos,no meio da quietude, hipnotizaram os franceses. Em outrolugar, apesar do frio, um soldado alemão tocou o Largo deHandel num violino.2 Em Argonne o 130° Batalhão de Württemberg teve direito a um recital do cantor concertista Kirch-hoff em sua linha de frente. Os soldados franceses, do outrolado, ficaram tão emocionados com o desempenho do cantorque subiram nos parapeitos de suas trincheiras e só pararam de
aplaudir quando Kirchhoff lhes concedeu um bis.sÉmile Marcei Décobert, do 269° Regimento de Infantaria Francesa, na linha perto de Carency, escreveu a seus paiscontando que os soldados franceses cantaram cantigas de Natal alemãs com o inimigo.4 Defronte do 1° Batalhão de Infantaria Ligeira de Somerset, os alemães reuniram a bandado regimento e tocaram os hinos nacionais da Alemanha eda Grã-Bretanha, ao fim dos quais deram três altos vivas e
passaram a cantar "Home, Sweet Home”. Os britânicos ficaram encantados com a seleção tão cosmopolita e encantadorado programa.5
Aos poucos, os tiros cessaram em quase todos os pontosao longo da linha naquela véspera de Natal. Os homens levan-taram-se, sentaram-se nos parapeitos e gritaram saudações ao"inimigo”. Começaram as conversas. No lado oposto aos Fuzileiros da Rainha, de Westminster, um saxão desafiou os bri
tânicos a irem buscar uma garrafa de vinho. "Um de nossoscompanheiros aceitou o desafio”, escreveu um soldado rasonuma carta a seus familiares na Inglaterra, "e levou um grande bolo em troca. Foi o chute inicial que pôs a bola arolar. . . ”6
Muitos oficiais pensavam em questões táticas quando permitiram ou até encorajaram seus homens a saírem ao encontro do inimigo. Por exemplo, esperavam descobrir quem exa
tamente estava à sua frente e obter uma boa idéia das instalações do adversário. Mas essas considerações práticas foram
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em gerai uma característica secundária da confraternização.A maioria dos encontros consistiu em iniciativas espontâneasque não tinham aprovação nem objetivo militar. O espírito de
Natal havia simplesmente conquistado o campo de batalha. No dia seguinte, ao amanhecer, o chão estava congelado.
Em algumas áreas, um borrifo de neve fresca cobria o terreno. Em Flandres a geada súbita provocara uma densa neblina,que só aos poucos começou a se dissipar sob o forte brilhodo sol. A mudança repentina do tempo causou espanto evivas. Em comparação com as condições chuvosas do mês precedente, o dia era magnífico. “Uma geada de magia e beleza”foram as palavras que Gustav Riebensahm usou para começar seu diário no dia de Natal. Pouco depois de todos se colo
carem a postos, os incidentes isolados de confraternização danoite anterior multiplicaram-se e, em muitos setores, transformaram-se em grande camaradagem.
Os soldados saíram para a terra de ninguém, ou em algunscasos foram até as trincheiras de seus adversários, para comemorar. Alguns eram tímidos. Outros se mostravam mais abertos. Conversaram, cantaram, trocaram histórias e presentes.À medida que a manhã passava, a confiança aumentava. Or
ganizaram-se as turmas para enterrar os mortos. O 6? Batalhão Gordon da Alta Escócia e o 15? Regimento de Infantaria, uma unidade da Vestfália, reuniram-se num comoventeofício fúnebre. Quando escoceses, ingleses, saxões e vestfalia-nos se enfileiraram dos dois lados de uma vala comum, oreverendo J. Esslemont Adams, ministro da Igreja Livre Unida do Ocidente, de Aberdeen, e capelão do 6? Batalhão Gordon, leu o salmo vinte e três em inglês. Depois um estudantede teologia o leu em alemão: “Der Herr ist mein Hirt: mir wird nichts mangeln. Er weidet mich auf einer grünen Aue: und führet mich zum jrischen W asser.. .”*
Seguiu-se o Pai-Nosso, frase por frase, nas duas línguas:“Our Father Who art in Heaven. Unser Vater in dem Himmel.”7
Em muitos pontos era normal a diversão mútua com canções e hinos. O segundo comandante do 1° Batalhão de Lei-
* “O Senhor é o meu pastor: nada me faltará. Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de descanso.. .”
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cester era o major A. H. Buchanan-Dunlop, na vida civil pro
fessor na escola Loretto, em Musselburgh, perto de Edimburgo.
Pouco antes do Natal, ele recebera o programa do concerto
de final do ano da escola. Ensaiou seus companheiros do Lei-
cester, e no dia de Natal todos foram à terra de ninguém
cantar parte do programa da escola para os alemães. Estesresponderam com uma seleção de hinos.8 Em outros lugares o
comportamento foi mais frívolo. Diante da 3^ Brigada de
Fuzileiros da 6^ Divisão um malabarista alemão atraiu uma
grande e atenta multidão com a execução de seus truques.
A principal refeição de Natal foi distribuída perto do
meio-dia, e os confraternizadores retornaram a suas próprias
trincheiras para comer. Assim que acabaram, a jovialidade
reviveu na terra de ninguém. Ao descobrirem que entre seusadversários havia um barbeiro que tinha trabalhado na Ingla
terra antes da guerra, alguns dos soldados do Batalhão Gor-
don lhe pediram que estabelecesse uma barbearia bem ali no
meio da terra de ninguém e lhes fizesse a barba e o cabelo.
O alemão atendeu o pedido!
Depois das cortesias iniciais, começaram as trocas. Além
dos pacotes de Natal da família e dos amigos, trazidos em
centenas de vagões, cada soldado britânico tinha recebido
da princesa Mary uma caixa dourada de Natal, contendo, para
os fumantes, um cachimbo, dez cigarros e um pouco de taba
co, e, para os não-fumantes, chocolates. Conseqüentemente,
todo soldado britânico tinha o que negociar. Os alemães e
os franceses estavam em posição semelhante. O major von
Der Aschenhauer observou que suas tropas foram tão cumu
ladas de presentes que mal sabiam o que fazer com eles. Percy
Jones expressou os sentimentos de todos os combatentes quan
do escreveu aos familiares no dia 24: “Estou bem, apesar do
grande número de pacotes de Natal que recebi." O excesso
evidentemente impunha trocas por algo novo e diferente.
Os alemães parecem ter demonstrado predileção especial
pela carne enlatada britânica, que tinha muito menos gordura
que as carnes alemãs, e pelas conservas britânicas. O diário
da 10^ Brigada registrou que os alemães “eram vistos quasea lutar por uma lata de carne”.9 Samuel Judd, incapaz de
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compreender o que os alemães tanto apreciavam na velha
carne salgada, chegou à conclusão de que eles não estavam
sendo bem alimentados: “eles não param de vir em busca de
carne enlatada e geléia!”10 Os alemães postados diante do Re
gimento de North Staffordshire queriam trocar charutos por
carne enlatada. Os cameronianos, entretanto, conseguiram oque consideravam a melhor barganha nesse estranho mercado:
dois barris de cerveja por algumas latas de carne enlatada!11
Todas as espécies de recordações eram buscadas e aceitas.
O mínimo que se trocou foram assinaturas. O soldado raso
Colin Munro do 2° Batalhão de Seaforth enviou à esposa em
Ayr um cartão-postal com seis assinaturas alemãs. Jornais e
revistas eram outros itens que estavam imediatamente à mão.
Um oficial do 2? Batalhão de Fuzileiros, de Lancashire, trocoua revista Punch por alguns charutos alemães. Mencionou o
fato numa carta aos familiares, que logo a mandaram ao
Daily Telegraph para ser publicada; depois do que Owen Sea-
man, da Punch, escreveu um poema satírico sobre o fato de
sua revista ter sido desvalorizada e degradada ao ser nego
ciada por charutos alemães! Várias formas de tabaco eram
itens clássicos de permuta. Ao que parece, quase todos nessa
guerra fumavam. Mas a busca de recordações significativas
podia chegar a proporções inquietantes: no front da 4* Divi
são, segundo um relatório, foram trocados fuzis.12
Chegou a haver um jogo de futebol? Apesar de muitos
boatos sobre uma partida e de muitas menções a um jogo
entre britânicos e alemães, não existe prova convincente de
que tal evento tenha ocorrido. Entretanto, boatos difusos nos
informam sobre os desejos e o estado de espírito das tropasda linha de frente. A possibilidade de uma partida parecia
excitar muitíssimo a imaginação dos britânicos. Nas cartas
para casa apareceram numerosos relatos de um jogo em al
gum lugar do front. Na história de uma partida com o re
sultado de 3 a 2 envolvendo os saxões — na maioria dos
relatos, eles ganharam; em alguns, eles perderam — há su
ficiente consistência, indicando que um jogo anterior com la
tas de carne ou algo semelhante talvez tenha de fato ocorrido.Mas uma partida completa com uma bola apropriada é im
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provável, quando mais não seja por causa do solo cheio de
crateras da terra de ninguém,
Deve ser observado, entretanto, que a paz e a boa von
tade não reinaram em todos os lugares ao longo da linha de
frente no dia de Natal. Na extremidade norte da linha bri
tânica, perto de St. Eloi, mantida pela 3* Divisão, tiros de
tocaia continuaram o dia todo. O 3° Batalhão de Worcester,
ali estacionado, vangloriava-se de ter capturado quatro atira
dores inimigos pela manhã e dois à noite.13 Ao sul, perto de
la Quinque Rue, no front da 2* Divisão, os alemães desfe
charam um ataque na manhã do dia 24. O 2? Batalhão de
Guardas Granadeiros perdeu ali a primeira linha de trinchei
ras e sofreu cinqüenta e sete baixas. No dia de Natal os âni
mos continuavam exaltados e uma nova linha de trincheiras
teve de ser preparada. Entretanto, até nesses setores o Natal
passou relativamente em paz.
A maior parte das comunicações cordiais ocorreu na
frente anglo-germânica na Bélgica e no norte da França, onde
quase três quartos das tropas se envolveram de alguma forma.
Nos outros lugares, a norma foi uma confraternização dis
creta, e às vezes até franca. Combates, e mesmo tiros de tocaia, foram raros no dia de Natal. “Quase perturbador é o
efeito da extraordinária tranqüilidade ao longo de todo o front ”,
registrou o diário de um regimento alemão postado frente
aos franceses perto do Somme.14
Se os britânicos e os alemães relutavam em dar detalhes
sobre os episódios de confraternização em despachos oficiais,
para os oficiais franceses o assunto era completamente tabu.
Mesmo assim, em vários lugares — registros militares alemães,cartas e diários particulares — aparecem provas de que a
confraternização franco-alemã foi considerável, ainda que te
nha sido em menor escala e menos confiante do que na frente
anglo-alemã. Testemunhos esparsos aparecem até nos diários
de guerra oficiais franceses; naqueles, por exemplo, da 111^
Brigada alinhada perto de Foncquevilliers, da 69^ Divisão perto
de Condé sur Aisne; da 139* Brigada em Artois, e da 56* Bri
gada junto ao Somme. A nota do diário da 56* Brigada parao dia vinte e cinco se atém aos fatos:
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O dia está calmo. Uma trégua espontânea estabelece-se
em todo o setor, especialmente nas duas extremidades,
onde soldados franceses e alemães saem de suas trin
cheiras em certos pontos para trocar jornais e cigarros.15
Não se mencionam nomes nem unidades. Entretanto, os registros dos 12?, 15? e 20? regimentos bávaros mostram que
pelo menos doze regimentos franceses participaram de franca
confraternização nos arredores de Dompierre junto ao Somme
— o 20?, o 22?, o 30?, o 32?, o 43?, o 52?, o 99?, o 132.°,
o 137?, o 142?, o 162? e o 172?. Em outras palavras, os do
cumentos alemães indicam que qualquer menção francesa a
relações amistosas mal sugere a extensão da trégua.
Em certos lugares a trégua continuou até o dia de Ano- Novo. Em alguns casos prosseguiu janeiro adentro, chegando
até a segunda semana. E depois, embora reaparecesse um si
mulacro de guerra, com tiros de tocaia e fogo de artilharia,
o resto de janeiro continuou extraordinariamente tranqüilo. O
diário da 1* Brigada de Fuzileiros registrou no último dia de
janeiro de 1915: “Este foi um mês muito calmo, e consegui
mos realizar bastante trabalho devido à pouca vontade de nos
molestar demonstrada pelo inimigo.”16
O PORQUÊ
Embora uma questão importante, o moral não parece ter sido
a motivação crucial da confraternização. Aqueles que diziamao inimigo que estavam cansados da guerra geralmente diziam
isso como forma de saudação, uma alternativa para “Olá!”
que, de certo modo, não parecia um cumprimento apropriado.
“Negócio sujo este, não acha?” era a essência de tal obser
vação. O que mais poderia alguém dizer a homens que ten
tara horas antes matar? Não se podia pedir desculpas por
atirar no inimigo; teria sido absurdo. Dizer que se desejava
o fim da guerra era a maneira mais aceitável de expressaresse sentimento.
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Os soldados não parecem ter questionado seriamente o
objetivo da guerra neste estágio, mas para a maioria eram
extremamente imperiosos os laços com a família, os amigos
e o lar. O fato de que um grande número de reservistas es
tava agora na linha de frente, muitos de trinta e até quarenta
anos, com mulheres e crianças, foi um fator significativo paraque a confraternização se realizasse. As imagens do Natal em
casa eram simplesmente irresistíveis, e em sua maioria os
homens estavam dispostos a desfrutar pelo menos um dia de
paz e boa vontade. Os fatos sugerem que, das tropas nas li
nhas de frente, os jovens se mostravam em geral mais agres
sivos e menos inclinados a terem comportamento amistoso.
Mas os fatos também apontam que as tropas britânicas foram
as mais ativas na confraternização. Isso pede explicação.As terríveis condições da guerra em Flandres e no norte
da França evidentemente desempenharam um papel impor
tante para tornar o soldado britânico receptivo à idéia de
alguns dias de relativa paz. Além disso, a ameaça militar re
presentada pelos alemães afetava os britânicos de forma me
nos direta — afinal, a guerra se desenrolava na Bélgica e na
França — do que a seus aliados; por isso de novo era mais
fácil para Tommy Atkins sentir-se disposto a fazer uma pausa.Entretanto, talvez a razão mais importante para a participação
britânica na trégua de Natal tenha sido o sentido positivo do
objetivo da Grã-Bretanha na guerra.
Para os britânicos, esta guerra não tinha o fim especí
fico de negar à Alemanha uma armada, colônias ou até supe
rioridade econômica, embora as ambições alemãs nestas áreas
fossem claramente preocupantes. Nem tinha apenas o propó
sito de manter um equilíbrio de poder no continente, não permitindo que qualquer potência ganhasse força excessiva, em
bora, novamente, este fosse um permanente interesse britânico.
Não, para os britânicos esta era uma guerra com um objetivo
mais amplo. Tinha o propósito de preservar um sistema britâ
nico de ordem, nacional e internacional, que se via atacado
por tudo o que a Alemanha e sua introvertida Kultur repre
sentavam. No começo do século XX, aos olhos dos britânicos,
a Alemanha tinha substituído a França como a personificação da fluidez e da irresponsabilidade no mundo. A Grã-Bre
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tanha, por sua vez, representava o inverso: estabilidade e res
ponsabilidade. A Alemanha ameaçava não apenas a posição
militar e econômica da Grã-Bretanha no mundo mas todà a
base moral da Pax Britannica, que, como afirmavam os britâ
nicos, tinha dado ao mundo um século de paz, uma trégua
nas guerras européias generalizadas não desfrutada desde otempo da Roma dos Antoninos.
A missão britânica, fosse no mundo mais amplo, no im
pério, ou em casa no meio do seu próprio povo, consistia prin
cipalmente em aumentar o senso da virtude cívica, ensinar ao
estrangeiro e também ao britânico ignorante as regras da con
duta social civilizada, as regras para "jogar o jogo”. A missão
britânica devia familiarizar as "estirpes secundárias”, para usar
as palavras de Kipling, com "a lei”. Civilização e lei, portanto, eram praticamente sinônimos. A civilização só se tor
nava possível quando se praticava o jogo segundo regras esta
belecidas pelo tempo, pela história, pelos precedentes, o que
em conjunto equivalia à lei. A civilização era uma questão de
valores objetivos, de forma externa, de comportamento e não
de sentimento, de dever e não de capricho. "Só os seres civi
lizados podem se associar”, escreveu J. S. Mill em seu ensaio
"Civilização”.
Toda associação é conciliação; é o sacrifício de alguma
porção de vontade individual por um objetivo comum.
O selvagem não tolera sacrificar, por objetivo algum, a
satisfação de sua vontade individual.3
Embora se orgulhasse de sua tolerância social e política du
rante todo o século XIX, tendo servido de refúgio para gentecomo Luís Napoleão, Metternich, Luís Filipe e Marx, entre
outros, Londres continuava a ser uma cidade, e a Inglaterra
um país, que inequivocamente esposava uma ética de mode
ração, de reforma racional e restrição racional. A lei e as
instituições parlamentares eram o reconhecimento social dessa
ética e desse comportamento.
Se. a Alemanha era a principal nação ativista, e portanto
modernista, do mundo fin-de-siècle, a Grã-Bretanha era a principal potência conservadora. A energia destruidora da Ale-
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manha ameaçava a essência da realização britânica, que con
sistia no estabelecimento de certa parcela de lei e ordem no
mundo. Que a Grã-Bretanha mostrou em geral relativamente
pouco interesse pelas manifestações da cultura moderna é um
fatô que dispensa extensa comprovação documental. Apesar
de Virginia Woolf declarar mais tarde que a natureza humanamudou “em ou por volta de dezembro de 1910” e de Ford
Madox Ford ter a impressão de que os anos de 1910 a 1914
foram “como um mundo se abrindo”, a Grã-Bretanha em 1914
ainda era, em última análise, totalmente cética quanto aos
esforços artísticos inovadores. Ford se queixava de que “a
completa ausência de qualquer arte" parecia ser “uma carac
terística nacional” dos britânicos.4 A música e o teatro bri
tânicos estavam pouco sintonizados com os acontecimentos europeus; a pintura e a literatura apenas um pouco mais. Em
1904 a Galeria Nacional de Londres recusou a doação de um
Degas. “A pintura aqui se mantém viva, uma chama indis
tinta e bruxuleante”, escrevia Walter Sickert em 1911.
Graças a pequenos grupos de fanáticos devotados, a maio
ria com menos de trinta anos. Ou o gosto nacional des
trói esses fanáticos ou força-os a se adaptarem às regrasestabelecidas. O jovem pintor inglês que ama sua arte
acaba sob pressão irresistível produzindo a caixa 'de cho
colates de fácil consumo.5
Ainda mais surpreendentemente que no caso da França, novos
impulsos nas artes pareciam ser importados do estrangeiro.
Whistler, que Ruskin tinha acusado de “atirar um pote de
tinta na cara do público”, fora o iniciador da importante in
fluência americana; foi seguido na primeira parte do século
por Ezra Pound, T. S. Eliot e Jacob Epstein.6
Se os alemães consideravam a guerra um conflito espi
ritual, os britânicos a encaravam como uma luta para preser
var valores sociais, precisamente aqueles valores e ideais que
a vanguarda do período anterior à guerra atacara tão impla
cavelmente: noções de justiça, dignidade, civilidade, modera
ção e “progresso” regido pelo respeito à lei. Para os vitorianose até para a maioria dos eduardianos, a moralidade era uma
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questão objetiva. “As opiniões se alteram, as maneiras mudam, credos surgem e desaparecem”, declarou Lord Acton emsua aula inaugural em Cambridge, em 1895, “mas a lei moral está escrita nas tábuas da eternidade”.7 As raízes da moralidade poderiam ser investigadas de várias maneiras, mas não
havia dúvida de que os homens, principalmente através daeducação, estavam se tornando cada vez mais conscientes dadiferença entre o certo e o errado. Liberdade não era per-missividade; era um produto do saber social e da disciplina.Liberdade era trabalho duro. Liberdade não era o direito defazer p que se quisesse; liberdade era a oportunidade de fazer o que se deve. A ética era mais importante do que ametafísica. “Portanto”, escreveu J. S. Mill, “diz-se com razão
que só uma pessoa de virtude comprovada é completamentelivre”.8 A liberdade inglesa não era uma doutrina de direitos,mas de deveres.
Para os alemães, o foco da explicação da guerra estavadirigido para dentro e para o futuro. Thomas Mann considerava a guerra a libertação em relação a uma realidade apodrecida. Sobre o velho mundo, ele perguntava: “As pragas damente não o infestavam como larvas? Ele não estava fermen
tando e exalando o fedor da matéria decadente da civilização?”Para Mann, esta guerra e a sua arte eram sinônimos; ambassignificavam uma luta por liberdade espiritual.9 Para os britânicos, por outro lado, o foco era social e histórico.
Sede os hômens que tendes sido,Tende os filhos que vossos pais tiveram,E Deus salvará a Rainha.10
Para os britânicos a guerra era uma necessidade prática, umsentimento captado pelo slogan “negócios como de costume”.Como um soldado disse numa carta a seus pais em 1- deoutubro de 1914:
Estamos apenas no começo da luta, me parece, e a cadahora devemos lembrar a nós mesmos que é nosso grande
privilégio salvar as tradições de todos os séculos passados.É uma grande oportunidade, e não devemos poupar es
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forços para aproveitá-la, pois, se falharmos, nós nos amal
diçoaremos amargamente pelo resto de nossas vidas, e
nossos filhos desprezarão nossa memória.11
Para os alemães era uma guerra para mudar o mundo; para
os britânicos era uma guerra para preservar um mundo. Osalemães eram impelidos por uma visão, os britânicos por um
legado.
O soldado britânico comum não tinha dúvida a respeito
de quem era responsável pela guerra. O soldado raso Patten-
den, do 1? Batalhão de Hants, desembarcara na França em
23 de agosto, fora lançado na batalha três dias depois e desde
então tinham-no feito marchar de um lado para o outro, de
modo que no início de setembro, com os pés inchados e purulentos, não conseguia mais caminhar e apenas se arrastava.
Entorpecido pela fadiga, sede e fome, atordoado pelos hor
rores que tinha visto, e totalmente descrente de seus oficiais,
ele pegou seu diário pessoal em 5 de setembro e rabiscou:
Eles nos disseram que nossas marchas foram estratégicas,
tudo mentira, não passam de uma retirada completa, e
durante duas semanas tivemos de fugir, porque temosmedo de ser inteiramente sobrepujados e vencidos; e
agora se formos atacados. . . não poderíamos correr nem
dez metros, o resultado seria uma carnificina.12
Entretanto, apesar da fadiga e da depressão, a consciência do
objetivo não esmorecia. Durante a batalha do Marne, Patten-
den tirou alguns momentos para anotar:
Oh, é terrível, ninguém pode imaginar a guerra enquanto
não está no meio dela, todo ser vivo sofre com isso. . .
Maldito seja o kaiser para sempre, que nunca mais con
siga dormir em paz, o fanático louco, que nunca encon
tre descanso nem mesmo depois da morte. . . Temos de
acabar com ele, pois, caso contrário, nunca estaremos
seguros.
Esta consciência do objetivo não seria afetada pelos sofrimentos dos meses seguintes, e as opiniões eram mais ou menos
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cavaleiro cristão. O culto dos jogos se espalhou das escolas
públicas para as universidades e daí para mais além. Na se
gunda metade do século XIX o futebol, o rúgbi e críquete
deixaram de ser apenas passatempos, e tornaram-se uma pai
xão para os britânicos. Os mineiros de carvão, os operários
das fábricas e as classes trabalhadoras em geral sentiam-se particularmente atraídas pelo futebol, ou soccer , porque tudo
que era necessário era um objeto para chutar. As classes mé
dia e alta desenvolveram uma predileção pelo críquete, que,
com suas associações bucólicas, veio a ser um veículo capaz
de transpor muitos dos mitos da Alegre Inglaterra para a mo
derna paisagem industrial e também para o império. Mas am
bos os jogos despertavam o interesse da sociedade em geral.
A Comissão Clarendon de 1864 insistia em que
cs campos de futebol e críquete. . . não são apenas lu
gares de diversão; ajudam a formar algumas das mais
valiosas qualidades sociais e virtudes viris, e conservam,
como a sala de aula e a pensão de estudantes, um lugar
distinto e importante na educação escolar pública.13
Nas décadas de 1870 e 1880 as escolas começaram a con
tratar profissionais para serem treinadores. Em Marlborough,
o críquete chegou a rivalizar com os clássicos na atenção de
mestres e de alunos; em Radley os campos esportivos eram
objeto de tanta devoção quanto a capela. O diretor de Loretto,
H. H. Almond, insistia em dizer, em 1893, que o futebol “só
produziria bons resultados”, proporcionando “uma educação
naquele espírito de cavalheirismo, honestidade e boa índole”.14Os esportes, portanto, deviam servir a um objetivo não
só físico, mas também moral; deviam encorajar a autoconfian
ça e o espírito de grupo; formar o indivíduo e integrá-lo no
grupo. “O atletismo não é um baluarte pouco importante da
constituição”, ponderou Charles Box, cronista de críquete, em
1888. “Ele não simpatiza com niilismo, comunismo, nem com
qualquer outro ‘ismo’ que vise a produzir a desordem nacio
nal.”15 Ao contrário> o esporte desenvolvia a coragem, a determinação e o espírito público; como o Times escreveu na
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segunda-feira depois da final do futebol inglês de 1899, o
esporte era de grande valia "nas batalhas da vida”.16
Por volta do fim do século o culto dos esportes tinha
atingido todos os segmentos da sociedade. Toda conversa en
treouvida num passeio à noite por uma cidade industrial. pa
recia conter "um pouco de crítica ou vaticínios de futebol”. No reino de Eduardo multidões de 100 mil pessoas assistiam
às finais de futebol no Palácio de Cristal. Para uma grande
maioria, o interesse pelos esportes até fazia sombra ao inte
resse pela política. G. K. Chesterton brincou em 1904 ao di
zer que o jogador de críquete C. B. Fry "nos representa muito
melhor do que o Sr. Chamberlain”. E uma caricatura em
Punch antes da guerra mostrava um trabalhador apontando
para o seu representante no Parlamento — os membros doParlamento começaram a ser remunerados em 1911 — e di
zendo: "Gente como n ó s ... tem de pagar a ele 400 libras
por ano. Fico louco só de pensar que poderíamos ter dois
zagueiros de primeira classe pelo mesmo dinheiro.”17
Talvez o poema mais famoso dos últimos tempos da era
vitoriana e eduardiana tenha sido "Vitai Lampada” de SirHenry Newbolt, escrito em 1898:
Há um silêncio ansioso no pátio esta noite —
Marcar dez pontos e ganhar o jogo —
Um campo irregular e uma luz ofuscante,
Uma hora de jogo e o último homem a entrar.
E não é por amor a um casaco cheio de fitas,
Ou a esperança egoísta de fama por uma temporada,
Mas pela mão do Capitão batendo em seu ombro:
“Avante! Avante! e siga as regras do jogo!"
A estrofe seguinte transportava a mentalidade esportiva, junto
com os campos de jogos de Eton, para os postos avançadosdo império.
A areia do deserto está empapada de vermelho —
Vermelho do quadrado que se rompeu;
A Gatling engasgou, o Coronel está morto, E o regimento cego de poeira e fumaça;
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O rio da morte está cheio atê a borda,
A Inglaterra está longe, e a Honra é um nome;
Mas a voz de um colegial refaz as fileiras:
<(Avantel Avante! e siga as regras do jogo!,f
“Seguir as regras do jogo!” É disto que trata a vida.Decência, fortaleza, firmeza de caráter, civilização, cristianismo, comércio, tudo se mistura numa coisa só: o jogo.
Quando Kipling, em seu estado de espírito mais amargo,frustrado pela guerra na África do Sul e depois pela mortede amigos como Cecil Rhodes, expressou sua melancolia na-quela extraordinária meia-volta, que é o poema "The Islanders”,de 1902, não encontrou imagem mais apropriada para o des
prezo que sentia pelos britânicos do que a dos esportes:
. . . contentastes vossas almas • com os tolos enflanelados no wicket* e os imbecis
[enlameados nos gols.
No final de julho de 1914, temendo que "alguma terrível e brutal justiça” pudesse fazer os britânicos pagar por anos de
"estupidez e vulgaridade materialistas”, Henry James lembrou-se dos versos de Kipling. James escreveu:
Se algo muito ruim de fato acontecer ao país, não seconta com nada parecido com a inteligência francesa parareagir — pois o tolo enflanelado no wicket, o imbecilenlameado e tutti quanti representam grande parte denossa inteligência preferida.13
Se o sarcasmo expresso por Kipling e James não era partilhado por muitos na Grã-Bretanha, as metáforas usadas paracaptar a essência do caráter britânico eram. Rupert Brooke, oesteta dos estetas, também recorreu às imagens esportivas paracomemorar a resposta britânica à guerra, quando esta foi deflagrada, comparando os jovens soldados a "nadadores mergulhando em água clara”.19
* Wicket é a meta no críquete.
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Com este espírito os britânicos entraram na guerra, e
com este espírito continuaram a lutar por algum tempo, Foi
certamente com este espírito que a maioria participou da tré
gua de Natal. A guerra era um jogo, mortalmente sério, sem
dúvida, mas,, mesmo assim, um jogo — “tudo muito divertido”,
como Rupert Brooke e tantos outros continuavam a dizer emsuas cartas aos familiares.20
Uma carta narrando os acontecimentos de Natal no front
do 6° Batalhão Gordon contou como de repente apareceuuma lebre:
Imediatamente os alemães saíram em disparada das suas
trincheiras e os ingleses das deles, e uma coisa maravi
lhosa aconteceu. Era como um jogo de futebol, a lebresendo a bola, os alemães de túnicas cinzentas de um lado,
e os “Jocks” de saiote do outro. O jogo foi ganho pelos
alemães que capturaram o prêmio; Mas obteve-se algo
mais do que uma lebre: uma súbita amizade havia se
estabelecido, a trégua de Deus fora invocada, e durante
o resto do dia de Natal não se deu nenhum tiro aolongo de nosso, setor.21
Neste caso, o espírito esportivo recebe o crédito de ter pro
duzido a trégua, e fica sem dúvida a sugestão de que se to
dos os homens respeitassem as regras do jogo não haveria
guerra. Alguns dos alemães que haviam passado algum tempo
na Inglaterra — e o seu número era surpreendente — tinham
claramente adquirido a paixão inglesa. O cabo provisório Hines
do Batalhão de Fuzileiros da Rainha, de Westminster, regis
trou que um alemão lhe disse num inglês incorreto: “Bomdia, senhor; moro em Alexander-road, e gostaria de ver Wool-
wich Arsenal jogar com Tottenham amanhã.”22
Jerome K. Jerome, autor do livro de enorme sucesso,Three Men in a Boat, pegou a idéia de que o espírito espor
tivo era a essência da civilização e exortou os alemães a tra
tarem a guerra como “O Maior de Todos os Jogos”:
Vamos, cavalheiros, façamos dela uma competição honrada que deixe atrás de si a menor amargura possível.
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Se não podemos fazer dela um belo jogo, que ao menosnos sintamos melhor por termos seguido as regras até ofim. Depois voltaremos todos para casa com a mente maislimpa, a vista mais clara, e mais bondosos uns' para comos outros em razão do sofrimento. Vamos, cavalheiros,
vocês acreditaram que Deus os convocou para difundira cultura alemã pelo mundo afora. Estão prontos a morrer
por sua fé. E nós acreditamos que Deus tem um uso qualquer para a coisa chamada Inglaterra. Bem, decidamos
pela luta. Não parece haver outra maneira. Vocês porSão Miguel, e nós por São Jorge; e que Deus esteja comnós ambos.
Mas não percamos nossa humanidade comum no con
flito. Esta seria a pior de todas as derrotas: a única derrota que realmente importaria, que seria realmente duradoura.
Chamemos isso de jogo. Afinal, que outra coisa seria?23
Como Jerome sugeria, o importante era o espírito do jogo.Ganhar ou perder era secundário. Se o espírito estava correto,o jogo seria uma vitória para todos. Neste mesmo espírito,
um artilheiro britânico, numa carta aos familiares, descreveuo que chamou de “o maior dos espetáculos”. Referia-se à perseguição de um único avião alemão Taube por dezesseisaviões franceses e britânicos. Para o artilheiro britânico, omais emocionante foi que o alemão conseguiu se safar! “Nóso aplaudimos, pois as condições lhe eram adversas; devia serum grande sujeito.” Esta carta foi publicada no Scotsman deEdimburgo no início de janeiro.
À medida que a guerra se prolongava, tais sentimentosdesapareciam. Se de fato- afloravam em certas ocasiões, certamente nunca chegavam a ser publicados na seção de cartas dos
jornais. Embora mais tarde alguns oficiais tentassem incitarseus homens a atos de bravura, como controlar bolas de futebol pela terra de ninguém durante um ataque — o exemplomais famoso foi o do capitão W. P. Nevill no Somme em1916 —, esses incidentes foram casos isolados. Nevill, que
foi abatido poucos minutos depois do chute inicial em 1- de julho de 1916, era lembrado por um de seus companheiros
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como “o bufão do batalhão”.24 Roland D. Mountfort, que so
breviveu, apenas com um ferimento no ombro, ao ataque in
frutífero a Pozières no primeiro dia do combate junto ao
Somme, relatou os acontecimentos do dia à sua mãe e achou
necessário acrescentar: “Não controlávamos bolas de futebol,
nem dizíamos ‘Por este caminho até Berlim, rapazes’ ou qualquer outra das frases empregadas semanalmente no News of
the World.”25 Com o prolongamento da guerra, o espírito es
portivo, e quem sabe até o vocabulário esportivo, que era tão
arraigado, esmoreceria, mas no Natal de 1914 este espírito
ainda era forte.
O culto dos esportes podia, é claro, ser levado a extre
mos, e então o tiro às vezes saía pela culatra. Em Magdeburg
cinco oficiais britânicos, que eram prisioneiros de guerra, foram condenados pouco depois do Natal a oito dias de confi-
namento, por jogarem futebol com pães pretos. Para os britâ
nicos, que souberam do incidente através da imprensa, o com
portamento de seus soldados representava o espírito indomável
de Tommy Atkins; para os alemães, essas extravagâncias eram
o cúmulo da insolência e vindo, como era o caso, de solda
dos, até mais vergonhosas do que a guerra de pãezinhos entre
colegiais e outras brincadeiras afins.26Gustav Riebensahm também sentia que o fetiche espor
tivo deslustrava os britânicos. Em 26 de dezembro escreveu
em seu diário:
Corre o boato de que os ingleses teriam dito ao 53? Re
gimento que estavam extremamente agradecidos pela tré
gua, porque tinham simplesmente de voltar a jogar fu
tebol. Todo esse assunto está se tornando ridículo e deveter um fim. Combinei com o 55? Regimento que a trégua
terminará esta noite.
Não só os alemães mas também os franceses zombavam às
vezes das atitudes britânicas. Os britânicos simplesmente não
levavam nada a sério. “Consideram a guerra um esporte”, quei
xava-se Louis Mairet. São “calmos demais e propensos a uma
atitude dex ‘quem-se-importa?’ ,,2? Mesmo depois da guerra osfranceses recordariam o espírito esportivo britânico com irri
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tação e aludiriam a essa atitude como uma expressão de Végóis- me anglais.28
Não é surpreendente que as organizações esportivas tenham sido importantes no recrutamento de voluntários. Nofinal de 1914 mais de meio milhão de voluntários tinham seapresentado através dessas organizações.29 Até se formou umBatalhão de Futebolistas, conhecido oficialmente como o 17°Batalhão do Regimento de Middlesex, ou “os Extremados”.Os astros do futebol deviam dar o exemplo para a juventude
britânica. Á história do 17° de Middlesex dá uma idéia dodestino do espírito esportivo britânico nesta guerra. Inicialmente o batalhão ficou na Inglaterra para fazer jogos de exi bição pelo país e convocar recrutas com apelos, no intervalo,ao patriotismo dos espectadores, más em novembro de 1915 aunidade foi enviada à França para ali se incorporar a umregimento. O Ministério da Guerra tinha decidido que o moraldas tropas na Frente Ocidental precisava de reforço. Na França,o batalhão recebeu realmente algum treinamento de combate,mas no começo passou a maior parte do tempo jogando futebol. Entretanto, em junho de 1916, devido à necessidade dehomens, mas também para servir mais uma vez como exem
plo, a unidade entrou finalmente em combate em Vimy Ridge.As baixas ali e mais tarde em Beaumont Hamel no Sommeforam extremamente elevadas, e estas dizimaram o batalhão.Em dezembro de 1916, no final da Copa de Futebol das Divisões, o 17° de Middlesex, que usualmente derrotava seusadversários com resultados espetaculares, conseguiu ganharda 34* Brigada por um escore de apenas 2 a 1, indicação donúmero de talentos futebolísticos que a guerra já tinha aesta altura destruído. Em fevereiro de 1918 o batalhão foifinalmente dissolvido. Num ou noutro período antes dessa datamais de duzentos futebolistas tinham pertencido ao batalhão;agora restavam apenas uns trinta.30
Muitos soldados britânicos que tinham opiniões definidassobre os alemães, adquiridas em grande parte numa imprensaque fora bastante antigermânica mesmo antes da guerra, te
riam considerado inteiramente fútil o apelo de Jerome K. Je-rome a um mútuo espírito esportivo. O alemão, retratado como
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butida na confraternização tinha feito progressos: "Ambos os
lados seguiram as regras do jogo”, escreveu no diário do ba
talhão, “e eu sei que este Regimento [referia-se ao 15? de
Riebensahm] aprendeu de alguma forma a confiar na pala
vra de um inglês”.35 O cabo provisório Hines dos Fuzileiros
da Rainha de Westminster teve uma reação semelhante. Ficoucom pena de ser substituído no primeiro dia útil depois do
Natal, "pois poderíamos ter melhorado ainda mais nossas boas
relações com o inimigo”.36 Em vista desta observação e de
sentimentos presumivelmente semelhantes entre os soldados
franceses que tomaram parte na confraternização, o comentá
rio de um manual de propaganda francesa, publicado em 1915,
assume particular ironia. Destinado ao consumo interno, o ma
nual minimizava os perigos da guerra de trincheira e assinalava seus confortos e prazeres, e nesse contexto observava que
os poilus* relutavam em sair de licença depois das comemo
rações de Natal de 1914 porque tinham se divertido muito
no front.37
Em outros casos, a missão civilizadora britânica experi
mentou reveses, reveses associados principalmente às unidades
prussianas. Em várias áreas os saxões acusaram os prussianos
de romper a trégua atirando no inimigo confiante. Os saxõesque se encontravam diante dos Fuzileiros de Westminster dei
xaram claro que não confiavam nos prussianos, pois estes, como
diz o registro no diário do regimento dos Fuzileiros, não "jo
gariam limpo” na mesma situação. Os saxões do lado oposto
aos soldados do North Staffordshire avisaram que os prussia
nos à direita eram "sujeitos detestáveis”. No primeiro dia
útil depois do Natal um dos oficiais saxões apresentou seus
cumprimentos ao oficial da mesma hierarquia dos North Staffse pediu polidamente que se dessem ordens para que os sol
dados britânicos mantivessem as cabeças abaixadas depois do
meio-dia: "Somos saxões; vocês são anglo-saxões; a palavra
de cavalheiro significa para nós o mesmo que para vocês.”38
Aqui estava a prova de que pelo menos alguns alemães sa
biam seguir as regras do jogo.
Nome dado aos soldados franceses na Primeira Guerra Mundial.
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Mas outros não sabiam, e era necessário ensinar-lhes asregras da civilidade como se fossem colegiais. O Daily Mail
publicou uma carta extraordinária no último dia do ano, relatando uma luta de bolas de neve entre as trincheiras britânicas e alemãs, em que os envolvidos chegaram ao ponto de
ficar apenas a uns cinqüenta metros de distância uns dos outros. Tudo supostamente começou com um alemão corpulentoque atou uma bandeira na extremidade de seu fuzil, sacudiu-ade um lado para outro acima de sua trincheira e, tendo atraídoa atenção, gritou com uma voz retumbante: “Vocês estão tãocheios desta guerra quanto nós?” “Isto provocou muitas brincadeiras”, contava a carta do Daily Mail, “como atirar tabacoe chocolate uns nos outros, e terminou com uma disputa de
bolas de neve”. As relações, entretanto, “tornaram-se um pouco difíceis”, quando um alemão “colocou uma pedra numadas bolas de neve e atingiu com ela o olho de um soldado
britânico”. Ê claro que, em sintonia com esta atmosfera colegial, seguiram-se protestos e queixas e lamúrias até que oculpado pediu desculpas e “assim tudo ficou bem de novo”.39
SÍNTESE VITORIANA
O que sugerimos aqui é que havia uma estrutura mental comum às eras vitoriana e eduardiana. É claro que nenhuma dasduas foi uma época de certezas, a última ainda menos do quea primeira, mas ambas foram épocas à procura de certezas.
Apesar de toda a nossa atenção ao movimento e ao questionamento moral que eram abundantes — e nossa visão da eraeduardiana em particular foi recentemente dominada por estaidéia de transição —, não deveríamos perder de vista o queunia as duas eras: o desejo de valores fixos, a crença de quea experiência deveria ser subserviente à ordem. O inimitávelvitoriano Samuel Smiles resumiu esse anseio numa fórmulaexpressiva: “Um lugar para cada coisa, e cada coisa no seu
lugar.” Este era um anseio que não era menos forte na Grã-Bretanha depois da virada do século do que antes. O livro
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básico de Smiles, guia para a retidão moral e o sucesso, Self-
Help, publicado em 1859, vendera mais de duzentos e cin-
qüenta mil exemplares por volta de 1900.
A estrutura mental implicava naturalmente um código so
cial, uma combinação de valores sociais e éticos. Este código
não era imutável, e descrevê-lo como “burguês”, “vitoriano”ou “eduardiano” é reduzi-lo a um rótulo que deturpa. Mas
negar a existência de uma moralidade ou código social pre
dominante, que de um ou de outro modo atingia a maioria
dos cidadãos independentemente de classes ou posição social,
negar que a experiência era compartimentada em categorias
e prioridades de bom e mau, certo e errado, seria igualmente
deturpador. O código social assemelhava-se a um átomo com
seus componentes em constante movimento e numa relaçãosempre mutável entre si, mas existia, apesar de muitas exce
ções e anomalias .manifestas. Na verdade, as exceções e ano
malias realmente reforçavam o poder do código, ao tornarem
o público mais consciente da necessidade de decoro.1
Sem remontar à conquista romana ou ao campo de ba
talha de Hastings, pode-se afirmar que a realidade insular da
Grã-Bretanha, a centralização gradativa da autoridade política,
especialmente nos séculos XVII e XVIII, a disponibilidade decanais de comunicação moderadamente bons por mar e poruma rede de rios navegáveis, e a importância de Londres como
centro de autoridade política, econômica e cultural, tudo isso
encorajava o surgimento de um sentimento nacional de iden
tidade. Quando os sistemas de comunicação se aperfeiçoaram
— com o advento da ferrovia, do telégrafo e do navio a va
por — e quando a urbanização se expandiu, este sentimento
de identidade se estendeu a segmentos mais amplos da população. Mas talvez a influência mais importante no desenvol
vimento de uma visão da ordem social baseada em valores
comumente aceitos tenha sido o crescimento do protestantismo
e da leitura da Bíblia, especialmente depois do grande movi
mento de revivescimento religioso no começo do século XIX.
Por volta do final daquele século, uma visão compartilhada
da ordem social já vigorava num amplo espectro da sociedade.
Esta visão e os valores a ela associados não foram im postos através do imperialismo social, mas surgiram do am-
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biente religioso e, onde este não era suficiente, de condiçõessociais e econômicas desenvolvidas. É geralmente aceito que,^no final da era vitoriana, a maioria da população britânica jánão tinha de lutar apenas para subsistir. Na maior parte doscasos fora alcançada uma certa margem de conforto, por me
nor que fosse. Aumentava o consumo de carne em vez de pão, de leite e ovos em vez de apenas batatas. Em anos recentes, antes da virada do século, tinha havido ufn aumentoconstante nos salários reais, um declínio no tamanho das famílias, uma queda no consumo de álcool e a adoção das primeiras medidas de bem-estar social. O arcediago Wilson, diretor de Clifton College, observou num discurso ao Clube dosTrabalhadores de St. Agnes em 1893:
Ao escrever a história do povo inglês neste período, umfuturo historiador talvez deixe de lado o progresso legislativo e até comercial e científico da época para se concentrar no extraordinário movimento social que, atravésde milhares de expedientes, se empenhou em criar umaunidade de sentimento entre classes diferentes e em com bater condições de vida que gerações anteriores parecem
ter tolerado.2Como Robert Roberts afirmou em seu estudo sobre a vida daclasse trabalhadora em Salford, às vésperas da Primeira GuerraMundial, os valores associados principalmente à classe médiatinham impregnado as camadas mais baixas, que desejavam,segundo Roberts, "nada mais do que serem 'respeitosas e res
peitadas’ aos olhos dos homens”.3 A respeitabilidade talvezfosse a característica principal do clima social e moral deste
período na Grã-Bretanha. Ser ou não ser respeitável era umcritério de aceitabilidade social mais importante do que ariqueza ou o poder. Prudência, seriedade e fervor moral constituíam sinais necessários de respeitabilidade, e seguindo osensinamentos do evangelismo e do utilitarismo, de John Wesley,Jeremy Bentham e J. S. Mill, o dever veio a ser incluído nacategoria do prazer, e a virtude na da felicidade.
É claro que existia um sentimento eduardiano de crise,estimulado pela atividade das sufragistas, pela inquietação tra
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balhista, pela oposição ao papel da aristocracia no processolegislativo e pela preocupação com o futuro da Irlanda. Naagitação que cercava cada um desses problemas muitos viamum desafio ao império da lei. Qualquer referência na Grã-Bretanha à guerra no verão de 1914 era considerada alusão
à possibilidade de luta civil na Irlanda e não ao envolvimento britânico no conflito do continente. Nas obras escritasno final do período vitoriano e eduardiano, um sentimento dedecadência impregna a imaginação literária. Como um jovemque dava os primeiros passos como escritor, J. B. Priestley escrevia poesia sobre desastres e aniquilamento sem saber porquê: “Hoje à noite acho que o mundo está morrendo.”4 Alémdisso, muita excitação intelectual era criada na Grã-Bretanha
por pessoas como G. B. Shaw e H. G. Wells, sem falar naagitação causada pelos Aubrey Beardsleys e Oscar Wildes.Mas, apesar do pressentimento de ruína, e não obstante umacerta efervescência intelectual e artística, o conformismo, acomplacência e até a presunção estavam mais firmemente esta
belecidos na Grã-Bretanha do que na França, sem falar daAlemanha, Itália, Áustria-Hungria ou Rússia. Quanto aos valores e julgamentos sobre questões da decência, da família,da ordem social e política e da religião, os eduardianos eramextensões dos vitorianos. A única diferença residia no fato dehaver no período mais recente maior ameaça de mudança e umsentimento mais forte de desafio.
Depois do início do novo século esta ameaça de mudançaveio a ser identificada principalmente com a Alemanha. AAlemanha representava o novo, o diferente, o perigoso. Neste
papel ela tinha substituído a França. A profusão de histórias
de invasão centradas nos alemães, que foram transformadasem grandes sucessos literários e teatrais na primeira décadadeste século — notadamente a peça An Englishman*s Home de Major Guy du Maurier —, evidencia este medo de mudança e a identificação desta mudança com a Alemanha.
Uma parábola, narrada em The New Statesman em 1913,contava que o passageiro de um trem expresso que havia feitouma parada inesperada numa estação suburbana decidiu des
cer do trem. “Você não pode descer aqui”, disse o condutorao passageiro, que já estava na plataforma. “Mas”, veio a res-
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posta, “eu desci”. “O trem não pára aqui”, insistiu o con
dutor. “Mas”, disse o ex-passageiro, “ele parou”.5 O crítico
e poeta Gerald Gould usou esta história para ilustrar seu
ponto de vista sobre a posição privilegiada do artista em re
lação à moralidade, mas outra idéia igualmente importante
que se poderia extrair da história é que os demais passageiros,companheiros do rebelde, não compreenderam a sua inicia
tiva, nem muito menos a seguiram. Essa interpretação da
parábola certamente se aplicava ao público britânico.
AINDA HÁ MEL PARA O CHÁ?
No final de julho de 1914 Rupert Brooke, alarmado com a
intensificação da crise européia, escreveu a seu amigo Edward
Marsh: “E espero que a Inglaterra possa agir corretamente.”
Mas o que queria dizer “agir corretamente”? Uma outra carta,
alguns dias mais tarde, na qual Brooke descrevia um passeio
pelo campo, sugeria, de modo geral, a sua própria resposta
a #esta pergunta:
Sou um homem de Warwickshire. Não me fale de Dart-
moor, de Snowden, do Tâmisa ou dos lagos. Conheço o co
ração da Inglaterra. Tem um aspecto confinado, lépido,
generoso, ondulante. Campos diminutos sobem e descem
as pequenas colinas, e todas as estradas serpenteiam" com
prazer. Há um espírito de rara simplicidade nas casas e
na paisagem, telúrico, nada excêntrico mas esquivo, vi
çoso, campeiro, alegremente gentil. . . Sobre a Califórnia,os outros Estados da América têm este dito: “Flores sem
perfume, pássaros sem canto, homens sem honra e mu
lheres sem virtude” — e pelo menos três das quatro par
tes desse ditado sei muito bem que são verdadeiras. Mas
Warwickshire é o exato oposto de tudo isso. Aqui as
flores recendem a céu; não há cotovias como as nossas,
nem rouxinóis; os homens pagam mais do que devem;
e as mulheres têm muita e admirável virtude, e isso, veja bem, de modo algum pela simples ausência de tentação.
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Em Warwickshire há borboletas o ano todo e uma lua
cheia todas as noites. . . Shákespeare e eu somos caipiras.
Que terra!1
Consciente de seu sentimentalismo, disse em seguida: “Isto
é tolice”, mas quando se procurou localizar alguns dos ingredientes contidos em seus versos talvez mais famosos —
sua referência a
. . . algum recanto de um campo estrangeiro
Que é para sempre Inglaterra
não se tratava evidentemente de tolice.
Esta Inglaterra era um país de honra, virtude e dever,no qual se fundira uma visão de mundo aristocrática e de
classç, média, no qual o império e o esporte, a honestidade
e a ^estabilidade social faziam parte de um todo indivisível.
Esta era uma sociedade para a qual a aventura alemã era
uma ameaça revolucionária, uma ameaça à segurança, à pros
peridade e à integridade. Era uma ameaça à paisagem de
Wessex dos romances de Hardy, ao rapaz de Shropshire da
imaginação de A. E. Housman e ao Sr. Badger de The Wind in the Willows de Kenneth Grahame, que tinha construído
sua casa sobre os restos de uma antiga civilização.
. . . oh! ainda
são dez para as três no relógio da igreja?
E ainda há mel para o chá?
Estes versos de “The Old Vicarage, Granchester”, RupertBrooke tinha escrito ironicamente em Berlim, num café, em
maio de 1912. Ele morreria durante a campanha de Gallipoli
de 1915 no dia de São Jorge, o mesmo dia em que Shakespea-
re e Wordsworth morreram.
Desde o início a guerra para a Grã-Bretanha não tinha
nada a ver com território, quer nos Balcãs ou na Bélgica. A
invasão da França era uma ameaça estratégica muito mais
séria para os britânicos do que a invasão da Bélgica, mas, publicamente, foi por causa da “pobre pequena Bélgica” que
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o governo britânico declarou guerra e mobilizou sentimentos.
Desde o início esta foi para os britânicos uma guerra em
torno de valores, em torno da civilização, do espírito espor
tivo, e especialmente da relação do futuro com o passado. Co
mo Lloyd George disse em seu discurso no Queen’s Hall, em
19 de setembro de 1914:
Há gerações temos vivido num vale protegido. Nossa
posição tem sido confortável demais e indulgente demais...
e a mão dura do Destino nos flagelou, obrigando-nos a su
bir a uma elevação de onde podemos ver as grandes
questões eternas que importam para uma nação — os
grandes picos que havíamos esquecido, a Honra, o De
ver, o Patriotismo, e, coberto de um branco resplandecente, o grande pináculo do Sacrifício apontando, como
um dedo severo, para o Céu.2
Um segmento da população, particularmente a juventude, con
siderava a guerra uma aventura bem-vinda, e sua razão para
apoiar o conflito não diferia da dos alemães: a guerra seria
um caminho para o futuro, o progresso, a revolução, a mu
dança. Na Grã-Bretanha também havia no ar um certo mile-narismo. Podem-se encontrar elementos disso em Rupert
Brooke, Herbert Read, Charles Sorley e outros jovens estetas.
Mas, para a maioria das pessoas na Grã-Bretanha, a guerra
se destinava a preservar e restaurar valores.
Tal era, portanto, o pano de fundo britânico para a tré
gua de Natal. De um ponto de vista prático havia boas razões
para adiar a guerra até que o campo voltasse a oferecer con
dições de jogo, mas o mais significativo é que foi o idealmais amplo — de que o cavalheiro britânico deve mostrar o
seu valor — que levou os britânicos a pularem de suas trin
cheiras para a terra de ninguém.
Mas por que os alemães se juntaram a eles em tão grande
número? O que se deve notar, em primeiro lugar, sobre a
participação alemã é que ela foi mais elevada entre os não-
prussianos, entre os bávaros e os saxões em particular. Vimos
a tensão que existia entre estes homens e os prussianos. Ossoldados bávaros e saxões vinham de territórios com forte
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identidade regional; para eles, como no caso dos britânicos,a história não se subordinava a uma visão do futuro, o quese dava com tantos prussianos. Embora regimentos prussianostambém tenham participado da confraternização, não parecemter se envolvido em tão grande número, nem com tanto entu
siasmo, quanto as unidades não-prussianas. A busca alemãde modernidade era liderada pela Prússia. A trégua de Natalde 1914 foi, ao contrário, uma celebração da história e datradição.
Internamente, em todos os países beligerantes as notícias da confraternização foram recebidas com sentimentos contraditórios. Os britânicos foram de longe os mais abertos arespeito da trégua. A imprensa na Grã-Bretanha publicou sem
censura cartas descrevendo o acontecimento. O Daily Mail até publicou, em 5 de janeiro de 1915, duas fotografias que mostravam um soldado francês e um alemão enchendo juntosos baldes num poço e depois caminhando de volta às suas res
pectivas trincheiras. A manchete no alto da página dizia:FOTOGRAFIAS EXCLUSIVAS DA TRÉGUA NÃO-OFICIAL. Alguns editores, ao pagarem a correspondentes porcartas descrevendo a vida nas trincheiras, podem de fato ter
contribuído para uma certa incidência de hipérbole e, emalguns casos, de franca invenção. Os jornais certamente emitiam suas opiniões sobre o significado da trégua, e os clérigos na Grã-Bretanha discutiam suas implicações do alto dos púlpitos. A conclusão aceita na maioria dos grupos era de quea guerra devia lamentavelmente continuar. O desafio alemãodevia ser enfrentado. A guerra não girava em torno de questões territoriais mas em torno de valores: não se podia sim
plesmente ceder ao egotismo alemão.Os franceses, ao contrário, censuravam toda referência àconfraternização. A imprensa não tinha permissão de publicarqualquer relato dos acontecimentos, nem mesmo extraído de
jornais estrangeiros. Em vez disso, elevou-se na imprensafrancesa a estridência em torno do período de Natal. MauriceDonnay da Academia Francesa entregou um artigo sobre o
'Natal a Le Figaro, o qual foi publicado na primeira página
no último dia de 1914. Intitulava-se "La Sainte Haine” ("Oódio sagrado”). Um artigo dò dia anterior comççava com
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as palavras: "Nenhum alemão abre a boca ou empunha a pena sem mentir.” O folheto La Vie de tranchée* publicadoalguns meses mais tarde, indicava como a frente interna naFrança estava alheia aos eventos da guerra. Em seu retratoda vida nas trincheiras trazia uma história sobre as relações
anglo-alemãs na linha de frente. Os britânicos, afirmava, gostavam de cantar'em coro à noite nas trincheiras. Os alemãesficavam supostamente encantados com esse concerto e gritavam wunderbar schönl
E aí esses porcos também querem cantar, e era precisoouvir os gritos que os saúdam: cães, gatos, tigres. . . suasvozes também são abafadas com muitos berrçs de "Ca
lem a boca!”
Enfurecidos com o insulto, os alemães começam a atirar.. Osingleses, por sua vez, morrem de tanto rir. É assim que se passam as noites no front , afirmava La Vie de tranchée —com muito divertimento!3 A mesma mentalidade que produzia esse tipo de ficção assegurava que todo alemão era ummentiroso.
As autoridades alemãs permitiram que a imprensa nacional falasse sobre a trégua por alguns dias. O órgão socialistaVorwärts demonstrou curiosidade pelo assunto e publicou omaior número de informações a respeito. A imprensa liberalde Berlim também tratou do curioso tema. Mas de repenteas autoridades militares proibiram qualquer outra referênciaao assunto.
Ordens severas foram dadas às tropas de todos os exércitos, avisando que a repetição de tais incidentes teria drás
ticas repercussões; e como os quartéis-generais de cada exército levaram a questão avante por algum tempo, procurandonomes e toda informação existente, os soldados tornaram-secautelosos quanto a outros contatos com o inimigo. No entanto, incidentes esporádicos de confraternização continuarama acontecer durante todo o ano de 1915. E em novembro daquele ano houve tréguas, embora a ativa confraternização
* Vida nas trincheiras.
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SEGUNDO ATO
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IV
RITOS DE GUERRA
Ó espinheiro dos frutos vermelhos, o que nos trará a primavera?
R i c h a r d D e h m e l
“O combatente”. Natal de 1914
... Mas muitos ali se detiveram
A fitar o céu hirto, vazio além da serra,Sabendo que seus pés tinham chegado ao fim do mundo.
WlLFRED OWEN “Ofensiva da Primavera”
Muitas vezes durante a guerra científica, química, “cubista”, .nas noites que os reides aéreos tornavam
terríveis, pensei em Le Sacre. . . fACQUES-ÉMILE BLANCHE
O BALÉ DA BATALHA
A barragem da artilharia é ensurdecedora. Quando o ar estácalmo, o alarido pode ser ouvido fracamente em Londres eParis. Às vezes o troar dos canhões dura dias. Em junho de1916, no Somme, continua sem parar durante sete dias e noi
tes. Artilharia de campanha, artilharia média e pesados morteiros. O canhão com calibre de trinta e oito centímetros dos
britânicos pode lançar um projétil de seiscentos e trinta ecinco quilos. O "Grande Bertha” dos alemães, com um cali
bre de quarenta e três centímetros, arremessa uma bala que pesa mais de uma tonelada. Em Verdun em 1916 os alemãesintroduzem treze desses monstros de vinte toneladas. Cadaum é posicionado com a ajuda de nove tratores; é necessário
um guindaste para inserir o projétil. O impacto da bala aniquila edifícios, estilhaça janelas num raio de três quilôme-
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tros. Em agosto de 1914 estas enormes máquinas de guerra
haviam demolido as fortificações supostamente inexpugnáveis
de Liège. Quando os canhões Krupp fizeram chegar seus pro
jéteis ao alvo final, os defensores belgas dentro das fortifi
cações ficaram loucos.
Para ataque concentrado há usualmente um canhão decampanha para cada dez metros sob fogo, e um canhão pe
sado — calibre de quinze centímetros e mais — para cada
vinte metros. Quando as enormes bombas explodem, devas
tam a terra com sua violência, arremessando a dezenas de
metros de altura árvores, rochas, lama, torsos e outros escom
bros. Abrem crateras do tamanho de piscinas. Quando acon
tece um intervalo de calma e as chuvas retornam, os homens
se banham nesses buracos cavernosos. Os projéteis pequenos emédios, que formam a maior parte da barragem, têm efeito
menos sensacional. Mas para o soldado também podem signi
ficar destruição total, que não deixa vestígios. “Um sinaliza
dor tinha acabado de sair”, escreveu um oficial médico do
2° Batalhão de Fuzileiros Reais do País de Gales, “ quando
um projétil explodiu sobre ele, não deixando nenhum vestígio
que pudesse ser visto iias proximidades.” O mesmo oficial
descreveu outra imagem do fogo de artilharia:
De repente dois homens subiram verticalmente no ar,
talvez uns quatro metros, no meio de um jorro de terra,
a uns 150 metros de distância. Subiram e caíram com o
equilíbrio fácil e gracioso de acrobatas. Um fuzil, giran
do lentamente, elevou-se bem acima deles, antes de, ainda
girando, cair no chão.1
Os defensores amontoanvse nos abrigos cavados na frente
da trincheira, ou em refúgios subterrâneos, quase sempre a
cinco ou seis metros de profundidade e medindo talvez cinco
passos quadrados e cerca de um metro e oitenta de altura. Os
projéteis mais pesados não somente demolem as trincheiras
como podem fazer desmoronar as vigas de madeira, o ferro
corrugado e as telas de arame dos refúgios subterrâneos e, no
mínimo, reacomodar a terra sobre eles de modo a obstruir assaídas. Luzes de acetileno e velas bruxuleiam. Abalos mais
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fortes as apagam de todo. Uma pausa, será que vai ocorrer?
Sim. Finalmente. Mas então ouve-se a voz abafada de uma
sentinela que sobreviveu numa sapa à frente gritar “Gás!”
Há uma luta desordenada e selvagem para encontrar as más
caras; puxões e tirões para enfiá-las; e a provação aumenta
quando os fumos dos gases começam vagarosamente a se misturar com a escuridão e a fumaça. Por fim faz-se silêncio,
salvo respirações abafadas, alguns sons ásperos, tosse e sinais
de choro.
O ciclo vai recomeçar? O ataque está a caminho? As
sentinelas sobreviveram? Os periscópios estão sob controle?
Pois quando sobrevier o ataque haverá uma “corrida para
o parapeito”: subir os degraus dos abrigos subterrâneos, se
isso ainda for possível, entrar nas trincheiras, se elas aindaali estiverem, calar baionetas, reunir metralhadoras, localizar
granadas, e, se ainda houver tempo, guarnecer morteiros,
lança-chamas e muitas outras armas desta guerra de “troglo
ditas”.2 Deve-se alcançar o parapeito antes que o inimigo
chegue!
No outro lado da terra de ninguém os homens esperam.
Os rostos reunidos perto das escadas de sítio estão contraídos
e cinzentos. O gole de rum, Schnaps ou pinar d, distribuído
poucos minutos antes, pode entorpecer os sentidos, mas é in
capaz de reverter o fluxo de sangue. O equipamento foi che
cado. Picaretas e pás, sacos para areia, luzes Verey, arame.
Uma carga de mais de vinte e sete quilos nas costas de cada
homem. Junto com os apetrechos pessoais, há uma garrafa de
água, rações, máscara contra gases, curativos de campanha,
vasilhas de lata, munição. Alguns homens levam granadas de
mão e bombas de morteiro. “Carregar a casa nas costas não
é nenhuma piada”, escreveu Peter McGregor, um mestre de
coro de Edimburgo.3 Os oficiais viajam menos sobrecarrega
dos, os britânicos com bastões leves para indicar os comandos,
pois é improvável que uma voz se faça ouvir no meio do
tumulto, pistola em lugar de fuzil, e sem a maior parte dos
outros equipamentos mais incômodos. A conversa a esta altu
ra é quase insignificante. Uns poucos homens tagarelam nervosamente. Alguns trocam últimos desejos. Outros sussurram
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nifica medo. Só no grupo existe alguma segurança emocio
nal, algum alívio. Na verdade, os atacantes tendem a se aglo
merar, a formar grupos para obter proteção mútua.
Será que a artilharia conseguiu cortar o arame farpado,
conforme prometeu? Raramente o faz de forma consistente.
Ofegantes, à beira da exaustão, os homens procuram brechasno arame farpado. O desapontamento é esmagador. As brechas
são poucas, se é que existe alguma. O fogo do inimigo dimi
nuiu. Só um punhado de homens chega ao arame. Eles lan
çam suas granadas. Disparam seus fuzis. Uns poucos passam
para a trincheira inimiga, mas combate de baioneta não é
comum. A maioria dos oficiais que chefiam o ataque foi atin
gida. Cessaram as comunicações. A segunda leva experimenta
o mesmo destino da primeira. A terceira leva decide entãoque o ataque fracassou. Outro apito, desta vez vacilante, dá
o sinal da retirada. Os sobreviventes voltam aos tropeções.
Alguns, desorientados, seguem numa direção lateral. Os feri
dos rastejam. Muitos se amontoam em buracos de bombas.
A artilharia do inimigo abre fogo, fazendo estragos na reti
rada, mas pelo menos desta vez não há contra-ataque. Uma
sobra da unidade atacante retorna.
Os feridos na terra de ninguém são abandonados ao seu
destino até o cair da noite. Mais tarde se fará uma tentativa
de recolhê-los. Eles procuram reprimir sua agonia crescente.
Gemidos atraem uma torrente de balas. Por fim, um silêncio
torturado cai sobre o campo de batalha.
TEMAS
A ilusão do golpe decisivo continuou a dominar o pensa
mento estratégico durante todo o ano de 1915, particular
mente na Grã-Bretanha e na França, apesar da escassez de
munições e de tropas adequadamente treinadas. Os ataques
britânicos e franceses tm Artois, Picardia e Champagne, os
ataques alemães em Flandres, e até a fantasia britânica de
atravessar as linhas turcas nos Dardanelos baseavam-se todosno sonho da “brecha”, da súbita fenda no front inimigo, como
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se ele fosse o Mar Vermelho em confronto com a fé de Moisés,
e do subseqüente ataque até a vitória.
Só os abismais fracassos dos Aliados em Second Ypres,
Gallipoli, Neuve Chapelle, Festubert, Arras e Loos forçaram
uma reconsideração desta maneira de pensar, mas mesmo en
tão foi uma reflexão de origem reativa que pouco a pouco
alterou a visão dos planejadores militares. Foi o ataque ale
mão a Verdun, em fevereiro de 1916, com uma intensidade
e um poder de fogo sem precedentes na guerra, que definiti
vamente mudou as atitudes. O ano de 1916 presenciou o ad
vento e a aceitação, por ambos os lados, de uma nova guerra,
a guerra deliberada de desgaste, que tragaria milhões de ho
mens, não sob o pretexto da'iminência da vitória desde que
se pudesse remover um importante obstáculo, mas devido à
decisão tomada de que só enfraquecendo o inimigo pelo can
saço se poderia ganhar esta guerra. Por toda parte a indústria
foi mobilizada, reorganizou-se a força de trabalho, aplicou-se
ou planejou-se o racionamento de alimentos, os impostos fo
ram reajustados. A guerra, em suma, tornou-se um empreendi
mento exaustivo. Tornou-se “total”. Charles Sorley chamou
o desgaste de “este último recurso da estratégia paralisada”.1
Por trás da decisão de Falkenhayn, de concentrar o poder
ofensivo alemão em Verdun, havia uma série de motivos e
considerações. Ele sempre foi um “ocidental”, pois acreditava
que a batalha decisiva da guerra ocorreria no Ocidente. Em
bora tivesse concordado em concentrar mais esforços na Frente
Oriental em 1915, numa tentativa de derrotar a Rússia, em
dezembro daquele ano já havia concluído que, ao contrário
das expectativas, a Rússia não seria dominada rapidamente.Em contrapartida, a França estava à beira do colapso e pode
ria usar o saliente ao redor de Verdun, que constituía uma
posição francesa avançada em relação ao resto da Frente Oci-
dèntal, como ponto de onde lançar uma última e desesperada
ofensiva. Este perigo tinha de ser prevenido. Além disso, um
forte ataque alemão enfraqueceria completamente os franceses
e também forçaria os britânicos a contra-atacarem ao norte.
Isto faria com que a Grã-Bretanha sofresse enormes baixas,levando-a igualmente à exaustão.
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Em Verdun o general Falkenhayn reuniu, junto com suas
tropas, 1.220 peças de artilharia para um ataque a uma frente
de aproximadamente treze quilômetros. Estimava que, para
cada duas vidas que seus exércitos perdessem, os franceses
perderiam cinco. Essa era a própria essência do desgaste. De
alguma maneira, entretanto, os franceses conseguiram sobreviver à primeira barragem e aos ataques iniciais, e a batalha
então se transformou numa atroz punição mútua. Em novem
bro os franceses perderiam meio milhão de homens nesse sa
liente. Sob tal pressão, tiveram de pedir aos britânicos que
apertassem o cerco. A resposta britânica foi armar a ofensiva
no Somme em julho de 1916, na qual se perderam 60 mil ho
mens no primeiro dia, e mais meio milhão em novembro^
Apesar das perdas dos Aliados, a matemática de Falkenhaynnão tinha funcionado. Nas duas batalhas de Verdun e no Som
me, os alemães perderam cerca de 800 mil homens, um pouco
menos do que os franceses e os britânicos.
Ypres e o circundante saliente de Flandres estiveram sob
o fogo dos canhões durante o ano de 1916 e depois continua
ram a ser tenazmente disputados ao longo de 1917, em Pas-
schendaele ou Terceiro Ypres, de modo que se pode acres
centar Ypres a Verdun e ao Somme para produzir uma trin
dade de horror. O general Falkenhayn chamou a isto
Stellungskrieg, guerra de posição. “O primeiro princípio da
guerra de posição”, escreveu, "deve ser o de não ceder nem
um centímetro de terreno; e, no caso de perdê-lo, retomá-lo
imediatamente por meio de contra-ataque, mesmo à custa do
último homem”.2 Ambos os lados adotavam as mesmas regras.
"Regimentos inteiros arriscavam tudo por dez metros de terra
devastada” — tal foi o julgamento de Ivan Goll.3 Para Ernst
Jünger, depois do Somme a guerra e a vida em geral tinham
outra aparência:
Aqui desapareceu para sempre o cavalheirismo. Como
todos os sentimentos nobres e pessoais, ele teve de ceder
o lugar ao novo ritmo da batalha e ao poder da máqui
na. Aqui a nova Europa se revelou pela primeira vezno combate.4
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Por mais de dois anos os combatentes da Frente Ocidental
enfrentaram-se em batalhas — se é que esta antiga palavra
ainda é apropriada para esse novo modo de guerrear — que
custaram a vida de milhões de homens mas deslocaram a
linha de frente quando muito um ou dois quilômetros em
qualquer das duas direções. Se é possível dividir a guerra noOcidente em quatro períodos — as batalhas iniciais de movi
mento, a consolidação de 1915, a guerra de desgaste de 1916-
1917 e o desenlace de 1918 com seu renovado movimento — ,
então a situação de 1916-1917 constitui o período mais longo
e mais consistente.
As batalhas de Verdun, do Somme e de Ypres encarnam
a lógica, o significado, a essência da Grande Guerra. .Dois
em cada três poilus franceses passaram pelo funil de Verdunem 1916; a maioria dos soldados britânicos participou da
guerra no Somme, em Ypres ou nos dois lugares; e a maioria
das unidades alemãs esteve em Flandres ou em Verdun em
algum momento. Estas foram também as áreas de batalha
cruciais da guerra. E o conjunto clássico de imagens que temos
da Grande Guerra — a ensurdecedora e enervante barragem
de artilharia, os ataques em que longas filas de homens avan
çavam como que em câmara lenta por uma paisagem Tunarde crateras e lama, só para se confrontarem com metralhado
ras, arame farpado não cortado e granadas — provém mais
destas batalhas do que daquelas do primeiro ou do último ano
da guerra.
Esta parte central da guerra reverteu todas as concepções
tradicionais das operações militares. A defesa foi transfor
mada em ataque, um processo que Joffre, sem ter consciência
das implicações de sua própria idéia, tinha chamado de “ resistência vitoriosa”.5 O abismo entre tecnologia e estratégia
fazia com que o atacante, independentemente de números,
fosse muito mais vulnerável que o defensor, apesar do efeito
das barragens preparatórias sobre os nervos. Não obstante os
efeitos impressionantes da artilharia pesada em Liège, Ver
dun, no Somme e Passchendaele, raramente houve suficiente
poder de fogo para destruir as linhas inimigas. Como resulta
do, os defensores quase invariavelmente ganhavam a “corridaao parapeito”.6 Isto significava que o atacante enfrentava um
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tante e cansativa para defender a “existência”, para sobreviver a condições que eram, na melhor das hipóteses, primitivas. Palavras como poilu ou Frontschwein, o cabeludo e o porco da frente de combate, que se referiam ao soldado francês sujo, coberto de lama, barbudo e a seu equivalente ale
mão, tornaram-se nomes afetuosos em seus respectivos países por volta de 1916, deixando de ser os termos ofensivos que poderiam ter sido numa era anterior de combates militaresheróicos e coloridos. Nesta existência, a agressão aos sentidosera total. “Nosso mestre é nossa miséria diária”, escreveu umfrancês.10
Toda a paisagem da Frente Ocidental tornou-se surrealista antes que o termo fosse inventado pelo poeta-soldado
Guillaume Apollinaire, em suas notas para o roteiro de Para-de, produção de Diaghilev em 1917, na qual Stravinsky, Satie,Picasso e Cocteau colabçraram. Os soldados se deparavamcom um panorama de devastação nas principais zonas de
batalha. As árvores tinham sido reduzidas a tocos carbonizados; estes, por sua vez, eram erguidos no terreno — como postos de observação — a fim de parecerem árvores devastadas. A lama estava em toda parte. “O pôr-do-sol e o nascer
do sol são blasfemos”, escreveu Paul Nash, que serviu nosaliente de Ypres, voltou doente para casa e depois retornoua Flandres como um artista da guerra:
. . . só a chuva negra caindo das nuvens feridas e inchadas . . . é atmosfera adequada a uma terra como esta.A chuva não pára, a lama fedorenta torna-se mais dia
bolicamente amarela, os buracos abertos pelas bombas
enchem-se de água esverdeada, as estradas e trilhas co brem-se de uma camada espessa de lodo, as negras árvores moribundas gotejam e transpiram e as bombas nuncacessam... mergulham na tumba que é esta terra... Êindizível^ ímpio, irremediável.11
Um aviador francês, contemplando a paisagem de Verdundepois de uma pancada de chuva, lembrou-se da “pele úmida
de um sapo monstruoso”.12 Os diários menos eloqüentes dossoldados comuns que estiveram em Verdun, no Somme ou
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em Ypres conseguem transmitir, pelo menos, uma idéia do
tormento físico desta guerra.
Um turno de serviço nas trincheiras consistia normalmen
te em três ou quatro dias e noites na linha de frente, seguidos
por igual espaço de tempo nas trincheiras de apoio, que, por
sua vez, finalizava com um período semelhante na reserva.Só na reserva era possível, como se expressou Herbert Read,
"ser civilizado — lavar-se, trocar de roupa e escrever car
tas”.13 Nas outras situações todo homem era um selvagem.
Antes dos motins de 1917 o comando francês mostrava-se fre-qüentemente remisso na organização apropriada dos períodos
de licença e descanso. Um turno podia durar mais de um
mês, e às vezes até mais de dois meses.
Sujeira e imundície eram, é claro, companheiras constantes nas trincheiras. A sujeira circundante era tão depri
mente que às vezes, no meio do inverno, os homens enfren
tavam o frio e se banhavam nos buracos feitos pelas bom
bas. Estes estavam quase sempre cheios devido à chuva per
sistente. "Uma vida tão terrivelmente bestial... Até os porcos
têm vida melhor!” Tal foi o comentário de Louis Mairet.14
Os soldados discutiam se era pior a lama de Ypres ou a do
Somme. Sobre Ypres em 1917 um inglês escreveu:
Não era guerra. Se não fosse pelas metralhadoras e pelas
bombas, assemelhava-se mais a uma farra na lama. Gente
atolada por toda parte. A lama pegajosa puxava as pernei
ras para baixo e teria sugado botas, meias e perneiras se
elas não estivessem convenientemente presas.15
Ao se apoderar de uma trincheira inundada, um francês gracejou: "Tudo bem enquanto os submarinos não nos torpe
dearem.”16
"Nunca houve um clima como este de Flandres”, escre
veu J. W. Harvey numa carta,
e espero que minha invectiva contra esta chuva, chuva,
chuva não seja eliminada como matéria censurável! Su
ponho que o bombardeio contínuo talvez seja em parteculpado; mas sinto que, no futuro, vou considerar com
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muito mais clemência o nosso proverbial clima inglês, ao
compará-lo com este.17
Tais comparações eram inevitáveis. “Sempre pensei que a
França fosse a terra do sol”, observou Peter McGregor com
genuína inocência em junho de 1916, “mas tem feito muitofrio e caídq muita chuva”. Quatro dias mais tarde, as notícias
para sua mulher, Jen, eram: “Chove por aqui como uma mal
dita torneira aberta.”18 Edward Thomas até escreveu um poema
sobre o assunto, “chuva”: “chuva, chuva da meia-noite, nada
senão a chuva desenfreada”. A chuva tinha dissolvido todo
o amor, todo o sentido,
. . . exceto o amor da morte,Se for amor pelo que é perfeito e
Não pode, assim me diz a tempestade, desapontar.19
Ensopado até os ossos e tiritando de frio, Emst Jünger deci
diu que “nenhum fogo de artilharia podia quebrar a resistên
cia de um homem de forma tão cabal quanto a umidade e
o frio”.20 Não adiantava a quantidade de roupas — meias de
lã, coletes, jaquetas —, nem mesmo jornais adicionais, enrolados ao redor de várias partes do corpo. As noites de inverno
pareciam insuportavelmente longas, e a aurora era o momen
to mais frio do dia. “Não pensamos na morte”, escreveu um
francês no inverno do início de 1915. “Mas no frio, neste
frio terrível! No momento tenho a impressão de que meu san
gue está cheio de blocos de gelo. Oh, gostaria que atacassem,
porque isso nos aqueceria um pouco.”21 No inverno seguinte,
em Artois, o café e até o vinho congelaram em novembro.“Tempo para ursos polares”, comentou Marc Boasson numa
carta. “Antes de poder beber um drinque, você tem de que
brar e afastar o gelo. A carne é congelada, as batatas ficam
grudadas pelo gelo e até as granadas de mão acabam solda
das em seus estojos.”22 No severo inverno de 1916-1917, o
chá quente congelava em questão de minutos, e pão, carne
enlatada e salsichas transformavam-se em pedaços de gelo.
Num poema intitulado “Exposure”, Wilfred Owen evocoumãos encarquilhadas, testas franzidas e olhos de gelo.23
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Em tais condições não se podia saborear a comida, ea tensão da batalha reduzia ainda mais o apetite. As horasirregulares das refeições, a inconfiabilidade das linhas deabastecimento, a falta de legumes, a monotonia da dieta decarne — tudo isso destruía qualquer possibilidade de prazer.
Quando Siegfried Sassoon retornou ao Somme depois da licença em casa na primavera de 1916, trouxe consigo um salmãodefumado para dividir com os seus homens, mas ao tropeçare chapinhar numa trincheira de comunicação conhecida comoCanterbury Avenue, refletiu que “salmão defumado não eraum antídoto muito eficaz para pessoas que tinham de agüen-tar todo aquele bombardeio”.24
O clima, portanto, tinha muito a ver com o ânimo dos
soldados. Uma nuvem que de repente se erguia, deixando aparecer o sol, podia levantar o moral. “Tempo esplêndido”,exultou Charles Delvert no meio da batalha de Verdun emmarço de 1916. “Esta vida tem seu encanto. É como acampar.Você passeia pelas trincheiras; o ar é fresco, o sol brilhante. Nuvenzinhas alegres esvoaçam pelo céu azul.”25 Mas esseclima constituía realmente exceção na guerra, e esta explosãolírica também era excepcional no diário de Charles Delvert.
As trincheiras estavam infestadas de parasitos. Moscas,ácaros, lêndeas, pulgas, mosquitos e besouros incomodavam,mas os piolhos e os ratos eram os que mais irritavam. Os piolhos punham seus ovos nas costuras das roupas e se multiplicavam com uma velocidade aterrorizadora. O piolho eratão fértil, dizia o poilu, que o nascido de manhã já era avôà noite. Impossível ganhar a batalha contra eles. Os soldadostentavam esmagá-los com as unhas dos polegares, queimá-los
nas chamas das velas, eliminá-los com pós e pomadas rece bidos de casa, mas tinham pouco sucesso. “O único meioé atirar uns garrafões de rum em cima deles”, gracejou umTommy.26 Aos maiores eram dados nomes: Kaiser, Kronprinz,Hindenburg. Só o serviço de lavanderia de campanha e os banhos quentes tinham algum efeito, e apenas por pouco tempo.Roger Campana achava esses insetos mais ferozes do queos “vampiros do Congo ou da Polinésia... Se o Sr. Magpie
tivesse tido a chance de conhecê-los, ele os teria citado comoexemplo para todos os franceses”. O único consolo de Cam
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pana era o boato de que os piolhos nas trincheiras alemãseram maiores!27
Falava-se de ratos do tamanho de gatos nas trincheiras,embora eles existissem em quantidade ainda maior nos alo
jamentos de descanso. Eram atraídos pelos cadáveres em decomposição e pelas sobras de comida que ficavam pelos cantos. Roíam as mochilas e faziam furos nos sacos de rações. No seu setor da linha de frente, Roland Mountfort escreveuà sua mãe que
o maior feito dos ratos foi matar e devorar cinco gati-nhos, de umas três semanas de idade, que a gata da trin
cheira estava criando num dos abrigos. Não sei por quenão comeram antes, a não ser que estivessem esperandoque crescessem para conseguir uma refeição melhor.28
A batalha contra os ratos era às vezes tão séria quanto aquelacontra o inimigo humano. Para Percy Jones os ratos tornaram-se uma obsessão. “Estou... viciado em caçar ratos”, admitiu em seu diário. Perseguia-os todas as noites com cabos
de picaretas e pás.
Às vezes vamos um pouco longe demais. Por exemplo,duas noites atrás, éramos quatro envolvidos numa perseguição cerrada a um rato entre as nossas trincheirasna linha de frente quando o encurralamos na segundalinha, onde uma sentinela quase atirou em nós, imaginando que fôssemos alemães!
A obsessão de Jones o acompanhou aos alojamentos de descanso duas semanas mais tarde. Perto do canal de Ypres ele participou de um verdadeiro massacre:
Tivemos uma grande batalha ontem à noite e matamosquase uma centena, sem contar muitos que devem tersido mortos a pedradas enquanto nadavam. O grupo da
balsa ficou sem munição e teve de vir até a margem para pegar mais tijolos.29
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O único instrumento eficaz contra os ratos e outras pragasera o gás. Um ataque de gás eliminava os parasitos numatrincheira por algum tempo.
Era à noite que grande parte do trabalho nas trincheirasse realizava. O modo burguês *normal de encarar o tempo e
o relógio se invertera. Quando* caía a escuridão, exércitos detrogloditas emergiam de seus buracos, como os próprios parasitos que eles desprezavam, e corriam de um lado para ooutro cumprindo suas tarefas: grupos que cuidavam dos arames farpados saíam para a terra de ninguém; as fortificaçõesdas trincheiras eram consertadas e aumentadas, à medida quea Frente Ocidental se tornava um enorme e intricado formigueiro; executavam-se pequenos ataques de surpresa, compa
ráveis a mordidas de mosquitos no corpo do inimigo coletivo.E mesmo que alguém não tivesse nenhuma tarefa específica para realizar, era impossível dormir. Delvert descreveu umanoite nas trincheiras em janeiro de 1916:
Luzes apagadas. Agora os ratos e os piolhos são os donosda casa. Podem-se ouvir os ratos mordiscando, correndo,
pulando, atirando-se de tábua em tábua, emitindo pequenos guinchos atrás do metal corrugado dos abrigos.É uma atividade barulhenta e fervilhante que simplesmente não pára. A qualquer momento, espero que umaterrize no meu nariz. E depois há os piolhos e as pulgasque começam a me devorar. Absolutamente impossívelfechar os olhos. Perto da meia-noite começo a cochilar.Uma barulheira terrível me faz saltar. Fogo de artilharia,o estrépito dos tiros de fuzil e metralhadora. Os bochesdevem estar atacando Mont Têtu de novo. O charivari
parece se acalmar por volta de l:30h. Às 2:15h começanovamente, desta vez com uma violência assustadora. Tudo tfeme. Nossa artilharia troveja sem parar. Às 3:00h ostiros de canhão tornam-se mais espaçados e vagarosamenteas coisas se aquietam. Cochilo para poder me levantar àsseis. Os ratos e os piolhos também se levantam: acordar
para a vida é também acordar para a desgraça.30
Depois de alguns dias e noites deste implacável bombardeiodos sentidos, os homens facilmente se tornam desorientados,
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indolentes, até apáticos. “Eu estava pronto a trocar a minha
alma por algumas horas de sono ininterrupto”, observou um
deles.31 “O que mata é a falta de sono”, escreveu Delvert.32
Quando chegavam finalmente os substitutos, o batalhão se
deslocava para os alojamentos de descanso. Wilfred Owen:
Recurvados, como velhos mendigos sob o peso de
\_sacos,
Cambaios, tossindo como velhas bruxas,
Rompemos praguejando o lamaçal
Até darmos as costas aos clarões obsessivos
E começarmos a nos arrastar até nosso distante
[repouso.
Os homens marchavam dormindo. . . 33
O odor de decomposição — mascarado apenas pelo quase
igualmente intolerável cheiro de cloreto de cálcio — e nuvens
de moscas atraídas pela carniça constituíam outras maldições
inevitáveis. Membros e torsos eram incessantemente revolvi
dos pelas bombas. Ao cavarem ou consertarem as trincheiras,
os grupos de trabalho freqüentemente descobriam cadáveres
em todos os estágios de deterioração e mutilação. Na maioria
das vezes limitavam-se a afastá-los do caminho. Entretanto,
fragmentos de corpos iam parar dentro dos sacos de areia.
Se estes se rompiam, podiam divulgar seu conteúdo de um
modo tão horrível que o humor negro se tornava a única de
fesa contra a histeria. Em certo ponto do saliente de Ypres,
os homens que estavam sendo substituídos desfilaram diante
de um braço que se projetava para fora de um dos lados da
trincheira e apertaram-lhe a mão — “Tchau, Jack.” Os que
vinham substituí-los fizeram o mesmo ao chegarem — “Oi,fack.”34 Um capitão artilheiro, F. H. T. Tatham, descreveu para
sua mãe outra situação tão grotesca que chegava a ser quase
cômica:
Havia sempre um cheiro horrível em nosso Posto de Ob
servação nas trincheiras, um cheiro que o creosoto não
conseguia eliminar. Descobri hoje que são restos mor
tais decompostos que estão dentro de um saco de areia,no qual nos encostávamos para usar o periscópio. Acre-
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dito que o infeliz cadáver devia estar ali há uns seis
meses — os ratos não costpmam deixá-los em paz; assim
era provavelmente um alemão sujo. Agora que foi me
xido, fede mais do que nunca — cheio de vermes. O
repugnante saco de areia foi mergulhado em creosoto e
atirado para bem longe, mas evidentemente não conseguiram enfiar o que sobrou de Fritz num único saco, e
receio que erradicar o mal acarretaria um desmoronamen
to no parapeito, de modo que me vejo agora num dilema.35
O australiano }. A. Raws contou aos familiares uma história
igualmente “esquisita”. Trabalhando num grupo de escavação
em Pozières nofinal de julho de 1916, foi exposto, segundo
suas palavras, a “um tornado de bombas que explodiam”. Foisoterrado duas vezes. Na segunda vez, depois de se libertar
com esforço, viu por perto um corpo semi-enterrado. Pen
sando que fosse de um camarada que acabara de ser atingido
por destino igual ao seu, saiu tropeçando para ajudar o ho
mem a se desembaraçar. Tratou de puxá-lo e levantá-lo. De
repentè, um jorro de sangue cobriu todo o Raws, e ele se viu
com a cabeça do corpo nas mãos. “O horror foi indescritível”,
contou ele.35 Seu irmão tinha sido morto três dias antes, e o
próprio Raws seria morto no turno seguinte.-Um francês em
Verdun observou: “Todos exalávamos o fedor de corpos mor
tos. O pão que comíamos, a água estagnada que bebíamos,
tudo o que tocávamos tinha um cheiro ruim.”37
A mutilação era um espetáculo diário em alguns setores.
Em Fresnoy, no- Somme, uma casa que alojava soldados ale
mães foi diretamente atingida. Ernst Jünger correu para ajudar.
Agarrávamos os braços e pernas que apareciam no meiodo entulho e puxávamos os cadáveres para fora. A um
faltava a cabeça, e o pescoço subia do torso como um
grande fungo sangrento. Noutro, ossos estilhaçados pro-
jetavam-se do toco de um braço, e o uniforme estava en
charcado com o sangue de uma imensa ferida no peito.
Num terceiro as entranhas escorriam de um corpo que
tinha sido aberto ao meio. Enquanto puxávamos este úl
timo, uma tábua lascada que se encravara no terrívelferimento ofereceu resistência, produzindo sons medonhos.
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Noutra ocasião, Jünger testemunhou um duelo de metralhadora.
De repente nosso atirador chefe caiu, ferido na cabeça.
Embora os miolos escorressem pelo rosto até o queixo,
ele ainda estava plenamente consciente quando o carre
gamos para um túnel adjacente.38
Depois que seu abrigo foi atingido por uma bomba, Roger
Campana tirou uma fotografia do corpo de um camarada para
mostrar a um amigo como escapara por um triz. O corpo
estava "aberto dos ombros aos quadris, como uma carcaça
esquartejada na vitrine de um açougue”.39 Delvert registrou
com maior precisão a morte de um colega:
A morte de Jégoud foi atroz. Ele estava nos primeiros
degraus do abrigo quando um obus (provavelmente um
130 austríaco) explodiu. Seu rosto foi queimado; uma
lasca entrou no crânio atrás da orelha; outra rasgou o
estômago, quebrou a espinha, e naquela sangrenta con
fusão via-se a medula espinhal solta, a resvalar. A perna
direita estava totalmente esmagada acima do joelho. O
mais terrível de tudo foi que ele ainda viveu uns quatro
ou cinco minutos.40
O Verdun de Cés^r Méléra incluiu esta cenae observação:
Cavalos e mulos enterrados. Uma lama fétida chega às
vezes ao tornozelo, exalando um cheiro horrível e tor
nando o ar pesado e opaco. Quem não viu os feridos
emitindo seus últimos estertores no campo de batalha,
sem cuidados, bebendo a própria urina para acalmar asede.. . nada viu da guerra.41
Os homens eram ameaçados não só pelo fogo inimigo
mas. também por sua própria artilharia, quando os tiros não
eram de longo alcance. O general Percin calculou que setenta
e cinco mil soldados franceses foram mortos ou feridos por
sua própria artilharia.42 Jean Giraudoux comentou ironicamen
te em. conversa com Paul Morand: "Pertenço ao regimentofrancês que matou o maior número de ingleses.”43 O bom-
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maior parte do tempo os homens se ocupavam com 05 pro
blemas de rotina da vida nas trincheiras e essencialmente como tédio.
Parte do problema deste debate é uma questão de defi
nição e de semântica. Que espécie de experiência é classifi
cada como “horror” e o que constitui o “tédio”? O horror
para um homem não pode ser tédio para outro, e vice-versa?
Se alguém insiste em afirmar que o horror é a sensação pro
vocada unicamente pela contradição inesperada de valores e
condições que dão sentido à vida, e que, por sua vez, o tédio
é o desfecho inevitável da rotina, até da rotina de matança,
então nunca se poderá resolver a questão, porque nenhuma
noção de horror, mesmo aquela causada por esta guerra, pode
permanecer constante. Depois de várias semanas de experiência na linha de frente, pouco restava que ainda pudesse cho
car alguém. Os homens se imunizavam, um tanto rapidamente,
contra a brutalidade e a obscenidade. Tinham de se tornar
insensíveis, se quisessem sobreviver. Como Fritz Kreisler, vio
linista e soldado da infantaria austríaca, se expressou:
Uma certa ferocidade surge dentro de você, uma absoluta
indiferença para com tudo o que existe no mundo, exceto o seu dever de lutar. Você está comendo uma crosta
de pão, e um homem é atingido e morto na trincheira
perto de você. Você olha calmamente para ele por um
momento e depois continua a comer o seu pão. Por que
não? Não há o que fazer. Por fim, você fala-de sua pró
pria morte sem maior emoção, como falaria de um con
vite para o almoço.47
E John W. Harvey, um quacre de Leeds que estava com a
unidade Ambulância de Amigos, escreveu de Ypres: “Estou
vivendo experiências desgastantes entre visões que seriam in
suportáveis pelo horror e compaixão que inspiram, não fosse
a capacidade da natureza humana de se enrijecer na familia
ridade com qualquer coisa.”48
Portanto, até o horror pode se tornar rotina e provocartédio — a sensação de que já se viu tudo aquilo antes e de
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que a existência não tem mais surpresas. "Nada resta na suamente”, continuou Kreisler, "a não ser o fato de que hordasde homens, das quais você faz parte, estão brigando contraoutras hordas, e de que o seu lado deve vencer”.49
Mesmo quando tudo parecia calmo, as baixas continuavam a se acumular — devido aos tiros de tocaia, à açãoaleatória da artilharia que abria fogo para manter o inimigosob tensão, e a acidentes. Era esse desgaste, precisamentequando nada de importância parecia estar acontecendo, quemais aterrorizava alguns soldados. A morte parecia totalmentesem sentido. Nos diários de guerra das unidades. do exércitoexiste freqüentemente uma ironia terrível nos sucintos relatórios de uma linha a respeito da atividade do dia: "Tudoquieto. Três baixas.” Como o angustiado embaixador americano disse numa carta de Londres: "Quando não há 'nadaa informar’ na França, isto significa as 5 mil baixas normaisque acontecem todos os dias.”50
A dicotomia estabelecida no debate do "horror versus tédio” é falsa. Crucial é o significado mais abrangente dafase 1916-1917 da guerra, sua relação com as formas anteriores
de guerrear, com as expectativas e os valores; e aqui é difícilnegar que a experiência no front de 1916-1917 foi realmenteuma experiência "limite”, uma experiência de algo que era,em suas implicações, inteiramente novo. É claro que os soldados continuavam a classificar sensações de acordo com categorias previamente existentes — era uma reação instintiva —,mas a experiência real como um todo foi crucial, e este fato,em seu contexto mais amplo, constituía novidade.
Com o tempo as categorias antigas e a relação aceita daguerra com a história anterior se enfraqueceram e entraramem colapso. A velocidade desta deterioração variava entre os países beligerantes e entre as pessoas, dependendo da elasticidade e da ressonância dos valores existentes, mas em toda
parte, mesmo que tenha sido apenas no período do pós-guerra,no caldeirão em que fermentaram juntos o propósito, a lem
brança e a conseqüência, desintegrou-se a validade das categorias antigas.
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PARA ALÉM DOS VALORES ESTABELECIDOS
Dentre os povos das nações mais influentes, os alemães tinham
sido, mesmo antes da guerra, os mais prontamente inclinados
a questionar as normas e os valores da sociedade burguesa liberal do século XIX, a exaltar o momento situado fora do domí
nio. da lei, e a procurar inspiração na dinâmica* da experiência
imediata em oposição às da tradição e da história. Na guerra
concentraram-se desde o início na idéia da “vitória”, num
vitalismo dionisíaco, o que significava que o momento, da con
quista ofereceria, espontaneamente e por si só, um emocio
nante leque de oportunidades, primordialmente espirituais e
vitalizadoras e, apenas secundariamente, territoriais e materiais. Os objetivos territoriais da guerra, aos quais tem se de
dicado grande parte da literatura sobre o esforço de guerra
alemão, nunca foram mais do que expressões vagas de entu
siasmo e histeria nascidas do cansaço da guerra. A questão
dos objetivos da guerra nunca passou de um expediente polí
tico que refletia as vicissitudes do front. Era o front que dita
va os objetivos da guerra, não o contrário.
Não por acaso os alemães foram os primeiros a começara inverter as regras da guerra, reconhecendo a importância
da defesa e depois implementando oficialmente a idéia de des
gaste — esgotar o inimigo através do auto-sacrifício ao invés
de o “derrotar” por meio de investidas arrojadas. A Alema
nha tinha sido o país mais propenso a questionar as normas
políticas, culturais e sociais do Ocidente antes da guerra, o
mais inclinado a estimular o colapso de antigas certezas e
o advento de novas possibilidades. Como corolário, os alemãesmostravam-se menos relutantes em distorcer as leis da guerra.
Eram menos reticentes quanto a quebrar convenções interna
cionais por eles associadas a uma norma legal imposta pela
hegemonia anglo-francesa e por eles considerada prejudicial
aos interesses alemães.
A idéia do desgaste foi a curto prazo o resultado de uma
situação militar especial, uma resposta ao inesperado impasse
que resultou do fracasso do plano Schlieffen em 1914 emantida no decurso do ano seguinte. Mas também foi uma
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indicação da vontade dos militares alemães e das lideranças
civis de transpor para uma estratégia militar o envolvimento
emocional da nação, tão evidente nos primeiros dias da guer
ra. O exército, que na tradição prussiana fora considerado
•‘a escola da nação”, devia se tornar uma escola para todos
os alemães. “Guerra- total” era o meio pelo qual esse objetivo poderia ser alcançado. Agora o soldado e o civil não
seriam mais distinguíveis. Uma guerra de desgaste implicaria
o comprometimento de toda a nação.
Esta idéia não surgiu da noite para o dia. Muitas das
atividades do movimento pangermanista, da Liga Naval, das
sociedades coloniais e de outras organizações nacionalistas ra
dicais do período anterior à guerra foram estimuladas com
o objetivo de revitalizar a sociedade alemã através de princípios e virtudes militares. O interessante é que grande parte
desta forma popular de militarismo teve origem entre elemen
tos não ligados à aristocracia agrária, isto é, entre os novos
tipos sociais presentes nas forças armadas, homens como Lu-
dendorff e Bauer, e entre funcionários de escritório — a cha
mada nova classe média — filiados às ligas nacionalistas. A
guerra total não era um ideal dos aristocráticos Junkers —
dos Schlieffens e dos Moltkes —, mas da nova Alemanha.Erich Ludendorff, plebeu, filho de um negociante, carreirista,
homem mais de ação do que de reflexão, era um símbolo su
premo desta nova Alemanha. Como o moderno impulso que
representava, ele provinha da periferia — nascera numa casa
simples no meio de um pomar em Krusczewnia, na província
de Posen, na Prússia Oriental. Em julho de 1917 Ludendorff
detinha mais poder na Alemanha do que qualquer outra pes
soa. Para Ludendorff e para a nova Alemanha, todas as questões políticas, todas as questões econômicas e todas as ques
tões culturais não passavam afinal de questões militares.
Ora, a guerra de desgaste seria apenas uma ramificação
desse pensamento. Não teria se desenvolvido se não tivesse
havido uma preparação consistente para a “totalidade”. Esta
exigia o colapso da distinção entre soldados e civis, bem como
a rejeição, em tempo de guerra, da moralidade aceita. O tra
tamento dispensado aos civis na Bélgica pelas forças alemãsde ocupação e a confiança nos novos métodos da guerra —
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especialmente o uso de gás e de invenções como o lança-cha-
mas, além da introdução de uma guerra submarina irrestrita
— foram os passos mais importantes, até a idéia do desgaste,
para o advento da guerra total.
O modo como a mutável paisagem social e física da
Europa afetaria a guerra futura tinha preocupado estadistas, políticos e juristas por todo o continente nas décadas ante
riores a 1914. Iria ser possível distinguir prontamente entre
soldados e civis? No começo do século XIX a resposta espa
nhola à invasão napoleônica, o recurso à guerrilha, indicara
futuros problemas. Depois, a Guerra Franco-Prussiana de
1870-1871 revelou dramaticamente que a experiência de Na-
poleão na Espanha sessenta anos antes fora apenas uma suave
amostra do que poderia acontecer caso a guerra envolvesseas áreas mais populosas da Europa. Entre a batalha de Sedan
em setembro de 1870 e o armistício na primavera de 1871
vieram à tona todos os problemas referentes à relação entre
civis e soldados na guerra. Os alemães bombardearam Estras
burgo, Péronne, Soissons, sem poupar os bairros civis, ale
gando o tempo todo que civis e militares prestavam auxílio
uns aos outros e que, portanto, pouca distinção podia ser feita
entre uns e outros. O terror também foi aplicado em áreasocupadas: queimaram-se casas civis, fuzilaram-se reféns e arre
cadar am-se tributos.
Entre 1871 e 1914 as discussões jurídicas internacionais
procuraram definir os deveres e direitos dos invasores mili
tares, de um lado, e dos defensores civis, do outro. Nesses
debates os alemães geralmente insistiam no direito de requi
sitar bens e exigir docilidade de uma população sob ocupação.
Não eram os únicos a defender essa posição, mas estavamvirtualmente sozinhos ao postularem uma versão extrema da
proposição: a idéia de Kriegsverrat. Segundo este ponto de
vista, a obstrução do esforço de guerra por civis em território
ocupado constitui traição igual à obstrução promovida pelos
próprios compatriotas.1
A ocupação alemã da Bélgica foi coerente com esta po
sição, e, embora não tenha sido em geral tão monstruosa
quanto a propaganda dos Aliados queria fazer crer, a políticade ocupação foi, ainda assim, draconiana. Se os bebês não
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foram sistematicamente arrancados dos braços de outras pessoas e esmagados contra paredes de tijolos, se as freiras nãoforam deliberadamente caçadas para atos de sodomia, estu pro e matança, se os velhos não foram obrigados' a andaremde quatro antes de serem crivados de balas, muitos reféns fo
ram fuzilados, inclusive mulheres, crianças e octogenários.Louvain foi arrasada, junto com sua biblioteca, fundada em1426, com seus 280 mil volumes e sua inestimável coleçãode incunábulos e manuscritos medievais. Schrecklichkeit, oterror, tornou-se a política oficial nas áreas ocupadas, primeiro na Bélgica, depois na França e na Rússia. O termo furor teutonicus era usado pelos alemães com orgulho.
Para as potências da Entente, o tratamento dado aos
civis tornou-se prova incontestável da desumanidade alemã;"pobre pequena Bélgica” e "Bélgica crucificada” foram as
principais fórmulas usadas na mobilização do sentimento britânico a favor da guerra. O destino de Louvain e de sua bi
blioteca foi considerado um símbolo da barbárie alemã, dahostilidade teutônica à história e à civilização ocidental comoum todo, a seus produtos, suas realizações e seus valores.À biblioteca de Louvain foram juntar-se logo depois a cate
dral de Rheims, bombardeada pela primeira vez em 20 desetembro — "o crime mais hediondo já perpetrado contra a.inteligência do homem”,, afirmou Henry James2 —, o ClothHall de Ypres, e finalmente a catedral de Albert. Os alemãesalegavam que as torres dessas estruturas estavam sendo usadas para observação e telegrafia ótica, e que a eles não restara outra opção senão bombardeá-las, sem ligar para a publicidade adversa que tal ação criaria. Pouco depois, entretanto,
prejudicaram seu próprio argumento atacando civis e monumentos históricos muito distantes dos perímetros adjacentesaos campos de batalha. No dia 11 de outubro dois Taubesalcançaram Paris e deixaram cair vinte e duas bombas, matando três cidadãos e ferindo outros dezenove. A catedral de
Notre Dame também saiu arranhada. Este fato foi considerado pelas potências da Entente como uma ampliação inegável e inaceitável das formas de guerra. Em dezembio de
1914 a guerra atingiu os civis da Inglaterra, quando o portoinglês de Hartlepool ao norte e os balneários marítimos de
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Scarborough e Whitby foram bombardeados a partir do mar.Em 1915 começaram os reides de zepelim sobre Paris e Londres, e no começo de 1916 esses reides já alcançavam áreastão distantes ao norte como Lancashire.
Nos primeiros meses da guerra Friedrich Meinecke, his
toriador jovem, talentoso e já muito respeitado, escreveu queo que o estrangeiro chama de brutalidade no comportamentoalemão, o próprio alemão deve chamar simplesmente de honestidade. Afinal, se a catedral de Rheims estava sendo usada
pelos observadores franceses, tinha de ser bombardeada. Nadamais simples. Era pura hipocrisia os franceses e os britânicoschamarem o alemão de bárbaro nestas circunstâncias.3 Meine-cke era relativamente moderado. Outro historiador alemão
expressou idéias semelhantes em tons mais estridentes:
É melhor ver tombar milhares de torres de igreja do quever tombar um soldado alemão por causa dessas torres. Não aceitemos lamúrias de humanistas e estetas entrenós. Temos de nos afirmar. Estas são verdades tão sim
ples que se torna monótono ter de repeti-las para pessoas que não desejam escutar.4
Ao invés dessas afirmações inequívocas a respeito da preeminência da força vital sobre a história, seria de esperar deMeinecke e de seu confrade, dadas as suas profissões, ummaior respeito pela dependência do indivíduo e da nação paracom seu contexto histórico. Mas, em seus comentários, a ênfase recai sobre o ato dionisíaco da auto-afirmação. No cursoda guerra, trinta e cinco dos quarenta e três catedráticos de
história das universidades alemãs iriam assegurar que a Alemanha tinha se envolvido na guerra só porque fora atacada.5
Uma alternativa freqüentemente observada para a negação da história era a negação de que tivessem ocorrido atosde destruição. Em outubro de 1914 foi publicado um manifesto endereçado ao “mundo da cultura” e assinado por noventa e três intelectuais alemães. Entre os signatários estavamluminares como o teólogo Adolf von Harnack, o escritor Her
mann Sudermann, o compositor Engelbert Humperdinck, ocientista Wilhelm Röntgen e o dramaturgo Gerhart Hauptmann.
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"Não é verdade”, insistiam, "que tenhamos violado criminosamente a neutralidade da Bélgica. . . Não é verdade que nossastropas tenham agido brutalmente em Louvain”.6 Desejo, fantasia e ilusão ditavam cada vez mais a realidade, à medidaque a guerra — e o século — avançava. Neste processo a Ale
manha ia na dianteira. Os homens deviam "abrir os coraçõesà humanidade só enquanto esta não os ferisse”, dizia ErnstJiinger. Tal egoísmo e desejo de sensações foi importante,como Jünger estava disposto a admitir, para o advento daguerra.
É claro que um interesse pelo horror fazia parte do con junto de desejos que nos arrastou tão irresistivelmente
para a guerra. Um período de lei e ordem tão longo quanto aquele que nossa geração tinha atrás de si suscitou umverdadeiro anelo pelo extraordinário.7
Os franceses e os britânicos teriam motivos para ficartão perturbados com os métodos de guerra alemães? Afinalos próprios britânicos haviam denunciado — como os alemãesestavam agora fazendo com os belgas — as táticas "não-es
portivas” dos bôeres, quando estes recorreram a ataques relâmpagos e à resistência civil durante a guerra sul-africanana virada do século, forçando os militares britânicos a esta
belecer centros de detenção nos quais mulheres, crianças ehomens eram encarcerados em péssimas condições. Os espirituosos que acusavam a Grã-Bretanha de comportamento hi
pócrita saboreavam o trocadilho que dizia Britain rules the !waves and therefore Britain waives the rules. Além disso, há provas de que soldados franceses cometeram "atrocidades”em território ocupado no início da guerra,8 e conseqüente-mente é lícito se perguntar como os franceses teriam se com
portado se grande parte da guerra tivesse sido travada emsolo alemão. Alguns dias depois da mobilização, Louis Pergaud, professor e ex-pacifista, escreveu: "É necessário e urgente queerradiquemos, até a última pedra e até o último indivíduo,esta raça de víboras que é a raça prussiana.”9
Entretanto, as provas que existem mostram de forma inequívoca que os alemães negaram sistematicamente os padrões
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internacionais — em parte por um sentimento de necessidade,
por considerarem esses padrões prejudiciais ao seu bem-estar
imediato, mas também em grande parte porque eles, os ale
mães, simplesmente estavam menos dispostos a acatar regras
que consideravam estrangeiras e históricas e, portanto, não
aplicáveis a si mesmos ou ao significado colossal do momento.Os alemães se censurariam depois da guerra ao dizer que o
seu esforço de propaganda tinha sido muito inferior ao dos
Aliados, mas a verdade era que os Aliados tinham realmente
mais substância por trás de suas queixas contra os alemães
do que estes últimos contra os seus inimigos. O apelo dos
alemães a “honestidade”, “franqueza” e “veracidade” soava
romântico e idealista; era um apelo a virtudes interiores e
privadas. O apelo dos Aliados era social, ético e histórico;era um apelo a valores exteriores e públicos.
Em dezembro de 1914 Henri Bergson acusou os alemães
de terem tornado a sua barbárie “científica”,10 e em janeiro de
1915 Henry James se referiu à “vileza do demonismo” que
havia por trás da destruição de Ypres,11 mas o primeiro uso
sistemático de gás asfixiante na Frente Ocidental pelos ale
mães, em 22 de abril de 1915, em Langemarck, perto de
Ypres, contra tropas francesas e canadenses, eliminou quaisquer dúvidas entre as populações dos países Aliados sobre
a natureza satânica da ameaça alemã e sobre a “culpa” alemã.
Este acontecimento, na primavera de 1915, foi o ato mais
espetacular do que Pierre Miquel chamou de “guerra terro
rista”.12
A Declaração de Haia de 1899 e a Convenção de Haia
de 1907 tinham proibido o uso de “veneno ou armas vene
nosas” na guerra. Emborá os franceses e os britânicos já com prassem cloro líquido em setembro de 1914, e embora os
franceses em particular tivessem se ocupado com munições
de gás por algum tempo antes de abril de 1915, permanece
o fato de que os alemães foram os primeiros a usar o gás
de forma ampla e metódica. No outono de 1914 o químico
Fritz Haber, que mais tarde ganharia o Prêmio Nobel por
seu trabalho sobre a síntese da amónia realizado antes da
guerra, tivera a idéia de que o uso de cloro daria aos alemães a possibilidade de recuperar a iniciativa no conflito e,
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apesar da falta de munição e de soldados, conduzi-lo a um
final vitorioso. Os alemães alegavam que os Aliados estavam
usando gás venenoso em suas bombas, ao invés dos irritantes
relativamente inofensivos e não-tóxicos que tanto os alemães
como os franceses já tinham empregado, mas estas alegações
eles não podiam documentar; e sua afirmação de que osacordos de Haia não incluíam a difusão de nuvens de gás,
apenas o uso de projéteis que emitissem gás, não passava
de uma tentativa de obscurecer a questão.
Alguns comentaristas na época e alguns historiadores mais
tarde argumentaram que se criou uma comoção injustificada
sobre o uso de gás. O gás, afirmam, era na verdade mais
humanitário que o bombardeio, porque provocava menor nú
mero de baixas, mesmo depois que se passou a usar o gásletal.13 Esse argumento é especioso. O gás certamente não era
usado porque fosse mais humanitário mas porque combinava
todos os horrores a que o soldado do front estava sujeito. Não
era usado em lugar da artilharia; era usado para reforçar a
artilharia. Como disse um artilheiro britânico em maio de
1915, defois que os alemães tomaram a Colina 60, ponto estra
tégico perto de Ypres, com a ajuda de gás:
Se não quisermos sofrer derrotas a cada movimento,
temos de usar, nós também, algo parecido. Esses humanistas alegam que é mais compassivo asfixiar um homem
do que despedaçá-lo com uma bomba altamente explo
siva. Esse é o jeito simpático que eles têm de querer apa
recer diante do mundo em geral. Na realidade, depois
de lançarem o gás, eles matam a baionetadas todos aque
les que, atordoados pela fumaça, não conseguem andar,e em seguida atiram seus explosivos contra a multidão
miserável que continua lutando para respirar. Não há
palavras que exprimam o que pensamos de tudo isso.14
Os soldados, mesmo os veteranos experimentados, de to
dos os exércitos nunca se acostumaram com a idéia do gás.
Na verdade, alguns dos alemães diretamente envolvidos na
produção do gás venenoso o consideravam uma arma "nadacavalheiresca” e "repugnante”.15 O príncipe herdeiro Ruprecht
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da Baviera, comandante do Sexto Exército, tentou impedir o
seu uso, argumentando que o inimigo reagiria de modo seme
lhante, mas foi dissuadido de seu intento. Ironicamente, seu
Sexto Exército devia ser vítima do primeiro grande ataque
britânico com gás, em Loos, em setembro de 1915. Embora
tenha se tornado rapidamente um elemento obrigatório doarsenal de ambos os lados, e fórmulas mais mortais tenham
sido empregadas à medida que a guerra avançava, os solda
dos continuaram a associar ò gás a métodos impróprios de
luta. "Nunca esquecerei as cenas que vi em Ypres depois dos
primeiros ataques com gás”, afirmou o tenente-coronel G. W.
G. Hughes, do corpo médico.
Homens estendidos ao lado da estrada entre Poperinghe eYpres, exaustos, ofegantes, expelindo pela boca um muco
amarelo, os rostos azuis, angustiados. Era terrível, e muito
pouco se podia fazer por eles. Ainda não encontrei des
crição em nenhum livro ou estudo que exagerasse o pavor
ou, em sua compreensão do horror, chegasse perto da
monstruosidade destes casos de gás. Depois de vê-los e
tratá-los, saía-se com vontade de atacar imediatamente os
alemães e estrangulá-los, fazendo-os pagar pela sua perversidade. Melhor uma morte súbita do que esta terrível
agonia.16
As vítimas de gás, uma vez vistas, torturavam muito mais a
mente do que os soldados mutilados pelas bombas:
Em todos os meus sonhos, diante de minha vista
[ indefesa, Ele se precipita sobre mim, pingando, sufocando-se,
[afogando-se}1
Os soldados eram, sem dúvida, intensamente supersticio
sos, e as tropas britânicas vieram a sentir que usar gás dava
azar.18 A frente interna na Grã-Bretanha e na França achava
que os alemães tinham passado dos limites quando recorre
ram ao gás. A opinião nacional sentia-se ultrajada, e quando, para a emergência de final de abril, o Daily Mail pediu às
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mulheres da Grã-Bretanha que fizessem um milhão de pe
quenas máscaras de respiração, feitas com chumaços de al
godão cru conforme especificações publicadas no jornal, o
exército foi inundado de doações. Vários milhares delas foram
imediatamente enviados à França e distribuídos às tropas como
um expediente de ocasião. A tecnologia da guerra do gásdesenvolveu-se rapidamente: do cloro ao fosgênio e aos gases
de mostarda. O gás de mostarda era o mais letal, e nova
mente foram os alemães que o introduziram. As máscaras
tornaram-se conseqüentemente mais sofisticadas, com prote
ção para o rosto feita de tecido impregnado de borracha, e
óculos de vidro não-estilhaçável. Os homens odiavam as más
caras. Na melhor das hipótese, elas dificultavam a respiração
è restringiam a visão e a mobilidade.Rodeado de homens mascarados durante um ataque de
fosgênio em Verdun, Pierre de Mazenod lembrou-se de um
"carnaval da morte”.19 Para muitos, o gás fez a guerra entrar
no reino do irreal, do faz-de-conta. Quando os homens pu
nham as máscaras, perdiam todo sinal de humanidade, e com
seus longos focinhos, grandes olhos de vidro e movimentos
lentos, tornavam-se figuras de fantasiá, mais próximos, com
suas feições angulosas, das criações de Picasso e Braque doque de soldados tradicionais. "Este focinho de porco que re
presentava a verdadeira face da guerra” — disse Dorgelès
da máscara de gás.20 O comentário britânico sobre os ata
ques de gás alemães incluía o seguinte:
Com o uso de gás venenoso pelos alemães, a guerra tor
nou-se mais encarniçada, e o horror seguiu-se ao horror
até que o soldado da civilização teve de se alçar a umtal nível de coragem, que deixou completamente na som
bra a dos cavaleiros de outros tempos que saíam para
lutar contra dragões abomináveis que lançavam fogo e va
pores fétidos pelas narinas. Nesta luta mortaf com uma
raça de orangotangos científicos, é necessário fechar os
olhos para as exterioridades e olhar para dentro a fim
de ver o halo brilhando na fronte do soldado. . . Mas
quão mais esplêndida que a de qualquer soldado emplumado e ajaezado de outrora é a sua coragem quando ele
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avança, ou se acocora na lama ou no chão, enfaixado
em suas ataduras químicas, perdida já toda aparência hu
mana, à espera não só da bala e da granada e da arma
branca, mas também do Flammenwerfer, do gás asfixiante,
do gâs lacrimogêneo, do gás fedorento e outros instru
mentos de guerra da Alemanha!21
Quando o Grupo Antigás dos Engenheiros Reais se reu
niu dez anos depois da guerra, não surpreende que um dos
quadros de um programa de comédia fizesse referência ao
balé russo. Tanto o gás como o balé russo eram considerados
o cúmulo da “novidade”, expressões de um senso do mo
derno que ia muito além do que a maior parte da sociedade
julgava aceitável. O tenente-coronel Henry S. Raper, Comandante da Ordem do Império Britânico, Membro da Sociedade
Real e Cavaleiro Real da Itália, foi apresentado no programa
comemorativo da seguinte maneira:
Raperski apresenta seu famoso Balé Russo, “Diálise”.
Argumento: A cena se passa na clareira de um bosque,
onde se vêem as três belas irmãs, Clorina, Bromina e
Iodiva passeando. Sódium, notório mau-caráter, se apro
xima e as engana, presenteando cada uma delas com umelétron para o anel. Tarde demais elas descobrem o que
aconteceu e estão prestes a se cristalizar de desespero
quando são precipitadas por Argentum e assim salvas
de seu terrível destino. A última cena mostra Sódium,
que agora se tornou um lon, em movimento browniano.22
Dado o protesto na Grã-Bretanha quando o gás foi utili
zado pela primeira vez, é interessante observar os parágrafosiniciais do relatório holandês sobre guerra química, publi
cado em 1919. O relatório começa:
O Comitê não tem a menor dúvida de que o gás é uma
arma legítima na guerra, e considera que se pode desde
já prever que será usado no futuro, pois a história não
registra nenhum caso de uma arma comprovadamente útil
na Guerra ter sido abandonada por Nações que lutam pela sobrevivência.23
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Vinte anos mais tarde, na deflagração da guerra seguinte, to
dos na Grã-Bretanha receberiam uma máscara de gás. A “guerra
cubista” tinha se espalhado por toda a nação.
O lança-chamas foi outra arma que os alemães foram
os primeiros a empregar; fazia parte de seu arsenal desde
o final de 1914. Os Aliados diziam que violava os acordosde Haia, que proibiam o uso de “armas, projéteis e materiais
planejados para causar sofrimento desnecessário”, insistindo,
além do mais, que “os países beligerantes não têm direito ili
mitado quanto à escolha dos meios de ferir um inimigo”. O
lança-chamas consistia em um cilindro de óleo e um tubo
de aço a partir do qual o óleo era lançado sob alta pressão.
Tratava-se de uma arma que, como o gás, não se mostrava
terrivelmente eficaz a longo prazo — era mais útil para incinerar os ocupantes dos abrigos circulares junto aos canhões
e dos abrigos subterrâneos —, mas incutia um medo aterro-
rizador em suas vítimas potenciais. Mairet considerava o Fiam-
menwerfer o supremo “símbolo desta guerra impiedosa, uma
visão incandescente deste século de loucura”.24 Os franceses
e os britânicos não gostavam tanto de usar o lança-chamas
quanto os alemães: achavam que, se houvesse alguma resis
tência nas trincheiras sob ataque, era provável que o homem
do lança-chamas fosse atingido, tornando-se uma tocha hu
mana e representando mais um perigo do que uma ajuda
para seus próprios companheiros. Se houvesse pouca resistên
cia a um ataque, o lança-chamas não seria necessário. Os
franceses reservavam o lance-flammes para operações de lim
peza, depois de uma primeira onda de assalto ter sido bem-
sucedida.
Entre outras inovações da guerra de trincheira que os
alemães foram os primeiros a empregar metodicamente encon-travam-se os morteiros de trincheira e os tiros de tocaia. Os
Minnenwerfer (lança-minas) ou Minnies, como os britânicos
os chamavam com afeto irônico, apareceram já em setembro
de 1914, em Chemin des Dames e em outros lugares. Os
franceses os odiavam, chamando-os de “baldes de carvão” ou
“chaminés de fogão”. Os atiradores de tocaia, com sua mira
telescópica, também eram abominados — às vezes até por
companheiros de seu próprio exército — como tipos nãoesportivos.
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Os britânicos e os franceses foram muito mais lentos emintroduzir novas idéias de guerra — morteiros de trincheira,gás ou tanques. Desde o início houve relutância em aceitara realidade da guerra de trincheiras. “Não sei o que deveser feito”, dizia Kitchener; “isto não é guerra”.25 É claro que
se atribuía a guerra de trincheiras aos alemães; foram os primeiros a recorrer a esta forma “não-viril” de luta. O generalCherfils acusava o boche de se comportar como uma “tou
peira covarde”, recusando um combate viril e honesto à la loyale.26 Mas além de denúncias contra os alemães, surgiram poucas idéias inspiradas e inovadoras. Depois que a batalhado Somme já se arrastara por três meses sem qualquer sinalde brecha na linha de combate, o general Robertson ainda
descrevia os tanques como “uma inovação um tanto temerária”.27
Os tanques foram quase que a única invenção significativa dos Aliados na guerra de trincheiras. Entretanto, seu uso
prematuro, em número insuficiente, em 15 de setembro de1916, no Somme, desperdiçou a importante arma da surpresa.O mundo vitoriano considerava a surpresa um tanto contráriaà ética. A surpresa pertencia ao mundo imoral do aposta
dor e do flâneur. O sucesso tinha de ser o resultado de muitotrabalho e esforço, e não do acaso e da surpresa. Assim, otanque não devia ser concebido como arma secreta, mas antes como produto da determinação e do compromisso britânicos. Se dependesse de Haig, o tanque permaneceria subordinado ao ataque de infantaria. No final, homens, e não máquinas, venceriam esta guerra —- homens “que seguiam asregras do jogo”.
Se os Aliados aceitaram relutantemente os tanques como parte necessária do jogo, o emprego alemão de submarinos para atacar todas as embarcações dentro de uma determinadazona foi considerado pelos franceses e pelos britânicos, desdeo início, como uma outra manifestação da barbárie alemã.Os alemães sempre tinham dado mais importância ao simbolismo de sua frota de guerra do que ao seu uso prático. Emoutubro de 1912 Bethmann Hollweg, por exemplo, disse a
Lorde Granville, dignitário da embaixada britânica em Berlim,que a Alemanha necessitava de sua marinha “não apenas para
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defender seu comércio, mas para servir ao objetivo geral de
sua grandeza”.28 Quando irrompeu a guerra, a superioridade
naval britânica foi evidente desde o início, e no final de 1914
a Grã-Bretanha tinha firme controle sobre as águas territo
riais e aplicara um bloqueio eficaz contra a frota alemã no
Mar do Norte e no Canal da Mancha; além disso, fizeraestragos consideráveis à esquadra de guerra alemã nos mares.
O kaiser relutava em arriscar o resto de sua valiosa armada,
em ter os seus símbolos despedaçados; por isso, com exceção
de alguns ataques relâmpagos na costa leste da Inglaterrae da batalha da Jutlândia em 1916, a marinha alemã perma
neceu no porto atrás das áreas minadas. Privadas do uso deste
símbolo de status, as autoridades navais alemãs deslocaram
a ênfase para uma nova arma de guerra naval, uma arma deefeito mais "moderno”, que implicava sigilo, surpresa e des
truição repentina, o submarino. Com a importância dada ao
submarino, os alemães mais uma vez mudaram os padrões
tradicionais do pensamento estratégico. A frota naval deveria
ter sido secundada pelos submarinos, mas ocorreu o inverso:
o submarino tornou-se a principal arma alemã no mar, e a
armada de superfície foi relegada a uma posição de apoio.
Em terra, os alemães recorreram a uma guerra subterrânea;
em alto-mar, sua atitude foi semelhante.
Em fevereiro de 1915 os alemães anunciaram o estabele
cimento de uma "zona de guerra” ao redor da Grã-Bretanha,
na qual todos os navios, mercantes ou não, seriam atacados,
sem se levar em conta a segurança das tripulações e dos passa
geiros. Novamente os alemães afirmavam que os britânicos
tinham sido os primeiros a violar a lei nos mares e que eles,
alemães, estavam apenas reagindo ao bloqueio britânico im posto ao seu país* A Grã-Bretanha tinha se recusado a rati
ficar a Declaração de Londres de 1909, que tentou estabe
lecer um código jurídico para a guerra naval, e continuava
a interpretar em benefício próprio questões litigiosas como,
por exemplo, a natureza do contrabando; por isso, dizia o
argumento, a Alemanha não tinha outra alternativa senão ado
tar medidas de represália, por mais brutais que pudessem parecer.
Neste caso havia certamente algum mérito na afirmação.Entretanto, o que interessa aqui é a natureza da resposta
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alemã. Ao recorrerem à guerra submarina irrestrita e ao se
recusarem mais uma vez a fazer distinções entre soldados
e civis, entre países neutros e beligerantes, os alemães con
duziram a guerra com muito mais dramaticidade e elã do
que os britânicos tinham demonstrado por ocasião do blo
queio, para a esfera da guerra total. Aplicou-se o Schrecklichkeit nos mares. Em março de 1915 o navio de passageiros Falaba
foi atingido por um torpedo disparado enquanto os botes
salva-vidas ainda eram lançados ao mar. Mais de cem vidas
se perderam. No dia 7 de maio o navio britânico Lusitania
foi torpedeado perto da costa da Irlanda, perdendo-se 1.198
vidas, inclusive 120 americanos, de um total de mais de
2 mil passageiros e tripulantes. Numa demonstração de fer
vor xenófobo, foi cunhada uma medalha na Alemanha paracomemorar esta “vitória” nos mares. Acontecendo, como foi
o caso, poucos dias depois do primeiro uso de gás, o afun
damento do Lusitania fez recair a cólera do mundo neutro
sobre a Alemanha. Josiah Royce, professor em Harvard, tinha
até aquele momento evitado mencionar a guerra em suas au
las. Mas quando ficou sabendo do destino do Lusitania, não
pôde mais se conter. “Eu seria um mau professor de filosofia,
e em particular de filosofia moral, se deixasse meus alunos
em dúvida, por menor que fosse, sobre como considerar tais
coisas”, e em seguida se referiu a “estas mais recentes ex
pressões das infâmias da guerra prussiana” e a “esta nova
experimentação com á natureza humana”.29 A reação de Royce
representava a reação americana.
Nos países da Entente o afundamento do Lusitania pro
vocou indignação moral e uma corrida aos postos de alistamento. William Gregson, professor de vinte e cinco anos em
Arnold House, escola secundária de Blackpool, cujo diário até
então continha mais apontamentos sobre a vida escolar e o
futebol do quei sobre a guerra, foi claramente influenciado
pelú acontecimento. No domingo, 9 de maio, escreveu em
seu diário: “A perda do Lusitania ainda paira como uma
nuvem sobre nós e leva Rigby a fazer sermões mais apai
xonados do que de costume nas matinas.” Em duas semanasGregson tinha decidido se alistar.30
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Os alemães continuaram sua tática durante todo o ve
rão, atacando sem sucesso um grande navio Cunard em 9 de
julho e mais tarde afundando o navio White Star Arabic
em 19 de agosto. Era evidente que a opinião contra eles ga
nhava força e que a guerra submarina não estava tendo o
desejado efeito econômico sobre a Grã-Bretanha; por isso emsetembro de 1915 os ataques foram cancelados.
Entretanto, quando Falkenhayn desenvolveu sua idéia da
Stellungskríeg — apresentada por ele de forma bastante com
pleta num memorando de dezembro de 1915 —, também in
cluiu, em sua versão mais ampla da natureza da nova guerra,
a busca enérgica da guerra submarina irrestrita. Ambas eram
ingredientes essenciais da guerra total. Falkenhayn não conse
guiria convencer as autoridades civis e o kaiser da conveniência da guerra submarina durante o ano de 1916. Mas,
depois da batalha da Jutlândia, com a constatação de que a
Alemanha tinha poucas chances de derrubar a supremacia na
val britânica, e com um impasse semelhante na guerra terres
tre em 1916, o kaiser e Bethmann Hollweg finalmente re
conheceram que uma nova campanha de guerra submarina cons
tituía o único caminho possível para alcançar a vitória. Apesar
da probabilidade de uma campanha dessas ter como resultadoo ingresso dos Estados Unidos na guerra, os alemães acre
ditavam que, poderiam dobrar a Grã-Bretanha antes que o
poderio americano se fizesse sentir na Europa.
Se a tonelagem afundada é critério de sucesso, desta vez
a campanha em suas primeiras etapas se mostrou definitiva
mente promissora, pelo menos até o fim do verão de 1917,
quando os britânicos introduziram um eficaz sistema dè com
boio. A pior repercussão para os alemães se deu, entretanto,em abril com a entrada dos Estados Unidos na guerra. A
guerra submarina devia se prolongar até o final, mas por
volta de julho de 1918 atingiu o ponto crítico, porque a esta
altura os britânicos produziam mais tonelagem de navios no
vos por mês do que a afundada pelos alemães.
No ar, como já observamos, os alemães também tomaram
a iniciativa de "expandir os limites do combate. Assim, em
todos os níveis, na guerra em terra, no mar e no céu, foramos alemães que em geral tentaram utilizar pela primeira vez os
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métodos mais modernos. Foram eles que de forma muito es
palhafatosa forçaram os padrões internacionais de conduta e
moralidade. Em todas estas áreas e aspectos da guerra, o ano
de 1916 assumiu grande importância. Muitas das novas idéias
foram' experimentadas pela primeira vez em 1915 — o gás,
a guerra submarina —, de modo que aquele ano se torna emretrospecto um ano de transição; mas 1916 presenciou o ad
vento e a aceitação da nova guerra em suas dimensões mais
espetaculares. Muitos tinham consciência de que graves mu
danças estavam em andamento. Georges Blachon publicou dois
artigos no começo de 1916 na Revue des deux mondes, inti
tulados “La Guerre nouvelle” e “La Guerre qui se trans
forme sous nos yeux”.*
Quanto a métodos, táticas e instrumentos de guerra, aAlemanha tomou a iniciativa em 1914. A guerra devia pro
mover uma revolução no espírito europeu e, como corolário,
na estrutura de estado européia. A Alemanha era a potência
revolucionária da Europa. Localizada no centro do continente,
ela se propôs tornar-se o país líder da Europa, o coração da
Europa, como dizia. A Alemanha não só representava a idéia
da revolução nesta guerra; apoiava forças revolucionárias por
toda parte, quaisquer que fossem os seus objetivos finais. Aju
dou Roger Casement e os nacionalistas irlandeses em sua luta
contra a Grã-Bretanha, e na Suíça embarcou Lênin de volta
à Rússia para fomentar a revolução em Petrogrado. O que
importava para os alemães era sobretudo a derrubada das ve
lhas estruturas. Esta era a verdadeira questão da guerra. Uma
vez alcançado este objetivo, a dinâmica revolucionária passa
ria a erigir novas estruturas, válidas para a nova situação.
* “A nova guerra” e “A guerra que se transforma ante os nossos olhos” .
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V
A RAZÃO NA LOUCURA
Ó Deus, nosso amparo em tempos passados, Nossa esperança para os anos futuros.
Is a a c Wa t t s
Acho que a Guerra não produziu nenhuma mudançaimportante e duradoura no caráter, nos costumes e
hábitos do povo.Mi c h a e l Ma c d o n a g h
1916
Vou voltar a Blighty, dondesaí pra éncarar o huno;
Lutei em batalhas sangrentas,e me diverti aos montes;
Agora com a mão arrebentada,acho que cumpri meu dever,
Vou a Blighty beijar minha garota.
Cartão de Natal da
Sociedade Britânica da Cruz Vermelha, 1917
NÃO LHES CABIA SABER A RAZÃO
Professores, mineiros de carvão, bancários, granjeiros, pequenanobreza, classe média urbana, trabalhadores e camponesesno meio da fúria, o que os mantinha nas trincheiras? O queos conservava à beira da terra de ninguém, aquela faixa deterritório que a morte governava com punho de ferro? O queos levava a sair das trincheiras, em longas filas que, apesar do barulho, do terreno, do terror e da confusão, permaneciamextraordinariamente ordenadas? O que os mantinha em con
fronto constante com a morte ou seus símbolos, no ataque eno contra-ataque; na defesa, nas faxinas ou nas marchas; no
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verão e no inverno; na linha de fogo, na linha de apoio,na reserva, no descanso e, talvez o teste supremo, nogozo de licença?
Não estamos falando aqui de exércitos profissionais, masde exércitos de massa, de voluntários e conscritos, como o
mundo nunca tinha visto até então, e não estamos falandode sistemas militares em que se obtinha obediência através dochute, do laço ou do leito de Procusto. Ainda se punia adeserção com a morte, e as cortes marciais estiveram ativasdurante a guerra, mas a incidência de insubordinação e sedição era minúscula em relação ao número de combatentese em vista das condições que tinham de enfrentar. A questãode saber o que mantinha a afluência de homens a este in
ferno da Frente Ocidental é básica para uma compreensãoda guerra e do seu significado.O que se torna claro na leitura dos diários e das cartas
de soldados do front é que em serviço na linha de frente, particularmente em ação, mas também nas tarefas rotineiras,os sentidos ficavam tão entorpecidos pelas inúmeras agressõesde que eram vítimas que cada homem tendia, depois de algum tempo, a viver de acordo com reflexos. Funcionava ins-tintivamehte. É claro que a autopreservação não deixava deser um instinto importante, porém ainda mais importantes,considerando-se a situação em que o soldado se encontrava,eram as firmes regras de conduta estabelecidas pelos militarese, especialmente, as normas sociais que constituíam o contextomais amplo dos militares. Reflexos e instintos eram em grande parte prescritos pela sociedade do soldado.
Sobre um ataque, Alan Thomas escreveria mais tarde: “O barulho, a fumaça, o cheiro de pólvora, o matraquear do fogo
de fuzis e de metralhadoras se juntavam para entorpecer ossentidos. Eu tinha consciência de que eu e outros soldadosavançávamos, mas de pouca coisa mais.1 Thomas pode nãoter se dado conta do por que avançava, mas não deixava deavançar, leal, obediente e honradamente, por muitas razões;e a maioria dessas razões era positiva, e nã_o negativa. “Acausa”, com sua profusão de interpretações — pessoais, familiares e nacionais — era um fator muito mais importante
na determinação do comportamento do que a ameaça de punição.
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Para Patrick McGill, dos Irlandeses de Londres, sair dastrincheiras para o ataque significava que “ chegara aquele momento em que não convinha pensar”.2 O tempo e até o lugardeixavam de ter importância. A tarefa imediata a cumprir
— passar pelo próprio arame farpado de suas próprias linhas,
atravessar o terreno cheio de crateras, observar os sinais dochefe do pelotão, arcar com o peso do equipamento — eraexaustiva. Nesta situação o soldado funcionava segundo regras marteladas durante o treinamento, mas também segundotodo um código de valores incutido por sua sociedade, educação e criação.
É perfeitamente compreensível que uma reação ditada por reflexos determinasse o comportamento em situações de
perigo extremo. O material documental contém referências frequentes a um estado semelhante ao da anestesia. Eis a descrição, feita por Alexander Aitken, de um ataque a Goose Alleyno Somme, em setembro de 1916:
Passei pela fumaça. . . Num ataque cornb este, sob fogomortal, fica-se tão impotente quanto um homem segurando eletrodos fortemente carregados, impotente para
fazer outra coisa que não seja continuar mecanicamente;removido o último escudo contra a morte, a vontade sefixa como o último pensamento com que se entra naanestesia, que é o primeiro pensamento com que se saidela. Só a segurança, ou o choque de um ferimento, destruirá essa auto-hipnose. Ao mesmo tempo toda emoçãonormal fica inteiramente entorpecida.3
Mas outros relatos sugerem que, para muitos, este estado beirando a narcose tornava-se uma condição constante de vida prolongada nas trincheiras. Depois que um soldado passavatrês semanas no front, notava-se nele uma nítida mudança:suas reações geralmente se embotavam, o rosto exibia menosexpressãot, os olhos perdiam o brilho. O estudante alemão HugoSteinthal notou a insensibilidade que o soldado desenvolvia,o que o capacitava a sobreviver mentalmente nesse inferno.
Depois de ser substituído numa tarefa particularmente cansativa nas trincheiras, ele escreveu aos familiares:
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Quem quer que tenha estado nestas trincheiras tanto
tempo quanto a nossa infantaria, e quem quer que não
tenha perdido o juízo nestes ataques infernais, deve pelo
menos ter ficado insensível a muitas coisas. Quantidade
demasiada de horror, quantidade excessiva do incrível foi
arremessada contra nossos pobres camaradas. Para mim éinacreditável que isso possa ser tolerado. Nosso pobre
cérebro simplesmente não é capaz de absorver tudo isso.4
Marc Boasson se referiu ao automatisme anesthésiant que a
experiência da trincheira provocava.5 Fritz Kreisler observou
o "estranho estado de espírito psicológico, quase hipnótico”
em que se caía.6 O general Pétain viu jovens inocentes en
trarem na "fornalha de Verdun” pela primeira vez, afetandodespreocupação e indiferença. Quando saíram de lá, os sobre
viventes tinham expressões "paralisadas pela visão do terror”.7
Choque emocional ou neurastenia foi o termo finalmente apli
cado a casos extremos desta condição, mas os estados-maiores
do exército e os oficiais médicos custavam a admitir tal con
dição. O tenente-coronel Jack do 2? Batalhão de Yorkshire
anotou, em seu diário de novembro de 1916, o caso de um
de seus oficiais que tinha servido com o batalhão na França
desde novembro de 1914 e que agora estava claramente so
frendo de esgotamento nervoso:
Eu. . . informei ao Alto Comando seu estado de esgota
mento e pedi que fosse mandado para .casa a fim de pas
sar uns dias longe das batalhas. Recebi a resposta curiosa
de que isso de. soldado "esgotado” era coisa que não
existia, e meu pedido foi recusado.8
Se os militares relutavam em reconhecer o choque emocional
das bombas, os civis não tinham a menor idéia do que seria
esta condição. Garfield Powell, enfurecido durante a ofensiva
do Somme com as banalidades ditas pelos políticos, sugeriu
que todos eles fossem obrigados a passar uma semana nastrincheiras:
Choque emocional! Será que eles sabem o que isfco significa? Os homens tornam-se fracos como crianças, gri
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tando e sacudindo os braços loucamente, agarrando-se ao
companheiro mais próximo e suplicando para não serem
abandonados.9
Talvez não seja uma hipótese fantástica afirmar que muitos,
talvez até a maioria dos soldados das linhas de frente das principais áreas de combate, sofriam em maior ou menor grau
de choque emocional provocado pelas bombas. Como se ex
pressou o poeta-soldado francês Charles Vidrac:
. . . o homem que tropeçou
Entre as pernas da morte e
Depois se recupera e respira de novo,
Só pode rir ou chorar: Não tem coragem de lamentar.
Até para um homem que se sentisse funcionando normalmente,
a vida na linha de frente exigia tanto trabalho braçal — con
sertar trincheiras, cavar novas latrinas, cuidar do arame far
pado, estar de sentinela, limpar equipamentos, caçar ratos e
piolhos — que ele raramente tinha tempo ou energia para
pensar no significado e no objetivo da guerra. Os oficiais que
censuravam as cartas achavam a tarefa tremendamente monó
tona por causa do conteúdo trivial de quase todas as cartas.
Preocupações materiais — referências às refeições, a cigarros,
roupas, equipamentos, e a uma multidão de coisinhas irri
tantes como o tempo e os parasitos — predominavam; as
emoções dificilmente transcendiam o sentimentalismo barato; e
usualmente recorria-se aos lugares-comuns para falar da guerra.
Mesmo um observador sensível como Roland Dorgelès admi
tiu que "as impressões mais profundas me vieram mais tarde,com algum distanciamento. No local, prestava atenção a pe
quenas questões, e estes detalhes quase sempre me impediam
de julgar o todo”.10
Preocupados nas trincheiras com a grande quantidade de
detalhes — "esmagados”, como disse André Bridoux, "pela
necessidade da hora”11 — e privados de informações precisas
sobre o curso da guerra em outras frentes, os homens achavam
difícil formar uma imagem coerente da guerra como um todo.Esta é uma das razões por que um romance como Le Feu
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A guerra tinha adquirido uma importância tão monumental, como uma divindade insondável e indefinível, que as palavras e as idéias se tornavam inúteis. Gabriel Chevalier:"Nunca me senti tão vazio de idéias.”15 Charles Delvert: “Ointelecto de todos está entorpecido. Ninguém pensa mais. A
cabeça pesa como chumbo.”16 Dillon Lawson: "A conclusãoinevitável a que se chega aqui é que pensar sobre as coisasé mais do que inútil.”17
Com a exceção de alguns incidentes de menor importância, houve nas fileiras britânicas e nas alemãs uma lealdadequase absoluta até o fim. Não se deve superestimar os desacordos, os casos de insubordinação, ném mesmo o motim dascompanhias formadas por trabalhadores no acampamento da
base britânica em Étaples, em 1917. Considerada no amplocontexto da grande mobilização de milhões de combatentes eda colossal infra-estrutura burocrática e industrial criada paraa guerra, a incidência de indisciplina era baixa. Nas linhasfrancesas ocorreram de fato motins generalizados em 1917,depois das ofensivas desastrosas e totalmente infrutíferas deabril daquele ano no Chemin des Dames. Mas os estudosmostraram que esses motins não foram inspirados por dú
vidas fundamentais sobre o objetivo da guerra, e sim porqueixas básicas a respeito de questões como regularidade daslicenças, qualidade da comida, inadequação das oportunidadesrecreativas nas posições de retaguarda, preço do pinard (vinho),falta de tabaco e assim por diante. A administração francesado esforço de guerra tinha entrado em colapso, o que perturbou o moral das tropas, e não vice-versa.
Se a guerra estava reduzida, certamente por volta de
1916, a reações reflexas, as premissas das civilizações e culturas que participavam da guerra passavam a ser de importância vital. E quanto a isso, a palavra-chave crucial paraestas premissas era "dever”, ou devoir , ou Pflicht. Depoisque o verniz do heroísmo se gastou no primeiro mês da guerra,e à medida que o conflito entrava na fase enervante do desgaste, o conceito de dever tornou-se a cavilha para o esforço.Enquanto a palavra guardasse algum simulacro de signifi
cado, expresso ou não expresso, a guerra continuaria. Enquanto,em momentos de reflexão, os soldados pudessem de alguma
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forma relacionar seus reflexos e comportamento instintivo a
um subjacente senso de responsabilidade, continuariam a lutar,
apesar do horror, do cansaço e até do desânimo.18
Uma boa parte da literatura da e sobre a guerra —
desde obras como Le Feu de Barbusse e a poesia de guerra
de Siegfried Sassoon, Wilfred Owen, Robert Graves e HerbertRead, passando pela “literatura do desencanto” dos anos vinte,
até algumas recentes análises da sensibilidade dos soldados —
dá grande ênfase ao nascente senso de ironia, desilusão e
alheamento entre os soldados do front. Esta sensação de de-
sarraigamento e marginalidade em relação à ordem social exis
tente e seus valores é importante, e retornaremos a esta ques
tão, mas o que merece atenção no contexto da guerra é que,
apesar da crescente insatisfação, a guerra continuava, e poruma única razão: o soldado queria continuar a lutar. A ra
zão desta sua atitude exige explicação, mas este é um ponto
que tem sido freqüentemente ignorado.
Foi só na Rússia que o front desmoronou. Ali existia
uma sociedade ainda relativamente atrasada e que não havia
desenvolvido os meios econômicos, sociais e morais para en
frentar uma longa guerra. A socialização, através da educa
ção e de outras instituições do Estado, não tinha ido muitolonge na Rússia. A indústria não se mostrava suficientemente
abrangente ou moderna para prover suprimentos ou muni
ções adequadas, e a falta de equipamentos atormentou os
exércitos do czar durante toda a guerra. A maioria dos sol
dados russos, como a maioria da população russa, era for
mada por camponeses analfabetos cuja inspiração para a luta
provinha apenas da lealdade ao czar. Sua atitude para com
a vida era mais básica do que a dos soldados de sociedadesurbanas, industrializadas e letradas; era destituída de ador
nos sociais e equipamentos ideológicos. Conseqüentemente, o
moral era pior,. Em dois anos e meio os russos sofreram cinco
milhões e meio de baixas. As tropas ficavam constantemente
sem munição, a população civil sem comida; o sistema de
transportes era um caos; e o governo estava dividido. O
terrível inverno de 1916-1917, com sua fome em grande es
cala, completou o colapso. Na primavera de 1917 o povorusso já estava farto. Aquele ano presenciou duas revolu-
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ções,.em março e em novembro, com os bolchevistas engen
drando a última. Em março de 1918 o Tratado de Brest-
Litovsk tinha sido assinado com os alemães, e a Rússia es
tava fora da guerra.
Nos outros países o exemplo russo provocou murmúrios
de simpatia no segundo semestre de 1917, mas em geral manteve-se o mora l.'O que portanto, significava o “dever”, e
como este significado mudou no curso da guerra?
DEVER
Na visão de mundo da classe média do século XIX o pro
gresso, que afinal constituía a essência da história, era um
produto de continência moral e ambição secular, um amál
gama de senso de destino e crença no esforço individual.
Nesta perspectiva geral estava implícita a idéia de que era
possível e desejável uma reconciliação, se não uma completa
identificação, entre a necessidade pública e o desejo indi
vidual. Para um homem como Samuel Smiles, noções de pro
gresso coletivo, por um lado, e de honra, esforço e felicidade
individual, por outro, estavam todas ligadas entre si: “O tra
balho honrado viaja pela mesma estrada que o dever; e a
Providência os uniu estreitamente com a felicidade.”1
Vemos, porém, que, para Smiles, o trabalho e o dever
estavam apenas “estreitamente ligados” com a felicidade. Não
coincidiam. Se um estado de supremo bem-estar não resul
tava necessariamente do cumprimento do dever, este dava
uma forte sensação de satisfação pessoal. No código moral
ideal da classe média do século XIX o esforço individual
visava sempre à harmonia social, ao bem-estar de todos, ao
bem público. No final, os interesses do indivíduo, que de
viam ser protegidos e favorecidos pelo Estado, ficavam su
bordinados ao bem público; a çompostura pessoal era o sinal
da respeitabilidade; e a idéia de servir ao público, ou dever, tornou-se a grande realização desta classe.
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À medida que as instituições e os instrumentos do Estado se desenvolviam no século XIX e caíam gradativamentesob controle público, a classe média passou a fornecer osfuncionários e os diretores de escolas, hospitais, tesourarias,empresas de serviços públicos, repartições coloniais, sem fa
lar na participação cada vez maior no próprio governo. Nosetor privado, bancos, companhias de seguro e corporaçõesindustriais também tiravam proveito da iniciativa e da am bição da classe média. Até os exércitos vieram a ser, no final' do século, instituições predominantemente de classe média,da oficialidade à tropa. Só os estados-maiores permaneceramna mão da velha aristocracia, embora mesmo ali o controle declasse já não fosse sólido.
Em 1914 na França, na Grã-Bretanha e na Alemanhafoi principalmente a classe média, imbuída das idéias de serviço e dever, que partiu para a guerra. Esta foi a primeiraguerra da classe média na história. Se as guerras anteriorestinham sido guerras de dinastias, de interesses feudais e aristocráticos, de rivalidades principescas, a Primeira Guerra Mundial foi a primeira grande guerra da burguesia. Não é, portanto, surpreendente que os valores desta classe média te
nham se tornado os valores dominantes da guerra, determinando não apenas o comportamento dos soldados como indivíduos, mas toda a organização e até a estratégia e as táticas da guerra. Sua própria extensão — foi naturalmentechamada de a Grande Guerra — refletia a preocupação daclasse média do século XIX com crescimento, ganho, realização e tamanho. Máquinas, impérios, exércitos, burocracias,
pontes, navios, tudo aumentou de tamanho no século XIX,
este século maximalista; e Dreadnought e Grande Bertha foram os nomes reveladores que os europeus deram a suas maisterríveis armas às vésperas da guerra, esta guerra maximalista.
A mensagem do rei Jorge à Força Expedicionária Britânica que em agosto de 1914 partia para a guerra foi: “Tenhoconfiança irrestrita em vós, meus soldados. O dever é a vossadivisa, e sei que vosso dever será nobremente cumprido.”Quando Kitchener apontou seu dedo para o público britâ
nico no famoso cartaz de recrutamento — “Seu País Precisade Você” —, o slogan correspondente que o olhar penetrante
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pretendia evocar era: "Cumpra o Seu Dever.” Sobre os "pri
meiros cem mil”, Ian Hay escreveu em sua celebração muito
popular e vibrante da Força Expedicionária Britânica:
Em seus corações seja gravado-
Este momento de uma única linha: Ele fez seu dever — e sua parte!2
Na efervescência que acompanhou os primeiros meses da guerra,
a noção de dever, em ambos os lados, tinha uma ressonância
grandiloqüente, proclamando a gloriosa defesa do país natal
contra a ignóbil e pérfida agressão estrangeira. Dever e aven
tura eram uma coisa só.
Na Grã-Bretanha e na França associava-se o dever àhonra, à lealdade, e à luta por valores civilizados e civiliza
dores como justiça, dignidade e libertação do jugo da tirania.
Proclamavam-se estes valores em voz alta, na verdade clamo
rosamente, com "grandes frases retumbantes”, como escreveria
Anthony Powell mais tarde.3 O estridente apelo ao dever exer
ceu sem dúvida o seu efeito sobre muitos, mas também houve
os que se dispuseram a participar ativamente do esforço de
guerra depois de tomarem decisões sóbrias e ponderadas baseadas numa argumentação socrática. E. L. Woodward, que
deveria se tornar um ilustre historiador, formara-se em Oxford
em 1913 e depois passara um ano em Paris. Quando estou
rou a guerra alistou-se, não porque desejasse lutar contra a
"barbárie” alemã, mas porque achava que se alguém se bene
ficiara das leis de seu país, não tinha moralmente o direito
de rejeitar estas leis se elas de repente não satisfaziam.4 Um
major australiano, B. B. Leane, que seria morto em ação em1917, confidenciou sentimentos semelhantes, embora expres
sos com menor eloqüência, á seu diário em abril de 1915:
"Tenho esperança de me sair bem, mas é impossível prever,
e devo cumprir meu dever, seja ele qual for.”5 Na França
houve apelos e argumentos semelhantes, mas é claro que com
uma nota adicional de urgência, uma vez que a França foi
diretamente atacada e ocupada.
Tanto na Grã-Bretanha como na França associou-se inicialmente o dever ao patriotismo, e o patriotismo espalhafa-
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toso tinha um forte sabor histórico. As realizações desses dois
países durante os séculos anteriores tinham uma realidade
objetiva, um apelo tangível, uma visibilidade discernível em
qualquer mapa do mundo e em muitas das instituições jurí
dicas e governamentais de todo o mundo — em parlamentos,
ministérios, sistemas judiciários. De fato, a história proviaa substância da identidade britânica e francesa, e esta iden
tidade tinha uma essência externa. Portanto, o dever não era
uma noção abstrata no início da guerra. Era um imperativo
prático. “Suponho que em nenhuma outra época foi tão forte
a consciência do passado”, escreveu um galês veterano dessa
guerra, David Jones.6 A felicidade individual, a auto-realiza
ção e até o objetivo individual não eram em geral fatores de
motivação, embora houvesse reconhecidamente alguns indivíduos, sobretudo na comunidade intelectual e artística, cujo
entusiasmo pela guerra era provocado por interesse pessoal.
A guerra, para a maioria dos ingleses e dos franceses, cons
tituía uma etapa na marcha da civilização, na continuação
do progresso, ambos os quais baseavam-se nos chamados ali
cerces históricos concretos. “Estou intimamente convencido,
em minha alma de cavalheiro, de que estou lutando pela civi
lização”, escreveu Louis Mairet na Páscoa de 1915, antes de participar de seu primeiro ataque. “Compreendo muito bem
qual é o meu dever; não deixarei de cumpri-lo... Não sou
absolutamente um guerreiro; mas me tornarei um guerreiro
por necessidade.”7
Quando a guerra se atolou no impasse e no desgaste, as
noções de dever e devoir começaram a perder suas implica
ções agressivas e confiantes. Antes de sua morte em julho
de 1915, em Artois, Jean-Marc Bernard escreveu um poemaque incluía estes versos:
Estamos tão desesperançados,
A paz está ainda tão distante
Que às vezes mal sabemos
Onde se encontra nosso dever.8
Refletindo sobre o que fora realizado em 1915, Percy Jonestinha “calafrios” quando olhava para um mapa e via “até
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onde os alemães ainda tinham de ser forçados a retroceder”.9
E, por volta de setembro de 1915, Charles Sorley estava con
vencido de que a linha que defendia era inexpugnável: "Agora
a linha já não pode ser vergada para trás do ponto em que
nos encontramos; mas eu me pergunto se pode ser ou se
algum dia será vergada para a frente.”10 Em casa, Vera Brittainobservou no começo de 1916 que, segundo os pessimistas, a
guerra poderia durar dez anos.11
Nas cartas e diários de soldados do jront, voluntários e
convocados, diminuem, à medida que a guerra se arrasta, as
menções ao objetivo global da guerra, à defesa da civilização,
e aumentam as referências aos horizontes sociais limitados do
indivíduo — sua família, seus camaradas e seu regimento.
Embora um dos grandes temores dos soldados fosse a possi
bilidade de sucumbir ao estresse, de perder o autocontrole,
de suas pernas ou nervos lhes falharem numa emergência, é
surpreendente como em geral dão pouca atenção ao eu, ao
eu espiritual, a discussões de emoções pessoais, como cora
gem, medo, esperança ou cólera. Também não há muita refe
rência à religião, nem entre os capelães. Os diários pessoais
calam-se sobre as emoções e os ideais. Garfield Powell achou
"todo o maldito espetáculo” do Somme
tão impessoal que não se pode. . . sentir qualquer emo
ção pessoal. . . quando no meio da ação. Esperança, vin
gança, cólera, desprezo: qualquer um desses sentimentos
seria uma emoção alentadora na batalha, mas acredito
que poucos os experimentam.12
O foco da atenção se fixa em elementos exteriores — ne
cessidades materiais e privações, o bem-estar, dos companhei
ros, o ânimo do front interno. Abel Ferry, que no início da
guerra havia destilado idealismo, escrevia do jront em maio
de 1916: "Idealismo é ingenuidade. O mundo pertence àque
les que não acreditam em idéias.”13 Falando de seus soldados
em Verdun, o general Pétain observou que a "determinação”
se tornara sua principal característica e estímulo: "um desejoinflexível de defender suas famílias e seus bens contra o in
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vasor.”14 As preocupações reais, mais do que os princípiossublimes, mantinham os homens em atividade.
No mundo imediato do soldado o regimento se tornouo foco do dever. Um intenso sentimento de camaradagem foiuma das emoções mais fortes geradas pela guerra. “Não quero
que pensem que somos infelizes”, escreveu um sombrio Her- bert Read da linha de frente em abril de 1918; “somos solidários em nossas dificuldades e isso cria toda a diferença.”15O âmago dessa camaradagem era um senso de responsabilidade para com os companheiros e uma total dependência emrelação a eles. Jira a intensa sensação de pertencer a um grupo.
É interessante observar que os soldados parecem ter se preocupado com a possibilidade de o front interno rachar.
Conseqüentemente, a propaganda fluía em duas direções. Nãoapenas o frònt interno — por exemplo, a imprensa em seuseditoriais, os clérigos em seus sermões, os professores em suasaulas — pintava um quadro róseo do conflito; os soldadostambém se inclinavam a esconder de seus familiares a horrível realidade da guerra. A censura militar encorajava tal atitude; faltavam também linguagem e metáforas apropriadas
para descrever a nova e inesperada experiência; e havia o
desejo de poupar os seres amados de preocupações e angústias. Parece claro que, com o avanço da guerra, o ânimo do front interno se tornou mais abatido que o do front em luta.Frank Isherwood se queixava à mulher, já em janeiro de 1915,das “cartas deprimentes” que todos, menos ela, ao que parecia, escreviam. Seu irmão, por exemplo, parecia “ter perdido a fé em seu país, em Deus e em tudo o mais. Até oPapa está desacreditado! E são exatamente essas pessoas que
não sofreram nada que fazem o maior alarme”. Em outracarta observou que o rei dissera “que os únicos rostos animados que tinha visto nos últimos seis meses estavam naFrança”.16 A situação em casa se deteriorava, à medida queos anos e a guerra se arrastavam: “Estamos realmente lutando por algo digno do esforço”, Dick Stokes sentiu-se com
pelido a escrever a seus pais em agosto de 1917. Algunsmeses mais tarde, depois que seu pai dera outros sinais de
moral debilitado, Stokes reagiu: “Você diz que algo vai desmoronar— não será o Exército Britânico! que mais pode ser!17
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Quando o foco do dever se estreitou, o primitivo elã deu
lugar à resignação e ao estoicismo. Percy Jones era um jovem
jornalista antes da guerra e foi um voluntário entusiástico em
1914. A nota de 26 de junho de 1916 de seu diário diz res
peito aos preparativos para a ofensiva do Somme:
O general Snow e seus assessores se empenham em nos
dizer que não sofreremos praticamente baixa alguma por
que todos os alemães terão sido mortos por nossa barra
gem de artilharia. Não há nada como a verdade!. ..
Quase nenhum dos rapazes confia nos planos cuidadosa
mente traçados de ataque e consolidação, mas todos estão
determinados a avançar até que alguma coisa os dete
nha. . . Nosso dever é bastante simples: avançar até quealgo nos detenha.18
Do pelotão de Jones, pertencente ao Batalhão dos Fuzileiros
da Rainha, de Westminster, sobreviveu um homem em 1? de
julho de 1916, sem ter sido morto ou ferido. E. Russell-Jones,
um tenente, expressou em seu diário pensamentos como os
de Jones antes do ataque de 1*? de julho — "alguns minutos
antes de começar o que será o início do fim da Cultura Alemã”:
A guerra é um negócio curioso, e muito bom para quem
gosta, mas devo dizer que não sou amante desse jogo.
No momento sinto-me péssimo e me odeio por isso, pois
quando se tem sob o seu comando companheiros tão
maravilhosos como eu tenho, sentem-se muito as pró
prias deficiências, mas aqui estamos e agora temos de
levar a tarefa a cabo; portanto o que se deve fazer éresistir até o fim da melhor maneira possível.19
Por volta de 1917 dever e devoir começaram gradativa
mente a desaparecer do vocabulário ativo dos soldados do
front. Eram então cada vez mais numerosos os conscritos.
Na Grã-Bretanha o serviço militar obrigatório fora introdu
zido em janeiro de 1916. Entretanto, o que talvez mereça
mais ênfase do que o declínio da aprovação consciente daguerra — algo que é compreensível, uma vez que o conflito
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já estava no seu terceiro ano e sem fim à vista, e que a
manutenção de certas táticas não prometia sucesso — é a
vontade manifestada pelos soldados de “continuar”, de “re
sistir até o fim”, apesar do cansaço e do desânimo. Assim,
de três mil cartas escritas por homens do 36° Regimento de
Infantaria da França, regimento envolvido em motins depoisdo desastre do Chemin des Dames, só quatrocentas, ou 13%,
foram retidas pelo controle postal por expressarem alguma
simpatia pelas sedições. A grande maioria nem sequer men
ciona a insubordinação.20 O que é notável neste caso não é o
registro dos motins, mas a moderação e a lealdade da maio
ria das tropas.
Em alguns aspectos a probabilidade de insubordinação
era realmente exagerada pelos velhos comandantes que suspeitavam dos novos exércitos. Haig não confiava nos novos
soldados:
Eles se apresentaram compulsoriamente e deixarão o exér
cito com alívio. Homens desta laia não sabem ficar quie
tos, vêm de uma classe que gosta de dar voz a queixas
reais ou imaginárias, e seu ensinamento a esse respeito
é um lamentável antídoto para o espírito de dedicação
e dever das tropas anteriores.21
O comandante do Terceiro Exército Francês em junho de 1917,
general Humbert, calculava que, de cada cem soldados fran
ceses na época, cinqüenta eram leais, trinta e cinco duvidosos
e quinze nocivos. Humbert exigia das cortes marciais ação
decidida contra os negligentes.22 Em vista desses pressupos
tos o notável é que os soldados, velhos e novos, desempe
nhassem tão lealmente as suas funções, contra todas as expectativas dos altos comandos. Se o ilimitado entusiasmo estu
dantil desapareceu das fileiras, isso se deveu menos à pe
quena mudança ocorrida na composição social dos exércitos
britânico e francês — na Grã-Bretanha, com o recrutamento,
a probabilidade de que a classe trabalhadora fosse mantida
no país, por causa das necessidades da indústria, era agora
maior — do que à natureza da própria guerra.
Além disso, a redução de referências ao dever indicavaa crescente dificuldade que os soldados enfrentavam para ver-
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balizar suas experiências e sentimentos; tinha pouco a vercom o desaparecimento do conceito de dever. Por exemplo,Wilfred Owen podia agora dizer que “ouvia música no silêncio do dever”.23 No verão de 1918, na esteira da grandeofensiva alemã e de sua parcial penetração nas linhas ini
migas, Haig e muitos de seus generais, junto com os jornalistas e os políticos que visitaram o front de ânimo abatido,ficaram encorajados e mais otimistas devido à capacidade derecuperação das tropas.
Em 1916 a guerra parecia ter elaborado seu própriofundamento lógico, destituído de interpretação em termos tradicionais — “É ridículo falar em razão, quando a desrazão
predomina”, escreveu Louis Mairet —, mas o obscurecimentoda clareza anterior não significava que a guerra não devessecontinuar. “Apesar de tudo, é necessário que a luta continue”,disse Mairet, “até o fim de um dos dois grupos”.24 Implícitanessa afirmação está a idéia de que a guerra tinha adquiridoimpulso próprio, mas existe também a aceitação estoica, nãoobstante a confusão e o horror, da necessidade de se permanecer leal à causa original. O sentimento ainda é “nosso
país, certo ou errado”, mesmo que o conceito de país estivesse restrito ao regimento, à família e aos amigos. O escocês Peter McGregor, a quem já encontramos antes, foimorto por um projétil quando trabalhava numa trincheira dareserva em setembro de 1916. A morte não teve nenhum vestígio de heroísmo, o que acontecia praticamente com todasas mortes nesta etapa da guerra. As cartas de condolênciasà viúva, escritas por vários companheiros, entre outros o ca
pitão da Companhia B do 14° Batalhão dos Escoceses deArgyll e Sutherland, e o sargento do pelotão, enfatizavam o bom humor, a “alegria e a coragem” de McGregor. O ca pelão que oficiou no funeral também escreveu:
Rezamos. . . Expressamos gratidões por seu marido terouvido e respondido ao chamado do dever e por Deuso ter considerado apto a sacrificar a vida pelo seu país.
Isto deverá confortá-la. A senhora encontrará consolo nas palavras do Senhor — palavras repetidas à beira do
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túmulo de seu marido: "Ninguém tem mais amor para
dar do que o homem que dá a vida por seus amigos í ”25
Fala-se aqui de dever, serviço ao país, mas a ênfase recai no
círculo imediato dos companheiros soldados.
Naturalmente, se o propósito já não era tão óbvio parao combatente como no início, e se a guerra tinha de conti
nuar, então ela precisava ser travada com base em "verdades
eternas”, recursos interiores, que o homem adquiria na sua
sociedade e na sua cultura. Um amigo sensível de Vera Brittain,
preocupado com a possibilidade de não passar, numa emer
gência, no teste de coragem das linhas de frente, escreveu:
"Digo-lhe que é uma verdadeira maldição ser temperamental
por aqui. O ideal é ser um inglês típico.”26 E ser um inglêstípico significava, é óbvio; reprimir os sentimentos íntimos,
assumir um ar decidido e funcionar de acordo com. o formu
lário. Vital era o que os britânicos costumavam chamar de
"fundo”: estabilidade de caráter, capacidade de resistência,
integridade. Nesta existência primitiva, a coragem e a mòra-
lidade tendiam a ser equiparadas. Os corajosos eram inevi
tavelmente "os bons”, "os bons” inevitavelmente os corajo
sos. Portanto, a moralidade era essencialmente uma questãode comportamento exterior, de decoro. Entre os que não
conseguiam. agüentar estavam usualmente os beberrões e os.
mulherengos. "Nas trincheiras, os pecados nos desmascaram”,
disse um soldado.27 Em 1917, tanto entre as tropas britânicas
como entre as francesas, não se falava de glória nem de galan-
teria, havia menos referências específicas ao dever, mas fa
lava-se muito de resistência, determinação, comprometimento,
coragem, perseverança. Na literatura de guerra diz-se freqüentemente que qs
homens já não faziam a guerra; a guerra se fazia à custa
dos homens. Dada a esmagadora tecnologia de guerra — as
metralhadoras, a artilharia e o gás —, o soldado individual
se via oprimido por uma sensação de vulnerabilidade e im
potência; César Méléra, que navegara ao redor do mundo an
tes da guerra, afirmou, em Verdun, que esta forma de guerra
marcava "a bancarrota da guerra, a bancarrota da arte daguerra; a fábrica está matando a arte”.28 Mas, apesar da perda
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da individualidade, os soldados continuavam a .lutar. Em ge
ral, não se amotinavam nem desertavam em massa. Os ho
mens ainda faziam esta guerra — não só os generais, mas
também os miseráveis soldados da infantaria. A literatura sot
bre a guerra é desequilibrada. Concentra-se em sua maior
parte nas repercussões negativas da guerra, negligenciando osinstintos positivos que a sustentaram por mais de quatro anos.
Até Herbert Read, que admirava Nietzsche e era dado a in
clinações anarquistas mesmo antes da guerra, chegou a es
crever numa carta de julho de 1917: "Começo a compreender
que o mais importante na vida é possuir as vagas qualidades
de um 'cavalheiro’ e ser em todas as ocasiões 'um cava
lheiro’.”29 Esta é exatamente a razão pela qual os britânicos
alegavam estar lutando, pelas leis não escritas do comportamento civilizado. Que um espírito livre como Herbert Read
mudasse de opinião é chegasse a esta conclusão demonstra a
força da motivação não expressa.
Para cada soldado, independentemente de nacionalidade,
esta motivação se enraizava na ordem e nos valores sociais
de seu respectivo país. E apesar de todo o emprego incorreto
a que a palavra burguês tem andado sujeita — por parte de
cínicos, partidários políticos e jovens rebeldes —, ela ainda pode ser aplicada à ordem do século XIX que se desenvol
veu na Europa ocidental e aos componentes culturais desta
ordem. Como adjetivo, a palavra é, além disso, aplicável ao
modo como a guerra de 1914-1918 foi travada. Acima de
tudo, esta foi a guerra civil da classe média européia. Em
bora, em nossas estratificadas sociedades pluralistas, já não
consideremos fácil definir burguês ou classe média em ter
mos contemporâneos, o europeu da virada do século não experimentava esta dificuldade, e as duas palavras tinham uma
realidade na organização social, mas particularmente num re
servatório de virtudes. Embora o bem-estar material, a edu
cação, a carreira e as afiliações sociais fossem determinantes
ponderáveis de status e respeito, a adesão voluntária a um
código de valores e a anuência a certas formas de compor
tamento eram a chave para o ingresso na sociedade burguesa.
Os valores eram a cola que mantinha a classe e a sociedade
unidas.
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A Grã-Bretanha era a sociedade em que esses valores
que identificamos com a classe média tinham penetrado mais
profundamente. A religião leiga do progresso, a preocupação
com a utilidade, o sucesso e o decoro, o culto do trabalho,
da perseverança e do compromisso moral, a veneração, acima
de tudo, pelos esforços e serviços socialmente motivados —esses elementos estavam no âmago das realizações britânicas
no mundo e também no centro da condução britânica da
guerra. A França, também, apesar de certo grau de agitação,
era governada, às vésperas da guerra, por um código seme
lhante de valores, legados pelo idealismo da Revolução, pelas
mudanças no poder que tinham acompanhado a “monarquia
burguesa” de Luís Filipe, pelo rápido crescimento econômico
sob o Segundo Império de Luís Napoleão e pelas realizaçõesgradativas, mas reconhecidamente desiguais, da ordem parla
mentar republicana depois de 1871. Grande parte da França
aderiu a uma ética positivista de realização através do es
forço. “A burguesia é essencialmente um esforço”, insistia o
burguês francês René Johannet.30 A Grande Guerra também
foi essencialmente um esforço. “O pior horror desta guerra”,
observou Benjamin Crémieux mais tarde — ele serviu como
soldado de infantaria durante toda a guerra, tendo sido ferido três vezes —, “foi que os homens que dela participa
vam eram capazes de lutar com a mesma consciência com
que fariam qualquer outro trabalho”.31
Como se inculcavam os valores burgueses? Numa dis
cussão sobre os requisitos para a estabilidade social, John
Stuart Mill deu maior ênfase à necessidade de “um sistema
de educação, começando na infância e continuando pela vida
afora, do qual um ingrediente^ principal e constante era adisciplina repressiva, quaisquer que fossem os outros elemen
tos que pudesse incluir”.32 A chave para a estabilidade se
encontrava na subordinação dos interesses e caprichos indi
viduais às necessidades e aos fins da sociedade. Embora a
instrução formal fosse apenas uma parte modesta da visão
mais abrangente de Mill quanto à educação, a Europa oci
dental tinha promovido, graças à instituição da educação pri
mária obrigatória, a alfabetização quase universal no fim doséculo, e, segundo o consenso geral, a instrução secular, que
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à tática da surpresa, tudo condizia com uma forma de pen
sar e uma visão rígida da vida que. podemos caracterizar como
burguesa. A própria promoção de Douglas Haig a chefe do
estado-maior geral britânico contém um valor simbólico: aqui
estava um homem cuja vida e comportamento eram o epítome
dos valores.e ambições da classe média. Severo, religioso, dedicado, trabalhador, emocionalmente reprimido, mas um mo
delo de honra, competência e respeitabilidade, ele é o símbolo
de uma era — provavelmente toda cidade importante do
Commonwealth tem uma escola que leva o seu nome. No
entanto, ele também representa a tragédia de uma época.34
•O general Joffre, chefe do estado-maior francês — até
ser substituído em 1916 —, embora bem menos abstêmio,
não deixava de ser uma versão gaulesa de Haig. Os doisdemonstravam ter uma perseverança confiante e ínuito sangue-
frio. Ao Ministro da Guerra, Gallieni, que estava preocupado
com a formação alemã em Verdun em dezembro de 1915,
Joffre replicou arrogantemente: “Nada justifica os temores que
foram expressos.”35 Em certa ocasião descreveria sua tática
dizendo: “Je les grignote” (Eu não paro de roê-los), uma
imagem reveladora.36
Haig e Joffre eram apenas manifestações superficiais deuma condição geral. Outros oficiais de estado-maior reforça
vam-lhes a influência e as opiniões. Em 1915 o comandante
do Décimo Exército Francês em Artois era o coronel Maud’huy,
que três anos antes tinha declarado a seu regimento reunido:
“Muitos homens fazem continência de forma correta, raros
são aqueles que batem uma bela continência. . . Poder-se-ia
dizer que a continência é a marca da educação.”37 Esta é a
voz e o sentimento do dândi-aristocrata, enamorado dos uniformes azuis e vermelhos e do attaque à outrance, de prefe
rência montados em corcéis. Mas a preocupação com a forma
e o decoro, evidente em Maudliuy, também constituía um
legado aristocrático para a burguesia, que então alegava dar
substância à forma. Num ataque, a formação era absoluta
mente essencial, insistia o capitão de uma companhia francesa:
Em geral fica-se tentado a usar, num ataque, as trincheiras e os caminhos de acesso do inimigo. Mesmo que
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estas vias permitam que você se aproxime do inimigo
com surpresa e sem perdas, elas desmembram a compa
nhia e atacam a formação. Além disso, quando começar
o tiroteio e você tiver de sair para o descampado, vai
se ver em apuros.58
A lógica deste trecho exemplifica um modo particular de pen
sar. Mesmo que você possa ocupar a trincheira inimiga por
meio de ardil, não o faça. A astúcia lhe criará problemas!
Os britânicos talvez tenham sido até mais consistentes em
implementar essas atitudes. O diário do 15° Regimento de
Reserva Alemão diz o seguinte sobre o ataque britânico em
Loos em setembro de 1915:
Dez fileiras de linhas extensas podiam ser claramente
divisadas, cada uma estimada em mais de mil homens,
oferecendo um alvo como nunca se tinha visto até en
tão e nem se julgara possível. Nunca os metralhadores
tiveram um trabalho tão singelo para fazer nem o fi
zeram com tanta eficiência.39
O peso dos equipamentos impedia os soldados de correr, pu
lar ou mergulhar nos buracos abertos pelas bombas em buscade proteção. Mas ninguém jamais pensou seriamente em re
tirar os fardos das costas dos soldados para dar pelo menos
à primeira onda de ataque maior capacidade de manobra e
uma oportunidade de -exercer a astúcia e a imaginação. A
mochila nas costas tornou-se assim um símbolo da bagagem
social e cultural que cada soldado carregava consigo para a
batalha. Robert Graves, que teve a experiência de lutar em
Loos naquele setembro, escreveu um poema em memória doCapitão A. L. Samson, que foi morto perto de Cuinchy:
Encontramos o pequeno capitão à frente,
Seus homens no chão bem alinhados,
. . . eles morreram bem;
Atacaram em linha, e na mesma linha tombaram.40
Método, ordem, sistema: eram a chave para o sucesso.Perseverança em massa. A 1* Divisão Australiana foi levada
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a Pozières no Somme, na metade de julho de 1916, para
realizar repetidos ataques a um alto monte. Os australianos
partiram em 4 de setembro, tendo sofrido 23 mil baixas. Mais
tarde a Official History australiana não conseguiu esconder
seu desdém e sua cólera:
Lançar as várias seções de um corpo de exército, bri
gada após brigada. . . vinte vezes consecutivas contra um
dos pontos mais fortes da defesa do inimigo pode certa
mente ser descrito como um procedimento “metódico*,
más a alegação de ser econômico é inteiramente injus
tificada.41
O problema é .que' se tinha chegado a medir a determinaçãoe a coragem de uma unidade pelo número de baixas. Os
oficiais cujas companhias sofriam poucas baixas tornavam-se
suspeitos; por isso eles insistiam em seus ataques com um
vigor apropriado.
Os homens sabiam que a chacina os aguardava quando
saíam das trincheiras. Como reagiam? “Espero seguir as re
gras do jogo e, mesmo que não lhe dê muito brilho, certa
mente não o deslustrarei”, escreveu um jovem voluntário britânico antes do Somme.42 “Ser capaz de comportar-se corre
tamente em face da morte” — isso, dizia um sargento fran
cês antes de um ataque em Verdun, era o mais importante.43
Esta preocupação còm a reação correta em face do perigo
aparece repetidas vezes nos documentos. A coragem não era
uma questão de inspiração; era uma questão de reservas mo
rais, e todo homem esperava possuí-las em quantidade sufi
ciente. E assim eles “seguiram as regras do jogo” e “comportaram-se corretamente”, aos milhões. Depois que os projéteis
inimigos dispersaram um ataque britânico, “nós prosseguimos
como uma multidão saindo de um campo de críquete”, re
latou Wilfred Owen.44
Os boatos de deserção eram generalizados mas entre os
britânicos pareciam, em sua maior parte, não passar de boa
tos. “Como nos agrada tentar acreditar nestes boatos”, co
mentou T. S. Hope. “O único fator de perturbação é quenunca encontramos uma testemunha ocular de um só caso.”45
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Da mesma forma, durante os motins franceses de maio e ju
nho de 1917 as cartas dos soldados freqüentemente mencio
navam histórias de oficiais que tinham sido mortos por seus
homens, mas nenhum dos correspondentes parecia ter presen
ciado um desses incidentes.46
Em setembro de 1917 o jornalista Michael MacDonaghestava na estação de Claphàm Junction em Londres quando
observou dois trens pararem em lados opostos da plataforma.
Um trazia Tommies que iam para o front, e o outro, prisio
neiros de guerra alemães. Os alemães riam e gritavam Ka-
merad, e os Tommies respondiam jogando chocolate e tabaco
para os alemães. “Muitas pessoas”, refletiu MacDonagh ini
cialmente* “dizem que a guerra não terminará nunca. Fre
qüentemente me pergunto se as tropas de ambos os lados não poderiam pôr fim à luta se decidissem depor as armas e ir
para casa”. Mas.depois pensou um pouco mais nessa visão:
"Impossível! O senso do dever — uma força tremenda —
não o permite.”47
Jean Norton Cru mostrou depois da guerra que, entre
os franceses, as profissões liberais tinham sofrido o mais ele
vado numero de baixas nas linhas de frente.48 Provavelmente
podia-se dizer o mesmo a respeito dos exércitos britânico ealemão. Na Grã-Bretanha o alistamento foi mais numeroso
entre profissionais liberais e empregados do comércio e de
escritório.49 O que é que isso sugere? Falta de senso prático
por parte de advogados, professores e arquitetos? Um toque
de ingenuidade pode ter sido um fator secundário para a
proporção das baixas, mas não é uma explicação completa.
Os profissionais de classe média ficavam aparentemente muito
envolvidos com o objetivo da guerra, com as noções de devere serviço, noções que continuavam a ter significado residual
para eles, mesmo quando esse significado já não podia ser
expresso com precisão. Em 11 de novembro de 1918, dia do
Armistício, Henri Berr, o historiador francês, escreveu as fra
ses finais de uma introdução a um livro sobre a guerra. A
respeito da vitória de sua nação, disse ele: "A França está
experimentando a satisfação que sente um bom trabalhador
que completou uma tarefa honrada.”50 Esta é a linguagem ea moralidade do bon bourgeois. Esta é a linguagem e a mo
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ralidade do devoir. Todo o horror, todo o sofrimento, todos
os custos são equiparados ao cumprimento de uma tarefa por
um bom trabalhador!
Dois médicos franceses, Louis Huot e Paul Voivenel, con
cluíram em julho de 1918 um estudo sobre a psicologia do
poilu. Afirmavam que, ao contrário das idéias de Gustave LeBon, que enfatizara o efeito do ambiente sobre o indi
víduo, a constituição psíquica do soldado francês não fora
fundamentalmente alterada pela experiência da guerra. O poi
lu, alegavam, mantivera-se fiel a si mesmo, à sua nação e
à sua “raça”.51 Os psicólogos estavam ao mesmo tempo cer
tos e errados. O soldado fora sustentado por valores sociais
em que sinceramente acreditava, mas, como veremos, esses
valores ficaram expostos a um ataque tão atroz durante aguerra que as atitudes do soldado para com a sociedade, a
civilização e a história foram, de fato, irreparavelmente alte
radas.
O recurso a valores residuais deu à Grã-Bretanha e à
França os meios para atravessarem o período da guerra, mas
o conflito inerente entre estes valores e a brutal realidade da
guerra moderna iria fatalmente minar os valores. Aos pais
enlutados de Louis Mairet, que foi morto em abril de 1917,um general francês escreveu sobre “a beleza do dever tão no
bremente cumprido”.52 Centenas de milhares de esposas e pais
receberam cartas que expressavam tais sentimentos. Por quanto
tempo essas frases sustentariam üma geração de viúvas, órfãos
e inválidos?
Em 1919, num discurso dirigido a estudantes da Univer
sidade de St. Andrews, Douglas Haig continuou a exprimir
o objetivo da guerra nos velhos e grandiosos termos, termosque na verdade tinham motivado os soldados da Entente du
rante todo o conflito, mas termos que também estavam muito
enraizados numa ética burguesa do século XIX:
Em cada etapa da grande luta da qual finalmente saímos
vitoriosos, nossa coragem foi intensificada e nossa deter
minação fortificada pela convicção de que não estávamos
lutando apenas por nós mesmos e por nosso Império, mas por um mundo ideal em que Deus estava ao nosso lado.
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V I
DANÇA SAGRADA
. . . onde o objeto é criação e produção, é aí a província da Arte; onde ó objeto é investigação e conhecimento, a Ciência é soberana. De tudo isso se concluique é mais apropriado dizer Arte da Guerra que
Ciência da Guerra.
Ka r l v o n Cl a u se w i t z
Uma primavera assim, logo envolta em sombras, Nunca mais teremos no mundo inteiro.
Er n s t Bl a ss
O DEUS DA GUERRA
Na Alemanha de antes da guerra existia um abismo substan
cial entre os ideais culturais e a realidade social, econômica
e política. A tentativa alemã de resolver esta dualidade levou
o povo alemão a um Drang nach vorne, um “ empurrão para
diante”, um esforço de vontade e investigação que, muitos
alemães esperavam, conduzisse a uma transcendência espiri
tual, se bem que secular, dos interesses e limitações materiais.
Geist e Macht, espírito e poder, se reconciliariam num estado
de harmonia supra-real, numa atividade dionisíaca associada
a uma tranqüilidade apolínea, na qual meios e fins, objeto
e sujeito, se fundiriam. Arcaísmo e modernidade se torna
riam uma coisa só. A inovação tecnológica e o progresso industrial se combinariam, numa grande síntese, com um espí-
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rito de simplicidade pastoral. A sociedade e a cultura nãoseriam mais campos em conflito, mas um todo indissolúvel.
No júbilo de agosto de 1914 os alemães acreditavam sinceramente que este objetivo fora realizado, que o estado deguerra havia de fato provocado um estado de paz, de " superação”. Conflitos e diferenças tinham sido afastados, comos alemães alcançando finalmente aquela unidade, espiritual efísica, que Bismarck tentara criar, mas por fim não‘conseguira. "Entre as coisas mais belas que a guerra ocasionou”,escreveu um comentarista, "está o fato de que já não temosuma ralé”.1 A mobilização foi enaltecedora: a turba desa
pareceu, restando apenas os alemães, uma nação de aristocratas espirituais.
Para Friedrich Naumann, Max Weber e outros da esquerda moderada, o espírito de agosto significou a realizaçãodo sozialen Volksstaat , o Estado do povo, no qual a esquerdae a direita política, o trabalhador e o burguês, cooperavamvoluntária e produtivamente. E não estavam unidos apenasos alemães residentes na Alemanha; estes agora se fundiaminseparavelmente com as várias minorias raciais dentro das
fronteiras da Alemanha e com seus irmãos da Áustria. ErnstToller, que devia se tornar um opositor irrefreável dò estabelecimento militar e político, ficou tão arrebatado pela orgiade nacionalismo em 1914 quanto todos os demais. "A nação
já não reconhece raças; todos falam uma única língua, todosdefendem uma única mãe, a Alemanha.”2
A euforia daqueles dias, de agosto foi milenarista. A "vitória” já tinha sido conquistada, pelo próprio surgimento, pela
própria enunciação, das "idéias de agosto”. A vitória no cam po de batalha seria mera formalidade. Era inevitável, um sub produto inevitável do ato alemão de auto-afirmação nacional."Conquistaremos!” insistia um estudante de Direito de Leipzigem 7 de agosto. "Com uma vontade tão-poderosa de vencer,nenhuma outra coisa é possível.”3 Seis semanas mais tardeele estava morto.
O estado de espírito de agosto foi, como já sugerimos,
essencialmente estético. A forma tinha sido usada, e depoistranscendida, por um supremo ato de vontade criativa, em
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busca de uma beleza que se julgava ser duradoura e defini
tiva. "Como fontes recém-descobertas, a moral e os costumes
alemães nos falam de tudo o que é belo”, escreveu um pro
fessor universitário de Bonn.4 Um "poder mágico” para o fu
turo, foi como um outro comentarista chamou a unidade espi
ritual e o idealismo dos alemães.5 O poeta Rainer Maria Rilkee muitos outros inclinaram-se com uma mesura humilde e re
verente ante o "Deus da Guerra”.
E nós? Ardemos num único Ser,
Numa nova criatura revigorada pela morte.6
Fortalecimento pela morte: tal foi a "sagração da primave
ra” da Alemanha.O conceito alemão de Pflicht, ou dever, estava impreg
nado desse idealismo. Se o dever britânico e o devoir francês
se enraizavam numa noção da história como alicerce e unidade
de construção, o Pflicht alemão estava ancorado numa visão
da história como mito, como justificação poética do presentee do futuro.
Dúvidas sobre a validade da história, sobre a capacida
de de os historiadores produzirem relatos objetivos do passado, tinham certamente invadido o clima cultural de todo o
mundo ocidental antes da guerra. Os próprios historiadores,
na segunda metade do século XIX, mostravam-se céticos quanto
ao curso da civilização ocidentàl; postulavam, como alterna
tiva para o materialismo e a estandardização, uma renovada
ênfase na espiritualidade e na "experiência interior”. Mas na
Alemanha, pelo final do século, este processo se achava muito
mais avançado do que em qualquer outra parte. No começodo século XIX, Schopenhauer tinha definido a história como
"o longo, difícil e confuso sonho da humanidade”, e ridicula
rizara todas as pretensões à objetividade e à universalidade.7
Ele não recebeu muita atenção em vida, mas na segunda me
tade do século sua estrela começou a subir. Em 1870 um ad
mirador de Schopenhauer, o historiador Jacob Burckhardt,
que, embora suíço, estudou em Berlim e exerceu sua maior
influência sobre colegas alemães, escrevia: "Se alguma coisaduradoura deve ser criada, só poderá sê-lo através de um im-
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pulso irresistivelmente vigoroso de real poesia.” A poesia, di
zia ele em concordância com Aristóteles, é mais profunda do
que a história.5 Em Burckhardt a história e a arte andavam
juntas. Theodor Mommsen, o historiador de Roma, que no
início de sua carreira revelara inclinações positivistas, seguia
uma trajetória semelhante em 1874 quando sugeriu em seudiscurso na Universidade de Berlim que "o escritor de his
tória talvez esteja mais perto do artista que do erudito”.9 O
efeito da chamada escola prussiana de historiadores, entre eles
Johann G. Droysen, Heinrich von Sybel e Heinrich von Trei-
tschke, e de pensadores sociais e de problemas históricos
como Wilhelm Dilthey e os neokantianos, foi contribuir sig
nificativamente para a tendência alemã a procurar respostas
para os problemas do homem não no mundo exterior mas na própria imaginação. Em suma, a história era uma questão mais
do presente que do passado, e mais de intuição que de análise
racional. As tiradas de Nietzsche contra a objetividade tor
naram-se cada vez mais populares depois de sua morte em
1900; e, como vimos, críticos culturais de grande erudição
como Julius Langbehn e Houston Stewart Chamberlain pediam
a estetização completa da vida. As verdades da história só
podiam ser abordadas intuitivamente, não por um método crítico. A história era arte, e não ciência. Os pensadores ale
mães estavam na vanguarda da reorientação — ou do des
mantelamento — do pensamento histórico do século XIX, na
revolta contra o empirismo e o positivismo, e na reação a
uma ordem social, política e cultural identificada com o libe
ralismo e materialismo ocidental e com uma duradoura hege
monia anglo-francesa no mundo.
O fervor patriótico alemão em 1914 continha realmenteassociações históricas — com as guerras de unificação de Bis-
marck, as "guerras de libertação” contra Napoleão, a ascen
são da Prússia ao poder na Europa sob os Hohenzollerns,
especialmente sob Frederico o Grande, a rebelião de Lutero
contra a Igreja de Roma, as aventuras de Frederico Barba-
roxa e Otto o Grande, os esforços missionários dos cavaleiros
teutônicos, e até com a vitória de Armínio no ano 9 d.C. No
entanto, a própria novidade do estado-nação alemão, a escassez de indícios de influência alemã, em âmbito mundial, sobre
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as instituições seculares da lei e do governo; o fato de olegado histórico alemão para o mundo ser em grande parteespiritual, através da música, da filosofia e da teologia; tudoisso deu à versão alemã da história e do nacionalismo em1914 um conteúdo fortemente idealista e, em comparação
com a Grã-Bretanha e a França, uma interpretação muitomais propensa a anunciar o futuro do que a compreender o passado. Em 1889, à beira de seu colapso mental, Nietzschedisse a Burckhardt que ele era “todos os nomes na história”.10Sobre seu grupo de homens no front , Gerhart Pastors usoulinguagem semelhante em abril de 1915: “Lutero, Bismarck,Dürer, Goethe — todo um céu de estrelas brilha em nós.”11E Wilhelm Klemm considerava a guerra uma “ realidade fan
tástica”.12 Em outras palavras, história, poesia, sonho e o momento individual uniam-se todos numa única sensação estimulante.
Como corolário, o Pflicht alemão implicava mais do queuma defesa da terra natal, mais do que uma adesão a um código social de obrigações; continha um forte ingrediente sub
jetivo que consistia em honra e vontade pessoal. Honra, nocaso, era mais do que obediência cega às regras de compor
tamento, mais do que lealdade à tradição; implicava inspiração e iniciativa pessoal. O indivíduo não constituía apenasuma partícula dentro de uma associação utilitária chamada sociedade; o indivíduo verdadeiramente alemão era a nação,a encarnação da comunidade. E a nação, por sua vez, não passava de “um ser humano mais elevado”, como se expressou um escritor.13 A nação tinha se condensado no indivíduodinâmico. Isto estava de acordo com o pensamento de Scho-
penhauer e Nietzsche; o mundo não existia senão como criação do indivíduo. A nação era uma criação da imaginação doindivíduo, uma verdade poética, uma sínteSe mental ética, enão social.
A vontade estava ligada à honra. A vontade era o meio pelo qual a honra se impunha. Não era uma força repressiva,mas criativa. Era sinônimo de uma agressiva e inspirada im plementação do código de dever. À crítica procedente dos ini
migos da Alemanha e de sua própria esquerda política antesda guerra, de que o país era um Obriglceitsstaat, um Estado
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hierárquico, no qual a obediência cega constituía o único va
lor, um escritor respondeu, com uma reverência a Rousseau,
que quanto mais fraco é o indivíduo, mais comanda; quanto
mais forte é, mais obedece.14 A Alemanha havia se tomado
uma nação de Titãs. Gerhard Anschiitz, professor de Direito,
de tendência esquerdista, que desempenharia papel importante na elaboração de uma constituição democrática para a Ale
manha depois da guerra, escrevia em 1915: "Que a palavra
militarismo, agora usada em todo o mundo como um pala
vrão contra nós, seja para os alemães um emblema de hon
ra”.15 O jovem soldado Walter Harich expressou os mesmos
sentimentos quando escreveu que a compreensão alemã do
que significava uma ordem militar era exatamente o que dava
à Alemanha a superioridade neste conflito: "Sabemos muito bem que estamos lutando pela idéia alemã no mundo, que
estamos defendendo o sentimento alemão da barbárie asiática
e da indiferença latina.”16
"Faça mais do que o seu dever” era o lema do 24® Re
gimento de Brandemburgo, e que captava a idéia de que a
iniciativa pessoal complementava a ordem comunal. "As coi
sas aqui vão além da simples força”, escreveu Walter Harich
das linhas de frente; "aqui o impossível se torna possível”.17O que a convenção considera improvável, a vontade criativa
do soldado individual torna provável. O impossível é trans
formado em possível por uma transcendência espiritual da
mera obrigação, do simples desempenho, do mero dever —
um dever que na cultura anglo-francesa nada mais é do que
uma função egoisticamente utilitária. Desde o começo da guer
ra, a expressão die heilige Pflicht, o dever sagrado, esta
va em voga. No trem, a caminho do frcnt, em setembro de1914, apreciando a ensolarada e serena paisagem de Eifel ao
redor de Trier e os desolados tons cinza de uma Lorraine
ensopada de chuva, o jovem estudante de Direito Franz Blu-
menfeld foi levado a denunciar a guerra como algo "terrível,
indigno de seres humanos, estúpido, fora de moda e em todos
os sentidos destrutivo”, mas, ao mesmo tempo, exultou com
a idéia do sacrifício e do compromisso pessoal: "Pois a ques
tão decisiva é estarmos prontos para o sacrifício, e não oobjetivo do sacrifício.”18 Aqui a guerra como realidade, como
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ptoduto da história e das relações exteriores entre Estados e
povos, é denunciada e lamentada, mas, como idéia, inspira
ção e meio, é aplaudida.
Embora todos os Estados beligerantes estivessem incli
nados a usar as realizações culturais do passado para escorar
a determinação presente, na Alemanha este processo deu um
passo além. A história perdeu sua integridade e independên
cia como realização passada e tornou-se uma criada do pre
sente, do presente voraz e insaciável. Assim que Fritz Klatt
acordou em 28 de agosto de 1914, deu-se conta, como depois
afirmou, do significado daquele dia. Era o aniversário de
Goethe. Pegou imediatamente o Divã ocidental e oriental, co
letânea de poemas de Goethe; como mencionou numa carta,
o volume, “para falar a verdade, estava bem ao lado da minha pistola”.19 Como a associação de Goethe com um instrumento
mortal indica, a guerra como apoteose do esforço cultural ale
mão constituía outro tema essencial no conceito alemão de
Pflicht. A guerra não é apenas o supremo desafio à cultura;
o desejo de guerrear com o fim de provar superioridade de
veria ser a meta de qualquer cultura. A guerra e a verdadeira
cultura, em oposição à falsa cultura, tornam-se assim sinô
nimos.Em outubro de 1914 o jovem Hans Fleischer se achava
perto de Blâmont à beira do maciço dos Vosges. Certo dia saiu
dos alojamentos de descanso para dar um passeio e no cami
nho deparou com um castelo, o do Barão de Turckheim, num
estado de quase total devastação. Uma biblioteca inestimável,
pinturas, mobília e painéis, tudo fora destruído. Mas num can
to da ruína Fleischer encontrou um piano de cauda — um
Steinway — intocado pela cólera da guerra, e sob o pianodescobriu algumas partituras. E o que escolheu ele? Uma ver
são para piano de A valquíria de Wagner. Sentou-se, tocou e
cantou — com vigor, conforme escreveu — a Lied von Liebe
und Lenz (Canção de Amor e Primavera). Depois foi embo
ra. “Eu tinha estado em casa, executara música alemã e agora
podia retornar de novo à guerra.”20 Mas o que torna a cena
tão comovente é que o jovem não se afastara da guerra. Ela
estava ali, ao redor dele. O piano, a música, as ruínas, aguerra, tudo misturado numa única sensação. Por isso, era
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tão intensa e memorável. Goethe, Wagner e qualquer outrodo panteão da cultura alemã se transformara num senhor daguerra. Quando Romain Rolland, numa carta aberta a GerhartHauptmann, perguntou: “Vocês são os netos de Goethe oude Átila?”, a resposta só podia ser: “De ambos!”
Apesar da confiança inicial, a “inevitável” vitória no cam po de batalha não aconteceu. Não ocorreu em 1914 nemem 1915. Não havia possibilidade de manter o estado de espírito rapsódico dos primeiros dias e semanas da guerra. Existiao perigo de que retornassem as clivagens entre uma essênciaespiritual, alcançada em agosto, e uma realidade debilitado-ra, representada pelas preocupações materiais tanto no front quanto dentro do país. A realidade da vida da trincheira, bem
como questões de salários, preços e a organização do esforçode guerra em todo o país, tudo ameaçava a sublime realizaçãoespiritual. Por volta de 1915 reapareceram as dissensões no front interno quando um número cada vez maior de membrosdo Partido Socialdemocrático começou a questionar os objetivos da guerra e as reformas políticas. A condução da guerra — o recurso ao gás e ao uso irrestrito de submarinos —criou mais problemas. Era esta realmente a guerra defensiva
em que a Alemanha se vira forçada a entrar, como alegavamo estado-maior e o governo?
A resposta dos líderes políticos e militares a esta ameaçaà unidade da nação foi intensificar o esforço de guerra, igualar a totalidade espiritual dos primeiros tempos à totalidadematerial. Em 1916 a liderança política menos agressiva, mais
ponderada e conscienciosa, simbolizada pelo chanceler Beth-mann Hollweg, era alvo de ataques e em meados de 1917
tinha sido afastada. Em julho de 1917 a Alemanha transformou-se, para todos os efeitos, num Estado totalitário sob ocontrole dos militares. Até o kaiser se tornara pouco maisdo que um governante fantoche, cedendo às exigências doalto comando nas pessoas dos generais Hindenburg e Lu-dendorff. Nesse meio tempo, enquanto o impasse militar continuava no Ocidente, enquanto as baixas se elevavam a milhões, enquanto as cozinhas se esvaziavam não só de filhos
mas até de potes e panelas utilizados na fabricação de balas,enquanto a falta de alimentos se tornava cada vez mais séria,
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enquanto reveses se acrescentavam a reveses, o mito da vitó
ria era ainda mais embelezado pela realidade, e não apenas
pela idéia, do sacrifício, da abnegação e do destino. A morte
assumia uma função criativa. A morte passava a ser revigo-
radora. A guerra tinha agora um valor moral próprio, inde
pendentemente de previsões ou percepções tardias dos fatos.A guerra se tornou total.
Enquanto as perspectivas de vitória real ficavam mais
remotas, dada a dizimação da população, masculina alemã,
a eficácia do bloqueio econômico britânico, a entrada dos Es
tados Unidos na guerra em abril de 1917 e o crescimento da
oposição interna à guerra, os hinos guerreiros ao mito da vi
tória se tornavam mais estridentes — e irrealistas. As listas
dos objetivos territoriais da guerra, provenientes de organizações nacionalistas e até de círculos governamentais, começa
ram a perder todo e qualquer vestígio de razão e modera
ção. Se os pangermanistas ou o Partido da Pátria, este último
recém-criado em setembro de 1917, impusessem a sua von
tade, uma futura Alemanha se expandiria dos Urais ao Atlân
tico, do Mar do Norte ao Adriático. Quando o front alemão
no Ocidente finalmente se esfacelou nos últimos dias do verão
e no outono de 1918, Walther Rathenau, judeu prussiano comuma curiosa mistura de inclinações românticas e democráti
cas, que fora o eficientíssimo mentor da mobilização de ma
térias-primas na Alemanha, convocou uma levée en masse,
um levante de toda a nação contra o invasor estrangeiro, lem
brando a luta suicida dos Anabatistas de Münster no século
XVI. O júbilo de agosto de 1914 se tornara uma determina
ção apaixonada nos anos centrais da guerra, atingindo depois
a histeria. A trajetória implicava uma continuação da viagemdos alemães para dentro de si mesmos.
Entretanto, apesar de toda a evidência de desintegração,
o esforço de integração continuou sendo a característica defi
nitiva da guerra alemã de 1914-1918, até o momento do Ar
mistício, às 11 horas da manhã do dia 11 de novembro de
1918. A orientação global nunca deixou de ser positiva até o
fim da guerra. Em meio à morte, a ênfase recaía na regene
ração, no renascimento, na 'vida, na "experiência”. "Eu vejoa morte e brado pela vida” foram as palavras de Alfons Aken-
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brand, que morreu em Souchez no dia 25 de abril de 1915,
com vinte e um anos.21 Só tendo consciência desta metafísica
é que se pode compreender por que os alemães continuaram
a combater. Desde o início eram menos numerosos que os
inimigos. Lutavam em duas frentes. Apoiavam e subsidiavam
os esforços austríacos e turcos. Sua mobilização de homens eequipamentos foi extraordinária. Conseguiram forçar a Rússia
a sair da guerra. Retardaram um ataque dos Aliados que,
desde abril de 1917, contavam com o poderio econômico e,
em 1918, o poderio militar americano. No verão de 1918
chegaram perto, mais uma vez, da vitória..
Um ato de fé, semelhante em alguns aspectos ao que
alimentou o esforço angló-francês, sustentava os alemães. No
final, entretanto, as diferenças entre os credos eram maismarcantes do que as semelhanças. A fé anglo-francesa tinha
um fundamento racional; a fé alemã estava edificada sobre
o idealismo e o romantismo. A fé ahglo-francesa era social;
a alemã, metafísica. O esforço alemão fora preparado por
muitos dos mesmos instrumentos de socialização dos anglo-
franceses: a religião, a educação, o serviço militar e outras
formas de envolvimento do Estado na esfera privada. Mas a
natureza da industrialização alemã — seu caráter recente, suavelocidade relativa e sua forma altamente concentrada — in
dicava que muitos dos valores e normas sociais associados ao
empreendimento comercial e industrial não tinham, penetrado
muito fundo no ser social álèmão, sendo, de fato, considera
dos com desconfiança. O capitalismo alemão era, para tomar
emprestado o adjetivo de um historiador mais recente, "de
preciado”.22 Na Grã-Bretanha, John Stuart Mill tinha reco
nhecido na "divisão de empregos — na realização do trabalhocombinado de vários, de tarefas que não podiam ser executa
das por qualquer número de pessoas isoladamente. . . a gran
de escola da cooperação”.23 Esta "escola da cooperação” che
gara tarde na Alemanha. Consequentemente, a conquista ale
mã da unidade espiritual, em 1914 e durante toda a guerra
— conquista apoiada pela maioria dos socialistas durante
grande parte do conflito — fundamentava-se mais nas virtu
des privadas do que nos valores públicos, mais num esforçode imaginação do que na realidade social. Depois de passar
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Berlim dança no Eldorado da Motzstrasse.
Há apenas uma mulher nesta foto*.
(Bildarchiv Preussischer Kulturbesitz)
Tanz in Baden-Baden, de Max Beckmann, 1923. (Statsgalerie moderner
Kunst, Munique)
Sur les toits de Berlin. O Charleston como
sagração da primavera? Compare a posição
dos pés com os das bailarinas do balé.
(Suddeutscher Verlag, Bilderdienst)
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Lindbergh: homem e máquina. (Coleção Mansell)
Fama: Lindberg chega no aeroporto de Croydon, 29 de maio
de 1927. (Bettman/BBC Hulton)
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Ases da aviação: Lindbergh e Goering. Lindberg examina a espada
cerimonial de Goering. (Popperfoto)
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Homem do povo: Hitler no Feldherrnhalle, l.° de agosto de 1914. (Ullstein)
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Campeões alemães de dança, 1934. (Bettman)
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Primavera sem fim: a última foto de Hitler, no jardim da Chancelaria do Reich,
condecorando a Juventude Hitlerista com a Cruz de Ferro. (Ullstein)
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mais de um ano no front , primeiro na França e mais tarde
combatendo os sérvios, Gerhart Pastors não perdera nada de
seu envolvimento apaixonado. Das margens do Rio Save es
creveu aos familiares, em outubro de 1915, sobre seu ardente
desejo de atacar os sérvios: “Temos essa urgência física de
enfrentar os sérvios homem a homem e de enfiar os punhosna cara deles. Se a ordem de avançar chegar hoje à noite,
nós nos sentiremos como se estivéssemos indo para o céu.”
Ele ainda identificava a batalha com o céu, com a salvação,
com um estado de transcendência. Em 1916, numa edição
de cartas de estudantes combatentes que preparava para pu
blicação, Philipp Witkop escolheu, como fecho de seu vo
lume, esta passagem idealista-brutal que associava o céu a
punhos esmagando faces.24A Grã-Bretanha logo se tornou a principal inimiga da
Alemanha. Era a nação do comércio e da dissimulação, de
Händler em vez de Helden, de comerciantes burgueses em
vez de heróis. Porque, como um negociante à procura de ga
nhos pessoais, não pusera todas as suas cartas na mesa desde
o início da crise de julho, porque não declarara logo sua neu
tralidade nem seu apoio à França, era acusada de ser respon
sável pela guerra. Era culpada, o argumento insinuava, deinação quando devia ter agido. Aqui estava um raciocínio
digno da estética moderna. A vítima, não o assassino, é cul
pada. Inação e contemplação são impuras por definição, su
gerindo tergiversação, cálculo e desonestidade. A ação é, ao
contrário, libertadora, ação é vida, e aquele que age não
pode, portanto, ser culpado. Com extravagância nietzschiana
nega-se o Sermão da Montanha. “Não quem é culpado, mas
o que é culpado, isto é que deve ser estabelecido”, insistiaMagnus Hirschfeld. A Grã-Bretanha era a principal represen
tante de uma ordem negadora da vida, da qual a Alemanha
tinha de se libertar — um mundo que sufocava o verdadeiro
prazer, a inspiração e o espírito.25
Muitos professores universitários alemães que haviam
tido ligações com a Inglaterra antes da guerra tomaram o
inesperado envolvimento britânico como uma desfeita pes
soal, interpretando-o como uma crítica condenatória à cultura ocidental como um todo. O teólogo Adolf von Harnack
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nunca se recuperou do golpe.26 A Bélgica, assim ele e outros
concluíram amargamente, fora usada pela Grã-Bretanha ape
nas como pretexto para atacar a Alemanha. A Grã-Bretanha,
esta Krämer-Nation, esta “nação de lojistas” queria somente
destruir sua rival econômica. Como se poderia explicar de
outro modo o seu envolvimento? Num “poema” que evocava a morte imaginada de Edward Grey, ministro britânico
das Relações Exteriores, e seu terrível destino diante do tri
bunal, Friedrich Jacobsen condenava a guerra da Inglaterra
“por despojos e lucros imundos”.27 Em 1914, na véspera do
Ano-Novo, os oficiais e o primeiro batalhão do 15° Regi
mento de Infantaria Bávaro se reuniram no quartel do regi
mento e, quando o relógio deu meia-noite, embora estivessem
enfrentando os franceses perto de Dompierre, todos saudaramo novo ano com o grito de Gott strafe England.7**
Como o fundamento alemão para a guerra foi desde o
início menos específico que o dos franceses e britânicos, a
interpretação alemã da continuação da guerra ficou analoga
mente encoberta por noções românticas e místicas. Um tema
comum era que a guerra representava a experiência máxima
e que, apesar do horror e do evidente desperdício, uma forma
mais elevada, mais sublime de existência nacional tomariacorpo através da entrega total à energia da guerra, da fusão da
essência alemã com a realidade da guerra. Portanto, a guerra
era tanto educação quanto revelação. Nas palavras do soldado
Ernst Wurche,
Se o significado e objetivo da vida humana é ir além
da mera forma da existência, então já alcançamos bas
tante na vida e, independentemente de nosso destino hojeou amanhã, sabemos mais do que velhos de cem anôs e
filósofos. Ninguém viu tantas máscaras caírem, tanta vi
leza, covardia, fraqueza, egoísmo, vaidade, ninguém viu
tanta virtude e silenciosa nobreza de espírito quanto nós.
Temos pouca coisa mais a pedir da vida; ela revelou
mais a nós do que a outros, e não há reivindicação hu-*
* Que Deus castigue a ínglaterra.
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mana além desse limite — esperaremos pacientemente
para ver o que ela exigirá de nós. Se exigir tudo, ela
afinal deu tudo, e chega-se portanto a um equilíbrio.29
Se no começo a guerra, para grande parte dos alemães,
era sinônimo de beleza, sua fúria sempre crescente foi considerada por muitos apenas uma intensificação de seu signifi
cado estético. Em outras palavras, enquanto sua destruição
aumentava, a guerra continuava a ser proporcionalmente es
piritualizada, ou internalizada. Depois de várias semanas de
chuva, lama, bombardeios de artilharia e ataques franceses,
o lado “bom” da guerra tomara-se até mais claro para Gerhart
Pastors:
Você se torna forte. Esta vida elimina violentamente toda
a fraqueza e sentimentalidade. Você é acorrentado, pri
vado de autodeterminação, exercitado no sofrimento, no
autodomínio e na autodisciplina. Mas acima de tudo:
você se volta para dentro. O único modo de poder su
portar esta existência, estes horrores, este assassinato, é
plantar o espírito em esferas mais elevadas. Você é for
çado a se autodeterminar, é obrigado a chegar a umacordo com a morte. Para contrabalançar a horrível rea
lidade, você procura alcança;: aquilo que é mais nobre
e mais elevado.30
O prefixo auto é o motivo que atravessa toda essa passagem.
Enquanto a violência externa aumentava, um homem busca
va com maior urgência a paz em seu ser, em sua alma.
Quando o mito da vitória inevitável se esfacelou, os fragmentos se tornaram novos mitos, até maiores, mais brilhan
tes. Num espasmo prolífico, a ilusão deu origem a uma ple
tora de ilusões. O horror foi transformado em realização es
piritual. A guerra tornou-se paz. A morte, vida. O aniquila
mento, liberdade. A máquina, poesia. A amoralidade, verdade.
Mais de dezoito mil sinos de igreja e inúmeros tubos de órgão
foram doados ao esforço de guerra para serem derretidos e
usados na fabricação de armas e munições.31 Enquanto seintensificava o assalto às certezas físicas e sociais do mundo
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burguês do século XIX, difundia-se a sensação de crescente
libertação de restrições, limites, formas. A promoção desta
libertação continuou a ser o componente mais importante do
Pflicht. Esta associação da morte à vida foi uma nova repre
sentação, em escala aumentada, da seqüência do sacrifício
em Le Sacre du printemps.
CONGREGAÇÃO
Citar as cartas de estudantes idealistas e de outros intelec
tuais é um convite à queixa de que se está oferecendo umaminoria da população — o setor intelectualmente mais enga
jado na guerra — como representante da nação inteira. E os
operários alemães? E os trabalhadores rurais? E a maioria
dos combatentes?
As fontes que conteriam suas opiniões são, é claro, as
menos acessíveis. Esses homens raramente mantinham diários,
e ninguém parece ter se interessado, ou pelo menos ter obtido
bons resultados, em coletar ou reunir suas cartas depois daguerra. Além disso, os principais arquivos militares alemães
foram destruídos pelos bombardeios dos Aliados. na Segunda
Guerra Mundial, e os registros da censura postal também
parecèm ter desaparecido. Assim, há apenas testemunhos es
palhados e usualmente indiretos das atitudes dos não-intelec
tuais em relação à guerra.
A incidência relativamente baixa de insubordinação mili
tar é, entretanto, uma prova sugestiva de que, em geral, omoral não esmoreceu e de que os soldados operários e cam
poneses funcionaram no contexto dos valores descritos acima.
A seguinte tabela enumera casos de insubordinação e delitos
leves investigados, mas não necessariamente julgados, pelas
cortes militares, na 4* Divisão de Infantaria da Baviera. A
divisão passou a maior parte da guerra na Frente Ocidental.
Os crimes e transgressões incluíam ausência sem permissão,
deserção, covardia, espionagem, dano intencional a si mesmo,suicídio, mau emprego de armas, desobediência, abuso de
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autoridade, danos à propriedade, traição, atos contra a lei pos-
tal, atos criminosos e uma variedade de outros delitos.
NÚMERO DE INVESTIGAÇÕES1
1914 1915 1916 1917 1918
Janeiro 63 12 47 87
Fevereiro 26 18 41 59
Março 33 23 46 70
Abril 40 27 42 47Maio 20 22 54 80
Junho 24 14 52 112
Julho 23 20 82 118
Agosto 17 32 32 48 103
Setembro 12 25 72 77 115Outubro 29 27 80 47 136
Novembro 20 46 59 86 91
Dezembro 65 31 37 153 47
Os meses que chamam a atenção são dezembro de 1914e janeiro de 1915; setembro até novembro de 1916; julho, se-
tembro, novembro e dezembro de 1917; e, com a exceção de
abril, todos os meses de 1918. O primeiro período coincide
com a confraternização de 1914; o segundo com o fracasso
da ofensiva de Verdun e com as perdas sofridas na batalha
do Somme; e o terceiro e o quarto refletem a debilitação geral
e o teste por que passou o moral das tropas quando as pers-
pectivas de vitória diminuíram. O fato de abril de 1918 ter presenciado uma queda nas cifras deve ser explicado pelos
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sucessos iniciais da ofensiva de Ludendorff naquela prima
vera. Observa-se que os números aumentaram enquanto a guer
ra se arrastava, mas o que deve ser enfatizado é que os nú
meros relacionados coni insubordinação nunca se tornaram
excessivos.
No exército alemão, como em todos os exércitos, ouviam-se os costumeiros resmungos sobre as provisões, a comida, o
equipamento, a estratégia e as regalias concedidas aos ofi
ciais! Em agosto de 1917, por exemplo, uma bateria de arti
lharia queixou-se, num relatório que iria chegar ao alto co
mando, de "que os oficiais do estado-maior possuíam melhores
cavalos para os seus exercícios hípicos recreativos do que as tro
pas para a luta”. O comando da divisão ficou enfurecido com
este comentário "não-militar” e emitiu instruções para quetais observações fossem evitadas no futuro? Naquele verão tam
bém foram dadas ordens para que os soldados que tivessem re
clamações legítimas a respeito de condições e tratamento as
apresentassem através dos canais competentes e não se puses
sem simplesmente a resmungar.3 Os arquivos militares franceses
e britânicos estão repletos desse tipo de registro, o que sugere
problemas de pouca monta com o moral das tropas — perfei
tamente compreensíveis, dada a natureza desta guerra —, masnão uma erosão significativa do propósito maior.
Que a abordagem geral da guerra descrita acima não era
apenas característica de intelectuais ou aventureiros — homens
como Ernst Jünger, que antes da guerra fugira de casa para
se alistar na Legião Estrangeira Francesa, Ernst Wurche ou
Walter Flex — é constatável também num romance popular
de Reinhold Eichacker que em 1916 já estava em sua segun
da edição. Briefe an das Leben: Von der Seete des Schützen-
grabens und von den Schützengràben der Seele* é a história
insuportavelmente açucarada de um soldado que parte para a
guerra profundamente apaixonado pela mulher com quem se
casara doze meses antes. Depois de um ano nas trincheiras,
ele retorna inesperadamente e encontra a mulher nos braços
de outro homem. Sem dizer uma palavra sequer, ele gira nos
calcanhares e volta correndo para o front, só para ficar saben-
* Cartas à vida: da alma das trincheiras e das trincheiras da alma.
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do, pouco depois, que sua mulher tinha se suicidado. Após lon
gas meditações sobre o significado da vida e da guerra, sente-se
em paz com a mulher e também com a perspectica da morte.
Seu consolo final é que voltará a se unir a ela na eternidade.
Nesta história, como em grande parte do esforço de guerra ale
mão, o significado da vida será encontrado somente na morte. Não é preciso dizer que os soldados alemães, como os das
outras nações, sofriam de fadiga, depressão e trauma. No com
bate também tinham de se apoiar em seus instintos e recursos
interiores, mas para os alemães estes recursos interiores tinham
uma forma predominantemente metafísica, em contraste com
os valores sociais e históricos que motivavam o inglês e o fran
cês comum. A guerra era uma luta mais de vontade e energia
do que de meios materiais; um esforço para perpetuar o "es pírito de 1914”, realizar eine grosse Idee, um grande ideal.
Por fim veio o que pareceu, para muitos, um vazio abso
luto — a derrota. Rudolf Binding sabia, em julho de 1918,
que "estamos acabados. Meus pensamentos me oprimem. Como
iremos nos recuperar? A Kultur, como se ficará sabendo de
pois da guerra, não servirá para nada; a própria humanidade
provavelmente terá menos utilidade. ainda”.4 Um adversário,
David Ghilchik, consciente em outubro de que o fim se aproximava para os alemães, observou: "Não queria ser um alemão
agora por nada neste mundo.”5
Mas até o vazio, como veremos, era de alguma forma
capaz de manipulação e permutação. Como se veio a saber, era
possível na verdade regozijar-se espiritualmente no vazio. Da
derrota surgiria a idéia da "punhalada nas costas”, a noção de
que a Alemanha não fora derrotada no front, em combate hon
rado com o inimigo, mas tinha sido derrubada pela calúnia noexterior e pela traição dentro do país. A nação, ainda recen
temente extasiada com o. novo, com a experimentação e a re
jeição de velhas formas, projetaria, numa suprema proeza de
acrobacia mental, suã própria revolta sobre os seus inimigos
visíveis, dentro e fora. O traidor se tornaria o traído, o re
belde se tornaria a vítima, o derrotado se tornaria o conquis
tador, assim como no dadaísmo a antiarte se tornaria arte.
Ainda em outubro de 1914, na noite do dia em que Antuérpia se rendeu aos alemães, foi dado um grande jantar na
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Esplanade em Berlim. O decoro exigia que o traje em soleni
dades sociais fosse discreto, de acordo com a gravidade da
hora. As mulheres evitariam usar, por exemplo, vestidos deco
tados. Mas, nesta noite, uma dama apareceu com um vestido
extremamente transparente e de amplo decote, apropriado para
um baile de gala no auge da temporada social. — Está muito bonita hoje à noite, madame — alguém
observou.
— Sim — foi a resposta. — Pus este vestido para cele
brar a queda de Antuérpia; mas espere só para ver o vestido
que estou guardando para o dia em que a Inglaterra for der
rotada!6
Não temos registro do que a dama em questão usou na
derrota, mas, se o modo como Josephine Baker foi recebidaem Berlim no final da guerra servir de indício, o traje da vitó
ria aqui sugerido — as roupas do imperador — teria sido
igualmente apropriado na derrota.
Serão válidas estas generalizações? Exceções não são di
fíceis de encontrar. O descontentamento geral e a oposição à
guerra aumentavam realmente na Alemanha, à medida que o
conflito se aprofundava. Em 1916, saques de alimentos irrom
peram em várias partes do país. Em abril daquele ano o bispoinformou às autoridades católicas da Baviera que seu dever
mais importante era combater o descontentamento com a guer
ra.7 Durante os dois anos seguintes, especialmente nos inver
nos rigorosos, não haveria falta de descontentamento.
O primeiro reduto político dos céticos foi uma ala mino
ritária do* SPD. Em abril de 1917, entretanto, fundou-se o Par
tido Socialdemocrático Independente (USPD), de oposição
à guerra. Abrigava tanto moderados políticos como EduardBernstein, líder revisionista de antes da guerra, quanto radi
cais como Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. Em janeiro
de 1918 .uma onda de greves varreu as indústrias de munições,
liderada por delegados sindicais radicais contrários à guerra
e a favor de ampla reforma social e política. Nesses grupos
admirava-se muito o recente sucesso dos bolcheviques na Rús
sia. No front alguns sinais de cansaço e frustração apareceram
no final de 1917 e em 1918, quando folhetos pacifistas chegaram a certos setores e -quando aumentaram os casos de insu
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bordinação. Mas era pequeno o número de pessoas envolvidas
em qualquer uma destas atividades.8 A maioria das greves era
instigada por razões mais econômicas que políticas, sobretudo
pela terrível falta de alimentos. O exército se manteve leal.
Provavelmente já em 1917 a guerra se tornara um enigma
existencial para os elementos moderados do país. Por essa
época, ela tinha-se "exaurido espiritualmente ”, segundo Max
Weber. Já para Gustav Radbruch, professor de filosofia do
direito, ela assumira a aparência de "alguma coisa fantasma
górica”, uma monstruosidade cega e esmagadora. Vitória e
derrota seriam, ambas, males, a primeira apenas ligeiramente o
menor deles. Só na religião, acreditava ele, havia alguma paz
no meio dessa horrenda crise.9 Em 1917, para Hans Delbrück,Ernst Troeltsch, Adolf von Harnack e Friedrich Meinecke, a
guerra ameaçava destruir todos os vestígios da cultura euro
péia. O futuro, cuja promessa tinha sido tão deslumbrante em
agosto de 1914, parecia agora oferecer apenas escuridão, trevas
sem comparação possível. Numa carta à esposa em fevereiro de
1918, depois das greves e dos distúrbios dos últimos meses,
Delbrück admitia que estava aterrorizado com o futuro. Per
guntava-se se, depois de toda a tristeza, alguma terrível tragédia ainda estaria reservada à Alemanha. "Se tudo isso não che
gar ao fim em breve, a situação vai ficar horrenda.”10
Entretanto, apesar de todas essas premonições e dúvidas,
o moral das tropas — e a determinação de continuar — não
arrefeceu, mesmo durante a retirada no outono de 1918. Nunca
houve o perigo de um colapso total, pelo menos entre os sol
dados. Quando realmente ocorreu, o colapso foi em escala mo
desta e se deu na marinha, que se mantivera nos portos durante a maior parte da guerra. Em 1917 ocorrera uma ameaça
de motim em Wilhelmshaven, entre marinheiros que protesta
vam contra a dureza do tratamento, a má qualidade das ra
ções, a não concessão de licenças e os alojamentos apertados.
Nos últimos dias de outubro e no início de novembro de 1918,
marinheiros se amotinaram nos portos de Kiel e Wilhelmsha
ven, e os distúrbios então se espalharam rapidamente pela Ale
manha, quando foi divulgada a notícia do Armistício iminente.
O exército no front, entretanto, permaneceu leal até o fim. Só
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atrás das linhas, na Alemanha, é que um número relativamente
pequeno de soldados participou da chamada revolução de 1918.
Na Alemanha, portanto, a desilusão com o esforço na
cional e o alheamento a ele nunca foram fatos generalizados
durante a guerra. Os casos reais se deram mais entre a popu
lação civil do que entre os combatentes. A linguagem e? a literatura da desilusão seria, em geral, um fenômeno do pós-guerra
— em todos os países.
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VII
VIAGEM INTERIOR
Tem-se respeito à lei? Profundo.É justa a nossa guerra? É.Mas se eu pudesse dar no pé
Ia sumir no oco do mundo.
Um soldado
Abandona-se o reino do aqui e agora e transfere-se
toda atividade para o reino do além, onde é possível a afirmação total. Abstração.
P a u l K l e e
Schiller, poeta medíocre, não oferece nada que possa
interessar ao estrangeiro. Mesmo em tempo de paz, a boa regra desaconselha importar o que já se possui. Temos Casimir Delavigne, Ponsard, de Bornier. Que
faríamos com Schiller?
JOSÉPHIN PÉLADAN
1917
A GUERRA COMO ARTE
Desde o início a guerra foi ^um estímulo à imaginação. Prova-
velmente nenhum outro período da história produziu tantos
depoimentos sobre os acontecimentos públicos. Artistas, poe-
tas, escritores, clérigos, historiadores, filósofos, entre outros,
todos participaram plenamente do drama humano que estavasendo representado.
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A maioria dos intelectuais, apesar de orgulhosas declama-
ções de independência e de tomadas de decisão racionais, mos-
trava-se sensível a lealdades nacionais arraigadas e comportava-
se de acordo com esse estado de espírito. Se não podiam se
alistar por causa da idade ou da saúde, participavam do esforço
de outras maneiras, como propagandistas, artistas de guerra,motoristas de ambulância ou serventes de hospital. Mas além
da lealdade ao rei e ao país, que com poucas exceções vinha
em primeiro lugar, a guerra exerci# uma singular fascinação
por sua própria monumentalidade e, à medida que avançava,
por sua tremenda inefabilidade. Até o introvertido Marcei
Proust, que compôs seu grande roman fleuve, À la recherche
du temps perdu, à noite, no recinto solitário de um quarto for
rado de cortiça, ficou enfeitiçado pelo espetáculo: “Assim comoas pessoas costumavam viver em Deus, eu vivo na guerra.”1
Edmund Gosse observou Henry James atentamente durante a
guerra. James, ao que parece, tinha o costume de olhar para
o outro lado do Canal da Mancha, na direção do som abafado
da artilharia. "A angústia do seu horror”, escreveu Gosse,
tornou-se quase o uivo de um animal, de um leão da flo
resta atingido no flanco por uma flecha, quando os alemães destruíram a catedral de Rheims. Ele olhava fixamen
te o mar, a sudeste, e imaginava ver o bruxuleio das cha
mas. Comia e bebia, conversava, caminhava e pensava,
dormia e acordava, vivia e respirava apenas a Guerra.
Seus amigos ficaram ansiosos, a tensão ultrapassava o que
era de esperar que seus poderes naturais, transfigurados
como estavam, pudessem suportar.2
Mesmo aqueles que, como1D. H. Lawrence, tentaram manter um
distanciamento crítico dos acontecimentos, logo se viram envol
vidos na crise, graças à paranóia da sociedade que lançava sus
peitas sobre qualquer um que se mantivesse à parte.
As imaginações mais radicais, de tendência política ou
estética, deixaram-se absorver desde o iníció. A guerra ofere
cia extremos de emoção e esforço — Dorgelès chamava as
trincheiras de "este imenso confessionário”3 —, bem como visões, sons e imagens que não tinham relação alguma com o
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depois ele chamou “a Ruptura” : “Todo o passado, pelo que posso compreender, foi pelo ralo.”9 Da mesma forma, StephenDedalus de Joyce foi levado a observar, com palavras que lem
bram Schopenhauer, que “a história é um pesadelo do qualestou tentando acordar”.10 Quando o passado sumiu pelo ralo,
o eu tornou-se de importância capital.Embora a maioria , dos soldados conservasse seu senso do
dever, alguns começaram a se expressar sobre o outro aspectode sua situação dicotômica: a sensação de alheamento, marginalidade e, ao mesmo tempo, novidade; isto é, a idéia de queo mundo vivia a agonia da destruição, que então parecia irreversível, mas também um processo de renovação, que parecia
inevitável. Neste último processo havia uma realidade de im plicações espantosas: o soldado representava uma força criativa. Como agente de destruição e também de regeneração, demorte e renascimento, o soldado tendia a se ver como uma personalidade “limite”, como um paladino da mudança e deuma nóva vida. Era um viajante que havia chegado, seguindoordens, aos limites da existência, e ali na periferia “vivia”de um modo único, à beira da terra de ninguém, à margem das
categorias normais. No entanto, também era chamado a atravessar ã terra deninguém. Esta era, de fato, a suprema convocação. Esta eraa essência da vitória, À medida que o objetivo da guerra setornava mais abstrato, menos dócil às imagens convencionais,o significado da vitória, isto é, as conseqüências de atravessarcom sucesso o perigoso espaço que separava os inimigos, ficavaequivalentemente mais abstrato. Para se manter, o soldado tinha
que apelar para a sua própria imaginação. A guerra se tornavacada vez mais uma questão de poder interpretative individual.
Ao contrário das conclusões de observadores situados atrásdas linhas de frente, psicólogos e jornalistas, que achavam quea experiência da guerra não alterara o caráter essencial de suasrespectivas nações, o soldado da linha de frente, que partici para das batalhas, estava convencido de que havia mudado deum modo fundamental, ainda que indescritível. Depois de sua
primeira passagem pelas trincheiras, em junho de 1916, PeterMcGregor informou à sua mulher:
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Estou bem — o mesmo de sempre — mas não — isso
nunca mais. Os quatro dias que passamos nas trincheiras
me viraram de cabeça para baixo. Nenhum homem pode
experimentar essas coisas e continuar o mesmo.11
Rudolf Fischer, do outro lado, fez um comentário semelhante:“Ninguém sai desta guerra o mesmo homem.”12 E Marc Boas-
son, depois de participar dos ataques em Artois em setembro
de 1915 e em Verdun em junho de 1916, admitiu numa carta
para casa:
Mudçi muito. Não queria falar a vocês do tremendo can
saço que a guerra produziu em mim, mas vocês me for
çam. Sinto-me esmagado, diminuído.13
Diminuído em que sentido? Cómo ser social e moral, ele es
clareceu em cartas posteriores. Estava menos preocupado com
a possibilidade de motim e revolução, tanto de sua parte como
da parte de seus companheiros — isto seria, pelo menos, uma
expressão de energia, vida e consciência social —, do que com
a resignação e a lassitude, “esta inesgotável docilidade”. “Pa
rece-me”, escreveu, “que estamos passando por uma crise moral muito séria, não ostensiva, sem gritos, sem manifestações
visíveis, mas grave por causa de sua profundidade”.14 Boasson
aludia a uma retiráda muito difundida, para longe de um
mundo exterior, que na superfície continuava intacto, e para
dentro de um mundp particular do espírito.
A autoridade tradicional tinha abandonado o soldado ao
seu próprio destino. A chefia, em seu sentido convencional,
havia fracassado. Além disso, o front interno não compreendiaa natureza da via dolorosa do soldado. A única realidade social
que ainda servia de apoio ao soldado era “a camaradagem
das trincheiras”. Nesta situação, como observou um jovem vo
luntário alemão, qualquer um se tornava um socialista instin
tivo. Mas faltava ao “socialismo” do soldado qualquer tipo
de precisão ou praticidade ideológica. Era em grande parte
sentimental e negativo, mas surpreendentemente semelhante ao
“socialismo” da vanguarda artística. Esse socialismo era davariedade “o homem é bom”, acompanhado por uma rejeição
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de forma e organização, e implicando a projeção do ego —
humilde, ansioso e dócil —, em plena devastação, num. credo.
O impulso era essencialmente autocompassivo e ao mesmo tem
po anárquico. O homem era vítima mas também um sobre
vivente revbelde. Burocratas, políticos, generais, jornalistas e
aproveitadores da guerra — aqueles que lá fora se nutriamcomo chacais da carnificina e da miséria — eram despreza
dos. Eram eles o verdadeiro inimigo, animais necrófagos que
se alimentavam e engordavam com a morte e a destruição.
Sandor Ferenczi, que tratou de soldados psiconeuróticos
em Budapeste durante a guerra, confirmou que os soldados, con
frontados com uma esmagadora força material e com o desam
paro pessoal, refugiavam-se dentro de si mesmos. “A libido
recua do objeto para o ego, aumentando o amor a si mesmoe reduzindo o amor objetai ao ponto de total indiferença.”15
Muitos pacientes confessavam sua impotência sexual ou gran
de redução do interesse sexual.
O soldado tornou-se assim não apenas o precursor mas
o próprio agente da estética moderna, o progenitor da destrui
ção mas ao mesmo tempo a personificação do futuro. Qualquer
esperança neste futuro residia exclusivamente na imaginação
individual. “Decidi”, escreveu Georges Bernanos em setembrode 1915, “que meu epitáfio consistirá apenas nestas duas
linhas. Aqui jaz um homem que lutou e morreu por sua sa
tisfação pessoal e para enfurecer aqueles que não lutaram nem
morreram!”16
Para um tradicionalista como Louis Mairet, a destruição
da perspectiva moral, a internalização do mundo exterior, o
desaparecimento do racionalismo como solda social e cultural
significavam que também a arte estava morta. Quando suaunidade foi substituída em março de 1917, o ritual que nor
malmente acompanhava tal mudança ainda se mantinha inalte
rado. “Partida. Música, som de metais, brilho de baionetas.
A bandeira, silhueta sombria, tecido de gloire.” A paisagem,
observou Louis Mairet, tinha a cor de uma aguada. Desespe
radamente ele procurava um sentido positivo para o todo, o
ritual e o ambiente natural. Na interpretação coletiva de tais
símbolos, numa forma acessível a todos, residia o objetivo tradicional da arte, a arte como conhecimento e não apenas como
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energia. Mas, para os soldados seus companheiros, todo interesse por um significado predominante havia desaparecido. Estavam imersos em si mesmos, exclusivamente: “ . .. Cada umvê em tudo apenas um desdobramento de suas próprias preocupações pessoais.” Uma colina, marcante por seus contornos
abruptos, leva um oficial a observar: “Esta é uma posiçãoinexpugnável.” Mais adiante, abre-se uma larga planície: “Esteseria um bom campo de aviação.” Uma área de grama rasa
provoca um comentário excitado: “Que grande campo de fute bol!” E Mairet conclui tristemente: “A poesia está morta.”17O que ele queria dizer, é claro, era que a poesia tradicionalestava morta.
Depois de algum tempo, o horror que o soldado enfrentava
tinha pouco potencial interpretativo, exceto em termos muito pessoais. Ao contrário de Mairet, alguns viam nesta situaçãonão a morte da arte mas o nascimento de uma nova estética.Para Robert Graves, a visão de fragmentos de cérebro humanoespalhados no boné de um camarada tornou-se “uma invenção poética”.18 O som de uma barragem de artilharia pela manhãfez Wyn Griffith pensar em música, não uma música de melodias e harmonias convencionais, mas uma nova música, a antí
tese de todas as composições costumeiras.19 Jacques-ÉmileBlanche dizia que os reides aéreos sobre Paris lembravam-lheespecificamente Le Sacre de Stravinsky.20 Graves, Griffith eBlanche faziam associações semelhantes. Relacionavam as visões e os sons da guerra com a arte. A arte se tornou, de fato,o único correlato disponível desta guerra; naturalmente nãouma arte que seguisse as regras anteriores, mas uma arte emque se abandonavam as regras da composição, em que a pro
vocação passava a ser a meta, e em que a arte se tornava umacontecimento, uma experiência. Quando a guerra perdeu osignificado externo, transformou-se sobretudo numa experiência. Neste processo, a vida e a arte avançaram juntas.
Alguns soldados começaram a descobrir, como Percy Jonesobservou ao ver Ypres no final de 1915, “algo horrivelmentefascinante nesta devastação tão estarrecedora”. As fotografias,dizia ele, não podiam fazer justiça à realidade. Dois meses
mais tarde ainda estava enfeitiçado por esta visão do “fim domundo”: “A fascinação de Ypres cresce dentro de mim, e
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ainda estou procurando uma casa que não tenha sido diretamente atingida por uma bomba.”21 J. W. Gamble, que estava noulocal na mesma época, experimentou uma reação quase idêntica.
No sábado. . . aproveitei a calma temporária e fui dar
outra olhada em Ypres. É realmente uma visão maravilhosa —- estranha, grotesca e desoladora, sem dúvida —,mas muito interessante. Espero que o lugar seja invadido
por visitantes e turistas depois da guerra e que eles fiquemestupefatos com o que vêem. As antigas ruínas de Pom-
péia e lugares afins serão esquecidos.22
Na mente de Gamble, Ypres, apesar de sua contemporaneida-de, tinha sobrepujado Pompéia, como monumento de uma civilização em ruínas. Sua escala de simbolismo era incomparável.Porém, tanto em Jones como em Gamble há uma evidente satisfação por serem testemunhas desta colossal destruição. Quando Garfield Powell escreveu em seu diário de 28 de agostode 1916: “Passamos agora para a ‘terra de nossos sonhos’,Ypres”, o tom era intencionalmente sardónico, mas a escolhado clichê era extremamente reveladora.23Para David Jones, tam bém, a “terra devastada” das trincheiras se tornou “um lugar
de encantamento”.24 E Canon F. G. Scott, um canadense, aodeparar com o cadáver de um rapaz coberto por uma camadade lama amarela, pensou imediatamente numa “estátua feitade bronze. Ele tinha um belo rosto, uma cabeça finamente torneada, coberta de cabelos curtos e crespos, e parecia mais umaobra de arte do que um ser humano”.25
Paradoxalmente, Harry Crosby, de Boston, um dentre osmuitos americanos que se apresentaram como voluntários para
o serviço de ambulância na França, encontrou na fornalha deVerdun em 1917 uma fuga da morte. Estremecia quando pensava
nos horrores de Boston e particularmente nas virgens deBoston, que são criadas em ambientes assexuados, queusam ceroulas de lona, sapatos de salto baixo e óculos dearmação de tartaruga, e que, depois de casadas, têm umfilho pontualmente a cada nove meses durante cinco ou
seis anos, e depois vão terminar seus dias no Chilton Club.Céus, escapei por um triz.
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Verdun tinha “a mão da morte. . . impressa por toda parte”.
Mas, exatamente por essa razão, ele achava que o lugar “fun
ciona como um ímã”.26 A guerra, apesar de sua destruição ou,
na verdade, graças a seu horror difuso, tornara-se uma força
evocativa, um estímulo não à criatividade social, mas à imagi
nação pessoal e à interioridade, uma avenida para um novo evital território de atividade.
A ARTE COMO FORMA
No entanto, a interioridade, se não era silêncio, literal e fi
gurado, produzia um dilema. Como reunir e ordenar a expe
riência da guerra, ainda que só para si mesmo? Os modos tra
dicionais de expressão — palavras, pintura, até a música —
mostravam-se claramente inadequados nesta situação.
"Confrontada com o espetáculo de uma luta científica na
qual o Progresso é usado para o retorno à Barbárie, e com o
espetáculo de uma civilização que se volta contra si mesma
para se destruir, a razão fraqueja”, escreveu Louis Mairet.1
Para o artista Paul Nash, os instrumentos normais de sua arte-
eram insuficientes: "Nenhuma pena ou desenho pode expres
sar esta região”, escreveu ele à sua mulher sobre a paisagem
de Flandres.2 A rejeição da forma tradicional na arte parecia
ser a única reação honesta. Nash e muitos dos outros artistas
oficiais britânicos da guerra, que em sua maioria tinham tido
uma formação tradicional e provinham de um meio convencional e de um ambiente cultural que antes da guerra era em
geral hostil a inovações artísticas, voltavam-se cada vez mais
para modos experimentais de composição. Enfrentavam alguma
oposição, mas recebiam sobretudo aplausos.
Até nos círculos oficiais havia em 1917 um reconhecimen
to relutante de que a guerra tinha introduzido uma nova era,
uma era que exigia uma nova sensibilidade. C. R. Nevinson fa
zia parte de um pequeno grupo de artistas britânicos que haviase rebelado antes da guerra contra uma abordagem acadêmica
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tradicional da composição; ele se mudara para Paris com a
intenção de se associar aos cubistas e futuristas e dividir um
ateliê com Modigliani. “Carros pesados e potentes correndo pe
las ruas apinhadas de nossas cidades”, tinha escrito em 1913,
dançarinos refletidos na maravilhosa atmosfera de luz ecor, aeroplanos sobrevoando uma multidão excitada. . . Es
tas fontes de emoção satisfazem mais nosso senso do uni
verso lírico e dramático do que duas peras e uma maçã.3
Quando veio a guerra, Nevinson, atormentado por uma saúde
fraca que impediu o seu alistamento, mas “perseguido”, como
dizia, “pelo anseio de fazer alguma coisa, de participar’ da
guerra”, ingressou primeiro na Cruz Vermelha, para servir emDunquerque, e depois no Corpo Médico do Exército Real. A
febre reumática, entretanto, tornou-o incapaz para o serviço
militar em janeiro de 1916. Em junho de 1917, apesar de seu
passado de artista radical, foi contratado como “artista oficial
do exército britânico”. Inicialmente sentiu-se compelido a re
frear seus instintos criativos naturais. Mas seus chefes no De
partamento de Informação observaram que seu trabalho sofria
em conseqüência disso. Em outubro de 1917, depois de ver asúltimas pinturas de Nevinson, T. Derrick, funcionário da Wel-
lington House, onde era coordenado o esforço de propaganda
britânico, comentou num memorando a Charles Masterman,
encarregado da seção de literatura e arte do departamento:
Direi a ele que tenho razões para acreditar que pode exer
citar seu ego selvagem e desregrado em trabalhos futuros
sem receio de escandalizar as áreas oficiais. Acredito queé isso. E que seu ego oficial, decoroso e contido é bem
menos apreciado — e não mais, como acho que ele ima
ginava.4
Masterman concordou e deu a Nevinson plena liberdade de
expressão. Mais tarde Nevinson teve problemas com o Quartel-
General e o Ministério da Guerra, particularmente devido à
sua pintura The Paths of Glory (Os caminhos da glória), quefoi considerada capaz de abalar o moral das tropas por retra-
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tar cadáveres no front e por ter um título tão amargamente irô
nico, e ao quadro A Group of Soldiers (Um grupo de solda
dos), que foi julgado “feio demais” e, segundo o Ministério
da Guerra, oferecia aos alemães uma possível -“prova da dege
neração britânica”, Mas seus outros quadros — embora a tô
nica fosse o horror, e não o heroísmo — foram recebidos comaprovação e até entusiasmo. Em janeiro de 1918 o Museu Na
cional da Guerra, precursor do Museu Imperial da Guerra, até
comprou The Paths of Glory por 50 libras e A Group of Sol
diers por 100 libras, reconhecendo a importância deles como
documentos da guerra. Em março de 1918 Lorde Beaverbrook,
magnata da imprensa e recém-noméado Ministro da Informa
ção, inaugurou formalmente uma exposição das obras de Ne-
vinson na Galeria Leicester, em Leicester Square, apesar de Nevinson ter insistido em incluir, na sua introdução ao catá
logo, a seguinte passagem sarcástica:
Não tenho ilusões a respeito do público, pois, graças prin
cipalmente à nossa Imprensa, às nossas abomináveis Esco
las Públicas, amantes da tradição, e às nossas Universida
des, que fedem a antiguidade, o inglês comum não ape
nas desconfia do novo em todas as experimentações intelectuais e artísticas como é mentalmente treinado a se
comportar de forma tão pouco esportiva que chega ao
ponto de tentar matar todo e qualquer novo empenho em
embrião, especialmente se este der mostras de poder se
desenvolver com energia e força no futuro.5
Só quatro das pinturas não foram vendidas. Em 1919 o Daily
Express, jornal de Beaverbrook, referia-se aprovadoramente a Nevinson como “o famoso artista futurista”.6
Em geral, portanto, as autoridades mostraram uma clara
flexibilidade em questões artísticas. Esse fato não passou des
percebido aos críticos. Um crítico congratulou aqueles que con
trolavam a arte oficial por
demonstrarem o salutar ecletismo de escolher seus intér
pretes da guerra não apenas nos recintos aprovados dasEscolas da Academia Real e em Burlington House, mas
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também no Slade e nos chamados centros de arte rebeldes
de Camden Town, onde a liberdade de idéias e de expres
são floresce livremente.7
A sensibilidade britânica como um todo tinha percorrido um
longo caminho desde a exposição pós-impressionista na Galeriade Grafton Street em 1911.
Uma desconfiança crescente entre intelectuais em relação
à linguagem e às implicações das “grandes frases retumban
tes” foi outra reação à guerra. Honra, Glória, Patriotismo,
Sacrifício começaram a perder suas letras maiúsculas. Devido
à sua experiência de guerra, E. E. Cummings, que serviu numa
unidade americana de ambulâncias junto aos franceses, desistiu das maiúsculas não apenas em sua poesia, mas em seu pró
prio nome: tornou-se e. e. cummings. “Há palavras grandiosas
que hoje já não soam como em 1914”, exclamou Roland Dor-
gelès depois da guerra.8
A linguagem e o vocabulário tradicionais pareciam fla
grantemente inadequados para descrever a experiência da trin
cheira. Palavras como coragem, sem falar de glória e heroísmo,
com suas conotações clássicas e românticas, simplesmente nãotinham lugar em nenhum relato dos motivos que levavam os
soldados a permanecer e cumprir seu papel nas trincheiras.
Até substantivos descritivos básicos, como ataque, contra-ataque,
surtida, ferimento e bombardeio tinham perdido todo o poder
de captar a realidade. Em outubro de 1916 John Masefield
ilustrou o problema quando, numa visita ao Somme, enviou
aos familiares algumas de suas impressões do front. “Dizer que
o terreno foi 'arado’ com bombas é falar como uma criança.”E sobre a lama — “chamá-la de lama seria desorientador”.
Não era igual a nenhuma outra lama que eu já tivesse
visto. Era uma espécie de rio estagnado, grosso demais
para correr, mas úmido demais para ficar parado, e pos
suía um tipo de cintilação e brilho como o de um queijo
avermelhado, mas não tinha nada de sólido, e você não
deixava pegadas porque elas logo se fechavam, e a cada
passo cobria as botas, chegando às vezes até a barriga
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da perna. Por baixo havia um chão sólido, e enquantovocê patinhava, o exército patinhava a seu lado, sujandovocê de lama da cabeça aos pés.9
Assim:
. . . As palavras se distendem,
Estalam e muita vez se quebram, sob a carga,
Sob a tensão, tropeçam, escorregam, perecem, Apodrecem com a imprecisão, não querem manter-se
[no lugar,
Não querem quedar-se quietas.
Assim T. S. Eliot escreveria mais tarde.10 Como se as palavrastivessem se tornado parecidas com a lama do Somme.
É claro que o front interno permanecia atolado em eufe-mismos, e os soldados em geral também continuavam a dizerque "passaram um mau bocado”, "escaparam por um triz”, seenvolveram num "espetáculo” que era "divertidíssimo” e num"passatempo excelente”. Dick Stokes estava na colina de Vimy
quando esta posição foi capturada em abril de 1917: “É umagrande guerra. . . Foi um espetáculo grandioso e de muito su-cesso.” Em novembro estava no saliente de Ypres quando ficousabendo do ataque em Cambrai: "Gostaria que nos mandassem
para lá, parece muito divertido.” Em outubro de 1918 sualinguagem não tinha mudado: "Estou de volta depois de umasemana alegre e emocionante metralhando boches. São e salvo,mas coberto de picadas de insetos.”11 Ê claro que Stokes, como
a maioria de seus companheiros, nunca se deu conta de quesuas histórias, que associavam “metralhando boches” e "pica-das de insetos”, eram totalmente absurdas.
De modo semelhante, depois de um ataque a gás perto deYpres em dezembro de 1915, J.W. Gamble descreveu umacena que pertence a uma peça de Pirandello ou Ionesco.
Tinha acabado de colocar ataduras em alguns feridosquando um deles me chamou a atenção para dois grandes
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ratos que cambaleavam por ali, apoiados nas patas trasei
ras, como se estivessem bêbados. Realmente uma das. cenas
mais engraçadas que se possa imaginar. Em geral, a gente
só vê os ratos quando eles passam correndo (durante o
dia), mas estes dois estavam bem à vista, e suas cabriolas
eram esquisitas demais. Estavam meio zonzos sob o efeito
do gás, é claro, mas o estranho é que esta foi uma das
coisas que ficaram mais vivas na çiinha memória, depois
que o espetáculo terminou.12
Gamble não parecia se dar conta da incongruência da cena
quando escreveu estas linhas. Mas pouco antes de ser morto,
em maio de 1916, escreveu um breve ensaio sobre o contrasteentre a paz e o poder da natureza, de um lado, e a tempestade
e a ineficácia da guerra, de outro. Homem inteligente, como
indica sua correspondência, sua sensibilidade tornou-se clara
mente mais aguda à medida que se aprofundavam a guerra e
a sua própria experiência. Também ele, antes de morrer, fizera
a viagem para dentro de si mesmo. Outros espíritos sensíveis
começaram a abandonar as vagas generalidades de expressão,
os eufemismos, alguns até os adjetivos, e a procurar imagensclaras e litotes de grande força. Portanto, a linguagem foi gra
dativamente privada de seu significado social e transformou-se
num instrumento altamente pessoal e poético. O exemplo ex
tremo da metamorfose foi novamente o “non-sense” fonético e
onomatopéico engendrado pelo dadaísmo. Neste processo, a iro
nia, que é uma expressão da sensibilidade em desacordo com
o seu ambiente, tomou-se para muitos o modo e o estado de
espírito retóricos.
Numa guerra em que os homens se enterravam para viver,
em que os soldados iam pescar com bombas, em que as tropas
senegalesas a princípio comiam a graxa enviada para lubrificar
os caminhões, em que um pombo-correio morto foi condecora
do com a Legião de Honra, em que o comandante-chefe britâ
nico declarou, em 10 de junho de 1916, um dia antes da “gran
de investida” no Somme, que “o arame farpado nunca tinha
sido tão bem cortado”, em que no dia 20 de março de 1918,
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véspera da última grande ofensiva alemã, um general francês
observou: "Chegam cada vez mais informações que confirmam
a opinião de que o boche não vai atacar”;13 nessa guerra e
nesse mundo o chacal de Kilimanjaro e o criado sarcástico de
Prufrock pareciam ser os únicos habitantes adequados. O hu
mor tornava-se amargo e negro, e Monty Python nunca teriaexistido no último quarto deste século se seus antepassados
não tivessem passado por essa "grande guerra”.
Perto de Béthune, no fim de novembro de 1914, o bri
gadeiro P. Mortimer registrou em seu diário:
Nossa principal ansiedade parece ser retirar os cadáveres
alemães da frente de nossas trincheiras — já que estes
se tornam insuportáveis por causa do mau cheiro. Ofe-recem-se aos homens prêmios e promoção para que saiam
e queimem os alemães, e muitos feitos valorosos estão
sendo realizados. Um homem do 2/39°, depois de se des
fazer de três cadáveres num descampado, a üns 50 me
tros das trincheiras alemãs — foi morto na quarta tenta
tiva — abatido a sangue-frio.14
Mortimer escreveu esta nota, sem outros comentários, evidentemente com toda a seriedade. Quanto tempo ainda levaria para
que os homens sentissem as horríveis ironias de um mundo
em que se exigia bravura para lutar contra cadáveres, em que
os vivos morriam tentando destruir os já mortos? O 9? Bata
lhão Real da Infantaria Ligeira de Yorkshire, a que pertencia
Basil Liddell Hart, marchou com seus oitocentos homens para
a batalha do Somme, em julho de 1916, cantando "Pack Up
Your Troubles in Your Old Kit-Bag” (Guarde Seus Proble
mas na Velha Mochila). Alguns dias mais tarde, setenta ho
mens e quatro oficiais marcharam de volta. Novamente canta
vam "Pack Up Your Troubles”!15
Mas, a esta altura, as ironias tinham começado a impreg
nar tudo. A esta altura "Auld Lang Syne” (Os velhos tempos)
havia recebido versos que ficariam bem numa canção dadaísta.
“Estamos aqui porque estamos aqui porque estamos aqui, porqueestamos aqui”, cantava o soldado britânico. E com a melodia
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de "Take It to the Lord in Prayer” (Ofereça-o ao Senhor em
Oração) Tommy cantava:
Quando acabar esta guerra
Mando às favas a caserna.
E mais uma vez à paisana A vida volta a ser bacana.
Domingos livres, sem paradas,
sem igreja, nem passes, nada.
Nosso bom sargento-ajudante
Que enfie os passes. . . ele sabe onde.
Conversa escutada nas trincheiras em março de 1916:
— Diga, Bill, quando é que esta guerra vai acabar?
— Ah, sei lá: quando não houver mais Bélgica para pôr
nos sacos de areia.16
No dia 12 de fevereiro de 1916, numa velha gráfica bom
bardeada, numa transversal da praça principal perto do Cloth
Hall, em Ypres, foi publicado o primeiro número de Wipers
Times, famoso precursor de " New Church” Times, Kemmel Ti
mes, B.E.F. Times e finalmente, em novembro de 1918, Better Times. O humor era, com raras exceções, negro. Além de car
tas ao editor, imitando o Times de Londres, sobre o primeiro
cuco da estação a ser avistado, havia anúncios.
Terreno para Construção à Venda.
Construa aquela Casa sobre a Colina 60
Luminosa — Arejada
& Revigorante.
Oferece excelente vista da histórica
cidade de Ypres. Para pormenores de venda
dirija-se a: BOSCH & Co. MENIN17
No Somme Times, no final de julho de 1916, seria encontrado
um questionário:
Você é uma vítima do Otimismo?
Não sabe?
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Então faça a si mesmo as seguintes perguntas.
1. Sofre de animação?
2. Acorda de manhã sentindo que tudo vai bem para os
Aliados?
3. Acha de vez em quando que a guerra vai acabar nos próximos doze meses?
4. Prefere acreditar nas boas notícias a acreditar nas
ruins?
5. Acha que os nossos líderes são competentes para con
duzir a guerra a um final vitorioso?
Se a sua resposta é “Sim” a qualquer uma destas per
guntas, então você está preso nas garras desta terrível
doença.Podemos curá-lo.
Dois dias em nosso estabelecimento erradicarão eficiente
mente do seu organismo todos os vestígios do mal.
Não hesite — para saber das condições dirija-se
imediatamente a:
SRS. WALTHORPE, FOXLEY, NELMES E CIA.Telefone 72: “Pedra dãs Queixas”
Telegramas: “Resmungão”18
Como Louis Mairet percebia e lamentava, grande parte
da ironia expressa pelos soldados era “falsa”. “Uma doença
está destruindo a presente geração: a falsa ironia”, acusou ele
no começo de 1916. “O pior é que ela traz consigo uma insen
sibilidade, ou antes o seu simulacro, o que é ainda mais terrível.”19 A introdução a uma reimpressão de Wipers Times
em 1918 também se viu compelida a assinalar que “a hilari
dade era na maioria das vezes mais histérica do que natural”.
O soldado David Ghilchik certamente estava de acordo. “En
graçado, querida”, disse à sua mulher numa carta escrita do
front italiano, onde servia como motorista de caminhão em
agosto de 1918, “mas eu pareço ter perdido a capacidade de
rir”.20 Porém, se grande parte do humor era forçado, o própriofato de agradar a muitos sugere que tocava realmente num
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ponto sensível. A corrente subterrânea representada pela ironiadurante a guerra iria se tornar uma maré enchente no mundodo pós-guerra.
Entretanto, para alguns, incapazes de rir, a interioridadese fazia acompanhar de silêncio. Dadá podia gritar sobre o
nada, mas alguns homens descobriam que até o ímpeto degritar era abafado pelo terror ou pela totalidade da incom preensão. “A guerra... é um- professor silencioso, e aqueleque aprende se torna silencioso também”, escreveu Rudolf Bin-ding.21 "A realidade supera toda a literatura, toda a pintura,toda a imaginação”, insistiu outro sobrevivente.22 Um com
batente que não sobreviveu, Marc Boasson, estava dominado pelo pessimismo: "Nada está sendo criado, tudo está sendo
perdido.” Queixava-se de ser asfixiado espiritualmente pelaguerra, como se também existissé um gás venenoso para a alma.O humanismo, depois de três séculos de agonia,, experimentava as convulsões da morte.
A regressão intelectual e moral do mundo pode ser tão pouco evitada quanto uma absoluta mesquinhez de pensamento, que ficará envolta em perfeição técnica e habili
dades práticas estimuladoras da ilusão. A aflição que seseguirá à guerra trará consigo uma industrialização prodigiosa, uma multiplicação de melhoramentos úteis. Toda aatividade humana se voltará para fins práticos... A cultura desinteressada teve o seu dia. A humanidade estádando lugar ao material humano, expressão que a guerra
já tornou familiar. A Renascença está falida. A fábricaalemã está absorvendo o mundo.23
A "fábrica alemã” é aqui equiparada à "perfeição técnica eàs habilidades práticas estimuladoras da ilusão”.
Se o passado se tornara ficção e se tudo era puro fluxo,talvez o cinema, conforme sentiam algumas testemunhas, fosseo único veículo apropriado para captar o movimento em direção ao abismo. É extraordinária a freqüência com que o cinema é referido nas cartas, diários e lembranças dos soldados.
A novidade desse meio de expressão e a excitação provocada por seu desenvolvimento explicam em parte as freqüentes re-
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fcrências, mas os participantes parecem ter realmente experi
mentado um sentimento genuíno de que os acontecimentos da
guerra de alguma forma pertenciam mais à tela do que à vida.
Um vmembro do 360? Regimento de Infantaria Francesa pre
senciou um ataque de um batalhão vizinho, perto de Arras,
em maio de 1915. Os homens saíram de suas trincheiras, cor
reram para o arame farpado e foram abatidos pelo fogo das
metralhadoras. O observador e seus homens, de pé em suas
trincheiras, espichavam os pescoços para acompanhar a ação
— “podia-se muito bem estar no cinema”.24 Um soldado bri
tânico que esteve em Gommecourt em 1916 escreveu mais
tarde: “Os outros homens pareciam figuras numa tela cinema-,
tográfica — um velho filme que tremia violentamente — todomundo com uma pressa desesperada. . . ,,2S
ARTE E MORALIDADE
A guerra atacou os padrões morais tão rudemente quanto
as formas estéticas. O fato de que a matança em massa por
qualquer método imaginável se tivesse convertido em rotina,
em dever, em propósito moral, foi apenas o mais cruel dos
ataques a uma ordem moral que se dizia enraizada numa ética
judaico-cristã. Embora Kitchener tivesse despachado a BEF
com a recomendação de evitar as mulheres e os vinhos da
França, não demorou muito para que os comandantes dos exér
citos de todos os lados começassem a fazer arranjos para aten
der às necessidades sexuais básicas das massas de homens —
c claro, para manter o moral! No mundo do século XIX a
moral e o moral eram considerados indistinguíveis; a Grande
Guerra fez grande estrago nessa parceria e ameaçou torná-los
mutuamente exclusivos. Para um grande número de pessoas,
provavelmente a maioria, eles continuaram relacionados, comovimos antes, mas uma crescente parcela de homens passou a as
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sociar o moral das tropas ao repúdio da moral ou pelo menos
a um afrouxamento do código moral.
Ao enfrentarem perigo mortal e morte iminente, exércitos
e soldados, em todas as épocas históricas, se consideram cida
dãos privilegiados em relação à moralidade, entre outras coi
sas. A própria democratização da guerra entre 1914 e 1918
significou que milhões de homens assumiram esses privilégios.
Para um inocente organista e mestre de coro de Edimburgo
como Peter McGregor, até o campo de treinamento, perto de
Plymouth, foi um mundo novo e excitante. Num domingo de
setembro de 1915, ele foi a Plymouth. “Eu me diverti bas
tante”, contou numa carta à sua mulher, que provavelmente
teve um ataque quando leu o que se seguia.
Descobrimos uma casa de chá onde comi peixe frito. Mas
isto não é tudo. Estava comprando um maço de cigarros
na tabacaria e perguntei ao dono se não sabia de algum
lugar onde pudéssemos tomar chá, e ele nos falou desse
estabelecimento. Bem, era um lugar francês sem dúvida,
com damas bem vestidas e pintadas, que fumavam cigar
ros e riam para os homens. Havia homens de Argyllshiree marinheiros. Oh céus, podia-se conseguir o que se qui
sesse, a comida era boa e bem servida. O garçom era fran
cês. Era uma casa de má reputação, afinal. Nunca estive
num lugar desses antes. Eu me sentia bem. Não fique
alarmada com seu velho marido — ele está são e salvo.
Comi tanto que meu cinto não queria fechar. Peixe frito
com lascas de batatas fritas é muito bom, e chá em xí
cara sobre uma mesa com toalha branca e colheres, etc.Mas a companhia! Céus! As damas simplesmente me des
concertaram, só vendo como se comportavam. Estávamos
esperando junto à porta do banheiro, e achávamos que
quem ia sair de lá era um homem, mas saíram duas damas,
bem, isso é tudo. Saí correndo de lá.1
Em dois meses o choque de McGregor já havia passado, mas
a novidade de sua vida recente continuou. No fim de novem bro ele estava em Guilford: “Tomamos chá numa pequena sala
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mulheres, à medida que ingressavam na força de trabalho de
vido à ausência de homens, acarretou o relaxamento das res
trições morais da autoridade doméstica e paterna. Era agora
maior o número de mulheres que tinham aposentos próprios
onde recebiam amigos do sexo masculino. Se o ataque a um
código moral fixo já fora desfechado antes de 1914, a guerrafuncionou como um aríete. A moralidade é o sexo deixaram
de ser uma questão de preceito social para se tornarem cada
vez mais um problema de consciência individual.
Frederic Manning notou que o ânimo dos soldados pare
cia oscilar " entre os extremos de um sentimentalismo pega-
jogo e uma obscenidade indecente”.6 Talvez sempre tenha sido
assim com soldados. Uma das primeiras coisas que impressio
naram Percy Jones quando ele se alistou em 1914 foram os pa
lavrões dos colegas: "Dizer palavrão parece ser natural aos
soldados, como cabelos compridos aos artistas e roupas de xa
drez aos golfistás.”7 Mas os soldados da Grande Guerra pare
cem ter sentido uma necessidade especial de bater na tecla
da escatologia. A imagética da defecação tornou-se um motivo
predominante. Não é certamente de surpreender. Milhares de
homens morreram, e, ao morrerem, não foram "para oeste”,
como quer o eufemismo britânico; em vez disso, "bateram as
botas”, sujas de excremento. Quando chegava o "grande alí
vio”, este vinha em primeiro lugar dos intestinos. "A guerra
é muito bonita nos livros, mas na realidade fede a merda e
a carne apodrecida”, queixava-se Charles Delvert.8
O front interno britânico relacionava a analidade com a
Alemanha. Uma compilação feita em 1917 de alegados crimes
de guerra acusava os alemães de comportamento brutal e "as
queroso”. "Em casas assaltadas por alemães, eles deixam, como
cartões de visita, excremento nas camas, sobre as mesas e em
guarda-louças.”9 Mas os soldados no front tinham um modo
diferente de ver as coisas. Vivendo em meio à morte e à de
composição causada por máquinas desumanas, os homens des
cobriam uma inocência simbólica na sujeira humana. A arti
lharia atrás das linhas talvez tivesse mandado registrar todas
as latrinas do inimigo,10 como Humphrey Cobb afirmou em seuromance baseado na guerra — a cultura burguesa não permite
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dade de seu peido. Neste nível a guerra mais uma vez trans
formava a revolta de pequenas rodas artísticas num fenômeno
de massa.
VANGUARDA
Todos os soldados ansiavam por licença. Muitos, é claro,
gozavam-na inteiramente. Voltar para casa como um veterano
amadurecido assegurava uma súbita e bem-vinda respeitabili
dade. Roland Mountfort tinha trabalhado para a Prudential Life
Insurance Company de Londres antes da guerra, e, ao revisitaro escritório em julho de 1916, foi, segundo suas palavras,
levado de um lado para outro, até para a sala dos Sub
gerentes, pessoas muito importantes diante de quem nos
velhos tempos eu teria me mantido de pé e trêmulo, mas
com quem agora, em minha nova condição, tive uma con
versa bastante informal.1
Os soldados franceses se amotinaram em 1917 em parte por
que falharam os entendimentos em tornò de critérios justos para
a concessão de permissions, ou licenças.
Entretanto, alguns soldados, ao voltarem para casa, acha
vam exasperadora e deprimente a vida que tinham conhecido
antes. Quando foi mandado para casa por motivos de saúde
em agosto de 1916, Robert Graves achou “quase impossível”conversar até com seus pais. Perguntado em dezembro se gos
taria de servir mais alguns meses em casa, respondeu que não.2
Esta experiência não era incomum. Louis Mairet, de licença
em casa em março de 1916, ficou chocado ao descobrir pes
soas que continuavam a viver suas vidas como se nada de
extraordinário estivesse acontecendo. Ficou especialmente abor
recido com aqueles que, ao serem informados de algumas das
condições precárias do front e da tenacidade do inimigo, bocejavam e reclamavam do preço da carne de vitela.3 Um sol
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dado inglês, a quem um amigo perguntou se havia contado à
mulher sobre o front durante a sua licença, replicou:
Ela não me deu uma chance, ocupada como estava em me
falar do gato da Sra. Bally que matou o passarinho da
Sra. Smith, do novo vestido da irmã da Sra. Cramp, e docachorro de Jimmy Murphy que tinha destruído a boneca
de Annie Allen.4
Havia entre os soldados um sentimento comum de que
a experiência no front criara uma barreira intransponível entre
eles e os civis. A comunicação com a família não era mais
possível. As pessoas simplesmente não entendiam o que se
passara com os soldados, e os próprios soldados não conse-
guiam expressar sua experiência apropriadamente. A Ernst
Jíinger desagradavam as “frases desenxabidas sobre heróis e
morte heróica” que escutava em casa. Os soldados não preci-
savam desta espécie de agradecimentos, ele protestava. Dese-
javam um pouco de “simpatia”.5 Mas seria possível uma sim-
patia genuína, baseada em compreensão?
Para aqueles que fingiam compreender, mas de fato nãocompreendiam, os soldados reservavam seu ódio mais veneno-
so. Os jornalistas que escreviam sobre a guerra, ao invés de
combater, formavam uma categoria à parte. Marc Boasson con-
siderava os jornalistas “idiotas”.6 Com suas tolas e mentirosas
reportagens de batalhas, com sua difamação do inimigo, desva-
lorizavam o esforço francês, conseguindo o contrário do que
pretendiam. “Os jornais me dão ataques epilépticos”, escreveu
outro soldado francês. “Se algum dia erigirem uma estátua à
Imprensa, faço questão de que dêem a esta deusa pés de pato,
estômago de avestruz, cérebro de ganso e focinho de porco.”7
Na hierarquia do desprezo vinham em seguida os estrate-
gistas de gabinete. Esses também nauseavam o soldado. “Você
sente um ódio inextinguível pelo burguês pançudo, afável e
bem cuidado, que à luz da lâmpada discute operações milita-
res num tom peremptório de voz, rodeado pela família cheiade admiração”, escreveu Charles Delvert. Esse burguês gordo
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e desprezível, M. Prudhomme, não tinha absolutamente noção
alguma — pas même le soupçon — do que estava acontecendo
nas trincheiras.8
Entretanto, é preciso não exagerar. Mesmo Delvert, que
em sua amargura não poupava jornalistas e estrategistas ama
dores redondos como peras, admitia que o material de leitura,
vindo de casa, era essencial para a sanidade mental na linha
de frente. A luxuosa Vie Parisienne, cheia de pin-ups desenha
das — as fotografadas pertenciam à Segunda Guerra Mundial
—, era a revista mais popular nas trincheiras francesas, “com
as mulherzinhas de espartilho e calção Gerda Wegener”. Du
rante os bombardeios, a lourinha “de olhos grandes e voluptuosa
palidez enlanguesce em sua cadeira à minha direita e me lem bra que para além das linhas a vida continua”. Mas enquanto
pensa e escreve, o sarcasmo de repente volta a aparecer, e
Delvet conclui: “Estamos realmente na época do Diretório”,
referência ao interregno depois da Revolução e antes de Napo-
Ieão, quando — como acusava a interpretação radical da his
tória da França — o melhor da França estava na frente lutan
do contra o inimigo e o pior estava em casa governando, se
èstá é a palavra, o país.9
As cartas de casa eram freqüentemente dolorosas por causa
de sua ingenuidade. As ironias saltavam aos olhos dos soldados:
“Procure não ser ferido!” ou “Nós também estamos passando
dificuldades!” “Meu Deus! com o quê?”, foi a resposta de
Delvert.10 Ao ler esses comentários vindos de casa, a sensação
do soldado era quase sempre de completo isolamento. As tro
pas bem que poderiam estar na lua. Viviam e lutavam numlugar além da compreensão, além da imaginação e até além
do sentimento. “O Exército luta sozinho”, foi a conclusão de
Garfield Powell durante a ofensiva do Somme. Powell espe
rava que, dado o número de soldados britânicos envolvidos
na luta no Somme e dado o esforço extra exigido do front
interno para equipar os exércitos, alguma mudança pudesse
vir a ocorrer, mas admitiu que a esperança era pequena: “En
quanto os ingleses forem a raça fria, calculista e egoísta quesempre foram, e enquanto o idealismo for inexistente e desen
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corajado, estaremos sempre à beira do desastre nacional.”11 As
palavras poderiam ter sido escritas por um- propagandista
alemão.
Alguns soldados, dominados pela sensação de isolamento,
sentiam mais ódio e desprezo pelos civis de seu país do que
pelo inimigo. Esses sentimentos vieram à tona com freqüênciadurante os motins franceses. Ali havia o material para uma
revolução, e as autoridades políticas e militares francesas es
tremeceram, em maio e junho de 1917, ao pensar que a França
poderia estar à beira do colapso total e de uma convulsão so
cial. Até Siegfried Sassoon brincou com a idéia de virar os
canhões para o lado oposto.12
Oprimidos pela sensação de estarem sós — sentimento
que a expressão “geração perdida” captaria depois da guerra —,alguns soldados chegaram a considerar sagrada a sua solitária
fraternidade. Apartados do front interno, apartados até do mi
litarismo do pré-guerra, para o qual não tinham senão des
prezo — “dólmãs de cetim, bigodes de gatos beíicosos, almas
de burocratas mesquinhos”,13 sua admiração pelo exército do
tempo da guerra não conhecia limites. Pierre Drieu la Rochelle,
Herbert Read, Siegfried Sassoon, Ernst Jünger e Robert Graves
partilhavam todos a mesma opinião, mas eram apenas os re presentantes eloqüentes de um grupo que incluía virtualmente
todos os voluntários, assim que se tornavam veteranos expe
rimentados.
O tom da elocução variava — podia-se encontrar nostal
gia misturada com desafio —, mas todos concordavam que a
experiência de guerra, a experiência da “guerra real” nas trin
cheiras, separava os homens do resto , da sociedade. Como dizia
a expressão alemã, tratava-se de um Schicksalsgemeinschaft, uma comunidade de destino. Todos estavam de acordo quanto
ao fato de que, para eles, uma época chegara ao fim, um
mundo tinha terminado. O momento, a intensidade do mo
mento, era a única certeza; e em graus variados, apesar do
horror e -da mutilação disseminados, apesar de pontadas de
tristeza e pesar, a experiência se mostrava estimulante. A maio
ria dos soldados que participaram dos combates não lamen
tava a experiência, a despeito de sua amargura sobre a condução oficial da guerra.
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Não há como exagerar o horror da guerra para aqueles
que realmente tomaram parte nela. Sei que minhas expe
riências se deram com um grupo de homens excepcional
mente unido e bem-sucedido, e que para muitos a guerra
foi um verdadeiro inferno. Mas, para muitos de nós, não
era pouco o que havia em contrapartida. Não se tratavade alegria pela luta em si, nem de fascinação por uma
aventura espalhafatosa. Havia coisas mais elevadas. Pode-
se dizer que estávamos espiritualmente drogados e pateti
camente iludidos. Mas nunca antes, nem desde então, ex
perimentamos tais sentimentos. Naqueles dias de compa
nheirismo e dedicação havia uma exaltação que dificil
mente teria acontecido em outras circunstâncias. Assim,
para aqueles que cavalgaram com Dom Quixote de umlado e Rupert Brooke do outro, a Linha é terreno sa
grado, pois ali vislumbramos a visão magnífica.22
O laço espiritual forjado entre os soldados no isolamento
das trincheiras não era, entretanto, muito resistente fora da
zona da batalha, quando os homens se viam forçados a en
frentar as complexidades do mundo "real”. A intensidade de
sentimento e companheirismo pertencia a um tempo e lugarsingulares. Isso explica por que alguns soldados ficavam an
siosos para voltar às trincheiras, quando de licença ou até nos
alojamentos de descanso. Herbert Read, de licença na Ingla
terra, perdeu um ataque em que seu regimento esteve envol
vido: “Sinto-me um pouco envergonhado de ter escapado de
tudo isso. Há sempre um remorso de não ter compartilhado
os perigos com os amigos. Talvez seja ciúme de suas expe
riências.”23Se os soldados nas fileiras, incapazes de formar uma ima
gem coerente da guerra como um todo, se mostravam perple
xos com a situação geral, os estados-maiores, incapazes de pro
jetar qualquer abordagem estratégica e tática bem-sucedida,
estavam igualmente desconcertados.' Alguns, como Haig e
Fayolle, voltavam-se para a religião em busca de arrimo. “Es
tou convencido de que Deus salvará a França mais uma vez”,
confidenciou Fayolle a seu diário em fevereiro de 1918, “masEle terá de se envolver na luta diretamente”.24 A guerra pa
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recia ter escapado ao controle de mãos humanas há muitotempo. Para alguns comandantes, os repetidos desastres nunca
poderiam ser explicados em termos de inadequação de equi pamento ou de homens: os fracassos eram projetados nos outros, especialmente nos agentes secretos e obscuras forças cor
relatas. Teorias de conspiração floresciam. Quando os motinsinfectaram seus exércitos em 1917, muitos generais francesesconvenceram-se de que, em última análise, os problemas não provinham de sua própria má administração da guerra, masde sinistras forças ocultas — agents provocateurs e organizações clandestinas financiadas pela Alemanha. Qualquer peculiaridade tornava-se suspeita. Um soldado- foi investigadocomo possível agente da revolução porque suas cartas indi
cavam que tinha noções de inglês e alemão.25 Se Pétain nãotivesse sido admiravelmente sensato ao tentar retificar as in justiças administrativas que atormentavam a existência do poilu; se os exércitos franceses tivessem entrado em colapso;se os franceses não estivessem no lado “vitorioso” da guerra,é mais do que provável que tivessem tido uma versão da caçaàs bruxas, no caso, sabotadores, que ocorreu na Alemanha nasdécadas de 1920 e 1930.
Na Grã-Bretanha havia análoga corrente oculta de paranóia. No quarto aniversário da deflagração da guerra RichardStokes ainda escrevia: “Como eu gostaria que internassem todos estes porcos estrangeiros.”26
A guerra impôs aos soldados uma “viagem interior”, masos civis empreenderam uma viagem paralela no país natal. Acensura e a propaganda desempenharam o papel principal neste processo, dissimulando, como era seu propósito, a realidade da
guerra. O front interno nunca soube com precisão como a guerra se desenrolava. As derrotas eram apresentadas como vitórias, o impasse como manobra tática. Â verdade tornava-sementira, e a mentira, verdade. Como o eufemismo se tornoua ordem do dia oficial, à linguagem foi virada de cabeça para
baixo e de dentro para fora. Inventavam-se histórias de atrocidades, e calava-se sobre atrocidades reais. A intenção doslíderes civis e militares era, é claro, manter o moral, divulgar,
interna e externamente, a imagem de sociedades que com entusiasmo se dedicavam à “causa”. Os jornais estavam proibidos
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de publicar fotografias de soldados mortos, ou, mais freqüen-temente, de imprimir histórias sobre desastres de trens e acidentes industriais. Entretanto, qualquer coisa que elevasse omoral era encorajada. No começo da guerra circulavam histórias na imprensa francesa sobre armas alemãs que negavam
fogo, metralha que caía como chuva inofensiva, balas que nãoeram perigosas porque atravessavam a carne sem dilacerá-la.Ao verem o arsenal alemão, “nossos soldados de infantariadesataram a rir”, insistia U Intransigeant.27 A mesma publicação tinha apresentado a seguinte manchete em 4 de agostode 1914: AS GUERRAS DE HOJE SÃO MENOS ASSASSI NAS DO QUE AS DO PASSADO. Com a continuação daguerra, este bourrage de crâne, como os soldados franceses
rotulavam a propaganda, não cessou. “Nossos soldados nãofazem caso do gás venenoso”, escrevia L’Êcho de Paris em16 de dezembro de 1916. “Entre as muitas vítimas do gás”,informava o Petit Journal em 24 de agosto de 1917, “é difícilencontrar uma única morte”.
Os soldados eram dissuadidos de manter diários, e nãose permitiam máquinas fotográficas pessoais nas linhas defrente, pelo receio de que provas dos planos e preparativos
militares pudessem cair nas mãos dos inimigos. Tal raciocínioera normal. Mas à medida que a guerra continuava, uma razãoigualmente importante para tais proibições veio a ser o medode que as más notícias, de forma documentada, pudessem chegar até o país natal e perturbar o ânimo de todos. Os censores investigavam cuidadosamente todas as cartas enviadasdo front. Parte da correspondência que chegava ao front tam bém era examinada. “Somos atormentados por uma censurade terrível escrupulosidade”, reclamava John Harvey, sem estar seguro de que esses comentários chegariam ao seu destino;
e acredito que outras cartas minhas sofreram severamentenas mãos do censor. . . Se você visse toda a lista decoisas proibidas que não podemos dizer, compreenderíaque requer algum esforço planejar uma carta que nãoserá riscada e retida.28
O poder do ceíisor de intervir no discurso e na emoção, tantoem casa quanto no front, fica evidenciado num exemplo in
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cisivo e, para os seres humanos envolvidos, de grande influência. “Um de nossos oficiais”, escreveu John Walker, "notou,ao censurar a correspondência, que o mesmo homem escrevera duas cartas a duas garotas — cartas de amor que tinhamo objetivo de solicitar pacotes. Ele colocou a carta de Ethel no
envelope de Meg e vice-versa”.29 Ê curioso que essa pequenahistória tenha chegado a público.
O efeito desse tipo de interferência dos oficiais — emgrande escala ou afetando apenas uma Ethel ou uma Meg —era desencadear fantasias, medos, neuroses. Ao verem negadoo seu direito ao conhecimento dos fatos, as pessoas’voltavam-se para dentro de si. Criavam-se mitos, alguns de assombrosamagnitude: os anjos que protegeram a retirada britânica em
Mons; as legiões de russos que, destinados à Frente Ocidental,viajaram "com neve cobrindo suas botas” desde Archangelaté a Escócia e depois, em centenas de velozes vagões fechados, aos portos do Canal da Mancha; os canadenses literalmente crucificados pelos alemães. Além disso, em meio ao silêncio forçado, achava-se que traidores, espiões e inimigos seescondiam embaixo de cada cama.
As fronteiras entre a verdade e a mentira tornaram-se tão
indefiníveis que se tomavam os desmentidos oficiais de boatos por tentativas de desorientar o inimigo. Henry James, por exem plo, acreditou piamente na história das tropas russas destinadasà Frente Ocidental. No começo de setembro de 1914 enviou aEdith Wharton nos Estados Unidos uma fotografia, recortadado Daily Mail de 1° de setembro, na qual se viam soldados que
pareciam russos desembarcando em Ostend: "se eles não saíramdiretamente de uma página histórica ou até fictícia de Tolstoi,
comerei o maior par de botas de mujique da coleção!” ParaJames, a foto era "uma prova preciosa”. Alguns dias maistarde, entretanto, o Ministério da Guerra negou as informações. James, porém, mostrou-se cético:
Persiste um extraordinário resíduo factual que deve serlevado em conta: é indiscutível, dada a incrível convergência de testemunhos, que muitos trens repletos de sol
dados vistos à luz do dia por inumeráveis observadorese indivíduos espantados que não os reconheceram como
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ingleses atravessaram do norte para o leste durante o fim
da semana passada e o início desta. Parece difícil que
tenha ocorrido esta quantidade tão heterogeneamente dis
persa de alucinação, falsa interpretação, invenção fantás
tica ou o que quer que seja — mas me dou por vencido!30
Outros, entretanto, não se "davam por vencidos” tão facil
mente e continuavam a acreditar no transporte de soldados
russos, mesmo depois que um segundo desmentido foi emi
tido na metade de setembro. Qual era a origem da história?
Uma teoria dizia que tudo começara quando um comerciante
de provisões recebeu um telegrama da Rússia afirmando: "Du
zentos mil russos estão sendo despachados via Archangel.” A
mensagem não se referia a soldados mas a ovos. Qualquer
que tenha sido a origem, o fato é que as pessoas precisavam
desesperadamente de ajuda e estavam prontas a aceitar as
histórias mais loucas.
Vivendo sob tensão, as pessoas inventavam o auxílio, mas
também imaginavam o perigo. Em todos os países beligerantes
circularam, durante a guerra, histórias bizarras de agentes que
destruíam trens dominando os sinaleiros, sentinelas ou guardas; espiões que faziam sinais com luzes para os navios e os
submarinos; traidores que usavam pombos-correio para enviar
mensagens ao inimigo. Havia moinhos de vento que giravam
quando o inimigo se aproximava, ou ficavam parados quando
as condições para atacar eram consideradas favoráveis. Até
o mau tempo se devia a feitiçarias do inimigo. E quando, em
junho de 1915, chegou a Londres a notícia de que Kitchener
tinha morrido afogado depois que*seu navio afundara no Mar
do Norte, espalhou-se rapidamente um boato de que a in
formação não passava de invenção para confundir os alemães.
Kitchener estava supostamente vivo, em boas condições de
saúde e viajando para a Rússia por uma rota diferente.
Se os britânicos foram encorajados a acreditar que os
alemães esmagavam os crânios de bebês belgas e franceses
com suas botas de montaria, que o kaiser participava pessoalmente da tortura de crianças de três anos em rituais satâni-
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cos, e que os cadáveres eram reciclados na Alemanha para
produzir gordura, óleo e forragem de porco, os alemães ou
viam dizer que soldados Gurkha e Sikh se arrastavam pela
terra de ninguém à noite, introduziam-se nas trincheiras adver
sárias, cortavam as gargantas, dos alemães e depois bebiam o
sangue das vítimas, e que os senegaleses que lutavam ao lado
dos franceses eram canibais.
A imprensa liderava o esforço de propaganda, mas clé
rigos, educadores, artistas, músicos e autores o reforçavam.
Todos os beligerantes se envolveram na criação de mitos e
na distorção da realidade. A realidade, o senso de proporção
e a razão — eis as principais baixas da guerra. O mundo
tornou-se uma invenção da imaginação, ao invés de ser a imaginação uma invenção do mundo. O fundamento alemão para
a guerra teve desde o início uma orientação metafísica; o argu
mento dos Aliados foi inicialmente mais prático: defesa contra
o ataque alemão. Mas com a continuação da guerra, quando as
provocações imediatas — o ataque austríaco à Sérvia e a in
vasão alemã da Bélgica — se tornaram insignificantes, quando
até os valores civilizados perderam o seu brilho em face da
matança interminável, era às vezes impossível distinguir a retórica aliada daquela utilizada pelos alemães.
“Matem os alemães! Matem-nos!” berrava o Reverendíssimo
A. F. Winnington-Ingram, bispo de Londres:
. . . não por matar, mas para salvar o mundo. . . matem
os bons e não só os maus. . . matem os jovens e os ve
lhos. . . matem aqueles que foram bondosos com os nossos
feridos e também aqueles demônios que crucificaram o
sargento canadense. . . Como já disse mil vezes, considero
esta uma guerra pela pureza, considero mártires todos os
que nela morrerem. . . 31
Clérigos vestiam Jesus de cáqui e faziam-no atirar com metra
lhadoras. A guerra tornou-se uma guerra não de justiça mas
de virtude. Matar os alemães era livrar o mundo do Anticristo,
a grande besta saída do abismo, e anunciar a Nova Jerusalém.
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Na Igreja Batista de Madison Avenue, em Nova York, o Reverendo Charles Aubrey Eaton atacou Woodrow Wilson por nãovingar o Lusitania. Era preciso vigiá-lo, "mesmo que issocustasse a vida de dez milhões de homens, mesmo que nossascidades fossem destruídas e tivéssemos de retroceder uma cen
tena de anos”.32 Desde as guerras de religião do século XVII,e talvez desde as cruzadas, os membros do clero não tinhamencorajado com tanto entusiasmo o ato de matar para a maiorglória de Deus.
A propaganda, de natureza tanto positiva quanto negativa,evocava extremos de emoção: ódio apaixonado e visões irrealistas do futuro. Nesse processo, as esperanças se tornavamapocalípticas e o passado era posto de lado, por muitos deforma cruel. E para muitos no campo dos Aliados, assim como
para os alemães, o conflito tornou-se uma guerra que buscavaalcançar a utopia, não uma guerra para preservar realizações.Muitos sentiam que o equilíbrio havia se deslocado. Glorificava-se agora o futuro em lugar do passado; mas o futuro eraum produto da imaginação, mais uma questão de desejo deses
perado do que de planejamento construtivo. Quando a guerra
finalmente terminou, Isadora Duncan, em Paris, teve a sensação de que "no momento somos todos poetas”.33
Embora as diferenças entre as motivações anglo-francesase as alemãs, que enfatizamos antes, permanecessem distintas para os soldados e os civis durante toda a guerra, a sensi bilidade de britânicos e franceses tinha se aproximado da alemã. Nesse sentido, no mesnfo dia em que os alemães pela primeiravez usaram gás em Ypres, 22 de abril de 1915, Louis Mairet, sem
saber das novas ocorrências, exigia uma ética do olho por olho,dente por dente: "É com selvageria que derrotaremos os selvagens.”34 Depois da guerra, o general Sir Ian Hamilton, quetinha comandado o malfadado empreendimento dos Dardanelos,admitiu: "A guerra nos forçou a plagiar o inimigo.”35 Referia-se principalmente à organização e à disciplina militar, mas suaafirmação era igualmente válida em nível social e cultural maisamplo. Durante a guerra as nações ocidentais caminharam em
direção a um controle social mais forte, mas também rumoa uma nova liberalidade espiritual. Nesse paradoxo, enquanto
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TERCEIRO ATO
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DANÇARINO NOTURNO
VIII
Tinhas dançado toda aquela noite,
E partiste, na aurora inquieta,Como Alan Seeger, menos criança que ele,
Mas também poeta!
Ma u r i c e Ro s t a n d
Maio de 1927
Não cabe falar de arte quando entra em cena a idéia
de bater recorde.
An d r é Gid e
1910
O cadáver que plantaste ano passado em teu jardim
Já começou a brotar? Dará flores este ano?
Ou foi a imprevista geada que o perturbou em seu leito?*
T. S. El io t
The Waste Land, 1922
Sem pudor e sem desonra
Durmo com o bando todo,
Não com um sujeito só.
Moderno é não ter limites.
Canção cantada por ILSE BOIS,
artista de cabaré
O NOVO CRISTO
Sábado, 21 de maio de 1927. Paris.
Os matutinos predizem que ele talvez chegue, se é que
vai chegar, pouco depois das nove da noite. Le Temps acredita
* Tradução de Ivan Junqueira, em T. S. Eliot, Poesia, trad., introd.. e
notas de I. J, 2^»ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981, p. 91.
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que chegará mais cedo. Le Matin diz que não antes de uma
ou duas da madrugada de domingo. Os cafés de Montmartre
e Montparnasse fervilham de conversas excitadas. durante todo o
dia. Mas domina o pessimismo. Ao entardecer, as estradas para
Le Bourget, que fica a quinze quilômetros do centro de Paris
na direção norte, estão entupidas. O primeiro engarrafamentomoderno está em formação. Por volta das nove da noite o trá
fego está totalmente interrompido e até os ônibus especiais,
que naquela noite partem da Place de 1’Opéra apinhados de
passageiros a cada dois ou três minutos, não podem prosse
guir. Só aqueles que vão de bicicleta ou a pé conseguem avan
çar passando pelos veículos parados, muitos dos quais a esta
altura foram abandonados nas laterais das várias estradas de
acesso, enquanto seus ex-passageiros correm em bandos na direção das luzes de Le Bourget.
O correspondente em Paris de um jornal alemão, o Deut-
scher Tageszeitung, acha o tráfego em Porte de la Villette tão
ruim por volta das oito da noite que tem de fazer a pé todo
o resto do percurso, aproximadamente oito ou nove quilôme
tros.'Isadora Duncan, a caminho de um,jantar em Chantilly,
dezoito quilômetros mais ao norte, fica presa no trânsito, de
siste de seus planos para aquela noite e se junta à multidãocuriosa, cujo tamanho nenhum estádio em Paris e nem mesmo
o Wembley de Londres, construído alguns anos antes para
acomodar 100 mil espectadores, podia comportar. Muitos dos
jornalistas enviados para fazer a cobertura do espetáculo não
chegam a seu destino e acabam por entregar reportagens de
segunda mão, cheias de imprecisões e de boatos. Mesmo os
repórteres que conseguem chegar ao local têm dificuldade de
se moverem no meio da multidão, de serem admitidos no pró prio campo com seus passes de imprensa, e de observarem
os acontecimentos principais. Algumas estimativas da multidão
que comparece a Le Bourget atingirão a cifra de um milhão;
a maioria se manterá entre 150 mil e 200 mil pessoas.
Montmartre, o ponto mais alto de Paris, do qual as pes
soas esperam ver pelo menos as luzes de Le Bourget, parece
um formigueiro em comoção por volta das nove e meia. Na
Place du Tertre, perto do Sacré Coeur, o acotovelamento humano é de tal ordem que o movimento se torna quase im
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possível. Na Place de POpéra, uma multidão, estimada por
um jornalista em dez mil pessoas, remoinha expectante. Nos
grandes bulevares, por toda a cidade, o tráfego, triturado, tem
que parar. Certos cafés começam a colar telegramas nas pa
redes depois das nove e meia. Em alguns teatros as represen
tações são interrompidas com boletins de notícias.
Em Le Bourget a multidão densamente compacta faz pres
são contra as cercas que circundam o campo. Luzes, verme
lhas e verdes, lampejam, e holofotes de acetileno sibilam en
quanto esquadrinham o céu. Um sudoeste frio sopra o tempo
todo. De vez em quando grupos na multidão começam a cantar.
Harry Crosby, veterano de Verdun e agora um expatriado ame
ricano que vive em Paris, chegou cedo, por volta das oito danoite, com sua mulher, Caresse, e um grupo de amigos. O
evento, mais do que qualquer outra coisa desde a guerra, deixa
Crosby emocionado. São dez e vinte da noite.
E de repente o som inconfundível de um aeroplano (si
lêncio absoluto) e então à nossa esquerda um clarão branco
contra o céu negro (escuridão) e outro clarão (como um
tubarão em disparada na água). Depois nada mais. Nenhum som. Expectativa. E novamente um som, desta vez
em algum lugar perto à direita.. . Então, veloz e rá
pido no brilho dourado dos holofotes, um pequeno aero
plano branco mergulha como um gavião e corre pelo cam
po — C'est lui, Lindbergh, LINDBERGH! e há pande
mônio animais selvagens soltos em disparada e um es
touro de boiada em direção ao aeroplano e C e eu agar
rados um ao outro correndo pessoas à frente correndo pessoas por toda parte ao nosso redor correndo e a mul
tidão atrás resfolegando como búfalos empurrões e encon
trões e onde está ele onde está ele Lindbergh onde está
ele e a extraordinária impressão que eu tive das mãos
milhares de mãos se agitando como larvas sobre as asas
prateadas do Spirit of Saint-Louis e é como se todas as
mãos do mundo estivessem tocando ou tentando tocar o
novo Cristo e còmo se a nova Cruz fosse o Avião e facasretalham a fuselagem mãos multiplicam-se mãos por toda
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parte arranhando rasgando e é quase meia-noite quando
começamos a lenta viagem de volta a Paris.1
O "novo Cristo” tinha chegado! Contra todas as proba
bilidades. Sozinho. Completamente só. Do Novo Mundo ao
Velho. De Roosevelt Field em Nova York a Le Bourget emParis. Tinha deixado para trás até a gatinha cinzenta, Patsy,
que algumas reportagens diziam que ele trazia consigo. A via
gem teria sido perigosa demais para ela; esta foi a explicação
atribuída ao herói. O comentário acentuava, assim todos sen
tiam, a magnífica simplicidade, o verdadeiro heroísmo do ho
mem. Ele não tinha instrumentos especiais no aeroplano, nçm
mesmo um rádio, apenas uma bússola magnética.
Os parisienses ansiavam por vê-lo. Queriam aclamá-lo,tocá-lo, carregá-lo nos ombros, adorá-lo. Derrubaram os por
tões de ferro e as cercas de arame farpado do aeroporto;
esmagaram-se uns contra os outros. O correspondente em Paris
do Daily Mail, provavelmehte num estado semelhante ao das
pessoas que descrevia, passou um cabograma para seu jornal:
Milhares de pessoas lutaram entre si e com corpulentos
policiais para chegar perto de Lindbergh e apertar-lhe amão. Mulheres que tinham jurado beijá-lo tiveram seus
casacos de pele reduzidos a farrapos e saíram da briga
sem os seus chapéus, com os cabelos desgrenhados e os
vestidos amarfanhados e rasgados.2
Dez pessoas foram levàdas para o hospital, uma mulher e uma
criança em estado grave. As pessoas atacaram o aeroplano em
busca de lembranças. Mãos puxaram e romperam a lona dasasas; canivetes foram utilizados, com melhores resultados. A
iniciativa de funcionários locais e de alguns admiradores salvou
o aviador. Um carro partiu em alta velocidade para o aero
plano, e Lindbergh foi resgatado por pilotos e soldados que
usavam a coronha dos fuzis para abrir caminho. Deram-lhe
prontamente uma túnica militar francesa para usar como dis
farce, e ele correu até um hangar distante, onde recebeu os
cumprimentos oficiais. A fim de desviar a atenção da multidão,impostores eram carregados nos ombros, e a turba venerava os
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chamarizes.3 Um pai levantou seu filho para que o menino pudesse ver, e a massa aclamou a criança. Na escuridão, Lind- bergh se tornara Todo Mundo, e Todo Mundo se tornaraLindbergh.
Nos dias que se seguiram Lindbergh foi festejado como
nenhuma outra pessoa antes na história, nem reis ou rainhas,estadistas ou religiosos. Da noite para o dia ele se tornara ohomem mais famoso de todos os tempos. Da noite para o dia!Um dia antes era apenas “o bobo voador” e “Lindy sortudo” para os seus companheiros, um piloto do correio aéreo e ca pitão da reserva da Força Aérea Americana, um avéntureiro jovem que, em geral, tinha como platéia pombos ou curiangos.Agora, era LINDBERGH! — komme de rêve, komme oiseau —,
um ícaro moderno que, ao contrário de seu antepassado mítico, dispensara a tragédia. Do mundo inteiro chegavam congratulações à embaixada dos Estados Unidos em Paris e aoDepartamento de Estado em Washington, de monarcas e chefes de Estado, bem como de pessoas comuns. Em Paris, bandeiras americanas ondulavam por toda parte, até naquele bastião de introspecção e sangue-frio gaulês, o Quai d'Orsay, queno passado tinha reservado essa honra para os chefes de Es
tado em visita à cidade.Todos pareciam querer escrever odes a Lindbergh. Apeli
davam drinques em sua homenagem e batizavam crianças como seu nome. Charles Augustus Lindbergh. O nome do meio pressagiava a realização imperial. As multidões que o saudavam eram intermináveis — provavelmente meio milhão numatarde de quinta-feira, dia vinte e seis, quando seu corso saiuda embaixada americana, onde ele tinha se hospedado, e se
guiu pela Avenue dTéna, Rue Pierre-Charron, Champs-Élysées,Place de la Concorde, Rue de Rivoli até o Hotel de Ville —,e seu entusiasmo, inexorável. Mãos onipresentes procuravamalcançá-lo. mais uma vez, atiravam flores e acenavam lençose chapéus. Durante uma semana Paris se entregou ao que foi provavelmente a mais extraordinária efusão de emoção que jáhavia demonstrado. E tudo isso para um americano de LittleFalis, Minnesota, que aos vinte e cinco anos e com seus ca
belos em desalinho, seus olhos azuis, sua sinceridade e suasroupas mal-amanhadas parecia ser muito mais moço do que era
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e personificar a própria antítese da grandeur e gloire que osfranceses cultivavam com tanto empenho.
O mundo oficial tentou acompanhar o sentimento público.Figurões respeitáveis competiam entre si para conceder honrase mais honras ao jovem americano. Praticamente todos os pi
lares do establishment francês lhe dirigiram saudações e elogios. O presidente francês, Doumergue, prendeu a cruz da Lé-gion dTíonneur em seu peito, a primeira vez em que umamericano recebia essa honraria. As autoridades nacionais emunicipais fizeram fila para festejá-lo — Briand, Poincaré,Painlevé, Doumer, Godin, Bouju, Chiappe. Ele almoçou comBlériot, o primeiro homem a sobrevoar o Canal da Manchaem 1909. Foi recebido pelos Marechais Joffre e Foch. O em
baixador francês em Washington, Paul Claudel, poeta-diplo-mata, esteio da sensibilidade clássica francesa, que tinha retornado à Europa de licença em abril, propôs um brinde àmãe de Lindbergh.
E com gestos simbólicos, numa tentativa evidente de afran-cesá-lo e poder considerá-lo um dos seus, dois restaurantesde Paris ofereceram-se para servi-lo e um alfaiate propôs vesti-lo grátis pelo resto da vida; depois, numa brincadeira deli
ciosa, um estudante da École Normale telefonou à imprensa para proclamá-lo um élève honorário da instituição, que eraum degrau tradicional para os escalões superiores da hierarquia administrativa francesa.
A França, é claro, não tinha uma monarquia desde 1870; portanto, para ter o reconhecimento dos símbolos supremosda historicidade da Europa, suas monarquias, Lindbergh tinhade ir para o norte ou para o sul. Tomaram a decisão por ele,
que teve de seguir para o norte, para as cortes das naçõesaliadas que não tinham vacilado na guerra: Bruxelas e Londres. No sábado, 28 de maio, Lindbergh voou num remendadoSpirit of St. Louis até Bruxelas, onde o Rei Alberto o condecorou com a insígnia de Cavaleiro da Ordem de Leopoldo,e no dia seguinte, domingo, 29 de maio, prosseguiu viagem
para Londres.Ali, no campo de aviação de Croydon, a recepção foi ainda
mais frenética e carnavalesca do que em Le Bourget uma semana antes. As pessoas começaram a chegar ao campo pelo
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meio da manhã, e à tarde já se reunira uma multidão que
muitos estimavam em mais de 100 mil. Ao redor de todo o
perímetro do campo, cobertores tinham sido estendidos^ sobre
a grama e as pessoas faziam piqueniques festivamente. Excur
sões aéreas para os ousados e abonados eram oferecidas a
cinco xelins o passeio, e cinco aeroplanos fizeram bons negócios durante todo o dia. Pouco depois das quatro horas, um
desses aeroplanos sofreu um desastre diante dos olhos dos
aterrorizados espectadores. Quando se preparava para aterris
sar, o motor parece que enguiçou e o avião mergulhou de
bico no chão, esmagando o trem de aterrissagem. Embora os
quatro passageiros não tivessem se ferido gravemente, o aci
dente, como se fosse uma ,deixa, tornou bem claro aos especta
dores o perigo e a imensidade da façanha de Lindbergh.Quando o avião de Lindbergh foi finalmente avistado, al
guns minutos antes das seis da tarde, todo o autocontrole
britânico se dissolveu, e a massa humana foi tomada de uma
fúria cega, rompendo as pesadas barreiras de madeira, as cer
cas de arame e os cordões de policiais — os quais, reforçados
depois do episódio de Le Bourget, tinham sido considerados
adequados para refrear a turba —, pisando uns nos outros e
precipitando-se para a pista. Lindbergh teve de abortar a sua primeira tentativa de aterrissagem com receio de abrir um
sulco no mar de pessoas que lhe davam as boas-vindas. Na
segunda tentativa aterrissou mais adiante na pista e começou
a taxiar em direção à torre de controle da Imperial Airways,
mas a multidão não se conformou. Rapidamente cercou o avião
e tornou impossível qualquer avanço. Lembrando-se dos estra
gos què seu aeroplano tinha sofrido em Le Bourget, Lindbergh
lutou para manter as pessoas a distância, empurrando e dandoencontrões, mas sem resultado. Mãos, mãos e mais mãos. Elas
arrastavam o avião, puxavam as roupas do aviador, agarravam
seu capacete. Uma testemunha ocular:
A polícia mais de uma vez atacou a multidão, tentando
abrir espaço ao redor da máquina, e os gritos e vivas das
pessoas se misturavam ao frenético silvo dos apitos dos
policiais. Carros buzinando sem parar tentavam passar pela turba a fim de resgatar Lindbergh.4
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O ardil que tinha funcionado à noite em Le Bourget —
um chamariz usando um capacete de aviador — não conseguiu
enganar a multidão diurna em Croydon. No aperto pessoasdesmaiavam. Dez foram levadas a hospitais da localidade.
Umas cinqüenta pessoas tinham subido no telhado de um pré
dio em ruínas fora do campo de aviação, mas o telhado cedeue algumas caíram, embora ninguém tivesse se ferido gravemente.
Finalmente Lindbergh foi resgatado. Quando subiu na torre
de controle para saudar a multidão, esta começou espontanea
mente a canção tradicional de aceitação e aprovação: "For
He's a folly Good Fellow!" Depois de uma breve cerimônia
na qual o americano reconheceu que sua recepção em Croy
don, embora agradável, tinha sido ainda mais angustiante que
a de Le Bourget, Lindbergh entrou com o embaixador Houghton
na limusine da embaixada, mas o acotovelamento dos admira
dores era de tal ordem que duas janelas do carro foram que
bradas e, ao retirar pontas de vidro de um caixilho, o herói
sofreu um corte superficial. O correspondente do Berliner Ta-
geblatt em Londres informou:
Já fui testemunha do potencial de entusiasmo britânico
na abertura de Wembley, na Final da Taça, na corrida
de barcos e no retorno de Allan Cobham da* Austrália.
Mas 'a recepção dada a Lindbergh ontem ofusca tudo isso.5
No programa de Londres Lindbergh foi recebido jpelo Rei
Jorge no Palácio de Buckingham e agraciado com a Cruz da
Força Aérea. Na Câmara dos Comuns teve como anfitriã Lady
Astor, americana de nascimento. No Derby Eve Ball foi um
convidado do Príncipe de Gales e, em Epsom Derby, do Conde
de Lonsdale.
Depois de sua visita a Londres Lindbergh retornou por
alguns dias a Paris, embarcando em Cherbourg no navio que
o levaria de volta a Nova York. Ali, no dia 13 de junho, foi
submetido ao inevitável desfile na Broadway, durante o qual
aproximadamente quatro milhões e meio de americanos o aplau
diram, festejando a volta de seu herói com mil e oitocentastoneladas de serpentina. Em Washington o presidente Coolidge
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O jovem parecia incapaz de dar um passo em falso. Myron T.Herrick, embaixador americano em Paris — diplomata experimentado que desde 1920 era pela segunda vez embaixadorem Paris, depois de ali ter servido na deflagração da guerraem 1914 —, ficou deslumbrado com o equilíbrio de Lind-
bergh. Seus discursos de improviso não poderiam ser aperfeiçoados por um manual de treinamento para diplomatas, e ostelegramas de Herrick para a América cantavam louvores aLindbergh com uma admiração sem limites, referindo-se a seu“temperamento divino e à sua simples coragem” e chamando-ode “embaixador sem pasta”. As comparações que Herrick, emseus discursos públicos, fazia sobre Lindbergh e Joana d’Arc,Lafayette e até um bíblico Davi parecem forçadas, vistas agoraem retrospecto, mas foram emitidas, ao que parece, sem traçoalgum de hipocrisia. Nenhum estadista, nenhum político, nemmesmo Woodrow Wilson — tal era a inferência — jamaistinha feito tanto pela imagem americana na Europa. “Alguém
já viu um embaixador desse quilate?” perguntava Herrick re-toricamente.1 Ernest Hemingway comentou: “Não é ótimo oque a embaixada americana está fazendo por Lindbergh? É comose tivessem pego um anjo que fala como Coolidge.”2
Os jornalistas de Paris e Londres, que não eram princi piantes na arte de lidar com visitantes eminentes, concordaramcom a opinião oficial. Sem exceção, cumularam de elogios odesempenho de Lindbergh como personalidade pública. “Lind bergh está fazendo mais pela reconciliação das nações do quetodos os diplomatas”, observou uma exultante Ère nouvelle.3A direita conservadora estava tão fascinada quanto a esquerdacomunista e socialista. E a imprensa liberal estava em êxtase.
O conservador Times de Londres ficou encantado como comportamento de Lindbergh no Palácio de Buckingham, par-ticularihente com seu gesto gentil para com a Princesa Eliza-
beth que, ainda aprendendo a caminhar, tinha sido trazida pela babá para ver a chegada dele. “O capitão Lindbergh cruzoua sala na sua direção, tomou-lhe a mão e acariciou-a no rosto.”Quando partiu, Lindbergh mais úma vez se lembrou da prin
cesa, aproximou-se da menina e apertou-lhe a mão num gestode despedida.4
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O órgão comunista francês UHumanité foi mordaz comas extravagâncias do mundo oficial. LINDBERGH, VITIMADAS AUTORIDADES, A ÁGUIA DEVORADA POR ANÕES,O HOMEM PÁSSARO LINDBERGH PRESO NA CLOACAPARLAMENTAR — estas foram algumas de suas manchetes
durante a semana de Lindbergh em Paris. Mas para o próprioLindbergh e para as multidões entusiásticas não houve umaúnica palavra sarcástica. Ao contrário, "Em Lindbergh saudamos UM HOMEM, da melhor espécie”, julgava o jornal.5
Na sua entrevista coletiva à imprensa Lindbergh foi, éclaro, assessorado por autoridades americanas. Em Paris Herrickinterceptou algumas das perguntas mais difíceis, mas durantetodo o tempo Lindbergh manteve o equilíbrio, mesmo que às
vezes parecesse inseguro, como afirmou Waverley Root, daequipe da edição parisiense do Chicago Tribune. Quando HankWales, antigo repórter policial em Nova York, conhecido porsua grosseria* e por seus charutos, e agora principàl corres
pondente em Paris do Tribune, perguntou abruptamente: "Diga,Lindy, você tinha uma latrina naquele avião?” — tanto Herrickcomo Lindbergh não perderam a compostura e simplesmentecontornaram a pergunta indelicada.6
A Europa e a América ficaram histéricas com relação aLindbergh em 1927. Quando ele retornou a Nova York, amanchete da reportagem do Observer de Londres incluía as palavras O HERÓI INCÓLUME.7
Lindbergh foi, de alguma forma, uma criação da im prensa? A imprensa estava no seu apogeu na década de 1920. Nunca antes ou desde então foram tantos os jornais, nem tantos os leitores da palavra impressa. A imprensa era a fonte
de notícias, informações e entretenimento. Toda capital euro péia tinha dúzias de jornais. Além disso, muitos editores consideravam o voo de Lindbergh a história mais sensacional desde a guerra.
Mas, embora desempenhasse o papel importante de divulgar a façanha de Lindbergh e os aplausos com que foi aclamada, dificilmente se pode atribuir à imprensa a criação dafama do americano. Quando muito pode-se dizer que a pala
vra impressa e a escassez de material ilustrativo encorajarammuita gente a se aventurar até os campos de aviação e as ruas
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Lindbergh recusou todas as recompensas e tentações ma
teriais e monetárias com que lhe acenaram: não apenas rou
pas, refeições, mas casas e enormes somas de dinheiro ofere
cidas para que aparecesse em filmes, no palco, no rádio ou
em anúncios comerciais. Um correspondente calculou que, nos
dois dias seguintes ao voo, foram oferecidos a Lindbergh cercade 650 mil dólares. O mundo conservador a adorava por seu co
medimento. Até o associava indiretamente ao estancamento ou,
pelo menos, à suavização de algumas das manifestações mais
indecorosas da cena moderna. No Derby Ball> "a dança”, co
mentou um observador, “foi inusitadamente calma, e dezenove
em cada vinte homens estavam de casaca”. Os vestidos, é claro,
eram longos, pouco apropriados à versão frenética clássica do
charleston. “Mas é uma dança adaptável”, continuou nosso
observador. “Ontem à noite, dois indianos, em trajes de noite
rigorosamente ingleses, dançavam o charleston de maneira en
cantadora e calma, formando um quadro perfeito.”10 Era o
mundo antigo adaptando-se aos novos tempos, e interpretava-
se Lindbergh como um modelo em que a ordem antiga devia
se inspirar para enfrentar e superar os desafios da era mo
derna. Portanto, monarcas, patriarcas e todo o mundo oficial
homenageavam o jovem americano.
A sensibilidade moderna, entretanto, estava igualmente
inebriada. Sobretudo encantada com a façanha. Lindbergh não
tinha cruzado o Atlântico a nado, nem remando, nem fora
lançado por uma catapulta sobre o oceano. Ele tinha voado!
O homem e a máquina tinham se tornado uma coisa só neste
ato de ousadia. O objetivo não contava. O ato era tudo. Quase
captava a noção, apresentada por Gide no período de pré-guerra, de um acte gratuit , um ato perfeitamente livre, des
tituído de qualquer outro significado que não fosse sua in
trínseca energia e realização. E Lindbergh tinha voado sozi
nho, completamente só, livre da civilização e de suas restri
ções, em comunhão com os oceanos* e as estrelas, os ventos
e as chuvas. Não voou para ninguém, nem mesmo para a
humanidade. Voou para si mesmo. Esta foi a grande audácia
— voar para si mesmo. O fato de ser jovem, de não ser casado, de sequer ter uma namorada, de ser bonito — tudo isso
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aumentava o encantamento. Ele não era a criação de um
mundo antigo; era o precursor de uma nova aurora.
O romantismo, no século anterior, tinha associado o ar
tista ao voo, ao pássaro planando livre nas alturas, à cotovia
— a uma transcendência do mundo real. Na segunda metade
do século Nietzsche, entre outros, ficara fascinado com a idéiade voar. Tinha dado à passagem final de Aurora o título de
"Nós Aeronautas do Intelecto”. Na virada do século outros
modernos também foram cativados pela idéia e, mais tarde,
pela realidade do voo. O aeroplano chamou a atenção de Kafka
em 1909; figurou no manifesto futurista de Marinetti no mes
mo ano. Robert Delaunay prestou homenagem à travessia aérea
de Blériot sobre o Canal da Mancha num de seus quadros.
Em 1912 o Grand Palais em Paris apresentou a exposição "Locomoção Aérea”. Léger, Brancusi e Duchamp a visitaram. Aos
outros Duchamp observou: "A pintura está acabada. Quem
poderia fazer melhor do que esta hélice? Vocês poderiam fazer
isso?”11 Em suma, Lindbergh tinha se tornado o "aeronauta”
nietzschiano que realizara uma paixão pessoal, que voara não
rumo ao sol poente, mas em direção à manhã.
Harry Crosby o idolatrava. No que era secundado por
Maurice Rostand, filho de Edmond, o dramaturgo criador deCyrano. Maurice, pálido e encolhido, sempre vestido de preto
e branco, com sapatos de salto alto e cabelos compridos enca
racolados, escreveu um poema a Lindbergh, de treze estrofes,
que datou de 21 mai 1927, onze heures du soir. Como Lind
bergh só chegou às 10:22h, isto significava, como Janet Flanner
apontou em sua "Letter from Paris” para o The New Yorker,
que Rostand deve ter composto um verso por minuto e 'que,
portanto, deve ter sido "quase tão veloz quanto The Splrit of St. Louis”. Anna, Comtesse de Noailles, poeta de estatura e
patrocinadora de Diaghilev e dos Ballets Russes, referia-se a
Lindbergh como um enfant sublime.12
E assim foi. Os modernos estavam tão extasiados quanto
os antigos. Uns e outros adotavam como um dos seus este indi
víduo homérico, de uma pequena cidade do meio-oeste ame
ricano. Em seu entusiasmo, entretanto, os dois lados falavam
sem se entenderem. Ninguém podia explicar com convicção por que Lindbergh tinha excitado imaginações e desejos em
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tão alto grau. Mas se olharmos além da excitação imediata, ve
remos um motivo que se repete mais de uma vez — no itine
rário do americano, na linguagem dos repórteres e comenta
ristas, e em outros eventos que emolduraram a conquista da
Europa por Lindbergh; um motivo que ninguém discutiu deta
lhadamente na época, mas que atravessa toda a paisagem cultural como um fio preto. A guerra.
PARA QUE NÃO ESQUEÇAMOS
Oficialmente, a guerra terminara oito anos e meio antes, nodia 11 de novembro de 1918. Os civis, aqui e ali, haviam ce
lebrado com algumas festas da vitória. De modo geral os sol
dados tinham sentido pouca emoção. O fim chegara, como para
os “Homens 00)8” de T. S. Eliot, “não com uma explosão, mas
com um suspiro”.
Um rancoroso tratado de paz, amargamente debatido, fora
apresentado aos alemães sob a forma de ultimato. Na Alema
nha, o novo governo democrático e republicano — eleito na
esteira dos distúrbios que tinham tomado conta do país em
novembro e dezembro de 1918, induzindo o kaiser a abdicar
— caiu quando confrontado com o tratado; mas o governo
substituto provisório não viu outra alternativa senão aceitar
os termos de Versailles. O “bloqueio de fome”, imposto ao
país pela armada britânica, tinha se tornado mais rigoroso no
final da guerra. O Reno foi bloqueado, e tropas francesas,
americanas e britânicas ocuparam cabeças-de-ponte sobre o rio
— em Colônia, Coblença e Mogúncia, respectivamente. A ameaça era de fome e colapso social. Ninguém, em nenhum dos
lados, estava satisfeito com o tratado, que tentava conciliar
o idealismo de Woodrow Wilson, o desejo de vingança deGeorges Clemenceau e o pragmatismo de David Lloyd George.
Os alemães consideravam os termos duros demais; as popula
ções aliadas, suaves demais. Lançou-se sobre a Alemanha uma
culpa pela guerra que ela se recusava moralmente a aceitar.
Mas o que poderia ela fazer? A levée en masse que nos últimos dias da guerra a imaginação apocalíptica de Walter Ra-
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thenau tinha invocado como defesa contra a invasão estrangei
ra do sagrado solo alemão era, no verão de 1919, não só im
praticável como impossível.
Em 14 de julho de 1919, dia da queda da Bastilha, Paris
produziu um desfile oficial da “vitória”. Seu tamanho foi gran
dioso; suas emoções, não. A América se recusou a ratificaro tratado e até a adotar a cria política de Woodrow Wilson, a
Liga das Nações. Os Estados Unidos se recolheram no isola-
cionismo, abandonando a Europa à sua cadeira de rodas.
O esforço gigantesco, especialmente a intensidade emo
cional, da guerra não podia perdurar na manutenção da paz,
e a Europa afundou numa monumental melancolia. Os lares
prometidos a seus heróis continuaram a ser palácios fictícios,
e os sonhos sociais utópicos evocados pela retórica da guerra
foram brutalmente eliminados pela inflação, pelo desemprego
e pelas privações generalizadas, sem falar numa epidemia de
gripe que devastou o mundo em 1918-1919, matando mais
gente do que a própria guerra., A desilusão foi o desfecho
inevitável da paz.
Confrontadas com a idéia horrenda de que a guerra talvez
não tivesse valido a pena, as pessoas simplesmente enterraram esse pensamento por uns tempos. E, se esse pensamento
devia ser enterrado, tinha-se de enterrar a guerra também. Que
assim fosse. A guerra foi enterrada. Robert Graves e T. E. Law-
rence fizeram um pacto em Oxford, prometendo que não
discutiriam a guerra. Edmund Blunden tentou escrever suas
memórias em meio às conseqüências imediatas da guerra e
descobriu que a tarefa era simplesmente impossível. Por isso,
depois de compor um fragmento, interrompeu o trabalho. Chorava-se pelos seres amados, mas evitava-se pensar no objeto
pelo qual se pagara esse preço. Nove milhões de mortos. Vinte
e um milhões de feridos. Economias em ruína. O bolchevismo
ateu na Rússia e ameaçando a Europa central. Guerra civil na
Rússia, na Alemanha, Hungria, Polônia, Irlanda, Itália — por
toda parte, ao que parecia. Turquia e Grécia em guerra. O
Oriente Médio em chamas. “Para que não esqueçamos” foi
entoado em toda ocasião imaginável, mas esquecer era exatamente o que todos queriam.
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Organizações de veteranos tinham sido fundadas, mas re
lativamente poucos veteranos quiseram tornar-se membros. Os
empregadores foram encorajados a contratar antigos soldados,
mas muitos os achavam um risco desagradável. A incidência
de desemprego entre ex-combatentes era deploravelmente ele
vada. Quando o diplomata soviético Ilya Ehrenburg chegou aBerlim no outono de 1921, descobriu que as pessoas estavam
claramente tentando reprimir a guerra, mesmo que as cicatri
zes do conflito estivessem por toda parte. Viu, conforme sua
expressão, “a catástrofe... apresentada como uma existência
bem ordenada”, e notou que
os membros artificiais dos mutilados de guerra não ran
giam, as mangas vazias eram presas com alfinetes de segurança. Homens cujos rostos tinham sido chamuscados
por lança-chamas usavam grandes óculos pretos. A guerra
perdida tratava de se camuflar enquanto perambulava
pelas ruas.1
Nos países vencedores a mascarada não era menos requintada.
Tinham vencido, sim, mas o que haviam ganho?
O repúdio pelos administradores da guerra e pelos políticos militares veio rapidamente. Wilson, Lloyd George, Cle-
menceau, Orlando, Ludendorff, Hindenburg, todos foram logo
forçados a se refugiarem num isolamento frustrado ou na opo
sição. (Hindenburg iria se tornar a única exceção, quando foi
persuadido a sair de seu recolhimento em 1925 para ser eleito
presidente da república alemã.) Por toda parte a esquerda
ganhava terreno. Na Grã-Bretanha, o Partido Liberal foi dizi
mado, e em 1924 o Partido Trabalhista, de ascensão meteóricatão rápida quanto a extinção assombrosa dos Liberais, formou
pela primeira vez um governo. Na França, no mesmo ano, uma
coalizão de centro-esquerda chegou ao poder. Na Alemanha, os
sociaisdemocratas foram de longe o maior partido na década
após a guerra, e o Partido Comunista, fundado em dezembro
de 1918, também ganhou força.
O crescimento da esquerda refletia um desejo de mudança
radical na esteira do que se considerava a bancarrota da velhaordem. O efeito desta rápida ascensão da esquerda foi reforçar
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a visível inclinação do conservadorismo para uma posição mais
extrema à direita, um “novo conservadorismo”. Tal mudança
não foi, entretanto, apenas uma reação contra a esquerda; era
movida pelo reconhecimento de que o conservadorismo tinha
agora de fazer algo mais do que conservar: a tarefa não era
conservar, mas reconstruir. A direita também tinha de se enga jar na reforma radical se quisesse endireitar o mundo.
A polarização política, que devia ser por toda parte a
marca do período entre as duas guerras, confirmava o desa
parecimento de uma normalidade que todos desejavam, mas
que ninguém sabia como produzir. A guerra era o estimulante
crítico na esfera política, não aa questões sociais ou os proble
mas econômicos. Apesar de visíveis e agudos, eles ainda esta
vam subordinados a uma única pergunta: Qual foi o real significado da guerra? Esta era a pergunta central por trás de
toda a atividade política, na verdade por trás de toda a ativi
dade no período de pós-guerra que foi chamado de paz. Mas
poucos atacavam a questão diretamente. A guerra “tratava de
se camuflar” enquanto perambulava não só pelas ruas mas
pelos corredores do poder.
Histórias oficiais da guerra em geral e histórias parciais
das forças armadas e dos regimentos saíam em profusão dos prelos no começo da década de 1920, mas depois das rese
nhas formais e amabilidades comemorativas nos periódicos
apropriados, iam para as estantes das bibliotecas e das casas
de ex-combatentes ou desolados familiares de soldados mortos,
sem serem lidas ou, se lidas, sem serem discutidas. Os alemães
estabeleceram um comitê legislativo, em agosto de 1919, para
examinar as causas de sua derrota, e os trabalhos do comitê
levaram mais tempo do que a guerra, tanto tempo, de fato,que ele foi esquecido pelo público e, durante longo período,
pela imprensa.
Erigiam-se cenotáfios, arrumavam-se cemitérios, manufatu
ravam-se pedras tumulares. Entre 1920 e 1923 as remessas bri
tânicas de pedras tumulares para a França chegaram a quatro
mil por semana. No dia 11 de novembro de 1920 o soldado
desconhecido foi transportado da França e enterrado na Abadia
de Westminster, e em dois dias 100 mil coroas de flores foramdepositadas no cenotáfio de Whitehall. Ano após ano, em
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toda ocasião possível, e não apenas no Dia do Armistício, osrituais e as frases solenes se repetiam. Para alguns talvez trouxessem algum consolo, mas o que significavam realmente oritual e a retórica, especialmente em relação ao mundo do pós-guerra? Os antigos lemas — liberdade, dignidade, justiça —
soavam simplesmente ocos. Até argumentos referentes ao quefora evitado pela guerra, em contraposição ao que tinha sidorealizado, ofereciam pouco amparo em relação ao sacrifício.Melhor não fazer essas perguntas. Comemorar, sim; pensar, não.
Esse desequilíbrio entre a experiência da guerra e a reação subseqüente fez com que a guerra, em seu sentido maisimportante, como problema social, político e, sobretudo, existencial, fosse relegada à esfera do inconsciente ou, mais pre
cisamente, à do conscientemente recalcado. Atribuir a questãocrucial do momento à neurose ou simplesmente à ignorância,no verdadeiro sentido desta última palavra, confirmava a viagem, iniciada durante a guerra, da sociedade ocidental comoum todo — e não mais simples grupos de intelectuais, algunssegmentos da população ou até apenas um único país — paraa beira de um abismo entre a consciência individual e os pro
blemas tangíveis. A antiga autoridade e os valores tradicionais
já não tinham credibilidade. Entretanto, nenhuma nova autoridade nem valores novos haviam surgido em seu lugar.
Não é surpreendente que o ato de recalque, individualou coletivo, consciente ou inconsciente, dòs acontecimentosmais importantes da época exigisse exatamente o contrário:a negação do recalque. À medida que se tornavam menos ca
pazes de responder à pergunta fundamental do significado davida -— e a guerra colocava essa questão de forma brutal em
nove milhões de casos —, as pessoas insistiam ainda mais ruidosamente em que o significado residia na própria vida, noato de viver, na vitalidade do momento. Conseqüentemente osanos vinte presenciaram um hedonismo e narcisismo de pro porções extraordinárias. Todos se agarravam ansiosamente à psicologia freudiana para justificar esta negação do recalque,e tornou-se completamente fora de moda ser “recalcado”. As pessoas se entregavam aos sentidos e aos instintos, e o inte
resse próprio passou a ser, mais do que em qualquer época passada, a motivação do comportamento. O crescimento do
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radicalismo político foi apenas uma das manifestações desse
estado de coisas. Os rituais da vida pública ainda estavam en
raizados nas certezas positivistas do século anterior, mas o
pano de fundo da representação consistia em pesadelo e alu
cinação. “ A guerra tinha derrubado o soalho do salão de baile
onde se desenrolava a vida da classe média inglesa”, lembrouStephen Spender. “As pessoas pareciam dançarinos suspensos
em pleno ar, mas eram milagrosamente capazes de fingir que
ainda estavam dançando.”2
Mais de um historiador objetou que as gerações recen
tes não se lembram dos anos vinte, mas apenàs dos sonhos dos
anos vinte. Alegam que demasiada atenção tem sido dada aos
exibicionistas urbanos, às “coisinhas doces”, ao dandismo ra
refeito dos Sonnenkinder, aos esgares e acessos de fúria dosdadaístas, surrealistas e expressionistas; e tem sido ignorada a
reàlidade do desemprego, do ressentiment urbano, da ansiedade
rural, ou, em contraste, dos esforços amplamente bem-sucedi
dos da parte dos empresários de classe média no sentido de
reorganizar e reconstruir. A vida continuou nos anos vinte
como sempre fora, assim reza o argumento, com os problemas
triviais de trabalho, salários, comida, bem-estar familiar e am
bição pessoal preocupando as pessoas que não tinham tempo para planos grandiosos de renovação política e cultural. Se
a política se encaminhava para os extremos, isto acontecia —
afirmam esses críticos — por motivos imediatos, e não por
visionários.
Esta crítica tem sua razão de ser e provocou algumas ex
celentes análises dos fundamentos sociais e econômicos da ati
vidade política. Mas a recente onda de história social não
conseguiu exorcizar com sucesso os demônios, as debutantes eos sonhos dos anos vinte. Uma profunda sensação de crise es
piritual foi a marca daquela década; afetou trabalhadores ru
rais, latifundiários, industriais, operários, balconistas e intelec
tuais urbanos. Atingiu tanto os jovens como os velhos, tanto
as mulheres como os homens. Os desastres econômicos e a inse
gurança social simplesmente acentuaram e intensificaram o que
era antes de tudo uma crise de valores provocada pela guerra
e particularmente pelas consequências da guerra, quando a pazclaramente deixou de satisfazer aquelas expectativas enuncia-
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das pelos líderes durante o conflito. "A tempestade se extin
guiu”, disse Paul Valéry numa conferência em Zurique em
1922, “e ainda estamos inquietos, desassossegados, como se
a tempestade estivesse por irromper. Quase todas as atividades
do homem continuam numa terrível incerteza.” Ele falou de
tudo o que tinha sido danificado pela guerra: as relações econômicas, os negócios internacionais e as vidas individuais.
“Mas no meio de todas estas coisas danificadas encontra-se a
mente”, afirmou. “A mente foi na verdade cruelmente feri
da. . . Duvida profundamente de si mesma.”3
A parceira inevitável dessa dúvida foi a fuga, uma fuga
da realidade. Se o novo tinha sido um forte interesse alemão
antes de 1914 e durante o conflito, depois da guerra tornou-se
uma preocupação universal no Ocidente, aceito por socialistase conservadores, ateus e fundamentalistas, hedonistas e realis
tas. O desejo do novo estava arraigado no que os radicais con
sideravam a bancarrota da história e os moderados julgavam
ser, pelo menos, o descarrilhamento da história. Até entre aque
les que chafurdavam na nostalgia de uma idade de ouro ante
rior à guerra havia o reconhecimento básico de que qualquer
tentativa de resgate requereria um enorme esforço de recons
trução. Mas a devastação era tão ampla e a tarefa de reconstrução tão esmagadora que as idéias de como isso deveria ser
realizado dissolviam-se freqüentemente em fantasias e pensa
mentos desider ativos.
As modas e o comportamento avoado da geração jovem
dos anos vinte eram motivados em grande parte pelo cinismo
em relação à convenção sob todas as suas formas e particular
mente em relação ao idealismo moralista que mantivera em
atividade o matadouro que foi a Frente Ocidental. Quer aatividade fosse socialmente circunscrita, como as desvairadas
festas de caça ao tesouro promovidas pelas “coisinhas brilhan
tes” no Mayfair de Londres, ou mais difundida como o culto
nudista, ou ainda mais geral, como a mania do ioiô, ou o novo
interesse pelas viagens ou a fascinação pelas estrelas de cine
ma, seria tolo tentar explicar essas preocupações unicamente
em termos de mais tempo de lazer com o advento do dia de
trabalho de oito ou nove horas. Intrínseca à atividade eraa celebração da vida, não num sentido social ou de grupo, mas
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como afirmação individual contra as normas e os costumes so
ciais. A inspiração era anárquica. Quando Josephine Baker fez
a sua estréia parisiense em 1925 no Théâtre des Champs-Ely-
sées, entrando no palco com a cintura rodeada de bananas e
carregada de cabeça para baixo enquanto as pernas se abriam
e fechavam, ela simbolizava a extravagância não só da boêmiaurbana, mas de uma cultura ocidental que, de modo geral,
tinha perdido as suas amarras. Alguns achavam essa "libera
ção” excitante, -outros, inquietante, mas a cultura como um
todo estava à deriva.
Tornou-se costumeiro argumentar que como o lamento do
saxofone, os passos frenéticos do charleston, os ritmos sinco
pados do jazz e a figura da melindrosa embebedando-se de
gim eram fenômenos principalmente urbanos, o campo se mantinha incólume e ainda arraigado aos costumes tradicionais.
Mas a melhora dos serviços de trem e ônibus, a difusão do
cinema nas cidades pequenas e o advento do rádio fizeram com
que as barreiras entre a cultura rural e a urbana começassem
a desabar. Além disso, ao voltarem da guerra,. os veteranos
retornavam não apenas às cidades, mas também a fazendas e
vilas; e realmente, agora que tinham visto “Paree”, era difícil
mantê-los sob controle. Quando esses jovens "heróis” caiamna farra nas tabernas locais, quebravam janelas e cadeiras, ata
cavam as garotas ou causavam um começo de escândalo, a
reação invariável dos cidadãos consistia em abafar a ofensa,
demonstrar tolerância e dizer: "Estes são os nossos heróis de
guerra. Temos de ser indulgentes e tentar compreender.” En
quanto as crises econômicas dos anos vinte chegavam às cida
des em ondas — ondas de maré, certamente —, o campo sofreu
séria depressão durante toda a década, sem ter nunca partici pado verdadeiramente do modesto desenvolvimento dos mea
dos da década. Atormentados pela falta de crédito, pela obso
lescência da maquinaria e das técnicas, e pelo esfacelamento
dos mercados, os fazendeiros lutavam para sobreviver e mui
tos não conseguiram.
Subproduto desse estado de espírito foi* uma certa sensa
ção de transitoriedade. Fosse na moda, na arquitetura ou nos
quadros de Piet Mondrian, as curvas foram abandonadas emfavor das linhas retas, linhas que sugeriam movimento, uma
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nova simplicidade e um novo começo. As mulheres foram libe
radas dos vestidos de gola alta e saias compridas até o tornoze
lo, que deram lugar a "trapos alegres” e ao "jeito de menino”.
Pela primeira vez na história os seios foram considerados um
defeito, e o sutiã mais os achatava que realçava. Eliminou-se
a forma natural da cintura, passando os cintos a envolver osquadris. Desde que se ridicularizava a mais leve sugestão de
curva como prova de incontinência alimentar, as dietas se tor
naram moda. As nádegas também desapareceram. Como se
associava a opulência à decadência, Coco Chanel introduziu
o "estilo pobre” do chique digno — le luxe dans la simplicité :
trajes simples de lã, com jaquetas de malha de lã e saias sim
ples ou pregueadas. Cabelos curtos tinham surgido antes da
guerra — Irene Castle adotou-os em Nova York e IsadoraDuncan encurtava os cabelos à medida que encurtava as saias
—, mas tQrnaram-se, cortados bem curtos ou à la garçonne,
uma parte do jeito de menino dos anos vinte. Sobre íris Storm
e seu cabelo à la garçonne, Michael Arlen escreveu em The
Green Hat :
Seu cabelo era grosso e castanho. .. Como o cabelo de
um menino, penteado para trás desde a testa ... Sobrea nuca seu cabelo morria uma morte muito masculina,
uma morte mais masculina que a de qualquer outro ca
belo cortado bem curto.4
Seria acidental a metáfora do cabelo a morrer "uma morte
muito masculina”? As imagens e o vocabulário da guerra per
meavam todas as formas de cultura nos anos vinte. O mundo
ainda não terminara sua farra com a morte.
Na arquitetura e no desenho industrial começou a vigo
rar nos anos vinte um novo "estilo internacional” que enfa
tizava não apenas as1linhas retas mas uma honestidade geral
no uso dos materiais; empregando vidro e laca, o estilo suge
ria, através de transparência e reflexos, que as barreiras entre
o homem e a natureza, p sujeito e o objeto, eram menos rígidas
do que a antiga ordem fizera crer.
Na busca de uma nova fluência e harmonia estava im plícita uma profunda revolta contra a geração mais velha, con
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tra os pais que tinham conduzido seus filhos à matança. O
culto da juventude teve o seu primeiro florescimento nos anos
vinte. A literatura, o cinema, a propaganda comercial e até
a política da época estavam dominados por essa adoração da
juventude. O parricídio e o ato de regeneração moral que o
assassinato do pai acarretava fascinavam a nova geração literária. Só os jovens eram genuinamente humanos; os velhos
eram invariavelmente feios, venais e hipócritas. Em Contrapon
to de Aldous Huxley, Lucy Tantamount chama as gerações
mais velhas de “alienígenas”:
O que torna os velhos tão parecidos com um chá árabe
são as suas idéias. Eu simplesmente não posso conceber
que a arteriosclerose me faça um dia acreditar em Deus,na moral e no mais que segue. .. Saí do meu casulo du
rante a Guerra, quando tudo estava fora dos eixos. Não
vejo como nossos netos possam fazer uma derrubada mais
completa do que a que se fez naquela época.5
Robert Musjl em O Jovem Tõrless, Hermann Hesse em Demian
e Henry de Montherlant em La Relève du matin estavam entre
aqueles que se voltaram para a descrição da infância a fim
de evocar, à la Rousseau, visões da nobre inocência sujeita aos
ardis e trapaças da civilização adulta. Paul Klee encontrou ins
piração para suas telas surrealistas nos borrões inconscientes
de crianças. A geração mais velha, triste e culpada da matança
da juventude na guerra, quase não protestou. “Uma turma frí
vola, esses modernos”, foi a resposta suave de H. G. Wells.6En
tretanto, embora alguns os considerassem uma turma frívola,a maioria cortejava e mimava os jovens rebeldes, particular
mente os partidos políticos que se esforçavam por formar or
ganizações de juventude e se engalfinhavam a fim de atrair
jovens membros. O radicalismo levava a melhor nesse esforço.
A juventude dos anos vinte inclinava-se a rejeitar com desprezo
a política tradicional. Para Christopher Isherwood e seus ami
gos de Cambridge, “política” era uma “palavra em extinção”,
e essa atividade era “automaticamente descartada como aborrecida e desprezível”.7
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hospedado num dos grandes hotéis da cidade, o Majestic, pertoda Étoile, de modo que o carro, depois de percorrer toda aRue Lafayette e passar pela Madeleine, rumou para os Champs-Élysées a partir da Place de la Concorde. No meio desta grandeavenida, parou no Hotel Claridge, onde foram comprados vá
rios buquês de flores — rosas e centáureas.1O carro continuou depois pelos Champs e se deteve no Arco
do Triunfo, onde Lindbergh desceu e colocou as flores notúmulo do soldado desconhecido. Portanto, seu primeiro atooficial em Paris, à uma hora da madrugada, foi prestar homenagem aos mortos da guerra. Quando o carro partiu depois emdireção à pequena rua transversal que é a Rue Dumont d'Urville, a um passo da Étoile, a imensa multidão reunida na
frente do Majestic e já se derramando pela Avenue Kléber deixou claro que Lindbergh não teria sossego num hotel, sendolevado então para a embaixada americana.
Em Bruxelas, no sábado seguinte, repetiu-se a mesma rotina. No caminho do aeroporto até a embaixada dos EstadosUnidos, antes mesmo de mudar de roupa, Lindbergh depositouuma coroa de flores no túmulo do soldado desconhecido nacapital belga. Na manhã de segunda-feira, seu primeiro dia
inteiro em Londres, assistiu a uma cerimônia em memória dosmortos da guerra na igreja de St. Margaret, Westminster, edepois foi prestar sua homenagem na tumba do soldado desconhecido na Abadia de Westminsterv Em todas as três capitais foi recebido e aplaudido por organizações de veteranos.As autoridades tiveram o cuidado especial de apresentar aLindbergh representantes dos mutilados da guerra e dos cegos.Em Bruxelas, durante sua visita à Prefeitura, também foi sau
dado pelos Vieux Volontaires de la Grande Guerre, aquelesque, apesar de já terem mais de cinquenta anos na época,tinham conseguido, por bem ou por mal, participar do conflito.Organizações de veteranos de todo o mundo enviaram a Lind
bergh telegramas de congratulações. Até grupos alemães seassociaram a essas demonstrações.
Os discursos e outros pronunciamentos públicos em homenagem a Lindbergh, feitos em Paris, Bruxelas e Londres,
estavam cheios de referências à guerra, à amizade franco eanglo-americana, aos aviadores americanos da Esquadrilha La-
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fayette, e à contribuição americana em geral para o esforço
de guerra dos Aliados. O embaixador Herrick fez comparações
místicas entre o voo de Lindbergh e as façanhas no Marne;
um sublime destino regia ambas as vitórias. E Maurice Ros-
tand, em sua ode a Lindbergh, declarou que a visita do avia
dor aos túmulos das vítimas tinha sido predeterminada.Em 1927, de fato, a comemoração ritualista da guerra
chegou ao apogeu quando numerosos memoriais de guerra,
grandes e pequenos, nacionais e de regimentos, regionais e
municipais, em Douaumont, Tannenberg, Passchendaele, Ypres,
bem como cemitérios por toda a Bélgica e França, em vilas
e cidades de todos os países beligerantes foram inaugurados.
Em 24 de maio o Scotsman de Edimburgo, por exemplo, pu
blicou duas fotos na mesma página, uma do embaixador Herrick congratulando Lindbergh e a outra da consagração do
memorial de guerra do Regimento Seaforth em Fampoux, perto
de Arras. No Daily Herald de 31 de maio, no pé de uma co
luna registrando o dia anterior de Lindbergh em Londres, um
pequeno tópico anunciava: “Cem viúvas de guerra, órfãos e
ex-combatentes da Grã-Bretanha devem visitar os cemitérios
de guerra da Bélgica no próximo mês.”
Não houve comentário algum sobre as conexões entreesses acontecimentos — entre o voo de Lindbergh e a guerra.
Na verdade, não havia uma conexão óbvia. Mas sem a guerra,
o fenômeno Lindbergh não pode ser compreendido. Embora
ele não tivesse participado dela, a guerra deu ao feito de Lind
bergh suas extraordinárias dimensões. Sem a guerra, a façanha
teria sido sem dúvida celebrada, mas figuras públicas amadu
recidas e responsáveis não teriam recorrido a hipérboles, como
a de Mackenzie King, primeiro-ministro canadense, que chamou o voo de Lindbergh de “o maior feito individual da his
tória do mundo”. Nem o público teria sido tão delirante na
aclamação.
A guerra seguia Lindbergh por toda parte — não somente
a guerra passada, mas também a guerra futura. Como era na
tural, os militares demonstraram interesse especial pelo feito
de Lindbergh. Atrás da observação de um certo general Girod,
que presidia a subcomissão do exército na Câmara dos Deputados da França, declarando o voo de Lindbergh “o ato mais
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ousado já visto em todos os séculos”, havia um reconhecimento
do potencial militar da façanha.2 Os críticos dos militares, en
tretanto, invocàvàm visões de uma guerra aérea em que bom
bas de gás choveriam sobre os civis. Cartas aos editores de
jornais revelavam que o público estava intensamente preocupa
do com esta aterrorizante implicação do progresso da aviação.Mas outros comentaristas aproveitavam a efusão de emoção pú
blica em relação a Lindbergh para mostrar que, mais do que
os militares, a humanidade era a principal beneficiária do voo
transatlântico. O jornal parisiense Populaire chamou o feito de
Lindbergh de “a maior façanha do heroísmo pacifista na
história”.3 De qualquer forma, a guerra fornecia o contexto
para o julgamento da questão.
Se milhões de mortos da guerra cercavam Lindbergh durante sua visita à Europa, a morte contemporânea, especial
mente a alta taxa de fatalidade entre os aviadores, também
o rondava. Ele próprio tinha sobrevivido a dois acidentes em
anos anteriores, quando tivera de saltar de pára-quedas para
salvar-se. Um dos fatores que contribuíram para a reação emo
cional dos franceses com relação a Lindbergh foi o desapare
cimento, havia menos de duas semanas, de dois ases de guerra
franceses, Charles Nungesser e François Coli, que tinham de
colado de Paris a 8 de maio com o intento de voarem até
Nova York. Haviam desaparecido sem deixar vestígios. A ex
citação, a expectativa e a tensão geradas por esta aventura e
seu desfecho foram transferidas para Lindbergh. Um de seus
primeiros atos no domingo de manhã, o dia seguinte ao da
sua chegada, foi visitar a mãe de Nungesser no Boulevard du
Temple, para lhe manifestar a esperança de que os dois heróisde guerra ainda fossem encontrados com vida. Dois aviadores
britânicos, Carr e Gilman, que, tentando quebrar o recorde
de voo de longa distância sem escalas, partiram com destino a
Karachi na sexta-feira, 20 de maio, o mesmo dia em que Lind
bergh decolou de Nova York, foram forçados a pousar na água
perto do porto persa de Bandar Abbas dois dias mais tarde.
Sobreviveram, como o aviador italiano de Pinedo, que, no meio
da semana de Lindbergh em Paris, desapareceu a cerca de 240quilômetros dos Açores durante seu voo da Terra Nova a Por
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objeto de ilimitada inveja entre os soldados da infantaria, ato
lados na lama e aparentemente indefesos. Os soldados levan
tavam os olhos de suas trincheiras e viam no ar uma pureza
de combate que a guerra terrestre tinha perdido. Os “ cavalei
ros do céu” estavam envolvidos num conflito em que o esforço
individual ainda contava, em que as noções românticas dehonra, glória, heroísmo e bravura ainda se mantinham intatas.
No ar, a guerra ainda tinha significado. Os aviadores consti
tuíam a “aristocracia do ar” — “a ressurreição de nossa per
sonalidade”, como se expressou um escritor.5 Associava-se o
ato de voar à liberdade e à independência, uma fuga da hor
renda matança coletiva de uma guerra de equipamentos. Na
guerra aérea podiam-se conservar valores, inclusive o respeito
pelo inimigo, valores que jaziam nos fundamentos da civilização e que a guerra terrestre parecia estar negando. Desta for
ma, a realização tecnológica mais significativa do mundo mo
derno também era vista como um meio de afirmar valores tra
dicionais.
Durante a década do pós-guerra voar continuou a ter
essas associações. As honrarias recebidas por Lindbergh pare
ciam fazer renascer todo um vocabulário. O entusiasmo com
que os franceses usavam palavras como héros, gloire, victoire e chevalier para descrever Lindbergh e seu feito sugeria que
desejavam usar esta linguagem de forma inequívoca mais uma
vez. O Daily Express notou uma necessidade semelhante no
público britânico:
Servir ao herói é tão maravilhoso e consolador que é em
si uma das principais alegrias da vida. Milhões descobri
ram isto durante a guerra. Tiveram oportunidade de cuidar de algum soldado, marinheiro ou aviador e ficaram
felizes com esse serviço. Conseguiram também uma par
ticipação no sacrifício que o homem oferecia e sentiram-se
unidos a ele. Temos necessidade permanente de heróis que
nos elevem acima do cotidiano de nossa vida.6
Esta última expressão, “o cotidiano de nossa vida”, ou, na
sua versão francesa, notre médiocre condition humaine, aparecia constantemente em comentários nos dois lados do Canal
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da Mancha. Lindbergh tornou-se um símbolo do desejo de uma
reafirmação de valores mas ao mesmo tempo de uma profunda
insatisfação com a existência contemporânea. Da mesma forma,
a fascinação pelo voo era um indício da vontade de escapar
da banalidade da época, uma época que tinha perdido sua fé.
Paul Claudel estava consciente das ilusões que cercarama recepção oficial dada a Lindbergh. A anotação do dia 23 de
maio em seu diário é enigmática mas sugestiva:
Na emb[aixada] am[ericana] aperto a mão do jovem
Charles Lindbergh, magro, rosado, louro, tímido. Unam
Omnium rempublicam agnoscimus, mundum (Tertuliano) .*
Profundo nojo pela glória e por todos estes cumprimen
tos nauseantes.7
Lindbergh representava sem dúvida uma realização impor
tante, mas também se tornou um produto poético de um mun
do virado para dentro de si. Foi o que virtualmente disse
Pierre Godin, presidente do Conselho Municipal de Paris, na
recepção dada na Prefeitura:
Pensamos muito menos em homenageá-lo, senhor, do queem homenagear a nós mesmos através de sua pessoa. O
senhor é um destes homens cujo exemplo preservará a hu
manidade se ela algum dia for tentada a duvidar de sua
grandeza e a desesperar de seu futuro. O senhor é um
daqueles homens em quem uma grande nação reconhece
a imagem de seus ideais.8
As palavras de Godin devem ser lidas, acima de tudo, comouma declaração de dúvida acerca da humanidade, mais do que
de afirmação, de defesa mais do que de promessa. O senador
Dherbécourt, presidente do Conseil Général de la Seine, disse
ser a façanha de Lindbergh "um feito que só a mente de um
poeta poderia ter concebido e cuja magnificência só o verso
entusiástico poderia suficientemente exaltar”. E o prefeito de
* Reconhecemos apenas um estado, o universo.
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polícia, Chiappe, referiu-se à “incomparável beleza” da proeza
de Lindbergh.9 A linguagem destas autoridades públicas é a
do desejo, da vontade de estetizar o mundo, de transformar
a vida em poesia. Os Langbehns e os Chamberlains da Alema
nha de pré-guerra tinham falado e escrito exatamente no mes
mo espírito.Os poetas faziam coro, exprimindo sentimentos análogos.
Lindbergh, “belo primogênito de Sagitário... vencedor do
vazio”, conquistara a morte!
Tu foste aquele por meio de quem os homens
De repente veem amanhecer um dia mais belo.
Fora das trevas em que nos encontramos
A águia enfim caça o corvo! . . .Oh! nós vivemos um tempo augusto,
Pois nasceram os novos dias!
A morte nada é!
“A morte nada é!” Assim escreveu Alexandre Guinle em sua
“Ode a Charles A. Lindbergh”.10 No sábado, 28 de maio, Le
Figaro publicou em seu suplemento literário três poemas, de
Pierre de Regnier, Maurice Levaillant e André David. Levail-lant referiu-se a Lindbergh, como “o homem-Titã”; David cha-
mou-o de “poeta do azul. . . criador de um novo mito”. E no
Journal des débats politiques et littéraires, Marcei Berger qua
lificou o feito de Lindbergh de “uma obra de arte” por ser
“belo em si mesmo”.11 O poeta alemão Ivan Goll, radicado em
Paris, publicou uma ode extasiada no Berliner Tageblatt em
25 de maio. A chave para compreender Lindbergh era o fato
de sua meta estar “nele mesmo”. Paris vivia em sua mente, amente de um jovem feliz que nunca tinha lido uma linha de
Kant e cuja imaginação não estava enterrada entre as ruínas
do Egito ou sufocada nos tristes corredores das universidades.
O tema em todos esses comentários e reações é o de uma revi
vescência da imaginação — “o sorriso louro de sua juventude
nos cega como os holofotes de Roosevelt Field” — em meio
a uma civilização em ruínas, de uma revivescência da vontade
e do espírito individual. Só isso arrancaria a Europa de seu pessimismo e desânimo. Mas por toda parte o tom é mais de
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pesar que de esperança. O individualismo perdeu sua dimensão
social; a verdade não será encontrada numa realidade. social
mas na imaginação individual, na energia e vontade dionisíaca.
Os aplausos a Lindbergh eram um elogio a uma época pas
sada de individualismo social e, ao mesmo tempo, um reco
nhecimento, ainda que inconsciente, de que no mundo moderno o indivíduo estava sozinho, em permanente fuga, privado
de apoio, privado até da segurança sentimental de uma gatinha.
O homem fora deixado solto. A liberdade já não era uma
questão de ser livre para fazer o que é moralmente correto e
eticamente responsável. A liberdade tornara-se uma questão
pessoal, uma responsabilidade sobretudo para consigo mesmo.
O impulso moderno antes da guerra possuía um alto grau de
otimismo, oriundo da religião burguesa do meliorismo. Esse otimismo não tinha desaparecido por completo nos anos vinte,
mas era então mais desejo do que predição confiante. Sua pai
sagem era de destruição e desolação, não apenas a da aridez
que a vanguarda tanto desprezara antes da guerra.
NOVOS MUNDOS E O ANTIGO
O episódio Lindbergh revelou que a forma de modernismo jdo
período de pré-guerra, com seu ímpeto positivo, se mudara
para a América. A Europa reconheceu o fato. Lindbergh era
constantemente mencionado como um símbolo do "alto grau
de coragem e vigor da jovem América”, um representante da
energia sem limites da América. Esta energia — tão óbvianos artefatos, nas formas e personalidades culturais que a
América exportava, fossem épicos ou comédias-pastelão de
Hollywood; fossem o ragtime, o jazz ou o charleston; as me
lindrosas de cabelos curtos que se encharcavam de gim e
fumavam cigarros; sensualistas exóticas como Josephine Baker;
ou expatriados de vida dura como Ernest Hemingway e F.
Scott Fitzgerald —, esta energia implacável e contumaz era
inevitável. Ruidosa e atrevida. A maioria dos modernos estava encantada.
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Maurice Ravel introduziu um provocador ritmo de fox-
trote em seu L’Enfant et les sortilèges. Francis Poulenc pro
duziu uma Rhapsodie nègre; e tanto Georges Auric como Igor
Stravinsky compuseram obras intituladas Rag-Time. O one-
step e o two-step apareceram no palco das Folies Bergères. No
Mayfair de Londres as “coisinhas brilhantes” dos anos vinteadotaram um sotaque americano, e, no rastro da estada de
Lindbergh, “visitas voadoras” aqui e ali se tornaram parte
de seu estilo. Em Paris o arrastado francês americanizado de
Joséphine Baker, usualmente tão desagradável à sensibilidade
gaulesa, transformou-se de repente na grande mania. O local
noturno favorito de Nancy Cunard em Paris era o Plantation,
com seus murais de navios a vapor do Mississippi e “pretos”.
Mas o fulgurante sonho americano também fascinou asclasses trabalhadoras da Europa, que viam em toda história
de pobres que ficam ricos o final feliz de suas próprias vidas.
Aos críticos que diziam ser a América nada mais que um
símbolo do materialismo grosseiro, desprovido de valores espi
rituais, os defensores da América respondiam que esse era
um julgamento superficial que deixava de fora o que era im
portante. O significado da América era, em primeiro lugar,
espiritual. Wall Street, dizia Fernand Léger, simbolizava a“América audaciosa, que sempre age e nunca olha para trás”.
Nova York e Moscou, ele dizia, eram os centros da atividade
moderna. Paris tornara-se simplesmente um observador.1
Segundo outro francês, Lucien Romier, a América repre
sentava juventude, vibração, espírito de iniciativa e magnani
midade. “Os Estados Unidos parecem ser hoje”, insistia em 1927,
o único grande país cujos cidadãos declaram incessantemente seu amor pela sociedade a que pertencem, trabalham
juntos com entusiasmo pelo aperfeiçoamento dessa socie
dade e, num mundo conduzido ao pessimismo extremo
pelos problemas sociais, se revelam otimistas nas ques
tões sociais.
A América, dizia ele ainda, tinha conseguido “desproletarizar”
suas massas: “A democracia americana eleva as massas comseu moralismo, mas as democracias européias saturam seus po
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vos de intelectualismo.” E, com muitos outros, Romier assina
lava o domínio das mulheres na família americana. A inexis
tência de medo dos homens, a rejeição do patriarcado, era
eminentemente moderna e libertadora, segundo ele.2
Para Henry W. Nevinson, londrino, romancista e pai do
pintor C. R. W. Nevinson, até o brilho e o materialismo daAmérica significavam imaginação e vigor. Ao sair de Nova
York, ele escreveu:
Adeus aos escritórios empilhados no céu, tão limpos, tão
aquecidos, onde encantadoras estenógrafas, com meias de
seda e rostos empoados, trabalham comodamente sentadas
ou conversam com uma tranqüilidade encantadora!. . .
Estou indo para uma cidade antiga de ruas miseráveis e
decadentes, de abrigos ignóbeis para a humanidade, que
se estendem monotonamente por muitos quilômetros; cheia
de fumaça imunda que adere mais à pele do que um co
bertor; de datilógrafas sujas que pouco sabem de seda ou
pó-de-arroz, e muito menos de comodidade e tranqüili
dade encantadora. .. Adeus ao aquecimento central e aos
radiadores, símbolos adequados dos corações que aque
cem! Adeus aos numerosos e bem equipados banheiros,
viva a arte do encanador!. . . Adeus ao longo fluxo deautomóveis — "limusines” ou "baratinhas”! . . . Adeus
América! Eu vou para casa.3
Quer admirassem ou menosprezassem a efervescência da Amé
rica, muitos concordavam que o futuro da humanidade estava
nesse continente. Os americanos, dizia a escritora britânica
Mary Borden,
deveriam ser observados por qualquer pessoa interessada
no futuro da humanidade, pois os andaimes do mundo do
futuro se erguem contra o céu da América, um mapa
tosco do que há de vir está aberto sobre esse continente,
cuja voz martela e grita as notícias do que vai acontecer
sobre a terra.4
Alguns modernos sentiam-se, no entanto, divididos diantedesta perspectiva. Ivan Goll elogiou Lindbergh, mas não tinha
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certeza de que a América poderia oferecer uma panacéia paraa Europa. "Sem dúvida a Europa está morrendo de senilidade,do ‘eurocoque’. Mas vossa pílula ‘Ameriçoon’ ”, disse ele aosamericanos, "nada mais é do que bicarbonato de sódio”.5 Dia-ghilev revelou a mesma ambivalência. "Á América terá muito
a dizer na arte do futuro”, admitiu em 1926.
Sua influência já se faz sentir por toda parte — na pintura, no teatro e na música. Compositores franceses aproveitaram o idioma do ]azz, e a América impôs a sua vozaté na antiga e conservadora instituição do balé.6
Mas ele também ficaria muito irritado com a vulgaridade ame
ricana. Em agosto de 1926, em Veneza, seu estado de espírito maldoso:
Nós nos hospedamos no Hotel des Bains porque a algazarra no Excelsior torna a vida impossível. Veneza inteiraestá em pé de guerra contra Cole Porter por causa deseu jazz e de seus negros. Ele inaugurou uma casa noturna idiota num barco ancorado diante da Salute, e agora
o Grande Canal está fervilhando dos mesmos negros quenos fizeram fugir de Londres e Paris. Estão ensinando ocharleston na praia do Lido! É terrível! Os gondoleirosameaçam massacrar todas as velhas americanas daqui.7
Os tradicionalistas franziam as sobrancelhas, reclamavame suspiravam diante da "americanização” da Europa. A América, como os seus filmes, era só energia brilhante e nenhuma
substância. A nação constituía uma gritante contradição, diziam. Ao patriotismo insensato dos americanos cabia contrapora falta de unidade física do país; à grandiosidade arquitetônica de Nova York, a incrível sujeira dessa cidade; ao recatoe puritanismo da América, sua criminalidade e indecente sexualidade; ao humanismo de seus ideais, seu racismo e seus linchamentos; à devoção de sua religião, o caráter burlesco deseus evangelistas esgrimidores de bíblias. Os adjetivos e sí
miles que os britânicos e franceses tinham reservado para osalemães durante a guerra eram agora dirigidos aos americanos.
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ricana começaram a estender os seus tentáculos e exerceramna Alemanha uma influência maior do que em qualquer outra
parte da Europa, comprando participação em companhias alemãs, adquirindo cinemas e fazendo filmes no país para o mercado alemão. Escritores como Hemingway faziam mais su
cesso na Alemanha do que em todo o resto do mundo, excetoos Estados Unidos.11 Talvez a Lei Seca tenha sido a únicaexperiência americana que os alemães não imitaram na década de 1920. “A Alemanha hoje é uma espécie de América”,escreveu Hermann Hesse. “É preciso nadar e fazer grande alvoroço para não se afogar. Se alguém consegue agir assim, estásão e salvo.”12 Muitos alemães, freqüentemente com hesitaçãoe má consciência, mostravam-se dispostos a declarar, em 1927,
que se sentiam muito mais próximos dos Estados Unidos do queda Grã-Bretanha ou da França. Thomas Mann, como Hesse,não tinha certeza de que isso fosse bom, mas parecia ser realmente uma característica da vida alemã. Até os monumentosda cultura alemã pareciam estar submetidos à americanização, protestou Mann: “Não tenho dúvida alguma de que Bayreuthinteressa hoje mais ao cavalheiro de São Francisco do queao espírito alemão e seu futuro.”13
ASSOCIAÇÕES
No dia 26 de maio, na noite de quinta-feira da semana queLindbergh passou em Paris, foi organizada uma festa de gala
em sua homenagem, e, dentre todas as alternativas possíveis,o local escolhido foi o Théâtre des Champs-Élysées na AvenueMontaigne. Quando chegou ao teatro, que, convém lembrar,na opinião de um crítico fora construído em estilo zepelim,Lindbergh foi saudado na entrada pelo marechal Franchetd’Espérey, que fora um dos generais franceses mais bem-sucedidos na Grande Guerra e que agora desempenhava a funçãode presidente do fundo de bem-estar dos aviadores. O pú
blico da festa de gala consistia em ases da aviação francesa,do passado e do presente, e do programa constavam discursos
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c leituras aclamando Lindbergh e a conquista do ar em geral. Neste acontecimento, o herói moderno, a guerra e a estéticamoderna se fundiram simbolicamente.
Na noite seguinte, sexta-feira, 27 de maio, Diaghilev iniciou sua nova temporada de Paris. O evento celebrava o vigé
simo aniversário da fundação de sua companhia de balé. Olocal, porém, não era o Théâtre des Champs-Élysées, e simo teatro Sarah Bernhardt em Châtelet. Estavam programadasdez representações até 9 de junho. Na noite de estréia o programa consistia em The Triumph of Neptune, balé “ inglês ”que tivera uma première de sucesso em Londres no mês dedezembro anterior, com música de Gerald Berners, libreto deSacheverell Sitwell e coreografia criada pela mais recente des
coberta de Diaghilev, George Balanchine; La Chatte, um novo balé, com música de Henri Sauguet, cenário de Naum Gaboe coreografia, especificamente idealizada para Olga Spessivtseva,mais uma vez de Balanchine; e finalmente um revivido Pássaro de fogo, com o próprio Stravinsky na regência, cenário e figurinos de Goncharova e Larionov, futuristas russos, e coreografia de Fokine.
A imprensa parisiense não deu muita atenção à nova tem
porada, apesar do aniversário que ela assinalava, e houve poucos artigos de crítica. Lindbergh dominava a atenção detodos. Que ele, a própria encarnação do “pássaro de fogo”,fosse agora festejado no Théâtre des Champs-Élysées, e porum público de aviadores, era uma indicação reveladora decomo o mundo havia mudado. O balé russo era velharia. AAmérica era o novo. Lindbergh estava no palco que Jose- phine Baker e La Revue Nègre tinham conquistado alguns
meses antes. (Quando Lindbergh aterrissou, Mademoiselle Ba-kér, ainda a paixão da vida noturna parisiense, interrompeuseu espetáculo no Folies para anunciar a chegada de seu colega americano.) No entanto, Le Figaro, que tinha criticado Le Sacre de forma tão sarcástica em 1913, não deixou defazer, apropriadamente, uma avaliação da noite de estréia em1927. Sobre Diaghilev, P. B. Ghéusi escreveu:
Este animador russo tem sido o Antoine da moderna artecoreográfica. Sua silenciosa tenacidade, sua fé mística em
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seu próprio sucesso, que o demônio perverso do teatro
não lhe vendeu barato, o fanatismo sorridente de sua arte,
muito mais pessoal do que eslava — tudo isso criou uma
nova escola de pensamento, agora aceita tanto pelo pú
blico quanto pelo mundo profissional.
Stravinsky também foi lisonjeado por Ghéusi.1 Como Paris e
o mundo ocidental tinham mudado desde 1913!
Pavlova se apresentava em Estocolmo no final de maio.
Chaliapin em Viena. Os críticos mal os notavam. Os que lhes
davam atenção eram bondosos. A voz de Chaliapin tornara-se
menor desde os primeiros tempos, disse um crítico, mas o ar
tista que ele era tinha crescido.2
E Nijinsky? O que lhe acontecera? Em seu último recital, no começo de 1919, antes de ser internado num sanató
rio, ele tinha tentado, diante de um público restrito em St.
Moritz, captar a guerra na dança. "Agora dançarei para vocês
a guerra”, anunciou, "com seu sofrimento, sua destruição, sua
morte”.3 Em seu diário daqueles dias ele se identificava com
Deus, como Nietzsche já o fizera em suas últimas declarações
antes que a escuridão completa da loucura o envolvesse.
Em dezembro de 1928, dias depois do Natal, HarryKessler assistiu a uma representação da companhia de Dia-
ghilev no Opéra de Paris.
Depois, quando eu esperava por Diaghilev no corredor
atrás do palco, ele se aproximou junto com um jovem
baixo e macilento, metido num casaco esfarrapado. "Não
sabe quem ele é?” perguntou. "Não”, respondi, "real
mente não faço idéia”. "Mas é Nijinsky!” Nijinsky! Fiquei estupefato. Seu rosto, tantas vezes radiante como o
de um deus, para milhares uma experiência inesquecível,
estava agora cinzento, flácido, vazio, só fugazmente ilu
minado por um sorriso sem expressão, o brilho brevç de
uma chama quase apagada. Não saiu uma só palavra de
seus lábios. Diaghilev segurava-o por baixo de um dos
braços e, para descer os três lances de escada, me pediu
que o apoiasse sob o outro, porque aquele que outrora parecia capaz de saltar por cima dos telhados, agora avan
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çava às apalpadelas, incerto, ansioso, de degrau em de
grau. Eu o segurei, apertei-lhe os dedos finos e tentei
animá-lo com palavras amigas. Sem compreender, ele me
fitava com grandes olhos infinitamente comovedores que
me lembravam um animal doente.4
E o que acontecera à primavera? Em 1913, pouco antes
da estréia de Le Sacre, os filhos de Isadora Duncan tinham
morrido; o carro em que se encontravam desacompanhados
rolara para dentro do Sena. Agora, em 1927, em Nice, a
"divina Isadora” entrou num Bugatti para um passeio pela
Promenade des Anglais. Arrastava atrás de si uma longa e
elegante echarpe. Que ficou presa. Numa roda. Isadora mor
reu instantaneamente. Havia quebrado o pescoço.T. S. Eliot tinha uma resposta para o problema da pri
mavera. Ele era de St. Louis, como Josephine Baker. E Lind-
bergh voou no Spirit of St. Louis. Eles todos tinham ido para
a Europa.
Abril é o mais cruel dos meses, germina
Lilases da terra morta, mistura
Memória e desejo, aviva Agônicas raízes com a chuva da primavera.5
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IX
MEMÓRIA
Nós que fizemos a guerra não devemos esquecer a
guerra nunca. E é por isso que tenho uma foto do
cadáver de um soldado pregada na porta da minha
biblioteca.Ha r r y Cr o s b y
Sejamos, por nossa vez, a primavera que reverdece as terras cinzentas de morte, e de nosso sangue derramado
pela, justiça façamos surgir, depois das vigílias de horror, belos amanhãs.
Jo s é Ge r m a i n
1923
Na escola, e nos livros escritos para meninos, éramos
tão insistentemente lembrados de que tínhamos ganho
a guerra que meus amigos de escola e eu sentíamos a curiosidade aguçada a respeito daqueles que a tinham
perdido. Perder parecia muito mais original e estimulante do que ganhar.
Ri c h a r d Co bb
1983
Quem teria pensado, há dezessete anos, que se poderia
elogiar a harmonia do Sacrel É um fato. Não se pensa
mais em suas audácias, admiram-se suas perfeições.
An d r é Ro u s s e a u
Fevereiro de 1930
A VALORIZAÇÃO DA GUERRA
Im Westen nichts Neues ou Nada de novo no front, de Erich
Maria Remarque, foi publicado pela primeira vez em Berlim
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pela editora de Ullstein, no final de janeiro de 1929. Vinte
meses depois, em outubro de 1930, o Nouvelles littéraires de
Paris se referia a Remarque como o “ autor que tem hoje o
maior público do mundo”.1
Quando o livro foi publicado, precedido de uma cam
panha publicitária maior do que qualquer outra até entãolançada por uma editora alemã, já tinham sido feitas umas
dez mil encomendas. Durante semanas os pilares de anúncios
comerciais em Berlim estiveram cobertos de cartazes, cada
semana um cartaz diferente. Primeira semana: “Vem aí.” Se
gunda semana: “O grande romance da guerra.” Terceira se
mana: “Nada de novo no front.” Quarfa semana: “De Erich
Maria Remarque.” A esta altura o romance tinha sido pu
blicado em folhetim no jornal mais importante de Ullstein,o Vossische Zeitung, de 10 de novembro, um dia antes do
décimo aniversário do Armistício, até 9 de dezembro. Embora
a circulação do jornal não tenha aumentado vertiginosamente,
como alguns alegaram, as vendas subiram realmente um pouco,
e as edições diárias em geral se esgotavam.
Mas, depois da publicação, cohieçou a corrida. Em três
semanas, foram vendidos 200 mil exemplares. A venda de
20 mil exemplares em um só dia não era incomum. No começo de maio 640 mil exemplares tinham sido vendidos na
Alemanha. Traduções inglesas e francesas foram preparadas às
pressas. A edição inglesa apareceu em março, a americana no
final de maio, e a francesa em junho. O Clube do Livro-do-
Mês Americano fez do romance o escolhido de junho e enco
mendou 60 mil exemplares para os seus 100 mil assinantes.
A Sociedade do Livro, um equivalente do clube do livro na
Grã-Bretanha, “recomendou” o romance a seus sócios. No final do ano, as vendas chegaram a quase um milhão de exem
plares na Alemanha, e a um outro milhão na Grã-Bretanha,
França e Estados Unidos juntos. Na Alemanha os Ullsteins es
tavam utilizando os serviços de seis gráficas e dez firmas de
encadernação para tentar dar conta da demanda. Na Grã-
Bretanha a biblioteca pública de Bàrrow anunciou a seus usuá
rios em novembro que Nada de novo no front tinha reservas
antecipadas para dois anos! No espaço de um ano o livro foratraduzido para cerca de vinte línguas, inclusive, chinês e espe-
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ranto, e os Ullsteins, em seu notável esforço promocional,
mandaram até preparar uma edição alemã em Braille, que era
enviada sem ônus para todo veterano cego que a solicitasse.2
Quase da noite para o dia o romance de Remarque se
tornara, como dizia um comentário, "o fenômeno da venda
de livros no pós-guerra”. Mas isso era dizer pouco. O sucesso de Remarque não tinha precedentes em toda a história
editorial. Na Inglaterra e na Alemanha o comércio livreiro,
que havia sofrido durante toda a década mas àquela altura se
encontrava em apuros ainda maiores devido ao declínio geral
da economia em 1928-1929, agradeceu. “Remarque é o pão
nosso de cada dia”, gracejavam os* livreiros de Berlim.3
O sucesso espetacular de Remarque provocou uma en
chente de livros de guerra e de outros textos que tratavam da
guerra, introduzindo o que veio a ser conhecido como a “valo
rização da guerra” de 1929-1930. Romances e memórias de
guerra dominaram de repente as listas das editoras. Robert
Graves, Edmund Blunden, Siegfried Sassoon, Ludwig Renn, Ar-
nold Zweig e Ernest Hemingway, entre outros, tornaram-se
nomes familiares. Eram tão requisitados, para falar em pú
blico e no rádio, que não conseguiam atender ao excesso de
convites. O repentino interesse público pela guerra fez. comque manuscritos mofados, antes rejeitados por editores caute
losos que achavam que a guerra não venderia, fossem im
pressos às carreiras. Novos livros também eram rapidamente
encomendados e redigidos em ritmo veloz.
Os tradutores eram muito solicitados. O palco logo abriu
espaço para o drama de guerra, e Fim de jornada, de R. C.
Sherriff, no qual Laurence Olivier desempenhou o papel prin
cipal na última parte da temporada londrina, tornou-se umsucesso internacional. Em novembro de 1929 a peça estava
sendo representada em doze países estrangeiros. O cinema, que
não se mostrara tão relutante quanto as editoras em aproveitar
o filão da guerra — Hollywood começara uma pequena onda
em 1926 através de filmes como What Price Glory?, O grande
desfite e Asas —, o cinema veio então se juntar à nova voga
com uma série de filmes de guerra. As galerias expunham
pinturas e fotografias da guerra. Os jornais e periódicos davam muito espaço a discussões sobre a guerra, passada e fu
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tura. Rompia-se vingativamente o que alguns sentiam ter sido
um silêncio deliberado sobre a guerra.
O que provocou o repentino ressurgimento do interesse
pela guerra no final dos anos vinte? E o que a valorização
da guerra revelava? Um exame das motivações que levaram
Remarque a escrever seu romance talvez nos dê algumas pistas.
VIDA DA MORTE
Até a publicação de Nada de novo no front, Erich Maria Re
marque tinha levado uma vida moderadamente bem-sucedida,embora instável, como um intelectual diletante e aspirante a
escritor. Nasceu em 22 de junho de 1898, em Osnabrück,
filho de um encadernador católico, Peter Franz Remark, e de
sua esposa, Anne Maria. Batizado Erich Paul, adotou um pseu
dônimo depois da guerra, abandonando o Paul — o perso
nagem principal de Nada de novo no front chama-se Paul e
morre perto do fim da guerra —, acrescentando o nome dc
sua mãe e afrancesando o sobrenome. Remarque não teve umainfância feliz. Seu ambiente de classe média baixa aparente
mente o deprimiu. Como disse mais tarde, ficou profundamente
comovido quando jovem com os sofrimentos do Werther sen
sível e neurastênico de Goethe; dizia-se um romântico; e fre-
qüentemente brincava com a idéia de suicídio. Esse ânimo
de dúvida existencial nunca o abandonaria. Impregna toda a
sua oeuvre. Em público, apesar de desejar claramente o reco
nhecimento, sempre assumia os modos de um recluso. Emboraacabasse por se casar com Paulette Goddard, estrela de cinema
e ex-mulher de Charles Chaplin, e levasse uma vida extra
vagante em Nova York, rodeado de todos os sinais exteriores
do* sucesso, continuaria — segundo as aparências — desespe
radamente infeliz, um fumante inveterado, um bêbado contu
maz, fixado em carros velozes, lanchas e fuga.
A origem social de Remarque não pode ser desconside
rada. Ele era produto de um grupo social fortemente afetado pelas mudanças tecnológicas e sociais. John Middleton Murry,
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que também sofrera em sua juventude de uma intensa ansie
dade que ele suspeitava provir de sua origem social, dizia
que a baixa classe média urbana era “o segmento mais com
pletamente deserdado da sociedade moderna”.1 Era uma ca
mada que a guerra e especialmente a instabilidade econômica
dos anos vinte atacariam com ferocidade.
Um mistério enorme cerca a experiência de guerra de
Remarque. Com dezesseis anos quando irrompeu a guerra,
em agosto de 1914, ele foi convocado dois anos mais tarde,
em novembro de 1916, enquanto estudava para ser professor,
e enfrentou pela primeira vez o combate na linha de frente em
Flandres, em junho de 1917. No frcnt foi ferido, segundo seu
próprio testemunho, quatro ou cinco vezes, mas conforme ou
tras fontes, apenas uma vez gravemente. O Ministro do Exército alemão, general Groener, informaria a seus colegas de
gabinete em dezembro de 1930 que Remarque tinha sido fe
rido no joelho esquerdo e sob um dos braços em 31 de julho
de 1917, permanecendo num hospital em Duisburg de 3 de
agosto de 1917 até 31 de outubro de 1918. O ministro rejeitou
como falsas as informações de que Remarque tinha sido con
decorado ou promovido.2
Não se sabe muito mais sobre os dias de soldado deRemarque. Depois que foi catapultado para a fama interna
cional, mostrou-se relutante em dar entrevistas, e menos ainda
informações precisas sobre sua carreira na guerra. Demons
trou pouco interesse em rebater qualquer um dos boatos gros
seiros que circulavam sobre sua vida anterior, e muitos de
seus críticos achavam suspeita suá aversão à notoriedade. Em
1929 e 1930 houve uma tentativa sistemática de desvendar o
“verdadeiro” Remarque, especialmente para refutar a afirmação de seu editor, Ullstein, de que Remarque era um sol
dado tarimbado. Um homem chamado Peter Kropp contou ter
passado um ano no hospital junto com o autor durante a
guerra e ter sido o modelo para Albert Kropp, um dos perso
nagens de Nada de novo no front. Kropp disse que o feri
mento na perna que hospitalizou Remarque tinha sido feito
pelas próprias mãos do escritor, e insistia em que, uma vez
curado o ferimento, ele se tornara funcionário do hospital. No final das contas, afirmava Kropp, Remarque não tinha
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qualificações especiais para representar os sentimentos e o
comportamento do soldado do front .3 Embora muitas das ale
gações dos críticos e adversários de Remarque fossem mal
dosas e inspiradas pela inveja, pelo oportunismo e pelo pro
pósito político, parece haver realmente motivos para suspeitar
que a experiência de guerra de Remarque não foi tão amplaquanto sugeria seu romance e, particularmente, o esforço pro
mocional que o cercou.
Depois da guerra, Remarque retornou brevemente ao se
minário católico para professores, de Osnabrück, e no início
de 1919 tornou-se mestre-escola de aldeia. Logo abandonou
esta ocupação, passando a atuar como jornalista free-lance e a
realizar outras tarefas extras para enfrentar suas necessidades
financeiras. Publicou artigos sobre carros, barcos, receitas decoquetel; trabalhou por algum tempo numa firma de manufa
tura de pneus em Hanover, escrevendo jingles de propaganda;
finalmente tornou-se editor de fotografia em Berlim para uma
publicação de propriedade de uma firma de tendência direi
tista, Scherl. Apesar de seu título enganador, a revista lu
xuosa, da alta sociedade, Sport im Bild era uma versão alemã
de The Tatler. Enquanto isso, Remarque tentava escrever seria
mente, trabalhando em romances, poesias e numa peça deteatro. Dois de seus romances foram publicados, Die Traumbude
(O quarto dos sonhos) em 1920 e Station am Horizont (Es
tação Horizonte) em 1928, mas não parece ter ficado muito
satisfeito com o resultado. O sentimentalismo b^nal relegava
a primeira obra à categoria de ficção barata. Sobre Die Traum
bude Remarque diria mais tarde:
Um livro realmente infame. Dois anos depois de o pu blicar, tive vontade de comprar todos os exemplares e
tirá-lo de circulação. Infelizmente não tinha dinheiro sufi
ciente. Os Ullsteins fizeram isso por mim, mais tarde. Se
não tivesse escrito nada melhor depois, o livro teria sido
uma razão para me suicidar.4
Em 1921 enviou alguns poemas a Stefan Zweig para que este
os comentasse, anexando uma carta de quase desespero: "Lem bre-se de que esta é uma questão de vida ou morte para mim!”
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Uma tentativa de escrever uma peça de teatro deixou-o profundamente deprimido.5
O motivo da morte aqui é impressionante: pensamentossobre suicídio na juventude e ameaças de consumá-lo quandoadulto. Junto com o romantismo resultante e a existência nômade, o motivo indica um homem profundamente desconsolado, procurando uma explicação para sua insatisfação. E nesta busca;Remarque finalmente encontrou a Kriegserleben, a experiência de guerra.
A idéia de que a guerra era a fonte de todos os maleslhe veio de repente, confessou. “Todos nós estávamos”, dissede si mesmo e de seus amigos numa entrevista em 1929, “e
ainda estamos, inquietos, sem rumo, às vezes excitados, àsvezes indiferentes e vessencialmente infelizes”. Mas, num momento de inspiração, ele tinha pelo menos descoberto a chave para o mal-estar. A guerra!6
Numa resenha que escreveu em junho de 1928 para Sport im Bild , sobre os livros de guerra de Ernst Jünger, FranzSchauwecker e Georg von der Vring, entre outros, pode-sever que, depois de sua “descoberta”, ele não estava verdadei
ramente interessado em explorar a variedade da experiênciada guerra, sendo o seu objetivo principal apenas descrever osterríveis efeitos da guerra sobre a geração que cresceu duranteo conflito. É até possível que esses livros tenham sido a fontede sua inspiração. O vitalismo efusivo e inebriante de Jüngere sua grandeza brutal, o nacionalismo místico e ansioso deSchauwecker e a simplicidade lírica de von der Vring foramreunidos numa análise um tanto vaga que demonstrava pouca-
estima por essas interpretações distintas da experiência daguerra.7 Deve-se concluir que Remarque estava mais interessado em justificar o desequilíbrio emocional de uma geração doque em oferecer um relato abrangente ou mesmo preciso da ex periência e dos sentimentos dos homens nas trincheiras. Muitas das metáforas e imagens que Remarque utilizou em seulivro‘são impressionantemente semelhantes às empregadas pelosautores que tinha discutido, Jünger em particular, e não é
desarrazoado sugerir que tenha tirado muitas de suas idéiasdessas fontes.
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Em julho de 1928 Remarque publicou um outro artigo
em Sport im Bild que lança ainda mais luz sobre seu modo
de pensar na época. Era um texto curto e um tanto ingênuo
sobre a fotografia moderna, no qual ele lamentava a injustiça
que a maioria dos fotógrafos profissionais cometia em relação
à realidade. Ao isolarem seus temas de um contexto mais am plo, ao transformarem o mundo num "formato 9x12 ou
10x15” limpo e róseo, os fotógrafos criavam um mundo ilu
sório.8 A tese era simples e honesta, mas vindo de um editor
de fotografia de uma revista cara e esnobe, tinha uma pungên
cia patética; indicava como o autor estava infeliz no seu tra
balho e ambiente.
Tendo-se fixado na "experiência da guerra”, Remarque
sentou-se para escrever em meados de 1928. Trabalhando ànoite e nos fins de semana, completou seu livro, segundo afir
mou, em seis semanas. A subitaneidade da inspiração, a velo
cidade da composição e a simplicidade do tema indicam que
o livro de Remarque não foi o produto de anos de reflexão e
ponderação, mas de um impulso nascido da exasperação
pessoal.
Remarque enunciou o objetivo de Nada de novo no front
num breve e enérgico comentário preliminar:
Este livro não pretende ser um libelo nem uma confissão,
muito menos uma aventura. . . Apenas procura mostrar o
que foi uma geração de homens que, mesmo tendo escapa
do às granadas, foram destruídos pela guerra.9
A história relata então as experiências de Paul Bàumer e seus
companheiros de escola, que saem das salas de aula para astrincheiras, cheios de energia e convicção, cavaleiros entusias
tas de uma causa pessoal e nacional. Um a um, eles são ani
quilados no front , não apenas pelo fogo do inimigo mas tam
bém por um crescente sentimento de inutilidade. A guerra deixa
de ser uma causa para se tornar um Moloch inexorável e insa
ciável. Os soldados não têm como escapar da matança roti
neira; são homens condenados. Morrem gritando, mas sem serem
ouvidos; morrem resignados mas em vão. O mundo para alémdos canhões não os conhece; não pode conhecê-los. "Acredito
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que estamos perdidos”, diz Paul. Só resta a fraternidade da
morte, a camaradagem dos condenados. No final Paul morre,
infeliz mas estranhamente em paz com seu destino. A última
cena da versão cinematográfica americana do romance iria
ser uma evocação magistral da atmosfera da obra de Remar
que: a bala de um atirador de tocaia atinge o-alvo quando Paulse ergue na trincheira para tocar o que a guerra tornara intan
gível, uma borboleta. Todos os lemas perdem seu significado
quando os homens sofrem mortes violentas — patriotismo, de
ver nacional, honra, glória, heroísmo, bravura. O mundo ex
terior consiste apenas em brutalidade, hipocrisia, ilusão. Até
os laços íntimos da família foram despedaçados. Resta o homem
só, sem um ponto de apoio no mundo real.
A simplicidade e a potência do tema — a guerra comoforça aviltadora e totalmente destrutiva, na verdade niilista —
adquirem áspera expressividade graças a um estilo incisivo e
mesmo brutal. Cenas breves e frases curtas e vivas, na primei
ra pessoa e no presente do indicativo, criam uma instantanei-
dade inescapável e absorvente. Não há delicadeza. A lingua
gem é freqüentemente rude, as imagens quase sempre medo
nhas. O romance tem uma consistência de estilo e propósito
que faltara à obra anterior de Remarque e que poucas de suas
obras subseqüentes alcançariam.
Apesar do comentário introdutório de Remarque e de sua
reiteração da idéia em declarações posteriores, poucos críticos
contemporâneos notaram, e os que vieram depois geralmente
ignoraram, que Nada de novo no front não era um livro sobre
os acontecimentos da guerra — não era uma memória, muito
menos um diário10 —, mas uma denúncia irada dos efeitos daguerra sobre a jovem geração que viveu o conflito. Cenas, inci
dentes e imagens foram escolhidos para mostrar como a guerra
tinha destruído os laços psicológicos, morais e reais entre a
geração no front e a sociedade nacional. “Se voltarmos”, diz
Paul, “estaremos cansados, alquebrados, destruídos, sem raízes
e sem esperanças. Não seremos mais capazes de encontrar nosso
caminho”. A guerra, declarou Remarque em 1928, tinha des
truído a possibilidade de levar o que a sociedade considerariauma existência normal.
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Portanto, Nada de novo no front é mais um comentário
sobre o espírito do pós-guerra, sobre a visão da guerra no
pós-guerra, do que uma tentativa de reconstruir a realidade da
experiência da trincheira. De fato, aquela realidade é distor
cida, como insistiram muitos críticos — embora com pouca
influência sobre a aclamação inicial que o romance recebeu.Os críticos de Remarque diziam que no mínimo ele represen
tava erroneamente a realidade física da guerra: um homem com
as pernas ou a cabeça arrancadas não podia continuar a correr,
protestavam veementemente, referindo-se a duas das imagens
que Remarque tinha usado. Mas muito mais séria do que essas
inabilidades, alegavam, era sua falta de compreensão dos as
pectos morais do comportamento dos soldados. Os soldados
não eram robôs, destituídos de qualquer senso de finalidade.Apoiavam-se num amplo espectro de valores firmemente esta
belecidos.11
Embora seu editor não gostasse dessas restrições, porque
minavam a credibilidade do romance, Remarque estava pronto
a afirmar que seu livro tratava fundamentalmente da geração
do pós-guerra. Em 1929, numa discussão pela imprensa com
o general Sir Ian Hamilton, comandante britânico em Gallipoli
em 1915 e agora comandante da Legião Britânica, Remarque
expressou seu "espanto” e sua "admiração” pelo. fato de Ha
milton, por exemplo, ter compreendido as suas intenções ao
escrever Nada de novo no front :
Eu queria simplesmente despertar compreensão para uma
geração que, mais do que todas as outras, achou difícil,
depois de quatro anos de morte, luta e terror, encontrar
o caminho de volta aos campos pacíficos do trabalho e do
progresso.12
Foi em parte a interpretação errônea de seu objetivo que levou
Remarque a escrever uma continuação de Nada de novo no
front. Der Weg zurück (O Caminho de Volta), romance pu
blicado em 1931, discutia explicitamente o caso da "geração perdida”.
Pode-se ver Nada de novo no front não como uma expli
cação mas como um sintoma da confusão e desorientação domundo do pós-guerra, particularmente da geração que atingiu
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a maturidade durante a guerra. O romance era uma condenação
emocional, uma afirmação do instinto, um cri d'angoisse de
um insatisfeito, um homem que não conseguia encontrar seu
lugar adequado na sociedade. Que a guerra contribuiu grande
mente para a inépcia de grande parte da geração do pós-guerra
é inegável; que a guerra foi a causa básica deste transtornosocial é pelo menos discutível; mas Remarque nunca participou
diretamente do debate. Para Remarque a guerra se transforma
ra num veículo de fuga. Remarque e seu livro eram, tomando
emprestadas as palavras de Karl Kraus, sintomas da doença
que afirmavam diagnosticar.
Apesar da declaração inicial de imparcialidade por parte
de Remarque — de que seu livro não era "nem uma acusação,
nem uma confissão” —, o romance era de fato as duas coisas.E mais. Era uma confissão de desespero pessoal, mas era tam
bém uma denúncia indignada contra uma ordem social e polí
tica insensata, inevitavelmente contra aquela ordem que produ
zira o horror e a destruição da guerra mas particularmente
contra aquela que não conseguia liquidar a guerra e lidar com
as aspirações dos veteranos. Através de personagens identificá
veis com o Estado — o mestre-escola com suas fantasias imu
táveis sobre patriotismo e bravura, o ex-carteiro que funcionacomo um robô sem sentimentos em seu novo papel de sargento
instrutor, os funcionários e médicos do hospital que não tratam
do sofrimento humano, apenas de corpos — Remarque acusava.
Acusava uma civilização mecanicista de destruir valores huma
nos, de negar a caridade, o amor, o humor, a beleza e a indi
vidualidade. Porém, Remarque não oferecia alternativas. As
personagens de sua generazione bruciata — a idéia italiana de
uma "geração queimada” é apropriada — não agem; são apenas vítimas. De todos os livros sobre a guerra publicados no
final dos anos vinte — os romances de Arnold Zweig, Renn,
R. H. Mottram, H. M. Tomlinson, Richard Aldington, Heming
way, e as memórias de Graves, Blunden, Sassoon, para citar
apenas algumas das obras mais importantes — o de Remarque
demonstra, de uma forma muito direta e emocional, até espa
lhafatosa, que a sua era uma geração verdadeiramente perdida,
e esse estilo direto e passional estava no âmago de seu apelo popular.
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Porém havia mais. A “agonia romântica” era um grito
selvagem de revolta e desespero —‘e um grito de regozijo. Na
perversão podia haver prazer. Na escuridão, luz. A relação
de Remarque e de sua geração %com a morte e a destruição
não é tão singela como parece. Em sua vida pessoal e em suas
reflexões sobre a guerra, Remarque parecia estar fascinado pela
morte. Toda a sua obra posterior transpira esta fascinação. Co
mo um crítico disse mais tarde, Remarque “provavelmente ga
nhou mais com a morte do que os mais elegantes agentes fune
rários”.13 Como os dadaístas, ele se deixou enfeitiçar pela guer
ra e*seu horror, pelo ato de destruição, até o ponto em que
a morte deixa de ser a antítese da vida e passa a ser a expres
são máxima da vida, em que a morte se torna uma força criativa, uma fonte de arte e vitalidade. Ao conhecer Remarque,
um jovem, Michel Tournier, notou a natureza paradoxal deste
autor-herói moderno: famoso mundialmente por seu antimilita-
rismo, Remarque, “com sua postura rígida, seu rosto severo e
retangular e seu inseparável monóculo”, parecia um oficial
prussiano em tamanho maior que o natural.14
Muitos da geração de Remarque compartilhavam a sua
visão apocalíptica pós-cristã de vida, paz e felicidade na morte.Quando se apresentava num concerto para executar sua pró
pria música, George Antheil carregava uma pistola no casaco
de seu traje a rigor. Ao se sentar para tocar, tirava a pistola
e a colocava sobre o piano. O revólver belga de calibre .25
que Harry Crosby usou em dezembro de 1929 para matar a sua
amante e se suicidar tinha um símbolo do sol gravado no lado.
Um ano antes, ao saudar Dido, Cleópatra, Sócrates, Modigliani
e Van Gogh entre outros, ele tinha prometido que em breve“gozaria um orgasmo com a sombria Escrava da Morte, a fim
de renascer”. Ele ansiava por “explodir. . . na fúria frenética
do Sol, na loucura do Sol nos quentes braços dourados e nos
quentes olhos dourados da Deusa do Sol!”15
O sucesso não suavizaria Remarque nem acalmaria sua
ansiedade crônica. Até* a vivaz Condessa Waldeck, nascida
Rosie Gráfenberg, que em 1929-1930 era a mulher de Franz
Ullstein, tinha mais tarde o seguinte a dizer sobre o jovemautor no auge de seu sucesso:
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Rçmarque estava na faixa dos trinta anos. Tinha um rosto
de menino bonito com uma boca desafiadora e macia. Os
Ullsteins o achavam um pouco difícil. Mas isso se deviaapenas ao fato de Remarque ter quase recusado o carro
que a firma agradecida lhe deu de presente, porque fal
tavam as malas de viagem que, em sua opinião, faziam parte do porta-malas. Eu mesma achava encantadoramente
infantis esta e outras características de Remarque; ele que
ria o seu brinquedo exatamente como o tinha imaginado.
Era um trabalhador esforçado. Freqüentemente trancava-
se dezessete horas a fio num quarto em que nem sequer
um divã era permitido, pois poderia ser um convite à
preguiça. Tinha uma pena enorme de si mesmo por tra
balhar tanto — por ser Remarque.16
FAMA
Segundo Remarque, seu manuscrito pronto ficou seis meses
na gaveta. Na verdade ficou provavelmente uns dois ou três
meses. A firma em que trabalhava, a Scherl, parte importantedo império jornalístico de tendência nacionalista de direita co
mandado por Alfred Hugenberg, não podia sequer ser cogitado
como um potencial editor da obra. Por fim, Remarque entrou
em contato com a S. Fischer Verlag, a editora literária mais
bem conceituada da Alemanha, mas Samuel Fischer ainda es
tava convencido de que a guerra não venderia livros. Rejeitou
o manuscrito.
Através de um conhecido, Remarque ficou sabendo queFranz Ullstein sentia, ao contrário, que era hora de publicar
livros sobre a guerra. Remarque tentou a Ullstein Verlag. Ali
o manuscrito passou pelas mãos de vários leitores. “O tom inu
sitado prendeu a atenção” de Max Krell; Cyril Soschka, chefe
do departamento de produção e veterano da guerra, convenceu-
se de que seria um grande sucesso, porque dizia “a verdade
sobre a guerra” — uma frase em torno da qual giraria a con
trovérsia sobre o livro; Monty Jacobs, editor de feuilleton doVossische Zeitung de Ullstein, aceitou o romance para ser pu
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blicado em folhetim. Os Ullsteins adquiriram grande confiança
no livro e, liderados por Franz Ullstein, um dos cinco irmãos
que dirigiam o grande complexo editorial e jornalístico, lan
çaram a seguir a sua ostentosa e cara campanha publicitária.1
A reação crítica inicial ao livro de Remarque foi muito
entusiástica, não só na Alemanha, onde o dramaturgo CariZuckmayer escreveu a primeira resenha para o jornal de gran
de ^circulação Berliner lllustrirte Zeitung dos Ullsteins, chaman
do Nada de novo no front de um “diário de guerra”, mas tam
bém quando foram publicadas as traduções francesa e inglesa.
Foram elogiados com entusiasmo o retrato supostamente franco
que Remarque teria delineado das reações humanas à guerra e
a descrição de uma dolorosa dignidade em meio ao sofrimento.
“O maior dos romances da guerra” era uma expressão queaparecia repetidas vezes nas resenhas. Sua “sagrada sobrieda
de” provocaria “a reabilitação.de nossa geração”, predisse Axel
Eggebrecht, famoso e respeitado crítico alemão. Herbert Read,
veterano* poeta e historiador de arte, anunciou a história de
Remarque como “a Bíblia do soldado comum” e fez vibrar,
dessa forma, uma nota religiosa que voltaria a ser empregada
com freqüência nos comentários. “Arrebatou a Alemanha como
o evangelho”, escreveu Read, “e deve arrebatar o mundo todo, porque é a primeira expressão literária inteiramente satisfató
ria do maior acontecimento de nosso tempo”. Acrescentou que
àquela altura já tinha lido o livro “seis ou sete vezes”. Um
americano exaltou “sua simplicidade explosiva” e rotulou o ro
mance de o “Livro da Década”: “Gostaria de ver a venda atin
gir a cifra de um milhão de exemplares”, concluiu Christopher
Morley. Daniel-Rops, filósofo, teólogo e historiador, compar
tilhava esses sentimentos na Suíça; era “o livro que esperávamos” há dez anos, dissfe. Bruno Frank, Bernhard Kellermann,
G. Lowes Dickinson e Henry Seidel Canby foram outras emi
nentes figuras literárias entre os primeiros entusiastas. Várias
pessoas sugeriram que Remarque deveria ganhar o Prêmio No-
bel de literatura.2
Nas resenhas iniciais, portanto, foi rara a nota de crítica
enérgica, e havia unanimidade na crença de que o livro apre
sentava “a verdade sobre a guerra”, ou, como disse o Sunday Chronicle de Londres, “a verdadeira história do maior pesadelo
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do mundo”.3 A exuberância, especialmente o emprego extra
vagante de superlativos e absolutos, bem como a estridente in
sistência em afirmar que este livro contava “a verdade”, indi
cava que Remarque havia tocado num nervo sensível e que
muitas pessoas compartilhavam inteiramente a sua frustração
— sua frustração pós-guerra. O tom do romance e o tom das primeiras críticas eram muito semelhantes.
Mas qual era esta “verdade” a que quase todos se refe
riam? Que a guerra tinha sido uma matança niilista sem fun
damento lógico? Que seus protagonistas da linha de frente e
principais vítimas não tinham nenhuma noção do propósito de
sua luta? Que, em suma, a guerra tinha sido em vão? Poucos
falavam assim sem rodeios, mas á esquerda liberal e os socia
listas moderados de toda a Europa, e até de algumas partesda América e dos países da Comunidade Britânica de Nações,
tendiam a ver a guerra como um conflito civil trágico e inútil
na Europa, algo que não precisava ter ocorrido.
Entretanto, quando as vendas cresceram durante a prima
vera e o verão de 1929, uma oposição começou a se organizar
e a expressar suas opiniões, de forma tão ruidosa quanto os
primeiros admiradores. A esquerda comunista ridicularizava o
romance por ser um exemplo da esterilidade da inteligência burguesa: a mentalidade burguesa, incapaz de localizar a fonte
real da desordem social, recorria, em seu tratamento da guerra,
a uma sentimentalidade lacrimosa e ao remorso. O livro e.ra
visto como uma bela ilustração do “declínio” da mentalidade
“ocidental”.4 Para aqueles que se encontravam na outra extre
midade do espectro político, a direita conservadora, a obra
de Remarque revelava-se perniciosa porque ameaçava todo o
significado do conservadorismo do pós-guerra, a idéia de umaregeneração baseada em valores tradicionais. Aos olhos dos
conservadores de todos os países beligerantes a guerra tinha
sido uma necessidade, trágica certamente, mas ainda assim ine
vitável. Caso se passasse a considerar que a gúerra fora um
absurdo, então o conservadorismo como conjunto de crenças
era um absurdo. Conseqüentemente, Nada de novo no front
tinha de ser rejeitado — como “imundície e horror” delibera-
damente “comercializados” e como a excrescência de umamente desesperada que não soubera se elevar acima do inevi
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tável horror da guerra para ver "as questões eternas envolvi
das”, a grandeza de uma idéia, a beleza do sacrifício e a no
breza do propósito coletivo.5
A oposição fascista ao romance misturava-se freqüente-
mente com a dos conservadores e apresentava muitos dos mes
mos argumentos, mas havia uma diferença essencial no raciocínio. Para os fascistas o objetivo da guerra era menos sagra
do do que a "experiência” da guerra, a própria essência da
guerra, seu caráter imediato, sua tragédia, sua alegria, sua
definitiva inefabilidade em quaisquer termos que não fossem
místicos e espirituais. A guerra, como veremos, deu significado
ao fascismo. Assim, qualquer sugestão de que a guerra fora
sem propósito constituía uma censura à própria existência dessa
forma de extremismo. Foi aqui, na extrema direita, que sereuniu a oposição mais ativa a Remarque e a toda a onda dos
chamados livros, filmes e outros artefatos negativos sobre a
guerra.
Tanto ós tradicionalistas como os extremistas de direita
se enfureciam com o que achavam ser um retrato inteiramente
unilateral da experiência de guerra. Tinham objeções à lingua
gem do romance, às imagens horripilantes, às freqüentes refe
rências às funções do corpo e especialmente a uma cena queapresentava um grupo jovial empoleirado nas latrinas do campo.
Little, Brown and Company' de Boston, a editora americana,
eliminou de fato a cena da latrina por insistência do Clube
do Livro-do-Mês, cortou um episódio que dizia respeito a uma
relação sexual num hospital e suavizou certas palavras e ex
pressões da tradução britânica de A. W. Wheen.6 A passagem
da latrina, conservada na edição britânica, foi o alvo preferido
de um grande número de críticos britânicos, que começaram ase referir a Remarque como o sumo sacerdote da "escola de
lavatório” dos romancistas da guerra. Em novembro de 1929
The London Mercury sentiu necessidade de emitir sua opinião
sobre esta escola.
"A crítica”, escreveu Anatole France, "é a aventura da
alma entre obras-primas”. A aventura da alma entre lava
tórios não é convidativa: mas isto é,.de certa forma, o que.a crítica dos romances alemães recém-traduzidos deve
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sem a coragem e a honestidade de desejar saber como é realmente a guerra moderna”, ele acrescentou: “Não precisam temer a propaganda alemã. O livro está bem acima de tudoisso. É a verdade, dita por um homem dotado da força deum grande artista, embora mal tenha consciência do grande
artista que é.”10Mas J. C. Squire e The London Mercury não queriam sa
ber de nada disso. “Esta não é a verdade”, retrucavam, refe-rindo-se à obra de Remarque e a outros romancistas alemãesda guerra, e advertiam contra a aparente tendência do público
britânico a “sentimentalizar-se com os alemães” e negligenciaros franceses. Depois, com uma explosão assombrosa de ferocidade que lembrava a própria guerra, continuaram:
Repetimos. . . (na condição de cosmopolitas e pacifistas.,mas igualmente na de quem enfrenta os fatos) que osalemães (muitos dos .quais só foram cristianizados no século XVI) contribuíram na verdade muito pouco para acultura européia... Na guerra exageramos os defeitos doinimigo; que não sejamos levados a exagerar seus méritosem tempo de paz; acima de tudo, que, numa reação ca
prichosa, não nos interessemos mais pelo inimigo do que pelo amigo. A verdade nua e crua é que os russos, queainda são em grande parte bárbaros, contribuíram muitomais, na música e na literatura, para a cultura dô séculoXIX do que os alemães, sem falar nos prussianos de cabeçaquadrada, contribuíram em centenas de anos... Paz comos alemães, sem dúvida; entendimento com os alemães, se possível; mas não concentremos, por mero sentimentalismo, nosso olhar nos alemães a expensas de •povos mais
cultivados, produtivos e civilizados. Acolhamos, sem dúvida, tudo de bom que possa vir da Alemanha; mas a tendência atual é pensar que qualquer coisa que vem da Alemanha deve ser boa. “Omne Teutonicum pro magnifico” parece o lema dos editores e da imprçnsa: é um lemagrotesco.11
Paradoxalmente, quando em fevereiro de 1930 Wilhelm Frick,
recém-nomeado Ministro do Interior nazista do governo estadual da Turíngia, proibiu Nada de novo no front nas escolas
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do Estado, um jornal nazista, ao anunciar o decreto, comentou:“É hora de sustar a infecção das escolas com propaganda marxista pacifista.”12
Tanto o elogio crítico como os insultos que Nada de novo no front provocou tinham, afinal, pouco a ver com a substân
cia do romance. Assim como Nada de novo no front era umreflexo mais da mentalidade do pós-guerra do que da mentalidade do tempo da guerra, o comentário também era umreflexo dos investimentos políticos e emocionais do pós-guerra.Mas todos fingiam estar discutindo objetivamente a essência daexperiência da guerra. O diálogo crítico era digno de personagens de uma peça de Tchekhov. As falas de todos passavamao largo dos interlocutores. A reação do público em geral era
semelhante.O sucesso de Remarque aconteceu durante o que agora
compreendemos ter sido uma encruzilhada no período entreas duas guerras: a interseção de dois estados de espírito, um,de vaga, implorante esperança, e o outro de medo paralisador;“o espírito de Locarno” e um movimento de aparente pros
peridade cruzando com uma incipiente crise econômica e umacrescente introspecção nacional.
Junto com os esforços em favor de uma dêtente internacional depois de 1925, uma onda de humanismo varreu o Ocidente. Mas era um humanismo mais desiderativo que afirmativo. Em 1927 Thomton Wilder concluiu seu romance vencedor do Prêmio Pulitzer, A ponte de San Luis Rey, com aseguinte frase: “Há uma terra dos vivos e uma terra dos mortos, e a ponte é o amor, a única sobrevivência, o único significado.” Melancolia, sentimentalismo e desejo constituem aqui
a atmosfera dominante. Dois anos mais tarde, em 1929, o desastroso colapso econômico trouxe à tona, de maneira brutal,a dúvida latente. Em sua totalidade, as atividades culturais
populares dos anos vinte eram, mais ou menos, uma saudação perplexa a um tempo passado em que o indivíduo havia tidoum objetivo social reconhecido.
A valorização da guerra no final dos anos vinte e no começo dos anos trinta foi um produto dessa mistura de aspira
ção, ansiedade e dúvida. Todos os livros de guerra bem-sucedidos foram escritos do ponto de vista do indivíduo, e não
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da unidade militar ou da nação. O livro de Remarque, escritona primeira pessoa, personificou para todos o destino do soldado desconhecido. Paul Bãumer tomou-se Todo Mundo. Sóneste nível é que a guerra podia ter algum significado, no níveldo sofrimento individual. A guerra era mais uma questão de
experiência individual do que de interpretação coletiva. Passara a ser uma questão de arte, e não de história.
A arte se tornara mais importante do que a história. Ahistória pertencia a uma era de racionalismo, ao século XVIIIe particularmerite ao século XIX. Este último demonstrara grande respeito pelos seus historiadores. Os Guizot, Michelet, Ranke,Macaulay e Acton eram lidos e apreciados, especialmente poruma burguesia empenhada em expansão e integração. Nosso
século, ao contrário, tem sido uma era anti-histórica, em parte porque os historiadores não conseguiram se adaptar aos sentimentos de sua época, mas sobretudo porque este século temsido mais de des-integração do que de integração. Conseqüen-temente, o psicólogo tem sido mais requisitado do que o historiador. E o artista tem sido alvo de mais respeito do que qualquer um deles.
É digno de nota que, entre as montanhas de escritos sobre
o tema da Grande Guerra, uma boa quantidade das tentativasmais satisfatórias de lidar com o seu significado veio da penade poetas, romancistas e até críticos literários, e que os historiadores profissionais produziram, de modo geral, relatos especializados e limitados, a maioria dos quais de pálida força evocativa e explicativa, se comparados com os dos littérateurs. Oshistoriadores não conseguiram encontrar explicações para o conflito que correspondessem às horrendas realidades, à experiên
cia real da guerra. A enorme quantidade de histórias oficiaise não-oficiais surgidas nos anos vinte foi em grande parte ignorada pelo público. Por contraste, Nada de novo no front, deRemarque, tornou-se, quase da noite para o dia, o livro maisvendido de todo o período anterior. Foi a literatura imaginativa, não histórica, que produziu a centelha da intensa reconsideração do significado da guerra no final dos anos vinte. Aimaginação histórica, còmo grande parte do esforço intelectual
do século XIX, fora dolorosamente desafiada pelos acontecimentos da guerra; e era coerente com a subseqüente dúvida que
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essa disciplina veio a ter a respeito de si mesma o fato de que
o lamento de H. A. L. Fisher em 1934, no prefácio de sua
History of Europe, se tivesse tornado um dos mais citados enun
ciados teóricos feitos por um historiador de nosso século:
Homens mais sábios e mais cultos do que eu discerniramna história um enredo, um ritmo, um padrão predetermi
nado. Essas harmonias estão escondidas de mim. Só con
sigo ver um acontecimento sucedendo-se a outro, assim
como uma onda segue outra onda.13
Se os poemas, romances e outros trabalhos imaginativos
provocados pela guerra perduram como "grande” arte é uma
questão discutível. William Butler Yeats, na sua idiossincráticaedição de 1936 de The Oxford Book of Modem Verse, omitiu
Wilfred Owen, Siegfried Sassoon, Ivor Gurney, Isaac Rosen-
berg, Robert Graves, Herbert Read e outros, àlegando que o
sofrimento passivo não podia ser matéria da grande poesia, a
qual precisava ter uma visão moral. Mas ele estava impondo
sua visão crítica a um público que sentia de outra maneira.
Dez anos depois do conflito, no meio da superabundância de
romances de guerra aparecidos durante o período de valorizaçãoda guerra, o Morning Post lamentava num editorial que "o
grande romance da Grande Guerra, que mostrará todas as coi
sas numa perspectiva verdadeira, ainda está para ser escrito”.14
O grande romance da guerra, explicador de tudo, era uma visão
constante entre intelectuais nos anos vinte e até nos trinta.
A trilogia Spanish Farm de Mottram, All Our Yesterdays de
Tomlinson, Death of a Hero de Aldington e, numa veia dife
rente mas com intenção semelhante, Krieg de Renn e Nada de novo no front de Remarque, para citar apenas alguns, foram
motivados por esse desafio e essa busca. "O testemunho de cem
mil joões-ninguém”, escreveu André Thérive em Le Temps em
dezembro de 1929, "não vale a semificção concebida por um
grande homem”.15 Esta atitude, de que a arte talvez fosse mais
fiel à vida do que a história, não era uma noção nova, mas
até então nunca tinha sido tão difundida nem tão dominante.
Ironicamente, os soldados franceses é britânicos tinhamse tomado durante a guerra as personalidades "limite”, identi-
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ficadas com a vanguarda e com a Kultur alemã de antes da
guerra; eram os homens que haviam experimentado os próprios
limites da existência, que tinham visto a terra de ninguém, que
haviam testemunhado o horror e a agonia, e que, devido a essa
mesma experiência que os transformou em heróis, viviam à mar
gem da respeitabilidade e da moralidade. Dada a incapacidadeda era pós-guerra para produzir a solução apocalíptica prome
tida pela propaganda do tempo de guerra, todo o objetivo social
do conflito — o conteúdo de dever e devoir — começou a soar
falso. Como os resultados tangíveis da guerra nunca poderiam
justificar o seu custo, especialmente o ônus emocional, a desi
lusão era inevitável, e os soldados no mundo do pós-guerra se
afastavam das atividades e compromissos sociais. Só uma mino
ria se dava ao trabalho de participar das organizações de veteranos. Em termos relativos, poucos sabiam dar voz a seu alhea
mento, mas as estatísticas falam alto: dos desempregados de
trinta a trinta e quatro anos na Grã-Bretanha no final dos
anos vinte, 80% eram ex-combatentes. A incidência de doen
ça mental entre os veteranos também era aterradora. “O pior
de tudo nessa geração de introvertidos produzida pela guerra”,
disse T. E. Lawrence, “é que eles não conseguem refrear seus
malditos egos”. Aldington falava das “autoprisões”, verdadeiras armadilhas em que os ex-soldados tinham caído, e Graves
escreveu sobre seus “companheiros de jaula”.16
Entretanto, embora os ex-soldados sofressem de uma alta
incidência de neurastenia e impotência sexual, compreendiam
que a guerra, nas palavras de José Germain, era “o eixo tre
pidante de toda a história humana”.17 Se a* guerra como um
todo não tinha significado objetivo, então, invariavelmente, toda
a história humana se condensava na experiência pessoal decada homem; cada pessoa era a soma total da história. Ao
invés de ser uma experiência social, uma questão de realidade
documentável, a história era pesadelo individual, ou até, como
insistiam os dadaístas, loucura. De novo vem à lembrança a
afirmação de Nietzsche, à beira de seu completo colapso men
tal, de que ele era “todos os nomes na história”.
A carga de ter estado no centro da tempestade e de, no
final, nada ter resolvido era torturante. Resultava freqüente-mente na rejeição da realidade social e política e, ao mesmo
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tempo, na rejeição até da capacidade de percepção — só restavam o sonho e a neurose, um mundo de ilusões caracterizado por um difundido negativismo. A fantasia tornou-se a fonte principal da ação, e a melancolia, o estado de ânimo geral. Nous vivons une triste époque.. . Tout est foutu — Quoi?
Tout un monde . . Il fait beau, allons au cimetière* Em 1930Carroll Carstairs terminou seu livro A Génération Missing comas palavras: “É um mundo fatigado, e a geléia de framboesaque me enviaram de Paris agora acabou de vez.”18
O que era verdade sobre os soldados, com um caráter menos direto e pungente também era verdade sobre os civis. As boates apinhadas de gente, a dança frenética, o extraordináriocrescimento do jogo, do alcoolismo e do suicídio, a obsessão
do voo, do cinema e das estrelas da tela, tudo isso evidenciavaem nível popular estas mesmas tendências, um impulso rumoao irracionalismo. É claro que a Europa burguesa tentava se“remodelar”, mas só era capaz de o fazer superficialmente.O temperamento moderno tinha sido forjado; a vanguarda vencera. A “cultura do inimigo” se tornara a cultura dominante;ironia e ansiedade, o estilo de vida e o estado de ânimo. “Aguerra está nos destruindo, mas também está nos dando uma
nova forma”, Marc Boasson tinha escrito em julho de 1915.Quinze anos mais tarde, Egon Friedell, historiador da cultura,afirmava enfaticamente: “A história não existe.”19
Nada de novo no front captou para a mente popularalguns dos mesmos instintos que estavam sendo expressos na“arte elevada”. Proust c Joyce também condensaram a históriano indivíduo. Não há realidade coletiva, apenas a resposta individual, apenas sonhos e mitos que perderam seu nexo com a
convenção social. No atormentado e aviltado soldado do front alemão delineado em Nada de novo no front — e bem que poderia ter sidoum Tommy, um poilu ou um soldado de infantaria dos EstadosUnidos — o público via sua própria sombra e sentia seu pró
prio anonimato e desejo de segurança. Um pequeno número
* Vivemos uma época triste.. . Tudo fodido — Quê? Um mundo todo. . . Tá bonito lá fora. Vamos ao cemitério.
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de críticos percebeu esse fato na época. “O efeito do livro pro
vém de fato”, escreveu um comentarista alemão,
da terrível desilusão do povo alemão sobre o estado em
que se encontra, e o leitor tende a sentir que este livro
localizou a fonte de todas as nossas dificuldades.20
Um americano observou: “Em Remarque, o sentimento da épo
ca vem a florescer.”21 Nada de novo no front parecia encerrar
todo o impulso moderno tal como se manifestava no mundo
do pós-guerra: a fusão de oração e desespero, de sonho e caos,de desejo e desolação.
Em cada país havia uma variação específica sobre este
tema geral. Na Alemanha, depois de 1925, notava-se um nítidoabrandamento da tensão política, evidenciado, nas eleições na
cionais de maio de 1928, as primeiras desde dezembro de 1924,
pelo mais baixo índice de comparecimento às urnas registrado
em todo o período Weimar. O governo que se formou em
junho de 1928 foi, como era de esperar, uma “grande coali
zão”, abrangendo desde os sociaisdemocratas à esquerda, que
chefiavam o governo, até o Partido do Povo, de direita mode
rada, de Gustav Stresemann. O governo começou sua vida numânimo conciliador. Entretanto, em maio de 1930 caiu vítima
de um renovado sentimento conservador e nacionalista.
Mil novecentos e vinte e nove foi o ano crítico. O fato
de a situação econômica se deteriorar drasticamente no ano
do décimo aniversário do Tratado de Versailles foi uma infeliz
coincidência. As reparações ainda estavam na mente do pú
blico. Alfred Hugenberg, magnata da imprensa e líder do
Partido Nacionalista do Povo, de direita, fez campanha porseu referendo contra o Plano Young, a nova proposta dos Alia
dos a respeito das reparações, e aceitou Adolf Hitler em suas
fileiras. A direita, em sua nova e enérgica ofensiva contra a
república, responsabilizou o draconiano acordo de paz e o
desejo de sangue dos Aliados pelas renovadas dificuldades eco
nômicas da Alemanha. As manifestações públicas contra a “men
tira da culpa da guerra” cresceram em número e frenesi no
começo de 1929 e atingiram o clímax num dilúvio de comíciosem junho. O governo proclamou o 28 de junho, aniversário do
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tratado, dia de luto nacional. Remarque pôde capitalizar tanto
os resquícios de moderação política como a intensificada sen
sibilidade à questão da guerra.
Remarque responsabilizava a guerra por sua desorientação
pessoal; o público alemão também supunha que seu sofrimento
era um legado direto da guerra. Nada de novo no front des pertou realmente a consciência dos alemães para a questão da
guerra como fonte de suas dificuldades.
Na Grã-Bretanha, onde a economia ia muito mal no final
de 1928 e onde o desemprego dominou a campanha eleitoral
na primavera de 1929, o retrato do soldado da linha de frente
alemã, pintado por Remarque como um peão miserável e opri
mido lutando para manter alguma dignidade e humanidade,
despertou simpatia. No final dos anos vinte grande parte daopinião britânica tinha-se tornado favorável à Alemanha. A
mesquinharia e turbulência francesa no começo da década e
mais tarde o “ espírito de Locarno” levaram os britânicos para
mais longe dos franceses e mais perto dos alemães. “Nas rela
ções exteriores o drama psicológico da política britânica é pre
cisamente o fato de que agora gostamos mais dos alemães e
menos dos franceses ”, ponderou The. Fortnightly Review, “mas
com os primeiros brigamos e os outros somos obrigados a aceitar como parceiros”. Entretanto, mesmo esta parceria com a
França era questionada em algumas áreas. J. C. C. Davidson,
confidente do líder conservador, Stanley Baldwin, falava sobre
as vantagens de afrouxar os laços com a França, uma nação
“provinciana e altamente cínica cuja população está em declí
nio e cujos métodos se harmonizam tão pouco com os nos
sos”. Douglas Goldring, que se descrevia como um “obstinado
defensor da liberdade e um inglês de arraigados instintos Tory,contrário à política imperialista”, sugeria que alguns erros ter
ríveis tinham sido cometidos pelos estadistas britânicos: “Qual
quer universitário inteligente, ao interpretar o passado à luz
dos acontecimentos recentes, chegaria provavelmente à conclu
são de que nossa entrada na guerra foi um erro. .. Minha ge
ração”, ele concluiu, “foi traída, enganada, explorada e dizi
mada por seus superiores em 1914”. E Robert Graves, em suas
memórias, Goodbye to AU That , escritas na primavera e noverão de 1929, achou apropriado citar Edmund Blunden: “Não
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quero mais saber de guerras! De modo algum! Exceto contraos franceses. Se algum dia houver uma guerra contra eles,
parto imediatamente.”22
A subcorrente de suspeita e desprezo, presente na aliançaanglo-francesa, naturalmente não fluía apenas numa direção.
Nos anos vinte os franceses estavam convencidos de que avitória na guerra se devia sobretudo a eles; a contribuição britânica nunca fora igual à francesa. Como poderia ter sido? Osfranceses tinham defendido três quartos da linha na Frente Ocidental. Além disso, os interesses britânicos sempre estiveramvoltados para o além-mar, não para a Europa. Mesmo durantea guerra os franceses se inclinavam a acusar os britânicos delutarem até a última gota do sangue de outros povos. Joffre
dizia dos britânicos em 1915: “Nunca deixaria que defendessem a linha sozinhos — o inimigo abriria uma brecha e passaria por eles. Só confio neles quando secundados por nós.” Durante os motins de junho de 1917 ouviu-se um soldado francêsdizer: “Precisamos ter os boches do nosso lado dentro de ummês, para nos ajudar a expulsar os britânicos”. Em 1922, mesmo antes da crise do Ruhr, quando os britânicos não apoiaramas medidas punitivas francesas e belgas contra os alemães no
tocante às reparações, o general Huguet, antigo adido francês junto aos exércitos britânicos, descrevia a Grã-Bretanha comoum “adversário”.23 À medida que a década se aproximava dofim, a relação se deteriorava ainda mais. Por isso, embora tivessem reagido geralmente com mais calma ao romance de Remarque, os franceses se sentiram atraídos por um livro queretratava o inferno mútuo pelo qual os principais combatentes,soldados franceses e alemães, tinham passado. Talvez o poilu
e o boche não fossem irreconciliáveis. O sucesso de À Vouest rien de nouveau acarretou uma grande quantidade de traduçõesfrancesas de obras alemãs sobre a guerra, e, conseqüentemente, pelo menos nas fases iniciais da valorização da guerra, os livrosde guerra britânicos foram negligenciados pelos editores franceses.24
A grande descoberta que os leitores estrangeiros diziamfazer através de Nada de novo•no front era a verificação de que
a experiência do soldado alemão na guerra, em seus aspectosessenciais, não fora diferente da dos soldados de outras na-
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ções. Ao que parecia, o soldado alemão também não quiseralutar depois que se despedaçara o cenário emocional montado pelo front interno. O romance de Remarque contribuiu bastante para solapar a opinião de que os alemães eram “peculiares” e não mereciam confiança. Além disso, Nada de novo
no front promovia em nível popular o que o revisionismo histórico estava realizando em nível acadêmico e político: a erosão da idéia de uma culpa alemã coletiva na guerra. Mas, tam bém a esse respeito, a “arte” foi claramente mais eficaz do quea “história”. Sozinho, Remarque realizou muito mais do quetodos os historiadores revisionistas juntos, da América e daEuropa.
Quem leu Nada de novo no front com mais interesse? Emgeral os veteranos e os jovens parecem ter sido os leitores maisávidos dos livros de guerra. No final da década a desilusão deantigos combatentes sobre a sociedade do pós-guerra tinha amadurecido e se transformado em despr.ezp injurioso pela chamada
paz, não apenas nos países deríotados mas também nas naçõesvitoriosas. Nada de novo nojront e outros livros de “desencanto” sobre a guerra, como a precoce aventura de C. E. Monta-
gue neste gênero foi de fato intitulada, provocaram muitosaplausos em veteranos entristecidos e amargurados. Mas houvetambém freqüentes condenações por parte de veteranos queconsideravam o espírito e o sucesso de Nada de novo no front como manifestação do mal-estar em que mergulhara o mundodo pós-guerra, como um sintoma do espírito que traíra umageração e suas esperanças. É difícil determinar para onde pendia a balança. Fica claro, entretanto, que o interesse dos veteranos pelo protesto literário baseava-se em grande parte na suaexperiência do pós-guerra. Reagiam ao desaparecimento, durante a década, da visão que a guerra tinha prometido.
Os jovens que haviam amadurecido após o conflito mostravam-se naturalmente curiosos da guerra. Muitos comentaristas observavam que os pais que tinham sobrevivido ao front relutavam em falar sobre essa experiência até com suas famí
lias, razão pela qual os jovens, desejando desvendar o silêncio,constituíam uma parte bastante grande dos leitores. E tendo
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crescido à sombra do pai-herói, também ficavam fascinados pela descrição "negativa” da guerra. A literatura de desencantooferecia um retrato menos ascético, mais humano e, portanto,mais interessante do pai-guerreiro.25 Numa votação não-oficiàlsobre autores preferidos, realizada entre estudantes de um
Gymnasium superior, ou escola secundária, em Düsseldorf em janeiro de 1930, Remarque ganhou o maior número de votos,superando Goethe, Schiller, Galsworthy, Dreiser e Edgar Wal-lace. É digno de nota, entretanto, que, ao lado de diários ememórias da guerra, as obras sobre economia provocavam omaior interesse entre os estudantes consultados.26 É evidenteque havia uma relação entre a insegurança econômica sentida pelos estudantes numa Alemanha dominada pela depressão eo fascínio pelas histórias de horror e morte nas trincheiras.A juventude também se inclinava a responsabilizar a guerra
pelas perspectivas incertas de emprego.
A "guerra real” deixara de existir em 1918. Depois dessadata foi devorada pela imaginação sob a forma de memórias.Para muitos, a guerra tornava-se absurda em retrospecto, não
por causa da experiência da guerra em si mesma, mas devido
à incapacidade da experiência do pós-guerra para justificar oconflito. Para outros a mesma lógica transformava a guerranuma experiência limite, novamente em retrospecto. WilliamFaulkner aludiu a esse processo de metamorfose quando escreveu em . 1931: "A América foi conquistada não pelos soldadosalemães que morreram nas trincheiras francesas e flamengas,mas pelos soldados alemães que morreram em livros alemães.”27A viagem interior que a guerra proporcionou a milhões de ho
mens foi acelerada pelas circunstâncias do pós-guerra.Ao contrário das afirmações de muitos de seus entusiásticos leitores, Nada de novo no front não era "a verdade sobrea guerra”; era, sobretudo, a verdade sobre Erich Maria Remarque em 1928. Mas, da mesma forma, a maioria de seus críticosnão se encontrava mais perto da "verdade” de que também falavam. Expressavam apenas o teor de seus próprios esforços.Remarque usou a guerra; seus críticos e o público fizeram o
mesmo. Hitler e o nacional-socialismo deveriam ser, no final,os mais obsessivos e bem-sucedidos exploradores da guerra. A
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valorização da guerra no fim dos anos vinte refletia menos um
interesse genuíno pela guerra do que uma perplexa autocomise-
ração internacional.
O MALABARISTA DAS NUVENS
A elegia de Hart Crane para Harry Crosby chamou-se “O Ma
labarista das Nuvens”. O título teria servido igualmente para
Erich Maria Remarque. Crosby literalmente colocou uma pis
tola contra a cabeça e puxou o gatilho. Remarque fez o mes
mo em sentido figurado, mais de uma vez. A figura paradoxalda vítima fatal — contorcendo-se, contraindo-se, suplicando e
praguejando diante do aniquilamento — preocupava os dois.
Para ambos, a arte se tornara superior à vida. Na arte residia
a vida.
Praticamente tudo o que Remarque escreveu depois de
Nada de novo no front dizia respeito à desintegração e à morte.
Mas praticamente tudo o que escreveu foi um sucesso inter
nacional.A versão cinematográfica de Nada de novo no front foi
um belo trabalho, dirigido por Lewis Milestone para Univer
sal Studios e lançado em maio de 1930. Foi recebido com
críticas entusiásticas, passou em cinemas lotados de Nova York,
Paris e Londres, e recebeu o maior prêmio de Hollywood, o
Prêmio da Academia concedido ao melhor filme de 1930. Em
Berlim, entretanto, depois que várias sessões foram interrom
pidas por desordeiros nazistas chefiados por Joseph Goebbels,foi proibido em dezembro, ostensivamente porque difamava a
imagem alemã mas na verdade porque constituía uma ameaça
à segurança e à ordem interna por causa da controvérsia que
provocava.1
Em 11 de maio de 1933, depois que Hitler assumiu o
poder na Alemanha, os livros de Remarque estavam entre os
que foram queimados simbolicamente na Universidade de Ber
lim por serem "política e moralmente não-alemães”. "Abaixoa traição literária dos soldados da guerra mundial!” entoou um
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estudante nazista. “Em nome da educação de nosso povo no
espírito de bravura, lanço às chamas os escritos de Erich Maria
Remarque."2
Em 20 de novembro de 1933, 3.411 exemplares de Nada
de novo no front foram apreendidos na editora Ullstein pela
polícia de Berlim, com base no decreto presidencial de 4 defevereiro, promulgado “para a proteção do povo alemão". Em
dezembro, a Gestapo deu instruções para que esses exemplares
fossem destruídos.3 Em 15 de maio Goebbels, que era um ra-
pazinho durante a guerra, tinha dito a representantes do co-
mércio livreiro alemão que o Volk , o povo alemão, não devia
servir aos livros, mas os livros deviam servir ao Volk; e con-
cluíra: Denn es wird am deutschen Wesen noch einmal die Welt
genesen**Erich Maria Remarque procurara refúgio na Suíça em
1930. Depois de uma longa viagem a Nova York, a Hollywood
e da volta à Europa, morreria ali em seu retiro nas montanhas
em 1970, ainda belo e ainda infeliz.*
* Ver página 111.
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X
PRIMAVERA SEM FIM
Ela [a guehra] deixou sua marca nas almas, c todas
essas visões de horror que fez jorrar em torno de nós, os selvagens corpo-a-corpo, os clarões que o,obus nos
lançava no rosto, todas essas noites fulgurantes de /
Verdun, nós as reencontraremos, um dia, nos olhos de nossos filhos.
PlERRE DE MàZENOD
1922
Há muito tempo compreendi que os atores e artistas
têm freqüentemente idéias tão fantásticas que se é compelido de vez em quando a admoestá-los com o dedo em
riste e trazê-los de volta à terra.
Ad o l f H i t l e r 1942
Protestamos energicamente contra o fato de a imprensa
[estrangeira] vir agora nos acusar, logo a nós, de sermos
q s anarquistas que mergulharam a Europa neste terrível desastre. É o método bem conhecido de inculpar o
assassinado e não o assassino. . . Vivemos em tempos tão loucos que a razão humana não serve para nada.
A razão já não tem voz.
Jo s e ph Go e bbe l s 16 de março e 1 de abril de 1945
ALEMANHA, DESPERTA!
Berlim, segunda-feira, 30 de janeiro de 1933.
Aproximadamente às onze horas da manhã Adolf Hitleré nomeado, chanceler da Alemanha. Em seu gabinete de onze
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ministros há apenas dois outros nazistas, Wilhelm Frick e Her-mann Goering. Nas últimas eleições nacionais, em novembro,o partido de Hitler, Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), obteve um terço dos votos. O partido manteve sua posição como o maior grupo do Reichstag.
Apesar de minoritários no legislativo, Hitler e sua coorteinterpretam o acesso ao poder e à responsabilidade como avitória por fim, depois de quatorze anos de luta, o Kampfzeit ,como chamariam o período, a maior parte do quaf transcorridoem isolamento político. Começa a “renovação nacional”. Oestado de espírito entre os nazistas é de êxtase. Em seu diário,naquele dia, Joseph Goebbels, artista da propaganda de Hitler,anotará cheio de júbilo: “É como um sonho. . . A grande deci
são foi tomada. A Alemanha se encontra num momento críticode sua história... A nação explode! A Alemanha está des
perta! . .. Atingimos nosso objetivo. A revolução alemã teminício!”1
Na manhã do dia 30, entretanto, não há tempo para diários. Goebbels é um dervixe na roda-viva. Entra em ação erapidamente organiza para aquela noite um gigantesco desfileà luz de tochas. Os Camisas-Pardas e. os Camisas-Pretas, SA
e SS, são mobilizados. A eles vêm se juntar membros do Stahlhelm, organização paramilitar associada ao nacionalismo conservador do país. O Stahlhelm é convidado a participar porqueAlfred Hugenberg, líder do Partido Nacionalista do Povo, eoutros elementos da direita se incorporaram ao governo. Cercade vinte e cinco mil homens se reúnem e marcham para ocentro de Berlim vindos das áreas periféricas. Atravessam aPorta de Brandemburgo, seguem por Unter den Linden, descem
a Wilhelmstrasse e passam pela Chancelaria. Começando àssete horas da noite, assim que a escuridão do inverno cobretudo, desfilam durante cinco horas, cantando suas canções marciais: Es zittern die morschen Knochen. . . Heute gehört uns
Deutschland und morgen die ganze Welt *
André François-Poncet, o embaixador francês em Berlim, presencia os acontecimentos. As colunas passam marchando
* Os velhos fósseis tremem. . . Hoje a Alemanha, amanhã o mundo.
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por seu escritório. Parecem-lhe intermináveis. Filas e filas de
gente. Botas, tambores, canções, luzes, ritmos. Multidões se
alinham ao longo do caminho. Entusiasmo sem limites. Ao des
crever os eventos, dois repórteres de rádio ficam arrebatados
pela excitação: “Aplausos continuam a jorrar”, dizem a seus
ouvintes.
Adolf Hitler está de pé junto a uma janela. .. seus olhos
brilham sobre a Alemanha que desperta, sobre este mar
de gente de todas as condições sociais, de todas as cama
das da população, que desfila diante dele, trabalhadores
intelectuais e braçais — todas as diferenças entre as clas
ses desapareceram... Um quadro maravilhoso, algo que
não veremos novamente tão cedo! Esses braços estendidos,
esses gritos de “Heil!” . .. Espero que nossos ouvintes te
nham pelo menos uma idéia, uma vaga noção, deste grande
espetáculo, de como este momento é incomensuravelmente
grandioso!2
Harry Graf Kessler caminha pelas ruas naquela noite e
constata uma “atmosfera de carnaval”.3
O fim sobreveio doze anos e alguns meses depois. Em mea
dos da década de 1930 Hitler dizia que em dez anos Berlim
estaria tão transformada que ninguém a reconheceria. Durante
a guerra que se seguiu, ele predisse que Berlim seria em breve
a capital do mundo. Em 1945 Berlim estava irreconhecível e
tornara-se um emblema da crise européia, e na verdade da crisegeral do Ocidente — um panorama de entulho e devastação sem
fim. No final da guerra, para cada tonelada de bombas que
os alemães tinham lançado do céu sobre a Grã-Bretanha, os
Aliados — principalmente a Grã-Bretanha e a América — ha
viam lançado 315 toneladas sobre a Alemanha.
Do drama que terminou em maio de 1945 Malcolm Mug-
geridge considerava “Berlim devastada” a “peça central”. “Quemtenha posto os olhos nesse extraordinário espetáculo pode
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rá um dia esquecê-lo?” A primeira impressão era de tqtal deso
lação, uma paisagem lunar árida, onde o cheiro acre de cadá
veres em decomposição dominava os sentidos. Mas uma inspe
ção mais cuidadosa revelava texugos humanos escavando e so
brevivendo nas ruínas. Eram os "cidadãos libertados de Ber
lim”. "Foi isso”, pefguntava-se Muggeridge, "a realização de
nossos objetivos de guerra. . .? Isso representava o triunfo do
bem sobre o mal?”4
Os soldados britânicos, americanos e russ.os que libertaram
os sobreviventes dos campos de extermínio nazistas não tive
ram essas dúvidas. Em vez de montanhas de entulho, encon
traram montes de cadáveres empilhados, com membros ema-
ciados se projetando em milhares de contorções, como camadasde lenha mal podada. Os fomos ainda ardiam. O tifo era uma
ameaça. Também aqui os moradores surgiram lentamente para
saudar seus libertadores. Pareciam criaturas deformadas de
outro planeta, esquálidos, tatuados, caminhando como brinque
dos mecânicos desenhados por uma imaginação terrível. Era
como se o Hades tivesse entrado em erupção e regurgitado seu
conteúdo.
Aos poucos as dimensões da atrocidade nazista começa
ram a vir à tona. O tributo pago fora horrendo: milhões de
judeus, milhões de trabalhadores escravos estrangeiros, ciganos,
homossexuais, Testemunhas de Jeová, os inválidos. Auschwitz
também se tornou um emblema do espírito ocidental. Segundo
Theodor Adorno, depois de Auschwitz não havia mais lugar
para a poesia. As palavras, até então os principais veículos da
sensibilidade e do; racionalismo ocidentais, já não eram ade
quadas ou apropriadas. Para muitos, o silêncio parecia a única
resposta conveniente.
As cenas reveladas pelos exércitos aliados em 1945 não
eram a conseqüência inevitável dos acontecimentos que ocorre
ram no começo de 1933, mas constituíam um provável resul
tado. O nacional-socialismo foi outro produto dc híbrido que
foi o impulso modernista: irracionalismo misturado com tecni
cismo. O nazismo não foi apenas um movimento político; foiuma erupção cultural. Não foi imposto por uns poucos; de
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senvolveu-se entre muitos. O nacional-socialismo foi a apoteose de um idealismo secular que, impelido por um terrívelsenso de crise existencial, perdeu todo e qualquer vestígio dehumildade e modéstia — certamente, de realidade. Fronteiras elimites perderam o sentido. No final esse idealismo completou
seu círculo, virou-se contra si mesmo e tornou-se antropófago.O que começou como idealismo terminou como niilismo. O quecomeçou como celebração terminou como calamidade. O quecomeçou como vida terminou como morte.
Ao contrário de muitas interpretações do nazismo, que seinclinam a interpretá-lo como um movimento reacionário, como,nas palavras de Thomas Mann, uma “explosão de antiquaris-mo”, decidido a transformar a Alemanha numa comunidade pastoril de chalés cobertos de palha e camponeses felizes, oimpulso geral do movimento, apesar de todos os arcaísmos, erafuturista. O nazismo foi um mergulho de cabeça no futuro,rumo a um “admirável mundo novo”. É claro que tirou o máximo proveito dos resíduos de desejos conservadores e utópicos, prestou homenagens a essas visões românticas e foi buscarsuas miçangas ideológicas no passado alemão, mas seus objeti
vos eram, a seus próprios olhos, nitidamente progressistas. Nãoera um Jano de dupla face cujos rostos estivessem igualmenteatentos ao passado e ao futuro, nem era um Proteu moderno,o deus da metamorfose, que duplica formas preexistentes. Aintenção do movimento era criar um novo tipo de ser humanodo qual surgiria uma nova moralidade, um novo .sistema sociale finalmente uma nova ordem internacional. Esta era, de fato,a intenção de todos os movimentos fascistas. Depois de uma
visita à Itália e de um encontro com Mussolini, Oswald Mosley.escreveu que o fascismo “produziu não apenas um novo sistemade governo, mas também um novo tipo de homem, tão diferente dos políticos do velho mundo quanto um homem de outro planeta”.5 Hitler falava nesses termos sem cessar. O nacional-socialismo era mais do que um movimento político, dizia; eramais do que um credo; era um desejo de recriar a humanidade.6
O nazismo implicava, talvez mais do que qualquer óutra
coisa, um amor do ego, não da realidade do ego, mas do egoque é refletido no espelho. Este narcisismo foi projetado num
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res realizações culturais do homem moderno, tornou-se no Ter
ceiro Reich o lar de Richter und Henker* encarnação do
kitsch e do niilismo.
HERÓI VÍTIMA
A juventude de Adolf Hitler parece ter sido repleta de angústia,
fracasso e fobias florescentes. Suas repetidas tentativas, em
1907 e 1908, de entrar, como estudante das províncias, na
Academia de Artes de Viena não tiveram sucesso, e durante
seis anos ele levou uma vida triste e errante na capital austríaca, absorvendo a atmosfera trepidante de uma cidade cuja
grandeza evocava mais a glória passada do que promessas futu
ras, e de uma política urbana em que uma crescente paranóia
de classe média se fazia acompanhar da fuga para uma estranha
mistura de estetismo e ódio. Mergulhou na arte e na música,
sonhou ser um espírito livre, mas continuou dolorosamente
consciente dos reveses que sofrera nas mãos da ordem estabe
lecida. Se tivesse obtido algum sucesso comercial em seus esforços artísticos particulares, poderia ter vivido seus dias como
o boêmio arquetípico que, através de talento, iniciativa e von
tade pessoais, enfrenta o establishment e ganha a vida com a
criatividade contracultural. Em busca de oportunidades, mu-
dou-se em 1913 para Munique, e ali, ainda sem emprego, fre-
qüentou as tabernas e os cafés de Schwabing, o bairro boêmio
de Munique, .e as cervejarias do centro da cidade.
Desde cedo, portanto, Hitler tinha certamente o temperamento, exacerbado por suas circunstâncias sociais, para tornar-
se um artista da “cultura adversária”. O que lhe faltava era
qualquer talento excepcional como pintor ou desenhista. Mes
mo que alguns, como o arquiteto Albert Speer, o pintor e es
cultor Arno Breker e o cenógrafo Gordon Craig, alegassem mais
tarde que seus trabalhos revelavam um talento considerável,
* Juízes e carrascos.
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ninguém jamais sugeriu que ele tenha sido um gênio artístico
em potencial, frustrado pelo establishment . A melhor nota que
Hitler recebeu em arte na escola foi “bom”.1 Entretanto, seu
espírito era o de um artista, e, como ele insistiria até o fim,
um artista foi o que ele sempre foi. Mais tarde apenas dirigiria
suas inclinações artísticas para atividades mais amplas. Transformaria, era o que alegava, a política e a vida em arte. Foi
a guerra, a Grande Guerra, que ampliou sua tela de forma
tão incomensurável.
Como muitos na comunidade artística, intelectual e ra
dical, ele tomou a deflagração da guerra em agosto de 1914
como uma súbita libertação de restrições burguesas embrute-
cedoras, como a oportunidade de um novo começo, como um
instrumento para provocar alguma espécie de revolução. Aextraordinária foto que temos de Hitler no meio da multidão,
na Odeonplatz em Munique, aplaudindo a proclamação da
guerra, é muito expressiva. Ele está de pé numa das primei
ras filas, o desajustado, sem amigos, sem mulheres em sua
vida, sem emprego, sem futuro. Mas a expressão é de puro
êxtase, radiante. Os olhos parecem brilhar. Tem um ar de ter
acabado de receber — de repente, e como uma total surpresa —
a informação de que todas aquelas recusas da Academia deArtes de Viena tinham sido um terrível engano, e de que ele,
Adolf Hitler, de fato apresentara, com suas propostas, os mais
belos trabalhos que a academia já recebera. “Para mim aquelas
horas”, declarou mais tarde,
pareciam uma liberação dos dolorosos sentimentos de mi
nha juventude. Mesmo hoje não me envergonho de dizer
que, dominado por um. poderoso entusiasmo, òaí de joelhos e agradeci ao céu, com um coração transbordante de
emoção, por ter me concedido a sorte de estar vivo num
momento desses.2
No dia 3 de agosto pediu para alistar-se, apesar de sua cida
dania austríaca, num regimento bávaro. A resposta veio no
dia seguinte. Tinha sido designado para o 16? Regimento de
Infantaria da Reserva da Baviera. “Foi”, disse ele, “com sentimentos de puro idealismo que parti para o front em 1914”.3
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A guerra devia ser, em suas próprias palavras, "o tempo
mais grandioso e inesquecível de minha experiência terrena”.4
Todas as evidências disponíveis sugerem que ele continuou a
ser um solitário em seu regimento e até em silas tarefas na
linha de frente, preferindo estar sozinho, recebendo pouca cor
respondência enquanto seus companheiros ficavam freqüente-mente soterrados pelas cartas de casa1, e recusando-se, até no
Natal, quando não recebeu pacote algum, a aceitar presentes
de seus colegas.5 Serviu durante a maior parte da guerra como
mensageiro, levando e trazendo mensagens entre as posições
do estado-maior na retaguarda e as linhas de frente. Era alta
entre os mensageiros a taxa de baixas, especialmente em Flan-
dres, Artois, Champagne e no Somme, as áreas emf que o
regimento de Hitler passou a maior parte da guerra, porquemuitas vezes tinham de se mover em espaço aberto para con
tornar trincheiras de comunicação inundadas ou intransitáveis.
Ele chegou ao front de Ypres em outubro de 1914, foi ferido
na perna esquerda em outubro de 1916 e sofreu o efeito do
gás num ataque britânico um mês antes do Armistício; por
tanto, com a exceção de nove meses, gastos em treinamento,
recuperação e licença, passou toda a guerra no serviço ativo,
e todo esse tempo no inferno da Frente Ocidental. Foi condecorado três vezes por bravura, recebendo a Cruz de Ferro
de Segunda Classe ainda em dezembro de 1914, um certifi
cado do regimento em maio de 1918 e a Cruz de Ferro de
Primeira Classe em agosto do último ano da guerra. Não foi
um Erich Maria Remarque que extrapolou a experiência de
alguns meses, transformando-a numa narrativa geral da guerra.
Nunca houve qualquer insinuação de que Adolf Hitler tenha
sido relapso ou covarde. Ele viveu a experiência da linha defrente quase do início até o fim.
Investiu nessa experiência emoção, coragem e inquestio
nável dedicação, obtendo dela, por sua vez, um sentimento de
finalidade, integração, aceitação, e o mais alto reconhecimento
de fortaleza e excelência a que um soldado alemão podia as
pirar. Não é de admirar que tenha passado a considerar sua
experiência da guerra como sua educação, seu treinamento para
a vida, mais valioso do que qualquer número de anos de estudos universitários, assim como não é de admirar que mais
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é uma luta cruel e não tem outro objetivo senão a preser
vação da espécie”;8 todas essas opiniões foram formadas pelo
que ele experimentou entre 1914 e 1918.
Até o uso do gás contra os inimigos do Reich se radi
cava em sua experiência pessoal. O fato de ter sido vítima
do gás tivera efeito traumático, física e emocionalmente. Ele,uma criatura visual, um artista dependente de seus olhos, fi
cara temporariamente cego. A passagem de Mein Kampf, mui
tas vezes citada pelos historiadores, mas raramente sublinhada
pelos contemporâneos, assume um significado especial neste
contexto:
f
Se, no começo e durante a guerra, alguém tivesse subme
tido ao gás venenoso cerca de doze ou quinze mil desseshebreus destruidores do povo — algo que centenas de
milhares de nossos melhores trabalhadores de todas as
classes e de todas as condições sociais sofreram no campo
de batalha —, então o sacrifício de milhões no front não
teria sido em vão.9
Hitler referia-se constantemente aos judeus como “parasitos”.
E lembrava-se de que durante a guerra o instrumento maiseficaz contra os parasitos — ratos e outras pragas — tinha
sido o gás. O extermínio dos judeus por meio do gás, Hitler
descreveria como uma forma de “espiolhar”.
Para Hitler a guerra não terminou em, 1918. Ele era
simplesmente incapaz de aceitar que a experiência mais forta-
lécedora de sua vida acabasse em derrota. Embora, por mais
de uma década, a maioria dos alemães não visse nenhuma
alternativa prática à aceitação da derrota, em seus coraçõestodos os alemães se inclinavam a simpatizar com os elemen
tos radicais que pelo menos tinham a coragem de vir a pú
blico negar vigorosamente que o esforço de guerra tinha sido
em vão. Todos os partidos políticos de Weimar, sem exceção,
atacavam o Tratado de Versalhes, mas só a direita radical afir
mava ser o tratado de paz produto dos mesmos elementos
domésticos traiçoeiros, mancomunados com o inimigo, que ti
nham solapado o esforço de guerra alemão e apunhalado oexército vitorioso pelas costas. Se fosse possível derrubar os
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traidores, os "criminosos de novembro”, que tinham arquite
tado a derrota e criado a república da vergonha, então podia-
se começar a erradicar a praga que havia atacado as "idéias
de 1914”, o "espírito do front” e a "comunidade das trinchei
ras”. Friedrich Wilhelm Heinz, veterano da guerra e iqais
tarde chefe da SA na Alemanha Ocidental, afirmava:
Aquelas pessoas nos disseram que a guerra estava termi
nada. Foi uma gargalhada geral. Nós mesmos somos a
guerra: sua chama arde com força em nós. Envolve todo
o nosso ser e nos fascina com o sedutor impulso de
destruir.10
Tinha-se de voltar de algum modo àquele supremo júbilo que
foi a guerra antes da derrota. Para tal, tinha-se de empregar
métodos ensinados pela guerra: tinha-se de destruir.
Se nos primeiros anos depois da guerra as pessoas ainda
estavam chocadas com os horrores, viria o tempo, escreveu
Ernst Jünger em 1921, em que a guerra assumiria o caráter
dos "quadros da crucificação pintados pelos velhos mestres:
uma idéia grandiosa cujo brilho domina a noite e o sangue”.11Para os nazistas, entretanto, e para outros grupos de direita,
a guerra já era uma inspiração. "O nacional-socialismo é, em
seu significado mais verdadeiro, o domínio do front ”, insistiu
Gottfried Feder, um dos membros originais do partido. O
socialismo do nacional-socialismo, dizia Robert Ley, tinha a
intenção de reproduzir a comunidade das trincheiras. Gregor
Strasser, assessor de Hitler em Berlim, exaltava constantemente
o soldado do front , a quem prometia liderança no novo Reich.Tudo isso era comparável à noção, sugerida por Mussolini,
de uma trincerocrazia, uma "trincheirocracia”, que seria a
elite do fascismo. E Hitler pessoalmente se considerava a en
carnação do soldado desconhecido, a personificação daquela
força anônima que tinha sido desencadeada e depois mode
lada pela guerra.12
Reanimar aquele espírito e senso de compromisso era oobjetivo de todos os elementos de orientação nacionalista na
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Alemanha de Weimar, até de políticos moderados do centro,
mas foram os radicais da direita que buscaram atingir esta
meta da forma menos equívoca. A valorização da guerra no
final dos anos vinte, com sua onda de desencanto literário,
teve o efeito paradoxal de preparar o caminho para um re
vide nacionalista. Em 1930, quando a depressão econômica se
aprofundou, floresceu uma literatura do “redespertar nacional”.
Ernst Jünger começou a ser lido com avidez. Franz Schauwecker
ganhou um numeroso público. E um bando de autores nacio
nalistas de menor importância também prosperou. Foi neste
contexto de crescente desespero econômico e de um recém-
expresso interesse pela guerra que os nazistas registraram suas
formidáveis vitórias nas eleições estaduais e locais de 1929e 1930, e especialmente nas eleições nacionais de setembro
de 1930.
Depois, no meio da nova respeitabilidade que o sucesso
trouxe consigo, embora alguns dos pontos programáticos do
partido — sobre a questão judia, por exemplo — fossem
atenuados, foi apregoada para um público cada vez maior a
necessidade urgente de eliminar a república da vergonha, da
corrupção e da renúncia nacional, substituindo-a por uma
verdadeira Volksgemeinschaft que ressuscitaria o ânimo e a
unidade de 1914 e das trincheiras. A palavra Kultur era cons
tantemente usada pelos nazistas para invocar o espírito da
guerra., Eles se diziam legítimos herdeiros desta Kultur, de
um espírito de dedicação altruísta à idéia da nação e do des
tino alemão. Quando Hitler decidiu se candidatar à presidên
cia da república na primavera de 1932, a única maneira queos seus adversários encontraram de contra-atacar seu apelo
popular foi persuadir o velho líder da guerra Hindenburg a
se candidatar mais uma vez, apesar de seus oitenta e quatro
anos. Só o marechal-de-campo tinha estatura para derrotar
o "cabo boêmio”. Hindenburg derrotou realmente Hitler na
quela eleição, mas o apoio aos nazistas continuou a crescer.
Nas eleições nacionais de julho o partido tornou-se, com
37,4% dos votos e 230 cadeiras de deputados, o maior partido isolado a ter assento num Reichstag alemão. Seis meses
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mais tarde Hitler foi nomeado chanceler pelo mesmo Hinden-
burg que fora recrutado para mantê-lo longe do cargo. Assim,finalmente, em 30 de janeiro de 1933, atingiu-se o primeiro patamar importante do rejuvenescimento da Alemanha, do des
pertar nacional.
Semanas depois da nomeação de Hitler, Philipp Witkoplançou uma nova edição, uma Volksausgabe ou edição po
pular, das cartas de estudantes alemães que morreram na guerra.
Seu novo prefácio afirmava:
Estas cartas são para nós um legado para que possamos
realizar aquela pátria ideal que os autores ardentemente
imaginaram e pela qual sacrificaram suas vidas. Estes
jovens mortos são os mártires não de uma Alemanha per
dida mas de uma nova Alemanha, da qual nos tornaremos
os criadores e os cidadãos.
Assinalava que as cartas continham uma "verdade pessoal e
histórica indubitável”, muito mais profunda do que a que se
podia aprender em qualquer romance ou história da guerra.
E acrescentava:
Nestes dias de autoconsciência nacional nós nos incli
namos diante desses estudantes e juramos pela sua me
mória que eles não morreram em vão, que cumpriremos
seu testamento e que, através de incessantes esforços, $e-
remos dignos deles.13
Christopher Isherwood descia a Bülowstrasse em Berlim
pouco depois que os nazistas assumiram o poder quando .ssis-
tiu a um assalto nazista a uma editora liberal. Livros eram
colocados num caminhão e os títulos lidos em voz alta. “Nie wieder Krieg”, gaitou um camisa-parda, segurando o livro por uma ponta com dedos rígidos e compridos. "Guerra nunca
mais!” repetiu uma mulher gorda e bem vestida, com um selvagem riso de desprezo. "Que idéia!”14
Quatro anos mais tarde Thomas Mann refletia sobre todoo empreendimento nazista: "Se a idéia da guerra, como fim
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o Terceiro Reich foi um teatro absorvente e espetacular. Isso
é o que ele pretendia ser.
O mito tomou o lugar da história concebida objetiva
mente. O mito, disse Michel Tournier, é “a história que todo
mundo jà conhece”.2 Como tal, a história se torna mero ins
trumento do presente, sem qualquer integridade própria. Em bora não fosse tão ignorante do detalhe histórico quanto fre-
qüentemente se afirma, Hitler submetia esse detalhe, e o pas
sado como um todo, ao teste de sua experiência pessoal. Todos
os conceitos históricos eram arrastados para essa experiência
— a nação, o Estado, a política, a cultura, a sociedade e a
economia. Sua experiência pessoal tornava-se a estrela-guia da
vida, tanto nacional como internacional. Quando o fim estava
próximo, ele perdeu o interesse pela história, até pela carreira de Frederico o Grande, cujas vitórias miraculosas, arre
batadas às garras da derrota, tinham lhe dado muito consolo,
particularmente quando lidas na versão de Thomas Carlyle.
“Mesmo os meus exemplos históricos não o impressionam
muito”, escreveu Goebbels em seu diário no dia 21 de março
de 1945.3 A história se tornou, portanto, mera extensão da
personalidade e do destino de Hitler.
Neste cor^exto o ato tomou o lugar da deliberação, a açãosubstituiu a ética. O programa do partido, os chamados Vinte
e Cinco Pontos, lançado em 1920 e mais tarde proclamado
imutável, era mais um ato declamatório do que uma declara
ção de princípios e metas. Tratava-se de um gesto propagan-
dístico e tático, e todas as subseqüentes declarações de imuta
bilidade foram atos do mesmo teor. O importante era o ato, a
declaração, o pronunciamento teatral, e não o conteúdo. O
mesmo se podia dizer dos discursos de Hitler. Também erammais atos do que discursos no sentido tradicional. Não é de
admirar que Hitler insistisse em afirmar que o NSDAP era
mais um “movimento” do que um partido. Partidos estavam
ligados a regras, plataformas e agendas. Ao contrário, a pró
pria essência do nacional-socialismo era um movimento perpé
tuo, vitalismo, revolta. O próprio Hitler personificava esta
imprecisão. Parecia congenitamente incapaz de uma rotina de
trabalho metódica. Era famoso por faltar a compromissos, portratar a papelada de modo desleixado e por trabalhar em horas
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inusitadas — ficando acordado até o amanhecer e dormindo
até tarde —, o que deixava esgotado seu círculo mais íntimo.
Também se atribuía esse estilo, como o cabelo rebelde caído
na testa, ao artista que havia nele.
A proposta nietzschiana de “viver perigosamente” tornou-
se o único mandamento do nazismo. Viver perigosamente significa, é claro, atrair conscientemente a objeção e a resistência,
transgredir normas sociais reconhecidas, rejeitar a moralidade
herdada. Viver perigosamente significa não aceitar nunca o
status quo; significa fazer constantemente o papel de adver
sário; significa exagerar, provocar. Significa conflito perma
nente. “O nazismo é”, disse Hitler, “uma doutrina do conflito”.
Nessa Weltanschauung, a piedade, a compaixão, o Sermão
da Montanha, tudo se torna relíquia. A piedade nada mais erado que sentimentalismo burguês, disse Goebbels, uma expres
são da desigualdade que a comunidade nazista estava elimi
nando. A literatura burguesa de desencanto pela guerra cha
furdava na compaixão. Se esse tipo de memória da guerra e
se a decadência burguesa em geral deviam ser superados, não
podia haver lugar para a piedade. Em sua fase fascista, Ezra
Pound também escarneceu da compaixão. E Yeats, ao orga
nizar a edição de The_ Qxford Book of Modern Verse, nãodemonstrou tolerância para com um sentimento tão ignóbil
como a piedade. Excluiu Wilfred Owen, que tinha dito de seus
versos: “A poesia está na compaixão.” Para Yeats, a verda
deira arte não podia se radicar num sentimento tão ignóbil
quanto a compaixão.
O . conceito titânico em ação aqui não é “um heroísmo
da vontade”, como se alegava, mas um “heroísmo do absurdo”,
um monumental egocentrismo que excluía compromisso, de bate, conciliação — qualquer reconhecimento, em suma, de
uma existência dialética de “Eu e Tu”, de um mundo objetivo
que estimula constantemente o desenvolvimento do caráter e
da personalidade através das reações que provoca. Agora es
tava-se num reino da ilusão que inventava o mundo exterior
à sua própria imagem. Se a tendência do modernismo, desde
suas raízes no romantismo, era “objetificar o subjetivo”, tra
duzir em símbolo a experiência subjetiva, o nazismo tomouesta tendência e transformou-a numa filosofia geral da vida
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e da sociedade. Para o colaboracionista francês Robert Bra-
sillach, o fascismo era poesia — "a poesia do século XX".4
Para Hitler, a vida era arte, o movimento hitlerista, um sím
bolo. No "dia de Potsdam”, a abertura oficial, magnificamente
encenada, da nova sessão dò Reichstag em 21 de março de
1933, quando Hitler, o cabo austríaco pequeno-burguês, apertou a mão de Hindenburg, o aristocrático marechal-de-campo
prussiano e presidente do Reich, sobre o túmulo de Frederico
o Grande, o novo chanceler atribuiu à arte a responsabilidade
de gerar o fenômeno redentor que era o nacional-socialismo.
Da arte surgia "o desejo de uma nova ascensão, de um novo
Reich e, portanto, de uma nova vida".5 O esforço alemão em
ambas as guerras, e a luta de seu próprio partido para ser
aceito, Hitler igualaria à "beleza".6 Ele se considerava a encarnação do tirano-artista que Nietzsche havia preconizado, o
executor da "ditadura do gênio" pela qual Wagner suspirara.
Ao tratar da política externa, vangloriou-se de ser "o maior
ator de toda a Europa”. Sua malignidade pode ter sido banal
no fim das contas, mas, não menos que Tosca, ele podia dizer
que viveu para a "arte”.
O MITO COMO REALIDADE
O fascismo, em sua forma alemã e em outros formatos, era
certamente uma realidade política, mas era uma realidade po
lítica que emanava de uma disposição de espírito. As consi
derações econômicas e sociais ajudaram naturalmente a criaresse estado de espírito, mas foi, em última análise, o vazio
existencial, e não interesses materiais específicos, que deter
minou a reação. O nazismo não foi apenas um sistema coer
citivo imposto ao povo por traficantes do poder, menos ainda
por industriais, financistas ou elites reacionárias. O terror e a
violência foram na verdade instrumentos políticos do sistema,
mas, apesar de sua eficácia em reprimir uma séria oposição
— pelo menos até julho de 1944, quando Hitler escapou porum triz de um atentado contra sua vida —, não foram fatores
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essenciais à aceitação do nazismo pela grande massa dos ale
mães. Em 1933 Goebbels tinha dito que havia duas maneiras
de tratar a "revolução”:
Pode-se atirar na oposição com metralhadoras até eles
reconhecerem a superioridade dos artilheiros. Este é ométodo mais simples. Mas pode-se também transformar
a nação por meio de uma revolução mental, vencendo
dessa forma os opositores sem aniquilá-los. Nós, nacional-
socialistas, adotamos o segundo método e pretendemos
continuar a empregá-lo.1
Os alemães não eram forçados a se tomar nazistas. Mas eram
atraídos pela força do movimento.A SS, a Gestapo e outros órgãos policiais e de segurança
na Alemanha, embora extremamente eficazes em eliminar e
destruir a oposição potencial, eram, para a maioria dos ale
mães, antes símbolos da vitalidade do regime do que instru
mentos práticos indispensáveis à sua segurança. Da mesma
forma, a guerra, quando finalmehte aconteceu, não foi o re
sultado de uma trama de mestre executada resolutamente por
um maquinador magistral, mas o produto inesperado — naquele momento particular — de um dinamismo irreprimível
que trazia consigo o confronto inevitável. Os alemães esta
vam convencidos de que a guerra em 1939 era uma questão
de sobrevivência, uma continuação fatal do conflito de 1914-
1918. Ou a Alemanha se afirmava, territorial e politicamente,
na Europa, ou seria destruída. Tais eram as alternativas apre
sentadas aos alemães não só por Hitler, mas, assim se pensava,
pelos britânicos, franceses e russos, entre outros; em suma, pelas realidades históricas e geopolíticas. Em conseqüência,
esta fase do conflito, que começou em setembro de 1939, foi
recebida com resignação estóica, em contraste com a exuberância de agosto de 1914; mas nunca houve dúvida quanto à
lealdade dos alemães. Lutaram na aguerra, com determinação,
convictos de que sua existência estava em jogo. Poder mun
dial ou extinção pareciam as únicas possibilidades.
Entretanto, se a violência e o terror não eram instrumentos indispensáveis de controle social no Terceiro Reich, eram
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ticidade, as especificidades do “programa” sempre foram su
bordinadas à noção do movimento como energia, do conflito
como liberação. Importava o confronto constante, uma pos
tura inflexível de adversário, não os detalhes dessa postura.
Assim o partido antes de 1933 e depois o governo do Ter
ceiro Reich foram palco de uma discórdia extraordinária, caracterizada por centenas de ciúmes mesquinhos, rivalidades, desen
tendimentos e uma caótica disputa de poder e influência.
Goebbels desprezava Goering; Goering odiava Hess; todos
eles abominavam Rosenberg; e assim seguia a voragem inter
minável de rancores e animosidades intestinas. Ao contrário
das impressões superficiais de unidade monolítica centrada no
Führer e de eficiência, se não magia, administrativa, o partido
e o Reich representavam uma “anarquia autoritária”.5O movimento revelava contradições notáveis entre as afir
mações programáticas e a prática política. O campesinato era
anunciado como o “princípio vivificante da nação”, mas o des-
povoamento das áreas rurais continuou e a Alemanha tornou-
se de fato mais urbanizada durante o Terceiro Reich. Apesar
das promessas de dar a cada alemão “uma pequena casa no
campo”, os planos de construção nazistas se concentraram
quase exclusivamente na arquitetura urbana monumental. Asmulheres deviam ficar em casa e dedicar-se a seu papel de
mães, mas, mesmo antes da deflagração da guerra em 1939,
havia mais mulheres na força de trabalho do que até então.
O pequeno empresário devia prosperar no Terceiro Reich, mas
na realidade os negócios e a indústria tornaram-se mais con
centrados. As contradições, como as animosidades, eram inu
meráveis.
Para um observador de fora, talvez a mais irônica dasafirmações nazistas tenha sido a tese sobre a raça. Que a
supremacia da raça ariana fosse proposta por seres como Hitler,
Goebbels, Goering e o resto era simplesmente ridículo. Tome-
se Hitler, com seus cabelos escuros, oíhos pequenos, testa es
treita, largas maçãs do rosto, gestos efeminados com as mãos,
o queixo sempre prestes a se dissolver num tremor irrefreável;
ou Goebbels, o “superanão” extraordinariamente feio, do pé
torto; ou Himmler, o criador de galinhas que usava monóculo,veterinário fracassado, que parecia uma caricatura das cari-
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caturas hollywoodianas dos nazistas; ou Goering, o bufão com
ar de tio indulgente; ou Ley, o bêbado cheio de varizes que
recebeu o apelido de “o beberrão do Reich”; ou Rosenberg,
de quem até os colegas não paravam de troçar, dizendo que
parecia judeu; ou Streicher, o bávaro imbecil, sádico e conhe
cedor de pornografia. O “higienista racial” Max von Gruberdeclarou em 1924 que a aparência de Hitler era certamente
não-nórdica, sugerindo antes a estirpe alpino-eslava.6 O resto
da hierarquia nazista era igualmente inconvincente como pro
paganda de pureza racial. Mas nenhuma dessas contradições
ou ironias parecia ter importância. A energia e a fé fanática
invocadas por Hitler anulavam todas elas.
A fé nazista não tinha outra direção ou definição real
além de sua vulgar afirmação do ego. Tal fé se voltava paraa “nação”, mas seu lugar era o indivíduo. Embora a eugenia
tivesse sido acrescentada aos currículos de escolas e univer
sidades, o tema não conseguia fugir a seus argumentos cir
culares. O arianismo resistia a uma definição e era pouco mais
do que um artigo de fé. A teoria nazista da raça superior,
com sua ênfase em protótipos fabulosamente belos, jovens e
donzelas perfeitos, não passava de uma estetismo banal. Uma
noção simples e estúpida de beleza era só o que havia nocerne do arianismo. O racismo tem relação com o narcisismo,
e havia uma semelhança extraordinária nos caminhos seguidos
por Maurice Barrès na França, Gabriele d’Annunzio na Itália
e Hitler. Eram todos egocêntricos míopes e frustrados que,
para tomar emprestada a terminologia de Barrès, pareciam
transitar de um culte du moi a uma preocupação com Vénérgie
nationale. De fato, a aparente passagem do estetismo para o
nacionalismo constituía apenas uma reordenação da terminologia, em vez de uma mudança de foco, uma transferência
egomaníaca das próprias ilusões do ego para a nação.
E os judeus? Nietzsche tinha observado que o anti-semi
tismo era a ideologia daqueles que se sentiam enganados. O
judeu era o bode expiatório mais conveniente e mais visível
que havia na cultura cristã ocidental para explicar os males
e fracassos da sociedade e dos indivíduos. O judeu tinha afi
nal matado Jesus Cristo; portanto, o judeu devia ser o Anti-cristo. Mas um ressentimento tão geral, predominante na so
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ciedade ocidental durante séculos, não explica as dimensões
da perversidade nazista para com os judeus e não pode co
meçar a explicar o Holocausto. Neste ponto, mais uma vez,
a noção de transferência é útil. Se um nacionalismo racial
consistia numa projeção da fantasia e ilusão pessoal no nível
nacional, o anti-semitismo era, de modo análogo, uma pro jeção do profundo ódio e dúvida de si mesmo sobre o judeu.
O modelo de Hitler, Karl Lueger, prefeito de Viena, disse
certa vez: “Eu decido quem é judeu.” O judeu, em outras
palavras, tornou-se uma função negativa do ego.
Para Hitler, o judeu acabou associado a todos os instintos'
obscuros de sua própria personalidade e sexualidade. O motivo
sexual em seu anti-semitismo, em seus discursos bombásticos
sobre os judeus, é inconfundível. Eles são os portadores dasífilis, os organizadores da prostituição, os morenos e peludos
poluidores da raça escondidos nas sombras, à espreita de ví
timas louras, virginais e de olhos azuis. Se Hitler tinha um ou
dois testículos, se de fato era um “ondinista” ou coprófilo
que sentia prazer sexual quando as mulheres urinavam ou
defecavam sobre ele, como alguns alegaram com base em
provas um tanto insuficientes, é em si mesmo incidental. Mas
não há dúvida alguma de que Hitler projetava seus própriosfracassos e culpa, sexuais ou de outra natureza, sobre os ju
deus. O “inimigo universal” representava o que ele mais odiava
em si mesmo.7
Em termos tanto pessoais como sociais Hitler foi um fra
casso. Nada nele era natural ou 'franco. Não tinha senso de
humor, vivia sempre desajeitado, sempre representando. Até
seu erotismo, disse Putzi Hanfstaengl, era “puramente operís-
tico, nunca operativo”.8 Tudo nele era artificial e sub-reptício.Era incapaz de amizade, amor ou até de um sorriso verda
deiro. A autenticidade que ele apregoava à nação lhe era com
pletamente estranha e atemorizadora. Se lhe provocavam o
riso, sempre punha a mão na frente do rosto. Tomava pílulas
para gases, pois ficava apavorado com a idéia de soltar tra
ques. Mudava a roupa de baixo três vezes ao dia. Tudo era
símbolo, substituição, abstração. No centro, nada havia, um
vazio total. Só um público podia dar significado a Hitler; ele próprio não tinha nenhum.
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Para a escuridão se tornar luz, o judeu, símbolo da escuridão, tinha de ser eliminado. Quando Walther Rathenau,ministro das Relações Exteriores judeu, foi assassinado em junho de 1922, os jovens responsáveis programaram o ato paracoincidir com o solstício de verão. O judeu, agente da escuri
dão, foi sacrificado ao deus solar germânico. Hitler pensavaem termos semelhantes. Que forma a “eliminação” ou “extir
pação” — Hitler empregava a palavra Entfernung — tomarianão estava definido durante os anos vinte e trinta e mesmono início da guerra. Reassentamento, em Madagáscar, numaregião da Polônia ou na Sibéria, e isolamento em guetos eram propostas discutidas. Mas quando, na segunda metade de 1941,depois que a Grã-Bretanha se recusou a capitular e depois
que o ataque alemão à Rússia foi detido, surgiu a possibilidade de o nazismo não alcançar seus objetivos no leste, o processo de transferência seguiu seu curso lógico. O que atéo fim de 1941 não passara de matança esporádica de judeusrussos e da Europa Oriental transformou-se em chacina sistematizada. Em Auschwitz os assassinatos em massa começaramem fevereiro de 1942. À medida que se acumulavam os fracassos militares, o ritmo do genocídio se acelerava. Quando
os exércitos russos avançaram sobre a Alemanha em 1944 eno início de 1945, o “problema judeu” teve precedência sobretudo o mais; para Hitler e seus sequazes tornou-se mais im
portante do que a preservação da Alemanha.
Em 14 de março de 1945 Goebbels anotou em seu diárioa “grotesca impressão” gerada pela notícia de que os judeus
palestinos tinham convocado uma greve de um dia em solidariedade aos judeus da Europa:
Os judeus estão fazendo um jogo sujo e irrefletido. Ninguém pode dizer com certeza que nações estarão do lado perdedor e quais as que estarão do lado vencedor no fimda guerra; mas não há dúvida de que os judeus serão os
perdedores.9
Dado o massacre generalizado de judeus europeus que ocorria
no exato momento em que Goebbels escrevia, a anotação étotalmente incompreensível a menos que se substitua “judeus”
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por "nazistas”. O judeu era o representante de tudo o que o
nazista se recusava a aceitar sobre si mesmo. Eram os nazistas
que estavam fazendo o “jogo sujo e irrefletido”, e em março
de 1945 já não podia haver “dúvida” de que seriam os na
zistas “os perdedores”. No final, o processo de inversão que
caracterizava o nazismo fez com que a luz se transformasseem escuridão. Na bandeira nazista, a suástica, símbolo solar,
era preta.
A maneira pela qual Hitler executou a “solução final”
foi monomaníaca mas eficiente. Havia uma gigantesca e im
pessoal burocracia da morte — a burocracia final — que tal
vez abrangesse uns oitenta mil “empregados”. Cada um tinha
uma tarefa determinada para cumprir, e poucos eram clara
mente informados do objetivo da tarefa, exceto em termosvagos e eufemísticos. Maquinistas de trem, encarregados da
manutenção das ferrovias, guardas dos campos e “cientistas”
faziam seu trabalho como teriam feito qualquer outro. Goebbels
anotava freqüentemente em seu diário que o sigilo era essen
cial para a eficiência. A tecnologia da destruição era desen-
voj^ida com entusiasmo. O envenenamento por gás, primeiro
em vagões móveis e depois nas câmaras de gás e nos crema
tórios dos campos, logo substituiu os fuzilamentos em massa.A obsessão com a eficiência no extermínio dos judeus foi o
clímax da preocupação geral do regime com a técnica. Este
era o outro lado da moeda da vida como mito. Enquanto
prosseguia a viagem interior, enquanto se acentuava a fan
tasia, havia uma correspondente intensificação da técnica.
Sem a ênfase na técnica, a ascensão de Hitler ao poder
é inconcebível. O zelo em realçar o apelo do ritual, a obsessão
da propaganda e o interesse pela tecnologia e pelas aplicações, em contraste com a substância, da ciência, tudo se en
caixava nessa rubrica do tecnicismo. A “amizade” que Hitler
tinha com Albert Speer baseava-se na fascinação dos dois
pelos instrumentos do poder. Speer criou os palácios de luz
impressionantemente eficazes para os comícios-monstros dé
Nuremberg, projetou vários dos edifícios monumentais do
Reich, fez planos para uma futura Berlim, e mais tarde, du
rante a guerra, tornou-se Ministro das Munições. Da mesmaforma, o relacionamento produtivo que Hitler teve com Leni
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Riefenstahl, a cineasta que, especialmente em O triunfo da
vontade, evocou a "beleza*.do nazismo, provinha de uma fas
cinação conjunta pela “arte” do controle social.
A propaganda não éra para Hitler apenas um mal neces
sário, uma questão de mentiras justificáveis, de exagero per-
missível. Para ele, a propaganda era uma arte. Mais uma vezfoi a experiência da guerra que o convenceu disso. O aparato
propagandístico do partido e mais tarde do regime era, por
isso, verdadeiramente impressionante, e mesmo aterrador. O
partido e sua propaganda se fundiram: tornaram-se indistinguí
veis. Essa espécie de fusão de técnica e substância foi também
a base do Führerprinzip, o princípio de chefia: o chefe e os
comandados passaram a ser uma coisa só. Não é de surpreen
der que, inicialmente no partido e depois no Terceiro Reich,os técnicos e os administradores passassem para o primeiro
plano. Sentiam-se muito atraídos pela idéia do nacional-socia
lismo, e o nazismo, por sua vez, se tornou em grande parte
um movimento de técnicos, de uma espécie ou de outra.
A fascinação nazista pela técnica afetou todos os aspectos
da organização social e da vida institucional no Terceiro Reich,
sobretudo o militar. Hitler considerava “degenerada” a ma
neira pela qual a Grande Guerra fora travada, com formaçõesem massa e ataques frontais diretos. Essa forma de guerrear
não voltaria a acontecer, ele prometia. A próxima guerra seria
bem diferente, o que foi sem dúvida alguma. Foi uma guerra
de movimento, de divisões mecanizadas, uma Blitzkrieg, pre
parada cuidadosamente de antemão.* Tanques e aviões foram
a chave dessa guerra, dirigida em grande parte pessoalmente
por Hitler devido a suspeitas firmemente inculcadas sobre a
falta de confiabilidade do alto comando.A importância das “comunicações” para o seu movimento
despertou a curiosidade de Hitler pela tecnologia de transporte
e informação, o que o levou a se associar aos avanços nessa
área. Era freqüentemente fotografado na sua Mercedes-Benz e
gostava da sensação de dirigir, quase sempre em alta veloci
dade, no meio de multidões. Nos monólogos que mantinha com
seus assessores discorria horas a fio sobre a arte de dirigir
um automóvel. Considerava a rede de estradas de rodagemque tinha construído na Alemanha uma de suas maiores reali
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zações e legados, dizendo que “os primórdios de toda civilização se expressam em termos de construção de rodovias”.A construção de rodovias, em contraposição a ferrovias, que
pertenciam ao século passado, seria uma primeira prioridadenuma Rússia conquistada. A este respeito, ele fez um comen
tário particularmente notável sobre as Autobahnen: “Mesmonas áreas mais densamente povoadas elas reproduzem a atmosfera dos descampados.”10 A tecnologia, é claro, era um meiode escapar dos confins da realidade, um modo de liberar aimaginação.
Por essa razão, voar também despertava sua curiosidade,ainda que seu estômago tolerasse menos a sensação do quesua mente. Um dos mais bem-sucedidos slogans nazistas foi
o da campanha da eleição presidencial de 1932: “Hitler so bre a Alemanha.” Baseava-se evidentemente no freqüente usodo avião no turbilhão de sua campanha naquela primavera.Voou cerca de quarenta e oito mil quilômetros e falou emaproximadamente duzentos comícios. Foi o primeiro político aempregar o avião de forma tão ampla.
O ar, como arena de combate, naturalmente também interessava a Hitler, assim como atraíra a atenção dos soldados
de infantaria da Grande Guerra, e a Luftwaffe tornou-se, de pois de spa. criação em 1935, em franca contravenção ao Tratado de Versalhes, um ramo favorecido das forças armadas.Hitler queria a maior força aérea do mundo e os melhores pilotos. Considerava a guerra aérea uma forma germânica decombate.11
Ouando demonstrou interesse em visitar a Alemanha,Charles Lindbergh foi recebido de braços abertos, em 1936
e novamente em 1937 e 1938, não só por causa dos benefícios propagandísticos que o regime lucraria com tais visitasmas devido a um respeito genuíno pelo ás da aviação. Emoutubro de 1938, por ocasião da terceira visita do aviador,Goering condecorou Lindbergh com a Cruz de Serviços daÁguia Alemã, “por ordem do Fíihrer”. A admiração era recí proca.. Em 1938 Lindbergh pensou seriamente em fixar residência em Berlim, e não há dúvida de que pelo menos parte
de suas razões para advogar a neutralidade americana depoisda deflagração da guerra provinha de uma simpatia pelo fas-
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detalhes: desfiles de alta precisão, florestas de bandeiras, discursos catequéticos cuidadosamente ensaiados. Por último, vinha Hitler. Seu discurso final era cronometrado para terminarquando a noite caísse. O comício-monstro se encerrava sob oencanto mágico da “catedral de gelo” de Speer: centenas de
holofotes apontando para o céu. Da grandiosidade do comícioa que assistiu, Nevile Henderson disse: “Passei seis anos emSão Petersburgo antes da guerra, nos bons tempos do antigo
balé russo, mas nunca vi um balé que se comparasse à belezagrandiosa desse espetáculo.”16 Não foi por acaso que foi levado a fazer essa comparação. Albert Speer, que planejavaos efeitos visuais dos comícios, interessava-se muito pelas teorias coreográficas de Mary Wigman.17 As idéias dela a respeito
de “coros de movimento” que deviam “conquistar o espaço”sofreram por sua vez a influência de Émile Jacques-Dalcroze,de quem já falamos antes, e de Rudolf von Laban, que setornou mestre de balé dos teatros estatais prussianos. Todasessas pessoas tinham trabalhado com os russos ou haviam sido por eles estimuladas.
Mas onde situar Hitler, o indivíduo, em relação ao fenômeno nazista como um todo? Deve-se dizer que o brilho diabó
lico de sua perversidade não tem paralelo, e que é na verdade impossível imaginar que o movimento teria sido o mesmosem sua marca carismática. Certamente ninguém, mais na hierarquia nazista exerceu influência que mesmo de longe se aproximasse da sua ou demonstrou possuir magnetismo que suportasse comparação com o seu. Mas dito isto, Hitler continua aser inegavelmente a criação do seu tempo, um produto maisda imaginação alemã do que, a rigor, das forças econômicas
e sociais. Nunca foi considerado, em primeiro lugar, como oagente potencial da recuperação econômica e social — esta foiuma interpretação post facto —, mas antes como um símbolode revolta e contra-afirmação por parte dos deserdados, dosfrustrados, dos humilhados, dos desempregados, dos ressentidos, dos raivosos. Hitler representava protesto. Era uma construção mental no meio da derrota e do fracasso, da inflaçãoe da depressão, do caos político interno e da humilhação inter
nacional. Diante de seu pódio de orador, como observou Joa-chim Fest, as massas realmente celebravam a si mesmas.18
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Hitler produzia milhões de pequenos clones na religiosidade
orgiástica de seu movimento. Apelava para a imagética do
homem comum. Ele, Hitler, como dizia freqüentemente em
seus discursos, era um “vagabundo solitário vindo do nada”.
Era o “soldado desconhecido”, o “guerreiro anônimo”, o “tra
balhador”, o “homem do povo”. Sua indumentária era sempreaustera. Seus discursos não tinham lugar para piadas ou frivo
lidades. E ele sabia da vantagem política de não se casar.
Uma dedicação sincera era o que pretendia sugerir e o que
evocava em seu público. E as multidões reagiam em êxtase,
testemunhas de uma visão sagrada. Mas, em tudo isso, a ne
cessidade e a imaginação da massa engendravam a realidade
de Hitler. E até hoje, com seus poderes evocativos, como sím
bolo do gênio do “mal”, ele continua a ser uma criação denossas imaginações. Ele é de fato, como afirmou o absorvente
filme de Syberberg no final dos anos setenta, o “nosso Hitler”.19
Ele é antítese. Supremo artista kitsch, encheu o abismo de sím
bolos de beleza. Transformou a vítima em herói, o inferno
em céu, a morte em transfiguração.
A ênfase do nazismo não incidia no passado, mas no
“irromper” no futuro — Aufbruch era uma das palavras pre
diletas do movimento, captando a idéia de erupção, a exu berante erupção de vida que surge com o despertar da pri
mavera. Falava-se da “erupção da nação”, da “erupção do
espírito”. Assim, como o tema dominante de Die Meistersinger
— segundo Hanfstaengl, a ópera favorita de Hitler — é o
despertar da vida e da arte que vem com a primavera, assim
era também o do nazismo.
“ES IST EIN FRÜHLING OHNE ENDE!”
-Gründe parte da comunidade intelectual e artística ficou enre
dada no drama do nazismo e do Terceiro Reich. Em seus pri
meiros tempos em Munique, o partido atraiu um número sig
nificativo de membros da comunidade artística de Schwabing.1Em 1931 os nazistas contavam com duas vezes mais apoio
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nas universidades do que no país em geral. Em 3 de março
de 1933, trezentos professores universitários se posicionaram
publicamente a favor de Hitler numa declaração de voto.2 Se
inúmeras pessoas de talento e renome abandonaram a Alema
nha depois de janeiro de 1933, assim agiram, na maioria dos
casos, porque eram judias ou porque temiam, por essa ouaquela razão, perder o seu meio de vida. Os que partiram
por razões morais, como manifestação de oposicionismo, cons
tituíam uma fração diminuta. Em relação aos que permanece
ram, os exilados foram uma pequena minoria.3
Para cada não-judeu de estatura internacional que partiu,
muitos foram os que continuaram na Alemanha, como Got-
tfried Benn, Richard Strauss, Gerhart Hauptmann, Emil Nolde
e Martin Heidegger. Vários destes, intrinsecamente cautelososcom um franco envolvimento político por causa das conotações
negativas da política, na verdade envolveram-se publicamente,
pelo menos a princípio, na excitação de 1933. “Tudo o que
leva à experiência é lícito”, Benn tinha escrito antes.4 Esta es
pécie de amoralidade e aventureirismo, de inspiração tão nietzs-
chiana, esteve em voga em 1933 e caracterizou a resposta inte
lectual ao nazismo. Para Rudolf Binding, o advento do Terceiro
Reich representava a realização de um “grande desejo”. “Estedesejo não é externo mas interno, e todo aquele que o exte
rioriza acaba profanando-o.”5 Como para Robert Brasillach, o
fascismo constituía para Binding uma construção poética. No
Terceiro Reich o poeta e o soldado se fundiam. Poucos dos
intelectuais eminentes se tornaram realmente membros do par
tido, sendo inegável que a organização da vida cultural foi
deixada a cargo de talentos de segunda classe. Mas as mentes
criativas sempre se esquivaram de envolvimentos com o mundano e a rotina; por isso a filiação partidária não deveria dar
a medida do apoio ou aceitação.
Fora da Alemanha, também, havia muito interesse e sim
patia entre os grupos artísticos e intelectuais pelo experimento
que se realizava na Europa central, assim como tinha havido
antes pelo advento do bolchevismo na Rússia e depois pelo
fascismo na Itália. Todos esses experimentos pareciam captar
a mística dos movimentos de vanguarda de uma época anterior: abraçar a vida, rebelar-se contra a esterilidade burguesa,
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odiar a sociedade respeitável e sobretudo revoltar-se — provocar uma radical revisão de todos os valores. O infortúnio tor-nava-se dádiva; a necessidade, salvação; o desânimo, exaltação;a fraqueza, força. Em abril de 1917 Paul Morand escutara MisiaSert, a admiradora e patrocinadora de Diaghilev, “falar entu
siasticamente da revolução russa, que lhe parece um enorme balé”.6 O amigo dela, Serge Lifar, um dos primeiros protegidos de Diaghilev, que devia se tornar diretor do Balé da Óperade Paris sob a ocupação alemã, se referia várias vezes em suasconversas a um encontro que tivera com Hitler: “Em toda aminha vida só dois homens me acariciaram assim”, dizia enquanto deslizava a mão pelo braço de seu interlocutor, “Diaghilev e Hitler!”7 O vitalismo, o heroísmo, o erotismo do pri
meiro bolchevismo e depois do fascismo produziram uma infusão muito forte para artistas e intelectuais. Nietzsche afirmaraque a única maneira de justificar o mundo era considerá-loum fenômeno estético, e Benn achava em 1933 que a Alemanhaestava prestes a compreender o significado dessa declaração.8Maurice Mandelbaum estava com W. H. Auden em Swarth-more entre 1942 e 1945. Numa conversa, certo dia, Auden perguntou em quem se podia confiar se o fascismo chegasse
à América. Os dois decidiram que seria melhor confiar emnão-acadêmicos do que em acadêmicos.9
É claro que havia um constante desgaste de apoio intelectual ao regime nazista. Jünger, Benn, Strauss, Heidegger,todos recuaram de seu primeiro entusiasmo. Muitos ficaramestarrecidos com o massacre da Noite das Longas Facas, em30 de junho de 1934, quando os líderes da SA foram assassinados para aplacar os mordomos do exército que viam uma
ameaça nos Camisas-Pardas e em suas ambições, e quando várias outras contas antigas foram acertadas com os assassinatosde Gregor Strasser, do general Kurt von Schleicher e sua mu-l h ^ Gustav von Kahr, Edgar Jung, Erich Klausener e, porum engano de identidade, o crítico musical Willi Schmidt. A progressão constante de medidas anti-semitas, culminando antesda guerra na Noite dos Cristais, em novembro de 1938, quandosinagogas e lojas judias foram destruídas e incendiadas, apa
vorou outros. Fora da Alemanha, ocorreu o mesmo processode distanciamento. Em 1934 James Joyce observou sarcasti-
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camente:' “Receio que o pobre Sr. Hitler terá em breve poucos
amigos na Europa, fora meus sobrinhos e os Mestres W. Lewis
e E. Pound.”10
Entretanto, a gradativa deserção foi ocasionada menos pelo
que o nazismo representava como fenômeno geral do que por
sua maneira de tratar a intelligentsia: a insolência dos quadrosdo partido para com os intelectuais, sua desconfiança e seus
sentimentos de inferioridade em relação a eles. O antigo e me
díocre expressionista que se transformou num nazista ardoroso,
Hanns Johst, chamava o intelectualismo de combinação da “arte
da persuasão e rabulice judia”.11 Speer relatou que Hitler se
sentia constrangido na presença de convidados ilustres. Por isso
preferia não convidá-los para audiências privadas ou mesmo
para as festas do partido. As pessoas que ele de fato convidavaeram mais frequentemente artistas ou estrelas do cinema do que
escritores ou pensadores. Muitos destes últimos se afastavam
em razão do que consideravam o estilo vulgar do regime, as
táticas agressivas e oportunistas da “SA espiritual”, os jovens
arrivistas que controlavam as academias e as instituições cul
turais do Reich.
As ambições de muitos intelectuais alemães de serem acla
mados como heróis nacionais foram assim aniquiladas. Musso-lini homenageou Marinetti e d'Annunzio, e o futurismo recebeu
um reconhecimento quase oficial como antepassado espiritual
do fascismo italiano. Muitos expressionistas alemães, entre eles
Benn, esperavam que algo semelhante acontecesse na Alema
nha. Não aconteceu. Em vez disso, o sarcasmo — “Quando
ouço a palavra cultura, levo a mão ao revólver” — tornou-se
tão popular que sua origem foi atribuída a praticamente todo
chefe nazista. Captava o ressentimento pequeno-burguês doregime contra os intelectuais e também expressava a recusa do
movimento a se deixar envolver com qualquer grupo social tra
dicional. A Kultur devia ser despojada de todas as suas impli
cações elitistas e receber um significado genuinamente populista.
A cultura era um assunto do povo, do Volk , não de intelectuais.
Nessa atmosfera os intelectuais começaram invariavelmente
a se afastar do partido, embora não necessariamente da suble
vação do país que ele simbolizava. A conseqüência foi ambi-güidade e ambivalência. O partido e seus líderes começaram
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a ser desprezados como vulgares. Seus objetivos, entretanto,
continuavam legítimos. O resultado não foi oposição, mas o que
os alemães vieram a chamar de “exílio interno” — afastamento
da vida pública. Mas quando veio a guerra em 1939 muitos
destes exilados retornaram para se alistar e lutar pela causa
nacional que Hitler, é claro, ainda comandava. O divórcio nãotinha sido completo.
A princípio é-se tentado a aceitar a designação do nazis
mo como "modernismo reacionário”,12 mas a implicação desse
rótulo é que o nazismo usou os instrumentos e a tecnologia da
modernidade numa tentativa de impor à Alemanha uma visão
do passado. Como argumentamos, isso seria interpretar erro
neamente, de fato inverter, o impulso central do movimento
no contexto de sua época. A Alemanha do pós-guerra herdouda era imperial, especialmente de suas últimas décadas, titna
ânsia agressiva de se expandir, de estabelecer seu predomínio,
pelo menos no continente da Europa, que ainda era conside
rada o centro do mundo. No período pré-1914 ela tinha encar
nado a rebelião contra a época burguesa anglo-francesa do
materialismo, industrialismo e imperialismo. Ao mesmo tempo,
era também filha dessa época: a personificação da juventude,
do rejuvenescimento e da eficiência técnica. Sua derrota naguerra correspondeu à morte de uma geração jovem, e suas
frustrações eram emblemáticas das frustrações dos sobreviven
tes confusos, neuróticos, rebeldes que em bandos e por toda
parte nos anos vinte apanharam a tocha da vanguarda do pré-
guerra e fizeram da rebelião contra o odiado burguês uma
questão não mais de indivíduos, nem mesmo de uma nação,
mas de toda uma geração. A Alemanha continuou a ser a prin
cipal representante nacional dessa revolta. A Grande Guerra foio momento psicológico decisivo para a Alemanha e para o mo
dernismo como um todo. O impulso de criar e o impulso de
destruir^írocaram de lugar. O impulso de destruir foi intensi
ficado; o impulso de criar tornou-se cada vez mais abstrato. No
final as abstrações se transformaram em insânia, e tudo o que
restou foi destruição, Götterdämmerung*
Crepúsculo dos deuses.
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“Sob os escombros de nossas cidades destroçadas”, escre
veu Joseph Goebbels em 1945, com uma embriaguez ofegante
que lembra as peças do teatro expressionista dos anos vinte e,
na verdade, seus próprios diários daquela década,
foram enterradas as últimas pretensas realizações do século XIX classe média. . . Junto com os monumentos da
cultura desmoronam também os últimos obstáculos ao
cumprimento de nossa tarefa revolucionária. Agora que
tudo está em ruínas, somos forçados a reconstruir a Eu
ropa. No passado, os bens particulares nos amarravam às
restrições burguesas. Agora as bombas, em vez de matar
todos os europeus, apenas despedaçaram as paredes das
prisões que os mantinham cativos. . . Ao tentar destruir
o futuro da Europa, o inimigo conseguiu destruir o seu
passado; e com isso, tudo o que era velho e gasto desa
pareceu.13
Estas afirmações destinavam-se ao consumo do público do rádio
e da imprensa. Em seu diário, o tom era mais sombrio, mas
a substância continuava a mesma. Em meados de março, ao
saber que um reide sobre Würzburg demolira o centro da cida
de, comentou:
Assim desapareceu a última bela cidade alemã ainda in
tacta. Dessa forma damos um adeus melancólico a um
passado que nunca retornará. Um mundo está vindo abai
xo, mas todos conservamos uma fé firme em que um novo
mundo surgirá de suas cinzas.14
Em meados de abril de 1945, quando o fim era iminente,Goebbels — que também apreciara o balé russo vinte anos
antes15— ainda pensava em termos de “arte”, um grandioso fil
me colorido que seria finalmente feito sobre o Crepúsculo dos
Deuses em Berlim.
Posso lhe assegurar que será um filme belo e glorificante
e em nome dessa perspectiva vale a pena resistir. Mantenha-
se firme agora para que daqui a cem anos o público nãovaie e assobie quando você aparecer na tela!16
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Estaria pensando na sessão do filme Sem novidade no front,
na Mozartsaal do Theater am Nollendorfplatz de Berlim, que
ele ajudara a interromper de forma tão rude em dezembro de
1930? Certamente pensava em seu próprio reflexo nesse espe
lho moderno da civilização, a tela de cinema. O pensamento
de que o Terceiro Reich sobreviveria nessa moderna forma dearte lhe proporcionava algum consolo. Junto com Hans Sachs,
poderia ter dito:
Mesmo que se dissolvesse
O Sacro Império Romano,
Ainda nos restaria
A sagrada arte alemã!
Em 1? de maio, Goebbels, o Mestre de Cerimônias Fúne
bres do Reich, como era freqüentemente chamado, cujo forte
sempre tinha sido o discurso fúnebre, envenenou seus seis filhos.
A seguir, depois de sua mulher Magda tomar também uma
dose fatal, matou-se com um tiro. Alguns dias antes, em 28 de
abril, confinada no bunker do Führer por causa das lutas nas
ruas, Magda redigira uma carta de despedida a Harald Quandt,
filho de seu primeiro casamento.
Nossa esplêndida concepção está se extinguindo e com ela
tudo o que de belo, admirável, nobre e bom conheci em
minha vida. Não vale a pena viver no mundo que virá
depois do Führer e do nacional-sociajismo; por isso trouxe
as crianças para cá também. São boas demais para a vida
que virá depois de nós. . . Harald, meu querido, eu lhe
dou o que de melhor a vida me ensinou: continue fiel —
fiel a você mesmo, fiel à humanidade, fiel a seu país, sobtodos os aspectos.17
O kitsch, a transposição de valores, a morte na vida, continuaram até o fim.
No mesmo dia em que Magda Goebbels escreveu a seu
filho, Hitler começou uma última série de gestos para o mundo
que o tinha criado. No final do dia 28 casou-se com sua amante
Eva Braun. O casamento não foi um ato de abdicação: nãomarcou o fim da pose. A inversão das normas continuava. O
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casamento destina-se a marcar um começo. Aqui assinalava o
fim. Na madrugada de 29, depois da cerimônia, Hitler redigiu
seu testamento. Continha as velhas invectivas contra os judeus
e a reiteração da necessidade de territórios no leste, mas umaf
passagem interessante sugeria seus pensamentos sobre a relação
entre a vida e a morte. “A morte”, dizia ele de si mesmo e desua nova esposa, “nos compensará pelo que meu trabalho a
serviço de meu povo roubou de nós dois.”18 Ao que parece,
a morte devia ser considerada uma recompensa, uma “compen
sação” pelo sacrifício. A morte era a antítese do trabalho. A
morte era a suprema manifestação da vida. No bunker o dia e a noite se fundiam. Na madrugada do
dia 30 Hitler convocou o pessoal que servia no abrigo subter
râneo para a despedida final. Havia secretárias, ordenanças, oficiais — uns vinte homens e mulheres. Houve uma série de
apertos de mão. Hitler estava calado ; Depois retirou-se. Todos
sabiam que o Führer planejava se matar.
Foi então que ocorreu um estranho happening. Na cantina
da chancelaria, cujo ruído se podia ouvir no bunker do Führer,
iniciou-se uma dança. Soldados, secretárias, ordenanças, cria
dos e outros moradores do bunker começaram a se divertir.
Um general deu uma palmada nas costas de um alfaiate. Con
versaram. As distinções hierárquicas desapareceram. O baru
lho chegou aos alojamentos do Führer, e veio um recado para
moderar a agitação. Mas a dança continuou.19
Doze horas depois o cerco do Exército Vermelho se es
treitara. Os russos haviam tomado o Tiergarten. Já ocupavam
os túneis da ferrovia na Friedrichstrasse. Tinham alcançado a
ponte Weidendammer sobre o Spree. Da suíte subterrânea do
Führer ouviu-se um único tiro. Anos antes Karl Kraus havia
escrito: “Quando penso em Hitler, nada me vem à mente.”Uma canção popular alemã de 1945 intitulava-se: “Es ist
ein Frühling ohne Ende!”*
* É uma primavera sem fim.
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AGRADECIMENTOS
Um livro que, como este, levou tanto tempo para ser escrito pertence a muitas pessoas além de seu autor, quer elas desejemcrédito por isso ou não. É um prazer agradecer a ajuda.
O Conselho de Pesquisa de Ciências Sociais e Humanidadesdo Canadá assegurou recursos, sob a forma de uma licença remunerada e subsídios à pesquisa, para que o trabalho na Europa, em várias etapas, pudesse ser realizado. Sem este generoso apoio não poderia ter escrito o livro. Minha sede acadêmica, o Campus Scarborough da Universidade de Toronto, meincentivou de várias maneiras.
Aos arquivistas, bibliotecários e funcionários das instituições listadas na nota sobre as fontes devo agradecimentos. Entretanto, é preciso mencionar algumas pessoas que interromperam sua rotina para ajudar: Clive Hughes, Philip Reed e PeterThwaites no Imperial War Museum, esse extraordinário repositório de documentos da Grande Guerra; Général Deltnas noService historique de 1’armée de terre em Vincennes; M. Du- chêne-Marullaz, um pesquisador solitário que me deu orienta
ções valiosas; Hans-Heinrich Fleischer, dos arquivos militaresda Alemanha Ocidental em Freiburg; Gerhard Heyl, da seçãomilitar dos arquivos públicos da Baviera em Munique; e Par-menia Migel Ekstrom, da Fundação Stravinsky-Diaghilev de Nova York.
James Joll, George Mosse e Fritz Stern auxiliaram nãosó com seu exemplo mas também com encorajamentos. RobertSpencer, John Cairns e Martin Broszat estimularam meus es
forços com um sorriso benévolo, talvez rindo também da minhalabuta.
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Para Martin Landy e Ruth Caleb, Nigel Thorpe e Susan
Bamforth, Michael e Colette Llewellyn Smith, Russell e Lulu
Hone, Suzanne Weinberg e François Bursaux, Susan Meisner
e Thomas Brown, Volker Klein e Ernst-Giinther Koch, para
todos estes amigos eu me inclino, agradecendo importantes fa
vores. Diante de John e Valerie Bynner, entretanto, eu me prosterno. A bondade dos dois foi excepcional.
Dos meus colegas destaco William Dick, que leu ps origi
nais com seu olho crítico, Thomas Saunders, que pesquisou
algum material, e Paul Gooch, Wayne Dowler e Paul Thomp
son, que ofereceram suporte administrativo a meus esforços.
David Harford ajudou nas ilustrações e Lois Pickup em várias
tarefas vitais.
Material de propriedade da Coroa, tanto no Imperial WarMuseum como no Public Record Office, é reproduzido com a
permissão do Superintendente do Stationery Office de Sua Ma
jestade. Pela permissão de citar trechos de vários documentos
particulares, agradeço a L. W. Galer, B. C. Gregson, Paul P. H.
Jones, R. McGregor, N. J. Mountfort, Sybil OT)onoghue, W. E.
Quinton, F. H. T. Tatham e A. Walker. Os editores de The
Journal of Contemporary History e The Canadian Journal of
History tiveram a bondade de permitir que eu usasse neste livrosegmentos de artigos que apareceram pela primeira vez nas
páginas de suas publicações.
Por sua confiança no futuro deste livro agradeço a Malcolm
Lester. Mas devo ao bom senso de Beverley Slopen, meu agente,
que este afortunado original tenha chegado finalmente às mãos
de Peter Davison, poeta e confrade, para receber os cuidados
de seu zelo e tato, e depois às de Frances Apt, preparadora de
originais sans^pareil.
No curso de nossos trabalhos comuns, minha mulher, Jayne,
várias vezes me lembrou os sentimentos do “IP de Rudyard
Kipling. Para ela cito agora as palavras de James Joyce, em
1921, endereçadas a Harriet Shaw Weaver: “Sou muito grato
por sua lealdade incessante para com meu ego difícil e minhainterminável composição.”
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M. E.Toronto e Maussane-les-Alpilles
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NOTAS
PRÓLOGO: VENEZA
1. Esta c outras citações da novela são tiradas da tradução de Death
in Venice
feita por H. T. Lowe-Poter (Nova York, 1954).2. Misia Sert, Misia (Paris, 1952), 229-30.
3. Heinrich Mann, “Der Tod in Venedig”, März , 7/13 (1913), 478.
4. Thomas Mann, ‘‘Lebensabriss” (1930), Gesammelte Werke, 14 vols.
(Frankfurt am Main, 1960-1974), XI: 123-24; Karl Ipser, Venedig
und die Deutschen (Munique, 1976), 90-91; e Peter de Mendelssohn,
Der Zauberer (Frankfurt am Main, 1975), 869-73.
5. In Carl Schorske, Fin-de-siècle Vienna (Nova York, 1980); 164; e J.
E. Chamberlin, “From High Decadence to High Modernism”,
Queers Quarterly, 87 (1980), 592,
6. John Hellmann, Fables of Fact: The New Journalism as New Fiction { Urbana, 111., 1981).
7. John Ruskin, The Stones of Venice, in The Complete Works, 13
vols. (Nova York, s .d .) , VII: 15.
8. In Ipser, Venedig, 93.
PRIMEIRO ATO
I — PARIS
VISÃO
1. Vera Stravinsky e Robert Craft, Stravinsky (Nova York, 1978), 75.
29 DE MAIO DE 1913
1. Le Figaro, 17 de maio de 1913.
2. Gabriel Astruc, Le Pavillon des fantômes (Paris, 1929), 286-87.
3. Jean Cocteau, Oeuvres complètes. 11 vols. (Genebra, 1946-1951), IX:43-49.
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4. Carl Van Vechten (ed.), Selected Writings of Gertrude Stein (Nova York, 1946), 113.
5. Le Figaro , 31 de maio de 1913.6. Para Cocteau, ver n. 3 acima; para Stravinsky, seu Conversations
(Londres, 1959), 46.7. Grifo meu. Citado in Richard Buckle, Nijinsky (Harmondsworth,
1980), 357.8. Carl van Vechten, Music and Bad Manners (Nova York, 1916), 34.9. Bronislava Nijinska, Early Memoirs (Nova York, 1981), 470.
10. Grifo meu. Carl Van Vechten, Music After the Great War (Nova York, 1915), 88.
11. In Nigel Gosling, Paris 1900-1914 (Londres, 1978), 217. Também
John Malcolm Brinnin, The Third Rose: Gertrude Stein and Her World (Londres, 1960), 190-91.
LE THÉÂTRE DES CHAMPS-ÉLYSÉES
1. J. M. Richards, por exemplo, em sua edição de Who's Who in Architecture (Nova York, 1977), 252.
2. In Nikolaus Pevsner, Pioneers of Modern Design (Harmondsworth, 1970), 181.
3. In Peter Collins, Concrete, the Vision of a New Architecture (Londres, 1959), 153.
4. In Daniel Bell, The Cultural Contradictions of Capitalism (Nova York, 1976), 110-11.
5. In Pierre Lavedan, French Architecture (Harmondsworth, 1956),
227; Collins, Concrete, 191.6. Astruc, Le Pavilion, 240-59.7. A pronúncia de seu nome era Greffeuille, como Jacques-Émile
Blanche nos informa em La Pêche aux souvenirs (Paris, 1949), 202. Albert Flament, Le Bal du Pré Catlaan (Paris, 1946), 258; George D. Painter: Proust; The Early Years (Boston, 1959), 115.
8. Austruc, Le Pavillon, 282.9. Ibid., 283-84; Blanche, “Un Bilan”, Revue de Paris, t.6 (15 de
novembro de 1913), 283-84.
DIAGHILEV^E-eS BALLETS RUSSES 1. In Arnold Haskell, Diaghileff (Londres, 1935), 87.2. Romola Nijinsky, Nijinsky (Nova York, 1934), 49. O Diaghilev
de Richard Buckle (Nova York, 1979) contém um tesouro de detalhes biográficos.
3. John E. Bowlt, The Silver Age: Russian Art of the Early Twentieth
Century and the “World of Art " Group (Newtonville, Mass., 1979), 166-67.
4. Misia Sert, Misia, 151.
5. In Janet Kennedy, The “Mir iskusstva" Group and Russian Art, 1898-1912 (Nova York, 1977), 343.
422
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6. In Robert Craft, “Stravinsky’s Russian Letters”, New York Review
of Books , 21 de fevereiro de 1974, 17.7. Buckle, Nijinsky, 92.
8. Tamara Karsavina, Theatre Street (Londres, 1981), 236.9. Marcel Proust, À la recherche du temps perdu, 3 vols. (Paris, 1954).
Ill: 236-37.
10. Carta de 4 de março de 1911, Marcel Proust, Correspondance,
org. Philippe Kolb, 15 vols. (Paris, 1970-1987), X:258.
11. Harold Acton, Memoirs of an Aesthete
(Londres, 1948), 113.
12. In Edward Marsh, Rupert Brooke (Toronto, 1918), 75.13. Le Figaro, 31 de maio de 1912.
14. Na anotação, em seu diário, de 17 de março de 1914; Charles Ricketts, Self-Portrait, org. Cecil Lewis (Londres, 1939), 189.
15. In Cyril W. Beaumont, Michel Fokine and His Ballets (Londres,
1935), 23-24.16. In Buckle, Nijinsky, 346.
17. E. G. V. Knox, “Jeux d’Esprit at Drury Lane”, Punch,
145 (16 de
julho de 1913), 70.
18. In Vera Krasovskaya, Nijinsky, trad, de John E. Bowlt (Nova
York, 1979), 91.19. In Revue de Paris, t. 6, 525.
20. “Serge de Diaghilew”, Revue musicale, XI/110 (dezembro de
1930), 21.21. In Bowlt, Silver Age, 169-70.
REBELIÃO
1. Ludwig Feuerbach, The Essence of Christianity,
trad, de George
Eliot (Nova York, 1957), 185.
2. O verso de Wedekind se encontra em seu Marquis of Keith, e
Eastman é citado in John P. Diggins, Up From Communism (Nova
York, 1975), 5.
3. In Leon Edel, Blommsbury (Philadelphia, 1979), 149.4. Ver a troca de cartas entre Gide e Paul Claudel, 2 e 7 de março
de 1914, em sua Correspondance î 899-1926, org. Robert Mallet (Paris, 1949), 217-22.
5. Igor Stravinsky, Memories and Commentaries
(Nova York, 1960),
40.6. The Diary of Vaslav Nijinsky, org. Romola Nijinsky (Londres,
1937), 154.
7. Cocteau, Oeuvres complètes, IX:42.8. Principe Peter Lieven, The Birth of the Ballets-Russes, trad, de
L. Zarine (Londres, 1936)-, 126-7.
9. In Charles Spencer et al., The World of Serge Diaghilev (Chicago,
1974), 51.10. Stravinsky, Memories, 38.
11. In Michael Holroyd, Lytton Strachey, 2
vols. (Nova York, 1968),
11:95.12. Pierre Lalo in Le Temps, 5 de junho de 1913.
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13. “The Old Ballet and the New: M. Nijinsky’s Revolution”, Times
(Londres), 5 de julho de 1913, lid. Este artigo e a crítica de Jean
Marnold em Mercure de France, CV (l.° de outubro de 1913), 623-30,
ainda estão entre as melhores análises das realizações de Nijinsky
que possuímos.
14. Stanley J. Fay, “All the Latest Dances”, Punch, 141 (l.° de novem
bro de 1911), 311.
CONFRONTO E LIBERAÇÃO
1. Stravinsky, Memories, 29; Vera Stravinsky, Stravinsky, 76-105.
2. In Craft, New York Review, 21 de fevereiro de 1974, 19.
3. Ibid.4. Hugo von Hofmannsthal e Richard Strauss, The Correspondence,
org. e trad, de Hanns Hammelmann e Ewald Osers (Londres, 1961),
150.
5. In Robert Craft, “Le Sacre and Pierre Monteux”, New York Review of Books, 3 de abril de 1975, 33.
6. In Craft, New York Review, 21 de fevereiro de 1974, 17.
7. Ibid. A referência a la sale musique numa carta de Monteux a M.
Fichefet, 28 de outubro de 1911, pode ser encontrada nos Astruc
Papers, arquivo 61, p. 7, Dance Collection, New York Public Li
brary.
8. In Craft, New York Review, 21 de fevereiro de 1974, 18.9. New York Times, 23 de janeiro de 1916.
10. Buckle, Diaghilev, 88; Haskell, Diaghileff, 150.11. In Bowlt, Silver Age,
202.
12. D. H. Lawrence, The Rainbow (Harmondsworth, 1977), 184.
O PÚBLICO
1. William L. Shirer, 20th Century Journey (Nova York, 1976), 216.
2. Harold Rosenberg, The Tradition of the New (Nova York, 1959),
209.
3. In Agathon, Les Jeunes Gens d'aujourd'hui (12. ed., Paris, s.d.
[1919]), 4-5.------
-4. Oliver Wendell Holmes, One Hundred Days in Europe (1891), in
The Writings of Oliver Wendell Holmes, 14 vols. (Boston), 1899-
1900), X:177.
5. Jack Kerouac, Satori in Paris (Nova York, 1966), 8.6. Georges Clemenceau, Dans les champs du pouvoir (Paris, 1913), 82.7. Le Crapouillet, outubro de 1931, 14.
8. Arthur Rubinstein, My Young Years (Toronto, 1973), 132.9. In George P. Gooch, Franco-German Relations, 1871-1914 (Lon
dres, 1928), 26.
10. Alexandre Benois, “Lettres artistiques: les représentations ruçses
à Paris”, texto datilografado nos Astruc Papers, 30, 11-14, com a
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legenda “Journal de St. Pétersbourg” e a data de 2 de julho de
1909.
11. Samuel Rocheblave, Le Goût en France (Paris, 1914), 323-28.
12. Jean Cocteau, Professional Secrets, org. Robert Phelps, trad. R. Howard (Nova York, 1970), 70-71.
13. Blanche, Revue de Paris, t. 6, 279.
14. Ibid., 276-77.
O ESCÂNDALO COMO SUCESSO
1. O estudo de Jacques Rivière, “Le Sacre du printemps”, Nouvelle
Revue Française, X (novembro de 1913), 706-30, talvez seja ainda
a apreciação mais perspicaz que temos da obra. Pode-se encontrá-
lo em inglês in Jacques Rivière, The Ideal Reader, trad. Blanche A. Prince (Nova York, 1960), 125-47.
2. In Arthur Gold e Robert Fizdale, Misia: The Life of Misia Sert
(Nova York, 1980), 151.3. Truman C. Bullard reproduz a maioria das críticas francesas em
sua tese, apoiada em notável pesquisa, “The First Performance
of Igor Stravinsky’s ‘Sacre du Printemps’ ”, 3 vols., Eastman School
of Music, Universidade de Rochester, 1971.
4. Le Figaro, 31 de maio de 1913.5. In Buckle, Nijinsky, 361.
6. Louis Laloy ibid.7. Marie Rambert, Quicksilver (Londres, 1972), 61.
8. Maurice Dupont, “Les Ballets russes: l’orgie du rythme et de la
couleur”, Revue Bleue, 52a., II (11 de julho de 1914), 53-56.9. Charles Nordmann, “La Mort de l’univers”, Revue des deux mon
des, t. 16 (l.° de julho de 1913), 205-16.
II — BERLIM
VER SACRUM
1. The Diaries of Franz Kafka, 1910-1923, org. Max Brod, trad. M. Greenberg (Harmondsworth, 1965), 145.
2. In Georg Kotowski et al. (org.), Das wilhelminische Deutschland
(Munique, 1965), 145.3. Vossische Zeitung, 374, 26 de julho de 1914.
4. Nota de 27 de julho de 1914, Kurt Riezler, Tagebücher, Aufsätze,
Dokumente, org. K. D. Erdmann (Göttingen, 1972).5. The Letters of Charles Sorley (Cambridge, 1919), 211-12.
6. In Fritz Klein et al., Deutschland im ersten Weltkrieg, 3 vols.
(Berlim [Oriental], 1968-1970), 1:262-63.
7. Frankfurter Zeitung, 211, l.° de agosto de 1914.8. In Martin Hürlimann, Berlin (Zurique, 1981), 193.
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9. Frankfurter Zeitung, 212, 2 de agosto de 1914.
10. In Frankfurter Zeitung, 213, 3 de agosto de 1914.
11. In Dieter Groh, Negative Integration und revolutionärer Attentismus
(Frankfurt am Main, 1973), 675.
12. Nota do diário, 15 de agosto de 1914, Tagebücher. Também Kon
rad H. Jarausch, The Enigmatic Chancellor (New Haven, Conn.:
1973), 177.13. Thomas Mann em seu prefácio de 1924 a Der Zauberberg.
Cf.
The Magic Mountain, trad. H. T. Lowe-Porter (Nova York, 1969),
ix. Friedrich Meinecke, Strassburg-Freiburg-Berlin, 1901-1919 (Stutt
gart, 1949), 137-38.
ABERTURA
1. In Norbert Elias, The Civilizing Process, trad. E. Jephcott (Nova
York, 1978), 11-12.
2. Friedrich Schiller e J. W. von Goethe, “Das Deutsche Reich”,
Xenien, in Schiller, Gesamtausgabe, 20 vols. (Munique, 1965-1966),
11:30.
TÉCNICA
1. In Gordon A. Craig, The Germans (Nova York, 1982), 27.
2. David Landes, The Unbound Prometheus (Cambridge, 1969), 342.
3. In Paul M. Kennedy, The Rise of the Anglo-German Antagonism,
1860-1914
(Londres, 1980), 110.4. In Klaus Dockhorn, Der deutsche Historismus in England (Göttin
gen, 1950), 217.
5. Landes, Prometheus, 354.
6. In Kennedy, Rise, 71.
7. In Fritz Fischer, Krieg der Illusionen (Düsseldorf, 1969), 154-55.
A CAPITAL
1. In Rolf H. Foerster, Die Rolle Berlins im europäischen Geistesleben
(Berlim, 1968), 115.2. Moritz J. Bonn, Wandering Scholar
(Londres, 1949), 44-45.
3. Friedrich Sieburg, Gott in Frankreich? (Frankfurt am Main, 1931),
120.
KULTUR
1. In Richard Ellmann, James Joyce (Nova York, 1959), 116.
2. In Geoffrey G. Field, Evangelist of Race
(Nova York, 1981), 43.
3. In ibid., 216.
4. Friedrich Nietzsche, Twilight of the Idols,
trad. R. J. Hollindale
(Harmondsworth, 1968), 23.
426
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CULTURA E REVOLTA
1. Katherine Anthony, Feminism in Germany and Scandinavia (Nova
York. 1915). 169-204.
2. In William Rubin (org.), Pablo Picasso: A Retrospective (Nova
York, 1980), 18.
3. In Samuel Hynes, The Edwardian Turn of Mind
(Princeton, 1968),
334.4. In Marshall Berman, All That Is Solid.Melts into Air
(Nova York,
1982), 239.
5. Pevsner, Pioneers , 32. Também Joan Campbell, The German Werk
bund (Princeton, 1978).
6. In Buckle, Nijinsky , 316.
7. Emil Nolde, Das eigene Leben (Flensburg, 1949), 238.
8. In John Russell, The Meanings of Modern Art (Nova York, 1981),
83.
9. In James D. Steakley, The Homosexual Emancipation Movement in Germany (Nova York, 1975), 49.
10. Ibid., 24-27.
11. Marc a Macke, 14 de janeiro de 1911, August Macke e Franz Marc,
Briefwechsel (Colônia, 1964), 40.
12. Emil Nolde, Briefe aus den fahren 1894-1926,
org. Max Sauerlandt
(Hamburgo, 1967), 99.
13. George Santayana, “English Liberty in America”, Character and Opinion,
in The Works of George Santayana,
14 vols. (Nova York,
1936-1937), VIII:120.
14. George Santayana, “Egotism in German Philosophy”, in ibid., VI:
152.15. In New York Times,
5 de agosto de 1914, citado in Barbara Tuch-
man, The Guns of August (Nova York, 1962), 312.
16. Carta a Maximilian Steinberg, in Craft, New York Review , 21 de
fevereiro de 1974, 18.17. Walther Rathenau, “Der Kaiser”, in Gesammelte Schriften, 6 vols.
(Berlim, 1925-1929), VI:301.
18. Bertrand Russell, Freedom Versus Organization, 1814-1914 (Nova
York, 1962), 430.
19. Principe Bernhard von Bülow, Memoirs, 1849-1897 , trad. G. Dunlop
e F. A. Voigt (Londres, 1932), 637.
20. “Spectator”, Prince Bülow and the Kaiser, trad. O. Williams (Lon
dres, s.d.), 71; e Isabel V. Hull, The Entourage of Kaiser Wilhelm
II, 1888-1918 (Cambridge, 1982), 69-70.
21. Viktoria Luise, Princesa da Prússia, The Kaiser's Daughter,
trad.
R. Vacha (Londres, 1977), 76.
22. Julius Meier-Graefe, Wohin treiben wir? (Berlim, 1913); Theodor
Fontane, numa carta de 5 de abril de 1897, Briefe an Georg Fried-
laender, org. Kurt Schreinert (Heidelberg, 1954), 309.
23. Diário, 29 de maio de 1888, in Helmuth von Moltke (Stuttgart, 1922), 139.
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A GUERRA COMO CULTURA
1. Friedrich von Bernhardi, Germany and the Next War , trad. Allen
H. Powles (Nova York, 1914), 18.
2. In Wolfgang Rothe, Schrif steiler und totalitäre Welt (Berna, 1966),
19.
3. Theodor Heuss, “Der Weltkrieg”, März, 8/3 (5 de agosto de 1914), 221-25.
4. Conrad Haussmann, “Europas Krieg”, März, 8/3 (22 de agosto
de 1914), 250.
5. Friedrich Meinecke, Die deutsche Erhebung von 1914 (Stuttgart,
1914), 29.
6. In Groh, Integration, 704.
7. In Konrad Haenisch, Die deutsche Sozialdemokratie in und nach
dem Weltkriege (Berlim, 1919), 20-26.
8. Eduard David, nota de diário, 4 de agosto de 1914, Das Kriegstage
buch des Reichstagsabgeordneten Eduard David 1914 bis 1918, org. Susanne Miller (Düsseldorf, 1966), 12.
9. Ludwig Thoma, “Stimmungen”, März, 8/3 (5 de setembro de 1914),
296-99.
10. Magnus Hirschfeld, Warum hassen uns die Völker? (Bonn, 1915),
II, 18, 33.
11. “Burschen heraus!” Vossische Zeitung, 391, 4 de agosto de 1914.
12. Carl Zuckmayer, Als wär’s ein Stück von mir (Frankfurt am Main,
1969), 168; Schauwecker e Hirschfeld in Eric J. Leed, No Man's
Land (Cambridge, 1979), 21, 46-47.
13. Emil Ludwig, “Der moralische Gewinn”, Berliner Tageblatt, 392,
5 de agosto de 1914; e Emil Ludwig, Juli 1914 (Hamburgo, 1961),
7-8, e cap. 13.
14. Ernst Glaeser, Jahrgang 1902 (Berlim, 1929), 191-95.
15. Numa carta de 18 de novembro de 1914, in Philipp Witkop (org.),
Kriegsbriefe deutscher Studenten (Gotha, 1916), 25.
16. In Erich Kahler, The Germans (Princeton, 1974), 272.
17. Numa carta de 26 de dezembro de 1914, in Ralph Freedman, Her
mann Hesse: Pilgrim^of Crisis (Nova York, 1978), 168.
18. Nota de diário, 17 de sfctembro de 1914, in Guy Chapman, Vain
Glory (Londres, 1937), 107.
Ill — NOS CAMPOS DE FLANDRES
UM RECANTO DE UM CAMPO ESTRANGEIRO
1. “An Armistice”, Western Times (Exeter), l.° de janeiro de 1915, 3a.
2. “Leicestershire and the War”. Leicester Mail, 6 de janeiro de 1915, 5c.
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12. Carta* de 19 de dezembro de 1914, in Christopher Isherwood,
Kathleen and Frank (Londres, 1971), 308.
13. Nota de diário, 23 de dezembro de 1914, P. H. Jones, IWM.14. Carl Groos (org.), Infanterie-Regiment Herwarth von Bittenfeld
(/. Westfälisches) Nr. 13 im Weltkriege '1914-18 (Oldenburg, 1927),
70. Também Solleder (org.), R.I.R. 16, 93; e diário, Ist Royal Irish
Füsiliers, W095/1482, PRO.15. Gustav Riebensahm, Infanterie-Regiment Prinz Friedrich der Niederlande (2. Westfälisches) Nr. 15 im Weltkriege 1914-18 (Mindeni. W., 1931), 94.
16. Diário, 6.a Divisão, 17 de janeiro de 1915 W 095/158]. Também, carta do soldado H. Hodgetts, 2nd Worcestershires, impressa no
Morning Post, de 24 de dezembro de 1914, 4.a Diário, 2.° Exército,
22 de janeiro de 1915, W 095/268. O material francês está repleto
de casos semelhantes: Note de service, 4.° CA, 29 de dezembro
de 1914, 22N556; relatório do 68.° Regimento de Infantaria, 24
de dezembro de 1914, 22N557; e despacho do Chef d’État-Major Louis, 30 de dezembro de 1914, 22N1134, SHAT.
17. Ordem do Comandante, II Corps, aos Comandantes de Divisão, 4
de dezembro de 1914, W095/268, PRO.18. Sorley, Letters,
283.19. The Scotsmah (Èdimburgo), onde a carta foi publicada em 2 de
janeiro de 1915 9e, lhe deu o título de: SOLDADOS ALEMÃES
QUEREM PAZ. Eis um exemplo básico de como a frente interna
podia interpretar mal os fatos é tirar conclusões precipitadas e totalmente injustificadas sobre a realidade nas linhas de combate.
20. Sólleder (org.), 16 R.I.R.,
88.21. Diário, 12:a Brigada, 10 de dezembro de 1914, WO95/1501, PRO.22. Diário, 4.a Divisão, l.° de dezembro de 1914, WO95/1440, PRO.23. Ibid.24. A ordem, datada de 28 de novembro de 1914, pode ser encontrada
nos arquivos da 6.a Divisão de Reserva Bávara, Bd. 5, Bayerisches
Kriegsarchiv (daqui em diante referido como BKA).25. O modo como se pensava realizar esta manobra é esclarecido numa
reprodução em The IllusiMted London News, de 6 de janeiro de
1915, 37.
26. Diário, l l . a Brigada, W095/1486, PRO.27. Diário, 15/ Brigada, 23 de dezembro de 1914, W095/1566, PRO.28. S. R. de Belfort, 10 de janeiro de 1915, 18N302, SHAT.29. Nota de diário, 24-26 de dezembro de 1914, Albert Sommer Tage
buchaufzeichnungen, MSg 1/900, BAM.
PAZ NA TERRA
1. Nota de diário, 27 de dezembro de 1914, P. H. Jones, IWM.
2. Curt Wunderlich, Fünfzig Monate Wehr im Western: Geschichte
des Reserve-Infanterie-Regiments Nr. 66
(Eisleben, 1939), 280-81.
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3. Guilherme, Príncipe Herdeiro da Alemanha, My War Experiences (Londres, s.d.), 122-23.
4. Carta de 26 de dezembro de 19Í4, BÀM.5. Diário, 1st Somerset Light In fa n ts W095/1499; as cartas de Ja
mes M’CormSackT em The Scotsman , de 9 de janeiro de 1915, 12d, e de J. Dalling em The Western Times, de 11 de janeiro de 1915, 3g.
6. “Letters from the Trenches”, Daily Mail, 4 de janeiro de 1915, 9cd.7. Diário, 2nd Scots Guards, 25 de dezembro de 1914, W095/1657; carta no Daily Mail, de l.° de janeiro de 1915, 4d; D.. Mackenzie, The Sixth Gordons in France and Flanders (Aberdeen, 1921), 23-24; Riebensahm, Infanterie-Regiment 15, 96.
8. Daily Mail, 4 de janeiro de 1915, 9cd; The Scotsman, 4 de janeiro de 1915, 2g.
9. Diário, 10.a Brigada, W095/1477. Também diário, 20.® Brigada, WO95/1650, PRO.
10. Diário, 28 de dezembro de 1914, Samuel Judd, IWM.
11. Glasgow Herald ,
14 de janeiro de 1915, 9fgh.12. Relatório dp Capitão Beckett, 1st Hants, W095/1488, PRO.13. Diários, individuais e dos regimentos, 25 de dezembro de 1914,
em W095/1413, PRO.14. Diário, 20.° Regimento de Infantaria da Baviera, 25 de dezembro de
1914, Bd. 8, BKA.15. Diário, 56.a Brigada, 25 de dezembro de 1914, 26N511, SHAT.16. W 095/1496, PRO.
O PORQUÊ
1. W095/1657, PRO.2. Mackenzie, 6th Gordons, 26.3. In George Watson, The English Ideology: Studies in the Language
of Victorian Politics (Londres, 1973), 61-62.4. Ford Madox Ford, Thus to Revisit (Loiidres, 1921), 136-37; Virginia
Woolf. “Mr. Bennett and Mrs. Brown” (1924), in The Captain's Death Bed and Other Essays (Londres, 1950), 91.
5. Walter Sickert, “Post Impressionists”, Fortnightly Review, 89 (ja
neiro de 1911), 79.6. Stanley Weintraub, The London Yankees (Nova York, 1979).7. Acton estava citando Froude: Lord Acton, A Lecture on the
Study of History, delivered at Cambridge, June 11, 1895 (Londres, 1895), 72.
8. In Watson, Ideology, 60.9. Thomas Mann, “Gedanken im Kriege”, Gesammelte Werke, XIII:
530-32. O ensaio foi publicado pela primeira vez em Die Neue Rundschau, em novembro de 1914.
10. A. E. Housman, “1887”, The Collected Poems (Londres, 1962), 10.
11. A. D. Gillespie, in John Laffin (org.), Letters from the Front,'1914-1918 (Londres, 1973), 12.
431
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12. O diário de Pattenden agora faz parte dos documentos do regi
mento, 1st Hants, W095/1495, PRO.13. In James Walvin, Leisure and Society , 1830-1950 (Londres, 1978),
85.
14. In Tony Mason, Association Football and English Society, 1863-
1915 (Brighton, 1980), 224.
15. In Peter Bailey, Leisure and Class in Victorian England (Londres, 1978), 128.
16. In Mason, Football, 228.
17. In Donald Read, Edwardian England, 1901-15 (Londres, 1972), 53-
54.18. Carta a Sir Claude Phillips, 31 de julho de 1914, in The Letters of
Henry James, ed. Percy Lubbock, 2 vols. (Londres, 1920), 11:389-92.
19. No poema “Peace”, de Rupert Brooke, Tile Collected Poems, org.
G. E. Woodberry (Nova York, 1943), 111.
20. The Letters of Rupert Brooke, org. Geoffrey Keynes (Nova York,
1968), 625.21. “One Day of Peace at the Front”, Daily Mail, l.° de janeiro de 1915,
4d.
22. “The Christmas Truce in the Trenches”, Chester Chronicle, 9 de
janeiro de 1915, 5c.
23. Jerome K. Jerome, “The Greatest Game of All: The True Spirit
of the War”, Daily News and Leader, 5 de janeiro de 1915, 4ef.
24. In Paul Fussell, The Great War and Modern Memory (Nova York,
1975), 27.
25. Carta de julho de 1916, p. 163, R. D. Mountfort, IWM.
26. Western Times, 19 de janeiro de 1915, 6f, baseado numa reporta
gem do Berliner Tageblatt .
27. Nota de diário, 27 de agosto de 1916, Louis Mairet, Carnet dfun
combattant (11 févier 1915— 16 avril 1917) (Paris, 1919), 212-13.
28. P. B. Ghéusi, Cinquante ans de Paris: mémoires dfun témoin, 1892- 1942. 4 vols. (Paris, 1939-1942), IV: 185-97.
29. Walvin, Leisure, 129. —
30. Diário dé guerra do 17th Middlesex, W095/1361, PRO. Também
os documentos de W. G. Bailey, atacante que jogou no Reading, e
também os de R. Stafford, que comandou o Footballers Battalion
de agosto de 1917 a fevereiro de 1918: ambos em IWM.
31. In Mason', Football, 225.
32. W. R. M. Percy in H. E. Boisseau (org.), The Prudential Staff and the Great War (Londres, 1938), 18. Percy foi morto perto de Ypres,
em 28 de abril de 1915.
33. Diário, 27 de dezembro de 1914. P. H. Jones, IWM.
34. Western Times, 11 de janeiro de 1915, 3g.
35. Diário, 2nd Scots Guards, 25 de dezembro de 1914. W095/1657,
PRO.
36. “The Christmas Truce in the Trenches”, Chester Chronicle, 9 de 'janeiro de 1915, 5e.
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37. La Vie de tranchée (Paris, 1915), 35.38. History of the 1st and 2nd Battalions the North Staffordshire Re
giment (The Prince, of Wales') 1914-1923 (Longton, 1932), 14-15.
39. “Letters from the Trenches”, Daily Mail , 31 de dezembro de 1914,
8a.
SÍNTESE VITORIANA1. Ver Gertrude Himmelfarb, “The Victorian Ethos: Before and After
Victoria”, em seu Victorian Minds (Nova York, 1968), 276-78.
2. In H. E. Meller, Leisure and the Changing City, 1870-1914 (Lon
dres, 1976), 248-49.3. Robert Roberts, The Classic Slum: Salford Life in the First Quar
ter of the Century (Manchester, 1971), 15-16.
4. J. B. Priestley, Margin Released (Londres, 1962), 46-47.
5. Gerald Gould, “Art and Morals”, New Statesman , 23 de agosto
de 1913, 625-26.
AINDA HÁ MEL PARA O CHÁ?
1. In Christopher Hassall, Rupert Brooke (Londres, 1964), 456.-
2. In John Grigg, Lloyd George: From Peace to War, 1912-1916 (Ber
keley, 1985), 166.3. La Vie de tranchée, 71-72.
4. Numa carta a E. M. House, 7 de dezembro de 1915, in Burton J.
Hendrick, The Life and Letters of Walter H . Page, 3 vols. (Nova
York, 1922-1925), 11:108.5. Guy Pedroncini, Les Mutineries de 1917 (Paris, 1967), 177.
6. Charles Smith, War History of the/ 6th Battalion: The Cheshire
Regiment (Chester, 1932), 5.
SEGUNDO ATO
IV — RITOS DE GUERRA
O BALÉ DA BATALHA
1. In John Keegan, The Face of Battle (Nova York, 1976), 264.
2. Charles Delvert usa a palavra troglodita em seu diário, 11 de feve
reiro de 1916, Carnets d’un fantassin (Paris, 1935), 145; e Peter
McGregor a emprega numa carta de 6 de agosto de 1916, P. Mc
Gregor, IWM. Portanto, o termo não é, como querem alguns, uma
invenção da era de pós-guerra.
3. Numa carta à sua mulher, 24 de julho de 1916, P. McGregor, IWM.
4. H. Winter, in Denis Winter, Death's Men: Soldiers of The Great War (Harmondsworth, 1979), 177.
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TEMAS
1. Charles Sorley, numa carta à sua mãe, 10 de julho de 1915, Letters,
284.2. In Alistair Horne, Death of a Generation (Londres, 1970), 104.
3. Ivan Goll, “Requiem for the Dead of Europe” (1917), in John
Silkin (org.), The Penguin Book of First World War Poetry (Har- mondsworth, 1979), 232.
4. Ernst Jiinger, In Stahlgewittern (Berlim, 1931), 100.
. 5. Em Ordre général, N.° 32, 17 de dezembro de 1914, 16N1676, SHAT.
6. Keegan, Face of Battle, 227-37.7. In John Ellis, Eye-Deep in Hell (Londres, 1977), 94.8. Roger Campana, Les Enfants de la “Grande . Revanche”: Carnet
de route d’un Saint-Cyrien, 1914-1918 (Paris, 1920), 204.
9. Herbert Read, “In Retreat: A Journal of the Retreat of the Fifth Army from St. Quentin, March 1918”, in The Contrary Experience
(Londres, 1963), 248.10. Paul Rimbault, in Jean Norton Cru, Témoins (Paris, 1929), 465.
11. Numa carta à sua mulher, 16 de novembro de 1917, in Paul Nash,
Outline: An Autobiography and Other Writings (Londres, 1949),
210-11.
12. In Alistair Horne, The Price of Glory: Verdun 1916 (Londres,
1962), 173.
13. Herbert Read, diário, 10 de janeiro de 1918, in Contrary Experience, 116.
14. Diário, 27 de setembro de 1915, Mairet, Carnet , 96.
15. Guy Buckeridge, “Memoirs of My Army Service in the Great War”, 65, IWM.
16. In Horne, Price of Glory, 62.
17. Carta, 14 de fevereiro de 1915, J. W. Harvey, IWM.
18. Cartas, 7 e 11 de junho de 1916, P. McGregor, IWM.
19. In Silkin (org.), Poetry, 91.
20. Jiinger, In Stahlgewittern, 163-64.
21. Campana, 19 de janeiro deT ?I5, Enfants, 69.
22. Carta, 27 de novembro de 1915, Marc Boasson, Au Soir d’un monde: lettres de guerre (Paris, 1926), iii-iv.
23. Wilfred Owen, The Collected Poems, ed. C. Day Lewis (Londres, 1964), 48-49.
24. Siegfried Sassoon, Memoirs of a Fox-Hunting'Man (Londres, 1960), 300.
25. Diário, 29 de março de 1916, Delvert, Carnets, 184.
26. Carta, 19 de agosto de 1916, R. D. Mountfort, IWM.
27. Campana, notas de diário, novembro de 1915, Enfànts, 115.
28. Carta, 16 de junho de 1916, R. D. Mountfort, IWM.
29. Diário, 16 de dezembro de 1915, e carta, 3 de janeiro de 1916, P.H. Jones, IWM.
30. Diário, 12 de janeiro de 1916, Delvert, Carnets, 129-30.31. In Winter, Death’s Men, 101.
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32. Diário, 8 de dezembro de 1915, Delvert, Carnets , 101.33. Wilfred Owen, “Dulce et Decorum Est”, Collected Poems, 55.
34. W. C. S. Gregson, Documentos, IWM.
35. Carta, 2 de agosto de 1916, F. H. T. Tatham, IWM.
36. Carta, 31 de julho de 1916, in C. E. W. Bean, The Official History
of Australia in the War of 1914-1918 , 6 vols. (Sydney, 1929-1942),
111:659.37. In Ellis, Eye-Deep in Hell , 59.38. Jünger, In Stahlgewittern , 123, 207.
39. In Horne, Price of Glory , 187.
40. Diário, 27 de janeiro de 1916, Delvert, Carnets , 138-39.
41. Diário, 16 de junho de 1916, César Méléra, Verdun (Paris, 1925),
34-35.42. Home, Price of Glory, 99.43. Diário, 16 de outubro de 1916, Paul Morand, Journal d’un attaché
d’ambassade
(Paris, 1963), 39.
44. Ver a análise informativa “Kurzschüsse der Artillerie”, 16 de setembro de 1918, nos arquivos do 16.° Regimento de Infantaria de
Reserva da Baviera, Bd. 13, BKA.
45. Siegfried Sassoon, “Counter-Attack”, Collected Poçms 1908-1956 (Londres, 1961), 68.
46. Diário, 10 de março de 1917, Mairet, Carnet, 294.
47. Fritz Kreisler, Four Weeks in the Trenches: The War Story of a
Violinist (Boston, 1915), 65-66.
48. Carta, 20 de dezembro de 1914, J. W. Harvey, IWM.
49. Kreisler, Four Weeks, 66.
50. Carta a Frank N. Doubleday, Natal de 1915, in Hendrick, Life and Letters of Walter H. Page, 11:111.
PARA ALÊM DOS VALORES ESTABELECIDOS
1. Ver Geoffrey Best, “How Right is Might? Some Aspects of the
International Debate About How to Fight Wars and How to Win
Them, 1870-1918”, in War, Economy and the Military Mind, org.
G. Best e A. Wheatcroft (Londres, 1976), 120-35.2. Henry James numa carta a Edith Wharton, 21 de setembro de 1914,
The Letters of Henry James,
11:420-21.
3. Meinecke, Erhebung, 71-72. Também, Max R. Funke, “In Rheims”,
März, 8/4 (19 de dezembro de 1914), 242-45.
4. Kölnische Zeitung, 29 de janeiro de 1915.
5. Klaus Schwabe, Wissenschaft und Kriegsmoral; Die deutschen
Hochschullehrer und die politischen Grundfragen des Ersten
Weltkrieges (Göttingen, 1969), 23.
6. Reproduzido in Ernst Johann (org.), Innenansicht eines Krieges:
Deutsche Dokumente, 1914-1918
(Munique, 1973), 47-48.7. Jünger, In Stahlgewittern, 114-15.
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3. Ibid., 101.4. Carta de 4 de abril de 1915, da França, in Philipp Witkop (org.),
Kriegsbriefe deutscher Studenten
(Gotha, 1916), 45-46.
5. Carta, 26 de março de 1917, Boasson, Au Soir, 218-19.
6. Kreisler, Four Weeks , 2-3.7. In Horne, Price of Glory, 227.
8. J. L. Jack, General Jack’s Diary,
org. John Terraine (Londres, 1964),
188-89.9. Diário, 23 de julho de 1916, G. Powell, IWM.
10. Dorgelès, Souvenirs, 20.11. André Bridoux, Souvenirs du temps des morts (Paris, 1930), 16.
12. “Dictée”, Nouvelle Revue Française,
33 (l.° de julho de 1929), 21-22.
13. Carta, 25 de agosto de 1916, Rev. J. M. S. Walker, IWM.14. Jacques Rivière, “French Letters and the War”, The Ideal Reader,
271.15. In Ducasse, Vie et mort, 94.
16. Diário, 12 de junho de 1916, Delvert, Carnets,
286.17. Carta, 23 de julho de 1917, a Ronald Rees, R. D. Rees, IWM.18. Esta ênfase no dever foi muito atenuada na subseqüente literatura
sobre a guerra, dominada pela escola de pensamento do “desencanto”. Charles Delvert foi um que apontou a importância do
dever: “L’histoire de la guerre par les témoins”, Revue des deux
mondes, 99a. (dezembro de 1929), 640.
DEVER
1. In Asa Briggs, Victorian People
(Harmondsworth, 1965), 124.2. Ian Hay, The First Hundred Thousand (Londres, 1916), xi.
3. Anthony Powell, The Kindly Ones (Londres 1971), 161.
4. Woodward, Great Britain and the War, xv-xvi.
5. In Bill Çammage, The Broken Years: Australian Soldiers in the
Great War (Canberra, 1974), 47.6. David Jones, in D. S. Carne-Ross, “The Last of the Modernists”,
New York Review of Books, 9 de outubro de 1980, 41.7. Mairet, Carnet, 32.8. Jean-Marc Bernard, “De Profundis”, in Ducasse, Vie et mort, 102.
9. Carta, 28 de outubro de 1915, P. H. Jones, IWM.10. Numa carta a seu pai, 2 de setembro de 1915, Sorley, Letters, 307.11. Vera Brittain, Testament of Youth (Londres, 1933), 259.
12. Diário, 4 de agosto de 1916, G. Powell, IWM.13. Diário, 11 de maio de 1916, Abel Ferry, Carnetssecrets,1914-1918
(Paris, 1957), 140.14. In Ducasse, Vie et mort, 159-60.15. Carta, 28 de abril de 1918, Herbert Read, Contrary Experience,
127.
16. Cartas, 15 e 20 de janeiro de 1915, in Christopher Isherwood,
Kathleen and Frank (Londres, 1971), 312.
17. Cartas, 28 de agosto e 20 de dezembro de 1917, R. R.Stokes, IWM.18. Diário, 26 de junho de 1916, P. H. Jones, IWM.
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19. Diário, l.° de julho de 1916, E. Russell-Jones, IWM.
20 . QG Ille Armée, “Controle de la Correspondence”, relatório datado
de 31 de maio de 1917, 16N1521, SHAT.21. In Stephen R. Ward, “Great Britain: Land Fit for Heroes Lost”,
in S. R. Ward (org.). The War Generation (Port Washington, N. Y.,
1975), 28.
22. Humbert, carta, l.° de junho de 1917, 16N1521, SHAT.23. Wilfred Owen, “Apologia Pro Poemate Meo”, Collected Poems , 39.
24. Carta, 29 de dezembro de 1916, Mairet, Carnet , 273.
25. Cartas, 15 de setembro de 1916, P. McGregor, IWM.
26. In Brittain, Testament of Youth , 316.
27. In Keegan, Face of Battle , 275.
28. Diário, 14 de junho de 1916, Méléra, Verdun, 30-31.
29. Carta, 27 de julho de 1917, Read, Contrary Experience, 107.
30. In Charles S. Maier, Recasting Bourgeois Europe (Princetofi, 1976),
32.31. Benjamin Crémieux, “Sur la guerre et les guerriers”, Nouvelle Re
vue Française, 34 (1930), 147.
32. J. S. Mill, “Coleridge”, in John Stuart Mill: A Selection of His
Works, org. John M. Robson (Toronto, 1966), 445-48.
33. Sassoon, Memoirs of a Fox-Hunting Man, 271.
34. Basil Liddell Hart chamou Haig de “a quintessência da Grã-Bre
tanha pré-guerra” em Through the Fog of War (Londres, 1938), 57.
35. In Ducasse, Vie et mort, 150.36. In ibid., 104.
37. In Ellis, Eye-Deep in Hell , 81-82.38. Estas observações feitas pelo Capitão Laffargue do 153e RI foram
redigidas em 25 de agosto de 1915 e descobertas pelos alemães exa
tamente um mês mais tarde, depois de um ataque. Podem ser en
contradas numa tradução alemã, “Studie über den Angriff in gegenwärtigen Zeitabschnitt des Krieges”, no espólio de Franz von
Trotta gen. Treyden, N234/3, BAM.
39. In Horne, Death of a Generäfiönr$9-40. Robert Graves, “The Dead Fox Hunter”, Poems (1914-26) (Lon
dres, 1927), 48-49.
41. Bean, Official History,
111:873.42. In Martin Middlebrook, The First Day on the Somme (Londres,
1975), 28.
.43. Guy Hallé, in Horne, Price of Glory, 237.
44. Carta a Colin Owen, 14 de maio de 1917, Wilfred Owen, Collected Letters, org. Harold Owen e John Bell (Londres, 1967), 458.
45. In Ellis, Eye-Deep in Hell, 187.
46. “Raport de controle postal du 129e RI”, 4 de junho de 1917,
16N1521, SHAT.
47. Diário, 14 de setembro de 1917, Michael MacDonagh, in London
During the Great War
(Londres, 1935), 24.48. Jean Norton Cru, Du témoignage (Paris, 1930), 23.
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49. J. M. Winter, “Britain’s ‘Lost Generation’ of the First World War”,
Population Studies, 31/3 (1977), 454.
50. Henri Berr, La Guerre allemande et la paix française (Paris, 1919),
xvii.51. Louis Huot e Paul Voivenel, La Psychologie du soldat (Paris, 1918).
52. Carta, 7 de maio de 1917, Mairet, Carnet, xiv.
53. The Private Papers of Douglas Haig, 1914-1919, 10.54. The Bodley Head Scott Fitzgerald, 6 vols. (Londres, 1963-1967),
11:67-68.
VI — DANÇA SAGRADA
O DEUS DA GUERRA
1. Ernst Schultze, Die Mobilmachung der Seelen (Bonn, 1915), 58.
2. In Field, Evangelist, 378-79.3. Carta, 7 de agosto de 1914, de Walter Limmer, in Philipp Witkop
(org.), Kriegsbriefe gefallener Studenten (Munique, 1928), 8.
4. E. Küster, Vom Krieg und vom deutschen Bildungsideal (Bonn,
1915), 24.5. Schultze, Mobilmachung, 26.
6. “Fünf Gesänge”, in Thomas Anz e Joseph Vogl (org.), Die Dichter und der Krieg: Deutsche Lyrik, 1914-1918 (Munique, 1982), 31-32.
7. Arthur Schoppenhauer, Ein Lesebuch, org. Arthur e Angelika
Hübscher (Wiesbaden, 1980), 168.
8. Carta de Burckhardt a Preen, 31 de dezembro de 1870, in The Leiters of Jacob Burckhardt, org. e trad. Alexander Dru (Londres,
1955), 145; e Burckhardt, Force and Freedom, org. J. H. Nichols
(Nova York, 1943), 153.
9. Theodor Mommsen, Reden und Aufsätze (Hildesheim, 1976), 91.
10. Carta, 6 de janeiro de 1889, in The Portable Nietzsche, org. e trad.
Walter Kaufmann (Nova York, 1954), 686.
11. Carta, 16 de abril de 1915, Witkop (org.), Kriegsbriefe (1916), 49-51.
12. Em seu poema “Anrufung”, in Anz (org.), Dichter und Krieg, 51.
13. Leopold Ziegler, Der deutsche Mensch (Berlim, 1915), excerto in
Johann (org.), Innenansicht, 65. Um slogan popular era “ Jeder Deutsche ist Deutschland, Deutschland ist in jedem Deutschen”
(Cada alemão é a Alemanha, a Alemanha está em cada alemão).14. Schultze, Mobilmachung, 67.
15. In Schwabe, Wissenschaft und Kriegsmoral, 25.
16. Carta, 14 de outubro de 1914, in Witkop (org.), Kriegsbriefe (1916) 71.
17. Ibid., 70.
18. Cartas, 23 e 24 de setembro de 1914, in Witkop (org.), Kriegsbriefe
(1928), 20-21.
19. Carta, 28 de agosto de 1914, in Witkop (org.), Kriegsbriefe (1916), 61.
439
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3. Dorgelès, Souvenirs, 8.4. In Klein et al., Deutschland im ersten Weltkrieg, I:xvii.5. In Gold e Fizdale, Misia, 166.6. In Johann (org.), Innenansicht , 163.7. In ibid., 164.8. John Galsworthy, A Sheaf (Londres, 1916), 208.
9. David Jones, In Parenthesis (Londres, 1982), ix; e D. S. Carne- Ross, “The Last of the Modernists”, New York Review of Books, 9 de outubro de 1980, 41.
10. James Joyce, Ulysses (Harmondsworth, 1968), 40.11. Carta de 21 de junho de 1916, P. McGregor, IWM.12. Carta de 18 de novembro de 1914, in Witkop (org.), Kriegsbriefe
(1916), 25.13. Carta de 10 de julho de 1916, Boasson, Au Soir, 127.14. Carta de 22 de dezembro de 1917, ibid., 299-300.15. In Leed, No Man's Land, 183-84.
16. In Roland N. Stromberg, Redemption by War: The Intellectuals
and 1914 (Lawrence, Kan., 1982), 152.17. Diário, 4 de março de 1917, Mairet, Carnet, 291.18. Graves, Goodbye to All That, 98.19. Wyn Griffith, Up to Mametz (Londres, 1931), 187, 212.20. Jacques-Émile Blanche, Portraits of a Lifetime, org. e trad. Walter
Clement (Londres, 1937), 259-60.21. Diário, 28 de outubro de 1915, e carta de 12 de dezembro de 1915,
P. H. Jones, IWM.22. Carta, 23 de dezembro de 1915, J. W. Gamble, IWM.23. Diário, 28 de agosto de 1916, G. Powell, IWM.24. David Jones, In Parenthesis, x.25. In Heather Robertson, A Terrible Beauty: The Art of Canada at
War (Toronto, 1977), 92.26. In Malcolm Cowley, Exile's Return (Nova York, 1934), 256; e
Geoffrey Wolff, Black Sun: The Brief Transit and Violent Eclipse of Harry Crosby (Nova York, 1976), 59.
A ARTE COMO FORMA123456
1. Carta de 29 de dezembro de 1916, Mairet, Carnet, 270-71.2. Numa carta à sua mulher, 16 de novembro de 1917, in Nash, Ou
tline, 210.
3. Em sua introdução a um catálogo da exposição das obras futuristas de Gino Severini, Marlborough Gallery, abril de 1913, citada in John Rothenstein, Modern English Painters, 2 vols. (Nova York, 1976), 11:129.
4. Memorando de 16 de outubro de 1917, arquivo de C. R. W. Ne- vinson, Departamento de Arte, IWM.
5. Este prefácio, junto com as objeções à obra de Nevinson citadas
acima, podem ser encontrados em ibid., IWM.6. Daily Express, 30 de maio de 1919.
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7. In Michael L. Sanders e Philip M. Taylor, British Propaganda
During the First World War, 1914-18 (Londres, 1982), 157.8. Dorgelès, Souvenirs , 10.9. De uma carta à sua mulher, 21 de outubro de 1916, in Constance
B. Smith, John Masefield: A Life (Nova York, 1978), 164.10. T. S. Eliot, “Burnt Norton”, Collected Poems: 1909-1962 (Londres,
1963), 194 [Poesia,
trad., introd. e notas de Ivan lunqueira. 2. ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira^ 1981, 2Ç)4].
11. Cartas, 17 de abril de 1917, 26 de novembro de 1917, 2 de outubro de 1918, R. R. Stokes, IWM.
12. Carta a seus pais, 23 de dezembro de 1915, J. W. Gamble, IWM.13. Jlinger, In Stahlgewittern, 198 Graves, Goodbye, 97; Horne, Price
of Glory 147, 259; Marie-Émile Fayolle, Les Carnets secrets de la
Grande Guerre, org. Henry Contamine (Paris, 1964), 259.14. Diário, 29 de novembro de 1914, P. Mortimer, IWM.15. Basil H. Liddell Hart, The Memoirs of Captain Liddell Hart, 2
vols. (Londres, 1965), 1:21-23.16. Diário, 10 de março de 1916, W. C. S. Gregson, IWM.17. Wipers Times, .12 de fevereiro de 1916.18. Somme Times, 31 de julho de 1916.19. Diário, s .d ., Mairet, Carnet, 129.20. Carta de agosto de 1918, D. L. Ghilchick, IWM.21. Carta, Páscoa de 1915, Binding, Fatalist, 60.22. Marcel-Edmond Naegelen, Avant^qtte-meure le dernier (Paris, 1958),
222.
23. Carta de 19 de março de 1918, Boassori, Au Soir, 311.
24. In Gaston Esnault, Le Poilu tel qu’il parle
(Paris, 1919), 160-161.25. In Ellis, Eye-Deep in Hell, 102.
ARTE E MORALIDADE
1. Carta de 14 de setembro de 1915, P. McGregor, IWM.2. Carta de 21 de novembro de 1915, ibid.3. In Michael Moynihan (org.), People at War 1914-1918 (Newton
Abbot, 1973), 107.
4. Winter, Death's Men, 150.5. Huot, Psychologie, 156-57.6. Frederic Manning, The Middle Parts of Fortune (Londres, 1977),
50.7. Diário, 24-25 de outubro de 1914, P. H. Jones, IWM.8. Diário, 18 de fevereiro de 1916, Delvert, Carnets, 149.9. Their Crimes (Londres, 1917), 14.
10. Humphrey Cobb, Paths of Glory (Nova York, 1935), 4-5.11. Philippe Girardet, Ceux que j’ai connus, souvenirs (Paris, 1952),
104-105.
12. E. E. Cummings, The Enormous Room (Nova York, 1922, reimpr. 1978), 17.
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VANGUARDA
1. Carta à mãe, 23 de julho de 1916, R. D. Mountfort, IWM.2. Graves, Goodbye, 188, 194.3. Diário, 5-12 de .março de 1916, Mairet; Carnet, 131-32.4. Literary Digest, 60/10 (8r de março de »1919), 105.
5. Jünger, in Stahlgewittern, ix.6. Carta de l.° de julho de 1915, Boasson, Au Soir, 10.7. In Pedroncini, Les Mutineries, 271.8. Diário, 26 de março de 1916, Delvert, Carnets, 182-83.9. Diário, 29 de março de 19Í6, ibid., 185.
10. Diário, 13 de julho de 1916, ibid., 311.11. Diário, 2 e 23 de julho de 1916, G. Powell, IWM.12. Siegfried Sassoon, “Blighters”, Collected Poems, 21.13. Jean Galtier-Boissière, Le Crapouillet, IV/5 (agosto de 1918), 7-8.14. Pierre Drieu la Rochelle, Interrogation (Paris, 1917), 55.
15. Bridoux, Souvenirs, 39, 45.16. Especialmente sua carta de 29 de maio de 1917, Boasson, Au Soir,
235-36.17. Graves, Goodbye, 78.18. Diário, 15 de junho de 1917, Read, Contrary, 97.19. In Ducasse, Vie et mort, 96; e G. L. Dickinson, War (Londres,
1923), 6-7.20. Henry de Montherlant, Chant funèbre pour les morts de Verdun
(Paris, 1924), 115.21. Diário, 9 de maio de 1918, Read, Contrary, 128.
22. Dickinson, War, 5-6.23. Diário, 7 de outubro de 1917, Read, Contrary, 110.24. Diário, 27 de fevereiro de 1918, Fayolle, Carnets, 257.25. “Rapport du Capitaine Canonge”, l.° de junho de 1917, 3e Armée,
16N1521, SHAT.26. Carta a seu pai, l.° de agosto de 1918, R. R. Stokes, IWM.27. V Intransigeant, 17 de agosto de 1914.28. Carta de 29 de dezembro de 1915, J. W. Harvey, IWM.29. Carta de 2 de junho de 1916, J. M. S. Walker, IWM.30. Cartas, 1 e 3 de setembro de 1914, em The Letters of Henry James,
11:414-19.31. In Roland H. Bainton, Christian Attitudes to War and Peace (No- .. va York, 1960), 207.
32. In Ray H. Abrams, Preachers Present Arms (Nova York, 1933), 28.33. Isadora Duncan, My Life (Nova York, 1927), 349.34. Carta de 22 de abril de 1915 a seus pais, Mairet, Carnet, 42.35. Ian Hamilton, The Soul and Body of an Army (Londres, 1921), 92.36. Robert Graves, “Recalling War”, em Collected Poems, 1959 (Nova
York, 1959), 121.37. John Brophy e Eric Partridge, The Long Trail (Londres, 1965), 27.
38. Diário, 11 de novembro de 1918, Carnet de route du lieutenant René Hemery, Dons et Témoignages 170, SHAT.
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PARA QUE NÃO ESQUEÇAMOS
1. Ilya Ehrenburg, Men , Years — Life, 6 vols., trad. T. Shebunina (Londres, 1962-1966), 111:11-12.
2. Stephen Spender, World Within World (Londres, 1951), 2-3.3. Paul Valéry, Variety, trad. Malcolm Cowley (Nova York, 1927),
27-28.4. Michael Arien, The Green Hat (Nova York, 1924), 53.5. Aldous Huxley, Point Counter Point (Harmondsworth, 1971), 138
[Contraponto, trad, de Érico Veríssimo e Leonel Vallandro; 6. cd.; Porto Alegre, Editora Globo, 1956, p. 150].
6. In Beverley Nichols, The Sweet and Twenties (Londres, 1958), 18.7. Christopher Isherwood, Lions and Shadows (Londres, 1953), 73-74.8. Ehrenburg, Men> Years, 111:129.9. Isherwood, Lions and Shadows, 217.
ITINERÁRIO E SÍMBOLO
1. Um dos relatos mais detalhados e nuançados da chegada pode ser encontrado no Berliner Tageblatt, 241, 23 de maio de 1927, 4.
2. Groupe sénatorial de l’aviation, Réception par le sénat de l’aviateur américain Charles Lindbergh (Paris, s.d. [1927]), s.p.
3. O comentário foi citado aprovadoramente em Vorwärts, 241, 23 de maio de 1927, 5.
4. Manchester Guardian, 23 de maio de 1927, 8b.
5. In J. P. Dournel, “L’image de l’aviateur français en 1914-1918”,
Revue historique des armées, 4 (1975), 62.6. Daily Express, 23 de maio de 1927, 10b.7. Paul Claudel, Journal, vol. 1: 1904-1932, org. F. Varillon e J.
Petit (Paris, 1968), 772.8. In René Weiss, Les premières traversées aériennes de l’Atlantique
(Paris, 1927), 21.9. In ibid., 22, 28.
10. Alexandre Guinle, Ode à Charles A. Lindbergh (Paris, 1927).11. Journal des débats politiques et littéraires, 23 de maio de 1927.
NOVOS MUNDOS E O ANTIGO
1. “New York”, Cahier d’Art, 1931, citado em Léger et l’esprit moderne, 197.
2. Lucien Romier, Qui sera le maître: Europe ou Amérique (Paris, 1927), 155-58.
3. In Allan Nevins (org.), America Through British Eyes (Nova York, 1948), 396.
4. Mary Borden, “The American Man”, The Spectator, 140 (30 de
junho de 1928), 958.5. Ivan Goll, Transition, 13 (1928), 256.
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6. In Haskell, Diaghileff, 296.
7. Carta a Boris Kochno, 7 de agosto de 1926, in Buckle, Diaghilev, 473.
8. Margaret Halsey, With Malice Towards Some (Nova York, 1938),
194.
9. B. Henriques, citado em The Observer, 19 de junho de 1927, 21b.
10. Octave Homberg, Uimpérialisme américain
(Paris, 1929), 22.11. Ernest Hemingway, A Moveable Feast (Nova York, 1965), 71; e
Wayne E. Kvam, Hemingway in Germany (Athens, Ohio, 1973).
12. In Freedman, Hesse, 227.
13. Carta (“Brief an einen Opernleiter”), 15 de novembro de 1927, Mann, Gesammelte Werke, X:894.
ASSOCIAÇÕES
1. Le Figaro, 30 de maio de 1927.
2. Adolf Weissmann, Vossische Zeitung,
121, 25 de maio de 1927.3. Romola Nijinsky, Nijinsky, 361.
4. Diário, 27 de dezembro de 1928, Harry Graf Kessler, Tagebücher 1918-1937, org. Wolfgang Pfeiffer-Belli (Frankfurt am Main, 1961),
612-13.
5. T. S. Eliot, “The Waste LancU^ Collected Poems, 63. [“A terra
desolada”, em T. S. Eliot, Poesia, trad., introd. e notas de Ivan
Junqueira, 2. ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981, 89.].
IX — MEMÓRIA
A VALORIZAÇÃO DA GUERRA
1. Nouvelles littéraires, 25 de outubro de 1930.
2. Börsenblatt für den deutschen Buchhandel, 10 de junho de 1930, 540; Die Literatur , 31 (1928-29), 652; Publisher’s Weekly, 21 de
setembro de 1929, 1332; Daily Herald, 23 de novembro de 1929.
3. Friedrich Fuchs em Das Hochland, 2 (1929), 217.
VIDA DA MORTE
1. John Middleton Murry, Between Two Worlds (Londres, 1935), 65.
2. Atas do Gabinete, 19 de dezembro de 1930, arquivos do Reichs
kanzlei, R431/1447, 383, Bundesarchiv Koblenz (daqui em diante
referido como BAK).
3. Peter Kropp, Endlich Klarheit über Remarque und sein Buch “Im
Westen nichts Neues” (Hamm i. W., 1930), 9-14.
4. Der Spiegel, 9 de janeiro de 1952, 25.
5. In D. A. Prater, European of Yesterday: A Biography of Stefan Zweig (Oxford, 1972), 140.
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6. Entrevista com Axel Eggebrecht, Die Literarische Welt , 14 de ju
nho de 1929.7. Sport im Bild, 8 de junho de 1928.
8. Ibid., 20 de julho de 1928.
9. Usei a tradução de A. W. Wheen (Londres, 1929) para fazer as citações. [Nada de novo no front, trad, de Helen Rumjanek, São
Paulo, Círculo do Livro, 1975]. Wheen era ele próprio um veterano da guerra; ver R. Church, The Spectator, 142 (20 de abril de 1929), 624.
10. Hanna Hafkesbrink, por exemplo, chamava Nada de novo de uma
“genuína memória da guerra”; ver Unknown Germany: An Inner Chronicle of the First World War Based on Letters and Diaries (New Haven, Conn., 1948), ix.
11. Para exemplos da crítica, ver Jean Norton Cru, Témoins, 80; e Cyril Falls, War Books (Londres, 1930), x-xi, 294.
12. E. M. Remarque e Gen. Sir Ian Hamilton, “The End Of War?”
Life and Letters, 3 (1929), 405-406.13. Time, 24 de março de 1961, em sua resenha de Heaven Has No
Favorites.
14. Michel Tournier, Le vent Paraclet (Paris, 1977), 166.15. Harry Crosby, “Hail: Death!” Transition, 14 (1928), 169-70.16. R[osie] G[räfenberg], Prelude to the Past (Nova York, 1934), 320-21.
FAMA
1. As lendas sobre Remarque e Nada de novo são muitas. Uma diz que ele ofereceu seu manuscrito a quarenta e oito editoras. Ver o
obituário em Der Spiegel, 28 de setembro de 1970. Para relato sobre a publicação, ver Peter de Mendelssohn, S. Fischer und sein
Verlag (Frankfurt am Main, 1970), 1114-18 Max Krell, Das gab es
alles einmal (Frankfurt am Main, 1961), 159-60; a versão de Heinz
Ullstein numa nota de divulgação dpa, 15 de junho de 1962, bem
como sua carta ao Frankfurter Allgemeine Zeitung, 9 de julho de 1962; e os comentários de Carl Jödicke, empregado de Ullstein,
em seu näo-publicado “Dokumente und Aufzeichnungen” (F501), 40,
Institut für Zeitgeschichte, Munique.2. Carl Zuckmayer, Als wär’s ein Stück von mir, 359-60; Axel Eggeb
recht, Die Weltbühne, 5 de fevereiro de 1929, 212; Herbert Read, “A Lost Generation”, The Nation & Athenaeum, 27 de abril de
1929, 116; Christopher Morley, The Saturday Review, 20 de abril de 1929; 909, Daniel-Rops, Bibliothèque universelle et Revue de
Genève, 1929, II, 510-11.3. O Sunday Chronicle é citado em The Saturday Review, l.° de junho
de 1929, 1705.4. Ver a sinopse feita por Antkowiak das críticas comunistas in Pa
wel Toper e Alfred Antkowiak, Ludwig Renn, Erich Maria Remarque: Leben und Werk (Berlim [Oriental], 1965).
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5. Freiherr von der Goltz, Deutsche Wehr , 10 de outubro de 1929, 270;
Valentine Williams, Morning Post , 11 de fevereiro de 1930; The London Mercury, 21 (janeiro de 1930), 238; e Deutschlands Erneuerung, 13 (1929), 230.
6. Ver as reportagens no New York Times, 31 de maio, l.° de junho
14 de julho, 29 de julho, 1929.
7.
The London Mercury,
21 (novembro de 1929), 1.8. The Army Quarterly, 20 (julho de 1930), 373-75.
9. Berliner Börsen-Zeitung, 9 de junho de 1929; New York Times, 17
de novembro de 1929; Daily Herald, 12 de novembro de 1929.
10. The Cambridge Review, 3 de maio de 1929, 412.
11. The London Mercury, 21 (janeiro de 1930), 194-95.
12. Relatado em New York Times, 9 de fevereiro de 1930.
13. H. A. L. Fischer, A History of Europe, 3 vols. (Londres, 1935),
I: vii.
14. “War Novels”, Morning Post,
8 de abril de 1930.15. André Thérive, “Les Livres”, Le Temps, 27 de dezembro de 1929.
16. Robert Wohl, The Generation of 1914 (Cambridge, Mass., 1979),
120; A. C. Ward, The Nineteen-Twenties (Londres, 1930), xii; Ro-
bert Graves, “The Marmositels-Miscellany”, Poems (1914-26) (Lon
dres, 1927), 191.
17. José Germain, em seu prefácio a Maurice d’Hartoy, La Génération du feu (Paris, 1923), xi.
18. Carroll Carstairs, A Generation Missing (Londres, 1930), 208.
19. Carta de 2 de julho de 1915, Boasson, Au Soir, 12; Egon Friedeil,
A Cultural History of the Modern Age,
trad, de C. F. Atkinson
(Nova York, 1954), 111:467. '
20. W. Müller Scheid, Im Westen nichts Neues — eine Täuschung (Idstein, 1929), 6.
21. Commonweal, 27 de maio de 1931, 90.
22. The Fortnightly Review, l.° de outubro de 1930, 527; Davidson, in
John C. Cairns, “A Nation of Shopkeepers in Search of a Suitable
France: 1919-40”, The American Historical Review, 79 (1974), 728;
Douglas Goldring, Pacifists in Peace and War (Londres, 1932), 12,
18; Graves, Goodbye, 240.
23. Joffre, in Marc Ferro, La Grande Guerre 1914-1918 (Paris, 1969),
239; Pedroncini, Les Mutineries, 177; General Huguet, LTnterven- tion militaire britannique en 1914 (Paris, 1928), 231.
24. Ver os comentários introdutórios de René Lalou a La Ferme es- pagnole de R. H. Mottram, trad. M. Dou-Desportes (Paris, 1930),
i-iv.
25. Isherwood, Lions and Shadows, 73-76, e também seu Kathleen and Frank, 356-63; e Jean Dutourd, Les Taxis de la Marne (Paris, 1956), 189-93.
26. New York Times,
18 de janeiro de 1930.27. William Faulkner, The New Republic, 20 de maio de 1931, 23-24.
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O MALABARISTA DAS NUVENS
1. Ver o meu “War, Memory, and Politics: The Fate of the Film
All Quiet on the Western Front”, Central European History, 13/1
(março de 1980), 60-82.2. In Henry C. Meyer (org.), The Long Generation (Nova York, 1973),
221.3. Ver a correspondência entre o Polizeipräsident em Berlim e o
Geheime Staatspolizeiamt, 4 e 16 de dezembro de 1933, arquivos
do Reichssicherheitshauptamt, R58/933, 198-99, BAK.
4. Relatório do WolfPsche Telegraphen Büro, 15 de maio de 1933, nos arquivos do Neue Reichskanzlei, R43II/479, 4-5, BAK.
X — PRIMAVERA SEM FIM
ALEMANHA, DESPERTA!
1. Diário, 30 de janeiro de 1933, Joseph Goebbels, Vom Kaiserhof zur Reichskanzlei (Munique, 1934), 251-54.
2. In Hannah Vogt, The Burden of Guilt, trad, de H. Strauss (Nova
York, 1964), 118.
3. Diário, 30 de janeiro de 1933, Kessler, Tagebücher, 747.4. Malcolm Muggeridge, The Infernal Grove: Chronicles of Wasted
Time, Part 2 (Londres, 1975), 283-84.
5. In Colin Cross, The Fascists in Britain (Londres, 1961), 57.6. Hermann Rauschning, Hitler Speaks (Londres, 1939), 242. Se
Rauschning foi desacreditado ultimamente como transmissor acurado das palavras de Hitler, ainda é um delineador bastante confiável das idéias de Hitler.
7. Walter Benjamin, Das Kunstwerk im Zeitalter seiner technischen
Reproduzierbärkeit (Frankfurt am Main, 1963), 48.
8. Anson G. Rabinbach, “The Aesthetics of Production”, Journal of Contemporary History, 11/4 (1976), 43-74.
9. Matei Calinescu, Faces of Modernity: Avant-Garde, Decadence,
Kitsch (Bloomington, 1977), 229.
HERÓI VITIMA
1. Jacques de Launay, Hitler en Flandres (Bruxelas, 1975), 103-108.2. Adolf Hitler, Mein Kampf (Munique, 177.3. Hitler's Table Talk, 1941-1944, introd. H. R. Trevor-Roper, trad. N.
Cameron e R. H. Stevens (Londres, 1953), 44.4. Hitler, Mein Kampf, 179.5. Hans Mend, Adolf Hitler im Felde 1914-1918 (Diessen, 1931), 47-58.
6. In Joachim C. Fest, Hitler, trad. Richard e Clara Winston (Nova York, 1975), 70.
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7. In Peter Merkl, Political Violence Under the Swastika (Princeton,
1975), 167.8. Hitler's Table Talk, 44.9. Hitler, Mein Kampf , 772.
10. In Robert Waite, Vanguard of Nazism (Nova York, 1969), 42.11. Em seu prefácio à segunda edição, Jünger, In Stahlgewittern, xii.
12. Feder é citado em Le Crapouillet, julho de 1933, 40; Ley in Richard Grunberger, The 12-Year Reich (Nova York, 1971), 51; Strasser in Barbara Miller Lane, “Nazi Ideology: Some Unfinished Business”,
Central European History, 7/1 (1974), 23.13. Philipp Witkop (org.), Kriegsbriefe gefallener Studenten (Munique,
s .d. [1933]), 5-6.14. Christopher Isherwood, Goodbye to Berlin (Harmondsworth, 1965),
202 .
15. Numa carta ao Reitor, Universidade de Bonn, l.° de janeiro de 1937, Thomas Mann, Briefe 1937-1947, org. Erika Mann (Frankfurt am
Main, 1963), 13.
A ARTE COMO VIDA
1. In Albert Speer, Inside the -ThifÛ Reich, trad, de Richard e Clara Winston (Nova York, 1970), 299.
2. Michel Tournier, Le vent Paraclet, 189.3. Joseph Goebbels, Final Entries 1945: The Diaries, org. Hugh
Trevor-Roper, trad. Richard Barry (Nova York, 1978), 194.4. In René Rémond, La Droite en France, 2 vols. (Paris, 1968), 11:384.
5. In Fest, Hitler, 381.6. Ibid., 142.
O MITO COMO REALIDADE
1. In Michael Balfour, Propaganda in War 1939-1945 (Londres, 1979), 48.
2. Gabriele d’Annunzio, in Alexander Rüstow, Freedom and Domination, trad. S. Attanasio (Princeton, 1980), 586.
3. In Benjamin, Das Kunstwerk, 49.
4. Diário, 2 de fevereiro de 1933, Kessler, Tagebücher, 748; ver também Saul Friedländer, Reflections of Nazism: An Essay on Kitsch and Death, trad. T. Weyr (Nova York, 1984), 41-53.
5. W. Petwidic, Die autoritäre Anarchie (Hamburgo, 1946).6. In Konrad Heiden, Der Fuehrer: Hitler's Rise to Power, trad. Ralph
Manheim (Boston, 1944), 190, 378; e Hans Peter Bleue!, Sex and Society in Nazi Germany, trad. J. M. Brownjohn (Filadélfia, 1973), 38.
7. Robert G. L. Waite, The Psychopathic God: Adolf Hitler (Nova York, 1977); Rudolph Binion, Hitler Among the Germans (No
va York, 1976); e Norbert Bromberg e Verna V. Small, Hitler's Psychopathology (Nova York, 1983).
450
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8. Ernst Hanfstaengl, Hitler: The Missing Years (Londres, 1957), 124.9. Goebbels, Final Entries , 133.
10. Hitler's Table Talk , 309-12, 537, 577-78, 707.11. Rauschning, Hitler Speaks , 18-19.12. Anne Morrow Lindbergh, The Wave of the Future: A Confession
of Faith (Nova York, 1940).
13. Goebbels, Final Entries ,
205.14. Nevile Henderson, Failure of a Mission (Nova York, 1940), 151-52.15. André François-Poncet, The Fateful Years, trad. J. LeClercq (Lon
dres, 1949), 209.16. In Alan Bullock, Hitler: A Study in Tyranny (Harmondsworth,
1962), 379.17. George Mosse, The Nationalization of the Masses (Nova York,
1975), 155-58.18. Joachim C. Fest, “On Remembering Adolf Hitler”, Encounter, 41/4
(outubro de 1973), 20.
19. Ver também Alvin H. Rosenfeld, Imagining Hitler (Bloomington, 1985).
“ES IST EIN FRÜHLING OHNE ENDE!”
1. Donald M. Douglas, “The Parent Cell: Some Computer Notes on the Composition of the First Nazi Party Group in Munich, 1919- 1921”, Central European History, 10 (1977), 55-72 e Michael H. Kater, The Nazi Party (Cambridge, Mass., 1983), 29.
2. Joachim C. Fest, The Face of the Third Reich, trad, de M. Bullock (Londres, 1970), 252.
3. Dos 400 mil emigrantes alemães entre 1933 e 1941 apenas cerca de 10% podiam ser chamados de refugiados políticos. A maioria era de refugiados raciais. Hans-Albert Walter in Walter Zadeck (org.), Sie flohen vor dem Hakenkreuz (Reinbek bei Hamburg, 1981), 10- 11.
4. Gottfried Benn, “Über die Rolle des Schriftstellers in dieser Zeit” (1929), Gesammelte Werke, 4 vols. (Wiesbaden, 1958-1961), IV:211.
5. Rudolf G. Binding et al., Sechs Bekenntnisse zum neuen Deutsch
land (Hamburgo, 1933), excertos em Josef Wulf (org.), Literatur und Dichtung im Dritten Reich (Reinbek bei Hamburg, 1966), 107.
6. Diário, 10 de abril de 1917, Paul Morand, Journal, 209.7. In Gold e Fizdale, Misia, 296.8. Benn, “Lebensweg eines Intellektualisten” (1934), Gesammelte
Werke, IV:64-65.9. Maurice Mandelbaum, in Stephen Spender (org.), W. H. Auden:
A Tribute (Londres, 1975), 121.10. In Irving Howe, The Decline of the New (Nova York, 1970), 42.11. In Wulf (org.), Literatur, 150.
12. Jeffrey Herf, Reactionary Modernism: Technology, Culture, and Politics in Weimar and the Third Reich (Cambridge, 1984).
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13. In Hugh Trevor-Roper, The Last Days of Hitler
(Londres, 1950),
57-58. Ver também Stern, Hitler, 34.
14. Goebbels, Final Entries, 174.15. Diário, 4 de setembro de 1925, Joseph Goebbels, The Early Goeb
bels Diaries, 1925-1926 , org. Helmut Heiber, trad. O. Watson (Lon
dres, 1962), 35.
16. Na introdução de H. R. Trevor-Roper ao último volume dos diários de Goebbels, Final Entries,
xxxii.
17. Goebbels, Final Entries, 330-331.
18. In Fest, Hitler, 746, e Trevor-Roper, Last Days, 199.19. Trevor-Roper, Last Days, 217-18.
452
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FONTES SELECIONADAS
As fontes para este trabalho são exíremamente variadas. Consistem cm
informações publicadas e não-publicadas, consultadas e reunidas em
muitos anos de- leitura e investigação nas bibliotecas e nos arquivos da
Europa e da América do Norte. Listar todo o material que consultei durante a pesquisa seria uma tarefa impossível. Listar só as principais
obras publicadas neste período já exigiria um volume próprio. Portanto,
só aquelas coleções de fontes primárias que usei com grande proveito
são aqui registradas. Algumas das fontes secundárias mais significativas
são mencionadas nas notas.
Nova York, New York Public Library, Performing Arts Research Center,
Dance Collection.Gabriel Astruc, Papéis.Jacques-Émile Blanche, manuscritos variados.Sergei Pavlovich Diaghilev, Papéis 1909-1929 e Correspondência.
Londres, Imperial War Museum.Papéis: W. G. Bailey, A. G. Bartlett, H. R. Bate, H. D. Bryaá, Guy
Buckeridge, F. L. Cassel, Iain Colquhoun, E. B. Cook, Elmer W.
Cotton, R. von Dechend, T. Dixon, David H. Doe, B. W. Downes,
H. V. Drinkwater, J. S. Fenton, V. M. Fergusson, J.W. Gamble, R. G. Garrod, Kenneth M. Gaunt, David L. Ghilchick, Arthur Gibbs,
William C. S. Gregson, John W. Harvey, R. G. Heinekey, Edward
R. Hepper, Edmund Herd, C. E. Hickingbotham, Harold Horne,
Walter Hoskyn, Alfred Howe, G. W. G. Hughes, Percy H. Jones,
Samuel Judd, Leslie H. Kent, E. D. Kingsley, Peter McGregor, P.
Mortimer, Roland D. Mountfort, Richard Noschke, M. W. Peters,
P. H. Pilditch, Garfield Powell, W. A. Quinton, I. L. Read, John R.
Rees, Ronald D. Rees, Arthur G. Rigby, Frank M. Robertson, G.
R. P. Roupell, Alexander Runcie, E. Russell-Jones, Siegfried Sassoon,
Eric Scullin, A. Self, R. Stafford, Richard R. Stokes, Hiram Sturdy, F. H. T. Tatham, Harold A. Thomas, Oswald Tilley, John M. S.
Walker, M. Leslie Walkinton, H. G. R. Williams. Miscellaneous Item
469.
Registros de História Oral: Philip Neame, -James D. Pratt, J. P. O.
Reid.
453
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Department of Art, Papéis: John Nash, Paul Nash, C. R. W. Nevin-
son, William Roberts, Christmas Card Collection.Londres, Public Record Office.
Diários de Guerra (W095). Papéis do Quartel-General Militar
(WO 158). Diretoria de Operações e Informações Militares (WO 106).
Papéis Kitchner (WO 159). Mapas e Planos (W0153). Sumários de
Informações (W0157). Conselho do Ministério da Guerra (W0163). Londres, Liddell Hart Centre for Military Archives, King’s College, Uni
versidade de Londres.Papéis: C. H. Foulkes, Basil Liddell Hart, Ian Hamilton, Edward
L. Spears.Paris, Service historique de 1’armée de terre, Château de Vincennes.
Journaux cies Marches et Opérations (22N, 24N, 25N, 26N). Grand Quartier Général (16N). Dossier Montlebert (1K143).Papiers Mealin (1K112). Dons et Témoignages: Chansons de tran-
chée (87), Carnet de route d’un combattant allemand en 1914 (103),
Carnet de route du lieutenant René Hemery (170).Coblença, Bundesarchiv._____Reichskanzlei (R43I), Neue Reichskanzlei (R43II),
Reichssicherheitshauptamt (R58), arquivos da UFA (R109I), protocolo de Filmoberprüfstelle, 11 de dezembro de 1930 (Kl. Erw. 457).
Friburgo em Breisgan, Bundesarchiv-Militärarchiv.Papéis: Émile-Marcel Décobert, Karl von Einem, Hermann Rittervon Giehrl, Frithjof Freiherr von Hammerstein-Gesmold, Henry
Holthoff, Rudolf Müller, Gerhard von Nostitz-Wallwitz, Gustav
Riebensahm, Paul Schulz, Bernhard Schwertfeger, Gerhard Tappen, Ferdinand von Trossei, Franz von Trotta gen. Treyden, Erwin von
Witzleben.Coleções de manuscritos (MSg2): Georg Eberle, Annemarie Heine,
Felix Kaiser, os irmãos Bernhard; Clemens, e Aloys Lammers,
Lücke, Ernst Prasuhn, Gerhard Schinke, Heinrich Schlubeck, Ernst
Wisselnick, Karl Zieke, Erinnerungsfeier “Goldene Monstranz”.
Bonn, Politisches Archiv, Auswärtiges Amt.
Schuldreferat. Botschaft London Geheimakten. Botschaft Paris.
Kunst und Wissenschaft. Bücher und Zeitschriften.Wissenschaft — Reisen. Presse-Abteilung.
Munique, Bayerisches Kriegsarchiv.Kriegstagebücher.Papéis: Oberst von der Aschenauer (HS2047), Gustav Baumann
(HS2646), Otto Weber (HSP984), Georg Will (HS2703).
Munique, Institut für Zeitsgeschichte.
Carl Jödicke, Dokumente und Aufzeichnungen betr. Ullstein-Verlag (F501).
454
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ÍNDICE REMISSIVO
À la recherche du temps perdu
(Proust), 268ácido sulfúrico: produção de, 97
Acton, Harold, 46
Acton, Lord, 159Adams, Reverendo J. Esslemont,
150Adorno, Theodor, 383
Aeroplano. Ver avião
agents provocateurs, 298-99, 300-1
AGFA (firma), 97
agricultura: no pós-guerra, 330
Aisne, frente de, 153
Aitken, Alexander, 222
Akenbrand, Alfons, 255
Albert, catedral de: destruição da,
205-6Alberto, rei da Bélgica, 314
Alcock, John, 317
Aldington, Richard, 360, 371
Alemanha: abordagem espiritualda guerra, 123-29, 158-61, 203-
8, 247-60, 302; aceitação popular do nazismo, 398-99; ame-
ricanização no pós-guerra,
344-46; arquitetura na, 34-36,
113; arquitetura modernista
na, 34-36; associação entre a
guerra e a arte na, 127-29, 158-
59, 248-49, 257-58; atitudes belicosas britânicas para com a,
158-60; bloqueio naval britânico contra a, 216, 255» como
ameaça aos valores britânicos,
175-77; como potência militar
e econômica dominante, 105-6;
condições de Versailles após
a derrota da, 323; crise de
alimentos em 1916, 264; cultura Volk, 54; dança moderna
ria, 113; declaração de guerra
à Rússia e à França, 88-89;
despersonalização na, 98-99;
diante da derrota, 255-56; e o
deus da guerra, 247-49; economia no pós-guerra, 345-46, 374, 392; educação na, 100-1, 111-12; eleições de 1912 na,
103; espírito de revolta na,^
111-23; fabulação na, 107;
fronteiras da, 93; fusão de sociedade e cultura na Grande
Guerra, 247-60; guerra franco-
prussiana, 71, 74, 94, 99-100,
106, 111; historiadores justificam ataques a civis, 207-8; histórias oficiais da guerra,
326; Hitler torna-se chanceler
da, 380; idealismo secular na, 107-8; individualismo e honra
pessoal, 249-50; Kultur como
ideal, 95, 106-11, 120, 124,
263; literatura nacionalista no
pós-guerra, 392; modernismo
da, 13-15, 383-84, 397-99; movimento de juventude na, 52,
112, 114-16; mudanças demográficas em, 97-98; mulheres
no mercado de trabalho da, 112; nacionalismo na, 102, 110-11, 247-49; opiniões sobre
a história, 249-50, 253; oposição à guerra na, 264-66; origens tribais da, 117; papel de
Bismarck na unificação da, 94-
96; população da, 97-98; preo-
455
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cupação com a Bildung, 107;
preocupação com Macht, 107,
111; preocupação com Tech
nik, 98-103, 383, 394, 405-7; produção industrial da, 96-97;
progressos pós-industriais da,
98-99; propaganda na Grande Guerra, 207-9; protecionismo
econômico na, 102; radicalis
mo no pós-guerra, 14; reações
à efervescência cultural na,
117-18; realinhamentos políticos no pós-guerra, 325-26; re
gionalismo da, 93; relações exteriores e política exterior
antes da guerra (Weltpolitik ),
120-21; reparações no pós- guerra, 373-74; Repúbliea—de Weimar, 14, 373, 390, 392;
responsabiliza a Grã-Bretanha
pela guerra, 257-58; senso de
dever (Pflicht ) na, 228-31, 249-
53, 260; senso d e , missão na,
114; sentimento antibritânico
na, 121, 126, 257-58; sentimen
tos populares a favor da guer
ra na, 81-92, 123-29, 247-60; sistema político da, 102-3, 112; sociedade versus comunidade
na, 98-99; sociedades nacionalistas na, 102; totalitarismo
nos esforços de guerra, 254- 55; união aduaneira, 104; uni
ficação num Estado, 92-99,
252; urbanismo na, 98; ver também Berlim; exército ale
mão; Grande Guerra, nazistas; veneração da administra
ção na, 99; vontade e honra
na, 250-51; xenofobia e racismo na, 109-11.
Alfonso XIII, rei da Espanha, 47
All Our Yesterdays (Tomlinson), 370
Allgemeine Elektrizitäts-Gesellschaft, 77
Alsácia, 74América. Ver Estados Unidos
Americanização: da Europa, 341-46
anabatistas de Münster, 255
anarquismo, 73
Anel, ciclo de (Wagner), 74, 108,
253
anos trinta: ascensão nazista nos.
Ver nazistas; valorização da guerra nos, 368
anos vinte: como negação da Gran
de Guerra, 327-28; culto da juventude nos, 329, 332; estilo
internacional dos, 330-31; fas
cinação pela morte, 361; fuga
da realidade nos, 328-29; li
vros de guerra nos, 360 {ver também Nada de novo no
front ); manias e cinismo dos, 329-30; moda dos, 329; reali
dade versus mito dos, 327-29;
valorização da guerra nos, 368-69
Anschütz, Gerhard, 252
Antheil, George, 361
Anti-machiavel. (Frederico II), 99- 100
anti-semitismo, 38, 382-83, 389-90, 392, 402-4, 412-13; com ódio
de si mesmo, 403; solução final nazista, 405
Apóllinaire, Guillaume, 28, 191
Appleton, Thomas, 68
Après-midi dyun faune, L. (De- bussy/Nijinsky), 47-48, 56, 63-
64, 113
Arabic: afundamento do, 218
arianismo, 401-2 Aristóteles, 250
Aries, Michael, 331
Armínio, 117, 250
Armistício,' 255, 265, 304-5, 323-24,
326
Army Quarterly, The, 366
Arnold, Sir Thomas, 161-62
Arp, Hans, 269
arquitetura: alemã, 35-36; art-nou-
veau, 34; estilo internacional no pós-guerra, 331-32; moder-
456
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nismo, 33-34, 113; nazista,401; parisiense, 33-36, 68
Arras, batalha de, 187
art nouveau, 34-47
arte: como forma, 276-98; como
regeneração, 51-54; distinção
entre vida e, 21; e moral, 286- 91; e o socialismo, 272; formas experimentais de, 276; a
guerra como, 267-76; kitsch, 385; nazista, 385, 394-98; nova
estética da guerra, 276; papel do público na, 67, 75; Paris como centro cultural, 71-75; radical, 53; ver também movi-
mentos e estilos específicos;
versus história, 368-70 arte de governar; efeitos da Gran
de Guerra sobre a, 304
arte grega, 43
arte secessionista, 63
arte total, 44, 53-54; ver também
Gesamtkunstwerk
artes russas: em Paris, 42-54
artilharia: bombardeio de curto alcance, 199; na Grande Guerra,
182-83, 190, 198, 199
Artois, frente de, 186
Asas (filme), 352
Aschenhauer, major von Der, 151
Associação dos Judeus Alemães, Berlim, 89
Associação Nacional dos Clubes de
Moços, 345
Astor, John L., 38
Astor, Lady, 316
Astruc, Gabriel, 26, 27, 30, 31-32, 37, 38-39Atkins, Thomas, 143, 156, 167
atrocidades, histórias de: a propaganda, 298-99, 301-2
Audens, W. H., 412
Auric, Georges, 342
Auschwitz, campo de extermínio, ' 383, 404
Áustria: arquitetura na, 37; guerra
prussiana contra a, 94; ultimato à Sérvia, 82-83
Autobahnen, 407automóveis, 70; cemitério em Ver-
dun, 11; entusiasmo de Hitler
pelos, 406autoridade: fracasso tia, na Grande
Guerra, 272-73
avant-garde: e as classes baixas, 66; uso do termo, 14
aviadores. Ver avião; Lindbergh, Charles Augustus
Avião, emprego nazista do, 407; entusiasmo fascista pelo, 407-8; simbolismo do, 321-22; 337- 39; simbolismo do voo de
Lindbergh, 321-22, 333-41; potencial militar do, 335-36, 338
(ver também reides aéreos); taxa de fatalidade entre os aviadores, 337-38
Badische Anilin, firma, 97
Baker, Josephine, 264, 330, 341, 347, 349
Baksta, Léon, 43, 45, 46, 47
Balanchine, George, 347
Baldwin, Stanley, 374
balé: evolução histórica do, 58-60; ver também composições es
pecíficasbalé russo, 26-34, 44-51, 58; ver
também Ballets Russes Bali Hugo, 269Ballets Russes, 44-51, 72, 322, 408-
9; e A sagração da primavera, 26-34, 64 (ver também A sagração da primavera); esteti-
cismo e política, 65; a guerra
com gás compartilha a novidade com, 213; homossexualidade nos, 55-56; perda de
atenção no pós-guerra, 347-48
Barbusse, Henri, 225, 227
Barrès, Maurice, 69, 402
Bauer, Coronel Max, 204
Bauhaus, escola da, 333
bávaros versus prussianos, 177
Bayard, Èmile, 36
Bayreuth, festival de, 74, 108, 109
457
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http://slidepdf.com/reader/full/modris-eksteins-a-sagracao-da-primavera 473/495
Beardsley, Aubreu, 174 Beaverbook, Lord, 278 Behrens, Peter, 37 Bélgica: e a trégua de Natal de
1914, 177-78; na Grande Guerra, 123, 136, 258; política de
ocupação alemã, 203-4, 205-6, 302belle époque, 71, 74 bem público: senso de, 229 Benjamim, Walter, 385 Benn, Gottfried, 411, 412, 413 Benois, Alexandre, 43, 44, 45, 50,
63, 66, 72Bentham, Jeremy, 173 Benvenuto Celline (Berlioz), 39
Berger, Marcei, 340Bergson, Henri, 52, 209 ----- ^Berlim: aura de novidade em, 103-
4; os Ballets Russes em, 44; bombardeio aliado de (Segunda Guerra Mundial), 382; casamento no período pré-guerra em, 89; como capital, 103-6, 112; como centro de imigração cosmopolita, 104, 105;
cortes penais moabitas, 88; dinâmica de, 103-6; manifestações anti-sérvias em, 82-85; manifestações contra a guerra em, 92-93; população de, 92- 93, 104; sentimentos favoráveis à guerra em, 81-92; ver
também Alemanha Berliner Bôrsen-Zeitung, 366 Berliner Illustrirte Zeitung, 363
Berliner Lokal-Anzeiger , 86, 127 Berliner Tageblatt, 93, 117, 127, 316, 340
Berlioz, Hector, 39 Bernanos, Georges, 273 Bernard, Jean-Marc, 231 Bernes, Gerald, 347 Bernhardi, Friedrich von, 124 Bernstein, Eduard, 264 Berr, Henri, 244
Bethmann Hollweg, Theobald von, 82, 83, 87, 215, 218, 254
Béthune, frente de, 139 Better Times, 283 Bildung: preocupação alemã com,
107Binding, Rudolf, 263, 285, 411 Bismarck, Otto von, 74, 87, 94,
121, 125, 248, 251; e a unificação da Alemanha, 94-95, 99
Blachon, Georges, 218 Blanche, Jacques-Émile, 39, 50, 73-
74, 75, 269, 274 Blasis, Carlo, 59 Blass, Ernst, 247 Blast, 117 Bleak House (Dickens), 96
Blériot, Louis, 314, 322 Blitzkrieg, 406 Blumenfeld, Franz, 252-53 Blunden, Edmund, 324, 352, 360,
374-75Boasson, Marc, 193, 223, 271, 285,
292, 295, 296, 372 Boccioni, Umberto, 52 Bois, Ilse, 309 Bois sacre, Le (Flers, Cavaillet),
57bolchevistas, 228, 264, 324; aceitos pela comunidade artística e intelectual, 411-12
Bonn, Moritz Julius, 105 Borden, Mary, 343
Boris Godunov (Mussorgsky), 43 Boston: salões de baile em, 61 Bourdelle, Antoine, 36, 39 Box, Charles, 162
Boyd, Thomas, 290 Braque, Georges, 212 Brasillach, Robert, 398, 411 Braun, Eva, 416 Braun, Otto, 129 Breker, Arno, 386 Bremer Biirger-Zeitung, 91 Brest-Litovsk, Tratado de (1918),
228Bridoux, André, 224, 295
Briefe an das Leben (Eichacker), 262
458
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Brittain, Vera, 232-37
Brooke, Rupert, 46, 164, 175-76, 177
Brown, Arthur Whitten, 317
Brussel, Robert, 47
Buchanan-Dunlop, Major A. H.,
150-51Bucher, Lothar, 112-13
Buck, Richard, 45
B’iilow, Principe Bernhard von, 121
Burckhardt, Jacob, 111, 249-50
Byron, George Gordon, Lord, 17, 126
Caillaux, Henriette, 48
Caillaux, Joseph, 48
Calmette, Gaston, 47-48
caminho de volta, O
(Remarque), 359-60
Camondo, Conde Isaac de, 37-38
Campana, Roger, 194, 199
Canby, Henry Seidel, 363
Canetti, Elias, 81
Capote, Truman, 20
Capus, Albert, 79
Carlyle, Thomas, 396
Carr (aviador), 336 Carstairs, Carroll, 372
Caruso, Enrico, 38
Casement, Roger, 219
Cassel, Sir Ernest, 39
Castle, Irene, 331
Catarina II, a Grande, czarina da
Russia, 42Catedral de Notre Dame, Paris,
206
Catedral de Rheins: bombardeio da, 206, 207
Cavaillett, Gaston de, 57
Cavaleiros Teutônicos, 250
Cavalieri, Lina, 38
Céline, Louis-Ferdinand, 25
censura: na Grande Guerra, 224, 298-99
Chaliapin, Feodor, 43, 72, 348
Chamberlain, Houston Stewart,
109-10, 114, 122, 250, 340 Chamberlain, Joseph, 162
Chamberlain, Neville, 408
Champagne, frente de, 186
Chanel, Coco, 331
Chaney, Bert, 288
Charleston (dança), 321, 330, 344
Charpentier, Gustave, 72
Chartier, Émile, 296
Chatte, La (Sauguet/Balanchine), 347
Chemin des Dames: batalha de, 190, 226, 235
Chemnitzer Volksstimme, 125
Cherfils, general, 215
Chesterton, G. K., 162
Chevallier, Gabriel, 225
Chiappe, Jean, 340
Chicago Tribune, 319
choque emocional causado pelas
bombas, 223, 272; ver também
psiconeuroseciência: educação na, 100-1
ciganos: nos campos de extermínio
nazistas, 383cinema: americano na Alemanha,
345; e a Grande Guerra, 286; nos anos 20, 330, 346; sobre
a experiência da guerra, 352;
uso pelos nazistas, 406, 408-9; versão cinematográfica de Nada de novo no front,
358, 378
civilização, 106, 110-11, 114, 126, 156-57, 161, 173-76, 230-31, 2J7-38; e o senso de história, 249; e os valores burgueses na
Grande Guerra, 228-31, 237-40, 244-45; valores solapados pela
Grande Guerra, 244-45
classe média. Ver valores burgueses; civilizações
classes sociais: estetismo e, 65-66
Claudel, Paul, 314, 339
Clausewitz, Karl von, 247
Clemenceau, Georges, 69, 323, 325
Cleópatra
(balé), 47, 56
Clube do Livro-do-Mês, 351, 366
Cobb, Humphrey, 289 Cobb, Richard, 350
459
8/18/2019 Modris Eksteins - A Sagração Da Primavera
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Cocteau, Jean, 26, 33, 53, 57, 73, 191
Code of Terpsichore, The (Blasis), 59
Coli, François, 336 colonialismo, 71; alemão, 120
comércio do livro: e os livros de guerra, 352Comissão Clarendon de 1864, 162 companheirismo na guerra de trin
cheiras, 293-96Comuna de Paris de 1871, 69 comunistas: oposição a Nada de
novo no front, 364 condições atmosféricas: e o moral
das tropas na guerra de trin
cheiras, 141-42, 192-94r-e-a política, 81-82Conrad von Hõtzendorf, Conde
Franz, 136Contraponto (Huxley), 332 Convenção de Haia de 1907, 209,
214Convent Garden, Londres, 46-47 Coolidge, Caloin, 316, 317 Coubert, Gustave, 73
Cousin, Victor, 100 Craig, Gordon, 386 Crane, Hart, 378 Crémieux, Benjamin, 239 críquete, 162 Crosby, Caresse, 311 Crosby, Harry, 275, 311, 322, 350,
360, 378Cru, Jean Norton, 244 cubismo, 277
cultura do corpo, 59-60, 115-17 cultura Volk , 53 Cummings, E. E., 279, 290 Cunard, Nancy, 342
dadaistas, 262, 269, 281, 285, 361, 372
Daily Express, 278, 320, 338 Daily Herald, 335 Daily Mail, 171-72, 178-79, 211,
300, 312Dalling soldado, 169
dança: Charleston, 321, 330, .344; evolução histórica da, 57-61; popular, 61-62; ver também
Ballets Russes dança grega, 57, 58 Daniel Rops, 363
d’Annunzio, Gabriele, 400, 402, 413Dardanelos, 187, 303 David, André, 340 David, Eduard, 125 Davidson, J. C. C., 374 de Pinedo (aviador), 336
Death of a Hero (Aldington), 370 Debussy, Claude, 47, 49, 72, 74,
76
Declaração de Haia de 1899, 210 Declaração de Londres de 1909, 216
Décobert, Émile Marcei, 149 defecação, imagens de: entre os
soldados, 289-90 Degas, Edgar, 158 Delage, Maurice, 33 Delaunay, Robert, 322 Delbrück, Hans, 264
Dèlvert, Charles, 194, 196, 199, 226, 289, 293-94 Demian (Hesse), 332 Denis, Maurice, 36 Departamento de Guerra da Tche-
coslováquia, 366 Derby Eve Bali, 316, 320, 321 Derrick, T., 277 Descartes, René, 110 d’Espérey, marechal Franchel, 346
Devine, Frank, 143 Dherbécourt, senador, 339 desemprego: no pós-guerra, 325,
328, 371, 374Diaghilev, Sergei Pavlovitch: anos
de formação de, 17-19; como esteta e divulgador, 51-53; e A sagração da primavera, 33-34, 59, 61, 62, 65, 77; e Morte em Veneza, 17-18; e o balé
como forma de arte total, 43- 44; e o momento faustiano,
460
8/18/2019 Modris Eksteins - A Sagração Da Primavera
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127; e os Ballets Russes, 43- 50, 191, 322, 347; homossexualidade, 17-19, 56-57, 412; juventude e primeiros sucessos de, 39-44; morte em Veneza, 17, 19; na Alemanha, 112-13; per
da de prestígio no pós-guerra, 347-48; relações com Nijinsky, 17-18, 56-57, 80; vida em Veneza, 17-19
doença venérea: entre os soldados, 289
Dickens, Charles, 96 Dickinson, G. Lowes, 296, 363, 366 Dilthey, Wilhelm, 110, 250 Dinamarca: guerra alemã contra a,
94Disraeli, Benjamin, 130 Dobujinski, Mstislav, 42 Dodge, Mabel, 30 Dõhring, licenciado, 89 Dolin, Anton, 19 Dompierre, frente de, 154 Donnay, Maurice, 178 Dorgelès, Roland, 224, 268, 279 Dostoievski, Fiodor, 74 Doumergue, Gaston, 48, 314 Dreiser, Theodore, 377 Dresden, 105, 112 Drieu la Rochelle, Pierre, 294, 295 Droysen, Johann G., 110, 250 du Maurier, major Guy, 174 Duchamp, Marcel, 20 Duncan, Isadora, 58, 67, 113, 303,
310, 331, 348-49
Dupont, Maurice, 79-80 Dürer, Albrecht, 251
Eastman, Max, 55 Eaton, Reverendo Charles Aubrey,
303École des Beaux-Arts, Paris, 35 Eduardo, Principe de Gales, 316 educação: e valores burgueses,
239; elementar obrigatória,
100, 239; na Alemanha, 100-2; secundária e superior, 100
educação técnica: na Alemanha, 100-2
Eggebrecht, Axel, 363 Ehrenburg, Ilyia, 325, 333 Eichacker, Reinhold, 262 Einstein, Albert, 52, 101, 333
Eizige und sein Eigentum, Das (Stirner), 66 êlan vital, 52 Elektra (Strauss), 64, 118 Eliot, T. S., 158, 280, 309, 323, 349 Elizabeth, Princesa da Inglaterra,
318empirismo: e a civilização anglo-
francesa, 107emprego: divisão de, 240
empréstimo Dawes, 345 energia: e o desenvolvimento industrial, 96-97
Enfant et íes sortilèges, V (Ravel), 342
Englishman's House, An (du Maurier), 174
Enormous Room, The (Cummings), 290
Epstein, Jacob, 158
escoteiros, 60Espanha: Guerra Peninsular na,
161, 205espectro da rosa, O (balé), 32, 54,
56espírito esportivo: e a guerra, sen
so britânico de, 161-68, 177 Esquadrilha Lafayette, 334-35
Estação Horizonte (Remarque), 356 estados-maiores: atitudes para com
á guerra, 297-98Estados Unidos: adoção do isola-
cionismo depois da guerra, 323; ajuda na Grande Guerra, 255, 335; americanização da Europa, 341; como símbolo do pós-guerra, 341-42; entram
na Grande Guerra, 218, 255 Estetismo: da vida, 107-8; e da
política, 65
estilo internacional: no pós-guerra, 331-32
461
8/18/2019 Modris Eksteins - A Sagração Da Primavera
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Estrasburgo: bombardeio de, 204-5
estrategistas de gabinete: desprezo
dos soldados pelos, 292-93
estudantes: entusiasmo pela guerra
entre os, alemães, 84-85, 127
Etiópia, 400
eufemismos: usados para descrever a guerra, 279-81, 298
Eulenburg, Príncipe Philipp zu,
122
euritmia, 59, 76
exército alemão, 134-35; alistamento por classe social, 244; ata
ques a civis, 204-6; atiradores
de tocaia no, 214; atitudes britânicas para com o, 169-70;
baixas do, 136, 188; eartaS" de
estudantes mortos publicadas,
393; colapso' da Frente Oci
dental, 255, 263; e a guerra de
desgaste, 203-4; e a guerra
total, 203-4; e a guerra de
trincheiras, 137-47; e a nova
tecnologia da guerra, 203-19;
e a oposição à guerra, 264; e
a trégua de Natal de 1914,
132-33, 147-54, 177-80 e 261;
gás usado pelo, 209-13, 218
(ver também gás); lança-cha-
mas usados pelo, 214; lealdade no, 225, 261-62, 264; mo
ral e motivações no, 220-44; morteiros de trincheira usados
pelo, 214; objeções a Nada de
novo no front, 366-67; ordens
de mobilização emitidas para
o, 88, 134; plano Schlieffen, 119, 134-35, 136, 203; regis
tros militares do, 261; saques
em busca de roupas, 141; Stellungskrieg, 218; táticas e
atitudes para com a guerra,
202-19; ver também
Grande
Guerra
exército austríaco, 132, 255
exército belga, 134
exército britânico: alistamento no,
137, 167-68, 244; artistas ofi-
ciais do, 277-78; ataques e
contra-ataques, 145-46; atitu
des para com os alemães, 168-
69; baixas do, 136-37, 140, 187, 188; código social vito
riano e senso de dever, 171-
75; e a guerra de trincheiras,
136-47 (ver também guerra de
trincheiras); e a trégua de
Natal de 1914, 130-34, 147-54,
154-71; em Mons, 134-35; introdução de nova tecnologia
pelo, 215; introdução do recrutamento no, 234, 235; lealdade
no, 225; liderança no, 241;
moral e motivação no, 220-45;
motim no, 226; organizações
esportivas em recrutamento
voluntário, 167-68; razões pa
ra a confraternização de Natal em 1914, 156-71; uso de gás pelo, 211, 212; ver tambémGrã-Bretanha; Grande Guerra
exército francês: atrocidades come-, tidas pelo, 208; baixas do, 136,
187, 188; colapso do, 187; con
fraternização com os alemães
durante a trégua, 153, 170; e
a trégua de Natal de 1914,
132-33, 178; frentes do, 232-
43; introdução de nova tecnologia pelo, 213-14; liderança
do, 241; moral e motivação
no, 220-46; motins no, 190, 192, 226, 234, 243, 291, 293,
297, 375; psicologia do sol
dado do, 244; ver tambémGrande Guerra; guerra de
trincheiras
exército russo, 132, 134, 136, 187;
baixas do, 228; colapso do,
228, 255; e o mito de sua
destinação à Frente Ocidental,
300; em Berlim (na Segunda
Guerra Mundial)
Exit, V
(Montherlant), 73
Exiles (Joyce), 73
462
8/18/2019 Modris Eksteins - A Sagração Da Primavera
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exposição do Salon d’Automne, Petit Palais, 42
expressionismo, 328, 413; violência
no, 116“Extremados”, batalhão dos, 167-
68
Falaba: torpedeamento do, 217
Falkenhayn, Erich von, 136, 144, 187-88, 218
Fargue, Léon-Paul, 33
Farmer, Fuzileiro G. A., 131
fascismo: aceito pela comunidade
artística e intelectual, 411-12; e a estetização da política e
da violência, 384, 399; entu
siasmo por voar, 399, 407; erotismo do, 411-12; oposição
a Nada de novo no front, 364-65; perspectiva futurista
do, 384; as relações de Lind- bergh com o, 407-8; ver tam
bém nazistas
Faulkner, William, 377
Fauré, Gabriel, 72
Fausto (Goethe), 119
fauvistas, 73
Fayolle, Mari Émile, 297
Feder, Gottfried, 391
Ferry, Abel, 232
Fest, Joachim, 409-10
Festubert: batalha de, 187
Feu, Le
(Barbusse), 225, 226
Feurbach, Ludwig, 55
Figara, Le, 78-79, 178, 340, 347
filme. Ver
cinema
Filosofov, Dmitri, 17
Fim de jornada (Sherriff), 352, 366
Fischer, Rudolf, 127, 271
Fischer, Samuel, 361
Fischer Verlag, S., 361
Fisher, H. A. L., 370
Fitzgerald, F. Scott, 246, 341
Flandres, frente de: guerra de trincheiras na, 137-47, 156, 187
Flaíiner, Janet, 322 Flêischer, Hans, 253
Flers, Robert de, 57
Flex, Walter, 262
Foch, marechal Ferdinand, 314
Fokine, Michel, 44, 48, 59, 63-64, 347
Folies Bergères, Paris, 342
Fontane, Theodor, 101, 118
Forain, J. L., 36força aérea alemã: reides aéreos
realizados pela, 206, 207, 274; na Segunda Guerra Mundial,407
Força Expedicionária Britânica
(BEF). Ver Exército britânico
Ford, Ford Madox, 158
Fortnightly Review, The,
374
fotografia: como meio, 274, 352, 357
França: a Alemanha declara guerra
à, 89; civilização versus Kul-
tur alemã, 108, 110-11, 114,
126; como árbitro cultural, 72- 75; condições no pós-guerra, 374-75; e a Guerra da Península, 161; exilados modernis
tas na, 73-74; no fin de siècle, 67-75; política no pós-guerra,
325-26; população da, 98; produção industrial da, 97; Segundo Império, 71; senso do
dever proveniente dos valores
da classe média, 228-231; sentimento antigermânico na, 74; sentimentos antibritânicos no
pós-guerra, 375; taxa de nata
lidade em declínio na, 71-72;
Terceira República, 70-71; valores burgueses na Grande
Guerra, 239-40; ver também
exército francês; Grande Guerra; Paris
François-Poncet, André, 381-82,408
Frank, Bruno, 363
Frankfurter Zeitung, 87
Francisco Ferdinando, arquiduque
da Áustria, 79, 82
463
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franco-atirador , O (Weber), 39
Fredenburgh, T., 290
Frederico Barba-roxa, imperador
do Sacro Império Romano,
119, 250
Frederico II, o Grande, rei da
Prússia, 89, 92-93, 99, 250, 396, 398, 400; Testamento de
1752, 99
Freikõperkultur, 115
frente interna da Grande Guerra, 232-33, 279-80; antipatia dos soldados pelos civis, 294; car
tas da, 294; estrategistas de gabinete, 293; material de-
leitura vindo da, 293-94; ver
também imprensa; propaganda Frente Ocidental: batalhas da, ver
batalhas específicas ; fracasso
alemão na, 255; guerra com
gás na, 209-13; moral e motivações na, 220-46; períodos
da, 189; surrealismo e, 191;
tática na, 144-45, 187; ver também exército alemão; exército
britânico; exército francês;
guerra de trincheiras; Grande Guerra
Frente Oriental: colapso do exér
cito russo, 227, 256; táticas na, 145, 187
Freud, Sigmund, 52, 55, 327, 333
Frick, Wilhelm, 367-68, 380
Friedell, Egon, 372
Fromelles, frente de, 145
Frühlingserwacheti (O despertar da primavera) (Wedekind), 63
Fry, C. B., 163
Fíy, Rogêr, 112
Fudakowski, Janek, 20
Fürstenberg, Max Egon Fürst zu, 118
futebol: 161-62, 168-69; batalhão dos jogadores de, 168-69
futurismo, 42, 52, 53, 116, 270,
277j na perspectiva nazista, 384, 410
“Futurismos e futuristas” (Palácio
Grassi, Veneza, 1986), 21
Gabo, Naum, 347
Galieni, Joseph Simon, 241
Galipoli, campanha de, 176, 187
Galsworthy, John, 270
Gamble, J. W., 274-75, 280
Gamier, Tony, 34
Garrod, R. G., 133
gás: experiência de Hitler com o, 388, 390; nos campos de extermínio nazistas, 405; usado
na Grande Guerra, 183, 196,
205, 209-13, 217, 218, 154, 281,
299, 303
gás de cloro, 212-13; ver também gás
gás de fosgênio, 212-13; ver tam
bém gásgás de mostarda, 212-13; ver tam
bém gásgás venenoso. Ver gás
Geibel, Emanuel, 111 Generation Missing, A (Carstairs),
372
George, Stefan, 114 geração perdida, 294, 360, 361
Germain, José, 350, 372
Gesamtkunstwerk , 43-44, 89, 108
Gestapo, 378, 399
Ghéusi, P. B., 347-48 Ghilchick, David, 263, 284
Gide, ‘André, 51, 53, 57, 225, 309,
321Gilman (aviador), 336
Giraudoux, Jean, 199 Giselle, 56
Glaeser, Ernst, 127
Glazunov, Aleksandr, 43
Goddard, Paulette, 353
Godin, Pierre, 339
Goebbels,. Joseph, 378, 380, 381, 395, 397, 399, 400, 401, 405,
408, 415, 416; organiza as co
memorações da eleição, 381-82
Goebbels, Magda, 416 Goering, Herrmann, 380, 401, 407
464
8/18/2019 Modris Eksteins - A Sagração Da Primavera
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Goethe, Johann Wolfgang von, 11,
93, 120, 126, 251, 253, 353, 377
Goldring, Douglas, 407
Goll, Ivan, 188, 340, 343
Goncharova, Natalia, 54, 347
Goodbye to all that (Graves), 366,
374Gosse, Edmund, 268
Gosset, Alphonse, 36
Gould, Gerald, 175
Grã-Bretanha: acusada de causar
a guerra pela Alemanha, 257-
58; ameaça alemã aos valores
da, 175-76; arquitetura na,
113; arte e cultura na, 157-58;
atitudes milenaristas para com
a guerra, 126-27; civilização
versus Kultur alemã, 107-8,
110-11, 114, 126, 156; código
social na época da Grande
Guerra, 171-75; como potência
conservadora, 13-14, 157-58;
condições no pós-guerra, 374;
conformismo na, 174; ^e a
Guerra da Península, 161; e a
guerra submarina alemã, 215-
16; espírito esportivo e guerra, 161-68; insularidade da, 172; medo e ódio alemão da,
121, 126, 257-58; missão na
Grande Guerra, 156-71; mo
ralidade vitoriana/eduardiana
e a Grande Guerra, 158-59,
171-75; Pax Britannica, 13-
14, 114, 157; política nopós-guerra, 325-26; popula
ção da, 98; produção indus/
trial da, 97; qualidade de
vida na, 172; reides de zepe
lim sobre a, 207; senso de
dever proveniente dos valores
da classe média, 158-59, 228-
31, 237; sentimentos antifran-
ceses no pós-guerra, 374-75; valores burgueses na Grande
Guerra, 228-31, 237-38; ver
também exército britânico;
Grande Guerra
Graham, Kenneth, 176
Grand Palais, Paris, 35; exposição
“Locomoção Aérea” no, 322
Grande desfile, O, 352
Grande Guerra: abordagem espiri
tual alemã da, 123-4, 159-60,
203-8, 247-59, 302; armistício,
255-56, 265, 303-4, 323-24,
326; artilharia na, 182-83; ata
ques civis na, 205-7, 217-18;
atitudes alemãs para com as
regras da guerra, 203-19; ati
tudes britânicas e alemãs para
com a causa da, 156-61; atitu
des milenaristas para com a,
126, 159, 248; baixas da, 136-
37, 140, 187-88, 197-99, 201-2,
227, 243, 244, 324; chuvas de
inverno de 1914, 137-47; códi
go social britânico na época
de, 171-75; comemorações do
soldado desconhecido,. 326-27,
333-34; como guerra de des
gaste, 187, 204-5, 226; como
guerra total, 204-5, 217; con
dições de paz da, 323; confra
ternização durante a, ver tré
gua do Natal de 1914; cortes-
marciais na, 221, 234; censura
na, 224, 298-302; desenvolve
seu próprio impulso, 235-36;
deserção na, 221, 243; diários
e cartas, 221, 222-23, 232; e o
caráter pessoal, 237; efeitos
imediatos da, 321-33; em
1914, 136-180; espírito esportivo britânico e a, 161-68; estra
tégias da, 186-202; frente inter
na, 232-33, 280-81; gás usado
na, 183, 196, 205, 209-13, 219,
254; guerra de posição, 188;
guerra de trincheiras, 136-47,
182-202 (ver também guerra
de trincheiras); guerra subma
rina na, 205, 216-19; histórias
oficiais da, 326-27; insubordinação na, 221, 226, 227, 235;
465
8/18/2019 Modris Eksteins - A Sagração Da Primavera
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lança-chamas na, 205, 213-14;
licença para ver a família,
291-94; liderança militar na,
240-41, 272-73, mobilização de
tropas, 134; moral e motiva
ção na, 226-46; moralidade
como decoro, 237; na literatura, 351-79; nova tecnologia in
troduzida pelos alemães, 203-
19; paralisação provocada pe
las chuvas de inverno de
1914, 137-47; o plano Schlief-
fen da Alemanha, 120, 133-
34, 136-203; poptííação às vés
peras da, 98; previsão de bre
vidade da, 124; propaganda
na, 133, 207-9, 233, 268, 298-
303; razões para a trégua do
Natal de 1914, 154-71; reali-
nhamento político no pós-
guerra, 325-26; reides aéreos,
207, 269, 274; repressão da
memória da, 327; saques, 141;
senso do dever na, 226, 228-
46; sentimentos populares a
favor da, 81-92; serviço militar
obrigatório introduzido, 235-
36, 240; significado da, 12;
tanques introduzidos na, 215-
16; trégua do Natal de 1914,
130-34, 147-54, 154-71, 177-80;
tréguas de 1915, 180; ultima
to à Sérvia, 83-84; valores bur
gueses na 228-31, 237-41, 245-
46; ver também exército ale
mão; exército britânico; exér
cito francês; Frente Ocidental;
verão de 1914, 81-82
Granville, Lord, 215
Graves Robert, 227, 242, 274, 291,
294, 295, 304, 324, 352, 360,
366, 370, 371, 374
Grécia: Guerra com a Turquia,
324
Green Hat, The (Arlen), 331
Gregson, William, 217
Grey, Lady de, 38
Grey, Sir Edward, 138, 258
Griffith, Wyn, 274
gripe: epidemia de 1918-19, 323
Groener, general Wilhelm, 354
Gropius, Walter, 37
Gross, Valentine, 26, 29-30, 31, 33
Group of Soldiers, A (Nevinson), 278
Gruber, Max von, 402
Grundlagen des neunzehntèn Jahr-
hunderts (Chamberlain), 108
guerra: como arte, 267-75; e arte,
associações alemãs de, 127-28,
159-60; espírito esportivo bri
tânico e a, 161-69
Guerra Civil Americana, 124
Guerra da Criméia, 124
Guerra de trincheiras, 182-202; ali
mentação na, 193-94; avanços
para a terra de ninguém, 185-
86; assassinato de oficiais,
243; ataques de gás, 193, 196,
205, 209-14, 219, 254, 280, 299,
303; baixas da, 136-37, 187-
88, 197-200, 201-2, 243; barga
nhas durante a -trégua, 151-52;
bombardeios de curto alcance
200; brincadeiras entre as li
nhas, 143-44; camaradagem
na, 233-34; cartas de casa,
293; choque emocional causa
do pelas bombas na, 223-24,
272-73; colapso das barreiras
sociais na, 295-96; como expe
riência estética, 274-75; como
guerra de posições, 189; companheirismo na, 294-97; con
dições climáticas e moral das
tropas, 141-42, 191-94; condi
ções com as chuvas de inver
no de 1914, 137-47; crítica
histórica de, 240-42; defesa
como ataque na, 1^89-90; de
serções, 243; dessensibilização
na, 221-25; duração do turno
de serviço, 192; e a barragem
de artilharia, 182-85, 189, 199-
466
8/18/2019 Modris Eksteins - A Sagração Da Primavera
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200; e a sensação de isolamen
to, 271; e a tática da Frente
Ocidental, 145-47, 187-91; e o
conceito de guerra total, 204-
5; e o senso esportivo britâni
co, 161-68; enterros durante a
trégua, 150; estabelecida pelas primeiras batalhas, 137-38
(ver também batalhas específi
cas); fedor de morte na, 185,
197-200; frio na, 192-94; hor.
ror versus tédio na, 200-1;
imunização contra a brutalida
de, 201; inadequação da lin
guagem tradicional para des
crever a, 278-79; jogo de fute
bol durante a trégua, 152-53;
lama e,. 191-94; lança-chamas
na, 205, 214; licença passada
em casa, 291-94; material de
leitura recebido de casa, 292-
94; metralhadoras na, 189-90;
moral e motivação na, 220-
46; morteiros empregados na,
214; mutilação na, 198; para-
sitos na, 195-96; peso das mo
chilas, 184-85; prioridade dos
interesses materiais na, 224,
232-33; privação de sono na,
196-97; reações automáticas
na, 221-27; reconstrução de
trincheiras, 143; regras de’
comportamento, 221-22; rela
ções entre soldados e oficiais,
144-45, 147, 242-43; responsa
bilidade de, atribuída aos ale
mães, 214; retratada na arte,
277-78; saída das trincheiras,
220, 221, 243; senso de cama
radagem na, 294-97; senso de
dever na, 227, 228-46; sujeira
e imundície de, 192-93, 194-
95; tédio nas, 201-2; tiros de
tocaia e reides noturnos na,
142-43, 214; trabalho noturno,
197; trégua do Natal de 1914,
130-34, 147-54, 153-78; trocas
de rações, 144; ver também
exército britânico; exército
francês; exército alemão; visão
dos artistas da, 268-69
Guerra dos Balcãs (1913), 78
Guerra dos Bôeres; 124
Guerra franco-prussiana (1870-71), 71, 74, 94, 100, 106, 111, 204,
Guerra peninsular, 161, 205
guerra química. Ver gás
guerra russo-japonesa (1905), 42
guerra submarina: na Grande
Guerra, 205, 215-18, 254
guerra total, 204-5, 254; e a guerra
submarina, 216-17
Guilherme I, kaiser da Alemanha,
87Guilherme II, kaiser da Alemanha,
47; abdicação de, 323; como
marionete durante a guerra,
254; dispensa Bismarck, 94,
118; e o sentimento popu
lar a favor da guerra, 82, 84,
85-86, 87, 88, 89; homossexua
lidade no séquito de, 113, 118-
19; interesse pelas artes e
pela dança, 118-19; personali
dade de, 118-19; xenofobia de
109
Guffuhle, Comtesse, 38, 43
Guinle, Alexandre, 340
Gundolf, Friedrich, 114
Gurkha, tropas: na Grande Guer
ra, 301
Gurney, Ivor, 370
Haber Fritzs, 209
Hahn, Reynaldo, 46
Haig, Marechal de campo Sir Dou
glas, 138, 214, 235, 241, 245,
297
Halam, Henry, 101
Halsey, Margaret, 345
Hamilton, general Sil Ian, 303,
359
Hanfstaengl, Ernst, 403, 410 Harden, Maximillian, 115
467
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Hardy, Thomas, 176
Harich, Walter, 252
Harnack, Adolf von, 207, 257-58,
264
Hartlepool: bombardeio de, 207
Harvey, John W., 192, 201, 299
Hauptmann, Gerhart, 207, 254, 411 Haussmann, Conrad, 125
Haussmann, Barão Georges, 68, 69,
71
Hay, Ian, 230
hedonismo: xio-^ds-guerra, 327
Hegel, G. W. F., 111
Heidegger, Martin, 411, 412
Heine, Heinrich, 67
Heinz, Friedrich Wilhelm, 391
Hemery, René, 304
Hemingway, Ernest, 318, 341, 346,
352, 360
Henderson, Nevile, 408
Herder, Johann von, 53
Hermann, monumento a, na flo
resta Teutoburg, 117
Herrick, Myroq T., 317, 319, 335
Herzl, Theodor, 20, 108
Hesse, Hermann, 128, 332, 346
Hesse, Rudolf, 401
Heuss, Theodor, 125
Himmler, Heinrich, 401
Hindenburg, Paul von, 136, 254,
325; presidente eleito da Ale
manha, 393, 398
Hines, cabo interino, 165, 170
Hirschfield, Magnus, 115, 126, 127
história: como arte e não ciência,
250; cultural, 12-13; e o revisionismo de Nada de novo no
front, 376; e o senso de iden
tidade anglo-frances, 231; mili
tar, 12-13, 326-27; negação da,
nos ataques civis da Grande
Guerra, 207-8; opiniões alemãs
sobre a, 250-51, 253; versões
oficiais da Grande Guerra,
326-27; versus arte, 369, 371;
versus ficção, 12; versus mito. 395
história cultural, 12-13.
história militar: 12-13; da Grande
Guerra, 326
historiadores: sobre a liderança
militar da Grande Guerra,
240-41; versões oficiais da
Grande Guerra, 326; versus
artistas, 368-69
History of Europe (Fisher), 370
Hitler, Adolf, 109, 373, 377, 380;
anti-semitismo de, 389, 403-5; aparência de, e teorias raciais,
401; capacidade de liderança
de, 394-95; como soldado des
conhecido, 391; discurso de,
396, 409; entusiasmo pelo cinema 406, 408; experiência
de guerra de, 386-90; fascina
ção por carros e aviação, 407;
juventude de, 386-87; morte
de, 416-17; nomeado chan
celer, 380, 393; opiniões so
bre a tecnologia, 389; opiniões
sobre a organização social,
389; opiniões sobre políti
ca, 389; personalidade de, 404-5; personalização da his
tória, 395; sexualidade de,
403; simbolismo para os ale
mães, 409-10; sobre a vida
como arte, 398; tentativas de
assassinato contra, 398-99,
400; vítima de gás, 390
Hobbes, Thomas, 304
Höchst, firma, 97
Hoffmann, E. T. A., 53
Hofmannsthal, Hugo von, 64.
Hohenzollern, dinastia, 94, 250
Holanda: relatório sobre a guerra
química, 213
Holmes, Oliver Wendeil, 68
holocausto, 382-83, 403
“homens ocos, Os” (Eliot), 323
homossexuais, 17-19, 55-57, 73,
411; apoio à Grande Guerra, 88; emancipação dos, 13, 55,
468
8/18/2019 Modris Eksteins - A Sagração Da Primavera
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112, 114-15; os campos de extermínio nazistas, 383
Hope, T. S., 243 Houghton, Alanson B., 316 Housman, A. E., 176 Huelsenbeck, Richard, 269
Hugenberg, Alfred, 373 Hughes, coronel G. W. G., 211 Huguet, general, 375 Huizinga, Johan, 130 Hulse, Edward, 169 Hülsen-Hãeseler, Dietrich conde
von, 118humanismo: morte do, 285
Humanité, L\ 318 Humbert, general, 235
humor negro: expressando a nova sensibilidade, 282-83
Humperdinck, Engelbert, 207 Huot, Louis, 244 Huxley, Aldous, 332
Ibsen, Henrik, 112 idealismo alemão, 112, 248-49, 250-
51
idealismo secular: os nazistas e o, 383
Igreja Memorial do Kaiser Guilherme, Berlim, 119
Illustrated London News, 46 Im Westen nichts Neues. Ver Nada
de novo no front imagens escatológicas: entre os sol
dados, 288-89Imperial War Museum, Londres,
277imperialismo: britânico, 117 impotência sexual: entre soldados
e veteranos, 273, 372 imprensa: britânica antigermânica,
168; censura e propaganda na Grande Guerra, 298-303; desprezo dos soldados pela, 292; e o voo de Lindbergh, 310, 313, 315, 317, 319-20; e os
valores burgueses, 239; sobre A sagração da primavera, 31-
32; sobre a trégua de Natal de 1914, 156, 177-80; sobre os Ballets Russes no pós-guerra, 347-48; sobre temas da guerra*, 352
impressionismo, 42, 73; na músi
ca, 50indústria de alcatrão: na Alemanha e na Grã-Bretanha, 102
indústria de corantes, 97 indústria do aço, 97 indústria do ferro, 97 industrialismo: na Alemanha, 96-98 Inglaterra. Ver Grã-Bretanha intelectuais; e a Grande Guerra,
267-68; apoio aos nazistas na Alemanha, 411-13
introversão: entre os soldados,273-86, 298-99
Ionesco, Eugène, 280 Irlanda, 173; apoio alemão aos na
cionalistas, 219ironia: como expressão da nova
sensibilidade, 280-85; senso de, na Grande Guerra, 227-28
Isherwood, Christopher, 332, 333, 393Isherwood, Frank, 140, 233 isolamento: e a guerra de trinchei
ras, 271-72; e o sentimento de camaradagem dos soldados, 294-98
Jacobs, Monty, 362-63 Jacobsen, Freidrich, 258 Jacques-Dalcroze, Émile, 59, 77,
409Jahn, Turnvater, 116
Jahrgang 1902 (Glaeser), 128 James, Henry, 164, 206, 209, 268,
270, 300-1 Jarry, Alfred, 290
jazz, 342Jerome, Jerome K., 165-66, 168
Jeux (Debussy/Nijinsky), 27, 28, 49, 56, 57
469
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Joffre. general Joseph, 189, 241, 314. 375
Johannet, René, 237 Johannsen, Christian, 58 Johst. Hanns. 413 Jones, David, 231, 270, 275
Jones, Percy, 140, 148, 151, 169, 195, 231, 234, 274
Jorge V, rei da Inglaterra, 46, 229, 316
Jovem Tòrless, O (Musil), 332 Joyce, JamesTTlT 108, 271, 290-91,
412Judd, Samuel, 151 July 1914 (Ludwig), 128 Jung, Edgar, 412
Jünger, Ernst, 188, 192, 198, 208, 262, 292, 294, 295, 356, 391 Jutlândia: batalha da, 216, 218
juventude: culto da, nos anos vinte, 332; curiosidade sobre a guerra no pós-guerra, 377; movimento de emancipação da, 13-14, 55-56, 73, 112, 114-15
Kafka, Franz, 81, 322
Kahn. Otto H., 39 Kahr, Gustav von, 412 Kangaroo (Lawrence), 66 Kardoff, Wilhelm von, 102 Karsavina, Tamara, 45, 46, 56 Kellerman, Bernhard, 363
Kemmel Times, 283 Kerouac, Jack, 69 Kessler, Harry Count, 348, 382, 400 King, Mackenzie, 335
Kipling, Rudyard, 157, 164, 270 Kirchhoff (cantor), 149 Kirchner, Ernst Ludwig, 114 Kitchenner, Horatio Herbert, 138,
215, 230, 286, 301 kitsch: o nazismo como, 385, 410 Klatt. Fritz, 253 Klausener, Erich, 412 Klee, Paul, 267, 332 Klemm, Wilhelm, 251
Klimt, Gustav, 55
Kluck. Alexander von, 135
Kochno, Boris, 19 Kraus. Karl, 417 Kreisler, Fritz, 201, 223 Krell, Max, 362
Krieg (renn). 370 Kroll Opera House, Berlim, 395
Kropp, Peter, 354
Kultur: como ideal alemão, 95, 106-111, 119, 325, 262; e a Gesamtkunstwerk, 107-8; nazistas e o, 392, 413; versus civilização anglo-francesa
Kuznetsova (cantora), 72
La Bassée, frente de, 139 Laban, Rudolf von, 409
Laloy, Louis, 77lança-chamas: na Grande Guerra, 205, 214-15
Landowska, Wanda, 38 Langbehn, Julius, 108, 114, 250,
340Langemarck, Flandres: primeiro
emprego de gás em, 209-10 Larionov, Mikhail, 43, 54, 347 latrina: imagens de: entre os sol
dados, 290-91 Lawrence, D. H., 66, 68 Lawrence, T. E.. 324 Lawson, Dillon, 371 Le Bon, Gustave, 245 Le Cateau: batalha de, 137 Le Corbusier (Charles Édouard
Jeanneret), 35Le Touquet, frente de, 145
Leane, B. B., 178
Lebensreformbewegung, 112 Léger, Fernand, 342 Lei Seca, 346
Leibeskultur, 59. 115 Lênin, Vladimir, 219, 269 Lessing, G. E., 126 Levaillant, Maurice, 340 Lewis, Wyndham, 11b Ley, Robert, 391, 402
liberação: como motivo, 13
Liddell Hart, Basil, 134-35, 282
470
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Marx, Karl, 157
Masefield, John, 279
Masterman, Charles, 277
Maud’huy, coronel, 241
Mazenod, Pierre de, 212, 380
McGill, Patrick, 222
McGregor, Peter, 184, 193, 236, 271-72, 287
Meier-Graefe, Julius, 122
Mein Kampf^X Hitler), 390
Meinecke, Friedrich, 81, 91-92, 125, 207, 264
Meistersinger, Die (Wagner), 410
Méléra, César, 237
Metropolitan Ópera, Nova York, 38
Metternich, Principe Klemens von,
93, 157Mies van der Rohe, Ludwig, 37
Milestone, Lewis, 378
Mill, John Stuart, 157, 159, 173, 239, 256
Minenwerfer (Minnies), 214
Miquel, Pierre, 209
Mir iskusstva. Ver Mundo da Arte
mito: versus história, 395; como realidade, para os nazistas,
395-410mobilização industrial: para a
Grande Guerra, 187
moda: nos anos vinte, 331; silhueta esbelta, 59-60, 331
modernismo: alemão, 36-37; americano, 34146; dos anos vinte,
328-33; e Nada de' novo no
front, 372-73; e o voo de Lindbergh, 321; e os exilados, 73;
e os nazistas, 383-84, 398, 414;
a experiência dos soldados e
o, 273; na arquitetura, 35-37; ná política, 304; uso do termo, 14
momento faustiano, 126
Montherlant,' Henry de, 73, 296, 332
moralidade: destruição da perspec
tiva na Grande Guerra, 273- 74; e a arte, 286-91; e o ca-
ráter, 237; ver também moralidade sexual
moralidade eduardiana: e a Grande Guerra, 171-75
moralidade sexual, 54-57; na Alemanha, 114-15; na arte e na
literatura, 115-16; repudiada entre os soldados, 288-89; ver
também homossexuais
moralidade vitoriana, 54-55, 158- 59; e a Grande Guerra, 171-75
Morand, Paul, 199, 412
Morgan, Pierporit, 38
Morley, Christopher, 363
Morning Post, 370
Morte em Veneza (Mann), 18-20
Mortimer, brigadeiro P., 282 Moscou: como centro modernista,
342Mosley, Sir Oswald, 384
morteiros de trincheira, 215
Mottram, R. H., 360, 370
Mountfort, Roland D., 167, 195,
291movimento feminista, 14, 112, 115;
apoio à Grande Guerra, 88
movimento pangermânico, 204, 255
movimentos de emancipação, 14;
dos jovens, 14, 55-56, 73, 112,
115, 116-17; feministas, 14,112, 115; homossexuais, 14, 55-56, 112, 114-15, 126
Mozart, Wolfgang Amadeus, 50
Muggeridge, Malcolm, 382
mulheres: americanas, domínio das,
342; trabalhadoras na Alemanha, 112Munch, Eduard, 112
Mundo da Arte (Mir iskusstva),
41-43, 51, 65Munique, 105, 112; putsch nazista
em, 400Munro, Colin, 152
Münster, conde Georg, 71
Murry, John Middleton, 353-54
Museu Nacional da Guerra, Londres, 277
472
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música: evoluções no século XIX,
50; ver também composições
específicas
música alemã, 50
Musil, Robert, 382
Mussolini, Benito, 391, 400, 408,
413Mussorgsky, Modest, 43, 72
nacionalismo: na Alemanha, 102,
110, 248-51nacionalismo místico: na Alema
nha, 110
Nada de novo no front (Remar
que): acusações em, 360; co
mo best-seller, 369; críticas a,
259-60, 366-67, 376; como o
grande romance da guerra,
370; como propaganda, 366- 67; como foi escrito, 357-62;
e o modernismo, 373; e a
mentalidade do pós-guerra,
359, 360, 368, 371-72, 376-77,
377-78; e a história revisionista, 376; filme de, 357, 377-78,
416; história da publicação de,
362-63; imagens de defecação
em, 290, 365; linguagem de, 366; objeções militares a, 366-
67; proibição nazista de, 367-
68, 378-79; publicação em fo
lhetim, 351; reação dos veteranos a, 371-72, 376-77; re
cepção e resenhas de, 363-67;
tema da geração perdida em, 360; temas do livro, 357-60;
traduções de, 351-52, 363, 366;
vendas de, 351-52, 364, 369;
verdade de, 363-67, 377-78
Napoleão I, 74, 93, 100, 205, 250
Napoleão III, 71, 157
narcisismo: dos nazistas, 384-85,
402; pós-guerra, 327; e o racismo, 402
Nash, Paul, 191, 276
National Gallery, Londres, 158
Naumann, Friedrich, 73, 248 nazistas, 14; aceitação popular dos,
398-99; anti-semitismo dos, 403; arquitetura dos, 401;
campos de extermínio, 382-83,
404-5; celebração da morte
pelos, 400-1; celebração das
vitórias de 1933, 381-82; comí
cios monstros de Nuremberg,
408-9; como culto, 395; como
doutrina do conflito, 397; co
mo espetáculo, 395, 408-9;como movimento, 396, 400-1;
contradições do programa político dos, 400-1; e a avant-
garde, 394-95; e a literatura
nacionalista, 392; e as eleições
de 1929 e 1930, 393; e o mo
dernismo, 384, 397, 414; evolução do partido, 395; ganhos
na eleição de 1933, 380, 393;
Lindbergh e os, 407-8; o mito
como realidade para os, 398- 410; A Noite das Longas Fa
cas, 412; princípios dos, 394-
98; programa de Vinte e Cinco Pontos dos, 396; proib^ão
de Nada de novo no /flpf,
367-68, 378-79; proibição e
queima de livros, 367-68, 378-
79, 394; propaganda feita pelos, 406; relações com a comu
nidade artística e intelectual,
411-13; simbolismo de Hitler
para os alemães, 410; socialis
mo dos, 391; tecnicismo dos, 384, 394, 405; tese racista dos,
401-5 (ver também anti-semi
tismo); uso do cinema, 406, 408-9; ver também Hitler,
Adolf; visão futurista dos, 384, 411
Neuve Chapelle: batalha de, 143; frente de, 187
Nevill, capitão W. P., 166-67
Nevinson, C. R. W., 277, 343
Nevinson, Henry W., 343
“New Church” Times, 283
New Statesman, 174 New York Times, 65
473
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Partido Socialdemocrata (SPD)
(Alemanha), 89, 102-3, 125, 373; e a Grande Guerra, 254,
264Partido Trabalhista (Grã-Breta
nha), 325
partidos de esquerda: no pós-guerra, 325-26, 327
passaportes: introdução dos, 304
Pássaro de fogo, O (Stravinsky),
61, 347Passchendaele: batalha de, 188-89
Pastors, Gerhart, 251, 257
patentes: desenvolvimento na Alemanha e na Grã-Bretanha, 101
Paths of Glory, The (Nevinson),
277-78patriotismo: e o senso de dever,
231
Pattenden, soldado, 160
Pavilion d’Armide, Le (balé), 44
Pavlova, Anna, 45, 56
Pax Britannica, 14, 114, 157
Pedro o Grande, Czar da Russia,
41, 42
Péladan, joséphin, 267
Pélleas et Melisande (Maeterlinck), 123
penteados, estilos de, no pós-guerra, 331
Percin, general, 199
Percy, W. R. M., 169
Pergaud, Louis, 208
Péronne: bombardeio de, 205
Perret, Auguste, 34, 37
Pétain, general Philippe, 223, 232,
298Petipa, Marius, 58
Petit Palais, Paris, 35, 42
Petrushka (Stravinsky), 56, 62
Pflicht (dever) senso alemão de,
228-30, 249, 251-52, 260
Picardia, front de, 187
Picasso, Pablo, 73, 112-13, 191, 212
Piltz, Maria, 30
pintura: na França fin de siècle,
73; ver também movimentos
específicos
Pirandello, Luigi, 280
Planck, Max, 52, 101
Poelzig, Hans, 37
poesia: modernista, 274; sobre o
símbolo do vôo de Lindbergh,
339-40; versus história, 250
Ponte de San Luis Rey, A (Wilder), 368
Populaire, 336
Portland, duquesa de, 38
pós-impressionismo, 36, 112-13
Potemkin, Grigori, 42
Poulenc, Francis, 342
Pound, Ezra, 158, 397, 413
Pourtalès, conde Friedrich von, 88
Pourtalès, condessa de, 29
Powell, Anthony, 230
Powell, Garfield, 223, 232, 275,
293Priestley, J. B., 174
Primeira Guerra Mundial. Ver
Grande Guerra
primitivismo: interesse alemão
pelo, 117, 122-23
Principe Igor (Borodin), 32, 44
produção de energia elétrica, 96-97, 104
propaganda: do período da guerra
na França, 170; e os artistas
britânicos, 277; e os valores
burgueses, 239-40; na Grande
Guerra, 133-34, 207-9, 233,
268, 298-302; Nada de novo
no front denunciado como,
366-67; nazista, 406; ver tam
bém imprensaprostituição: na Alemanha, 115;
na Frente Ocidental, 288
Proust, Marcei, 38, 51, 57, 62-63,
74, 268, 372
Prússia, 93; administração na, 99,
104; e a unificação da Alemanha, 93, 94, 95-96, 99, 104;
educação na, 100-1; industria-
lismo na, 104; ver também
Alemanha versus Saxônia, 170,
177-78
475
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psiconeurose: entre os soldados e
veteranos, 272, 273, 371-72;
ver também choque emocio
nal causado pelas bombas
Punch, 47, 50, 60, 152, 163
Pushkin, Aleksander, 33
Quandt, Harald, 416
Quinton, W. A., 133
Quittard, Henri, 27, 28, 77
Rachmaninov, Sergei, 43
racionalismo, 52-53; e a civilização anglo-francesa, 107, 256
racionamento de alimentos: para a
Grande Guerra, 187
racismo, 401-5; na Alemanha, 109-
10; ver também anti-semitismo
Radbruch, Gustav, 264
radicais: e a Grande Guerra,
268-70; no pós-guerra, 325-26,
327, 332
rádio: nos anos vinte, 330; usado
pelos nazistas, 408
Rag-Time (Auric), 342
Rag-Time (Stravinsky), 342
Rainbow, The (Lawrence), 67
Rambert, Marie, 26, 77, 78
Raper, coronel Henry S., 213
Rathenau, Walther, 120, 255, 323,
404
Ravel, Maurice, 33, 72, 342
Raws, J. A., 197-98
Ray, Man, 20
Read, Herbert, 177, 190, 192, 227,
233, 238, 294, 295, 297, 363,
370
Rebelião dos Boxers, 117
recrutados: na Grande Guerra,235-36, 240
Reforma, 92
Regnier, Pierre de, 340
Reichstag, Berlim, 395, 397
reides aéreos: da Grande Guerra, 206, 207, 269, 274
Releve du matin, La (Motherland), 332
religião; na Alemanha, 92, 95
Remark, Peter Franz, 354
Remarque, Erich Maria, 290, 350- 79; anos de formação de, 353- 54; carreira no pós-guerra,
355; e a fama, 362-78; e a
redação de Nada de novo no
front, 357-62; empréstimos,
356-57; escreve O caminho de
volta, 359-60; experiência de
guerra de, 354-55; fascinação
pela morte, 356-61; sugerido
para o Prêmio Nobel, 363, 366
Rembrandt ais Ersieher (Lang-
behn), 108
Renan, Ernest, 100
Renn, Ludwig, 352, 360, 370 renovação revolucionária: a Gran
de Guerra e a, 269-70; ver
também radicais
Revolução de 1848, 69
Revolução Francesa de 1789, 68
Revolução Russa de 1905, 42, 66
Revolução Russa de 1917, 69, 219, 227-28, *324, 411
Revue des deux mondes, 219
Revue Nègre, La, 347 Rhapsodie nègre (Poulenc), 342
Rhodes, Cecil, 164
Richepin, Jean, 61
Richter, Hans, 269
Rickert, Heinrich, 110
Ricketts, Charles, 48
Riebensahm, Gustav, 132, 141, 150, 167
Riefenstahl, Leni, 405
Riezler, Kurt, 84, 91 Rilke, Rainer Maria, 249, 270
Rrmsky-Korsakov, Nicholai, 43, 46
Rimsky-Korsakov, Vladimir, 43
Rivière, Jacques, 51, 75, 77, 225
Roberts, Róbert, 173
Robertson, general Sil William, 215
Rocheblave, Samuel, 72
Rodin, Auguste, 47
Roerich, Nicholas, 43, 45, 63, 77
Rolland, Romain, 253
romantismo, 53
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Sikh, tropas na Grande Guerra,
302
Silésia, 99, 104
sílfides, As (balé), 32 Sitwell, Sacheverell, 347
Smiles, Samuel, 171-72, 228
So ziehen wir aus zur Hermanns schlacht (Strobl), 117 socialismo: entre os soldados, 272;
na Alemanha, 102-3, 112 (ver
também nazistas)
Sociedade da Cruz Vermelha Britânica, 220
Sociedade do Livro (Grã-Breta
nha), 351
Sociedades de ginástica: na Alemanha, 116
Société Musicale, 38 Soissons: bombardeio de, 205
Soldado desconhecido: celebração do, 327, 334
Somme: batalha do, 138, 182, 188,
190, 200, 215, 261, 283; front
do, 153-54, 168, 191-92, 193-
94, 222, 233, 245-46, 270-71, 279, 293-94
Somme Times, 283-84
Sommer, Albert, 146-47
Somov, Konstantin, 66
Sorley, Charles, 85, 142, 177, 179
Soschka, Cyril, 232 sozialen Volkstaat, 248 Spanish Farm (Mottram), 370
Speer, Albert, 386, 405, 409, 413
Spender, Stephen, 327 Spessivtseva, Olga, 347
Sport im Bild , 355-56
Squire, J. C., 367
Stäel, Madame de, 100
Stechlin, Der (Fontane), 101
Stein, Gertrude, 28, 31, 32
Steinthal, Hugo, 222
Stillman, James, 30
Stirner, Max, 66
Stokes, Richard, 233, 280
Strachey, Lytton, 57
Strasser, Gregor, 391, 412
Strauss, Richard, 55, 64, 72, 115-
16, 118, 411, 412Stravinsky, Igor, 73, 191, 342,
347; A sagração da primave
ra, 12, 13, 25-26, 29, 32, 34,
61-65, 274, 347; e o balé como
forma de arte, 43-44; sobre a
cultura alemã, 118-19 Streicher, Julius, 402
Stresemann, Gustav, 373 Strindberg, August, 112
Strobl, Karl Hans, 117 Suábia, 92
Suave é a noite (Fitzgerald), 246 submarinos, 215-18
Subterrâneos do Vaticano, Os (Gide), 53
Sudermann, Hermann, 207
Sunday Chronicle (Londres), 363
surrealismo, 328: e a Frente Ocidental, 191
Sybel, Heinrich von, 250 Syberberg, Hans-Jurgen, 410
Symons, Arthur, 108 Szôgyény-Marich, conde Laszlo, 84
Tägliche Rundschau, 83
Taine, Hippolyte, 74
tango, 61
tanques: na Grazie Guerra, 215-16
Tatham, F. H. W197-98
Tchaikowsky, Piotr, 55
Technik. Ver tecnologia
tecnologia: avanços pós-industriais
da, alemã, 96-98; como inspiração artística, 53-54; e a
perspectiva nazista, 383-84,
393-94, 405-7; educação em,
100-1; fascinação alemã pela, 99-105
Temps, Le, 370
Tennyson, Alfred Lord, 96
Terceiro Reich. Ver nazistas
terra de ninguém, 184-85, 189-91, 271
Testemunhas-de-jeová: nos campos de extermínio nazistas, 383
478
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371; reação a Nada de novo
no front, 372-74, 376
Vidrac, Charles, 224
Viena, 105
Viena, Congresso de, 93
Vie parisienne, 293
Vieux Volontaires de la Grande
Guerre, 334
violência: do culto nazista, 399«
400; e a sexualidade, 116
Villet-le-Duc, Eugène, 68
“Vital Lâmpada” (Newbolt), 163
Vítima, A. Ver sagração da prima
vera, A
Vladimir, grão-duque, 43
Voivenel, Paul, 245
Voltaire, 99Vassische Zeitung (Berlim), 84;
publica Nada de novo no front
em folhetim, 351, 362-63
Vring, Georg von der, 356
Vrubel, Mikahil, 42
Werkbund, 37
Wesley, John, 173
Wessel, Horst, 400
Wharton, Edith, 300
What Price Glory? (filme), 352
Wheen, A. W., 365
Whistler, James A. M., 158 Whitby: bombardeio de, 205-6
Wilde, Oscar, 20, 52, 55, 126, 174
Wilder, Thornton, 368
Wilson, arquidiácono, 173
Wilson, general-de-divisão Henry, 137
Wilson, Sir Horace, 408
Wilson, Woodrow, 303, 323, 325
Wind in the Willows, The (Gra-
hame), 176Windelband, Wilhelm, 110
Winnington-Ingram, Reverendíssi
mo A. F., 302-3
Wipers Times, 283, 284
Witkop, Philipp, 257, 393
Wolfe, Tom, 21