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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
MULHERES SINDICALISTAS EM PELOTAS: PARTICIPAÇÃO,
RELAÇÕES E POLÍTICAS DE GÊNERO NAS ENTIDADES
Liana de Vargas Nunes Coll[1]
Resumo: O artigo tem como finalidade analisar a participação de mulheres na direção de entidades
de classe na cidade de Pelotas. Uma das motivações parte do fato de que, no ano de 2016, as atividades
políticas no espaço público do município foram em boa parte protagonizadas pelas sindicalistas.
Através de entrevistas semiestruturadas e em profundidade visamos mapear as relações e as políticas
de gênero em três sindicatos pelotenses (Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pelotas
- seção sindical do ANDES-SN, Sindicato dos Servidores da Universidade Federal de Pelotas e
Sindicato dos Servidores Municipais do Saneamento Básico de Pelotas). Tendo em vista que a
inserção no mundo do trabalho para parte significativa das mulheres é recente e a participação nas
entidades de classe foi condicionada à autorização de homens, buscamos compreender como essas
militantes sindicais inserem-se nos sindicatos e como são as relações entre os pares dirigentes. O
artigo aponta que em algumas ocasiões existem empecilhos e desconfianças relacionados ao fato
destas militantes serem mulheres. Também mostra as dificuldades relacionadas às duplas e terceiras
jornadas que estas mulheres realizam. No entanto, a presença feminina nas direções dos sindicatos
vem crescendo e políticas de gênero gradualmente vêm sendo inseridas nas entidades.
Palavras-chave: Sindicatos. Mulheres. Gênero.
Em 1917, cem anos atrás, um grupo de tecelãs operárias pelotenses aderia à greve geral em
curso no Brasil, iniciando um movimento paredista que perdurou além da mobilização nacional. Sem
apoio de categorias de trabalhadores homens, tampouco da Comissão de Defesa Popular,
intermediadora que acatou o argumento patronal de que era impossível o aumento de salários, saíram
às ruas, entoando músicas e coletando dinheiro. A mobilização acontecia no contexto da República
Velha, em que mulheres operárias recebiam aproximadamente 44% a menos que homens pelo mesmo
posto de trabalho, no Brasil (Loner, 2001).
Nestes 100 anos, as relações laborais mudaram. Principalmente entre 1960 e 1970, foi
evidente o alargamento do mercado de trabalho para as mulheres e a inserção das pautas do
movimento feminista na sociedade. Diversas transformações que, gradualmente, conduziram a um
gradual avanço da equidade de gêneros. Se antes o trabalho feminino era restrito a alguns setores,
mais manuais, e em ambientes desconsiderados como força de trabalho, como o doméstico, hoje as
mulheres ocupam variados postos, inclusive aqueles com mais qualificação, o que também é resultado
da reivindicação pela educação, pauta cujo resultado aponta hoje para as mulheres como parcela da
população que mais tem anos de estudo no Brasil. Em relação à força de trabalho feminina, cabe
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salientar que, para as mulheres negras, o trabalho menos valorizado, muitas vezes exercido nas ruas,
nunca foi exceção. Registros como de Risério (2015) apontam mulheres negras nas ruas exercendo a
venda de quitutes, e executando serviços como o de lavadeiras, entre outros. Já para as brancas,
especialmente as de classe média e alta, o trabalho fora do ambiente doméstico inicia mais tarde,
sendo inclusive a inserção no mercado pauta de reivindicação do movimento feminista.
Mais espaço no mercado de trabalho, mais participação nas entidades de classe: indagações e
método
“No Brasil, é possível perceber a participação feminina nos
movimentos sociais desde o movimento abolicionista. [...] Embora
as mulheres fossem grande parte da classe trabalhadora, nesse
momento elas não eram bem vindas nos sindicatos e as que
participavam eram taxadas de ‘mau amadas’ ou de prostitutas. Por
parte da sociedade em geral eram tratadas como “mocinhas
infelizes e frágeis” (LIMA, 2008, p. 12-13)
Conforme aponta a pesquisadora Luana Lima, poucas pessoas levavam em conta mulheres
que figuraram importantes papéis na história social e operária brasileira, ainda que seja inegável sua
participação no movimento operário e sindical brasileiro, inclusive em momentos-chave como na
greve geral de 1917, já citada anteriormente. E, se houve alargamento da inserção da mulher no
mercado de trabalho, não seria difícil notar que a condução das entidades de classe aos poucos
passasse também a ser dirigida por mulheres. Entretanto, como aponta Michelle Perrot (2007, p. 151),
a fronteira da atuação política é a barreira mais difícil de transpor para as mulheres, já que é “o centro
da decisão e do poder”. E, sendo os sindicatos entidades permeadas de embates políticos e de
concepções de sociedade, cabe perguntar como a participação política das militantes acontece dentro
dessas instituições.
Nesse contexto, também é relevante questionar: se há espaços sindicais ocupados por
mulheres, como elas se articulam para serem respeitadas enquanto trabalhadoras e até que ponto são
elas admitidas na orientação política e condução da organização? Como pondera Mary Garcia Castro
(1995, p. 31), normalmente as mulheres “são apreciadas como grandes companheiras de luta, o que
não significa que sejam admitidas como companheiras no poder”. Partindo dessa afirmação, e de uma
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lacuna nos estudos acerca de mulheres sindicalistas[2]², a participação política destas e as relações de
gênero entre os pares dirigentes é um fato motivador para o presente artigo. Se no espaço sindical é
comum a disputa pelo “grito”, e a aceitação da fala pública à mulher é uma conquista recente e ainda
em consolidação, perceber como se conformam as disputas e a legitimação pelo espaço de
interlocução serve como um gancho às análises da inserção política da mulher dentro das instituições.
Ainda, no mundo moderno, o mercado, junto ao Estado, alcançam os dois campos de maior
legitimação na sociedade. O trabalho e a organização dos trabalhadoras/es, nesse sentido, são chaves
para a compreensão da sociedade, que se organiza majoritariamente em relação à produção derivada
do trabalho.
Para observar o protagonismo das mulheres sindicalistas em Pelotas, formulamos uma
entrevista semiestruturada, cujo local de aplicação foi, para as três entrevistadas, a sede da instituição
à qual estão ligadas. Em relação à interpretação, utilizou-se o método de Análise de Conteúdo
formulado por Pierre Bardin. A técnica utiliza um conjunto de procedimentos metodológicos
aplicáveis a discursos diversificados. É um bom instrumento, conforme Bardin (1977, p. 137), “para
se investigarem as causas (variáveis inferidas) a partir dos efeitos (variáveis de inferência ou
indicadores; referências no texto)”.
Em relação à escolha das entrevistadas, buscamos lideranças que encabeçam as entidades de
classe em Pelotas. Foi feito um convite e as três primeiras a aceitarem foram Celeste Pereira dos
Santos, presidenta da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pelotas (ADUFPel) –
Seção Sindical do ANDES-SN até junho de 2017; Maria Tereza Fujii, atual coordenadora geral da
Associação dos Servidores da UFPel (ASUFPel) e Rosemeri Santos, atual vice-presidenta do
Sindicato dos Servidores Municipais em Saneamento Básico de Pelotas (Simsapel).
O artigo está estruturado da seguinte forma: primeiro, traçamos um breve panorama dos
estudos acerca do sindicalismo, ainda que o objetivo não seja discutir os formatos e a história deste
movimento. Após, esquematizamos um pequeno perfil das mulheres entrevistadas, abarcando suas
trajetórias. Em seguida, partimos para a análise, com foco na observação das relações de gênero nos
sindicatos, inserção da pauta feminista nas entidades, dificuldades enfrentadas pelo fato de serem
mulheres sindicalistas. Ressaltamos que este é um estudo inicial e que diversas outras questões que
apareceram no trabalho de campo ficaram de fora e serão abordadas em futuros trabalhos.
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Em alguns pontos da análise, ocultamos a autoria do relato para preservar as entrevistadas.
Apesar de as sindicalistas terem consentido com a divulgação e análise dos dados, julgamos
importante resguardá-las de constrangimentos possíveis. O relevante para a pesquisa é mostrar a
atuação das militantes e as relações de gênero que atravessam suas trajetórias e práticas.
Sindicalismo e mercado
O estudo do sindicalismo atualmente deve estar alinhado ao que pesquisadoras/es da área
chamam de “novo sindicalismo”. A derivação surge da reestruturação das entidades de classe após o
regime ditatorial entre 1964-1985, e em um contexto de um mundo de trabalho estruturado, resultado
da expansão capitalista nos anos 1960/1970. As organizações sindicais, depois de anos de intensa
repressão e tentativas de dissolução da organização da classe trabalhadora por parte dos militares e
empresários que conduziram a ditadura, começam a reorganizar-se no fim da década de 1980. Neste
período, já era evidente o alargamento das mulheres no mercado de trabalho. Aliás, desde o século
XIX esse alargamento acontecia. Mas, “embora as mulheres fossem grande parte da classe
trabalhadora, nesse momento elas não eram bem-vindas nos sindicatos” (Lima, 2008, p. 7).
Importante para compreender a inserção das mulheres nas entidade de classe é a reflexão sobre
um “sujeito único” e homogêneo na classe trabalhadora. Na consolidação das entidades de classe no
Brasil, em meados do século XX, era presente essa concepção, o que significaria uma homogeneidade
da classe operária. Isso, contribuiu muito para que se visse a luta das mulheres como “específica”,
fato que parece perdurar hoje ainda no interior de entidades de classe, mesmo com sua reestruturação,
contribuindo para as discriminações e dificuldades de enxergar a mulher como ser coletivo. Conforme
Costa (2004, p 110), é comum na literatura sobre o movimento operário a retratação da classe
trabalhadora como homogênea, assexuada, sem distinção de idade, cor e “como se todos os operários
fossem homens, brancos, adultos e expostos de igual forma às relações de produção. Debate próximo
do qeu faz a pesquisadora Elizabeth Lobo.
Na emergência dos sujeitos coletivos, as imagens universais foram reconstruídas,
introduzindo as desigualdades sociais e as diferenças, freqüentemente tratadas como
‘especificidades’. Sabe-se que o termo ‘específico’, mesmo utilizado para qualificar as
reivindicações das mulheres, supõe uma universalidade neutra que se oporia ao feminino.
Tais foram os discursos sobre os movimentos e, muitas vezes, dos próprios movimentos
(LOBO, 1991, p. 5).
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Sobre o mundo do trabalho, atualmente, como aponta Ricardo Antunes (2001, p.17), as
transformações no campo laboral atravessam o que se chama de crise estrutural do capital. Dentro
desta lógica, o capitalismo tende a acender sua face mais cruel. Assinalando as transformações no
mundo do trabalho, Antunes (2001, p. 24) cita a absorção do trabalho feminino nos postos mais
precarizados. As mudanças levam ao que chama de uma classe trabalhadora mais heterogênea e
complexificada,
Ao contrário, entretanto, daqueles que defendem o ‘fim do papel central da classe
trabalhadora’ no mundo atual, o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho, nesta viragem
de século, é soldar os laços de pertencimento de classe existentes entre os diversos segmentos
que compreendem o mundo do trabalho. E, desse modo, procurando articular desde aqueles
segmentos que exercem um papel central no processo de criação de valores de troca, até os
que estão mais à margem do processo produtivo, mas, pelas condições precárias em que se
encontram, constituem-se em contingentes sociais potencialmente rebeldes frente ao capital
e às suas formas de (des)sociabilização” (ANTUNES, 2001, p. 26)
Em relação à luta das mulheres nos sindicatos especificamente, em consonância com Castro
(2001, p. 259), podemos dizer que as sindicalistas lutam para além de suas vulnerabilidades, pois se
colocam enquanto sujeitos de classe. São lutas que conformam uma transversalidade, uma intersecção
entre classe e gênero, já que a mulher não se faz “somente na relação capital e trabalho”. A mulher
encara lutas próprias, sendo um dos motivos as duplas e triplas jornadas, não remuneradas, as quais
são há pouco tempo reconhecidas como socialmente produtivas e válidas (Lima, 2008, p.3).
Celeste Pereira dos Santos – O homem tem o papel de historicamente produzir a violência
Presidenta da ADUFPel-SSind de 2013 a 2017, Celeste é graduada e tem doutorado em
Enfermagem. Tem duas filhas, 52 anos e é solteira. Começou sua militância sindical ainda como
estudante, sendo liderança estudantil em Diretório Acadêmico e Diretório Central dos Estudantes.
Quando foi enfermeira no município, durante 20 anos, engajou-se no Sindicato dos Municipários de
Pelotas, embora não tenha ocupado direção executiva na entidade. No início de carreira, atuou como
enfermeira na área rural, quando funcionária de sindicato de trabalhadores rurais. Já quando era
enfermeira em rede hospitalar, protagonizou a primeira greve dos hospitais privados de Pelotas. Em
relação à pauta das mulheres, nunca teve atuação direta em movimentos exclusivamente feministas.
Porém, enquanto enfermeira de unidades de saúde, participou da organização de apoio a grupos de
mulheres camponesas, com foco em violência de gênero. Sua área é a da saúde da mulher e saúde
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mental. Engajou-se, desde 2015, na construção unitária entre movimentos sindicais e sociais para a
construção de atividades do 8 de março.
Maria Tereza Fujii – “O homem tem muita dificuldade com uma mulher em cargo de
poder”
É coordenadora geral da ASUFPel-Sindicato, entidade dos servidores técnico-administrativos
em educação da Universidade Federal de Pelotas, desde 2013. Maria Fujii tem 60 anos, mãe de dois
filhos, divorciada, é militante no sindicato desde sua constituição, na década de 1970. Atuou durante
o período de ditadura, sendo inclusive chamada a depor na Polícia Federal sobre suas atividades
políticas. Formada em Gestão Pública – Tecnólogo recentemente, tem experiência com informática,
sendo uma das poucas mulheres a trabalhar com tecnologia na época da implementação da internet
na UFPel. Não milita em movimentos feministas.
Rosemeri Santos – “Quando eu falo, por mais argumentos que eu tenha, não tem o mesmo
poder do que quando o companheiro fala”
É vice-presidenta do Sindicato dos Servidores Municipais em Saneamento Básico de Pelotas
(Simsapel) desde 2009, data em que ingressou na militância no movimento sindical. Mãe de três
filhas, Rosemeri Santos tem 50 anos. Cursa Matemática na UFPel. É filiada ao Partido dos
Trabalhadores (PT) desde o ano passado. Antes, principalmente a partir de 2002, na concorrência do
PT para a Prefeitura de Pelotas, já havia feito campanha para o partido. No que se refere à pauta
feminista, teve proximidade apenas quando as filhas se engajaram em discussões do tema. Participou
também da construção das atividades dos movimentos sociais e sindicais no 8 de março desde 2015.
Política de gênero nas entidades
A análise revela que as políticas de gênero dentro da ADUFPel e ASUFPel acontecem
principalmente através da entidade nacional ao qual estão vinculadas. No caso da ADUFPel, há
militância de alguns integrantes da diretoria no Grupo de Trabalho (GT) do ANDES-SN que trata de
questões de gênero e étnico raciais[3]. Atualmente, são dois membros - uma mulher e um homem -
ativos neste GT, ela militante feminista e ele militante do movimento negro. Em relação à ex-
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presidenta da ADUFPel, ela não se vincula a este grupo. Ainda assim, menciona o esforço para a
construção de eventos temáticos, especialmente o 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Neste
ano, ainda, a seção sindical irá abrigar um grande evento nacional do sindicato sobre questões de
gênero, étnico raciais e de diversidade sexual.
Já a presidente da ASUFPel não possui vinculação de qualquer tipo à militância feminista. A
entrevistada pontua que já houve tentativa de criação de um grupo local de discussão, mas não houve
interesse por parte da base. Por isso, ressalta, o sindicato não costuma enviar pessoas para os
encontros de gênero da Fasubra, pois, segundo ela, não há preparo suficiente.
No caso do Simsapel, há uma secretaria de mulheres na federação à qual o sindicato é
vinculado. No entanto, a entrevistada ressalta que há poucos eventos ou discussões em relação ao
tema. Os diretores do Simsapel, ainda, optaram por retirar do estatuto da entidade o tópico sobre
questões de gênero e equidade. Rosemeri destaca que foi voto vencido em relação a essa decisão e
que os homens disseram que o tópico e o esforço de tentar articular uma secretaria de mulheres não
era importante.
Nos parece, em um primeiro momento, que a presença de mulheres nas diretorias e
coordenações das entidades de classe não vem necessariamente acompanhada de uma atuação sobre
as questões de gênero. O debate ainda é incipiente, e se dá principalmente pela militância individual
de alguns membros nos grupos de trabalho nacionais, como notamos na ADUFPel. Já na ASUFPel,
há carência de diretoras/membros da base com interesse em engajar-se no tema. No Simsapel, a
questão é menos preponderante ainda.
Relações de gênero nas entidades
A ex-presidenta da ADUFPel, Celeste, acredita que as mulheres têm menos credibilidade no
movimento sindical pelo simples fato de serem mulheres. A professora cita o exemplo de uma
assembleia geral da categoria, ocorrida há pouco tempo, em que um companheiro “atropelou” sua
fala, embora ele não faça isso com homens. Este mesmo companheiro, conta Celeste, já foi agressivo,
batendo na mesa quando discordou dela. Também aponta que um companheiro dirigente não
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participava das atividades do 8 de março pois não entendia por que elas deveriam ser protagonizadas
por mulheres.
A sindicalista indica que há controvérsias entre o discurso e a prática dos seus companheiros.
“A grosso modo, os nossos sindicalistas têm uma tendência a esse comportamento ainda bem
antagônico, cuja prática diz que quer as liberdades, que quer igualdade, que quer respeito e tal. Mas
o discurso é esse e as práticas não”, diz Celeste.
Em relação às reuniões de diretoria e assembleias, comenta: “já precisei elevar muito o tom
de voz para ser ouvida, o que é muito ruim”. Ainda, fala que acontecem piadas machistas e proteção
masculina entre os militantes homens.
Sobre as falas públicas, coloca que não gosta de fazê-las. Deu exemplo de um discurso em dia
de protesto em que falou poeticamente sobre as desigualdades. E pontua: “o discurso poético (que ela
gosta) não cabe na luta sindical”. Para ela, quando imagina um discurso de sindicalista, pensa em um
homem o fazendo, já que os gestos e falas precisam ser agressivos para serem ouvidos e respeitados.
Interessante notar o quanto este imaginário, que não é apenas da entrevistada, mas generalizado na
sociedade, idealiza a militância como sendo masculina, tornando-se ainda mais perversa para as
mulheres, já que há um estranhamento quando há uma figura feminina como protagonista.
No que toca à participação da mulher no movimento sindical, acredita que vem crescendo,
mas pontua que a mulher tem dificuldade em compartilhar responsabilidades. Menciona também as
múltiplas jornadas a que é submetida, fazendo com que a militância atue no acúmulo de trabalho para
a mulher. “É uma múltipla jornada que acaba fazendo com que muitas vezes impeça [as mulheres] de
participar. Eu lembro de levar as filhas para reuniões, coitadas, tendo que ficar sentadas lá”.
Para Celeste Pereira dos Santos, o relativo crescimento da participação da mulher nas
entidades de classe acontece pela inserção delas no mundo do trabalho. Mas pontua: “o papel
doméstico da mulher mudou não porque foi bonitinho, mas porque se fez necessário pela própria
conjuntura econômica. Os homens já não davam conta dos proventos da casa”.
A sindicalista Maria Tereza Fujii, coordenadora da ASUFPel-Sindicato, relata também que
sente dificuldades para a mulher sindicalista pelo fato de serem mulheres. “Não tá escrito em lugar
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nenhum, mas a mulher que toma conta de filho, casa, empregada, supermercado, cachorro e gato. É
a mulher. Eu tenho uma filha e tenho um filho e eu sempre digo para ela: "não te ilude".
Na sua compreensão, “o homem tem muita dificuldade com uma mulher em cargo de poder”.
Por isso, conta ela, alguns homens reagem mal à diretoras e coordenadoras mulheres. Mas fala que
no sindicato há uma trajetória de mulheres na coordenação, portanto não recorda de situações de
assédio ou casos de discriminação.
Em relação à participação das mulheres no movimento, conta que “[a inserção] é muito difícil.
Vai demorar um tempinho para que essa cultura [machista] mude. A gente já vê uma mudança no
movimento sindical, no movimento social e nas relações de trabalho”. Pensa que ainda é bastante
deficitária a participação da mulher nestes movimentos e percebe que a maioria das militantes são
divorciadas, como ela, ou solteiras. Lembrando da evolução sobre a participação feminina nos
sindicatos, fala que antigamente havia muito assédio e preconceito. “Diziam que a mulher que
participava era aquela que não prestava, que andava no meio dos homens e tal. Hoje não tem mais
isso, ela é respeitada por aquilo que pode representar.” Quando iniciou a atuação sindical, fez acordo
que nao iria participar de festa, viagem e política para não “fuxicarem” em sua vida, o que não
manteve, pois passou a se engajar cada vez mais na entidade.
Sobre sua categoria, conta que existem mais mulheres entrando como Técnico-
Administrativos em Educação do que homens. A coordenadora afirma existir diferença de tratamento
entre homens e mulheres no sindicato. Exemplifica mencionando piadinhas que os sindicalistas
fazem. Também conta que os homens gritam mais nas reuniões, sendo necessário pedir para se
calarem às vezes. Ainda, faz menção aos ‘capas’, quase sempre homens, que as pessoas aplaudem
antes mesmo de falarem.
Rosemeri Santos, vice-presidenta do Simsapel, destaca que sua categoria é
predominantemente masculina e de trabalhadores braçais. “São pessoas que não tiveram a
oportunidade de fazer algumas discussões e quem traz essas discussões sou eu”. Ela não vê grandes
mudanças nas lideranças sindicais desde que entrou na militância, em 2009.
No que toca à questão do tratamento entre homens e mulheres na entidade, comenta: “quando
eu falo, por mais argumentos que eu tenha, não tem o mesmo poder do que quando o companheiro
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fala”. Também, considera que a mulher precisa se impor mais para ter uma fala respeitada. Um caso
é apontado como emblemático para ela sobre questões de gênero no sindicato: recentemente,
começaram a usar toalha de papel porque era somente ela (a mulher entre os dirigentes) que lavava o
pano, o que significa a falta de compreensão, por parte de seus colegas, sobre a divisão de tarefas
igualitariamente independente do gênero. Rosemeri também aponta que os companheiros
seguidamente falam “eu vejo a luta sindical como uma luta de classe e não de gênero”.
Desconsideram, portanto, a intersecção entre as pautas.
Em relação a uma situação de conflito, conta: “eu e umas companheiras nos posicionamos e
a força que os homens fizeram para nos desclassificar foi incrível”. Outro ponto que é utilizado por
alguns companheiros para desqualificá-la é o recente engajamento no movimento sindical. “Eu tô
aqui porque fui eleita, então não vem me dar carteiraço de 30 anos de militância”. Nota-se, portanto,
que os homens ainda vêm utilizando sua tradição de envolver-se em questões políticas para legitimar-
se.
Dentre as situações mais marcantes, Rosemeri destaca o dia em que um colega foi para cima
dela gritando e parecia que ia agredi-la, quando um outro colega interferiu dizendo que ninguém ia
bater em ninguém ali. Ela falou para o agressor: “se tu soubesse o que acontece dentro de mim quando
tu levanta a voz para mim desse jeito. Se tu soubesse o que acontece dentro de uma mulher quando o
homem grita com ela e se impõe fisicamente tu não faria mais isso”. O caso mostra o quanto a
imposição pela força ainda se faz presente pelos homens e é utilizada em momentos de enfrentamento.
Considerando os relatos das entrevistadas e a consulta bibliográfica, chegamos à conclusão
que a participação da mulher nas entidades de classe é de uma temática de pesquisa que ainda carece
de estudo. Dialogando com estas mulheres protagonistas do movimento sindical, nota-se que todavia
são muito relevantes as barreiras impostas para a militância feminina e que elas são gradualmente
transpostas pelo engajamento das sindicalistas. Ainda é comum a imposição masculina via
comportamento agressivo e a disputa de legitimidade para fala, bem como aparece nas falas da
subjugação dos elementos de gênero sobre as questões de classe, como se não pudessem ser
trabalhadas e pensadas paralelamente.
Sendo assim, as barreiras sempre são lembradas pelas entrevistadas, seja nas dificuldades em
conciliar família, trabalho e militância, como nas dificuldades em se fazerem respeitadas pelos
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companheiros de sindicato. A partir das entrevistadas também se ressalta o esforço que as mulheres
realizam para terem suas falas escutadas e respeitadas, e como há ainda a relutância dos homens em
aceitar as mulheres como protagonistas da luta da classe trabalhadora. Os resultados, portanto, são
indicam a necessidade de aprimorar e ampliar espaços de discussão de gênero dentro das entidades
de classe, contribuindo, assim, para o gradual avanço da equidade de gêneros e dissolução das
discriminações de gênero entre as/os protagonistas deste espaço de militância.
Referências
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Women unionists in the city of Pelotas: participation, gender relations and policies
Astract: This articles analyses the participation of women in the directorate of workers’ unions in the
city of Pelotas. One of the main reasons for this investigation is the fact that, in the year of 2016,
political activities held in the city’s public spaces were mostly organized by unions. Through
interviews, a map of the relations between gender and gender politics is drawn from the experience
of three local unions, namely the Association of University Teachers of the Federal University of
Pelotas; the Union of Administrative Staff of the Federal University of Pelotas, and the Union of City
Sanitation Workers of Pelotas. In light of the facts that the insertion of most women in the market is
rather recent and that their participation in class associations was once conditioned to men’s
authorisation, it is necessary to comprehend how these female union leaders make their way into
workers’ unions as well as how they act in defining the political strategies of such organizations. The
article points out that, in certain situations, there are obstacles and suspicions arising from the very
fact that they are women. It also presents the difficulties related to double shifts that these women
have to endure.
Keywords: Unions. Women. Gender
[1] Jornalista. Graduação em Comunicação Social - habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM) em 2013. Atua como assessora de imprensa na ADUFPel-SSind desde 2014 e cursa como
aluna especial disciplinas no programa de pós-graduação em Sociologia e em Ciência Política da Universidade
Federal de Pelotas.
[2] Sobre essa questão, ver levantamento realizado por FERREIRA; KLUMB (2012).
[3] GTPCEGDS, Grupo de Trabalho Política de Classe para as Questões Étnico Raciais, de Gênero e
Diversidade Sexual do ANDES-SN.