Universidade do Estado do Pará Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação Centro de Ciências Sociais e da Educação Programa de Pós-graduação em Educação
NEY FERREIRA FRANÇA
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO PRIMÁRIO NO ESTADO DO PARÁ (1889-1900)
Belém
2012
NEY FERREIRA FRANÇA
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO PRIMÁRIO NO ESTADO DO PARÁ
(1889-1900)
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação no Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação da Universidade do Estado do Pará Área de concentração: Saberes culturais e educação na Amazônia. Orientadora: Profa. Dra. Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França.
Belém 2012
NEY FERREIRA FRANÇA
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO PRIMÁRIO NO ESTADO DO PARÁ
(1889-1900)
Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação da Universidade do Estado do Pará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação e aprovada pela seguinte banca examinadora
Maria do P. Socorro Gomes de Souza Avelino de França__________(Orientadora) Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas- UNICAMP Universidade do Estado do Pará- UEPA. Genylton Odilon Rego da Rocha ___________________________ Membro Externo Doutor em Geografia pela universidade de São Paulo- USP Professor do Instituto de Educação /UFPA Marta Genú Soares ______________________________________ Membro Interno Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN Professora do PPGED/Universidade do Estado do Pará - UEPA
BELÉM
15/05/2012
Ao meu pai (in memorian) e a minha
mãe, por terem sido as pessoas que
sempre me apoiaram e fizeram de
tudo para que eu pudesse ir além de
onde foram). Para que eu, apesar de
todas as dificuldades tivesse o melhor
que eles poderiam me dar sem nunca
medir esforços no intuito de conseguir
uma formação verdadeiramente
humana.
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer à minha família, em especial, à minha mãe a maior das
mulheres que conheci em minha vida, pessoa que sempre acreditou em seus filhos,
que nunca deixou de apoiar e incentivar não só a mim e minha irmã, mas muitas
pessoas que passaram em nossas vidas. Gostaria de um dia chegar a ter metade da
coragem, generosidade e sabedoria que possui, pois assim serei mais humano, pois
nos ensinou o verdadeiro sentido do que é amar.
Agradeço também ao meu Pai que apesar de ter falecido há quase vinte anos
sempre está comigo, em minhas lembranças. Exemplo de homem e de Pai nos
ensinou que a melhor forma de educar é com amor.
Também agradeço à minha irmã que mesmo longe, sempre torceu por mim e
hoje cumpre a importante tarefa de cuidar de nossa mãe, aos primos Denílson e
Denise a minha tia e madrinha Brígida, bem como ao meu tio Francisco (Chiquinho)
(In memorian) pessoas amadas e queridas.
À companheira, Joselene, com que m venho compartilhando a luta por uma
educação básica de qualidade, à Dona Graça minha segunda mãe, João Victor e
Kamille sobrinhos queridos, meus cunhados pelo respeito e carinho.
Aos meus filhos, Julia e Pedro Gabriel amores incondicionais e minha fonte
de inspiração. Ao Ryan sobrinho querido.
Aos amigos Jairo, Rubens e Fransérgio companheiros que compartilharam
comigo as dificuldades que os filhos da classe trabalhadora encontram em ingressar
no Ensino Superior, e também as alegrias de consegui-lo.
Aos amigos Angélsea e Otávio camaradas do Movimento estudantil e de
tantas lutas que me ajudaram a adquirir uma concepção diferente de homem,
mundo e sociedade, bem como Zaira e Robson amigos que compartilham as lutas
atuais.
Meus agradecimentos aos colegas da 5ª turma do Mestrado, especialmente
Adnelson, Taís (Professores de educação Física) que não me deixaram esquecer
que o Mestrado deve servir ao propósito de qualificar aqueles que acreditam na luta
contra o Capital e suas formas de fazer tudo virar mercadoria.
À minha orientadora, professora Dra. Socorro França, pelas orientações,
conversas, companheirismo e trocas de ideias, não só na construção da dissertação,
mas no processo de minha formação continuada e atuação profissional. Pela
paciência e tolerância dando exemplo de educadora na verdadeira acepção da
palavra.
Aos professores Genilton, Marta pelas contribuições valiosíssimas na
construção deste trabalho, que começou na qualificação deste estudo e agora na
defesa do mesmo.
Aos Professores do Programa de Mestrado em Educação da UEPA pelas
utilíssimas contribuições nas aulas e em todos os momentos que tive contato, pois
sempre pude aprender com seus ensinamentos e suas experiências. Aos técnicos
administrativos do Programa que com sua competência e trabalho fazem o
programa acontecer.
Ao Núcleo Belém do Movimento Nacional Contra a Regulamentação da
MNCR da Educação Física. Estamos na luta para vencer!!!
Aos alunos do Curso de Educação Física da UFPA, Rafael Loureiro, , Bruna
Cibele, André Miranda. Aos, hoje professores, Rafael Fabrício, Enilson, Ernandes,
Diego, Breno, Maykzan e Robson) que me possibilitaram, por meio dos debates em
sala de aula e nas orientações sobre a educação física, ampliar minha análise sobre
as relações sociais.
A todos, meu obrigado.
E quem garante que a História É carroça abandonada Numa beira de estrada
Ou numa estação inglória A História é um carro alegre Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente Todo aquele que a negue É um trem riscando trilhos
Abrindo novos espaços Acenando muitos braços
Balançando nossos filhos
Canción por unidad latinoamericana (Pablo Milanés - Versão de Chico Buarque/1978)
Portanto, não existe conhecimento da história desde fora, quero dizer, ninguém está fora do rio da história, olhando
para ele de suas margens. Todo o observador, está imerso
no curso da história, nadando ou navegando em um barco neste curso tempestuoso da história, ninguém está fora.
(Löwy 2008, p.76)
RESUMO
FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do
Pará na Primeira república (1889- 1900). 116f. Dissertação (Mestrado em
Educação), Universidade do Estado do Pará, Belém, 2012. O objetivo deste estudo é analisar a inserção da educação física como disciplina escolar no ensino primário no estado do Pará, na primeira década do regime republicano, enfocando os métodos que orientaram a sua prática e as mudanças econômicas, políticas e educacionais ocorridas naquele contexto histórico (1889-1900). Este trabalho está amparado no referencial de método na tradição iniciada por Marx, cujos subsídios partem da apreensão das múltiplas determinações da realidade para a construção de uma nova síntese. A pesquisa documental foi o ponto de partida para os procedimentos metodológicos, em que a coleta de dados foi feita nos documentos produzidos pelas instituições responsáveis pela instrução pública no Pará, como os relatórios e regulamentos da instrução pública, artigos de revistas pedagógicas e livros publicados na época. A seleção destes documentos obedeceu, primeiro, ao conteúdo referente a educação, educação física e a situação da economia e política; segundo, por serem documentos produzidos no Estado do Pará; e terceiro, pela disponibilidade no seu local de consulta, Biblioteca pública Arthur Vianna. A interpretação de dados foi realizada a partir da análise das categorias analíticas e empíricas do estudo, a fim de se formular uma nova síntese do objeto em questão. Assim realizamos um confronto dos documentos encontrados com estudos realizados desde a década de 1980, como os de Lino Castellani Filho, Carmem Lúcia Soares, Amarílio Ferreira Neto, em busca dos elementos mais simples que compuseram o objeto de investigação. Além disso, também perseguimos a identificação das contradições presentes na inclusão da educação física no Ensino Primário paraense. Nesse intento, podemos afirmar que educação física foi inserida no currículo do Ensino Primário no início do período republicano com a publicação do Regulamento da Instrução Pública de 1890, como elemento fortalecedor do físico, essencial no projeto educacional modernizador. Neste regulamento encontramos uma reformulação do nível de Ensino acima referido, que claramente estava associado às mudanças no mundo do trabalho influenciando transformações nas formas de transmissão da cultura que deveriam acontecer por meio da instrução, principalmente em sua forma pública. No caso paraense essas modificações tomaram configurações específicas tendo em vista os elementos que compunham aquela realidade concreta, no plano econômico o extrativismo do látex, no plano das relações políticas os conflitos entre grupos locais urbanos. Neste contexto, a concepção de educação física encontrava-se embasada em princípios biológicos em conhecimentos como a fisiologia na qual a ideia principal era de formar um corpo forte e saudável. Assim a educação física começou a figurar dentro do ensino primário paraense nos documentos oficias do governo e no transcorrer dos primeiros dez anos da Primeira República.
PALAVRAS-CHAVE: História. Educação. Educação Física. Ensino Primário.
Pará.
ABSTRACT
FRANÇA, Ferreira Ney. Physical Education in Primary Education in the State of Pará in the First Republic (1889-1900). 116f. Dissertation (Master of Education), University of the state of the Pará, Belém, 2012. The aim of this study is the inclusion of physical education as a subject in primary school in the state of Pará, in the first decade of the republican regime, focusing on methods that guided their practice and the economic, political and educational place in that historical context ( 1889-1900). This work is supported in the reference method in the tradition initiated by Marx, whose subsidies are based on the seizure of multiple determinations of reality for the construction of a new synthesis. The desk research was the starting point for the procedures, in which data collection was made in the documents produced by the institutions responsible for public education in Para, as the reports and regulations of public instruction, educational journal articles and books published in time. The selection of these documents followed, first, the content pertaining to education, physical education and the state of the economy and politics, and second, where the documents produced in the State of Para, and third, the availability in your local consultation, Arthur Vianna Public Library. The data interpretation was performed based on the analysis of the analytical categories and empirical study in order to formulate a new synthesis of the object in question. So we conducted a comparison of the documents found in studies since the 1980s, as the son of Lino Castellani, Carmen Lúcia Soares, Amarilio Ferreira Neto, Silvana Vilodre Goelner in search of simpler elements that made the object of investigation. In addition, we pursue the identification of contradictions in the inclusion of physical education in primary Para. For this, we can say that physical education was introduced in the curriculum of Primary Education in Republican period beginning with the publication of the Regulation of Public Instruction, 1890, as strengthening the physical element, essential in the educational project of modernization. In this Regulation find a reformulation of the above level of education, which was clearly associated with changes in the working world changes in ways of influencing the transmission of culture that should happen through education, especially in its public form. In the case of Para these changes have taken specific settings in view of the elements that made that reality, the economic plan the extraction of latex, in terms of political conflicts between local urban groups. In this context, the concept of physical education found itself based on biological principles and knowledge in physiology in which the main idea was to form a strong and healthy body. Thus physical education began to appear within the primary Para in official documents from government and in the course of the first ten years of the First Republic. KEYWORDS: Education. Teacher Education. Physical Education. Early Childhood Education. Organization of Work Education.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................ 10
O encontro com o objeto ....................................................................... 10
O Referencial teórico-metodológico .................................................... 12
1 CAPÍTULO I – EDUCAÇÃO FÍSICA: O nascimento de uma
disciplina escolar ...................................................................................
23
1.1 A educação física na Europa ................................................................ 26
1.2 A educação do corpo ........................................................................... 29
1.3 Higienismo, Eugenia e Ginástica na construção de um novo
homem ....................................................................................................
32
1.4 A educação física no Brasil .................................................................. 37
1.5 Higienismo, Eugenia e Militarismo na consolidação da educação
física no Brasil .......................................................................................
39
1.6 Educação e Educação Física ...............................................................
44
2 CAPÍTULO II – SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO PARÁ
REPUBLICANO ......................................................................................
53
2.1 A efervescência política do final do século XIX no Brasil ................. 55
2.2 A economia, política e educação no Pará ........................................... 59
2.2.1 A política paraense no final do século XIX .............................................. 60
2.2.2 A educação no Pará ................................................................................
72
3 CAPÍTULO III – A IMPLANTAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO
ENSINO PRIMÁRIO PARAENSE.
82
3.1 Trabalho, educação e educação física na sociedade paraense 82
3.2 A Educação Física no projeto educacional modernizador do Pará 94
3.3 A educação física no final do século XIX: O que era ou o que
deveria Ser ?
106
Considerações Finais 114
REFERÊNCIAS 118
10
FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira
república (1889- 1900)
______________________
1- INTRODUÇÃO
Tendo como objeto de estudo a educação física no ensino primário
paraense (1889-1900), neste estudo, precisaremos realizar a tarefa de produzir um
quadro que possibilite compreender o lugar da educação física neste período
histórico, destacando os nexos constitutivos com a realidade social.
Nele objetivamos analisar a inserção da educação física como disciplina
escolar no ensino primário no estado do Pará, na primeira década do regime
republicano, enfocando os métodos que orientaram sua prática pedagógica as
mudanças econômicas, políticas e educacionais ocorridas naquele contexto
histórico.
Tal empreitada, exige primeiramente que tratemos de como surgiu o
objeto de estudo, pois este deve ser o ponto de partida. Nesta linha de pensamento
Mynaio (2000, p. 90) afirma que
[…] nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeira instância, um problema da vida prática. Isto quer dizer que a escolha de um tema não emerge espontaneamente, da mesma forma que o conhecimento não é espontâneo. Surge de interesses e circunstâncias socialmente condicionadas, frutos de determinada inserção no real, nele encontrando suas razões e seus objetivos.
1.1 O encontro com o objeto
Em vários momentos de nossa trajetória acadêmica e atuação profissional
percebemos que a importância que é dada para história como contribuição na
compreensão da realidade concreta de maneira profunda é pequena, aspecto este
que pelas nossas observações se refletiu também na educação física e sua relação
com a história.
Neste caso, essa trajetória começa em nosso período de formação
acadêmica de 1997 a 2000, na qual, experimentamos diversas situações e
problemas que nos fizeram refletir sobre as impressões e pretensões em relação ao
curso de licenciatura em educação física da Universidade do Estado do Pará
(UEPA), que na época passava por mudanças, no caso a construção do projeto
político pedagógico (1997-1999), momento de muitas dúvidas e incertezas, mas
também de muitas lutas.
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira
república (1889- 1900)
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Foi neste contexto, em meio a polêmicas, fóruns e discussões sobre
diversos temas, da regulamentação do profissional de educação física (Lei 9.696/98)
a construção do projeto político pedagógico do curso de educação física da
Universidade do Estado do Pará (UEPA), que aconteceu nossa formação
acadêmica. Naquele momento, tivemos a oportunidade de debater sobre a formação
que possuíamos e constatar seus limites e dificuldades.
Em meio a estas discussões, já no movimento estudantil, integrante do
Centro Acadêmico do Curso de Educação Física da UEPA e também nas disciplinas
cursadas tivemos as primeiras inquietações com a temática da história da educação
física.
Alguns problemas, como o pequeno número de obras disponíveis na
biblioteca do curso de Educação Física sobre história da educação física, e a forma
na qual se relegava a segundo plano os conhecimentos históricos tratados em
disciplinas como a História da Educação Física, ou mesmo, em outras disciplinas
nas quais os conteúdos relacionados ao esporte e a ginástica, dança e outros
remetiam a conhecimentos históricos tratados quase sempre com menor
importância, de forma fragmentada e sem o devido aprofundamento, dão uma noção
da situação da formação pela qual passávamos.
Se na formação inicial tivemos estas dificuldades, na atuação profissional
não foi muito diferente. Os locais onde atuamos não proporcionaram conhecimentos
em perspectiva histórica, foi assim nos dois anos e meio lecionando na rede
municipal de Cametá, como técnico assessorando o projeto “Escola de Esporte” da
Secretaria Municipal de Belém (SEMEC) e também como professor da Secretaria
Estadual de Educação (SEDUC).
Nos momentos em que houve algum tipo de formação não foi
proporcionado o conhecimento dos elementos e pressupostos da história como parte
constitutiva da sociedade, seja como fato ou como instrumento de apreensão da
realidade. Neste sentido, tivemos negado o direito a conhecer para além da simples
narrativa as bases nas quais foi erguida a educação física.
Isto deixa claro que em nossa formação esteve sempre presente a ideia
de cada um individualmente buscar, com suas próprias forças e possibilidades os
seus conhecimentos, em detrimento de um projeto coletivo de formação humana
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira
república (1889- 1900)
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numa perspectiva na qual sejam considerados o desenvolvimento de todas as
potencialidades do ser humano.
Estas questões me fizeram refletir sobre como esta educação desenvolve-
se e também de que forma havia se constituído desta forma principalmente no
estado do Pará. Esta inquietação levou-nos a procurar leituras que pudessem
mostrar de que forma havia acontecido esse processo. Foi então que tive acesso a
tese de doutorado da Professora Maria do Perpétuo Socorro Gomes de souza
Avelino de França. Neste estudo tive contato com a obra de José Veríssimo e da
importância que o mesmo concedia a educação física, tanto no Colegio Americano
fundado e dirigido por ele, como Diretor da Instrução Pública do Estado do Pará. A
leitura dessa obra despertou-me o interesse em pesquisar sobre as origens da
educação física no Pará e conforme fomos aprofundando as leituras foi se definido
que o ensino primário público deveria ser o foco da pesquisa.
Além do caminho percorrido até o encontro com o objeto temos também
um referencial teórico que contribuiu significativamente para as análises aqui
apresentadas.
O referencial teórico-metodológico
Explicitaremos neste item os principais referenciais adotados para dar
suporte às elaborações teóricas que faremos, bem como, os procedimentos
adotados para analisar os documentos selecionados. Isto quer dizer que
demonstraremos os autores e seus estudos nos campos da História; História da
Educação; História da Educação Física; e sobre a História do Pará e o caminho
percorrido pela pesquisa.
Começaremos pela historiografia1 da educação física que tem nomes de
destaque dentro da área cujas fontes principais, mas não as únicas, são Carmem
Lúcia Soares; Lino Castellani Filho e Amaríllio Ferreira Neto. Temos também como
referências para a construção deste estudo outros autores que sem dúvida são de 1 A historiografia é aqui entendida como análise da produção e da escrita da história sobre a
história. Neste sentido, compreendemos que a produção do conhecimento no campo da história da
educação precisa estar referenciada nesta introdução para que possamos utilizá-la como fonte
secundária dentro de nossas análises e também porque suscitou as possibilidades de criação deste
estudo.
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira
república (1889- 1900)
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vital importância neste campo de conhecimento Vitor Andrade de Melo e Silvana
Goelner.
É importante salientar que enquanto uma espécie de subárea, nela
existiram estudiosos, desde o início do século XX2, que se preocuparam com a
história da educação física, vendo nela algo de importante no que se refere ao status
que esta deveria assumir na sociedade brasileira. No entanto, estes primeiros
estudos estavam voltados para a utilização da história como modelo de formação
sob os princípios e valores da sociedade burguesa e durante muito tempo foram a
referência de história da educação física.3
Estes primeiros estudos, cujos primeiros autores foram Inezil Pena
Marinho e Fernando de Azevedo, abrangeram períodos de tempo relativamente
grandes e possuem características muito próximas do positivismo e suas influências
na pesquisa Histórica.
A partir da década de 1980, começam a aparecer estudos dentro da
educação física com perspectivas diferentes das apresentadas até então, e o
interesse vai começar a aumentar pela história da educação física, proporcionando
importantes pesquisas nessa área.
2 Os estudos de Fernando de Azevedo e Inezil Pena Marinho, formam sem dúvida um marco
para o início deste campo de estudos no Brasil, aos quais merecem sempre referência. 3 Dois autores, ainda na década de 1990, formularam uma análise sobre a história da
educação física dividindo-a em fases. Amaríllio Ferreira Neto foi o primeiro afirmando existirem duas grandes fases nos estudos dessa área sendo que na primeira possuíam características positivistas: Descritivas, fatuais, lineares; e segunda a partir da década de 1980, em que aparecem trabalhos tendo referência Marxistas ou na Nova História Francesa história e Víctor Andrade de Melo que também propõe uma periodização, porém em três fases. Numa primeira fase (início do século XX até a década de 1930) considerada “embrionária” destacam-se Fernando de Azevedo e Laurentino Lopes Bonorino e colaboradores (1931) e suas produções voltadas para os aspectos históricos da ginástica. Na sua forma, estas produções estavam ligadas à busca das origens da evolução da educação física e dos esportes como justificativa para a defesa de determinados procedimentos previamente estabelecidos. Prevalece a influência positivista com as características que Amarílio Ferreira Neto identifica também em sua Primeira fase. Numa segunda fase (1940-1970), Victor Melo diferencia-se de desse outro pesquisador e afirma que o principal nome, Inezil Penna Marinho, possui uma característica que se diferenciada fase anterior, apesar de não estar totalmente livre de uma influência positivista, justamente a “profundidade teórica da abordagem histórica. A partir da década de 1980, com uma crítica da obra de Inezil Penna Marinho de influência marxista, se inicia uma terceira fase em que se destacam Mário Cantarino Filho (1982); Lino Castellani Filho (1988); Paulo Guiraldelli Júnior (1988); Carmem Lúcia Soares (1990); e Silvana Vilodre Goelner (1992). Estes estudos ainda possuindo alguns problemas, segundo autor desta periodização, relacionados aos problemas de uma periodização externa aos objetos de estudo, marcam uma mudança nos estudos históricos da educação física.
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira
república (1889- 1900)
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Com isso, apenas, na década de 1990, haverá um aumento no número de
produções com relação à história da educação física4, fruto dos debates iniciados na
década anterior. Nesta perspectiva, teremos um crescimento no número de
produções neste campo buscando em diferentes matrizes os mais variados objetos
e fontes relacionadas à educação física.
Estas informações são importantes, pois permitem nos situar
epistemologicamente dentro do que foi produzido neste campo da educação física e
também de selecionar as produções que poderiam contribuir para fundamentar a
pesquisa.
No intuito de compreender como estava configurada esta área de
pesquisa, fizemos um levantamento desta produção na última década, verificamos
que não se privilegiou muito a história da educação física na Escola Pública.
Isto foi detectado a partir da consulta ao Banco teses e dissertações da
CAPES, acessado em novembro de 2009, neste, fizemos uma leitura do título e do
resumo das produções que tratavam da história da educação física.
Das 42 dissertações encontradas da educação física produzidas no
período de 2000 à 2008 que trazem no tema a história, apenas seis, fazem
referência a educação física escolar e destas 3, tratam dela no ensino primário.
Quanto às teses, das 10 encontradas, duas incluem no eixo central a discussão da
educação física na escola5.
Para completar o quadro da produção do conhecimento neste campo
realizamos o mesmo movimento em dois periódicos da área, delimitando igual
período, as revistas do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (RBCE) 6 e
MOTRIVIVÊNCIA7. Escolhidos por serem dois grandes espaços de difusão do
conhecimento da educação física.
4 Em meados da década de 90, aconteceram os encontros de História da Educação Física Esporte e
Lazer realizados respectivamente em Campinas, Campo Grande e Curitiba constituindo-se em importante marco na produção em história da educação física no Brasil. 5 As teses e dissertações foram selecionadas por tratarem de temas relacionados a educação,
e especificamente que abordassem os objetos pela história, e nestes, os que incluíssem a escola.
Não se buscou identificar ou mesmo analisar seus pressupostos teóricos e nem as propostas
metodológicas, mas sim o tema e o resumo de cada uma. 6 A Revista Brasileira de Ciências do Esporte é editada pelo Colégio Brasileiro de Ciências do
Esporte (CBCE) desde 1979 e a partir de 2001 em parceria com a Editora Autores Associados. 7 A Revista MOTRIVIVÊNCIA é editada pela editora da Universidade Federal de Santa
Catarina desde meados da década de 1990.
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira
república (1889- 1900)
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Nas revistas, delimitamos o levantamento entre os anos de 2000 à 2008,
pelo fato de estarem proporcionando aos pesquisadores a chance de publicação e
difusão do conhecimento desde a década de 90, no caso da RBCE desde o final da
década de 70, e também porque de certa forma refletiram o nível da produção em
história da educação física nesta década. Com relação às revistas tanto a RBCE,
quanto a MOTRIVIVÊNCIA possuem uma importante representação junto a
comunidade científica da educação física, só no período delimitado a RBCE publicou
vinte seis revistas cada uma com uma média de onze trabalhos, chegando a um
total de trezentos e quatro produções. Desse montante de 38, incluídos nos
volumes 25, n 2 (2004) e n 1, (2003), todos os artigos são voltados para a história
da educação física, e apenas 7, adentram na história da educação física escolar.
Como podemos constatar, a história da educação física vem produzindo
relativamente um pequeno número de produções sobre a história da educação física
escolar. Desta forma, entendemos ser relevante a pesquisa que realizamos,
considerando que não há no estado do Pará estudos relacionados a esta temática.
Além disso, outras produções foram importantes para definirmos nosso
objeto como a de Victor Andrade Melo com a sua obra “História da Educação Física
e do Esporte: panorama e perspectivas” (1999) e sua tese de doutorado “Escola
Nacional de educação Física e Desportos: Uma história é possível (1996), Carmem
Lúcia soares: “Educação Física: raízes europeias e Brasil” (1994), Lino Castellani
Filho “Educação Física no Brasil: a história que não se conta” (1994) e o trabalho de
Amarílio Ferreira Neto “A pedagogia no Exército e na Escola: a educação física
brasileira (1880-1950)” (1999) e o artigo “pesquisa histórica na educação física
brasileira” publicado na coletânea, organizada por ele mesmo, intitulada “pesquisa
histórica em educação física brasileira”(1996).
Nestes estudos, encontramos dados sobre a gênese e o desenvolvimento
da educação física no Brasil, suas concepções e metodologias, o problema das
fontes, e das matrizes teóricas. Podemos encontrar também aspectos políticos e
econômicos da sociedade brasileira da época fundamentais para compreender o
papel que a educação física desempenhou ao longo da história no Brasil.
Outras referências também nos ajudaram neste estudo, são elas, a tese
de doutorado de Maria do Perpétuo Socorro Avelino Gomes de França “José
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira
república (1889- 1900)
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Veríssimo (1857-1916) e a educação brasileira republicana: raízes da renovação
escolar conservadora” (2004) e a obras do próprio José Veríssimo “Notícias sobre o
colégio americano” (1888) e “Educação Nacional” (1891); Nazaré Sarges “Belém:
produzindo as riquezas da Belle-époque” (2002); os Relatórios e Regulamentos dos
Governos do Estado e dos Diretores da instrução pública do estado do Pará entre
1889 e 1900.
Estes possibilitarão vislumbrar alguns elementos da sociedade paraense
da época como: características da cidade de Belém e do estado do Pará, a
educação escolar e educação física em nível local e nacional, bem como, os
aspectos econômicos e políticos do Estado na Primeira República.
A partir destas contribuições que ajudaram a delimitar o objeto de estudo
surge a questão central deste trabalho que é a seguinte: Como e por que a
educação física foi introduzida no ensino primário público na 1a Década da
Primeira República no estado do Pará? Mas esta pergunta nos leva
consequentemente a outras questões: Que métodos orientavam a prática da
educação física no ensino primário? Por quais mudanças passavam a sociedade
paraense naquele período histórico?
Acreditamos que a pergunta central, bem como, as questões norteadoras
aqui explicitadas possibilitam uma orientação do sentido que a pesquisa vai assumir
considerando evidentemente seu objetivo.
Outro elemento de extrema importância na construção da pesquisa refere-
se ao método que assumiremos na condução da mesma. Ele aqui é entendido como
um conjunto de procedimentos de natureza técnica e intelectual que baliza os rumos
da pesquisa. Este instrumental tecnológico é utilizado com base na prática do
método que está sendo usado. (GIL, 2004; SEVERINO, 2007)
Complementando este sentido, entendemos que é a teoria8 que orienta o
processo de realização das técnicas a serem adotadas, precedendo-as, indicando
os caminhos e os rumos que devem ser adotados na investigação. Freitas (1995);
Mynaio (2000)
8 Teoria é entendida neste como a reprodução ideal do movimento concreto da realidade que deve
ser captado em sua totalidade. Neto (1997).
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira
república (1889- 1900)
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Nesta perspectiva, perseguimos aqui a tradição iniciada por Karl Marx na
produção do conhecimento, na qual superando a aparência do fenômeno, chegando
a sua essência com a análise das múltiplas determinações do fenômeno. Pode-se
elaborar assim, uma reprodução ideal do objeto no movimento real e construir uma
síntese que nos permitirá compreender o objeto em sua totalidade na realidade
concreta.
Como exemplo, podemos dizer que os discursos de fins do século XIX,
proferidos por uma boa parte da intelectualidade, traziam a necessidade de uma
mudança na organização político-social brasileira, e neste caso o que nos interessa
são aqueles que tratavam da educação e mais especificamente a educação física,
na perspectiva da modernização do país, de uma educação que fosse capaz de
elevar o Brasil ao nível de países civilizados. Assim na aparência, estes discursos
são bons para a sociedade brasileira, no entanto, será que revelam sua essência? O
que a aparência deste projeto modernizador e civilizatório estava negando na sua
essência?
Dando sequência, seguir-se-á com a análise dos documentos, já referidos
anteriormente, selecionados pelo seu conteúdo referente a educação, educação
física e também por demonstrarem a situação política e econômica do Estado do
Pará; por serem documentos produzidos neste Estado; e pela disponibilidade no
local de consulta.
Provocando um confronto entre estes documentos com as obras que
tratam da educação e educação física, buscamos captar as possíveis contradições
presentes tanto nas fontes primárias quanto nas secundárias sobre a inserção da
educação física naquele nível de ensino, a mediação que ela exerceu no período
delimitado para o estudo e revelando as relações internas e externas que estavam lá
presentes. A ideia básica é captar nestes cruzamentos as especificidades da
educação física no ensino primário paraense e sua relação com o contexto político
econômico paraense e nacional.
Com relação ao método o próprio Marx diz o seguinte,
[...] Se começasse, portanto, pela população elaboraria uma representação caótica do todo e, por meio de uma determinação mais restrita, chegaria analiticamente, cada vez mais a conceitos mais simples; do concreto representado chegaria a abstrações cada vez mais tênues, até alcançar as determinações mais simples. Chegado a este ponto, teria que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população, mas dessa
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira
república (1889- 1900)
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vez não como uma representação caótica, porém como uma rica totalidade de determinações e relações diversas. [...] ( 2008, p. 258).
Isto, diz respeito à compreensão do objeto de estudo, tanto no que
representa de forma mais geral, quanto aos seus aspectos mais particulares e
singulares, isto é, captar a estrutura interna, os seus componentes e suas relações
internas. Realizar este exercício, significa se deparar com objeto num primeiro
momento e adentrar em sua dinâmica interna e depois de considerar as múltiplas
determinações que o configuram retornar ao fenômeno inicial, mas agora com uma
compreensão das relações que compõe sua totalidade.
Esta foi a resolução metodológica que adotamos nesta pesquisa para
captar os elementos constitutivos do objeto e como se relacionam na dinâmica
própria do fenômeno, ou seja, na sua realidade concreta. (NETO, 2011)
Tendo como referência metodológica a formulação de Marx9, buscamos
aportes em autores que também se baseiam em seus escritos para desenvolver
seus trabalhos científicos. Como podemos perceber, esta pesquisa tem seu objeto
perpassando pela história e história da educação. Por isso, consideramos de suma
importância tomar como referências nestes dois campos as produções de Eric
Hobsbawn, Demerval Saviani e José Claudinei Lombardi, pois discutem seus
objetos sob influência dos escritos de Marx ou de seus intérpretes.
Hobsbawn (1998), Por exemplo, tem em seus escritos a referência de
Marx, cujos estudos são o melhor instrumento para acompanhar as mudanças e
transformações ocorridas no mundo a partir do fim da idade média, período que até
o presente momento marca a ascensão do capitalismo.
Contribuindo com o debate acerca da história da educação temos como
referência que
é preciso, com efeito, registrar que a tarefa de produção de uma história da escola pública no Brasil se reveste de especificidade própria, marcada pelas dimensões do país e pela diversidade de tempos, espaços e ritmos com que se manifestou o processo de implantação da escolas públicas nas diferentes de regiões, estados e municípios. Com efeito, para se compreender o fenômeno da escola pública no Brasil de modo consistente,
9 Ë importante deixarmos claro que Marx não deixou um método, mas sim o método do capital.
(NETO, 200, p.52), e mais ainda, Se por método se entende uma arrumação operativa a prior, da
subjetividade consubstanciada por um conjunto normativo de procedimentos, ditos científicos, com
os quais o investigador deve levar a cabo seu trabalho, então, não há método em Marx. ( CHASIN,
2009, p. 89)
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apreendendo-se suas múltiplas particularidades e modo como se articulam formando uma totalidade dinâmica e contraditória, é mister desenvolver uma investigação sistemática que permita, progressivamente, a reconstrução no plano do conhecimento, das características que se manifestam no desenvolvimento histórico desse objeto: A escola pública brasileira. (SAVIANI, 2005, p. 15)
Compreendendo a importância deste referencial, Lombardi afirma que,
de minha parte, tenho manifestado meu entendimento quanto ao significado
da atualidade do pensamento marxista, como uma concepção viva e
suficiente, ainda na contemporaneidade, para a análise crítica da sociedade
capitalista e como um referencial revolucionário e transformador da ordem
existente. (2000, p. 25)
A principal razão da escolha desta teoria e não de outra se deve ao fato
de entender que a produção do conhecimento sempre está à serviço de
determinados interesses sociais, portanto, não é aleatória, e nem dependente do
objeto a ser investigado, mas de uma determinada concepção de mundo e de uma
prática social.
Isto implica em considerarmos em última instância o próprio legado
deixado por Marx, a teoria que ele deixou. Estamos falando da concepção de
história elaborada por este estudioso ainda no século XIX, mas que ainda tem
servido de sustentação teórica na análise de muitos autores em vários campos do
conhecimento.
Nesse caminho temos, então, a concepção de história sendo aquela que
alguns autores como Hobsbawn e Plekhanov denominam de concepção
“materialista da história”, basicamente compreendida pela ideia de que são as
relações materiais de produção da vida as determinantes do desenvolvimento
humano.
Isto significa afirmar que a sociedade se desenvolveu a partir da relação
com a natureza e com outros seres humanos na busca de satisfazer as
necessidades que foram surgindo ou que foram criadas ao longo do processo de
desenvolvimento humano.
Ainda sobre esta questão é relevante informar que outros autores como
José Paulo Neto afirmam existir de uma concepção marxiana da história na qual
estão presentes seis elementos a saber, “um, objetividade; dois a realidade
medularmente contraditória; três com sujeitos coletivos; Quatro determinados
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socialmente; cinco de forma consciente; seis com teleologias diversas. (NETO, 2006,
p. 54-55)
Embora percebamos diferenças entre essas formas de conceber a
história, fundamental para esta pesquisa, constatamos a presença do elemento da
objetividade, contradição, mediação e totalidade ao considerarmos suas
características, fato este, que em nada causa obstáculo na compreensão da história.
É importante assinalar, ainda, que se trata de uma pesquisa documental,
trabalhando principalmente com fontes primárias, isto é, com documentos que ainda
não tiveram um tratamento, ou pelo menos não com este enfoque. Este
entendimento é encontrado em Gil (2000, p.5) afirmando que a pesquisa documental
“Vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que
ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa”.
Na tentativa de dar uma organização coerente com os elementos
norteadores da pesquisa este trabalho está estruturado em três capítulos, no
primeiro – Educação física: o nascimento de uma disciplina – abordaremos o
processo de desenvolvimento da educação física desde a Europa do século XIX e
seus antecedentes até sua defesa nas escolas como um aspecto da educação, a
introdução da educação física no Brasil e quais as relações foram estabelecidas com
a classe dirigente deste país.
A intenção deste é demonstrar a complexa trama construída na direção de
uma nova sociedade – a do capital – que nasce com a ascensão da burguesia ao
poder na Europa nos séculos XVIII e XIX e com ela uma série de mudanças que
instituíram o modo de produção capitalista. Neste contexto, cumpre destacar qual
papel a educação física exerceu nesse.
No segundo – Sociedade e educação no Pará na Primeira República –
trataremos do desenvolvimento da educação no período delimitado para o estudo,
relacionando com o contexto econômico, político e educacional pelo qual passava a
sociedade paraense. Isto é importante, porque é por meio da educação que a
educação física se manifestará como necessidade de formar um corpo forte e
saudável.
Não podemos deixar de considerar nesta análise a evolução da instrução
pública ainda na província e seus aspectos específicos até os anos que
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república (1889- 1900)
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antecederam a proclamação da República em que já ocorriam experiências
marcadas pelas influências do projeto modernizador do país.
No terceiro – A educação física no ensino primário no Pará –
analisaremos a implantação da educação física no ensino primário paraense, por
meio das publicações da época e também dos relatórios e regulamentos da
instrução pública do estado do Pará produzida na primeira década da primeira
República.
Neste último capítulo, momento no qual se chegará às relações mais
simples que compõe a essência do objeto, é quando vamos identificar as
especificidades da educação física no ensino primário paraense.
E por fim, nas considerações finais retomamos as principais questões
abordadas neste estudo levando em consideração objetivo formulado e os
resultados construídos a partir das análises realizadas.
Acreditamos que as possibilidades de análises com essa organização
estarão colocadas de forma a responder a problemática central e alcançar os
objetivos desta pesquisa. Sendo assim, convidamos aos leitores a uma boa
apreciação crítica deste trabalho.
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1 EDUCAÇÃO FÍSICA : O nascimento de uma disciplina escolar
Este capítulo tem por objetivo analisar a educação física no Brasil,
considerando seus antecedentes europeus e suas primeiras iniciativas neste país. A
ideia é focar a educação física no período que compreende a primeira década da
Primeira República, avaliando o papel que ela exerceu e as relações que
estabeleceu em um período da história brasileira marcado por contradições e
conflitos político-econômicos. Isto é fundamental para entender o seu movimento em
âmbito local e nacional, bem como a defesa da implantação da educação física nas
escolas brasileiras.
A educação física vem se constituindo indubitavelmente em uma importante
área, seja academicamente ou como um conjunto de práticas corporais
sistematizadas e desenvolvidas dentro ou fora da escola, em clubes, academias,
associações e outras instituições; e pelos mais diversos motivos representando
saúde, estética e qualidade de vida.
Durante o século XIX e ao longo do século XX, a educação física foi
constituindo-se no discurso da elite como um importante elemento na formação do
novo homem, inicialmente na Europa e depois no Brasil. Para isso, um aparato
teórico-metodológico foi sendo criado.
Muitos exemplos podem ser aludidos no intuito de ressaltar a importância da
educação física na sociedade brasileira nos dois últimos séculos, como as reformas
educacionais ocorridas no século XIX e XX, as experiências desenvolvidas em
estabelecimentos de ensino públicos e particulares até culminar com a sua
obrigatoriedade no ensino básico no século passado.
Nesta trajetória, pode-se perceber a inserção da educação física nos
currículos do ensino primário, secundário e superior, e a função que ela
desempenhou nestes níveis de ensino para os seus diversos papéis sociais ao longo
dos dois últimos séculos.
Alguns pesquisadores, como Inezil Pena Marinho em meados do século XX e
mais recentemente Victor Melo, Amarílio Ferreira Neto e Carmem Lúcia Soares vem
se debruçando sobre esta trajetória da educação física no Brasil e na Europa.
Temos, portanto, uma produção significativa com uma diversificação de fontes,
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objetos e métodos.
No caso deste estudo, o período delimitado corresponde à importantes
mudanças políticas no país, promovida pelas classes dirigentes, há muito
insatisfeitas com o governo imperial, o qual não representava mais os seus
interesses. Neste contexto, a inserção da educação física nos currículos do ensino
primário, especificamente no estado do Pará, representou a consolidação do
pensamento modernizador para a sociedade em geral e para a educação em
especial.
Para orientar esta análise, alguns questionamentos foram formulados, sem a
pretensão de esgotar a temática: Como se iniciou esse processo? O porquê de
considerá-la importante em determinado momento histórico?
Para responder a esses questionamentos, traz-se para discussão as
mudanças pelas quais passou a sociedade brasileira no século XIX. As principais
modificações foram de ordem política e econômica, quando se consumou a
Proclamação da República e a abolição da escravidão no final desse século.
Sob a influência das transformações que ocorreram na Europa,
principalmente na França e Inglaterra, as quais tomaram maior impulso com a
revolução francesa e industrial, o Brasil, a partir de meados do século XIX,
perseguirá a construção de um “país moderno” e para isso alterações estruturais
foram obrigatórias.
Na política, a Monarquia começou a ser contestada até sua queda no final da
década do século XIX. Neste momento, a Proclamação da República1 significou a
mudança de regime político, instaurando o presidencialismo que perduraria até
1930.
Longe de provocar uma ruptura com as práticas políticas vigentes, esta
modificação colocaria em evidência a força de grupos políticos da elite ávidos por
um governo que representasse seus interesses de maneira mais efetiva, sobretudo
os econômicos.
Dar-se-á, então, início a um período marcado por conflitos2 entre o governo
1 Primeira República, República Velha, República da Espada são denominações utilizadas para se
referir ao período que vai do fim do período monárquico até o golpe de 1930. 2 Na Primeira República foram muitos os conflitos armados em várias regiões do país, logo nos
primeiros dez anos tivemos o de Canudos na Bahia (1896-1897), a 1º e 2ª Revolta da Armada em
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republicano e grupos localizados em vários estados como Rio grande do Sul, Bahia
e São Paulo, descontentes pela forma como vinha conduzida a mudança política no
país ou por serem contrários a idéia da república.
Nascida de uma complexa trama política, a Proclamação da República teve
como principais elementos definidores “a questão militar” e a insatisfação dos
fazendeiros de café, de um segmento intelectual e dos partidos de oposição
(FIALHO, 1983).
Estes grupos pertencentes às elites questionavam o governo imperial em
vários pontos: o descaso com a classe militar, o fim da mão de obra escrava, a
situação de atraso cultural na qual se encontrava o País ou mesmo por aversão aos
membros da corte imperial. Todos estes pontos convergiam para o fim do Governo
Imperial sem, no entanto, haver a participação popular.
Segundo Carvalho (1987) o povo assistiu “bestializado” todo aquele conjunto
de fatos que culminaram com a saída do poder da família imperial e a implantação
do governo Republicano.
Já no plano econômico, a mais significativa alteração foi a abolição da
escravidão, promovida por um ato imperial da Princesa Isabel na tentativa de
agradar os críticos ao Governo Imperial. Esta última medida faz parte de um longo
processo em que leis foram criadas, sendo o golpe final na exploração de mão de
obra a custo quase zero, rumo à implantação definitiva do trabalho assalariado no
Brasil.
O problema da mão de obra escrava era tão importante que teve influência na
política educacional. Isto significa que a categoria trabalho será fundamental para se
compreender como o projeto educacional estava articulado à realidade concreta, ou
seja, ao contexto político e econômico.
Tal problema conjuntural estava dado e isto significou mudanças nos
costumes e hábitos em prol de uma nova formação física, moral e intelectual do
homem. Sendo esta formação integral constantemente observada nos discursos e
programas de instrução pública durante a Primeira República.
As mudanças políticas e econômicas pelas quais passava o país tiveram
1891 e 1892, no Rio de Janeiro respectivamente, e a Revolução Federalista ocorrida no período de 1893 a 1895 no Rio Grande do Sul.
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relação direta com as novas propostas de formação de um homem brasileiro que
fosse adequado ao novo regime político que se instaurava no país; e neste contexto
a educação física seria um importante elemento.
1.1 A educação física na Europa
Para tratar da educação física no Brasil no final do século XIX, é
imprescindível recuar um pouco na história e considerar as revoluções político-
econômicas que se operavam na Europa. O motor principal destas transformações
foi a gênese, o desenvolvimento e a consolidação da classe burguesa, ao divulgar a
necessidade de formação de uma nova sociedade3 - a sociedade do capital. Sendo
esta configurada por um conjunto de medidas adotadas nos séculos XVIII e XIX que
visava minar as bases de sustentação da sociedade feudal, e ao mesmo tempo
elaborar um ideário em que a educação do corpo era fundamental para alcançar os
objetivos almejados.
E a educação física, seja aquela que se estrutura no interior da instituição escolar, seja aquela que se estrutura fora dela, será a expressão de uma visão biologizada e naturalizada da sociedade e dos indivíduos. Ela incorporará e veiculará a idéia da hierarquia e da ordem, da disciplina, da fixidez, do esforço individual, da saúde como responsabilidade individual. Na sociedade do capital, constituir-se-á em valioso instrumento de disciplinarização da vontade, de organização de gestos e atitudes necessários a manutenção da ordem. Está organicamente ligada ao social biologizado do século XIX, pesquisas e sistematizações estas que vem a responder, paulatinamente, a um maior número de problemas que se coloca à classe no poder (SOARES, 1994, p. 20).
Parte-se, portanto, do pressuposto de que o surgimento e o desenvolvimento
da educação física na Europa estão intimamente relacionados com a ascensão e
consolidação da classe burguesa no poder. Isto significa que os princípios
assumidos pelo projeto de educação, incluindo a educação física, foram aqueles que
embasaram o próprio modo de produção capitalista.
As mudanças econômicas e políticas ocorridas na Europa nos séculos XVIII e
XIX foram partes de um processo de transformação social que gerou alterações
3 Na França do final do século XVIII, por exemplo, igualdade, liberdade e fraternidade não eram
simples palavras de ordem motivadoras, mas ideais que precisavam ser consolidados para que aquela sociedade pudesse evoluir.
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profundas na forma de pensar e organizar a sociedade, mas, sobretudo, na forma
como o homem passou a produzir a sua existência material.
No plano econômico, o continente viu florescer o modo de produção
capitalista nos séculos XVIII e XIX em substituição ao feudalismo que durante tantos
séculos predominou. Esta modificação representou a defesa da propriedade privada
sobre os meios de produção, o trabalho assalariado e os mercados livres.
A transição do feudalismo ao capitalismo significou a substituição da terra pelo dinheiro, como símbolo da riqueza: foi o período em que um conjunto de fatores preparou a desagregação do sistema feudal e forneceu as condições para o surgimento do sistema capitalista (GIOIA; PEREIRA, 2007, p.163).
Fruto desse longo processo de desenvolvimento, o capitalismo em pouco
tempo, comparado com o modo de produção anterior, revolucionou as formas de
produção material na existência humana.
Já o feudalismo, baseado em relações que de maneira geral se davam a partir
de produtos advindos da terra e de atividades ligadas a ela, perdurou
aproximadamente quinze séculos de modo diverso em vários lugares da Europa.
Mas que tipo de trabalho predominava neste modo de produção?
Qual era a espécie de trabalho? Nas fábricas ou usinas? Não, simplesmente porque ainda não existiam. Era o trabalho na terra, cultivando grão ou guardando o rebanho para utilizar a lã no vestuário. Era o trabalho agrícola, mas tão diferente de hoje que dificilmente o reconheceríamos (HUBERMAN, 1986, p. 03).
As relações políticas da Idade Média não permitiam questionamentos nem
mudanças nos códigos e normas impostos pela nobreza e clero. Os servos de um
feudo, por exemplo, não podiam realizar casamentos com pessoas que não fossem
do mesmo feudo, a não ser com autorização de seu senhor. Este último era o dono
da terra onde trabalhavam e para quem não podiam deixar de produzir.
No feudalismo, a unidade econômica, político-jurídica e territorial era o feudo; em outras palavras, numa dada extensão de terra, eram produzidos os bens necessários à manutenção de seus habitantes, realizadas as trocas de bens e elaboradas as leis e obrigações que vigoraram (RUBANO; MOROZ, 2007, p.136).
Esta vinculação ao feudo poderia se dar por acordo militar ou por deveres e
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obrigações recíprocas entre os donos da terra e arrendatários. Ou seja, além da
relação de dominação também existia o vínculo pessoal como forma de relação
política nos feudos (HUBERMAN, 1986; RUBANO; MOROZ, 2007).
Como se pode perceber não existia liberdade do camponês e de outros
grupos nas formas de produção de subsistência, mas sim uma exploração
exacerbada por parte daqueles que eram donos das terras. Esta situação, cada vez
mais intensa, provocava mais e mais miséria nos grupos desprovidos de condições
materiais. Esse pode ser considerado um aspecto importante na condução das
mudanças que estariam por vir.
Na política, presenciou-se o progressivo deslocamento do poder da nobreza,
constituída por reis, lordes e duques, para a classe emergente - a burguesia. Por
vários séculos, a nobreza juntamente com a igreja católica dominou as formas de
governo e constituiu grandes reinos, mas ao final teve suas bases sistematicamente
prejudicadas. Principalmente, porque viu a diminuição de seu poder econômico e
bélico enquanto formulava-se um novo ideário. O caso mais emblemático desse
processo talvez seja a “Revolução Francesa”, que derrubou por intermédio da força
a nobreza francesa.
Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influência da revolução industrial britânica, sua política e ideologia foram fundamentalmente pela Revolução Francesa. A Grã-Bretanha forneceu o modelo para as ferrovias e fábricas, o explosivo econômico que rompeu com as estruturas socioeconômicos tradicionais dos mundos não-europeus; mas foi a França que fez suas revoluções e a elas deu suas idéias a ponto de bandeiras tricolores de um tipo ou de outro terem-se tornado o emblema de praticamente todas as nações emergentes, e a política européia (ou mesmo mundial) entre 1789 e 1917 ser em grande parte a favor e contra os princípios de 1789, ou ainda mais incendiários de 1793. A França forneceu o vocabulário e os temas da política liberal e radical-democrática para a maior parte do mundo. A França forneceu os códigos legais, o modelo de organização técnica e científica e o sistema métrico de medidas para a maioria dos países. A ideologia do mundo moderno atingiu as antigas civilizações que tinham até então resistido às idéias européias inicialmente através da influência francesa. Esta foi a obra da Revolução Francesa (HOBSBAWN, 2009, p. 97-98).
Este processo de transição das atividades econômicas ligadas a terra para as
comerciais e depois industriais, como se pôde perceber, ocorreu em um processo
simultâneo de solapamento das atividades econômicas e constituições de novas.
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[...] Estes requisitos Marx demonstrou terem sido estabelecidos através de um longo processo histórico que transformou as antigas relações econômicas dominantes no feudalismo, destruindo-as ao mesmo tempo em que se construía o capitalismo (CATANI, 2003, p. 09).
Sendo assim, “por meio de uma série de revoluções liberais, a burguesia
tomou o poder político, da mesma forma que por meio da Revolução Industrial
tomou o poder econômico” (PEREIRA; GIOIA, 2007, p. 262).
As transformações motivadas e dirigidas pela burguesia requeriam não só as
ações diretamente ligadas às novas formas de trabalho, mas também, orientações
que penetrassem no âmago da sociedade e mostrassem o antigo regime como
opressor e incapaz de garantir vida, dignidade e melhorias nas condições precárias
em que se encontravam as camadas sociais inferiores.
O ideário, que serviu de base para toda esta virada política e econômica da
sociedade europeia - o liberalismo4, foi divulgado por pensadores, inicialmente,
como Locke e Rousseau e depois por outros como o Marquês de Condorcet,
Basedow e Pestalozzi. Estes teóricos difundiram o liberalismo principalmente por
meio da educação e foram o suporte para o fortalecimento da educação física como
instrumento da classe burguesa e para a manutenção de seu poder.
1.2 A educação do Corpo
Segundo Ponce (2003), a educação sob os princípios burgueses de utilidade
e praticidade surgem com a evolução das necessidades econômicas que se
impunham aos burgueses e aos próprios nobres da renascença no século XVIII.
Desta feita, os conhecimentos e a forma como eram difundidos não tinham mais
serventia para os novos modos de produzir a existência do homem daquela época. E
assim, os novos princípios, valores e conhecimentos se desenvolveram sob a
contribuição de quatro correntes pedagógicas: a da igreja medieval; a da nobreza
cortesã; a da burguesia protestante e a da burguesia não religiosa. Entre elas, têm-
4 Ideologia constituída ao longo de vários séculos desde Maquiavel até Adam Smith passando por
Hobbes, Locke e Rosseau. Foi fundamental para subsidiar teoricamente a gênese e a consolidação do capitalismo. Trazia como pressupostos principais: liberdade de pensamento, de deslocamento, mas, sobretudo liberdade econômica. Apresentava, portanto, características políticas, econômicas, sociológicas e jurídicas, graças a contribuição desses pensadores.
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se figuras importantes como Lutero (1483-1546), Bacon (1561-1626), Descartes
(1596-1650); Pascal (1623-1662); e Comênio (1592-1671).
O conhecimento produzido por esses pensadores foi a base na qual os
liberais clássicos dos séculos XVIII e XIX formularam, entre outras, propostas para a
educação. Mas, foi em fins do século XVIII e em todo século XIX que os ideais
defendidos pela burguesia para a educação foram sistematicamente concretizados
na Europa, sendo este período histórico o momento da acentuação do
desenvolvimento econômico capitalista.
Por isso,
a referência aos pensadores liberais clássicos coloca-se como fundamental para este trabalho, uma vez que são suas idéias sobre educação física que irão servir de base filosófica e pedagógica para o seu desenvolvimento ao longo dos séculos XVIII e XIX (SOARES, 1994, p. 47).
E ainda, segundo Soares (1994), estes teóricos, apesar de pertencerem a
diferentes países europeus e possuírem especificidades em suas formulações,
influenciaram e concorreram para a elaboração de propostas voltadas a uma
sociedade livre, materializando-se na liberdade de pensamento, liberdade religiosa
e, sobretudo, econômica. E neste esforço contribuíram para a formulação das bases
teóricas e filosóficas para a educação física.
Seguindo esta linha, já no século XVIII, encontram-se as ideias de John Locke
(1632-1704) com bastante ressonância na sociedade europeia, principalmente entre
a classe burguesa. Em suas ideias considerava o estado como regulador das
relações sociais entre os homens ao garantir a vida, a liberdade e o patrimônio a
cada indivíduo; defendeu ainda mudanças na educação e o cuidado com o corpo por
intermédio de exercícios físicos.
Deste modo, foram elaborados preceitos pedagógicos visando uma nova
formação humana. Assim, o
[...] jogo, a utilidade prática, a persuasão racional, os métodos não constritivos e auto governativo são os instrumentos desta pedagogia, que objetiva não a variedade dos conhecimentos, mas a liberdade do pensamento. A esses podem acrescentar-se a educação física e o trabalho, que todavia servem especialmente para o fortalecimento moral e como hobby, útil ao gentil-homem também para o controle da boa execução do trabalho dos dependentes. De qualquer forma, na preparação dos pobres ou na reeducação de delinqüentes, o trabalho (e a educação física) começa a fazer parte insuprimível da reflexão sobre a formação do homem: como
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instrumental e subordinado ou como hobby, ele se impõe todavia como problemas do futuro, ao lado do problema do patrimônio cultural e de sua sistematização (“um mapa geográfico do mundus inteligibilis”) das metodologias didáticas pelas quais transmiti-lo à criança e das relações permissivas e repressivas entre adultos e adolescentes (MANACORDA, 2006, p. 226).
Rousseau (1712-1778), conhecido por suas contribuições na teoria política5
com a obra o “Contrato Social”, construiu igualmente todo um arcabouço teórico
educacional, presente na obra “Emílio, ou Da Educação”. Neste último,
contemplou preceitos sobre a educação da elite, os cuidados com a educação na
infância e a formação integral do homem, além de defender um desenvolvimento
corporal e mental adequado à nova organização política e econômica que então
ganhava força.
Nesse contexto,
[...] entre os aspectos positivos merecem ser mencionados a redescoberta, a educação dos sentidos, a valorização do jogo, do trabalho manual, do exercício físico e da higiene, a sugestão de usar não a memória, mas a experiência direta das coisas, e não usar subsídios didáticos já prontos, mas construí-los pessoalmente, e, sobretudo, o plano progressivo da passagem da educação dos sentidos (dos dois aos doze anos) à educação da inteligência (até os quinze anos) e da consciência (até aos vinte cinco anos) [...] (MANACORDA, 2006, p.243).
Segundo Soares (1994), outros grandes nomes do pensamento europeu
também afirmaram a importância da educação do corpo. Marquês de Condorcet
(1743-1794) defendia uma educação pública, laica e gratuita em que a moral era
peça fundamental. Ele chegou a produzir um projeto para a instrução pública na
França pós-revolução incluindo a educação do físico. Já, Pestalozzi (1746-1827) e
Basedow (1724-1790), que ficaram marcados pelo caráter filantrópico de suas
atuações, também souberam traduzir o pensamento liberal por meio de propostas
para a educação.
O legado deixado por esses pensadores influenciou profundamente as
propostas educativas no final do século XVIII e em todo o XIX na Europa. Isto
5 Rousseau acreditava no contrato social entre os homens como forma de superação da situação
política remanescente da Idade Média. Entendia que o contrato firmado entre os homens para estabelecer uma relação política deveria advir de um consentimento coletivo a um determinado membro de uma comunidade dando a este o direito de governar, isto é, submeter a vontade individual à vontade da maioria.
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possibilitou a difusão do ideário liberal e com este a noção de uma educação de um
corpo forte, saudável e obediente. Contraditoriamente, com o avanço da
industrialização, pioraram as condições de vida das massas trabalhadoras e com
isso aumentaram as possibilidades de diminuição da produção por um homem
aviltado pela fábrica, além de revoltas com a situação de exploração extrema na qual
se encontravam.
A extensão da escolarização primária foi colocada, então, como um dos mecanismos privilegiados das formas de pensamento e ação do „corpo social‟, e dentro da escola ganhava espaço um conteúdo bastante enaltecido pelo pensamento médico, pedagógico ao longo de todo o século XVIII. Estamos nos referindo ao exercício físico como elemento da educação tão enaltecido por Rousseau, Basedow, Pestalozzi e pelos políticos revolucionários franceses que fizeram da educação, lei, como Condorcet e Lepelletier (SOARES, 1994, p.60).
Sob os princípios deste pensamento, a educação física se desenvolveu e
entrou na agenda dos países europeus por meio de teorias como o higienismo,
eugenia e ginástica, criando justificativas para sua inserção nos hábitos da
sociedade moderna em plena consolidação.
Entretanto, todo o ideário propugnado por estes pensadores visava, quando
muito, uma amenização dos problemas causados pela industrialização acentuada na
primeira metade do século XIX. A ideia de que existia um corpo doente, fraco,
indisciplinado foi imensamente divulgada, bem como, a formulação de teorias que
almejavam a superação desse quadro. Porém, sem mencionar o seu principal
aspecto: a exploração da força de trabalho das camadas populares.
1.3 Higienismo, Eugenia e Ginástica na construção de um novo homem
Na perspectiva de cuidar do corpo, a teoria higienista surgiu da necessidade
de interferir na limpeza do organismo do indivíduo e com isso assear o organismo
social, controlando as massas pobres vistas como imersas em doenças e vícios,
bem como construindo hábitos adequados aos novos modelos sociais.
A Europa do século XVIII e início do século XIX - especialmente nos países centros da „dupla revolução‟ política econômica, ocorrida respectivamente na França e Inglaterra - vai desenvolver através de determinadas políticas de saúde formas explícitas de controle das populações urbanas, onde o corpo dos indivíduos e o „corpo social‟ são tomados como objetos,
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mensuráveis, passíveis de classificações e generalizações isentas de paixões e impregnadas da neutralidade própria da abordagem positivista de ciência (SOARES, 1994, p. 27).
Neste sentido, foi uma corrente de pensamento que objetivou livrar a
sociedade, não só dos “maus hábitos” que levavam à condição de suscetibilidade a
doenças, mas também de atuar na construção de uma moralidade, cujo lócus
principal era a família.
Então,
o discurso higienista na Europa do século XIX veiculava a idéia de que as classes populares viviam mal por possuírem um espírito vicioso, uma vida moral liberada de regras e que, portanto, era premente a necessidade de garantir-lhes não somente a saúde, mas fundamentalmente a educação higiênica e os bons hábitos morais (SOARES, 1994, p.34).
De forma complementar ao higienismo, a eugenia queria
purificar a raça. Aperfeiçoar o homem. Evoluir a cada geração. Se superar. Ser saudável. Ser belo. Ser forte. Todas as afirmativas anteriores estão contidas na concepção de eugenia. Para ser o melhor, o mais apto, o mais adaptado é necessário competir e derrotar o mais fraco pela concorrência. Luta de raças. Para a política, luta de classes (DIWAN, 2007, p. 21).
Schwarcz (1993) afirma que o principal teórico eugenista Francis Galton
(1822-1911), geógrafo e naturalista, publicou em 1869, Hereditary genius,
considerado por muitos como o texto fundador da eugenia. Nele, Galton tenta provar
que as capacidades humanas eram de função hereditária e não aprendidas
socialmente.
As ideias eugenistas ganharam corpo e aceitabilidade social sob forte
influência da teoria de Charles Darwin (1809-1882), com a publicação de “A origem
das espécies” (1859), especialmente da vertente que ficou conhecida como
“darwinismo social” ou “determinismo racial”.
Portanto, as ideias darwinistas, que estimularam as formulações de Galton em
busca do entendimento do processo de melhoramento da raça, foram utilizadas pela
classe burguesa como instrumentos de controle ideológico ao naturalizar as
diferenças culturais e sociais. Sendo assim, os conceitos que balizaram este
processo e desafiaram a ordem política foram: a competição (luta pela vida),
adaptação, seleção do mais forte e hereditariedade (SCHWARCZ,1993; STEPAN,
34 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)
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2005; DIWAN, 2007).
Deste modo, para a eugenia, assumida pela burguesia, fazia-se necessário
regenerar a raça que estava a cada dia mais se definhando, por motivos
relacionados a questões genéticas, anatômicas e naturais de um povo; e não na
condição de miséria gerada pelo nascente modo de produção capitalista. Ou seja,
explicava-se o social pelo biológico, e nesta lógica justificavam-se, entre outras
diferenças, as de raça e classe.
Isto porque,
degeneração progressiva, diminuição de peso e estatura, morte. Esta era uma das faces mais horripilantes (e que tentava ocultar) da nova sociedade. Ela expressava de modo contundente a própria contradição, a riqueza e a miséria. Tornava-se imperioso amenizar este quadro, não apenas com leis trabalhistas pois, afinal, os exércitos deviam ser preservados... e a indústria, ela também se alimentava do vigor físico dos seus operários. Os „corpos saudáveis‟ eram uma exigência do capital (SOARES, 1994, p.33).
Assim, esta teoria, que se coloca juntamente com outras de cunho racista e
determinista, visava combater a “degeneração da raça”, ganhando cunho científico e
social nos anos de 1880. Neste contexto,
transformada em um movimento científico e social vigoroso a partir dos anos de 1880, a eugenia cumpria metas diversas. Como ciência, ela supunha uma nova compreensão das leis da hereditariedade humana, cuja aplicação visava a produção de “nascimentos desejáveis e controlados”; enquanto movimento social, preocupava-se em promover casamentos entre determinados grupos e – talvez o mais importante - desencorajar certas uniões nocivas à sociedade (SCHWARCZ, 1993, p.60).
Pelo que foi exposto, esta teoria do final do século XIX propunha um corpo
forte, por meio de medidas que elevassem cada geração de indivíduos a uma
melhor condição física, moral e intelectual.
A Eugenia ousou ser a ciência capaz de explicar biologicamente a humanidade, fornecendo uma ênfase exacerbada na raça e no nascimento. Postulava uma identidade do social e do biológico, propondo-se a uma intervenção científica na sociedade explicando o primeiro pelo segundo (SOARES, 1994, p.25).
De influência médica, as ideias do Higienismo e da Eugenia indubitavelmente
estiveram presentes nas formulações e proposições para a educação física no
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continente europeu. Pautadas em um discurso cientificista, buscavam apoio teórico
para justificar o domínio e a manutenção da classe burguesa no poder, fosse por
meio da educação ou da saúde como políticas de governo. Contudo, elas atribuíam
aos maus hábitos e aos vícios da população todo o conjunto de más condições em
que viviam as classes pobres.
É neste contexto que surgem os métodos ou escolas ginásticas com a clara
finalidade de moralizar, disciplinar e formar corpos saudáveis e fortes, baseando-se
em preceitos científicos,
na Europa, ao longo de todo o século XIX, a ginástica científica afirma-se como parte significativa dos novos códigos de civilidade. Exibe um corpo milimetricamente reformado, cujo porte ostenta uma simetria nunca antes vista. Nada está fora do prumo [...]. (SOARES, 2005, p. 17)
Por esse caminho, a ginástica pode ser compreendida como base do
pensamento burguês para a formação do novo homem na qual ordem, disciplina e
sistematização são imprescindíveis e que assumia atributos como força, agilidade,
virilidade energia. (Soares, 2005)
Soares (1994, p.65) acrescenta ainda que mesmo,
apresentando algumas particularidades a partir do país de origem, essas escolas, de um modo geral possuem finalidades semelhantes: regenerar a raça (não nos esqueçamos do grande número de mortes e de doenças); promover a saúde (sem alterar as condições de vida); desenvolver a vontade, a coragem, a força; a energia de viver (para servir a pátria nas guerras e na indústria) e, finalmente, desenvolver a moral (que nada mais é do que uma intervenção nas tradições e nos costumes dos povos).
As principais Escolas ginásticas criadas no século XIX foram: a alemã, a
sueca, a francesa, além da Inglesa que se desenvolveu com a particularidade do
esporte. Desde o início do século XIX, a ginástica seria nestes países uma estratégia
de controle das massas populares ao dar continuidade ao projeto de expansão
econômica e manutenção do poder político burguês.
Ainda para Soares (1994), a escola alemã baseada nas ciências como a
biologia, fisiologia e anatomia tinha forte caráter nacionalista e militar e incluía a
preocupação de formar homens, mulheres e crianças. Seus principais nomes foram
Guths Muths e Frederich Ludwig Jahn e Adolph Spiess. Já a Escola Sueca, além de
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se preocupar com a questão da saúde e da defesa da pátria, também colocava a
ginástica como instrumento capaz de contribuir para eliminar os vícios da sociedade.
Seu idealizador principal foi Pehr Henrick Ling que a dividiu em quatro partes:
Ginástica pedagógica ou educativa, ginástica militar, ginástica médica ou ortopédica
e ginástica estética. E por fim, a escola francesa que assumindo a influência alemã
valorizava os traços morais e patrióticos. Seu destaque foi a figura de Francisco de
Amoros y Ordeano que desenvolveu um método semelhante ao sueco de Ling,
dividido em ginástica civil, industrial, militar, médica, cênica ou funambulesca.
Com essas características, a ginástica vai se difundir e atingir a condição de remédio
para todos os males sociais. E foi assim que
a ginástica considerada a partir de então, científica, desempenhou importantes funções na sociedade industrial, apresentando-se como capaz de corrigir vícios posturais oriundos das atitudes adotadas no trabalho, demonstrando, assim, as suas vinculações com a medicina e, desse modo, conquistando status. A essa feição médica, soma-se outra à ginástica: aquela de disciplinar... e disciplina era algo absolutamente necessário à ordem fabril e a nova sociedade (SOARES, 1994, p.64).
Assim, o aspecto científico que adquiriu a ginástica pôde ser facilmente
percebido por meio de teorias como Higienismo e Eugenia, as quais contribuíram em
sua sedimentação na sociedade europeia, permitindo que extrapolassem para outros
países e continentes, entre eles o Brasil, profundamente afetado por esse
pensamento.
E, no século XIX, a ginástica foi constituindo-se como a principal forma de
educação física, pois era o meio que tinha por função formar um corpo forte,
moralizado, sadio e obediente, requisitos fundamentais à nova ordem econômica e
política ascendente no continente europeu.
É válido ressaltar que as transformações políticas e econômicas que se
operavam especialmente na França e Inglaterra no século XIX incutiram nas mais
diversas áreas do pensamento humano e em muitos povos os ideais de liberdade
defendidos pela burguesia em ascensão na Europa.
Os conhecimentos elaborados, dentre eles a ginástica, assumiram caráter de
verdade irrefutável. Eles eram justificados pelas necessidades da classe burguesa e
explicados pela forma de produzir conhecimento que tentava se consolidar, a
37 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)
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ciência6. Por isso, as teorias acima explicitadas tiveram tanta ressonância e
aceitação na sociedade.
Isto aconteceu porque, neste contexto, a ciência
adquire peso político no mundo moderno por apresentar-se conceitualmente como uma forma de conhecimento neutra, empírica, secular e (por ser singularmente objetiva) singularmente confiável. Por conseguinte, as conclusões ou políticas sociais baseadas na ciência adquirem uma legitimidade especial, precisamente pela afirmativa de que seriam extensões naturais da própria ciência, derivadas do conhecimento de uma lógica tal que outras idéias sociais jamais chegariam a alcançar [...] (STEPAN, 2007, p.75).
Assim, o cientificismo, base explicativa e justificadora de teorias elitistas que
visavam a firmar o pensamento da classe em ascensão convencendo a população
da validade de suas ideias e das novas praticas que deveriam ser assumidas pelo
restante da população, foi um importante elemento no conjunto das estratégias
assumidas para a manutenção da ordem vigente.
1.4 A educação física no Brasil
Junto com todo o novo grupo de conhecimentos formulados e amplamente
difundidos na Europa, chegou ao Brasil no início do século XIX a necessidade de
educar o corpo, cuja atenção até então era inexistente.
Assim como na Europa, entre os cuidados estava a educação do físico,
aspecto indispensável na construção do projeto societário que se delineou no final
do século XIX e início do XX, período no qual a educação física se consolidara como
disciplina na escola brasileira.
Convém observar que no início do século XIX, a Europa se industrializa
firmando o capitalismo como modo de produção. Nesse contexto, as ideias liberais
para a manutenção da classe burguesa no poder começam a se difundir.
A difusão das ideias liberais no Brasil, que ganhara força no discurso da elite
nacional, podia ser percebida na economia, na política e nos preceitos defendidos
para a educação, como a formação integral, intelectual, moral e física do homem.
6 Esta forma de conhecimento foi exacerbada. Também chamada de cientificismo foi utilizada para
justificador as desigualdades entre os homens e garantir a hegemonia da classe burguesa.
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Em terras brasileiras, a influência dessas ideias foi sentida de forma peculiar,
pois absorveu tanto um pensamento mais radical, o qual buscava uma ruptura com
os valores do antigo regime colonial, quanto aquele mais moderado, avesso às
revoltas e lutas para a tomada de poder.
Neves (2001) afirma, por exemplo, que o liberalismo, assumido no Brasil no
início do século XIX, foi influenciado pela Iluminismo português marcado por uma
base religiosa. Esta foi assumida pelos intelectuais brasileiros, em sua maioria
integrantes da elite que estudaram na Universidade de Coimbra, e que não por
acaso, defendiam a constituição de um império luso-brasileiro, sem separatismo
político, buscando o novo, mas conservando o antigo. Isto é, mantendo a figura do
rei. Entretanto, existia outro grupo de intelectuais de influência liberal francesa. Eram
mais radicais que os primeiros e se converteram nos ideólogos de maior atuação na
defesa do separatismo brasileiro.
Estas influências estavam presentes no conjunto de ideias liberais que
podiam ser observadas de maneira mais consistente a partir da construção de um
império soberano, o qual passava, obrigatoriamente, pela necessidade de separação
da metrópole e, portanto, de um governo independente.
Apesar de ter sofrido influências dessas ideias, o projeto que prevaleceu foi o
de caráter moderado, sem a necessidade de grandes rupturas com as estruturas
coloniais, porque não se poderia correr o risco de perder o controle e a direção
daquele processo.
Talvez por esse motivo os liberais brasileiros, até meados do século XIX, não
se opusessem e até defendessem princípios e pensamentos que na maioria dos
países europeus já eram considerados superados e contraditórios em relação ao
liberalismo, como o regime escravista e monárquico, por exemplo.
Bosi (1992) afirma que o liberalismo no Brasil, até meados do século XIX, foi
entendido sob quatro perspectivas: conservador das liberdades conquistadas em
1808; conservador das liberdades alcançadas em 1822; conservador da liberdade
como instituto colonial e relançada pela expansão; e capacidade de novas terras em
regime de livre concorrência.
Mesmo conseguindo a independência política, o Brasil, em relação a Portugal,
continuava a operar nas velhas estruturas de poder remanescentes do período
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colonial. Apesar de neste momento passar a existir uma monarquia parlamentarista
com a realização de uma série de eleições ao longo do século XIX.
Estas estruturas eram basicamente as grandes propriedades rurais com uma
ou outra atividade econômica principal, as quais pertenciam a um único dono que
atuava politicamente na manutenção da ordem e em outras instâncias (FURTADO,
1997; PRADO JÚNIOR, 2008).
Isto retardava e inviabilizava possibilidades de organizações mais eficientes
do ponto de vista da gestão pública, bem como um desenvolvimento econômico
nacional do império brasileiro. Pois, muitas das políticas de governo, em diversas
áreas, eram executadas, na maioria das regiões, pelos grandes donos de terras,
uma vez que a maior parte da população vivia em áreas rurais.
Esta inoperância podia ser verificada também na área econômica, que
segundo Furtado (1997), permanecia com seu modelo agroexportador. Naquele
momento, década de 40 do século XIX, passou-se de forma acentuada pela
mudança da monocultura do açúcar para a do café, ocorrida, entre outras razões,
pela incapacidade de administrar o engenho de açúcar e suas relações secundárias.
Embora as ideias liberais tenham sido assimiladas de maneira bastante
específica no século XIX, as teorias consideradas científicas e advindas da Europa
como a Eugenia e o Higienismo foram bem aceitas desde os primeiros anos do
império. E com elas apareceram discursos e proposições acerca desta nova forma
de educação para o corpo.
Isto aconteceu no Brasil mesmo não tendo o desenvolvimento econômico e
científico verificado na Europa. Assim, os cuidados com o corpo assumiram
características próximas daquelas verificadas no Velho continente.
1.5 Higienismo, Eugenia e Militarismo na consolidação da educação física no
Brasil.
Além das ideias higienistas e Eugenistas, concorreram também as instituições
militares para a implantação da educação física no ensino primário do Brasil. Dessa
tripla contribuição, pôde-se observar suas principais características na Primeira
República.
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Partindo do conhecimento produzido na Europa ao longo de todo o século
XIX, a elite brasileira propôs uma intervenção higiênica nesse país. Nesse contexto,
tiveram papel de destaque as instituições médicas.
A este respeito, Soares (1994, p. 86) afirma que,
a partir de conhecimentos e de teorias gestadas no mundo europeu, os médicos desenharam um outro modelo para a sociedade e contribuíram para a construção de uma nova ordem econômica, política e social. Nesta nova ordem, na qual os médicos irão ocupar lugar destacado, também se colocava a necessidade de construir, para o Brasil, um novo homem, sem o qual a nova sociedade idealizada não se tornaria realidade.
Para a intelectualidade brasileira, as causas da situação degradante em que
se encontrava a sociedade brasileira eram decorrentes da ausência de um corpo
forte, saudável e obediente.
Dessa situação, iniciou-se muito mais no discurso do que na realidade
concreta brasileira, um movimento que produziu propostas tanto para o âmbito
escolar quanto para a sociedade em geral.
Entre estas propostas estava o higienismo. Divulgado como instrumento de
limpeza da sociedade e do indivíduo foi formulado pelas instituições médicas e
adentrou o ambiente escolar sob o discurso de melhor formar o homem.
Na difusão do higienismo no Brasil, foi determinante a participação dos
médicos e suas organizações. Estes, pertencentes a diversos segmentos da classe
mais abastada - filhos de militares, médicos e magistrados que mantinham relações
com homens dos altos escalões do governo - foram os que sem dúvida defenderam
com mais ênfase os princípios higienistas.
A influência da instituição médico-higienista pôde ser observada no trabalho
de Gondra (2004)7. Segundo ele, no início do império, quando da fundação da
Sociedade de Medicina do Rio de janeiro (SMRJ), que a partir de 1935 veio a se
chamar Academia Imperial de Medicina (AIM), registrou-se o primeiro momento de
preocupação com o corpo social e individual.
Sendo assim, após um longo estabelecimento de relações com o estado, fator
este que permitiu visibilidade, publicidade e apoio governamental, a Sociedade
7 GONDRA, J. G.. Artes de civilizar: Medicina, higiene e educação escolar na corte imperial.
Rio de Janeiro: EDUERJ, 2004.
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Médica do Rio de Janeiro/Associação Imperial de Medicina começou a incluir em
seus debates, a partir da década de 70, do século XIX, o tema da instrução pública,
afirmando que da forma como estava sendo conduzida não contribuía de maneira
adequada ao desenvolvimento físico e moral do homem. Portanto, apresentou um
código higiênico, ajustado às peculiaridades brasileiras, como solução para tratar
dos males sociais detectados. Desta feita, a instrução passava a ser um problema
médico.
Os princípios defendidos pelos higienistas brasileiros eram a adoção de
hábitos saudáveis, a prática de exercícios físicos e melhorias nas condições de
habitação das famílias. Desta forma, observa-se que ao assumir tais princípios e
defendê-los da forma como o fizeram, de cima para baixo e em articulação com o
governo imperial, estava expressa a defesa das ideias liberais e com elas a defesa
de uma nova ordem econômica e política por parte da elite brasileira, ainda no
Império.8 (GONDRA, 2004)
Por outro lado, a eugenia, que estava intimamente relacionada com o
higienismo, pretendia no caso brasileiro, além de melhorar as condições físicas,
morais e intelectuais da elite brasileira, embranquecer a população que em meados
do século XIX, era constituída por um contingente populacional de negros que
poderia colocar em risco a ordem vigente.
Por isso,
outro fator somava-se aos aqui já expostos no processo entabulado pelas camadas dominantes, no sentido da eugenização do povo brasileiro. Em 1822, o Brasil, ao conquistar sua „Independência‟, possuía metade da sua população composta pela massa escrava. Anos mais tarde, em 1850, o contingente populacional de negros cativos, atingia a casa dos 2.500.000. Nesse contexto, era grande o temor de que o potencial de rebeldia dos escravos pudesse vir a ser manipulado no sentido de servir de apoio aos portugueses com vocação recolonizadora (CASTELLANI FILHO, 1994, p.43).
No desenvolvimento da teoria eugenista no Brasil, conforme Diwan (2007),
8 Apesar de o ideário liberal representar uma ruptura com as práticas existentes em regimes
como os do Brasil no século XIX, sua defesa era imprescindível para tentar, por meio do discurso, controlar as massas miseráveis constituídas na sua maioria de escravos libertos, que sem instrução, já em meados deste século ocupavam zonas urbanas nas piores condições de moradia. Era então, essencial estabelecer relações com o governo imperial para o fortalecimento do segmento dos médicos e assim foi até o final deste governo.
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tem-se a figura de Renato Kehl (1889-1974) que escreveu várias obras9 sobre o
tema colocando-o com bastante visibilidade durante as duas primeiras décadas do
século XX. Esta teoria serviu para explicar a situação de atraso cultural, na qual se
encontrava a sociedade brasileira e a impossibilidade de países como o Brasil se
desenvolverem aos moldes das nações europeias.
Mas, ainda segundo Diwan, pode-se dizer também que antes de Kehl já se
falava em racismo e degeneração da raça, por meio dos filhos da elite republicana
que traziam estas informações de suas viagens à Europa e de expedições científicas
compostas por antropólogos e intelectuais europeus.
A Influência exercida pelas ideias eugenistas dos intelectuais europeus na
intelectualidade brasileira se manifestou, principalmente, contra a mistura de raças,
pois “[...] para eles hibridização resultava sempre na permanência do gene mais
fraco, menos apto e na potencialização dos defeitos e imperfeições, gerações após
gerações” (DIWAN, 2007, p. 89).
Para completar o entendimento da gênese e do desenvolvimento histórico da
educação física brasileira, é importante considerar que além da influência do
discurso médico no desenvolvimento e inserção da educação física no currículo
escolar, também contribuiu a instituição militar, de quem partiu algumas práticas
pedagógicas que marcariam profundamente a educação física no país, como a
hierarquia e a disciplina.
Essa contribuição da instituição militar pode ser constatada a partir da criação
da Real Academia Militar. Fundada logo após a chegada da Família Real ao Brasil
em 1810. Esta instituição foi o começo das influências militares na sociedade
brasileira, inclusive na prática pedagógica de muitos professores, no que se refere a
disciplina, hierarquia e obediência.
A este respeito Ferreira Neto (1999, p.15) afirma que: “[...] é, pois, ao
considerar as composições curriculares desde a Academia Real Militar que se
observa a presença do componente „instrução física‟ como pólo prático, aplicado, do
processo de formação militar”.
9 As obras produzidas por Kehl são “Perguntas a um eugenista” (1927); “Certificado médico pré-
nupcial - regulamentação eugênica do casamento” (1930); “A Eugenia no Brasil: esboço histórico e bibliográfico” (1929); A eugenia prática: falsos e apressados conceitos - considerações simplórias. (1929); “Por que sou eugenista: 20 anos de campanha eugênica (1938).
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As influências daí decorrentes, conforme este mesmo autor (1999), se deram
em função da necessidade de modernização do exército. Isto seria conseguido a
partir do entendimento de que a execução de uma política educativa militar deveria
ter a presença de civis para incutir no povo a ideia de civismo por meio de uma
preparação militar, sendo esta uma das funções da escola.
É nesse entendimento que se julgou recomendar e se tentou que todos os programas de ensino, independentemente do nível, aludissem explicitamente à educação dos deveres militares, no sentido de despertar nas novas gerações, o respeito às „classes armadas‟, dentro da defesa da noção de civilização, o que foi feito, como sabemos, mais diretamente pelas disciplinas: Educação Moral e Cívica, no 1
o e 2º graus; Organização Social
e Política Brasileira (OSPB), nos cursos de 3º grau; e Estudos e problemas Brasileiros (EPB), inclusive na pós-graduação, nos seus diferentes níveis. Todas legalmente extintas, mas seus conteúdos foram diluídos em outras disciplinas (FERREIRA NETO, 1999, p. 19).
Fica claro, portanto, que os aspectos defendidos na educação física pelas
instituições médica e militar cumprem a função de robustecer o corpo individual e
social brasileiro. Mas, também conformá-lo e controlá-lo para exercer suas novas
tarefas na sociedade capitalista, seja nas indústrias e fábricas ou nas forças
armadas, defendendo a pátria.
Considerando o exposto, é possível perceber qual seria o lócus privilegiado
em que estes princípios e valores deveriam ser difundidos junto à sociedade, para
que a mesma não só os assumisse naquele momento, mas fossem
progressivamente repassados às gerações seguintes.
E assim, foi se consolidando durante toda a Primeira República um projeto
societário iniciado ainda no Império que teve na elite brasileira, por meio de seus
intelectuais, principalmente daqueles ligados à educação, sua defesa mais
consistente.
Por tudo isso, concordando com Castellani Filho (1994, p. 29),
a Educação Física no Brasil, desde o século XIX, foi entendida como um elemento de extrema importância para o forjar daquele indivíduo „forte‟, „saudável‟, „indispensável‟ à implementação do processo de desenvolvimento do país que saindo de sua condição de colônia portuguesa, no início da segunda década século XIX, buscava construir seu próprio modo de vida [...].
Nesse contexto, o desenvolvimento da educação física foi se consolidando na
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região sudeste do Brasil, seguindo os preceitos advindos da Europa por intermédio
do discurso dos seus intelectuais visando o progresso da nação. E para que isso
ocorresse era fundamental difundir a educação física nos gostos da população e a
maneira mais eficiente seria incluí-la no sistema de Instrução.
1.6 Educação e Educação Física
No tocante à educação desenvolvida no interior de escolas, a qual deveria ser
canal indispensável de divulgação de princípios e valores defendidos pelas
instituições médicas e militares, e que deviam ser assimilados e praticados pela
juventude, estava a formação de um corpo forte, saudável, moralizado e obediente.
Para isto, foi fundamental promover mudanças tanto no âmbito curricular,
quanto de organização administrativa. O que ficou expresso no discurso, nas
propostas e reformas estabelecidas principalmente a partir da segunda metade do
século XIX e primeira década da Primeira República (1889-1930) pela elite brasileira
que acompanhava o desenvolvimento econômico do País.
Fruto do projeto societário elaborado pela elite brasileira, a educação física
compunha um conjunto de princípios, valores, normas e preceitos no intuito de
desenvolver corpos fortes e saudáveis. Para isso, foi defendida com vigor na escola
na forma de ginástica.
A educação física fez parte de um projeto de formação integral do homem,
que passava pelo desenvolvimento intelectual, moral e físico. Estes aspectos
deveriam ser garantidos nas formas de instrução da sociedade brasileira, mas,
prioritariamente, da elite para estar em consonância com as contingências que se
apresentavam ao Brasil com o desenvolvimento do capitalismo internacional.
(SOARES, 1994)
Deste modo, no Brasil assim como na Europa, a educação foi considerada
elemento fundamental para a construção de um projeto de nação que a elite queria
implementar para a formação de uma identidade nacional, especialmente nas
últimas décadas do século XIX. Este projeto significava em última instância a
constituição de um país forte, soberano e capaz de se integrar ao rol de nações
civilizadas.
Neste contexto, uma primeira questão surgiu como fundamental nos debates
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travados em 1860, foi a substituição da mão de obra escrava pelo trabalho livre,
como afirma Saviani (2008, p.159):
[...] na fase propriamente imperial, que se iniciou no final da década de 1860, as discussões desenrolaram-se sobre um pano de fundo comum: o problema da substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalho livre, atribuindo-se à educação a tarefa de formar o novo tipo de trabalhador para assegurar que a passagem se desse de forma gradual e segura, evitando-se eventuais prejuízos aos proprietários de terras e de escravos que dominavam a economia do país.
Este problema, em um primeiro momento, poderia estar circunscrito apenas
ao plano econômico por se tratar de uma mudança radical na base da produção
econômica brasileira, no entanto, também influenciou o campo educacional.
Assim, ganhou força, principalmente a partir da segunda metade do século
XIX, um discurso que afirmava ser a educação peça chave para elevar o nível
intelectual, moral e físico do povo brasileiro, considerado indolente, doente e fraco
pela intelectualidade da época. Por conseguinte, muitos escravos e seus filhos
libertos sem instrução eram vistos como responsáveis pelo atraso em que se
encontrava esta nação.
Fazia-se necessário, portanto, mudar essa realidade, pois do contrário não se
construiria uma identidade nacional capaz de entrar em consonância com os novos
valores advindos da Europa, como o trabalho livre e a implementação do regime
republicano que teriam na educação moderna10 seu principal apoio.
Até chegar a este ponto transcorreram cerca de quatro décadas, nas quais o
ideário liberal se fortaleceu. Como tratado no item anterior, o Brasil apresentou suas
especificidades de forma categórica, indicando as suas bases teóricas.
Adicionando mais um elemento a esta discussão, Xavier (1992) afirma que o
liberalismo assumido pela elite brasileira, no início do século XIX, apresentava uma
10
Com a ascensão da classe burguesa ao poder, depois de um longo e conflituoso processo, torna-se necessário ter formas de instrução compatíveis com as novas exigências sociais, especialmente econômicas. Tais alterações se iniciaram com um distanciamento das relações de produção feudal desde o século XV, a partir da instalação das manufaturas, repercutindo na forma de educar, pois “para a burguesia manufatureira, a tarefa de transformar os homens em organismos produtivos é a forma mais revolucionária de educar as novas classes” (LINS, 2003, p. 26). Este processo se acentuou com a implantação das fábricas e a divisão social do trabalho. Assim, uma nova educação precisava ser levada a cabo para se formar um novo homem, formação que vai assumindo a ciência positivista como principal apoio. A educação moderna é então aquela que surge com o fortalecimento da burguesia manufatureira e depois industrial. No Brasil, esta nova forma de educação será amplamente defendida pela intelectualidade durante o final do século XIX.
46 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900)
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função dissimuladora. Uma vez que, os ideais que serviram à burguesia europeia na
luta contra a aristocracia rural coincidiam com as metas que a classe proprietária do
Brasil projetara, ou seja, a liberdade econômica e a soberania nacional, que
consistiam respectivamente na extinção do pacto colonial e na eliminação da
dominação portuguesa. Nisso, o ideário liberal foi muito bem interpretado e adaptado
à realidade nacional: escravocrata, exportadora de matérias-primas e independente,
mas ainda monárquico, situação bem diversa dos países capitalistas.
Estas características foram responsáveis pela forma como a educação se
organizou no país. Isto pode ser visualizado nas propostas educativas ao longo
desse século e no discurso da intelectualidade brasileira, importado da Europa.
Considerando o desenvolvimento capitalista das nações europeias, até
meados do século XIX, e com ele todo um conjunto de mazelas provocadas pela
exploração desenfreada da força de trabalho, a educação é transformada em
instrumento de dominação e controle da população.
A escola liberal torna-se, assim nas sociedades onde domina o modo capitalista de produção, um instrumento ideológico essencial a justificação das relações de produção e à transmissão dos instrumentos de dominação no aprendizado diferencial dos conhecimentos e das técnicas (XAVIER, 1992, p. 124).
No caso do Brasil esta função não se aplicava, pois “num sistema de
produção calcado no trabalho escravo, a exploração do trabalho alheio se fazia pela
violência e não pela persuasão, já que este se fundava legalmente” (XAVIER, 1992,
p.125).
Não houve, portanto, uma preocupação com a educação da população em
geral, por que não havia necessidade de grandes conhecimentos para a realização
da maior parte das atividades econômicas daquela época, haja vista suas
características serem semelhantes as do período colonial.
Conforme assinala Xavier (1992), a educação realizada na primeira metade
do século XIX, no Brasil, foi muito bem aproveitada por uma minoria intermediária
que não se submetia ao trabalho físico, relacionado ao trabalho do escravo,
enquanto buscava os privilégios da classe dominante. Por meio da defesa de uma
educação popular e de caráter nacional, essa classe na realidade aspirava a uma
escola literária e abstrata para formar letrados e eruditos para ascenderem a
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profissões liberais e a cargos públicos.
Desta situação, decorreu uma preocupação com a sofisticação e não com a
ampliação do ensino para toda a população, que ficou expressa nas reformas
elaboradas para organizar a instrução pública do país.
É importante ressaltar que o cenário brasileiro na primeira metade do século
XIX já apresentava a influência liberal. E ao longo deste período, foi possível
perceber a influência exercida pelas ideias liberais, tanto em propostas que não
obtiveram êxito, como é o caso da proposta de Januário da Cunha Barbosa e de
José Cardoso Pereira de Mello (1826) apresentada à Comissão de Instrução Pública
da Assembleia Nacional Constituinte e Legislativa para a educação em 1823, quanto
nas reformas implementadas pelo Governo Imperial na Lei de 15 de Outubro de
1827, ou a reforma de Couto Ferraz (1854) e Leôncio de Carvalho (1879) entre
outras surgidas até o final do século XIX.
A proposta apresentada à Comissão de Instrução Pública da Assembleia
Nacional Legislativa e Constituinte, que ficou conhecida como A memória de Martim
Francisco, apesar de ter sido abandonada, foi uma proposição de organização da
instrução pública inicialmente para a Capitânia de São Paulo.
A Memória de Martin Francisco, como ficou conhecida, foi estruturada em 12 capítulos. Consistia num plano amplo e detalhado que previa a organização do conjunto da instrução pública dividida em três graus: o primeiro cuidaria da instrução comum tendo como objeto as verdades e os conhecimentos úteis e necessários a todos os homens, e teria a duração de três anos, abrangendo a faixa etária dos 9 aos 12 anos de idade. O segundo grau, com a duração de seis anos, versaria sobre os estados básicos referentes às diversas profissões. E o terceiro grau se destinaria a prover a educação científica (SAVIANI, 2008, p.120).
Esta memória era em sua maior parte cópia da obra de CONDORCET11, pois,
conforme revelado por Paul Arbousse Bastide na banca examinadora do trabalho de José Querino Ribeiro sobre a Memória de Martin Francisco apresentado na USP em 1943, o texto de Martin Francisco é, em grande parte, cópia dos Écrits sur l`instruction publique de Condorcet (SAVIANI 2008, p.121).
11
Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, Marquês de Condorcet, foi figura proeminente no decurso da Revolução Francesa e em proposições acerca da instrução pública na França pós-revolução. Publicou Cinq mémories sur l’instruction publique, obra que serviu de referência para a produção da
Memória de Martim Francisco.
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Sendo assim, trazia as influências da ideologia liberal que marcariam as
propostas no campo educacional do século XIX no Brasil. Neste caso, Condorcet,
figura proeminente na Revolução Francesa, se preocupava com o desenvolvimento
da instrução na França e para tanto assumia os princípios do liberalismo aplicados à
educação: laicidade, gratuidade e publicidade.
Nesta perspectiva,
como se vê, a concepção laica de escola, na forma como começava a ser formulada pela burguesia triunfante, tendeu a ser apropriada pela elite que esteve a testa do processo de independência e da organização do estado brasileiro, ajustando-a, porém as peculiaridades da situação particular. E o recurso a Condorcet não deixa de ser significativo, pois é, com certeza, nele que encontramos a expressão mais elaborada da íntima relação entre estado e escola na perspectiva liberal expressa nas cinco memórias sobre a instrução pública, publicadas em 1791 (CONDORCET, 1989). Conforme o seguinte plano: Primeira memória - natureza e objeto da instrução pública; Segunda memória - da instrução comum para as crianças; Terceira memória - sobre a instrução comum para os homens; Quarta memória - sobre a instrução relativa às profissões; Quinta memória - sobre a instrução relativa as ciências (SAVIANI, 2008, p. 121).
É importante lembrar que este intelectual francês na defesa dos princípios
liberais, pós-revolução francesa, defendera a educação do corpo como parte de uma
educação integral, necessária para ser a base do desenvolvimento das qualidades
morais e intelectuais do homem.
O motivo da Memória de Martim Francisco não ter sido implantada não é
abordado por Saviani. Ele apenas informa que a Comissão se voltou para o projeto
de criação das Universidades e que a proposta de organização da instrução pública
em três graus de ensino foi abandonada.
No Brasil, ainda sob influência de Condorcet, surgiu em 1826 outra proposta
para resolver o problema nacional da instrução pública. Ela pretendia regular o
arcabouço do ensino distribuindo-o em quatro graus de ensino: 1o Grau: pedagogias;
2º Grau: liceus; 3º Grau: ginásios; 4º Grau: academias. Foi encabeçada por Januário
da Cunha Barbosa e assinada pelos deputados José Cardoso Pereira de Melo e
Antonio Ferreira França (SAVIANI, 2008).
Assim, como a anterior, essa proposição não avançou no sentido de tornar-se
uma lei. “No entanto, seu registro é importante porque sinaliza a presença das ideias
modernas que preconizavam uma educação pública e laica na forma das memórias
de Condorcet” (SAVIANI, 2008, p. 126).
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Por outro lado, têm-se propostas influenciadas pelas ideias liberais que
viraram norma jurídica, como é o caso da Lei de 15 de Outubro de 1827 e das
reformas Couto Ferraz (1854) e Leôncio de Carvalho (1854).
A Lei de 1827 determinava a criação das escolas de primeiras letras em todo
o país e mantinha a gratuidade prevista na constituição de 1824. Para Tambara e
Arriada (2005, p. 8-9),
a constituição de 1824 estabelecia a gratuidade do ensino elementar, com as devidas ressalvas conforme vimos. Princípio que posteriormente foi mantido na lei de 15 de outubro de 1927, que, além desse, entre outros aspectos, determinava em seus 17 artigos a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos (Art 1); a adoção do ensino mútuo (Art 4), determinava ainda a criação de escolas para meninas nas cidades e vilas mais populosas (Art 11). Contudo, o que efetivamente se observa, tendo ou não boa vontade os legisladores, é que na prática muito pouco se concretizou.
No entanto, esta lei não chegou a viabilizar a instalação de escolas em todas
as cidades onde pretendia, pois segundo Saviani (2008, p.129),
se a lei das escolas de primeiras letras tivesse viabilizado, de fato, a instalação de escolas em todas as cidades, vilas e lugares populosos, como se propunha teria dado origem a um sistema nacional de instrução pública [...].
Avançando um pouco cronologicamente no século XIX, conforme explica
Saviani (2008), a “Reforma Couto Ferraz”12 veio na mesma linha tendo como
características principais: a conciliação entre liberais e conservadores; a ênfase na
instrução pública primária; a centralização e a obrigatoriedade do ensino; a criação
de classes especiais para adultos; e a proibição dos escravos de frequentarem a
escola pública. E também, a influência iluminista, no que diz respeito à finalidade da
escola.
Ela ainda trazia a organização dos estudos primários a ser oferecido em
escolas de 1o e 2o grau. Além disso, manteve a instrução secundária ministrada no
colégio Pedro II, com duração de sete anos e as aulas públicas avulsas, ainda
existentes no país.
12
Regulamento para a reforma do ensino primário e secundário do Município da Corte, baixada por meio do decreto 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854, composto de cinco títulos.
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Esta reforma é particularmente importante para a educação física, pois foi a
primeira a incluir na norma legal a ginástica nas escolas do ensino primário no
município da corte.
O Art. 47 do capítulo III que trata das escolas públicas, suas condições e
regimen não deixa qualquer dúvida a este respeito:
Art. 47 - O ensino primário nas escolas compreende: A instrução moral e religiosa. A leitura e escripta. As noções essenciaes de grammatica. O systema de pesos e medidas do município. Pode compreender também: O desenvolvimento da arithemetica em suas applicações praticas. Os elementos de historia e geografia, principalmente do Brasil. Os princípios das sciencias physicas e da historia natural applicaveis aos usos da vida. A geometria elementar, agrimensura, desenho linear, nomeações de música e exercícios de canto, gymnastica, e hum estudo mais desenvolvido do systema de pesos e medidas não só do município da Corte, como das Províncias do Império, e das Nações com quem o Brasil tem mais relações commerciaes (BRASIL, Decreto 1331, p.55).
Contudo, esta reforma não obteve o sucesso desejado de organizar a
instrução pública mesmo na Corte, pois
[...] seu cumprimento parece ter sido bastante restrito; Paulino de Souza, justificando seu projeto de reforma em 1869, afirmava que mesmo no Município da Corte, a instrução primária estava longe de “satisfazer as necessidades sociais”. Em 1886, referindo-se ao regulamento de 1854, o Barão de Mamoré afirmava que o programa nele estabelecido nunca fora cumprido, tendo ficado até hoje sem execução o programa do ensino primário superior (escolas do segundo grau) nem se havendo jamais criado as escolas em que este fosse dado (PAIVA, 2003, p. 80-81).
Outra reforma, deflagrada no final do século XIX, foi a de Leôncio de
Carvalho13. Marcada pela liberdade do ensino primário e secundário no município da
Corte e do superior em todo o Império, deu ensejo aos pareceres de Rui Barbosa.
Nela, também apareceu o cuidado com a formação do corpo por meio da
disciplina ginástica, expresso no artigo 4 desta lei.
Art. 4 - O ensino nas escolas do 1º grau do município da Corte constará das seguintes disciplinas:
13
Também conhecida como reforma do ensino livre, foi baixada pelo decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879, com longo texto de 174 itens agrupados em 29 artigos.
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Instrução moral. Instrução religiosa. Leitura. Escripta. Lições de cousas. Noções essenciaes de grammatica. Pincipios elementares de arithmetica. Sistema legal de pesos e medidas. Noções gerais de geografia e História do Brazil. Elementos do desenho Linear. Rudimentos da musica, com exercícios de solfejo e canto. Gymnastica. Costura simples (para as meninas) (BRASIL, Decreto nº 7.247).
Tal proposição ainda ficou à margem de possíveis avanços no panorama
educacional brasileira durante o Império, já que
na prática, essa reforma muito pouco alterou o panorama da educação no País. Pelos censos realizados no século XIX percebemos essa dura realidade. Pelo recenseamento de 1872, de uma população total de 9.930.478 habitantes, inclusos nesse número os 1.510.802 escravos, apenas 1.564.481 indivíduos sabiam ler, isso implica dizer que apenas 15,8% da população sabiam ler e escrever. Essa realidade não se alteraria muito nos anos seguintes (TAMBARA; ARRIADA, 2005, p. 18).
Outros documentos importantes para compreender a educação física no final
do século XIX são os “Pareceres” de Rui Barbosa14. Eles foram apresentados à
câmara dos deputados em 1882 e apesar de não virarem lei, influenciaram muitos
intelectuais na defesa da implantação da educação física no século XX.
Neste sentido, Castellani Filho (2008, p.53) afirma,
sem sombra de dúvida, o parecer de Rui Barbosa serviu de referencial a todos aqueles que – notadamente nos primórdios do período republicano e nas primeiras décadas do século XX – vieram a defender a presença da educação física no sistema escolar brasileiro [...].
Estes pareceres também são prova daquilo que os estudiosos da história da
educação chamam de “Projeto liberal modernizador”15, que construído ao longo
14
O Projeto nº 224 de 1882 que trata da reforma do ensino primário e de várias instituições complementares da instrução pública, constitui documento da mais alta relevância na história da educação física brasileira por ser uma clara proposição sobre esta disciplina e que influenciou o seu ensino na Primeira República. 15
Este projeto era nada mais do que a tentativa de inserir o Brasil no rol das nações civilizadas e para isto deveria assumir os valores e hábitos adotados nestas nações, cujo cerne era o ideário liberal que preconizava para a educação entre outras ações a adoção de princípios científicos.
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daquele século pelas elites brasileiras, e influenciadas pelos princípios, valores e
hábitos em plena realização na Europa, contemplavam a educação física como
elemento fundamental na formação do novo homem.
Nos pareceres, segundo Castellani Filho (2008), Rui Barbosa chegou a fazer
proposituras para a educação física como: a instituição de uma sessão ginástica; a
equiparação em categoria e autoridade dos professores de ginástica aos de todas as
outras disciplinas; e a inclusão da ginástica nos programas escolares como matéria
de estudos em horas distintas do recreio e depois das aulas.
Este documento foi a materialização do pensamento de Rui Barbosa para a
educação e dentro dele a formação de um corpo forte e saudável indispensável à
construção de uma sociedade moderna e civilizada, cujo principal instrumento era a
educação física.
O discurso de que o país se encontrava em um atraso cultural, devia-se
principalmente ao descaso do poder público com a educação do povo. Sendo isto
divulgado por intelectuais representantes da elite em vários locais do Brasil, entre
eles o próprio Rui Barbosa e José Veríssimo.
Falar destes intelectuais é trazer para o debate o projeto liberal modernizador
que deu as bases para a educação na Primeira República, os quais foram
consolidados posteriormente. Pertencentes às elites ou pelo menos representantes
de seu pensamento, estes intelectuais estavam convencidos de que a pedagogia
moderna iria modificar o quadro da instrução pública no país.
Rui Barbosa, grande nome da intelectualidade brasileira, formado em direito,
ocupou cargos públicos e foi um dos grandes defensores da educação moderna nas
duas últimas décadas do século XIX e início do século XX. Suas ideias
apresentavam um ecletismo claro guiado pela crença no poder da razão, possuindo
uma clara influência liberal, tendo em vista que
[...] seus argumentos provém principalmente do liberalismo e das diferentes correntes que dele surgiram como positivismo, spencerismo, darwinismo, pragmatismo assim como seus exemplos resultam de dados coligidos em países da Europa, América e até da Ásia (NASCIMENTO, 1997, p.43).
Baseado neste ideário, Rui Barbosa defendeu os princípios burgueses e
liberais na educação, impulsionado pela necessidade de desenvolvimento
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econômico, político e social, pois “vencer a ignorância popular era tido como
condição necessária à superação das desgraças brasileiras já que se supunha ser a
miséria e a servilidade resultantes da ignorância” (NASCIMENTO, 1997, p. 44).
Sobre a educação física, para a qual Rui Barbosa dedicou grande importância
nos pareceres de 1882, Marinho (1980, p. 27) assim se pronunciou:
as páginas mais lindas, mais profundas, mais eruditas e mais enfáticas que existem sobre Educação Física e Desportos foram escritas principalmente por pensadores, que deixaram de forma indelével e admirável, sublime mensagem para as gerações futuras. E entre estes, para a satisfação nossa, figura Ruy Barbosa – Paladino da Educação Física no Brasil.
Outro grande intelectual da época, José Veríssimo, além de concordar com o
fato de que a ignorância do povo era responsável pelo estado lastimável em que se
encontrava a sociedade brasileira, acrescentou:
é este grande mal que corrói o corpo social brasileiro e envergonha a pátria, verdade que precisamos dizer e aceitar se nos queremos sinceramente corrigir: não é principalmente a atividade física, é antes de tudo a energia moral que nos falta e que torna negativa as boas qualidades que temos (VERÍSSIMO, 1985, p.42).
Por meio de discursos que se aproximavam pela necessidade de construir um
projeto modernizador para o Brasil, os quais tinham como centro a educação, os
intelectuais acima referidos defendiam uma formação integral desse novo homem.
Isto é, se ocupar do intelecto, da moral e do físico como expressões de um homem
moderno e, consequentemente, de um país desenvolvido e civilizado.
Neste caso, ambos estavam afinados com o discurso da elite brasileira, ao
trazer preconceito, racismo e segregacionismo baseados nos preceitos liberais
positivistas. E como representantes da elite brasileira cumpriam um papel importante
no “jogo” político social brasileiro em geral e paraense em específico.
Dessa forma, fica claro que o projeto societário que a elite brasileira vinha
assumindo estava ancorado nas formulações teóricas produzidas, principalmente,
nos países europeus onde um longo processo de transformações já havia ocorrido.
As formulações liberais que de alguma forma tratavam veladamente da
manutenção da classe burguesa no poder eram centrais e, sendo assim, se
preocupavam com esta questão apenas como demanda dos seus interesses de
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elite.
Entende-se que no Brasil, as diferenças de desenvolvimento econômico e
político em relação ao velho continente, especialmente nas últimas décadas do
século XIX, deu-se claramente por um movimento de grupos da elite ligados ao setor
cafeeiro e militar - insatisfeitos com a monarquia – gerando uma série de conflitos
solapando as bases do regime monárquico.
Este cenário foi colocado no plano internacional e nacional, entretanto,
estariam sendo estas ideias assimiladas no plano local, como no estado do Pará,
pelos grupos que comandavam as ações políticas na região?
Acredita-se que responder a esta pergunta ajudará na investigação das
relações mais simples e específicas do objeto deste estudo, elemento imprescindível
ao desenvolvimento desta análise. Isto é o que se buscará atingir no próximo
capítulo.
53
FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________
2 SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO PARÁ NA PRIMEIRA DÉCADA DO REGIME
REPÚBLICANO
Como qualquer outro aspecto e dimensão da sociedade, a educação está profundamente inserida no contexto em que surge e se desenvolve, também vivenciando e expressando os movimentos contraditórios que emergem do processo das lutas entre classes e frações de classe (LOMBARDI, 2010, p. 21).
Após realizar uma análise do percurso da educação física durante o século
XIX, e tratar dos determinantes que impulsionaram o seu surgimento e
desenvolvimento, buscamos neste capítulo analisar como estavam estruturadas a
sociedade e a educação, no estado do Pará, na primeira década do regime
republicano.
Tanto na Europa como no Brasil, foi por meio da educação ministrada nas
escolas, que a elite dirigente defendeu uma educação física voltada à formação de
um corpo forte e saudável, tendo a ginástica como principal conteúdo.
Como constatamos no capítulo anterior, esta educação visava a um
desenvolvimento intelectual, moral e físico segundo os interesses de uma elite, que
a partir do último quartel do século XIX cada vez mais se afinava com o discurso
desenvolvimentista surgido na Europa desde o final do século XVIII.
Na sociedade brasileira, este pensamento significou a intenção de mudar
profundamente suas bases econômicas e políticas. Isto era condição fundamental
para elevar o Brasil a uma situação de desenvolvimento e civilidade, como das
nações do continente europeu.
A alteração de regime político e a instauração do trabalho livre foram, sem
dúvida nenhuma, elementos que representaram bem os planos traçados pela elite
brasileira na perspectiva de sua manutenção, afetando de forma determinante a
instrução, especialmente, a pública.
Na tentativa de entender essas relações em âmbito local, foi essencial que
compreendêssemos como estas mudanças nacionais e internacionais repercutiram
em Belém e quais expressões assumiram.
Neste capítulo, cumpre, então, analisar os múltiplos aspectos que
54
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compuseram aquela realidade concreta como a política, a economia e a educação.
Aspectos estes fundamentais para compreender como aconteceu a inserção da
educação física no ensino primário paraense.
Por dentro destes aspectos ganharam importância alguns elementos
relevantes e decisivos na inserção dos conhecimentos inerentes aos objetivos do
projeto societário proposto pela elite brasileira, como a educação física. Foram eles
o trabalho, o projeto modernizador da educação paraense e a concepção de
educação física.
Desta feita, os debates dos aspectos sociais e de seus elementos
constitutivos em nível local nos possibilitam entender de que forma a educação física
se integrou ao projeto educacional nacional. Nos estudos de Carmem Lúcia Soares
e Lino Castellani Filho temos claramente os condicionantes sócio-históricos
apresentados em âmbito nacional, acreditamos poder ajudar a completar o quadro
iniciado pelos estudiosos supracitados ao buscar em termos locais o como e o
porquê a educação física foi defendida no ensino primário. Neste sentido,
intencionamos compreender aquele projeto societário para o Brasil em suas formas
mais particulares e assim chegarmos mais próximo da essência do objeto de estudo
aqui proposto.
Para tanto, abordaremos as características do estado do Pará no início da
Primeira República destacando as questões descritas acima. Entender estes
aspectos significa contextualizar o processo de inserção da educação física no Pará,
ou seja, compreender os seus determinantes sócio-históricos na totalidade das
relações existentes.
Tomando por base as categorias da totalidade e do trabalho poderemos
identificar como repercutiram os acontecimentos e fatos que se desenrolavam em
âmbito nacional (geral) e estadual (particular), bem como seus nexos constitutivos
relativos às mudanças políticas e econômicas ocorridas no Pará e no Brasil.
Assim faremos uma análise da efervescência política do final do século XIX
no Brasil, em seguida discorreremos sobre a economia, política e educação no Pará
destacando A política paraense no final do século XIX e também educação no Pará.
.
55
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2.1 A efervescência política do final do século XIX no Brasil
A Proclamação da República1, ocorrida a partir do descontentamento de
vários setores da sociedade2, como dos militares e intelectuais pertencentes à elite,
inconformados por não terem seus interesses atendidos pelo Governo Imperial,
visava modificar profundamente as relações políticas, econômicas e educacionais
existentes no Império, pois:
no fim de quase meio século de governo aparentemente constitucional, mas na realidade absoluto, deixou ele o Brasil pobre, atrasado, sem prestígio político no exterior. Não criando a indústria, nem animando os esforços dos seus súditos neste sentido, antes impedindo-lhes e dificultando-lhes a iniciativa individual, ele obrigava os brasileiros a viverem do emprego público, o qual só por ele era distribuído, conhecendo bem a verdade deste pensamento de Lamartine: “Os empregados públicos formam o exército do rei”. Ele que empregava toda sua solicitude em fazer crer que promovia a instrução pública, deixou mais de 90% da população completamente analfabeta; um país como o Brasil que vive exclusivamente da agricultura, não recebeu do governo imperial nem uma única escola agrícola, nem uma única estrada de rodagem digna deste nome; do aumento da população – o primeiro elemento de riqueza de um povo nunca cogitou sinceramente [...] (FIALHO, 1983, p. 12).
Estes elementos compunham o quadro de insatisfações que existia ao final do
Império e que justificava as mudanças destacadas nos discursos dos mais variados
segmentos sociais. Isto foi importante, pois configurou os determinantes presentes
na alteração de regime político ocorrida no Brasil ao final do século XIX.
Com a derrubada do Imperador D. Pedro II e a instauração da República
foram necessárias medidas que reorganizassem e reestruturassem a nação,
tornando-a moderna e civilizada, ideia defendida pelo menos duas décadas antes da
Proclamação.
Neste caminho deveria atuar o governo republicano, no entanto, não foi bem
isto o que ocorreu, pois, enquanto os dois primeiros presidentes militares seguiram
1 Primeira República, República Velha, República da Espada, República Oligárquica são
denominações dadas ao período que compreende a derrubada da monarquia no Brasil até o golpe acontecido em 1930. 2 Conforme Fialho (1983), o Governo Imperial não atendia aos interesses de grupos como os dos
militares, além de não conseguir avançar na instrução pública, na economia e na infraestrutura do país. Outro grupo bastante descontente era o dos intelectuais, os quais “aproveitavam-se dos ensinamentos liberais, positivistas, evolucionistas, darwinistas e outros para estudar o que era e como poderia transformar a sociedade, a economia, a população, a cultura, o Estado, a nação” (IANNI, 2004, p.15).
56
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os preceitos de desenvolvimento e de industrialização para o país, os seguintes
fortaleceram o sistema agrário de exportação baseado na produção do café.
Os dois primeiros presidentes militares, os marechais Deodoro da Fonseca e
Floriano Peixoto, formaram o primeiro momento do Brasil República. Neste,
ocorreram medidas no campo econômico, impulso à industrialização e a
promulgação da constituição em 1891. Inclusive passaram por conflitos e
movimentos de contestação muitos deles armados3, característico deste primeiro
ciclo republicano.
Na sequência, vieram presidentes, na sua grande maioria advogados, que
inauguraram uma nova fase na política nacional, fundamentada na hegemonia de
São Paulo e Minas Gerais, conhecida como a política do “Café com Leite”, baseada
na alternância das oligarquias formadas pelos fazendeiros de Café paulistas e pelos
produtores de leite mineiros no cargo de Presidente da República.
Esta forma de governança tomou força transformando-se em um dos pontos
mais acentuados da Primeira República. Tendo sua expressão mais aperfeiçoada
com a eleição de Campos Sales, estendeu-se até o final deste primeiro período
republicano; e impôs ao país as vontades e interesses daquelas oligarquias em
combinação com as decisões da capital federal. Por isso, Nagle (2009, p. 12) afirma
que:
a Implantação do regime republicano não provocou a destruição dos clãs rurais e o desaparecimento dos grandes latifúndios, bases materiais do sistema político coronelista. Ainda mais, instituindo a Federação, o novo regime viu-se obrigado a recorrer às forças representadas pelos coronéis provocando o desenvolvimento das oligarquias regionais que, ampliando-se se encaminharam para a “política dos governadores” [...]
Sendo assim, o país continuou tendo como sua principal atividade econômica
a exportação de café, isto é, a base era agrária e exportadora, fato verificado no
capítulo anterior.
É importante assinalar que neste mesmo sentido as relações políticas
também não tiveram muitas modificações, haja vista que na relação entre governo
central e suas unidades tinha-se no Império as províncias e na República os
3 A guerra de Canudos, a Revolta federalista, Revolta da Armada, Tenentismo, Anarquismo são
alguns dos movimentos existentes neste período. Alguns tinham caráter apenas regional, enquanto outros contestavam a recém-criada república, a exemplo de Canudos.
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estados, como nos mostra Nagle (2009, p. 12):
[...] Originado da distribuição de postos honoríficos da Guarda Nacional, o sistema coronelista não é interrompido com o advento do regime republicano; ao contrário, é continuamente alimentado pelo desenvolvimento das formações oligárquicas e atinge um ponto mais alto
com a chamada “política dos governadores” [...].
Constatamos, portanto, que o coronelismo4 e a política dos governadores5
foram marcadas por relações políticas baseadas nas oligarquias. As disputas
protagonizadas por grupos políticos locais, não só sustentaram o governo
republicano, como também, contribuíram para sua derrocada. Tanto que, o
enfraquecimento dessas formas foi um caminho aberto para a derrocada republicana
neste primeiro período.
Podemos perceber esta contradição colocada de forma mais acentuada
quando das críticas feitas ao regime monárquico por intermédio da intelectualidade
brasileira, considerado incapaz de construir um Brasil moderno. Contudo, a realidade
das três primeiras décadas do novo regime não apresentou grandes alterações em
relação ao Governo Imperial. Ou seja, a caracterização do Regime Monárquico
como atrasado, ineficiente e autoritário feita pelos republicanos não sofreu
modificações nem do ponto de vista econômico, nem político.
Algumas hipóteses podem ser levantadas para tentar explicar esta
contradição como: a ausência da participação popular, a falta de um projeto nacional
e a força dos produtores de café. Porém, ao que tudo indica, a mudança de regime
aconteceu para atender aos interesses das elites, fossem econômicos ou políticos,
enquanto as condições reais da grande maioria da população não foram
modificadas. Havendo então uma alteração apenas formal de poder, isto é, de uma
elite monárquica para uma republicana.
Grosso modo, esse foi o quadro estabelecido no Brasil durante a Primeira
4 Este tipo de relação política, surgida ainda no Império com o fortalecimento de grupos locais nos
estados, foi uma das características mais marcantes no Brasil ao final do Império e Primeira República. Foi representada pelos mandos e desmandos de determinadas figuras importantes em âmbito local, as quais se sobrepunham à lei. O coronelismo, segundo Carvalho (2005), foi uma consequência do poder concedido a determinados homens pertencentes à guarda nacional, que com a extinção desta mantiveram sua força política local. 5 Neste caso, havia uma interferência por parte de forças políticas nacionais nas decisões locais e
em troca era dado o apoio do grupo local aos políticos nacionais.
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________
República nos planos político e econômico cujas características impactaram na
educação e nas lutas políticas locais, tendo em alguma medida influenciado na
política nacional.
Com relação à educação, o Governo Republicano, a despeito das críticas dos
intelectuais e imprensa sobre a situação de extrema precariedade na qual se
encontrava, assim como em outras áreas, de início, não conseguira promover
mudanças muito significativas em sua estrutura. Tendo novas formas propostas
apenas na última década desse período quando surgiu o entusiasmo pedagógico e o
otimismo pela educação6.
Ao longo dos dez primeiros anos do governo republicano, a “Reforma
Benjamin Constant” foi a única a tratar da educação no Ensino Primário, sendo
bastante criticada por ter em demasia os preceitos liberais.
Tal reforma trouxe categoricamente aspectos do liberalismo, deixando a cargo
dos estados os cuidados de várias medidas como a emissão de diplomas e o
sustento de cursos superiores. E à iniciativa particular, o amplo exercício da
instrução, pois “quanto ao ensino particular, assemelhou-se a reforma a grande
liberdade de que já gozava no antigo regime, o que só pode merecer aplausos dos
espíritos verdadeiramente liberais” (VERÍSSIMO, 1985, p. 17).
Ela ainda foi particularmente importante, por ter sido a única em nível nacional
que tratou do ensino primário dentro do período delimitado neste estudo, e também
porque, de certa forma deveria ser modelo para os demais estados da federação.
Fato que vinha acontecendo desde o Império quando as reformas elaboradas para o
município da Corte deveriam ser modelos seguidos pelas províncias.
Podemos ainda afirmar que a descentralização e a preocupação com a
educação do povo foram as mais importantes características desta reforma,
embasadas no positivismo e no liberalismo, que também eram os ideários das
mudanças econômicas e políticas que se operavam no Brasil no final do século XIX.
(CARTOLANO, 1994) ; SCHELBAUER,1998)
6 Segundo Nagle, (2009) O entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico foram de maneira
geral resultado da crença nas qualidades positivas da educação escolar em alavancar o desenvolvimento social. considerando a educação o motor da história. o entusiasmo pela educação era crença no acesso a educação como forma de incluir grande parte da população no progresso nacional. Já o otimismo pedagógico, trazia a ideia na qual escolhas de concepções teóricas educacionais apontariam para a formação necessária para o homem brasileiro.
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Estas características presentes em âmbito nacional foram decisivas, pois
constituíram em maior ou menor grau influências para o que acontecia nos estados.
Não acreditamos em um simples reflexo nos estados do que ocorria nacionalmente,
mas sim na complexidade das relações nacionais e locais.
Desta maneira, é importante ressaltar que as relações políticas e econômicas
estabelecidas pelo país, apesar de influenciarem os cenários locais por todo o Brasil,
em alguns casos, como no Pará, não promoveram fatos e acontecimentos
obedecendo simplesmente a uma relação de causa e efeito.
Nesse contexto, houve certa diferença entre o local e o nacional, pois os
grupos mandatários que disputavam a hegemonia política no Pará possuíam
características diversas em relação aos segmentos nacionais. Enquanto estes
estavam mais assentados em atividades rurais aqueles tinham um caráter mais
urbano. Fato que colocava as disputas realizadas por segmentos sociais situadas
nas cidades, as quais estiveram no centro dos acontecimentos locais.
Feita esta breve descrição do cenário nacional durante o período republicano,
faz-se necessário analisar estes aspectos no estado do Pará, o qual afirmamos
possuir especificidades na economia e política.
2.2 A economia, política e educação no Pará
As análises aqui apresentadas visam caracterizar o contexto local, permitindo-
nos identificar seus principais elementos constitutivos, entre eles a educação física,
já incluída no ensino primário. Tal distinção leva em conta a correlação entre os
aspectos referentes ao trabalho e as relações de poder instituídas no campo
regional.
Além disso, admite também trazer para a discussão a base material sobre a
qual se desenvolveram as formas ideológicas de educação e educação física neste
estado ao final do século XIX e as principais características desse processo.
Este entendimento está referenciado em Marx que criticava os economistas
do século XVIII por entenderem o homem sob uma perspectiva idealista e abstrata
ou como ele afirma, “não como um resultado histórico, mas como um ponto de
partida da história” (2008, p. 238).
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________
Na tentativa de compreender este homem do final do século XIX no Pará
como um produto histórico dos condicionantes sociais, formados ao longo de
séculos, acreditamos poder encontrar subsídios para analisar o processo de
inserção da educação física no ensino primário paraense.
Desta forma, começamos, então, por informar que o Pará do final do século
XIX foi rico nos condicionantes econômicos e políticos. Pois, foi palco de
acontecimentos decisivos em sua história, como da intensa disputa entre os grupos
políticos instituídos pela hegemonia política local e o ciclo da borracha.
2.2.1 A política paraense no final do século XIX
No âmbito das relações políticas podemos destacar que, desde a
Proclamação da República até 1930, passaram pela direção do governo estadual
doze governadores, entre eles nomes de destaque como Justo Chermont, Paes de
Carvalho, Augusto Montenegro e Lauro Sodré; além de uma junta governativa
formada por Justo Chermont, Bento Fernandes e José Maria do Nascimento, logo
após a deposição do presidente da província no início do período republicano.
O período que nos interessa é aquele até o ano de 1900, no qual além desta
junta governativa, passaram pela chefia do governo paraense quatro políticos: Justo
Chermont, Gentil Bitencourt Duarte Barcelar, Lauro Sodré, Paes de Carvalho,
Augusto Montenegro. Borges (1983)
Estes políticos representaram, guardadas as especificidades, a defesa dos
princípios e valores liberais e republicanos por meio de medidas em várias áreas,
como por exemplo, o incentivo à formação de colônias agrícolas; o abastecimento
de água encanada; a organização da polícia militar; o preparo do sistema de
transporte na capital; a iluminação pública e realizações em outras áreas, que
trataremos mais adiante. Enfim, houve várias modificações perceptíveis em algumas
cidades, as quais significavam a construção de um estado moderno.
As medidas adotadas em várias áreas do governo não aconteceram de forma
harmônica, muito pelo contrário, existiram momentos de grande agitação, visto que,
estes homens estavam envolvidos em práticas políticas que se desenrolavam em
nível nacional como o “coronelismo” e a “política dos governadores”. Sendo estas
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práticas baseadas em relações existentes desde o Império de forma sedimentada.
No Pará, esta situação de domínio por determinados grupos políticos
aconteceu, assim como em outros estados, movida pela disputa hegemônica
eleitoral, prática esta remanescente do Império7. Porém, estes grupos não eram
diretamente ligados às atividades rurais.
Temos, neste momento, a primeira grande diferença em relação ao cenário
nacional, cujas forças estavam localizadas na zona rural com a lavoura do café.
Enquanto, no Pará, teremos politicamente uma força de grupos urbanos ligados a
cargos públicos ou militares disputando as eleições locais.
Nestas lutas políticas estavam em jogo, no cenário local, o domínio dos
cargos públicos, que produziam8 privilégios políticos e econômicos, mesmo que
estes grupos, cujos representantes mais destacados eram Antonio Lemos e Lauro
Sodré não colaborassem para fazer avançar as instituições republicanas recém-
criadas que necessitavam ser fortalecidas. (BORGES, 1983)
Isto foi possível de ser verificado, pois as referidas disputas aconteciam
praticamente nos mesmos moldes do Império, já que utilizam mecanismos como a
violência, clientelismo, fraudes e propagandas difamatórias contra os adversários.
Nas duas primeiras décadas do período republicano, uma rixa que ficou
evidente no estado foi entre as ilustres figuras de Antônio Lemos e Lauro Sodré que
rivalizavam a predominância política, sem qualquer consideração aos princípios e
valores republicanos, mas sim a sobrepujança do adversário.
As duas personalidades supracitadas e seus seguidores foram exemplos
claros da competição política entre as oligarquias9 locais que este estado
presenciou, tendo vários acontecimentos concorrentes para que se desenvolvesse
um cenário bastante conflituoso.
Assim, “Entramos no Governo Paes de Carvalho, quando Lauro Sodré,
paraense, e Antônio Lemos, maranhense, confrontam-se, polarizando a vida política
7 No Império, as eleições possuíam uma dinâmica repleta de detalhes e personagens que faziam
delas disputas e verdadeiros espetáculos em que existiam violência e fraudes das mais grotescas. A este respeito ver: CARVALHO, J. M. A cidadania no Brasil. 7 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. 8 Os grupos políticos ligados à burocracia administrativa e aos comerciantes portugueses do início do
século XIX foram substituídos em grande parte pelos donos dos seringais chamados de “Coroneis da borracha” (SARGES, 2010). 9 As oligarquias não tinham uma definição mais usual do termo, aquela ligada a grupos de donos de
terras, mas sim a grupos políticos localizados nas áreas urbanas e ligados a partidos políticos.
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republicana do Pará, como líderes carismáticos [...]” (BORGES, 1983, p.87).
Com a eleição de Antônio Lemos (1843-1913), em 1897, para o cargo de
intendente10, houve um movimento cada vez maior no intuito de torná-lo o grande
líder político11 da região. E foi o que ocorreu ao longo dos quatorze anos em que
esteve no protagonismo dos acontecimentos políticos e administrativos da cidade de
Belém do Pará. Seu nome ainda é lembrado como sendo uma das principais figuras
daquele momento histórico (SARGES, 2002).
Todo este destaque no cenário paraense lhe conferiu um grau de influência e
prestígio tamanhos, que fez com que permanecesse tanto tempo no poder e
constituísse em seu entorno um grande número de admiradores e colaboradores, e
igualmente de adversários.
Lemos conseguiu esta projeção comandando um projeto de urbanização, até
então, nunca visto na cidade com a pavimentação de ruas, construção de
calçamentos, prédios públicos, praças, construção de rede de esgoto e outras
medidas que almejavam o embelezamento da cidade de Belém.
Apesar da imensa popularidade e de constituir sólida carreira desde a
chegada em Belém, Lemos teve sua liderança política derrubada por uma série de
eventos ocorridos especialmente nos últimos anos à frente da Intendência.
É importante ressaltar que, durante a campanha republicana, políticos como
Lemos e outros personagens estiveram envolvidos do mesmo lado defendendo os
interesses ligados à mudança de regime político. Porém, conseguido o intento da
Proclamação da República, os grupos se fragmentaram ocasionando uma das
disputas mais intensas da história do Pará. (BORGES, 1983)
Este fato ficou perceptível quando alguns dos representantes dos grupos
políticos existentes começaram a se destacar e tomar medidas para contemplar
seus interesses, desagradando os outros grupos.
Exemplo claro desta situação, foram as decisões tomadas por Antônio Lemos
quando à frente da Intendência Municipal de Belém, especialmente nos últimos anos
de mandato, em que ficou evidenciado o caráter protecionista para com seus
10
Para entender como passou a se organizar política e administrativamente a gestão pública local a partir da Proclamação da República, sugerimos consultar a Constituição do Estado do Pará de 1891. 11
Para saber mais sobre a figura de Antônio Lemos indicamos: SARGES, Maria de Nazaré. Memórias do Velho Intendente. Belém: Pakatatu, 2010.
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________
aliados.
Segundo Sarges (2010), a política de concessões aliada às medidas
saneadoras foram as grandes responsáveis pela impopularidade que foi sendo
construída sobre sua imagem, uma vez que gerou cobranças de mais taxas, fato
este de desagrado popular.
Tanto a política de concessões que estava relacionada à exploração de
determinados serviços públicos, como transporte, iluminação pública e
abastecimento de água quanto a efetivação da construção de equipamentos
relativos à organização do espaço urbano eram de responsabilidade da Intendência.
Ao que tudo indica, Lemos dava as concessões para pessoas próximas,
“apadrinhados” conforme a sua vontade e colocava o projeto de melhoramento da
cidade fora dos gostos, hábitos e as possibilidades financeiras da população em
geral. Sarges (2002)
Isto provocou, juntamente com outros fatos, o enfraquecimento das alianças
políticas de Lemos, cujos aliados se descontentavam com os “apadrinhamentos”
realizados por ele nos últimos anos em que esteve à frente da Intendência.
Um exemplo disso foi o surgimento de um cartaz que lançava a candidatura
de Augusto Montenegro ao governo do estado, apresentado durante a cerimônia de
inauguração do monumento em homenagem a Frei Caetano Brandão, fato que
provocou o rompimento dos irmãos Chermont, então sócios de Lemos no jornal “A
Província do Pará” 12.
Esta ação foi creditada a Antônio Lemos que pretendia fazer o sucessor do
governador do estado no lugar de Paes de Carvalho. Aproveitando-se deste fato e
do movimento realizado por alguns grupos populares insatisfeitos, uma intensa
campanha propagandista, encabeçada pelo jornal “Folha do Norte”, foi realizada
com o objetivo de incentivar estes grupos a tirar Lemos de seu cargo. E foi o que
aconteceu.
A situação chegou a ponto de existir depredação de vários prédios, protestos
nas ruas, vandalismo e incêndio da casa de Antônio Lemos e de seu jornal “A
12
Justo Chermont, pela conjuntura política acreditava ser o candidato indicado para a sucessão de Paes de Carvalho, entretanto, não foi oque aconteceu. O partido republicano local, sob a liderança de Antonio Lemos indicou Augusto Montenegro vencedor do pleito contra o Próprio Justo apoiado por Lauro Sodré. Borges (1983)
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________
Província do Pará”.
O principal fato, que culminou na expulsão do Intendente de Belém, foi o
atentado que teria sofrido Lauro Sodré ao retornar à Belém, atribuído por seus
partidários a Lemos.
Um conjunto de incidentes foi ocorrendo ao longo dos anos em que Antônio
Lemos esteve à frente da Intendência. Intensificados nos últimos anos de seu
mandato, colocaram em evidência as divergências político-partidárias e não a
situação precária da educação, saúde, habitação da maioria da população e nem
tinham relação com qualquer mudança mais profunda nas relações políticas da
sociedade paraense.
O episódio ocorrido em torno da figura de Lemos ilustrou sua briga política
com Lauro Sodré, outro grande nome da política paraense. Entretanto, não foi a
única, posto que ainda em seu primeiro mandato envolvesse em disputas com o
Poder Judiciário local e também com o Governo Federal de Deodoro da Fonseca.
Logo nos primeiros dias de seu primeiro mandato (1891-1897), Lauro Sodré
fez publicar, no Diário Oficial de 27 de Junho de 1891, Ato de Reforma do Judiciário,
decreto 359A em que o extinguia e imediatamente criava um “Tribunal Superior de
Justiça”. Desta feita, ficaram seis desembargadores e oito juízes de direito sem
função e sem salários, sendo demitidos nove dias depois e consequentemente
retirados da folha de pagamento.
Este decreto nasceu no momento da constituinte como uma estratégia para
beneficiar um protegido do antigo governador Duarte Huet Bacelar Pinto Guedes13,
em retribuição a favores prestados quando da tentativa de derrubá-lo do poder. No
entanto, ao ser assumido por Lauro Sodré constituiu-se em um dos maiores golpes
contra o judiciário do Pará (1983).
Isto comprova a tese de que esses políticos muitas vezes passavam por cima
dos princípios e valores republicanos por eles defendidos, apenas tentando
satisfazer interesses pessoais e do grupo ao qual faziam parte. Mas, isso não quer
dizer que desconsiderassem as premissas do ideário liberal, até porque, estas
13
Governou o Pará de 25 de março a 23 de junho de 1891 em substituição a Gentil Bitencourt, que também assumiu o governo na vacância de Justo Chermont, nomeado Ministro do Governo de Deodoro da Fonseca. Estes primeiros governadores foram indicados pelo Governo Federal por ato discricionário.
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pregam justamente o individualismo, o particular, o privado como condição para a
manutenção do público.
Os detalhes destas contendas são importantes para caracterizar esta fase
como conturbada e restrita à satisfação dos interesses particulares da elite, uma vez
que a população participava, quando muito, de massa de manobra pelos grupos
políticos.
A luta destas personalidades pelo poder embora tenha ocorrido na década
seguinte ao período delimitado para este estudo, representa bem as características
do campo político em âmbito local.
Esta foi uma aproximação com o cenário político paraense do final do século
XIX com seus conflitos e contradições. Nesta linha de pensamento precisamos
também tratar da economia dessa época, tendo em vista que este aspecto da
realidade também colabora para entendermos a sociedade paraense daquele
momento.
Sendo assim, no plano econômico, o Pará experimentou no final do século
XIX e início do XX, um acontecimento sem igual em sua história com a exploração
do látex, um dos grandes produtos de exportação do país, próximo ao café.
No final deste século, a economia brasileira estava plenamente assentada na
monocultura do café do centro sul do país, em substituição à produção açucareira
concentrada sobretudo no nordeste. Enquanto na região norte, principalmente nos
estados do Amazonas e do Pará, a produção e comercialização do látex chegou
quase a se igualar ao café em exportações na balança comercial brasileira.
(SARGES, 2010)
Desta feita, a produção econômica brasileira esteve constituída em sua maior
parte de produtos, para exportação, baseados em grandes plantações como o
algodão, o açúcar e o café; não sendo diferente com a exploração da borracha
(FURTADO, 1997; PRADO JÚNIOR, 2008).
A exploração da borracha no Brasil, como produto de exportação fixado
exclusivamente na região norte, aconteceu de maneira mais intensa no final do
século XIX, ocasião em que as cidades de Belém e Manaus foram as mais
importantes do período.
Conforme Sarges (2002), a produção do látex paraense já existia desde o
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início do século XIX. Sua importância era grande, tanto que foi usado no
revestimento de mochilas e fabricação de sapatos. No caso dos sapatos, houve uma
produção e exportação significativa extrapolando os 47.787 pares de sapatos de
1840, chegando a 138.873 pares em 1850. No entanto, a comercialização da
borracha ganhou maior força entre os anos de 1870 e 1910, superando o cacau na
pauta de exportações do estado com 4.890,089 quilos contra 3.381.246 quilos de
cacau.
Somente a partir da segunda metade do século XIX, o Pará adquiriu um
relativo desenvolvimento econômico em decorrência da produção e exportação do
látex, tendo em vista as exigências da indústria internacional [...] (SARGES, 2010,
p.75).
Até então, a produção do látex dividia espaço nas exportações com o cacau,
açúcar, algodão e outros produtos manufaturados. A explosão da produção da
borracha teve como importante facilitador, em meados da década de 1850, a
autorização da abertura dos rios da Amazônia à navegação estrangeira, quando se
estabeleceram várias empresas estrangeiras de navegação inglesas e francesas
que exploraram comercialmente as linhas fluviais.
[…] A navegação a vapor introduzida em 1853, teve grande importância econômica para a exportação da borracha e comércio internacional. Inicialmente, sobre o monopólio de Irineu Evangelista de Souza - barão de Mauá - que obteve concessão do governo imperial, a navegação do rio amazonas abre-se aos ingleses e americanos a partir de 1866 [...] (SARGES, 2010, p. 76).
A convergência, não por acaso, do avanço dos meios de transporte, sistema
de comunicação, infraestrutura da cidade e mão de obra foi sem dúvida importante
para que o extrativismo da borracha pudesse crescer e assim alcançasse os níveis
de lucratividade que conseguiu.
Neste caminho,
[...] a economia de exportação, resultante dessa confluência de forças econômicas e ambientais, gerou um crescimento comercial e demográfico sem precedentes na região e fez de uma área esquecida e muito atrasada um dos mais promissores centros de comércio do Brasil (WEINSTEIN, 1993, p. 15).
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Esta expansão econômica vertiginosa provocou várias mudanças sociais,
culturais e outras diretamente ligadas à produção gomífera. Tais modificações se
operaram em âmbito local e regional.
Com relação às transformações de ordem social, podemos citar: o processo
de urbanização de cidades como Belém e Manaus; as leis e normas criadas para
organizar a utilização de espaços públicos e privados; e um crescimento também
populacional.
No caso de Belém, uma consequência do crescimento econômico e
populacional foi o afastamento das famílias que moravam no centro para locais mais
distantes.
Na dinâmica da cidade de Belém, foram projetados, além do Porto de Belém o Mercado Municipal do Ver-o-peso (1900), o Hospital Dom Luiz e o Grêmio Literário (Obras da colônia portuguesa) The Amazon Teleghaph Company, Linha telegráfica por cabos submarinos, substituída posteriormente por Western Co, o Arquivo e Biblioteca Pública (1894), o Theatro da Paz (1878), 43 fábricas (incluindo desde chapéu até perfumaria), 5 bancos, 4 companhias seguradoras, além da implantação da iluminação a gás, sob a responsabilidade da Pará Elétric Railway and Lighting Co. Ltd, Autorizada a funcionar pelo Decreto Federal nº 5.780 de 26.01.1905 (SARGES, 2010, p.152).
A contradição surgida entre o desenvolvimento econômico pelo qual passou a
região e a saída das famílias de áreas centrais para bairros mais afastados do centro
de Belém, deveu-se à implementação do projeto modernizador e urbanístico na
cidade. Um projeto que se mostrou incompatível com as tradições locais, dado o
estilo expresso em novos hábitos e até mesmo em relação às novas construções
que eram erguidas.
De acordo com Sarges (2010), o transcorrer do processo de transformação
desta cidade não comportava prédios comerciais, públicos ou mesmo de casas mais
suntuosas juntamente com moradias semelhantes a sítios, fato que quase sempre
terminava com a autorretirada dos moradores para locais afastados onde os terrenos
eram mais baratos, dando assim origem a novos bairros.
O processo de urbanização do centro da cidade não admitia determinados
hábitos como pequenas criações de animais e nem construções que não
combinassem com os novos padrões arquitetônicos. No entanto, existiam casebres
levantados por seus moradores que estavam muito distante dos luxuosos palacetes
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erguidos no centro da cidade de Belém.
Assim, podemos perceber que a adoção de mudanças estruturais acontecia
para atender necessidades de uma parte da população que habitava o centro da
cidade ou que dela se utilizava, como os profissionais estrangeiros das empresas
que aqui se instalaram a exemplo das inglesas.
Se estruturalmente a cidade era apresentada para usufruto principal da
camada mais abastada, determinadas práticas também o eram. As atividades
artísticas realizadas naquele período demonstravam isso. Companhias eram trazidas
da Europa para se apresentarem no Teatro da Paz com dinheiro originário da
exploração da borracha.
Nos jornais da época, era possível encontrar anúncios de espetáculos que
aconteciam naquele teatro, pois “em relação aos divertimentos, a elite procurava, ao
menos no discurso, seguir o modelo parisiense. As atrações eram os cafés, as
conferências, os bailes, as óperas e peças teatrais que se exibiam no majestoso
Teatro da Paz” (SARGES, 2010, p. 134).
Este período foi marcado por uma grande modernização urbana e ocorreu em
outras cidades do Brasil. E ao que tudo indica o modelo a ser seguido do ponto de
vista civilizatório e urbanístico foi especialmente o de Paris e Londres.
No caso da cidade de Belém, Antônio Lemos, intendente eleito em 1897,
contribuiu decisivamente para esta nova fase ao comandar um projeto urbanizador e
sanitarista nunca antes visto na região. Nesta época, muito foi feito para tornar
Belém uma cidade civilizada aos moldes das cidades europeias.
As obras e outras medidas tomadas neste período marcaram a história de
Belém e do Pará em sua entrada no mercado capitalista e nos princípios burgueses,
ao passo que “a cidade estava cheia de símbolos que sinalizavam um projeto
modernizador ao gosto das elites enriquecidas com a economia […]” (SARGES,
2010, p. 143).
E assim, “Antônio Lemos foi, aos poucos, tentando distanciar a cidade de seu
passado colonial imprimindo-lhe uma nova estética que lembrasse as cidades
modernas do mundo europeu” (SARGES, 2010, p. 134).
Estes aspectos que estavam relacionados de forma indireta ao extrativismo
do látex, passaram a ter vínculo com as atividades que estavam imediatamente
69
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atreladas à produção da borracha. Neste momento, tem-se um surto migratório
especialmente de nordestinos fugindo da seca, devido à falta da mão de obra, o que
possibilitou um aumento na produção do látex e fortalecimento do sistema de
aviamento14.
Com relação à migração, uma consequência direta foi o crescimento
populacional no Pará, no período da Primeira República, que saiu de
aproximadamente 445.356 habitantes para 983.507, devido sobremaneira à
imigração nordestina em função da exploração da borracha.
O grande deslocamento mencionado ocorreu devido à dificuldade por que
passava boa parte do nordeste com uma terrível seca, bem como pela carência de
mão de obra nos seringais, este um dos principais entraves para o aumento da
produção exigida pela necessidade crescente do mercado internacional (FURTADO,
1997; PRADO JÚNIOR, 2008).
O referido aumento populacional foi importante, pois teve repercussões em
demandas sociais como saúde, habitação, alimentação, emprego e educação. Com
uma população maior, cresceram as necessidades de recursos para aplicação
nessas áreas, que naquele momento foram extremamente relevantes,
especialmente, pela questão da saúde da população.
Vejamos o que apontou Lemos (apud SARGES, 2002, p. 129) sobre estes
acontecimentos:
o acréscimo inesperado da população, em virtude de grandes levas de compatriotas nossos que estão abandonando os Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e até Piauí, flagelados pela seca e que correm em busca de refúgio e trabalho na Amazônia, não tem influído, por enquanto para agravar nosso mercado alimentício.
Apesar do discurso ameno em relação à migração, esta teve como
consequência imediata a ocupação desordenada da cidade, que sem possuir
infraestrutura para receber tantas pessoas, provocou aglomeração em locais
precários, sem ventilação e outras condições mínimas de moradia.
Já no final de 1889, a ocupação desordenada era uma preocupação das
autoridades locais. Isto pôde ser constatado na carta enviada pelo presidente da
14
A este respeito ver: FURTADO, C. A formação econômica do Brasil. 26 ed. São Paulo: Companhia Editora nacional 1997.
70
FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________
província José Coelho da Gama Abreu ao Ministro do Império, em que dizia:
desde que aqui chegaram as primeiras levas de imigrantes cearenses, reclamações gerais me foram dirigidas e as mais acres acusações têm sido irrogadas à administração e ao governo geral pela imprensa liberal e pelo órgão da dissidência conservadora, que é proprietário o conselheiro Samuel Wallace Mac-dowell e radator político o 2º vice-presidente da província da província major Frederíco Augusto da Gama e Costa sendo que até tem aconselhado os retirantes a procurarem, à força armada, abrigo em Palácio (PARÁ apud SARGES, 2010, p. 147-148).
As mudanças ocorridas aconteceram por causa do crescimento econômico
advindo do extrativismo do látex, cuja concepção presente foi aquela da monocultura
de exportação. Isto é, o ciclo da borracha representou na Amazônia a
comercialização desta matéria-prima como único produto, possibilitando assim a
entrada da região no grande sistema capitalista internacional.
Desta feita, significou a própria evolução e expansão do capital internacional,
tendo em vista a necessidade de matéria-prima para o desenvolvimento da indústria
automobilística norte americana e europeia.
mEsta forma de produção fazia parte do sistema capitalista que comprava matérias-
primas ao menor preço possível para garantir taxas de lucros maiores na produção
da mercadoria final.
Tendo repercussão no trabalho enquanto atividade que, em última instância,
garante a sustentação do sistema de produção. O trabalho é, portanto, o meio pelo
qual a sociedade assegura a sua reprodução. Isto acontece com a transformação da
natureza para satisfazer as necessidades humanas.
Para confirmar estas afirmações buscamos em Engels (2004, p. 11) o
significado de trabalho. Para ele, “[...] é a condição básica e fundamental de toda
vida humana”.
Segundo Marx (2005), o trabalho é também fator de sociabilidade, de
construção do ser social, de existência do homem e uma perene carência na
mediação entre o homem e a natureza15.
15
É importante ressaltar que apesar de adotarmos um referencial para discutir a categoria trabalho nesta dissertação, como os autores Saviani e Ricardo Antunes, não ignoramos a existência de outra forma de conceber este elemento fundante da vida. Este outro entendimento, baseado na distinção entre o trabalho (mediador da relação do homem com a natureza) e outras práxis sociais (educação, direito, serviço social etc.), segundo Lessa (2003), é fundamental para não se incorrer no engano de
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________
Neste sentido, a importância do trabalho é total se considerarmos que para
sobreviver o ser humano precisa dele como meio para satisfazer as suas
necessidades a partir dos recursos naturais disponíveis.
Simultaneamente ao fato de ser condição fundamental da vida humana, o
trabalho é, na sociedade capitalista, uma forma de alienação do ser humano, porque
este não é dono do produto de seu trabalho, mas é tomado como mercadoria pelo
capitalista. Desta maneira, o indivíduo é separado do resultado de sua produção.
Neste entendimento, conforme Antunes (2004, p.08),
mas se, por um lado, podemos considerar o trabalho como fundante da vida humana, ponto de partida do processo de humanização, por outro lado, a sociedade capitalista o transforma em trabalho assalariado, alienado, fetichizado. O que era uma finalidade central do ser social converte-se em meio de subsistência […].
Apresentados estes elementos a respeito do trabalho, ficam mais claras as
relações de produção estabelecidas na Amazônia ao final do século XIX, ao passo
que garantiam vida e ao mesmo tempo desumanizavam aquele homem.
O desenvolvimento econômico da região de forma alguma aconteceu para a
população trabalhadora, muito pelo contrário. Se tomarmos o exemplo dos
seringueiros, principal elemento na cadeia produtiva e responsável pelo recolhimento
da goma elástica, constatamos, uma verdadeira contradição. O cenário era
constituído de imensos lucros, luxo e riquezas acumuladas pelos bancos, casas
aviadoras e donos dos seringais à custa de um trabalho extremamente duro e difícil
para os trabalhadores dos seringais que viviam sempre endividados pelas relações
de trabalho estabelecidas.
O seringueiro, em sua maioria retirante nordestino, era o último da cadeia produtiva. Aparentemente, era livre, mas a estrutura econômica o colocava em situação de trabalho semelhante à relação de servidão. Comprava os suprimentos necessários a preço altíssimo no armazém mantido pelo seringalista, por isso, sempre “estava em débito” na contabilidade do seringalista e endividado, não conseguindo mais escapar da exploração do patrão (SARGES, 2010, p.103).
O trabalhador originado diretamente da exploração do látex não foi o único a
confundir as formas de organização do trabalho com ele mesmo, e assim proporcionar uma intervenção também equivocada no mundo do trabalho.
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________
ter sua força de trabalho explorada na cidade de Belém, já que
com a construção de obras públicas, surgiu uma nova força de trabalho propriamente urbana, que vai se juntar a outros ofícios urbanos, como alfaiates, sapateiros, relojoeiros, marceneiros e outros. A composição desses grupos expressa a camada pobre da população (SARGES, 2010, p.125).
Por conseguinte, os trabalhadores não tinham acesso às riquezas produzidas
pelo extrativismo em sua fase áurea ou às benesses delas decorrentes, já que não
alcançavam a imensa maioria da população, mas apenas a elite, fosse ela local ou
advinda de outra parte do país e mesmo de fora, “[...] pois subordinava-se mais às
necessidades econômicas do que aos objetivos práticos, ou seja, ao atendimento
das necessidades básicas da população” (SARGES, 2010, p. 150).
A nova dinâmica assumida pelo estado era expressa de forma mais evidente
na capital dado os princípios, valores e práticas consoantes com o capitalismo
internacional. Por isso, as mudanças ocorridas não visavam beneficiar a maioria da
população.
A ideologia liberal, pilar teórico central do modo de produção capitalista, era
convocada pela elite local para ajudar na tarefa de convencimento da sociedade,
portanto servia para justificar algumas ações levadas a cabo pela elite dirigente no
momento em que a força ainda não era necessária.
Esta forma de pensar havia findado, em muitas áreas, na difusão de valores,
princípios e práticas da nova ordem social que se erguia no Brasil e no Pará. Mas
qual espaço e tempo deveriam ser reservados para tal tarefa? A resposta era
relativamente simples: assim como na Europa, a educação escolar deveria ser esse
tempo e espaço.
De maneira geral, estas eram as relações econômicas e políticas que
caracterizavam o Estado do Pará no início da Primeira República e que, por sua vez,
tiveram influência direta na formulação das propostas educacionais desse período.
2.2.2 A educação no Pará
No início do período republicano, houve indubitavelmente um cuidado bem
maior com a educação do que no regime anterior, em que era visível o descaso com
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________
este importante elemento na formação de uma nova sociedade.
Os conhecimentos e seus processos de transmissão, necessários à nova
ordem política e econômica nascentes, não poderiam de forma alguma continuar em
seu formato. Por isso, tamanha preocupação com a educação na sociedade
brasileira republicana, não sendo diferente no Pará, em que o estado instituiu a
instrução pública.
Primeiramente, vamos esclarecer o que estamos denominando de educação.
Até aquele momento, no geral, a instrução estava voltada para a formação
intelectual, e a educação relacionada aos valores que o indivíduo deveria adquirir
principalmente na família.
Porém, com as mudanças políticas e econômicas em plena consolidação,
modificações eram necessárias no plano educacional. No bojo destas
transformações proposições apareceram, entre elas as formuladas pelo marquês de
Condorcet que nos ajudam a perceber a diferença entre instrução e educação.
Realizar essa distinção não é mera formalidade conceitual, porque como
indica Silva (2004), ao analisar a obra de Condorcet, a instrução deveria ser a
fundadora dos preceitos da moral, afirmação esta que implica na formação do sujeito
liberal. Assim, a educação na obra condorcetiana diz respeito ao contato do sujeito
com o meio em que vive e tudo que o circunda pode educá-lo. Porém, nem tudo
pode lhe dar base para uma autonomia moral.
Para iniciarmos o entendimento do que isto significava, recorremos a José
Veríssimo, que sobre a questão utilizou- se de alguns autores dizendo:
a perfeita distincção, senhores, entre instrucção e educação moderna; pertence à filosofia positiva, ou se quiserdes à filosofia scientifica. Instrução é, segundo Ch Robin (2), a aquisição de noções novas acerca do homem, dos objetos, fenômenos que o cercam, tanto inorgânicos e orgânicos como sociaes, encarados no espaço e no tempo; e a educação, consoante o pensar do mesmo autor, estudo das relações dos caracteres particulares de cada espécie de corpo ente si e com os seres vivos, para a deducção das leis de relação que nos indicarão os nossos deveres comnosco mesmos, com os outros e com quantos objetos nos cercam [...] (VERÍSSIMO, 1888, p. 8).
E também, “para um dos espíritos mais poderosos deste século, o eminente
philosofo inglez Herbert Spencer, a educação – e sob este título ele compreende
também a instrucção – tem por fim preparar-nos para „para a vida completa‟ [...]”
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(VERÍSSIMO, 1888, p. 8).
Ainda, de acordo com Veríssimo (1888, p. 9):
o ilustre pensador Alexandre Bain, cuja obra A sciencia educação é, a meu ver, o melhor tratado existente de pedagogia, não define o que é educação, mas do seu contexto depreende que para ele é a formação para melhor das faculdades intellectuais e moraes de homem, guiada por um estudo profundo, que ninguém melhor que esse psychologista estava no caso de fazer, da physiologia e da psychologia da criança.
Nossa primeira inferência é que estes três pensadores trazidos por Veríssimo
nos apresentam a concepção de instrução e educação em patamares muito
próximos, a ponto de se complementarem.
Outra, é que estas concepções estavam imbricadas com as formulações
construídas ao longo do século XIX, isto é, com aquelas que propunham novas
formas e conteúdos para a formação do novo homem. Baseadas em preceitos
liberais e científicos claramente se ocupavam do intelecto, moralidade e também do
físico.
O desenvolvimento intelectual e moral dos indivíduos tinha por fundamento a
constituição de homens com capacidade de raciocínio elevada e com condição de
discernir entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, e de sentimentos bons para
com seus semelhantes.
Neste sentido, uma expressão da formação moral pôde ser encontrada nas
obras do Marquês de Condorcet:
um entusiasta do poder emancipador inerente à dimensão pedagógica do processo civilizador. Sua proposta de instrução apresenta-se como forma de ensino capaz de promover uma moral cosmopolita, baseada na solidariedade ou benevolência e na justiça (SILVA, 2004, p. 3).
Tal característica visava combater ideias que não viessem a respeitar os
interesses individuais e coletivos e correlacioná-los. Portanto, “a instrução moral é
uma formação reflexiva que, rompendo com a tradição, abraçaria a humanidade
como princípio absoluto, fundador dos direitos naturais inalienáveis” (SILVA, 2004, p.
4).
Segundo ainda o autor, é expresso na obra de Condorcet a importância da
instrução pública na ação social revelando a íntima relação entre esta e a formação
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moral. Estes, somados ao ideal civilizatório, seriam o principal fator na produção de
um liberalismo “sem males ou justo” (SILVA, 2004).
Esta moral, defendida por Condorcet, representava em última instância a
formação de um sujeito liberal, um sujeito universal capaz de se adaptar aos
interesses privados corporativos. A moral burguesa deveria estar na instrução,
garantindo pelo convencimento a assimilação do ideário pela população em geral.
A moderna pedagogia, trazendo novos conhecimentos e novas formas de
transmissão, se apresentava na formação integral do homem representado pelos
desenvolvimentos moral, intelectual e físico. Esta nova maneira de conceber a
educação se contrapunha àquelas tradicionais baseadas em princípios, sobretudo,
religiosos16.
No caso brasileiro ainda havia todo um descaso com a educação de base,
que se materializava por uma delegação de responsabilidades do governo imperial
para com as províncias. Esta característica pôde ser observada ao longo da maior
parte do século XIX.
Neste sentido, a educação no Brasil desde
[...] o ato adicional de 1834, colocou as escolas primárias e secundárias sob a responsabilidade das províncias, renunciando, assim, a um projeto de escola pública nacional. Ao longo do século XIX o Poder Público foi normatizando, pela via legal, os mecanismos de criação, organização e funcionamento das escolas que nesse aspecto, adquiriam o caráter de instrução pública. Mas, de fato, essas escolas continuavam funcionando em espaços privados, a saber as próprias casas dos professores (SAVIANI, 2005, p. 10).
Não ocorrendo grandes mudanças na educação ao longo deste século no
Brasil, surgiram a partir da década de 1870, intelectuais como Veríssimo que
defenderam mudanças políticas e econômicas.
Nessa esteira, foram produzidos escritos no campo educacional dos quais faz
parte “A educação nacional”(1985, p.53) que afirmava o seguinte:
o nosso sistema geral de instrução pública não merece de modo algum o nome de educação nacional. É em todos os ramos – primário, secundário e superior – apenas um acervo de matérias amontoadas, ao menos nos dois primeiros, sem nexo ou lógica, e estranho completamente a qualquer
16
São exemplos deste tipo a escolástica e a Ratio studiorium.
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concepção elevada da pátria.
Desta maneira, foi assim que a intelectualidade reivindicou modificações na
instrução pública, motivadas pelas mudanças que ocorreram nos países europeus e
Estados Unidos, que segundo os intelectuais cumpriam de forma efetiva as
aspirações por um país moderno.
As aspirações da elite, como podemos perceber, estavam nos escritos, nos
discursos e, no caso da educação, em algumas ações pertinentes à reformulação e
criação de instituições e reorientação curricular. Tudo isto por meio de decretos, leis
e formulação de reformas, porque havia urgência em elevar o nível cultural do país.
Assim, foram operadas reformas na instrução pública em todo o país
entendendo-se que:
no âmbito educacional, reformar o ensino significava criar uma mentalidade nova que se adequasse às exigências do tempo. Nesse contexto, a escola desempenharia um papel fundamental, na medida em que caberia a ela se organizar e difundir as novas idéias, que serviam de base para a transformação que se desejava operar no país (FRANÇA, 2004, p. 3)
Por isto, teremos no limiar da Primeira República o Decreto 981/1890,
conhecido como reforma Benjamin Constant, que aprovava o Regulamento da
instrução pública Primária e Secundária do Distrito Federal. Nesta norma aparece a
organização do Ensino Primário, o qual nos interessa de forma mais particular.
No título II, que trata das escolas primárias, suas categorias e regime o Art. 2º
expressa:
A instrução primária, livre, gratuita e leiga, será dada no Districto Federal em escolas de duas categorias: 1ª escolas primárias do 1º gráo; 2ª escolas primárias do 2º gráo. § 1º As escolas do 1º gráo admitirão alumnos de 7 a 13 annos de idade, e as do 2º gráo, de 13 a 15 annos. Umas e outras serão distinctas para cada sexo, porém meninos até 8 annos poderão frequentar as escolas do 1º do sexo feminino. § 2º Nenhum alumno será admitido à frequência das escolas de 2º gráo sem exhibir o certificado de estudos primários do gráo precedente (BRASIL, 1890, p. 1).
Este artigo do decreto tenta organizar o ensino primário. Nele, podemos
perceber facilmente os princípios liberais para a educação - liberdade, laicidade e
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gratuidade - confirmando a tendência de modernização da instrução pública.
Além de organizar o Ensino Primário em graus, forneceu também o currículo
que deveria ser implementado e compatível com os anseios do regime republicano
recém-implantado na nação brasileira.
É importante notar, quando comparamos esta reforma com aquela
implementada no final de 1879, a reforma Leôncio de Carvalho, verificamos que em
ambas aparece a ginástica. Indicando que as influências do liberalismo já vinham se
concretizando na educação brasileira, reivindicando uma elevação no nível cultural
da população.
Este discurso, consistia no pensamento de que se poderia conduzir o Brasil a
uma situação melhor, ou seja, de superação do atraso cultural em relação aos outros
países. Já que na compreensão de alguns só a educação libertaria os indivíduos da
ignorância e assim faria o país avançar.
No plano nacional, figuras como Rui Barbosa17 se destacaram neste intento
com a publicação de algumas obras. No caso deste intelectual, os pareceres de
1882 foram extremamente valiosos.
Em sua defesa, no cenário local, destacamos a figura de José Veríssimo, que
além de importante papel na literatura,18 foi sem dúvida um dos mais importantes
homens do contexto educacional paraense e brasileiro, tendo produzido obras
importantes nesta área, bem como ocupado vários cargos na administração
pública19.
Conforme Veríssimo (1890), os relatórios dos governadores da província, um
pouco antes da Proclamação da República, indicavam a constatação de extrema
precariedade do sistema de instrução pública. Entre estes relatórios estão os
produzidos por: Cardoso Júnior, Roso Danin, Ferreira Braga e Almeida Pernambuco,
todos presidentes da província do Pará
No Pará, a situação da instrução pública nas últimas décadas do século XIX
17
Segundo Machado (2002) Rui Barbosa se dedicou às questões da educação no período de dois a três anos, porém a sua produção foi de tal magnitude que influenciou vários intelectuais do final do século XIX e também do início do século XX, como Fernando de Azevedo. 18
José Veríssimo foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras publicando diversas obras, tendo especialmente a região amazônica como pano de fundo. 19
Entre os cargos que ocupou estão: o de Diretor da Instrução Pública do Pará e Diretor do Gymnasio Nacional (atual colégio Pedro II), instituição educacional das mais importantes no Brasil Imperial e Republicano.
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________
era bastante precária, fato este comprovado por França (2004) ao analisar o relatório
de José Veríssimo “A instrução pública no Pará em 1890” 20. De acordo com esta
autora, esse intelectual não só discorria sobre as mazelas que afligiam as escolas
públicas, como também apresentava propostas para sua superação.
O caos em que se encontrava a educação escolar devia-se segundo José
veríssimo, a alguns aspectos: ao descaso do poder público; à centralização das
decisões sobre educação no presidente da província; à falta de preparo da
assembleia provincial em formular as leis educacionais; às relações políticas
estabelecidas com os professores e à falta de formação especializada daqueles que
gerenciavam a educação.
Veríssimo (1890, p.1) assim se pronuncia sobre a educação escolar na
mensagem dirigida ao governador em seu relatório:
É obrigação do meu cargo dar anualmente conta, minuciosa da instrução pública do Estado. Essa justíssima exigência da lei venho eu cumprir, tendo a honra de apresentar-vos relatório junto, dos serviços que correm por esta repartição, relativamente ao ano findo. Se o fazendo sinto a legítima satisfação do dever cumprido, não é, entretanto, com inteiro contentamento que d‟elle me desobrigo, pois nem agradável nem lisonjeiro é tudo quanto haja de dizer sobre a instrucção pública.
Nesta fala ficam expressos os sentimentos de cumprimento do dever e
desapontamento com a situação da instrução. Por isso, José Veríssimo enfatizou
em seu relatório a difícil tarefa de falar da situação da instrução no Pará, uma vez
que “a república encontrou o ensino público na mais dolorosa situação” (MEIRA,
1981, p. 266).
Para esta condição, segundo Veríssimo (1890), concorriam: a indiferença
pública, a invasão do partidarismo, a instabilidade do professorado, as constantes
reformas da organização escolar e a pequena verba disponível.
Todo este estágio herdado do Império21 não produzira nenhum resultado
expressivo, ao contrário era mais uma formalidade constante nas leis. Na verdade,
20
Em 1890, José Veríssimo publicou esta obra que pretendia realizar um exame da educação e da instrução pública no estado do Pará e apontar possíveis soluções. 21
Em seu relatório, José Veríssimo utilizou o discurso escrito de alguns presidentes da província do Pará, entre eles: Cardoso Júnior, Roso Danin, Ferreira Braga e Almeida Pernambuco para fortalecer a tese de que a instrução pública ia de mau a pior.
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________
“no Brazil, a instrução pública é apenas uma alínea obrigada da fala do trono ou um
tema retórico dos programas ministeriais” (VERÍSSIMO, 1890, p. 27).
A despeito da situação na qual se encontrava a instrução pública, que
realmente era difícil, ela ganhava maior visibilidade no discurso dos defensores de
uma pedagogia moderna. Uma vez que havia o entendimento de que o grande
responsável pelas mazelas na educação era o regime monárquico.
Na passagem da Monarquia para a República, as escolas passaram para a
tutela dos governos estaduais que agora responderiam pela implementação da
educação nestes estabelecimentos.
Desta forma, podemos observar o ajuste da educação a um modelo que
desse conta de formar um ser humano capaz de contribuir para a implementação da
nova ordem econômica que, neste final de século, iria sentir todo o peso em âmbito
local do extrativismo do látex, promovendo-se então várias mudanças.
Podemos verificar nesta dinâmica, o quanto as condições materiais estavam
diretamente relacionadas com as formulações ideológicas produzidas pela
sociedade, entre elas a educação.
[...] Isto é, pela forma como os homens produzem sua vida material, bem como as relações ai implicadas – quais sejam, as relações de produção e as forças produtivas – são fundamentais para apreender o modo como os homens vivem pensam e transmitem as idéias e os conhecimentos que tem sobre a vida e sobre a realidade natural” (LOMBARDI, 2002, p. 20).
Nesta linha de pensamento, é imprescindível afirmar que tudo que foi
produzido no mundo, o foi pelo homem, no sentido de suprir suas necessidades
concretas, objetivas e reais, as quais surgem a partir das contradições existentes
nessa sociedade.
Isto nos revela que as intenções de modificação da situação do cenário
educacional paraense, com vistas a alavancar o desenvolvimento da nação,
estavam subordinadas à dinâmica do modo de produção capitalista, que no caso
paraense se expressava no extrativismo do látex.
Neste caminho, houve mudanças na legislação educacional para se adequar
às novas condições impostas pelo modo de produção. Elas aconteceram nos vários
estados em forma de leis, Decretos, Regulamentos e Relatórios delineando a
80
FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________
instrução pública.
Na década de 1880, produziram-se no Pará duas ou três leis na tentativa de
melhorar a instrução pública, entretanto, segundo as críticas de José Veríssimo, não
tiveram o impacto que almejaram.
Quando da publicação do regulamento de 1890, o ensino primário estava sob
a lei 1.295 e portaria de maio de 1886 que organizava as escolas em 1º e 2º graus.
Fato este criticado por José Veríssimo em seu relatório sobre a instrução
pública de 1890, afirmando ser prejudicial a organização da instrução. Somada a
esta, a lei 1329/1887 em nada contribuía para avançar a instrução muito pelo
contrário,
Aquella mesma acanhada disposição política, origem e causa d`esta, as mais das vezes, inútil e quase sempre funesta multiplicidade da legislação escolar, cujos effeitos foram a desorganisação do ensino publico, completada pela de 1886 e 1887, gerou também a instabilidade do professorado e foi causa da imobilidade da directoria da instrucção publica.(PARÁ, 1890, p. 23)
Logo no ano de 1890, ocorreu a publicação em 21 de julho do regulamento
da instrução pública do Pará, que já trouxe referências sobre a educação física no
ensino primário, disciplina esta fundamental no discurso para alcançar uma
inteligência e moral superiores.
Este regulamento afirmava que “o objetivo do ensino não é adquerir em todas
as matérias que o constituem, tudo que é possível saber mas apreender em cada
uma d`ellas o que não é permitido ignorar” (PARÁ, 1890, p. 34), ou seja, apreender o
mínimo necessário capaz de preparar-lhe para a vida em sociedade.
Segundo ainda este Regulamento assinado por José Veríssimo o Ensino
primário dividia-se em Elementar e integral. O primário elementar tinha a duração de
três anos, já o integral era constituído de três cursos: Elementar com duração de 2
anos; o Médio e superior também com dois anos cada.
Esta foi a organização proposta por José Veríssimo para o ensino primário em
contraposição a organização feita por graus como na legislação antes da
Proclamação da República na província. Também é diferente da reforma Benjamin
Constant que dividia o Ensino primário em dois graus.
No final desta década, no ano de 1899, foi produzido um relatório por Virgílio
81
FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________
Cardoso de Oliveira, então diretor da Instrução pública no qual continha entre outros
temas o Regimento Interno das escolas públicas do ensino primário. Neste relatório
no Capítulo I tratou-se da Escola e do Ensino e em seu Art. 1º versou sobre o
conceito e a função destas instituições.
A Escola pública primária é a instituição creada e mantida pelos poderes públicos para o fim de difundir pela mocidade, gratuitamente e sem peias à consciência, a instrução que é a base da ordem e do progresso preparando-a devidamente para a vida social (PARÁ, 1899, p. 49).
A finalidade da escola Primária no Estado do Pará, proposta na legislação
logo após a Proclamação da República, era, portanto, formar homens que
contribuíssem com o projeto societário burguês, baseando-se no positivismo e nos
princípios da propriedade privada e nas liberdades que de uma forma geral eram
próprios da ideologia liberal.
Neste sentido, podemos perceber que no Pará como na Europa, o
pensamento de formação do homem por meio da instrução possuía claramente o
papel de formadora da consciência liberal-burguesa, expressa no projeto
modernizador educacional. Foi neste sentido que as reformas educacionais foram
encaminhadas no início da Primeira República.
Por fim, é importante frisar que antes da Proclamação da República, já
existiam experiências ou mesmo intenções que continham princípios, valores e
objetivos diferentes daqueles apregoados pela educação do Governo Imperial.
Isto aconteceu, por exemplo, em escolas particulares, como no “Colégio
Americano”. Fundado e dirigido por José Veríssimo, este estabelecimento teve vida
curta, mas suficiente para implementar uma “educação moderna” baseada em
preceitos científicos.
Esta educação, dentro dos princípios da pedagogia moderna, passava
obrigatoriamente por uma instrução baseada nos preceitos científicos e de utilidade,
que consideravam ser uma educação verdadeiramente capaz de contemplar o
desenvolvimento intelectual, moral e físico (VERÍSSIMO, 1888).
Como podemos perceber os determinantes econômicos e políticos e as
contradições presentes ao longo da Primeira República no Pará representaram a
continuidade de uma elite no poder ligada a atividades de exploração do látex. Isto
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FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) _________________________
quer dizer, que a mudança na direção de um desenvolvimento e civilização da
sociedade paraense possuiu singularidades, embora estivessem presentes os
princípios do sistema de produção capitalista.
82 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ 3 – A EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO PRIMÁRIO NO PARÁ.
Neste capítulo analisaremos o processo de inserção da educação física no
ensino primário paraense. Os documentos utilizados foram os Relatórios e
Regulamentos da Instrução Pública; as leis da educação no estado e nacionais
publicados na última década do século XIX e a Revista da educação e do ensino de
1891-1894. Além destes, também foi alvo de análise a obra “A educação nacional”
(1890) e “Notícia Geral Sobre o Collegio Americano” (1888) ambas de autoria de
José Veríssimo, por conterem elementos fundamentais para a compreensão desse
processo.
Realizaremos esta análise tendo por referência do trabalho, como fundador da
vida humana, o ensino primário como momento de formação de um determinado
homem no estado do Pará e a concepção de educação física. Para isso, faremos
uma busca das informações existentes nos documentos que demonstram como se
processou a inclusão da educação física neste nível de ensino.
A escolha destes se deu pelas informações que poderiam nos dar com
relação aos elementos sócio-históricos, que estiveram na base da inserção da
educação física, quais sejam as mudanças no mundo do trabalho, o projeto
educacional modernizador e também a concepção de educação física existente na
época.
A forma como procederemos tem como referência a estrutura e a
dinâmica do objeto investigado, buscando as múltiplas determinações do objeto.
Nesta linha, vamos ter o trabalho e projeto de educação servindo de estrutura e as
relações que estabeleceram entre si configurando a dinâmica do objeto.
3.1 Trabalho, educação e educação física na sociedade paraense.
Para tratar da categoria trabalho como um dos elementos que compõe a
estrutura da gênese da educação física no ensino primário paraense, precisaremos
analisar nos documentos esta categoria considerando os nexos existentes com a
educação física.
83 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________
Como já vimos especialmente no I capítulo a educação física surge da
necessidade de formação de um novo homem, a partir dos séculos XVII na Europa,
no seio das transformações políticas e econômicas que lá ocorriam.
Este homem deveria ser capaz de suportar a ordem econômica e política
nascente. Para tanto, ele precisava ser forte fisicamente entre outros atributos e
qualidades. E isto só poderia ser alcançado por intermédio da educação, isto é, de
um aspecto até então pouco valorizado, o físico.
Neste sentido,
o corpo individual enquanto unidade produtiva, máquina menor da indústria capitalista, passa a ser então uma mercadoria ... será um objeto socializado pelas novas relações de produção, um instrumento a mais que deverá ser meticulosamente controlado para ser útil ao capital. (SOARES, 1994, p.27)
No Brasil a chegada dessas ideias faz-se presente desde a independência em
18221, porém só a partir da segunda metade do século XIX é que tomaram
consistência no pensamento da elite brasileira que por meio dos seus intelectuais
divulgará o discurso contra os dois pontos principais de manutenção da ordem
econômica e política brasileira, que segundo eles eram as responsáveis pela
situação de atraso na qual o Brasil se encontrava, a Monarquia e a Escravidão.
Na esteira desses acontecimentos, “Foi esse o momento em que o regime
monárquico e o regime de trabalho escravo revelaram abertamente a sua
inadequação” [...]. (IANNI, 2004, p. 15)
É neste momento também, não por acaso, que
lenta e progressivamente, entretanto, vão surgindo nas cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Recife e outras, interesses distintos, divergentes e autônomos e divergentes daqueles hegemônicos no escravismo, e uma classe dirigente mais moderna, mais „preparada‟ para viabilizar no Brasil uma nova ordem social capitalista, dando continuidade
aos interesses externos e internacionais. (SOARES, 1994, p.104)
Como podemos perceber por todo o Brasil acontecem mudanças de
pensamento com relação ás relações sociais de produção. A elite por meio das
1 Como já discutimos no capítulo I, a independência do Brasil teve forte influência do
pensamento liberal que ao longo do século XIX foi se solidificando na elite brasileira.
84 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ ideias burguesas vai impondo novas práticas que baseadas em experiências de
outras nações conseguem construir um novo ideário sobre o progresso e a
civilização.
Um dos exemplos mais bem acabados do discurso modernizador em nível
nacional nas últimas décadas do século XIX é Rui Barbosa, intelectual que defendeu
um País Moderno e civilizado tendo como modelo os países europeus e os Estados
Unidos. Seu pensamento educacional encontra-se expresso na obra os pareceres
de 1882.
Na nova forma de educar as novas gerações, na qual o pensamento de Rui
Barbosa fora muito importante, deveriam ser contemplados conhecimentos úteis e
práticos que proporcionassem a transformação do Brasil em uma nação
desenvolvida e civilizada. Estes conhecimentos não se faziam presentes na
instrução então existente, assim era urgente mudar o currículo e as metodologias
que não correspondessem aos conhecimentos preconizados.
A inclusão de disciplinas como a educação física eram basilares para esse
intento. Ela seria responsável para fortalecer o corpo do homem para o trabalho ou
para servir a pátria.
Corroborando com este entendimento, de que a educação física no Brasil,
serviu ao propósito de fortalecer o homem, dando-lhe saúde, robustecendo o físico,
incutindo-lhe os cuidados com a higiene, no caso do Pará, estará presente no
processo de inclusão da educação física no ensino primário.
Neste sentido, encontramos no discurso de José Veríssimo os princípios acima
descritos, mais precisamente em dois documentos na obra “A educação nacional” e
“Notícia Geral sobre o Collegio Americano”.
José Veríssimo, na obra a educação nacional observa que “A educação física
no Brasil, é com todo rigor da expressão um problema nacional” (VERÍSSIMO,1985,
p. 90). Esta afirmação carrega um sentido de pessimismo com relação a situação
desse aspecto no país, mas também o desejo de discutir e mudar esse quadro.
Para José Veríssimo a educação física era fundamental para a nação, a qual
deveria ser implementada pelo estado, pois este era o ente responsável em cuidar
da educação das novas gerações nascidas com a República.
85 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________
Nessa direção podemos perceber nas reflexões promovidas por este
intelectual um movimento em favor da educação física no Pará, presente nos
documentos por ele produzidos. Nestes, podemos identificar a necessidade de
implantar este novo conhecimento no sistema de instrução.
Os cuidados com este aspecto se faziam necessários porque havia um
descaso com esta parte da educação, que até o início da República não fazia parte
da instrução pública no estado do Pará. Sendo assim, a educação física seria capaz
de fortalecer o corpo e assim deixá-lo apto para assumir seu novo papel social, de
formador de um corpo forte e sadio, base para uma inteligência e uma moral
superiores.
Esta necessidade de melhoramento das forças físicas do brasileiro em geral e
do paraense em particular, era urgente e imprescindível. Na preparação para
competição em que os mais fortes tem maiores possibilidades de se desenvolver e
entendendo que éramos mais fracos em comparação com os europeus, que nas
últimas três décadas do século XIX, imigraram em grande número para o Brasil,
Veríssimo (1985, p. 91) afirma que
a luta entre essa gente, incomparavelmente mais forte, e nós, não pode ser duvidosa. O campo de combate será primeiramente o das atividades físicas, aquele que exige maior robustez, de força e de saúde, o comércio, a indústria, a lavoura.
Isto vem demonstrar o caráter primordial de desenvolvimento das forças
físicas, qual seja, de preparação para o trabalho nas suas diferentes formas que se
justificava por uma maior capacidade de produzir bens, que por sua vez, geraria
maior acumulação de capital. Em outras palavras, homens mais fortes eram
necessários para suportar a crescente carga de trabalho que deveria ser
implementada no país para que nos igualássemos àquelas nações.
Fica explícito que José Veríssimo compreendia o desenvolvimento
econômico dos países europeus em função da sua capacidade de produzir, por meio
do trabalho os produtos para garantir o acúmulo de capitais necessários.
Segundo sua compreensão isto só foi possível graças ao desenvolvimento
dos atributos físicos por meio de diversas atividades inseridas nos costumes
86 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ daqueles povos e nos seus sistemas de ensino. A ginástica, o jogo os exercícios
militares, os preceitos higiênicos, os jogos atléticos que realizados de forma
sistemática eram as atividades que garantiam o fortalecimento físico daqueles
homens.
Segundo Veríssimo,
em todos os países civilizados, médicos, fisiologistas, higienistas, pedagogos multiplicam em livros, em revistas e nos mesmos jornais diários conselhos, prescrições, alvitres ou direções sobre todos os diversos aspectos que pode apresentar o interessante problema da educação física (1985, p.88)
Para ele, tais práticas realizadas nos países desenvolvidos também deveriam
ser aplicadas no Brasil, pois fortalecendo as forças físicas como naqueles países
seria possível se desenvolver como eles e sair da condição em que se encontrava
frente ao grau de desleixo no cuidado com corpo.
Essa forma de pensar desse intelectual, presente em seus discursos tinha
claramente a intenção de demonstrar a condição do povo brasileiro e em particular o
paraense para provar a necessidade e emergência de novas práticas.
Deste modo, a produção de estrangeiros, era tomada como referência para
explicar as características dos brasileiros. Segundo Veríssimo (1985, p.66)
Herndon, oficial da marinha americana que por ordem do seu governo, fez com Gibbon, em 1850, uma exploração no vale do Amazonas, ocupando-se do povo ~do Pará, depois de assentar sua desambição, o seu amor de nada fazer e sua satisfação em apenas gozar sem trabalho dos frutos espontâneos da terra, indiferente a toda a concorrência e contente desde que tem chá ou café, cigarros e a rede e anotar que no Pará os crimes são muito raros, observa não sem graça: „Provavelmente, o povo é demasiado indolente para ser mau.
A falta de iniciativa, do gosto pelo trabalho e da participação na vida do país
segundo esse intelectual deitava suas origens na própria formação do povo
brasileiro que se dava da seguinte maneira,
de três ordens de fatos derivam estas características brasileiras: A Etnogenia, isto é, as origens etnográficas e históricas; a Geografia, ou a ação da terra sobre o homem; a Educação, isso é a influência da sociedade
87 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________
sobre o cidadão. (VERÍSSIMO, 1985, p. 66)
Esta ideia preconceituosa dos estrangeiros em relação aos brasileiros e aos
paraenses eram assimiladas e utilizadas pela elite, como constatamos na fala de
José Veríssimo acima.
Percebemos também nas análises de José Veríssimo que não foram levadas
em consideração o fato de que durante séculos os povos de outros continentes que
para esta terra vieram, tiveram o interesse de explorar esta terra atrás de minerais e
das monoculturas, cujo regime de trabalho era o escravista, que não precisamos
informar não tinha direito a quase nada, muito menos educação.
No que se refere a formação do povo brasileiro para José Veríssimo as
influências dos escravos africanos e dos indígenas, significavam uma herança
negativa que o povo brasileiro carregava explicitada pela preguiça, fraqueza, falta de
iniciativa e hábitos saudáveis.
Ele acreditava também que no caso dos escravos trazidos da África e seus
descendentes, além de terem sido explorados em todas as suas forças e de sofrer
todas as agruras dessa condição, ainda eram culpabilizados pela indolência na qual
se encontrava esta nação.
De acordo Veríssimo, fosse pela escrava que muitas vezes fazia o
aleitamento dos filhos dos “brancos” “eivados de vícios que mais tarde lhes
comprometeria a saúde”, ou pela carência de atitudes na infância “ permissiva”
objetivada pela convivência com “O moleque desavergonhado que apanhava, ria,
chorava, e entre lágrimas era obrigado a continuar o brinquedo” negando a ideia de
brio, existia um processo de formação que não contribuía para termos homens fortes
fisicamente. (VERÍSSIMO, 1985)
Dessa forma, ele acreditava que a escravidão possuía grande parcela de
responsabilidade em constituir um homem sem iniciativa, sem moral, fraco de
espírito e de animo o que refletia de muito significativa, no desgosto pelos exercícios
físicos. Veríssimo (1985)
Com a intenção de corrigir esses defeitos da formação do brasileiro, para
assim construir um novo e moderno país, os cuidados com o físico deveriam fazer
88 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ parte da vida dos brasileiros e consequentemente dos paraenses, nessa lógica,
“Cumpre fazermos entrar a educação física na nossa educação e nos nossos
costumes” (VERÍSSIMO, 1985, p 88)
Assumindo essa tarefa este estudioso desenvolveu uma experiência
significativa no Collegio Americano, construída dentro deste pensamento. Por isso, é
relevante retomarmos a educação física implantada nessa instituição, pois lá
encontram-se a materialização daquelas ideias na prática escolar de maneira
sistematizada.
Surgida, segundo Veríssimo,
como todas as noções theoricas, a da excellencia da educação physica nasceu sem duvida do fato verificado pela experiência diária da superioridade physica-traduzida na robustez e na saúde do homem obrigado pelo seu gênero de vida aos exercícios corparaes, o homem do campo, o lavrador, o criador, o operário, o carregador, o artesão, e do outro lado o burocrata, o empregado de escriptorio, o cidadão sedentário, atrophiado, mesmo nas suas faculdades intellectuaes por uma vida de
inercia physica. (p.26, 1888)
Percebemos neste trecho por parte de Veríssimo uma forma de incutir, em
determinados segmentos profissionais como o burocrata, empregado de escritório e
artesão sedentário, os exercícios corporais, que no seu entender já estavam
contemplados nos tipos de trabalhos realizados pelo primeiro grupo que realizavam
trabalhos manuais, como o homem do campo, o lavrador e o operário.
Isto nos revela um caráter elitista da educação física, devendo servir a
regenerar as forças desta classe, tornando-a mais forte, uma vez que não possuíam
gosto por estas atividades, se dedicando a outras de caráter muito mais intelectual.
Nessa esteira, obstáculos se colocavam no caminho de alcançar esse objetivo.
O primeiro deles era o fato de que o trabalho manual era considerado como
trabalho inferior em comparação com o trabalho intelectual. Isto levava muitos
brasileiros a não valorizarem os exercícios físicos pois relacionavam-no aos
trabalhos manuais.
Durante boa parte da história humana o trabalho manual foi considerado
como algo realizável por pessoas de baixo valor social, e, portanto, um distintivo de
89 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ classe. Em muitas sociedades isto foi uma característica marcante e na, então
nascente ordem capitalista este pensamento permanecia especialmente no Brasil,
país que tardou em libertar seus escravos oficialmente.
No caso brasileiro este tipo de trabalho estava ligado aos escravos, que
mesmo no final do século XIX quando as ideias do trabalho livre estavam em franca
ascensão no país o pensamento de menosprezo pelos trabalhos manuais como
atividade inferior continuava a fazer parte do ideário de uma parte da elite brasileira.
Isto pode ser observado no estudo de Castellani Filho (1994, p.44) ao
observar o seguinte,
cabe aqui ressaltarmos o fato de que o esforço de lançar mão da Educação Física como elemento educacional – ainda que de conformidade com uma visão de saúde corporal, saúde física, eugênica – enfrentava barreiras arraigadas e valores dominantes do período colonial, sustentáculos do ordenamento social escravocrata, que estigmatizaram a Educação Física, por vinculá-la ao trabalho manual, físico, desprestigiadíssimo em relação ao trabalho intelectual, este sim, afeto à classe dominante, enquanto o outro fazia-se única e tão somente aos escravos.
Este aspecto, suscita em nossa análise outro obstáculo, encontrado por
Veríssimo, que foi a consideração de que a mistura das raças provocou um
enfraquecimento das virtudes do homem europeu, mais especificamente do
português, principal colonizador dessas terras.
Este pensamento corrente no Brasil vai produzir escritos que confirmam na
visão da maioria dos intelectuais brasileiros a superioridade do branco em relação as
outras raças. Para Veríssimo,
somos o produto de três raças distintas. Duas selvagens e, portanto, descubidosas e indiferentes, como soem ser neste estádio da vida e uma em rápido declínio, depois de uma gloriosa, brilhante e fugaz ilustração. (1985, p.67)
Apesar deste autor constatar a decadência do português colonizador dessas
terras, ainda assim é superior aos tipos “selvagens” desleixados, despossuídos das
qualidades intelectuais, morais e físicas que pudessem contribuir para a elevação
cultural do país.
90 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________
Desta forma, o ideal de regenerar a raça mediante a educação física é outro
elemento importante para a análise que fazemos, pois contribui no desvelamento
das intenções do projeto de formação daquele homem necessário à nova política e
econômica, que aparece nos escritos da época, “Nossa raça, sentem-no todos, se
enfraquece e abastada sob a influência de um clima deprimente, piorado pela falta
de higiene e de exercício físico, pela privação de atividade” (VERÍSSIMO, 1985,
p.90-91)
Podemos, com isto, afirmar que o ideal eugênico fazia-se presente no
pensamento de José Veríssimo, aquele surgido na Europa, é assumido em sua
expressão central no entendimento das contribuições que a educação física poderia
dar, muito embora, existissem elementos específicos como o clima, bem diferente do
velho continente e a mistura das raças, no caso brasileiro surgido do branco, negro e
indígena eram elementos de destaque em suas análises.
O melhoramento da raça nesse contexto, será importante, mas ainda não terá
amplo destaque no Brasil na última década do século XIX, mas acontecerá nas
primeiras décadas do século XX. No entanto, foi neste momento que suas bases
foram lançadas por intelectuais como José Veríssimo que clamavam pelo
melhoramento da raça do paraense.
Outra questão relevante é quando consideramos como a melhoria das
qualidades físicas como preparação para o trabalho estava se dando naquele
determinado contexto no qual as relações de produção possuíam um caráter diverso
em relação à realidade nacional. Nesta perspectiva, houve sim na maior parte dos
discursos a defesa da educação física para os que pertenciam a determinados
segmentos sociais elitizados.
No plano econômico, enquanto o sul/sudeste do país exportava café em larga
escala e obtinha grandes somas de capital, nos estados do amazonas e Pará se
destacava a produção do Látex que também gerou enormes lucros.
Consequência disto foi a concentração de pessoas na cidade, neste caso em
Belém. Isto repercutiu na dinâmica que a cidade precisava assumir, ou seja, ter ruas
pavimentadas, um serviço de saúde eficiente, tratar do lixo e do esgoto, transporte
coletivo, iluminação pública foram antes de tudo necessidades práticas, colocadas
91 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ pela elite local.
Necessidades que figuravam como medidas para se alcançar um status de
cidade moderna segundo os critérios da época definidos pela elite local e não
necessariamente pelas contingências impostas para o melhoramento do espaço da
cidade para todos, isto é, para atender aos anseios de grupos pertencentes à elite
local ou de fora de Belém.
Esta é sem dúvida uma das grandes contradições do projeto modernizador no
qual a educação física está inserida, pois deveria contribuir para formar homens
fortes, numa sociedade em que a grande maioria das pessoas não tinha condições
mínimas sanitárias. Era, portanto, claramente destinada a elite, pelo menos no início.
Isto significa que se reproduziu aqui o que aconteceu na Europa em meados
do século XIX com a industrialização, guardada as devidas proporções, em que o
grande avanço no acúmulo de capitais propiciou condições extremamente favoráveis
para a burguesia e condições miseráveis para os trabalhadores das fábricas e
indústrias.
Considerando que o processo de implantação de fábricas neste período
estava acontecendo, representando o avanço do grande capital internacional vai ao
longo do processo, provocando por meio da exploração da força de trabalho miséria
e degradação do ser humano.
Neste sentido, a outra grande contradição se apresenta por meio dessa
preparação do aspecto físico para o trabalho, que na prática era de amenizar a
situação de exploração da força de trabalho e as condições dai resultantes.
Desta maneira, ter uma população mais bem preparada fisicamente era
possibilidade de produzir mais e aguentar as consequências desse processo de
exploração maximizada da força de trabalho.
Nesse entendimento, tomando a educação física como preparação em âmbito
específico para o trabalho em nível local, que cuja atividade econômica principal era
a produção do látex, percebemos certa necessidade de igualar o desenvolvimento
físico das pessoas que exerciam determinadas atividades profissionais ligadas ao
trabalho burocrático, com aquelas que exerciam trabalhos manuais.
Segundo a opinião de José Veríssimo este último tipo de trabalho já fazia com
92 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ que este trabalhador tivesse o aspecto físico desenvolvido. Ao passo que as
atividades que eram realizadas pelos profissionais ligados a exportação desta
matéria prima não tinham no dispêndio das forças físicas seu ponto principal.
Exemplos destes tipos de trabalho são aqueles relacionados a administração,
contabilidade, economia, tanto para as instituições particulares como para os cargos
do governo, uma das principais formas de trabalho, para os que não tinham grandes
fortunas, mas que tinham conseguido estudar até um nível mais elevado.
É possível então constatar na singularidade das relações de produção
produzidas em nível local, o trabalho sendo apropriado pelo capital, tornando-o
mercadoria, ou seja, garantindo o lucro dos proprietários e consequentemente a
possibilidade de acumular mais capital.
Recorrendo a Saviani (2007) para explicar a contradição presente na relação
entre trabalho, educação e educação física, é possível encontrar afirmação de que
com o desenvolvimento da produção provocando a divisão do trabalho entre os
possuidores dos meios para produção e os despossuídos destes, a partir da
sociedade escravista, vamos ter também uma educação diferente para as diferentes
classes.
Como percebemos no escrito de Veríssimo acima, que explicita uma
educação física diferente para as classes, isto é, uma fragmentação entre as
variadas formas de trabalho e os requisitos necessários para sua realização. “Ora,
esta divisão dos homens em classes, irá provocar uma divisão também na
educação” (SAVIANI, 2007, p. 155)
Analogamente como na antiguidade a partir da sociedade escravista a divisão
social do trabalho, provocou nos séculos XVIII e XIX diferentes formas de educar
não só em relação aos padrões anteriormente adotados, mas também entre as
diferentes classes surgidas com a consolidação capitalista.
Este modelo, talvez não em sua integralidade, foi assumido também pela elite
paraense, para a instrução pública da população em geral, isto é, deveria haver uma
educação/educação física para os segmentos mais abastados e outra para os que
realizavam trabalhos manuais.
Isto é algo extremamente importante se quisermos compreender o
93 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ desenvolvimento da educação e a educação física no Pará, pois as principais
atividades econômicas realizados nesta região foram de natureza extrativista, cujos
conhecimentos não necessitavam de maior sistematização. Pelo menos não para a
maioria da população.
O processo de desenvolvimento econômico ocorrido poderia sugerir, então,
que o Pará viveu um processo de desenvolvimento pleno. Mas não foi isso o que
aconteceu, havia sim um discurso modernizador que incluía a educação na sua
agenda, mas mudanças mais profundas só a partir da segunda década do século
XX.
As poucas mudanças que ocorreram neste período revelam que o discurso da
preparação para o trabalho possuía como características, o controle e a moralização
de setores sociais desfavorecidos economicamente, que formavam o que
poderíamos denominar de classe trabalhadora. 2
Dentre os preceitos que estavam relacionados à educação física estava a
higiene. Ela complementou as propostas de instrução que consideravam a educação
física com igual importância em comparação com outros aspectos da instrução, o
intelectual e o moral.
No colégio Americano a higiene era uma preocupação constante, segundo
Veríssimo (1888) ela passava pela localização adequada do prédio escolar,
ventilação, asseio do prédio escolar, cuidado com os dejetos, iluminação, limpeza e
cuidados com os alimentos.
Todos esses cuidados estavam dentro dos preceitos higiênicos formulados na
Europa e importados pelos intelectuais brasileiros. Tais conceitos contribuíram para o
controle da classe operária daquele continente por meio de hábitos que deveriam
ser compreendidos e praticados.
O discurso higiênico, como podemos perceber pelos relatos das atividades
desenvolvidas no Colégio Americano, seguira os preceitos surgidos na Europa. Por
meio do discurso proferido de forma mais enfática pelas autoridades e pelos
intelectuais, carregando a necessidade dos cuidados com o corpo.
2 Mesmo que não possamos encaixar exatamente os setores desfavorecido economicamente, como
classe trabalhadora no conceito clássico, pois não existia também a figura do capitalista, em que pese já existir algumas fábricas no estado.
94 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________
Defendido em sua forma pedagógica o discurso higiênico foi assumido pela
elite paraense em sua expressão principal, qual seja, de constituição de um corpo
forte e saudável sendo considerado um dos elementos mais importantes pois,
descurado como se acha n‟esse estado e quiçá em todo Brazil este importante ramo da educação publica, é dever de todo o cidadão trabalhar na medida de suas forças afim de impedir que continue em esquecimento este delicadíssimo assumpto, de grande utilidade para as gerações que surgem e vantagens indiscutíveis para o nosso caro Brazil. (PIRES, 1891,
p. 130)
O ideário higienista como já vimos não estava restrito ao âmbito escolar, e
tivemos em cidades como Belém medidas como construção de esgotos no plano
público e regras de hábitos saudáveis como tomar banho, circunscritas ao domínio
da vida privada.
Assim, influenciando o higienismo tanto na esfera pública com a modificação
do espaço urbano com diversas obras como na particular incutindo determinados
hábitos, a higiene completando o sentido da educação física materializada por esta
série de ações engendradas pela elite e executadas pelo poder público local, terá
grande importância nas intenções de limpar a sociedade paraense e na dinâmica
social, contribuindo para uma formação para o trabalho por intermédio da educação
física, ou pelo menos eram assim que deveria ser.
3.2 A Educação Física no projeto educacional modernizador do Pará
Entendida a relação que se estabeleceu em nível local entre trabalho
educação e educação física, fundamental para compreendermos como e porque a
referida disciplina entrou no ensino primário, é igualmente necessário tratar da
instrução no projeto modernizador educacional paraense identificando os elementos
que estiveram presentes neste processo.
Para incutir a educação física, no gosto das elites, era de extrema importância
promover mudanças no sistema de instrução pública. Isto passava por mudanças
profundas em todos os aspectos desde a construção de escolas até mudanças na
concepção teórica da instrução pública. Isto significava incluir novos conhecimentos,
95 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ bem como, novas formas de transmiti-los.
Neste sentido, um projeto educacional novo seria o principal elemento para
alavancá-la e promover o desenvolvimento do Pará e da nação. Por isso, tanta
ênfase na defesa de modificações na instrução pública, que foi colocada aos
poucos como elemento difusor da educação física também no Pará.
Prova disto, são as referências feitas a esta disciplina por José veríssimo , no
relatório da instrução pública de 1890, como veremos mais a frente em que o autor
do referido documento faz considerações a respeito da importância deste
conhecimento para a instrução pública.
No projeto educacional paraense, nos interessa, considerando o objeto que
definimos, a educação física no ensino primário, que como já foi afirmado neste
trabalho era estratégico para se começar a formar aquele novo homem, engendrado
no projeto europeu pela burguesia e no Brasil pela sua elite.
É neste sentido que vão atuar as forças locais, seguindo o pensamento mais
geral para a instrução pública e dentro dela o ensino primário como elemento
imprescindível. Para entendermos a educação física no Ensino Primário é preciso
levar em conta as mudanças que ocorrem nesta instrução no Brasil e no estado do
Pará e nestas localizar a importância da educação física em seu interior.
Já discutimos nos capítulos II e III que a expansão/universalização da
instrução pública está diretamente relacionada com a ascensão e consolidação da
burguesia no século XIX na Europa. E com esta o avanço das ideias liberais que por
sua vez apresentavam a educação e a instrução como obrigação do estado para
possibilitar desenvolvimento e civilidade.
No Brasil, a elite abraçando tais ideias proporá por meio de seus intelectuais,
alterações no sistema de instrução pública existente no país considerado
inadequado para subsidiar o projeto societário, incluindo-se neste a educação física.
Ao que tudo indica, no estado do Pará, o sistema de instrução em 1890, era
extremamente precário, não havendo se quer, em muitos casos, um prédio
adequado ao aprendizado dos alunos dentro dos parâmetros preconizados,
precisando funcionar em locais adaptados. Neste contexto educacional, era
necessário formular normas que atendessem os princípios de uma educação
96 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ moderna, compreendida dentro dos marcos científicos e dos princípios liberais.
Por isso, ocorreu logo em de 1890, a publicação do regulamento da instrução
pública do Pará, considerado por José Veríssimo que existia de mais moderno em
termos pedagógicos,
entre outras disposições do vosso Regulamento que não posso deixar de citar como tendo dado satisfação às exigencias da pedagogia, da organização e da hygiene escolar: A que introduzio e sistematizou a educação civica e a educação physica nas
escolas (Pará, 1890, p. 73)
Como podemos constatar a introdução desta disciplina no Ensino Primário era
uma das medidas mais importantes do projeto modernizador e elevar, neste caso a
sociedade paraense. Por isso, logo de início, a sua introdução no Ensino Primário,
estratégico para formação do cidadão republicano.
Desta forma, com relação a gênese da educação física no ensino primário
paraense, podemos afirmar que estava dentro do processo de reformulação da
educação atrelada as necessidades de uma educação moderna,3 voltada a
construção uma nação civilizada. Assim o discurso em defesa da educação física
foi apresentado muito próximo daquele do sul/sudeste do país.
O ano de 1890, foi sem dúvida nenhuma um marco para essa disciplina na
instrução pública neste Estado. Isto é comprovado pelo rol de disciplinas que
compunham o ensino primário público na década de 1880. Neste período, mesmo
com a reforma Leôncio de Carvalho (1879) que incluía a ginástica no currículo da
Escola primária do Município da Corte modelo para as demais escolas do País, não
encontramos referências ao seu respeito no Estado do Pará.
Isto nos leva a afirmar que a educação Física no ensino público teve seu
início logo após a Proclamação da República com a reformulação da estrutura
governamental e a tentativa de modernização da educação no Estado do Pará. Isto
quer dizer que enquanto no município da corte a educação física já constava nos
mecanismos legais, somente com o regime republicano é que aquela disciplina fez
3 Já discutimos o significado desta educação nos dois capítulos anteriores, mas para ter indicativo do
que significava, esta tinha os preceitos da ciência positivista, o útil e o prático como princípios da nova formação que deveriam nortear o sistema de instrução pública paraense.
97 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ parte do Ensino Primário paraense.
Durante os primeiros dez anos da Proclamação da República pouco foi feito
no intuito de desenvolver o sistema educacional no Brasil4. Uma das poucas
medidas foi a reforma educacional de 1891, promovida na gestão de Benjamin
Constant que tratava do Ensino Primário e assim como na última do Império
também trazia a educação física dentre as disciplinas que deveriam compor o
currículo daquele nível de ensino.
Nesta reforma a educação física era constituída pela “Gymnastica e
exercícios militares” no ensino primário. Esta conformação veio no sentido de
atender aos preceitos da moderna pedagogia.
Esta proposição é importante, pois foi a primeira deste período e também
porque foi realizada na capital federal centro do poder político do pais. E em virtude
da autonomia que cada estado possuía as mudanças no Ensino Primário em nível
local, como foi no Pará, tinham a intenção de alcançar aquele ideal de educação no
qual a educação física era elemento fundamental.
Neste contexto, educar o físico tinha a mesma importância que educar a
parte intelectual e a moral. No entendimento construído pela intelectualidade
brasileira, considerava-se que a educação deveria ser realizada de maneira integral,
levando em conta esse tríplice aspecto, Isto porque os novos preceitos educacionais
exigiam um desenvolvimento completo do homem.
Veríssimo, por exemplo, afirmava que “A Educação Physica – que o
COLLEGIO AMERICANO, lisongeia-se de haver iniciado no Pará – não merece
menos attenção do que a moral e a intellecutual”. (VERÍSSIMO, 1888, p.28)
Com base nesta ideia, de uma educação integral, contemplando assim todos
os aspectos humanos, podemos afirmar que a inclusão da educação física no ensino
primário paraense deveria obedecer, de maneira adaptada as condições locais , ao
conjunto de valores e princípios surgidos, desenvolvidos e consolidados na Europa
pela classe burguesa com o intuito de se manter no poder.
Nesta perspectiva, educar o físico teve como finalidade, também no Pará,
4 Em que pese a construção e reforma de Escolas, a reforma dos regulamentos na prática a instrução
continuou muito aquém dos ideais propostos pelos republicanos, uma prova disso é a estrutura física das escolas com muitas funcionando em instalações precárias.
98 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ robustecer o corpo, promover saúde, fortalecer a moral, combater a indolência e os
maus hábitos, assim como na Europa. Demonstrado por Carmem Lúcia Soares em
seus estudos.
Como constatamos, nos capítulos anteriores, a educação era o grande meio
pelo qual seriam difundidos os conhecimentos necessários à consolidação do
Regime republicano.
Neste sentido, afirmava Veríssimo em relatório que “Em nossa organização
escolar, há entre outras disposições, uma reforma urgente a fazer e uma lacuna que
é utilissima preencher” (PARÁ, 1890, p. 77)
A reforma a que se refere o relatório, produzido por Veríssimo, é com relação
à disseminação das escolas começando pela capital, e em seguida no interior. “A
lacuna é a da educação Physica” (PARÁ, 1890, p. 1977)
Isto era a expressão do pensamento que correntemente se dava entre os
intelectuais representantes da elite brasileira e paraense. O reconhecimento do valor
e da utilidade que teria a educação física eram fatos consumados no final do século
XIX, e precisavam assim ser assimilados com rapidez no sistema de instrução
pública independente dos métodos.
Por isso, aquele intelectual entendia que “ a educação physica não precisa
encarecida; a nenhum espirito esclarecido acudirá idea de negar-lhe a utilidade ou
contestar seus efeittos. Postas de lado as questões secundarias de méthodos,
systemas e modos é questão vencida em pedagogia. (PARÁ, 1890, p. 77)
Assim, fica perceptível nas falas deste intelectual paraense e das autoridades
do governo a assimilação do pensamento europeu para a educação e educação
física sob os princípios já tratados, comprovando a ideia de múltiplas determinações
determinando a inclusão da educação física no ensino primário tendo em vista o
projeto modernizador que estava sendo implementado.
Em estreita relação com este fato as modificações das relações do modo de
produção que ocorreram na Europa com a consolidação do capitalismo, provocaram
mudanças profundas nas sociedades de outras partes do mundo em todos os
campos como educação, sistema político, lazer, saúde, habitação e também a
cultura corporal.
99 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________
Nesse processo os conhecimentos e suas formas de transmissão passaram a
não mais corresponder às necessidades objetivas da vida, na passagem do
feudalismo para o capitalismo. Neste momento, a educação também precisou mudar
e para isto novos conhecimentos eram necessários, privilegiando-se o útil e o
prático, exemplos disto são os conhecimentos ligados contabilidade e administração
fundamentais para o comércio e a indústria com vistas a uma burguesia capaz de
gerenciar e comandar além dos negócios a própria sociedade.
Dentro desta tendência ganham importância, no Brasil conhecimentos e
práticas ligados aos cuidados com o corpo traduzidos por uma educação física,
além de outras disciplinas como a geografia, história , biologia, física e química.
Na perspectiva de alcançar seus objetivos, de ser a parte da educação
responsável pelo desenvolvimento das forças física, a referida disciplina deveria
estar baseada em um aparato científico.
Neste sentido, a moderna instrução configurava-se dentro de parâmetros que
a apresentassem como verdade absoluta, e nesse sentido
a educação – física intelectual e moral – tem hoje por base a psicologia, não a Psicologia do nosso obsoleto e como quer que seja ridículo ensino de filosofia, mas a Psicologia Científica, cuja base é a Biologia e a
filosofia.(VERÍSSIMO, 1985, p. 84)
A educação física nessa concepção de educação também deveria ter esse
caráter científico para o fortalecimento do corpo. Isto pode ser percebido por meio da
aproximação com os conhecimentos médicos que a consideravam junto com a
higiene elementos importantes para um corpo sadio.
É relevante destacar que este caráter científico tinha suas bases no
positivismo, carregado de objetivismo, neutralidade e linearidade como fundamentos
para as formulações na educação do físico.
No sentido de uma educação integral afirma Castro que “Sua necessidade é
tão manifesta quanto a educação moral” (1891, p.130). Nesta passagem fica claro
que a educação física no estado deveria ser parte desta educação, pois a mesma é
que teria condições de formar as novas gerações para cumprir seu papel na
sociedade.
100 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________
A educação física no ensino primário público no Pará, aparece na legislação
educacional pela 1ª vez 21 em julho de 1890, de forma oficial.5 Este documento, no
seu artigo 33º, assim tratou do novo conhecimento,
emquanto as escolas não funcionarem em casas que tenham as acomodações para as sessões de educação physica, a que se refere o artigo 91.º do Regulamento, o tempo que devia ser-lhes consagrado, será empregado em lições ordinárias. (Regulamento da Instrução pública do Pará, 1890, p.11)
Este documento é o “Regulamento escolar: programas, horários e instruções
pedagógicas para as escolas públicas do estado do Pará”, ele foi a primeira
tentativa no período republicano no estado do Pará de modificação da instrução na
perspectiva de uma pedagogia moderna.
É fundamental salientar que esta primeira referência produzida pelo estado
tem uma questão no mínimo curiosa que não conseguimos resolver, que se trata do
fato deste regulamento chegar apenas ao artigo 47, não conseguimos achar o artigo
91º no documento analisado. Contudo em termos cronológicos esta é a primeira
referência as aulas de educação física, no ensino primário público paraense.
Já podemos perceber que a educação física considerada importante nos
discursos, não possuía um local definido para suas aulas, pois as escolas não
dispunham de espaços apropriados para o desenvolvimento de suas atividades, as
quais poderiam ocorrer em qualquer lugar como praças ou outros lugares não
existindo espaço próprio, o tempo destinado para essas aulas deveria ser
preenchido com outra atividade, provavelmente em sala de aula.
Levando em consideração que ainda não decorria se quer um ano da
implantação do Regime Republicano, tempo insuficiente para que se produzissem
efeitos mais significativos na estrutura educacional no estado, ao que tudo indica
precisaria que houvesse mais investimentos para mudar aquela realidade.
No artigo 34º, o Regulamento afirma que,
5 É importante lembrar que no ano de 186?, quando da publicação do regulamento para a instrução
pública, houve a proposição neste concurso para o preenchimento de vagas para o então denominado Collegio Paraense para preenchimento de vagas para professor de ginástica.
101 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________
A Direcção Geral poderá determinar que uma escola ou escolas sob a direcção dos respectivos professores, realisem esta parte do programma em locaes fóra da casa da escola, como praças ou estradas da localidade escolar e seus arrabaldes. (p.11)
Fica clara a importância que possuía esta disciplina, para o órgão que cuidava
da educação, a Diretoria da Instrução pública, no entanto, isto contrasta com as
condições estruturais que possuía a rede de escolas e também com a própria
construção de espaços que contemplassem a realização do programa instituído pela
reforma de 1890.
Assim, esta educação física trabalhada em locais não específicos para as
aulas, funcionando, muitas vezes em locais improvisados como praças, ruas,
terrenos, não tinha condições de alcançar seus objetivos e ser a disciplina que
provocaria o fortalecimento físico de seu povo, pois de maneira geral na instrução
pública estava relegada a segundo plano.
As escolas, pelas informações que coletamos, não tinham estrutura para
oferecer um ensino que atendesse aos novos princípios educativos modernos como
a educação física. Isto significa uma perda no ideal da educação integral.
Este ideal de educação ficou muito longe de ser efetivado, no relatório
produzido em 1890, José Veríssimo assim se posiciona, “Com as casas de escolas
que temos é isso impossível; a grande maioria d'ellas não tem o espaço necessário
para os exercicios que a constituem” (PARÁ, 1890, p.77)
Este fato era uma primeira contradição, pois enquanto economicamente o
estado vinha crescendo por conta do látex, os investimentos na educação não
cresciam na mesma proporção e nisto se incluem a construção de espaços
apropriados para o funcionamento das escolas e das aulas de educação física os
espaços para a educação física.
Ao que tudo indica a situação das escolas não mudou muito nos primeiros
dez anos da República, em que pese a situação econômica favorável com o
extrativismo do látex. Mais uma vez é possível afirmar que havia um discurso que
chamava atenção para importância da educação, porém isto não se efetivava
quando muito para um pequeno grupo da elite.
Confirmando esta afirmativa, José Veríssimo, na introdução do livro a
102 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ “Educação Nacional” de 1906, afirma,
Pesa dizer que nada se fez, mas é a exata verdade. Os imensos abusos, o formal desrespeito a leis e regulamentos, as irregularidades de toda ordem continuaram aumentaram, não só por parte das administrações e dos corpos docentes dos estabelecimentos do ensino público de todas as categorias, mas do mesmo poder público que os denunciava com tão digna franqueza e parecia lastimá-los com tanta sinceridade. (p.31)
Pelo que estamos apresentando até este momento, percebemos outras duas
contradições, a primeira delas é que a pretensa educação integral acontecia de
forma fragmentada. Enquanto existiam determinadas atividades que cuidavam da
educação intelectual a educação física, no sistema de instrução, era responsável por
fortalecer o corpo, ou seja, nesta parte aconteceria a preparação de músculos ossos
e todos os componentes biológicos que serviriam de base para uma inteligência e
uma moralidade superiores.
Nesse contexto, a defesa da educação física como uma parte importante da
educação pode ser encontrada, em documentos como a “Revista de Educação e
ensino”, neste periódico publicado no início da última década do século XIX, com o
objetivo de divulgar a instrução no estado consta o seguinte, “esta hoje provado que
o caracter do indivíduo forma-se mais pela educação physica do que pela cultura
mental; sem o concurso d'aquella, esta torna-se improdutiva; […] (PIRES, 1891, p.
130).
Fica claro então que a educação física deveria, não só estar vinculada aos
outros aspectos da educação como o intelectual e o moral, mas também servir de
base para o segundo aspecto “ A educação mental esclarece o entendimento; a
physica adapta todas as funções physicas, intellectuaes e moraes de cada indivíduo
à funcção plena do papel que lhe seja destinado na colectividade” (MARQUES apud
PIRES, 1891, p. 130)
Quando se falava no fortalecimento do corpo a referência era um corpo
tratado em seus aspectos biológicos anatômicos, fisiológicos. Estas eram as bases
com a qual a ciência se debruçava para entender o corpo, respiração e circulação
sanguínea eram, por exemplo, objetos de estudos e análises para se compreender
melhor este corpo.
103 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________
De forma mais abrangente a modernidade em movimento, contra o período
anterior no qual, de certa forma, o corpo não tinha tanto valor6, entre outras
características vai colocar a necessidade de cuidar e compreender o corpo. Para
isto, era imprescindível que os conhecimentos apoiados na objetividade e
neutralidade da ciência positivista pudessem se aprofundar rumo ao conhecimento
do mundo natural e biológico.
A segunda contradição, diz respeito à divisão social do trabalho7, pois o
fortalecimento deste corpo, não era o mesmo para as diferentes classes, porque
enquanto os segmentos abastados tinham a opção de tornar esse corpo robusto, as
classes subalternas já estariam robustecidas por conta do trabalho que realizavam.
A impossibilidade de escolha criada pela divisão social do trabalho segundo
Marx (2005) se caracteriza pela não voluntariedade em assumir determinado tipo de
trabalho, nascida do dualismo entre direito particular e direito comum.
Neste sentido, o discurso presente nos documentos analisados, no que tange
a educação física inicialmente era destinado aos segmentos sociais mais abastados
e só depois ofertada a educação do povo, devendo figurar no rol das disciplinas
como obrigatória e comprovando que a relação entre a educação física e o mundo
do trabalho estava para atender aos interesses da elite.
Entendemos que o homem como um ser formado por diferentes aspectos não
pode ser entendido apenas por um. Marx ao se referir a esta concepção dual vai
além do entendimento de corpo e alma ou corpo e mente, e considera que a
separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual são geradores das formas
de exploração e manutenção das relações sociais.
A educação e a educação física, preconizadas no Pará, possuíam sentidos
diferentes, em que pese em ambos os casos estarem relacionadas ao fortalecimento
do corpo e à saúde. Desta forma eram um distintivo de classe, assim como vinha
6 Na idade média de uma forma geral predominou na Europa por influência dos dogmas da igreja
Católica um pensamento de dualidade em relação ao corpo e alma, e neste a superioridade da segunda em relação ao primeiro, isto é, o corpo deveria estar subjugado à alma para que esta pudesse cada vez mais ser virtuosa e alcançar o céu. 7 Quem melhor trata desta categoria é Karl Marx, afirmando ser a mesma um dos fundamentos da
história. Esta divisão esta assentada na separação entre o trabalho intelectual e o manual, nesta o primeiro tipo de trabalho é mais valorizado do que o segundo.
104 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ sendo divulgada desde meados do século XIX com as transformações que foram
sofrendo as cidades.
Para confirmar isto Soares (1994, p.97) afirma que
para entender este universo urbano, sempre mais complexo e mais valorizado, é que se colocava a necessidade da escola. Impunha-se, assim às elites um determinado tipo de educação – uma educação em que disciplina, tempo e ordem eram elementos fundamentais.
Para efetivar este tipo de educação das elites eram necessários alguns
elementos que se realizariam de forma combinada, são eles a disciplina, tempo e
ordem,
nesse conjunto, disciplina-tempo e ordem, em que se fundamenta a educação das elites (educação a ser ministradas pelos colégios), é que ganha espaço a Educação Física, uma vez que o físico disciplinado era uma exigência da nova ordem em formação. Disciplinar o físico, portanto, era o mesmo que disciplinar o espírito, a moral e assim contribuir para a construção daquela nova ordem. (SOARES, 1994, p.97)
Está claro que a educação física dentro do projeto educacional paraense
possuía este diferencial. Havia, como já estamos afirmando neste III capítulo, um
tipo de educação para a elite e um outro para a maioria da população, quando isto
passou a ser uma necessidade.
Além da falta de estrutura reveladora destas contradições, a pouca
importância que foi dada pela sociedade paraense a educação de forma geral e a
educação física em particular, era algo bastante relevante, mesmo depois da
Proclamação da República. Isto quer dizer que poucos avanços aconteceram no
Brasil especialmente em termos educacionais.
Nesse mesmo entendimento, “No Brazil, num ou n‟outro Estado tem se
procurado fazer alguma cousa em relação ao importante assumpto de que vimos
ocupar-nos; Neste com pezar vos digo nada temos feito.” (PIRES, 1891, p.130)
Este pensamento, no intuito de criticar a situação deixada pelo Império,
predominante em termos de Brasil no final do século XIX, também estava presente
no discurso da intelectualidade paraense, como podemos constatar, mas que
105 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ também não se efetivou na prática pois não havia estrutura para garantir isto.
Apesar das dificuldades de estrutura e de uma preocupação pouco efetiva
com a educação, nos primeiros dez anos da República constatamos o discurso em
favor da educação física ganhando cada vez mais espaço pelo menos nas
intenções, para a educação do povo do Pará.
Verificamos isto já na experiência desenvolvida no Colégio Americano já
indicado, mas também em outros documentos como os relatórios e regulamentos da
instrução pública, na tentativa de inserir e fazer desenvolver no Pará a educação
física.
Na lei 436 de 23 de Maio de 1896 que tratava da organização da instrução
pública também podemos ver a educação física. No artigo 3º do Capítulo II que
definia a divisão do Ensino Primário assim aparece expressa “ Além das matérias
ensinadas na escolas integraes, será ensinada conveniente Educação Physica,
compreendendo, noções de hygiene prática, exercícios, Jogos e brinquedos ao ar
livre” (PARÀ, 1896, p. 411)
No relatório da instrução pública de 1899, é outro documento em que
constatamos a divulgação da importância da educação física no projeto
modernizador da Instrução pública paraense no caso Ensino Primário constatamos
com clareza essa situação.
Neste documento, temos na parte do Regimento Interno nas escolas públicas
do Ensino Primário no Art 3º, Parágrafo 4º, um item que claramente impõe a questão
do desenvolvimento físico dentro da educação. Isto fica mais claro quando
observamos o parágrafo anterior em que trata justamente do desenvolvimento
intelectual da criança e aponta as disciplinas para cumprir esta finalidade, como
“Leitura e Escripta; Gramática nacional; Noções de Cosmographia; Desenho;
Instrução Moral e Cívica”. (PARÁ, 1899, p. 50)
Como podemos perceber desde as proposições iniciadas pelo Colégio
Americano, na década 1880, passando pelos relatórios; Geografia Geral primaria e
espacial do Brazil; História do Brazil regulamentos e reformas pela qual passou o
Ensino Primário na instrução pública da década seguinte o caráter fragmentário
permaneceu, pois discurso que trazia a indicação de uma educação integral, tomava
106 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ a formação do homem em partes, intelectual, moral e física.
Esta educação que como constatamos no caso paraense era colocada de
forma intencional pelo discurso da intelectualidade, tentava sedimentar na sociedade
de maneira unívoca, sem as contestações ou refutações o pensamento liberal de
que as desigualdades eram baseadas nas atitudes individuais e na natureza do
homem.
Neste sentido, José Veríssimo representante da elite paraense se utilizou dos
conhecimentos produzidos principalmente na Europa, no caso da instrução pública,
“O desideratum da Escola Primária deve ser dar uma instrução integral ou completa
n'esse ramo do ensino como fim social é principalmente o educativo”. (PARÁ, 1890,
p.43)
Desta forma podemos afirmar que a educação física no projeto modernizador
educacional paraense, estava no discurso da elite paraense como promotora das
forças físicas e estas por sua vez base para os aspectos intelectuais e morais do
indivíduo, no intuito de continuar o ciclo de exploração, que no final do século XIX foi
marcado pelo extrativismo, em larga escala, do látex, isto é, em íntima relação com o
trabalho.
Isto deveria ser alcançado desde a idade mais jovem, pois como nos informa
(SPENCER apud VERÍSSIMO, 1888, p. 27) “É da maior importância que a educação
das crianças seja feita da forma que não só as habilite intellectualmente para a lucta,
mas também para poderem suportar physicamente supportar as fadigas e
trabalhos”.
Neste sentido, analisamos a complexa relação existente entre os diversos
componentes constituintes do pleno desenvolvimento do homem (intelectual, moral e
físico), e agora é necessário definirmos de forma mais categórica qual seus
elementos mais particulares.
3.3 A educação física no final do século XIX : O que era ou o que deveria Ser ?
Perguntamos assim, pois como veremos, fica-nos a ideia da educação física,
bem como da própria educação ser naquele momento muito mais um projeto a ser
107 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ implementado, uma intenção do que realmente uma experiência que estivesse
acontecendo, com exceção do Colegio Americano.
No final do item anterior temos claramente expresso a indicação do que era,
ou pelo menos do que deveria ser a educação física, agora é necessário demonstrar
como a mesma estava organizada nas propostas oficiais para o ensino primário e
também em outros documentos.
Assim, para responder a pergunta acima tentaremos mostrar qual a
concepção de educação física aquele projeto educacional trazia, ou seja, em que
consistia esta educação física e quais os fundamentos epistêmicos estavam em sua
base?
Na década de 1880, como já vimos, encontramos no caso paraense a
importante contribuição do “Colégio Americano”, no tocante a implantação da
educação física, que segundo Veríssimo
entre as modestas mas sinceras tentativas que tem feito o Collégio Americano no sentido de introduzir no seu systema geral de ensino algumas das melhorias pedagógicas mais bem aprovados nos paizes de alta cultura, uma das que melhor tem vingado é a da educcação physica, para cuja terceira festa annual tive a honra de convidar-vos, em nome em nome dos meus alunos, que espero que o sejam com honra, os heróes d`ella. (1888, p. 26)
Existia indubitavelmente uma ênfase dada por vários estudiosos com relação
à ginástica reconhecendo seu valor como elemento patriótico, entendendo-a como
um meio para educar o físico, formando cidadãos saudáveis além de instruídos e
moralizados, e isto em acordo com os preceitos higiênicos. (VERÍSSIMO 1888)
Mas no caso do Pará, além da ginástica teremos outros elementos compondo
a educação física e tentando garantir um aspecto mais amplo do seu conteúdo,
garantindo assim o pleno desenvolvimento das qualidades físicas que o ensino
primário deveria possibilitar. Identificamos isto no ensino privado e também no
público que é nosso objeto neste estudo.
Esta educação física no “Colegio Americano” era constituída por três
elementos, a saber, a ginástica, como já afirmamos, além dos jogos e dos
108 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ exercícios militares. Cada elemento era responsabilidade de competente professor8.
O fato de se compreender a educação física não só pela ginástica, mas que
esta é a base para outras formas de exercicio, pode ser explicado, pelas referências
adotadas pelo Collegio Americano, como por exemplo, Spencer que preferia os jogos
á ginástica e Laisné defensor da ginástica como imprescindível nesta parte da
educação, mas que também considerava os jogos como possibilidade de brincar e
isto como necessidade das crianças.
Segundo Veríssimo (1888) existia uma compreensão errônea da ginástica
tanto pelas mães que ficavam apreensivas de forma exagerada, como por
estudiosos como Spencer que entendiam existirem limites para compreender esta
forma de exercitação corporal.
Neste sentido, no Colégio Americano no item que trata do programa e
estatutos a educação física,
é dada em aulas regulares de gimnastica dirigida por um professor habilitado,e por exercicios militares, dirigidos por um distincto official do nosso exercito. Jogos diversos como o croquet, o cricket, O lawn-tennis, a bola e etc. Auxiliarão esta parte da educação, assim como os longos passeios matinaes que desde o primeiro anno o Director tem feito com os alunos internos aos quaes se podem juntar os externos querendo ( VERÍSSIMO, 1888, p. 53)
Nesse estabelecimento de ensino o objetivo era tornar o homem forte,
saudável, discplinado e moralisado. Exemplo disso é o seguinte,
Os exercicios do corpo, [...] diminuem os defeitos organicos, acceleram os movimentos do coração e regularisam a circulação, amplificam os movimentos respiratórios e aperfeioam as funções pulmonanares, favorecendo assim no mais alto grao o conflicto do oxigenio e dos globulos do sangue, conflito do qual resultam a nutrição e a vida, e allem disso a gimnastica corrige a coluna vertebral, da flexibilidade às articulações, assegura o equilibrio da machina humana, e ate certo ponto actua sobre a moral e a vida effectiva. (MONIN Apud VERÍSSIMO,, 1888, p. 29)
As aulas desenvolvidas com estes conteúdos e objetivos, eram realizadas
geralmente uma vez por semana e obedeciam as metodologias próprias de cada
8 No caso da educação física os professores eram de ginástica Fortunato Ory e de exercícios
militares o Major Sotero de Menezes.
109 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ um dos conteúdos pelos benefícios que poderiam dar aos alunos.
A ginástica, que como já dissemos tinha um lugar privilegiado dentro da
educação física, foi encontrada nos documentos pesquisados em sua forma
calistênica9 e também com referência ao método sueco.
Fazendo alusão a obrigatoriedade da educação física em vários países
europeus como Alemanha, França, Austria, Bélgica, Suiça, faz destaque a “Suecia,
que criou um dos melhormente conceituado methodos de gymnastica” (VERÍSSIMO,
1888, p.28)
A outra referência a esta forma de exercitação é aquela que segundo as
informações do próprio Colegio Americano, onde “As aulas de gimnástica regulares,
exercicios de gimnastica hygienica, sem apparelhos, eram ministradas por professor
neste estabelecimento de ensino”. (VERÍSSIMO, 1888, p. 30)
Ainda que não tenhamos encontrado detalhamento de qual método ginástico
predominou nas aulas de educação física no ensino primário paraense nos primeiros
dez anos da República, tudo leva a crer que a ginástica calistênica tenha sido o
modelo a ser ensinado uma vez que não necessitava de aparelhos ou de espaços
específicos para que fossem realizadas suas aulas.
Outro elemento que nos leva a levantar esta hipótese, é a recomendação que
Veríssimo (1985, p. 88) fez no início da década de 1890,
Introduzamos nas escolas, nos colégios e outros estabelecimentos de instrução primária e secundária, a ginástica, principalmente aquela que dispensa aparelhos, os exercícios calistênicos, as corridas, as marchas, os saltos e os jogos estrangeiros […].
Além da ginástica, constituíam a educação física de exercícios militares
consistindo em atividades que variavam de movimentos simples com a cabeça até a
prática de manejo com armas de fogo, próprios das forças militares. Sempre sob a
voz de comando de um instrutor que indica os movimentos a serem realizados e
9 Essa forma, diferente das militares, consistia em exercícios que se propunham a desenvolver o
corpo da forma harmoniosa, e com sua divisão em oito grupos de exercícios localizados sem aparelhos ritmados e com música com finalidades pedagógicas, fisiológicas e corretivas, para se alcançar um corpo belo e forte. Os exercícios para desenvolver braços e pernas, tronco, o equilíbrio, se completavam com saltos e corridas.
110 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ observa se o alinhamento de fileiras e os espaços entre as mesmas ficou dentro do
permitido e as distâncias entre os alunos foi a que milimetricamente estava no
manual. Regulamento Militar (1894).
Estas informações são muito importantes para este estudo, porque ao que
tudo indica este pensamento influenciou a educação física no ensino público na
educação física paraense pelo menos nos documentos analisados, tanto com
relação aos propósitos definidos, como pela metodologia empregada. Além disso,
também indica que a educação física além da ginástica, deveria possuir outros
elementos que a constituiriam.
A constituição da educação física com os conteúdos acima descritos nos
documentos nos possibilita deduzir qual a concepção desta disciplina no
entendimento da intelectualidade paraense do final do século XIX.
Esta concepção era de que a educação física baseada em fundamentos
biológicos estaria voltada para o fortalecimento fisicamente dos homens e poderia
ser repassada hereditariamente para as gerações seguintes, servindo de base para
a moralidade e a intelectualidade, isto, baseado nos pressupostos científicos que
lhe garantiam legitimidade. Nesse sentido, possuía categoricamente metas e meios
bem claros, quais sejam, de preparação para suportar o trabalho ou para servir á
pátria.
Apesar da “nobreza” das intenções da elite, como comprovam o seu
discurso, “A causa é nacional; o objectivo humanitario à salvação da futura
geração”. (PIRES, 1891, p. 130), na prática obedecia aos preceitos do projeto
societário elitista brasileiro e paraense, pois tinha como função regenerar as forças
físicas preparando o indivíduo para suportar as consequencias do trabalho.
Assim percebemos que a inserção da educação física no ensino primário
paraense estava em acordo com o desenvolvimento do capitalismo internacional por
meio da educação integral, responsável por desenvolver o homem intelectual, moral
e fisicamente.
Neste sentido, nos informa o mesmo Veríssimo (1985, p.83) que
como a educação espiritual (intelectual e moral) tem por fim preparar um espírito culto, e bom assim a educação física compete formar um corpo
111 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________
robusto, forte e são, completando ambas o fim superior da educação, que é formar o homem bom instruído e forte.
Desta forma a “A educação Physica é, em resumo, o aperfeiçoamento do
corpo, por meio de exercícios methódicos. Ella fortifica a saúde, dá destresa e airoso
porte, predispõe o espirito para o trabalho.” (PIRES, 1891, p. 130)
Por essas afirmações podemos inferir que a educação física estava afinada
com o discurso surgido na Europa nos séculos XVIII e XIX, qual seja, de
fortalecimento do corpo, por meio da exercitação da ginástica, dos jogos, exercícios
militares e outras formas que de alguma maneira realizasse a movimentação do
corpo de forma sistemática, promovendo força e saúde, o que de maneira velada
correspondia a determinados interesses de classe.
Em que pese no Pará o discurso em favor da educação física ser assumido a
partir da referência europeia, seguindo os princípios acima, isto é, de robustecer o
homem, torná-lo apto para o trabalho, melhorando a raça tão degenerada pelas
influências desta terra e de sua gente, deveriam existir algumas adaptações, pois o
diretor do colégio americano, acreditava que em virtude de características diferentes
dos países desse continente, no Brasil era necessário fazer algumas alterações no
formato de como deveriam ministradas as aulas de educação física.
Segundo ele,
[...] Visto nosso clima, o cansaço nos chegará a nós primeiro e com menor soma de força despendida que em clima mais fresco ou mais frio, mas, como a maior ou menor intensidade da fadiga depende também do treino e do hábito do exercício, essa perturbação na função dos órgãos respiratórios pode ser pouco e pouco recuada (VERÍSSIMO, 1985, p. 90)
Ele aponta a forma como deveria ser ministrada a educação física,
considerando o clima que segundo ele era demasiado quente, e portanto, deveria
existir uma adaptação.
É válido ressaltar que a obra “A educação nacional” é publicada pela primeira
vez em 1890, e os textos contidas em Notícia Geral sobre o colégio americano em
1888, então a necessidade de adaptação dos exercícios físicos pode ter sido
constatada pela experiência que ele desenvolveu naquele colégio.
112 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________
Ou dito de outra maneira, “sendo a Educação Física uma prática pedagógica,
podemos afirmar que ela surge, em nosso entender, de necessidades sociais
concretas,” […] (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 50)
As necessidades que deviam ser contempladas eram as da classe burguesa
em plena consolidação na Europa, ou seja, aquelas que contemplassem o projeto
societário dessa classe. Já no Brasil, e mais especificamente no Pará, mesmo não
havendo uma burguesia com as mesmas características europeias, também se
desenvolveu uma elite defensora do ideário liberal burguês.
Neste sentido, a defesa da educação física, não será tal qual era
desenvolvida na Europa, mas sim com adaptações para que se adequasse às
características locais e pudesse alcançar seu objetivo.
Outro elemento inferido a partir do debate que estamos realizando neste
trabalho, é o fato de que seria ela (a educação física) elemento de regeneração das
forças do povo que segundo estudiosos era preguiçoso, indolente, doente e
ignorante, representando um obstáculo à construção da nova sociedade.
Confirmamos essa afirmação também com o Coletivo de Autores afirmando
que “Para essa nova sociedade, tornava-se necessário 'construir' um novo homem:
Mais forte, mais ágil, mais empreendedor”. (2009, p. 51)
Neste sentido, concordamos com a tese de que a base epistemológica na
qual estava assentada a educação física como disciplina na escola estava vinculada
à realidade concreta, isto é, ao processo “ontológico-histórico”, entendido neste
estudo a partir da compreensão apresentada por Saviani no início deste terceiro
capítulo ao tratar da relação entre trabalho e educação, “É, portanto, na existência
efetiva dos homens, nas contradições de seu movimento real, e não numa essência
externa a essa existência, que se descobre o que o homem é” […] (SAVIANI, 20O7,
p. 154)
As bases epistêmicas que compunham as proposições da educação física no
ensino primário paraense representadas pelas ciência positivista de forma geral
como vimos no I capítulo, baseadas no caráter utilitário e prático, determinaram
também no caso do Pará as formulações que orientavam as ações que deveriam ser
implementadas para consumar os objetivos da disciplina educação física.
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Encontramos essa referência quando a educação físca é tomada como a
disciplina que melhora as funções cárdio-vasculares, correção da coluna e outros
benefício anátomo- fisiológicos, como afirma Veríssimo
a educação física, pois, deve tomar o homem criança ainda, no berço, e, através da primeira e da segunda infância, da adolescência e da mocidade levá-lo à virilidade que lhe cabe fazer rija e valente ( 1985, p. 83)
Temos neste discurso os fundamentos da biologia e da psicologia como
basilares para formar os novos homens dentro dos requisitos exigidos pela nova
sociedade em formação. Tomando esses e outros conhecimentos em sua
concepção científica foram na época justificativa das mudanças propostas para
instrução pública no Pará.
Isto se confirma também pela forma como a ginástica era encarada, isto é, de
forma sistematizada e metodicamente aplicada. Isto significa que existiam preceitos
científicos defendidos em estudos que estavam dando suporte para estas práticas
na escola.
Concordamos com Soares (2005) ao afirmar que,
[…]estes estudos, carregados de descrições detalhadas de exercícios físicos que podem moldar e adestrar o corpo. Imprimindo-lhe este porte reivindicam com insistência os seus vínculos com a ciência e se julgam capazes de instaurar uma ordem coletiva. ( p.18)
Um exemplo disso é o estudo citado por José Veríssimo, realizado na França,
e – este facto em por si mesmo uma elouquencia que mais longas digressões – em 1880, os dos Chasagne e Dally tendo feito mais de 16.330 observações, pesadas, medidas e experiências dynamométricas, na escola especial miliar de Joinville Le-pont, verificaram que a gymnastuca actua favoravelmente sobre o desenvolvimento do peito, dos músculos e da força do homem. (VERÍSSIMO, 1888, p. 30)
Assim comprovamos que a educação física possuía um aparato teórico
fundamentado em torno da ciência positivista, com seu método empírico-analítico
predominando o aspecto quantitativo, como vimos acima. De forma mais geral não
podemos esquecer que o positivismo trazia como princípios básicos a ordem como
114 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________ meio de se chegar ao progresso.
Como já mostramos a intelectualidade paraense usou como referência, para
modificar o sistema de instrução, as formulações de estudiosos europeus e também
experiências realizadas nesses países para servir como base na construção das
proposições para a educação física.
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Considerações finais
A ideia de formular estas considerações finais passa pela necessidade de
recolocar de forma mais pontual os principais resultados aos quais alcançamos
tendo em vista o objetivo desta pesquisa que foi analisar a inserção da educação
física como disciplina escolar no ensino primário no estado do Pará, na primeira
década do regime republicano, enfocando os métodos que orientaram a sua prática
e as mudanças econômicas, políticas e educacionais ocorridas naquele contexto
histórico, .e a pergunta científica elaborada para este estudo, como e por que a
educação física foi introduzida no ensino primário público na 1a Década da Primeira
República no estado do Pará?
Tendo como referência a concepção de história a partir da tradição iniciada
por Marx e resumida por Neto (2007) na qual entende que a reprodução social
acontece a partir das relações de produção material, que se realizam na realidade
objetiva, de forma contraditória, por diferentes sujeitos agindo com interesses sócias
diversos, buscamos por meio de fontes históricas compreender o objeto de estudo
em sua totalidade.
Isto implicou em reconhecermos o fato de que não bastava apenas descrever
os fatos tal qual aconteceram, mas também tentar identificar porquê aconteceram
daquela forma e não de outra. Para isso, assumimos a referência da forma como
Marx realizou a produção do conhecimento.
Em um momento de seus estudos, que também nos serviu como ponto de
referência, ao analisar a economia politica no Pará no final do século XIX, este autor
afirma que
o resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de guia para meus estudos, pode ser formulado, resumidamente, assim: na produção social da própria existência, os homens entram em relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma seperestrutura jurídica e política e a qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material
condiciona o processo de vida, política e intelectual. (MARX, 2008, p. 47)
Neste sentido, a análise realizada nos possibilitou apreender as múltiplas
determinações do fenômeno investigado, a inserção da educação no ensino primário
paraense no início da Primeira república, considerando-os para além do simples
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aparente, e buscando captar sua essência, isto é, a estrutura e o movimento interno
dos elementos que o compõe.
Buscando responder a pergunta científica deste estudo, e chegar ao objetivo
formulado, analisamos o discurso em defesa da educação física e identificamos três
pontos principais tratados. O primeiro deles é a relação entre trabalho educação e
educação física, na qual podemos encontrar claramente o papel exercido pela
educação física por intermédio da educação no ideário proposto pela elite no
discurso dos intelectuais paraenses.
Esta função desempenhada pela educação física estava relacionada ao
fortalecimento físico como elemento básico para uma nação alcançar um nível de
desenvolvimento e civilização como os países europeus, pois foi o desenvolvimento
físico que proporcionou aqueles países o desenvolvimento econômico por eles
alcançado.
A educação física cumpriria então o papel de educação para o trabalho como
agente de geração de força física como acreditavam em nível nacional Rui Barbosa
e local José Veríssimo.
Isto teve uma característica importante, o distintivo de classe, pois ao ser
indicada para um determinado segmento social por representantes da elite como
José Veríssimo, revela uma contradição, que era o fato de como seria possível
elevar o nível de desenvolvimento físico se apenas alguns segmentos deveriam ser
alcançados com os benefícios dos cuidados com físico.
Um segundo ponto importante a ser destacado é a questão do projeto
modernizador educacional no estado do Pará. Neste contexto houve proposições
que compreendiam um desenvolvimento integral do homem abrangendo o intelecto,
a moral e o físico. Isto só seria possível com mudanças profundas no sistema de
instrução pública primária.
Nesse sentido, foram formuladas reformas por intermédio de regulamentos
que propunham as modificações na instrução primária paraense, as quais buscavam
o desenvolvimento intelectual, moral e físico. Este último base para os dois
primeiros.
Nos documentos analisados, os Regulamentos e Relatórios da Instrução do
Estado do Pará, encontramos elementos que comprovam a existência em nível local
do pensamento que concebia um corpo forte e saudável como base para um
intelecto e morais superiores. Esta ideia nascida da tentativa de manutenção
burguesa no poder possuía problemas com relação ao seu discurso e a efetivação
dele.
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Sobre isso, podemos afirmar que o discurso de um desenvolvimento integral
ficava comprometido porque enquanto a educação física era responsável pelo
desenvolvimento do corpo num sentido estritamente biológico desenvolvendo
músculos e órgãos existiam outras disciplinas destinadas a se ocupar do
desenvolvimento do intelecto.
Isto demonstra que a educação física era parte importante de um projeto cuja
característica principal era desenvolver as capacidades físicas dos homens para
que estes pudessem suportar a ordem capitalista imprimindo-lhe a necessidade de
um corpo forte e saudável.
Outra questão relevante no que tange a educação física no projeto
modernizador no Estado do Pará, era o fato de que não existia, por exemplo, em
várias escolas espaços e materiais adequados para tratar do conteúdo que era
ministrado, uma vez que, ou funcionava em espaços improvisados ou simplesmente
seu tempo era ocupado com outra atividade.
Esta contradição fica mais evidente quando lembramos que nos primeiros dez
anos a produção extrativista do látex estava em franca ascensão, gerando
dividendos para o estado. Isto significa que nos primeiros dez anos da República o
Estado possuía uma situação econômica favorável, mas os investimentos na
educação foram pequenos no sentido da modificação, pretendida no discurso da
elite local.
Por fim, o último ponto a ser destacado como resultado é aquele relacionado
à concepção de educação física presente no discurso dos defensores da educação
física. Não há dúvidas de que ela estava sob os princípios do positivismo,
considerando predominantemente os aspectos biológicos do homem implicando no
conteúdo e na forma como a disciplina era ministrada.
Seus conteúdos não deixam dúvida de que o objetivo era de formar homens
fortes, saudáveis e disciplinados. A ginástica, os exercícios militares e os jogos,
formaram os conhecimentos do que se imaginava como necessário para a educação
física no ensino primário, e os métodos diziam respeito a ginástica que possuía todo
um conjunto de movimentos previamente definidos com sequências estabelecidas a
depender do método que pelas falas precisa ser aquele adequado as condições do
ensino público, qual seja a ginástica calistênica.
Para finalizar este trabalho consideramos relevante apontar a principal
contradição presente nas ideias e práticas defendidas para a educação física no final
do século XIX.
As falas a favor da implantação da educação física no ensino primário
paraense público, assim como em nível nacional, remetiam ao melhoramento das
117 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________
condições de vida de todos, por meio do fortalecimento do físico e da promoção da
saúde. Entretanto, este mesmo discurso disfarçava que as condições de vida na
quais estavam imersas as pessoas, especialmente os segmentos sociais menos
favorecidos economicamente, eram fruto das relações de produção assumidas pelos
segmentos dirigentes do Brasil.
As condições de vida para aqueles desfavorecidos economicamente,
especialmente nas cidades não eram tão boas quanto para os segmentos mais
abastados economicamente, mesmo assim queria-se melhorar o quadro geral de
saúde da população sem dar-lhes outros elementos decisivos à saúde como
habitação digna e alimentação.
Como promover saúde sem cuidar de aspectos como estes? De que forma
pensar na mudança dos padrões físicos da população ignorando o fato de a maior
parte da população de cidades como Belém não possuía água tratada e rede
esgotos? Portanto, as falas no sentido de exaltação da educação física como
elemento capaz de regenerar as novas gerações, especialmente no aspecto físico,
na sua aparência eram importantes, porém em sua essência escamoteavam os
fatores, que provocavam aquela situação.
Entendemos que este estudo pode contribuir com a história da educação e da
educação física, tanto como fonte, pois conseguiu analisar importantes documentos
que tratam da inclusão da educação física no ensino primário paraense, como
também na forma que estruturamos para analisar o objeto da pesquisa, tendo como
referência a concepção de história defendida por Marx, uma vez que a educação
física surgiu e se desenvolveu sob a égide da sociedade capitalista
118 FRANÇA, Ney Ferreira. A Educação Física no Ensino Primário no Estado do Pará na Primeira república (1889- 1900) __________________________
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