NOTAS DE UM PROJETO DE INTERVENÇÃO SOBRE EDUCAÇÃO SEXUAL COM ALUNOS DE UMA ESCOLA PÚBLICA
Maria Cristina Vedovato Nicola1
Orientadora2
RESUMO
Esse artigo apresenta os resultados do projeto de implementação intitulado “qualidade de vida no espaço escolar: Programa de educação sexual com enfoque em DST/Aids para prevenção e debate sobre a sexualidade em turmas de 8º e 9º ano do Ensino Fundamental que buscou, através do desenvolvimento de oficinas, discutir e refletir sobre a sexualidade humana, contribuir para um processo de aprendizagem significativa na área da sexualidade adolescente. Participaram desse projeto alunos entre 14 e 16 anos do Colégio Estadual Silvio Tavares, localizado no município de Cambará (PR). O projeto teve como objetivo principal verificar o exercício da sexualidade dos jovens desta faixa etária, além de dados sobre a idade média da iniciação sexual, uso de métodos anticoncepcionais e medidas de prevenção contra a DSTS, visando, fundamentados nos dados coletados propor ações preventivas, pautadas nas características das prevalências do exercício da sexualidade, e/ou apontar possíveis distorções nas ações atuais neste sentido nas oficinas realizadas enfocou-se suas experiências vividas, especialmente no que se refere à sexualidade. Os debates e questionamentos abrangeram desde a iniciação sexual às condições de exercício dessa sexualidade, buscando respostas para as inúmeras indagações que permeiam o contexto social como um todo, mas o meio familiar e escolar, em especial, quando a referência é a Educação Sexual.
Palavras-chave: Adolescência; Educação Sexual; Sexualidade.
1. INTRODUÇÃO
Esse artigo apresenta uma reflexão sobre a sexualidade, enfocando
especialmente a educação sexual na escola, buscando por meio de uma abordagem
sobre a sexualidade humana, contribuir com a área da sexualidade e o interesse nos
adolescentes.
Sempre que se aborda o tema adolescência, sabe-se que o caminho a ser
percorrido é árduo e que muitos obstáculos terão que ser transpostos, até se atingir
1 Professora Pde
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os objetivos. Isto ocorre porque se trata de um período delicado e íntimo da vida do
indivíduo, que para ele é sempre único e repercutirá por toda a sua vida adulta.
A Organização das Nações Unidas (ONU) calculava que nos primeiros anos
do século XXI, haveria mais de um bilhão de adolescentes no mundo. Segundo
Bastos (in MELO, 2003), estes números conferem ao século XXI a característica de
“século da adolescência”.
A adolescência é um período caracterizado por intenso crescimento e
desenvolvimento, que se manifesta por transformações físicas, psíquicas e sociais.
Dessa forma, o jovem se vê frente a inúmeras opções, o que o leva a querer
explorar e experimentar tudo. Algumas destas experiências estão diretamente
relacionadas ao florescer de sua sexualidade, o que aumentam as chances deste
adolescente curioso e inexperiente, se expor aos riscos de uma gravidez precoce ou
contaminação por Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) (AQUINO, 1997).
É expressivo o número de jovens adolescentes que enfrentam uma gravidez
ou contraem DST nesta fase do seu desenvolvimento, justamente por ser um
período marcado pelas descobertas e o sentimento de que o mundo está em suas
mãos (SIQUEIRA, 2000).
Neste período de tantas mudanças físicas e psíquicas, iniciam sua vida
sexual cada vez mais cedo (SIQUEIRA, 2000). Em geral os adolescentes passam
metade do dia nas escolas, que poderia fornecer subsídios para mudar essa
realidade.
Daí a necessidade de se questionar os atuais mecanismos de orientação
sexual, sua eficácia e validade. A escola ainda constitui um microespaço de poder
onde se fala em sexo, porém, valorizando-o como um segredo - fala de sexo de
maneira (re)velada (FOCAULT, 1994).
A educação sexual escolar informa como se constitui anatomicamente a
genitália feminina e masculina, suas funções biológicas e reprodutivas; fala sobre o
uso de contraceptivos e prevenção da gravidez, sobre a prevenção das DST e da
Aids. São questões que devem ser discutidas, mas não isoladamente, devem ser
associadas a uma análise global (EGYPTO, 2003).
Com o aumento dos casos de Aids no Brasil em 1980, a educação sexual
ganhou destaque, já que a prevenção ainda é a única medida eficiente para sua não
disseminação. Quando começaram acontecer as propostas nas escolas, a
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orientação era de que os conteúdos de sexualidade fossem abordados de modo
interdisciplinar.
Na perspectiva de desenvolver projetos na área da sexualidade houve a
implementação do projeto de Intervenção Pedagógica no Colégio Estadual Prof.
Sílvio Tavares, com alunos de 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental, atendendo ao
proposto pelo PDE- Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do
Paraná, com algumas questões que nortearam a pesquisa:
Os resultados da implementação do projeto intitulado “Qualidade de vida no
espaço escolar: programa de educação sexual com enfoque em DST/Aids para
prevenção e debate sobre a sexualidade com turmas de 7ª e 8ª séries do Ensino
Fundamental”, é o objeto desse artigo.
Os objetivos foram analisar a (des)informação do adolescente em questões
relacionadas com a sua sexualidade, os cuidados consigo e seus conhecimentos
quando o assunto é sexo seguro, além de ressaltar a importância da orientação
sexual nas escolas como uma prática educativa crucial e de liberdade, enfocando
principalmente a participação dos pais, da mídia e da escola como partes
integrantes deste processo.
2. CONCEPÇÕES SOBRE A SEXUALIDADE
Segundo Focault (1990), a espécie humana é a única que usa o sexo não só
para procriar, mas como fonte de prazer, expressão de amor e, até, como uma forma
de poder. Comumente, na sociedade ocidental ele (o sexo) aparece coberto por
tabus, como algo vergonhoso, impuro, feio, proibido, e vários outros sinônimos
totalmente opostos ao sentido de brincadeira que lhe atribui Alves (1999). Porém,
por ser inerente ao ser humano, sua interdição nada mais faz além de instigar a
curiosidade sobre tudo o que diz respeito à sexualidade.
A sociedade capitalista usa este desejo de saber como uma estratégia que
lhe garante um controle social sem precedentes. Foucault em suas teses elucida
esta estratégia afirmando que a sociedade capitalista não obriga o sexo a silenciar-
se; contrariamente, incita sua manifestação, abrindo espaço para a exposição de
opiniões, pensamentos e atitudes (REIS, 1992).
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Nas relações de poder, a sexualidade não é o elemento mais rígido,
mas um dos dotados da maior instrumentalidade; utilizável no maior
número de manobras, e podendo servir de ponto de apoio, de
articulação às mais variadas estratégias (FOUCAULT, 1990, p. 98).
Foucault (1990) salienta que a vontade de saber sobre a própria sexualidade
se torna artifício básico de controle disciplinar da população, pois os dispositivos
saber-poder são exercidos de forma ampla. O poder estando em tudo,
principalmente no próprio homem, faz com que o mesmo busque o autocontrole para
conter sua sexualidade e a dos seus. Para o autor, o conceito de sexualidade diante
de tal realidade, não pode se limitar à racionalidade, ou a explicações mecânicas,
simplistas, inadequadas à compreensão da realidade. Tal concepção requer
reflexões que transpassem os aspectos biológicos que, ainda nos tempos atuais,
constituem-se como fundamento das informações exaustivamente fornecidas aos
sujeitos.
A complexidade do tema fez com que renomados estudiosos (NUNES, 1987;
CABRAL (1999); FOUCAULT (1990); CHAUÍ (1985), entre outros, se debruçassem
sobre o assunto sugerindo, cada qual, um conceito próprio, ora único, ora
semelhante aos demais, sobre o sexo e a sexualidade humana.
2.1 Definindo Sexo e Sexualidade
Nunes (1987) afirma que, enquanto aquisição evolutiva do ser humano –
pertencente ao Reino Animal - o sexo limita-se às características genitais. Porém, a
espécie humana apresenta a sexualidade, uma qualidade cultural e significativa do
sexo, construída desde a infância, sendo o sexo genital um parâmetro para a
formação pessoal e social da criança, muito além da manifestação instintiva.
Segundo o autor, tratar de sexualidade na escola requer domínio prévio de
uma concepção científica e humanista da mesma, sobrepujando o senso comum -
estágio elementar da cognição social - com abordagem histórica e cultural da
sexualidade humana, abalizada por uma minuciosa compreensão científica do
desenvolvimento psicológico e sexual da criança.
Cabral (1999), ao manifestar-se sobre sexo, expõe a visão sócio-construtivista
de que o indivíduo, por nunca estar pronto ou acabado, inclusive biologicamente,
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sofre constantes influências dos costumes do meio em que vive, sendo, portanto,
produto do ambiente e da cultura.
Chauí (1985) afirma que a sexualidade é uma elaboração histórica, que tem
sua manifestação social de acordo com o ambiente em que se formaram suas
raízes.
Foucault (1990) conceitua o sexo como uma manifestação física ligada ao uso
do sistema reprodutor, com fim único de procriação. As demais manifestações, tais
como: o beijo, a carícia, o olhar, o pensamento, o sonho, o desejo, estariam na área
da sexualidade, uma qualidade global do homem. Acrescenta, ainda:
O sexo, esta instância que parece dominar-nos, esse segredo que
nos parece subjacente a tudo o que somos, esse ponto que nos
fascina pelo poder que manifesta e pelo sentido que oculta, ao qual
pedimos revelar o que somos e liberar-nos o que nos define, o sexo
nada mais é do que um ponto ideal tornado necessário pelo
dispositivo de sexualidade e por seu funcionamento. (...) O sexo é,
ao contrário, o elemento mais especulativo, mais ideal e igualmente
mais interior, num dispositivo de sexualidade que o poder organiza
em suas captações dos corpos, de sua materialidade, de suas
forças, suas energias, suas sensações, seus prazeres (FOUCAULT,
1990, p. 145).
Para Bernardi (1985), a sexualidade é analisada, psicologicamente, como
sendo multiforme polivalente e símbolo do desejo. O deleite sexual pode ser atingido
sem o contato genital, uma vez que qualquer região do corpo é suscetível ao prazer
sexual. A sexualidade difere do instinto, não objetivando o parceiro ou o coito.
Louro (1999), diz que a sexualidade não se restringe ao corpo, mas envolve o
aspecto psíquico da pessoa, através de suas crenças, ideologias e imaginações,
deixando de ser preocupação individual, devendo passar por uma investigação e a
uma análise histórica e sociológica cuidadosa, afim de atingir uma atmosfera crítica
e política.
Conceito interessante que ilustra adequadamente a diferença entre os dois
termos:
Sexo – é uma energia positiva que impulsiona a vida. É como a
pessoa se percebe. Não é safadeza, sacanagem, órgão genital, nem
atividade coital (transa). Sexualidade – é uma conduta adquirida, de
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base biológica, com sua fonte instintiva expressa de acordo com o
desenvolvimento e normalidade psicossexual, com parâmetros
socioculturais do lugar e época em que vivemos. Tem caráter
modificável, plástico, permutante. Envolve personalidade, maturidade
física e psicológica e a formação (SOUZA, 2002, p. 415-6).
Destaca-se, do exposto que, as concepções sobre sexo e sexualidade podem
variar de acordo com a sociedade, a história, o grupo social e as diversas ciências
humanas que se relacionam ao ramo que a estuda, daí a importância de um resgate
histórico da sexualidade, em especial no mundo ocidental.
3. A ESCOLA, O PROFESSOR E A EDUCAÇÃO SEXUAL
Hoje há um grande incentivo a educação sexual nas escolas, seja pública ou
privada. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a educação sexual nas
escolas não leva à sexualidade precoce, tampouco estimula a promiscuidade,
chegando a esta conclusão através de uma análise de trinta e cinco estudos feitos
por vários países sobre o tema. Dezesseis dos estudos analisados por esta
instituição indicaram que a abordagem do sexo nas escolas chegava a retardar a
iniciação sexual. Mostrou-se também que, entre os jovens sexualmente ativos, a
educação sexual levou a uma diminuição da atividade ou estimulou a adoção de
práticas mais seguras (CABRAL, 1995, p. 13).
No Brasil, a Portaria Interministerial nº. 796, de 29 de maio de 1992, dos
Ministérios da Educação e da Saúde estabelecia em seu art 2º: “Recomendar a
implantação, onde não existia, e a manutenção e ampliação, onde já se executa, de
projeto educativo, enfatizando os aspectos de transmissão e prevenção da infecção
pelo HIV e AIDS, dirigido a professores, pais e alunos, funcionários e dirigentes das
redes oficial e privada de ensino em todos os níveis (...)”.
Segundo CABRAL(1995, p. 15):
A sexualidade humana constitui um dos temas amplamente
investigados nos últimos 30 anos, por causa de sua importância
para os diversos campos da ciência. Mas, recentemente, esta
investigação tem-se voltado para a educação, uma vez que a
humanidade contemporânea se vê estarrecida diante de uma
ameaça chamada Aids.
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Conforme aponta a autora, a sexualidade é "objeto" de diversos campos da
ciência, mas, no que concerne à educação a produção "científica" nesta temática
ainda é escassa, os educadores, professores, e as faculdades de educação, em sua
maioria, não estão assumindo nem participando desta discussão, ficando à margem,
apenas recebendo as informações vindas de outros profissionais e agentes sociais,
que passaram a indicar a "Orientação Sexual" como alternativa viável para a prática
de sexo seguro.
O que se é de lamentar, segundo o GTPOS é que novamente a sexualidade
do homem é pensada pela educação [sexual], não como parte integrante de sua
vida, de sua condição de cidadão, mas como um dispositivo para atacar um
momento histórico determinado principalmente pela doença. “Como um dispositivo
que tem como função principal responder a uma urgência” (GTPOS, 1994, p. 7).
Educar vai além de informar, especialmente quando se trata de educação
sexual. Educar é modificar atitudes, e para isso necessita-se muito mais que apenas
interar-se de tópicos sobre sexualidade. Todos os educadores consideram que a
formação do indivíduo é o principal objetivo da educação. Quando se fala em formar,
não se deseja que o educando seja uma cópia fiel de seu mestre ou de qualquer
outro molde, almeja-se dar condições e meios para que cresça interiormente.
Quando se fala em educação sexual se faz para um fim determinado, existem
objetivos a serem atingidos. É uma preparação para a vida, e deverá ser
responsável pela transmissão de conhecimentos que formem valores, atitudes, e
que o indivíduo possa expressar seus sentimentos e a sua sexualidade de maneira
livre, mas com responsabilidade, respeitando a individualidade de cada um. Como
em outras áreas do conhecimento humano a sexualidade é um processo de
aprendizagem contínua.
Diante das reflexões efetivadas o papel da escola na questão da sexualidade
passa a ser fundamental na medida em que grande parte do tempo do adolescente
é concentrado dentro dos ‘muros da educação’. Os discursos sobre sexualidade,
aliados às transformações físicas que ocorrem principalmente na puberdade, geram
dúvidas e angústias que podem ser respondidas e amenizadas com a discussão da
sexualidade humana e suas múltiplas influências nas diferentes fases da vida.
As tradicionais funções dos pais de iniciação à educação de hábitos de
higiene, alimentação, socialização, orientação sexual e desenvolvimento da
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personalidade das crianças e dos jovens passam a ser responsabilidade, também,
dos educadores.
A pergunta que vem à mente neste momento é: a escola e os educadores
estão preparados para desempenhar tais funções? Em um mundo cheio de
transformações, nos questionamos se nossas funções, tais como as conhecemos
(como pais e educadores), estão de acordo com a realidade social. Parece-nos
fundamental a reavaliação desses conceitos e promover ações práticas que possam
suprir as necessidades educacionais e de orientação nas escolas.
E a escola está preparada para desempenhar tais funções? Carvalho (2004,
p. 7) caracterizou a organização escolar como:
conservadora, pouco permeável à mudanças, mas não é uma ilha. Como parte da sociedade, reflete as suas transformações. Nesse sentido, os movimentos sociais são um importante vetor de abertura. Movimentos organizados em torno de demandas da liberdade sexual, do direito à sexualidade, da igualdade de direito entre os sexos, promovem uma ação sígnica considerável, no desmonte de mitos, na destruição de tabus, na ressignificação das práticas, na formatação de novas condutas, enfim na formação de uma consciência crítica da sexualidade como dimensão signficativa da sociabilidade e, por extensão, da prática pedagógica[...] A sexualidade, como fenômeno educativo, implica não apenas um esforço de mudança pedagógica, mas um esforço de mudança cultural. E essa mudança nem o professor, nem sua formação dão conta dela exclusivamente, pois envolve um processo social e cultural em nível societário, em nível organizacional.
Se a invisibilidade é a forma dominante da sexualidade na escola, é
importante buscar a visibilidade, alimentar a fogueira das discussões, num clima
mais aberto, franco, respeitoso e contínuo. Entendendo assim, a partir do estudo, da
pesquisa, do debate democrático da sexualidade humana, o professor será capaz de
elaborar respostas às suas próprias dúvidas, questionamentos e angústias.
Os adultos encontram sempre certa dificuldade na abordagem deste assunto,
pois acabam por reproduzir padrões e concepções cristalizadas no seu convívio
social, ao mesmo tempo, por ser um assunto tão fascinante e íntimo, encontramos
muita dificuldade de determinar o quê, quando, onde e como conversar sobre ele.
Quando se abrem as portas para as discussões, vários temas polêmicos
podem fazer parte dos assuntos escolhidos pelos jovens, entre eles as drogas, a
sexualidade e a mídia, a virgindade, a AIDS, DST, o assédio sexual, gravidez
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precoce e outros tópicos de interesse que poderão emergir. Tudo vai depender da
postura do educador diante dessas indagações e é isto que fará a diferença.
A partir do momento em que o professor evolui em sua conduta, são
freqüentemente tomados por sentimento de culpa que faz com que se mantenham
os modelos existentes onde são propostas referências ideais de comportamentos e
costumes.
Então como trabalhar este tema na escola? Segundo Egypto (2003, p. 9)
[...] Trabalhar com a questão da sexualidade com crianças e adolescentes exige revisão de conceitos, superação de preconceitos e estereótipos, um olhar reflexivo sobre a própria sexualidade, lidar com tabus, medos, vergonhas. Exige dedicação e estudo. Há também as dúvidas: e se me perguntarem coisas que eu não souber? O que vou dizer sobre o sexo na adolescência? O aborto? A homossexualidade? E o que os pais vão pensar? Como eles vão receber esse trabalho.
A importância da escola não está relacionada apenas no conteúdo
pedagógico que transmite; vai muito além de outros aprendizados que não estão
escritos nas propostas pedagógicas de cada escola e que são requisitados pelo
adolescente em sua vida escolar.
Ainda segundo CARVALHO (2004, p.8):
É nesse sentido que este trabalho se orienta, colocando-se como subsídio para a discussão da sexualidade na escola, para trocas, colaborando - quem sabe - para avanços no entendimento e compreensão dessa problemática pedagógica. Fundamental, portanto, é a conscientização dos professores no sentido do trabalhar com o inesperado, com o desconhecido [...].
A adolescência é uma fase bastante peculiar e de preparação para a
aquisição de um novo papel perante a família e a sociedade ficando apta para
usufruir sua sexualidade, firmando sua identidade sexual e buscando um par, já com
a possibilidade de gerar filhos.
A sexualidade cerceia a vida de todas as pessoas desde o nascimento até a
morte, através de inúmeras informações que recebemos a todo instante. Dessa
forma estamos sempre sendo educados sexualmente, seja na rua, em casa, com os
amigos, em programas de televisão, em revistas, navegando na internet. Todas
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essas informações trazem também uma série de idéias e valores a respeito da
sexualidade, o que nos permite considerá-la como um processo de aprendizagem
contínua, e que a educação sexual se refere a todas as formas de transmissão de
valores e informações sobre sexualidade, nas múltiplas e variadas dimensões.
O que se percebe é que as informações veiculadas nos diversos meios de
comunicação são por vezes contraditórias, transmitindo idéias e mostrando modelos
de comportamentos masculino e feminino confusos em termos sexuais e sociais.
Como lembra Egypto (2003, p.13):
Sempre fomos educados sexualmente, ainda que não pareça. E quando não falamos sobre sexo também estamos dizendo que sexo é uma coisa proibida, que não se fala disso abertamente, que não é um assunto que caiba `a escola. Estamos reprimindo, omitindo, mas, de alguma forma, estamos educando as pessoas sexualmente.
Na perspectiva apresentada entende-se que a elaboração de cursos, eventos,
palestras e seminários sobre a sexualidade e seus diferentes enfoques devem ser
planejados com a participação dos profissionais de pais, educadores e
representantes estudantis.
O enfoque deve ser dado de acordo com o contexto social de cada região,
respeitando-se as tradições locais e a idade do público alvo. Por exemplo, não
adianta discutir inicialmente a anticoncepção com crianças que ainda não sabem o
básico da atividade sexual. Deve-se ter em mente uma atividade progressiva,
didática, não agressiva e não preconceituosa. Usar material audiovisual, atividades
criativas e técnicas mais ativas como psicodrama (dramatização - mostrar assuntos
através do teatro) para manter a atenção dos jovens e levá-los a pensar e discutir os
assuntos também fora da escola.
3.1 O adolescente e o grupo
Conforme aponta SAMPAIO (2000, p. 65), “diminuindo a dependência afetiva
face aos pais, característica do período infantil, o adolescente vai alterar também a
relação com os companheiros e o grupo vai revestir-se de grande importância no
seu desenvolvimento emotivo”.
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Considera o autor que é no grupo que o adolescente procura novas fontes de
afeto, novos modelos, novas formas de identificação. É também o grupo que
partilha de segredos e de experiências e que lhe dá, por algum tempo, a identidade
social de que necessita. A adesão a um grupo representa também para o
adolescente maior proximidade à sociedade adulta, pois esta é toda ela feita de
grupos: a turma da escola, a classe social, o grupo desportivo, o clube, o partido
político, etc.
Assim, o grupo, apesar dos riscos que pode comportar, tem um papel muito
importante “devido ao caráter acessível, informal e facilitador do alívio de tensões”
(ALMEIDA, 1987, p.199). No grupo, é possível alargar o círculo de influências e de
simpatias, mas, se estas relações deixam de ser interessantes, é possível rompê-las
com toda a liberdade, o que, pelo contrário, é complicado de fazer na família.
Conforme aponta SAMPAIO (2000), o grupo é habitualmente formado por
adolescentes da mesma idade ou de idades aproximadas, estabelecendo-se entre
os seus elementos uma contínua comparação.
Segundo o autor, nesta procura de identidade e de segurança dentro do
grupo, querendo igualar-se continuamente uns aos outros, “tornando-os
monotonamente iguais”, a pressão sentida pelo adolescente pode gerar sensações
de insegurança e até "complexos" de inferioridade.
3.2 Agentes de Formação/Informação Sobre Sexualidade
Considerando-se a educação sexual um processo que influencia a
estruturação e maturação da personalidade do indivíduo, e que está dependente da
cultura em que está inserido, limitá-la a uma realidade orgânica, esquecendo toda a
sua dimensão afetiva e social é uma visão reducionista, desconsiderando-se a
pessoa. Por isso, a educação sexual deve apresentar-se como “uma proposta de
preparação para a vida pessoal, social, comunitária e particularmente familiar, que
se alimenta em valores de vida, de civismo, de amor e de responsabilidade, de
dignidade e de respeito humano” (GALVÃO, 2000, p.14).
A vivência familiar, a escolaridade, o convívio com os amigos, o contato com
profissionais de saúde, da educação, os meios de comunicação social, entre outros,
são intervenientes na educação sexual do adolescente, contribuindo para a
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construção de um sistema de valores, de atitudes e de condutas no âmbito da
sexualidade.
No entanto, estes constituem referências, nem sempre concordantes,
soantes, que podem divergir nos saberes, nos valores e nos modelos atitudinais e
comportamentais, que preconizam.
Todos sofremos de formas diferentes, a influência dos nossos pais nas
diversas fases do desenvolvimento. Temos a marca da nossa família no pensar, no
sentir e no agir sexualmente. A capacidade de querer, de gostar de outra pessoa, a
forma como nos sentimos como homens ou mulheres, as competências sociais, a
auto-estima, a auto-imagem, sofrem as influências familiares. Como diz VILAR
(1994, p. 15), “os nossos pais marcaram, de muitas maneiras, o nosso quadro de
valores, atitudes e competências na nossa vida sexual”.
Vários são os fatores que interferem na comunicação pais-filhos no que se
refere à sexualidade. De entre eles destacam-se:
0s estilos educativos, ou seja, as representações, objetivos, capacidades e
formas concretas que os pais têm relativamente à educação dos filhos, que se
expressam em estilos de relacionamento inter-familiar; as distintas atitudes dos pais
face à sexualidade e que integram naturalmente os estilos educativos; as distintas
fases do desenvolvimento físico e psicológico dos filhos.
Apesar de, no seu processo de autonomia, o adolescente muitas vezes
contestar os pais, no entanto, na formação da sua identidade, precisa do apoio
destes como modelo de construção do modo de pensar, sentir, relacionar-se e
comportar-se como futuro adulto.
Habitualmente os jovens expressam a necessidade de um maior diálogo com
os pais sobre temas do âmbito da sexualidade. Por seu lado, os pais cada vez mais
consideram que faz parte das suas funções conversar com os filhos sobre esses
temas.
No entanto, freqüentemente referem que não se sentem preparados para
transmitir informações corretas, ao que se soma, freqüentemente, a falta de
disponibilidade por questões socio-profissionais.
Neste aspecto aponta VILAR, (1994, p.16), que estudos feitos de natureza
quantitativa, onde se compara a intervenção dos vários agentes envolvidos no
processo de aprendizagem sexual dos adolescentes, são coincidentes no afirmar
que a mãe tem um papel mais importante que o pai, sobretudo em relação às
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meninas. O papel do pai vem crescendo de importância nos estudos mais recentes
mas, apesar disso, o pai continua um personagem pouco marcante neste assunto.
Outros estudos com adolescentes e pais constatam que os temas biológicos
são os mais abordados - concepção, gravidez, nascimento e menstruação. Este
último é o tema mais abordado entre mães e filhas.
Ainda para o mesmo autor, parece ser com os amigos e colegas que os
adolescentes mais falam sobre sexualidade. As conversas surgem naturalmente no
grupo. No entanto, muitas vezes a informação é transmitida e/ou apreendida de
forma distorcida, nem sempre correspondendo à realidade.
Em função das características do grupo se modificar ao longo da
adolescência (- e também porque o nível de maturidade do adolescente vai
evoluindo, - habitualmente, na fase inicial da adolescência as informações trocam-
se entre indivíduos do mesmo sexo e os temas centram-se sobretudo nos aspectos
físicos da sexualidade (anatomia e fisiologia do aparelho reprodutor, gravidez,
doenças sexualmente transmissíveis).
Na segunda fase os interlocutores podem ser heterossexuais e os temas de
diálogo são fundamentalmente no âmbito das relações afetivas, das emoções, dos
papéis a desempenhar em sociedade.
Em relação à escola pode-se considerar dois grandes grupos de agentes da
formação / informação sobre sexualidade: o grupo de amigos e de colegas e os
professores, como pessoas com uma relação próxima dos adolescentes e ainda
como responsáveis por desenvolver o programa do curriculum escolar.
O programa de educação sexual deverá estar explícito no Projeto Educativo
de cada escola, devendo cada uma encontrar o seu caminho e ritmos próprios.
Apesar de estar preconizado na Lei, nem sempre é fácil, para os professores,
abordar temáticas do âmbito da sexualidade humana, com um número elevado de
alunos, numa idade conturbada e difícil, onde a predisposição ao caricato e ao
ridículo predominam.
Além disso, como refere MINEIRO (1991, p. 56), por vezes, os professores
“não se sentem à vontade para falar de sexo com os alunos, têm medo de se
expor,[...] são também pessoas”.
O professor terá que ser capaz de motivar o adolescente, de estabelecer uma
relação de empatia com ele, de o aceitar tal como ele é e, como refere WALL(1975,
p. 77), de o compreender “o bastante para relacionar as suas experiências escolares
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com as suas necessidades e capacidades, com os seus interesses, atitudes e
valores”.
Segundo acrescenta este autor, tudo o que se transmite na escola terá de ser
estudado, repensado, e alterado repetidas vezes, com a intenção de ser feita a
transposição escola - família, da forma mais correta. A escola será como que a
continuação e complementação do trabalho dos pais, sendo necessário manter essa
ponte aberta nos dois sentidos.
Outra fonte de informação/formação dos adolescentes na área da sexualidade
são os meios de comunicação social, que apresentam constantemente o sexo em
múltiplas formas possíveis (SPRINTHALL e COLLINS, 1999, p. 437).
No atual contexto social e legal em que se enquadra a educação sexual dos
adolescentes, cabe também aos técnicos de saúde, um papel importante nesta área,
pois estes, no âmbito das suas competências na área da educação para a saúde,
devem (podem) intervir como agentes de informação e de formação, não só nos
seus locais de trabalho, como também em colaboração e articulação com as
escolas, associações de estudantes, associações de pais, entre outras.
4. METODOLOGIA
O projeto foi desenvolvido com os 8º e 9º anos do Ensino Fundamental.
Primeiramente os alunos foram convidados, se apresentando espontaneamente
para atividades em forma de oficinas que seriam desenvolvidas no contraturno às
aulas, em datas previamente marcadas com os alunos e a escola.
O plano de trabalho foi desenvolvido no Colégio Estadual Prof. Sílvio Tavares,
Ensino Fundamental, Médio, Normal e Profissional, localizado no município de
Cambará – PR.
O projeto de intervenção compreendeu a adoção de ações que objetivaram
concretizar ações educativas para obter noções sobre o exercício de uma
sexualidade segura e preventiva junto aos adolescentes, para promover a educação
preventiva e cidadã.
Nessa perspectiva buscou-se:
Por meio de materiais específicos desenvolver oficinas sobre
temas relacionados à sexualidade em geral, abordando a questão das
DST/Aids, utilizando metodologias diversificadas como slides, jogos e
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dinâmicas para levar conhecimentos biológicos e humanizados aos
alunos, possibilitando discussões;
Fornecer elementos para que os alunos pudessem construir
conhecimentos a serem aplicados em sua vida, com vistas à prevenção,
à saúde reprodutiva, garantindo segurança para evitar julgamentos e
promover a inclusão.
O projeto foi implementado no segundo semestre de 2011 e seguiu as
seguintes etapas:
1º) Apresentação da intenção do projeto aos alunos de 7ª e 8ª séries,
convidando-os a participar das atividades em forma de oficinas e autorização dos
pais.
2º) Convite aos pais para participarem de uma reunião explicativa em que
foram apresentados os objetivos do trabalho, visando conscientizar sobre a
importância do projeto e sobre a importância da participação dos filhos para adquirir
noções sobre a sexualidade.
3º) Aplicação de questionário para coleta de dados sobre os conhecimentos
dos alunos sobre sexualidade e DST.
Para as oficinas, alguns passos foram seguidos, conforme a descrição abaixo:
1º momento das oficinas - Sensibilização ao tema: constituiu em
apresentar o projeto aos alunos, bem como oferecer esclarecimento sobre as
propostas, com a reflexão sobre o que os levou a participar dos encontros.
Teve, assim, o objetivo de estabelecer uma linha de comunicação inicial
entre o professor e o público-alvo.
2º momento - Apropriação do tema: com a solicitação da participação dos
alunos, para que se apropriassem ao tema, com reflexão prévia comparando
com conceitos no final de cada oficina.
3º momento - Exposição e reflexão sobre as questões elaboradas pelos
grupos: exposição das dúvidas e solicitação a participar de debates,
reflexões e discussões, buscando-se, assim, o aprofundamento do tema, de
acordo com as expectativas do grupo.
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4º momento - Problematização com situações-chave: situações-chave
foram elaboradas previamente pelo professor, escolhidas de acordo com as
observações, para captar de forma clara as reações do público quando
exposto a determinada situação.
5º momento - Finalização com avaliação e propostas: com a finalidade de
avaliar o trabalho e perceber novas posturas com relação ao tema.
Após a realização das oficinas foi aplicado o mesmo questionário para avaliar
se os alunos fizeram a apropriação dos conteúdos trabalhados.
Por fim foram confeccionados cartazes e folders pelos alunos participantes
com a exposição dos materiais produzidos, com objetivo de divulgar o trabalho em
forma de projeto, para mobilizar outras ações que possam ser implementadas.
5. RESULTADOS E DISCUSSAO
A população participante das oficinas concentrou-se na faixa etária entre 14 e
16 anos de idade. A maioria dos jovens revelou morar com pai e mãe,
caracterizando um modelo de família nuclear.
A oficina foi iniciada com o debate a respeito do conhecimento e uso do
corpo. Para isso expos-se aos adolescentes o desenho de um corpo humano
feminino e outro masculino. Nesse momento as discussões giraram em torno de
alguns questionamentos, tais como: “[...] Para que serve estre corpo? [...]”, “[...] O
que ele faz? [...]”, “[...] Como nós utilizamos nosso corpo? [...]”, “[...] Nós cuidamos
do nosso corpo? [...]”, “[...] Como cuidamos do corpo? [...]”. A partir dessas questões
destacam-se algumas falas:
“[...] Pai e mãe cuidam do corpo quando somos crianças [...]”. (MLC, 14 anos).
“[...] O pai e a mãe são donos do corpo, pois tem que pedir aos pais para fazer
coisas no corpo como piercing e tatuagem [...]” (JRB, 15 anos).
Essas falas evidenciaram a significativa influência da família na vida dos
jovens nessa faixa etária. Mesmo que no seu processo de crescimento, maturação e
de autonomia, o adolescente, muitas vezes conteste os pais, para a formação da
sua identidade, precisa do apoio familiar ao formar sua forma de pensar, sentir,
relacionar-se e comportar-se.
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Nesse sentido, a dinâmica das relações familiares estabelece regras para a
convivência familiar, ressaltando-se aí os princípios voltados para permissões e
proibições (AMARAL, 2001). Nesse sentido as falas vieram de encontro com o
exposto por Amara (2001) ao considerarem que estas regras fazem parte da
educação que devem receber dos pais, e mesmo havendo momentos de
contestação associados às limitações, ao controle e domínio exercido pelos pais,
sentem-se protegidos e cuidados ao mesmo tempo.
Após terem discutido sobre o corpo, os jovens foram levados a debater sobre
as diferenças existentes no corpo masculino e feminino. Ao descreverem as
diferenças entre homem e mulher, ressaltaram principalmente, as socialmente
construídas para cada sexo. Através das falas e exposições verificou-se certa
timidez ao falarem os nomes dos órgãos genitais.
Para Amaral (2001) o processo de construção de identidades, masculina ou
feminina do adolescente, é influenciado a partir de experiências daquilo que lhes é
ensinado em suas relações familiares e grupais. Assim, meninas e meninos
adquirem características e atribuições correspondentes aos considerados papéis
femininos e masculinos.
A temática Sexo seguro, DST e métodos contraceptivos trouxe as dúvidas
dos participantes sobre a saúde sexual, apontando a carência de informação, o que
pode indicar a falta do diálogo desses jovens com os pais. Isso explica o fato de que
apenas dois dos adolescentes participantes disseram tratar desses assuntos com
seus pais.
Segundo Villar (1994), vários são os fatores que interferem na comunicação
entre pais e filhos no que se refere à sexualidade. Dentre eles o autor destaca os
estilos educativos, as representações, objetivos, capacidades e formas concretas
que os pais têm no que se refere à educação dos filhos, que se expressam através
de atitudes distintas. O exposto evidencia também a necessidade de um maior
diálogo com os pais sobre temas do âmbito da sexualidade. Por seu lado, os pais
também consideram que faz parte das suas funções conversar com os filhos sobre
esses temas. No entanto, referem que não se sentem preparados para transmitir
informações corretas (VILLAR, 1994).
Segundo Zagury (1999, apud AMARAL, 2001) a educação sexual dos filhos
sempre foi uma das grandes preocupações dos pais. No entanto, os mesmos não
conversam com os filhos sobre sexualidade, e os que o fazem utilizam-se de
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metáforas, ou só conseguem abordar alguns aspectos por sentirem-se intimidados,
ou despreparados para a conversa franca.
Foi possível perceber, durante as oficinas, que as representações dos
meninos sobre sexualidade estão limitadas quase sempre à relação sexual entre
duas pessoas de sexo oposto, no entanto, para as meninas, a sexualidade assume
outros significados que remetem a sentimentos de afetividade, como percebido na
fala de uma delas: “[...] deve ser praticado com carinho, responsabilidade e
fidelidade”.
Para outros alunos, a sexualidade aparece associada ao risco de gravidez e
de DST: “[...] Hoje transar é muito perigoso, pode engravidar [...]”; “[...] Pode pegar
AIDS e DST [...]”. Os mesmos reconhecem a importância do sexo protegido: “[...] se
transar sem camisinha a mulher vai engravidar [...]”. Ainda, observa-se a associação
entre sexualidade e conflitos entre pais e filhos durante a adolescência: “[...] O meu
pai me bateu porque viu camisinha na minha bolsa [...]”.
Quando a questão abordou a idade mais adequada para iniciarem a vida
sexual, a maior parte dos alunos não considerou haver uma idade certa para a
ocorrência de tal evento, mas sim, contextos, idéias, tais como responsabilidade,
maturidade e confiança. Alguns adolescentes, principalmente do sexo feminino
sentiram entretanto, a necessidade de delimitar uma idade para a iniciação sexual:
entre 13 e 20 anos com prevalência para os 16-17 anos. Ainda, algumas alunas
mencionaram a idade ideal acima dos 20 anos, inclusive associando à imoralidade e
ao pecado quando transgredido essa faixa etária.
A necessidade da determinação de uma idade ideal para a iniciação sexual
também foi apontada em um estudo realizado por Amaral (2001), revelando-se como
uma forma de proteção das adolescentes diante do grupo e da família.
Em relação aos medos mais freqüentes e comuns apresentados pelos alunos
referentes à primeira relação sexual, destacaram-se o temor de uma gravidez
indesejada, de adquirir DST e o de a camisinha estourar no momento da relação.
Como medos específicos para os estudantes do sexo masculino destacaram-
se o receio de não ter ereção durante a iniciação sexual, dos comentários entre os
colegas, da reação dos familiares mediante uma situação concreta de gravidez.
Como medos específicos para as alunas destacam-se dor na relação sexual, a
reação dos pais, não corresponder o namorado, ficar mal-falada, perder a
virgindade.
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Por parte dos alunos destacaram-se a atração física, o desejo, o prazer, a
curiosidade e a influência/pressão dos amigos como principais razões que os levam
a decidir iniciar a vida sexual. Quanrto às meninas, o amor, a paixão, a maturidade e
o “sentir-se preparada” são os principais motivos que permitem decidir por ter a sua
primeira experiencia sexual.
As razões por iniciar a vida sexual são diferenciadas entre os sexos: os
homens podem estar mais motivados para o sexo por conta de aspectos de ordem
física (dar vazão à atração) e as mulheres por aspectos de ordem emocional
(integrar-se ao ser amado).
Outro aspecto relevante surgido ao longo das oficinas referiu-se ao
comportamento diferenciado dos pais em relação à criação dos filhos. Os relatos
abaixo remetem à socialização da criança, direcionada para um determinado papel
de gênero a partir de gestos simples da família e do seu círculo social: “[...] O
homem tudo pode [...]”; “[...] deve dar liberdade à menina, mas tem que ter limites
[...]”; “[...] é questão do pai proteger a filha [...]”.
Verifica-se que, apesar do discurso de igualdade defendido por vários
segmentos sociais, no cotifiano de nossos alunos persiste a desigualdade entre
homens e mulheres.
Buscando a origem das informações sobre sexo e sexualidade entre os
adolescentes, os amigos foram apontados pela maioria dos alunos como o grupo
com quem se sentiam mais à vontade para conversar sobre a temática. Poucos
estudantes consideraram ser melhor conversar com os pais, ressalvando,
entretantro, que assuntos mais íntimos são ditos para os amigos. Isso demonstra o
despreparo dos pais para assumir o papel de educadores sexuais, o que se justifica
pelo fato de não estarem preparados para discutir temas que interessam ao
adolescente ou por não terem vivenciado essa experiência com seus pais quando
adolescentes (MINEIRO, 1991).
A atual conjuntura social e política, aliada aos avanços tecnológicos,
trouxeram profundas mudanças no relacionamento familiar. Com a saída para o
mercado de trabalho e tendo que cumprir três turnos diários, a mulher perdeu seu
papel no cotidiano da criança, que necessitaria de uma maior presença do pai ao
seu lado, tentando suprir essa deficiência. Porém, simultaneamente, observa-se o
aumento da jornada de trabalho e do tempo de deslocamento entre o trabalho e a
casa, reduzindo ainda mais o convívio com os filhos (AMARAL, 2001).
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Muitas vezes, conforme o autor, o não falar sobre o sexo já é uma forma de
educar, mostrando que o mesmo é uma coisa proibida. A repressão e a omissão
também educam sexualmente. Sendo assim, são muitos os fatores que agravam a
falta de diálogo entre pais e filhos.
Surgem aí, atuando na formação do indivíduo, os substitutos sociais -
familiares e irmãos mais velhos, creches, escolas, empregadas, amigos, etc. – e os
substitutos materiais – computadores, televisões, roupas, sapatos, brinquedos,
festas, enfim, tudo o que os pais quiseram e não puderam ter durante sua própria
adolescência. Nesta fase, mesmo que os pais queiram estabelecer diálogo com os
filhos, estes já estarão com boa parte de seus valores formados, principalmente pela
mídia, incutidos de estereótipos e preconceitos.
Ressalta-se, ainda, o fato de que os pais, muitas vezes, não sabem como
lidar com o assunto, pois são frutos de uma geração com educação castradora, ao
mesmo tempo em que ocorria a liberação sexual da mulher com o domínio de sua
fertilidade. O que se pode notar é que a intenção é dar aos filhos a liberdade que só
tiveram às duras penas, mas não orientam sobre como usar essa liberdade sexual,
ou por desconhecerem, ou por cultivarem, mesmo que inconscientemente, os tabus
recebidos das gerações anteriores (REIS, 1992).
Na mesma perspectiva para Sampaio (2000, p. 65), “diminuindo a
dependência afetiva face aos pais, característica do período infantil, o adolescente
vai alterar também a relação com os companheiros e o grupo vai revestir-se de
grande importância no seu desenvolvimento emotivo”.
Nesse sentido, para o autor, é no grupo que o adolescente procura novas
fontes de afeto, novos modelos, novas formas de identificação, partilha segredos e
experiências, pois o grupo lhe dá, por algum tempo, a identidade social de que
necessita.
Cabe ressaltar que, em nenhuma das oficinas, foram mencionados
espontaneamente a escola e os professores como fontes de informação, com as
seguintes alegações: “[...] os professores são muito imaturos para lidar com esses
assuntos [...]”; “[...] fica estranha depois no outro dia, a relação com os professores
[...]”.
Como coloca Mineiro (1991, p. 56):
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[...] Trabalhar com a questão da sexualidade com crianças e adolescentes exige revisão de conceitos, superação de preconceitos e estereótipos, um olhar reflexivo sobre a própria sexualidade, lidar com tabus, medos, vergonhas. Exige dedicação e estudo. Há também as dúvidas: e se me perguntarem coisas que eu não souber? O que vou dizer sobre o sexo na adolescência? O aborto? A homossexualidade? E o que os pais vão pensar? Como eles vão receber esse trabalho (EGYPTO, 2003, p. 9).
Conforme se constata, a importância da escola não está relacionada apenas
no conteúdo pedagógico que transmite; vai muito além de outros aprendizados que,
muitas vezes, não estão escritos nas propostas pedagógicas de cada escola e que
são requisitados pelo adolescente em sua vida escolar.
Sendo assim, segundo Villar (1994), o professor terá que ser capaz de
motivar o adolescente, de estabelecer uma relação de empatia com ele, de o aceitar
tal como ele é e, como refere WALL (1975, p. 77), de o compreender “o bastante
para relacionar as suas experiências escolares com as suas necessidades e
capacidades, com os seus interesses, atitudes e valores”.
Segundo acrescenta este autor, tudo o que se transmite na escola terá de ser
estudado, repensado, e alterado repetidas vezes, com a intenção de ser feita a
transposição escola - família, da forma mais correta. A escola será como que a
continuação e complementação do trabalho dos pais, sendo necessário manter essa
ponte aberta nos dois sentidos.
Outro tipo de relacionamento muito discutido nas oficinas foi o “ficar”.
Segundo as falas dos alunos, “ficar” é considerado uma relação descartável e
imediatista, com algum tipo de envolvimento físico, podendo haver um
relacionamento mais íntimo. O “ficar” foi ainda associado a uma forma de levar ao
namoro e posterior casamento.
Mas se destaca entre as falas dos alunos que o “ficar”, predominantemente é
visto como uma prática capaz de trazer risco moral para as meninas e admiração
para os meninos. Namorar, por sua vez, mostra maturidade em escolher, tomada de
decisões adequadas, assumir que se gosta de alguém (LOURO, 1999).
Alguns mitos e tabus também se manifestaram durante as discussões,
conforme se evidencia pelas falas: “[...] Sei que a mulher é virgem quando ela tem a
pelinha na vagina [...]”; “[...] a mulher não masturba [...]”; “[...] menina virgem não
engravida na primeira vez [...]”; “[...] a mulher cresce a bunda quando tem relação
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sexual [...]”. Os mitos, conforme se pode constatar ainda reforçam o padrão sexual
de uma determinada cultura.
Em relação aos métodos contraceptivos, percebeu-se indecisão, insegurança
e resistência na utilização dos mesmos, sendo a temática de pouco conhecimento
dos alunos, remetendo quase sempre, a dúvidas e questionamentos: “[...] A pílula
causa câncer e esteriliza a mulher? [...]”; “[...] o DIU é abortivo? [...]”; “[...] a pílula
perde o efeito se não tomar no horário certo? [...]”; “[...] a camisinha faz perder o
tesão? [...]”.
Essas dúvidas evidenciaram a necessidade de se prevenir e educar sobre a
prática de sexo segurto, como forma de evitar riscos, traumas e problemas
psicossociais e, assim, assegurar o desenvolvimento saudável da sexualidade
durante a adolescência.
6. CONSIDERAÇOES FINAIS
Com este projeto foi possível perceber que a educação sexual escolar deve
proporcionar uma reflexão voltada para as variadas formas de manifestações da
sexualidade humana e o lugar que estas manifestações ocupam em nossa
sociedade: o sexo, o desejo, o medo, o amor, o corpo biológico, o corpo social, o
corpo cultural, a paixão, a sensibilidade, os papéis sociais/sexuais, cumprindo seu
papel de formar para a vida.
Se o espaço da escola vem sendo valorizado para se discutir questões em
torno da sexualidade, então cabe à escola se fazer presente, não como controladora
da vontade do sujeito, mas como instância propiciadora de reflexão sobre a
temática.
A educação sexual é antes de tudo Educação e, como Educação, tem o papel
de provocar mudanças. Alunos, professores e/ou educadores podem juntos buscar
construir um conhecimento sobre a sexualidade humana para darem novos
significados a suas vivências, de modo que o trabalho de educação sexual escolar
tem de ser pensado coletivamente.
Para isso muito contribuiu a proposta das oficinas, com um olhar mais atento
à questão, mas para que haja continuidade, tem-se que trabalhar no sentido de
construir novas relações escolares e trabalhar isso não só com os alunos, mas
também com professores e toda a equipe escolar.
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Por fim, resta acrescentar que as oficinas representaram o ponto inicial de um
processo de educação sexual escolar que almeja ser complementado pela família,
pela escola e por políticas sociais locais voltadas para os adolescentes, contribuindo
para se (re)pensar a prática.
Desta forma, verifica-se a necessidade, em próximas intervenções, de
fortalecer o trabalho junto aos professores para sensibilizá-los, pois o tema da
sexualidade ainda é encarado como sendo de delicada abordagem, o que reforça a
urgência em se elaborar e executar outros projetos semelhantes.
A intervenção realizada mostrou ser capaz de sensibilizar os alunos e os
profissionais da educação para a importância desta abordagem. A partir desta
intervenção, fica mais evidente a importância de possibilitar espaços nas instituições
escolares que busquem trabalhar a questão da sexualidade de uma forma mais
ampla.
Assim, pela necessidade de que a sexualidade humana seja tratada com
prioridade pela escola, seria interessante que houvesse a implantação de programas
efetivos e constantes em educação sexual para adolescentes e jovens.
7. REFERÊNCIAS
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