ISSN 2176-1396
O AMÁLGAMA DE SABERES DOCENTES: O QUE REVELAM AS
NARRATIVAS DOS PROFESSORES?
Marcelle Pereira Rodrigues1 - FEBF/UERJ
Amélia Escotto do Amaral Ribeiro2 - FEBF/UERJ
Grupo de Trabalho – Formação de professores e profissionalização docente
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
As reflexões sobre os professores e os saberes necessários à sua formação e ao seu trabalho
não são novas e ganham contornos diferenciados em cada época de acordo com o que as
sociedades esperam da educação escolar (NÓVOA, SCHÖN, TARDIF). Entende-se que o
professor ao longo de sua trajetória constrói e mobiliza uma diversidade de conhecimentos,
estratégias, habilidades, modos peculiares de ser-fazer que compõem um amálgama de
saberes docentes (TARDIF, 2012). No entanto é comum identificar no discurso de professores
certa insatisfação em termos do distanciamento entre os saberes acadêmicos e a prática
docente cotidiana. Na tentativa de compreender as múltiplas e diferentes relações que os
professores estabelecem com seus saberes, buscou-se através deste trabalho refletir sobre
como o conceito de “amálgama de saberes docentes” proposto por Tardif (2000, 2012) se
revela em narrativas de professores de diferentes segmentos da Educação Básica, que atuam
na rede pública de ensino do Rio de Janeiro. Privilegiou-se como opção metodológica uma
abordagem descritiva da pesquisa e um enfoque qualitativo para a análise dos dados. O
instrumento de coleta de dados utilizado foi a entrevista semiestruturada A análise dos dados
revela que apesar do discurso indicar a supervalorização dos saberes experienciais em
detrimento dos demais saberes, os professores mobilizam também saberes profissionais e
curriculares em seu trabalho cotidiano e esses saberes são indissociáveis e inerentes a práxis
docente.
Palavras-chave: Saberes docentes. Formação de professores. Práxis docente.
1 Mestranda em educação. Especialização em Organização curricular e prática docente pela FEBF/UERJ.
E-mail: [email protected] 2 Professora Associada do Mestrado em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. E-mail:[email protected]
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Introdução
Durante muito tempo as discussões sobre a escola privilegiaram aspectos relacionados
a metodologias, técnicas, instrumentos e teorias. O conjunto dessas discussões apontava para
a necessidade de orientar o trabalho cotidiano do professor. Tendo como matriz inspiradora
uma racionalidade instrumental, buscavam-se alternativas para uma formação o mais técnica
possível. Acreditava-se que dessa forma se poderia obter uma prática docente mais efetiva.
Nesse contexto, embora se entendesse a importância da prática docente, esta não era
entendida como lócus privilegiado na constituição e construção de saberes. Desse modo, os
professores não eram considerados como sujeitos que, ao se relacionarem com os saberes que
sustentam suas práticas tornam-se capazes de produzir e transformar conhecimentos
(GÓMEZ; NÓVOA; SCHON).
Em busca de uma nova racionalidade que oriente a reflexão sobre a formação docente,
tem se ampliado o campo de estudos que entende o professor e sua prática como objeto de
investigação. Aumentam os estudos que, utilizando-se de autobiografias, histórias de vida,
relatos de experiência, narrativas e outras estratégias de mesmo teor, concedem vez e voz ao
professor. Essa tendência entende que ao relatar a si e a sua prática, o professor reflete sobre
ela. E, ao fazê-lo, revela os saberes que daí emerge e as formas como se relacionam com eles
(BORGES; GAUTHIER; OLIVEIRA; NÓVOA; TARDIF).
Nesse sentido, ao desvelar os saberes docentes, suas características e tipologias é
possível encontrar nuances a respeito dos modos de trabalho dos professores, além de outras
formas de conceber a prática, o ensino e os papéis e funções da educação escolar. A partir
dessa perspectiva, o presente texto apresenta resultados parciais de investigação sobre os
saberes que os professores mobilizam em seu fazer pedagógico cotidiano. Apresentam-se,
aqui, reflexões desencadeadas a partir da análise de entrevistas com professores da rede
pública de educação da Baixada Fluminense a respeito do conjunto de saberes que afirmam
ser necessários a uma atuação didático-pedagógica efetiva.
Ainda sobre a investigação cujos resultados servem de base para o que se apresenta
neste texto, cabe acrescentar que se caracteriza como uma pesquisa de tipo descritiva, com
enfoque qualitativo. Como instrumento de coleta de dados utilizou-se a entrevista. Foram
entrevistados oito professores da rede pública de educação da baixada Fluminense, atuantes
em diferentes segmentos do Ensino Fundamental. Como matriz teórica inspiradora da análise
e organização dos dados e resultados utilizam-se os estudos de Tardif (2012) especialmente os
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que se referem ao conceito de “amálgama de saberes” que estrutura o trabalho docente. Do
ponto de vista de sua estrutura, este texto se organiza a partir de dois eixos: as contribuições
teóricas que se utiliza como matriz de reflexão e os saberes que os professores mobilizam em
suas ações.
As contribuições do conceito de “amálgama de saberes” para a compreensão dos saberes
que compõem a formação/atuação docente
Partindo do pressuposto que o professor em sua prática mobiliza diferentes saberes e
que cada um desses saberes tem sua utilidade e importância,analisar/investigar que tipos de
saberes são esses que tecem o trabalho docente é uma tarefa indispensável para uma melhor
compreensão da prática.
No trabalho cotidiano, diante dos conflitos e situações diversificadas que perpassam
sua ação, o professor precisa de um vasto cabedal de saberes e habilidades que possa fazer uso
em diferentes circunstâncias e diante de objetivos distintos. O saber docente não é um saber
específico, imutável e imóvel, mas composto de muitas outras fontes e matizes. Os saberes
não são únicos e indiscutíveis; do contrário, são validados e se ampliam à proporção que são
debatidos, analisados e questionados.
O conjunto desses diferentes conhecimentos, competências e habilidades que se
misturam forjando o trabalho do professor, resulta em um amálgama de saberes docentes
(TARDIF, 2012). Esses saberes são plurais e heterogêneos no sentido de que provém de
diversas fontes e “não formam um repertório de conhecimentos unificados, por exemplo, em
torno de uma disciplina, de uma tecnologia ou de uma concepção de ensino; eles são, antes,
ecléticos e sincréticos” (TARDIF, 2000, p.14). Logo:
um professor se serve de sua cultura pessoal, que provém de sua história de vida e
de sua cultura escolar anterior, também se apoia em certos conhecimentos
disciplinares adquiridos na universidade, assim como certos conhecimentos
didáticos e pedagógicos oriundos de sua formação profissional , ele se apoia também
naquilo que podemos chamar de conhecimentos curriculares veiculados pelos
programas, guias e manuais escolares , ele se baseia em seu próprio saber ligado a
experiência de trabalho, na experiência de certos professores e em tradições
peculiares ao oficio de professor (TARDIF, 2012, p.15).
Entende-se, assim, que o amálgama representado pelos saberes docentes mobiliza
diferentes técnicas, teorias, tradições, objetivos, formas de ser e fazer, só podendo ser
compreendido quando analisado em totalidade.
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Cabe destacar que além de analisá-los na totalidade, é necessário, sobretudo, entender
que o amálgama enquanto um conjunto de saberes necessários à práxis, só pode ser
compreendido à luz da práxis. Faz-se necessário, portanto, analisá-los a partir da íntima
relação com que os professores, nos espaços de trabalho cotidiano são, fazem, pensam e
dizem (TARDIF, 2012).
Nesse aspecto “a natureza do saber do professor deve ser compreendida em relação
direta com as condições e condicionantes que estruturam a prática educativa” (TARDIF,
2012, p.153). Sobre esse ponto de vista é essencial conhecer o que pensam e fazem os
professores, pois só assim tornam-se possíveis mudanças que reflitam as reais necessidades da
prática, dos professores e dos alunos. É preciso revelar o cotidiano docente, para então
analisá-lo, desmitificá-lo e entendê-lo.
A partir dessa “escuta” da prática rompe-se com a visão do professor enquanto um
mero reprodutor de saberes, passando a considerá-lo como ator, "um sujeito que assume sua
prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e
um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele a estrutura e a
orienta" (TARDIF, 2012, p.230).
É preciso considerar que apesar das marcas de pessoalidade, todo e qualquer saber se
constrói também através de um processo de socialização. Quer sejam experiências pré-
profissionais ou profissionais, do passado ou do presente, o saber docente não é somente uma
construção individual, que o professor elabora a par de tudo que o rodeia, do universo social
em que está inserido. Os saberes que adquire ao longo da vida interferem em sua ação, em sua
práxis.
Nesse sentido, os saberes docentes são sociais na medida em que “sua posse e
utilização repousam sobre um sistema que vem garantir sua legitimidade e orientar sua
definição e utilização: universidade, administração escolar, sindicato [...]” (TARDIF, 2012.
p.12). Portanto, o professor não define sozinho, aquilo que compreende como seu saber
profissional, esse saber é tecido e validado em meio à negociação entre diversos grupos e na
partilha com seus pares.
Os aspectos sociais do saber são verificados também por estarem intrinsecamente
ligados à história de uma sociedade e das culturas que perpassam e constroem a prática
docente. Esses saberes de acordo com Tardif (2012) evoluem com o tempo e com as
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mudanças sociais, “o que era verdadeiro, útil e bom ontem já não é mais hoje (TARDIF,
2012, p.13). Necessitando assim de um exercício de constante revisão e (des)construção.
Além de sociais, os saberes docentes são temporais, uma vez que se relacionam com a
história de vida e à construção da carreira profissional, estabelecendo uma intrínseca relação
com o espaço-tempo em que se realizam. A temporalidade se aproxima do saber também pelo
fato de que o professor ao longo de sua trajetória vai apreendendo formas de ser e fazer.
Portanto “dizer que o saber dos professores é temporal significa dizer, inicialmente, que
ensinar supõe aprender a ensinar, ou seja, aprender a dominar progressivamente os saberes
necessários à realização do trabalho docente” (TARDIF, 2012, p. 20).
Os saberes que compõem o amálgama dos professores também são personalizados e
situados. Personalizados no sentido de que tratam raramente de “saberes formalizados, de
saberes objetivados, mas sim de saberes apropriados, incorporados, subjetivados, saberes que
é difícil dissociar das pessoas, de sua experiência e situação de trabalho” (TARDIF, 2012,
p.16). Saberes provenientes da própria singularidade da ação docente.
Esses saberes são também situados pelo fato de serem “construídos e utilizados em
função de uma situação de trabalho particular” (TARDIF, 2012, p.16), cuja finalidade é
específica para um determinado objetivo ou ação. O contexto social no qual o trabalho
docente se inscreve pressupõe ações específicas, maneiras diferentes de solucionar os
problemas que surgem. Os saberes dos professores estão a serviço da ação e é na e para a
ação que adquire diferentes significados.
A legitimação dos saberes se dá a partir da socialização desses saberes, na troca, na
partilha entre os pares, uma vez que “não existe conhecimento sem reconhecimento social”
(TARDIF, 2012, p.13). A partir do momento que são socializados, eles vão sendo ou não
validados.
O que dá certo ou não, as diferentes formas de fazer, de explicar, de entender, tudo
isso provém de uma construção que embora seja individual por refletir a subjetividade do
professor, é, sobretudo coletiva, por carregar as vozes, os olhares, consonâncias e dissidências
do grupo.
É preciso considerar que o professor faz uso de diferentes tipos de conhecimentos e
juízos em sua prática, a fim de estruturar e orientar sua ação. Utiliza constantemente um vasto
cabedal de saberes, “um leque de saberes compósitos” (TARDIF, 2012, p.66) e nesse sentido
“o saber profissional está de um certo modo, na confluência entre várias fontes de saberes
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proveniente da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros
atores educativos, dos lugares de formação, etc.” (TARDIF, 2012, p. 64).
Julga-se que seja importante evidenciar e valorizar todo o amálgama saberes que
constituem a práxis do professor, considerando-o como fonte importante para investigação
sobre o trabalho docente.
Se por um lado, para entender o amálgama de saberes docentes é preciso olhá-lo a
partir de suas características, por outro, é importante identificar os diferentes saberes que o
compõe.
Tardif (2012) faz uso de cinco categorias para elencar os saberes docentes: saberes da
formação pré-profissional e profissional, saberes curriculares, disciplinares e saberes
experienciais.
Os saberes pré-profissionais referem-se aos saberes que antecedem a formação
profissional. Eles se reativam, reaparecem sempre que o professor se depara com situações
semelhantes as que já viveram e experimentou.
Cabe então justificar que:
uma boa parte do que os professores sabem sobre o ensino, sobre os papéis do
professor e sobre como ensinar provém de sua própria história de vida,
principalmente de sua socialização enquanto alunos. [...] Ficaram imersos em seu
lugar de trabalho durante aproximadamente 16 anos (em torno de 15000 horas),
antes mesmo de começarem a trabalhar. Essa imersão se expressa em toda uma
bagagem de conhecimentos anteriores, de crenças, de representações e de certezas
sobre a prática docente (TARDIF, 2012, p.68).
É possível evidenciar que as representações construídas desde a infância acerca da
escola e dos elementos que a compõe exercem uma forte influência na prática do professor, na
forma de gestar seu trabalho.
Além da importância dos saberes constituídos antes dos processos de formação
acadêmica, é preciso destacar também os saberes da formação profissional que se referem
igualmente ao “conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores
(escolas normais ou faculdades de ciências da educação” (TARDIF, 2012, p. 37).
Os conhecimentos adquiridos nessas instâncias se transformam em grande parte em
teorias, metodologias, doutrinas pedagógicas, técnicas e formas de ser-fazer.
Os saberes disciplinares são construídos a partir dos conhecimentos adquiridos nos
cursos de formação inicial e continuada. As grades de disciplinas são na verdade, resultado
dos “saberes definidos e selecionados pela instituição universitária” (TARDIF, 2012, p.38) no
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decorrer do tempo. Sendo assim, os saberes disciplinares referem-se aos diversos campos do
conhecimento e "emergem da tradição cultural e dos grupos produtores de saberes" (TARDIF,
2012, p.38).
Atentando-se para o fato de que além de possuir um saber sobre as disciplinas, o
professor precisa aprender a ensinar e a mobilizar seus conhecimentos, os saberes
curriculares também constituem a práxis docente. Esses saberes “correspondem aos
discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e
apresenta [...] como modelos de cultura erudita e de formação para a cultura
erudita"(TARDIF, 2012, p.38). Os saberes curriculares se apresentam na forma de programas
escolares que os professores devem aprender a aplicar.
É necessário destacar que apesar de importantes, os saberes disciplinares e curriculares
situam-se, em grande parte, numa posição de exterioridade em relação ao trabalho docente. A
esse respeito Tardif (2012) pontua que “eles aparecem como produtos que já se encontram
consideravelmente determinados em sua forma e conteúdo, produtos oriundos da tradição
cultural e dos grupos produtores de saberes sociais” (TARDIF, 2012, p.40). Os professores
que estão na escola não interferem na definição e na seleção dos saberes que são transmitidos.
Cabe ressaltar que o processo de distanciamento e exterioridade ocorre também em
relação aos saberes da formação profissional, oriundos das universidades e outros espaços de
formação inicial e continuada. As críticas se apoiam no fato de que as “universidades e os
formadores universitários assumem as tarefas de produção e de legitimação dos saberes
científicos e pedagógicos [...] e aos professores compete apropriar-se desses saberes"
(TARDIF, 2012, p.41).
A dicotomia existente entre os espaços de produção e os espaços de realização acaba
por colaborar para um afastamento cada vez maior entre os professores e os saberes da
formação profissional, disciplinar e curricular.
O distanciamento dos professores com os saberes que não constrói e não tem como
controlar, resulta na busca por um saber que se aproxime da realidade, que reflita as
necessidades e as dificuldades dessa realidade. Resulta em um saber emergente do trabalho
docente e dos processos de construção, (des)construção e (re)construção que a prática exige
constantemente.
A necessidade de pensar sobre um tipo de saber que se aproxime do cotidiano do
professor justifica a tipologia denominada de saberes experienciais. Segundo Tardif (2012) os
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saberes experienciais "são saberes que brotam da experiência e são por ela
validados"(TARDIF, 2012, p.39). São assim chamados porque se desenvolvem no exercício
da profissão e ação. Diferentemente dos demais saberes elencados, que se “incorporam
efetivamente à prática docente, sem serem, porém, produzidos ou legitimados por ela”,
(TARDIF, 2012, p.40) os saberes experienciais são oriundos do próprio trabalho do professor,
dos limites e impasses do seu cotidiano.
Embora os professores se aproximem mais de alguns saberes do que de outros, todos
os saberes que integram as tipologias se constituem enquanto saberes necessários e
indispensáveis à docência. Esses saberes exercem grande influência sobre o trabalho do
professor, seus modos de ser-fazer. Cada um deles pode ser entendido enquanto fundamento
do trabalho docente, no qual os professores constantemente recorrem a fim de encontrar
caminhos que possam subsidiar sua ação, sua práxis.
O esclarecimento e definição das principais categorias que compõem as tipologias dos
saberes docentes conduzem ao entendimento do quanto os saberes são híbridos e
concomitantemente indissociáveis. Apesar da redundância, é preciso reiterar que seria uma
tarefa difícil, senão impossível, vislumbrar apenas uma faceta do saber, uma categoria.
Assim como um caleidoscópio, o saber do professor é composto de muitas faces,
interligadas, inseparáveis, indispensáveis umas às outras, só podendo ser compreendido a
partir de diferentes nuances e olhares. Os matizes são diversos e essa diversidade garante a
cada saber certa identidade e características peculiares.
O que revelam os professores sobre os seus saberes?
Para melhor compreender as relações dos professores com os diferentes tipos de
saberes que compõem seu amálgama, recorreu-se a pesquisa qualitativa e foram realizadas
entrevistas com oito professores que atuam na rede pública de ensino da Baixada Fluminense.
Tomam-se como matriz de organização e análise dos dados apresentados neste texto as
tipologias indicadas por Tardif (2012), a saber: saberes pré-profissionais, profissionais,
curriculares, disciplinares e experienciais, buscando compreender que tipo de relação os
professores estabelecem com cada um desses saberes.
O conteúdo das entrevistas revela a superestimação dos saberes experienciais em
relação aos demais. Na fala dos professores esses saberes aparecem como um eixo
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estruturador da prática e dos outros saberes, o que pode ser evidenciado nas seguintes
afirmações:
Esse saber é muito importante, ele vai tornando as coisas mais simples e mais fáceis.
Por mais que a gente estude, que a gente leia, esse saber é no dia-a-dia, vem com a
experiência e com o tempo. ( Professora 2)
Eu tive que buscar teorias, tive que buscar novos meios, mas foi somente com a
experiência que a minha prática foi se modificando. (Professora 3)
Eu construi um saber ao longo desses anos que para mim é muito importante, que
vale mais do que o saber da pedagogia ou que os cursos de formação de professores.
( Professora 8)
A partir dos fragmentos “ele vai tornando as coisas mais simples” ( Professora 2), “foi
somente com a experiência que a minha prática foi se modificando” (Professora3) e “vale
mais do que o saber da pedagogia ou que os cursos de formação de professores” (Professora8)
fica explícito o quanto os saberes experienciais contribuem para a ressignificação da prática
dos professores, trazendo segurança e as certezas necessárias à profissão. A experiência
assume um papel indispensável, constituindo-se como o “núcleo vital do trabalho docente”
(TARDIF, 2012).
As narrativas revelam também que as lacunas deixadas pelos processos de formação
inicial dos professores resultam no distanciamento entre os saberes teóricos e práticos. A esse
respeito as professoram ponderam que
A gente chega achando que sabe tudo e depois a gente descobre que não sabe nada,
porque nada do que a gente viu, nenhum teórico, nenhum livro, te prepara para a
sala de aula (Professora 7).
Quando a gente sai da faculdade, principalmente da Faculdade de Pedagogia tem
toda uma visão do que é educação, mas quando a gente tem contato com o aluno é
muito diferente, parece que a gente não aprendeu nada[...] O saber pedagógico que
a gente aprendeu na escola não foi muito e parte do meu curso de formação de
professores foi meio furado ( Professora 8).
A relação de exterioridade entre a teoria e a prática evidenciada nas afirmações das
professoras, se justifica no fato de que “ os saberes oriundos das ciências da educação e das
instituições de formação de professores não podem fornecer aos docentes respostas precisas
sobre o 'como fazer'.” (TARDIF, 2012, p.137). Corrobora-se assim que o professor aprende a
ensinar fazendo seu trabalho, ou seja, que o saber-fazer docente se desenvolve em plena
atividade.
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É curioso que apesar do notório distanciamento com os demais saberes, as professoras
assumem, ainda que indiretamente, a importância dos saberes profissionais e curriculares.
Por outro lado, os saberes pré-profissionais e disciplinares não foram encontrados nas
entrevistas realizadas.
Ao que diz respeito aos saberes profissionais nota-se nas falas das professoras a
necessidade de buscar constantemente por novos conhecimentos. Nessa perspectiva destaca-
se a seguinte declaração
Eu tenho que aprender todo dia para ensinar aos meus alunos, eu estudo todos os
dias para ensinar meus alunos, eu pesquiso todo dia para montar as minhas
aulas[...] Para mim, ser professor é antes de tudo aprender a aprender, todo dia um
pouquinho( Professora 7).
A narrativa da professora deixa pistas de que a aquisição de novos saberes é uma
condição imprescindível às demandas da práxis e que, portanto “os saberes não são sagrados:
o valor deles vem do fato de poderem ser criticados, melhorados, tornarem-se mais poderosos
e eficazes” (TARDIF, 2012, p.206). Uma vez que a situação muda, o saber se adequa, se
reestrutura, encontra outros significados em função das exigências do trabalho.
Na fala da Professora 5 pode-se observar o quanto o saber profissional também é
importante para a superação dos desafios da práxis:
Fazendo uma sondagem com o aluno eu percebi que ele estava com muitas
dificuldades , mas aí lembrei da teoria de Vygotsky e comecei a questionar aquele
aluno e pude perceber que aquele aluno sabia fazer! (Professora 5)
Ao afirmar “ aí eu lembrei da teoria de Vygotsky”, a professora demonstra a utilização
dos seus saberes profissionais diante dos entraves encontrados em seu cotidiano de trabalho.
A esse respeito, compreende-se então que o professor não se apoia apenas em saberes
experienciais, mas também em “conhecimentos adquiridos na universidade, conhecimentos
pedagógicos oriundos de sua formação profissional” (Tardif , 2012, p.15).
No que se refere aos saberes curriculares o conteúdo das entrevistas revela o quanto
esses saberes são indissociáveis de todo e qualquer trabalho pedagógico e assim utilizados
constantemente pelos professores:
Você consegue perceber que estratégias são melhores, que recursos são melhores
(Professora 2).
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O meu planejamento tem que ser totalmente encadeado, trabalho a partir da
pedagogia de projetos (Professora 4).
Se o moderno não vai chamar a atenção então a gente volta lá para o tradicional, se o
tradicional está chateando a gente dá um pulinho no moderno ( Professora 7).
Seja através de estratégias diferenciadas, da valorização do planejamento ou da busca
de métodos e recursos que melhor atendam as demandas existentes entre os alunos, as
narrativas trazem à tona o quanto os professores mobilizam também os saberes curriculares
em seu cotidiano.
Considerações finais
Ao longo deste texto fica evidente a relação intrínseca entre saberes e práticas
docentes. Neste caso, desvelar as formas como os professores constroem e se relacionam com
o conjunto de saberes que compõem seus processos de formação e atuação, permite melhor
compreendê-los.
Do mesmo modo, evidenciou-se que a atenção e olhar sobre o amálgama de saberes
tende a contribuir de forma significativa também para os processos de formação de
professores e para estudos sobre a práxis docente.
Curiosamente, o conteúdo das entrevistas revela que embora grande parte dos
professores assuma um discurso de superestimação aos saberes experienciais, a importância
dos demais saberes é tamanha que eles são inerentes e indissociáveis da experiência. Desse
modo, a experiência atua em confluência com os saberes pré-profissionais, profissionais,
didáticos e curriculares. Esses saberes não são descartados, mas retraduzidos e ressignificados
a partir das demandas do trabalho cotidiano. Nesse sentido todo saber que constitui o
amálgama de saberes docentes tem sua validade e utilidade para o trabalho docente.
O conjunto de dados permite perceber que a construção dos saberes está
intrinsecamente relacionada ao tempo e a partilha entre os pares.
No que diz respeito ao tempo, observa-se que o aprender vem do ofício e que quanto
mais se trabalha, mais se aprende sobre esse trabalho. Através do tempo, outras formas de ser-
fazer vão sendo apreendidas e mobilizadas.
No tocante a partilha entre os pares, as narrativas indicam que a troca de saberes
também assume um papel crucial no desenvolvimento e na melhoria do trabalho pedagógico.
Uma vez que o saber é social, a sua construção se dá de forma coletiva, não individual.
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Em linhas gerais, cabe destacar que mesmo indiretamente, o professor reconhece e se
reconhece em determinados tipos de saberes. Em outras palavras, não há nem formação nem
atuação sem que sejam mobilizadas múltiplas formas de relações entre os sujeitos e os
saber(es) que os constituem.
REFERÊNCIAS
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