UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
MÁRCIO KLEBER MORAIS PESSOA
OBJETIVOS DA ESCOLA E QUALIDADE EDUCACIONAL: ESTUDO SOBRE
AS RELAÇÕES DE PODER QUE PERMEIAM O ENSINO NA ESCOLA HILZA
DIOGO
CEARÁ 2011
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MÁRCIO KLEBER MORAIS PESSOA
OBJETIVOS DA ESCOLA E QUALIDADE EDUCACIONAL: ESTUDO SOBRE
AS RELAÇÕES DE PODER QUE PERMEIAM O ENSINO NA ESCOLA HILZA
DIOGO
Monografia apresentada ao Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial à obtenção do grau especialista em Gestão e Avaliação da Educação Pública. Orientação: Equipe de Suporte Acadêmico – CAEd
CEARÁ 2011
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MÁRCIO KLEBER MORAIS PESSOA
OBJETIVOS DA ESCOLA E QUALIDADE EDUCACIONAL: ESTUDO
SOBRE AS RELAÇÕES DE PODER QUE PERMEIAM O ENSINO NA
ESCOLA HILZA DIOGO
Monografia apresentada ao Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial à obtenção do título de especialista em Gestão e Avaliação da Educação Pública. Aprovada pela seguinte Banca Examinadora:
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Ceará, de de 2011.
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RESUMO
O presente trabalho busca desvendar o que os sujeitos escolares da
Escola de Ensino Fundamental e Médio Dona Hilza Diogo de Oliveira
(localizada em Fortaleza - Ceará) compreendem por objetivos da educação
escolar e como essa compreensão influencia em suas práticas no ambiente
escolar, nos serviços oferecidos e, consequentemente, na qualidade
educacional. Além disso, realizei discussão sobre os objetivos da educação
escolar estipulados pela legislação vigente, visto que os três objetivos (preparar
o educando para o exercício da cidadania e qualificá-lo para o trabalho, além
de desenvolvê-lo plenamente) destacados por essa legislação não são
definidos, o que abre espaço para múltiplas definições e apropriações. Com
isso, propus intervenções na escola visando a definição de seus objetivos por
parte da comunidade escolar, o que pode contribuir para se alcançar a
qualidade educacional. Para tanto, busquei dialogar com autores que discutem
a temática, tais como: Bourdieu, Passeron e Paro. Os métodos utilizados na
pesquisa foram: análise documental, “Observação flutuante”, aplicação de
questionários, realização de entrevistas e revisão de literatura. Alguns
resultados até o momento são: a não-definição dos objetivos contidos na lei
tem como resultado a definição pessoal dos vários agentes escolares, o que
colabora para um quadro onde estes podem praticar ações divergentes, por
buscarem objetivos divergentes, dependendo de cada interpretação individual
da lei, não havendo um consenso nas práticas escolas. Além disso, muitos
sujeitos escolares vêem o ingresso no ensino superior como um dos principais
objetivos da educação, mas as vagas de graduação ofertadas pelas instituições
públicas de ensino superior no Ceará equivalem a aproximadamente 20% do
número de alunos matriculados na terceira série do ensino médio nas
instituições públicas de ensino, logo, aproximadamente 80% dos alunos
estariam fadados a não alcançar esse objetivo.
Palavras-chave: Educação escolar. Objetivos da educação. Serviços educacionais.
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SUMÁRIO
Introdução ...................................................................................................... 05
EEFM Hilza Diogo, 35 anos de tradição no ensino de crianças e jovens
.......................................................................................................................... 07
Interlocutores ................................................................................................. 08
1 - Discussão acerca das concepções fundamentais relacionadas ao tema
dos objetivos da educação escolar ............................................................. 09
1.1 – A educação escolar e seus objetivos ................................................. 10
1.1.1 – A legislação educacional e os objetivos da educação .................. 10
1.1.2 – Os sujeitos escolares e os objetivos da educação ........................ 18
2 - Objetivos, metas e ações ......................................................................... 26
2.1 – Objetivo .................................................................................................. 26
2.2 - Meta(s) e ação(ões) ............................................................................... 26
3. - Pessoas e recursos ................................................................................. 27
3.1 – Pessoas ................................................................................................. 27
3.2 – Recursos ................................................................................................ 27
4. Acompanhamento e avaliação.................................................................. 28
Considerações ............................................................................................... 29
Referências ..................................................................................................... 35
5
Introdução
Sou sociólogo graduado nas modalidades Bacharelado e Licenciatura do
curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará no ano de 2009.
O tema educação foi meu objeto de estudo em alguns trabalhos durante a
graduação, inclusive sendo o tema de meu trabalho de conclusão de curso.
Devido a esse interesse, cursei especialização em Gestão e Avaliação da
Educação Pública, pela Universidade Federal de Juiz de Fora – MG e participei
de concurso público para provimento de cargo de professor pleno da rede
estadual do Ceará, sendo aprovado no segundo semestre de 2010, atuando
hoje como professor da educação básica.
Durante minha pesquisa na graduação, pude perceber que não há um
consenso entre os sujeitos escolares sobre os objetivos da educação escolar:
muitos consideravam a aprovação em exames vestibulares como um dos seus
principais objetivos, o que colocava as escolas privadas no topo da “lista” das
escolas com educação de qualidade. Além disso, a própria legislação
educacional não é clara em relação aos seus objetivos. Assim, me interessou
saber o que esses sujeitos compreendem como os objetivos da educação na
realidade da escola e como essa compreensão influencia nas atividades
pedagógicas desenvolvidas no ambiente escolar e na chamada qualidade dos
serviços educacionais. A oportunidade de realizar essa pesquisa veio com a
produção final para a obtenção de grau de especialista desse curso, o Plano de
Ação Educacional (PAE), em que, através das leituras e discussões
desenvolvidas durante o curso, pude acumular capital teórico e obter condições
objetivas para a realização desse trabalho.
Quando iniciei a elaboração do PAE – agosto de 2010 – não exercia
qualquer função em escolas da rede estadual, logo, me inseri em uma escola
na qual não atuava profissionalmente. Assim, me inseri na Escola de Ensino
Fundamental e Médio Dona Hilza Diogo de Oliveira (Escola Hilza Diogo1), para
buscar desvendar esse objeto de pesquisa. A Escola Hilza Diogo está
localizada no bairro Jardim Guanabara, na periferia da cidade de Fortaleza-
1 A escola pertence à rede estadual e conta com as 8ª e 9ª séries do Ensino Fundamental, além das 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio.
6
CE2, tendo sido fundada em 1975. Realizei a pesquisa levando em
consideração apenas os alunos da 3ª série do ensino médio, visto que estão
próximos de se formar na educação básica, o que pressupõe uma maior
preocupação com o seu futuro na sociedade por se tratar de um período de
decisões que possivelmente influenciarão todo o restante de suas vidas, assim,
o interesse em desvendar os objetivos da escola pode lhes levar a refletir sobre
o assunto, mesmo que subconscientemente. Além desses sujeitos, também
colhi informações de gestores e professores, responsáveis diretos pela
execução dos serviços pedagógico-educacionais.
Após essa explanação inicial, destaco os objetivos desse trabalho: (i)
compreender a percepção dos objetivos da educação escolar dos sujeitos
escolares da Escola Hilza Diogo; (ii) buscar desvendar até que ponto essa
visão pode influenciar nos serviços oferecidos pela escola; (iii) tentar
compreender se essa influência ocasionada pelos sujeitos escolares vai de
encontro ou não à legislação educacional vigente e ao que, teoricamente, é
cobrado pela moral social; (iv) realizar intervenção na escola pesquisada a fim
de que os seus objetivos educacionais sejam definidos pela comunidade
escolar e, assim, possa focar seus serviços e alcançar a qualidade
educacional.
Para desenvolver essa pesquisa necessitei lançar mão dos seguintes
métodos: (1) análise documental: analisei algumas leis, como a Constituição
Federal de 1988 e a Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional), além de documentos de algumas instituições de ensino superior no
estado do Ceará; (2) aplicação de questionários aos alunos, professores e
gestores da escola: com isso terei acesso a dados objetivos que podem
contribuir para a análise desejada; (3) realização de entrevistas semi-
estruturadas: essas entrevistas contribuíram para a análise dos discursos dos
sujeitos escolares de forma mais aprofundada, visto que ao serem interpelados
de forma direta esses indivíduos nem sempre conseguiram se ater ao discurso
oficial, no caso dos professores, e acabam por expor dados que foram bastante
importantes para os objetivos da pesquisa; (4) Lançarei mão da “Observação
2 Essa não é a mesma escola onde realizei minha pesquisa de conclusão de curso de graduação, mas optei por não realizar nova pesquisa na mesma escola, assim, busquei uma escola também da rede estadual mais próxima espacialmente daquela, o que me leva a crer que o público atendido possa ter algumas semelhanças.
7
Flutuante” (GOLDMAN, 1995), que visa realizar estudos em “sociedades
complexas” através de “observações diretas e contínuas”. Dessa forma,
não se faz necessário uma inserção espacial de longo intervalo de tempo no
ambiente de pesquisa. Observações periódicas da ação dos sujeitos, mesmo
que em espaços diversificados, podem ser bastante reveladoras ao
pesquisador; e (5) revisão de literatura, que determinou o diálogo de ideias
existente nesse trabalho ao me possibilitar contrastar a realidade com a teoria
e, assim, definir minha linha de argumentação para o objeto da pesquisa.
Dessa forma, este trabalho está dividido da seguinte forma: no tópico
1.1.1, buscarei compreender o que os sujeitos escolares entendem que sejam
os objetivos da escola e quais suas percepções sobre os objetivos destacados
pela legislação educacional, através da análise de questionários e entrevistas,
além das observações realizadas no ambiente e escolar e do diálogo com as
idéias de estudiosos do assunto, tais como: Bourdieu, Passeron e Paro.
No tópico 1.1.2 me debruçarei na tentativa de saber como as ações dos
sujeitos escolares baseadas em suas ideias em relação aos objetivos escolares
influenciam nas ações pedagógicas efetivadas pela e na escola. Assim,
pretendo compreender como as relações de poder em torno dos reais objetivos
da escola, os efetivados na prática, colaboram com o quadro atual da
educação na escola pública, e se vão de encontro aos objetivos destacados
pela legislação educacional.
Por fim, buscarei propor ações que envolvam esses indivíduos na busca
por definições para os reais objetivos da escola, o que pode, inclusive,
contribuir para a gestão escolar ter mais claro seus objetivos e possíveis ações
para alcançá-los com maior eficiência.
EEFM Hilza Diogo, 35 anos de tradição no ensino de crianças e
jovens
A Escola Hilza Diogo foi fundada em 1975, pelo Decreto nº 17070, de 28
de fevereiro de 1975, segundo consta em seu regimento interno. É uma das
poucas escolas de Ensino Médio da Regional 1 de Fortaleza3, sendo a única
3 A cidade é dividida administrativamente em seis grandes regiões pela Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF). Estas são chamadas de Regionais e contam com centros administrativos
8
opção de quem morava em seu entorno, até 1998, quando a Escola de Ensino
Médio Liceu Vila Velha foi fundada, estando localizada a poucos quarteirões de
distância daquela.
Interlocutores
Os sujeitos escolares que se dispuseram a ser interlocutores neste
trabalho não serão identificados. Assim, receberão nomenclaturas relacionadas
ao segmento escolar ao qual pertencem e a ordem pela qual foram
entrevistados. Todas as entrevistas foram realizadas no ambiente escolar,
estando presentes apenas o interlocutor e o pesquisador. A seguir, algumas
características e informações importantes sobre esses indivíduos:
Aluna A: estuda na escola há aproximadamente 1,5 (um e meio) anos. Tem 17
anos.
Aluna B: estuda na escola há aproximadamente quatro anos. Tem 16 anos.
Aluna C: estuda na escola há aproximadamente quatro anos. Tem 18 anos.
Professora A: recém-ingressa na escola (iniciou seus trabalhos em outubro de
2010), nunca tendo tido experiência como docente anteriormente.
Professora B: ensina na escola há aproximadamente seis anos. Possuía
experiência como docente no setor privado anteriormente e ainda ensina em
estabelecimentos privados, atualmente.
próprios, que estão ligados à prefeitura. As regionais contam com secretários executivos e um corpo burocrático próprio, que trabalham a fim de desenvolver sua região, realizar os serviços burocráticos próprios da prefeitura e atender a população. “A Secretaria Executiva Regional (SER) I abrange 15 bairros [...] Nesta região, moram cerca de 360 mil habitantes. Localizada no extremo Oeste da cidade, foi nesta área que nasceu a nossa Capital”. Disponível em: http://www.fortaleza.ce.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=33&Itemid=49 Acesso em: 05 set. 2010.
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1 - Discussão acerca das concepções fundamentais relacionadas
ao tema dos objetivos da educação escolar
Este trabalho buscará discutir as concepções ligadas aos objetivos da
educação escolar, além das relações de poder que os circundam em nossa
sociedade. Para tanto, dialogarei com autores que tratam do assunto e
buscarei contrastar suas opiniões às observações e relatos dos sujeitos
escolares da Escola Hilza Diogo, além de minhas argumentações.
A educação escolar estabelecida pela legislação educacional vigente no
país pretende reproduzir as relações culturais e sociais de nossa sociedade,
assim como destacam Bourdieu e Passeron (19--). Isso é atestado pela forma
como a ação pedagógica é efetivada no ambiente escolar e pelos conteúdos
que são abordados nesse ambiente, onde o conhecimento científico é a base
principal. Assim, numa sociedade industrial burguesa os alunos têm a
oportunidade de aprender conhecimentos que os levem a se integrar ao modo
de produção existente e possam viver a partir das condições objetivas
oferecidas por essa sociedade, visto que a não-abordagem desses conteúdos
pela escola poderia provocar um “deslocamento” dos alunos, deixando-os à
margem das práticas sociais exercidas pela sociedade atualmente, assim como
destaca Durkheim:
Cada sociedade [...] possui um sistema de educação que se impõe aos indivíduos de modo geralmente irresistível. É uma ilusão acreditar que podemos educar nossos filhos como queremos. Há costumes com relação aos quais somos obrigados a nos conformar; se os desrespeitarmos, muito gravemente, eles se vingarão em nossos filhos. Estes, uma vez adultos, não estarão em estado de viver no meio de seus contemporâneos, com os quais não encontrarão harmonia. Que eles tenham sido educados, segundo idéias passadistas ou futuristas, não importa; num caso, como noutro, não serão de seu tempo e, por conseqüência, não estarão em condições de vida normal. Há, pois, a cada momento, um tipo regulador de educação, do qual não nos podemos separar sem vivas resistências, e que restringem as veleidades dos dissidentes (DURKHEIM, 1965 : p. 36-7).
Compreendo que os autores destacados concordam com a ideia de que
a educação em geral visa reproduzir a sociedade existente, logo, a cultura dos
indivíduos pertencentes às gerações atuais, seus comportamentos e hábitos,
são repassados às novas gerações. Com isso, buscarei saber como e o que
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nossa sociedade cobra que a escola se comporte e ofereça aos alunos, as
novas gerações. Primeiramente, tentarei descobrir o que os sujeitos escolares
entendem dos objetivos da educação estipulados pela legislação.
1.1 – A educação escolar e seus objetivos
Neste tópico buscarei analisar o discurso em torno dos objetivos da
educação escolar presentes na legislação educacional. A educação escolar é
vista pelas sociedades ocidentais como geradora de frutos positivos para a
população em geral, visto que lhe é atribuída a formação dos indivíduos que
viverão em sociedade, que desenvolverão relações conflituosas, mas ao
mesmo tempo harmônicas entre si, garantindo, assim, a unidade social
necessária para os hábitos e costumes da sociedade possam ser reproduzidos
(e transformados, visto que são mutáveis também). Os sujeitos escolares
conhecem os objetivos contidos na legislação, sabem o que significam? Como
trabalham para alcançá-los no ambiente escolar?
1.1.1 – A legislação educacional e os objetivos da educação
A legislação vigente destaca que os fins da educação são três, a saber:
preparar o educando para o exercício da cidadania e qualificá-lo para o
trabalho, além de desenvolvê-lo plenamente4. Pelo que pude compreender das
falas dos sujeitos escolares, esses objetivos não são conhecidos e
disseminados no próprio ambiente escolar, além de não possuírem significados
com sentido prático para os mesmos. Isso ocorre, penso, devido ao fato de os
conceitos de cidadania, trabalho e desenvolvimento não serem definidos nessa
legislação, o que abre espaço para diversas interpretações e, também, para
diversas apropriações, no sentido de que quem possui poder para defini-los, o
faz da forma que lhe interessa, caracterizando um conflito próprio da política
envolvendo um bem tão cobiçado como a educação das novas gerações.
Com isso, um partido político (e os demais grupos sociais que são
representados por esse partido, tais como: empresários, banqueiros,
4 Constituição Federal de 1988, Art. 205, e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Art. 2º.
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movimentos sociais, operários, etc.) que assume a cadeira de governador de
estado pode definir e redefinir esses conceitos, alterando os objetivos da
educação escolar da forma que melhor lhe interessa, por exemplo. Com isso,
cidadania, o primeiro dos objetivos analisados, pode variar do cumprimento
das normas sociais até a aquisição de uma ocupação por parte do aluno, por
exemplo. Vejamos o que alguns sujeitos escolares destacam:
[Cidadania] Para mim, é tudo que envolve o convívio social das pessoas: a boa educação, o respeito ao próximo, a questão da higiene, a questão de você cuidar do ambiente, cuidar das relações sociais, para mim é isso: é você ter as suas obrigações para com a sociedade e entender o que você tem e o que não tem que fazer. (Professora A). [Após definir cidadania] então a minha cidadania é isso (Professora B).
A análise dos relatos das professoras mostra que ambas deixam claro
que essas definições representam suas aspirações pessoais, são subjetivas.
Isso ocorre, creio, porque o conceito de cidadania não é definido na lei, logo, os
professores tentam repassar aos alunos o que entendem por cidadania, que,
em alguns casos, pode vir carregado de preconceitos e estereótipos, visto que
os indivíduos não estão isentos disso, assim como a sociedade, múltiplos
indivíduos, não está.
Um exemplo disso é a definição de cidadania da Professora A, aonde é
exposto um juízo de valor relacionado ao agir dos alunos: “a boa educação”. É
importante ressaltar que a escola pública possui uma diversidade sem
tamanho, jovens com comportamento e hábitos bastante diversos, além do fato
de que a maioria dos alunos da Escola Hilza Diogo pertencem a uma classe
social que, muito provavelmente, não condiz com a classe social à qual
pertence a professora, o que pode influenciar o agir, o pensar e o fazer desses
indivíduos, ou seja, sua cultura. Logo, comportamentos diferentes entre
pessoas de classes diferentes é algo comum, assim, a tal “boa educação”
almejada pela professora pode não condizer com a “boa educação” almejada
pelo aluno e sua família. O que a professora destaca como boa educação pode
representar a manutenção de certas relações de poder no ambiente escolar
que desconsideram todo o capital cultural do aluno e sua família. Logo, a
escola não cumpriria o princípio da contextualização, que defende exatamente
12
a familiaridade do ensino em relação à realidade do aluno. Segundo Candau
(2003),
A escola é uma instituição construída historicamente no contexto da modernidade, considerada como mediação privilegiada para desenvolver uma função social fundamental: transmitir cultura, oferecer às novas gerações o que de mais significativo culturalmente produziu a humanidade. Essa afirmação suscita várias questões: Que entendemos por produções culturais significativas? Quem define os aspectos da cultura, das diferentes culturas que devem fazer parte dos conteúdos escolares? Como se têm dado as mudanças e transformações nessas seleções? Quais os aspectos que têm exercido maior influência nesses processos? Como se configuram em cada contexto concreto? (CANDAU, 2003 ; p. 160).
Pelo que pude compreender, a autora questiona quem decide o que é
válido para permear o currículo escolar, o Projeto Político-Pedagógico (PPP),
ou seja, quem decide o que vai integrar a “alma da escola”, que deve ser
entendido como todos os conteúdos e abordagens que os profissionais
deverão trabalhar no ambiente escolar.
Essa é uma discussão bastante complexa e nova na escola brasileira,
visto que somente após 1988, com a promulgação da Constituição, essa
instituição passou a se universalizar e a atender camadas sociais e públicos
diversos, outrora excluídos do ambiente escolar5. Ademais, o público atendido
pela escola se transformou radicalmente, mesclando várias classes sociais e
culturas, enquanto os métodos utilizados pela mesma se mantiveram assim
como eram quando aquele era homogêneo, logo, esse ambiente passou a ser
palco de conflitos e tensões entre os vários sujeitos escolares. Com isso,
vivemos nesse momento uma reforma na educação básica que perpassa pela
convivência pacífica e respeito entre os diferentes, além da consideração da
história dos vencidos na composição do currículo escolar, visto que a história
oficial geralmente aborda apenas o ponto de vista dos vencedores, como é o
caso, por exemplo, da relação entre colonizadores, colonizados e escravos,
durante o “início” da história do Brasil, a partir de 1500. É interessante perceber
que até o termo descobrimento, amiúde utilizado nos livros e documentos
oficiais, aponta a visão que nos é repassada na escola: os europeus
5 Artigos 205 e 208, I e II.
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descobriram essa terra e a deram vida, logo, o que aqui existia não se
caracterizava como tal.
Da mesma forma, a qualificação para o mundo trabalho não define
de que trabalho se trata, visto que as formatações de trabalho podem variar no
tempo e no espaço, um exemplo disso é o trabalho cooperado6, onde não há a
presença de patrões e empregados, o que caracteriza a exploração da mão-de-
obra, como no formato de trabalho dominante em nossa sociedade capitalista,
há, sim, associados, que dividem o fruto de seu trabalho. A forma de trabalho
dominante nessa sociedade estabelece que
Para ter acesso aos meios de produção e poder produzir sua própria existência material, o trabalhador tem de submeter-se às regras do capital, realizando um trabalho forçado, que não serve a ele, trabalhador, mas ao proprietário do capital (Paro, 1999 : p. 06).
Com isso, a qualificação para o mundo do trabalho pode geralmente se
confundir com a preparação para o chamado mercado de trabalho, o que
contribui para a reprodução dessa forma de trabalho em detrimento de outras
formas. Isso ocorre porque a lei não define se essa qualificação trata-se de
apropriação de uma profissão, ou de outra coisa, o que pode confundir os
sujeitos escolares. Além disso, segundo Abramovay e Castro (2003), há outro
tipo de confusão que pode acometer os sujeitos escolares:
com base na nova concepção de ensino defendida pela atual LDB, entende-se que não se pretende treinar os trabalhadores, mas preparar os alunos para sua integração ao mundo do trabalho com as competências que garantam seu aprimoramento profissional e permitam acompanhar as mudanças que caracterizam a produção do nosso tempo (Abramovay e Castro, 2003 : p. 191).
A partir dessa interpretação da legislação, percebo que não há uma falta
de definição no ambiente escolar apenas do formato de trabalho ao qual os
alunos devem ser preparados, mas também do tipo de formação para o
trabalho ao qual os alunos serão submetidos, ou seja, se os alunos devem 6 Objeto das cooperativas de trabalho, uma forma de trabalho solidário, onde indivíduos se associam e realizam um trabalho conjunto em que todos são donos dos meios de produção e trabalhadores. “Economia Solidária é um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver. Sem explorar os outros, sem querer levar vantagem, sem destruir o ambiente. Cooperando, fortalecendo o grupo, cada um pensando no bem de todos e no próprio bem”. Disponível em: http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/ecosolidaria_oque.asp Acesso em: 25 nov. 2010.
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aprender um ofício, ou devem se apropriar de conhecimentos que os
possibilitem se adaptar a qualquer tipo de profissão sem maiores dificuldades:
[...] existe aquela visão da escola profissionalizante, que eu acho que não passa só por isso, eu acho que uma escola que não é profissionalizante também pode preparar o aluno para o mundo do trabalho. Voltando para a minha área: [...] eu acho que tem várias coisas que vão ajudar, que se aluno desenvolver aquelas habilidades, aqueles conhecimentos, vai ajudar ele no mundo do trabalho. [...] eu acho que tudo que é feito na escola, de certa forma, pode ser levado para a “vida fora” para ajudar na vida do trabalho (Professora A). Eu acho esse objetivo extremamente interessante porque ele torna funcional, “né”, o processo educativo porque muitos alunos não “sentem-se” atraídos porque acham que [a escola] não serve para nada, então a partir do momento que você direciona esse vetor [...] você ganha alguns aliados, uma vez que ele tem que ter, “né”, para chegar ao mercado de trabalho [...] a educação no Brasil já houve um momento onde ela foi extremamente tecnicista, ela era exclusivamente voltada para o mercado de trabalho. E aí, depois, ela abandona um pouco esse tecnicismo. (Professora B).
Ao analisar as falas das professoras percebo que há duas visões
distintas sobre mundo do trabalho, a Professora A destaca que ele não se
resume ao mercado de trabalho, à aquisição de um ofício, um emprego. Para
ela, todo conhecimento adquirido (as chamadas competências e habilidades)
pelo educando contribuirá para a sua vida pós-escola, onde, espera-se, será
um ser produtivo. Já a Professora B, a meu ver, entende esse objetivo como a
oferta de ensino técnico, profissionalizante, ou seja, a apropriação de um ofício
por parte do aluno, inclusive, faz referência à história educacional brasileira7, o
que me leva a crer que a professora concebe o significado de mercado de
trabalho à expressão mundo do trabalho. Mas essa não é uma visão exclusiva
dos professores, os seus alunos também têm uma visão similar a essa e,
inclusive, proporcionada também por esses profissionais:
durante o ano letivo, os professores da gente, alguns, não todos, fazem testes vocacionais para te dizer mais ou menos que carreira tu deve seguir [...] eu acho que a escola está preparando sim a gente para um futuro legal, já “tá” deixando tudo bem caminhado para você sentar ali, fazer sua prova [visando o ingresso no ensino superior], e decidir que futuro você quer seguir (Aluna C).
7 A Lei nº 5.692/71 estabelecia que o 2º grau, atual ensino médio, deveria ser vinculado ao ensino profissionalizante, logo, o aluno concluiria essa etapa dos estudos com uma habilitação profissional.
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A Aluna C enxerga o mundo do trabalho como a aquisição de uma
profissão. No caso, uma profissão que virá através do ensino superior. Com
isso, novamente, percebo que não há consenso entre os sujeitos escolares, o
que pode provocar um confronto de discursos dentro de um mesmo ambiente
escolar, contribuindo para que o objetivo de qualificar o aluno para o mundo do
trabalho não seja alcançado de forma satisfatória.
Essa “confusão” entre mundo do trabalho e o mercado de trabalho
dominante também ocorre com organizações que têm como função contribuir
para o desenvolvimento dos processos educacionais, como a Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)8, através de
uma publicação que levou em consideração a abordagem com sujeitos
escolares de escolas públicas e privadas em treze estados brasileiros: “a
preparação para o trabalho deve ser base para a formação tanto dos que já
estão inseridos no mercado de trabalho quanto daqueles que nele ainda irão se
inserir” (ABRAMOVAY e CASTRO, 2003 : p. 155). Ou seja: essa organização
não legitima outras formas de trabalho para além do trabalho capitalista ao qual
alguns alunos já estão inseridos e ainda entende que uma das funções da
escola pública, financiada pelo dinheiro do povo, deve ser a preparação dos
jovens para ocupar esses postos de trabalho. Vale ressaltar que o Brasil é
signatário de vários tratados e convenções elaborados pela UNESCO9 e esse
documento, em específico, visa servir “de apoio para inferências sobre
significados da escola de ensino médio e formulação de recomendações e
subsídios para políticas” (p. 36). Assim, essa organização pode buscar expor
os significados da educação da forma que lhe interessa, que interessa aos
indivíduos, grupos ou governos que têm poder o suficiente para influenciar
suas decisões.
Em relação ao pleno desenvolvimento, este parece ser o objetivo mais
complicado de se definir, visto que há várias formas de desenvolvimento de um
8 A UNESCO é uma ramificação da Organização das Nações Unidas (ONU), que confere poder quase ilimitado a pouquíssimas nações do mundo, as mais poderosas economicamente, ficando as demais nações à mercê dos interesses daquelas. 9 A Emenda Constitucional 45 altera alguns dispositivos de artigos da Constituição Federal de 1988, dentre eles: Art. 5º, LXXVIII, § 3º “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. A Emenda Constitucional tem por objetivo mudar o texto da Constituição Federal, promulgada em 1988.
16
indivíduo, como o biológico e o cognitivo, por exemplo. Ademais, mesmo que a
interpretação da legislação seja relacionada ao desenvolvimento cognitivo do
educando, como podemos medir esse desenvolvimento? Há um limite possível
para o cérebro humano? A ciência ainda não tem uma resposta para essa
questão, creio. O relato a seguir trata do assunto:
Particularmente eu acho [esse objetivo] utópico, até porque você não tem como aferir essa plenitude: o que é pleno para você, pode não ser pleno pra mim [...] como é que eu posso dizer que “tô” fazendo um trabalho de desenvolver plenamente uma pessoa? Como é que eu vou aferir isso, o que é um ser pleno? Eu não tenho essa competência. (Professora B).
A professora B entende que não é possível afirmar que o trabalho da
educação pode desenvolver o aluno plenamente, visto que é um conceito
bastante subjetivo, exatamente por não ser definido, além de não se saber a
que desenvolvimento está se referindo: se biológico, se cognitivo, se social,
etc. Já a Professora A entende que isso só seria possível se o professor
pudesse dar atenção exclusiva ao aluno:
[...] quando você trabalha com um grupo, você trabalha com diversidade, que eu entendo por desenvolver o aluno plenamente é aquele aluno atingir o máximo da sua capacidade, é você desenvolver as habilidades daqueles alunos para que eles possam atingir o máximo possível, eu acho que [a escola] não [contribui para alcançar esse objetivo] por causa da heterogeneidade, você pega turmas que têm alunos muito bons, mas que nem sempre você consegue “puxar” muito nesse aluno porque também tem aquele aluno que tem um nível muito baixo e você tem também que “puxar” aquele aluno, entendeu, então devido a essa heterogeneidade, que sempre vai existir, eu acho que alguns alunos acabam perdendo um pouco, por causa disso (Professora A).
Pelo relato, percebo que a Professora A tem um entendimento de que o
pleno desenvolvimento estipulado pela legislação deve ocorrer de forma
cognitiva, visto que alguns alunos são prejudicados por estarem no mesmo
grupo de alunos com nível menor, logo, para que a sua aula seja inteligível
para todos, necessita “puxar” desse aluno de nível menor, o que lhe impede de
ministrar aula com o que considera o nível ideal. Como se pode perceber, as
duas professoras, colegas de trabalho da mesma escola, não têm a opinião
similar quando tentam definir o conceito desenvolvimento (assim como os
demais conceitos): para uma é impossível afirmar que a escola desenvolve o
17
aluno plenamente, enquanto para outra isso é possível, desde que haja as
condições de trabalho ideais. Apesar disso, 33,3% dos professores e 25% dos
gestores dessa escola acham que desenvolver o aluno plenamente é o
principal objetivo da educação escolar, é o que mostram os resultados dos
questionários aplicados a esses segmentos. Como a escola pode focar seus
serviços para atingir o patamar de qualidade satisfatório se os sujeitos que
oferecem esse serviço não têm conhecimento sobre o que deve ser focado e
nem consensuam sobre os mesmos?
Segundo Paro (2000), a qualidade educacional depende diretamente de
seus objetivos, visto que alcançar os objetivos de qualquer empresa significa
seu sucesso, assim, qualidade educacional
depende intimamente dos objetivos que se pretende buscar com a educação, quando estes não estão suficientemente explicitados e justificados pode acontecer de, em acréscimo à não correspondência entre medidas proclamadas e resultados obtidos, estar-se empenhando na realização dos fins errados ou não inteiramente de acordo com o que se pretende (PARO, 2000 : p. 24).
Logo, o autor entende que os objetivos da educação devem ser
claramente definidos, visto que a educação possui um papel social de extrema
importância em nossa sociedade, assim, é preocupante a “ausência de um
conceito inequívoco de qualidade”. É importante destacar que Paro se refere
particularmente ao ensino fundamental, mas seu texto pode facilmente dialogar
com a situação do ensino médio, devido às similaridades em relação ao tema.
Ademais, o autor não esclarece se está se reportando ao nível de ensino
fundamental, um dos três níveis de ensino que compõem a educação básica,
ou à educação básica em si, que, por ser básica, é fundamental.
Como tentei destacar, os objetivos da educação escolar não são
claramente definidos no Brasil, logo, é possível que esses objetivos mudem de
uma escola para outra, ou mesmo de um sujeito para outro de uma mesma
escola. Isso pode fazer com que os serviços oferecidos não obtenham o
patamar de qualidade desejado/necessário. Dessa forma, adiante discutirei o
que os sujeitos escolares entendem por objetivos da educação e como esse
entendimento influencia suas posturas e ações.
18
1.1.2 – Os sujeitos escolares e os objetivos da educação
Neste tópico discutirei como os sujeitos escolares compreendem os
objetivos da educação escolar: para que serve, por que é necessário estudar?
Minha intenção é buscar saber o que esses sujeitos compreendem por
objetivos da educação escolar (não necessariamente o que a legislação
estabelece), o que lhes interessa, e como essa compreensão influencia na
efetivação dos serviços educacionais, visto que dialogarei com os indivíduos
que são responsáveis pela oferta direta dos serviços, professores e gestores,
e, também, com os que se beneficiam dessa oferta, os alunos. Com isso,
destacarei três aspectos que foram os mais destacados ou os que mais
chamaram minha atenção no trabalho de campo realizado.
Os objetivos da educação e as avaliações governamentais
Segundo Bourdieu e Passeron (19--), toda ação pedagógica é uma
violência simbólica, visto que pode ser considerada a imposição de costumes e
valores de uma geração em relação à outra. No caso da educação escolar, a
sociedade ocidental capitalista busca moldar as novas gerações para que
possam reproduzir as relações sócio-político-econômicas existentes,
caracterizadas, principalmente, pela exploração da chamada mão-de-obra livre.
Assim, a escola tem um papel simbólico de garantir que os indivíduos se
agreguem a esse sistema e passem a geri-lo e a serem geridos por ele. No
Brasil, o governo e os sistemas de ensino são signatários de vários acordos
internacionais envolvendo educação escolar, muitos moderados pela
UNESCO, ou outras organizações compostas, principalmente, por países
ocidentais considerados desenvolvidos economicamente.
Um desses acordos diz respeito ao índice de desenvolvimento da
educação nos vários países. No Brasil esse índice é medido pelo IDEB (Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica)10, que leva em consideração apenas
10 “O IDEB é um índice similar a adotados por países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ou seja, o Governo Federal tem interesses em que a educação nacional seja reconhecida no exterior, legitimando a forma de educação escolar aplicada por esses países, obviamente, deslegitimando outras formas. Essa ação tem sua contrapartida: os sistemas educacionais desses países são reconhecidos no
19
o nível de proficiência dos alunos em Português e Matemática e o fluxo escolar.
É importante observar que o currículo do ensino médio brasileiro conta
geralmente com mais de dez disciplinas, mas apenas essas duas são
consideradas para medir o índice. Logo, percebo que há uma supervalorização
de ambas, em detrimento das demais, isso pode ser observado pela carga
horária destinada às disciplinas na Escola Hilza Diogo:
Quadro 01: Carga horária semanal no turno tarde das disciplinas na escola Hilza Diogo.
Carga horária semanal (hora-aula) Disciplinas
01 Sociologia, Filosofia, Línguas
Estrangeiras e Artes.
02 História, Geografia, Química, Física,
Biologia e Educação Física.
05 Matemática e Português.
Fonte: entrevista com Aluna C.
Essa valorização ocorre, creio, porque o Brasil estabeleceu metas de
aumento desse índice até o ano de 2022, cujo objetivo é atingir um índice igual
a 6 (seis), nota média dos países desenvolvidos11, logo, ao aumentar a carga
horária dessas disciplinas, os governos estão pensando em aumentar o índice
do país e poder apresentá-lo como um país com educação “desenvolvida”, ou
seja, que possui índices idênticos aos dos países mais desenvolvidos
economicamente. Com isso, os gestores escolares da Escola Hilza Diogo
buscam reforçar o ensino de ambas as disciplinas com o objetivo de que seus
alunos tenham bom desempenho nas avaliações em larga escala e, assim, a
escola possa ficar bem colocada no ranking do IDEB. Mas essa cobrança não
parte necessariamente do corpo escolar, e, sim, do sistema de ensino, visto
que a SEDUC-CE busca melhorar o desempenho da rede estadual e, assim,
conseguir resultados satisfatórios, o que contribui para a propaganda positiva
mundo ocidental como eficientes, logo, se ‘igualar’ a eles significa ter a escola brasileira reconhecida como eficiente” (PESSOA, 2009 : p. 27-8). 11 Atualmente, a nota média da educação no país no IDEB é de aproximadamente 4 (quatro). Disponível em: http://portalideb.inep.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=40&Itemid=58 Acesso em: 21 nov. 2010.
20
do governo que desenvolveu as políticas de melhoramento12. Os relatos dos
sujeitos escolares sobre os padrões de qualidade cobrados pelo governo
confirmam isso:
A cobrança é legítima. Legítima em que sentido? Eu “tô” investindo e eu quero uma prestação de contas do meu investimento. Então eu não vejo nenhum mal de que haja essa cobrança (Professora B).
Como se pode perceber, a Professora B reconhece que há cobrança por
parte do governo estadual, logo, essa cobrança influencia os serviços
educacionais oferecidos pela escola, moldando objetivos da educação escolar
e interferindo no que se entende por qualidade educacional.
Os objetivos da educação e a cidadania
Para os sujeitos escolares da Escola Hilza Diogo, cidadania é uma
palavra muito comum, por estar sempre presente no discurso dos gestores e
professores. A cidadania é um dos objetivos da educação escolar presentes na
legislação, como destaquei anteriormente, mas, assim como o destacado, essa
palavra pode assumir significados diversos, logo, os métodos empregados pela
escola e por cada professor ou gestor podem divergir e, assim, talvez não
atingir o objetivo de contribuir para a obtenção da cidadania por parte do aluno,
independentemente do que signifique. Esse leque de definições não é algo
exclusivo da Escola Hilza Diogo, como se pode observar na pesquisa de
Abramovay e Castro (2003 : p. 200): “Vale ressaltar que essa finalidade, a
depender dos informantes, assume diferentes denominações: formação
integral, desenvolvimento do senso político, preparo para a vida, entre outras”.
Segundo Paro (2000), a educação escolar contribui tanto para a uma
dimensão individual do educando, ligada ao seu desenvolvimento cognitivo,
12 No Ceará existe uma avaliação em larga escala que também aborda apenas os conhecimentos de Português e Matemática, o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE). Como forma de estimular alunos e funcionários, o governo oferece premiações e gratificações financeiras, respectivamente, caso atinjam notas e frequência estipuladas. Disponível em: http://portal.seduc.ce.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2097&catid=2097&Itemid=76 Acesso em: 23 nov. 2010.
21
subconsciente e subjetivo, quanto contribui também para uma dimensão social
que
liga-se à formação do cidadão tendo em vista sua contribuição para a sociedade, de modo que sua atuação concorra para a construção de uma ordem social mais adequada à realização do "viver bem" de todos, ou seja, para a realização da liberdade enquanto construção social (PARO, 2000 : p. 24).
Essa dimensão social, segundo o próprio autor, pode ser denominada de
educação para a democracia, visto que os processos democráticos contribuem
para o entendimento entre os indivíduos e os povos. Apesar disso, a gestão
democrática, ferramenta obrigatória na escola pública13, não é medida como
uma forma de contribuir para a qualidade educacional, por exemplo. Existem
várias avaliações no país que medem diferentes características das escolas e
dos sujeitos escolares (conforme destaquei no tópico anterior), mas não há
uma avaliação que meça a influência do ambiente democrático no objetivo
estipulado pela legislação educacional: preparar o educando para o exercício
da cidadania.
Em relação aos discursos dos sujeitos escolares, pude perceber que
gestores e professores adotam um discurso onde os objetivos da educação
escolar parecem estar diretamente ligados com o bem-estar coletivo, o que, em
regra, é proporcionado pela excelente formação de cidadãos, como pode ser
observado nos relatos a seguir:
[...] cidadania, para mim, é você perceber o que tem que ser feito, “né”, para se construir a harmonia da convivência social [...] o aluno respeitar horário, respeitar regras, respeitar o espaço do outro, respeitar aquilo que está sendo informado, de certa forma [...] [a escola] já está preparando para a cidadania (Professora B). [...] dentro da minha sala de aula, eu não aceito desrespeito. O aluno que desrespeitar outro, ele é punido. O aluno que jogar papel no chão, eu também chamo a atenção, então assim: várias questões de cidadania, se o professor tem a postura de não aceitar determinadas coisas dentro da sala de aula, você começa a trabalhar questões de cidadania (Professora A).
Pelo que pude compreender do relato acima, as professoras percebem
a educação escolar como uma produtora de cidadãos, ou seja, o objetivo da
13 Lei nº 9.394/96 (LDB), Art. 3º VIII.
22
educação escolar é colaborar para “despertar” a cidadania dos alunos... Mas
qual cidadania? O que significa essa palavra? Para alguns sujeitos, por
exemplo, a cidadania parece só poder ser alcançada dentro da escola, ou seja,
se o aluno aprender as competências e habilidades estipuladas pela escola e
realizar todas as atividades propostas por ela:
[...] aqui no colégio nós “tamos” com um projeto, desenvolvido por um professor, em que os meninos têm aula de dança e têm reforço de matemática... A professora de dança volta pra casa, certo, porque é dado no contra-turno, o professor de matemática fica sem fazer nada porque os alunos não se mobilizam em vir, certo, para assistir aquilo que se está oferecendo... E aí eu pergunto: será que ele sabe o que é cidadania? Por quê? Por que a partir do momento em que ele nega a si próprio as oportunidades que caem nas mãos dele, “né”, ter uma outra percepção de mundo, se relacionar mais fraternamente [...] (professora B).
A professora B tem um entendimento, a meu ver, de que só a escola
contribui para a cidadania dos alunos, como se a sociedade em geral também
não contribuísse para isso. Esse argumento, inclusive, parece se contrapor ao
primeiro argumento dessa mesma professora sobre cidadania: “respeitar o
espaço do outro” (ver relato na página anterior). Assim, talvez o projeto
desenvolvido pela escola não seja agradável aos alunos, não lhes interesse,
logo, se considerarmos que uma das características de cidadania é respeitar o
espaço do outro, como destacou a Professora B, temos que considerar que o
aluno tem a liberdade de frequentar esses momentos, ou não.
Pelo relato dos alunos também é perceptível que os professores e
gestores sempre revisitam a cidadania em seus discursos no ambiente escolar,
conforme responde a Aluna A quando lhe é perguntado qual seria o principal
objetivo da escola, a saber: “uma coisa que os professores sempre falam, mas
que eu acho também, é tornar a gente um cidadão: fazer com que tudo que
eles passam aqui a gente aprenda e ‘toque a vida para frente’”. Pelo que
percebo, os sujeitos escolares em geral adotam o discurso da cidadania como
um dos principais objetivos da educação escolar, mesmo que não haja
consenso do que seja. Vejamos o que essa aluna relata quando lhe é
questionado o que os professores definem por cidadão, já que “sempre falam”:
“[os professores] só abrem a boca para dizer que é para formar um cidadão,
saber da matemática, da física, da química, porque tudo isso vai fazer parte da
23
vida da gente”. A partir desse relato, é possível compreender que os
professores dessa escola entendem que a cidadania é algo transversal às
disciplinas, suas competências e habilidades, ou seja, saber resolver uma
Equação de 2º grau, saber como descobrir o grau de refração em uma
superfície, ou mesmo ter conhecimento sobre a Tabela Periódica é condição
para o exercício da cidadania, pelo que pude perceber14.
Os objetivos da educação e o Ensino Superior
Para muitos dos sujeitos escolares um dos principais objetivos da
educação escolar é o ingresso dos alunos no ensino superior, que não deixa de
ser uma preparação para o mundo do trabalho, visto que possuir formação em
um curso superior significa, muitas vezes, ter acesso a conhecimentos que
contribuirão para a aquisição de um ofício, uma sociabilidade ímpar e, também,
empregos melhor remunerados. No Brasil, todas as Instituições Públicas de
Ensino Superior (IPES) realizam exames vestibulares para selecionar os
indivíduos que irão ocupar vagas dos cursos de graduação. Isso ocorre porque
o número de alunos que deseja ingressar nesse nível de ensino é maior do que
o número de vagas ofertadas, logo, essas instituições têm autonomia para
escolher o tipo de exame que irá selecionar seus alunos. Atualmente, muitas
dessas instituições estão utilizando o Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM) como instrumento de seleção, mas várias ainda utilizam os chamados
exames vestibulares, que geralmente possui um formato um pouco
diferenciado em relação à prova do ENEM, pois trabalham mais com a
memorização em detrimento da interdisciplinaridade e contextualização, mais
abordadas pelo exame nacional. Ademais, este exame pode ser utilizado pelas
instituições apenas como critério parcial de seleção, sendo conjugado com
outros instrumentos e fases de seleção15.
Muitos alunos que estão concluindo o ensino médio prestam exames
vestibulares com o intuito de ingressar no ensino superior, visto que possuir
formação nesse nível de ensino significa, além de possibilidade de ascensão
14 Equação do 2º grau, Refração e Tabela Periódica são temas das disciplinas Matemática, Física e Química, respectivamente. 15 Disponível em: http://www.enem.inep.gov.br/enem.php Acesso em: 22 nov. 2010.
24
financeira, um sonho que mexe com o imaginário dos indivíduos em geral... Ser
graduado possui um status diferenciado na sociedade brasileira: até
recentemente, pessoas com certificado de ensino superior possuíam
tratamento diferenciado em relação à justiça16, por exemplo, além do fator
ligado à possibilidade de mobilidade social. Assim, o acesso ao ensino superior
é destacado pelos sujeitos escolares como um objetivo da escola:
Ele se torna um objetivo, ele é construído, certo, para ser um objetivo. Por quê? Por que a forma de se adentrar no mercado de trabalho mais clássica e de melhor representatividade é a certificação de que você tem um terceiro grau [ensino superior], então a própria sociedade criou essa regra, então ele é a partir dessa construção social, então não posso negar (professora B).
Como destaca a Professora B, é um “objetivo construído” pelos sujeitos
sociais, que o enxergam como algo importante, mas há algo, além disso, que
pode ser extraído dessa fala: a professora se refere ao ingresso no ensino
superior como se não fosse algo oficial, ainda algo à margem do discurso
oficial, mas que não pode ser negado. A professora tem razão ao afirmar isso,
pois não consta na legislação educacional e, por exemplo, para 73% dos
alunos da Escola Hilza Diogo, ingressar no ensino superior é o principal
objetivo da escola. Vale ressaltar que o preparo do aluno para o exercício da
cidadania, uma das opções para a pergunta (e que consta na legislação),
obteve 0% (zero porcento) de indicações17.
Paro (2000 : p. 25) chama essa obsessão pela aprovação em exames
vestibulares de “paradigma do credencialismo”
[...] pelo qual educadores e educandos preocupam-se mais com exames e aprovações do que com a apreensão do saber e com o gosto pelo conhecimento, alia-se a meta essencial de preparar para o mercado de trabalho ou para o vestibular universitário (PARO, 1999 apud PARO, 2000 : p. 25).
O que o autor busca destacar, creio, diz respeito ao fato de a reprodução
social, ocasionada pela transmissão de saberes e conhecimentos de uma
16 Código Penal Brasileiro, Art. 295, VII: “Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva: VII - os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República”. Vale ressaltar que esse texto foi modificado recentemente, retirando esse benefício. 17 Fonte: questionário aplicado aos alunos da escola Hilza Diogo.
25
geração para outra, não ser, em alguns casos, priorizada pelos sujeitos
escolares, que dão maior ênfase a exames que muitas vezes não medem
conhecimento, mas simplesmente priorizam a memorização. No trabalho de
Abramovay e Castro (2003), a aprovação em exames vestibulares se mostrou
supervalorizado, principalmente, pelos alunos, chegando a se caracterizar
como um critério de qualidade:
Esse contexto [de ensino voltado para preparação para o vestibular] acaba impedindo tentativas de redirecionamento do ensino médio e fazendo com que a busca incessante pela aprovação do aluno nesse exame determine o sucesso do ensino. Uma escola que não prioriza essa diretriz torna-se, na opinião dos alunos, uma escola ruim. Assim, o índice de aprovação no vestibular acaba sendo um critério primordial na avaliação do ensino, um qualificador do que é uma boa escola e um ensino de qualidade (Abramovay e Castro, 2003 : p. 175).
Compreendo que o ingresso no ensino superior é um dos principais
objetivos de quem está no ensino médio, tanto formando, quanto sendo
formado. As estruturas de poder dessa sociedade, conforme destacou a
Professora B, contribuem para que isso ocorra.
Por fim, tentei expor nesse espaço as contradições entre o que a lei
estipula e o que é estipulado por quem constrói a educação escolar. É
interessante perceber que a lei é escrita para que seja respeitada, mas uma lei
que não condiz com os hábitos e costumes de uma sociedade corre o risco de
ser constantemente desrespeitada, que é o que ocorre nesse caso, na minha
percepção. Como fazer então para que a escola passe a ter regras rígidas, não
no sentido de privar os sujeitos escolares de suas liberdades, o que poderia
provocar um efeito contrário ao desejado em relação à construção do
conhecimento, mas, sim, no sentido de que esses sujeitos possam unir suas
ações e ideias para potencializar ainda mais o fruto da educação escolar? Isso
é o que tentarei propor no espaço seguinte deste trabalho.
26
2 - Objetivos, metas e ações
Este trabalho se propõe a criar mecanismos de intervenção na Escola
Hilza Diogo, visto que os resultados alcançados mostram que a não
especificação dos objetivos da educação escolar pode contribuir para os
serviços educacionais não se focalizarem e atingirem objetivos que não
necessariamente atendem às aspirações da comunidade e sujeitos escolares.
Dessa forma, a seguir proporei objetivos, metas e ações que visam contribuir
para os sujeitos escolares definirem seus objetivos educacionais e, assim,
poderem “falar a mesma língua” em busca dos mesmos fins.
2.1 - Objetivos
Promover discussões e ações no ambiente escolar e para além dele
visando definir os objetivos da educação escolar destacados pela legislação
educacional, garantindo que os gestores e demais segmentos escolares, além
da sociedade em geral, possam direcionar seus esforços para se atingir a tão
almejada qualidade educacional.
2.2 - Metas e ações
META AÇÃO
Realizar a definição dos objetivos da educação nessa escola, esclarecendo a todos os segmentos o que se pretende alcançar com o processo educacional desenvolvido na mesma. Cada segmento escolar deverá alcançar o mínimo de 15% de participação para garantir a sua representatividade. Ao final dos primeiros 100 (cem) dias letivos (50% do ano letivo) os objetivos da escola devem ser definidos e acrescentados aos documentos oficiais da unidade escolar
1. Planejar palestras e/ou seminários com especialistas da área de educação escolar voltados para os segmentos escolares, visando conscientizá-los de forma crítica para que possam contribuir na definição dos objetivos da educação escolar.
2. Acrescentar as modificações propostas no Projeto Político-Pedagógico e demais documentos da escola, visando seu cumprimento no ambiente escolar.
27
3 - Pessoas e recursos
Para realizar as intervenções propostas no tópico acima, a participação
de indivíduos ligados à escola e ao tema será imprescindível. Além disso,
recursos serão necessários para a execução das mesmas. Com isso, destaco
a seguir pessoas e recursos necessários.
3.1 - Pessoas
Cargo/função Responsabilidade(s)
Segmentos escolares e possíveis
representantes da sociedade civil que
atuem na escola através do Conselho
Escolar.
Planejamento, organização,
implementação, acompanhamento e
avaliação das ações propostas.
3.2 - Recursos
Elementos de despesa Definição de recursos Custo
Material de consumo Tonner (01 unidade), papel A4 (05
resmas), cd (100 unidades), pincel
atômico (20 unidades).
1.000,00
Serviços de terceiros Palestrante e facilitador. Serão
convidados especialistas na área
de educação escolar e direito
constitucional, principalmente os
que participam de fóruns e
comissões ligadas ao assunto.
2.000,00
Equipamentos e material
permanente
Notebook, datashow, auditório.
Serão utilizados os equipamentos
disponíveis na escola.
Sem custo
28
4 - Acompanhamento e avaliação
O trabalho de acompanhamento dos objetivos, metas e ações é
necessário para tentar medir a sua eficiência, além de realizar possíveis
alterações que se façam necessárias, de acordo com a avaliação realizada.
Ação Acompanhamento/ Avaliação (indicadores)
1. Promover encontros a cada duas semanas com oficinas ministradas por especialistas da área de educação escolar para o público de alunos.
• Verificação do cumprimento do cronograma dos encontros;
• Ata dos encontros; • Elaboração de textos que definam os
objetivos da educação escolar, segundo a aspiração dos alunos e com a colaboração dos especialistas18.
2. Promover encontros a cada duas semanas com palestras e oficinas ministradas por especialistas da área de educação escolar e direito constitucional para o público da comunidade escolar em geral.
• Verificação do cumprimento do cronograma dos encontros;
• Ata dos encontros; • Elaboração de textos que definam os
objetivos da educação escolar, segundo a aspiração dos sujeitos envolvidos e com a colaboração dos especialistas.
Os encontros devem ocorrer a cada duas semanas e de forma
alternada, ou seja, numa semana encontro com alunos, em outro com a
comunidade escolar em geral, de maneira que as deliberações de um possam
ser discutidos no outro. Os encontros devem ser registrados em ata, com o
objetivo de se definir os textos dos objetivos da educação escolar daquela
unidade escolar.
18 A intenção dos encontros específicos para as crianças e jovens é poder criar um ambiente propício para a participação de público tão especial, visto que o ambiente de discussões de adultos pode criar um impedimento da participação daqueles.
29
Considerações
Para tecer as considerações finais deste trabalho necessito esclarecer
que sou pesquisador e me esforcei ao máximo para realizar uma análise
objetiva do material colhido em campo e dos diálogos realizados, deixando
minhas paixões de lado... Felizmente, isso é impossível para todo e qualquer
ser humano. Dessa forma, afirmo para quem tenha dúvida: sou um ser
humano, e, além disso, um grande incentivador do sucesso da educação
escolar pública, assim, exponho que minha intenção ao realizar essa pesquisa
foi contribuir para que a escola pública possa realizar um trabalho eficiente e
que possa finalmente ter seu verdadeiro valor reconhecido pela sociedade
brasileira. Sou um militante da educação de qualidade... Educação pública de
qualidade, assim como o grande sociólogo Florestan Fernandes se declarava.
Ainda necessito trabalhar muito para contribuir pelo menos com uma pequena
parcela do que ele contribuiu, mas me alegra saber que estou tentando.
Agora, que esclareci o que devia, retorno às considerações do trabalho.
As dividirei em quatro partes, sendo três delas direcionadas aos três tópicos
em que discuti os objetivos da educação escolar pela ótica dos sujeitos
escolares, e a quarta será a conclusão.
Considerações acerca das avaliações governamentais
Em relação às avaliações governamentais, destaco que há uma
supervalorização das disciplinas Português e Matemática, em detrimento às
demais. É interessante perceber que isso ocorre porque há uma
supervalorização desses conhecimentos básicos pelos países que compõem a
comunidade internacional, visto que compõem as principais avaliações em
larga escala da educação escolar nesses países, logo, uma forma de o Brasil
conseguir ter sua educação bem avaliada é aumentando a carga horária
dessas disciplinas para que os alunos possam aumentar seus níveis de
proficiência. Destaco também que a norma culta da língua portuguesa é
apenas uma ramificação da língua, logo, o não-domínio dessa norma não
impede os indivíduos de se comunicar, assim, é cobrado dos alunos que se
adaptem a essa norma não-essencial, enquanto conhecimentos que podem
30
contribuir com seu senso crítico, como os de sociologia e filosofia19, que podem
contribuir de forma determinante para que o aluno possa realizar, por exemplo,
uma crítica ao formato do trabalho capitalista dominante em nossa sociedade,
são subvalorizados.
A escola é responsável por formar o aluno em várias esferas da vida
humana, logo,
A educação se faz, assim, também, com a assimilação de valores, gostos e preferências, hábitos e posturas, o desenvolvimento de habilidades e aptidões e a adoção de crenças, convicções e expectativas. Esses elementos nem sempre são passíveis de medição pelos tipos de testes e provas disponíveis, aferidores de conhecimentos e informações (Paro, 2000 : p. 28).
A medição quase que exclusiva dos conhecimentos de português e
matemática pode revelar os interesses de quem avalia a educação, visto que
esses são os conhecimentos básicos para que um trabalhador possa assumir
com eficiência um posto de trabalho no mercado capitalista, por exemplo. Não
devemos esquecer que a educação escolar é motivo de disputa política entre
os vários grupos e classes sociais que compõem nossa sociedade.
Considerações acerca da cidadania
Em relação à cidadania, considero que deve ser um dos principais
objetivos da educação escolar, assim como os sujeitos escolares também
destacaram, mas é necessário que se saiba o que significa essa palavra, caso
contrário os sujeitos escolares podem atribuir significados diversos a esse
objetivo e, assim, gerar uma multiplicidade de ações descontínuas, que têm por
objetivo desenvolver a cidadania do educando, mas que podem não surtir o
efeito esperado exatamente por causa da falta de suporte de todos os
indivíduos necessários para desenvolver ação tão importante. Algo que se
deve evitar é não considerar a diversidade presente na escola ao definir
cidadania, visto que alguns sujeitos escolares parecem entender por cidadania
a forma como se comportam, ou seja, de forma etnocêntrica percebem seus
19 Na escola Hilza Diogo as disciplinas português e matemática possuem carga horária semanal de cinco horas-aula, enquanto as demais possuem uma ou duas, no máximo. Sociologia e Filosofia figuram no grupo que possui apenas uma.
31
comportamentos e valores corretos e consideram comportamentos e valores
diferentes errados. Num ambiente como uma escola esse tipo de
comportamento tende a discriminar o aluno e sua origem, visto que,
provavelmente, professores e alunos não pertencem a uma mesma classe
social e não possuem capital cultural idêntico, inclusive, pelo fato de o
professor já ter passado por níveis mais avançados de educação escolar, o que
lhe confere certos signos, hábitos e comportamentos não apropriados pelos
alunos.
Considerações acerca do ingresso no ensino superior
Em relação ao ensino superior, é importante perceber que se o objetivo
da escola se limitar a isso a educação já inicia seu trabalho “derrotada”, visto
que o número de vagas nos cursos de graduação de instituições públicas não é
suficiente para todos os alunos que concluem o ensino médio poderem
ingressar no ensino superior, conforme se pode conferir no quadro a seguir:
Quadro 02: Vagas anuais ofertadas em cursos de graduação e técnicos das Instituições Públicas de Ensino Superior (IPES) no estado do Ceará.
UFC20 UECE21 URCA22 UVA
(Sobral)23
IFCE24 Total25
Vagas em
cursos de
graduação
e técnicos
7.596
3.955
2.215
1.830
1.765
17.361
Fonte: Mapa dos cursos de graduação da UFC (Atualizado em 31.03.2010), Edital nº 03/2010 – CEV (URCA), Edital 06/2010 – CEV (URCA), Manual do candidato Vestibular 2011.1 (UECE), Concorrência Vestibular 2010.2 (UECE), ProGrad (UVA), Cartaz Processo Seletivo IFCE 2011 – Cursos Superiores.
20 Universidade Federal do Ceará. 21 Universidade Estadual do Ceará. 22 Universidade Regional do Cariri. 23 A Universidade Estadual do Vale do Acaraú oferece cursos pagos em vários estados do Norte/Nordeste, além de em quase todos os municípios cearenses. Os números apresentados consideram apenas os cursos oferecidos na sede administrativa da Universidade, a cidade de Sobral - CE, onde os cursos são gratuitos. 24 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará. 25 O total de vagas leva em consideração tanto cursos presenciais como a distância.
32
O total de vagas não chega a dezoito mil, enquanto o número de alunos
matriculados na 3ª série do ensino médio, série final desse nível de ensino, na
rede estadual do Ceará é de 92.190 (noventa e dois mil cento e noventa)26.
Assim, caso o principal objetivo da educação escolar seja o ingresso no ensino
superior, o trabalho da escola será um fracasso para quase 80% de seus
alunos, que ficarão de fora da Universidade devido à seleção existente para
ingresso. Um fracasso que seria decretado ao se iniciar o trabalho, visto que o
número de vagas nas IPES aumenta muito pouco de um ano para outro, logo,
seria praticamente impossível inserir noventa e dois mil alunos no ensino
superior a cada ano.
Concordo que o ingresso no ensino superior é muito importante para o
desenvolvimento do país, assim como é para a realização pessoal dos
indivíduos e para o convívio social, conforme destaquei anteriormente. Apesar
disso, creio que a escola deve oferecer um ensino cuja preparação para os
exames vestibulares não seja um objetivo geral, visto que para muitos alunos
(a maioria, que não consegue aprovação nos exames) o ensino se tornará sem
sentido porque que os conhecimentos e métodos aplicados nos vestibulares
podem não ter objetivo prático na vida dos alunos que não seguirão o caminho
do ensino superior.
À guisa de conclusão, destaco que as Universidades devem se
preocupar mais com a formação dos professores e trabalharem no sentido de
reforçar as discussões sobre multiculturalismo para evitar que profissionais e
alunos sejam estranhos entre si e se violentem mutuamente ao acharem que
um deve mudar o outro, que o comportamento do outro é inferior ou estranho,
isso contribuirá para que a escola defina seus objetivos de acordo com as
aspirações de seu público, diverso e múltiplo.
Por fim, destaco que os docentes se encontram em uma situação
bastante incomoda porque a carga horária em sala de aula torna o trabalho
árduo e cansativo, visto que apenas 20% da carga horária semanal de trabalho
é reservada para atividades extra-classe, tais como: planejamento, estudos,
26 Dados de 2006, que consideram apenas a rede estadual pública de educação básica. É possível que esse número seja maior atualmente porque as matrículas no ensino médio vêm se universalizando cada dia mais no país. Além disso, as redes municipal e federal também podem ofertar esse nível de ensino. Fonte: MEC/INEP.
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pesquisas, etc. Logo, há uma grande dificuldade em reunir os profissionais de
uma escola para que possam discutir os objetivos da educação escolar. Com
isso, destaco que se faz necessário que a Lei nº 11.738/2008 (Lei do Piso
Salarial dos Professores) seja respeitada integralmente, o que aumentaria essa
carga horária extra-classe para 33% da carga total (Art. 2º, § 4º), além de
estabelecer o piso salarial para a categoria (Art. 2º e 5º). Além disso, entendo
que também é necessário aumentar o valor do piso salarial da categoria e
garantir que, devido a isso, os professores possam trabalhar com Dedicação
Exclusiva, evitando que busquem um segundo emprego para complementar a
renda familiar e, assim, dediquem menos tempo ainda à atividade de professor
na escola pública. Um complemento a isso seria aumentar a carga horária para
atividades extra-classe para 50% da carga total, com isso potencializando o
rendimento em sala de aula, visto que contribuiria com as discussões,
planejamentos e estudos do corpo escolar.
Talvez essas medidas possam contribuir para definirmos e,
consequentemente, buscarmos de forma orientada a tão almejada qualidade
educacional, visto que para isso há a
necessidade de empreender uma reflexão em profundidade do conceito de qualidade da educação escolar. A multiplicidade de pontos de vista, nem sempre explícitos, e a imprecisão e mesmo superficialidade de muitas produções sobre o tema têm concorrido para a falta de rigor nos discursos e nos propósitos sobre o real papel da escola que em nada contribui para uma visão realista do que se pretende e se deve defender como uma educação de acordo com os interesses do cidadão e da sociedade, servindo apenas àqueles interessados em protelar soluções ou em impor o ponto de vista dos donos do poder político e econômico (Paro, 2000 : p. 26-7).
A visão do autor converge com o que argumentei durante todo o trabalho
aqui exposto, a saber: a escola não consegue definir seus objetivos, logo,
quem tem mais poder para direcionar as ações e serviços educacionais o faz
da forma que lhe interessa. Tenho que ressaltar que a ideologia dominante
nessa sociedade contribui para manter relações de dominação e exploração
históricas, mantendo status e privilégios conquistados de forma socialmente
definida. Para esse autor,
Em síntese, o que parece essencial na defesa da escola pública de qualidade é que esta se refira à educação por inteiro, não apenas a
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aspectos parciais passíveis de serem medidos mediante provas e exames convencionais (Paro, 2000 : p. 35).
Pelo que pude compreender, o autor destaca a supervalorização dos
resultados, dos números, na educação escolar, geralmente medidos por
“provas e exames convencionais”, em detrimento de outros aspectos de
fundamental importância na educação e que se referem à “educação por
inteiro”, tais como, a meu ver: o exercício da cidadania, o pleno
desenvolvimento e a qualificação para o mundo do trabalho, exatamente os
três objetivos destacados na legislação educacional e que parecem ser
subvalorizados quando se trata da medição da contribuição da escola na vida
dos indivíduos.
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Referências
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vozes. Brasília : UNESCO, MEC, 2003. 662p. (Introdução e Capítulo 3).
BOURDIEU, Pierre e PASSERON, Jean-Claude. A reprodução:
elementos para uma teoria do sistema de ensino. Tradução: C. Perdigão
Gomes da Silva. Lisboa : Ed. Veja, [19--]
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______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, 1996.
______. Lei do piso salarial profissional nacional para os profissionais do
magistério público da educação básica. Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008,
2008.
CANDAU, Vera Maria e MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa. Educação
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DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. São Paulo: Melhoramentos,
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PARO, Vitor Henrique. Educação para a democracia: o elemento que
falta na discussão da qualidade do ensino. In: Revista Portuguesa de
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______. Parem de preparar para o trabalho!!! Reflexões acerca dos
efeitos do neoliberalismo sobre a gestão e o papel da escola básica. In: Celso
João Ferretti et alii (orgs.). Trabalho, Formação e Currículo: para onde vai a
escola. São Paulo: Xamã, 1999.
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PESSOA. Márcio Kleber Morais. A influência dos serviços educacionais
no desempenho escolar de alunos de escolas públicas e privadas do estado do
ceará: o caso da Fundação Bradesco e do Liceu Vila Velha. 2009.