UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES
PERCURSOS DE LISBOA A BELÉM DO PARÁ -
BRASIL: IMAGEM E IMAGINÁRIO PARA A
COMPREENSÃO DA AMAZÔNIA [Algures ou o Primeiro Beijo]
Orlando Franco Maneschy
Trabalho de Pós-doutoramento supervisionado pelo Prof. Doutor João
Paulo Queiroz, especialmente elaborado para finalização do estágio Pós-
Doutoral no Centro de Investigação e de Estudos em Belas Artes da Faculdade de
Belas Artes de Lisboa (CIEBA-FBAUL).
Fomento: CAPES – Bolsas no Exterior / Pós-Doutorado no Exterior
Processo: 99999.007109/2014-08
Período: março 2015 a fevereiro de 2016, ampliado até outubro 2016.
2016
DECLARAÇÃO DE AUTORIA
Eu Orlando Franco Maneschy, declaro que esse trabalho de pós-doutoramento intitulado
Percursos de Lisboa a Belém do Pará - Brasil: imagem e imaginário para a
compreensão da Amazônia [Algures ou o Primeiro Beijo], é o resultado da minha
investigação pessoal e independente. O conteúdo é original e todas as fontes consultadas
estão devidamente mencionadas na bibliografia ou outras listagens de fontes
documentais, tal como todas as citações diretas ou indiretas têm devida indicação ao
longo do trabalho segundo as normas académicas.
RESUMO APRESENTADO
Este plano de pesquisa Percursos de Lisboa a Belém do Pará - Brasil: imagem e
imaginário para a compreensão da Amazônia emerge das pesquisas realizadas na
Universidade Federal do Pará e da prática no contato aproximado com artistas em
curadorias, seminários, etc. É nesse trajeto que propomos o projeto pós-doutoral para
ser consolidado em Portugal, com supervisão do Prof. Dr. João Paulo Queiroz do
Centro de Investigação e de Estudos em Belas Artes da Faculdade de Belas Artes de
Lisboa (CIEBA-FBAUL), entre março de 2015 a fevereiro de 2016 (sendo ampliada
até outubro deste ano), com o objetivo de mergulhar nas relações historicamente
estabelecidas entre Portugal e Belém do Pará – Amazônia – Brasil, inscritos em
documentos presentes em acervos de Portugal (objeto), para a partir destes encontrar
relações com a produção artística contemporânea paraense e suas influências de traços
da cultura lusitana. Nesse sentido, a pesquisa tem caráter exploratório, bibliográfico e
de coleta de dados para início do processo de fundamentação. Será norteada por
trabalhos teóricos e artísticos de âmbito nacional (brasileiro) e internacional, que
trarão conceitos fundamentais para a compreensão dos processos de absorção e
rearticulação de referências a serem abarcados no fluxo de relações estabelecidos
entre a Amazônia paraense e Portugal. Para tanto, dividimos, em termos de método,
os procedimentos em quatro momentos: 1 – Pesquisa in loco em diversos acervos; 2 –
Mapeamento do imaginário contido nos documentos pesquisados; 3 – Detecção de
similitudes e traços da cultura lusitana presentes na experimentação estética vivida na
Amazônia paraense; 4 – Constituição de processo relacional dos elementos
encontrados na pesquisa em Portugal com a produção artística e experimentações
estéticas de artista na região amazônica, analisando esses elementos de forma
sistemática. Dessa forma, pretende-se chegar a compreensão da importância das
imagens e do imaginário presentificados nos acervos portugueses e seus reflexos,
enquanto elementos histórico-culturais, na cultura da Amazônia paraense, presentes
na produção artística contemporânea.
Palavras-Chave: Amazônia, Imaginário, Percurso artísticos, Estética.
Algures ou o Primeiro Beijo
[resultado final do Projeto de Pós-doutoramento Percursos de Lisboa a Belém do Pará - Brasil: imagem e imaginário para a compreensão da Amazônia]
Trabalho desenvolvido em Portugal, com supervisão do Prof. Dr. João Paulo Queiroz, no Centro de Investigação e de Estudos em Belas Artes da Faculdade de Belas Artes de Lisboa
(CIEBA-FBAUL)
Lisboa Outubro de 2016
No início do ano do senhor de MMXV ele se organizara para a viagem. Sua partida, em meados de março, o levaria a cruzar o Atlântico, rumo ao inesperado. Por mais que se preparasse, no momento não estava, ainda, pronto para toda a sorte de aventuras que enfrentaria naquele mundo novo, surpreendente e pouco conhecido. Lá, deparou-se com cartografias diferenciadas daquelas presentes em sua região natal, bem como encontrou um clima especialmente demarcado e uma natureza repleta de novidades, com espécimes da flora e da fauna desconhecidas, até então, para ele. Inicialmente explorou o litoral, conheceu praias, acidentes geográficos, e foi, pouco à pouco, adentrando ao interior daquela terra, até mergulhar na floresta, perscrutar seus caminhos e percebê-la em sua dimensão mística. A cultura, os modos de viver, suas linguagens tão próximas e, todavia, tão distantes, o fascinava. Os ritos, as sonoridades, os aromas e uma estranha languidez inebriavam seus sentidos. E ele descobria algo que jamais imaginou, abrindo-se ao novo, vivenciando experiências singulares, ao estabelecer diálogos e até mesmo parceria com os filhos daquela terra. Ele se sentia também um pouco já parte daquele mundo que passara a ser familiar. De repente, aquele lugar já havia ocupado parte de seu ser, numa sinergia ímpar. E tudo havia mudado, ele nunca mais seria o mesmo, agora, ele era o outro. Algures Em algum lugar, quiçá mais adiante, os cheiros inscritos nos objetos, teus odores, os mais doces, chegam-me como primeiro beijo.
A PESQUISA
Este projeto de pesquisa Pós-Doutoral Percursos de Lisboa a Belém do Pará -
Brasil: imagem e imaginário para a compreensão da Amazônia tem seu embrião
em projetos realizados na Universidade Federal do Pará e nos processos e práticas, fruto
de um presente e vivo contato com artistas em curadorias, seminários, etc.
Foi nesse trajeto que propomos o projeto pós-doutoral para ser consolidado em
Portugal, no Centro de Investigação e de Estudos em Belas Artes da Faculdade de Belas Artes de
Lisboa (CIEBA-FBAUL), com supervisão do Prof. Dr. João Paulo Queiroz, que
inicialmente ocorreu entre março de 2015 a fevereiro de 2016, ampliando para outubro
deste mesmo ano, com a intencionalidade de mergulhar nas relações historicamente
estabelecidas entre Portugal e Belém do Pará – Amazônia – Brasil, inscritos em
documentos presentes em acervos de Portugal, para a partir destes encontrar relações
com a produção artística contemporânea paraense, perceber influências, contaminações,
presenças de traços da cultura lusitana. Nesse sentido, a pesquisa teve caráter
exploratório, bibliográfico e de coleta de dados para início do processo de
fundamentação. Mergulhamos em trabalhos teóricos e artísticos de âmbito nacional
(brasileiro) e internacional, que trouxeram reflexão fundamental para a compreensão dos
processos de absorção e rearticulação de referências a serem abarcados no fluxo de
relações estabelecidos entre a Amazônia paraense e Portugal. Nesse sentido, em termos
de método, os procedimentos foram divididos em quatro momentos: 1 – Pesquisa in loco
em diversos acervos; 2 – Mapeamento do imaginário contido nos documentos
pesquisados; 3 – Detecção de similitudes e traços da cultura lusitana presentes na
experimentação estética vivida na Amazônia paraense; 4 – Constituição de processo
relacional dos elementos encontrados na pesquisa em Portugal com a produção artística e
experimentações estéticas de artista na região amazônica, analisando esses elementos de
forma sistemática.
Percebemos que parte dos nosso desejos nasciam da vontade de observar as
inter-relações presentes no encontro desses dois universos, Portugal e Amazônia e buscar
entender como os procedimentos do passado podem dialogar com os do presente, bem
como lançar luz e reflexão sobre parte da produção pesquisada, elencando documentos,
autores e obras para compor nosso entendimento. Dessa forma, visamos chegar a
compreensão da importância das imagens e do imaginário, não apenas na presentificação
em acervos, enquanto elementos histórico-culturais portugueses, mas no que estes
apontavam, refletiam um fluxo, um trânsito entre culturas, e refleti-la, a partir daí, sobre
a produção artística contemporânea advinda da Amazônia.
Foram diversos os acervos pesquisados e visitados como: do Museu Nacional de
História Natural e da Ciência, do Museu Nacional de Arte Antiga (local em que me
deparei com um dos relatos de viagem dos mais interessantes), da Torre do Tombo, do
Palácio de Mafra, da Fundação Calouste Gulbenkian, bem como mergulhar em sua
biblioteca, do Museu Coleção Berardo, do Centro Cultural de Belém, do Mosteiro dos
Jerônimos, Museu da Marinha, Museu Palácio Nacional da Ajuda, além de visitas a
exposições que somaram na percepção da cidade, de outros olhares e perspectivas
constituídas em e para Lisboa, como mostras no Museu do Oriente, no MNAC Museu
Nacional de Arte Contemporânea de Chiado, Cinemateca Portuguesa – Museu de
Cinema, Museu da Cidade de Lisboa, Museu do Design e da Moda (MUDE). Também
passamos a frequentar galerias e espaços culturais pela cidade, como a Galeria Zé dos
Bois, o Hangar – Centro de Investigação Artística (aonde pude assistir a premiada mostra
de video Ilha de São Jorge, curadoria de Stefano Rabolli Pansera e Paula Nascimento), e o
Desterronic, (espaço importante para a cena da música eletrônica improvisada na cidade,
uma particularidade muito rica de Lisboa), dentre outros espaços culturais visitados
(percorremos praticamente todos os museus de Lisboa, do Museu da Água – Aqueduto
das Águas Livres, ao do Azuleijo, etc). Outrossim, visitamos museus e acervos em outras
cidades, como o Museu de Arte Contemporânea de Serralves (Porto), bem como outros
espaços culturais e museus no Alentejo e Algarve.
Dentre os vários artistas cujas obras foram vista em Portugal, das mais diversas
procedências, cabe destacar a produção dos portugueses Tiago Cadete, cuja produção
opera entre diversas mídias, em que os trabalhos apontam para relações culturais,
história, história da arte, muitas vezes materializando em performances, fruto do
relacionar entre as culturas, vivendo entre Brasil e Portugal, de Tiago Baptista, cujas
pinturas também apontam para os fluxos da história, e ainda João Manuel Silva, cuja
obra articula performance, fotografia, video e som. Entretanto, a despeito de
acompanharmos essa produção, e viabilizado o fluxo de algumas obras desses artistas por
outros lugares, como editado a obra de Tiago Baptista (junto com artigo de Suzana
Rocha na Revista Arteriais n 03 – PPGARTES-UFPA) e uma série de fotografias de
performance de João Manuel Silva para a mostra coletiva Selvagem, que ocorrerá em 2017,
nenhum desses artistas figuraram aqui neste trabalho por não estarem, no momento, no
fluxo entre Portugal e Amazônia.
Assim, focamos, dentre os artistas contemporâneos que atravessam a Amazônia:
Cláudia Leão, Keyla Sobral, Luciana Magno, Oriana Duarte e Paula Sampaio. Cada uma a
seu modo particular, fizeram viagens exploratórias na região, trazendo a luz esse
ambiente, a partir de um mergulho particular e profundo no viver aquele espaço e região.
Como a vida opera e não podemos deixar de observar os processos e
manifestações que se apresentam, percebi-me como viajante também, neste século XXI,
a cingir e desbravar terra desconhecida, misteriosa, num refletir do viajante que partiu,
cruzou o oceano rumo a uma nova terra por desbravar. Assim, o meu trabalho autoral,
enquanto artista, emergiu com forte intensidade, dialogando com a pesquisa e tomando
espaço, sendo parte viva do processo, enquanto artista contemporâneo da Amazônia,
numa compreensão de que eu, enquanto sujeito, não conseguira passar incólume ao
mergulho em Portugal e seus caminhos, acervos, sua vida, sendo marcado
profundamente e compreendendo que em mim operava-se o processo vivo da pesquisa e
o projeto se materializava, também em minhas vivências, levando-me a uma extensa
produção artística, desenvolvida em paralelo a pesquisa acadêmica, o que terminou por
me fazer ser convidado pelo curador brasileiro - de projeção internacional e membro do
Museu de Arte do Rio de Janeiro -, Paulo Herkenhoff, para compor, enquanto artista
convidado, no 35o Arte Pará (em Belém do Pará), uma sala especial, que se configurou
como parte do fruto desse projeto de Pós-doutoramento, e que fechará esse relatório
final com suas imagens.
Algures ou o Primeiro Beijo é instalação que nasce do meu mergulho no universo
português, suas paisagens, seus ambiente naturais e místicos. A geografia recortada, os
vários climas, os bosques de Sintra, os processos de troca e de busca de entendimento
entre uma língua que é a mesma, mas é outra; o encontro e a busca do diálogo com o
outro, o português, que está inscrito nas nossas origens brasileiras, bem como o
reencontro de meu ser amazônico, propiciaram com que eu tornasse-me parte e sujeito
deste processo. Homem com raízes portuguesas, indígenas, polonesas, enfim,
mestiçamente brasileira, num fluxo de ir e vir na nau que me fez vir até aqui e cravar
Portugal definitivamente na minha alma por meio de uma pesquisa e descoberta do
português que habita minha floresta mais íntima.
Pude perceber nesse processo que a vinculação Lisboa e Belém do
Pará/Amazônia, por meio de uma pesquisa em documentos/objetos presentes em
acervos estabelecidos na cidade de Lisboa e adjacências ajudaram a desenvolver
compreensão de que foi se intensificando sobre a relações e entendimentos em relação a
Amazônia e o imaginário que aflorava e emerge desta região do Brasil. Nesse sentido,
olhar para parte desse passado, presentes em arquivos, e minha vivencia em Portugal fez
com que pudesse enxergar a história e percebê-la vivíssima, pulsante, o que me levou a
entender como parte de nossas matrizes culturais detém força profunda. Compreender-
me como sujeito da Amazônia, mergulhado em Portugal, afetou-me o olhar e a
compreensão, tornando extremamente necessário com que eu desse vasão a toda uma
produção criativa que emergia da fricção de conhecimentos frutos da pesquisa, e das
aproximações e diferenças dessas culturas, levando me a andar em um fino limite ente lá
e aqui, aqui e lá, em uma espécie de espelhamento entre os dois territórios. Assim, faz-se
necessário olhar para o passado vivo em nossas matrizes culturais, acessar arquivos
lusitanos, poder mirar para o presente e compreendê-lo como matéria de fluxo continuo.
Observar que o Brasil foi também campo de produção de imagens não apenas
por parte dos viajantes que se fizeram presentes, mas da elaboração de cenas imaginadas
por artistas que nem chegaram a visitar o país de dimensão continental foi ponto de
importância para a compreensão da necessidade criativa de inventar também o meu
percurso artístico dentro deste processo, e expor-me, ampliando e inserindo-me dentre
os artistas contemporâneos, servindo de ponte, uma vez que os artistas brasileiros,
viajantes na Amazônia lá estão, eu seria o contraponto, estando em Portugal,
pesquisando esse processo de fluxo e sendo, eu mesmo objeto de minha história, e
experimentação. Nesse sentido, inspirado por duas obras fundantes, em minha opinião
do imaginário acerca do Brasil – Adoração dos Magos, de Francisco Henriques e
colaboradores, (1501-1506) e O Inferno, Autor desconhecido, (1510-1520), pinturas fruto
de rica imaginação criativa, permiti-me ficcionar o viajante que sou, aqui em Portugal, na
Europa. E também elaborar minhas interpretações, minhas deambulações, minhas
vivência e também minhas ficções, eu, homem mestiço, caboclo, a desvendar o território,
construindo com minha experiência a chave, o elo que desejava ente o passado, o
presente, os artistas daqui e de lá e, no meio, eu no espaço entre os dois.
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ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NO PERÍODO:
Apresentamos aqui uma amostra das atividades desenvolvidas durante o pós-
doutorado com supervisão do Prof. Dr. João Paulo Queiroz, do Centro de Investigação e de
Estudos em Belas Artes da Faculdade de Belas Artes de Lisboa (CIEBA-FBAUL).
Inicio este documento relatando o seguinte: entre Março e Setembro de 2015
dediquei-me especialmente à localização de documentos, leitura destes e ao estudo de
vários ensaios relacionados ao fluxo de viajantes pela Região Norte do Brasil,
especificamente na Amazônia, de acordo com o plano de estudos apresentado
Percursos de Lisboa a Belém do Pará - Brasil: imagem e imaginário para a
compreensão da Amazônia. Além das atividades vinculadas ao plano, ainda cumpri
alguns compromissos previamente agendados, conectados a atuação no Programa de Pós
Graduação em Artes - PPGARTES/ICA/UFPA, como bancas de qualificação e defesa
(on-line), edição da Revista Arteriais do PPGARTES/ICA/UFPA; atuação em comitês
científicos junto ao Prof. Dr. João Paulo Queiroz, bem como a participação em eventos
dentro do campo da pesquisa e da crítica das artes, conforme os tópicos apresentados a
seguir.
1. Dediquei-me primeiramente a participação no Congresso Internacional
CSO'2015: Criadores Sobre outras Obras, ocorrido no período de 26 de março a 1 de
abril, na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e sob a
coordenação geral de meu supervisor, Prof. Dr. João Paulo Queiroz. Membro da
Comissão Científica, além de fazer parte da seleção de parte das comunicações a
serem apresentadas, coordenei uma das sessões de comunicações de trabalhos.
2. Desenvolvi para o CSO'2015: Criadores Sobre outras Obras a curadoria da mostra
“Outra Natureza”, de maneira colaborativa com meu supervisor que assinou a
curadoria junto comigo, trazendo a Lisboa, para a Galeria FABAUL, obras de
artistas contemporâneos que vivem na Amazônia: Melissa Barbery, Danielle
Fonseca, Keyla Sobral, Luciana Magno, Victor de La Rocque e eu mesmo. A
exposição teve abertura e visita guiada no dia 27 de março, permanecendo até 15
de abril.
3. Apresentei dois trabalhos científicos no congresso CSO'2015: Criadores Sobre
outras Obras: Paula Sampaio e a Ética dos Caminhos, de minha autoria e Sinval Garcia:
por dentro da Câmara da Transmutação Secreta, de autoria compartilhada com Cinthya
Marques do Nascimento. Além da apresentação dos trabalhos, ocorreram o
lançamento de periódicos com estes e outros artigos de minha autoria: Revista
Croma, Estudos Artísticos V3 no 5 (ISSN 21828547 e 21828717), com acesso em :
http://croma.fba.ul.pt/ ; Revista Gama, Estudos Artísticos V3 no 6 (ISSN 21828725
e 218285390), acesso disponível em: http://gama.fba.ul.pt/ e ainda outro artigo
feito também com Cinthya Marques do Nascimento, Sinval Garcia e os fluxos
incessantes em Samsara, publicado na Revista Estudio V5 no 10 (ISSN 16476158 e
16477316), acesso em:
http://issuu.com/fbaul/docs/est__dio10/1?e=7186499/10614044 OBS: Em
termos de atuação isto integraliza 06 publicações de artigos, sendo 03 impressos e
03 em plataforma digital, 01 catálogo de exposição, 01 curadoria, 01 participação
em exposição como artista, a coordenação de o1 sessão de trabalhos e membro
de Comissão Científica.
4. Membro do Conselho Editorial da Arteriais, editei a revista do Programa de Pós-
Graduação em Artes da Universidade Federal do Pará. Até agora foram três
números. http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/ppgartes.
5. Produzi três textos críticos breves, apresentando a produção dos artistas: Keyla
Sobral, Arthur Scovino e Thiago Martins de Melo, cada um para um dos
números da revista Arteriais – Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes
da UFPA.
6. Fui um dos seis curadores finalistas do Prêmio CNI SESI SENAI Marcantonio
Vilaça para as Artes Plásticas, a partir das propostas de curadoria apresentadas no
final de 2014, recebendo acompanhamento para o desenvolvimento desses
projetos entre dezembro de 2014 e fevereiro de 2015, junto com: Divino Sobral
(GO), Douglas de Freitas (SP), Kamilla Nunes (SC), Orlando Maneschy (PA),
Raphael Fonseca (RJ) e Renan Araujo (SP). Cito aqui isto pois o resultado foi
divulgado dentro do período do Pós-Doutoramento e contribuiu para as
reflexões desenvolvidas no Pós-Doutoramento. Os vencedores da fase final
foram Raphael Fonseca (RJ) e Divino Sobral (GO).
7. Dentro do Programa de Estudos do Estágio Pós-Doutoral, foi retomado o
contato junto ao Museu Nacional de Arte Antiga - MNAA, local no qual já
havia feito visita prospectiva em 2014, onde, primeiramente, visitamos as
exposições que estavam abertas ao público, como:
O Belo Vermelho – Desenhos a Sanguínea (Séculos XVI a XVIII), que revelavam em
obras do acervo do MNAA, a utilização da sanguínea, pigmento natural, a
hematite (a que os gregos da Antiguidade chamaram “pedra de sangue”), mineral
extraído de diversas jazidas na Europa. A mostra foi visitada no dia 20 de março
e nos permitiu perceber o emprego deste mineral na constituição de desenhos de
um vasto período e seu valor simbólico enquanto elemento plástico;
Josefa de Óbidos e a Invenção do Barroco Português. Josefa de Óbidos, segundo a
proposta da mostra, criou algumas das imagens mais significativas da História da
Arte portuguesa. Filha do pintor Baltazar Gomes Figueira (Óbidos, 1604-1674) e
de uma andaluza, Catarina de Ayala, nasceu em Sevilha em 1630 e veio para
Portugal em 1634, quando o pai regressou com a família à sua terra natal,
Óbidos. Na pequena vila, Baltazar continuou a sua carreira de artista,
introduzindo entre os portugueses a pintura de naturezas-mortas, à maneira do
bodegón sevilhano, que a filha também veio a cultivar. A fama e estima que
rodearam a obra de Josefa atravessaram o tempo, caso ímpar de mulher artista,
confinada ao espaço limitado de Óbidos, onde permaneceu quase toda a vida,
converteu-se, não obstante, no mais eficaz e reputado expoente do Barroco
português. Mais do que as naturezas-mortas que a celebrizaram, distingue-a, de
facto, a criação de um imaginário piedoso, com que soube responder às
aspirações de um Barroco que Portugal construiu no seu próprio modo,
inserindo, no seu decorativismo exacerbado e festivo, uma forte componente de
teatralidade. Esta mostra foi importante por contextualizar um cenário artístico
português e um fluxo de conhecimentos artísticos presentes na península ibérica
num período aproximado da fundação da cidade de Belém do Pará (1616), o que
nos contextualizou em termos de experiência artística barroca que ocorria em
Portugal no período. A visitação na referida mostra deu-se no dia 15 de maio,
tendo regressado no dia 21 e 22 de setembro.
Na Biblioteca do Museu Nacional de Arte Antiga localizamos os documentos:
1) Portugal Brasil Brasil Portugal: duas faces de uma realidade artística, publicação que
apresenta um significativo conjunto de artigos reflexivos que abordam
processos ocorridos no trânsito entre Portugal e Brasil, desde o principio de
sua colonização, revelando questões estéticas, de arquitetura, mobiliário, etc.
Este livro traz imagens de objetos, produção crítica e modos de vida,
publicado pela Comissão Nacional Para a Comemoração dos
Descobrimentos Portugueses, em 2000. Lemos a publicação, mas não iremos
utilizá-la dirtamente no trabalho final;
2) Amazônia Felsínea: José Landi – Itinerário artístico e científico de um arquiteto...,
também publicado pela Comissão Nacional Para a Comemoração dos
Descobrimentos Portugueses;
3) Jean Baptiste Debret – Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil;
4) João Maurício Rugendas – Viagem Pitoresca através do Brasil;
5) Diario da Viagem - Que em visita, e correição das povoações da Capitania de S. José do
Rio Negro fez o ouvidor, e intendente geral da mesma FRANCISCO XAVIER
RIBEIRO DE SAMPAIO (...), realizada entre os anos de 1774 e 1775,
LISBOA: Na Typografia da Academia, 1825. Este último documento, relato
que identificamos como significativo ao nosso processo, sobre o qual nos
dedicamos a analisar em profundidade, percebendo que para além das
notícias geográficas, como detalhes acerca do fluxo das hidrovias e
ponderações sobre a vida sócio-política, há todo uma articulação acerca do
avistamento e da existência das Amazonas, tribo de índias guerreiras, bem
como do Lago Dourado. Este documento revela o ponto de vista de um
sujeito do século XVIII e a constituição de um imaginário amazônico,
impressões que muito nos interessam para o projeto. Depois de leitura
minuciosa que tomou um largo tempo, este documento foi transcrito em
vários de seus trechos, bem como, por percebermos sua importância para o
projeto, foi totalmente reproduzido fotograficamente.
Diario da Viagem - Que em visita, e correição das povoações da Capitania de S. José do Rio Negro fez o ouvidor, e
intendente geral da mesma FRANCISCO XAVIER RIBEIRO DE SAMPAIO (...), realizada entre os anos de 1774 e 1775, LISBOA: Na Typografia da Academia, 1825, Lisboa. Esta é apenas uma amostragem do documento
que foi todo fotografado e estudado.
8. Adquirimos o livro editado pelo próprio Museu Nacional de Arte Antiga: Portugal
e o mundo nos séculos XVI e XVII. Lisboa: Ministério da Cultura / Museu Nacional
de Arte Antiga, 2009. O livro dá um panorama significativo do que se constituiu
entre a nação portuguesa e os demais países com o qual estabeleceu se
relacionou. Além de constituir um panorama da história e construção relacional
portuguesa, o livro traz diversas obras de acervos mundiais, bem como
portugueses. Destacamos, dentre os três artigos publicados sobre o Brasil, os
artigos Açúcar e Escravidão, de Pedro Puntoni e As Artes no Brasil antes da Idade do
Ouro, de Nuno Senos. Este livro não apenas favoreceu o acesso ao pensamento
desses pesquisadores, mas o acesso a duas obras que considero emblemáticas
dentro do que constitui uma construção de imaginário a partir de imagens que
tentam relacionar-se com o outro, o estranho, o estrangeiro. Em Adoração dos
Magos, de Francisco Henriques e colaboradores, surge um índio tupinambá
substituindo o papel de Baltazar, refletindo o desejo de integrar esse “outro”
desconhecido proveniente da então, Terra de Vera Cruz, futuro Brasil e nos
deparamos com uma das representações mais potentes de um “outro”
canibalizante e inquietante, presente na mais antiga representação do inferno na
pintura portuguesa, em que detectamos o estrangeiro e a mulher como a
representação do mal absoluto, atuantes em um banquete canibal, utilizando
plumas e máscara nos adornos de Lúcifer, o que José Luiz Porfírio apontaria:
“(...) que tem suscitado a hipótese de se tratar de um atributo de identidade ameríndia ou
mesmo brasileira (...)” (PORFIRIO, 1999, p. 160), em que o indígena já não é o
“bom selvagem”, mas a personificação do mal. Esta obra é uma das mais
potentes enquanto inquietação em relação a um “outro” desconhecido e
aterrador, e nos reporta a uma imagem apavorante de uma situação de
canibalismo que depois circularia pela Europa em relatos ilustrados. A despeito
de não terem sido feitas na Amazônia, revelam o tipo de relação prospectiva em
termos de imaginário.
Adoração dos Magos, de Francisco Henriques e colaboradores, 1501-1506, óleo sobre madeira de carvalho,
Museu de Grão Vasco, Viseu | Inv. 2145.
O Inferno, Autor desconhecido, 1510-1520, óleo sobre madeira de carvalho, Museu Nacional de Arte Antiga,
Lisboa | Inv. 437 Pint.
9. Adquirimos o livro A Herança das Américas em Portugal, de Isabel Drumond Braga, que nos auxiliou a encontrar imagens e referencias em acervos, como o Arquivo Histórico Ultramarino, dentre outras referências.
10. Adquirimos o livro O Brasil dos viajantes, de Ana Maria de Moraes Belluzzo, livro esgotado e importante fonte de informação para a localização de outros documentos históricos, como um conjunto de desenhos, atribuídos a Antônio Guiseppe Landi, tidos como presentes no acervo da Casa da Ínsua, em Penalva do Castelo, Portugal; desenhos atribuídos a José Joaquim Freire, do Manuscrito de Alexandre Rodrigues Ferreira, tidos como presentes no Museu Laboratório Zoológico e Antropológico da Universidade de Lisboa (Museu Bocage), em Lisboa. Estas referencias estão sendo checadas e catalogadas dentro do processo de realização do Projeto e de suma importância por nos direcionar a documentos presentes em acervos portugueses, como algumas que mostraremos a seguir apenas para dar um pequeno panorama visual do que foi acessado a partir desta publicação.
Duas Figuras com Máscaras, Joaquim José Codina, Desenho aquarelado, Do Manuscrito de Alexandre Rodrigues Ferreira, desenhos
de Gentios....XVII, Museu Laboratório Zoológico e Antropológico da Universidade de Lisboa (Museu Bocage), Lisboa.
Bico de Brasa, Monasa nigrifons (Spix, 1824), Uru – Odontophorus gujanensis (, Guimelin, 1789), Talha Mar – Rynchops nigra
Linnaeus (1758), Antonio Guieppe Landi, Aquarela, Casa da Ínsua, Penalva do Castelo, Portugal.
11. Participamos do seminário 3 x 3 - Fotografia Contemporânea Amazônica, como
membro do conselho organizador e conferencista, em 04/09/2015.
12. Apresentamos a comunicação Processos de Construção da Pesquisa na Amazônia, ou
Breves Notas Sobre uma Experiência Compartilhada, em Manaus, set. 2015.
13. Participei da mostra coletiva Transborda – curadoria de Yuri Firmenza, de 03 de
outubro a 07 de novembro de 2015, na Galeria Triângo, em São Paulo com uma
instalação Drag Queens na Amazônia [excerto], 1994 – 2000 (para as divas Marleni
Dietrich, Babeth Taylor, Gargamel, Muraya, Passarinho, Biba, Pitchula, Dani B, Marabá e
Robertinha) e o video Lamb #001, 2012 (com Vitor Butkus).
14. Solicitamos prorrogação do Estágio Pós-Dotoral junto ao CAPES com anuência
do supervisor, Prof. Dr. João Paulo Queiroz, até o final de outubro de 2016.
15. Participamos do congresso CSO'2016: Criadores Sobre outras Obras com o artigo A
Potência transformadora do Caboclo de Arthur Scovino.
16. Publicamos artigo em parceria com Danilo Baraúna na revista Visualidades V. 13,
n1, datada de 2015, mas publicada em 2016. (ISSN 1679-6748): Caixa de Pandora:
imagem, espaço e tradução em redes de colaboração.
17. Realizamos a curadoria junto com Danilo Baraúna: Amazonian Video Art, no
Centre for Contemporary Arts (CCA) Glasgow/Escócia, em 24/01/2016. A
Mostra apresentou vídeos produzidos na Amazônia brasileira, esprecificamente
na cidade de Belém do Pará, ente os anos 1980 e 2015, que integram o ]Arquivo{
da Coleção Amazoniana de Arte, localizada no Museu da Universidade Federal
do Pará.
18. Editamos o DVD de cunho didático-pedagógico Pará+Video+Arte, V. 2, junto
com Danilo Baraúna, que com conta com material para ser utilizado em classe
por professores a partir de obras em videoarte.
19. Organizei junto com Sávio Stoco, Anderson Paiva e Ricardo Agum o livro
Fotografia Contemporânea Amazônica – Memória dos Seminários 3 x 3 Belém, Boa Vista,
Manaus. (ISBN 978-85-7512-811-4), 2016.
20. Publicamos o artigo Processos de Construção da Pesquisa na Amazônia, ou Breves Notas
Sobre uma Experiência Compartilhada no livro Fotografia Contemporânea Amazônica –
Memória dos Seminários 3 x 3 Belém, Boa Vista, Manaus. (ISBN 978-85-7512-811-4),
2016.
21. Estamos com o livro no prelo Pará + Video + Arte: Notas Introdutória a uma
Historiografia da Videoarte no Pará, organizado junto com Danilo Baraúna.
22. Fizemos parte do comitê acadêmico-científico do evento Escalas Amazônicas:
Seminários de Artes Visuais e Políticas Públicas, Belém – 09/12/2016, às 14h –
MUFPA; Rio Branco – 12/12/2016, às 14h - Auditório da Biblioteca da Floresta;
Manaus – 16/12/2016, às 14h - Centro de Artes da UFAM.
História dos Animais e Árvores do Maranhão Fr. Cristovão de Lisboa, Desenho, Arquivo Histórico Ultramarino e Centro de
Estudos Históricos e Ultramarinos. Códice.
O que apresentamos até aqui é apenas uma amostra de todo o vasto conteúdo
que foi acessado, em termos de literatura e em termos de imagens a partir dos
levantamentos desenvolvidos em Portugal. Percebemos que há toda uma riqueza de
informações, conforme apresentamos no mesmo: (...) por meio de uma pesquisa em documentos/objetos de viajantes que estiveram na Amazônia, presentes em acervos estabelecidos na cidade de Lisboa e adjacências para propiciar a compreensão das possíveis relações e entendimentos em relação a Floresta Amazônica e o imaginário que emergia e emerge desta. Assim, faz-se necessário olhar para o passado vivo em nossas matrizes culturais, presente em arquivos lusitanos, registrados em diversos documentos para poder olhar para o presente e compreendê-lo. (Maneschy, 2014, p. 5)
Olhar para o passado na busca de indícios, na pesquisa de compreender como o
ambiente amazônico era percebido, compreendido, afetar o olhar, a percepção do
viajante é o mote deflagrador do projeto de Pós-Doutoramento, para a partir daí
podermos olhar para o presente e estabelecer relações, conforme os objetivos gerais do
projeto:
O objetivo geral desse projeto é, pensar as possíveis relações e entendimentos em relação a Floresta Amazônica e o imaginário que desta emergia e emerge, por meio do estudo de imagens produzidas na região Amazônica paraense, inscritos em documentos e/ou objetos de viajantes presentes em acervos de Portugal (objeto), para a partir destes encontrar relações com a produção artística contemporânea paraense e suas influências de traços da cultura lusitana. (Maneschy, 2014: 8).
Nesse sentido, nos dedicamos no período de março a setembro de 2015 a adentrar
em acervos, estudar bibliografias de acordo com o especificado no plano de atividades do
projeto (“2 – Visita de pesquisa nos acervos para constituição de plano de pesquisa,
conforme regras e disponibilidade de agendamento dos espaços e início de mapeamento
– Março / Abril – 2015. 3 – Continuação do desenvolvimento de pesquisas nos acervos
– Abril / Maio / Junho / Julho / Agosto / Setembro – 2015”), bem como nos
debruçamos sobre a produção de artistas contemporâneos que dedicaram parte de sua
produção na Amazônia, em especial artistas que viajaram pela região, conforme
apontamos em um dos objetivos específicos do projeto do Pós-Doc (“Detectar relações,
tensões, presentificações entre os elementos culturais portugueses constituintes e ainda
presentes na cultura amazônida e suas ocorrências e suscitações percebidos na produção
artística contemporânea paraense, em obras e processos de criação”), o que nos levou a
produção de três artistas brasileiras, que enquanto artistas viajantes, envolveram-se com o
lugar e constituíram um legado visual que forma um ideário amazônida e, a partir dessas
imagens, olhar para o hoje, na forma como estes artistas vem encarando a região,
atravessando-a. Após a prorrogação do Estágio Pós-doutoral, de março a outubro de
2016, continuamos a pesquisa da seguinte forma: Março / Abril / Maio – 2016 – Vistas a
lugares complementares, continuação do trabalho em acervos, museus, bem como
diálogo com os artistas contemporâneos e mergulho em minha própria produção artística
etc; Maio a Agosto – 2016 - Sistematização de informações levantadas e reflexão teórica;
Setembro 2016 - Reflexão teórica e finalização dos trabalhos do projeto, bem como
produção da instalação Algures ou o Primeiro Beijo, exibida no 35o Arte Pará, como
artista convidado, tendo abertura nos primeiros dias de outubro; Outubro 2016 –
finalização e apresentação dos resultados, bem como acompanhamento da instalação.
23. Ampliamos o mergulho da produção das artistas Cláudia Leão, Keyla Sobral,
Luciana Magno, Oriana Duarte e Paula Sampaio, adentrando em suas respectivas produções, percebendo como estas constituíram seus percursos na região amazônica, desenvolveram suas linguagem, estabeleceram relações, enquanto artistas viajantes no ambiente percorrido, como viagens contemporâneas a atravessar e descobrir essa região que ainda hoje é um mistério para boa parte dos brasileiros.
24. Apresentamos a instalação Algures ou o Primeiro Beijo, exibida no 35o Arte Pará, como artista convidado, tendo abertura nos primeiros dias de outubro; Outubro 2016, na Casa das Onze Janelas, no Laboratório das Artes.
*
Na vida aparecem missões.
O grande mistério é
Perceber e aceitar de peito aberto!
12 de setembro de 2016.
RESULTADOS:
ARTIGOS CIENTÍFICOS:
Foram publicados os artigos em livros e revistas científicas:
MANESCHY, Orlando. Paula Sampaio e a Ética dos Caminhos, Revista Croma, Estudos
Artísticos V3 no 5 (ISSN 21828547 e 21828717), com acesso em :
http://croma.fba.ul.pt/
MARQUES, Cinthya, MANESCHY, Orlando. Sinval Garcia: por dentro da Câmara da
Transmutação Secreta, Revista Estudio V5 no 10 (ISSN 16476158 e 16477316), acesso
em: http://issuu.com/fbaul/docs/est__dio10/1?e=7186499/10614044
MANESCHY, Orlando. A Potência transformadora do Caboclo de Arthur Scovino.
Revista Estudio V7 no 14 (ISSN 1647-6158 e 1647-7316), acesso em:
https://issuu.com/fbaul/docs/estudio14/152
MANESCHY, Orlando, BARAÚNA, Danilo. Caixa de Pandora: imagem, espaço e
tradução em redes de colaboração. Visualidades V. 13, n1, datada de 2015, 2016. (ISSN
1679-6748).
MANESCHY, Orlando. Processos de Construção da Pesquisa na Amazônia, ou Breves
Notas Sobre uma Experiência Compartilhada no livro Fotografia Contemporânea
Amazônica – Memória dos Seminários 3 x 3 Belém, Boa Vista, Manaus. (ISBN 978-85-
7512-811-4), 2016.
MANESCHY, Orlando. Encontro - Substantivo Singular Keyla Sobral . Revista
Arteriais – Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade
Federal do Pará, v.1 | n.1 | 2015. Acesso em:
http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/ppgartes/issue/view/113
MANESCHY, Orlando. Salve, salve todos os caboclos de Scovino! Arthur Scovino.
Revista Arteriais – Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes da
Universidade Federal do Pará, v.1 | n.2 | 2015. Acesso em:
http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/ppgartes/issue/view/122/showToc
MANESCHY, Orlando. Thiago Martins de Melo e um olhar agudo sobre o Brasil -
Thiago Martins de Melo. Revista Arteriais – Revista do Programa de Pós-Graduação
em Artes da Universidade Federal do Pará, v.1 | n.3 | 2016. Acesso em:
http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/ppgartes/issue/view/Ano%202%2C
%20n.%2003/showToc
NOTAS SOBRE O BRASIL, REFERÊNCIAS E O FLUXO
ICONOGRÁFICO:
Esse projeto pertence ao seguimento Artes, dentro de Artes Visuais, abrangendo
aspectos de Artes Visuais, dentro de uma perspectiva ampliada, buscando processos
relacionais de estética, em diálogo com a História, História da Arte e Arte
Contemporânea. Caracterizando-se, enquanto pesquisa, com um tem caráter
exploratório, bibliográfico e criativo. Norteada por trabalhos artísticos e teóricos de
âmbito nacional (brasileiro) e internacional, que produzem conceitos fundamentais para a
arte brasileira, destacamos o conceito de Antropofagia, conceito trabalhado por Oswald
de Andrade eu seu Manifesto Antropófago (1928), fundamental para o entendimento dos
processos culturais, e portanto artísticos brasileiros, reativados pelo curador Paulo
Herkenhoff no emblemático projeto da XXIV Bienal Internacional de São Paulo (1998),
conceitos fundamentais para a compreensão dos processos de absorção e rearticulação
de referências a serem compreendidos no fluxo de relações estabelecidos entre a
Amazônia paraense e Portugal.
Percebemos que Antropofagia, enquanto conceito dotado de especificidades,
pretendemos evidenciar as influências e percepções presentes num fluxo duplo, e em
como estes constituíram um imaginário acerca da Amazônia em Portugal. Além deste
conceito, a ideia da selva tropical densa, de Inferno Verde, e outros tantos termos que
caracterizaram a floresta amazônica e suscitaram distintas publicações de romances, tanto
por parte de brasileiros - o termo “inferno verde” foi corriqueiramente empregado para
designar a região amazônica, como alusão às difíceis condições de vida na floresta. Este
termo foi aprofundado por Euclides da Cunha com sua obra Um paraíso perdido. Ensaios
amazônicos, em que lança um olhar especial sobre a região, ao chefiar a Comissão
Brasileira de Limites com o Peru, em 1905 e a inda dá nome a obra de Alberto Rangel,
Inferno Verde - scenas e scenario do Amazonas, (1907), um dos romances mais importantes
sobre a região -, quanto por parte de estrangeiros, como A Selva (1a Edição 1930), do
português Ferreira de Castro, (no qual o personagem principal é obrigado a emigrar para
Belém do Pará e depois embrenhar-se na floresta para viver como seringueiro, vivendo
várias aventuras), propiciaram a constituição de imagens acerca da Amazônia como
ambiente selvagem que vem habitando o imaginário de diversos povos, como vemos em
A Selva, de Ferreira de Castro, ao reportar-se acerca do fluxo no porto de Belém do Pará:
Debruada, ao fundo, pela linha verde e irregular da floresta, a baía do Guajará
mostrava-se cheia de “gaiolas”, uns de cano fumando os últimos carvões da
viagem, outros de bandeira desfraldada, assinalando partida. Ao seu lado, os
“pontoes”, velhos barcos a que haviam extraído o coração mecânico, que o
tempo havia fatigado irremediavelmente, estavam paralisados para sempre (...)
Toda a Amazónia, de sua imensurável grandeza, possuía ali a sua sala nobre,
a sua grande porta para o mundo. (CASTRO, p. 35)
Este clássico nos leva a navegar por uma região repleta de mistérios, situações
idílicas, mas também problemas sérios. O romance, considerado livro-monumento,
clássico da literatura portuguesa, para nós foi um marco na percepção do olhar português
sobre a Amazônia e a luta entre o fascínio e a dureza vida em meio a selva.
Outra obra que nos foi importantíssima a leitura, encontrada na biblioteca do
Museu Nacional de Arte Antiga, foi SAMPAIO, Franciso Xavier Ribeiro de. Diario da
viagem que em visita das povoações da capitania de S José do Rio Negro fez(...)Exornado com algumas
noticias (...) e trata-se a questão da existência das Amazonas Americanas e do famoso lago dourado.
(Lisboa: Na Typografia da Academia, 1825). Neste documento há uma extensa narrativa
de viagem atravessando rios parelho Amazonas, e não paneas conta detalhadamente
situações de dificuldades no enfrentamento da natureza, mas precisa o encontro com um
suposto senhor que garante ter conhecido um outro que havia se deparado com as
míticas guerreiras amazonas na selva. O interessante é o fato de alguém afirmar que outra
pessoa, que já havia morrido, teria, de fato vivido tal experiência. O que não pode ser
provado ou ainda afirmado pelo sujeito da experiência, sendo uma narrativa de segunda
natureza, aberta a toda sorte de ficção por meio do imaginário do narrador que conta o
que escutou. Este processo nos aponta para como a Lenda das Amazonas brasileiras,
índias guerreiras, foi se espalhando e fomentando um campo de fabulação acerca dessas
figuras poderosas, que só se relacionavam com homens para fins procriativos. A
narrativa de Sampaio é repleta de imagens sugestivas e exóticas do que foi vivido na
região, numa busca de entendimento, de absorção do vivido e do expectado.
Perceber, nos documentos dos acervos portugueses, quais as imagens acerca da
Amazônia é fundamental para confrontarmos com as imagens mais comuns presentes na
mídia, e com as imagens constituídas pela literatura e artes, rearticulando-as com os
conceitos de Antropofagia, como aponta Paulo Herkenhoff (1998-a, p.23):
A Antropofagia, enquanto conceito de estratégia cultural, e suas relações com o canibalismo, ofereceu um modelo de diálogo – o banquete antropofágico – para interpretação. O movimento de coletar ou estimular interpretações, chegando a centenas de conceitos, concepções, acepções, elementos, aspectos, etc. demonstrou a questão da antropofagia. Incentivamos a emergência de sua vastidão conceitual centrífuga como montagem de um thesaurus.
Este conceito não apenas é uma forma de olhar e compreender os
procedimentos empreendidos por determinadas tribos indígenas brasileiras, que se
alimentavam dos guerreiros valorosos inimigos, mas passou a ser encarada, a partir da
modernidade como recurso de construção estético-cultural. Nesse sentido, Oswald de
Andrade pontuará, no Manifesto Antropófago (Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio
de 1928.), que:
Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi, or not tupi that is the question.
Oswald de Andrade aponta no clássico texto modernista para um procedimento
de absorver a cultura do outro e reelaborar procedimentos, resignificar, se apropriar,
reinventar a partir da mistura com o outro. Nesse sentido, os procedimentos que
desenvolvemos em nosso próprio projeto artístico dentro do projeto foi inspirado pelo
sentido da Antropofagia, não no que tange a apropriação e reutilização, por meio de
ressignificação, mas em nosso processo percebemos a Antropofagia como um processo
em que construímos a ideia do viajante, com seus percursos vivenciados e ainda
reelaborados, interpretados e transformados em imagens e objetos criados e/ou
colecionados. Nossa construção antropofágica não parte da devoração, mas de uma
reinvenção de caminhos do viajante. E tudo começa ao nos depararmos com a obra O
Inferno, (Autor desconhecido, 1510-1520), um dos mais significativos quadros do Museu
Nacional de Arte Antiga, presente nesta pesquisa. Ali, podemos observar que a referida
obra, em que apresenta a figura do diabo usando um cocar indígena, em um ritual
claramente de canibalismo, foi fruto de interpretações de narrativas de outros, uma
criação fruto da imaginação de um outro que não havia sequer estado naquele espaço,
mas que conseguiu criar imagem de extrema potência, inventiva, densa, e referência
visual do entendimento do diferente em um período de recém chegada ao Brasil.
Ao entrarmos em contato com O Inferno, fomos a ficha de inventário da obra,
aonde localizamos texto, de autoria não estabelecida no documento, mas que, por ser o
texto referencial como descrição da obra:
O "Inferno" ocupa um lugar à parte no conjunto da pintura portuguesa do século XVI pela iconografia nele contida. De facto, não se conhece nenhum outro quadro que represente de uma forma autónoma o tema do Inferno. Num espaço subterrâneo com uma abertura circular no canto superior direito de onde caem as almas, os condenados sofrem as penas correspondentes a cada um dos sete pecados mortais. Sentado num trono, o rei dos demónios preside a esta cena terrífica munido de uma enorme trompa e vestido como um índio brasileiro. Ao centro, dentro de um caldeirão com água a ferver, sofrem os invejosos, destacando-se um personagem - um frade franciscano -, por ser a única figura vestida e sem sinais de sofrimento. Em torno do caldeirão agrupam-se os outros pecados: o Orgulho (as três mulheres atadas pelos pés sobre um fogareiro de barro de onde saem chamas que lhes consomem o cabelo), a Avareza (no homem que é obrigado a engolir moedas), a Gula (no pecador a quem um demónio obriga a beber vinho contido num odre em forma de porco), a Ira (o homem de cabeça rapada que está a ser pingado), a Luxúria (no grupo onde, lado a lado, se representa o adultério e a homossexualidade, esta última visualmente traduzida pelo frade e o jovem acorrentados).
Deflagradora de potentes leituras, essa obra para nós estabeleceu a possibilidade
de construção iconográfica, deflagrando nosso processo criativo em um duplo fluxo,
olhando para a Amazônia e mergulhando cada vez mais na experiência de desbravar
Portugal, como aponta José Alberto Seabra de Carvalho, em Portugal e o Mundo nos
séculos XVI e XVII:
É a mais antiga representação autónoma do inferno na pintura portuguesa.
Obra misteriosa e inquietante, quer pelo nosso desconhecimento quanto a
sua origem e função primitiva (pintura de altar que integraria retábulo com
outras composições?), quer pela terribilidade do que imaginosamente
encena, (...) o modo como aqui se figura o entronizado Lúcifer de rosto
oculto por máscara, ceptro em forma de trompa e envergando toucado e
fato de coloridas plumas, vestimenta que tem suscitado a hipótese de se
tratar de atributo de identidade ameríndia ou mesmo brasileira (o que
possivelmente significaria encarar o recém-descoberto indígena sul-
amaricano não como o “bom-selvagem” mas como uma personificação do
Mal...). (p.190)
Vale destacar que cerca de dez anos antes, os índios eram encarados de outra
maneira, como revela a obra Adoração do Magos, de Francisco Henriques e colaboradores
(1501-1506), traz ainda uma imagem idealizada do silvícola, assumindo o papel do rei
mago Baltasar, como figura estilizada e amistosa, como podemos ver na citação também
de José Carvalho na publicação citada anteriormente:
Integrando especial destaque, no centro da composição a presença de um
índio brasileiro (da etnia dos tupi-tupinambá) substituindo a tradicional
iconografia de Baltasar, esta é uma das mais inovadoras representações da
pintura portuguesa dos inícios do século XV!. Este singular protagonismo da
imagem do índio, com sua lança e vestes emplumadas, parece traduzir
simultaneamente um olhar maravilhado pelas fabulosas novidades das terras
do Brasil (...) Reflete também, inevitavelmente, a vontade de integração do
“Outro”, da realidade desconhecida e “indomesticada”, na vela ordem de
apropriação e conhecimento do mundo segundo a cultura bíblica. (p.191).
Este tipo de apropriação e reconfiguração reporta-nos a própria prática da
antropofagia cultural, enquanto conceito de estratégia tão sabiamente apontado e
trabalhado por Herkenhoff na Bienal Internacional de São Paulo que foi curador. No
caso aqui, o homem branco ficciona e apropria-se, deglutina o índio ao seu sabor, o traz
a luz do catolicismo, entronando-o em papel de destaque no nascimento do menino
Jesus.
Essas duas obras nos permitiu mergulhar em reflexão profunda sobre os
processos de ressignificação e reconfiguração, que iriam fomentar nossos procedimentos
diante deste projeto, assumindo a mesma estratégia e lançar olhar sobre aquilo que estava
próximo, mas era diferente, já que era o Outro.
Nesse percurso, muitas obras foram vistas, apreciadas, estudadas, como Dança
Tapuia, de Albert Eckout (1610-1665); Araçari e Anambé-branco-de-rabo-preto e Kapivara,
ambas de Frei Cristovão de Lisboa (1624-1627); Bico de Brasa, Monasa nigrifons (Spix,
1824), Uru – Odontophorus gujanensis (, Guimelin, 1789), Talha Mar – Rynchops nigra Linnaeus
(1758), de Antonio Guieppe Landi; Duas Figuras com Máscaras, Joaquim José Codina,
dentre inúmeras outras obras da iconografia sobre a Amazônia.
*
No meio
do coração
do mundo
30 de outubro de 2016
NOTAS SOBRE AS VIAJANTES CONTEMPORÂNEAS A
PERCORRER A AMAZÔNIA:
Ao selecionarmos a produção de artistas viajantes na Amazônia, nos detivemos
na produção de Cláudia Leão, Keyla Sobral, Luciana Magno, Oriana Duarte e Paula
Sampaio.
Nessas notas, apresentaremos algumas considerações acerca da produção dessas
artistas.
Cláudia Leão atravessou rios da região, desenvolvido após ser contemplado com
o XIV Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia, do Ministério da Cultura, é resultado de
incursões da artista pelos rios Amazonas e Xingu, e reúne fotografias, vídeos e
instalações registrados dessas viagens.
Fruto da descoberta, do mergulho em sua região por meio de viagens, sua relação
com as pessoas, bem como todo um processo em que a artista começa a perceber o fluxo
das embarcações como naves, ou como grafa “navs” a flutuar na noite. Ali, na noite da
Amazônia, as luzes dos barcos parecem flutuar, entre o marejar dos rios e o céu, que
mesclam-se na escuridão, o que lhe dá a sensação de naves a cindir o espaço. Como nos
conta em documento digitado de sua autoria:
Tem uma coisa fantástica, aquilo que eu vejo. Tem uma instalação com os
barcos, e é a minha visão noturna, de como parecem ficar soltos no ar. Na
exposição está o que eu vejo e as coisas que vivi com essas pessoas. O que me
interessa é como essa experiência repercute para nós, essa invisibilidade, não
olhamos para dentro, não sabemos da nossa própria história.
Navs, video, Acervo Cláudia Leão.
Atlas, paisagens e pele: fluxo de viagens na Amazônia Insular, instalação, Acervo Cláudia Leão.
De acordo com dados presentes no relatório final do projeto da artista, ATLAS,
PAISAGEM E PELE: fluxos de viagem na Amazônia insular, foram realizadas as seguintes
viagens: 1. Viagem Belém-Breves - Belém, de 15 a 20 de janeiro de 2015; 2.Viagem
Belém-Almeirim, de 02 a 10 de fevereiro; 3.Viagem Belém-Vitória do Xingu – Altamira –
Almeirim. de 10 a 28 de abril; 4. Viagem Belém, Altamira, Almeirim, Belém. De 03 a 25
de junho e 5. viagem Belém – Vitória do Xingu – Altamira e Almeirim – Belém, 10 de
julho a 30 de julho, nas quais a artista entra em contato com situações, povos, e questões
específicas que ia travando contato durante as viagens.
Ainda a partir de dados contidos no relatório final apresentado pela artista ao
Ministério da Cultura:
A mostra contou com duas salas e com as Instalações:
NAVs: vídeo instalação composta de duas esculturas de madeira, baseadas em
uma leitura livre dos mastros dos barcos executada por Paulo Meira e cinco
projeções de vídeos dos barcos que transitam de noite pelos rios (as navs) e
uma trilha de áudio composta especialmente para a instalação.
Margens e Peles: Instalação composta livro-de-artista (Dimitria Leão) e três
vídeos (Luana Peixoto e Cláudia Leão) mais uma trilha de áudio específica da
instalação (Cláudia Leão); Aquarelas (Paulo Meira); tecido bordado (Cláudia
Leão). Nesta sala fica mais clara a relação das vivencia ocorrida entre nós e
eles todos durante as viagens. A trilha foi composta pelo som ambiente dos
vídeos e as conversas cotidianas. Retratos, margens desenhadas, escritas
poéticas de uma vida muito simples, porém muito forte e sofisticada de quem
sabe viver entrelaçado com as águas. A sala retratou o que está marcado na
vida de quem foi retirado de seu lugar para dar espaço ao monstro
entranhando do meio do rio Xingu, chamado de UHE de Belo Monte.
Assim, percebemos que a artista lançou olhar a partir do mergulho no ambiente
amazônico, de descobertas e encontros. Viajante contemporânea a adentrar e descobrir
os rios de um território vasto, em viagens longas de barco.
Já Keyla Sobral atravessa a Amazônia por cima, de avião, e desenha seus mapas,
cartografias aéreas, lida com pequenas delicadezas, sentimentos ora fortes, ora delicados,
ora críticos. Aqui, abordaremos o seu processo no projeto de mestrado Fluxo Norte: Sobre
Diários de Bordo e Cartografia Poética de Determinada Produção de Artes Visuais na Amazônia
(PPGARTES – UFPA), defendida em 2015.
Sua obra opera: “ao deparar-se com o desconhecido, que surge a fresta, o fino fio
da lâmina, o hiato de tempo, aquele espaço de milésimo de segundo em que tudo pode
acontecer”(MANESCHY, 2015, p.12). Em seu projeto, atravessa todos os nove estados
que compõem a Amazônia Legal em um projeto de arte a convite do Serviço Social do
Comércio - SESC, realizando exposições e ministrando oficinas. Neste percurso,
aproveita para mapear a situação da produção artística nos lugares, dialogando com
artistas e produtores culturais, realizando uma cartografia que deflagra sua dissertação de
mestrado Fluxo Norte: Sobre Diários de Bordo e Cartografia Poética de Determinada Produção de
Artes Visuais na Amazônia (PPGARTES – UFPA) e que revela uma cena artística e
isolada, pungente e atual, fazendo uma análise, por meio das interlocuções e diários de
bordo, colocando-se, ainda, também na condição de uma artista em uma cidade
periférica do país. Aqui, nos debruçaremos a realizar uma leitura do projeto, a partir de
sua dissertação de mestrado, bem como de um dos seus diários de bordo, livro de artista,
que Sobral entrega a sua banca de defesa em formato fac-simile.
Sua pesquisa buscou instaurar uma cartografia poética e analítica de um conjunto
de artistas visuais que vivem na Amazônia Legal, a partir do contato estabelecido por
meio de viagens realizadas por Sobral nesse território entre 2013 e 2014. Trabalhando
com o conceito de Contemporâneo, desenvolvido por Giorgio Agamben, para observar
como os artistas com os quais travou contato em suas viagens atuam e pensam a região.
Além disto, ancora-se no conceito de Cartografia utilizado por Virginia Kastrup, para
constituir uma cartografia subjetiva da região, registrada em cadernos de artista, além de
reportar-se, também a ideia de diário, encontrados em Mário de Andrade, Maria Gabriela
Llansol e Maurice Blanchot, “com a intenção de (re) descobrir a região através da escrita,
compreendendo esta como parte do percurso de entendimento sobre a Amazônia”,
como aponta no resumo de sua dissertação.
Algo que aproxima essas viajantes contemporâneas é a clareza de que seus
percursos não são totalizantes, são frutos de experimentos que lidam com a
incompletude, com o fragmento, com a subjetividade, como aponta Sobral logo na
introdução da dissertação. Atravessar a Amazônia em várias noites luzidias em busca da construção de
mapas, em busca de um pertencimento da região que sempre foi meu. Fluxo
Norte é lançar-se a experiência dos encontros, de conhecer parte de uma
região tão vasta quanto a Amazônia e fazer um recorte pessoal sobre as artes
visuais baseadas nas experiências vividas, misturando relatos e experiências
plásticas em seu conteúdo.
No entanto, o trabalho não tem pretensão de ser um retrato definitivo da
produção de arte na região norte, e, sim, um resultado de uma experiência
pessoal de pesquisa e viagens. Trata-se de uma travessia, atravessamento,
sobre uma investigação de uma estética amazônica. (Sobral, 2015: 13)
Ao longo de sua travessia, Sobral encontra artistas, realiza trocas, faz anotações
em seus diários de bordo, tal qual os antigos viajantes. A artista adota a escrita como
princípio de deslocamento. O presente trabalho emergiu a partir de viagens realizadas por mim, enquanto
artista-pesquisadora, nas seguintes cidades que compõe a Amazônia Legal:
Porto Velho, Boa Vista, São Luis, Palmas e Cuiabá, durante o ano de 2013,
onde foram realizadas, por mim, oficinas e exposições dentro do projeto
“Amazônia das Artes” do Sesc Pará. Logo depois, em 2014, outras cidades
como Manaus, Macapá e Rio Branco, foram incluídas para a finalização do
projeto, bem como a cidade de Belém, onde resido e atuo como artista visual.
Viagens estas que oportunizaram o re-conhecimento de parte de uma região,
e para o contato com outros artistas atuantes naqueles territórios e que
vieram integrar esta espécie de cartografia de encontros que fiz (...) (Sobral,
2015: 19)
Sobral irá em seu percurso constituir aproximações interessantes, deparar-se com
grandes fragilidades em determinadas cidades, cujos circuitos de arte não encontram-se
fortalecidos, mas também irá deparar-se com forças que emergem na adversidade e a
levam a refletir sobre seu próprio papel enquanto sujeito artista em uma região à margem
dos grandes centros. O processo não foi simples ou confortável, “Escrever uma narrativa
de viagem, desenhar um percurso da existência é uma operação plástica e conceitual”
(…) (Sobral, 2015: 56). Para a artista, é inviável separa seu papel de pesquisadora da
artista, como afirma: “Impossível seria atravessar os rios, cruzar fronteiras, pensar a
região, sem manifestar aquilo que sou”. (Sobral, 2015: 56), e nesse caso, ela é enfática em
afirmar-se como artista.
Diário de Bordo, Keyla Sobral, 2014. Fragmento. Fonte: Keyla Sobral.
Diário de Bordo, Keyla Sobral, 2013. Fragmento. Fonte: Keyla Sobral.
Diário de Bordo, Keyla Sobral, 2013. Fragmento. Fonte: Keyla Sobral.
Olhar para esses artistas, ontem e hoje, nos leva a perceber a força do desejo de ir
mais além, de mergulhar no desconhecido e colocar-se em relação ao outro, ao diferente,
e ver como estes percebem um dado imaginário, compreendem as manifestações
identitárias do povo. Buscar enxergar de olhos bem abertos para um campo repleto de
enigmas e se deixar ser afetado por este, como revela Keyla Sobral na conclusão de sua
dissertação, acerca de suas viagens pelo Norte do Brasil: De supetão senti um friúme por dentro, fiquei trêmula, muito comovida...
Com o livro, palerma, olhando pra mim; Não vê que me lembrei que lá no
Norte, meu Deus! ... Aqui bem pertinho e muito longe de mim..., na
escuridão ativa da noite que caiu, um artista de cabelo escorrendo nos olhos,
depois de fazer uma obra com a borracha do dia, faz pouco se deitou, está
dormindo. Esse artista é brasileiro, do norte, que nem eu! (Sobral, 2015: 132)
Talvez, um pouco desse choque, do tremular do corpo relatado pela artista nas
últimas linhas de seu relato, consiga aproximar um pouco essas diversas experiências, de
atravessamentos que distinguiram e ainda marcam artistas viajantes. Febre, tremor,
narrativas, loucura, calor, humidade... Há um “quê” de tropicalidade que assola e aguça
os sentidos, presentes em vários desses processos artísticos, entre a descoberta de um
país e encontrar-se ali, um outro em si mesmo.
Logo, temos Luciana Magno, nascida no Pará, que vem percorrendo a
Amazônia e discutindo o corpo em relação a paisagem, em processos de enfrentamento e
de busca de mimeses com o ambiente, e que termina por ativar relações nem sempre
fáceis. Assim é em sua série de vídeos (e fotografias) Orgânicos, em que procura modos
de imersão nos ambientes, e em outro projeto de trânsito pelo país, Telefone sem Fio,
com o qual cruza as cinco regiões brasileiras em um estúdio móvel, por
aproximadamente 6.037km, do Oiapoque, ao extremo norte do país, percorrendo
cidades entre os estados do Amapá, Pará, Maranhão, Tocantins, Goiás, Minas Gerais,
São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, findando sua rota na cidade
Chuí, ao extremo sul brasileiro.
Contemplada com o Edital Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais (10a
edição), em 2013, Magno desenvolveu Telefone sem Fio como uma expedição a
atravessar o Brasil, objetivando “a pesquisa como proposta de discussão e documentação
dos possíveis imaginários e identidades culturais nas regiões do Brasil”, como revela a
artista no texto original do projeto submetido a Fundação Nacional de Arte – Funarte:
Consiste num programa de trabalho, viagem e experimentações nas rodovias,
estradas e BRs que cortam o Brasil num plano vertical, empreendendo 33
cidades e comunidades que se formam na borda do transito contínuo,
propondo a discussão de questões de identidade cultural através do contato
realizado por embate via comunicação telefônica entre pessoas que vivem
nestas cidades.
A obra acontece durante o deslocamento e as cidades são a bases fixas do
projeto móvel, as ligações telefônicas tornam-se o lugar do encontro desses
rastros delírios, testemunhos com o real. Através da fotografia, do vídeo e da
voz, a prova do acontecido se faz presente, documentada. Esses fragmentos
(depoimentos, fotos, vídeos) tentam, em sua relação intrínseca, propor a
criação de um não-espaço, um encontro entre o ficcional, a memória e o real:
contrastar imaginários, identidades e diversidades dos vários "Brasis. (Magno,
2013: 02)
Neste fluxo, a artista realiza diversas experimentações ao longo de cidades que se
desenvolveram ao longo de rodovias e estradas, buscando estabelecer um intercâmbio,
mesmo que provisório entre habitantes e personagens que atravessam estes lugares, bem
como lança seu olhar para a questão da emigração e imigração, estimulando reflexão
sobre os processos históricos desses lugares. Para Magno: “é a oportunidade de registrar
processos iniciados em um ocorrido recente de expansão da habitação e exploração
territorial no Brasil, em especial na região Amazônica” (Magno, 2013: 03). Tentar
encontrar pontos de ligação entre essas cidades, conectá-las por um fio invisível, em uma
comunicação telefônica que deflagrasse a reflexão sobre os processos territoriais era uma
dado de forte importância para a artista. “É aguçar a curiosidade para além dos
noticiários sobre o que se passa em um país que possui uma área de 8.514.876 Km2 (o
quinto maior do mundo)” (Magno, 2013: 03), complementa.
Ordenar esse arquivo, com áudio, vídeos, fotografias e textos atravessando um
mapa, compõe uma delicada cartografia, com a qual a artista pretende dar a ver uma
visão multifacetada do imaginário do brasileiro acerca do seu lugar e do outro, daquele
próximo e do mais distante. Assim, o percurso é registrado e apresentado em site,
www.lucianamagno.com/telefonesemfio/# e em livro que traz documentário em DVD.
Essa jornada de Luciana Magno busca, tal qual os antigos viajantes, perceber os
pormenores, as sutilezas e conexões existentes entre lugares e habitantes, bem como o
imaginário que estes têm acerca de um país continental, buscando propiciar
conectividade e apreensões acerca do outro, do diferente.
Anterior a Telefone sem Fio, a série denominada Orgânicos é o resultado do
projeto contemplado pelo Edital de Bolsas 2013 do Instituto de Artes do Pará, sendo
fruto de um mergulho da artista em uma experiência que interrelaciona performance,
video, biologia, agronomia e geologia. Magno executou ações nas regiões de Bragança,
Ajuruteua, Fordlândia, Belterra, Santarém, Alter do Chão, Carajás, Serra Pelada, Marabá,
Altamira, Xingu e ilhas do Combu. Essas localidades foram selecionadas devido as
transformações sofridas na paisagem, dentre elas, as ocasionadas pelas obras da Usina
Hidroelétrica de Belo Monte.
Nos vídeos a artista relaciona-se com o meio-ambiente, por vezes em
performance mínimas, nas quais “quase” é absorvida por este, por meio da busca de
mimeses, em outras o corpo da artista aparece em embate com situações específicas do
lugar. Além das viagens e realizações de performances orientadas ao vídeo, o projeto
constituiu uma instalação no Instituto de Artes do Pará – IAP. “Desde o início da bolsa,
venho plantando algumas mudas, junto com a equipe do IAP, tentando manter uma área
mais natural, sem grandes interferências do paisagismo. Os vídeos vão ser exibidos no
jardim, porque todo o processo veio da natureza, queria que a mostra comungasse disso
também”, esclareceu a artista em matéria difundida na página G1 PA da Globo.com,
fornecida a nós pela própria.
Estas performances orientadas para o video, que começam em Orgânicos, serão
desdobradas ao longo do trajeto de viagem no projeto Telefone sem Fio, em que as
diversas experiências da artista-viajante-pesquisadora se fundem, aflorando por meio de
performances (somando para a série Orgânicos) e de outras documentações em video,
áudio, fotografias e textos, que compõem Telefone sem Fio. É no fluxo do trajeto de
sua exploração que Luciana Magno vai estabelecendo quais os mecanismos de resposta
àquilo que vive na viagem, na coleta de dados, na troca informações com os moradores e
prova em seu corpo as particularidades do lugar. Contemporânea, sua excursão coleciona
um conjunto de aspectos, que desdobram-se na pagina do projeto na internet, na
publicação e no documentário, formando um rico documento do processo empreendido
pela artista ao cruzar o Brasil. Longe de desejar constituir uma compreensão totalizante
do país, Magno revela nas frestas - em sua roadtrip, acompanhada pelo companheiro, o
artista e filósofo Solón Ribeiro -, fragmentos de nossa disjunção, em uma colagem de
ideias, sensações e atravessamentos.
Telefone sem Fio, 2015 Luciana Magno, Colagem para livro. Coleção Amazoniana de Arte da UFPA. Fonte:
Luciana Magno.
6.037 km (do Oiapoque ao Chui ́), Telefone sem Fio, Luciana Magno, 2015. Frame do video. Coleção Amazoniana
de Arte da UFPA. Fonte: Luciana Magno
Da série Orgânicos, Luciana Magno, 2014. Frame do video. Fonte: Luciana Magno
Já Paula Sampaio, que vem há décadas cruzando a Amazônia prioritariamente
pelas estradas, em que reordena sua própria obra, a partir do contato com o outro
durante os processos de alguns projetos, mergulhando ainda mais na reflexão acerca da
cidadania, da fragilidade do sujeito, abandonado à própria sorte nos rincões da região
norte do Brasil. Este aprofundamento reflexivo faz com que, em alguns momentos, a
artista optasse por exibir as imagens e as vozes do outro como parte do trabalho. Este
tempo de sua produção foi constituído a partir de retornos a localidades que visitou ao
longo de mais de vinte anos captando a Amazônia, por meio de rotas desenhadas por ela,
cruzando as rodovias Transamazônica e Belém-Brasília, no fluxo da relação com
migrantes que deslocaram-se em busca de uma vida melhor. A partir desses
encontros/desencontros, Sampaio depara-se com sujeitos que lutam para sobreviver em
condições extremamente adversas. É no momento da troca, do embate, do diálogo com
o outro que sua obra, de matriz documental, acontece e atinge uma outra espessura, em
que a fotógrafa passa a ser um agente para o desvelar de condições do humano, reunindo
imagens, fragmentos de depoimentos, vídeo para, num conjunto que não se pretende
totalizante, lançar luz, por meio da arte, à fragilidade do humano que habita esses lugares
esquecidos.
Nessa perspectiva abordaremos o projeto Antônios e Cândidas tem Sonhos de Sorte e
a instalação O Lago do Esquecimento. Serão dois projetos que, em suas instâncias, revelam
os processos com os quais Sampaio se relaciona com o outro, como indica a artista ao
falar sobre sua produção em Embarque / Paula Sampaio, catálogo especial lançado pela
Fundação Romulo Maiorana em 2013, (marcando a presença da artista como
homenageada no Projeto Arte Pará do ano anterior em que a instalação O Lago do
Esquecimento faz parte de suas ações artísticas no projeto):
É meu destino percorrer esse corpo amazônico. Sua pele, tatuada de rios, florestas e rastros
de seres de todo tipo, é um organismo imponderável. Mas é na rota das longas e trágicas
estradas da região que surgem os encontros.
No início, as rodovias Transamazônica e Belém Brasília foram o itinerário principal, um
motivo para a partida. Com o tempo, os incidentes e o acaso provocaram desvios sem fim.
Inocentes paragens, novos caminhos e muitos retornos que estão marcados nesse mapa de
lembranças e esquecimentos.
Um caleidoscópio de imagens-histórias foi se construindo, fazendo-se matéria e me
abraçando ao fim de cada viagem. E é essa natureza (da vida) a minha estrada.
(SAMPAIO, 2013: 12).
A artista nos convida a compreender que o percurso é intrincado e repleto de
pontos de contato, vinculações e surpresas, pois se inscreve no fluxo da vida. A artista,
chegou a região como migrante, junto com sua família, em busca de novas possibilidades
e acabou constituindo um dos documentos mais contundentes acerca da migração na
região e das condições enfrentadas pelos cidadãos comuns que se lançaram rumo ao
sonho desenvolvimentista. Contemporânea, sua obra dialoga com um legado político da
arte brasileira, chamando atenção para situações complexas presentes na vida dos
habitantes das localidades nas quais desenvolveu seus projetos.
Em Antônios e Cândidas tem Sonhos de Sorte, (1990 – 2010, em fase de conclusão), a
fotógrafa atravessa os estados do Pará, Piauí, Maranhão, Acre, Tocantins, Amazonas,
Paraíba, Pernambuco, bem como o Distrito Federal, ativando sua rede de relações,
organizando um balanço poderoso, materializado em um conjunto de dados e imagens,
memórias do povo brasileiro. Sampaio vai concentrar-se em olhar para esse sujeito
exilado dentro de seu próprio país, como aponta no texto de sua própria autoria
publicado em seu site: “Neste projeto, que vem sendo desenvolvido desde 1990, esses
homens e mulheres contam suas histórias materializadas em imagens, escritos e
memórias orais, entrelaçadas nesse imenso território onde pulsam sonhos de sorte, nesse
Brasil do Norte” (SAMPAIO, 2005).
Paula Sampaio, fotografia, Tatiane Nascimento Belém-Brasília, São Miguel do Tocantins, 1998, que integra o projeto Antônios e
Cândidas tem Sonhos de Sorte. Coleção Amazoniana de Arte da Universidade Federal do Pará.
Paula Sampaio, fragmento de vídeo realizado a partir de fotografias, documentos visuais e sonoros coletados pela
artista, Projeto Antônios e Cândidas tem Sonhos de Sorte, postado no site paulasampaio.com.br, 2012.
Neste projeto, a artista encontra sujeitos e reencontra outros, anos, décadas
depois, em seu longo percurso pelas rodovias, deparando-se com os desejos ainda
acalantados, desilusões, vontades de uma vida que ficou fincada à margem das estradas.
Sonhos de famílias inteiras que vivem e sobrevivem da forma que podem, e que Sampaio
descortina de maneira densa por meio de suas fotografias e dos documentos recolhidos.
No tempo em que este projeto vem ocorrendo, Sampaio estabeleceu relações
muito próximas com vários dos sujeitos com os quais interagiu, presenteado os
retratados com fotografias, trocando cartas, impressões; costurando laços de amizade
com as pessoas. Assim, nessas décadas, terminou por compor uma percepção singular
acerca das mudanças na região e sobre os habitantes que margeiam as vias, em especial
sobre a Transamazônica, estrada esta que a fotografa percorreu em vários dos seus
trechos, chegando a sobrevoar para fotografar os segmentos que a floresta tomou de
volta.
Este projeto de Paula Sampaio reverbera em outros, mantendo como eixo a “memória oral
e imagens do cotidiano de comunidades específicas”. As fotos compõem uma série de imagens
que perpassa os seus diversos projetos e revelam a figura do anônimo, daquele acostumado
com o lento tempo das margens das estradas. (...) Identificações e subjetividades
presentificam-se no humano, na paisagem e no lugar que habitam. O olhar de Paula
Sampaio amplia essa realidade e nos faz ver o que ali existe e se potencializa. Trata-se de
um olhar político e incisivo que, sem esquecer as questões estéticas, transforma a cena em
uma poética e contundente imagem. (MANESCHY; MOKARZEL, 2012: 145)
Em O Lago do Esquecimento - projeto iniciado em dezembro de 2011, e que teve
sua primeira etapa concluída dentro do Projeto Arte Pará 2012, quando Sampaio foi a
artista homenageada, e que encontra-se em sua terceira etapa, após receber o Prêmio Marc
Ferrez de Fotografia – 2012 – Funarte/MINC -, Sampaio dirigiu seu foco para o lago
formado pela barragem da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, uma das mais importantes
fontes de energia do país. Lá, a artista concentra-se nas árvores petrificadas com a
inundação para a formação do lago e na descoberta de resistentes moradores,
sobrevivendo em algumas das 1.100 ilhas que foram formadas com a enchente; pessoas
largadas à própria sorte em uma área que supostamente não deveria ter ninguém
habitando. A fotografa irá documentar a monumentalidade da construção, os paredões,
os túneis de acesso, mas as árvores rígidas e mortas que resistem como esqueletos nas
placidez das águas que impactaram a artista, conclamando sua atenção. A partir daí,
Sampaio começou a cruzar o lago refletindo sobre o apagamento da vida que habitava
aquele lugar, fotografando as árvores como últimas testemunhas daquele processo de
degradação, encontrando no trajeto e entrevistando os habitantes remanescentes que
permanecem ali, vivendo isolados.
Sampaio, instalação O Lago do Esquecimento (fotografias e video-instalação). Fonte: Acervo do artista.
Apresentado no Projeto Arte Pará 2012, o primeiro resultado da pesquisa resulta
na instalação composta por algumas fotografias e um vídeo feito a partir das imagens
tomadas no lago e de áudio composto pelo barulho de barcos e depoimentos, que parece
tentar trazer à tona as vozes dos moradores restantes. Pungente, a instalação revela o
absurdo do impacto de projetos que se sobrepõem ao humano e a natureza, em nome de
uma necessidade de desenvolvimento, como aponta a própria artista em Embarque /
Paula Sampaio:
O rosto de concreto é a tradução do regime autoritário, que na década de 1970 deu início à
construção da quarta maior hidrelétrica do mundo: Tucuruí. E ninguém pode imaginar que
ao atravessar o túnel de acesso ao lago de mais de 3 mil quilômetros quadrados, formado
pelo represamento das águas do rio Tocantins, está cruzando com a energia de
aproximadamente 45 trilhões de litros d’água.
Mas, ao tomar a barca e iniciar essa viagem, as cifras gigantes se materializam na
paisagem fossilizada e estranhamente poderosa das árvores que silenciosamente revelam os
restos das florestas, dos animais, das cidades, das tribos indígenas e das histórias afogadas
nesse lago de esquecimentos. Lá, invisíveis, estão mais de seis mil pessoas que vivem no
topo das mil e cem ilhas formadas pelo represamento das águas, ao longo de 270
quilômetros quadrados de território paraense.
Isso tudo é somente o prólogo dessa história. (SAMPAIO, 2013: 48).
A obra de Paula Sampaio nos obriga a olhar para a região e para as demandas
impostas a esta. Havia um tempo lento e um conhecimento em que natureza e homem se
entrelaçavam em meio a processos de vivência de intimidade, no qual a temporalidade da
experiência vivida era a medida da compreensão das coisas na existência. Depois, com o
avanço da ideia de Progresso, a aceleração das máquinas invadiram a selva, num afã de
cruzar o Norte de Leste a Oeste. Tratores, doença e violência constituíram, no delírio
desenvolvimentista dos anos 1970, bolsões de miséria e desolação, destruindo sonhos de
uma geração de migrantes que acreditaram no país do futuro verde e amarelo a ser desenhado
em um território às margens da linha do equador.
Oriana Duarte, que com seu projeto Plus Ultra, atravessou várias regiões do
Brasil, em especial a Amazônia, remando em rios urbanos, em ação performativa que
gera instalações, com fotografias, vídeos e que faz parte sua dissertação de doutorado
pela PUC – SP, Plus Ultra: o Corpo no Limite da Comunicação, defendida em 2012 e o
conjunto de livros Nós, Errantes, escritos de existência + Fala de uma artista, editado por
Duarte, a partir de prêmio recebido pela Fundação Nacional de Arte – Funarte. Duarte
irá deter-se no “cuida-te de ti mesmo” (epiméleia heautoû), de Platão, a partir das discussões
empreendidas por Foucault, como afirma: “Para Foucault, cuidar de si é munir-se dessas
verdades, é assim que o sujeito se constitui moralmente, ou seja, é pelo cuidado de si que a
ética se liga ao jogo da verdade”. (DUARTE, 2012, p. 23)
E sobre o remar, Duarte ainda pondera em sua Tese:
Esse corpo ampliado é também um tipo de “corpo de resistência”, tal como relata todos que vivem os efeitos iniciais da navegação, geralmente descritos como um “revirar do estômago”, um enjôo que por vezes, não tem fim. Disso é que as palavras “náutica” e “náusea” possuem a mesma raiz grega, o que faz lembrar o quanto os homens vem se lançando às águas, bem como, registram tais experiências em odisséicas escrituras. (Duarte, 2012: 320)
Plus Ultra, Oriana Duarte, video, 2012. Frame da remada feita em Belém do Pará Acervo da artista.
Plus Ultra, Oriana Duarte, instalação, 2012. Exposição realizada no Sesc – Pinheiros, SP. Acervo da artista.
Plus Ultra, Oriana Duarte, imagem (fragmento de página 256 da Tese da artista), 2012. Acervo da artista.
Ao remar rios urbanos, Duarte atravessa o país, de norte ao sul, e na Amazônia
remará em Belém do Pará e Manaus, articulado finas relações com desportistas do remo
nessa regiões, toma anotações, recolhe histórias, produz uma coleção de documentos,
com camisas dos clubes nos quais rema nas cidades, fotografias, etc. Estabelece
vinculações entre pessoas, com sua presença nos clubes de remo. Altera a normalidade
do lugar por trazer uma obra que articula arte e esporte. O remar é registrado em video,
com câmera colocada na cabeça do outro remador, que está trabalhando, o que faz com
que as imagens tenham singular enquadramento, trazendo sempre a artista de costas com
os cabelos em tranças.
Com seus projetos, Duarte articula um conjunto de experiências, deslocamentos,
trajetos interiores e exteriores, permeados de pontuações, mapeamentos, partituras
produzidos na fina teia da vida. São imagens que, a cada visita, nos desloca novamente
para fora de nós mesmos e de uma possível segurança, propondo novos arranjos
possíveis no viver da experiência artística.
Essas artistas estabelecem, no cruzar da região uma reconfiguração sobre o papel do
viajante, um viajante moderno que, tal qual os antigos viajantes, ainda deparam-se com
surpresas, diferenças, novidades e espantos na fricção do corpo físico com essa região
tão intensa e avassaladora.
*
Fiquei à deriva, 3 anos perdido, Náufrago. Até encontrar Terra prometida Que sempre esteve ali.
25 de fevereiro de 2016
A VIAGEM DE LANDO APANTUK PELOS CAMINHOS DA FLORESTA
Tudo começara pelo litoral, primeiro contato, ponto de partida para uns, chegada
para outros. Ali, imagens passaram a compor e alimentar o processo do artista-
pesquisador, que se depara com o diferente, o estranho, o outro. Nesse contato, um
profusão de praias, boa parte do litoral que tão importante foi para a história entre
Portugal e Brasil.
Lá colecionou imagens, produziu vídeos e fotografias, criou objetos que se
relacionavam com elementos das águas, das praias. Obras que foram produzidas ao
longo do primeiro ano de trabalho. Assim, nos apropriamos da ideia de um thesaurus,
como aponta Herkenhoff, de acordo com o que é levantado por Georges Didi-
Huberman em Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta – o Olho da História, 3, em que aborda a obra
de Aby Warburg, coletando, colecionando a partir do fragmento, daquilo que opera na
fissura. Nesse sentido, apresentamos aqui uma parte do que coletamos e que compõe um
conjunto de objetos recolhidos, adquiridos, e ainda produzidos por nós mesmos.
Pará - Palácio do Governo de N. Sa. de Belém, Gravura recortada S. Autor, Sem Data, adquirido em “sebo” em Lisboa. Acervo Orlando Maneschy.
Brasil – Vista d’Obidos a partir do rio Amazonas, Gravura recortada S. Autor, Sem Data, adquirido em “sebo” em Lisboa. Acervo Orlando Maneschy.
Castanha do Pará, Leitão e Irmão – Antigos Joalheiros da Coroa, 2015, Lisboa. Acervo Orlando Maneschy.
O Anel, ouro com incrustação de pedra encontrada à beira mar na Turquia, Orlando Maneschy, 2015, Belém. Acervo Orlando Maneschy.
Objeto Marinho [da série Atlântico], vidro oxidado, bolas de vidro e rede de nilon, Orlando Maneschy, 2015, Lisboa. Acervo Orlando Maneschy.
Atlântico, video, Orlando Maneschy, 2015, Lisboa. Acervo Orlando Maneschy.
Sem Título - Costa Caparica [da série Atlântico], video, Orlando Maneschy, 2015, Lisboa. Acervo Orlando Maneschy.
*
Houve um dia, e outro; outras vidas. e aqui estou
Belo Presente
de novo.
30 de julho de 2016
PERFORMANCES EM ESTÚDIO NOS MOLDES DO SÉCULO XIX
O trabalho desenvolvido em estúdio fotográfico também constituíram parte
fundamental do projeto. Em Lisboa, em um prédio do século XIX, fui realizar
fotografias em chapas de vidro. Naquele ambiente, os personagens emergiram, tomaram
corpo, materializaram-se, desmarializaram-se em frente a lente. Oito, nove, sete
segundos. Respiração suspensa, firmeza nos gestos, ...não tremer... e nesse hiato temporal
eles incorporavam-se nos sais de prata na fina e frágil lâmina de vidro.
O homem da castanha, com seu olhar cego ao outro, buscando expandir os
mercados para a Castanha do Pará; O pai da Monenbristh, com seu olhar grave e inflexão de
atenção, traz ao colo a criança cujo nome se transmuta a cada pronunciar; Sauvage, em
que o fauno, a criatura selvagem, o ser elemental da floresta parece ter sido capturado no
meio do fôlego. Há ainda O Sereio a remar em seus cabelos, díptico e Um Índio, obra em que o
xamã emerge com força natural, como canta Caetano Veloso em sua música Um Índio:
Um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul
Na América, num claro instante. (...)
A imagem desse outro, persona que emergem na figura do artista-pesquisador e
ganham materialidade na imagem única, registo frágil no vidro, como se o artista
revelasse que ali, sutilezas muito frágeis, estão a operar. Aquele corpo, o do artista,
transmuta-se ao longo do tempo, do processo de criação artística, muda dieta, adiciona
atividades físicas, reconstitui-se em processo físico e espiritual.
A ideia do viajante nasce nessas elaborações, em que, ao atravessar o cruzar o
oceano e atravessar Portugal é atravessado por vários, entre Lisboa e Belém do Pará,
num amálgama. Aos personagens, somam-se os objetos, pedras, conchas, cristais, cajados
e cachimbos. Objetos selecionados ao longo do tempo, pelos lugares pelos quais o
viajante atravessava, constituindo seu museu imaginário, seu pequeno conjunto de
intervalos.
Sem Título [Sauvage] e Sem Título [Castanha do Pará], fotografia em vidro , Orlando Maneschy, 2015, Lisboa. Acervo Orlando Maneschy.
Sem Título [O Pai da Monenbristh], fotografia em suporte de vidro, Orlando Maneschy, 2015, Lisboa. Acervo
Orlando Maneschy.
O Sereio a remar em seus cabelos, fotografia em suporte de vidro, Orlando Maneschy, 2016, Lisboa. Acervo
Orlando Maneschy.
Um Índio, fotografia em suporte de vidro, Orlando Maneschy, 2016, Lisboa. Acervo Orlando
Maneschy.
ALGURES OU O PRIMEIRO BEIJO
Ao deparar-se com o convite para participar do 35o Arte Pará, de outubro a
dezembro de 2016, constituiu a instalação Algures ou O Primeiro Beijo, em que esses
objetos, relacionados a outras imagens, compõe o percurso do viajante. O cocar, a
andorinha, o linho bordado, o retrato desenhado, os vários portais do bosque de Sintra
articulam-se em relação aos objetos apresentados em montras, como as pedras
colecionadas ao longo do percurso, os cajados encontrados em situações muito
particulares e os cristais especiais. Tudo configuraria a instalação. O ponto mais mestiço
desse trabalho, em que o artista-pesquisador flui e espraia todo o conteúdo reflexivo das
relações estudadas e vividas para a sua produção artística, constituindo delicado gabinete
de viagens, memórias, sonhos e desejos, em um tempo suspenso e ao mesmo tempo
fugidio, no fino trato do intervalo de uma vida. Ele jamais seria o mesmo.
Algures ou O Primeiro Beijo, instalação, Orlando Maneschy, 2016, Lisboa. Acervo Orlando Maneschy.
Algures ou O Primeiro Beijo, Orlando Maneschy, 2016, Lisboa. Acervo Orlando Maneschy.
Algures ou O Primeiro Beijo, Orlando Maneschy, 2016, Lisboa. Acervo Orlando Maneschy.
Algures ou O Primeiro Beijo, Orlando Maneschy, 2016, Lisboa. Acervo Orlando Maneschy.
Cocar do Xamã e Portal, (respectivamente objeto e fotografia), instalação Algures ou O Primeiro Beijo, Orlando
Maneschy, 2016, Lisboa. Acervo Orlando Maneschy.
Algures ou O Primeiro Beijo, Orlando Maneschy, 2016, Lisboa. Acervo Orlando Maneschy.
Ele, o Outro, desenho, Algures ou O Primeiro Beijo, Orlando Maneschy, 2016, Lisboa. Acervo Orlando
Maneschy.
Da série Desaparições – Costa Caparica #02, video, na instalação Algures ou O Primeiro Beijo, Orlando Maneschy,
2016, Lisboa. Acervo Orlando Maneschy.
Da série Desaparições – Costa Caparica #01, video, na instalação Algures ou O Primeiro Beijo, Orlando Maneschy,
2016, Lisboa. Acervo Orlando Maneschy.
Estranho, linho bordado, na instalação Algures ou O Primeiro Beijo, Orlando Maneschy, 2016, Lisboa. Acervo
Orlando Maneschy.
O Amor não se Impõe, adesivo e pena, na instalação Algures ou O Primeiro Beijo, Orlando Maneschy, 2016, Lisboa.
Acervo Orlando Maneschy.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este conjunto de obras constituem uma espécie de arqueologia dada no encontro
com Lisboa, daquilo que está na fissura da pesquisa, entre o eu e o outro, entre os
viajantes do passado e eu mesmo, em um campo que denomino ]entre[, que me faz
olhar e, através do outro, perceber o presente, como que em uma casa de espelhos, olhar
os artistas e me ver, também, refletido ali... Entre os viajantes do passado, os artistas
contemporâneos que cortam a Amazônia e eu, esse outro viajante, em fluxo na busca de
imagens e documentos, que emergem, também no meu estar pesquisador-artista,
estabelece a experiência viva na pesquisa. Articular todas essas informações com atenção
e pertinência, percebendo os territórios e os pontos em que eles se tocam e se distanciam
foi o fluxo desenhado nesse projeto, revelando que cada parte, se articula em relação a
outra, entre passado e presente, mesclando-se atravessando-se. Mergulhar
profundamente em Portugal, nas relações com os portugueses marcaria para sempre meu
percurso. Fui tocado, transformado, antopofagizado e antropofagizei. Amálgama, trocas,
misturas... Quem sou eu e quem é o outro? Esses viajantes de tantos tempos e lugares
que atravessam territórios ao longo da história e do que chamamos de viver? Eles jamais
seriam os mesmos, eu jamais seria o mesmo e aqui estou, somando, reunindo,
percebendo tudo, entre imagens, video, desenhos, objetos e som. E tudo ressoa em
Algures ou O Primeiro Beijo, beijo da história, beijo do passado, beijo de tantos tempos
sobrepostos e juntos.
Neste profundo percurso, contar com o apoio do Prof. Dr. João Paulo Queiroz,
que recebeu-me como supervisor e me propiciou desenvolver, com seu inestimado
suporte, meu projeto no Centro de Investigação e de Estudos em Belas Artes da Faculdade de Belas
Artes de Lisboa (CIEBA-FBAUL), foi fundamental para meu crescimento como
pesquisador e artista, participando de eventos, estabelecendo diálogos e trocas de
experiências, o que afetou sobremaneira minha perspectiva acerca da pesquisa.
Poder realizar esse projeto, com os auspícios do CAPES foi de extrema
importância. Poder mergulhar em Portugal, seus acervos, arquivos e bibliotecas,
deambular pela cidade e observar seus fluxos e luminosidade, sua orla e seu interior;
comportamentos culturais e modos de falar foi uma significação sem precedentes em
nosso modo de olhar para a história, para a arte, para a vida. Transformadora, essa
experimentação de vida me fez deparar-me com o outro e comigo mesmo, constituindo
rica vivência científica e densa experiência espiritual.
AGRADECIMENTOS
Ana Lídia Maracahípe
Analzira Vieira
Ana Lúcia Maneschy Coimbra - Bordados
João Manuel Silva
João Paulo Queiroz
Keyla Sobral
Lorena Romão
Luciana Magno
Luzia Gomes
Maria Alice Penna
Mariana Sampaio
Marisa Mokarzel
Nazaré Abreu
Oriana Duarte
Priscila Vasconcelos
Paulo Herkenhoff
Roberta Maiorana
Rubens Mano
Vânia Leal
Waléria Américo
e aos viajantes que me acompanham na aventura da vida.
Este projeto foi realizado como parte do Estágio de Pós-doutoramento Percursos de
Lisboa a Belém do Pará - Brasil: imagem e imaginário para a compreensão da Amazônia,
realizado com supervisão do Prof. Dr. João Paulo Queiroz, do Centro de Investigação e
de Estudos em Belas Artes da Faculdade de Belas Artes de Lisboa (CIEBA-FBAUL),
sob os auspícios da COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL
DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR - CAPES.
*
Fragmentado
Inconcluso
Incompleto
Frágil
Vivo
14 de setembro de 2016.
P.05 *
P.08 *
P.09 *
P.09 *
P.09 *
P.24 *
P.28 *
EAN XO IIIA r t i s t a s C o n t e m p o r â n e o s
Ao selecionarmos a produção de artistas viajantes na Amazônia, nos
detivemos na produção de Cláudia Leão, Keyla Sobral, Luciana Magno,
Oriana Duarte e Paula Sampaio.
Cláudia Leão atravessou rios da região, desenvolvido após ser
contemplado com o XIV Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia, do
Ministério da Cultura, é resultado de incursões da artista pelos rios
Amazonas e Xingu, e reúne fotografias, vídeos e instalações registrados
dessas viagens.
Fruto da descoberta, do mergulho em sua região por meio de viagens, sua
relação com as pessoas, bem como todo um processo em que a artista
começa a perceber o fluxo das embarcações como naves, ou como grafa
“navs” a flutuar na noite. Ali, na noite da Amazônia, as luzes dos barcos
parecem flutuar, entre o marejar dos rios e o céu, que mesclam-se na
escuridão, o que lhe dá a sensação de naves a cindir o espaço. Como nos
conta em documento digitado de sua autoria:
Tem uma coisa fantástica, aquilo que eu vejo. Tem uma instalação
com os barcos, e é a minha visão noturna, de como parecem ficar
soltos no ar. Na exposição está o que eu vejo e as coisas que vivi com
essas pessoas. O que me interessa é como essa experiência repercute
para nós, essa invisibilidade, não olhamos para dentro, não sabemos
da nossa própria história.
P.35 *
P.35 *
Navs, video, Acervo Cláudia Leão.
Assim, percebemos que a artista lançou olhar a partir do mergulho no
ambiente amazônico, de descobertas e encontros. Viajante
contemporânea a adentrar e descobrir os rios de um território vasto, em
viagens longas de barco.
P.37 *
De acordo com dados presentes no relatório final do projeto da artista,
ATLAS, PAISAGEM E PELE: fluxos de viagem na Amazônia insular, foram
realizadas as seguintes viagens: 1. Viagem Belém-Breves - Belém, de 15 a
20 de janeiro de 2015; 2.Viagem Belém-Almeirim, de 02 a 10 de fevereiro;
3.Viagem Belém-Vitória do Xingu – Altamira – Almeirim. de 10 a 28 de
abril; 4. Viagem Belém, Altamira, Almeirim, Belém. De 03 a 25 de junho e 5.
viagem Belém – Vitória do Xingu – Altamira e Almeirim – Belém, 10 de
julho a 30 de julho, nas quais a artista entra em contato com situações,
povos, e questões específicas que ia travando contato durante as viagens.
P.37 *P.3
Atlas, paisagens e pele: fluxo de viagens na Amazônia Insular, instalação, Acervo Cláudia Leão.Pará.
Navs, video, Acervo Cláudia Leão.
Já Keyla Sobral atravessa a Amazônia por cima, de avião, e desenha seus
mapas, cartografias aéreas, lida com pequenas delicadezas, sentimentos
ora fortes, ora delicados, ora críticos. Aqui, abordaremos o seu processo
no projeto de mestrado Fluxo Norte: Sobre Diários de Bordo e Cartografia
Poética de Determinada Produção de Artes Visuais na Amazônia
(PPGARTES – UFPA), defendida em 2015.
P.37 *
Sua pesquisa buscou instaurar uma cartografia poética e analítica de um
conjunto de artistas visuais que vivem na Amazônia Legal, a partir do
contato estabelecido por meio de viagens realizadas por Sobral nesse
território entre 2013 e 2014. Trabalhando com o conceito de
Contemporâneo, desenvolvido por Giorgio Agamben, para observar como
os artistas com os quais travou contato em suas viagens atuam e pensam a
região.
P.38 *
Diário de Bordo, Keyla Sobral, 2014. Fragmento. Fonte: Keyla Sobral.
Algo que aproxima essas viajantes contemporâneas é a clareza de que
seus percursos não são totalizantes, são frutos de experimentos que lidam
com a incompletude, com o fragmento, com a subjetividade, como aponta
Sobral logo na introdução da dissertação.
Atravessar a Amazônia em várias noites luzidias em busca da
construção de mapas, em busca de um pertencimento da região que
sempre foi meu. Fluxo Norte é lançar-se a experiência dos encontros,
de conhecer parte de uma região tão vasta quanto a Amazônia e
fazer um recorte pessoal sobre as artes visuais baseadas nas
experiências vividas, misturando relatos e experiências plásticas em
seu conteúdo.
No entanto, o trabalho não tem pretensão de ser um retrato
definitivo da produção de arte na região norte, e, sim, um resultado
de uma experiência pessoal de pesquisa e viagens. Trata-se de uma
travessia, atravessamento, sobre uma investigação de uma estética
amazônica. (Sobral, 2015: 13)
P.38 *
Diário de Bordo, Keyla Sobral, 2014. Fragmento. Fonte: Keyla Sobral.
Logo, temos Luciana Magno, nascida no Pará, que vem percorrendo a
Amazônia e discutindo o corpo em relação a paisagem, em processos de
enfrentamento e de busca de mimeses com o ambiente, e que termina por
ativar relações nem sempre fáceis. Assim é em sua série de vídeos (e
fotografias) Orgânicos, em que procura modos de imersão nos ambientes,
e em outro projeto de trânsito pelo país, Telefone sem Fio, com o qual cruza
as cinco regiões brasileiras em um estúdio móvel, por aproximadamente
6.037km, do Oiapoque, ao extremo norte do país, percorrendo cidades
entre os estados do Amapá, Pará, Maranhão, Tocantins, Goiás, Minas
Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, findando
sua rota na cidade Chuí, ao extremo sul brasileiro.
P.42 *
Da série Orgânicos, Luciana Magno, 2014. Frame do video. Fonte: Luciana Magno
Da série Orgânicos, Luciana Magno, 2014. Frame do video. Fonte: Luciana Magno
P.42 * Contemplada com o Edital Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais
(10a edição), em 2013, Magno desenvolveu Telefone sem Fio como uma
expedição a atravessar o Brasil, objetivando “a pesquisa como proposta
de discussão e documentação dos possíveis imaginários e identidades
culturais nas regiões do Brasil”, (...)
Ordenar esse arquivo, com áudio, vídeos, fotografias e textos
atravessando um mapa, compõe uma delicada cartografia, com a qual a
artista pretende dar a ver uma visão multifacetada do imaginário do
brasileiro acerca do seu lugar e do outro, daquele próximo e do mais
distante. Assim, o percurso é registrado e apresentado em site,
www.lucianamagno.com/telefonesemfio/# e em livro que traz
documentário em DVD. Essa jornada de Luciana Magno busca, tal qual os
antigos viajantes, perceber os
pormenores, as sutilezas e
conexões existentes entre lugares
e habitantes, bem como o
imaginário que estes têm acerca
de um país continental, buscando
propic iar conec t iv idade e
apreensões acerca do outro, do
diferente.
P.43 *
Telefone sem Fio, 2015 Luciana Magno, Colagem para livro. Coleção Amazoniana de Arte da UFPA. Fonte: Luciana Magno.
Já Paula Sampaio, que vem há décadas cruzando a Amazônia
prioritariamente pelas estradas, em que reordena sua própria obra, a
partir do contato com o outro durante os processos de alguns projetos,
mergulhando ainda mais na reflexão acerca da cidadania, da fragilidade
do sujeito, abandonado à própria sorte nos rincões da região norte do
Brasil. Este aprofundamento reflexivo faz com que, em alguns momentos,
a artista optasse por exibir as imagens e as vozes do outro como parte do
trabalho. Este tempo de sua produção foi constituído a partir de retornos a
localidades que visitou ao longo de mais de vinte anos captando a
Amazônia, por meio de rotas desenhadas por ela, cruzando as rodovias
Transamazônica e Belém-Brasília, no fluxo da relação com migrantes que
deslocaram-se em busca de uma vida melhor.
P.45 *
Em Antônios e Cândidas tem Sonhos de Sorte, (1990 – 2010, em fase de
conclusão), a fotógrafa atravessa os estados do Pará, Piauí, Maranhão,
Acre, Tocantins, Amazonas, Paraíba, Pernambuco, bem como o Distrito
Federal, ativando sua rede de relações, organizando um balanço
poderoso, materializado em um conjunto de dados e imagens, memórias
do povo brasileiro. Sampaio vai concentrar-se em olhar para esse sujeito
exilado dentro de seu próprio país, como aponta no texto de sua própria
autoria publicado em seu site: “Neste projeto, que vem sendo
desenvolvido desde 1990, esses homens e mulheres contam suas
histórias materializadas em imagens, escritos e memórias orais,
entrelaçadas nesse imenso território onde pulsam sonhos de sorte, nesse
Brasil do Norte” (SAMPAIO, 2005).
P.47 *
Paula Sampaio, fotografia, Tatiane Nascimento Belém-Brasília, São Miguel do Tocantins, 1998, que integra o projeto Antônios e Cândidas tem Sonhos de Sorte. Coleção Amazoniana de Arte da Universidade Federal do Pará.
Paula Sampaio, fotografia que compõe o vídeo do Projeto Antônios e Cândidas tem S o n h o s d e S o r te , p o s t a d o n o s i te paulasampaio.com.br, 2012.
Paula Sampaio, fragmento de vídeo realizado a partir de fotografias, documentos visuais e sonoros coletados pela artista, Projeto Antônios e Cândidas tem Sonhos de Sorte, postado no site paulasampaio.com.br, 2012.
Neste projeto, a artista encontra sujeitos e reencontra outros, anos,
décadas depois, em seu longo percurso pelas rodovias, deparando-se com
os desejos ainda acalantados, desilusões, vontades de uma vida que ficou
fincada à margem das estradas. Sonhos de famílias inteiras que vivem e
sobrevivem da forma que podem, e que Sampaio descortina de maneira
densa por meio de suas fotografias e dos documentos recolhidos.
P.48 *
Em O Lago do Esquecimento - projeto iniciado em dezembro de 2011, e que
teve sua primeira etapa concluída dentro do Projeto Arte Pará 2012,
quando Sampaio foi a artista homenageada, e que encontra-se em sua
terceira etapa, após receber o Prêmio Marc Ferrez de Fotografia – 2012 –
Funarte/MINC -, Sampaio dirigiu seu foco para o lago formado pela
barragem da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, uma das
mais importantes fontes de energia do país. Lá, a artista
concentra-se nas árvores petrificadas com a inundação
para a formação do lago e na descoberta de resistentes
moradores, sobrevivendo em algumas das 1.100 ilhas
que foram formadas com a enchente; pessoas largadas à
própria sorte em uma área que supostamente não
deveria ter ninguém habitando. A fotografa irá
documentar a monumentalidade da construção, os
paredões, os túneis de acesso, mas as árvores rígidas e
mortas que resistem como esqueletos nas placidez das
águas que impactaram a artista, conclamando sua
atenção. A partir daí, Sampaio começou a cruzar o lago
refletindo sobre o apagamento da vida que habitava aquele lugar,
fotografando as árvores como últimas testemunhas daquele processo de
degradação, encontrando no trajeto e entrevistando os habitantes
remanescentes que permanecem ali, vivendo isolados.
P.49 *
Paula Sampaio, instalação O Lago do Esquecimento (fotografias e video-instalação). Fonte: Acervo do artista.
Paula Sampaio, O Lago do Esquecimento
Oriana Duarte, que com seu projeto Plus Ultra, atravessou várias regiões
do Brasil, em especial a Amazônia, remando em rios urbanos, em ação
performativa que gera instalações, com fotografias, vídeos e que faz parte
sua dissertação de doutorado pela PUC – SP, Plus Ultra: o Corpo no Limite
da Comunicação, defendida em 2012 e o conjunto de livros Nós, Errantes,
escritos de existência + Fala de uma artista, editado por Duarte, a partir de
prêmio recebido pela Fundação Nacional de Arte – Funarte. Duarte irá
deter-se no “cuida-te de ti mesmo” (epiméleia heautoû), de Platão, a partir
das discussões empreendidas por Foucault, como afirma: “Para Foucault,
cuidar de si é munir-se dessas verdades, é assim que o sujeito se constitui
moralmente, ou seja, é pelo cuidado de si que a ética se liga ao jogo da
verdade”. (DUARTE, 2012, p. 23)
P.50 *
Plus Ultra, Oriana Duarte, imagem (fragmento de página 256 da Tese da artista), 2012. Acervo da artista.
Ao remar rios urbanos, Duarte atravessa o país, de norte ao sul, e na
Amazônia remará em Belém do Pará e Manaus, articulado finas relações
com desportistas do remo nessa regiões, toma anotações, recolhe
histórias, produz uma coleção de documentos, com camisas dos clubes
nos quais rema nas cidades, fotografias, etc. Estabelece vinculações entre
pessoas, com sua presença nos clubes de remo. Altera a normalidade do
lugar por trazer uma obra que articula arte e esporte. O remar é registrado
em video, com câmera colocada na cabeça do outro remador, que está
trabalhando, o que faz com que as imagens tenham singular
enquadramento, trazendo sempre a artista de costas com os cabelos em
tranças.
Com seus projetos, Duarte articula um conjunto de experiências,
deslocamentos, trajetos interiores e exteriores, permeados de
pontuações, mapeamentos, partituras produzidos na fina teia da vida.
São imagens que, a cada visita, nos desloca novamente para fora de nós
mesmos e de uma possível segurança, propondo novos arranjos possíveis
no viver da experiência artística.
P.52 *
Plus Ultra, Oriana Duarte, video, 2012. Frame da remada feita em Belém do Pará Acervo da artista.
P.54*
P.58 *
P.58 *
P.61 *
P.61 *
P.61 *
P.67 *
Este projeto foi realizado como parte do Estágio de Pós-doutoramento Percursos de Lisboa a Belém
do Pará - Brasil: imagem e imaginário para a compreensão da Amazônia, realizado com supervisão
do Prof. Dr. João Paulo Queiroz, do Centro de Investigação e de Estudos em Belas Artes da Faculdade
de Belas Artes de Lisboa (CIEBA-FBAUL), sob os auspícios da COORDENAÇÃO DE
APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR - CAPES.
Ana Lídia MaracahípeAnalzira VieiraAna Lúcia Maneschy Coimbra - BordadosJoão Manuel Silva - Câmera, áudio e produção LxJoão Paulo QueirozKeyla SobralLorena RomãoLuciana MagnoLuzia GomesMárcio AlvarengaMaria Alice PennaMariana SampaioMarisa MokarzelNazaré AbreuOriana DuartePriscila VasconcelosPaulo HerkenhoffRoberta MaioranaRubens ManoVânia LealWaléria Américo
e aos viajantes que me acompanham na aventura da vida
AGRADECIMENTOS