Mecanismo de transporte de colesterol pelas Lipoproteínas
Prof. Wbio
Os lipídeos são moléculas de natureza apolar e imprescindíveis para a manutenção da fisiologia
celular, o transporte dessas moléculas até os tecidos representa para os seres vivos um desafio, uma vez que
são estruturas com grandes cadeias carbônicas e apolares o que dificulta a sua entrada nas células. O desafio
então é aliar um mecanismo eficiente de transporte, caracterizado pela movimentação de uma massa fluida
aquosa, com a necessidade de um transporte de moléculas essenciais à vida, como o colesterol por exemplo.
O sistema circulatório apresenta uma composição média de 70% de sangue e linfa que o principal
componente é a água. Vale ressaltar que os lipídeos devem de alguma maneira chegar até os vasos
sanguíneos e linfáticos para serem transportados. Como resolver o impasse entre: água como veículo de
transporte polar X moléculas hidrofóbicas que necessitam chegar aos tecidos. Surge então, uma molécula
especial de lipoproteínas que foi ao longo da evolução se aperfeiçoando para transportar mais eficientemente
os lipídeos para o interior das células.
As lipoproteínas
As lipoproteínas estão presentes no sangue e na linfa, são representadas pelos Quilomícrons, VLDL
(Very Low Density Lipoproteins), IDL (intermediate Density Lipoproteins), LDL (Low Density
Lipoproteins) e HDL (High Density Lipoproteins). Suas designações, com exceção dos quilomícrons, são
atribuídas de acordo com sua densidade, sendo que aquelas que possuem uma quantidade maior de lipídeos
apresentarão uma menor densidade e mais danos podem causar à integridade dos vasos tanto sanguíneos
quanto linfáticos dos indivíduos que apresentam uma taxa alta desses lipídeos.
As lipoproteínas apresentam uma capa periférica hidrossolúvel, de natureza fosfolipídica, com
proteínas presentes nessa superfície. As proteínas hidrossolúveis são denominadas de Apoproteínas ou
Apolipoproteínas e podem ser classificadas em intrínsecas (integrais) se transpassarem de um lado a outro
da superfície fosfolipídica, ou extrínsecas (periféricas) se apenas localizarem na superfície da vesícula. Essas
proteínas são peças-chave para a solubilização dos lipídios, o que possibilita seu efetivo transporte via
plasma sanguíneo, bem como sua identificação e destinação correta para cada célula-alvo. No centro de uma
lipoproteína, encontramos um “núcleo” ou “core” onde residem os lipídios mais hidrofóbicos, dado a
impossibilidade de interação com o meio aquoso nessa região. Sendo assim podemos dizer que quanto mais
hidrofóbica ou apolar for a molécula, mais ao centro desse complexo ela estará e, por óbvia conclusão,
quanto mais hidrofílica ou mesmo anfipática ela for, será deslocada para a periferia da vesícula de
lipoproteína. Podemos observar que os triglicerídeos e os ésteres de colesterol estarem mais ao centro, já o
colesterol livre compõe tanto a superfície da molécula, propiciando rigidez e estabilidade, como a parte
intermediária entre o núcleo apolar e a superfície fosfolipídica.
As diferenças entre cada lipoproteína estão no volume, no principal tipo de lipídio e na quantidade de
suas apoproteínas, lembrando que a relação entre lipídios e a densidade são inversamente proporcionais.
Sendo assim, concluímos que os quilomícrons possuem o maior valor em massa de lipídio, seguido por
VLDL, IDL, LDL e HDL. Os quilomícrons são também os mais volumosos, seguido do VLDL, o que
diminuem ainda mais suas densidades e o que dá a eles a capacidade de turvar o plasma sanguíneo quando
em excesso na circulação sanguínea e linfática.
A Dinâmica do Transporte do Colesterol
Após a ingestão de um alimento rico em lipídeos, os Quilomícrons produzidos pela mucosa intestinal
recepcionam e englobam em seus núcleos (ou “core”) os triglicerídeos provenientes da dieta. Isso possibilita
ao organismo a absorção dos lipídios via Circulação Linfática, uma vez que, por serem muito grandes, os
Quilomícrons não ingressam nos capilares sangüíneos. Note que, por não seguirem a circulação porta-
hepática, cujo primeiro destino é o fígado, os lipídios podem primeiro suprir as necessidades de
armazenamento dos adipócitos.
A circulação linfática ganha o sistema sanguífero via Ducto Torácico, vaso linfático que,
normalmente, desemboca na altura da anastomose entre as veias Jugular Interna Esquerda, Axilar Esquerda
e veia Sub-clávia, levando a linfa recém-chegada ao átrio direto do coração, juntamente com o sangue. Os
Quilomícrons absorvidos na parede entérica entram, agora, em contato com o HDL sangüíneo, que os
transfere duas apoproteínas essenciais para a liberação de seus triglicerídeos nos adipócitos, as Apo-C2 e
Apo-E.
A Apo-C2 é uma proteína que serve como elemento discriminante dos Quilomícrons pelos
adipócitos, porque aciona uma enzima denominada Lípase-lipoproteica ou Lipoproteína Lípase (LPL), a
qual hidrolisa os triacilgliceróis (triglicerídeos) em glicerol e ácidos graxos livres, próximo ao tecido
adiposo que captura e restaura os triglicerídeos para armazenagem, nos músculos os triglicerídeos servem de
energia para o metabolismo. O mesmo irá ocorrer com o VLDL que também possui de Apo-C2.
Aos Quilomícrons resultantes da dinâmica de entrega de ácidos graxos para os adipócitos, isto é,
Quilomícrons com baixo conteúdo de triglicerídeos, é dado o nome de Quilomícrons Remanescentes.
Findada a sua utilidade, os Quilomícrons Remanescentes são absorvidos pelos hepatócitos, que metabolizam
os conteúdos restantes de lipídios. Sua identificação pelo fígado ocorre pelo reconhecimento da Apo-B48
pelas células hepáticas, que o capturam assim que a identificação se estabelece. A Apo-E também tem esse
papel.
O principal lipídio metabolizado pelos hepatócitos nessa fase é o colesterol proveniente da dieta, que
tem como principais destinos: a excreção como ácido biliar ou como colesterol livre na bile, ajudando na
emulsificação de lipídios ingeridos, durante o processo de digestão.
Prova-se, assim, que o colesterol proveniente da dieta pouquíssimo altera os padrões de
colesterolemia sangüínea, dado que praticamente todo colesterol absorvido permanece na
composição dos Quilomícrons Remanescentes, sendo, após metabolização hepática, secretados na
bile. Por isso, diz-se que os padrões de hipercolesterolemia não advêm do consumo direto de
colesterol da dieta, mas sim do processamento endógeno de outros lipídios consumidos e, no fígado,
transformados em colesterol e secretados para a corrente sangüínea.
No fígado, ocorre a produção de colesterol e de triglicerídeos todas as vezes que há um aumento
considerável da concentração de Acetil-CoA, por isso, tanto o consumo exagerado de lipídios como o de
açúcares é maléfico para quem tem grande tendência à hipercolesterolemia, já que ambos originam Acetil-
CoA em transformações metabólicas. Os lipídios endógenos produzidos (colesterol e triacilglicerol) são
lançados na corrente sanguínea pela lipoproteína VLDL, possuidora da Apo-B100, além de outras.
Semelhantemente ao que ocorre com os Quilomícrons, o VLDL recebe do HDL as Apo-C2 e Apo-E.
Assim, há o mesmo reconhecimento com os adipócitos - já citado – resultando na ativação da Lipoproteína
Lípase, com sua mais que importante ação de trâmite lipídico entre lipoproteína e tecido adiposo. Ocorre um
novo armazenamento de triacilglicerol no adipócito, permanecendo o VLDL com o colesterol.
Sem os triglicerídeos compondo o VLDL, resultando, então, em uma diminuição de lipídios nessa estrutura,
ela perde tamanho e fica mais densa, conforme explicado anteriormente. Nisso se constituem os IDL,
também chamados de VLDL Remanescentes.
Os IDL ou VLDL Remanescentes é dado os seguintes destinos:
(I) ou o de devolverem ao HDL as Apo-C2 e Apo-E, mesmo porque não há mais triglicerídeos no seu
interior a entregar, tornando-se desnecessário a permanência da Apo-C2 em sua estrutura (dessa forma, o
HDL poderá doar novamente para outro VLDL essas apoproteínas, reiniciando o ciclo);
(II) ou o de serem recolhidos pelo fígado, uma vez que possuem Apo-E, que é reconhecida pelo hepatócito
como sinal de “alvo de captura” para metabolizações diversas.
Vamos pensar na hipótese de número “I”, após a devolução das apoproteínas, o IDL recebe do HDL
ésteres de colesterol, aumentando seu conteúdo de lipídio e, por isso, diminuindo sua densidade. Surge o
LDL. Como foi derivado do IDL, o LDL possui uma apoproteína denominada Apo-B100 e muito colesterol
para ser repassado aos tecidos, preferencialmente àqueles que produzem hormônios sexuais (Gônadas e
Supra-Renais), que têm como precursores o colesterol. Eis aí a principal importância do LDL, transportar
colesterol para os tecidos extra-hepáticos.
Como as células componentes das gônadas e das supra-renais já têm uma capacidade elevada de
produção desse composto, sua concentração no interior hialoplasma é regulado pela forma com que o
colesterol presente no LDL é absorvido. A existência de um receptor para a Apo-B100 no glicocálix dessas
células é fundamental nesse controle, pois, no momento de encaixe Apo-B100/receptor, há a internalização
do complexo receptor/lipoproteína. Se essas células não estiverem precisando de suprimento de colesterol,
ela retira o receptor da membrana, havendo acúmulo de LDL no plasma sangüíneo (embora o fígado
também reconheça a Apo-B100) ocorrerá uma aumento na deposição de LDL na parede dos vasos, podendo
gerar doenças cardiovasculares graves.
Como se vê, o HDL é importantíssimo para a manutenção da homeostase dessa dinâmica de trânsito
lipídico. Além do mais, estudos mostram que valores elevados dessa lipoproteína representam êxito na
retirada de LDL fixados nas paredes de vasos da circulação sanguínea, pois captura o colesterol livre
presente em sua composição, podendo esterificá-lo por meio de uma enzima denominada Lecitina
Colesterol-Acil-Transferase (LCAT) e incorporar esses ésteres que na sequência serão transferidos para o
VLDL circulantes (não depositados em paredes vasculares), transformando-o em LDL. Isso favorece o
consumo desse excesso pelo Fígado e pelas células das Supra-Renais e das Gônadas, no momento em que
houver necessidade.
O HDL ainda pode ser captado pelo Fígado e ter seu colesterol excretado na forma de ácidos biliares
e colesterol livre na bile, a exemplo do que ocorre com o colesterol presente em Quilomícrons. É por tudo
isso que o HDL é vulgarmente e incorretamente chamado de “colesterol” bom! Mas, de fato, corresponde
em um excelente agente do feedback lipídico sangüíneo. E, por último, como ainda não foi dito, o HDL é
produzido unicamente pelo fígado e possui sua concentração consideravelmente elevada em indivíduos com
hábitos saudáveis e que ingerem regularmente os chamados lipídios insaturados, presentes, por exemplo, no
azeite extra virgem.