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PSICOPEDAGOGIA: Regulamentação e Identidade Profissional
Elaine Soares de Amorim1
Resumo: Este trabalho se propõe a pesquisar a história da Psicopedagogia, seu campo
de atuação, o objeto de estudo e a trajetória da regulamentação profissional. Tem como
objetivo ressaltar o contexto do surgimento da Psicopedagogia e destacar o movimento
desse campo de conhecimento no Brasil. Esse trabalho se propõe também a descrever a
importância da Associação Brasileira de Psicopedagogia - ABPp, como órgão que
representa a classe, fundamental na luta pela regulamentação da profissão. Por fim,
ensejamos refletir sobre o papel social da Psicopedagogia e discorrer sobre a construção
da identidade do(a) psicopedagogo(a) e o papel da regulamentação em contribuir para a
constituição dessa categoria profissional. O trabalho se baseia em pesquisa
bibliográfica, utilizando como referenciais teóricos autores da Psicopedagogia e a
interlocução com alguns autores da educação.
Palavras-chave: Psicopedagogia; Atuação Profissional; Regulamentação Profissional
Introdução
Dados do Censo Escolar 2010 indicam que houve crescimento no número
de matrículas na Educação Infantil e na Educação Básica. A creche é a etapa de ensino
com maior crescimento, que registrou um aumento na ordem de 9%, o que corresponde
a 168.290 novas matrículas. As matrículas no Ensino Fundamental e Médio registram,
de acordo com dados do Censo Escolar 2010, certo equilíbrio, apresentando, para
aquele, um decréscimo de 2,2% com relação aos dados coletados em 2009.
1 Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais, Pós-Graduada em
Gestão de Projetos Educacionais pelo Centro Universitário UNA e Pós-Graduada em Psicopedagogia pela
Universidade FUMEC.
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A política do Ministério da Educação que estabelece a Educação Inclusiva
como prioridade consolidou-se em resultados positivos. Constata-se em 2010 um
aumento de 10% no número de matrículas nessa modalidade de Ensino. Igualmente
positivos foram os resultados divulgados no Censo 2010 com relação às matrículas em
Escolas localizadas em áreas remanescentes de quilombos e à Educação Indígena. As
políticas voltadas para a valorização da diversidade sociocultural no espaço escolar e a
adoção de estratégias específicas para as áreas remanescentes de quilombos
expressaram em um aumento no número de matrículas de 4,9%. A Educação Indígena
chegou, em 2010, a 246.793 matrículas na Educação Básica, o que corresponde a um
crescimento de 7,3%, reflexo também de políticas voltadas para a redução das
desigualdades educacionais e respeito à diversidade cultural.
A Educação de Jovens e Adultos - EJA apresentou queda de 5% no número
de alunos matriculados, de acordo com o Censo 2010. Segundo dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD/IBGE 2009, o Brasil tem uma população
de 57,7 milhões de pessoas com mais de 18 anos que não frequentam escola e que não
têm o Ensino Fundamental completo. Esse contingente poderia ser considerado uma
parcela da população a ser atendida pela EJA.
Os números são contundentes, ou seja, o atendimento da EJA é muito
aquém do que poderia ser. De acordo com o Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira - INEP, essa questão precisa ser melhor analisada e os dados do Censo podem
contribuir para um diagnóstico e para a proposição de políticas de ampliação da oferta
dessa modalidade de ensino. O Censo revelou também que tem diminuído o número de
escolas que oferecem EJA e isso pode sinalizar um problema, sobretudo para o
trabalhador que precisa de motivação para voltar à escola. Menos escolas, mais
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dificuldades, sobretudo nos grandes centros urbanos em que o deslocamento pode se
tornar um impeditivo para acesso aos locais de oferta.
Para a Educação Profissional, o Censo 2010 apontou que os números
sinalizam a manutenção de sua expansão, com crescimento de 7,4%, ultrapassando
900.000 matrículas em 2010. Com relação à Educação Superior, os dados do último
Censo, que não é o mesmo no qual são divulgados os resultados da Educação Básica,
demonstram que, apesar da diminuição no número de Instituições de Ensino Superior, a
oferta de vagas, o número de ingressantes, bem como o número de matrículas e de
concluintes mantiveram crescimento semelhante ao dos anos anteriores.
Nesse contexto e analisando de uma maneira geral o cenário da Educação
Brasileira, em todos os níveis e modalidades de ensino, percebemos que a demanda por
educação aumentou, as vagas foram ampliadas e políticas para assegurar os direitos à
educação foram desenvolvidas e implementadas. No entanto, ainda encontramos na
realidade das salas de aulas e dos ambientes educacionais obstáculos que impedem o
bom desempenho do aluno no processo de aprendizagem e na formação do sujeito como
um todo. Longe de promover a autonomia e desenvolver as potencialidades dos
indivíduos, nossos espaços educacionais se configuram quase sempre como cenários em
que o fracasso e o desenvolvimento insatisfatório predominam.
Essa realidade nos impele a repensar o processo educacional brasileiro, na
medida em que é possível programar e implementar ações direcionadas ao
desenvolvimento de uma educação de excelência. Pensar desta maneira é perceber o
processo educacional sob a perspectiva global da pessoa que aprende, com suas
potencialidades e suas dificuldades. Pode-se dizer ainda que pensar o processo
educacional hoje é considerar a complexidade humana em suas relações com o mundo,
de maneira sistêmica e holística.
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Diante de tal desafio, o profissional da Psicopedagogia, por reunir em sua
formação conhecimentos de diversas áreas, é o um dos profissionais que pode contribuir
para que o processo de ensino e aprendizagem seja pensado para as complexidades dos
dias atuais. A Psicopedagogia é considerada atualmente como um campo de
conhecimento de caráter transdisciplinar que se constituiu pela emergência de
conhecimentos de campos afins, produzindo uma nova maneira de encarar o sujeito que
aprende/ensina e o objeto deste processo: a aprendizagem humana, configurando-se
como uma área privilegiada para o pensamento complexo.
De acordo com Visca, em artigo no qual antevia o papel da Psicopedagogia
no terceiro milênio, “os estudos futuros necessariamente facilitarão a distinção do
objeto de estudo da Psicopedagogia dos objetos de estudo da Psicologia e da Pedagogia;
e ao mesmo tempo a complementaridade destas três áreas do conhecimento.” (VISCA,
1999, p. 1)
Enquanto campo de atuação transdisciplinar, a Psicopedagogia busca
estudar os fenômenos humanos em toda sua complexidade, sem os limites impostos
pelas disciplinas, aproximando-se muito mais de uma visão integradora e sistêmica que
impregna os novos conceitos científicos. O estudo dos fenômenos humanos proposto
pela Psicopedagogia incide, de acordo com a natureza de seu objeto de estudo, sob o
âmbito educacional.
Por essa característica integradora e transdisciplinar, o psicopedagogo é uma
figura importante na constituição da dinâmica escolar e acadêmica. Sua atividade
caracteriza-se pelo aspecto interacional, por isso pode e deve fazer parte de uma equipe
transdisciplinar atuando nas questões relacionadas às problemáticas docente, discente e
administrativa. Isso lhe permite enxergar a educação e os atores nela envolvidos em sua
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totalidade, criando condições para melhorar o processo de aprendizagem escolar,
atuando tanto na prevenção quanto na resolução de conflitos.
O psicopedagogo, atuando como o sujeito que aprende e ensina, ou seja, o
sujeito aprendentensinante estabelece uma investigação criteriosa e multidisciplinar
capaz de enxergá-lo a partir de uma perspectiva bio-psico-social. Em outras palavras,
fatores orgânicos, afetivos, cognitivos e culturais fundamentam as hipóteses
psicopedagógicas norteadoras das estratégias capazes de criar a situação mais adequada
para que a aprendizagem ocorra.
Na prática, o psicopedagogo, além de agregar saberes de diversas áreas, atua
com mecanismos pedagógicos e psicológicos que possibilitam compreender a dinâmica
da aprendizagem, agindo de forma preventiva e terapêutica. Em termos preventivos, age
nas escolas junto aos professores, alunos e suas famílias ou na formação de
profissionais da educação. No campo terapêutico, o psicopedagogo diagnostica as
possibilidades e as dificuldades de aprendizagem, elaborando, junto a outros
profissionais, mecanismos de intervenção dirigidos para potencializá-las ou remediá-las.
A Psicopedagogia contempla um vasto campo de investigação dos fenômenos do
processo educacional e vem contribuindo com publicações relevantes a respeito de seu
objeto de estudo: o processo de aprendizagem humana.
É importante ressaltar que a pesquisa proposta pelo artigo em questão levou
em consideração tais publicações, inclusive trabalhos científicos publicados na Revista
Psicopedagogia editada pela Associação Brasileira de Psicopedagogia - ABPp. Tal
acervo constitui os pilares nos quais a prática psicopedagógica se fundamenta. A partir
daí percebemos que o exercício profissional da Psicopedagogia requer, além de
formação específica em cursos de especialização, a regulamentação da profissão, que,
apesar de não ter sido legalizada, sua prática está presente nos ambientes escolares,
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acadêmicos e sociais. Nesse contexto, percebemos que a Psicopedagogia tem
fundamental importância no desenvolvimento do processo educacional e possui
subsídios científicos que dão o devido suporte à sua prática.
A luta pela regulamentação da profissão de psicopedagogo(a) iniciada em
1997 ainda não terminou, mas avançou sobremaneira. O presente artigo oportuniza
descrever a trajetória histórica da regulamentação profissional, refletindo sobre sua
importância como mecanismo de solidificação da identidade profissional e de sua
prática, cuja demanda se mostra cada vez mais crescente, no âmbito das instituições
públicas e privadas.
Fundamentos históricos da Psicopedagogia
A Psicopedagogia teve seu início no século XX na França com os autores
Françoise Dolto, Julian Ajuriaguerra, Pichon-Riviére, Pierre Vayer, Louise Picg, dentre
outros, realizando estudos para resolver problemas de fracasso escolar e articulando tais
intervenções com a Medicina, Psicologia, Psicanálise e Pedagogia. Na época, o
problema do fracasso escolar estava associado a problemas de conduta e
comportamento, ao desenvolvimento cognitivo, afetivo, emocional, orgânico e motor.
Expandiu-se pela Europa, Estados Unidos e, mais recentemente, na
Argentina ainda com ênfase nos aspectos relacionados com o insucesso escolar. Nesse
período, as dificuldades e/ou problemas de aprendizagem apresentavam caráter médico
e eram tratados com procedimentos remediativos. Os primeiros Centros
Psicopedagógicos foram criados na França, na década de 40, com o intuito de
desenvolver um trabalho voltado para crianças com problemas escolares ou
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comportamentais atendidas por uma equipe de profissionais da área psicológica,
psicanalítica e pedagógica.
O movimento da Psicopedagogia no Brasil inicia com forte influência da
Argentina, seja pela proximidade geográfica ou pelo fácil acesso à literatura. Há
registros bibliográficos de trabalhos de autores argentinos tais como Sara Paín, Jorge
Visca e Alicia Fernández, os quais constituem os primeiros esforços no sentido de
sistematizar um corpo teórico próprio da Psicopedagogia. Nádia Bossa ressalta que a
origem do pensamento argentino acerca da Psicopedagogia é marcada por traços dos
estudos e pesquisas realizados na França e destaca que
a literatura francesa influencia as ideias sobre Psicopedagogia na Argentina, a
qual, por sua vez, influencia a práxis brasileiras. A psicpedagogia francesa
apresenta algumas considerações sobre o termo Psicopedagogia e sobre a
origem dessas idéias na Europa, e os trabalhos de George Mauco, fundador
do primeiro centro médico psicopedagógico na França, em que se percebem
as primeiras tentativas de articulação entre medicina, psicologia, psicanálise e
pedagogia, na solução dos problemas de comportamento e de aprendizagem.
(BOSSA, 2007, p. 39)
Na Argentina, a Psicopedagogia já surge como um curso de graduação, na
década de 60. No entanto, a atividade psicopedagógica já era exercida antes mesmo da
criação do curso. Profissionais que possuíam outra formação, ao encontrarem demandas
específicas de dificuldades de aprendizagem, vislumbraram a necessidade de ocupar um
espaço que pedagogos e psicólogos não conseguiam preencher. Com isso, alternativas
de intervenção foram criadas, com o objetivo de resolver os problemas de fracasso
escolar, cada vez mais recorrentes. Segundo Maria Regina Peres
a Psicopedagogia passa a despertar a atenção de vários países que,
preocupados com os altos índices de fracassos escolares, passam a buscar
novas alternativas de trabalho. Dentre estes países, na Argentina, a
Psicopedagogia tem recebido um enfoque especial, sendo considerada uma
carreira profissional. (PERES, 1998, p. 42)
No Brasil, a Psicopedagogia teve início da década de 70, mas pode-se dizer
que o movimento da Escola Nova, nos anos 1920, agregou um novo olhar sobre a
educação brasileira. Esse novo olhar propunha um atendimento holístico às
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necessidades do educando e à realidade do país com vistas ao desenvolvimento do
processo educacional. O documento do Manifesto dos Pioneiros da Educação traduz
alguns dos elementos pontuados por John Dewey, dentre eles a compreensão de que o
ensino deve basear-se na experiência em função dos interesses da criança e a concepção
da escola como uma sociedade em miniatura. Os escolanovistas defendiam que a
educação abandonasse o empirismo grosseiro que reinava no pensamento pedagógico e
adotasse métodos científicos de forma que correspondesse às necessidades da sociedade
urbano-industrial que se desenvolvia. Uma das formas pelas quais essa aplicação dos
métodos científicos à educação iria ocorrer seria através da utilização dos instrumentos
da Psicologia.
Os ideais propostos pela Escola Nova corroboram com os pressupostos
psicopedagógicos, no sentido do desenvolvimento pleno do educando e de considerar
suas necessidades e o contexto no qual se insere. Naquele momento o termo
Psicopedagogia não se consolidava como um campo de conhecimento e de investigação
científicas, mas encontramos aportes significativos e característicos dos entendimentos
psicopedagógicos, o que não nos impede de pensar que ali iniciava um vasto espaço de
discussões e pesquisas em torno do que hoje chamamos de Psicopedagogia.
Historicamente registrado é que no Brasil a Psicopedagogia surgiu na
década de 70 e a principal atuação dos especialistas na área era a intervenção nos
problemas de aprendizagem associados às disfunções neurológicas, ou seja, ainda
mantendo a visão medicalizante de suas origens. Nesse período, no Brasil, os altos
índices de evasão escolar e repetência impulsionaram alguns profissionais a se
dedicarem ao diagnóstico e intervenção dirigidos para os problemas de aprendizagem.
Para isso, eles se basearam nos referenciais teóricos desenvolvidos na França e
Argentina.
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Na década de 80 tem início em São Paulo, no Instituto Sedes Sapientiae, o
primeiro curso de Psicopedagogia. Os primeiros profissionais lá formados foram
responsáveis pela criação da Associação Paulista de Psicopedagogia, atual Associação
Brasileira de Psicopedagogia - ABPp, com expressiva representatividade no território
nacional. Para Fagali, o Instituto Sedes Sapientiae foi pioneiro no desenvolvimento do
curso de Psicopedagogia. Ela ressalta que
a retomada das raízes do curso de formação em Psicopedagogia do Sedes
Sapientiae justifica-se por ter sido um curso pioneiro na realidade de São
Paulo, gerador de líderes de mudança que prosperaram em projetos como o
da construção da Associação de Psicopedagogia em São Paulo. (FAGALI,
2007, p. 19-20)
Desde o surgimento no Brasil, houve uma evolução no conceito de
Psicopedagogia. Quando surgiu, teve uma visão organicista e patologizante da
dificuldade de aprendizagem. Seu objetivo era fazer a reeducação das crianças
portadoras de deficiências. Avançou, para um campo de conhecimento interdisciplinar,
ao considerar seu objeto de estudo o processo de aprendizagem com todas as variáveis
que nele interferem. Seu objetivo passou a ser a investigação da etiologia da
dificuldade, seu significado para a criança e sua família, a sua modalidade de
aprendizagem e reais possibilidades para aprender. Atualmente, define-se a
Psicopedagogia como uma área de conhecimento transdisciplinar, cujo objeto de estudo
é o ser cognoscente e que tem como objetivo facilitar a construção da aprendizagem e
da autonomia desse ser identificando e clarificando os obstáculos que possam impedir
que esta construção se faça.
A Associação Brasileira de Psicopedagogia
Desde 1980, data da criação da ABPp, os psicopedagogos brasileiros
contam com o apoio desta associação, que se preocupa com os interesses e os anseios da
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classe e luta pelos seus direitos. Além disso, a Associação Brasileira de Psicopedagogia
contribuiu e contribui para que os profissionais da Psicopedagogia construam espaços
de discussões, estudos e pesquisas sobre a teoria e a prática psicopedagógicas. Peres
aborda que
ao longo de sua existência a associação tem promovido vários encontros e
congressos visando dentre outras coisas refletir sobre: a formação do
psicopedagogo, a atuação psicopedagógica objetivando melhorias da
qualidade de ensino nas escolas, a identidade profissional do psicopedagogo,
o campo de estudo e atuação do psicopedagogo, o enfoque psicopedagógico
multidisciplinar. (PERES, 1998, p. 43)
A ABPp divulga o campo de atuação da Psicopedagogia por meio de
publicações, publicações de casos e situações de aprendizagem que se destinam a
pesquisas e experiências, nos Boletins e na Revista Psicopedagogia. Tem contribuído
para que a Psicopedagogia assuma uma nova feição no cenário educacional brasileiro a
partir de um redimensionamento da concepção de problema da aprendizagem. Esse fato
é perceptível tendo em vista uma linha cronológica de eventos promovidos pela
Associação e pelos temas que marcam essa transformação. Destaque neste ano de 2010
para as comemorações dos trinta anos da Psicopedagogia no Brasil, com eventos
direcionados à consolidação da Psicopedagogia no território nacional brasileiro.
Essa característica da Associação Brasileira de Psicopedagogia, de ser um
órgão que representa a classe, luta pelos seus direitos e pela formação na área, é peculiar
se pensarmos na forma de sua organização institucional, composta por um Conselho
Nacional que reúne membros de diversos segmentos e de diversas regiões do país e se
compõe da seguinte maneira: Conselho Nato, constituído pelos ex-presidentes da ABPp,
que passam a integrá-lo ao final de cada gestão; Conselheiros eleitos, que representam
os associados de todo o Brasil e os representantes das Seções e Núcleos.
Com o intuito de propor uma identidade própria à Psicopedagogia no Brasil
e difundir os conhecimentos na área, a Associação Brasileira de Psicopedagogia - ABPp
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-organizou um documento acerca da identidade profissional do psicopedagogo e dos
objetivos dessa área do conhecimento. O documento passou por várias reformulações na
tentativa de entrelaçar o conteúdo de formação e a atuação profissional. Desse
documento originou, em 1992, o Código de Ética do Psicopedagogo2.
De acordo com Mônica Hoehne Mendes, a discussão em torno da questão
do reconhecimento da profissão gerou grande inquietação entre vários segmentos
acadêmicos. Ela considera que o Código de Ética era essencial e necessário, tendo em
vista que a profissão não era reconhecida. Ainda segundo Mônica Hoehne Mendes “este
passou a ser o documento norteador dos princípios da Psicopedagogia, das
responsabilidades gerais dos psicopedagogos, das relações destes com outras profissões,
sobre a importância do sigilo, etc.” (MENDES, 1998, p. 202-203).
Campo de Conhecimento da Psicopedagogia
A Psicopedagogia, como vimos, nasceu da necessidade de uma melhor
compreensão do processo de aprendizagem humana e se tornou uma área de estudo
específica que busca conhecimento em outros campos e cria seu próprio objeto de
estudo: o processo de aprendizagem humana, seus níveis de desenvolvimento e a
influência do meio nesse processo.
É uma área de conhecimento que se dirige para o estudo da aprendizagem
enquanto processo inerente ao ser humano, configurando-se no âmbito das ciências
humanas. Nesse sentido, o objeto de estudo da Psicopedagogia é a aprendizagem
humana e o ser que aprende é o sujeito para o qual a Psicopedagogia se dirige.
2 Elaborado pelo Conselho Nacional do biênio 1991/1992 e reformulado pelo Conselho Nacional
e nato do biênio 1995/1996. Disponível em www.abpp.com.br
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Considerando que a Psicopedagogia é um campo de conhecimento
contemporâneo, ela se difere de outros campos como área de atuação e de reflexão, pois
leva em consideração a objetividade e subjetividade humanas e o conhecimento das
diversas formas de aprender. Ocupa-se dos problemas relacionados com a aprendizagem
humana, atuando em áreas próximas à Psicologia e à Pedagogia. Evoluiu para atender às
demandas sociais relacionadas aos problemas de aprendizagem e ao fracasso escolar,
constituindo-se, assim, numa prática. Sobre o campo de atuação da Psicopedagogia,
Nádia Bossa nos apresenta que
como se preocupa com o problema de aprendizagem, deve ocupar-se
inicialmente do processo de aprendizagem. Portanto vemos que a
Psicopedagogia estuda as características da aprendizagem humana: como se
aprende, como esta aprendizagem varia evolutivamente e está condicionada
por vários fatores, como se produzem as alterações na aprendizagem, como
reconhecê-las, tratá-las e preveni-las. Este objeto de estudo, que é um sujeito
a ser estudado por outro sujeito, adquire características específicas a
depender do trabalho clínico ou preventivo. (BOSSA, 2007, p. 24)
O psicopedagogo deve agregar conhecimentos multidisciplinares na sua
atuação profissional, tendo em vista que, nas avaliações diagnósticas, é necessária a
interpretação de diferentes dados. Esses conhecimentos auxiliarão o profissional da
Psicopedagogia na compreensão do quadro diagnóstico e a escola na melhor
metodologia de trabalho.
Campo de Atuação da Psicopedagogia
O campo de atuação da Psicopedagogia é focado na intervenção do processo
de aprendizagem, na avaliação das potencialidades, no diagnóstico e tratamento dos
seus obstáculos, sendo o psicopedagogo o profissional responsável por detectar e tratar
possíveis obstáculos relacionados à aprendizagem escolar.
Pode atuar em diversas áreas, de forma preventiva e terapêutica, para
compreender e intervir nos processos de desenvolvimento da aprendizagem humana,
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recorrendo a várias estratégias na tentativa de solucionar os problemas que podem
surgir.
Numa linha preventiva, o psicopedagogo é o profissional indicado para
assessorar e esclarecer a escola a respeito de diversos aspectos do processo de ensino-
aprendizagem. No espaço escolar o psicopedagogo pode contribuir para o
esclarecimento das dificuldades de aprendizagem que não têm como causa apenas
deficiências do aluno, mas que são consequências de problemas escolares, sejam eles
ligados a fatores organizacionais ou metodológicos. Ele poderá atuar ainda
preventivamente junto aos docentes explicando sobre habilidades, conceitos e princípios
para que ocorra a aprendizagem; pode também trabalhar na formação continuada, na
reflexão sobre currículos e projetos e atuar junto às famílias dos alunos que apresentam
dificuldades de aprendizagem.
Laura Monte Serrat Barbosa apresenta que o espaço da instituição escolar
requer mais preparo do psicopedagogo do que o espaço clínico. Para ela,
a intervenção psicopedagógica na instituição escola se dirige ao sujeito
aprendente que sustenta o aluno, sua relação com os seus pares e com o
professor; ao sujeito ensinante que sustenta o professor, sua relação com o
grupo de alunos, com os pais e com o psicopedagogo, assim como ao sujeito
aprendente que também se encontra no professor; e ao sujeito aprendente
que se encontra no próprio psicopedagogo. (BARBOSA, 2001, p. 19)
Numa linha terapêutica, o psicopedagogo trata das dificuldades de
aprendizagem, diagnosticando, desenvolvendo técnicas remediativas, orientando pais e
professores, estabelecendo contato com outros profissionais das áreas da saúde -
psicólogos, psicomotricistas, fonoaudiólogos, psiquiatras e psicanalistas, pois tais
dificuldades são multifatoriais em sua origem e muitas vezes exigem uma abordagem
multidisciplinar tanto na Saúde como na Educação, como, por exemplo, no atendimento
em ambientes hospitalares.
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No campo empresarial, o psicopedagogo pode contribuir para a
compreensão e o estabelecimento de vínculos positivos entre as pessoas, ou seja, com a
melhoria da qualidade das relações inter e intrapessoais dos indivíduos que trabalham
na empresa. O papel do psicopedagogo é intervir nos fatores que prejudicam o bom
andamento ou funcionamento na dinâmica grupal em uma empresa, adequando o
conteúdo do planejamento da ação pedagógica, bem como das relações humanas que se
estabelecem no âmbito empresarial. Faz-se a intervenção de acordo com a finalidade e o
objetivo da instituição, partindo da história da organização e suas características
próprias.
A contribuição da Psicopedagogia para o campo empresarial é a de levar a
vivência da organização ao grupo, tomando como base o desenvolvimento cognitivo
para um maior e melhor desempenho onde está inserida, dando importância às
atividades e ações, mostrando objetivos, metas e a missão, atuando de forma direta e
clara com seus funcionários. Caracteriza-se também como um enfoque preventivo,
dando sentido ao sujeito na busca do significado da aprendizagem e reflexão de ações
assumindo a maturação.
Regulamentação da Profissão de Psicopedagogo
A práxis psicopedagógica vai muito além da junção de saberes estanques.
Há formação e espaços de atuação específicos para o profissional da Psicopedagogia na
sociedade brasileira, o que pode ser constatado pela criação do cargo de
psicopedagogo(a) em diversos municípios de vários estados brasileiros, que são
contratados mediante concursos públicos.
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Por que, então, regulamentar essa profissão, visto que tal necessidade
sempre esteve presente no coração dos profissionais que abraçam seu trabalho com
responsabilidade e dedicação e já vêm atuando há 30 anos? A necessidade de
regulamentação é demanda de um grupo ou de toda a sociedade?
Impulsionada pelas solicitações de representantes de vários Institutos e
Universidades brasileiras, o Conselho Nacional da Associação Brasileira de
Psicopedagogia definiu, em 1994, como prioridade a regulamentação da profissão de
psicopedagogo. Desse modo, a ABPp discutiu e chegou a aspectos considerados
norteadores do processo da regulamentação da profissão em Psicopedagogia, incluindo
o questionamento de qual seria a linha mestra a ser adotada por um curso de formação
em Psicopedagogia. Nesse contexto, inseriu-se a figura daquele que iria assumir esta
tarefa em nível nacional, o Deputado Federal Barbosa Neto, que se predispôs a realizar
um estudo mais aprofundado sobre a legislação vigente, no sentido de concretizar a
proposta de regulamentação. Esse deputado viabilizou um contato com o ministro da
Educação Paulo Renato de Souza em setembro de 1995 e, a partir daí, vários
documentos foram elaborados, contando com a colaboração de todas as sessões
Regionais da ABPp.
O primeiro resultado desse trabalho foi apresentado durante o III Congresso
Brasileiro de Psicopedagogia e o VII Encontro de Psicopedagogos, em São Paulo, em
julho de 1996, com um Relato de Trabalho intitulado A Regulamentação da Profissão
Assegurando o Reconhecimento do Psicopedagogo. Sendo que o processo de
aprimoramento desse documento prosseguiu durante o segundo semestre de 1996 e foi
apresentado na Câmara dos Deputados Federais pelo Deputado Barbosa Neto. Em 14 de
maio de 1997 foi votado e aprovado pela 1ª Comissão do Trabalho, graças ao empenho
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e garra da ABPp, das seções Regionais, das Instituições de ensino, da comunidade e dos
políticos que assumiram nossa causa.
Após esta aprovação o Projeto de Lei nº 3.124 de 1997 foi encaminhado à 2ª
Comissão que é a de Educação, Cultura e Desporto. Nesta comissão, tendo em vista o
caráter polêmico, foram propostas audiências públicas para aprofundamento do tema. A
primeira ocorreu em 18 de junho de 1998 e a segunda em 06 de junho de 2000. A
aprovação nessa comissão ocorreu em 12 de setembro de 2001 após um trabalho
exaustivo da relatora Marisa Serrano, do Deputado Barbosa Neto e dos psicopedagogos
que de forma competente articularam tal discussão no Brasil.
Em 20 de setembro de 2001, a regulamentação profissional teve mais um
ganho político com a aprovação do Projeto de Lei nº 10.891 do Deputado Estadual de
São Paulo, Claury Alves da Silva, que "autoriza o poder Executivo a implantar
assistência psicológica e psicopedagógica em todos os estabelecimentos de ensino
básico público, com o objetivo de diagnosticar e prevenir problemas de aprendizagem".
Em 2004, outro passo foi dado em relação ao reconhecimento do trabalho
do profissional e à consolidação da identidade psicopedagógica, com a inclusão da
Psicopedagogia na CBO - Classificação Brasileira de Ocupação, fazendo parte da
família 2394: avaliadores e orientadores de ensino. A CBO tem por finalidade a
identificação das ocupações no mercado de trabalho para fins classificatórios junto aos
registros administrativos e domiciliares. Os efeitos de uniformização pretendida pela
Classificação Brasileira de Ocupações são de ordem administrativa e não se estendem
às relações de trabalho, mas abre a possibilidade da inclusão do psicopedagogo nos
planos de carreiras do serviço público e abre possibilidades de identificação junto ao
Código de Ocupação Internacional, que já previa para outros países essas classificações
no caso de profissionais de Psicopedagogia.
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Em 2007, o Projeto proposto pelo Deputado Barbosa Neto foi arquivado. No
entanto, no dia 17 de dezembro de 2008, a Comissão de Trabalho, de Administração e
Serviço Público aprovou o Projeto de Lei nº 3.512 da Deputada Federal Raquel Teixeira
que regulamentava a atividade profissional do psicopedagogo. Por esta nova proposta, a
profissão poderia ser exercida pelo portador de diploma de graduação em
Psicopedagogia, pelo diplomado em Psicologia e Pedagogia e pelo licenciado que
concluir o curso de especialização em Psicopedagogia. O projeto tramitou em caráter
conclusivo, sendo aprovado por unanimidade na Câmara Federal em 2009 e
encaminhado para votação no Senado. Em março de 2010 a Comissão de Constituição e
Justiça e de Cidadania aprovou, por unanimidade, a redação final do Projeto de Lei e,
em abril de 2010, foi remessado ao Senado Federal por meio de Ofício à Mesa Diretora
da Câmara dos Deputados, onde permanece aguardando votação.
Em abril de 2011, o Deputado Neilton Mulin apresentou à Câmara o Projeto de
Lei nº 7.855/10, semelhante ao Projeto da Deputada Raquel Teixeira. O Projeto tramita
em caráter conclusivo e será analisado pelas comissões de Seguridade Social e Família;
de Trabalho, de Administração e Serviço Público; e de Constituição e Justiça e de
Cidadania. Além dos itens elencados no Projeto de 2008, a proposta do Deputado
Neilton Mulin pretende também agregar a Psicopedagogia institucional à qualidade de
humanização em pediatrias. Segundo Mulin, a atuação institucional do Psicopedagogo
trará uma resposta considerável no processo de assimilação e desenvolvimento
favorável em casos de internações de pacientes infantis por períodos prolongados. Os
idosos também poderão ser atendidos pelos profissionais da área, em atividades
preventivas de incapacidades psíquicas, cognitivas e emocionais, que protejam e
preservem a maior independência e qualidade de vida. Para o Deputado, autor do
Projeto, estimular o raciocínio lógico motivará a produção de modificações nas
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estruturas cognitivas dos indivíduos, expandindo e potencializando a aprendizagem,
aumentando a eficiência mental e melhorando a qualidade do desempenho intelectual.
Considerações Finais
O cenário da educação brasileira configura, conforme resultados do último
Censo, em crescimento no número de matriculas em todos os níveis e modalidades de
ensino. Isso nos faz refletir sobre a qualidade do processo educacional e a função social
que as instituições de ensino agregam. As questões que permeiam a excelência
educacional e o desenvolvimento holístico do ser aprendente tornam-se cada vez mais
presentes no direcionamento das políticas públicas em educação. É nesse panorama que
cresce a necessidade do profissional da piscopedagogia, visto que sua prática incide
essencialmente sobre o fenômeno da aprendizagem. Aprendizagem em seu processo
macro, num processo educativo na vida, na sociedade e nas relações.
Os espaços educacionais, no cumprimento de sua função social, devem
desenvolver, nas crianças e jovens, competências e habilidades condizentes com as
exigências da contemporaneidade. Nesse sentido, faz-se necessária a reflexão das ações
pedagógicas por todos os atores envolvidos no processo educacional, no que diz
respeito a conhecer e reconhecer a importância do sujeito da aprendizagem, a entender o
que pode facilitar ou impedir que se aprenda. Auxiliando professores e todos aqueles
envolvidos com o processo de ensino e aprendizagem surge a Psicopedagogia, campo
de conhecimento que se ocupa com os problemas de aprendizagem, numa visão
transdisciplinar, podendo orientar comunidade escolar e acadêmica na perspectiva de
transformar as relações com o aprender e o ensinar.
As questões em torno da formação do psicopedagogo e da regulamentação
profissional aliadas ao contexto global da atuação desse novo agente social explicam a
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importância crescente da Psicopedagogia que, na sua concepção atual, já nasce com
uma perspectiva globalizadora condizente com os rumos da aprendizagem na
atualidade, ocupando um lugar privilegiado, sistêmico, consoante os novos paradigmas
científicos de natureza complexa e transdisciplinar, porque justamente não está em um
único lugar. Sua força está localizada no poder de transitar entre a objetividade e a
subjetividade, entre o ensinante e o aprendente. Nesse sentido, a Psicopedagogia tem
um papel social relevante, uma vez que sua atuação contribui para a superação do
fracasso escolar e acadêmico, tão presente em nossos espaços educacionais.
A regulamentação profissional é mais uma conquista empenhada pela
Psicopedagogia e também pela sociedade brasileira como um todo, pois o
psicopedagogo já conquistou seu papel e seu espaço de trabalho nas comunidades em
que atua. Enquanto isso não acontece, e como ocorre com outros profissionais nesta
situação, cada um é responsável por sua atuação no mercado de trabalho, cabendo ao
Código de Ética da Associação Brasileira de Psicopedagogia - ABPp regular a atuação
dos psicopedagogos.
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Referências
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