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Revista de Endodontia Pesquisa e Ensino On Line ­ Ano 4, Número 8, Julho/Dezembro, 2008.  1ISSN 1980­7473 ­ http://www.ufsm.br/endodontiaonline

RESOLUÇÃO CLÍNICA DE UMA PERFURAÇÃO RADICULAR LATERAL

CLINICAL RESOLUTION OF A LATERAL ROOT PERFORATION

Josué Martosa

Maísa Sabib

Cecília Definski Fagondeb

Luiz Fernando Machado Silveiraa

Deisi Lane Rodrigues Silva c

Resumo

Perfurações iatrogênicas ocorrem durante os procedimentos de abordagem e normalmente estão relacionados com a negligência ou desconhecimento das variações anatômicas internas do elemento dental. O presente trabalho  relata um caso clínico de criação de um falso canal com comunicação radicular apical, cujo tratamento utilizou o  iodofórmio associado ao cimento endodôntico para selamento da região afetada. Conclui­se pelo caso clínico relatado  que   o   selamento   da   comunicação   endodôntica   utilizando   o   iodofórmio   associado   ao   cimento   endodôntico   foi  satisfatório.

PALAVRAS CHAVE: Perfurações, endodontia, tratamento.

Abstract

Iatrogenic perforations happen during the surgery access procedures and they are usually related with the negligence or ignorance of the internal anatomical variations of  the teeth.  This work describes a clinical case of  creation of a false canal with root apical communication, where the initial treatment based on the used the iodoformic  associated   to   the   on   the   affected   area.   It   is   concluded   by   the   case   report   that   the   sealing   of   the   endodontic  communication using the iodoformic associated to the endodontic sealer was satisfactory.

KEY WORDS: Perforations, endodontics, treatment.

a Professores Doutores – Disciplina de Unidade Clínica Odontológica IV do Departamento de Semiologia e Clínica -

Faculdade de Odontologia da UFPel. b Acadêmicas de Odontologia - Faculdade de Odontologia da UFPel.

cCirurgiã-dentista, Aluna do curso de especialização em Endodontia (UNINGÁ).

Resolução clínica de uma perfuração radicular lateral

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Introdução e revisão da literatura

Sendo a instrumentação dos canais radiculares uma fase crítica para a obtenção da forma adequada do canal, a qual permite o selamento apical, a mesma está sujeita a acidentes como o desvio do canal principal. Esse aspecto se torna relevante quando estamos presentes a uma curvatura. A eliminação de interferências ao longo do canal de forma prévia à modelagem apical minimiza as tensões do instrumento endodôntico contra as paredes dentinárias, modificando a forma do canal. Além disso, a utilização correta da cinemática dos instrumentos, que possuam reduzido poder de corte na ponta, e empregando manobras que reduzam tensões como a técnica anticurvatura, reduz significantemente esse tipo de acidente (Abou Rass1).O desvio, que geralmente ocorre na área contrária à direção da curvatura, tem início com a formação de um degrau quando o profissional tenta estabelecer ou reestabelecer, sob acentuada pressão apical, a extensão desejada do comprimento de trabalho. À medida que se aumenta o diâmetro dos instrumentos ocorre a diminuição da flexibilidade que, associada à cinemática equivocada e mantendo­se o esforço inadvertido, passamos para uma complicação maior que é o desgaste da parede lateral criando um falso canal, o qual pode ter ou não comunicação com os tecidos periodontais. É importante que não haja a contaminação da área perfurada, sendo assim, torna­se fundamental a identificação do momento da comunicação para que o tratamento seja instituído de forma rápida. Além disso, qualquer tentativa de se obturar o canal inevitavelmente provocará o extravasamento de material obturador, o que interferirá nas considerações do prognóstico (Bramante e colaboradores3). O presente trabalho relata um caso clínico de criação de um falso canal com comunicação radicular apical, cujo tratamento utilizou o iodofórmio associado ao cimento endodôntico para selamento da região afetada.

Caso Clínico

Paciente C.N.S, leucoderma, sexo feminino e com 23 anos de idade foi encaminhada à Faculdade de Odontologia da UFPel para resolução clínica do segundo molar inferior esquerdo. Durante a anamnese a paciente relatou sua queixa principal – dor à 

mastigação, e ao exame clinico foi observada extensa lesão cavitada ativa oclusal e ao exame periodontal uma gengivite acentuada.A paciente relatava dor espontânea no elemento 37 com característica intermitente e bem localizada. Os testes de vitalidade foram negativos, presumindo um diagnóstico de necrose pulpar. Radiograficamente havia espessamento do ligamento periodontal e presença de uma área de radioluscência apical (Figura 1).

Figura 1 . Caso clínico inicial.

O plano de tratamento proposto foi o tratamento endodôntico do elemento dentário 37 associado ao restabelecimento da saúde periodontal através de intensa raspagem corono­radicular. No procedimento endodôntico constatou­se a necrose pulpar da porção coronária e a manutenção da vitalidade da polpa radicular em ambos canais, sendo o dente constituído apenas de dois canais, um mesial e outro distal.Durante a instrumentação, empregando a técnica ápice­coroa, ocorreu a formação de um falso canal com comunicação periodontal na parte externa da curvatura do canal mesial (Figura 2). 

Diante da evidente observação radiográfica da perfuração a conduta adotada na mesma sessão foi irrigação abundante dos canais radiculares com hipoclorito de sódio 1% (Solução de Milton) seguido da colocação de formocresol e selamento provisório com material provisório (IRM­ Dentsply). 

Resolução clínica de uma perfuração radicular lateral

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Na consulta subseqüente, deu­se continuidade ao preparo químico­mecânico retomando­se o trajeto do canal principal (Figura 3), mantendo­se a comunicação livre de detritos através de uma lima de patencia, e a seguir promoveu­se a obturação dos canais pela técnica de condensação lateral associado ao cimento obturador Endofill (Dentsply) adicionado com iodofórmio (Inodon) na proporção 3:1 (Figura 4). 

Figura 2 .Obturação após terapia com hidróxido de cálcio associado ao iodofórmio.

Figura 3 .Desvio do instrumento gerando perfuração lateral da raiz mesial do 37.

O cimento endodôntico foi previamente inserido no falso canal. A seguir o posicionamento do cone principal realizou­se a condensação lateral ativa obtida com a utilização de condensador manual 

introduzido na parede distal do canal mesial, ou seja, na parede oposta da perfuração com o intuito de acomodar os cones de encontro à comunicação sem, no entanto, proporcionar o extravasamento dos cones de guta­percha. A radiografia de controle de qualidade da obturação permitiu a adequação da câmara pulpar para receber o selamento provisório com cimento de ionômero de vidro (Vidrion R – SS White), preenchendo toda a câmara pulpar.

Figura 4 .Controle radiográfico após 3 meses.

Figura 5 .Retificação da instrumentação seguindo o  canal original.

Decorridos três meses do tratamento endodôntico foi possível observar o processo de cicatrização óssea e periapical evidenciável através do exame radiográfico (Figura 5).

Resolução clínica de uma perfuração radicular lateral

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Frente ao bom andamento cicatricial do caso clínico, promovido pela endodontia, e também às condições favoráveis da perfuração (pequena perfuração radicular, localização, idade do paciente, capacidade de reparo e selamento do material obturador) podemos notar radiograficamente uma boa resolução do caso.            Considerações Finais

­ A anamnese inicial do paciente por meio da utilização de radiografias periapicais é importante na identificação de reabsorções prévias ao tratamento ortodôntico e na determinação da morfologia radicular e da crista óssea alveolar;­ O principal fator na previsibilidade das reabsorções dentárias é a morfologia da raiz da crista óssea alveolar. Raízes triangulares com ápices afilados, em forma de pipeta ou com dilaceração, tendem a apresentar reabsorções maiores e mais precoces, bem como dentes com raízes curtas. As cristas ósseas retangulares aumentam a possibilidade de reabsorções radiculares, pois apresenta menor deflexão óssea e concentra maior força no ligamento periodontal;­ O traumatismo dentário é um fator de risco para reabsorção radicular. Dentes traumatizados devem ser monitorados por um período de seis meses, para serem incluídos na mecanoterapia;­ Os dentes mais vulneráveis à reabsorção por ordem decrescente são incisivos laterais superiores, incisivos centrais superiores, incisivos inferiores, raiz distal dos primeiros molares inferiores, segundos pré­molares inferiores, segundos pré­molares superiores, molares superiores e inferiores;­ Embora presente em todos os tratamentos ortodônticos, a magnitude da reabsorção radicular não é totalmente previsível e apresenta variações individuais. No entanto, o processo de reabsorção radicular cessa após o término da mecanoterapia, não comprometendo a capacidade funcional dos dentes envolvidos.

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