TEORIA ULTRA VIRES MITIGADA e a SOCIEDADE LIMITADA
Líbia Cristiane Corrêa de Andrade e Florio1
RESUMO
A intenção do presente estudo é apresentar a característica da teoria ultra vires inglesa no
Brasil, que a denominaremos teoria ultra vires mitigada.
Com esse objetivo, iniciaremos investigando o que propõe tal teoria e qual a sua
conseqüência jurídica. Contudo, antes de abordarmos a teoria ultra vires propriamente dita,
passaremos ao estudo do objeto social da sociedade, já que a teoria ultra vires, na sua
origem, relacionava-se com o objeto social de uma sociedade, porquanto postulava a
nulidade dos atos quando esse objetivo social era desvirtuado pelos sócios, sobretudo pelo
sócio administrador.
Verificaremos também como o exercício do objeto social é determinante na
responsabilidade civil solidária e subsidiária dos sócios da sociedade limitada.
Posteriormente, vamos analisar o instituto da teoria ultra vires, demonstrando que embora
em sua origem ela proponha a nulidade de atos praticados pelo administrador de uma
sociedade fora do objeto social com a conseqüente responsabilidade do administrador e não
da sociedade, no Brasil, vigora a teoria ultra vires mitigada pela teoria da aparência, pois na
nossa jurisprudência, um ato praticado fora do objeto social não desobriga a sociedade que
continuará por ele responsável desde que o terceiro esteja de boa fé, tendo regresso contra o
seu administrador.
Também, vamos demonstrar que na jurisprudência, a teoria ultra vires não se aplica apenas
em questões de atos praticados fora do objeto social, mas sim para atos praticados pelo
1 Mestra em Direito Comercial pela USP e advogada. Professora da Universidade Nove de Julho em São Paulo.
administrador além dos poderes a ele conferidos por qualquer cláusula do contrato social e
atos com abuso de poder, isto é, praticados em interesse do próprio administrador ou de
terceiro por ele beneficiado, contrariando os interesses sociais.
Note-se que a nossa abordagem se referirá à sociedade empresária limitada (sociedade que
é constituída e preenche todos os requisitos previstos no artigo 966, do Código Civil ou se
trata de uma sociedade cujo exercício é rural e é registrada na Junta Comercial e adota o
tipo societário limitada) e não à sociedade simples limitada (que é ou uma sociedade que
não atende a todos ou alguns requisitos do artigo 966, do Código Civil, ou se trata de
sociedade que tem por atividade principal a intelectual e sem a constituição de capital social
mais adota o tipo societário limitada prevista nos artigos 1052 e seguinte do Código Civil).
PALAVRAS-CHAVE: OBJETO SOCIAL –EXCESSO DE PODERES- TEORIA
ULTRA VIRES - TEORIA DA APARENCIA – RESPONSABILIDADE DA
SOCIEDADE LIMITADA
1- INTRODUÇÃO: O OBJETO SOCIAL DA EMPRESA E SUA RELAÇÃO COM A
TEORIA DA EMPRESA
Na Europa, quem estudou a fundo a teoria da empresa foi o italiano Alberto Asquini, pois
em 1943 elaborou estudo que, no Brasil, foi traduzido pelo Professor Fábio Konder
Comparato, na Revista de Direito Mercantil n. 104, página 109 e seguintes. Alberto
Asquini classificou a empresa sob quatro aspectos ou perfis:
perfil subjetivo – empresa como empresário ou sociedade empresária;
perfil funcional – empresa como atividade organizada para produção ou circulação
de bens e serviços;
perfil objetivo – empresa como estabelecimento isto é complexo de bens que o
empresário predispõe para o exercício de sua atividade;
perfil corporativo – como uma instituição em que haveria uma luta de classes entre
burguesia e proletariado solucionada pelo líder fascista (porque na Itália, à época,
vigorava o corporativismo fascista).
COELHO (2009, p. 8) nos ensina que aqui no Brasil, só se pode enxergar a empresa nos
aspectos subjetivo, funcional e no objetivo, porque o perfil corporativo estaria superado,
pois teria sido um regime político que vigorou na época na Itália e teria sido apresentado
pelo Asquini já que estava inserido no corporativismo fascista e Asquini não podia ignorar
a sua influência ao fenômeno empresa. Aliás, na própria Itália o perfil corporativo estaria
há longa data superado.
TOMAZETTE (2009, p. 17 e 18), por sua vez, acredita que o modo de entender a empresa
de Asquini já estaria superado, pois não representaria o estudo teórico da empresa em si,
porém, concorda que os perfis apresentados por Asquini de fato demonstram as três
realidades que são intimamente ligadas na teoria da empresa, quais sejam, a empresa, o
empresário e o estabelecimento e que o perfil corporativo só encontraria fundamento em
ideologias populistas.i
MAMEDE (2007, p. 31) enxerga a empresa como um ente autônomo, “que não se
confunde (1) com sua base patrimonial (aspecto estático da empresa), que é o
estabelecimento (complexo organizado de bens, nos termos do artigo 1142 do Código
Civil), nem se confunde (2) com seu titular, que será o empresário ou a sociedade
empresária (da mesma forma que esta não se confunde com as pessoas de seus sócios, nem
de seu administrador ou administradores)....Estão nítidos os três níveis dispostos no
esquema anterior, apresentados como distintos entre si (1) estabelecimento, (2) empresa (3)
empresário ou sociedade empresária.
Pois bem. Respondendo à nossa pergunta inicial - em qual perfil se encaixaria o objeto
social dentro da teoria da empresa - o perfil em que melhor se enquadra o objeto social é
no PERFIL FUNCIONAL, que trata, exatamente, da ATIVIDADE EMPRESÁRIA.De
fato, a atividade empresária pode ter vários OBJETIVOS, isto é, uma sociedade empresária
pode ser constituída para alcançar um ou vários objetos sociais e o problema ocorre quando
este objetivo vem a ser desvirtuado ou desrespeitado.
2- QUAL É O OBJETO SOCIAL DA SOCIEDADE LIMITADA (EMPRESÁRIA)?
O objeto social de uma sociedade EMPRESÁRIA limitada , pode ser resumido, após
análise do artigo 966, do Código Civil, bem como de seu parágrafo único, como o exercício
de atividade empresária, ou seja, atividade econômica organizada (constituída com capital
social e tenha mão de obra) com intuito de lucro como atividades de comércio (confecção),
indústria (laticínio), serviços ( transporte de carga), ou também o exercício de atividade
intelectual também organizada (constituída com capital social e tenha mão de obra) com
intuito de lucro, ou se trate de exercício de atividade rural, caso opte por registrar-se na
Junta Comercial (artigo 983, do Código Civil);
2.1. O OBJETO SOCIAL E SEU REFLEXO NA RESPONSABILIDADE CIVIL
SOBRE O PATRIMÔNIO DOS SÓCIOS
O objeto social está diretamente relacionado com a responsabilidade civil dos sócios de
uma sociedade limitada.
É que, ao exercer-se REGULARMENTE a atividade empresária, que, na prática, é descrita
como o OBJETO SOCIAL daquela sociedade limitada, garante-se aos seus sócios que a
responsabilidade pelo ato seja da SOCIEDADE e, caso a sociedade ainda não tenha o seu
capital social totalmente integralizado, os sócios terão sua responsabilidade patrimonial
LIMITADA e solidária pelo montante do capital social a ser integralizado (artigo 1052,
CC).
Assim, quando a sociedade contrai regularmente obrigações perante terceiros (respeitando
seu objeto social), como, por exemplo, adquirindo o tecido necessário para a confecção das
roupas que distribui, a responsabilidade patrimonial sobre o débito gerado é da sociedade.
Tal ocorre, pois se prestigia o efeito da personificação da personalidade jurídica da pessoa
jurídica (sociedade) e a regra da subsidiaridade, ou seja, a de que nenhum sócio responde
por débitos da sociedade senão após esgotado o patrimônio desta última (e no caso da
sociedade limitada somente em casos especiais como veremos) como decorrência da
personificação regular (com o registro na Junta Comercial) de uma sociedade empresária,
nos termos do artigo 1024, do Código Civil.
Somente pode-se atingir o patrimônio pessoal dos sócios da sociedade limitada mesmo
no caso de EXERCÍCIO REGULAR DO OBJETO SOCIAL no caso de algum deles
não terem integralizado a sua quota-parte, pois daí a responsabilidade civil pela
obrigação social será SOLIDÁRIA (artigo 1052, do Código Civil) para todos os sócios
e o credor poderá, ainda a despeito do exercício regular do objeto social, chamar um,
algum ou todos os sócios para integralizarem o total do capital social na tentativa de
satisfação do débito da sociedade, como determina o artigo 1052, do Código Civil.
Embora a responsabilidade seja SOLIDÁRIA, o credor deve sempre antes procurar
esgotar os recursos sociais como preconiza o artigo 1024, do Código Civil, daí
concluir-se que a responsabilidade dos sócios na integralização do capital social
embora seja SOLIDÁRIA (1.052), perante o credor, ela é SUBSIDIÁRIA (artigo
1024).
3- TEORIA ULTRA VIRES – ORIGEM E SEU SIGNIFICADO e
CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS
Conta-nos COELHO (2008, p. 448), que a teoria ultra vires teria surgido após o poder real
e o parlamento haver determinado que as sociedades por ações se realizassem o seu registro
não dependeriam mais de outorga real para os seus acionistas gozarem de limitação de
responsabilidade, pois o próprio documento de sua constituição devidamente registrado
poderia delimitar a responsabilidade segundo o objeto social que nela estivesse descrito.
Mas, as cortes inglesas começaram a se preocupar, porque não gostariam que a limitação da
responsabilidade se estendesse para outros atos que não os relacionados como objeto social
e, então, formularam a ultra vires doctrine, em que, inicialmente, postulava a nulidade dos
atos praticados em nome da sociedade, mas estranhos ao objeto social.
Posteriormente, ainda discorre COELHO (2008, p.448), “de nulo, o ato exorbitante do
objeto social passou a ser inimputável à pessoa jurídica. O terceiro podia demandar o
cumprimento das obrigações pelo diretor da sociedade. Outra flexibilização deu
importância à boa-fé do contratante, reconhecendo-lhe o direito de exigir da própria
sociedade o cumprimento do contrato estravagante, se justificável o desconhecimento da
cláusula delimitadora do objeto social”.
A teoria ultra vires na Europa, segundo COELHO (2008, p.448) foi descartada, após a
adesão do Reino Unido à Comunidade Econômica Européia, após a harmonização do
direito, desde 1.989.
E no Brasil? O tema, na doutrina, é controvertido.
Para COELHO (2008, p. 449) o legislador teria contemplado sim uma norma inspirada na
teoria ultra vires no artigo 1015, inciso III, do Código Civil, pela qual a sociedade poderia
se opor à obrigação assumida perante terceiro o ato em excesso de poderes do
administrador (isto é, não responderia por atos fora do objeto social ou com excesso de
poderes do administrador), desde que a sociedade limitada tenha optado pela regência
supletiva em seu contrato social das normas relativas à sociedade simples.
NEGRÃO (2006, p. 328) afirma que na jurisprudência brasileira, ao contrário dos efeitos de
nulidade dos atos praticados em desconformidade com o objeto social da sociedade,
entende-se que “ a sociedade deve responder por atos de seus administradores perante
terceiros de boa-fé, porque esses atos foram realizados sob a aparência da legalidade
contratual ou estatutária - teoria da aparência”. E enfatiza que existem quatro requisitos
para que a teoria da aparência seja aplicada no resguardo do terceiro de boa-fé, requisitos
extraídos de um acórdão em que relatou João Batista Lopes: “a) existência de situação de
fato que se apresente como situação de direito; b) que tal situação não contrarie os fatos
normais da vida, nem o ordenamento jurídico; c) que o sujeito em favor de quem se invoca
a teoria tenha sido induzido em erro pelas circunstâncias do fato; d) que o erro seja
escusável.” (SÃO PAULO, Tribunal de Alçada Civil, 2ª. Câmara, Apelação n. 201.303, j.
4-2-1987, JTA (RT) 107-402.
ALMEIDA (2007, P. 127) entende que pela gestão fraudulenta ou transgressão às
disposições legais, o sócio administrador responderia de forma solidária e ilimitada caso
tenha havido culpa no desempenho de suas funções, invocando o artigo 1016, do Código
Civil.
CARVALHOSA (2003, P. 139) expõe que a sociedade pode ser compelida a responder
pelos atos que, mesmo não implicando violação da lei ou do contrato, mas representando
abuso de poder ou desvio de finalidade em prejuízo da sociedade, dos seus sócios ou de
terceiros, com vistas à proteção do terceiro de boa fé, segundo o abrandamento feito pela
doutrina e jurisprudência com a construção da teoria da aparência.
TOMAZETTE (2008, P. 353) afirma que não há solução clara para tal questão, pois por um
lado, (1) a teoria ultra vires foi reavivada pelo artigo 1015, parágrafo único do Código
Civil, e também os artigos 47 e 1174, do Código Civil, que preconizam que qualquer
restrição ao poder do administrador deve ser averbada na Junta Comercial para ser oposta
ao terceiro, de outro lado (2) buscando as normas supletivamente aplicáveis às limitadas
(ou seja, das sociedades simples e das sociedades anônimas) há a vinculação da sociedade
ao ato praticado pelo administrador se houvesse boa-fé do terceiro.
Porém, na jurisprudência o alcance da teoria ultra vires é diferente.
Em primeiro lugar, para os nossos Tribunais, a teoria ultra vires, ao contrário da sua origem
inglesa, serviria para a não responsabilização da sociedade pelo atos praticados pelo
administrador tanto aqueles praticados CONTRARIAMENTE AO SEU OBJETO
SOCIAL, como aqueles atos perpetrados em EXCESSO ou ABUSO DOS PODERES a ele
conferidos como administrador e gestor dos negócios societários (ato em interesse próprio
ou de terceiro ou ato realizado fora dos limites impostos por cláusula sobre a sua
administração), Apelação 008.709-8, Tribunal de Justiça de São Paulo, 16ª. Câmara de
Direito Privado, relator Des. Jorge Farah, julgamento 26.07.2005,
Essa sutileza é bem observada por NEGRÃO (2006, p. 327), pois este vislumbra três
possibilidades de colidência entre os interesses do administrador e da sociedade e abuso de
poder do administrador: uma, quando age contrariamente ao objeto social, a segunda,
quando o ato é realizado em proveito do administrador ou do terceiro apesar de previsto ou
não vedado por cláusula do objeto social, a terceira pela prática de atividade não estranha
ao objeto social, mas realizada sem o consentimento unânime dos demais sócios ou de
forma a não respeitar os limites impostos por outra cláusula contratual.
Esse alcance jurisprudencial da teoria ultra vires, para atos fora do objeto social ou com
excesso ou abuso de poderes é correto, pois está claro que se um ato ocorreu em excesso
ou abuso de poderes, subjetivamente falando, já é ele um ato fora do objeto, do objetivo da
sociedade que é a prática da atividade empresária em seu nome e interesse.
E a jurisprudência vai além, pois não só estende o alcance do que se entende por OBJETO
SOCIAL (ou seja, propõe que a teoria ultra – além – vires – do objeto social – seja
estendida também para atos em excesso de poderes de mandato ou gestão), mas também
propõe que não haja a nulidade do ato praticado ultra vires, mas que o ato seja válido, que
haja a RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE no caso do TERCEIRO ESTAR DE
BOA FÉ, e posteriormente, a sociedade que regresse contra o seu administrador (escolhido
por ela mesma por meio dos demais sócios), Apelação 7.100.042-7, Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, 19ª. Câmara de Direito Privado, relator Des. Ricardo Negrão, j.
19.10.2009; Apelação 973.829-6, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, relator Des.
Ricardo Negrão, 19ª. Câmara de Direito Privado; Apelação 857.026-3, Primeiro Tribunal
de Alçada Civil do Estado de São Paulo, 10ª. Câmara, rel. Des. Ricardo Negrão, j.
10.08.2004; Apelação 008.709-8, Tribunal de Justiça, 16ª. Câmara de Direito Privado, rel.
Des. Jorge Farah, j. 26.07.2005.
Veja-se que o entendimento jurisprudencial em nada difere do entendimento do próprio
famoso jurista italiano Cesare Vivante, professor de direito comercial da Universidade de
Roma, que já em sua obra sobre as instituições do direito comercial (VIVANTE, 2007, p.
98-9) já acenava pela responsabilidade da sociedade caso o terceiro estivesse de boa-fé:
“os terceiros poderão fazer valer os seus créditos contra o
patrimônio social, mesmo que o administrador tenha assinado com
o próprio nome, se de fatos decisivos se deduz que os contraentes
julgavam realizar o negócio para a sociedade, e com a sociedade. O
direito de terceiros contra ela não deixa de existir, mesmo que a
administração tenha abusado da firma social, exceto o caso de má
fé deles, por isso que não podem ser obrigados a vigiar o emprego
dos fundos sociais (...)”
Vigora, assim, no ordenamento pátrio, o que vamos denominar TEORIA ULTRA VIRES
MITIGADA, pois mesmo ocorrendo um ato fora do objeto social ou em excesso de poderes
pelo administrador, a sociedade SERÁ RESPONSÁVEL por ele, pois a teoria ultra vires é
mitigada PELA TEORIA DA APARÊNCIA AO TERCEIRO DE BOA FÉ.
3.1. ATOS DO ADMINISTRADOR PRATICADOS EM CONFORMIDADE COM O
OBJETO SOCIAL E COM OS PODERES DE ADMINISTRAÇÃO
i
Pelos atos praticados em total conformidade com o objeto social e os poderes de
administração, por parte do administrador da sociedade, quem responde é a sociedade, uma
vez que o administrador estará atuando em nome e por conta da sociedade, como um
verdadeiro mandatário desta.
Logo, não há incidência da TEORIA ULTRA VIRES, pois o ato é plenamente válido e por
ele responde a própria sociedade.
3.2. ATOS DO ADMINISTRADOR PRATICADOS EM CONFORMIDADE COM O
OBJETO SOCIAL PRATICADO PELO SÓCIO ADMINISTRADOR, MAS COM
INFRINGÊNCIA AOS PODERES DE ADMINISTRAÇÃO - EXCESSO DE
PODERES – RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE SE TERCEIRO DE BOA FÉ
Caso o administrador pratique um ato em conformidade com a atividade da empresa, porém
com excesso de poderes (exemplo, em interesse próprio faz uma confissão de dívida e
assina título de crédito em nome da sociedade em favor de terceiro), A SOCIEDADE
RESPONDE PELO ATO PERANTE TERCEIROS DE BOA FÉ e tem REGRESSO
CONTRA O SEU ADMINISTRADOR.
Aplica-se, portanto, a teoria ULTRA VIRES MITIGADA PELA TEORIA DA
APARÊNCIA.
3.3. ATOS DO ADMINISTRADOR PRATICADOS EM CONFORMIDADE COM O
OBJETO SOCIAL PRATICADO PELO SÓCIO ADMINISTRADOR, MAS COM
INFRINGÊNCIA AOS PODERES DE ADMINISTRAÇÃO - EXCESSO DE
PODERES – RESPONSABILIDADE CIVIL DOS SÓCIOS NÃO
ADMINISTRADORES EM DECORRÊNCIA DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA SOCIEDADE
LIMITADA – RESPONSABILIDADE PESSOAL E DIRETA DO
ADMINISTRADOR.
Pelos atos praticados pelo sócio administrador em conformidade com o objeto social,
porém com infringência aos poderes de administração, como vimos, a sociedade é que será
a responsável civil pela obrigação assumida, e ela terá regresso contra o seu administrador.
Porém, mesmo neste caso, a jurisprudência tem concedido a responsabilização de
QUALQUER SÓCIO.
E A RESPONSABILIDADE DE TODOS OS SÓCIOS POR ATOS EM EXCESSO
DE PODERES DE ADMINISTRAÇÃO PODE OCORRER, pois, se o sócio
administrador pratica ato em nome da sociedade operou-se em confusão patrimonial,
ou desvio de finalidade, com abuso de direito. Existe uma tendência dos nossos
tribunais de aplicar, em casos assim, a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica até mesmo para os demais sócios não administradores nos termos do artigo
50, do Código Civil.
Como não é o tema do nosso estudo a teoria da desconsideração da personalidade jurídica,
não abordaremos a fundo os requisitos para a superação da personalidade jurídica nesta
oportunidade.
O que devemos registrar é que uma vez integralizado o capital social da empresa, e
registrada a sociedade limitada, com a separação patrimonial decorrente das personalidades
jurídicas distintas entre sócios e pessoa jurídica, os sócios NÃO podem ser atingidos em
seu patrimônio como regra, o que se depreende de uma leitura do artigo 1052, do CC.
Mas, ao contrário disso, uma sociedade limitada registrada e com capital social totalmente
integralizado que faça dívidas EM TOTAL CONFORMIDADE COM O OBJETO
SOCIAL DA LIMITADA, pode-se dar a responsabilização civil de os seus sócios no caso
de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica se houver ocorrido
abuso de direito ou fraude a credores, mais confusão patrimonial e desvio da finalidade
social – artigo 50, do Código Civil.
Comprovada a existência dos requisitos que ensejam a aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica da sociedade, em nossa opinião, após análise jurisprudencial, a
responsabilidade dos sócios será SUBSIDIÁRIA e CONDICIONADA À EXISTÊNCIA
DOS REQUISITOS DO ARTIGO 50, DO CÓDIGO CIVIL (isto é, só após esgotados o
patrimônio da sociedade limitada e verificados o abuso de direito com desvio de finalidade
ou confusão patrimonial), por ser inteiramente aplicável a regra do artigo 50, do Código
Civil, combinado com o artigo 1024, do Código Civil.
Assim, a jurisprudência neste caso tem aplicado aos casos de prática ultra vires, não a
teoria ultra vires, mas a teoria da desconsideração da personalidade jurídica para atingir o
patrimônio de qualquer sócios, desde que presentes os requisitos do artigo 50, do Código
Civil, e que a responsabilidade ocorra após esgotados os recursos sociais pela aplicação do
artigo 1024, do Código Civil.
3.4. ATOS PRATICADOS PELO ADMINISTRADOR COM EXCESSO DE
PODERES, EMBORA DENTRO DO OBJETO SOCIAL– RESPONSABILIDADE
CIVIL DIRETA E PESSOAL DO ADMINISTRADOR E RESPONSABILIDADE
CIVIL DA SOCIEDADE SE O TERCEIRO ESTAVA DE BOA FÉ.
Claro que O ADMINISTRADOR QUE CONTRATA EM NOME DA SOCIEDADE
COM EXCESSO DE PODERES, PODE SER RESPONSABILIZADO, CASO O
TERCEIRO QUEIRA ACIONÁ-LO POR RESPONSABILIDADE CIVIL DIRETA
E PESSOAL pelos atos praticados com excesso de poderes em relação a terceiros de
boa fé, pois, como age em nome da sociedade e por conta desta em verdadeiro mandato,
tem responsabilidade diferenciada por força dos artigos 186, 187, 927 do Código Civil,
combinado com os artigos 667, 1011 e 1016, do Código Civil, SENDO
DESNECESSÁRIA A INVOCAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA ou da TEORIA ULTRA VIRES PARA
RESPONSABILIZÁ-LO.
Imaginemos, pois, a hipótese de o terceiro, sem saber que o sócio administrador da
sociedade praticava ATOS IRREGULARES COM EXCESSO DE PODERES (exemplo,
adquire empréstimo posteriormente transferido para a sua conta corrente para gastos
pessoais, ou aliena algum bem o qual tinha ficado expresso entre os sócios que era
alienável).
A regra será: quem se obrigará em relação a terceiros é a sociedade por meio do seu
administrador ou do seu gestor (um, alguns ou todos os sócios), desde que o terceiro nada
sabia sobre o excesso de poderes ou ato irregular (boa fé). É o que dispõe o artigo 1015,
parágrafo único inciso II, do Código Civil:
Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem
praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não
constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens
imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.
Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores
somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma
das seguintes hipóteses:
I – (...);
II - provando-se que era conhecida do terceiro;
4- HIPÓTESES LEGAIS DE NÃO RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE
LIMITADA PERANTE ATOS DE SEUS ADMINISTRADORES – ATOS ULTRA
VIRES EM FACE DE TERCEIROS - CONCLUSÃO
A três únicas hipóteses legais em que a sociedade LIMITADA pode se esquivar de
responder pelo ato do seu administrador, COM A CONSEQUENTE RESPONSABIDADE
direta e pessoal do administrador perante terceiros, são:
(a) má fé do terceiro, que sabia do excesso de poderes praticado pelo sócio
administrador ( o que acabamos de ver acima);
(b) no caso de haver PACTO LIMITATIVO CONSTANTE DO CONTRATO
SOCIAL OU DO ATO SEPARADO QUE NOMEOU O ADMINISTRADOR
(EXEMPLO, PREVIA O CONTRATO SOCIAL QUE NÃO PODERIA O
ADMINISTRADOR ALIENAR DETERMINADO BEM DA SOCIEDADE). E
isto por força do que dispõe o artigo 1015, parágrafo único inciso I, do Código
Civil;
(c) no caso de OPERAÇÃO ESTRANHA AO OBJETO SOCIAL DA EMPRESA,
conforme artigo 1015, parágrafo único, inciso III, do Código Civil.
Porém, concluindo, verificamos que apesar de toda a controvérsia acerca da teoria ultra
vires, os nossos tribunais afirmam que a não responsabilização da sociedade só ocorre se o
TERCEIRO que contratou com a sociedade estiver de MÁ FÉ.
Segundo a jurisprudência dominante SE HOUVER OPERAÇÕES ESTRANHAS AOS
NEGÓCIOS DA SOCIEDADE, AO OBJETO SOCIAL OU AOS PODERES DE
GESTÃO conferidos ao sócio administrador QUEM RESPONDERÁ SERÁ A
SOCIEDADE SE O TERCEIRO ESTIVER DE MÁ FÉ, a quem se conferirá, em regresso,
direito de acionar o administrador responsável pelo ato.
5- BIBLIOGRAFIA
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empresa – 16 ed. ver., atual. e ampl – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 127.
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Edição ver. E atual.- São Paulo: Saraiva, 2008, p. 448 e 449.
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