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Um choque entre expectativa e realidade. A
expectativa de encontrar o uso equilibrado da tecnologia, e a
realidade de uma geração que
desconhece restrições de acesso ao conteúdo
desejado
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Ao desgrudar os olhos do seu celular, são grandes as chances de
você constatar que as crianças também foram hipnotizadas por
telas e pelas possibilidades que esses dispositivos oferecem.
Como nativos da era digital, os mais novos veem como essência
da vida a relação com o universo on demand, no qual é
possível acessar o que quiserem, onde quiserem e quando
quiserem.
Mas a tecnologia cobra seu preço: uma coisa é um adolescente
ou adulto ganhar esse privilégio do “tudo ao mesmo tempo agora”
após já ter encarado a espera pelo próximo episódio.
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Outra, no caso das crianças, é familiarizar-se com o mundo já
achando que está tudo ali, a um clique, no momento em que
desejam.
As consequências existem, já são observadas e muitas chegam a
ser alarmantes. Tanto que a SBP (Sociedade Brasileira de
Pediatria) acaba de produzir o seu primeiro manual – lançado
oficialmente nesta segunda-feira (7) - para ajudar a lidar com
esses desafios.
E eles são muitos. Basta conferir os relatos a seguir feitos por
psicólogos, pediatras e pais - eles mesmos inseparáveis de seus
eletrônicos:
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- O bebê só fica quieto em frente ao celular. Sai a chupeta, entra
“Galinha Pintadinha”;
- O feriado em família vira motivo de estresse, se o destino não
tiver Wi-Fi nem conexão 3G;
- A criança manda mensagem via WhatsApp para a mãe, no quarto
ao lado, para avisar que está com fome;
- O amigo imaginário perde espaço para o youtuber, sempre
pronto a entreter;
- O 3G dos pais vira brinquedo dos filhos;
- A garota se recusa a comer, caso seus ídolos virtuais não a
acompanhem;
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- Grade fixa de programação e intervalo fazem da TV um castigo;
- O medo de acabar a luz não é do escuro. Mas da falta de
internet e de bateria;
- A descoberta da senha do Wi-Fi antecede qualquer outro tipo
de interação em um novo ambiente;
- Na hora do banho, o tablet é comandado pela mãe do outro
lado do box.
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Aqui é possível prever reações à la “cadê os pais dessas
crianças?”. É o momento do racha, quando muitos criticam e
outros se veem como protagonistas daquela situação.
Independentemente do lado com o qual você se identifica, é
possível encontrar um ponto comum (quatro, na verdade) antes
de seguirmos em frente:
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1) A internet tem inúmeros pontos positivos, faz parte da rotina
das crianças e não há como voltar atrás;
2) Os adultos também foram fisgados pela tecnologia e estão
aprendendo a lidar com seus excessos;
3) Crianças precisam de limites. Se não existem, a
responsabilidade é dos pais (aquelas mesmas pessoas do
segundo item);
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4) Entender esses limites e saber como colocá-los em prática não
são tarefas simples diante de tanta oferta e transformação - se os
pais soubessem o que fazer nessa nova situação, possivelmente o
fariam.
Chegamos assim a um desafio bastante complexo, longe das
respostas prontas que aparecem logo na primeira página do
Google.
Para entender sua dimensão, é preciso admitir a porrada entre
expectativa e realidade: a expectativa de impor limites, a
realidade do mundo on demand.
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A PRIMEIRA VEZ
No Brasil 79% dos jovens entre 9 e 17 anos têm acesso à internet
E a experiência inaugural na rede acomete cada vez mais cedo
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EFEITO COLATERAL
Se o offline exige muito brinquedo e atenção para mimar uma
criança, o online facilita e até automatiza o paparico. Com um
eletrônico portátil – que, cada vez mais barato, assume status de
brinquedo -, dá para acessar praticamente o infinito em qualquer
lugar onde exista conexão.
O conteúdo vai ficando mais customizado conforme o uso e não
precisa nem saber ler para chegar até ele: ícones, comandos de voz
e sugestões dos algoritmos criam a ponte com os pequenos.
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A tecnologia on demand interfere na formação de pessoas
que, literalmente, demandam o agora.
“É lógico que esse cenário deixa as crianças mais
mimadas”, diz Evelyn Eisenstein, professora de pediatria e
clínica de adolescentes da UERJ (Universidade do Estado do
Rio de Janeiro).
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Segundo a pediatra, os pais ainda não acreditam nos
prejuízos da conexão ininterrupta à saúde dos filhos, mas os
consultórios já lidam com problemas concretos: ansiedade,
dificuldade de concentração, síndrome do olho seco,
transtornos de sono e também de alimentação (estes dois
ligados à falta de horários fixos, já que o conteúdo virtual não
segue grade de programação).
Por isso, há cerca de um ano Evelyn coordena a elaboração
das diretrizes da Sociedade Brasileira de Pediatria para o uso
de tecnologia.
O TAB destaca alguns destes conselhos:
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MANUAL DE ORIENTAÇÃO O primeiro guia prático da Sociedade Brasileira de Pediatria para
ajudar pais e pediatras no desafio de educar nativos digitais
TRABALHO DE BASE
A criança não deve
ser exposta
passivamente às
telas. Tv, tabelt,
celular, etc.
Principalmente
durante às refeições
e até 2 horas antes
de dormir.
O tempo de
exposição às telas
deve ser limitado a 1
hora por dia. Essa
faixa etária deve ser
protegida da
violência virtual, pois
não sabe separar
fantasia de realidade
Devem ter acesso
controlado a
computadores e
dispositivos móveis.
Crianças de até 10
anos não devem usar
a TV ou computador
no próprio quarto
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CONSTRUA A ROTINA Converse sobre os perigos
da internet e faça uma lista
de sites recomendados.
Compartilhe o uso positivo
da tecnologia com seus
filhos, sem invadir espaços
nem mensagens uns dos
outros.
Estabeleça regras e limites
claros sobre o tempo de
atividade online por dia ou
nos fins de semana, Todas
devem estar de acordo
com o combinado.
Faça recomendações de segurança:
nunca fornecer senha, não aceitar
presentes oferecidos pela internet e
jamais ceder a qualquer tipo de
chantagem, ameaça ou pressão
Construa uma relação interativa, de
apoio e carinho com seu filho. Para isso,
não são necessárias telas.
Planeje atividades nos fins de semana e
férias longe de wi-fi e eletrônicos.
Durante esse período, limite o uso diário
desses aparelhos a uma hora por dia
Dê o exemplo. Limite o seu tempo de
trabalho no computador, quando estiver
em casa. Desconecte-se e este
presencialmente com seus filhos.
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Papel do Pediatra
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Programar com jovens e
famílias um plano de “dieta
midiática”, de acordo com a
idade e maturidade. Além da
limitação de horas, é
importante enfatizar a
qualidade do conteúdo e
outras tarefas diárias
Incluir no protocolo de
atendimento rotinas para
prevenir e diagnosticar
tratamentos decorrentes do
uso abusivo de tecnologias.
Entre eles, obesidade, lesões
articulares, problemas
posturais, perda auditiva e
transtornos comportamentais.
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O documento da SBP foi inspirado em estudos e
recomendações internacionais. Um guia equivalente dos Estados
Unidos sugere que menores de 18 meses só tenham contato com
telas para videochamadas.
De 18 a 24 meses, o uso deve ser monitorado e restringir-se a
conteúdo de “alta qualidade” (nos EUA, se encaixam nessa
categoria produtos do canal estatal PBS Kids e das entidades sem
fins lucrativos Common Sense Media e Sesame Workshop).
Mesmo acima de dois anos, a tela deve ser limitada a até uma
hora por dia, nunca durante as refeições nem antes de dormir.
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A psicóloga Rosely Sayão vai além e defende que criança de até
seis anos não devem usar esse tipo de tecnologia – até essa idade,
afirma, é preciso desenvolver habilidades sociais, de fala, de
escuta e de criatividade.
“Não sou contra jogar videogame ou consumir conteúdo virtual,
mas os pais precisam mostrar outras coisas aos filhos.
O zoom das crianças é fechado: se aquilo que gostam está
sempre com elas, fica difícil dirigir a atenção para outras coisas.
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A restrição está com os pais, porque a criança não sabe
diferenciar o que ela gosta do que faz bem.”
Em longo prazo, Rosely diz não ter ideia das consequências da
vida on demand.
Em curto prazo, já são visíveis: “As pessoas não crescem, estão
sempre com seus brinquedinhos [celulares] nas mãos.
Existe um imediatismo enorme, ninguém consegue sequer
esperar para responder uma mensagem”, resume.
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NOVAS REGRAS
Depois da expectativa, a realidade. Lucas, 6, não conhecia
qualquer tipo de restrição até algumas semanas atrás, quando seus
pais determinaram horários para ele jogar, assistir a vídeos no
YouTube e a outros programas online.
Sua relação com a tecnologia começou com “Galinha Pintadinha”
(de novo ela!), passou por “Angry Birds” (que ele chegou a controlar
simultaneamente em duas telas) e nos últimos dois anos voltou-se a
jogos de computador, de console e de seu inseparável tablet.
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Uma história corriqueira, não fosse o comportamento que
chamou atenção na escola e o levou à terapia: ansiedade
constante, pressa em acabar qualquer atividade offline e a
certeza de que poderia fazer apenas aquilo que lhe desse
prazer (colocando em prática a promessa dos jogos).
O diagnóstico de vício em dispositivos eletrônicos, dado
pela psicóloga, foi construído durante um período familiar difícil.
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“Ele enfrentou a doença do pai, da mãe, além de mortes
próximas.
Deixávamos que jogasse para ter algum conforto.
A vida estava complicada e naquele ambiente [dos jogos] não
havia sofrimento”, relata a mãe, Ana Claudia da Silveira Fragoso,
36 anos.
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O virtual tornou-se então a primeira opção do garoto, que ainda
prefere esse universo a qualquer outra atividade, mesmo ir ao
cinema.
“Como essa opção estava disponível o tempo todo,
perdemos o controle.
Só percebi que era um vício quando ele teve reações
assustadoras ao reduzirmos o tempo dessas atividades”, continua.
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A família conta que, com o passar dos dias, essas respostas de
Lucas amenizaram e ele agora entende que não pode estar sempre
conectado – apesar de ainda tentar estender o tempo em frente à
tela, algo comum a qualquer geração que cresceu ao menos com
uma TV na sala.
O mais difícil, relatam os pais, é identificar o limite do uso
saudável da tecnologia.
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“A gente ainda não aprendeu [como fazer], estamos
aprendendo.
Ele não entende por que precisa fazer coisas que considera
chatas e, outro dia, durante a limpeza da casa, criamos uma
competição de arrumação dos cômodos: tornamos a atividade
legal. É essencial os pais mudarem sua postura, entrarem na
brincadeira e participarem”, completa Ricardo Amadesi Costa,
37,pai do garoto.
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Para o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do grupo de
dependência tecnológicas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São
Paulo), a falta de limites é evidente e motivada por um fator
bastante simples: os pais os desconhecem.
Uma de suas sugestões é oferecer tecnologia somente
quando a criança demonstra interesse, sem antecipá-lo como
alternativa imediata de entretenimento.
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O especialista se diz bastante preocupado com o atual cenário, no
qual a influência das mídias digitais no desenvolvimento das
crianças chega ao ponto de carrinhos de bebê, nos EUA, já virem
com suporte para tablet.
Produtos desse tipo mostram adultos alinhados com a imersão
digital dos pequenos.
Isso serve de alerta, como aponta o filósofo e especialista em
educação infantil Vital Didonet.
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“Muitos pais estão deslumbrados com o fato de seus filhos
saberem ligar o celular e digitar antes mesmo de aprender a falar.
Esse deslumbramento serve como impeditivo para estabelecer
limites, que são tão importantes para dar segurança às crianças.”
Ao impor restrições, é comum testarem o adulto para
entender até que ponto as regras são mesmo relevantes.
Assim, exemplifica Didonet, se não houver insistência nem
parceria para que se beba água, fica claro que esse hábito pode ser
dispensado.
“O diálogo e a explicação são essenciais, sem autoritarismo”,
continua.
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VIVA A FRUSTRAÇÃO
Desconectar-se para viver o mundo real faz parte do que a pediatra
Evelyn Eisenstein descreve como “prescrição de natureza”.
A psicanalista Isabel Kahn Marin, professora no curso de psicologia
da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) nas
áreas de família, infância e juventude, ressalta neste mesmo
contexto uma situação inusitada. “Teve muito pai comemorando o
Pokémon Go, porque os filhos começaram a sair mais na rua.
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Olha que absurdo.
A criança precisa brincar com o corpo: pega-pega, esconde-
esconde, cair, machucar, brigar com o amigo e não só o [amigo]
virtual.
A tecnologia não pode ser sua única possibilidade de relação com
o mundo.”
O impacto da tecnologia nos últimos anos fica evidente para
Adriana Storoli, 41, mãe de Victor, 21, e Enzo, 9.
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Ela acredita que parte dessa transformação tenha a ver com a
personalidade dos garotos, parte com a maior disponibilidade de
eletrônicos portáteis, internet rápida e móvel.
Quando mais novo, o primeiro filho só navegava no desktop.
Para o segundo, a principal plataforma é o celular. Enzo ganhou
o aparelho aos 7 e o irmão mais velho, aos 12 (só para falar com a
família).
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Victor baixava filmes, mas seu irmão não tem paciência: assiste
apenas ao conteúdo via streaming.
Tanto que é fanático por youtubers, celebridades que também
são autoras de seus livros favoritos.
Ele os lê de uma só vez, do começo ao fim, enquanto Victor o
fazia com mais calma (“usava marcador de páginas”, lembra a
mãe).
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O mais velho frequentemente recebe os amigos em
casa para partidas de RPG (jogos de interpretação de
papéis), mas reuniões offline não fazem parte da rotina
do mais novo.
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“É a mesma criação, mas realidades muito diferentes.
O Enzo não tem paciência, não quer esperar nada.
Falo que é muita urgência para uma criança de nove anos”, diz a
mãe, que proíbe o uso de eletrônicos durante as refeições.
Em busca de uma atividade física e mais tempo desconectado,
colocou o caçula na natação. Incentiva o uso da bicicleta e
comprou recentemente um tênis com rodinha para Enzo se
movimentar mais.
A mãe também organiza passeios em família nos finais de
semana. “Muitas vezes, eles preferem ficar em casa jogando a
sair”, relata, reproduzindo uma queixa comum de muitos pais.
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O fato de muitas crianças hoje terem a internet como amiga -
quando não a melhor amiga – pode reduzir a resiliência e
capacidade para lidar com frustração.
“O que será dessa geração?
A vida consiste em lidar, o tempo todo, com aquilo que não vai
bem.
Quanto maior for sua tolerância para isso, maior a capacidade de
prosperar.
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Mas eles não estão sendo treinados nesse sentido”, resume o
psicólogo Cristiano Nabuco.
Na contramão do mundo customizado oferecido pela web, ele
defende:
“Faça um favor para seu filho e frustre-o, para que ele aprenda
a lidar com o sentimento de desconfirmação. Isso é vital”.
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ROTINA OFFLINE
Por tratar-se de um cenário novo, ainda são poucos os estudos
que medem as consequências da conexão constante.
Mas uma pesquisa brasileira realizada com 21 crianças de oito a
12 anos indica alteração nas noções de tempo e espaço quando
tudo o que a criança deseja está, literalmente, à mão.
Sem domínio sobre as horas, eles descrevem seu dia com base
nas atividades, muitas delas em plataformas eletrônicas.
“Isso significa que a rotina está pautada no
conteúdo/entretenimento e não em sua própria vida.
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Em outras palavras, não precisam se planejar, se organizar para
atingir seus objetivos, pois ele está em suas mãos”, explica
Ana Lúcia Meneghel, autora do estudo e mestra em Psicologia
da Educação do Laboratório de Psicologia Genética da
Faculdade de Educação da Unicamp (Universidade Estadual de
Campinas).
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Daí a importância da criação de uma rotina, do despertar até se
deitar, para essa novíssima geração aprender a se organizar e
coordenar o pensamento de ações: planejar, antecipar e avaliar
aquilo que pretendem fazer.
É tirar das crianças o status de “senhores do tempo”, limitando
suas possibilidades do “quando”.
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A importância de ficar mais offline também está na relação
com o mundo físico: em uma etapa do estudo, Ana Lúcia
surpreendeu-se com a dificuldade das “crianças digitais” em
montar uma torre de madeira sem derrubar as peças.
“Isso se atribui à falta de preparação ao escolher as peças
maiores para colocar como base.
A atividade requer planejamento e antecipação de ações, as
quais essas crianças não estão habituadas”, explica.
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Rosane Alves Baltar Matos, 46, concorda com a importância de
manter uma rotina de horários para filha Juliana, 9.
Mas no seu caso o desafio é ainda maior, porque a garota
mantém - com a ajuda da irmã de 19 anos - um canal no
YouTube com mais de 2 milhões de inscritos e 643 milhões de
visualizações (sim, milhões).
“Tem hora de estudar, de comer, de gravar. Se eu deixar, ela fica
direto no celular abastecendo as redes sociais, combinando algo
para um vídeo, respondendo algum comentário”, relata a mãe, que
no dia da entrevista havia confiscado o aparelho da filha, de
castigo.
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Como os vídeos retratam brincadeiras de boneca, a própria garota
tem de lidar com as demandas de seu público on demand.
Rosane conta que existe cobrança para a filha responder aos
comentários, mas a missão é praticamente impossível: no vídeo
mais assistido, com 51,7 milhões de visualizações, há mais de 12
mil mensagens. Diante de tamanho sucesso e popularidade, só
mesmo velhas táticas do mundo offline, como a frustração infantil,
para fazer os nativos da era on demand entenderem o quanto antes
que o desejo deles não é uma ordem.