FACULDADE ANHANGUERA
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
CAMPUS – SÃO JOSÉ
ANDRÉ FELIPE MACHADO
A FRAUDE DE EXECUÇÃO E SUA CARACTERIZAÇÃO: CONTRARIEDADE DA
SÚMULA 375 DO STJ COM O ART. 593 DO CPC.
SÃO JOSÉ
2012
FACULDADE ANHANGUERA
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
CAMPUS – SÃO JOSÉ
ANDRÉ FELIPE MACHADO
A FRAUDE DE EXECUÇÃO E SUA CARACTERIZAÇÃO: CONTRARIEDADE DA
SÚMULA 375 DO STJ COM O ART. 593 DO CPC.
Trabalho de conclusão de curso
apresentado à banca examinadora da
faculdade Uniban da Anhanguera
Educacional, como requisito parcial para
obtenção de grau de Bacharel em Direito
sobre orientação do professor Edson
Carvalho.
SÃO JOSÉ
2012
ANDRÉ FELIPE MACHADO
A FRAUDE DE EXECUÇÃO E SUA CARACTERIZAÇÃO: CONTRARIEDADE DA
SÚMULA 375 DO STJ COM O ART. 593 DO CPC.
Trabalho de conclusão de curso
apresentado à banca examinadora da
faculdade Uniban da Anhanguera
Educacional, como requisito parcial para
obtenção de grau de Bacharel em Direito
sobre orientação do professor Edson
Carvalho.
Aprovado em ______ de________________de______
BANCA EXAMINADORA
______________________________
Professor Edson Carvalho
______________________________
Professor_______________________
_______________________________
Professor ______________________
Faculdade Anhanguera
Dedico este trabalho aos meus pais,
familiares e amigos pessoas especiais que
fizeram a diferença neste momento decisivo
e final de minha graduação.
Principalmente a minha Noiva, pelo carinho,
dedicação e compreensão de todos os dias.
RESUMO
Esse trabalho tem por finalidade suprir as dúvidas sobre a aplicabilidade e
caracterização da fraude de execução no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em
vista a contrariedade entre a Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça e o art. 593
do Código de Processo Civil. Iniciará o estudo pela parte histórica da fraude e seus
principais princípios. Após será analisado a fraude de execução e a fraude a
credores, tendo em vista as diferenças e semelhanças entre elas. Por fim, o estudo
será concluído com a análise sobre o terceiro adquirente de boa-fé, a caracterização
da fraude e a distinção de aplicabilidade entre a súmula e o artigo, principalmente
utilizando as últimas decisões do Superior Tribunal de Justiça.
Palavra chave: Fraude de Execução – Súmula 375 STJ; Art. 593 CPC;
Aplicabilidade; Caracterização; Credor; Devedor; Terceiro adquirente de boa-fé.
ABSTRACT
This study aims to overcome doubts about the applicability and fraud enforcement
characterization in Brazilian legal system, in view of the opposition between the
Precedent 375 of the Supreme Court of Justice and Art. 593 of the Code of Civil
Procedure. The study will be initiated by the historical part of the fraud and its main
principles. Following, it will be analyzed fraud enforcement and fraud to creditors, in
view of the differences and similarities between them. Finally, the study will be
concluded with the analysis of the third party purchaser in good faith, the
characterization of fraud and the distinction between the applicability of Precedent
and Article, mainly using the latest decisions of the Supreme Court of Justice.
Keyword: Fraud Enforcement - Precedent 375 SCJ; Art. 593 CCP; Applicability;
Characterization; Creditor, Debtor; Third party purchaser in good faith”.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 8
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA ................................................................................. 11
1.1 Fraude de execução e sua origem histórica ................................................... 11
1.2 A fraude de execução no Brasil ...................................................................... 15
1.3 A fraude em geral ........................................................................................... 19
1.4 Principios no processo de execução .............................................................. 22
1.4.1 Principio da boa-fé ...................................................................................... 23
1.4.2 Principio da responsabilidade patrimonial .................................................. 26
2. DIFERENCIAÇÃO ENTRE FRAUDE DE EXECUÇÃO E FRAUDE A CREDORES ................................................................................................................... 30
2.1 Conceitos básicos .......................................................................................... 30
2.2 Requisitos da fraude contra credores ............................................................. 32
2.2.1 Anterioridade do crédito .............................................................................. 33
2.2.2 Eventus damni ............................................................................................. 34
2.2.3 Consilium fraudis ........................................................................................ 34
2.3 Ação Pauliana ................................................................................................ 35
2.4 Ato atentatório a dignidade da justiça ............................................................ 38
2.5 Diferenciação entre fraude de execução e fraude a credores ........................ 42
3. CARACTERIZAÇÃO DA FRAUDE DE EXECUÇÃO SEGUNDO O ART. 593 DO CPC E A APLICABILIDADE DA SÚMULA 375 DO STJ ...................................... 48
3.1 O Art. 593 do CPC e sua aplicabilidade ......................................................... 48
3.2 A súmula 375 do STJ e sua aplicabilidade ..................................................... 53
3.3 O terceiro adquirente de boa-fé ...................................................................... 56
3.4 A caracterização da fraude de execução ....................................................... 59
3.5 Âmbitos de incidência do art. 593 do CPC e da Súmula 375 do STJ ............. 62
CONCLUSÃO ...................................................................................................... 71
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 73
INTRODUÇÃO
O mundo em que vivemos hoje não é mais o mesmo. Muitas negociações são
efetuadas para compra e venda de bens e de produtos. O crédito vem sendo
facilitado em busca do desenvolvimento e crescimento de nosso país. Contudo
todas essas relações mercantis causam consequências quando uma das partes não
consegue cumprir com a sua obrigação, de um lado encontra-se o credor, que busca
a satisfação de seu crédito ou a entrega de sua coisa, do outro se encontra o
devedor que não consegue cumprir com suas obrigações e não paga ou não entrega
a coisa devida.
É neste contexto que aparece a fraude, seja ela contra credores ou fraude
dentro da ação de execução. Nosso ordenamento jurídico disciplina duas
fundamentações jurídicas, a súmula 375 do Superir Tribunal de Justiça e o Código
de Processo Civil disciplina o art. 593. Contudo à dificuldade de interpretação para a
caracterização da fraude de execução, pois à controvérsia na aplicação da súmula e
do Código de Processo Civil.
No ano de 2009 foi editada pelo STJ a Súmula 375, onde o reconhecimento
da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova
de má-fé do terceiro adquirente.
Em contrapartida, o art. 593 do Código de Processo Civil trata que considera-
se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens, quando sobre eles
pender ação fundada em direito real, se ao tempo da alienação ou oneração, corria
contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência ou nos demais casos
expressos em lei.
É importante que o estudo para reconhecer em cada caso quando se
caracteriza a Fraude de Execução conforme o ordenamento jurídico brasileiro com
base no art. 593 do CPC e a súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça. Qual a
finalidade da súmula 375 do STJ, a proteção do terceiro adquirente, a proteção ao
credor ou a facilitação do cometimento da fraude.
A Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça foi editada com finalidade
totalmente voltada à proteção do terceiro adquirente de boa-fé. Porém, não foi
analisada a satisfação dos credores, abrindo grande margem para a insatisfação de
dívidas, tendo em vista a dificuldade em caracterizar a fraude não somente antes da
ação ajuizada, mas pior, mesmo depois da citação do devedor, que ainda pode se
desfazer de seu patrimônio, não se aplicando o art. 593 do CPC. Enquanto isso os
credores continuam tentado buscar a satisfação de suas dívidas e muitas vezes
tendo por consequência um sentimento frustrante ao final do processo quando o
devedor não tem mais qualquer tipo de patrimônio que satisfaça a divida.
Justifica-se a necessidade deste estudo em analisar e delimitar as novas
formas de se caracterizar a Fraude de Execução, bem como demonstrar a
dificuldade que é para ser feita a sua devida caracterização frente, não somente a os
devedores fraudulentos, mas também com relação aos adquirentes de boa-fé que na
negociação jurídica não tenham tomado o cuidado necessário.
Ainda verificar e propor a existência de uma caracterização mais justa, bem
comprovada, mas a ponto de facilitar ao credor a buscar seu crédito sem que a ação
de execução seja um método frustrante ao final. Após todo o processo de
conhecimento e em um segundo momento o processo de execução, muitas vezes
que duram anos, e, por fim o executado – devedor já se desfez de todos os bens
que poderiam garantir o crédito devido.
Demonstrar como o STJ vem se manifestando a respeito do tema, mudando
muitos paradigmas e entendimentos confusos e controvertidos, bem como tentar
demonstrar nossa concepção de como em uma visão geral seria mais justa os
julgamento com relação aos credores.
O objetivo deste trabalho é aprimorar o estudo sobre a caracterização da
Fraude a Execução, seus aspectos históricos, bem como, diferenciá-la da fraude a
credores. Expor sobre os princípios pertinentes ao tema, como, o principio da boa-fé
e principalmente o da responsabilidade patrimonial. Bem como aprofundar o tema
buscando uma especialização sobre o conteúdo para localizar um aspecto mais
positivo a empresas jurídicas de direito privado a satisfazerem seus créditos junto a
diversos devedores, que por sua vez, utilizam de artifícios ardilosos para levar
vantagem frente a um entendimento jurídico controvertido, conforme se verifica a
contradição do art. 593 do CPC e a súmula 375 do STJ e suas últimas modificações
jurisprudências, na qual vem modificando sua linha de pensamento.
Portanto o presente trabalho tem como escopo fazer as delimitações sobre os
temas, o estudo detalhado de cada dispositivo legal, e por fim fazer sua devida
distinção através das últimas decisões do Superior Tribunal de Justiça.
No primeiro capitulo será tratado à parte histórica da fraude, o surgimento do
instituto na história utilizando o direito comparado a outros países e civilizações
históricas, bem como a aplicação de seus principais princípios.
No segundo capítulo será comparada a fraude de execução e fraude a
credores, tendo em vista que as disciplinas tratam a fraude de execução uma
derivação da fraude a credores, neste ponto, será tratado os principais conceitos,
requisitos, ação própria para interposição de fraude a credores bem como os afeitos
causados por sua caracterização através de sentença.
O estudo será finalizado ao terceiro capitulo buscando a distinção entre a
caracterização da fraude a execução disciplinada no art. 593 do código de processo
civil, e a caracterização disciplinada na súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça,
tratando de seus requisitos, estudo da jurisprudência recente, buscando a solução
para a aplicabilidade e caracterização da Fraude de Execução.
Para a elaboração da pesquisa científica a ser redigida, no desenvolvimento
do tema escolhido, utilizar-se-á metodologia dedutiva, pesquisa e leitura de livros
sobre as leis que originaram a aplicabilidade da fraude de execução ao nosso
ordenamento jurídico. Livros especializados sobre o tema em questão bem como
artigos específicos, levando-se em conta o aspecto histórico do tema Execuções
dentro do Processo Civil aplicado ao ordenamento jurídico brasileiro. Livros sobre a
questão de caracterização da fraude e seus requisitos específicos e subjetivos.
1 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Iniciando este trabalho será abordada a questão histórica originária da
instituição da fraude de execução, dos quais, se baseou a aplicabilidade no
ordenamento jurídico brasileiro. Neste capitulo será feito um apanhado histórico
geral mundial da origem e aplicabilidade da fraude de execução. Historicamente seu
surgimento e aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, e por fim serão
abordados os principais princípios pertinentes ao tema, o principio da boa-fé e o
principio da responsabilidade patrimonial.
1.1. Fraude de execução e sua origem histórica
Na doutrina não se encontra respaldo para afirmar com certeza a origem da
fraude de execução. Contudo, podemos afirmar que a fraude de execução está
ligada diretamente a fraude a credores, e por conta disto a origem de uma esta
diretamente ligada à origem da outra. Afirma Yussef Said Cahali: “o instituto da
fraude à execução constitui uma especialização da fraude contra credores”1.
Da mesma forma Enrico Tullio Libman afirmou que a fraude de execução é
mais grave que a fraude contra credores, pois aquela é praticada depois do inicio de
um processo, tendo por consequência um resultado mais eficaz contra aquele ato
fraudulento.2
O desenvolvimento dos dois institutos se confundem na própria evolução
histórica.3 Sebastião Lintz apresenta informações de que na antiguidade, no Livro
1 CAHALI, Yussef Said, Fraudes contra credores. 3. Ed. São Paulo:RT, 2000.
2 LIEBMAN, Enrico Tullio, Processo de Execução. Trad. Joaquim Munhoz de Mello. 5 ed. São Paulo:
Saraiva, 1986. 3 Arruda Alvim formula um quadro de evolução histórica do direito processual no ocidente: “(a)
processo civil romano (de 754 A.C. a 565 A.C.); (b) processo civil romano-barbárico(de 568 a 1100,
aproximadamente); (c) período de elaboração do processo comum (de 100 a 1500, mais ou menos);
(d) período moderno (de 1500 a 1868 até hoje), que é o realmente relevante” (Manual cit., v.1, p. 39).
dos Mortos, existia uma série de princípios de ordem moral e ética, de forma que o
egípcio, depois de morto pudesse provar para Osiris, o “Deus dos Mortos”, que não
havia cometido nenhuma fraude e pudesse, então, após ser considerado justo pelo
faraó, obter sua salvação. Na babilônia, durante o período de 1955 a 1913 a.C.
Hammurabi determinou que se elaborasse um código com o objetivo de que os
fortes não fraudassem os fracos e que os órfãos e as viúvas fossem tratados com
justiça.4
Entre os Hebreus, quando da elaboração do Código Deuteronômico,
conhecidos como primeiro código jurídico, com fundamentos na religiosidade, pois
se tratava dos ensinamentos de Moisés, ensinamentos estes recebidos por Deus no
Monte Sinai, já era prevista a proibição da fraude contra os irmãos. Entretanto, as
normas eram mais benignas a fraude praticada pelos Hebreus contra os
estrangeiros.
Não se pode negar que os fundamentos dos dispositivos legais da atualidade,
estes que procuram garantir a execução, têm sua origem essencialmente na
execução do direito romano. No direito romano existia a execução que vigorou na
fase do velho direito quiritário, onde se encontrava duas formas de processos,
ambas instituídas pela Lei das XII Tábuas (450 a.C.) a manusinjectio e a
pignoriscapio. A execução recaía sobre os bens do devedor, independentemente da
autorização do magistrado, sendo dirigida excepcionalmente à pessoa do devedor
quando os interessados eram a milícia e o erário público.5
Naquela época os atos fraudulentos não eram tão frequentes por parte dos
devedores insolventes. A fraude não era ligada diretamente a consequência de
causar prejuízo para o credor, isso por que a execução recaia diretamente sobre a
pessoa, com a perda da liberdade, e muitas vezes da própria vida.6
Leonardo Greco afirma que no direito romano primitivo a execução era
privada e penal, não sendo decidida pela autoridade pública (pretor). Após as partes
4THEODORO JR, Humberto, Da fraude contra credores, revista 14/45 e seguintes, São Paulo, 2001.
5 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à Execução – Doutrina e Jurisprudência. 2. Ed. São Paulo:
Saraiva, 1988. 6 SALAMACHA, José Eli. Fraude à Execução: direitos do credor e do adquirente de boa-fé/José Eli
Salamacha. São Paulo: Editora Revista Dos Tribunais, 2005.
comparecerem perante o pretor era escolhido um árbitro privado que julgaria a
causa.7
Desta forma condenado o devedor ao pagamento de um débito ele tinha o
prazo de trinta dias para de forma voluntária pagar, sob pena de se aplicada a
manusinjectio, privando-se assim o devedor de sua liberdade e expondo-o
publicamente até o saneamento da divida. Assegurado o inadimplemento o devedor
era levado preso até a casa do devedor, onde permanecia por sessenta dias até um
amigo ou parente pagasse a dívida. Para que fosse público aquela prisão e
chegasse a noticia a seus parentes, o devedor era levado e exposto três vezes no
mercado local.8
Após os sessenta dias sem que houvesse o pagamento, o devedor tornava-se
escravo do credor, que poderia vendê-lo ou matá-lo além do Rio Tibre, ou seja, fora
das fronteiras de Roma, e depois apossar-se de seus bens, caso existissem. Se
houvesse vários credores, após a sua morte seu corpo era esquartejado e
distribuído aos pedaços aos seus credores.
Já no direito romano clássico, 149 a.C. até o termino do reinado do Imperador
Diocleciano, em 305 d.C., a execução tornou-se mais humana, podendo o credor em
uma fase inicial obter a prisão do devedor ou submetê-lo a trabalhos, com o intuito
de pagar sua divida. Contudo após essas possibilidades foram extintas
permanecendo somente o cárcere privado ou para sanar a divida o devedor poderia
entregar todos os seus bens para o credor, através da cessio bonorum.
A grande mudança do caráter pessoal para o caráter patrimonial ocorreu em
função da astúcia do ser humano em buscar enriquecimento. Foram surgindo e
causando prejuízos a terceiros, o que fez com que surgissem medidas a evitar que
os devedores prejudicassem seus credores através de atos fraudulentos, fazendo
com que os bens do devedor voltassem a integralizar seu patrimônio como uma
forma de garantia.
7 GRECO, Leonardo. A execução e a efetividade do processo. Revista de Processo, v. 9, São Paulo,
RT, 1999. 8SALAMACHA, José Eli. Fraude à Execução: direitos do credor e do adquirente de boa-fé/José Eli
Salamacha. São Paulo: Editora Revista Dos Tribunais, 2005.
Segundo ensina Yussef Said Cahali, o credor dispunha de três mecanismos
para defender o cumprimento de seu crédito: (a) a actio pauliana poenalis, que
consistia numa ação para se obter uma reparação pecuniária – o devedor
demandado podia se libertar restituindo o quanto tivesse sido pedido com o
arbitramento; (b) o interdictum fraudatorium, que era uma forma de se recuperar o
bem retirado do patrimônio do devedor, mediante autorização do magistrado; e (c) a
restitutio in integrum, que era um provimento concedido pelo juiz ao credor, que
deixava sem efeito o ato de disposição do devedor.9
O interdictum fraudatorium teve grande importância no período clássico, onde
era uma ordem que provinha do pretor ou governador da província, positiva, para
que fosse exibida ou restituída alguma coisa, e negativa, quando se proibia de fazer
determinada coisa. Estas medidas eram concedidas a qualquer credor contra o
terceiro adquirente.
A restitution in integrum teve grande importância, pois o pretor assumia
funções investigativas e resolutórias. Este só concedia ou não a medida somente ao
curador bonorum, depois de dada a oportunidade de manifestação à parte para
quem se pretendia a medida. Esta medida só era concedida se existisse um fato ou
acontecimento que tivesse gerado prejuízo ao requerente, e o resultado era deixar
sem efeitos o ato de disposição do devedor.
Segundo Pontes de Miranda, no período justinianeu, os dois princípios
fundiram-se na actio pauliana, ação esta que servia para evitar que o devedor
através de meios fraudulentos atingisse seu objetivo de redução patrimonial. Essa
ação poderia ser proposta tanto pelo administrador do concurso (curador bonorum)
como por qualquer credor que se dirigia contra o devedor e contra o terceiro
adquirente dos bens transferidos de forma fraudulenta. Essa actio pauliana
necessitava da comprovação da existência do eventus damni e do animus fraudi, ou
seja, a comprovação de ato malicioso, onde o devedor reduzia seu patrimônio e a
ocorrência da prática do ato com intenção de fraudar os seus credores.
A actio pauliana “foi à solução jurídica mais notável e de melhor eficácia
contra a fraude em detrimento dos direitos dos credores de todos os tempos, de
9 CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores. 3. Ed. São Paulo: RT 2000.
sorte que até os dias de hoje o instituto sobrevive e tem larga aplicação nos
ordenamentos jurídicos modernos”.10
1.2. A fraude de execução no Brasil
Não há como tratar sobre a fraude a execução no Brasil sem antes tratar do
ordenamento jurídico de Portugal, uma vez que, o Brasil foi colônia portuguesa. Em
Portugal as mudanças no ordenamento jurídico começaram a ocorrer a partir do
Século XIII, quando D. Afonso III, rei de Portugal, que teve sua formação em Paris,
onde os estudos do direito Romano estavam bem avançados, procurou reorganizar
a justiça. Seguido assim por outro rei de Portugal, D. Diniz, em 1380, fundou a
Universidade de Lisboa, e se tornou um grande centro de estudos jurídicos, onde se
ensinava o direito romano.11
Quando o rei Afonso V, promulgou o primeiro código português em 1446, as
chamadas ordenações Afonsinas, que vigoraram até o ano de 1521. Tendo em vista
que segundo Nélson Altemani, até essa fase da história não se encontrava
referência direta à fraude de execução, com o surgimento das Ordenações em
Portugal diversos dispositivos procuraram colocar sob império da execução os bens
que o devedor maliciosamente teria procurado subtrair.12 Segundo José Sebastião
de Oliveira, desde aquela época estava prevista, a condenação pela alienação da
coisa litigiosa, permitindo-se fazer a execução do bem litigioso nas mãos de quem
10
Conforme José Sebastião de Oliveira, ob. Cit., p.41. No mesmo sentido, Yussef Said Cahali afirma
que “[...] terá existido, assim, no direito romano, sempre em nível do processo de execução, um
interdictumfraudatorium visando à pronta recuperação da coisa alienada pelo devedor executado, e
como modalidade de interdito restitutori; ao lado da actio pauliana, actio in rem universalis ou in rem
rescissoria, a qual tendia à rescisão do ato, a fim de possibilitar o retorno da coisa ao patrimônio do
devedor [...]” 11
SALAMACHA, José Eli. Fraude à Execução: direitos do credor e do adquirente de boa-fé/José Eli Salamacha. São Paulo: Editora Revista Dos Tribunais, 2005. 12
Fraude de Execução, Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 40/21
ele estivesse. Caso não fosse encontrado o bem se aplicava a pena de prisão ao
devedor até que a dívida fosse paga.13
Após surgiu a Ordenação Manuelinas, no ano de 1521, em substituição às
Afonsinas, e vigoraram até 1603. Nelas foram mantidas as regras da legislação
anterior no que dizia respeito à alienação da coisa litigiosa. Com o desaparecimento
de D. Sebastião, Rei de Portugal, em uma batalha contra os mouros, na África,
assumiu o troco português D. Felipe II que era Rei da Espanha, mas também
coroado Rei de Portugal, com o titulo de D. Felipe I, por ser o parente mais próximo
de D. Sebastião na linha sucessória ao trono.
Foi com D. Felipe I que se deu inicio a grande reforma na legislação
portuguesa, que foi concluída por seu sucessor D. Felipe II, que promulgou em
1603, as Ordenações Filipinas. Esta legislação foi considerada uma grande obra
jurídica, surgindo dali os primeiros princípios do instituto da fraude de execução, e
por consequências permaneceram nos ordenamentos processuais brasileiros.14
Desta forma, por ser colônia de Portugal, no Brasil vigorava as leis
portuguesas, ou seja, as previstas nas Ordenações Filipinas, e continuaram a
vigorar no país após a Independência, por força do Decreto de 20 de outubro de
1823, da Assembleia Geral Constituinte.
Para Arruda Alvim, o Brasil, ao separa-se de Portugal:
“[...] não tinha e nem podia ter, pela carência de situação
histórico-cultural produtora de normas, leis próprias. O
que o Brasil fez foi adotar, na sua integralidade, as leis
portuguesas ressalvadas a Constituição, que foi feita
logo em seguida”. (Manual. cit. V1, pág 48).
13
José Sebastião de Oliveira, em sua obra Fraude à Execução, o autor se refere ao previsto no caput do Titulo XCI, livro III das ordenações Afonsinas, que possuía a seguinte redação: “E se esse condenado maliciosamente deixou de possuir essa cousa julgada, para não se fazer nela execução, depois da lide com ele contestada em diante, deve-se fazer execução nela, se achada for em poder daquele, em que foi amealhada sem sendo com ele outro processo ordenado, se ele foi sabedor como a dita cousa era litigiosa ao tempo que foi tresmudada para ele, ou se teve justa razão de o saber.” 14
Para Nelson Hanada, “[...] o direito das ordenações passo da execução pessoal, (ordenações Afonsinas, Livro III, Título CXXII, e Livro IV, Título LXVII, n. 5) para a execução real (ordenações Manuelinas, Livro IV Título XV, e Ordenações Filipinas, Livro IV Título LXXI): a primeira cominando pena de prisão para o devedor que praticasse atos tendentes a defraudar seus credores, e as duas últimas considerando nenhuns e de nenhum vigor os contratos feitos para prejudicar credores[...]” (Da insolvência e sua prova na ação Pauliana. Pág. 64)
Foi a partir do decreto 763, de 19 de setembro de 1890, do governo
republicano, o Regulamento 737, que até então tratava apenas do código comercial,
passou também a ser aplicado nas causas processuais cíveis, revogando-se dessa
forma as Ordenações Filipinas.15
Neste mesmo regulamento havia um dispositivo, art. 574, que o devedor que
fraudou a execução seria preso por um ano, podendo ser solto caso pagasse a
dívida.
Com a Constituição da Republica, em 24 de fevereiro de 1891, está transferiu
a competência para legislar sobre a matéria processual para os Estados-membros,
que passaram a legislar em 1905, por iniciativa do estado do Pará, desta surgiram
no mesmo caminho os demais estados, sendo um dos últimos o estado de São
Paulo, os códigos foram elaborados com fundamento do regulamento 737, tendo
sido considerado os melhores o da Bahia, São Paulo, Rio Grande do Sul e Distrito
Federal.16
Para Frederico Fontoura da Silva Cais, os Códigos de processo estaduais, em
especial os de São Paulo, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, tratavam mais de
hipóteses de fraude contra credores e não de fraude à Execução, porquanto ainda
não pendente processo judicial.
De forma reduzida os Códigos Estaduais trouxeram poucas novidades à
execução, em especial, ao instituto da fraude de execução. Limitou-se a repetir o art.
494 do Regulamento 737. No entanto, uma das principais mudanças foi o
desaparecimento da prisão civil como meio executório.
15
O regulamento 737 disciplinava o seguinte dispositivo sobre fraude de execução: Art. 492. É
competente Execução contra: “(...) “§ 6°. O comprador ou possuidor de bens hipotecados, segurados
ou alienados, em fraude de execução (art494); e em geral contra todos os que recebem causa do
vencido, como comprador da herança.” “Art. 494. Considerar-se-ão alienados em fraude de execução
os bens executados: “1°. Quando são litigiosos, ou sobre eles penda demanda: “2°. Quando a
alienação é feita depois da penhora, ou proximamente a ela; “3°quando o possuidor dos bens tinha
razão para saber que pendia demanda, e outros bens não tinha o executado por onde pudesse
pagar.” 16
SALAMACHA, José Eli. Fraude à Execução: direitos do credor e do adquirente de boa-fé/José Eli Salamacha. São Paulo: Editora Revista Dos Tribunais, 2005.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1934, foi restabelecida uma
só forma de processo para todo o País, tirando-se a competência dos Estados.
Como resultado dessa unicidade processual, entrou em vigor o novo código de
processo civil, através do Decreto 1608, de 18 de setembro de 1939 que inseriu o
dispositivo regulando a fraude de execução no art. 895.17
Ressalta Frederico Fontoura da Silva Cais:
“a redação foi aperfeiçoada, não mencionando mais
ação real, mas ação fundada em direito real, cancelando
também a referência à ação reipersecutória, que era de
conceito controvertido; o inc. III do referido artigo
dispunha que havia fraude na hipótese de alienação
depois de decretada a falência, sendo o inc. III do CPC
mais abrangente, considerando em fraude de execução
nos demais casos previstos em lei”. (Frederico Fontoura
da Silva Cais, ibidem, p. 129.)
Na comparação entre o art. 593 do CPC em vigor, com o previsto no art. 895
do Código de 1939, facilmente se constatam diferenças, sendo que a mais visível
nesta lei se refere somente a “alienação”, enquanto no atual estatuto processual a lei
faz referência, também, aos atos de oneração. Houve um aperfeiçoamento na
redação atual com a substituição da expressão ação real por ação fundada em
direito real e cancelando a referência à ação reipersecutória, que era de conceito
controvertido. Por fim, se observa que na atual redação não consta, expressamente,
a hipótese de alienação depois de decretada a falência existente no Código de 1939,
havendo, no entanto, uma previsão mais abrangente no inciso III do art. 593, uma
vez que considera a hipótese de fraude à execução nos demais casos expressos em
lei.18
17
“A alienação de bens considerar-se à em fraude de execução: I – quando sobre eles for movida
ação real ou reipersecutória; II – quando, ao tempo da alienação, já pendia contra o alienante
demanda capaz de alterar-lhe o patrimônio, reduzindo-o à insolvência; III- Quando transcrita a
alienação depois de decretada a falência, IV – nos casos expressos em lei
18
Cais, Fraderico Fontoura da Silva. Embargos de terceiro e fraude à execução. Revista de
Processo. V.102, São Paulo, RT, 2001
1.3. A fraude em geral
Poucas vezes a doutrina refere-se a ideia de fraude conseguindo
compreender as características que lhe são realmente essenciais, sobre aspectos
éticos, sociais e legais. Humberto Theodoro Júnior:
“A lei, inspirando-se nas fontes éticas, procura traçar um
projeto de convivência social, em que cada um se
comporte honestamente, de modo a respeitar o
patrimônio alheio e os valores consagrados pela cultura.
O desonesto, porém, consegue sempre camuflar seu
comportamento para, sob falsa aparência de legalidade,
atingir um resultado que à custa do detrimento de outrem
lhe propicie vantagens e proveitos indevidos ou ilícitos.”19
É triste chegar à conclusão que em nosso país as fraudes estão em todos os
lugares. Basta ligar a televisão e acompanhar os noticiários para verificar desvios de
verba pública, superfaturamento em licitações em obras, o envio de dinheiro para
paraísos fiscais, dentre outros. Verifica-se que a realidade da fraude não esta muito
longe de nós, tendo em vista que em pequenos atos todos nós já praticamos algum
tipo de fraude.
Agindo de forma ágil e inteligente, embora sobre forma enganosa, os autores
de fraudes recobrem suas intenções maléficas, transgridem a lei, confundem os
julgadores de seus atos e embaraçam o andamento da justiça. É a busca, a
qualquer custo, por obter “vantagem” como o menor esforço e tempo possível, e a
qualquer preço.20
19
Fraude contra credores e fraude de execução, Revista Síntese de Direito Civil e processual Civil
11/141. 20
Nesse sentido, Sebastião Lintz afirma: ”ontem, como hoje, a fraude recai no engano ou ação
maliciosa, promovidas de má-fé, por isso que intencionalmente, donde se conclui que tanto as
fraudes civis como a penal acarretam um resultado que ofende o bem jurídico. E se na fraude civil o
ato lesivo é de caráter individual, na intímidativa, o prejuízo se mostra de interesse coletivo, afetando
a sociedade”. (Da fraude contra credores, Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de
Uberlândia 14/47).
A respeito do tema, Alvino Lima Faria:
“Nem sempre os interesses visados pelo defraudador se
chocam ao do titular de um direito. A fraude pode ser
utilizada, através de aplicações da própria lei, por força
da conclusão de atos jurídicos substancialmente
perfeitos, na sua essência, em si mesmos, para alcançar
um resultado condenado pela própria norma legal; por
um jogo de artifícios, utilizando-se das próprias formas
legais, mediante a combinação de atos em si mesmo
inatacáveis, atinge-se um resultado ilícito.”
Existe fraude em geral, quando, o ato não atinge necessariamente direitos de
terceiro, mas sim quando praticado qualquer ato perfeito e licito, visando apenas
acobertar a violação a uma regra jurídica. De outra forma, existe a fraude a
credores, que, além de violar uma regra jurídica, acarreta dano à terceiro, pelo
esvaziamento do patrimônio do fraudador.
Desta forma podemos concordar com a definição de fraude de Alvino Lima:
“(...) a fraude consiste na prática de ato ou atos jurídicos,
ou na realização de fatos jurídicos, absolutamente lícitos,
considerando em si mesmos, com a finalidade
deliberada ou consciente de frustrar a aplicação de uma
regra jurídica, prejudicando ou não interesse de terceiros
e mediante a consciente coparticipação, em geral, de
terceiros”. (Lima, Alvino. A fraude no direito civil. São
Paulo: Saraiva, 1965.)
Nosso ordenamento jurídico de um lado protege o credor de boa-fé
prejudicado pelo ato fraudatório, mas também coíbe o devedor que causou a fraude.
Para este estudo, interessa apenas a fraude praticada no curso do processo, seja
ele de conhecimento ou fundado em direito real, e, que tenha por finalidade causar
prejuízo a credores, fruto da alienação ou oneração de bens, quando sobre eles
pender ação fundada em direito real ou quando ao tempo da oneração ou alienação
corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo a insolvência.
Segundo ensinamentos de Yussef Said Cahali: “O dolo, a fraude, a simulação
fraudulenta, representam in genere a negação da boa fé, que deve presidir a
celebração e o cumprimento dos negócios jurídicos.”21
A simulação é a figura que mais se aproxima da fraude, embora na simulação
o ato jurídico simulado seja mera aparência, seja a divergência entre a vontade real
e a vontade declarada, pois o que se declara não é realmente a intenção real das
partes, enquanto na fraude não há aparência de se encobrir um negócio diverso. Na
fraude, o que se quer é o esvaziamento patrimonial para prejudicar terceiro.22
Na simulação existe um disfarce jurídico do contrato que as partes celebram,
pois criam, como negócio celebrado, aparência de um contrato que não tinham
intenção de fazer, com objetivo de que terceiros acreditem que o negócio realmente
se celebrou pela vontade real das partes.23
O dolo e a fraude também não se confundem, embora seus conceitos se
aproximem. Segundo nos ensina Yussef Said Cahali, na fraude está presente o
ânimo de prejudicar terceiro que não interveio em determinado contrato, razão pela
qual não está presente o elemento engano, enquanto no dolo o objetivo de induzir
alguém em erro, a fim de que resulte uma enganosa declaração de vontade.24
Assim como na simulação, o dolo gera negócio jurídico anulável25, razão pela
qual a lei oportuniza que a vitima do dolo promova ação judicial para desconstituir o
ato, fazendo prevalecer à situação jurídica anterior. Na fraude, a sentença declara
apenas a ineficácia do ato em relação ao autor/credor, restando proveitoso e válido
21
CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores. 3. Ed. São Paulo: RT, 2000. 22
SALAMACHA, José Eli. Fraude à Execução: direitos do credor e do adquirente de boa-fé/José Eli Salamacha. São Paulo: Editora Revista Dos Tribunais, 2005. 23
“Consiste na simulação em celebrar um ato, que tem aparência de normal, mas que, na verdade, não visa ao efeito que juridicamente deveria produzir. Como em todo negócio jurídico, há aqui uma declaração de vontade, mas enganosa” (Caio Mário da Silva Pereira, V.1 p.460.) 24
CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores. 3. Ed. São Paulo: RT, 2000. 25
“O ato absolutamente nulo já dispõe da categoria de ato processual; não é mero fato como inexistente; mas sua condição jurídica mostra-se gravemente afetada por defeito localizado em seus requisitos essenciais. Compromete a execução normal da função jurisdicional e, por isso, é vício insanável. Diz respeito a interesse de ordem pública, afetando, por isso, a própria jurisdição (falta de pressupostos processuais ou condições da ação). A nulidade relativa ocorre quando o ato, embora viciado em sua formação, mostra-se capaz de produzir efeitos processuais, se a parte prejudicada não requerer sua invalidação. O defeito, aqui, é muito mais leve do que o que se nota nos atos absolutamente nulos, por recair sobre interesse privados do litigante; de modo que o ato é ratificável, expressa ou tacitamente, e, se a parte não postula sua anulação, e apto a produzir toda a eficácia a que se destinou.” Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento: Rio de Janeiro: Forense, 2010.
o negócio jurídico entre as partes contratantes e perante terceiros, que não tenham
sido parte no processo.
1.4. Princípios no processo de execução
Nosso ordenamento jurídico é fundamentado em princípios, introduzindo
valores interessantes para todo o sistema. Por conta disso muitas vezes se sobre
põem a algumas regras jurídicas, estando eles no topo do ordenamento jurídico
norteando a interpretação das leis e muitas vezes servindo para solucionar grandes
litígios de forma básica e direta.26
Para Teresa Arruda Alvim Wambier, os princípios
“(...) desempenham, portanto, além de outros papéis, o
de regras interpretativas, já que, se o ordenamento
positivo, de certo modo, se cria e se estrutura partir de
princípios, a estes deve o intérprete recorrer quando
extrai o sentido da regra positiva, para com isso, dar
coesão, unidade e imprimir harmonia ao sistema”.
(controle das decisões judiciais por meio de recursos de
estrito direito e de ação rescisória. São Paulo: RT, 2001,
p. 58 e 61).
Nesta mesma linha de pensamento José Miguel Garcia Medina entende que
princípios são as guias utilizadas pelo operador do direito para atuar, uma vez que,
26
Os princípios estão previstos em nosso ordenamento jurídico: Constituição federal, art. 5°, § 2° “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados(...)”. CPC: “art. 126. o Juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei”. “No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”. LICC: “art. 4°. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”.
servem não somente para auxiliar o intérprete na formulação da solução correta a
ser aplicada ao caso concreto, como também para integrar lacunas.27
Portanto, os princípios têm como grande característica o seu dinamismo, e
assim tem caráter de norma, pois no momento atual o direito encontra-se em grande
mudança e evolução e muitas vezes as leis são retrogradas tendo o juiz que buscar
fundamentar sua decisão nos princípios, por serem normas fundamentais do
direito.28
Pode-se afirmar ainda que no processo pode ter a aplicação de, não somente
um princípio para fundamentar uma decisão, mas dois ou mais, devendo o juiz
demonstrar a harmonização entre eles. Ainda podemos fazer outra afirmativa, a que
não existe uniformidade na doutrina, acerca de quais sejam os princípios
fundamentais no processo de execução, mas no que tange o assunto deste trabalho,
fraude de execução, podemos enumerar dois principais princípios para a aplicação
conflitante entre o art. 593 do Código de Processo Civil e a Súmula 375 do Superior
Tribunal de Justiça, o princípio da Boa-Fé e o princípio da Responsabilidade
Patrimonial.
1.4.1. Princípio da boa-fé
Conforme o principio da boa-fé, as partes devem proceder com lealdade,
probidade e dignidade durante o processo e na realização de atos jurídicos, Alvino
27
Para Eduardo Arruda Alvim “[...] o núcleo do processo civil brasileiro encontra-se hoje disciplinado
na Constituição Federal de 1988, muito extensamente, daí a importância de se estudarem os
princípios a partir do plano constitucional, pois eles são ao mesmo tempo norma e diretriz do
sistema.” (curso de direito processual civil, v1, p. 105). 28
Uma norma é uma regra que deve ser respeitada e que permite ajustar determinadas condutas ou atividades. No âmbito do direito, uma norma é um preceito jurídico. Regra é uma norma estabelecida por quem quer impor um padrão geral. A palavra principio vem do latim “principium”, que significa, numa acepção vulgar, inicio, começo, origem das coisas. Na ideia de Luís Diez Picazo citado por Bonavides “onde designa as verdades primeiras”, bem como têm os princípios, de um lado, “serviço de critério de inspiração às leis ou normas concretas desse direito positivo” e, de outro, de normas obtidas “mediante um processo de generalização e decantação dessas leis”. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. Ed.São Paulo: Malheiros, 2002, p. 228-229.
Lima, constitui o principio da boa-fé como a regra fundamental das relações tanto na
constituição das obrigações, como na sua execução.
O comportamento das partes no processo deve sempre se pautar pela boa-fé,
pois não é ele um campo de batalha, onde se procura obter a vitória a qualquer
custo, mas o instrumento por meio do qual se busca a justa solução do conflito com
respeito e honestidade.29
O principio da boa-fé pode ser chamado também por principio da probidade
ou principio da lealdade processual. Rui Portanova, em estudo sobre o tema
ressaltou “todos os sujeitos do processo devem manter uma conduta ética
adequada, de acordo com os deveres de verdade, moralidade e probidade em todas
as fases do procedimento”.30
Contudo, a boa-fé das partes é presumida, certo que no processo a violação
dos deveres de lisura e probidade, ocorrendo com dolo ou fraude, remete-se ao
ilícito processual atraindo a sansão da responsabilidade pelo dano. A repressão ao
ilícito é necessária, pois não interessa apenas as partes de um determinado
processo, mas também a interesse público e judicial, tendo em vista que atinge
diretamente a dignidade da justiça. Desta forma, o ordenamento jurídico aos poucos
vem se adequando a tais comportamentos maliciosos, com a finalidade de combatê-
los.
Era notória a necessidade de evolução sistemática das relações jurídicas. A
sociedade se deu conta de que além dos direito individuais, precisavam ser
tutelados os direitos sociais, principalmente os de relações contratuais. Aplica-se ai
o princípio da boa-fé, por conta da complexidade de certos negócios exige que os
pactuantes se comportem com probidade.
Leonardo Greco afirma que:
“[...] o princípio da lealdade ou boa-fé obriga ambas as
partes a se comportarem no processo de execução com
conformidade com a verdade, a somente formularem
pretensões e alegações em que sinceramente acreditem,
a colaborarem com a justiça na consecução dos seus
29
Cais, Frederico F. S., Fraude de Execução, coleção Theotonio Negrão, Saraiva, SP, 2005, p. 126. 30
Princípios do processo civil, 3° edição, Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 1999, Pág 156.
fins e a respeitarem a dignidade humana, o direito de
acesso à justiça e o direito de defesa do seu adversário,
não praticado nem requerendo no processo atos inúteis
ou protelatórios”.31
Podemos definir que há uma grande dificuldade em caracterizar a má-fé. Dai
a aplicação e eficácia do princípio da boa-fé, sendo muito mais simples a
demonstração e caracterização de boa-fé pela parte, e não estando caracterizada
definisse a má-fé. Neste estudo veremos que o principio da boa-fé é amplamente
citado nas decisões judiciais, principalmente pelo Superior Tribunal de Justiça, pois,
embora o art. 593, II, do CPC exija apenas a existência de uma ação em curso, com
citação válida, o estado de insolvência, fruto da alienação ou oneração pelo devedor,
em grande parte as decisões tem este tribunal entendido que, se o terceiro
adquirente estiver de boa-fé, a venda não deve ser considerada fraudulenta.
Estado e partes conjugam esforços no processo para solucionar o litígio.
Enquanto as partes defendem interesses privados, o Estado procura um objetivo
maior que é o da pacificação social, mediante a justa composição do litígio e a
prevalência do império da ordem jurídica. Há, por isso, relevante interesse público
no processo, que não pode ser considerado como atividade privada, e que, assim,
inegavelmente se filia ao direito público. O Estado e a sociedade, de maneira geral,
apresentam-se profundamente empenhados em que o processo seja eficaz, reto,
prestigiado, útil ao seu elevado desígnio. Daí a preocupação das leis processuais
em assentar os procedimentos sob os princípios da boa-fé e da lealdade das partes
e do juiz.
A lei, pois, não tolera a má-fé e arma o juiz de poderes para atuar de oficio
contra a fraude processual (art.129 CPC)32. A lealdade processual é consequência
da boa-fé no processo e exclui a fraude processual, os recursos torcidos, a prova
deformada, as imoralidades de toda ordem. Para coibir a má-fé e velar pela lealdade
processual, o juiz deve agir com poderes inquisitórios, deixando de lado o caráter
dispositivo do processo civil. Prevê o Código os casos em que a parte incorre nas
31
O processo de execução cit. v.1, p. 286. 32
Art. 129. Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes.
sanções da litigância de má-fé, afetando ao juiz o dever de reprimi-la, de oficio ou a
requerimento do prejudicado (art. 16 e 18 do CPC33).34
1.4.2. Princípio da responsabilidade patrimonial
A responsabilidade patrimonial é definida por aquela que recai sobre o
patrimônio do devedor como forma de sanção em uma ação de execução. O
patrimônio do devedor é considerado a totalidade de bens que se encontram sobre
seu poder e propriedade. Logo, como a ação de execução visa à satisfação de um
direito da parte executora este direito sempre recai sobre o patrimônio da parte
executada.
A dívida e a responsabilidade normalmente coincidem. Desta forma, o
obrigado é responsável por que deve, define-se, portanto a regra da
responsabilidade primária.
Ainda existem situações onde na relação entre o obrigado e outras pessoas,
terceiros, que não figuram como sujeitos passivos da execução, mas, que
respondem com seus bens para satisfazer o credor, está situação denomina-se
como responsabilidade secundária.
O art. 592, III, do Código de Processo Civil disciplina a responsabilidade
primária, que o fato do bem estar sobre poder de terceiro não impede que a
execução recaia sobre ele, neste caso o terceiro não se envolverá na relação
jurídica existente a não ser por via reflexa.35
33
Art. 16. Responde por perdas e danos àquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente. Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou. 34
Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2010. 35
O terceiro que tem em seu poder bens do devedor não é responsável primário nem secundário,
porque não terá o patrimônio particular atingido pela execução.
O terceiro possuidor do bem do executado que não é envolvido pela relação
jurídica não será citado, mas sim intimado para ter ciência da condição do bem, e
que por ventura o Juiz determine que deixe a posse, este se prepare
antecipadamente para isso e não seja prejudicado de nenhuma forma.
Na hipótese de responsabilidade patrimonial, o responsável secundário tem
legitimação passiva, mas extraordinária, pois, embora respondam pela obrigação
com seus próprios bens não são os devedores da obrigação.
Aqueles que os bens respondam diretamente pelo cumprimento da obrigação
assumida por outrem terão de ocupar o polo passivo na execução forçada. É o que
ocorre, por exemplo, com o fiador, com o sócio, o cônjuge e qualquer terceiro
prestador de garantia real.
Interessa, no presente estudo, a hipótese do inciso V do art. 592 do CPC,
onde prevê que os bens alienados ou gravados com ônus real em fraude de
execução se sujeitam aos meios executórios e, desta forma podem ser penhorados.
Diferente do CPC de 1939, que fazia referência a bens “alienados ou hipotecados
em fraude de execução” (art. 888, V), a lei em vigor ao tratar da responsabilidade
patrimonial usa a expressão “gravados com ônus real”, portanto amplia o rol das
hipóteses, passando a incluir, além da hipoteca, todos os demais gravames.
Posto tais afirmações podemos diferenciar alguns tipos de responsabilidades,
como as do sócio, as sociedades têm personalidade, obrigações e patrimônios
distintos dos seus sócios ou acionistas.
Em se tratando de responsabilidade dos sócios, primeiramente merece
relevância o da sociedade irregular, no qual, não adquire status de pessoa jurídica,
pois deixou de atender as formalidades legais. Consequentemente a execução pode
ser dirigida diretamente aos seus sócios. Não havendo o que se declarar em
responsabilidade executiva secundária.
Outra hipótese é das sociedades constituídas para, mesmo que regulares,
serem utilizadas de maneira abusiva e fraudulenta por seus sócios, causando
prejuízos a terceiros. Está má utilização da personalidade jurídica da sociedade
possibilita a desconsideração de sua autonomia com a finalidade de seus
administradores e sócios sejam responsabilizados pessoalmente com seus bens.
Além dos casos acima que trata responsabilidade primária no caso de
sociedade irregulares, e responsabilidade secundária, no caso da desconsideração
da personalidade jurídica, há outros tipos como o da responsabilidade executiva
secundária ordinária, em que os sócios podem ser chamados a responder
subsidiariamente, pelas dívidas da sociedade.
Pode-se verificar por tanto que o grau de responsabilidade dos sócios vai
depender do tipo de sociedade em que eles se encontram. Nas de responsabilidade
ilimitada, todos os sócios respondem pelas obrigações sociais e solidárias e
ilimitadamente. Nas de responsabilidade mista, apenas parte dos sócios responde
de forma subsidiaria e ilimitada (sociedade de comandita simples ou por ações). Nas
de responsabilidade limitada, todos os sócios respondem de forma subsidiária
limitada pelas obrigações sociais (sociedade por quotas de responsabilidade limitada
e sociedade anônima).
Na opinião de Humberto Theodoro Júnior, a hipótese de responsabilidade
executiva secundária versada no art. 592 II, diz respeito exclusivamente à
responsabilidade dos sócios solidários por força da natureza da sociedade e não aos
casos de responsabilidade extraordinária, como da desconsideração da
personalidade jurídica, que segundo ele dependem “de prévio procedimento de
cognição e só pode dar lugar à execução quando apoiada em sentença
condenatória contra o sócio faltoso”.36
No mesmo sentido Fábio Ulhoa Coelho opina da seguinte forma “juiz não
pode desconsiderar a separação entre a pessoa jurídica e seus integrantes senão
por meio de ação judicial própria, de caráter cognitivo, movida pelo credor da
sociedade contra os sócios ou seus controladores”.37
Na prática se verifica que os magistrados não agem de forma uniforme,
alguns determinam a penhora dos bens do sócio, de oficio ou a pedido do credor,
sem proferir qualquer decisão entendendo a eficácia do titulo. Tanto nos casos em
que os sócios respondem subsidiariamente pelas obrigações sociais em virtude do
tipo de sociedade como nos casos em que a responsabilidade do sócio surge em
36
Processo de Execução, 19° ed., Leud, São Paulo 1999. P. 189/190 37
Curso de Direito Comercial, vol. 2, 6° Ed. São Paulo, Saraiva, 2003, p 55.
virtude da prática de atos com excesso de poderes e infração da lei, contrato social
ou estatuto.
Em qualquer das hipóteses, fica assegurado ao sócio, ainda que solidário,
invocar o beneficio de ordem, segundo o qual tem ele o direito de ver primeiramente
os bens da sociedade em garantia.
Outro caso relevante é da responsabilidade do cônjuge, disciplina o art. 3° do
Estatuto da Mulher Casada, lei 4121/62, que “pelos títulos de dívida de qualquer
natureza, firmado por um só cônjuge, ainda que casados pelo regime de comunhão
universal, somente responderão os bens particulares do signatário e os comuns até
o limite de sua meação”.
Há casos em que o patrimônio do cônjuge, qualquer que seja o regime de
casamento, responde pelo cumprimento da obrigação do seu parceiro, mesmo que
não tenha contraído a dívida, art. 592, III do CPC, art. 1644 e 1663, § 1° do código
civil.
A hipótese mais comum em que se considera tenha deixado de ocorrer à
incomunicabilidade das dividas assumidas por um só cônjuge é aquela na qual as
obrigações foram contraídas “em beneficio da família”. Jurisprudencialmente tem-se
entendido que há presunção a favor do credor de que a divida ajustada por um dos
cônjuges tenha revertido em proveito da sociedade conjugal.38
38
Não se comunicam as dívidas anteriores ao casamento, mesmo no regime da comunhão universal
(art. 1659, III, do CPC). De igual modo, não se comunicam as dívidas originadas de atos ilícitos (art.
1659, IV do CC), exceto se as mesmas tenham beneficiado o casal.
2 – DIFERENCIAÇÕES ENTRE FRAUDE DE EXECUÇÃO E FRAUDE A
CREDORES
Neste capítulo, temos por finalidade abordar os pontos básicos sobre a
diferença entre fraude de execução e fraude a credores. Contudo, para um melhor
entendimento, cumpre destacar alguns conceitos e definições sobre a fraude contra
credores, e após fazer as devidas distinções.
2.1 – Conceitos básicos
Por diversas vezes o devedor subtrair de seu patrimônio bens, que por força
do principio da responsabilidade patrimonial eram a garantia real do cumprimento de
sua obrigação, causando prejuízo aos seus credores, praticando fraude em relação
a eles.
Para a proteção destes credores o código de processo civil disciplina o
instituto fraude contra credores que, consiste em desconstituir os atos praticados
pelo devedor, após contraído a dívida mesmo antes do inicio do processo.
Para Caio Mário da Silva Pereira, constitui-se fraude contra credores:
“[...] toda diminuição maliciosa levada a efeito pelo
devedor, com o propósito de desfalcar aquela garantia,
em detrimento dos direitos creditórios alheios. Não
constitui fraude, portanto, o fato em si de reduzir o
devedor seu ativo patrimonial, seja pela alienação de um
bem, seja pela constituição de garantia em benefício de
certo credor, seja pela solução do débito preexistente. O
devedor, pelo fato de o ser, não perde a liberdade de
disposição de seus bens. O que se caracteriza como
defeito, e sofre a repressão da ordem legal, é a
diminuição maliciosa do patrimônio, empreendida pelo
devedor com ânimo de prejudicar os demais credores ou
com a consciência de causar dano”.39
Para Sílvio de Salvo Venoza: “(...) é fraude contra credores qualquer ato
praticado pelo devedor já insolvente, ou por esse ato levado à insolvência, em
prejuízo de seus credores”.40
Em nosso sistema jurídico, como estudado neste trabalho, aplica-se o
princípio da responsabilidade patrimonial, que significa que todo o patrimônio do
devedor, pouco importando se os bens ou direitos que o compõem existiam quando
a dívida foi contraída, reponde por ela. Verificamos também que existem poucas
possibilidades onde existem restrições para que alguns bens do devedor não
responda por determinada divida.
Feitos tais afirmações, ocorre que por vezes o devedor subtrai de seu
patrimônio bens que poderiam garantir o cumprimento da obrigação, estando ele em
insolvência ou o deixando nesta situação após tal transferência, trazendo prejuízos a
seus credores em atos fraudulentos. Para coibir tais atos, neutralizando perante o
credor a oneração ou alienação dos bens realizada pelo devedor, nosso
ordenamento jurídico disciplina algumas formas de evitar tais prejuízos aos
credores.
Para Humberto Theodoro Júnior, três são as principais fontes normativas de
repressão à fraude contra credores: o Código Civil, que cuida da Ação Pauliana; a
Lei de Falências, que cuida da revogação dos atos do devedor antes de quebrar, via
ação revocatória e o Código de Processo Civil que prevê a Fraude de Execução.
A doutrina, por unanimidade, considera a fraude contra credores instituto de
direito material, disciplinada no Código Civil, seção VI, do capítulo IV do Título I, livro
III da parte geral, art. 158 a 165.
39
PEREIRA,Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. v.1. 40
Fraude contra credores. Revista da Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas de São Paulo, p. 114.
Portanto, a fraude contra credores consiste em um ato de alienação de bens,
que leva propositadamente o alienante a estado de insolvência, de modo a obstar a
satisfação de um crédito.41
A fraude contra credores e a fraude de execução estão estreitamente ligadas,
pois, aliás, têm a mesma origem histórica, e para que se possa entender uma, faz-se
necessário estudar a outra, razão pela qual, embora o tema alvo do presente
trabalho seja fraude de execução, se faz necessário este breve estudo sobre a
fraude contra credores, tendo em vista que como afirma Yussef Said Cahali, o
“instituto da fraude à execução constitui uma ‘especialização’ da fraude contra
credores”.42
2.2 Requisitos da fraude contra credores
Basicamente são três requisitos que compõem a fraude contra credores. O
primeiro trata da existência de um crédito anteriormente ao ato tido como
fraudulento, o segundo trata da insolvência do devedor em virtude da alienação de
bem de sua propriedade para terceiro e o terceiro é identificado modernamente pela
consciência do prejuízo.
Com relação ao primeiro requisito Pontes de Miranda trata que
“[...] o crédito há de já existir quando ocorre o ato de
disposição. Pode ser ilíquido; pode depender de
liquidação judicial. Se o termo inicial é somente para a
existência pretencional, ou acional, ou de exceção, já
existindo crédito, não há duvida quanto a estar satisfeito
o pressuposto da anterioridade do crédito.”43
41
SALAMACHA, José Eli. Fraude à Execução: direitos do credor e do adquirente de boa-fé/José Eli Salamacha. São Paulo: Editora Revista Dos Tribunais, 2005. 42
CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores. 3. Ed. São Paulo: RT, 2000. 43
Tratado de Direito Privado, Parte Geral, tomo IV, 4° edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1983, pag. 436.
O segundo requisito caracteriza-se pela ocorrência de prejuízo, representado
pela situação de insolvência do devedor. Ocorrendo quando seu patrimônio, que
deveria representar uma garantia para os credores, fica insuficiente a ponto de não
garantir mais o cumprimento da obrigação.
O terceiro requisito compõe-se em fraude, a real intenção de praticá-la, e na
sua ciência, portanto tendo a concordância e cumplicidade por parte do terceiro. Só
quando o terceiro tiver conhecimento da situação de dificuldade financeira do
devedor-alienante é que tem sentido a aplicação de sanção de ineficácia parcial do
ato de alienação e responsabilidade da obrigação do devedor. Vale destacar que o
devedor que deseja obstar a satisfação do crédito, através do seu desfalque
patrimonial, muitas vezes aliena seus bens para uma pessoa de sua confiança.44
2.2.1. Anterioridade do crédito
É imprescindível a existência do crédito ao tempo em que ocorreu o ato
fraudulento contra o credor. Somente os credores que já constituíam crédito naquele
tempo que se praticou o ato fraudulento que podem pleitear sua anulação.
Yussef Said Cahali afirma que a jurisprudência e parte da doutrina
reconhecem que, em situações excepcionais, é afastavél o elemento da
anterioridade do crédito, principalmente quando ocorre fraude predeterminada para
atingir credores futuros.
A anterioridade do crédito é imprescindível para a legitimidade de interposição
de ação Pauliana, que estudaremos em um tópico próprio, ação esta própria para a
anulação de atos fraudulentos em caso de fraude a credores.
44
Cahali – “[...] a intenção de lesar é, sem dúvida, elemento constitutivo da fraude pauliana, mas não é necessária que seja o fim principal do ato impugnado.” (Fraude a Credores, 2° edição, editora Revista dos Tribunais, 1999, Pág. 218).
2.2.2. Eventus damni
Eventus Damni pode ser definido como a prática de ato que diminui o
patrimônio do devedor, prejudicando assim o credor, seja por que ele devedor
tornou-se insolvente ou já estava em estado de insolvência. O dano em si é
decorrente do prejuízo causado pelo ato fraudulento, elemento objetivo de fraude
contra credores cometidos pelo devedor.
Não se trata de limitar o direito de propriedade do devedor, e sim da ampla
disposição de seus bens, enquanto o devedor estiver solvente esse direito livre de
disposição é intocável. Este direito é afetado somente quando ele se tornar
insolvente, para proteger os direitos de seus credores. Levando sempre em conta
que o patrimônio do devedor responde por suas dívidas, quando ele transfere, aliena
ou onera, entende-se que faz sobre bens que não mais lhe pertencem, caso ele
esteja em estado de insolvência.
2.2.3. Consilium fraudis
Elemento subjetivo para a caracterização da fraude a credores, a intenção
fraudulenta e o conhecimento dos danos resultantes da prática do ato, definido como
Consilium fraudis. Este não tem total ligação com o animus nocendi, ou seja, não é
necessário que haja intenção do devedor em causar prejuízo aos credores, por isso,
elemento subjetivo para a caracterização.
Basta que o devedor tenha ou imagine ter ciência do seu estado de
insolvência e da consequência em que este ato lesivo resultará aos credores. Neste
elemento não se exige a figura do terceiro envolvido no negócio, na intenção de
prejudicar, basta apenas o conhecimento que ele tinha no estado de insolvência que
se encontrava o devedor ou no estado que ele ficará após o ato, causando resultado
lesivo aos credores.
Nesse sentido, Washington de Barros Monteiro, também afirma não ser
necessário o propósito deliberado de prejudicar credores. Basta a consciência de
que de seus atos advirão prejuízos.
2.3. Ação Pauliana
Ação Pauliana é o meio pelo qual o credor busca conservar no patrimônio do
devedor determinados bens que são a garantia do cumprimento das obrigações
assumidas por eles. Uma vez caracterizada a fraude contra credores, poderá o
credor propor tal ação para impugnar os atos praticados pelo devedor.
A ação Pauliana tem caráter pessoal e não real. Isto por que se funda em
uma relação jurídica preexistente entre o credor e o devedor e uma relação jurídica
existente entre o credor e o terceiro adquirente.45 Desta forma podemos chegar à
conclusão de que “os credores não têm um direito com garantia real sobre os bens
do devedor”.46
A importância em se definir a natureza da ação decorre da definição da
fixação do juízo competente, tendo em vista que, sendo ela pessoal deve ser
proposta no juízo de domicilio do réu, ainda que a alienação fraudulenta seja de
imóveis, entendimento pacífico da jurisprudência. Ainda, não sendo real, não é
exercitável erga omnes, mas apenas contra quem se aproveitou indevidamente do
ato. Defini CAHALI que “(...) o seu exercício assim não é ilimitado, mas apenas se
dirige contra determinadas pessoas”.47
Desta forma, a lei, com o objetivo de proteger os credores mediante
determinados pressupostos, confere através desta ação, proposta pelo credor, força
de desfazer os atos praticados pelo devedor reestabelecendo sua garantia de
45
Yussef Said Cahali, Fraude a Credores, 2° edição, São Paulo, Revista dos Tribunais 1999, págs. 327 e 334. 46
P.R. Tavares Paes, Fraude contra credores, 3° edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1993, Pág. 39. 47
Yussef Said Cahali, Fraude a Credores, 2° edição, São Paulo, Revista dos Tribunais 1999, págs. 334.
recuperar seu crédito. Resulta-se ai a possibilidade de executar bens alienados ou
onerados em fraude contra credores, pois a ação pauliana não tem por objetivo
satisfazer o crédito diretamente.
A fraude contra credores, também chamada de fraude pauliana, ocorre
quando há frustração do princípio da responsabilidade patrimonial que, segundo
este, define os bens do devedor que respondem por suas dívidas.
Tem por legitimo a propor a ação pauliana credores que já o eram ao tempo
dos atos fraudulentos, bastando que exista o crédito, não tendo necessidade que
está esteja vencida.
Contudo, além da existência de tal crédito, o credor deverá pertencer à
categoria de credores quirografários, ou seja, fica defeso aos credores com garantia
real intentar ação pauliana. Entretanto, é admitida a propositura da ação pauliana
pelo credor com garantia real, desde que esta garantia se torne insuficiente para
satisfação de seu crédito, tudo conforme disciplina o art. 158 do código civil.48
Estes argumentos ficam mais claros com a consideração de Sílvio Rodrigues,
pois para ele:
“(...) os credores posteriores aos atos de transmissão de
bens pelo devedor insolvente já encontram seu
patrimônio desfalcado, razão pela qual não podem
reclamar contra uma situação conhecida, ou que só
desconheciam porque foram negligentes quando da
realização do negócio jurídico com o devedor.” (Direito
civil cit. v. 1, p.236).
Em relação à legitimidade passiva, a ação poderá ser proposta contra o
devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada
fraudulenta, ou terceiros adquirentes que tenha procedido de má-fé (art. 161 do CC).
Embora a lei utilize o termo “poderá”, o entendimento é que a ação deve ser
proposta contra o devedor insolvente e contra quem o bem estiver na posse e
48
RODRIGUES, Sílvio. Dos Vícios do consentimento 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 1989.
propriedade, que se quer reaver, ou ainda contra o terceiro beneficiado, quando se
tratar em remissão da dívida ou dada em garantia em penhor ou hipoteca. 49
A configuração da fraude contra credores decorre de três elementos, um
crédito anterior ao ato tido como fraudulento; o eventus domni, ato que prejudica o
credor, seja pela insolvência do credor da época do ato, ou pela prática deste ato ter
o levado a insolvência; e do consilium fraudis, que nada mais é que a má-fé, a
intenção de prejudicar terceiro.
Os efeitos desta ação continuam sendo matérias de grandes debates nas
doutrinas, pois decorrente da razão do legislador pátrio, manter fielmente aos direito
romanos, e ter utilizado no Código Civil de 1916, cuja redação foi mantida no art.
165 do atual CC, o termo “anulável”, ou seja, proposta e julgada procedente a ação
pauliana, serão “anulados os negócios fraudulentos, e a vantagem resultante
reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de
credores”.
A moderna doutrina não acompanha o legislador do Código Civil, pois não
considera anulável o ato praticado em fraude contra credores, mas entende que a
sentença declara apenas a ineficácia relativa desse ato fraudulento, em benefício do
credor que agiu judicialmente. No mesmo sentido pensa Gelson Amaro de Souza,
que na fraude contra credores, em prevalecendo a letra da lei, o ato deveria ser
anulado, e o resultado da ação seria a reintegração dos bens fraudados ao
patrimônio do devedor insolvente, beneficiando o próprio fraudador.50
Poderia o devedor ser beneficiado, por exemplo, caso o crédito do autor da
ação pauliana não viesse a ser executado, ou mesmo que fosse executado, o
devedor através dos embargos à execução obtivesse o reconhecimento da
prescrição ou da extinção da obrigação. Cândido Rangel Dinamarco se manifesta
afirmando que, se o ato fosse efetivamente anulado, criaria situações injustas,
castigando o comprador além daquilo a que se visa com o instituto da fraude contra
credores, de outro lado trazendo um beneficio ao devedor fraudador.
49
Neste sentido é o entendimento, entre outros, de Yussef Said Cahali, Sílvio Rodriguês, Washington de Barros Monteiro e Alvino Lima que opinam no sentido de que a revocatória deve ser proposta “contra o devedor e o Terceiro cúmplice da fraude”. 50
Fraude a Execução...
Tem prevalecido na doutrina e na jurisprudência a ineficácia parcial do ato
fraudulento em relação ao credor, frustrando sua garantia, conseguindo a penhora
do bem objeto da fraude e obtendo o pagamento da dívida do devedor fraudulento.
Nesse mesmo sentido já se manifestava Enrico Tullio Liebman ao se referir aos
efeitos da fraude contra credores, afirmando que:
“[...] se olharmos para seus efeitos sem nos deixar
influenciar pela tradição histórica, veremos que eles
consistem simplesmente em permitir que a execução
recaia nos bens alienados em fraude, na medida que for
necessário para evitar prejuízo dos credores, e isso não
porque esses bens tenham voltado ao patrimônio do
alienante, ora executado, e sim apesar de se
encontrarem no patrimônio do terceiro adquirente”.51
Diante de todo o exposto, acontece o restabelecimento da propriedade dos
bens ao devedor alienante, mas somente a consideração desse bem como garantia
da dívida, podendo ser alcançado pela execução. A ineficácia do ato na ação
pauliana não beneficia outros credores que, sentindo-se lesados, deverão também
obter judicialmente a declaração de ineficácia do ato realizado em fraude contra
credores.
2.4. Ato atentatório a dignidade da justiça
Em nosso Código de Processo Civil a previsão legal do ato atentatório à
dignidade da justiça, previsto no art. 600, I, ato do devedor que frauda a execução.
Diante disso, o ato do devedor que frauda a execução foi adicionado no inciso
I do art. 600 CPC, como um dos atos considerados atentatórios a dignidade da
justiça. Na fraude de execução, é atingida a própria atividade jurisdicional, conforme
51
Processo de execução cit., p. 106.
Jônatas Milhomens e Geraldo Alves “obste–se o exercício, pelo Estado, do poder de
intervir no patrimônio do devedor, para a realização prática do direito do credor”.52
Ainda neste sentido, Luiz Guilherme Marinoni “A fraude à execução, a
oposição maliciosa à execução, a resistência às ordens judiciais e não indicação de
bens à penhora e de seus respectivos valores constituem atos atentatórios à
dignidade da justiça”.53
Portanto, a fraude de execução atenta contra a ordem pública dificulta a ação
da justiça e fere a autoridade do Poder Judiciário. Agindo desta forma o devedor, na
prática da fraude de execução o legislador tem o dever de inter sanções ao devedor
fraudador, além de ser um ilícito processual e Penal, implica em ato contra a
dignidade da Justiça.
Uma destas sanções está prevista no art. 601 do CPC, que fixa uma multa ao
devedor em um montante não superior a 20% do valor atualizado do débito em
execução, sem o prejuízo de outras sanções que ele venha a sofrer. A penalidade
pecuniária foi introduzida no Código de processo civil pela Lei 8.953 de 13/12/1994,
e será calculada com base no valor da execução revertendo o beneficio ao credor.
Para Manoel Antônio Teixeira Filho, a multa pode ser imposta tantas vezes quanto
forem os atos em que o devedor atentar contra a dignidade do Poder Judiciário,
sendo cada uma delas limitada em até vinte por cento do valor atualizado da dívida
em execução.54
É importante fazer uma distinção para que não seja confundindo a “fraude à
execução” do art. 600, I, com a alienação de bens em fraude à execução prevista no
art. 592, V, e 593. Explica-se que fraudam a execução não apenas os atos de
alienação ou oneração previstos no art. 593, mas “outro qualquer expediente capaz
de frustrar a execução, como, por exemplo, a ocultação de bens móveis sem aliena-
52
MILHOMENS, Jônatas; ALVES, Geraldo Magela. Manual das Execuções. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 121. 53
Marinoni, Luiz Guilherme. Código de processo civil comentado artigo por artigo 2. Ed. Rev. Atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. 54
Execução no processo do Trabalho, p.264.
los”.55 Isto porque o verbo fraudar de que trata o art. 600, I, está empregado como
sinônimo de frustrar, baldar, inutilizar, malograr, tornar sem efeito.
A fraude, no caso, deve ser tomada no sentido mais amplo, “mas será ela
considerada ilícito processual apenas quando possa ter eficácia prática, como
alienação de bens que, facilmente, são conduzidos e desaparecidos”.56
Ainda que possa parecer desnecessária tal aplicação da multa do art. 601,
para os casos de fraude que trata o art. 593, considerando que tais atos já são
considerados ineficazes e nulos em face do credor, Zavascki atribuiu à relevância da
norma em razão de que a simples cominação de tal ineficácia estabelecida no plano
jurídico formal, nem sempre corresponde a uma efetiva viabilidade material de
submeter o bem aos efeitos do processo executivo, como ocorre na alienação
fraudulenta de bens móveis repassados a adquirentes incertos, haja vista que estes
bens dificilmente serão reconduzidos à origem.57
Desta forma, podemos definir que a aplicação da multa tem natureza de
medida objetiva de educar o devedor, dissuadindo-o a praticar atos que venham a
tornar sem efeitos a execução, além de ser uma maneira de restaurar a autoridade e
dignidade da função jurisdicional.
A fraude de execução não prejudica somente a parte, e somente uma multa
como sanção seria muito branda, portanto a outras formas de penalizar o devedor
que pratica tal ato. O ato de fraude à execução não atinge somente o credor, através
do ato atentatório a dignidade da Justiça este atinge também o Estado, que não
consegue se desobrigar de cumprir o dever jurisdicional, neste sentido o devedor
que pratica tal ato fere o interesse público, pois cria óbices à norma realização da
função jurisdicional.
Por está razão o ato que frauda à execução é conduta tipificada como crime
capitulado no art. 179 do Código Penal, inserido no titulo “Dos crimes contra o
patrimônio”. Tratando-se de uma consequência extraprocessual de fraude a
execução. Conforme dispõem o art. 179 do CP, comete o delito aquele que fraudar
55
CASTRO, Amílcar de. Do procedimento de Execução. 2. Ed. Obra atualizada e revisada por Stanley Martins Frasão e Peterson Venites Komel Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 2000. 56
SANTOS, E. 2003, v.2, p. 301 57
ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
execução, alienando desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando
dívidas. A pena prevista para o devedor e autor do delito é de seis meses a dois
anos de detenção ou multa.
A fraude de execução, tanto no direito processual civil como no direito penal
tem o objetivo jurídico à proteção dos direitos do credor, e arguida à fraude, entende
Montenegro Filho ser dever do magistrado que preside o feito determinar a extração
de peças ao representante do Ministério Público, por força no disposto no art. 40, do
CPP, quando houver indícios do cometimento do crime.58
Mas a falhas na legislação, ainda que o art. 179 tipifique a fraude à execução
como crime, em nenhum momento define o que vem a ser “fraude à execução”,
desta forma a norma é incompleta. Contém a sanção, mas não descreve os
elementos do tipo que somente são encontrados na norma processual civil, tratando-
se assim de uma norma penal em branco. Necessário se faz a utilização da
legislação extrapenal para se chegar ao elemento tipo penal. Observa Magalhães
Noronha que “a extensão da fraude à execução deve ser dada pelo Direito
Processual Civil, pois seria indefensável punir-se como fraude à execução o que
este não considera como tal”.59
Na legislação, é possível localizar esse delito tanto no rol de crimes contra a
propriedade e o patrimônio quanto no rol dos crimes contra a administração da
justiça.60
Ao contrário do que ocorre para caracterização da fraude à execução no
processo civil, para a configuração do crime, se faz necessário à existência do dolo,
consistente na vontade de alienar, desviar, destruir ou danificar bens, ou simular
dívidas, exigindo-se, ainda que as condutas tenham sido realizadas a fim de fraudar
a execução e que o sujeito ativo conheça a existência da lide.61
Não haverá delito se o comportamento não afetar o patrimônio do devedor.
Conforme Nucci no núcleo de tipo penal “está presente, sempre, a fraude, de modo
58
MONTENEGRO FILHO, Misael, Curso de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2005, v.2., p.374 59
MAGALHÃES NORONHA, Direito Penal. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 1973, v. 2, p. 471. 60
PRADO. Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, v.2 p. 609. 61
JESUS, Damásio E. de. Código penal anotado. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p, 584.
que o credor, ao alienar parte de seus bens, por exemplo, durante um processo de
execução, restando quantidade suficiente para satisfazer o débito, não comete o
delito”.62
A ação penal é privada, procedendo-se mediante queixa-crime (CP art. 179, §
único), no prazo de seis meses, contando da data do conhecimento do fato,
conforme art. 38 do Código de Processo Penal e art. 105 do Código penal.
Entretanto se o crime for cometido em detrimento da União, Estado ou Município, a
ação é pública incondicionada nos termos do art. 24, § 2°, do código de Processo
Penal.
2.5. Diferenciação entre fraude de execução e fraude a credores
A fraude contra credores é toda diminuição maliciosa levada a efeito pelo
devedor, com o propósito de desfalcar aquela garantia, em detrimento dos direitos
creditórios alheios. Bem como podemos definir fraude a execução como uma
derivação da fraude a credores, instituto de direito público inserido no direito
processual civil, com a finalidade de coibir e tornar eficaz a prática de atos
fraudulentos de disposição ou oneração de bens, de ordem patrimonial, levados a
efeito por parte de quem figura no polo passivo de uma relação jurídica processual,
visando impedir a satisfação da pretensão deduzida em juízo por parte do autor da
demanda configurando atentado à dignidade da Justiça, cuja atividade jurisdicional
já se encontrava em pleno desenvolvimento. 63
A fraude contra credores e a fraude de execução apresentam grandes
semelhanças e diferenças, a começar por sua origem, como já tratado neste
trabalho, tem origem no direito romano e buscam a garantia de satisfação dos
credores, mediante a ineficácia dos atos fraudulentos praticados pelos devedores.
62
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.522. 63
OLIVEIRA NETO, Olavo de. O reconhecimento judicial da fraude de execução. In Execução civil: aspectos polêmicos. São Paulo: Dialética, 2005.
A primeira distinção trata que a fraude a credores e um instituto de direito
material, tratada no Código Civil, tendo por decretação ação própria, a ação
pauliana, enquanto a fraude de execução é instituto de direito processual, regulada
pelo Código de Processo Civil. A fraude de execução pressupõe a existência de uma
ação, razão pela qual pode ser declarada no próprio processo não tendo
necessidade de ação própria.
Na fraude de execução ocorre a violação da função processual executiva e,
portanto, os interesses molestados são ditos como de ordem pública. Já a fraude
contra credores apresenta-se como defeito dos atos jurídicos, implicando a lesão de
interesses privados.
Sobre o tema, a lição de Amícar de Castro:
“[...] é que a norma de direito privado supõe,
essencialmente, a igualdade dos interesses particulares
em conflito, enquanto a de direito público funda-se na
ideia de desigualdade, e o principio dominante é o de,
em regra, prevalecer o interesse publico, seja qual for. E
se, como já ficou visto, o Estado tem interesse em
realizar o direito; tem interesse de fazer justiça
rapidamente, e que dai se segue é que a fraude à
execução não pode deixar de ser regulada pelas normas
do direito público, do direito processual (substancial),
visto que não há somente interesses particulares em
conflito, como acontece no caso de fraude contra
credores; há também interesse público, e este, em
qualquer hipótese, deve prevalecer. Evidentemente, o
direito processual é que deve definir a fraude contra
execução, estabelecendo as condições em que as
alienações dever ser tidas como nulas.” 64
Para Teori Albino Zavascki:
“[...] na fraude à execução ocorre à ineficácia primária,
cujo resultado imediato é a sujeição do bem aos atos de
execução, como se não tivesse existido qualquer ato a
64
CASTRO, 1974, P.65
disposição ou gravame, cabendo ao terceiro adquirente
ou beneficiado com o ato fraudulento defender seus
interesses através de ação autônoma contra o devedor
alienante. Já na fraude contra credores, a ineficácia é
sucessiva, ou seja, o negócio jurídico fraudulento é
eficaz e assim permanece até que o ato seja
desconsiderado por sentença na ação pauliana, que
deverá ser proposta pelo credor prejudicado.”65
A fraude a Execução determina a ineficácia do ato de alienação ou oneração,
a fraude contra credores é causa de anulação, segundo dispõe o art. 158, do CC. O
negócio jurídico que frauda e execução, diversamente do que se passa com o que
frauda credores, gera pleno efeito entre alienante e adquirente. Apenas não pode
ser oposto ao exequente. Assim, a força da execução continuará a atingir o objeto
da alienação ou oneração fraudulenta, como se estas não tivessem ocorrido.66
A fraude de execução decorre simples submissão de bens de terceiro à
responsabilidade executiva. O adquirente “não se torna devedor e muito menos
coobrigado solidário pela dívida exequenda. Só os bens indevidamente alienados é
que se inserem na responsabilidade que a execução forçada faz atuar, de sorte que,
exauridos estes, nenhuma obrigação ou responsabilidade subsiste para o terceiro
que os adquiriu do devedor”.67
Entretanto, a fraude contra credores é vicio de negócio jurídico e, é causa de
anulabilidade do ato, na demanda competirá ao credor provar a insolvência do
devedor e o concerto fraudulento com o terceiro, anulando o negócio e reintegrando
o bem no patrimônio.
Ainda Zavascki entende que a fraude de execução “pode ser considerada
uma especialização da fraude contra credores e se caracteriza pela maior gravidade,
já que o ato fraudulento de alienação ou oneração de bens se dá quando já há em
curso uma demanda judicial contra o proprietário”,68 neste caso, a fraude adquire
superlativa gravidade, uma vez que, conforme salienta Araken de Assis “o eventual
65
Ob. Cit. v.8 p.273. O autor também é um dos que sustentam que na fraude contra credores não há anulabilidade do negócio, mas que “é hipótese de ineficácia relativa, ou seja, de inoponibilidade do negócio em relação a certos credores apenas” (p. 274) 66
THEODORO JUNIOR, 2005, v.2, p. 127. 67
THEODORO JUNIOR, 2005, v.2, p. 128. 68
ZAVASCKI, 2000, v.8, p.272
negócio não agride somente ao círculo potencial de credores. Ele compromete,
paralelamente, a própria efetividade da atividade jurisdicional do Estado, reclamando
reação mais severa e lesta”.69
Sobre o tema, a lição de Enrico Tullio Liebman:
“A fraude toma aspectos mais graves quando praticada
depois de iniciado o processo condenatório ou
executório contra o devedor. É que então não só é mais
patente que nunca o intuito de lesar os credores, como
também a alienação dos bens do devedor constitui
verdadeiro atentado contra o eficaz desenvolvimento da
função jurisdicional já em curso, porque lhe subtrai o
objeto o qual a execução deverá recair. Por isso, ainda
mais eficaz se torna a reação da ordem jurídica contra o
ato fraudulento. Sem necessidade de ação especial,
visando destruir os efeitos prejudiciais do ato de
alienação, a lei sem mais, nega-lhes reconhecimento.
Isto é, o ato de alienação, embora válido entre as partes,
não subtrai os bens à responsabilidade executória; eles
continuam respondendo pelas dívidas do alienante,
como se não tivessem saído do seu patrimônio.” 70
Vale ressaltar como diferença o requisito do “consilium fraudis”, exigido para
configuração da fraude contra credores, quando se trata de negócios jurídicos
onerosos, e dispensado na fraude de execução. É que aquela fraude esteia-se no
conhecimento prévio do estado de insolvência do devedor por parte do terceiro que
com ele encerrou o negócio, sendo, pois, o mencionado requisito seu “elemento
moral, subjetivo, que lhe sopra vida do lado do ‘eventus damni’”. Na fraude a
execução, dada à gravidade da situação, consubstanciada na afronta ao poder
jurisdicional do Estado, o legislador, em prol do interesse público, optou por
prescindir do requisito subjetivo da boa fé do adquirente, relativamente ao
69
ASSIS, 2004, p.272 70
LIEBMAN, 1986, P.108
conhecimento do estado de insolvência do devedor. Inexistente, portanto, o
“consilium fraudis” como pressuposto para configuração da fraude de execução.71
Neste ponto para Pontes de Miranda, “[...] é preciso que não intrometa no
assunto da fraude à execução o elemento da culpa, nem tampouco, do lado do
adquirente, o elemento da má-fé.”, pois, “[...] toda indagação da má-fé é entranhada
à concepção do instituto, em qualquer dos incisos do art. 593”.72
Entretanto, adverte Yussef Said Cahali “[...] que a malicia, a má-fé, encontra-
se insita nas duas modalidades de conduta fraudulenta.” O elemento subjetivo
participa da essência de ambas as modalidades de fraude, diferenciando-se sobre
este aspecto apenas enquanto à gravidade e eventual dispensa da respectiva
prova.73
Para Cahali, interpretando a lição de Liebman, o que está dispensado na
fraude à execução é a prova do elemento subjetivo da fraude, e não do requisito
propriamente dito. E deste entendimento também não diverge José Frederico
Marques, afirmando que “a fraude pauliana exige o consilium fraudis, enquanto na
de execução a fraude está in re ipsa”.74
Conclui-se que tanto a fraude contra credores como à fraude de execução
compreendem atos de disposição de bens ou direitos em prejuízo de credores, mas
a diferença básica, conforme a corrente ortodoxa que entende pela anulação dos
atos em fraude contra credores, é a seguinte: a) a fraude contra credores pressupõe
sempre um devedor em estado de insolvência e ocorre antes que os credores
tenham ingressado em juízo para cobrar seus créditos; é causa de anulação do ato
de disposição praticado pelo devedor e depende de ação própria para seu
reconhecimento, b) a fraude de execução não depende, necessariamente, do estado
de insolvência do devedor e só ocorre no curso de ação judicial contra o alienante; é
causa de ineficácia da alienação e pode ser declarada incidentalmente no próprio
processo de execução ou em embargos de terceiro.75
71
Mário de Aguiar Moura, “Fraude de Execução pela insolvência do devedor” in RT n. 509, março de 1978, pág. 299. 72
PONTES DE MIRANDA, 2002, v.9, p. 341. 73
CAHALI, 1999, p. 97 74
MARQUES, 1997, v.4, p. 75. 75
THEODORO JUNIOR, 2005, v.2, p. 129, e no mesmo sentido: ASSIS, 2004ª, p. 244-245.
Para o encerramento do tópico vale ressalta uma das principais diferenças e
se não, a mais importante, nos ensinamento de Cândido Rangel Dinamarco, que
apresenta como fundamental diferença entra a fraude contra credores e a fraude de
execução “o ultraje que a segunda contém, e a primeira não, à dignidade da Justiça
e a rebeldia que significa à autoridade estatal exercida pelo Poder Judiciário”. Este
pensamento se justifica no sentido de que a fraude é muito mais grave quando
praticada ante a existência de um processo contra o devedor, pois, além de causar
prejuízo aos credores, a disposição dos bens do devedor insolvente constitui
verdadeiro atentado contra a atividade jurisdicional do Estado.
3 – CARACTERIZAÇÃO DA FRAUDE DE EXECUÇÃO SEGUNDO O ART.
593 DO CPC E A APLICABILIDADE DA SÚMULA 375 DO STJ
Neste presente capitulo será tratado primeiramente à aplicabilidade, função e
características do art. 593 do Código de Processo Civil e a súmula 375 do Superior
Tribunal de Justiça. Em seguida será realizado um estudo sobre o terceiro
adquirente de boa-fé, tendo em vista que este é parte principal em um processo de
fraude a execução. Ainda será tratado sobre a efetiva caracterização de fraude e
seus requisitos, suas aplicações legais e decisões ressentes. Por fim para o
fechamento do trabalhado faremos a diferenciação entre a aplicabilidade da fraude a
execução com a aplicação do art. 593 do CPC e a súmula 375 do STJ com base
principalmente em julgados e em suas características principais.
3.1. O Art. 593 do CPC e sua aplicabilidade
Como parte deste estudo sobre a caracterização da fraude de execução,
tendo em vista os dispositivos constantes em nosso ordenamento jurídico,
primeiramente se faz necessário o estudo sobre o art. 593 do Código de Processo
Civil e seus incisos, de forma mais detalhada.
Para uma melhor localização a respeito do tema, transcrevemos por completo
o art. 593 e seus incisos:
Art. 593. Considera-se em fraude de execução a
alienação ou oneração de bens:
I - quando sobre eles pender ação fundada em direito
real;
II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria
contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à
insolvência;
III - nos demais casos expressos em lei.
O art. 593, I, do CPC, considera em fraude de execução a alienação76 ou
oneração de bens quando sobre eles pender ação fundada em direito real. Apenas
para ressaltar, o texto é muito semelhante ao tratado no art. 592, I, do CPC, no qual
ficam sujeitos à execução os bens do sucessor a titulo singular, em caso de
execução de sentença proferida em ação fundada em direito real.
O texto do art. 592 trata sobre a existência de bens que, mesmo estando fora
do patrimônio do devedor, ficarão sujeitos à execução, desde que esta esteja
fundada em titulo judicial. Mas não são todos os bens daquele sucessor que serão
atingidos, somente os que foram objeto da sentença para o pagamento de quantia
certa e entrega de coisa certa.
Desta forma tratamos da ineficácia da alienação ocorrida após a sentença,
independentemente da forma que fora efetuada está transferência dos bens, não
tendo consideração se fora feita através de negócio jurídico oneroso ou gratuito,
inter vivos ou decorrente de falecimento do proprietário dos bens que existia a
pendência da ação fundada em direito real.77
Vale destacar que nada inibe a atividade executiva do credor, atingindo
inclusive, a alienação de coisa litigiosa realizada entes de proferida a sentença, por
força do art. 42, § 3° do CPC, que incide na execução em razão do disposto no art.
598 do CPC, dos quais vejamos:
Art. 42. A alienação da coisa ou do direito litigioso, a
título particular, por ato entre vivos, não altera a
legitimidade das partes.
§ 3o A sentença, proferida entre as partes originárias,
estende os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário. 76
Alienação é a transferência do domínio de coisa ou gozo para outrem, passar a outra pessoa o domínio ou gozo de determinado bem. Existem algumas espécies de alienação, as principais para este trabalho são a compra e venda, em que o vendedor aliena seu bem, transferindo-se o domínio do bem mediante o pagamentos de certa quantia ao comprador, e a espécie de alienação por doação, em que o doador transfere seu bem ao beneficiário à titulo gratuito, ou seja, sem que essa transferência seja onerosa. 77
Medina, José Miguel Garcia, código de processo civil comentado, 2° ed. Rev. Atual e ampl. – São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2012.
Art. 598. Aplicam-se subsidiariamente à execução as
disposições que regem o processo de conhecimento.
Portanto, fica claro que no art. 593, I, do CPC ocorre a antecipação da
proteção de sequela, fazendo a ineficácia atingir mesmo nas alienações verificadas
antes do julgamento definitivo da causa. O ato da fraude é produzido anteriormente
à sentença, pois considera fraudulenta a alienação no curso do processo de
conhecimento.78
Para Cândido Rangel Dinamarco, a alienação ou oneração de bens quando
pendente ação fundada em direito real diz respeito a uma execução para entrega da
coisa, razão pela qual a ineficácia atinge mais intensamente o ato e, “em caso de
procedência da demanda em que o alienante é réu, naturalmente há de prevalecer
esse direito sobre o de quem adquiriu a non dominio”.79
Pela norma do referido artigo aqui analisado não há o que se discutir sobre a
insolvência ou não do devedor. Não importa que o devedor tenha outros bens, livres
e desembaraçados, a fraude a execução já estará configurada, pois como se trata
de ação fundada em direito real, só interessa ao autor o bem que trará sua
satisfação. Tendo por consequência a ineficácia do ato, a alienação da coisa litigiosa
será válida entre as partes que participaram do negócio jurídico, julgada procedente
a ação fundada em direito real, ineficaz será a transferência ou oneração em relação
ao autor daquela.
Em relação aos bens móveis “Ressalvadas as hipóteses de contratos de
compra e venda com reserva de domínio e de alienação fiduciária em garantia, que,
levados a registro, adquirem eficácia ou oponibilidade erga omnes, não a previsão
legal especifica quando a providência necessárias, relacionadas com a litigiosidade
da coisa móvel, e tendentes à preservação da fraude à execução”.80
78
SALAMACHA, José Eli. Fraude à Execução: direitos do credor e do adquirente de boa-fé/José Eli Salamacha. São Paulo: Editora Revista Dos Tribunais, 2005. 79
Execução civil cit., p. 279. Na mesma obra, Dinamarco complementa afirmando que, “[...] se a ação for fundada em direito real de propriedade (reivindicatória ou usucapião) e vier a ser julgado procedente dono será, e como tal declarado em sentença, o autor da demanda e não o adquirente.” (p. 280). 80
Segundo os ensinamentos de Yussef Said Cahali, b. cit., pág. 414.
Como visto acima o art. 593, II, do CPC não tem a mesma visão do inciso I,
agora não há a especificidade, a lei previu que a fraude de execução mediante a
oneração ou alienação de quaisquer bens, desde que pendente uma demanda,
acrescentando que também é necessário que decorra, deste ato, a insolvabilidade
do alienante, causando a frustração da execução, por consequência, a satisfação do
direito do credor. Por obvio a aplicabilidade deste inciso é mais frequente na prática
forense e requer a demonstração de seus requisitos.81
Humberto Theodoro Júnior defende a posição segundo a qual, para que se
configure a fraude à execução tipificada no inciso II do art. 593 do CPC, deverão
estar presentes os seguintes requisitos: a) que a ação já tenha sido ajuizada; b) que
o adquirente, ou beneficiado com a oneração do bem, tenha ciência da demanda,
seja em função de que há dela registro público, seja mediante outra forma
inequívoca; c) que a alienação ou oneração dos bens seja capaz de reduzir o
devedor alienante à insolvência, militando em favor do credor a presunção relativa
(júris tantum).82
Em relação ao primeiro requisito de existência de ajuizamento da demanda,
deve este ser interpretado em conformidade com o entendimento que predomina na
doutrina e jurisprudência, ou seja, para se configurar fraude de execução, além do
ajuizamento da ação, deverá ter ocorrido citação válida na demanda83, com ressalva
de Cândido Rangel Dinamarco no sentido que, se o credor efetuar prova de que o
devedor tinha efetiva ciência da demanda, configurada estará à fraude de execução,
mesmo que não se tenha formalizado o ato de citação no processo.84
O segundo requisito exige que na alienação onerosa em fraude à execução,
além do elemento objetivo, esteja presente o elemento subjetivo, que é a ciência
efetivou presumida pelo terceiro adquirente da existência da demanda contra o
devedor alienante. É a chamada presunção júris tatum, em beneficio do adquirente,
embora haja quem defenda, que a presunção relativa deva incidir em beneficio do
81
Demanda significa a propositura de uma ação judicial, um litígio ou pleito. Insolvabilidade significa o estado de uma pessoa ou de uma sociedade que não tem meios de fazer em face de seus compromissos, de pagar suas dividas. 82
A fraude à Execução cit., RePro 102/84 83
Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda
quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. 84
Execução Civil, cit., pág. 283
credor, e não do adquirente, cabendo a este a prova de que não tinha conhecimento
da demanda.
O terceiro requisito que trata Humberto Theodor Júnior é a insolvabilidade do
devedor, é a prova do prejuízo do credor da falta ou insuficiência de outros bens no
patrimônio do executado. Não mantendo o devedor em seu patrimônio a quantidade
de bens necessários para garantir suas dívidas, caracterizada estará à insolvência e,
por consequência, configurada a fraude de execução em relação aos últimos bens
alienados ou onerados até que sejam suficientes para garantia dos credores.
Neste inciso também temos a presunção relativa em benefício do credor, que
nada difere do que já vimos no inciso I, podendo ser declarada de imediato a fraude
a execução. Justifica-se essa presunção, pois, a praxe comercial moderna
recomenda que qualquer adquirente de imóvel, além de obter certidões negativa de
ônus no registro imobiliário, deve obter na comarca onde se situa o bem alienado e
no domicilio do alienante, certidões negativas e positivas, no mínimo, junto aos
cartórios distribuidores da justiça comum cível, estadual e federal, em que constará
a existência de eventuais demandas. Essa presunção se acentua ainda mais se o
ato de alienação ou oneração vier a ser praticado na data próxima em que ocorreu a
citação do devedor na ação fundada em direito real.85
Da mesma forma a praxe comercial recomenda que o terceiro adquirente
busque quando o alienante for pessoa jurídica certidões relacionadas a justiça
federal do trabalho, fazenda nacional, estadual e municipal, INSS e FGTS, onde
pode-se apurar débitos vencidos e não pagos. Caso o adquirente seja negligente,
não tomando todos os cuidados, mínimos, para assegurara a garantia do negócio
que está realizando, devem arcar com a consequência de sua falta de cuidado.
Bem como também aqui existente a presunção relativa em beneficio do
adquirente, ocorrerá essa presunção quando a demanda não ocorrer na mesma
comarca em que se localizar o bem alienado ou onerado a terceiro, ou na mesma
comarca em que se localizar o imóvel penhorado ou quando for diferente do
domicilio do alienante.
85
SALAMACHA, José Eli. Fraude à Execução: direitos do credor e do adquirente de boa-fé/José Eli Salamacha. São Paulo: Editora Revista Dos Tribunais, 2005. PENÃ, Ricardo Chemale Selistre, Fraude à Execução – Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2009.
Essa presunção somente desaparecerá se o credor provar o contrário,
somente se configurará a fraude se o credor provar que, em face das circunstâncias
o adquirente tinha condições de saber da demanda pendente ou do estado de
insolvência do devedor alienante.
Parece mais razoável essa solução uma vez que, protegendo apenas a boa-
fé do adquirente cauteloso, e não a do adquirente negligente, que não tomou
nenhuma cautela ao realizar o negócio jurídico, como exige a vida moderna. Não
parece acertada a penalização exclusiva do credor, de lhe deixar o ônus da prova de
que o adquirente tinha conhecimento ou condições de ter conhecimento da
insolvência ou da demanda pendente contra o alienante devedor.86
Por fim em nossa análise inciso por inciso do art. 593 temos o III, que trata do
reconhecimento de fraude de execução em outros casos previstos em lei, a doutrina
apresenta estes casos.
O primeiro deles é da quitação de crédito penhorado, previsto no art. 672, §3°,
do CPC, que dispõem: “se o terceiro negar o débito em conluio com devedor, a
quitação, que este lhe der, considerar-se-á em fraude de execução”.
Como decorrência dessa norma processual Yussef Said Cahali entende que
não serão apenas a quitação de débito ou o pagamento feito pelo terceiro devedor
ao credor primitivo que serão atingidos pela ineficácia em razão da fraude à
execução, mas também eventual endosso feito pelo executado/devedor primitivo.87
Feito tais considerações a respeito do Art. 593 e sua aplicabilidade, se faz
necessário o estudo detalhado da aplicabilidade da súmula 375 do STJ, para assim
localizar melhor o leitor ao entendimento do assunto abordado neste trabalho.
3.2. A súmula 375 do STJ e sua aplicabilidade
86
PENÃ, Ricardo Chemale Selistre, Fraude à Execução – Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2009. 87
Ob. cit., pág. 687
No ano de 2009 foi editada pelo STJ a súmula 375 que traz o seguinte texto:
“O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem
alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.88
Analisando-a podemos diferenciar dois aspectos, o primeiro relacionado com
a intenção de proteger o terceiro adquirente de boa-fé, e o segundo um retrocesso
processual ao credor que busca a satisfação do seu crédito junto ao devedor. A
súmula leva a crer que o devedor pode se desfazer de todos os seus bens, desde
que, não tenha sido efetuado o registro de penhora sobre qualquer bem que garanta
a satisfação daquela divida, ou seja, veículos, contas bancárias e imóveis, conforme
a ordem estabelecida no art. 655 do Código de Processo Civil89. Por fim, caberia ao
credor provar tal má-fé de terceiro que supostamente teria adquirido o bem, este
entendimento vem sendo aos poucos modificado pelo próprio STJ.
Na verdade há muitas decisões com aplicação da súmula que nos últimos
anos vem sendo aplicada de forma diferenciada, como iremos ver em alguns casos.
Em 2010 a ministra Nancy Andrigni, no julgamento RMS 27.358 inverteu o ônus da
prova, o que levou o terceiro adquirente a provar a sua boa-fé, assim o terceiro que
adquiri o bem com qualquer restrição judicial tem consciência de que ele continuará
a responder por tal ônus, salvo se provar que agiu de boa-fé e tomou todos os
cuidados necessários para tal transação.
“[...] Considera-se que o comprador de um bem deve se
resguardar e procurar retirar certidões negativas de
débito junto a cartórios judiciais e de registros de
imóveis, sobre o bem e o vendedor, pelo menos na
região onde se encontra o bem. Caso não seja
demonstrado tal cuidado presume-se que o adquirente
agiu de má fé ou no mínimo com falta de cuidado frente
a tal importância da negociação”.
88
Filho, Roberval Rocha Ferreira Filho. Vieira, Albino Carlos Martins. – Súmulas do Superior Tribunal de Justiça, organizadas por assunto, anotadas e comentadas, 4° edição, editora Jus Podivm, 2012. 89
Art. 655 CPC. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II - veículos de via terrestre; III - bens móveis em geral; IV - bens imóveis; V - navios e aeronaves; VI - ações e quotas de sociedades empresárias; VII - percentual do faturamento de empresa devedora; VIII - pedras e metais preciosos; IX - títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado; X - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; XI - outros direitos.
Entendeu assim a ministra em afastar a aplicabilidade da súmula 375, que
disciplina o ônus de provar a má-fé do adquirente ao credor, o que tornava quase
que impossível à caracterização de fraude.
Outro entendimento é da noticia publicada em 01.07.2011 no site do próprio
STJ, no qual a aplicabilidade da súmula 375 foi afastada pela Quarta Turma do
Superior Tribunal de Justiça na doação de imóvel a filhos menores, quando esta
gerar a insolvência do devedor, incapaz de suportar a dívida. Para o relator
configurou a aplicação do que disciplina o artigo 593 do CPC, uma vez que o
devedor se desfez do seu imóvel gratuitamente a seus filhos mesmo este já
penhorado, configurando assim a tentativa de fraudar a execução. Negando tal
recurso interposto pelos filhos “adquirentes”, que ainda no mesmo processo pediram
a impenhorabilidade do bem por se tratar de único bem de família e que seus pais
tinham outros imóveis a garantir o processo.90
Em outro caso o Relator Min. Felipe Salomão se manifestou da seguinte
forma:
“[...] 1. No caso em que o imóvel penhorado, ainda que
sem o registro do gravame, foi doado aos filhos menores
dos executados, reduzindo os devedores a estado de
insolvência, não cabe a aplicação do verbete contido na
Súmula375/STJ. É que, nessa hipótese, não há como
perquirir-se sobre a ocorrência de má fé dos adquirentes
ou se estes tinham ciência da penhora. 2. Nesse passo,
reconhece-se objetivamente a fraude à execução,
porquanto a ma fé do doador, que se desfez de forma
graciosa de imóvel, em detrimento de credores, é o
bastante para configurar o ardil previsto no art. 593, II, do
CPC. 3. É o próprio sistema de direito civil que revela
sua tolerância com o enriquecimento de terceiros,
beneficiados por atos gratuitos do devedor, em
detrimento de credores, e isso independentemente de
suposições acerca da má-fé dos donatários.”91
90
Filho, Roberval Rocha Ferreira Filho. Vieira, Albino Carlos Martins. – Súmulas do Superior Tribunal de Justiça, organizadas por assunto, anotadas e comentadas, 4° edição, editora Jus Podivm, 2012. 91
Resp 1163114, Rel. Min. Felipe Salomão, 4° T. DJe 1.8.2011
A fraude de execução é caracterizada pela alienação ou oneração de bens
quando sobre eles pender ação fundada em direito real ou, quando, ao tempo da
alienação ou da oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à
insolvência. Regula-se pelo CPC (Art. 593) e também por leis esparsas, como CTN
art. 185. Trata-se de um incidente processual e que, portanto, pressupõe uma ação
em andamento.92
A alienação reconhecida fraudulenta é declarada ineficaz frente ao credor, e a
má-fé do devedor é presumida por lei. Como na execução, a boa-fé do terceiro
adquirente de bem penhorado deve ser protegida, exige o art. 167, I, 21, da Lei dos
Registros Públicos – Lei n. 6015/73.93
“A inscrição registral imobiliária das citações proferidas em ações reais, o que,
porém, não é indispensável para a configuração da fraude à execução, pois, inscrita
a citação, presume-se absolutamente o conhecimento pelo terceiro da pendência do
processo; não inscrita, recai sobre o exequente o ônus de provar a ciência do
adquirente sobre o fato.”.94
A má-fé do terceiro adquirente – scientia fraudis – é que configura
pressuposto da fraude de execução e se caracteriza pelo conhecimento de suas
hipóteses de cabimento. Por último vale apenas observar que, conforme assentado
em recurso especial representativo de controvérsia, a súmula 375/STJ não se aplica
às execuções fiscais.95
3.3. O terceiro adquirente de boa-fé
92
Filho, Roberto Rocha Ferreira e Vieira, Albino Carlos Martins. Súmulas do Superior Tribunal de Justiça organizadas por assunto, anotadas e comentadas, 4 edição, Editora Podivm, 2012 93
Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos. I - o registro: 21) das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis 94
DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo J.C. da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol 5. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 307-3010, que lembram inexistir exigência de averbação da pendência de ações reais ou reipersecutórias mobiliárias. Mas, em relação a bens móveis que se sujeitam a registro, permite o art. 615-A do CPC a averbação da pendência de processo executivo. 95
REsp 1141990, Rel. Min. Luiz Fux. DJe 19.11.2010
Em todas as relações humanas encontramos alguns tipos de fundamentos
básicos e um deles é o da boa-fé, tanto na execução, na relação de atos jurídicos
em geral em qualquer ato que possa atingir o direito de terceiro.
Neste trabalho já fora tratado sobre o principio da boa-fé, assim com a
evolução das relações jurídicas, além dos direitos individuais necessita ser tutelado
os direitos sociais, e com mais relevância quando tratar-se de relações contratuais,
no qual tal princípio surge com grande força. A complexidade dos negócios exige
cada vez mais que os pactuantes se comprometem com a probidade, de molde a
extirpar disparidades inaceitáveis e, consequentemente, o enriquecimento ilícito.
Para Gelson Amaro de Souza, o principio da boa-fé se apresenta como forma
de atenuar os rigores da lei, tendo em vista que ela não pode ser aplicada
cegamente, daí decorrendo a necessidade de se exigir do intérprete que abandone
sua postura formalista, “baseada somente na mera subsunção do fato à norma,
substituindo-a pelo raciocínio teleológico ou finalístico na interpretação das normas
jurídicas”.
Ainda define que a doutrina moderna reconhece a influência da boa-fé em
todas as áreas do direito e, principalmente, nos casos de alegação de fraude à
execução, pois é aí que a má-fé encontra campo fértil para se desenvolver, e a
existência desta é a demonstração de ausência da boa fé.96
Para Carlos Augusto de Assis, a “boa-fé é o estado psicológico daquele que
pratica um ato crendo, erroneamente, estar diante de uma situação jurídica diferente
da efetivamente existente”.97
Resultado dessa preocupação com a boa-fé é que, como já visto nos tópicos
anteriores, os tribunais brasileiros, especialmente o STJ, tem como entendimento
que na alienação onerosa em fraude de execução, deve estar presente além do
elemento objetivo, dano suportado pelo credor em face da insolvência do devedor, o
elemento subjetivo, que é a ciência efetiva ou presumida do terceiro adquirente da
existência da demanda contra o alienante, sob pena de prevalecer à boa-fé do
adquirente e não se caracterizar a fraude.
96
Fraude à Execução... Cit., p.128 97
Fraude à Execução e boa-fé do adquirente, RePro 105/222.
Somente for demonstrada a existência de tal ciência do adquirente, se terá a
consistência do conhecimento de que o alienante era devedor. Que havia demanda
pendente e que existia insolvência de forma a dar prejuízo ao credor, é que se pode
falar em fraude de execução.98
Para Yussef Said Cahali, essa preocupação da doutrina e jurisprudência fez
com que ocorresse uma “fragilização” do conceito de fraude, em privilégio da
segurança e estabilidade dos negócios jurídicos, no sentido de resguardar o direito
do adquirente de boa-fé.99
Um dos elementos que diferenciavam a fraude contra credores da fraude de
execução era a presunção absoluta em favor do devedor. Na fraude de execução
não havia que se indagar sobre a ciência efetiva ou presumida do terceiro
adquirente a respeito da existência de demanda contra o alienante. Contudo, tal
situação não ocorre na fraude contra credores, que cabe ao credor alegar e provar
na ação pauliana a má-fé do terceiro adquirente, quando se tratar de contrato
oneroso, ou apenas a insolvência do devedor, nos casos de transmissão gratuita de
bens ou remissão de dívida.
Assim “a jurisprudência mais atualizada vem incursionando fracamente em
sede de consilium fraudis, com aplicação de regras que são próprias da ação
pauliana, com vistas à preservação da eficácia doa to alienatório praticado pelo
devedor no curso da demanda, se de boa-fé o adquirente”, somente ocorrendo
“presunção absoluta (júris ET de jure) nos casos de venda de bem penhorado ou
arrestado (extensiva às alienações sucessivas), se o ato constritivo estiver registrado
no Registro de Imóveis; princípio que também se aplicaria no caso das ações
fundadas em direito real do art. 593, I, do CPC”.100
Nos demais casos a presunção seria relativa, segundo Yussef Said
Cahali,“sendo de natureza relativa à presunção de fraude pela alienação do bem
98
Humberto Theodoro Júnior, A Fraude à Execução. 99
Ob. Cit., p.677. 100
Conforme ensinamento de Yussef Said Cahali, que também afirma que, se inexiste o registro do ato judicial (penhora ou ação ajuizada), ainda assim poderá ser declarada a fraude à execução na venda do bem pelo demandado, desde que se comprove que o adquirente deveria ou tinha conhecimento da penhora ou do litígio instaurado contra o devedor (Ob. Cit., 681-682). A existência do registro de penhora ou arrestado foi incluído no CPC pelo § 4° do art. 659, acrescentado pela lei 8.953, de 13.12.1994.
estando em curso execução contra o alienante, aquela cede espaço para proteger o
terceiro adquirente comprovadamente de boa-fé”.
De certa forma essa presunção é em benefício do credor, em razão das
regras de experiência, pois o adquirente de bem, principalmente de imóvel, deve ser
cuidadoso em obter certidões dos cartórios distribuidores para saber se existem
demandas contra o alienante ou ônus sobre o bem.
No entanto como se trata de presunção relativa, nada impede que o
adquirente faça prova suficiente de elidir tal presunção, com a demonstração de sua
cautela e boa-fé, justificando o desconhecimento da demanda pendente e do estado
de insolvência do devedor.
A respeito da proteção ao terceiro de boa-fé, Luiz Carlos Amorim Robortella
afirma: “Se há de reprimir a fraude, é necessário, paralelamente, também proteger
os direito e interesses de terceiros de boa-fé, para que se resguarde a coerência do
ordenamento. A fraude à execução deve ser declarada com prudência, não podendo
servir de instrumento para o desassossego e a insegurança jurídica nas operações
de compra e venda aplicáveis, estar-se-á ofendendo o sistema jurídico, castigando o
adquirente de boa fé e comprometendo gravemente a atividade econômica”.101
3.4. A caracterização da fraude de execução.
Podemos analisar a caracterização da fraude da seguinte forma, o credor
informa o fato de alienação ou oneração do bem a conhecimento do Juiz da causa,
desta forma solicita a penhora do bem de terceiro, o Juiz verifica e caso estejam
presentes todos os pressupostos da ocorrência da fraude, determina a penhora.
101
Sócio – Alienação de bens e fraude à execução – Posição da doutrina e jurisprudência, Execução trabalhista, p.300.
Para Décio Antônio Erpen “tem sido praxe que os magistrados, motivados por
justa reclamação do litigante preterido, proclamem pura e simplesmente a ocorrência
de fraude, determinando o prosseguimento da ação contra o alienante”.102
Pelos ensinamentos de Araken de Assis vejamos “a declaração de existência
de fraude à execução ocorre incidenter tantum, no próprio processo executivo”,
dependendo “de postulação do credor”, sendo que “convém observar o contraditório,
se o deferimento da constrição não for urgente, a fim de impedir alienação ou
oneração sucessiva, assinando prazo para manifestação do executado. Eventual
controvérsia se estabelecerá nos autos da execução e a cognição do órgão
judiciário, curta e rala, se restringirá aos requisitos e à tipicidade da fraude”.103
Ainda pode-se afirmar que o Juiz pode determinar a penhora de um bem de
terceiro sem seu pronunciamento, expressamente, sobre a ocorrência da fraude,
pois, “como é originária e não sucessiva a ineficácia do ato eivado em fraude de
execução (fazendo-se a constrição executiva sem prévio pronunciamento judicial),
apenas na sede de embargos de terceiro é que poderá surgir eventual litígio sobre a
legitimidade da constrição”.104 Quando tal fato acontece verifica-se que o Juiz
reconhece implicitamente a ocorrência da fraude de execução, pois, determina a
contrição sobre o bem de terceiro sem se manifestar de modo direto sobre a fraude.
Possível, embora não seja de boa técnica, que o Juiz verificando os
pressupostos da fraude de execução, profira decisão interlocutória, reconhecendo
expressamente sua ocorrência.
Em tal situação a decisão somente poderá ser impugnada por meio de agravo
de instrumento caso constem no processo elementos que indiquem, de maneira
clara e incontestável, que a alienação ou oneração de bens não foi em fraude de
execução, e, apesar disso, o juiz determinou a penhora sobre eles.105
102
A declaração da fraude à execução. Consequências e aspectos registrais, in RT, 675, pág. 17. 103
Manual de processo de execução, 5° edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1998, pág. 354. 104
Cândido Ragel Dinamarco, Execução Civil, 8° edição, São Paulo, Malheiros, 2002, Págs. 300/301. 105
Em regra nem o devedor nem o adquirente têm interesse para recorrer: o primeiro porque o bem penhorado não mais lhe pertence, e o segundo porque dispõe de meio próprio para impugnar eventual constrição judicial injusta sobre seu bem, qual seja os embargos de terceiro. Excepcionalmente, no entanto, é possível que tanto num como outro tenham interesse em agravar. Exemplo dessa situação tem-se quando, antes da constrição judicial sobre o bem do terceiro, o devedor oferece outros bens, livres e desembaraçados, à penhora, mas o juiz, sem motivar sua
Ainda em analise sobre os ensinamentos Araken de Assis, que, entende deva
a discussão acerca da ocorrência de fraude de execução ocorrer nos próprios autos
da execução. Como efeito, defende o jurista que, imperando entre nós interpretação
de alcance análogo quanto ao art. 5°, LIV, da Constituição Federal de 1988, o
adquirente ou beneficiário do ato reputado fraudulento merecerá a oportunidade de
arrazoar acerca da existência da fraude e da pretendida sujeição de seus bens ao
processo. Só depois disso o Juiz poderá determinar a penhora.106
Tem-se por discordar deste jurista, pois, em breve analise alguns
doutrinadores acham que este pensamento esteja um tanto quanto equivocado,
tendo em vista que pela sistemática do código, a fraude é presumida. Portanto a
penhora deve ser determinada de imediato, delegando o contraditório para eventuais
embargos de terceiro.
Ainda, dentro de sua concepção, teria o terceiro adquirente duas
oportunidades para se defender alegando a mesma coisa, uma antes da penhora e
outra nos embargos de terceiro. E por fim o rito do processo de execução não
permite a abertura de contraditório para a discussão acerca dos requisitos e
tipicidade da fraude.
Vale destacar, que inexiste qualquer impedimento legal para que o juiz da
causa, ao tomar conhecimento da fraude de execução, a reconheça ex oficio.107
O reconhecimento da ocorrência da fraude de execução, mediante cognição
plena e exauriente, somente tem lugar nos embargos de terceiro. Antes disso o
reconhecimento é feito no próprio processo de execução de modo sumário, sem que
o adquirente do bem ou beneficiário da oneração seja ouvido, sem que haja
necessariamente provocação do credor, ou, mesmo, que o juiz a declare
decisão, não o aceita. Outra situação em que se faz presente o interesse recursal á aquela em que consta dos autos a relação de bens do devedor (declaração de impostos de renda, cópia do inventário os bens em que ele figura como único herdeiro etc.), mas o juiz, ignorando, determina a penhora sobre o bem de terceiro. Em suma, o manejo do agravo de instrumento é possível quando a decisão do juiz da causa for teratológica, isto é, quando o exame dos elementos constantes dos autos, em consignação sumária, lhe permitir, de plano excluir a hipótese de penhora sobre bem de terceiro. De maneira diversa pensa José Sebastião de Oliveira (cfr. Fraude à Execução, Doutrina e Jurisprudência, 2° edição, São Paulo, Saraiva, 1988, pág. 98). 106
Manual do processo de execução, 5° edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1998, pag. 355. 107
Crf. José Sebastião de Oliveira, Fraude à execução, Doutrina e jurisprudência, 2° edição, São Paulo, Saraiva, 1988, pág. 97.
expressamente. 108 Neste ponto vale destacar que a decisão que determinar a
penhora, reconhecendo implicitamente a fraude de execução, poderá se tornar
definitiva, prescindindo de qualquer outro provimento jurisdicional.
A discussão sobre a legalidade da constrição judicial e a ocorrência de fraude
de execução, se existir, deverá ser travada em sede de embargos de terceiro, o que
por outras palavras, significa dizer que o contraditório será eventual. Sistematizando,
pode-se dizer que existem dois momentos distintos no reconhecimento da fraude de
execução: um primeiro, que ocorre no processo executivo, de modo provisório (mas
que pode se tornar definitivo), mediante cognição sumária, e identificando na
decisão interlocutória que determina a penhora ou que a declara de modo
categórico; e um segunda, que ocorre nos embargos de terceiro, de modo definitivo,
mediante cognição plena e exauriente, e consubstanciado na sentença.109
3.5. Âmbitos de incidência do Art. 593 do CPC e da Súmula 375 do STJ
Neste tópico se busca diferenciar o âmbito de incidência do art. 593 do
Código de Processo Civil e da súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça, tarefa
nada fácil desenvolver uma manifestação sem de qualquer forma, expressar a
própria opinião e sem pender para uma das aplicações controvertidas. Após a
pesquisa realizada durante todo este trabalho podemos chegar a algumas
considerações das quais vejamos.
A súmula 375 do STJ traz literalmente em seu texto o seguinte “O
reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem
alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. Posto isso podemos observar
que, a presunção de sua ocorrência é absoluta se houver o registro da penhora, e
caso não haja a presunção será relativa, impondo ao credor provar a má-fé do
terceiro adquirente.
108
Kazuo Watanabe, Da Cognição no processo civil, 2° edição, campinas, Bookseller, 2000, pág. 112. 109
Cais, Frederico F. S. Fraude de Execução, São Paulo, Saraiva 2005, (Coleção Theotonio Negrão, Coordenação José Roberto F Gouvêa).
A súmula fora editada com o fundamento em alguns precedentes (739.388-
MG, 865.974-RS, 734.280-RJ, 140.670-GO, 135.228-SP, 186.633-MS e 193.048-
PR), tais decisões tratavam de situações onde a compra de bens era desafiada por
credores que, não tendo recebido pagamento, buscavam o patrimônio do devedor
por Ação de Execução distribuída antes da alienação dos imóveis. As decisões
tomadas nestes processos que acabaram por originar a súmula relatada pelo
ministro Fernando Golçalves, tendo por razão principal a fragilidade do comprador,
que, por alguma razão, não verificava os impedimentos para a aquisição na
matricula do imóvel e depois era prejudicado com a desconsideração da venda.
Devem-se destacar alguns pontos relevantes que trata a doutrina e a
jurisprudência, e, o primeiro é com relação à presunção relativa e boa-fé do terceiro
adquirente. Questão muito discutida e de grande discordância da jurisprudência,
existem doutrinadores e jurisprudências que se posicionam no sentido de que há
presunção relativa de fraude em favor do credor, ou seja, presunção de que o
terceiro adquirente conhecia da litigiosidade do bem alienado. Razão pela qual
poderá ser declarado a fraude, cabendo a esse terceiro provar a sua boa-fé.
De outra forma, existe posicionamento contrário, onde a presunção relativa é
em beneficio do adquirente de boa-fé, fazendo com que o autor, credor, comprove
que aquele ato jurídico entre o devedor e o terceiro adquirente tenha sido praticado
de má-fé e que o terceiro tinha ciência do litígio. Hoje se encontra pacificado no STJ,
em sua súmula 375.
Para Alcides de Mendonça Lima, o autor da ação deve efetuar o registro da
citação, pois é obrigatório nos termos do art. 169 da lei 6015/73110. Tendo como
finalidade dar publicidade ao ato, de forma a tornar absoluta a presunção da ciência
da demanda pelo adquirente. Assim, a fraude decorrerá da presunção júris et de
jure. Em não sendo efetuado o registro da citação no registro imobiliário, caberá ao
110
Art. 169 - Todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios e efetuar-se-ão no Cartório da situação do imóvel, salvo: I - as averbações, que serão efetuadas na matrícula ou à margem do registro a que se referirem, ainda que o imóvel tenha passado a pertencer a outra circunscrição; II – os registros relativos a imóveis situados em comarcas ou circunscrições limítrofes, que serão feitos em todas elas, devendo os Registros de Imóveis fazer constar dos registros tal ocorrência. III - o registro previsto no n° 3 do inciso I do art. 167, e a averbação prevista no n° 16 do inciso II do art. 167 serão efetuados no cartório onde o imóvel esteja matriculado mediante apresentação de qualquer das vias do contrato, assinado pelas partes e subscrito por duas testemunhas, bastando a coincidência entre o nome de um dos proprietários e o locador
autor (credor) provar que o terceiro tinha ciência da ação, prova esta, na maioria das
vezes, difícil de ser produzida.111
O segundo ponto a ser abordando é a presunção relativa em beneficio do
credor (autor), podendo ser declarada de imediato a fraude a execução. Justifica-se
essa presunção, pois, a praxe comercial moderna recomenda que qualquer
adquirente de imóvel, além de obter certidões negativas de ônus no registro
imobiliário, deve obter na comarca onde se situa o bem alienado e no domicilio do
alienante, certidões negativas e positivas, no mínimo, junto aos cartórios
distribuidores da justiça comum cível, estadual e federal, em que constará a
existência de eventuais demandas. Essa presunção se acentua ainda mais se o ato
de alienação ou oneração vier a ser praticado na data próxima em que ocorreu a
citação do devedor na ação real.112
Da mesma forma a praxe comercial recomenda que se o alienante for pessoa
jurídica busque certidões relacionadas à justiça federal do trabalho, fazenda
nacional, estadual e municipal, INSS e FGTS, onde se podem apurar débitos
vencidos e não pagos. Caso o adquirente seja negligente, não tomando todos os
cuidados mínimos para assegurar a garantia do negócio que está realizando, deve
arcar com a consequência de sua falta de cuidado.
A jurisprudência já tomava decisões no sentido de que a matricula do imóvel
que dá a publicidade necessária de eventual constrição do bem, deste modo, caso
não existisse apontamento na matricula se presumiria a boa-fé do terceiro
adquirente. Este entendimento em uma primeira opinião parece justo, acolhendo
principalmente o interesse social, tendo em vista que estes adquirentes dificilmente
vão conseguir reaver os valores gastos com a compra daquele determinado imóvel.
Não há como negar que a súmula busca a proteção do terceiro adquirente de
boa-fé, contudo, o STJ acredita em uma inocência das pessoas que não existe mais
nos dias de hoje. Não a de se concordar que, quem pretende adquirir um imóvel,
entregando muitas vezes todas as suas economias, se contente apenas em verificar
a matricula do imóvel, é de conhecimento de muitos a grande quantidade de vendas
111
Ob. cit., v. 6, pág. 480 112
PENÃ, Ricardo Chemale Selistre, Fraude à Execução – Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009.
que ocorre por um simples contrato de compra e venda o chamado “contrato de
gaveta”.
Como já exposto neste trabalho, à praxe comercial moderna recomenda que
qualquer adquirente de imóvel, além de obter certidões negativas de ônus no
registro imobiliário, deve obter na comarca onde se situa o bem alienado e no
domicilio do alienante, certidões negativas e positivas, no mínimo, junto aos cartórios
distribuidores da justiça comum cível, estadual e federal, em que constará a
existência de eventuais demandas.113
Por outro lado o Art. 593 do CPC trata o seguinte:
“Art. 593 Considera-se em fraude de execução a
alienação ou oneração de bens:
I- quando sobre eles pender ação fundada em direito
real;
II- quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria
contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à
insolvência;
III- nos demais casos expressos em lei.”
Em contradição com a Súmula 375 do STJ constata-se que o texto da lei
considera presumida a existência da fraude se, na data da alienação ou oneração do
bem, já estiver em curso contra o alienante demanda capaz de reduzi-lo a
insolvência, como vimos neste trabalho essa presunção é absoluta, e não necessita
da averbação da matricula do imóvel, mas, apenas a demanda em curso.
“Sendo assim, não há no comando normativo qualquer
ressalva ou condição relativa à boa ou má-fé do
adquirente. Vale dizer ainda que, pela Lei,
automaticamente considera-se fraude à alienação
quando correr demanda capaz de ser reduzida a
ineficácia pela alienação que o legislador pretendeu
113
Filho, Roberval Rocha Ferreira Filho. Vieira, Albino Carlos Martins. – Súmulas do Superior Tribunal de Justiça, organizadas por assunto, anotadas e comentadas, 4° edição, editora Jus Podivm, 2012. Bem como PENÃ, Ricardo Chemale Selistre, Fraude à Execução – Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2009.
evitar. Na verdade, o legislador pretendeu bloquear a
porta sempre aberta ao devedor para que ele consiga
contrabandear seu patrimônio, não cumprindo com suas
obrigações.”114
Vale salientar que, conforme o texto do art. 615-A do CPC, é permitido ao
credor extrair certidão da distribuição da execução para averbamento na matrícula
do imóvel e, ainda, em seu parágrafo 3°, determina que a alienação posterior à
averbação seja fraude à execução.
“Artigo 615-A – O exequente poderá, no ato da
distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento
da execução, com identificação das partes e valor da
causa, para fins de averbação no registro de imóveis,
registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à
penhora ou arresto.
(...) Parágrafo 3º Presume-se em fraude à execução a
alienação ou oneração de bens efetuada após a
averbação (artigo 593).”
Contudo, a existência de ação judicial deixou a tempos de ser considerada
pela jurisprudência suficiente para ter-se a caracterização da fraude, sendo exigida
primeira a citação do devedor, antes da data de alienação do bem, depois da citação
também a penhora seja realizada. Diante da redação do § 4° do art. 659 do CPC,
que a penhora receba “a respectiva averbação no oficio imobiliário” de forma a
estabelecer “presunção absoluta de conhecimento de terceiro”. Pode-se dizer que
ao longo do tempo a interpretação do inciso II do art. 593 vem sido modificada e
para prejuízo do credor.
Algumas pessoas se posicionaram contra a orientação da sumula 375 do
STJ. Uma delas foi o advogado Rafael Mariano, em artigo veiculado no Jornal “Valor
114
Rodrigo Alberto Correia da Silva é sócio do escritório Correia da Silva Advogados, advogado especialista em Direito Empresarial e em Recuperação de Crédito, Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e presidente dos Comitês de Saúde da Câmara Britânica de Comércio e da Câmara Americana de Comércio. Revista Consultor Jurídico, 29 de junho de 2009
Econômico”, edição de 13 de janeiro de 2011, oportunidade em que o mesmo
discorreu, com propriedade, que “privilegiar o devedor alienante e o terceiro
adquirente com a presunção de que agiram de boa-fé, traz, dentre outras
consequências, insegurança jurídica”.
Frederico José Cardoso Ramos em seu artigo, publicado no site jus
navigandi, se posicionou da seguinte forma:
“O princípio da segurança jurídica constitui um dos
principais pilares de sustentação do nosso ordenamento
jurídico e deve, por isso mesmo, servir de norte para a
formação de jurisprudência em qualquer nível. O
entendimento contido na súmula, porém, vai em direção
contrária, pelo que assiste inteira razão ao articulista
quando o qualifica como exemplo de “marcha-ré (sic)
processual”. Tais vícios maculam o
entendimento sumulado em seu todo, isto é, tanto
quando ele vincula a presunção absoluta da fraude à
execução ao momento do registro da penhora, porque
não é isso o que diz a lei, quanto na parte em que,
invertendo os valores, atribui ao credor o ônus da prova
da má-fé do adquirente.”115
O STJ entende que não seria considerada fraudulenta a alienação após a
distribuição da execução, a menos que fosse feita a averbação nos termos do art.
615-A. Este entendimento é errado, primeiramente o art. 615-A do CPC afirma que o
“exequente poderá” fazer a averbação; não lhe cria obrigação, der ou ônus, mas
apenas lhe dá mais uma forma de buscar a efetividade da decisão, não podendo sua
aplicação trazer efeitos negativos.
Assim a sobreposição entre os art. 593 II, e 615-A do CPC não os torna
mutuamente excludentes, tendo em vista que não são contraditórios, mas sim
complementares. Ainda não se pode entender que a determinação contida no art.
659, parágrafo 4°, do CPC de que a penhora seja averbada para fins de publicidade,
115
Frederico José Cardoso Ramos: A Súmula 375 do STJ afronta a lei e o bom senso, mas isso poucos parecem enxergar, Elaborado em 05/2012. Site jus navigandi: http://jus.com.br/revista/texto/21943/a-sumula-375-do-stj-afronta-a-lei-e-o-bom-senso-mas-isso-poucos-parecem-enxergar#ixzz2AzHApYcm
eliminando o citado art. 593 II do CPC, PIS, não se pode confundir a publicidade
para terceiros com a restrição de alienação imposta ao devedor, gerando efeitos ao
credor e ao terceiro adquirente.
Como já explanado diversas vezes neste trabalho, para que fique claro e
objetivo, tentando mudar a cultura de negociação de todas as pessoas da
sociedade, o terceiro adquirente tem total condição de demonstrar sua boa-fé, de
forma rápida, bastando-lhe apresentar certidões negativas de praxes, atualizadas,
tanto em relação ao alienante e ao imóvel. É prova positiva de fácil produção.
Todos os operadores do direito que, de alguma forma, atuam principalmente
na parte de recuperação de crédito, sabem que a penhora é uma forma de
constrição judicial de alcance imprescindível em um processo de execução ou em
cumprimento de sentença, ou seja, titulo judicial. Chegar a efetivação de uma
penhora “completa e acabada”, é uma tarefa difícil para o credor, obtido muitas
vezes após um longo percurso do processo, encontrando ainda maiores obstáculos,
dentre eles um que o credor não contribui em nada a lentidão da justiça.
A súmula estabelecer o registro da penhora como requisito para o
conhecimento da fraude de execução tornou a tarefa que já era difícil em impossível,
acabando por penalizar novamente o credor pela deficiência do poder estatal. Alem
do que, afronta diretamente dois dispositivos de lei, o art. 593 e o 612 do CPC, como
vimos o entendimento da súmula vem sendo modificado e os entendimentos sobre a
mesma estão cada vez mais alterados como a comprovação da boa-fé por parte do
terceiro adquirente e não mais pelo próprio credor. Certo é que, a boa-fé se presume
e a orientação sumulada se baseia neste principio, porém, é uma presunção relativa,
passível de ser afastada por uma realidade contrária nela estabelecida.
No âmbito civil não há de ser diferente. Quando alguém adquire um bem
imóvel sem adotar mínimas cautelas que lhe garantam segurança no negócio, como
quando não exige do alienante que lhe forneça certidões negativas comprobatórias
da inexistência de demandas em curso com condições de onerar o imóvel negociado
e, mesmo podendo, não registra o contrato particular, ele (ela) não pode, à
evidência, ter sua conduta qualificada como de boa-fé. Não pode, mas infelizmente
tem. É a diferença entre o “ser” e o “dever ser”.116
Como observado nas ultimas decisões, e uma delas já apresentada em um
tópico anterior, onde trata do bom senso nos embargos de terceiro opostos com
objetivo de livrar o bem constrito da obrigação do alienante/devedor, por omissão,
mesmo que negligente, do adquirente. Mesmo que provada nos autos, não tem sido
suficiente para o reconhecimento da alienação viciada pela fraude, por exigir
igualmente prova de que essa omissão foi voluntária, para assim caracterizar o
consilium fraudis. Tudo pois a boa-fé é presumida.
A leitura do Art. 593 e da sumula 375 do STJ permite que qualquer um
identifique a flagrante contrariedade, entre as expressões, para a caracterização da
fraude de execução, e a quem cumpre provar se o adquirente do bem litigioso agiu
ou não imbuído de boa-fé.
Para encerrar este tópico, e deixar atualizada a informação, o projeto de lei
que visa à modificação do Código de Processo Civil, traz o art. 749, que repete em
parte o art. 593 do CPC atual, mas apresenta uma ressalva em seu parágrafo único,
ou uma inovação de cunho mandamental:
“Art. 749 Considera-se fraude à execução a alienação ou
oneração de bens:
...
IV - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria
contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência.
...
Parágrafo único. Não havendo registro, o terceiro
adquirente tem o ônus da prova de que adotou as
cautelas necessárias para a aquisição, mediante a
116
Frederico José Cardoso Ramos: A Súmula 375 do STJ afronta a lei e o bom senso, mas isso poucos parecem enxergar, Elaborado em 05/2012. Site jus navigandi: http://jus.com.br/revista/texto/21943/a-sumula-375-do-stj-afronta-a-lei-e-o-bom-senso-mas-isso-poucos-parecem-enxergar#ixzz2AzHApYcm
exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio
do vendedor e no local onde se encontra o bem.”
Este novo dispositivo resolveria a controvérsia aqui tratada entre a súmula
375 do STJ e o dispositivo 593 do CPC, esperamos pela aprovação e vigência da
nova Lei que modificará o Código de Processo Civil.
CONCLUSÃO
Após este estudo pode-se chegar a algumas conclusões com relação à
aplicabilidade e caracterização da fraude a execução. No âmbito do ordenamento
jurídico relacionado ao que disciplina o processo civil a má-fé do terceiro adquirente
é presumida. Contudo no que trata a súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça,
tendo em vista que a súmula foi editada para a proteção do terceiro adquirente, com
a aplicabilidade da súmula a boa-fé do terceiro adquirente é presumida.
Dessa forma ainda podemos chegar ao ponto de que tanto o terceiro
adquirente quanto o credor tem meios jurídicos e de fácil acesso para a proteção
legal. Para o terceiro adquirente como vimos à praxe comercial moderna recomenda
que qualquer adquirente de imóvel, além de obter certidões negativa de ônus no
registro imobiliário, deve obter na comarca onde se situa o bem alienado e no
domicilio do alienante, certidões negativas e positivas, no mínimo, junto aos cartórios
distribuidores da justiça comum cível, estadual e federal, em que constará a
existência de eventuais demandas.
Da mesma forma o credor tem previsão legal de fazer publicidade relacionada
à ação fundada em direito real, podendo averbar no registro de imóveis, órgãos de
trânsito entre outros, a existência de tal demanda, nos termos do art. 169 da lei
6015/73, tendo por finalidade de comunicar a todos os interessados sobre aquela
restrição.
No tocante a presunção de Boa-fé, no art. 593 do código de processo civil a
presunção de má-fé do terceiro adquirente é presumida. Em contra partida na
súmula 375 do STJ a presunção de boa-fé é do terceiro adquirente. Mas na prática a
boa-fé é aplicada a aquele que seja demonstrada e comprovada, da forma já
explicada e que torna seguro as partes evitando serem mais prejudicadas ainda pelo
credor, tomar os devidos cuidados na negociação.
Deve o credor fazer publico a ação nos órgãos de registro de propriedade
tanto de bens móveis como de bens imóveis, da mesma forma deve o terceiro
adquirente fazer as mínimas buscas para comprovar que tal bem não estava
condicionado a qualquer obrigação.
Ambas as partes devem se resguardar, pois do que seria útil o credor
comunicar e averbar a existência da ação se o terceiro adquirente não tomar as
devidas cautelas e proceder às devidas buscas. Ponto controvertido, decisivo para a
caracterização e a demonstração da boa-fé, tanto o credor e o terceiro adquirente
devem tomar os mínimos cuidados. A averbação feita pelo credor, bem como a
comprovação de busca feita pelo terceiro adquirente é a maior comprovação de boa-
fé das partes, podendo caracterizar ou não a fraude de execução.
Visando a recuperação de crédito a caracterização da fraude a execução com
a aplicabilidade da súmula e com a presunção de boa-fé do terceiro adquirente se
tornava função impossível para conseguir a caracterização da fraude a execução.
Neste caso ressalta-se o que define o art. 593 do Código de Processo Civil e
demonstra a grande contrariedade da aplicação com a súmula 375 do Superior
Tribunal de Justiça.
Por conta disso o Superior Tribunal de Justiça, com a decisão tomada pela
ministra Nancy Andrigni entre outros, a interpretação da súmula para sua
aplicabilidade vem sendo modificada, tomou-se o devido cuidado não mais
presumindo a boa-fé do terceiro adquirente caso aquele não comprovasse os
cuidados necessários, a aplicabilidade literal não era a melhor opção e diante disso
começou a se analisar caso a caso sem a “presunção” da boa-fé ou da má-fé, na
realidade a presunção já não se admite mais, pois presumir algo que se tem como
provar de maneira fácil seria um absurdo.
Com o novo Código de Processo Civil o tema deve ser regulado, uma
padronização e uma interpretação sólida devem ser editadas tratando de todas as
lacunas e controvérsias entre o artigo do código de processo civil e a súmula 375 do
Superior Tribunal de Justiça, a caracterização deve ficar com seus requisitos bem
mais específicos, tema interessante para um futuro trabalho cientifico. Por enquanto
o julgador deve analisar caso a caso para analisar que dispositivo legal aplicar,
como deve ser aplicado e como a súmula deve ser interpretada.
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