Moção de Estratégia Setorial
28.º Congresso do CDS-PP
25-26 janeiro de 2019
TRABALHO E FAMÍLIA: Uma conciliação possível
1.º Subscritor: Jorge Ribeiro Mendonça
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TRABALHO E FAMÍLIA: Um equilíbrio possível
Apresentação
Esta moção de Estratégia Setorial, que tenho a honra de apresentar ao 28.º Congresso do
CDS, tem como objetivo primordial, sublinhar a importância que estas matérias devem
representar na agenda do Partido.
Procurar a melhor forma de conciliar trabalho e família é uma tarefa de todos os dias. Há
muito a fazer, seja a nível legislativo, seja a nível autárquico, para que o Estado possa criar
condições a um desenvolvimento harmonioso do trabalho e da família.
Mas os desafios e necessidades de resposta a que o CDS será chamado colocam-se em todas
as instâncias existindo vícios intrínsecos que urge mudar e, para esse desiderato, não bastará
alterar leis de organização de trabalho, é necessário intervir na cultura individual e empresarial,
podendo neste ponto, alguns incentivos ou benefícios fiscais, ser motor de mudança de
comportamentos.
Há muito trabalho a fazer para que Portugal possa ser um país family-friendy, mas também
para que seja um país mais produtivo e com maior dinamismo económico e laboral. Este é
certamente um equilíbrio possível em que urge intervir.
Lisboa, 27 de dezembro de 2019.
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INTRODUÇÃO
Portugal tem batido recordes mínimos de natalidade, encontrando-se na cauda da Europa
nesta matéria. Vejam-se os seguintes dados:
I. Taxa bruta de natalidade: Quantos bebés nascem por 1.000 residentes?
Anos
Taxa – ‰
Taxa bruta de natalidade
1975
1980
1985
1990
1995
2000
2005
2010
2015
19,8
16,2
13,0
11,7
10,7
11,7
10,4
9,6
8,3
Taxa bruta de natalidade: Fontes de Dados: INE - Estatísticas de Nados-Vivos
INE - Estimativas Anuais da População Residente Fonte: PORDATA
II. Taxa Bruta de Natalidade (permilagem)
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III. Taxa de Fecundidade na Europa
Indivíduo - Média ver tabelacompleta
Grupos/Países Índice sintético de fecundidade
Anos 1960 2017
União Europeia (28 Países) x 1,59
Alemanha x 1,57
Áustria 2,69 1,52
Bélgica 2,54 1,65
Bulgária 2,31 1,56
Chipre x 1,32
Croácia x 1,42
Dinamarca 2,57 1,75
Eslováquia 3,04 1,52
Eslovénia x 1,62
Espanha x 1,31
Estónia 1,98 1,59
Finlândia 2,72 1,49
França 2,73 1,90
Grécia 2,23 1,35
Hungria 2,02 1,54
Irlanda 3,78 1,77
Itália 2,37 1,32
Letónia x 1,69
Lituânia x 1,63
Luxemburgo 2,29 1,39
Malta x 1,26
Países Baixos 3,12 1,62
Polónia x 1,48
5
Portugal 3,16 1,38
Reino Unido x 1,74
República Checa 2,09 1,69
Roménia x 1,71
Suécia x 1,78
Islândia x 1,71
Noruega x 1,62
Suíça 2,44 1,52
Fontes/Entidades: Eurostat a partir de dados de Institutos Nacionais de Estatística, PORDATA
Fonte: PORDATA
Transformar este inverno demográfico em primavera é uma tarefa de todos, estando na
primeira linha os potenciais pais, uma vez que sobre eles recairá a responsabilidade parental,
não devendo existir medos para arriscar neste projeto. É neste particular que o Estado poderá
intervir, reduzindo os receios de quem quer arriscar constituir ou alargar a família.
Sabendo que as políticas públicas não se esgotam no apoio às famílias que querem ter
filhos, devem as políticas públicas procurar responder e corresponder às necessidades daqueles
que estão noutras fases da vida com necessidades distintas, motivo pelo qual também
abordaremos a questão da idade de reforma, na certeza de que apenas estarei a lançar um
tópico numa discussão que devia e merecia ser alvo de um debate mais alargado. Um debate
que não se fechasse apenas na questão económica da sustentabilidade da Segurança Social, mas
que olhasse para a velhice com um novo olhar procurando criar um conjunto de respostas e de
soluções que respondam às necessidades dos mais experientes da nossa sociedade.
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As políticas públicas1 devem procurar incentivar e valorizar comportamentos familiarmente
responsáveis, devendo contribuir para um clima harmonioso entre empresas e trabalhadores
favorecendo a criação de condições que configurem um verdadeiro equilíbrio trabalho-família
(Work-life balance).
Ana Cid Gonçalves, Secretária-Geral da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas,
alerta precisamente para este aspeto quando refere que “o papel das políticas públicas deveria
ser essencialmente cooperar para o pleno desenvolvimento das famílias respeitando a sua
pluralidade e o seu espaço de liberdade (…) sem haver pre-juízo ou uma discriminação por parte
das políticas públicas”2.
As políticas que visem conciliar família e trabalho podem ser encaradas de diversas
perspetivas, as quais se intercetam de diversas formas. Assim, tais perspetivas poderão ser de
políticas de emprego, de proteção social, de igualdade de oportunidades, de cuidados e acesso
a cuidados de saúde e de políticas fiscais.
O Estado pode criar incentivos criando normas que procurem flexibilizar as normas legais
e, eventualmente, através de apoios financeiros, integrando na agenda política a resolução do
problema demográfico que, uma vez resolvido ou mitigado, contribuirá para a sustentabilidade
da Segurança Social.
1 JOÃO PAULO II na Encíclica LABOREM EXERCENS de 14 de setembro de 1981 chamou a atenção de que “numa
visão global, a família constitui um dos mais importantes termos de referência, segundo os quais tem de
ser formada a ordem sócio-ética do trabalho humano” afirmando, ainda que “a família é, ao mesmo
tempo, uma comunidade tornada possível pelo trabalho e a primeira escola interna de trabalho para todos
e cada um dos homens.” (secção 10). A relação entre trabalho, família e o dever da Sociedade em promover e criar condições para uma sã convivência e desenvolvimento é sublinhado também na Encíclica FAMILIARIS CONSORTIO publicada pouco depois no dia 22 de novembro de 1981 e que no n.º 45 afirma “A
íntima conexão entre a família e a sociedade, como exige a abertura e a participação da família na
sociedade e no seu desenvolvimento, impõe também que a sociedade não abandone o seu dever
fundamental de respeitar e de promover a família.” Mais acrescentando, “A família e a sociedade têm
certamente uma função complementar na defesa e na promoção do bem de todos homens e de cada
homem. Mas a sociedade, e mais especificamente o Estado, devem reconhecer que a família é «uma
sociedade que goza de direito próprio e primordial» e portanto nas suas relações com a família são
gravemente obrigados ao respeito do princípio de subsidiariedade.” 2 ANA CID GONÇALVES, “Liberdade para a Pluralidade”, in “Linhas Direitas: Cultura e Política”, coord. de Miguel Morgado e Rui Ramos, D. Quixote, 2019.
7
As empresas são igualmente chamadas a este debate, pois é necessário encontrar um clima
empresarial family-friendly em que a cultura empresarial e a gestão de recursos humanos não
esqueça a vertente familiar dos colaboradores. Trabalhadores realizados, profissional e
pessoalmente, são mais felizes e por isso mais motivados e produtivos. Neste sentido, as
políticas de gestão de pessoas devem ser desenhadas no sentido de respeitarem as
necessidades de gestão familiar dos seus colaboradores, passando a integrar também esta
dimensão nas políticas de gestão internas.
É no eixo que liga Estado, empresas e trabalhadores que se deve encontrar a orientação
necessária e transformadora, encontrando uma sociedade mais amiga da família e, por isso,
mais próspera.
O conceito de “trabalho decente” foi formulado pela primeira vez oficialmente pela OIT em
1999, e constituiu o eixo da comunicação do Diretor Geral da OIT à 87ª Sessão da Conferência
Internacional do Trabalho, reunida em junho desse ano em Genebra (OIT, 1999)3. A OIT definiu
o conceito de “trabalho decente” partindo da ideia de que “envolve a promoção de
oportunidades para mulheres e homens obterem um trabalho decente e produtivo, em condições
de liberdade, igualdade, segurança e dignidade humana, a fim de diminuir as diferenças
existentes entre as aspirações das pessoas em relação ao seu trabalho e às atuais situações de
trabalho” (OIT, 1999).
O trabalho decente passa a ser conceitualizado, assim, como o ponto de convergência de
quatro objetivos estratégicos: a promoção dos direitos no trabalho, a geração de empregos
produtivos e de qualidade, a extensão da proteção social e o fortalecimento do diálogo social.
Para a OIT são identificadas cinco dimensões que o conceito de trabalho decente promove:
saúde, conciliação com a família, escolha, produtividade e igualdade entre homens e mulheres.
Em Portugal, foi em dezembro de 2018 publicado o estudo Desafios à Conciliação Família
Trabalho4 promovido pela CIP, que procurou sintetizar os desafios dos tempos modernos e
3 “Guide to Developing Working Time Arrangements”, INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION, Janeiro, 2019. 4 “Desafios à Conciliação Família-Trabalho – Um estudo da Confederação Empresarial de Portugal,
elaborado pela Nova School of Business and Economics, com o apoio da ACEGE”, dezembro 2018.
8
procurou identificar as boas práticas de gestão e conciliação Família-Trabalho. Este documento
oferece um excelente ponto de partida para construir linhas de ação que são profundamente
necessárias.
Um dos aspetos que salta à atenção neste estudo é o de que existe um conjunto de
situações (…) que funcionam como inibidores e barreiras à utilização de medidas de conciliação
pelos colaboradores. Ou seja, apesar de existirem leis que oferecem já determinados
mecanismos de conciliação da vida laboral com a vida familiar e que existem empresas que –
pelo menos formalmente – já implementaram um conjunto de medidas favoráveis a essa
conciliação, existem obstáculos de diversa ordem, como sejam (i) a falta de conhecimento sobre
a lei e sobre os direitos; (ii) resistência à utilização dos mecanismos existentes por insegurança
pessoal ou receio de repercussões (informais)5.
AS LONGAS HORAS E O PRESENTISMO COMO VÍCIO NACIONAL
Consistindo a produtividade numa das dimensões do conceito de trabalho decente, tal
como descrito pela OIT, reveste especial importância a sua análise, a nível nacional e europeu.
Neste sentido, Portugal sofre um défice de produtividade estando muito abaixo da média
europeia. Similarmente, é um dos países da União Europeia onde se está mais horas no
trabalho6.
5 “Desafios à Conciliação Família-Trabalho …” pp.10-11. 6 Recentemente foi conhecida a notícia de que Portugal é um dos países onde as crianças passam mais tempo nas escolas e chreches. Em média, as crianças portuguesas passam 39,1 horas por semana em creches, quando a média na União Europeia é de 27,4 horas. o caso do pré-escolar, o padrão mantém-se, com as crianças entre os 3 e 5 anos a passarem uma média de 38,5 horas por semana em jardins de infância. A média na UE é de 29,5, contabiliza-se no relatório anual do Conselho Nacional de Educação (CNE) dedicado ao Estado da Educação. Este tema que merece aturada reflexão está intimamente relacionado com o número de horas que os pais investem no trabalho. https://expresso.pt/sociedade/2019-11-26-Criancas-portuguesas-sao-das-que-mais-tempo-passam-em-creches
9
Com efeito, a taxa de produtividade, com referência ao ano de 2018, em Portugal encontra-
se fixada em 64,1% da média Europeia, muito longe de taxas como 178,1% da Irlanda, 126,8%
da Alemanha ou de 95,7% de Espanha.
IV. Produtividade do Trabalho, por hora de trabalho (UE28=100) – Número índice
Na prática empresarial Portuguesa, prestar longas horas de trabalho tem diversas
motivações as quais por vezes têm a ver com práticas enraizadas na empresa, por compromisso
com o trabalho, pela necessidade de o trabalhador querer mostrar serviço ou por não querer
ficar mal perante os colegas ou perante as chefias.
A prática de longas horas, profundamente difundida em determinados setores em Portugal,
nem sempre corresponde a maior produtividade. Deve, por isso, procurar-se um equilíbrio
temporal entre horas de trabalho e de descanso, mudando o foco para o aumento de
produtividade por hora de trabalho. Deve, pois combater-se o vício daquilo a que chamarei o
presentismo, ou seja, estar na empresa presente sem se ser produtivo, sendo certo que isto será
tanto mais grave quanto implicar trabalhar para lá do horário, só para não parecer mal, por
insegurança ou receio de alguma repercussão negativa.
Fontes de Dados: Eurostat | Institutos Nacionais de Estatística
- Contas Nacionais Anuais
Fonte: PORDATA
10
De acordo com a OIT, as políticas públicas devem promover medidas para proteger os
trabalhadores contra longas jornadas de trabalho, e também para fornecer proteções para
aqueles trabalhadores que trabalham em horários “não-sociais”, como seja o trabalho noturno.
MAIS FLEXIBILIDADE LABORAL
O debate político e social em Portugal usa, não raras vezes, a palavra “flexibilidade” com
um sentido que está contaminado, uma vez que tal expressão aparece maioritariamente
associada a mais despedimentos e a formas de racionalização económica das empresas, sempre
vistas na perspetiva de reduzir direitos e garantias dos trabalhadores.
As famílias precisam de flexibilidade laboral7, não no sentido de mais despedimentos, mas
no verdadeiro sentido de flexibilidade enquanto possibilidade de ajustar melhor os tempos de
trabalho aos tempos de não trabalho.
Por outro lado, o recurso a regimes de flexibilidade de trabalho pode ser usado como
instrumento de aumento de performance dos trabalhadores e para aumento da intensidade de
trabalho8.
CRIAR REGIMES DE FLEXIBILIDADE DE HORÁRIO
A ideia de deixar os trabalhadores decidir onde e quando realizar o trabalho9, podendo não
apenas definir os seus horários, mas também podendo prestar trabalho noutros lugares que não
no posto de trabalho na empresa, é apontado como uma das principais formas de atrair e reter
7 Neste sentido, MÓNICA LEAL DA SILVA, “A Crise, a Família e a Crise da Família”, FFMS, 2012 (pp. 74-76). 8 No estudo “Work Autonomy, Flexibility and Work-Life Balance”, University of Kent, 2017, pp. 8-9, são desenvolvidas algumas ideias interessantes relacionadas com a flexibilidade laboral, sendo apontadas como características essenciais deste esquema, a maior envolvência do trabalhador e a sensação de que o mesmo controla os seus horários, aumentando consequentemente a produtividade. 9 Mónica Leal da Silva, “A Crise…”, p. 79, dando nota do estudo “Guia de 2012 de Ideias Novas e Arrojadas para fazer o trabalho funcionar” realizado pelo Instituto do Trabalho e das Famílias, no s Estados Unidos. Em sentido convergente, “Foundation Focus”, Issue 19 – Dezembro 2016, European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions.
11
talento. Não será possível em todos os tipos de trabalho, no entanto, em todos os casos em que
tal é possível, o uso das novas tecnologias permite hoje uma flexibilidade que deve em muito
ser aproveitada.
A flexibilidade de horário pode ser a forma de ajustar as necessidades individuais aos
interesses da empresa, alcançando-se o equilíbrio sem redução dos tempos de trabalho. A lei
prevê já esquemas de organização do tempo de trabalho ajustáveis, sendo o mais conhecido a
isenção de horário de trabalho, previsto na lei para casos específicos como cargos de confiança,
para a execução de trabalhos fora dos limites do horário de trabalho ou para casos de
teletrabalho ou situações sem controlo imediato pelo superior hierárquico.
Por acordo com o trabalhador é possível, ainda, fixar-se um horário concentrado que
permite a concentração dos tempos de trabalho em 4 dias da semana10, vendo o trabalhador
neste caso o horário de trabalho ser aumentado até 4 horas diárias.
Distinta é a adaptabilidade, que permite a definição do período normal de trabalho em
termos médios por referência a períodos de 4 meses. No caso de adaptabilidade individual
acordada entre trabalhador e empregador, o aumento da jornada de trabalho pode ir até 2
horas por dia relativamente ao período fixado.
Existe, por fim, o regime do banco de horas individual que permite a prestação de trabalho
até 2 horas de acréscimo ao período normal de trabalho diário e até ao limite máximo de 150
horas de trabalho por ano. Permite-se, pois, que acréscimos de trabalho sejam compensados
com a redução equivalente do tempo de trabalho, o aumento do período de férias ou o
pagamento em dinheiro.
A este respeito, muito recentemente, a Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, que alterou o
Código do Trabalho, procedeu à revogação do Banco de Horas Individual, o qual se tem
mostrado como uma ferramenta de flexibilização dos horários que, ao mesmo tempo, permite
10 O recente caso conhecido da Microsoft que nos escritórios do Japão, dispensou os trabalhadores de trabalhar à sexta-feira durante o mês de agosto. Tendo os trabalhadores prestado menos cinco dias de trabalho os resultados demonstraram um aumento da produtividade a rondar os 40%. Vide entre outros https://expresso.pt/economia/2019-11-05-A-semana-de-quatro-dias-de-trabalho-da-Microsoft-no-Japao-seria-possivel-em-Portugal-
12
uma melhor adaptação aos picos de trabalho, libertando o trabalhador em alturas de
estabilização ou de redução de trabalho. Deverá, assim, por todas as vantagens que acarreta
para as partes, tanto na perspetiva do empregador, como na perspetiva do trabalhador,
procurar lutar-se pela reposição do regime do Banco de Horas individual.
Todos estes regimes são praticáveis e a sua aplicação, até agora muito residual, devia ser
estimulada. A produtividade de uma empresa assenta no fator humano e este tem de ser visto
nas suas várias dimensões. O equilíbrio entre trabalho e família é possível, sem que as
performances da empresa e do trabalhador tenham de ser prejudicadas. Ao invés, os esquemas
de flexibilidade deverão contribuir para melhorar a performance do trabalhador e da empresa
e por outro lado, melhorar o equilíbrio entre as vertentes profissional e familiar do trabalhador.
Este equilíbrio deve antes de mais começar pela procura de um entendimento entre empresa e
trabalhador, sendo fulcral a existência de mecanismos previstos legal ou convencionalmente
que permitam abrir espaço a essa negociação.
VALORIZAR O TRABALHO A TEMPO PARCIAL
O trabalho a tempo parcial é uma das formas de compatibilizar trabalho e família, sofrendo,
contudo, de um estigma: está associado a empregos de maior fungibilidade, onde é
relativamente indiferente a pessoa que ocupa o posto de trabalho e, como resultado, o trabalho
a tempo parcial é visto como um trabalho de menor valor, logo, menos apetecível. Se a somar
aos referidos aspetos, a prestação de trabalho a tempo parcial implicar receber
proporcionalmente menos relativamente a um salário já por si baixo, estão reunidos os
condimentos necessários para o insucesso deste modelo de organização de trabalho. É preciso
inverter esta tendência.
A OIT defende a criação de condições para igualdade de tratamento dos trabalhadores em
part-time, nomeadamente através da concessão de direitos e benefícios semelhantes (ganhos
13
proporcionais ao trabalho exercido, benefícios não salariais, entre outros) aos trabalhadores a
tempo inteiro em posições semelhantes11.
A valorização do trabalho parcial como opção de carreira deve ser efetivamente encarada,
podendo aqui serem oferecidos incentivos fiscais ou contributivos às empresas, uma vez que
dessa forma não só se estimula a existência de esquemas alternativos de organização de tempo
de trabalho como permitem a contratação de mais trabalhadores.
REFORMA PARCIAL
Experiências de reformas parciais têm sido implementadas um pouco por toda a Europa,
seja a nível setorial, seja a nível nacional. Através dos sistemas de reforma parcial é dada a
oportunidade aos trabalhadores que estejam no fim da carreira de optarem por uma redução
do tempo de trabalho, sem necessidade de saírem definitivamente do mercado de trabalho.
Vantagens do ponto de vista pessoal, para os trabalhadores que desta forma se poderão manter
ativos por mais tempo, ou por permitir-se uma melhor conciliação com as necessidades de
assistência a familiar doente ou apoio aos netos, tornam este regime atrativo.
Os esquemas de reforma parcial são relativamente fáceis de implementar em países que
tenham uma prática comum, seja nacional, seja por setor, de recorrer a esquemas de trabalho
a tempo parcial. No entanto, algumas experiências em que este esquema foi implementado em
países sem essa tradição, têm demonstrado efeitos positivos12.
Estes esquemas têm tido a virtualidade de evitar despedimentos de trabalhadores por
causas económicas (“redundancy”), uma vez que, através de um esquema de reforma parcial, é
permitido acordar com os trabalhadores uma redução do tempo de trabalho, mantendo os
trabalhadores dentro do mercado de trabalho.
11 OIT Apud “Desafios à Conciliação Família-Trabalho”, p. 69. 12 “Foundation Focus”, Issue 19 – Dezembro 2016, European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions.
14
Pensar um esquema de reforma parcial em que o trabalhador receberia a remuneração pelo
trabalho a tempo parcial e uma pensão parcial suportada pela Segurança Social, poderá ter
várias vantagens que merecem ser debatidas:
a. Promover a sustentabilidade da Segurança Social;
b. Permitir uma transição suave para a idade de reforma e uma redução do tempo de
trabalho para quem deseje manter-se ativo mas com uma carga horária inferior;
c. Manter nas empresas profissionais experientes abrindo espaço a novas gerações.
Este esquema de trabalho a tempo parcial pode ser pensado a partir de determinada idade
(“phase out”), antes de atingir-se a idade da reforma ou, como forma de manter os
trabalhadores ativos após atingirem a idade de reforma, mas com uma carga inferior.
Por fim, a reforma deve ser vista não como uma fatalidade, que quando é atingida já não se
pode regressar à vida ativa, mas – pelo contrário – devem procurar-se formas de permitir,
agilizar e facilitar o regresso ao mercado de trabalho de trabalhadores que assim o desejem.
Não são raros os relatos de trabalhadores que, tendo solicitado a passagem à reforma, desejam
prestar trabalho como forma de se manterem em atividade e realizados.
(RE)PENSAR A SOBRECONEXÃO
A utilização de novas tecnologias mudou definitivamente a forma de trabalhar e de encarar
a organização do trabalho. Cada vez mais estamos ligados, seja durante o tempo de trabalho,
seja fora dele.
Este novo paradigma tem levado muitos a refletir na sobreconexão e no seu impacto nas
relações trabalho-família. O smartphone, o tablet ou o portátil ligam-nos com facilidade ao
mundo e a qualquer hora estamos à disposição para resolver questões de trabalho, que assim
vão contaminando o tempo de descanso.
Faz, pois sentido debater a criação na lei portuguesa de um conceito de "direito à
desconexão", definindo-o e regulando-o, de forma a estabelecer limites e a proteger,
simultaneamente, os interesses dos trabalhadores e empregadores.
15
Por outro lado, existe a cultura de se esperar que as solicitações sejam respondidas 24/7,
ou seja, a qualquer hora e em qualquer dia da semana. Todos esperam que todos estejam
ligados, e esta expetativa traz um novo desafio ao modo de organizar o trabalho.
A isto soma-se o modo de encarar o trabalho e o maior foco nos resultados. Não foi só o
modo de trabalhar que mudou, foi a forma de viver o trabalho que mudou profundamente.
Este novo paradigma traz também desafios na perspetiva da lei, não podendo as leis do
trabalho ficarem atadas a visões estanques e ultrapassadas do trabalho. Neste particular, a lei
está muito distante da realidade não estando preparada para enquadrar estes novos desafios.
A primeira questão que se coloca é a repartição entre o que é tempo de trabalho e o tempo
de não trabalho e a suas implicações na organização da empresa13.
Por outro lado, aqui entronca a questão da prestação de trabalho não registado.
Provavelmente a maioria do trabalho feito com recurso a novas tecnologias não é contabilizado.
Perde-se um dos índices de execução do trabalho, mas mais concretamente deixa de ser possível
controlar o número de horas de trabalho prestado.
A par de tudo isto, está o crescimento da expetativa de que a qualquer hora se deve estar
ligado e de que a solicitação de um cliente, colega de trabalho ou parceiro de negócio, deve ser
respondida imediatamente. Isto influencia o modo como se avalia o trabalho com eventuais
efeitos na fixação de objetivos, na disciplina do trabalho e na avaliação do trabalhador.
O mundo mudou e a lei não está adaptada à nova realidade. Mas diga-se, igualmente, que
se perguntarmos aos trabalhadores mais afetados por este novo modo de trabalhar, se
mudariam alguma coisa, a resposta seria maioritariamente negativa.
A verdade é que não foi só a tecnologia que mudou o modo de trabalhar, foi o modo de
encarar o trabalho que mudou. O modelo de funcionários com o trabalho altamente regulado,
13 Um trabalhador que esteja uma hora a falar com um cliente ou a preparar um relatório ou um power point, como vê qualificado esse tempo? A circunstância de cada contrato (se sujeito a isenção de horário de trabalho, banco de horas, horário fixo…) determinará se se considera como tempo normal de trabalho ou trabalho suplementar, muito embora, talvez na maioria da vezes não chegue sequer a ser contabilizado como tempo de trabalho.
16
as expetativas totalmente previstas, a carreira organizada e o emprego para a vida é rejeitado
por uma larga maioria. E é neste desenquadramento social que a lei se desgarra da realidade,
regulando onde já não faz sentido e deixando espaços de desregulação onde devia existir
regulação.
UMA POLÍTICA FISCAL MAIS HUMANA, AMIGA DO TRABALHO E DAS FAMÍLIAS
A política fiscal pode ter um papel fundamental na mudança de hábitos, seja na criação de
melhores condições para os agregados familiares, seja favorecendo determinados
comportamentos que procurem estimular uma maior produtividade combatendo o
presentismo.
a. Aumentar o valor de mínimo de existência para famílias com crianças a cargo
A lei estabelece que para pessoas individuais se fixe um valor anual mínimo de existência de
€9.150,96, sendo que para famílias o valor poderá aumentar para €11.320 e em caso de famílias
com 5 ou mais dependentes o valor sobe para €15.560, muito longe de compensar os encargos
adicionais que uma família tem de suportar em comparação com uma pessoa individual.
b. Reposição do quociente familiar vs Dedução por filho atualmente existente
No primeiro Governo de António Costa, foi revogado o regime de quociente familiar e, em
contrapartida, alargado o regime das deduções à coleta por referência a cada dependente, a
conhecida dedução fixa por filho em sede de IRS. Assim, as deduções à coleta foram aumentadas
por cada dependente, de €325 para €600, e por cada ascendente que viva efetivamente em
comunhão de habitação com o sujeito passivo, de €300 para €525, desde que aquele não aufira
17
rendimento superior à pensão mínima do regime geral14. Acrescem €126 por cada dependente
que não ultrapasse os 3 anos e €110 se apenas um ascendente reunir os requisitos15.
A diferença essencial reside no seguinte aspeto: no quociente familiar, os rendimentos dos
adultos são distribuídos por todos os elementos que compõem o agregado familiar e, depois
disso, tributados. Distintamente, no regime de dedução fixa por filho, tem-se em consideração
o quociente conjugal, sendo aplicada seguidamente uma dedução de valor fixo por cada
dependente.
Esta nova fórmula representa um agravamento da carga fiscal real das famílias com filhos,
o que representa um retrocesso na fiscalidade de apoio às famílias e nas políticas de apoio social.
Com efeito, as famílias com salários acima de €690 passaram a suportar mais IRS, mesmo
considerando o desconto de €600 por filho e de €525 por ascendente a cargo. Acrescente-se,
aliás, que a nova modalidade só permite utilizar o valor atribuído para o cálculo das deduções
em sede de IRS, como uma despesa de saúde ou de educação. Distintamente, o revogado
quociente familiar fazia acrescer à dedução o valor de 0,3% por cada dependente.
Noutro plano é de sublinhar que existem já medidas fiscais de apoio às famílias que colocam
os familiares em lares usufruindo, para isso, de benefícios fiscais, em termos de IRS – 25% das
despesas com lares de terceira idade, até um máximo dedutível de € 403,75. Sendo esta medida
positiva, seria de ponderar um alargamento àquelas famílias que optem por cuidar no domicílio.
14 Segundo o Jornal de Negócios de 17.12.2019, na proposta do OE 2020 “o executivo socialista prepara-se para aumentar a dedução que é dada para o segundo filho com menos de três anos. Até aqui, além da dedução fixa de 600 euros por filho, existe um "bónus" de 126 euros por cada dependente que até aos três anos de idade. Segundo a versão preliminar de proposta orçamental, essa majoração mais que duplica, para 300 euros, desde que existam dois ou mais dependentes até aos três anos de idade. O mesmo acontece quando há responsabilidades parentais conjuntas e a residência alternada do menor (a dedução é dividida por cada um dos pais).”https://www.pressreader.com/portugal/jornal-de-negocios/20191217/281586652491309 15 Quando o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais estabeleça a responsabilidade conjunta e a residência alternada do menor, é deduzido o montante fixo de € 300 à coleta de cada sujeito passivo com responsabilidades parentais. Se o acordo de regulação das responsabilidades parentais estabelecer uma partilha de despesas que não seja igualitária e que fixe quantitativamente, para o dependente, a percentagem que respeita a cada sujeito passivo, o cálculo das deduções à coleta terá de considerar essas percentagens, que devem ser comunicadas pelo Portal das Finanças até 15 de fevereiro.
18
Urge, pois, encontrar um modelo de tributação dos rendimentos do trabalho que responda
às necessidades das famílias e que promova uma diferenciação positiva, favorecendo aqueles
que distribuem os rendimentos e cuidam de um maior número de dependentes, sejam
descendentes ou ascendentes.
c. Melhorar o regime de deduções à coleta em sede de IRS
A lei fixa um teto máximo a deduzir por cada contribuinte e, em alguns casos, esse teto é
dividido entre o contribuinte e os dependentes.
Veja-se por exemplo o caso das despesas de saúde, em que um contribuinte pode deduzir,
individualmente, 15% dos valores pagos, até um limite máximo de €1.000, sendo o montante
das deduções igual, independentemente do número de membros do agregado familiar.
No que se refere a despesas de educação: no regime de IRS de 2019 (rendimentos de 2018)
ficou estabelecida uma dedução de 30% das seguintes despesas de educação (art. 78.º-D do
CIRS):
a. Com creches, jardins-de-infância, lactários, escolas, estabelecimentos de ensino e
outros serviços de educação;
b. Manuais e livros escolares;
c. Refeições escolares;
d. Rendas de alojamento de estudantes deslocados.
Sucede, contudo, que tais deduções ficam limitadas ao valor máximo de €80016,
independentemente do número de pessoas que componham o agregado familiar.
Neste ponto, não há nada que diferencie o IRS das famílias numerosas uma vez que o teto
máximo de deduções à coleta mantém-se igual, dividindo por mais elementos do agregado
familiar (e prejudicando os agregados mais numerosos).
16 Os agregados que atinjam o limite de € 800,00 podem ver o limite alargado até aos € 1.000,00, quando a diferença corresponda às rendas com estudante deslocado.
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d. Criar benefícios fiscais ou reduções de taxa social única para as empresas que
promovam comportamentos Family-Friendly
A lei pode ter um papel de desincentivar os comportamentos indesejáveis, atribuindo
desvantagens e penalizações dirigidas às práticas que se pretende desincentivar e desencorajar.
Paralelamente, a lei pode ainda ter um papel de incentivar e premiar os bons
comportamentos, atribuindo benefícios dirigidos às práticas que se pretende incentivar e
estimular.
Veja-se, como exemplos, a recentemente criada contribuição adicional por rotatividade
excessiva, prevista na Lei n.º 93/2019 de 4 de setembro de 2019 que alterou o Código do
Trabalho e o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social,
visando penalizar a contratação a termo através da criação de uma obrigação contributiva ou,
diversamente, o programa CONVERTE+, que representa um incentivo financeiro no montante
de 4 vezes a remuneração base mensal prevista no contrato de trabalho sem termo, até
ao limite de 7 vezes o IAS, previsto para os casos em que exista a conversão de contratos
a termo em contratos por tempo indeterminado, mediante candidatura específica e
preenchimento de condições de acesso ao programa, visando um aumento do número de
contratos a termo que se convolam em contratos por tempo indeterminado.
Ora, nestes exemplos, a lei, por um lado, tanto pune comportamentos que considera
indesejáveis, como é o caso da elevada – ou, mais concretamente, superior à média,
consubstanciada no indicador setorial anual a definir por portaria –, contratação a termo,
como, por outro lado, premeia comportamentos que, inversamente, considera desejáveis,
como é o caso da diminuição do peso da contratação a termo e consequente redução da
precariedade laboral, através do aumento do número de contratos celebrados por tempo
indeterminado.
Neste sentido, a promoção de comportamentos familiarmente responsáveis poderia passar
pelo recurso a incentivos financeiros, a reduções de taxa social única ou à criação de descontos
de contribuições à Segurança Social, ou de IRC, em situações como:
20
a. Horários com semanas de trabalho abaixo de 40 horas, estimulando as 35 horas ou as
37,5 horas semanais. Em casos em que, por força de lei ou de instrumento de
regulamentação coletiva aplicável, o limite resulte já inferior, poderão ser aplicados
outros limites mínimos elegíveis para efeitos de incentivos legais;
b. Fixação de incentivos às empresas que registem um maior número de trabalhadores
que tenham gozado licenças de parentalidade, trabalhadoras grávidas ou trabalhadores
com filhos até aos 3 anos de idade;
c. Redução na taxa social única ou criação de incentivos fiscais às empresas que
contratem a tempo parcial.
PENSAR AS CIDADES DE FORMA INTEGRADA MELHORANDO A MOBILIDADE
Procurar soluções para uma melhor conciliação da vida profissional com a vida familiar,
pode – de um ponto de vista de políticas e de investimento público –, encontrar eco na melhoria
da mobilidade, em particular nos grandes centros urbanos. Num tempo de grande preocupação
com as alterações climáticas este acaba por ser um eixo que, neste particular, aproveita também
à temática que abordamos nesta Moção.
Uma das formas de melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores consiste em melhorar
a mobilidade, em particular nas cidades onde se concentra o maior número de população. Os
ganhos de tempo em cada viagem nos movimentos pendulares, representará mais tempo para
dedicar ao que é importante, seja na profissão seja na vida familiar.
Repensar as cidades do ponto de vista da mobilidade permitirá alcançar cidades mais
sustentáveis, seja do ponto de vista económico, seja do ponto de vista ambiental, motivo pelo
qual é essencial uma atenção especial a este tópico.
Muitas soluções podem e devem ser desenvolvidas que procurem responder a esta
necessidade, podendo sublinhar-se os seguintes aspetos:
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a. Investir na melhoria da rede de transportes coletivos, com especial enfoque na
melhoria de horários, aumento de oferta e na renovação das frotas quando tal se
mostre necessário;
b. Aumentar a rede de ciclovias e reorganizar as cidades com foco na circulação de
pessoas e de veículos de mobilidade suave;
c. Criar políticas ativas de dissipação e evaporação de trânsito.
A este propósito, o Município de Cascais – do qual o CDS faz parte integrante em coligação
com o PSD – destacou-se recentemente com boas práticas, como sejam através do pacote
MobiCascais que oferece vantagens para lá dos benefícios da redução do preço dos passes
promovido recentemente pelo Governo e pelas áreas metropolitanas das cidades de Lisboa e
Porto.
NOTA FINAL
Há um ponto transversal ao tema que se propõe que seja debatido, que tem que ver com
uma mudança de cultura. Isso implicará ações concretas, como sejam a criação de incentivos
fiscais ou de outros benefícios que premeiem determinados comportamentos e que procurem
influenciar positivamente o eixo empresas e trabalhadores mais produtivos e mais amigos das
famílias. Complementarmente, poderá trabalhar-se nos programas escolares, através de uma
educação para o empreendedorismo e alertando para a necessidade de um equilíbrio entre a
vida profissional e a vida social (ou não profissional), estimulando-se, por exemplo, o
desenvolvimento de atividades fora do ambiente escolar.
Lisboa, 27 de dezembro de 2019.
1.º Subscritor: Jorge Ribeiro Mendonça