UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
KELYANE SILVA DE SOUSA
BÁRBARA DE ALENCAR: RELAÇÕES DE GÊNERO E PODER NO CARIRI
CEARENSE
FORTALEZA – CEARÁ 2015
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KELYANE SILVA DE SOUSA
BÁRBARA DE ALENCAR: RELAÇÕES DE GÊNERO E PODER NO CARIRI
CEARENSE
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Helena de Paula Frota
FORTALEZA – CEARÁ 2015
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Para todas as “Bárbaras” de hoje,
mulheres reais, contraditórias,
que podem não ter suas histórias narradas em livros,
mas assumem o protagonismo de suas vidas.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, pela inspiração divina, saúde e vontade fornecidas diariamente, permitindo-me sobrepujar todas as dificuldades do dia a dia e conseguir êxito nesta missão! Aos meus pais, Jacqueline Sousa e Geraldo Sousa, por me proporcionarem essa ímpar e valiosa experiência!
À minha família, pela maneira carinhosa e paciente com que se dedicaram a mim,
incentivando-me intensamente para a realização deste trabalho!
À minha orientadora, a Professora Dra. Maria Helena de Paula Frota, por sua atenção e apoio na orientação deste trabalho e, principalmente, pela contribuição com seus conhecimentos, ao me conduzir pelos caminhos da pesquisa. À Professora Silvia Márcia Alves Siqueira, por ter aceitado participar desta banca e por ter colaborado, sobremaneira, neste trabalho desde a qualificação. Ao Professor Francisco Horácio Frota, pelos textos, indicações, e pelo incentivo e apoio. Muito obrigada! Ao Mestrado Acadêmico de Políticas Públicas e Sociedade, pela oportunidade de crescimento acadêmico. À secretária do MAPPS, Cristina, por sua disponibilidade e contribuição em todas as demandas relacionadas a essa fase.
À minha amiga Sárvia Martins, pelas correções, alterações e ajuda em todos os momentos.
Aos meus irmãos Kalyne Damasceno, Rafael Mariano, Arthur Sousa, Rebeca Mariano e Maria Júlia, a quem amo imensamente.
A José Maciano Alexandrino da Silva, companheiro e amigo, que me entendeu e me deu todo estímulo necessário nesse momento difícil de conclusão da dissertação. Muito obrigada!
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RESUMO
Bárbara Pereira de Alencar tornou-se objeto deste estudo por ter se destacado nos mais diversos segmentos da prática política no Brasil oitocentista. Bárbara é considerada a primeira mulher revolucionária, republicana, antimonarquista e, por consequência, a primeira prisioneira política do país. Dentre todos esses atributos, destaca-se o fato de ser mulher da elite do sertão, marcado pela escassez de recursos e pela demora cultural. Bárbara de Alencar, seus filhos e seu irmão participaram ativamente de duas grandes revoluções nordestinas do início do século XIX: a Revolução Pernambucana (1817) e a Confederação do Equador (1824). Revisitar a história da proclamada “heroína cearense” requer também compreender o contexto em que ela esteve inserida e suas contradições, haja vista que, apesar de libertária, pertencia à aristocracia agrária da época e, como tal, era proprietária de terras e escravos. Diante disso, o objetivo principal deste trabalho foi investigar como se manifestaram, na sociedade sertaneja, as relações de gênero e poder através do resgate da história de Bárbara de Alencar. Para alcançar o objetivo, durante a pesquisa, utilizamos o método biográfico das ciências sociais, por meio de pesquisa bibliográfica e relatos orais, e empregamos a técnica de entrevista semiestruturada com os pesquisadores da temática, abordando questões sobre vivências da família Alencar e seu contexto histórico. Como categorias de análise principais foram utilizadas gênero e poder; matriarcado do sertão; e elite nordestina. Assim, retomar essa história sob o olhar sociológico nas categorias gênero e poder tornou-se relevante pioneirismo, ainda que imersa nos paradoxos de seu tempo histórico. Bárbara de Alencar apareceu representada pelas diversas imagens a que foi associada ao longo da história: matriarca, mulher da elite, católica devota, empreendedora, heroína e revolucionária.
Palavras-chave: Gênero e poder. Matriarca do sertão. Bárbara de Alencar.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 ‒ Estátua de Nossa Senhora de Fátima no Crato............................... 24
Figura 2 ‒ Casa de Bárbara de Alencar no Crato.............................................. 25
Figura 3 ‒ Instituto Cultural do Cariri e Revista Itaytera.................................... 26
Figura 4 ‒ Prisão de Bárbara de Alencar no Forte Nossa Senhora da
Assunção.......................................................................................... 28
Figura 5 ‒ Huberto Cabral................................................................................. 29
Figura 6 ‒ Alessandra Bandeira........................................................................ 30
Figura 7 ‒ Oswald Barroso................................................................................ 31
Figura 8 ‒ Gylmar Chaves................................................................................. 34
Figura 9 ‒ Aírton de Farias................................................................................ 35
Figura 10 ‒ Divisão do Nordeste em regiões geoeconômicas............................ 43
Figura 11 ‒ Mapa do Cariri - CE com destaque para Exu - PE........................... 50
Figura 12 ‒ Tabela da Razão de Masculinidade no século XIX, no Cariri.......... 54
Figura 13 ‒ Retrato de Bárbara de Alencar por Oscar Araripe............................ 63
Figura 14 ‒ Igreja Matriz do Crato....................................................................... 73
Figura 15 ‒ Tropas imperais reagem em Recife - PE.......................................... 79
Figura 16 ‒ Homem sendo transportado em rede, por seus escravos, segundo
Debret............................................................................................... 90
Figura 17 ‒ Retrato de D. Bárbara de Alencar.................................................... 92
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LISTA DE ABREVIATURAS
CMRCC Conselho da Mulher da Região do Cariri Cearense
ICC Instituto Cultural do Cariri
URCA Universidade Regional do Cariri
UFC Universidade Federal do Ceará
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 12
2 REVISITANDO A HISTÓRIA DE BÁRBARA IN LOCO: PERCURSO
METODOLÓGICO........................................................................................... 18
2.1 METODOLOGIA DA PESQUISA: O MÉTODO BIOGRÁFICO NAS
CIÊNCIAS SOCIAIS ...................................................................................... 20
2.1. Do litoral ao sertão do Ceará: Fortaleza e Cariri como campo de
pesquisa......................................................................................................... 22
2.1. Interlocutores da pesquisa........................................................................... 28
3 O SERTÃO NORDESTINO E AS TRANSFORMAÇÕES DO SÉCULO XIX:
DA CHEGADA DA COROA PORTUGUESA ÀS REVOLUÇÕES
REPUBLICANAS ………………...………………………………………….……. 39
3.1 ACONTECIMENTOS DO BRASIL NO PERÍODO OITOCENTISTA .............. 40
3.2 PERCEPÇÕES SOCIOLÓGICAS DO SERTÃO NORDESTINO E DO
POVO SERTANEJO........................................................................................ 42
3.3 O CEARÁ E OS SERTÕES DO SÉCULO XIX............................................... 45
3.3.1 A Família Alencar no Nordeste e a formação do Cariri
cearense........................................................................................................ 47
3.3.2 A escravidão na região do Cariri................................................................. 52
4 BÁRBARA DE ALENCAR E AS RELAÇÕES DE PODER ENTRE
HOMENS E MULHERES NO SERTÃO: APROXIMAÇÕES.......................... 55
4.1 O NORDESTINO E AS CONSTRUÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO:
PATRIARCADO E MATRIARCADO NO PERÍODO COLONIAL.................... 57
4.1.1 As matriarcas do sertão: poder além da casa-grande............................... 60
4.2 BÁRBARA DE ALENCAR: REGISTROS HISTÓRICOS DA MATRIARCA
DO CRATO...................................................................................................... 63
4.3 A FAMÍLIA ALENCAR NAS REVOLUÇÕES NORDESTINAS DA
PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX.......................................................... 67
4.3.1 A Revolução Pernambucana de 1817.......................................................... 67
4.3.2 A Confederação do Equador de 1824.......................................................... 75
5 BÁRBARA DE ALENCAR: MULHER, MÃE E REVOLUCIONÁRIA............. 81
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5.1 SOBRE MULHERES E IDEAIS: PRINCÍPIOS ILUMINISTAS E AS
MULHERES.................................................................................................... 81
5.2 AS VÁRIAS FACES DA MATRIARCA DA FAMÍLIA ALENCAR: AS
CATEGORIAS EMPÍRICAS E A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE DONA
BÁRBARA DO CRATO.................................................................................. 88
5.2.1 Bárbara, matriarca e mulher da elite sertaneja........................................... 88
5.2.2 A beata Bárbara de Alencar: catolicismo e moralidade no sertão........... 94
5.2.3 Bárbara: mulher culta e empreendedora.................................................... 97
5.2.4 Bárbara de Alencar: madrinha dos escravos............................................. 99
5.2.5 Bárbara heroína e revolucionária............................................................... 101
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 104
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 108
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Hoje ao passar pelos lados
Das brancas paredes, paredes do Forte,
Escuto ganidos, ganidos, ganidos, ganidos,
Ganidos de morte
Vindos daquela janela
É Bárbara, tenho certeza
É Bárbara, sei que é ela
Que de dentro da fortaleza,
Por seus filhos e irmãos,
Joga gemidos, gemidos no ar
Que sonhos tão loucos, tão loucos, tão loucos,
Tão loucos foi Bárbara sonhar
Se deixe ficar por instantes
Na sombra desse baobá,
Que virão fantasmas errantes
De sonhos eternos falar
Amigo que desces a rua,
Não te assustes, não passes distante
Procura entender, entender,
Entender o segredo
Desse peito sangrante
Passeio Público,
Ednardo
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1. INTRODUÇÃO
“Aqueles que não conseguem reler são obrigados a ler a mesma história
em toda parte.”
Roland Barthes
Debruçar-se sobre os fatos históricos, biografar a vida das mulheres e
tentar conhecer as diversas faces da realidade tem sido uma das principais formas
de militância das feministas, e, no Brasil, especificamente, foi a temática mais
abordada na década de 901. Essa desafiadora missão de reler o que já havia sido
produzido e encontrar, nas entrelinhas da produção acadêmica, as mulheres – além
disso, mostrar o lugar do feminino no passado, conjurar a imagem das “esquecidas”
– significou, na maioria dos casos, não só relembrá-las, mas enaltecê-las, atribuindo
às mulheres do passado os títulos de “heroína”, “guerreira”, dentre tantos.
Bárbara Pereira de Alencar, destacada exuense radicada no Ceará,
objeto de estudo desta pesquisa, é apresentada de forma sublimada nas biografias
estudadas, através de narrativas romantizadas, algumas vezes, até pueris, o que
dificulta a identificação das mulheres reais, contemporâneas, com ela 2. Isso trouxe o
desejo de desmitificá-la: ela tinha limitações ou apenas qualidades extraordinárias?
O que se sabe é que muitos contaram sua história, portanto, parecia irrelevante mais
um trabalho sobre alguém que já foi tema de tantos escritos. Há ainda uma segunda
indagação que provavelmente vem à mente e que também pulula na da
pesquisadora: qual o sentido de escrever a mesma sucessão de fatos, recontar o
que já foi dito?
1 Tilly (1994) ressalta que a distinção dos trabalhos que retratam a história das mulheres dos demais
é seu engajamento político, seu aspecto de transformação social. Ainda que tenham sido escritos por autoras(es) que não estavam diretamente engajadas(os) no movimento feminista, todos possuem um cunho de movimento social, advindo do contexto de luta das mulheres entre 1970 e 1980.
2 A respeito do heroísmo atribuído às mulheres que se destacaram, Bárbara Pereira de Alencar, no
dia 22 de dezembro de 2014, foi inscrita no Livro dos Heróis da Pátria, pela Lei nº 13.056, sancionada pela Presidenta Dilma Roussef, em alusão à sua luta a favor da liberdade e da república.
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Posto, a proposta da pesquisa não é só recontar, mas reviver. Trazer à
baila das discussões de gênero um expoente – por ser inegável o seu papel de
destaque na época e no local em que viveu: o período oitocentista no interior do
Ceará –, sem, entretanto, incorrer no errôneo discurso que exalta somente suas
características pessoais esquecendo-se do contexto que o formou. Explicitar, assim,
que Bárbara foi uma mulher real, com todas as contradições e paradoxos próprios
da existência humana, mas que conseguiu se destacar pelas possibilidades do meio
em que viveu; não era mística, nem tão pouco divina, como depreendemos em
algumas obras. Mostrar essa realidade será o ofício da pesquisadora nas páginas
que se sucedem.
Primeiramente, faz-se necessário introduzir algumas noções da
perspectiva de gênero, que se remontam aos primórdios da sociabilidade humana.
Para começar a pensar essas questões, recorremos à filosofia: “O homem é um
animal político”. Essa insigne frase aristotélica designa que todos os seres humanos
são eminentemente políticos em suas práticas e, mesmo em suas escolhas mais
prosaicas, como o que comer ou o que vestir, expressam seus desejos, aspirações,
ou ideologias. No entanto, essa frase foi posta em prática, literalmente, ao longo da
história da sociedade: somente aos homens – lê-se o macho – era permitida a plena
cidadania e, ainda, em condições particulares de poder instituído, como veremos
adiante.
Os acontecimentos públicos, narrados na história tradicional,
negligenciam o espaço de participação das mulheres, dos negros e indígenas no
Brasil, e de crianças, adolescentes e idosos. Todos esses possuíam, ao longo da
construção sócio-histórica e cultural do país, restrição dos direitos de cidadania ou
mesmo a inexistência destes, mas conseguiam se reinventar na cotidianidade e
encontrar estratégias para sobreviver e resistir. Porém, como a história era contada
pelos cientistas da época, que detinham o saber e o poder – os adultos do sexo
masculino, brancos, ricos e sem deficiência –, as formas de resistência tinham sido
abrandadas ou mesmo esquecidas (AGUIAR, 1997).
Os grandes cientistas, mártires e heróis de guerra eram homens
pertencentes às camadas mais altas da sociedade, os quais dedicaram suas vidas
esforçada e generosamente a uma causa coletiva Assim temos aprendido e
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reproduzido desde a educação básica, mas esta não é toda a verdade dos fatos. A
realidade é que um grande número de mulheres, negros e até crianças e
adolescentes colaboraram, de maneira decisiva, para a edificação dos marcos
históricos, seja redigindo os textos das descobertas científicas, lutando em combates
por domínio de terras – ainda que de modo forçado –, ou contribuindo para a
geração da renda que financiou o “ócio criativo” desses homens.
Outrossim, em meio às condições adversas à participação política,
algumas mulheres destacaram-se por sua luta por direitos, rejeitando os
determinismos e identidades atribuídas aos gêneros em seu tempo histórico, e
inseriram-se em espaços eminentemente masculinos, como a militância política e as
forças militares. No Ceará, duas mulheres ganharam espaço na memória do povo,
por seus feitos durante o século XIX – Bárbara de Alencar e Jovita Feitosa3 –, fato
admirável, considerando que estavam imersas em uma sociedade na qual as
mulheres eram desprovidas de direitos e representatividade.
Bárbara de Alencar tornou-se objeto de estudo desta pesquisa por ter sido
considerada “pioneira” nos mais diversos segmentos da prática política no Brasil.
Essa ilustre exuense, que atuou principalmente no Crato, na história tradicional, é
apresentada como a primeira mulher revolucionária, republicana, antimonarquista e,
por seu envolvimento nas revoluções, tornou-se a primeira prisioneira política do
país, segundo os registros. Entre todos esses atributos, destaca-se seu contexto
regional – uma sociedade marcada pelo sistema patriarcal nas leis e nos costumes –
em um período em que as mulheres não tinham direito nem mesmo a andarem
desacompanhadas na rua. Sua distinção é avultada por sua participação ativa nas
duas grandes revoluções nordestinas: a Revolução Pernambucana de (1817) e a
Confederação do Equador (1824).
3 Antônia Alves Feitosa – mais conhecida pelo apelido, Jovita Feitosa (1848-1867), segundo Farias
(2012) era natural dos Inhamuns – CE, mas mudou-se para Jaicós- PI depois do falecimento da mãe, quando estava com 12 anos. Movida por sentimentos patrióticos, aos 17 anos, decidiu se alistar para participar da Guerra do Paraguai, e, como a participação feminina era proibida, vestiu-se com trajes masculinos e cortou o cabelo, mas, ainda assim seu disfarce foi descoberto quando estava em Teresina-PI. Ainda assim, foi aceita excepcionalmente como primeiro sargento e acompanhou as tropas para o Rio de Janeiro em 1865. Por esse feito, recebeu homenagens e tornou-se exemplo de voluntarismo em favor da pátria. Entretanto, não chegou a batalhar, pois o ministro da Guerra expediu um ofício de proibição dois meses depois.
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Destacamos ainda, o fato de ser do sertão nordestino e residir distante do
da zona-da-mata açucareira e do litoral, e ainda assim ter tomado conhecimento das
inquietações e se engajado nos movimentos de resistência que estavam ocorrendo
no Nordeste. Compreender seu contexto histórico e a realidade da sociedade
oitcentista configuram o escopo desta proposta, haja vista que, diversos elementos
compõe essa realidade, como o engajamento com ideais iluministas, a pertença à
aristocracia agrária da época, e como tal, era proprietária de terras e escravos, e
principalmente, a relação entre homens e mulheres que colaboraram para a
construção da imagem de Dona Bárbara do Crato.
Retomar essa história sob o olhar sociológico nas categorias gênero e
poder torna-se relevante também diante da atualidade, porquanto uma mulher ocupa
a posição máxima do poder na república, o que implica na reflexão sobre a mudança
dos determinismos sociais em relação aos gêneros.
Utilizar a categoria crítica de gênero significa muito mais. Entre outros elementos de análise envolve uma teoria da construção social das identidades sexuais e, insisto novamente, uma teoria das relações de poder entre os sexos e uma vontade ética e política de denunciar as deformações conceituais de um discurso hegemônico baseado na exclusão e inferiorização da metade da espécie humana. (tradução nossa) (PULEO, 2011, p. 19)
Destacamos que o poder é uma habilidade humana que pertence a um
grupo e não a um único indivíduo (ARENDT, 1985), e que é conquistado e mantido
pelo grupo, portanto, a participação das mulheres coletivamente perpassa a
rompimento desse padrão androcêntrico e misógino da política na sociedade como
um todo, e que podemos dizer, é também cultural.
Diante disso, a pergunta de partida para a realização desta pesquisa foi:
como se estabeleciam as relações de gênero e poder na sociedade em que viveu
Bárbara de Alencar? As demais perguntas serão: Como ocorreram as relações de
patriarcado e matriarcado no Nordeste? Como os ideais iluministas foram
incorporados e difundidos pelas elites do Cariri – CE? Quais as imagens foram
construídas a partir dos registros históricos de Bárbara de Alencar?
Diante disso, o objetivo principal deste trabalho será investigar como se
estabelecem as relações de gênero e poder na sociedade em que viveu Bárbara de
Alencar. Os objetivos específicos serão: conhecer a formação da sociedade
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nordestina acerca dos papeis sociais de gênero – matriarcado e patriarcado;
compreender como os ideais iluministas foram incorporados e reproduzidos pela
elite aristocrata e escravista; e identificar os elementos que compõe as imagens
construídas acerca de Bárbara de Alencar, através dos registros históricos e
documentais da época de Bárbara de Alencar.
Para alcançar tais objetivos, durante a pesquisa, utilizaremos o Método
Biográfico em Ciências Sociais, na perspectiva de Mirian Goldenberg (1998), ou
seja, apresentar o contexto de uma época através da vida de um sujeito de
pesquisa, e realizamos pesquisa bibliográfica e documental nos principais acervos
históricos do Cariri, principalmente a Biblioteca Municipal do Crato e a Biblioteca do
Instituto Cultural do Cariri. Na pesquisa de campo, percorremos as cidades onde
Bárbara nasceu e residiu, iniciando pelo município Exu - PE, posteriormente, o local
onde ficava sua casa no Crato e na cidade de Juazeiro.
Nessa perspectiva, a participação política das mulheres, enquanto direito
legitimado, é uma conquista contemporânea, que tem evoluído de modo
exponencial, impulsionada pela inserção destas nos demais espaços sociais: o
mercado de trabalho, a política em geral, ou seja, o gênero feminino hodiernamente
está conquistando o espaço público, historicamente delegado somente ao homem,
no qual Bárbara de Alencar destaca-se por seu pioneirismo, ainda que imersa nas
contradições de seu tempo histórico.
A metodologia que será utilizada possibilitará desvendar o objeto de
estudo proposto, cujos resultados estarão presentes nas discussões dos três
capítulos desta dissertação, que estão dispostos da seguinte forma:
O primeiro capítulo discursivo foi intitulado: “Revisitando a História de
Bárbara de Alencar in locu: percurso metodológico” que apresentou a justificativa
para a escolha do sujeito da pesquisa, a metodologia utilizada, o campo de pesquisa
– com destaque ao Crato e Fortaleza e o perfil dos interlocutores, os pesquisadores
da família Alencar e da história do Ceará.
O segundo capítulo “O sertão nordestino e as transformações do século
XIX: da chegada da Coroa Portuguesa às revoluções republicanas” fez o resgate do
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contexto histórico, iniciando com as insatisfações da elite com as determinações da
metrópole, as principais atividades econômicas do período, até que passamos a
conhecer propriamente a realidade do sertão nordestino, inicialmente pela análise
sociológica da obra de Euclides da Cunha “Os sertões” e posteriormente pelo
contexto do Ceará e do Cariri no período colonial.
Acerca do terceiro capítulo, denominado “Bárbara de Alencar e as
relações de poder entre homens e mulheres no sertão: aproximações” recontamos a
história e o contexto em que emerge a matriarca do Crato, através do material
bibliográfico e os relatos orais dos interlocutores. Resgatamos também os fatos que
ocorreram durante a Revolução Pernambucana de 1817 e a Confederação do
Equador de 1824, destacando a entrada dos ideais iluministas no país e como eles
influenciaram a luta pela instauração da República, ressaltando a contribuição da
Família Alencar nesses dois movimentos.
O quarto e último é designado “Bárbara de Alencar: mulher, mãe e
revolucionária,” buscou discutir a relação entre os ideais iluministas e suas
implicações na história das mulheres e reconstruir as categorias empíricas acerca
das imagens construídas socialmente de Bárbara de Alencar através dos registros
orais dos entrevistados.
Por último, serão apresentadas as considerações finais, retomando o que
foi apresentado e confrontando com os objetivos, para que, por fim, a pesquisa
possa subsidiar outras investigações acerca da temática abordada.
Iniciamos, a partir de então, o desvelar da história de Bárbara de Alencar,
através deste árduo e prazeroso trabalho de pesquisa, o qual nos propusemos a
escrever. Boa leitura!
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2. REVISITANDO A HISTÓRIA DE BÁRBARA IN LOCO: PERCURSO
METODOLÓGICO
A proposta de ter como sujeito dessa pesquisa nos trouxe uma primeira
inquietação: como pesquisar alguém que pertence a outro século, que já não pode
narrar sua própria história? Esse era o primeiro desafio para nós que estávamos
habituados a investigar fatos contemporâneos, atuais, com sujeitos vivos.
Entretanto, contar a história dessa mulher, que nos causou fascínio desde a primeira
vez que visitamos sua prisão no Forte Nossa Senhora da Assunção – ainda nos
tempos da aula de campo da escola – era uma provocação irresistível para
estudiosas de gênero, e logo nos veio à mente os questionamentos de Joan Scott
(1989): “Por que (e desde quando) as mulheres são invisíveis como sujeitos
históricos, quando sabemos que elas participaram dos grandes e pequenos eventos
da história humana?” (p. 28)
Bárbara Pereira de Alencar, mais conhecida como Dona Bárbara não foi
uma mulher totalmente invisibilizada - ainda que muitos biógrafos e estudiosos que
se dedicam aos feitos da história da família Alencar clamem a maior propagação de
seu nome - seu legado continua sendo relembrado nos diversos memoriais no
Ceará e nas manifestações culturais, como a Loa de Calé de Alencar apresentada
no capítulo anterior. Esse foi um processo longo: entender que diferente o motivo
pelo qual ela apareceu na história já no século XIX, na contramão do que apontavam
textos de autoras conhecidas por nós: Heleieth Safiotti, Rose Marie Muraro, Alicia
Puleo, Michele Perrot, dentre outras.
Diante disso, o primeiro passo para entendermos quem era Dona Bárbara
do Crato foi a realização de uma pesquisa bibliográfica e documental na Biblioteca
Pública Menezes Pimentel de Fortaleza, a Biblioteca Municipal do Crato e a
Biblioteca do Instituto Cultural do Cariri, assim como o acervo da orientadora da
pesquisa Professora Drª Maria Helena de Paula Frota, que juntamente com o
Professor Dr. Horácio Frota, cederam livros basilares para a pesquisa, como as
obras de Roberto Gaspar ( 2001) e de Ariadne Araújo (2002).
A partir de então, selecionamos as obras que seriam referências para
narrar a história de Bárbara de Alencar, grande parte escritas pelos próprios
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descentes de Bárbara de Alencar. As obras de referência utilizadas foram “As quatro
sergipanas” (1996) do Padre Francisco Montenegro, “Bárbara e a Saga da Heroína –
José de Alencar e o desafio da escravidão” (2006) de José Caminha de Alencar
Araripe, “Bárbara de Alencar: a guerreira do Brasil” (2001) de Roberto Gaspar,
“Bárbara de Alencar” (2002) de Ariadne Araújo”, “Brados Retumbantes de uma vida:
trajetória de Pedro Jaime, o primogênito de Tristão Gonçalves de Alencar Araripe”
(2011) de Maria Helena Alencar e Guarani Valença de Araripe, “Exu: três séculos de
história” (2011) de Thereza Oldam de Alencar.
A obra “As quatro sergipanas” (1996) foi escrita pelo Padre Francisco
Holanda de Montenegro (1913-2005), professor do Seminário de São José e do
Colégio Diocesano do Crato, também fundador da Universidade Regional do Cariri –
URCA. Como pesquisador, dedicou-se a resgatar a memória histórica do Crato
desde suas origens, o que está registrado em sua obra, que apresenta a genealogia
das famílias as quais iniciaram o povoamento do Cariri no século XVIII, oriundos da
Província de Sergipe Del Rey, atual Sergipe. O jornalista J. C. Alencar Araripe foi
seu aluno e fez um breve relato de sua biografia na Revista da Academia Cearense
de Letras no ano de seu falecimento4.
Segundo a publicação do “Diário do Nordeste” de 12 de junho 2010, o
autor da obra “Bárbara e a Saga da Heroína – José de Alencar e o desafio da
escravidão”, José Caminha Alencar Araripe, era um jornalista e escritor cearense,
natural do município de Jardim. Trineto de Bárbara de Alencar, escreveu diversos
textos sobre seus antepassados, exaltando a participação política da família Alencar.
Destacou-se no Ceará por sua colaboração na da fundação do curso de
Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará – UFC. Assim como seus
ascendentes, participou da política exercendo o mandato de vereador e Prefeito
Municipal Interino de Fortaleza. No jornalismo, J. C. Alencar Araripe trabalhou nos
Jornais "O Povo” e “Diário do Nordeste”. Também foi presidente da Associação
Cearense de Imprensa (ACI) e membro do Instituto do Ceará. Dentre as suas
4 ARARIPE, J. C. A. Monsenhor Montenegro. Revista da Academia Cearense de Letras. Ano CV. nº
60. 2005. Disponível em: http://www.ceara.pro.br/acl/revistas/revistas/2005/ACL_2005_011_Monsenhor_Montenegro_-_J_C_Alencar_Araripe.pdf Acesso em 20 de dez. de 2014.
20
principais obras, destaca-se, "Alencar, o padre rebelde", biografia de José Martiniano
de Alencar exaltando sua atuação política no Ceará.
Roberto Gaspar, professor da Universidade Federal do Ceará – UFC,
historiador e escritor, desejando resgatar o ‘nacionalismo’ através da biografia de
personalidades regionais que se destacaram, escreve a biografia romantizada
“Bárbara de Alencar: a guerreira do Brasil” (2001), que apresenta uma narrativa
poética, retratando os diálogos da família Alencar com enfoque no cenário das duas
revoluções que participaram ativamente. Suas principais fontes são as obras: “Dona
Bárbara do Crato: a heroína cearense” (1972) de Juarez Aires de Alencar e “Dona
Bárbara – 1817 no Ceará” (1916) de José Carvalho. Semelhante a obra de Gaspar,
“Bárbara de Alencar” (2002) da jornalista Ariadne Araújo traz os principais fatos da
vida de D. Bárbara enfocando na sua resistência à Coroa Portuguesa.
O livro “Brados Retumbantes de uma vida: trajetória de Pedro Jaime, o
primogênito de Tristão Gonçalves de Alencar Araripe” (2011) de Maria Helena
Alencar e Guarani Valença de Araripe, uma biografia romanceada - como os
próprios autores descrevem – da vida do primogênito bastardo de Tristão
Gonçalves, filho de Bárbara de Alencar. Ambos os autores pertencem à genealogia
da família Alencar, Maria Helena Alencar é trineta de Pedro Jaime e o outro autor,
Guarani Valença de Alencar, bisneto. Esta obra é relevante para se entender a
relação de Bárbara de Alencar com a escravidão e a religião, através da narrativa
dos fatos e do resgate de documentos históricos.
Por fim, na obra “Exu: três séculos de história” (2011) de Thereza Oldam
de Alencar, descendente da família Alencar vinda de Portugal, podemos
compreender que as estreitas relações econômicas, políticas e sociais entre Exu e
Crato se deram, não somente pela proximidade geográfica, mas também, pela raiz
familiar comum entre os desbravadores no século XVIII.
2.1 METODOLOGIA DA PESQUISA: O MÉTODO BIOGRÁFICO NAS CIÊNCIAS
SOCIAIS
21
A pesquisa bibliográfica campo acima demonstradas representam a
primeira fase da metodologia, seguida da pesquisa de campo e das entrevistas com
os historiadores, memorialistas e pesquisadores de Bárbara de Alencar e da sua
família, o qual serão apresentados no tópico subsequente.
Recorreremos às fontes orais através da técnica de entrevista
semiestruturada mediada pela aplicação de um questionário, abordando questões
sobre vivências da família Alencar e seu contexto histórico, escravidão, matriarcado
e questões de gênero na sociedade colonial. O método aplicado foi o método
biográfico, que, segundo Mirian Goldenberg (1998) “A utilização do método
biográfico em ciências sociais é uma maneira de revelar como as pessoas
universalizam, através de suas vidas e de suas ações, a época histórica em que
vivem” (p. 43). Estudar a história das mulheres é desafiador, pois, segundo Tilly
(1994)
[...] há duas tarefas cada vez mais urgentes que se apresentam à história das mulheres: produzir não somente estudos descritivos e interpretativos, mas também estudos que resolvam problemas analíticos, e vincular as descobertas que decorrentes desses às questões gerais que há muito estão postas à história. Ainda que definidas pelo sexo, as mulheres são algo mais do que uma categoria biológica; elas existem socialmente e compreendem pessoas do sexo feminino de diferentes idades, de diferentes situações familiares, pertencentes a diferentes classes sociais, nações e comunidades; suas vidas são modeladas por diferentes regras sociais e costumes, em um meio no qual se configuram crenças e opiniões decorrentes de estruturas de poder. Mas, sobretudo porque, para o historiador, em função do processo permanente de estruturação social. (p.31)
Tratando-se de uma mulher, permite conhecer o contexto sobre um novo
olhar nas relações de gênero, sobre aquelas que tiveram destaque na história, seja
por coragem, bravura ou “atos heroicos” como Bárbara de Alencar, nos possibilita
entender quais as condições que a fizeram se sobressair dentre as demais. Isso
perpassa o entendimento que homens e mulheres são construídos socialmente, e as
demais relações que estabelecem de classe, raça e geração terão influência direta
no modo em que se apresentam. Guimarães (2005) ao afirmar a relevância de se
estudar a história das mulheres baseada na perspectiva de Joan Scott define:
Nesse sentido, a mulher e o homem são construídos socialmente, a partir de uma cultura historicamente situada no tempo e dentro das circunstâncias
22
possíveis, determinadas por essa temporalidade. Sujeitos de seu tempo, imersos em um conjunto específico de relações sociais historicamente situadas, cada ser-mulher e cada ser-homem tem um grupo originário e estão submetidos às regras de comportamento que se firmam à ética hegemônica. Assim sendo, sob o ponto de vista da construção de sua especificidade de mulher e homem, são determinantes sua classe, raça, religião e a forma de inserção na sociedade. Deste modo, a partir das variáveis fundamentais se constroem o ser-homem e o ser-mulher. (p. 90)
Por isso, além de simplesmente narrar os fatos que aconteceram na vida de
Bárbara de Alencar, fizemos em todos os capítulos a relação com o contexto e os
significados que existiram através do seu lugar histórico, uma mulher da elite, dona
de posses e escravos, descendente de portugueses e que administrava os bens, os
escravos e sua família, possibilitando uma crítica ao ufanismo refletido nos diversos
adjetivos que esta recebeu.
2.1.1 Do litoral ao sertão do Ceará: Fortaleza e Cariri como campo de pesquisa
A pesquisa de campo ocorreu nas cidades onde Bárbara nasceu e residiu
e atuou na vida pública, percorrendo o município de Exu - PE, o Cariri Cearense e a
capital, Fortaleza. Visitamos o local onde ficava sua casa no Crato e na Igreja da
Matriz, onde ocorreram os proclames da Revolução Pernambucana de 1817, e no
Sítio Pau Seco em Juazeiro. Em Fortaleza, conhecemos a prisão de Bárbara de
Alencar no Forte Nossa Senhora da Assunção.
Ao iniciar a descrição da pesquisa de campo, se faz necessário entender
o que compõe a Região do Cariri na atualidade. O Cariri compreende os municípios
de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, e a região metropolitana abrange mais 27
municípios: Abaiara, Altaneira, Aurora, Barro, Brejo Santo, Caririaçu, Farias Brito,
Grangeiro, Jardim, Jati, Mauriti, Milagres, Missão Velha, Nova Olinda, Penaforte,
Porteiras, Santana do Cariri e Várzea Alegre. É uma região rica de história política e
religiosa, com forte tradição indígena dos “Cariris”, mas que também se destaca
pelos expoentes números de violência contra a mulher, principalmente no que diz
respeito à sua forma mais cruel, o femicídio, segundo o Conselho da Mulher da
23
Região do Cariri Cearense - CMRCC e o Fórum de Mulheres da Região do Cariri
Cearense.
O Cariri é limítrofe com os Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte
e Paraíba, condição favorável para as articulações políticas no passado, e
atualmente, para práticas econômicas lícitas e ilícitas, constituindo-se área de
vulnerabilidade social para as crianças, adolescentes e mulheres, devido a
localização na rota do tráfico, também segundo o CMRCC. Tem se tornado lócus de
diversos estudos de pesquisas - inclusive financiada pelo CNPq e executada pelo
Grupo de Pesquisa de Gênero, Família e Geração nas Políticas Sociais da UECE,
do qual nos inserimos - e alvo de intervenção das políticas para as mulheres.
Compreender seu passado através da vida de Bárbara de Alencar nos permitirá
entender os elementos que formaram as relações de gênero na região.
As primeiras impressões que tivemos no Cariri cearense, lócus de vida e
atuação da Família Alencar compõe uma das justificativas para relembrar a história
de Bárbara de Alencar. Inicialmente, percorremos as cidades de Crato, Juazeiro e
Barbalha, em busca de historiadores e personalidades locais que pudessem narrar
fatos relevantes sobre a família Alencar, entretanto, não poderíamos deixar de
registrar a religiosidade latente que caracteriza tais cidades.
A primeira cidade visitada foi Juazeiro do Norte, cuja religiosidade não
deveria nos causar espanto, pois há uma ampla divulgação sobre as peregrinações
religiosas, nomeadas de romarias à Juazeiro, terra de Padre Cícero Romão Batista,
uma das figuras mais importantes do Ceará, por seu desempenho político, religioso,
social e econômico.
Em Barbalha, destacamos a Festa de Santo Antônio, com a tradicional
caminhada com o “Pau da bandeira”, que também faz parte do cenário local.
Notadamente no mês de junho, no qual empreendemos nossa pesquisa, a cidade
estava completamente ornamentada com imagens do Santo, incrementado pela
intensa participação popular nos festejos religiosos, causa de orgulho dos
barbalhenses.
24
No Crato, a realidade não foi diferente. Uma imponente estátua de Nossa
Senhora de Fátima recém-inaugurada observava a cidade do alto da chapada, como
que abençoando a população. Para nós pesquisadoras, este fato não passa
despercebido: há um claro contrassenso entre exaltação dessas figuras religiosas,
com destaque para Padre Cícero, e a preservação dos lugares históricos que fazem
referência à família Alencar nas cidades visitadas. O rosto de Padre Cícero ilustra a
maioria dos comércios na cidade de Juazeiro, é o nome da via principal, e quase
tudo na cidade gira em torno de sua memória, demonstrando a força do catolicismo
popular na região.
Figura 1. Estátua de Nossa Senhora de Fátima no Crato
Fonte: http://blogdocrato.blogspot.com.br/2014_06_21_archive.html
Em solo cratense, buscando referencias locais do objeto de estudo, Bárbara
Pereira de Alencar, ilustre moradora do local, alguns monumentos e placas fazem
menção à ela. Alguns pontos de comércio receberam seu nome, e para nossa maior
desapontamento, sua casa no centro da cidade – “fábrica” de ideais políticos,
resistências e sonhos libertários – não foi preservada. Em seu lugar abriga-se um
prédio público – sede da Secretaria da Fazenda (SEFAZ) – no qual penduraram uma
pequena placa indicando que ali foi a casa de Bárbara.
25
Figura 2. Casa de Bárbara de Alencar no Crato (à esquerda casa original no século XIX e à direita na
atualidade, prédio da SEFAZ)
Fonte: http://cariricangaco.blogspot.com.br/2009/12/barbara-de-alencar-simbolo-de-guerreira.html e
acervo da pesquisadora.
Apesar de sua importância para a história do país, sua residência não foi
tombada como patrimônio histórico e, portanto, não foi preservada. A casa onde
Bárbara morou, no Crato, localizada na Praça da Sé e, como já destacamos, foi a
primeira construção de cal e pedra da cidade, foi demolida e construída em seu
lugar o prédio da Secretaria da Fazenda do Estado. O grande celeiro dos ideais
revolucionários, o Sítio Pau Seco, que atualmente pertence ao Município de Juazeiro
do Norte, restam somente os escombros da velha casa de campo.
Segundo Araripe (2006), quase duzentos anos após sua construção, a
casa do Crato passou por uma reforma para abrigar a Exatoria Estadual, uma
repartição da Secretaria da Fazenda, entretanto, findou por ser demolida em 1937,
ainda que estivesse incorporada ao patrimônio do Estado. Autoridades da época
intercederam em favor de sua preservação, tais como: Eusébio de Sousa, Diretor do
Arquivo Público e Museu Histórico do Ceará e o desembargador Álvaro Gurgel de
Alencar, Vice-Presidente do Instituto do Ceará, todos sem sucesso. Sobre o fato,
26
conclui: “Crato, tão rico de tradições liberais, ficou mais pobre no plano arquitetônico,
cívico e cultural” (p.20).
No Instituto Cultural do Cariri, instituição criada em 1953 com o objetivo
de preservar a memória local, tivemos acesso às suas publicações, como a Revista
Itaytera, em cujos números 41, 42 e 43 encontramos referências à Bárbara de
Alencar e seus filhos, através de artigos contando suas trajetórias, notas registrando
homenagens na cidade ou denúncias da destruição da memória patrimonial.
Figura 3. Instituto Cultural do Cariri e Revista Itaytera.
Fonte: Acervo da pesquisadora.
Quanto aos interlocutores da pesquisa, Huberto Cabral, jornalista
cratense, nos concedeu uma entrevista na qual ressaltou que Bárbara de Alencar é
“Mãe da República e primeira mulher revolucionária do Brasil, como pioneira do
movimento da Independência e da República no Brasil, liderando a Revolução
Pernambucana de 1817e incluída no Panteon dos Heróis Nacionais”. (HUBERTO
Cabral”. Enumerou também, todas as homenagens prestadas no Crato, as quais
levam seu nome ou fazem menção a ela.Destacam-se: a rua central da cidade do
27
Crato, uma cadeira no Instituto Cultural do Cariri, o nome de uma Escola de primeiro
grau, Sala no Museu Histórico do Crato, Medalha do Município, o título de Cidadã
Cratense, Centro Cívico do Colégio Estado da Paraíba e uma estátua em frente a
sua residência na Praça da Sé. Destacou ainda, os monumentos de Fortaleza:
Estátua na Praça da Medianeira na Avenida Heráclito Graça, Cela na Décima
Região Militar, Rua Central, Centro Administrativo do Governo do Ceará e
Associação da Família Alencar.
No município de Exu, a casa onde Bárbara de Alencar nasceu foi
preservada e tornou-se um museu que recebeu seu nome, entretanto, pouco
divulgado, pois foi ofuscado por outro filho da terra, que ganhou notoriedade em todo
Brasil como compositor e cantor popular e ganhou o título de “Rei do Baião”, Luís
Gonzaga. Logo que entramos na cidade, o pórtico que nos recebe tem a frase “Bem
vindo a Exu, Terra de Luiz Gonzaga”, representando o orgulho da população por
esse exuense.
Em Fortaleza, realizamos uma Caminhada Cultural pelo Centro de
Fortaleza – CE guiada pelo turismólogo Gerson Linhares o qual relatou brevemente
alguns fatos da história de Bárbara Pereira de Alencar e de seus filhos. Segundo
Linhares, Bárbara participou da Revolução Pernambucana de 1817 e da
Confederação do Equador, as quais discorreram anteriormente. Proclamou
antecipadamente a independência, em 1º de setembro em 1984 na Vila do Crato.
Manifestava-se contrária a política absolutista de Dom Pedro I e favorável à ideia de
uma República Separatista. Por seu envolvimento com a Revolução de 1817, foi
capturada e tornou-se a primeira prisioneira política do Brasil.
O percurso se encerrou na Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, onde
podemos encontrar um portal no pátio exterior que dá acesso a uma pequena e
insalubre sala subterrânea, isolada por uma grade de ferro, com uma placa em que
está escrito: “Aqui gemeu longos dias D. Bárbara de Alencar, victima em 1817 da
tyrannia do Governador Sampaio”. Esta é a sala onde Bárbara de Alencar teria sido
presa após a Revolução Pernambucana de 1817, fato contestado por grande parte
dos historiadores atuais, pois Bárbara pertencia a uma família da elite da época,
classe social que gozava de privilégios e, portanto, não poderia ser submetida a
condições precárias de encarceramento.
28
Figura 4. Prisão de Bárbara de Alencar no Forte Nossa Senhora da Assunção.
Fonte: Enciclopédia Nordeste
As tentativa de reconstituírem a memória dessa matriarca do Cariri, como
discorremos ao longo dos capítulos, através obras que narram a trajetória Bárbara
as quais afirmam o anseio de alcançar um lugar de destaque na memória cearense,
para que todos conheçam a história de lutas do povo cearense, das quais, uma das
pioneiras é da família Alencar, apoiada por sua matriarca – Dona Bárbara do Crato.
2.1.2 Interlocutores da pesquisa
Durante a pesquisa de campo no Cariri, procuramos encontrar pesquisadores
e historiadores que pudessem contribuir com a pesquisa. Iniciamos então pela
Universidade Regional do Cariri- URCA e lá nos foi informado que o local mais
indicado seria a Secretaria de Cultura do Crato, pois os historiadores estavam
ligados a essa instituição pública. Na Secretaria, fomos informados que deveríamos
procurar por três cratenses: a historiadora Alessandra Bandeira e os jornalistas
Huberto Cabral e Catulo Teles. Após diversas tentativas de contato, conseguimos
uma entrevista com Huberto Cabral e, um ano depois, com Alessandra Bandeira.
29
Em Fortaleza, tomamos conhecimento de alguns professores que estudaram
a história do Ceará, dentre eles Oswald Barroso e Airton de Farias, que escreveu o
material didático atualmente mais utilizado de história do Ceará. Por último, Gylmar
Chaves, escritor citado no documentário “De lá pra cá: Bárbara de Alencar” (2010)
produzido pela Tv Brasil, disponível na internet. Segue abaixo a descrição dos
interlocutores.
Huberto Cabral
Figura 5. Huberto Cabral
Fonte: Blog do Crato, 2009. Disponível em:
http://www.crato.org/chapadadoararipe/2009/10/01/aonde-voce-estava-quando-blog-do-crato-4-anos-
de-historia/
Jornalista, nascido no Crato em 1943, é um dos cidadãos mais conhecidos do
Crato e possui uma vasta memória histórica de todos os fatos ocorridos na cidade
desde sua fundação. Possui um programa na Rádio do Crato (local onde foi
entrevistado, e participa de todas as manifestações culturais da região. Segundo
Emerson Monteiro (2011) Cabral é “possuidor de um civismo a toda prova, Cabral
faz do rádio sua praia de predileção, sem, no entanto, esquecer permanências pelos
jornais, revistas, livros, cerimônias coletivas, etc. Organiza com maestria eventos
públicos, dentro da absoluta correção. Incentiva e participa de reuniões destinadas
aos interesses da municipalidade, em todos os âmbitos possíveis e imagináveis,
sempre visando ampliação dos recursos progressistas e abertura das vias de
30
transformação comunitária. Presta homenagens a personalidades destacadas do
lugar e evidencia datas memoráveis deste núcleo urbano. Recebe visitantes ilustres,
orienta pesquisas de estudiosos, repassa informações do seu rico acervo e de suas
vivências; enfim, um homem talhado a preservar valores históricos e a memória
social do Crato e de todo o Cariri como raros outros. Alimenta um acervo de gama
incalculável no que tange aos dados relativos a esta parte de mundo e é
considerado por muitos um testemunho vivo dos acontecimentos principais
carirenses desde o início da segunda metade do século que passou”. Escritor de
diversos textos acerca das personalidades do Cariri, nos disponibilizou um texto de
sua autoria acerca de Bárbara de Alencar.
Alessandra Bandeira
Figura 6. Alessandra Bandeira
Fonte: http://blogdocrato.blogspot.com.br/2012/08/o-titulo-de-cidada-cratense-barbara-de.html
Alessandra Teles Marinho Torres Bandeira é historiadora e possui
especialização em Historia e Sociologia pela Universidade Regional do Cariri(2007).
Atualmente é historiadora responsável da Prefeitura Municipal do Crato e voluntário
do Conselho dos Direitos da Mulher Cratense. Foi autora do projeto de cidadania
cratense à Barbara de Alencar. Segundo uma entrevista dela ao Blog do Crato em
31
2102, Alessandra Bandeira esclarece que “Em 2007 comecei uma profunda
pesquisa sobre a vida de D. Bárbara de Alencar e sua família, quando descobri fatos
que não constavam nos livros, como, por exemplo, a vida da sua filha, por nome
Joaquina, figura também importante na revolução de 1817. Até então, todos os livros
já publicados só davam destaque a seus dois filhos homens e a Bárbara. Em 2009,
cheguei à conclusão que para podermos falar mais sobre Bárbara de Alencar, era
preciso primeiro reconhece-lá como cidadã cratense, e que após desse
reconhecimento, poderíamos reabilitar sua história, que é desconhecida por muitos,
e vista sob uma ótica positivista, não se trata em construir uma imagem de heroína,
mas sim dar-lhe destaque como a primeira mulher revolucionaria a primeira presa
política, e sobre a própria participação da mulher na política, que ainda hoje é
pequena, embora as poucas que chegam ao poder são merecedoras de nossa
admiração.” Juntamente com Catulo Teles iniciou um projeto de um documentário
sobre Bárbara de Alencar em 2009.
Oswald Barroso
Figura 7.Oswald Barroso
Fonte: http://www.oestadoce.com.br/blog/pitel/tag/oswald-barroso/
Segundo o currículo informado pelo próprio interlocutor, Raimundo OSWALD
Cavalcante BARROSO é Bacharel em Comunicação Social, Mestre e Doutor em
32
Sociologia, pela Universidade Federal do Ceará, Pós-Graduado em Gestão Cultural
pela ANFIAC/Paris, Concluiu estágio de Pós-Doutorado em Teatro, pela UniRio, no
Núcleo de Estudo da Performance Afro-ameríndia. Professor Associado do Curso de
Música da Universidade Estadual do Ceará, onde leciona Antropologia da Arte,
História da Arte, Estética, Cultura Brasileira, Cultura Cearense e Música nas
Tradições Populares. Professor de Antropologia da Arte, no Curso de Especialização
em Arte e Cultura do Campo, da Universidade Federal do Cariri.
Foi diretor do Departamento de Ativação Cultural da Secult – Ce. (1986-1988), do
Teatro José de Alencar (1989-1991) e do Museu da Imagem e do Som – Ceará
(1998-2002). Foi Supervisor do Núcleo do Patrimônio Imaterial da Secult-Ce. (2005-
2006), Coordenador de Patrimônio Cultural da Secult-Ce. (2007), membro do
Conselho Estadual de Desenvolvimento Cultural (1995-2002), diretor da Comissão
Cearense de Folclore e da Comissão Nacional de Folclore (2009-2013). É membro
do Conselho Municipal de Cultura de Fortaleza, e da Câmara de Arte e Cultura da
Universidade Estadual do Ceará.
Atualmente é membro da Academia Ibérica de Máscaras (com sede em
Bragança, Portugal), do Conselho de Cultura Municipal de Fortaleza, da Associação
dos Dramaturgos do Nordeste, do Núcleo de Estudos da Performance Afro-
Ameríndia do Curso de Teatro da UniRio, Coordenador do Grupo de Estudos e
Pesquisas Cênicas do Theatro José de Alencar e orientador de pesquisas do grupo
de rua Teatro de Caretas. É detentor da medalha de Folclorista Emérito, da
Comissão Nacional do Folclore, do Título de Cidadão Honorário de Juazeiro do
Norte e do Troféu Carlos Câmara de Teatro. Poeta, jornalista, folclorista e
teatrólogo. Trabalhou como colaborador (desde 1976), depois repórter de cultura
(1982-1987) e articulista (1992-1993) no jornal O Povo, abordando fatos e figuras da
cultura popular cearense. Participou como ator, dramaturgo ou encenador, durante
17 anos (1976-1993), do Grupo Independente de Teatro Amador-GRITA; e de 1996
a 2006, da Companhia Boca Rica de Teatro, ambos de Fortaleza, tendo fundado e
dirigido, neste período, o Teatro da Boca Rica.
Como coordenador ou membro pesquisador, trabalhou, entre outros, nos
projetos Artesanato, Literatura de Cordel e Festas e Folguedos, do Centro de
Referência Cultural, da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará; nos projetos das
33
exposições Admiráveis Belezas do Ceará e Vaqueiros, do Memorial da Cultura
Cearense – Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura; nos projetos Comédia do Boi,
Corpo Místico, Vaqueiros e Caldeirão, da Cia. Boca Rica de Teatro; nos projetos
Arte e Cultura na Reforma Agrária, do INCRA; Educação Cooperativista, da
Organização das Cooperativas do Estado do Ceará – OCEC; Artesanato e
Caminhos de São Francisco (Secult-Sebrae); e nos projetos Memórias do Caminho
e Mapeamento da Cultura Imaterial do Estado do Ceará, da Secult-Ce. Autor de 20
textos para teatro, quase todos encenados. Roteirista e diretor de documentários em
vídeo e cinema. Redator de televisão. Autor de textos e diálogos para cinema. Como
dramaturgo, ganhou vários prêmios, entre eles o Prêmio Estado do Ceará – 1985 e
o Prêmio Estímulo à Dramaturgia – 1996, de caráter nacional, concedido pela
FUNARTE. Tem 23 livros publicados, incluindo poesia, textos para teatro, artigos,
biografias, estudos e organização de antologia literária, reportagens, textos e
estudos sobre cultura popular. Suas peças já foram encenadas, entre outras
cidades, em Fortaleza, Campinas, Recife, Salvador, Maceió, Natal, Belo Horizonte,
Rio e São Paulo, além de em inúmeras do interior do Ceará. Proferiu palestras
abordando temas relativos ao teatro e à cultura tradicional popular, em Salvador,
Paris, Poitiers (França), Bragança (Portugal), Rio de Janeiro, São Paulo,
Florianópolis, Brasília, Natal, Recife e Belo Horizonte, além de em inúmeras do
Estado do Ceará.
Oswald nos recebeu em sua própria casa e nos presenteou com o livro da
peça que conta a história de Tristão Gonçalves e Ana Triste, “Corpo Místico e outros
textos de teatro” o qual possui a presença de Bárbara no primeiro ato, encorajando o
filho (chamado no livro de “alma afoita”) a aventurar-se nas revoluções. Também nos
cedeu imagens da peça de teatro que podem ser vistas no anexo C.
Gylmar Chaves
34
Figura 8.Gylmar Chaves
Fonte: http://fafidam-uece.blogspot.com.br/2013/05/barbara-de-alencar-e-tema-de-palestra.html
Escritor cearense, pesquisador de Bárbara de Alencar desde 2001,
Gylmar Chaves cursou licenciatura em música pela Universidade Estadual do Ceará
– UECE. Segundo texto informado pelo autor:
Nos bancos da faculdade foi estudante do Curso de Licenciatura em
Música (UECE). Mas foi escrevendo que ele deixou de viajar apenas na imaginação
para percorrer várias partes do mundo. Lá pelas Minas Gerais e Bahia participou de
fórum de museus. A construção do Museu da Imagem e do Som a partir da memória
local foi discutida por ele em quase todo o Ceará. Meteu o pé na estrada para
apresentar de forma institucional as políticas culturais do Estado do Ceará. Palestrou
sobre a criação do Museu da Imagem e do Som a partir das singularidades e
universalidades de uma cidade em vários fóruns da cultura em várias cidades do
interior do Ceará. Sobre o encantamento da construção histórica do Ceará e suas
diversidades culturais foi a sua palestra durante o II Festival Internacional de
Trovadores e Repentistas do Sertão Central, promovido pela Secretaria da Cultura
do Estado do Ceará, em Quixadá.
Em 2013, Gylmar Chaves realizou 93 palestras pelo estado do Ceará,
Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, sobre Bárbara de Alencar – uma sertaneja
35
vibrante e inflexível que ajudou a mudar a história do Brasil.
Um dos idealizadores e articuladores para a realização do Encontro
Mestres do Mundo, evento produzido pela Secretaria da Cultura do Estado do
Ceará, em Limoeiro do Norte, percorreu inúmeros recantos do sertão jaguaribano
para introduzir o conceito desse evento, que é considerado um dos mais festejados
do país sobre a cultura tradicional popular.
Gylmar Chaves foi quem iniciou os processos para a criação da
Secretaria da Cultura de Limoeiro do Norte, a primeira do Vale do Jaguaribe,
ocupando esse cargo por duas vezes. Na sua última gestão a frente dessa
secretaria, idealizou e articulou o processo de geminação entre a cidade de Limoeiro
do Norte e a cidade portuguesa de Espinho, tornando-se Limoeiro do Norte a
primeira cidade do Vale do Jaguaribe a se geminar com uma cidade europeia com
vista ao intercambio e trocas de experiências nas áreas da cultura, educação, saúde
e desenvolvimento.
Em Fortaleza, exerceu o cargo de diretor do Museu da Imagem e do
Som. Foi membro do Conselho Administrativo do Centro Dragão do Mar de Arte e
Cultura, da Comissão de Anistia Wanda Sidou do Estado do Ceará, da Comissão de
Difusão do Hino do Estado do Ceará e do Conselho do Idoso do Estado do Ceará.
Consta ainda na sua vasta obra artística a produção do
documentário Caminhos que retrata a festa religiosa de Jesus, José e Maria na
comunidade de Marrecas, município de Tauá-CE, na região dos Inhamuns, dirigido
por Eliza Günther e Heraldo Cavalcanti. Sobre Brinquedos populares – uma
alternativa lúdica, pesquisou em 35 cidades do interior cearense que depois virou
livro editado pelo UNICEF, destinado a professores de creches e pré-escolas. Entre
suas experiências se encontra as políticas sociais, quando na favela do Pirambú, em
Fortaleza, trabalhou na produção de importante trabalho sobre os processos
criativos da criança, com o apoio do Centro de Estatística Religiosa e Investigações
Sociais, do Rio de Janeiro/RJ, co-financiado pelas Cáritas.
Livros publicados: A Invenção de Bárbara de Alencar, biografia para
criança sobre a avó do romancista José de Alencar, a primeira republicana das
36
Américas e primeira presa política do Brasil, que liderou duas revoluções no
nordeste brasileiro. Este livro foi contemplado no V Edital Mecenas da Secretaria da
Cultura do Estado do Ceará, 2012. Fábrica do passado – Editora Vozes, 1991.
Nessa narrativa infanto-juvenil o autor questiona a fabricação de determinados
brinquedos e sua ludicidade a partir de um fabricante, que passa a se questionar
sobre os próprios brinquedos que fabrica. Nossa paixão era inventar um novo
tempo (co-organizador) – Editora Rosa dos Tempos, 2000. Livro composto de 34
depoimentos de personalidades brasileiras sobre a resistência à ditadura militar,
organizado em parceria com Daniel Souza. Feira de São Cristovão: o Nordeste é
aqui – Editora Relume Dumará. O livro conta a história dessa tradicional feira
nordestina encravada num dos pontos mais estratégicos do Rio de Janeiro, sendo
considerada uma das maiores feiras livres da América Latina. O segredo da clave do
sol – Editora Artes & Contos Ltda, 1995. Primeiro songbook infantil brasileiro, em
parceria com a arte-educadora, cantora e compositora carioca Bia Bedran, o livro foi
construído a partir da letra de dez composições musicais da própria cantora, como
um fio maravilhoso que nos conduz através de seu inusitado exercício de
criatividade e encanto. Ceará Mirim – Coleção Baião das Letras, publicado pela
Secretaria da Educação do Estado do Ceará, 2006. Escrito em parceria com o poeta
e Prof. Társio Pinheiro, o livro é composto de crônicas sobre alguns ícones da
geografia e historiografia cearense. O Menino que queria muito – Edições Demócrito
Rocha, 2001. Livro infantil que aborda a construção do imaginário dominante de uma
criança em busca de respostas sobre a vida e suas complexidades.
Feira de São Cristóvão: o Nordeste é aqui – Editora Relume Dumará (Coleção
Cantos do Rio), 1999. O livro narra a história do surgimento da feira, entremeado de
depoimentos dos próprios feirantes, de visitantes e de alguns dos fundadores. Há
um capítulo dedicado especialmente a gastronomia nordestina.
Doce mania de amar – Editora Artes & Contos Ltda, 1992. Fábula pós-
moderna que aborda as diversas dimensões da afetividade, contemplado pelo
surpreendente e o inesperado. Ateliê do cotidiano – Edição do autor, 1990. O livro
nos conduz à várias travessias feitas por um cidadão comum através de 50 poemas
que se alastram sobre as vertentes das nossas singularidades e universalidades,
impressa à cada dia em nosso cotidiano. Oficina de sonhos – Edição do autor, 1987.
Sobre os vários aspectos e particularidades de uma infância inesquecível, através
37
de 50 poemas o livro nos faz retornar a um tempo sem receio e medo do futuro, sem
alardes e expectativas diante das dobras do tempo que somente amadureceu
através de brincadeiras e brinquedos. É um livro infantil para adulto ler. Pássaro
urbano – Edição do autor, 1986. Através de contos e poemas o livro rastreia vários
aspectos que podem ser a ligadura do sertão com seus modos e costumes e a
urbanidade efervescente. Esses dois mundos não conseguem se separar.
Entre suas atividades profissionais na área do livro se destacam: editor de
texto do livro Memórias de uma mulher impossível, da escritora e feminista Rose
Marie Muraro. Produziu e realizou a pesquisa iconográfica para o livro Índios do
Ceará: massacre e resistência, de autoria do sociólogo José Cordeiro de Oliveira.
Editor de texto do livro Para mim, chega!, da artista plástica e ativista social carioca,
Yvonne Bezerra de Mello. Foi fundador do Jornal Folha do Vale de Limoeiro do
Norte. Editor de texto do livro O tesouro na rua, do Senador e ex-ministro da
Educação, Prof. Cristóvam Buarque - selecionado para o Programa Nacional de
Salas de Leitura, classificado como “altamente recomendável”. Foi um dos
organizadores de texto dos livros Ah, Fortaleza! – Álbum iconográfico sobre o
recorte histórico de 1880-1950 da cidade de Fortaleza, e Viva Fortaleza!, outro
recorte histórico da capital cearense compreendendo o período entre 1950-2010,
ambos editados pela Editora Terra da Luz, 2006 e 2011 respectivamente. Coordenou
a pesquisa sobre os clássicos da literatura cearense para o livro Coração
Sertão, 2014, Editora Terra da Luz; Organizador do livro Ceará de Corpo e Alma –
Editora Relume Dumará, 2002 – Coletânea de textos sobre a diversidade cultural e
história do Ceará. Gylmar Chaves já cruzou o Atlântico várias vezes e foi morar em
terras estranhas. Como diria o poeta paraibano Zé Limeira – o Poeta do Absurdo:
“Ele conhece Oropa, França e Bahia”.
Airton de Farias
38
Figura 9.Gylmar Chaves
Fonte: http://lattes.cnpq.br/0536542035821361
Segundo o currículo Lattes do interlocutor, José Airton de Farias é
graduado em História pela Universidade Estadual do Ceará, Bacharel em Direito
pela Universidade Federal do Ceará e Mestre em História Social pela mesma UFC.
Professor de vários colégios e faculdades tem experiência na produção de livros
didáticos e na pesquisa em História Política, voltado para a Ditadura Militar brasileira
e a luta armada das esquerdas.
Possui mais de vinte obras publicadas, diversas acerca da história do
Ceará, dentre elas: Fortaleza, uma breve história. (2012); Ceará: nossa história.
(2011); História do Ceará. (2009); Fortaleza: nos trilhos da vitória (2005); História da
Sociedade Cearense; Caldeirão Vivo - A Saga do Beato José Lourenço; Senador
Alencar (2000) e História do Ceara (1998).
Nos capítulos seguintes fizemos a interlocução entre as falas dos
entrevistados e a história de Bárbara de Alencar, focando no contexto da colônia e
das relações sociais que se estabelecem, com enfoque na questão de gênero e
poder.
39
3. O SERTÃO NORDESTINO E AS TRANSFORMAÇÕES DO SÉCULO XIX: DA
CHEGADA DA COROA PORTUGUESA ÀS REVOLUÇÕES REPUBLICANAS
"Ao sobrevir das chuvas, a terra, como vimos, transfigura-se em mutações fantásticas, contrastando
com a desolação anterior.
Os vales secos fazem-se rios.
Insulam-se os cômoros escalvados, repentinamente verdejantes.
A vegetação recama de flores, cobrindo-os, os grotões escancelados, e disfarça a dureza das
barrancas, e arredonda em colinas os acervos de blocos disjungidos – de sorte que as chapadas
grandes, entremeadas de convales, se ligam em curvas mais suaves aos tabuleiros altos.
Cai a temperatura.
Com o desaparecer das soalheiras, anula-se a secura anormal dos ares.
Novos tons na paisagem: a transparência do espaço salienta as linhas mais ligeiras, em todas as
variantes da forma e da cor.
Dilatam-se os horizontes. O firmamento, sem o azul carregado dos desertos, alteia-se, mais profundo,
ante o expandir revivescente da terra.
E o sertão é um vale fértil.
É um pomar vastíssimo, sem dono.
Depois tudo isto se acaba.
Voltam os dias torturantes; a atmosfera asfixiadora; o empedramento do solo; a nudez da flora; e nas
ocasiões em que os estios se ligam sem a intermitência das chuvas – o espasmo assombrador da
seca."
Os sertões, de Euclides da Cunha.
Depreendemos, do trecho acima, que o sertão é a referência de uma parte do
Nordeste marcada pela diversidade de recursos naturais e que sofre constantes
transformações da paisagem natural – numa constante mutação entre aridez do solo
e abundância de fertilidade no período das chuvas. É também a terra de um povo
marcado pela luta da sobrevivência nesta, o qual compreende desde os nativos da
terra, os indígenas, conhecidos pela sua personalidade aguerrida, até os
estrangeiros que chegaram e se estabeleceram.
Tais características dividem a região em outras duas: o Nordeste rico e
produtor de açúcar5 – de onde temos referências da sociabilidade descritas na obra
5 A Zona da mata açucareira compreende a região próxima ao litoral que se inicia no Rio Grande do
Norte e termina no norte da Bahia. Caracteriza-se pela monocultura da cana-de-açúcar para a produção e a exportação do açúcar.
40
Casa-grande e senzala, de Gilberto Freire – e o agreste e o sertão, distantes dos
centros litorâneos – retratados na obra Os sertões, de Euclides da Cunha.
É importante iniciar este trabalho abordando as particularidades de cada uma
dessas distintas microrregiões, para que possamos compreender a diferença que há
entre as relações sociais estabelecidas nelas. Ressaltamos também que as
condições geográficas e econômicas irão incidir diretamente nas relações de
gênero, propiciando o aparecimento de mulheres que se destacaram no cenário
social e foram nomeadas por Rachel de Queiroz e Heloisa Buarque de Hollanda
como as “Matriarcas do Ceará”, sendo uma delas Bárbara de Alencar.
3.1 ACONTECIMENTOS DO BRASIL NO PERÍODO OITOCENTISTA
O século XIX é marcado por diversas mudanças políticas e sociais no Brasil.
Durante esse centenário, passamos do Período Colonial ao Regime Imperial,
findando com o início da República e o fim da escravidão. O Brasil, ao longo das
duas primeiras décadas do século XIX, permanece colônia de Portugal. Sua maior
atividade econômica do período era a empresa açucareira, que teve sua produção
concentrada no Nordeste, especialmente nas províncias de Pernambuco e Bahia,
devido às favoráveis condições climáticas, geográficas, políticas e econômicas.
Segundo Fausto (2014), o açúcar, desde o século XV, era considerado uma
especiaria, habitualmente usada como medicamento ou condimento, e no século
seguinte, passou a fazer parte da dieta da aristocracia europeia, por meio das
publicações de culinária, até se popularizar entre todas as classes sociais. O
chamado açúcar “barreado”6 era produzido nos engenhos. Estes ficavam dentro do
latifúndio, que abrigava também a casa-grande dos senhores das terras e a senzala,
que servia de moradia para a principal mão de obra desse sistema: os negros
africanos escravizados.
Apesar de ser considerado o principal produto de exportação da economia
colonial, o açúcar brasileiro sofreu com a concorrência das Ilhas das Antilhas a partir
6 Segundo Fausto (2014), o açúcar era chamado de barreado porque continha barro na composição
para se tornar mais branco e parecido com o europeu, considerado de boa qualidade.
41
de 1630, quando Inglaterra, França e Holanda iniciaram o plantio da cana-de-açúcar.
Além da concorrência no mercado estrangeiro, essa atividade repercutiu no preço do
escravo, o que aumentou significativamente os custos com a mão de obra. O açúcar
nordestino volta a ganhar destaque na economia, na segunda metade do século
XVIII, com a Reforma Pombalina, e durante a rebelião de escravos em São
Domingos – colônia francesa nas Antilhas – em 1791. No século seguinte, as
províncias que mais produziam açúcar eram Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro,
nessa ordem. Os demais estados nordestinos também produziam alimentos de
subsistência extraídos da mandioca e carne de gado, como acontecia na fazenda da
Família Alencar, no Ceará (FAUSTO, 2014).
A derrocada do sistema colonial é um dos principais acontecimentos desse
período, refletindo as transformações políticas e econômicas mundiais, como a
queda dos regimes absolutistas europeus e o florescimento do iluminismo na França
e do liberalismo na Inglaterra, que foram difundidos na Revolução Francesa (1789) e
na Revolução Industrial, respectivamente. A repercussão disso no Brasil ocorreu
porque Portugal dependia da proteção inglesa, mas tentava limitar o poder dessa
nação à presença dos ingleses em terras brasileiras.
As mudanças administrativas ocorreram no reinado de Dom José I (reinado
de 1750-1777), por meio de seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo – o
Marquês de Pombal. Elas representaram “um grande esforço para tornar mais eficaz
a administração portuguesa e introduzir modificações no relacionamento metrópole-
colônia” (FAUSTO, 2014, p. 59). Dentre as suas principais ações, Pombal criou
companhias de comércio para desenvolver a produção para exportação nas regiões
Norte e Nordeste do país; ampliou o controle e os impostos sobre o ouro de Minas
Gerais; e expulsou os jesuítas, por causa do seu trabalho com os indígenas, que
passaram a ser incorporados à civilização portuguesa, e porque a Companhia de
Jesus acumulava muitas riquezas no país.
Esse conjunto de mudanças, que impulsionaram a produção, mas ampliaram
a taxação de impostos e importaram as ideias iluministas, perpetuaram-se no
reinado de Dona Maria I (entre 1777 e 1816), no qual devemos destacar a vinda da
Família Real portuguesa para o Brasil, em 1808, período em que as relações
42
econômicas e políticas dentro do próprio país sofrem intensas mudanças, devido às
exigências de adequação do Rio de Janeiro para receber a realeza.
As insatisfações dos diversos setores da população com a administração da
Coroa Portuguesa refletiram no surgimento de rebeliões e movimentos separatistas
e de independência em relação à metrópole. Os traços convergentes dessas
revoltas encontram-se no seguinte ponto:
Elas tinham a ver com as novas ideias e os fatos ocorridos na esfera internacional, mas refletiam também a realidade local. Podemos mesmo dizer que foram movimentos de revolta regional e não revoluções nacionais. Esse foi o traço comum de episódios diversos como a Inconfidência Mineira (1789), a Conjuração dos Alfaiates (1789) e a Revolução de 1817 em Pernambuco (FAUSTO, 2014, p. 63).
Após essa concisa exposição do contexto da época no Brasil,
apresentaremos as duas principais revoluções que tiveram a intensa participação da
Família Alencar devido à sua influência no sertão cearense.
3.2 PERCEPÇÕES SOCIOLÓGICAS DO SERTÃO NORDESTINO E DO POVO
SERTANEJO
Como podemos observar no mapa das “Regiões Geoeconômicas do
Nordeste” (abaixo), a área correspondente ao Sertão setentrional abrange uma
grande parte do Nordeste e o maior número de estados, que, no período
oitocentista, correspondiam às províncias. Dentro desse perímetro das terras
nordestinas, Bárbara de Alencar teve sua atuação política na região do Cariri.
Porém, antes de falarmos de suas ações nesse território, cabe-nos abordar algumas
questões sociológicas do sertão.
43
Figura 10. Divisão do Nordeste em regiões geoeconômicas.
Fonte: http://www.clubemundo.com.br/pages/Integra.aspx?materia=1179
Acerca das características socioespaciais do sertão, recorremos ao livro A
sociologia de “Os sertões”, de Adelino Brandão (1974), que faz a análise da obra de
Euclides da Cunha7 , segundo o estudioso, “[...] o primeiro ensaio de descrição
sociográfica e de interpretação histórico-geográfica do meio físico, dos tipos
humanos e das condições de existência no Brasil” (BRANDÃO, 1974, p. 18).
Conforme o autor, a metodologia criada por Euclides da Cunha possibilitou a
interpretação de alguns conceitos sociológicos necessários para a compreensão dos
sertões. A primeira dessas concepções a ser citada é a de “[...] demora cultural; isto
é, a diferença entre o ritmo de desenvolvimento entre os segmentos de cultura [...]”
(BRANDÃO, 1974, p.22), que tem como significado a relação entre sociedades as
quais se desenvolvem, economicamente e politicamente, de forma distinta, sendo
umas mais aceleradas que outras. Um exemplo de “demora cultural” é o hiato
existente entre as zonas urbanas e rurais do Brasil. Na obra, percebe-se um vazio
7 Segundo Brandão (1974), Os sertões é uma obra de Euclides da Cunha, publicada em 1902, a qual
aborda a Guerra de Canudos (1896-1897), que ocorreu no sertão da Bahia. O escritor havia presenciado os acontecimentos por meio do trabalho jornalístico que realizou para o jornal O Estado de São Paulo. A obra narra as condições de vida dos sertanejos e sua luta para seguir o líder messiânico Antônio Conselheiro. Apesar de ser posterior às duas principais revoluções em que Bárbara atuou, apresenta uma análise sociológica do homem sertanejo aprofundada de dados e sentidos que corresponde à realidade do Cariri cearense.
44
cultural entre “[...] litoral e sertão, entre caipiras e civilizados, entre cidade e campo
e, de certa forma, entre o norte e o sul, no que o primeiro tinha de arcaico, medieval,
e este desenvolvido e moderno” (Idem, p. 25).
A respeito das populações locais, o sertanejo possui destaque pela sua
marginalidade social, devido a sua escassez de recursos materiais e culturais. No
entanto, Euclides argumenta que “o sertanejo é um retrógrado, não um degenerado”
(CUNHA apud BRANDÃO, 1974, p. 29).
O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral. [...] O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gigante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a espenda da sela. Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme. Avança celeremente, num bambolear característico, de que parecem ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas. E se na marcha estaca pelo motivo mais vulgar, para enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeiramente conversa com um amigo, cai logo — cai é o termo — de cócoras, atravessando largo tempo numa posição de equilíbrio instável, em que todo o seu corpo fica suspenso pelos dedos grandes dos pés, sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade a um tempo ridícula e adorável. É o homem permanentemente fatigado. Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo: na palavra remorada, no gesto contrafeito, no andar desaprumado, na cadência langorosa das modinhas, na tendência constante à imobilidade e à quietude. Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude. Nada é mais surpreendedor do que vê-lo desaparecer de improviso. Naquela organização combalida operam-se, em segundos, transmutações completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes, aclarada pelo olhar desassombrado e forte; e corrigem-se-lhe, prestes, numa descarga nervosa instantânea, todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura vulgar do tabaréu canhestro, reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias. Este contraste impõe-se ao mais leve exame. Revela-se a todo o momento, em todos os pormenores da vida sertaneja — caracterizado sempre pela intercadência impressionadora entre extremos impulsos e apatias longas (CUNHA, 1901, p. 48).
A descrição acima apresentada demonstra uma característica do sertanejo: a
intermitência, ou seja, a capacidade de mudança de acordo com os acontecimentos
e eventualidades. Ele é um produto da desigualdade cultural própria da relação
litoral-interior. Sua história é marcada pelo “isolamento social”, o distanciamento dos
grandes centros econômicos e de poder, do lócus das decisões. Por “isolamento
social”, pode-se compreender como uma situação “privada de contatos pessoais”
45
(BRANDÃO, 1974, p. 40). Naquele período, isso correspondia à existência de
acidentes geográficos que causavam separação física. Estes podiam ser
montanhas, mares, oceanos, desertos, ou, no caso do sertão aqui apresentado –
onde viveu Bárbara de Alencar – a presença da Chapada do Araripe e o
distanciamento da capital e do litoral da Província.
Em relação ao clima do sertão, Brandão (1974) aponta que este é
caracterizado pela “intermitência” baseado nos estudos do sociólogo alemão Von
Wiese, segundo o qual, “[...] os fatos sociais se processam numa certa direção e
conforme certo ritmo” (WIESE apud BRANDÃO, 1974, p. 58). Ou seja, o clima do
sertão é formado por uma sucessão de fenômenos meteorológicos que ocorrem
intempestivamente. O estudioso da obra de Euclides da Cunha descreve o clima
citando trechos dela mesma:
De um lado, a extrema secura dos ares... Do outro, as chuvas que fecham, de improviso, os ciclos adurentes das secas...” As forças que trabalham a terra... Dissociam-se nos verões queimosos; degradam-nas nos invernos torrenciais ...” “Desse perene conflito...ressalta a significação mesológica do local.” Euclides se refere às “intercadências de dias embraseados e de noites frigidíssimas, entre paisagens desérticas das épocas das secas e a ressurreição da flora, ao sobrevir das chuvas, quando, então, “o sertão é um paraíso” (BRANDÃO, 1974, p. 61).
Os sertões permite elucidar questões geográficas do Nordeste brasileiro no
século XIX, mas, além disso, possibilita compreender a formação social da
população por meio da análise do sertanejo e de suas condições de vida em
circunstâncias climáticas adversas. O “isolamento social” em relação às cidades
litorâneas, onde as informações chegavam mais rapidamente, principalmente pela
comunicação portuária, propiciava um diferente ritmo de vida e relações sociais com
outros contornos. Esse é um dos aspectos que são relevantes para se entender
porque, no tocante às relações de gênero, tivemos, no sertão cearense – na
contramão da zona da mata – o advento de famílias matriarcais como a Família
Alencar.
3.3 O CEARÁ E OS SERTÕES DO SÉCULO XIX
46
Segundo Raimundo Girão (1986), destacado historiador cearense, o Ceará,
no século XIX, passava por uma reestruturação política e econômica. Havia
conseguido sua emancipação em relação a Pernambuco – ainda no século anterior
–, iniciando sua linhagem de governadores com Bernardo Manuel de Vasconcelos,
empossado em 1789. Quanto à economia do Ceará, para o autor, ela tinha como
base de produção os seguintes produtos: carne de charque, algodão, açúcar, café,
cera de carnaúba, maniçoba, oiticica, caju, mamona e lagosta. Destes, tinham
destaque, na primeira metade do século XIX, os quatro primeiros e, como principal
atividade, no período em que compreende essa pesquisa, destacava-se a
charqueada, ou seja, a produção da carne de charque, pois, nessas terras, havia as
condições favoráveis para a produção, conforme expressa o seguinte trecho:
O caráter salino do solo, a abundância de pastos suculentos, os campos mimosos e agrestes determinaram a multiplicação do gado vacum. Sem tardança – como ficou salientado – criou-se, nos sertões cearenses, qual já se dera em outras paragens do Nordeste, a civilização específica do pastoreio, a única adequada e, sem dúvida, possível (GIRÃO, 1986, p. 133).
A criação de animais, não somente bovinos, mas caprinos, suínos e aves,
encontrou condições propícias para se estabelecer no Ceará. Com o clima
intermitente, com breves períodos de chuva e longas secas, essa atividade garantia
a subsistência do sertanejo, pois, além da carne, todas as partes dos animais eram
aproveitadas. A produção de couro de bovinos e caprinos movimentava também a
indústria de fabricação de vestimentas, utensílios domésticos, móveis e artefatos
utilizados nas próprias usinas de beneficiamento da carne ou da produção de açúcar
(GIRÃO, 1985). A charqueada foi a atividade mais importante do Ceará durante o
século XVIII, sofrendo uma grande queda nas exportações, com a seca de 1790 a
1793, chamada de “seca-grande ou a comprida” (Idem, p. 145). Ainda assim, essa
permaneceu nas décadas seguintes como uma das principais atividades de
subsistência do povo sertanejo.
O segundo produto era o algodão, utilizado para a fabricação de tecidos e
redes. A produção ascendeu em 1777, com o português Antônio José Moreira
Gomes, que trouxe para Fortaleza as técnicas de Lisboa. Entretanto, o florescimento
da exportação só aconteceu em 1809, com a abertura dos portos, a qual
proporcionou o comércio direto com Londres. Durante a segunda metade do século
XIX, o algodão foi beneficiado pelas guerras civis norte-americanas, já que os
47
Estados Unidos eram o seu maior concorrente, e teve um progressivo aumento,
como relata Rodolfo Teófilo (apud Girão, 1986):
Em 1845, segundo a estatística da alfândega, a exportação foi de 124.757 quilogramas. Em 1876, vinte anos depois, nota-se um progresso imenso, a exportação subiu a 4.426.491quilogramas. Acresce que não foi aquele o ano da maior exportação; em 1871, já havia baixado o preço do algodão, ela subira a 7.907.941 quilogramas (p. 158).
A ruína das exportações do algodão ocorreu no século XX, com as novas
exigências do mercado externo em relação à espessura do fio. Este continuou a ser
cultivado, entretanto, em baixa escala. O açúcar é o outro artigo produzido durante o
período oitocentista, no Ceará, porém, seu produto final era diferente do de
Pernambuco:
Talvez se pudesse chamar de Nordeste da rapadura o “Nordeste duro” de Gilberto Freyre, porque foi e ainda é a rapadura, mais que a carne dos novilhos, a comida forte e generalizada do homem desta parte do Brasil. A rapadura tornou-se, na expressão de Capistrano, uma das alegrias do sertanejo (GIRÃO, 1986, p. 163, grifo do autor).
Destacou-se, na produção de rapaduras, o Cariri, que se tornou exportador
para os estados do Nordeste, como demonstra Girão (1985): “Por volta de 1860,
havia no Cariri mais de 300 engenhos, na maioria, de madeira. No Crato, 130, sendo
8 de ferro. Em 21, dos 34 municípios, a estatística do Senador Pompeu anotou
1.200 deles” (p. 164).
Em relação à religião, o catolicismo predominou no século XIX, imbuído da
cultura popular, condicionado pelas dificuldades próprias da região, com templos
católicos de estrutura arquitetônica pobre e formada por clérigos que se dedicavam
a outras atividades como o comércio, a criação de gado ou, até mesmo, a política,
como é o caso dos filhos de Bárbara de Alencar. A Igreja representava uma das
principais autoridades para o povo, privado de educação e dos bens básicos e que
via no sacerdote um líder legitimado (GIRÃO, 1985, p. 164).
3.3.1 A Família Alencar no Nordeste e a formação do Cariri cearense
O autor Rosemberg Cariry (2001), ao descrever a região que lhe
concedeu seu sobrenome, exalta as belezas naturais dela, rodeada pela chapada do
48
Araripe, a qual, na linguagem indígena, significa “Lugar das Araras” (p.1). O Cariri é
privilegiado pelas nascentes da Chapada, que garantem terras férteis o ano todo e
vegetação sempre verde, viva, que não passa despercebida na descrição dos
demais autores que o descrevem:
A chapada do Araripe ocupa uma área de 180 km de extensão na direção leste-oeste e 50 km de largura na direção norte-sul. Composta de várias camadas de arenitos e uma de calcário, teve a sua formação durante o período cretáceo. A formação Santana é hoje um dos sítios paleontológicos mais importantes do mundo, sendo protegido como patrimônio cultural do povo brasileiro (p. 1).
Devido à grande quantidade de achados arqueológicos, como fósseis de
plantas e animais, a Universidade Regional do Cariri – URCA abriga um centro
arqueológico, o Geopark Araripe, onde se contempla toda a riqueza natural do lugar.
O Cariri é uma região peculiar e admirável em diversos aspectos. Neste trabalho,
destacaremos a história da Família que iniciou a sua formação enquanto divisão
territorial apresentando alguns dados e fatos.
O Brasil, durante as primeiras ocupações na Chapada do Araripe,
conforme Boris Fausto (1996), encontrava-se no processo de desbravamento e
demarcação do território, pelo sistema de capitanias hereditárias, que dividia a terra
em sesmarias, com o objetivo de patrulhar a costa brasileira e explorar a terra para
ocupá-la, segundo o ordenamento de Dom João III, rei de Portugal. Esse processo
incluía a desapropriação indígena, a retirada de posse dos nativos da terra, para a
construção de vilas e povoados.
O Brasil foi dividido em quinze quinhões, por uma série de linhas paralelas ao Equador que iam do litoral ao meridiano de Tordesilhas, sendo os quinhões entregues aos chamados capitães-donatários. Eles constituíam um grupo diversificado, no qual havia gente da nobreza, burocratas e comerciantes, tendo em comum suas ligações com a Coroa (FAUSTO, 1996, p. 24).
As terras foram doadas aos navegadores, comerciantes e militares da
época, os quais, como mencionado acima, foram denominados de donatários. A
doação implicava na posse da terra, mas não em sua propriedade, o que significava
que esta não poderia ser vendida ou dividida, estas eram incumbências exclusivas
da Coroa Portuguesa. Esse sistema findou-se em meados do século XVIII, quando
“Marquês de Pombal completou praticamente o processo de passagem das
capitanias do domínio privado para o público” (FAUSTO, 1996, p. 25).
49
No Nordeste, o polo irradiador de bandeiras de povoamento8 foi a Casa
da Torre, construída por Garcia d’Ávila9 em 1551, localizada na capitania da Bahia, a
qual compreendia um extenso latifúndio de onde saíam expedições em busca de
riquezas nos sertões de Pernambuco, Ceará e Paraíba. Dentre os latifundiários,
destacamos Leonel de Alencar Rego, o qual arrendou terras da Casa da Torre dos
Garcia d'Ávila no oeste de Pernambuco e na região suI do Ceará, dando origem ao
povoamento da região do Cariri e à linhagem dos Alencares.
Para conhecer a trajetória de Bárbara Pereira de Alencar e sua atuação
política no Crato – Ceará, é imprescindível recorrer à história de fundação do
município de Exu – Pernambuco, pois as duas estão estritamente entrelaçadas. A
Família Alencar fincou-se nessas terras e ajudou a erigir as bases da construção de
ambas as vilas, que posteriormente tornaram-se municípios.
Segundo Thereza Alencar (2011), a primeira tentativa de ocupação da
terra localizada próximo à encosta da Serra do Araripe, onde atualmente se situa o
município de Exu, deu-se em 1705, por meio de um aldeamento indígena dos frades
capuchinhos italianos, nomeado “Missão do Santo Cristo”, na localidade de Brejo do
Exu. A tribo nativa, alvo da missão, chamava-se Ançu e pertencia à Nação Cariri,
presente no Nordeste brasileiro.
8 Entradas, bandeiras e monções eram expedições exploratórios que buscavam riquezas como
minerais preciosos e realizavam a captura ou o resgate de índios e escravos. 9 Segundo Farias (2013), Garcia de Sousa d'Ávila era filho de Tomé de Sousa e foi o fundador da
Casa da Torre.
50
Figura 11. Mapa do Cariri – CE com destaque para Exu – PE.
Fonte: http://republicadojasmim.files.wordpress.com/2013/03/mapa_grande.jpg
Esses mesmos clérigos europeus foram responsáveis pela ocupação da
região do Cariri, que originou o município do Crato, no qual eles instalaram a Missão
Miranda com o auxílio dos indígenas, que indicaram os caminhos por entre a Serra
do Araripe. Inicialmente, demarcaram as terras com o nome de Aldeia do Brejo
(ALENCAR, 2011).
A referida autora ressalta que esses fatos coincidentes, bem como sua
proximidade geográfica, proporcionaram uma estreita relação entre Crato e Exu
desde seu nascedouro. Até hoje, elas compartilham de relações econômicas, sociais
e culturais. As cidades cuja origem tem ligação com o “Brejo do Exu e a Aldeia do
Brejo tiveram como epicentro a Serra do Araripe” (ALENCAR, 2011, p. 23).
Segundo Alencar (2011), os primeiros povoadores/desbravadores do
Brejo do Exu eram os ascendentes de Bárbara de Alencar: “Leonel de Alencar Rego
e seus irmãos João Francisco, Alexandre e Marta de Alencar Rego – originários da
região do Minho, em Portugal, que se estabeleceram, em 1709, no alto do vale do
Brígida, região do Exu” (ALENCAR, 2011,, p. 24). O líder, Leonel Alencar, deslocou-
se para Jeremoabo, na Bahia, em busca de uma terra rica em vegetação e recursos
51
hídricos, seguindo as recomendações que haviam sido descritas pelos vaqueiros
que conheciam a Serra do Araripe.
Em 1734, o Brejo do Exu alcançou o status de Curato Amovível de Exu,
denominação dada pela Igreja Católica que designava uma região ou povoado que
possui potencial para tornar-se distrito (MICHAELIS, 2014). Quatro décadas depois,
em 14 de outubro de 1779, “Exu foi elevado à categoria de Curato de Natureza
Colativa” (idem) pelo então bispo de Olinda e Recife, Tomás da Encarnação Costa
Lima, decisão homologada pela Corte após a transferência da Família Real para o
Brasil, em 1808 (ALENCAR, 2011).
Outro fato importante na história de Brejo do Exu teve como protagonista
a Família Alencar. Leonel de Alencar Rego, em 27 de julho de 1742, arrendou o sítio
Cayssara (atual fazenda Caiçara), do Coronel Francisco Dias de Ávila, cujo
pagamento foi registrado no Cartório do Tabelião José Senhô Oliveraira, de Bodocó
– Pernambuco. Essa propriedade tornou-se marco imobiliário do município e
destaca-se neste estudo, por ser o lugar onde Bárbara de Alencar nasceu e que,
atualmente, abriga um museu em tributo a ela. Como declara Thereza Alencar
(2011, p. 30), “Caiçara é, por direito, a mais antiga e importante célula social de
Exu”.
Araripe (2006) ressalta que a Família Alencar instalou diversas
propriedades que prosperaram, economicamente, em Pernambuco e no Ceará, das
quais, destacam-se: Várzea Grande, Carnaúba, Colônia, Tabocas e Caiçara. O
progresso dessas fazendas deu-se pela alta fertilidade do solo, mas alcançou
destaque pelo elevado prestígio político que seus proprietários obtiveram.
Nesse ínterim, as relações culturais e econômicas entre os vizinhos Crato
e Exu estavam cada vez mais estreitas, embasadas também na raiz familiar comum
dos povoamentos, representada pelos Alencares. Essa aliança consolida-se
posteriormente, com a entrada do Crato nos movimentos revolucionários
nordestinos, dentre os quais, destacam-se: a Revolução Pernambucana de 1817, as
Guerras da Independência de 1822 e a Confederação do Equador de 1824
(ALENCAR, 2011).
52
Para o desenvolvimento dessas regiões, com certeza, contribuiu bastante
o crescimento da população. Por isso, ressaltamos que, ao Cariri cearense, centro
geográfico com equidistância das principais capitais do Nordeste, desde meados do
século XVII até os dias de hoje, continuam a chegar multidões sertanejas, em fluxo
constante, atraídas pela fertilidade e pela consagração do território como espaço
mítico10 (CARIRY, 2010, p. 1).
3.3.2 A Escravidão na região do Cariri
Segundo Reis Júnior (2008), a mão de obra escrava foi imprescindível
para a ocupação do território brasileiro e para o êxito econômico da nação. Tal
relação de trabalho, baseada na exploração, imprimiu, para a classe trabalhadora,
uma face degradada, que exprime uma condição inferior de classe social na
sociedade brasileira.
Ainda como nação independente, a escravidão foi mantida, revelando as
contradições existentes no período. Costa (apud REIS JÚNIOR 2008) assevera,
sobre o rompimento da relação substancial entre o escravismo e a sociedade agrária
oitocentista, que
[...] nenhum motivo parecia existir para que se rompesse com essa tradição. Nem mesmo o da incongruência que existia no fato de uma nação que se tornava politicamente independente e inseria em sua carta constitucional a afirmação de que todos eram iguais perante a lei conservar o sistema escravista (p. 250).
A escravidão no Ceará, segundo Ferreira Sobrinho (2011) teve ascensão
no final do século XVIII com o rápido processo de ocupação do sertão,e, segundo o
censo de 1804-1813, a população de “pardos livres e cativos, mulatos livres e
cativos e pretos livres e cativos era superior à população branca” (p. 56). Na vila do
Crato, o número de pretos e mestiços correspondia a 67% da população total.
10
Um dos mais destacados fatos míticos foi o Milagre de Juazeiro, que ocorreu quando Padre Cícero Romão Batista deu a comunhão à beata Maria de Araújo, e a hóstia se transformou em sangue. Tal acontecimento se deu em Juazeiro do Norte, em 1889 (FARIAS, 2013).
53
O escravismo cearense, diferente das demais províncias nordestinas, foi
pouco expressivo. Tal realidade está atrelada às atividades econômicas,
predominantemente pecuaristas, as quais forneciam subsídios alimentícios para os
vizinhos latifundiários. Em números, a província contabilizava uma população que,
“[...] em 1864, era de 36 mil habitantes nessa condição. O censo de 1872
apresentava 32. 975 escravos, perfazendo 4,4% da população escrava do Brasil, ao
passo que a província do Rio de Janeiro detinha 39,7% dos escravos” (REIS
JÚNIOR, 2008, p. 251).
Com a introdução da cultura do algodão, do café e do açúcar para
exportação, houve o aumento do tráfico entre províncias, em decorrência do qual foi
registrada, no Ceará, a saída de 16. 480 escravos entre os anos de 1850 e 1880
(PINHEIRO apud REIS JÚNIOR, 2008, p. 252).
Sobre as condições do trabalho escravo no Cariri, Reis Júnior (2008) cita
a pesquisa realizada por Antônio José de Oliveira em inventários 11 do período
oitocentista, na qual se constatou que, entre as principais funções laborativas,
estava a fabricação de rapadura nos engenhos, ao invés de açúcar para exportação,
o que era comum no litoral nordestino.Ainda sobre os escravos,
Pelas características das propriedades, entendemos que foram utilizados em diversos setores, menos nos mais árduos. O escravo que custava até 500 mil reis não era comprado para realizar tarefas que colocassem em risco sua saúde. Sendo o mais valorizado bem do proprietário, era vigiado praticamente vinte e quatro horas e, por qualquer tentativa de fuga, era “castigado” com “severidade” (OLIVEIRA apud REIS JÚNIOR, 2008, p. 253).
Os inventários já mencionados registram um pequeno número de
escravos por período. Entre 1811 e 1820, registra-se o total de 28 escravos que
viviam cativos em unidades produtoras agrícolas e pecuaristas. A composição de
gênero nesse segmento populacional sobressai-se à medida que observamos sua
relativa equidade, com uma pequena superioridade, em números, para o sexo
masculino, como nos mostra a tabela a seguir:
11
Os inventários de bens foram utilizados por ambos os historiadores, Oliveira (2003) e Reis Júnior (2008), como fonte para se entender as relações sociais e econômicas desse período. Tais documentos estão arquivados no Fórum Desembargador Hermes Parahyba, na cidade do Crato – CE, sendo o mais antigo datado de 1751.
54
Figura 12. Tabela da razão de masculinidade no século XIX, na região do Cariri.
Fonte: Reis Júnior, 2008.
Numa visão geral, o referido pesquisador aponta como características da
sociedade escravista cratense aspectos distintos das regiões com números
expressivos de escravos, dentre eles, destacam-se: a elevada incidência de crianças
escravizadas, que chegava a 35,41% no período de 1921 a 1930, quando
comparada com outras regiões que estavam entre 2 e 6%, e a razão de
masculinidade, a qual, inversamente, estava em torno de 113,3, bem abaixo da
razão baiana, cerca de 199, registrada entre os anos de 1710 e 1827 (REIS
JÚNIOR, 2008).
Os proprietários do Crato advinham das diferentes classes sociais ‒
desde pequenos produtores até grandes latifundiários como a Família Alencar ‒ e,
no século XIX, registraram uma população escrava de 294 pessoas, número
significativo dado o nível de desenvolvimento econômico e social da região (REIS
JÚNIOR, 2008).
Esse expressivo número de escravos no Cariri se deu também pela
presença das famílias abastadas, dentre elas, os Alencares, que possuíam uma
grande quantidade de escravos. Essa contextualização é relevante para
compreendermos a relação de Bárbara com seus escravos, principalmente, os mais
próximos a ela, que aparecem nas narrativas como fiéis à matriarca do Cariri e
auxiliaram-na nas duas revoluções de que participou.
55
4. BÁRBARA DE ALENCAR E AS RELAÇÕES DE PODER ENTRE HOMENS E
MULHERES NO SERTÃO: APROXIMAÇÕES
Com a força dos ventos, chegou a guerreira,
Mulher brasileira das terras do Exu
Que canta e luta pela liberdade
Porque bate o ferro do maracatu
Ê Bárbara viva, ê nossa heroína
Que vem, com seu sonho, a história mudar
Trazendo seus filhos, sua rebeldia,
Coragem e fé que a Nação vai cantar
Ê dona Bárbara,
Hoje a nossa Nação te chama
Bárbara,
És a força e a luz a nos libertar
Oyá Iansã, dona das tempestades
Ê, vem Santa Bárbara abençoar
Nação Fortaleza pisou no terreiro
Ao som dos tambores, já veio brincar
Ê Bárbara e seu ideal libertário
Que se espelhem em ti os que vamos lutar,
Pois a liberdade, ainda que tarde,
Um dia renasce pra gente cantar
Ê dona Bárbara,
Hoje a nossa Nação te chama
Bárbara,
És a força e a luz a nos libertar
Cortejo do Carnaval 2010, Maracatu Nação Fortaleza
Loa: Bárbara, Luz da Liberdade
Autor: Calé Alencar
56
No ano de 2010, o Maracatu Nação Fortaleza12 apresentou o tema “Bárbara,
Luz da Liberdade”, com uma Loa escrita pelo compositor cearense Calé Alencar –
idealizador do movimento –, tendo como objetivo homenagear os 250 anos de
Bárbara de Alencar. Anunciada pelos organizadores do movimento cultural como
“[...] a primeira presa política do Brasil, Bárbara Pereira de Alencar, precursora da
independência e da República, uma das lideranças do movimento republicano em
oposição à monarquia no início do século XIX [...]” (MARACATU NAÇÃO
FORTALEZA, 2015), teve sua história cantada em versos.
Com a inclusão do tema Bárbara, Luz da Liberdade, fazendo referência ao sincretismo religioso com a inclusão das entidades do candomblé e do catolicismo, no caso Iansã e Santa Bárbara, o Maracatu Nação Fortaleza pretende ressaltar a importância do diálogo com a nordestinidade e suas peculiaridades nos campos cultural, histórico e social, relacionando exemplos de coragem e fibra de importantes vultos históricos e suas relações com a história contemporânea, inserindo, no carnaval de rua, um tema voltado para a valorização das lutas e conquistas gestadas a partir dos movimentos populares (MARACATU NAÇÃO FORTALEZA, 2015).
Neste capítulo, aproximamo-nos da história de Bárbara Pereira de
Alencar por meio de materiais bibliográficos como livros e artigos e de trechos das
falas dos entrevistados. Entretanto, iniciamos conhecendo a realidade de homens e
mulheres do Nordeste e aprofundando a discussão sobre as diferenças geográficas
e de gênero nessa região, já apontadas anteriormente: a zona da mata açucareira,
predominantemente patriarcal, e o sertão, onde floresceram relações matriarcais.
Destacamos as duas revoluções nordestinas de que Bárbara participou
ativamente, durante o período do Segundo Reinado, avultando a inserção dos ideais
iluministas no país, e como elas influenciaram a luta pela instauração da República.
Nessa perspectiva, ressaltamos o papel do Seminário de Olinda enquanto centro
irradiador dos ideais revolucionários dos franceses – liberdade, igualdade e
fraternidade – e como este contribuiu para formação e organização do pensamento
da Família Alencar, visto que, os filhos de Bárbara, Tristão Gonçalves Pereira de
Alencar, José Martiniano de Alencar e Carlos José dos Santos lá estudaram.
12
Segundo a página do Maracatu Nação Fortaleza, esse movimento cultural foi “fundado em 25 de março de 2004, como forma de marcar o Dia do Maracatu e as comemorações dos 120 anos da abolição da escravatura no Ceará. O Maracatu Nação Fortaleza tem como objetivo inserir crianças e adolescentes na cultura de maracatus e, assim, trazer a participação efetiva de novas gerações, dando continuidade ao trabalho dos antigos mestres”.
57
Entretanto, não nos esquecemos de apontar as faces da realidade
contada pelos historiadores brasileiros, que destacam os paradoxos da sociedade
colonial escravista e elitista. Os próprios revolucionários estavam inseridos em
contradições, pois a parcela da população letrada pertencia às classes mais
abastadas e era proprietária de escravos, e esta lutava por seus ideais, dentre os
quais, instaurar um regime democrático no país, sem, no entanto, romper com os
privilégios de classe.
Estudar a história e o contexto de Bárbara de Alencar inscreve este
trabalho na linha de compreensão das cientistas feministas, que modificaram a ótica
da ciência em geral, devido ao seu novo modo de olhar para os fatos históricos e
sociais, como destaca Tilly(1994):
A história das mulheres certamente contribuiu para identificar e expandir nossa compreensão sobre novos fatos do passado, para incrementar nossos conhecimentos históricos. Este processo é cumulativo e interativo: para estudar a vida das mulheres no passado, os(as) historiadores(as) se apoiam sobre as especialidades mais antigas, tais como a demografia histórica para estudar os dados do estado civil, as ocupações e as migrações; a história econômica para as transformações econômicas; a história social para os processos de transformação estrutural em grande escala, como a profissionalização, a burocratização e a urbanização; a história das ideias para os métodos de crítica dos textos; e a história política para os conceitos relativos ao poder. Uma nova especialidade histórica nasceu contendo por objeto as mulheres, tornando-as sujeitos da história. (p. 34)
Acompanhando as mudanças de posicionamento feminino em todo o
mundo, as mulheres brasileiras começaram a ter acesso à educação e, com isso, a
requerer serem as protagonistas de sua própria história. Para isso, o primeiro passo
foi conquistar seus direitos políticos. Bárbara abriu os caminhos para que suas
sucessoras conquistassem os diversos espaços de atuação na vida pública,
tornando-se escritoras, mulheres da política e cientistas como Raquel de Queiroz e
Heloneida Studart, suas descendentes.
4.1 O NORDESTINO E AS CONSTRUÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO:
PATRIARCADO E MATRIARCADO NO PERÍODO COLONIAL
58
Durante o período colonial, a sociedade nordestina – principal polo de
produção econômica, como destacamos no capítulo anterior – apresentou
características peculiares em relação aos gêneros, que se tornaram alvo de diversas
produções acadêmicas, devido a sua relevância na construção das imagens de
homens e mulheres na atualidade. Dentre essas características, teve destaque a
presença de uma família numerosa, composta por pai, mãe, filhos, escravos e outros
parentes, a qual foi denominada, posteriormente, de família extensa
(DURHAM,1982; ALMEIDA, 2001; ITABORAÍ, 2005).
Ao traçar o perfil da família brasileira no período colonial, em relação a
homens e mulheres, faremos um diálogo com a obra Casa-grande e senzala, de
Gilberto Freyre, pois, segundo Albuquerque Júnior (2003), “Freyre foi o inventor do
conceito de família patriarcal, para descrever as relações familiares no Brasil, desde
o período colonial até o final do século XIX, quando esta teria entrado em declínio,
para ser substituída, paulatinamente, pela família nuclear burguesa” (p.135). Outros
autores considerados clássicos para se entender a formação do Brasil são Sérgio
Buarque de Holanda13 e Nestor Duarte, os quais trataram da questão da influência
da família e do cotidiano da vida privada nas ações políticas da vida pública.
Para Eunice Durham (1982), a família colonial – melhor instituição para se
entender as relações entre homens e mulheres – traduziu o modelo de família
ibérica advinda dos colonizadores portugueses, modelo que foi apregoado nas
famílias da elite e tinha objetivos específicos: regulamentar a procriação,
especificamente, a sexualidade das mulheres; legitimar os filhos; e assegurar o
repasse dos bens por herança. A autora enfatiza que essa regulamentação não era
válida aos homens, por isso, os inúmeros relatos de concubinas e filhos ilegítimos,
pois os homens não tinham obrigação legal fora do casamento instituído.
O patriarcado, para Durham (1982), era o sistema que dominava, de modo
indiscutível, a família colonial. As mulheres, no entanto, poderiam se expressar de
duas formas. A primeira delas era a mulher totalmente submissa, que aceitava sua
condição de inferioridade e acolhia as imposições que lhes eram impostas pela
13
Sérgio Buarque de Holanda escreveu Raízes do Brasil e Nestor Duarte, A ordem privada e a organização política nacional. Junto com Freyre, formam o conjunto de autores clássicos para se entender a família colonial, a organização política brasileira e a criação da identidade nacional na análise de Itaboraí (2005).
59
figura masculina, suportava traições e até agressões físicas em nome da
permanência familiar. A mulher era considerada um bem pertencente ao homem, o
patriarca, e era educada, desde cedo, para ser esposa. Não era permitido a ela ter
contato com a vida social, com exceção da ida à missa ou a alguns festejos
religiosos, desde que acompanhada por homens da família. Permanecendo em
casa, a mulher estava longe das decisões políticas e sociais. Essa notória
submissão feminina foi apontada por um entrevistado quando questionado acerca da
percepção da sociedade oitocentista quanto às mulheres:
“De intensa submissão ao cônjuge, entregue aos afazeres da casa, aos cuidados dos filhos e a servir seus maridos quando os mesmos desejassem, sem a mínima perspectiva de recusa” (Gylmar Chaves).
A segunda imagem era a da “enérgica mãe de família” (EUNICE, 1982, p.
38), a qual organizava o ambiente doméstico e, por vezes, assumia o papel de
chefia da casa na ausência temporária do marido ou por viuvez, administrando
escravos, filhos e negócios. O cuidado com os filhos, entretanto, nessas duas
imagens de mulher, ainda era responsabilidade somente das mães (DURHAM,
1982).
Devido a esses papéis que elas podiam assumir como mãe-
administradora do lar, a importância do casamento, para as mulheres, tinha outros
fins além da preservação dos bens da família: poderia ter sentido também de
liberdade. Cardoso (1903), ao comentar sobre as mulheres dessa época, diz que
elas, por terem menos liberdade, imaginavam o casamento como um meio para
mudar de vida, para sair de sua rotina e encontrar emoções e razões diferentes para
viver. Ao se casar, no entanto, na maioria das vezes, deparavam-se com o cotidiano
de novas responsabilidades, com a administração dos afazeres domésticos, com o
surgimento dos filhos e do marido autoritário.
Quanto à sua educação, não era permitido às mulheres dessa época
saber ler ou escrever, pois, com esse conhecimento, elas podiam desviar-se do
“caminho correto”, escrevendo para namorados ou tendo acesso a livros pouco
instrutivos como os romances. Muitas vezes, a elas cabia apenas aprender as
habilidades domésticas, a costurar, a bordar ou as boas maneiras de se comportar
60
como uma “mulher descente”. A mulher da família colonial não podia escolher com
quem iria se casar. Normalmente, era o pai que determinava e sua decisão era
baseada em questões de interesse financeiro. Por vezes, o marido eleito era algum
parente e bem mais velho do que a jovem noiva.
Almeida (2001), entretanto, aponta que as imagens da mulher propostas
por Gilberto Freyre apresentam apenas uma face da história, o Nordeste açucareiro,
pois a realidade do Sudeste era bem diferente, com relações em que as mulheres
predominavam. De forma semelhante, o sertão refletia essas mulheres que
estabeleciam diferentes relações de gênero e poder:
[...] As mulheres separavam-se dos maridos com certa frequência; falou-se até de “divórcio” no sentido que lhe é dado atualmente [...] as mulheres viúvas ou na ausência do marido assumiam papéis de mando nos empreendimentos da família, de liderança, de cabeça de casal (ALMEIDA, 2001, p. 4).
Outrossim, Albuquerque Júnior (2003), apoiado em Ronaldo Vainfas e
Richard Parker, aponta que generalizar a organização familiar na colônia como
patriarcal, na qual a dominação masculina aparece como situação dada e imutável,
incorre no erro de ignorar a multiplicidade de realidades daquele período: “É
evidente que afirmar a dominação masculina como regra geral em nível conceitual,
não exclui a existência, nas práticas concretas, de homens e mulheres relativamente
livres” (p. 137).
4.1.1 As matriarcas do sertão: poder além da casa-grande
Paraíba masculina, mulher macho, sim sinhô!
Luíz Gonzaga.
Após conhecermos um pouco das relações entre homens e mulheres na
colônia, por meio da análise da família, e percebermos que a realidade expressou
faces distintas das relações de poder, é inegável que a figura do patriarca no
Nordeste imprimiu a imagem do homem nordeste, forte, viril, sem traços de fraqueza
e dominante na família. Tal representação perdura, atualmente, no imaginário social
e nos meios culturais. Acerca do nordestino e de sua imagem atribuída, Albuquerque
Júnior (2003) define:
61
[...] Figura em que se cruzam uma identidade regional e uma identidade de gênero. O nordestino é macho. Não há lugar nesta figura para qualquer atributo feminino. Na historiografia e sociologia regionais, na literatura popular e erudita, na música, no teatro, nas declarações públicas de suas autoridades, o nordestino é produzido como uma figura com atributos masculinos (p. 20).
Essa também é a perspectiva de Falci (2004), a qual argumenta que a
sociedade do sertão nordestino foi fundamentada no patriarcalismo, em que havia
diversas estratificações baseadas na classe social, na raça/etnia e no gênero.
Segundo a autora, a pretensa democracia entre raças e culturas advindas da
mestiçagem da região causou uma falsa aparência de coesão entre os diversos
grupos. A marca da hierarquização estava presente desde o espaço doméstico até a
rua, assinalando os discursos, por exemplo, no momento em que se celebravam os
casamentos, nos quais se registravam indagações comuns feitas pelos ancestrais:
“Minha filha, ele é branco?” (FALCI, 2004, p. 243), demarcando, assim, a
importância do branqueamento da família nas relações sociais da época. A
pesquisadora afirma, ainda:
Mas a história tem outra memória sobre o sertão do Nordeste: uma terra de modo de vida excêntrico para as populações do Sul, onde perduraram as tradições e costumes antigos e específicos, onde extensas fazendas de gado e de plantio de algodão utilizaram a mão de obra livre e escrava trabalhando lado a lado, espaço em que uma população, descendente de portugueses se mesclou com os “negros da terra” – os indígenas – e com os negros da Guiné – os escravos trazidos pelos próprios colonizadores ou mandados comprar, depois, nas praças comerciais de São Luís, Recife, Salvador ou no pequeno porto de Parnaíba, ao norte do Piauí (FALCI, 2004, p. 242).
Entretanto, a presença das mulheres no sertão permitiu o aparecimento
de outras relações de gênero. De acordo com a autora, a partir do século XVIII,
houve o aumento progressivo do número de mulheres advindas dos Açores, em
Portugal, e também de africanas escravizadas, ao passo que, no século seguinte,
em 1826, havia 47 mulheres para cada grupo de 100 habitantes. “Eram 28.245
mulheres livres e 11.699 mulheres escravas [...]” (FALCI, 2004, p. 243) no sertão do
Piauí. A referida estudiosa ressalta que a natalidade era muito alta no sertão, no
entanto, havia também mortalidade infantil, por infecção do cordão umbilical, e morte
de mulheres, por ocasião do parto. E essas mulheres de diversos lugares e posições
sociais, acabaram se tornando também matriarcas.
62
Com base nas discussões do texto “Matriarcas do Ceará ‒ D. Federalina de
Lavras”, de Rachel de Queiroz e Heloisa Buarque de Hollanda (1990),
podemos recriar a imagem das mulheres icônicas do sertão nordestino por meio de
três figuras de destaque que possuíam características marcantes e peculiares. Para
as escritoras, essas mulheres são o antagonismo da versão de “mulher brasileira”
das metrópoles e correspondem à imagem da mulher europeia da era vitoriana14.
Nesse sentido, foram elencadas Bárbara de Alencar, Federalina de Lavras da
Mangabeira e Marica Macedo, todas pertencentes à região do Cariri ‒ CE. As
autoras categorizam essas três mulheres como matriarcas pelos seguintes atributos
análogos:
Foram elas matriarcas semilendárias, proprietárias de terra e gado no interior do sertão, longe das pretensões fidalgas das Casas-Grandes da zona açucareira. Levavam uma vida rústica relativamente distante dos padrões culturais europeus que, na época, moldavam as sociedades do litoral nordestino. No sertão, exerciam grande poder de liderança, tendo controle total de seus feudos regionais (QUEIROZ; HOLANDA, 1990, p. 1).
Essas mulheres exerciam o poder de mando na região, organizando as
atividades no ambiente doméstico, mas o que vem a se tornar sua principal
característica é o fato de influenciarem as relações econômicas, políticas e culturais
da região em que viviam, junto com os filhos, escravos e outros sujeitos que
tivessem uma relação de proximidade e ocupassem posições de poder, em sua
maioria, clérigos, cientistas e políticos.
[...] o poder das matriarcas não era necessariamente vinculado ao poder político ou econômico da região, ainda que, subsidiariamente, tenham desenvolvido atividades e ocupado posições de controle nessas áreas. De forma sintomática, surgem elas em cena a partir da posição ocupada na estrutura familiar. São chefes de família, ou melhor, tornam-se chefes de família devido à ausência do patriarca, por morte, ou por viagens constantes. Raramente são solteiras ou sem família. A manipulação de filhos, parentes e agregados parece ser o foco inicial do poder e do raio de influência das matriarcas. Começam a exercer seu controle em um âmbito mais restrito, o familiar, e terminam por englobar a rede de poderes que liga, de forma bastante específica, no interior do Nordeste, o Estado, a Igreja e a família (QUEIROZ e HOLLANDA, 1990, p.1).
14
A imagem da mulher vitoriana é discutida no artigo “Figuras errantes na época vitoriana: a preceptora, a prostituta e a louca”, de Maria Monteiro (1998). A autora apresenta que as transformações da Inglaterra no século XIX, entre elas, a evolução da ciência, propiciaram o surgimento da figura da mulher da elite restrita à esfera privada, guardiã da moralidade e da vida doméstica, sexualmente reprimida, e que tinha apenas uma escolha aceitável de carreira profissional: tornar-se preceptora, ou seja, educadora de crianças dentro do ambiente doméstico.
63
Cabe destacar a distinção clara que essas mulheres do sertão cearense têm
das outras que pertenciam à zona açucareira, que tinha seu principal expoente na
província pernambucana, não só pelos espaços geográficos, distantes dentro da
mesma região, mas pela influência do tipo de produção econômica que predominava
em cada um deles. O primeiro, no tocante à relação de gênero, será marcado pelo
surgimento das matriarcas, o segundo, pela figura masculina, o patriarcado.
Ressaltamos, que toda essa construção histórica da mulher, que é recorrente
em muitos autores, privilegia o entendimento das famílias de elite, que dominavam a
vida social e se tornaram símbolo de cada época. Contudo, pode-se observar a
existência de mulheres que, como as matriarcas do sertão nordestino, assumiam o
papel de mando em suas famílias e chegavam a ser provedoras de suas casas,
lutando pela sua sobrevivência e a de seus protegidos. Dentre elas, apresentaremos
o caso de Bárbara de Alencar, que participou ativamente da vida pública ainda no
período Imperial.
4.2 BÁRBARA DE ALENCAR: REGISTROS HISTÓRICOS DA MATRIARCA DO
CRATO
Figura 13. Retrato de Bárbara de Alencar, por Oscar Araripe.
Fonte: http://www.nacaofortaleza.com/bra/carnaval2010.htm
64
Bárbara de Alencar nasceu em Exu ‒ PE, no dia 11 de fevereiro de 1760,
na fazenda Caiçara ‒ propriedade de seu progenitor e fundador do seu município de
origem, Leonel Alencar Rego. Foi batizada na Igreja de Nossa Senhora da
Conceição, em Cabrobró 15 , também município pernambucano, e era filha de
Joaquim Pereira de Alencar e Teodora Rodrigues da Conceição (ARARIPE, 2006).
Pouco se tem escrito da infância de Bárbara. Sabe-se que ela teve acesso aos
estudos no ambiente doméstico, que, desde pequena, interessava-se pela ciência e
que tinha descendência indígena por parte de mãe, como destaca um entrevistado:
“Nascida na fazenda Caiçara, ainda menina-moça, conheceu a feira do Crato e pra lá se mudou aos 22 anos, quando se casou com o comerciante José Gonçalves dos Santos. Muito cedo ela percebeu-se oriunda de um conflito étnico. Pela parte materna, tinha ascendência índia. Pela paterna, portuguesa. Seu avô, Leonel de Alencar Rego, acompanhado de dois irmãos, uma irmã e o cunhado, aportara em Salvador entre, 1650 e 1680. Não há documentos comprobatórios” (Gylmar Chaves).
“A família de Bárbara de Alencar é das mais ilustres do Brasil. Ela nasceu na fazenda Caiçara, município de Exu, e se batizou na matriz de Cabrobó, Pernambuco” (Huberto Cabral).
Na fase adulta, aos vinte e dois anos, Bárbara de Alencar casou-se com o
descendente português e comerciante de tecidos José Gonçalves dos Santos. Aírton
de Farias (2013) sugere que o casamento foi “de conveniência, coisa comum na
época” (p. 114), fato que atribui à diferença de idade entre os cônjuges e aos
costumes das elites desse período.
A hipótese de que o casamento foi de conveniência encontra reforço nos
estudos sobre a família colonial, a qual Durham (1982) denomina de família extensa,
por abrigar, além do casal e dos filhos, uma grande quantidade de agregados dentro
da mesma propriedade econômica e residencial – o engenho. Dentre estes, estavam
os escravos, os clérigos e outros parentes. A autora ressalta a importância que a
elite dava aos laços de parentesco e consanguinidade para o estabelecimento de
novos grupos conjugais, como “[...] mecanismo de transmissão e preservação da
propriedade e do controle das posições de autoridade na sociedade tradicional”
(DURHAM, 1982, p. 37). Logo, a hipótese da conveniência é reforçada nessa
perspectiva, em que um parente ou amigo próximo da família da elite, também
15
O local de seu batizado muitas vezes confundiu-se com seu local de nascimento, como ainda registra-se na obra de Lindemberg de Aquino (1969) “Roteiro Biográfico das Ruas do Crato”, entretanto, o Padre Antônio Gomes, pesquisador da história do Ceará, conseguiu resgatar seu batistério no município de Cabrobró – PE, confirmando seu local de nascimento em Exu – PE.
65
detentor de bens, tomava uma mulher jovem em casamento, para assegurar as
posses e os privilégios da classe a que pertenciam.
Em 1782, o casal mudou-se e passou a residir na fazenda Caiçara16,
onde tiveram seus dois primeiros filhos. Ao todo, foram cinco: João Gonçalves de
Alencar (27/02/1783), Carlos José dos Santos Alencar (27/08/1784), Joaquina de
São José (29/12/1787), Tristão Gonçalves Pereira de Alencar (17/09/1789) e José
Martiniano de Alencar (18/10/1794) (ARAÚJO, 2002). É relevante destacar que
poucos autores de biografias falam da filha de Bárbara, pois esta não pôde envolver-
se nas revoluções, mas ela é constantemente lembrada pelos entrevistados, os
quais revelam que ela também se envolveu ajudando financeiramente:
“Teve cinco filhos, dos quais, uma mulher: Joaquina do São José” (Gylmar Chaves).
“A filha de Bárbara ajuda financiando o movimento” (Alessandra Bandeira).
Araripe (2006), citando a pesquisa de Padre Antônio Gomes de Araújo,
ressalta que Bárbara possuía uma “mentalidade” à frente de seu tempo, o que se
evidenciou na Vila do Crato, por ter contratado um pedreiro de Recife para construir
sua casa em pedra e cal, a primeira obra arquitetônica do gênero no lugarejo. Essa
mentalidade pode ser justificada pelas condições sociais em que ela se insere e pelo
seu acesso à elite intelectual nordestina. Essa condição de mulher visionária nos
negócios foi corroborada pelos interlocutores da pesquisa:
“Mulher que se dedicava ao saber quando não eram recomendadas à leitura. Amansava burros e cavalgava, ofício herdado de sua ancestralidade índia. Sua casa passou a ser ponte de referência de encontros políticos e sociais. Empreendedora, montara uma fábrica de tacho de cobre, de rapadura e de aguardente. Tudo visto com grande reserva pelos fidalgos que não desejavam que se tornasse exemplo social e para suas mulheres” (Gylmar Chaves).
Bárbara e seu marido prosperaram no Cariri, na Vila do Crato e no Sítio
Pau-Seco, que hoje pertence ao município de Juazeiro do Norte. Neste, possuíam
uma fundição de cobre, tornando-se fornecedores dessa mercadoria para a região,
na qual era utilizada na fabricação de utensílios domésticos e de engenho, naquela
16
Há uma discordância entre os pesquisadores sobre a data de sua ida ao Crato. Ariadne Araújo (2002) sustenta que ela se mudou para o Crato por ocasião de seu casamento. Já Thereza Alencar (2011) afirma que sua mudança para o Cariri deu-se após o nascimento de seu segundo filho.
66
época. Em suas propriedades, também havia a criação de gado e a produção de
gêneros alimentícios, tais como mel, cachaça, açúcar e rapadura (ALENCAR, 2011;
FARIAS, 2013).
O Sítio Pau-Seco, o qual foi comprado dos padres da Missão do Miranda
‒ grupo catequético que atuava no povoamento do Crato –, era localizado em uma
região distante 10 quilômetros da vila do Crato e foi descrito assim por Araújo
(2002):
A casa é um grande prédio, de feição sertaneja, com varandas na frente. Não muito longe, mais à direita, vê-se uma fila de catolezeiros (palmeiras). A estrada fica a uns 300 metros da casa, isolada por uma cerca e servida por uma cancela. Além da casa do engenho, aqui e ali, as casas dos escravos casados. O brejo, todo plantado de cana e arroz, é regado pelo rio Batateiras, que desce das fontes da serra do Araripe. Ao longe, a famosa Chapada (p. 16).
Seu esposo, José Gonçalves, conhecido como “surubim-pintado”,
faleceu em 1809, deixando Bárbara viúva com 49 anos, contudo, em boas condições
financeiras, o que possibilitou dar continuidade à educação dos filhos. Dentre eles,
José Carlos e José Martiniano foram enviados para estudar no Seminário de Olinda
‒ PE, onde entraram para o corpo clerical da Igreja Católica. Carlos José tornou-se
padre e José Martiniano era seminarista (ARAÚJO, 2002).
O Seminário de Olinda foi a instituição de educação religiosa que se
tornou um dos fatores determinantes para o engajamento da Família Alencar na
militância política, por ser ele polo irradiador dos ideais iluministas. No entanto,
destacava-se também como um elemento segregador de classes, pois, devido ao
alto dispêndio, somente os filhos da elite conseguiam ingressar neste. Como
destacam os entrevistados:
“Por meio do ingresso de dois dos filhos de Bárbara Pereira de Alencar, Carlos José dos Santos e José Martiniano de Alencar, no Seminário Nossa Senhora da Graça de Olinda ‒ PE. A maioria dos professores, padres maçons e participantes da revolução francesa, defendia os ideais iluministas, que no Seminário fundaram sociedades clandestinas para difundir os ideais iluministas na Colônia, com a perspectiva de desmontar a monarquia e instalar o Sistema de Governo Republicano em seu lugar” (Gylmar Chaves).
Acerca dos ideais iluministas e da concepção de democracia, outro
interlocutor aponta a contradição entre o desejo de se tornar uma democracia, sem,
entretanto, mudar o sistema de escravidão:
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“Creio que a grande intenção era a libertação colonial, do rompimento dos laços com Portugal. O jovem José Martiniano de Alencar, filho mais velho de Dona Bárbara, havia estudado no seminário de Olinda, local onde os padres difundiam os ideais liberais e, por extensão, republicanos. Havia, porém, contradições, pois não eram contra a escravidão – para os liberais e os Alencares, os escravos eram uma propriedade, e libertá-los era uma ofensa ao princípio da propriedade privada. Também não estavam muito afeitos à democracia. Essas eram contradições comuns dos adeptos do iluminismo no Brasil” (Aírton de Farias).
Falci (2006) destaca que, para os homens da época, no mais elevado
grau da hierarquia, estavam “o fazendeiro, o político local ou provincial, o ‘culto’ pelo
grau de doutor” (p. 242). Os doutores da época eram os diplomados na área do
Direito e os que haviam estudado em Coimbra ou Olinda – os dois polos irradiadores
do conhecimento. Ainda seguindo a hierarquia, sucessivamente, estava o vaqueiro
e, abaixo de todos, estavam os negros escravizados. Assim, os filhos de Bárbara
puderam se tornar revolucionários porque eram membros da elite do Crato.
Após a morte do marido, a matriarca da Família Alencar voltou a ter
contato com os intelectuais, dentre os quais, destaca-se o naturalista Manoel de
Arruda Câmara, um dos líderes da Revolução de 1817, com quem partilhou ideias
políticas e conhecimentos acerca da botânica. Antes de morrer, em 1810, Arruda
Câmara escreveu uma carta recomendando o título de heroína à Bárbara de
Alencar, por sua participação na articulação da futura Revolução de 1817 (ARAÚJO,
2002; ALENCAR, 2011).
4.3 A FAMÍLIA ALENCAR NAS REVOLUÇÕES NORDESTINAS DA PRIMEIRA
METADE DO SÉCULO XIX
4.3.1 A Revolução Pernambucana de 1817
Segundo Villalta (2003), em 1817, o Brasil encontrava-se sob o domínio
político de Dom João VI, motivo pelo qual também estava conjugado ou “subjugado”
a outras duas nações – Portugal e Algarves –, condição estabelecida em 1815,
68
quando fomos elevados à condição de Reino Unido de Portugal e Algarves17. Como
a realeza portuguesa estava acomodada no Rio de Janeiro, a região centro-sul do
país passou a concentrar os incentivos financeiros e econômicos como a instalação
de fábricas e prédios públicos, beneficiando essa região em detrimento das outras,
as quais o autor classificou como “neocolônias” do Rio de Janeiro (VILLALTA, 2003,
p. 59).Como consequência, o mercado brasileiro começou a se consolidar, ainda
que não pudesse fazer frente à concorrência da Inglaterra, que obtinha concessões
e abatimentos de impostos, firmados, principalmente, nos Tratados do Comércio de
1810 (VILLALTA, 2003, p. 59).
No Nordeste, em março de 1817, a realidade era contrastante: além da
recessão econômica, a seca de 1816 diminuiu gravemente a produção agrícola para
exportação e também para o abastecimento local. Tal situação trouxe a necessidade
de importação de alimentos, os quais estavam com os preços elevados, por efeito
da Guerra no Uruguai. A soma desses fatores compôs um quadro de fome
generalizada na população pobre, além da perda de suas propriedades, agravando
o processo de pauperização (VILLALTA, 2003, p. 59).
Em Pernambuco, o governo estava nas mãos de Caetano Pinto de
Miranda Montenegro desde 1804, o qual possuía uma fama controversa, pois, em
Recife e em algumas localidades, era considerado um “governador tolerante, liberal,
civil e jurisconsulto” (VILLALTA, 2003, p. 60), enquanto outros o reprovavam por
suas estratégias para conquistar a Guiana Francesa, dentre elas, o aumento dos
impostos. Também era criticado pelo atraso do pagamento dos militares.
A Revolução Nordestina de 1817 foi a pioneira dentre os movimentos
radicais de descolonização do país e abriu caminho para a inquietação geral da
nação frente à metrópole. Tal revolução teve repercussão internacional segundo
uma pesquisa de Gonçalo Mourão (apud GURJÃO, 2013).
O movimento era nacionalista, no sentido da expulsão dos portugueses, vistos pela aristocracia da terra, desde 1709, como “marinheiros”, rivais, escorchadores; e era liberal, na expressão política que um grupo de padres ilustrados e de maçons de educação inglesa lhe deram (CALMON apud
ARARIPE, 2006, p. 16).
17
A condição de colônia, desde a chegada da coroa portuguesa ao Brasil, em 1808, passa a ser supostamente modificada, já que o centro das decisões políticas passou a se localizar nas terras tupiniquins.
69
Eliete Gurjão (2013) nomeia de “Revolução Nordestina de 1817” a
Revolução de 1817 e se propõe a resgatar a memória dos fatos ocorridos nessa
manifestação, que, segundo ela, deve ser relembrada com todos os estados
brasileiros que estiveram na frente de batalha, sem se limitar à exaltação da
superioridade de Pernambuco, como o fez Francisco Muniz Tavares em sua obra
Revolução de Pernambuco em 1817. Portanto, faz-se necessário evocar a memória
também dos cearenses, potiguares, paraibanos e alagoanos que se somaram ao
movimento. A autora busca resgatar a Revolução e sua importância patrimonial e
histórica na Paraíba, como há muito é realizado pelos pernambucanos.
A Constituição ou o esboço de constituição de 17 é a absoluta garantia da honestidade dos seus autores: condenação da escravatura, liberdade de consciência, liberdade individual, eliminação de todo poder não oriundo da democracia. Tinham fé e, sinceros, eram tão inacessíveis aos interesses materiais que, durante toda a sua incontável autoridade, não tocaram os revolucionários num vintém do Estado, para qualquer espécie de retribuição pessoal (BONFIM apud ARARIPE, 2006, p. 16).
De modo semelhante, no Ceará, a memória da participação dessa
Revolução não é preservada nem celebrada por meio de datas comemorativas,
atividades escolares ou de marcos arquitetônicos, o que desconstrói em nós a
imagem do nosso passado contestador e politicamente atuante nas causas
nacionais. Recontar a história do ponto de vista dos “herois cearenses” é reconhecer
as bases da nossa construção e valorizar as conquistas de um povo marcado pela
desigualdade regional, mas que nunca foi passivo às injustiças.
Segundo Araripe (2006) a principal consequência da Revolução de 1817
no Ceará foi a “ebulição do pensamento libertário” (p. 17), o que, na época, era
considerado crime abominável e deveria ser fortemente combatido pela repressão
militar a mando do governo, representado, no período pelo Governador Sampaio.
Aírton de Farias (2012) classifica a Revolução Pernambucana de 1817 entre
os “movimentos de libertação colonial” (p. 110), que, como o próprio nome sugere,
visavam a libertação do país do julgo português, embalados pelos ideais
republicanos e liberais efervescentes no período.
O contexto do início do século XIX era de crise econômica para o Nordeste
Brasileiro, ocasionada por três fatores principais: o preço de exportação do nosso
principal produto – a cana-de-açúcar ‒ estava em baixa devido à concorrência do
70
açúcar de beterraba europeu; da mesma forma, o algodão também teve queda de
valor influenciada pela recuperação da cotonicultura do Ceará (FARIAS, 2012, p.
110); e as condições climáticas também eram desfavoráveis e foram agravadas pela
seca de 1816-1817, causando prejuízos aos latifúndios exportadores.
Além do mercado externo, a população local também foi afetada pela
escassez de alimentos e o aumento dos preços, aprofundando a desigualdade entre
os mais pobres, que padeciam de fome. Surge, então, um sentimento
antiportugueses, pois estes controlavam o comércio e os preços e, por isso, foram
chamados pejorativamente de “marinheiros” (FARIAS, 2012, p. 111). As elites
pernambucanas também estavam insatisfeitas com a administração da metrópole.
Cada vez mais endividadas com o pagamento de taxas e de juros, tornaram-se as
principais reivindicadoras da tomada do poder nacional, principalmente em relação à
administração pública e aos cargos militares em Pernambuco (FARIAS, 2012).
Outra questão que fomentou a articulação dessas revoluções foi o hiato
regional inaugurado com a mudança da Família Real para o Rio de Janeiro, em
1808. Esta transferência deslocou o centro político e econômico do país para o
centro-sul e implicou na redução da influência dos latifundiários nas decisões
relativas às tributações e ao comércio, aprofundando o descontentamento destes
com a Coroa Portuguesa, que claramente privilegiava seu próprio benefício e
ostentação da riqueza e a manutenção dos vínculos, através do beneficiamento
econômico – com a Inglaterra (FARIAS, 2012).
Ideologicamente, as ideais advindas das experiências da Independência dos
Estados Unidos, da Revolução Francesa e dos Ideais iluministas permeavam os
grupos intelectuais e atuantes, tais como, militares, maçons, clérigos, dos quais o
autor ressalta “os do seminário de Olinda, onde padres rebeldes aliciavam a
mocidade com as ideias subversivas e liberais. Foi grande o envolvimento de padres
nessa insurreição, a ponto de ficar conhecida como a ‘Revolução dos Padres’”
(FARIAS, 2012, p. 111).
A revolta ocorreu em de janeiro de 1817 através de um levante dos militares
que resultou na deposição do governador Caetano Pinto. Sucedeu-se um governo
provisório, e dentre as lideranças, destacamos Domingos José Martins, conhecido
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por ser combativo e ter residido no Ceará. A revolução se expandiu pelo nordeste:
Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, em menores proporções (FARIAS,
2012).
Os rebeldes dividiam-se em dois grupos de classes e interesses divergentes:
os moderados, composto pelos grades proprietários interessados em acabar com o
domínio Português; e os radicais, advindos da classe média, que além da libertação
da colônia desejavam igualdade política e alguns até mesmo se manifestavam
contrários à escravidão. Tal conflito de interesses adicionados ao despreparo militar
e bélico conduziram a derrocada da Revolução em 19 de maio de 1817 pelas tropas
advindas da Bahia e do Rio de Janeiro. Seus líderes foram presos e punidos e até
mesmo executados por tiros de arcabuz, como ocorreu com Domingos José Martins
e Henrique Rabelo (FARIAS, 2012).
No Ceará, a Revolução foi iniciada com a chegada de José Martiniano no
Sítio Pau-Seco vindo de Recife-PE, na noite do dia 29 de abril de 1817, com a
missão de anunciar a adesão cearense ao movimento revolucionário. Araújo (2002)
descreve que havia um pequeno grupo, composto por pajens e arrueiros18, que o
acompanhavam em seu projeto de extinguir a monarquia no país. A vinda para o
Cariri significava também receber o apoio dos outros componentes da Família
Alencar, que detinha o poder político e econômico na região, como relata o
interlocutor Huberto Cabral:
“Depois quando eclodiu Revolução Pernambucana de 1817 em favor da independência e republica em recife, essa revolução estendeu até o Crato e ela assumiu o comando dessa revolução juntamente com seus filhos José Martiniano de Alencar que era diácono no seminário de Olinda deixou o seminário e veio aderir a revolução juntamente com Tristão Gonçalves que
foi também um herói da confederação do equador em 1824” .
Os proclames da revolução aconteceram no dia 3 de maio de 1817 na Igreja
Matriz do Crato, no dia em que se comemorava a festa de Santa de Cruz, o que
proporcionou uma grande concentração de fiéis no interior do templo. Segundo
Araújo (2002), José Martiniano discursou sobre a realidade brasileira e leu um
manifesto escrito por José Luiz de Mendonça, membro do Governo Provisório de
18
Segundo a uma das definições do Dicionário Aurélio (2014) pajem é o “criado que acompanha o amo ou o patrão numa viagem a cavalo”. Nesse contexto, a comitiva apontada por Araújo (2002) seria compostas por criados da família Alencar.
72
Pernambuco. No Crato, os expoentes da revolução eram D. Bárbara, juntamente
com seus filhos Tristão Gonçalves, João Gonçalves, José Martiniano e José Carlos,
bem como seu irmão Leonel Pereira de Alencar. (ALENCAR, 2011)
Roberto Gaspar (2011) narra detalhadamente a sucessão de fatos que
ocorreram nesse dia memorável em que os rebeldes do Crato se autoproclamam
libertos da Coroa. Segundo descreve, Bárbara estava vestida de preto com véu
sobre a cabeça e nas mãos um rosário que tremulava, denunciando sua ansiedade
pelo fatos que iriam seguir - se. Estava sentada no primeiro banco da igreja matriz
do Crato, rodeada por seus filhos Tristão Gonçalves, Padre Carlos e João
Gonçalves, todos à espera de José Martiniano, o encarregado de ler os proclamas
da República.
Durante o discurso patriótico de José Martiniano, em 29 de abril de 1817
era notório o contentamento de Bárbara com o feito, que o admirava com a altivez e
confiança, como destaca Araújo (2002):
Mas naquele dia, Bárbara de Alencar, a única mulher a participar do movimento de 17, na opinião do escritor Irineu Pinheiro, a precursora da Independência e da República em nossa pátria, estava feliz com o resultado de tão arriscada missão. Afinal, além de José Martiniano, outros dois filhos, o padre Carlos José dos Santos e Tristão Gonçalves Pereira de Alencar, estavam envolvidos na conjuntura. (p. 19)
Araújo (2002) prossegue a narração dos fatos daquele memorável dia,
Lavrando tudo em ata, o revolucionário depõe as autoridades monarquistas, declara extintos os mandatos de vereadores, proclama os novos donos dos cargos públicos, solta os presos da cadeia pública,destrói o pelourinho da vila e envia uma mensagem de adesão do governo de Pernambuco. ( p. 18)
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Figura 14. Igreja Matriz do Crato. À esquerda em 1936, onde pode ser vista a casa de
Bárbara de Alencar (primeira casa à direita) e a segunda, na atualidade, depois que a casa foi
demolida.
Fonte: http://cearaemfotos.blogspot.com.br/2014/08/o-ceara-de-1820.html
A proclamação da independência e da República do Crato tornou-se um fato
memorável para o povo da Região do Cariri cearense e continua a ser recontada
com vanglória pelos memoralistas e historiadores cratenses:
“No dia 3 de maio de 1817 á heroína bárbara de Alencar com toda a sua família juntamente seus filhos José Martiniano de Alencar e Tristão Gonçalves eles promoveram uma missa bem aqui na praça da sé e após a missa, diácono José Martiniano de Alencar paramentado proclamou a independência e a República do Brasil cinco anos antes de dom Pedro , 72 anos Marechal Deodoro então a Igreja Nossa Senhora da Penha Na praça das sé é sem duvida algum inegavelmente o berço da liberdade do Brasil foi primeira cidade do Brasil a proclamar independência e da república para orgulho de todos nós.” (Huberto Cabral)
“A revolução nasce no seminário de Olinda em Pernambuco, onde os filhos de Bárbara estudam, Martiniano por ser muito líder e ter uma postura diferenciada e escolhido para comandar a revolução no Crato. E assim o faz, meses depois que recife se torna independente da coroa portuguesa, em março de 1817, Crato em maio.” (Alessandra Bandeira)
A República do Crato durou apenas oito dias, até ser repreendida pelas
forças militares do comandante das armas José Pereira Figueira. Bárbara foi presa
no Sítio lambedor, em 13 de junho de 1817, junto com seu amigo Padre Miguel
Saldanha, com quem foi acusada de amasia. (ALENCAR, 2011) Parte dessa
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acusação se devia ao rompimento do padrão conservador da época com relação
aos homens e mulheres, o que foi corroborado pelo interlocutor:
“Família dominante, os Alencar participavam efetivamente dos destinos políticos, sociais e religiosos dos povoados, sobressaindo-se com suas peculiaridades de modos e costumes avançados para a época. Bárbara Pereira de Alencar mantinha estreita amizade com o vigário local, Padre Miguel Carlos da Silva Saldanha, o qual frequentava sua casa no Sítio Pau Seco mesmo sem a presença do marido dela”.(Gylmar Chaves)
No desfecho da Revolução no Ceará, Farias (2012) um amigo e padrinho de
um dos filhos de Bárbara - o capitão-mor Filgueiras - traiu os republicanos e os
integrantes dos motins foram presos. A matriarca da família Alencar tentou fugir com
alguns pertences, ajudada por seus escravos, porém foi cercada no sítio Lambedor,
em Barbalha, que pertencera ao seu bisavô. Após a rendição, transferiram-na para
Fortaleza, onde ficou presa em um espaço tão pequeno, uma espécie de poço, que
não podia, sequer, se levantar. Gritava sem parar, durante dias seguidos, e seus
lamentos eram ouvidos ao longe.
O grupo revolucionário do qual Bárbara de Alencar integrou foi punido
com severidade e amplamente exposto cuja penalidade serviria para inibir qualquer
tentativa de repetição dos atos rebeldes no Nordeste. Ariadne Araújo (2002)
descreve a passagem dos prisioneiros da revolução de 1817 pelas ruas do Ceará,
em um cortejo demorado exprime uma lição de obediência ao rei para os brasileiros.
Sobre a caracterização de Bárbara dentre a tropa, a autora relata:
Vestida apenas de saia e camisa, Bárbara Pereira de Alencar, a única mulher do grupo – identificada pelas autoridades como agitadora, revoltosa, liberal, conspiradora, conjurada -, segue quase em transe, vendo sem ver, ouvindo sem ouvir. (ARAÚJO, 2002, p. 8)
Bárbara e seus filhos foram levados para Fortaleza e de lá se deslocaram
para Recife onde foram julgados e condenados em 13 de setembro de 1818 e
findaram por cumprir a pena em Salvador. Dois anos depois, D. Bárbara recebeu a
anistia durante o governo de D. João VI, no contexto de retomada do governo
português ao país de origem. Os demais membros da família Alencar foram
libertados nos meses seguintes. (ALENCAR, 2011)
Depois de algum tempo, foi transferida (com os filhos) para uma prisão em
Pernambuco e, em seguida, para um cárcere em Salvador - Bahia. Nessas
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transferências, foi bastante humilhada: vestiram-na com um camisolão igual ao da
escrava que a acompanhava. No entanto, ao embarcar em um navio, uma negra que
a observava, no cais, lhe jogou um xale, para que se cobrisse e ficasse um pouco
menos constrangida. Acerca da punição dos rebeldes de 1817, um dos
entrevistados destacou os motivos que levaram recrudescimento dos castigos
conferidos a família Alencar:
“A revolta de 1817 era um sinal de perigo para a Coroa portuguesa. Era gente de posses que havia se rebelado. Então, era necessária uma punição exemplar, para desencorajar quem pesasse em algo parecido naquele momento em que a América toda pensava em independência. Apesar disso, a condição social dos presos não pode ser esquecida – chegaram mesmo a se servir de escravos na prisão”. (Airton de Farias)
Naquele tempo era expressamente proibido se tentar tocar na monarquia.
Esta parecia ser revestida por uma aura divina. Dessa forma, seus combatentes
atraíram muitos inimigos e eles, logo, foram transformados em traidores. Assim, os
prisioneiros ficaram encarcerados até 1820, ano em que veio a anistia de Portugal.
Retornando ao seu município, a rebelde do Crato – Bárbara de Alencar - não
abandonou seus ideais. Envolveu-se nos demais movimentos pró-independência,
republicanos e separatistas dos anos seguintes, tendo como destaque -
a Confederação do Equador - movimento político de 1824 no Nordeste brasileiro.
Iniciado em Pernambuco, conquistou rapidamente as outras províncias da região,
tais como Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Seus ideais eram contrários à
centralização do poder do governo vigente.
4.3. 2 A Confederação do Equador de 1824
O cenário político do país, depois da Independência em 7 de setembro de
1822, metamorfoseou-se: foi inaugurado o I Reinado (1822-1831) governado por D.
Pedro I. Esse fato, segundo Farias (2012), também representou um período de
turbulência devido as disputas regionais, no qual o sul desejava tomar o controle do
país, chocando-se com o imperador e com as demais elites nórticas e nordestinas.
O receio da recolonização ainda pairava sobre os brasileiros e foi abrasado pela
proximidade de D. Pedro I com os portugueses, na busca de obter apoio político.
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Fausto (2012) narra que entre 1822 e 1840 ocorre forte movimentação
política, com a primeira Constituição feita em 1824, nela se instituía o voto indireto e
censitário. O imperador D. Pedro I, para garantir-se no poder, evitava tendências
democráticas e desagregadoras da nação, tais como revoluções e inconfidências.
Nesse contexto, dois acontecimentos tornaram-se o estopim de mais uma
revolta nos estados que atualmente compõe o Nordeste: Pernambuco, Ceará,
Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí e Alagoas. Esse destacado movimento
desejava a criação de uma República no norte do país, denominada Confederação
do Equador (FARIAS, 2012).
A adesão do Ceará ao movimento pode ser entendida por um fator decisivo –
sua ligação com Pernambuco. Mesmo estando separadas desde 1799, as duas
províncias ainda mantinham relações comerciais em torno da exportação do
algodão, no porto de Recife, e pela importação da pecuária cearense. Farias (2012)
destaca ainda os laços de parentesco com as famílias do Cariri, das quais se
destaca a família Alencar.
Farias (2012), aponta que a retração na economia pernambucana na década
de 1820, agravou a crise econômica no Ceará. Os “Patriotas”, liderados pela família
Alencar, desejavam conservar o comando da província. Estes eram agarrados às
ideias liberais e rivalizavam contra os “corcundas”, vinculados ao monarquismo. Os
patriotas queriam no fundo preservar seu prestígio e poder consolidando os
senhores de terra como chefes do novo Estado. Com o centralismo político do
Império, havia um temor de que D. Pedro cada vez mais poderoso conduzisse o país
a uma recolonização. Com esse propósito, Gylmar Chaves, narra as movimentações
de Tristão Gonçalves na articulação da Confederação do E quador:
“Com a dissolução da primeira Assembleia Constituinte Brasileira por dom Pedro I, e a encomenda de outra que contemplasse o desejo de poder da coroa portuguesa, José Martiniano de Alencar, que era deputado, embarcou com destino a Recife via Salvador, para se encontrar com o bispo dom Romualdo Antônio de Seixas, seu colega de Constituinte, ao qual pediu a permissão para prestar exames de duas disciplinas ainda restantes no Seminário Nossa Senhora da Graça de Olinda. Dado o consentimento do bispo, José Martiniano de Alencar chegou a Olinda já imbuído de outro propósito, que era fazer parte dos protestos surgidos nas ruas de Recife contra a nova Constituição brasileira que estava sendo redigida a portas fechadas.”
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“Novamente os emissários revolucionários republicanos se puseram pelas estradas Reais do Pernambuco, do Ceará, do Rio Grande do Norte e da Paraíba, para contatarem com todos aqueles remanescentes da Revolução de 1817. O intuito era organizar as populações locais para recusarem a Constituição encomendada por dom Pedro, elaborada sem a participação e discussão feita pelos representantes do povo, no dia do juramento na catedral do Rio de Janeiro.Nas ruas de Recife e Olinda, no topo de suas colinas, dentro do Seminário Nossa da Graça, sobre as pontes dos rios Beberibe e Capiberibe, no interior dos estabelecimentos comerciais, e no mais íntimo dos sobrados, muita gente se encontrava descontente com a dissolução da primeira Constituinte brasileira, se reunindo os maçons em suas Lojas, os proprietários de engenhos e fazendeiros em suas casas grandes, as autoridades religiosas e os comerciantes em seus recintos. Todos desejavam destronar o Imperador dom Pedro I por meio da Confederação do Equador, a nova revolução que tinha o propósito de unir as províncias do Nordeste sob um governo republicano.”
Em janeiro de 1824, Tristão Gonçalves e Pereira Filgueiras, percebem que o
domínio do grupo liberal está ameaçado e predispõem-se a lutar para manter esse
domínio. Em 9 de janeiro de 1824, a Câmara de Campo Maior de Quixeramobim
declarou excluído do trono o imperador e decaída da Dinastia Bragantina,
proclamando-se a República com um governo a ser entregue a José Pereira
Filgueiras. A pressão dos “corcundas” trouxe para Fortaleza Tristão e Filgueiras e,
posteriormente, Martiniano para tentarem propagar as ideias republicanas. Intuito
conseguido dentre outras razões pela criação do Diário do Governo do Ceará,
primeiro jornal publicado no Ceará, sob a direção de Pe.Inácio de Loyola. (Idem)
“Com a mesma efervescência de sentimentos revolucionários, José Martiniano de Alencar embarcou rumo ao Ceará. Em Fortaleza, José Martiniano de Alencar visitou amigos, encontrou-se com parentes, e depois de contatar com os republicanos da vila, montou num cavalo, e em companhia de dois escravos alugados para transportar a bagagem, pegou o caminho do Crato para encontrar-se com sua mãe, irmãos e parentes, que ainda não sabiam que iriam fazer parte de outra revolução, a Confederação do Equador. Em conversas, relatou os motivos que levaram a dissolução da Constituinte, sobre os princípios da Confederação do Equador, a qual tinha a missão de implantar na província do Ceará, a começar pelo Crato.” (Gylmar Chaves)
A tensão política se agravou em 14 de abril de 1824, quando chega ao Ceará
o primeiro presidente da província nomeado por D. Pedro em substituição ao
Governo provisório, Pedro José de Costa Barros, comerciante de Aracati, ligado aos
corcundas. Filgueiras e suas tropas, refugiam-se em Arronches (atual Parangaba)
onde articulam resistência. (Idem)
Costa Barros foi até Arronches tentar uma conciliação, porém , esta durou
muito pouco, pois o Presidente queria fechar as fronteiras com Pernambuco
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atingindo em cheio as relações comerciais e o canal de notícias da província. Os
liberais rompem com Costa Barros e seguem para Aquiraz. A 25 de abril de 1824, o
exército patriota inicia marcha sobre Fortaleza e acampa em Messejana (Idem).
Em 28 de abril os rebeldes ocupam Fortaleza. Pressionado, Costa Barros
entrega o cargo e Tristão Gonçalves foi eleito Presidente Temporário do Ceará. Uma
euforia tomou conta dos patriotas e, num arroubo de lusofobia e de nacionalismo
passaram a usar sobrenomes indígenas: Mororó/Carapinima/Jataí/Anta/Ibiapina/
Araripe, dentre outros. (Idem)
Pedro Alencar, primogênito “bastardo” de Tristão Gonçalves também se
alistou como combatente na Confederação do Equador de 1824, quando estava
entre 14 e 15 anos, motivado, segundo Alencar e Araripe (2011), pelo desejo de
criar vínculos com o pai – um dos líderes da revolução, e como demonstração de
bravura e coragem, qualidades avultadas do seu genitor.
Nesse contexto de ebulição, o governo rebelde cearense não chegou a propor
nenhum plano de ação administrativa, mas baixou um ato demitindo os europeus de
cargos civis e militares, o que, na verdade, atingia os portugueses. A Confederação
do Equador foi oficialmente criada em Recife dia 02 de julho de 1824 (Idem).
O movimento enfrentou uma dura repressão por D. Pedro I, que contratou
mercenários ingleses para auxiliar as tropas brasileiras. Em 12 de setembro de 1824
os soldados venceram os confederados de Recife. Frei Caneca, um dos líderes da
Confederação do Equador foi fuzilado (ARAÚJO, 2002).
Mesmo com a rendição pernambucana o Ceará continuou lutando na
Confederação – seria o último a se render. A expedição de Filgueiras só toma
conhecimento dos insucessos de Recife no final de setembro quando chegam a
região de Icó. A 18 de outubro de 1824, atracava em fortaleza a divisão naval do
império comandado por Lorde Cochrane, que exige o fim imediato da rebelião. Jose
Félix, que tinha recebido de forma provisória o poder da República, se rende sem
resistência alguma, jurando fidelidade a D. Pedro (Idem).
79
Figura 15. Tropas imperais reagem em Recife-Pe.
Fonte: http://www.historiadobrasil.net/resumos/confederacao_do_equador.htm
Tristão procura Pereira Filgueiras no Cariri para organizar resistência. Mas, no
trajeto, dia 31 de outubro de 1824, cercado por tropas inimigas e quase só, tenta
fugir desesperadamente. Acaba morto a tiros, tendo o cadáver barbaramente
mutilado. Sem ter o controle das tropas Martiniano e Filgueiras decidem dissolver o
exército republicano, arrependidos amargamente da causa que abraçaram. Os dois
se separaram e cada um amargou seu destino. Filgueiras se rendeu ao Capitão
Reinaldo de Araújo Bezerra e, preso, foi conduzido ao Rio de Janeiro falecendo no
caminho (Idem).
O clã revolucionário do Cariri foi dizimado paulatinamente. Tristão Gonçalves
foi morto em combate na localidade de Santa Rosa, atual município de Jaguaribara -
CE. Carlos José também foi morto num loca chamado de Serra dos Macacos e o
irmão de Bárbara, Leonel Pereira de Alencar também foi assassinado. José
Martiniano negou participação no movimento e permaneceu vivo. Embora tenha
sofrido intensa repressão, a Confederação do Equador destacou-se dos demais
movimentos independentistas da época pela ampla participação popular e adesão
dos estados nordestinos. (ARAÚJO, 2002)
Apesar das promessas de anistia de Lord Cochrane, D. Pedro I ordenou a
instalação de comissão militar, a qual deveria condenar a morte os “revolucionários”
80
cearenses. Assim recebem a pena capital: Pe. Mororó, João de Andrade Pessoa
Anta, Francisco Miguel Pereira Ibiapina, Feliciano Jose da Silva Carapinima, Luis
Inácio de Azevedo Bolão (Idem).
Após a Confederação, Bárbara de Alencar mudou-se para a Fazenda
Alecrim no Piauí, onde recebeu proteção militar do general Manoel de Souza
Martins, devido á eclosão da Sedição de Pinto Madeira no Cariri. Em 28 de agosto
de 1832 faleceu nessa mesma propriedade, mas, seu corpo foi sepultado em
Campos Sales – CE onde existe um monumento em sua homenagem. (Idem;
FARIAS, 2013). Bárbara de Alencar, portanto, não participou ativamente da
Confederação do Equador, mas forneceu todos os subsídios necessários para que
seus filhos participassem, financeiramente e moralmente apoiando os filhos.
“Não participa da Confederação de 1824 pois, já esta com saúde abalada, por conta dos anos de prisão.” (Alessandra Bandeira sobre Dona Bárbara)
Destarte, 1817 é o marco da carreira de Bárbara como força política,
quando começou a obter notoriedade. Republicana em tempos de monarquia, não
só deu completo apoio ao filho, Martiniano Alencar, (pai do romancista José de
Alencar) e Tristão Gonçalves, emissários da revolução pernambucana de 17,
responsável pela sua deflagração no Ceará; ela também assumiu o comando do
movimento, deixando a liderança apenas para que seu filho subisse no púlpito em
frente à igreja e proclamasse a República na região, a República do Jasmim, nome
de uma propriedade sua. Bárbara se viu impossibilitada de fazer a proclamação ela
mesma, pois não era uma atitude de uma mulher da época. Bárbara se viu
impossibilitada de fazer a proclamação ela mesma, pois não era uma atitude de uma
mulher da época. Bárbara passou os últimos anos necessitando mudar-se
constantemente, devido às perseguições políticas, e apesar de ter falecido na cidade
piauiense de Fronteiras, foi enterrada em Campos Sales, no Cariri Oeste.
81
5. BÁRBARA DE ALENCAR: MULHER, MÃE E REVOLUCIONÁRIA
“Bárbara era feita de pedaços de brisa, certezas e terra ensanguentada”.
Caetano Ximenes Aragão19
Após contarmos fatos que marcaram a vida de Bárbara de Alencar,
fazendo a relação entre os fatos e relatos orais dos interlocutores, analizando as
relações de poder local; a relação entre a religiosidade católica e a transgressão da
ordem política, com enfoque na vida de Bárbara; sua relação com os escravos; o
acesso à educação no período colonial e os assaltes contantes a sua moral na
sociedade nordestina e cearense. Buscamos alcançar dois objetivos: compreender
como os ideais iluministas foram incorporados e reproduzidos pela elite aristocrata e
escravista; e identificar os elementos as imagens construídas acerca de Bárbara de
Alencar, através dos registros históricos e documentais da época de Bárbara de
Alencar.
A partir dessas análises, construímos as categorias empíricas acerca da
matriarca dos Alercar: Bárbara matriarca e mulher da elite sertaneja; A beata
Bárbara de Alencar; Bárbara, mulher culta e empreendedora, Bárbara “madrinha”
dos escravos. A última categoria empírica, Bárbara de Alencar, heróina e
revolucionária nordestina compõe o atributo mais conferido à matriarca da família
Alencar, que vem sendo associado a ela desde a sua morte. Desta forma,
apresentamos todos os adjetivos conferidos a essa mulher e os significados
construídos dentro do seu contexto histórico.
5.1 SOBRE MULHERES E IDEAIS: PRINCÍPIOS ILUMINISTAS E RELAÇÕES DE
GÊNERO
Como vimos, o século XIX é marcado por uma onda revolucionária que
vai caracterizar o período de transição entre os resquícios do sistema feudal e os
19
Segundo Alves Aquino (2010), Caetano Ximenes Aragão autor do Romanceiro de Bárbara, livro
que faz alusão à outra obra conhecida e que trata de uma revolução, o Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Nele o autor faz um diálogo entre a Inconfidência Mineira (1789) e a Confederação do Equador (1824) em forma de poesia, ressaltando a participação da família Alencar no Ceará.
82
novos paradigmas do sistema capitalista que buscava se estabelecer. As mulheres
nesse ínterim também tentavam conquistar seu espaço, através do movimento
feminista que questiona os padrões de comportamento e de direitos civis desta
sociedade relativos ao sexo.
Frota (2012) discute a relação entre suposta democracia e universalidade
baseadas nos princípios iluministas e o movimento feminista francês em seu artigo
“Igualdade/diferença: o paradoxo da cidadania feminina segundo Joan Scott”. A
noção de indivíduo pensada pelos filósofos do Iluminismo – como Diderot e
Rousseau – propunham que este seria por um lado “um protótipo abstrato do ser
humano, por outro, um ser único, uma pessoa diferente de todas as outras de sua
espécie.“ (p.49) Esse conceito estabelece que os seres humanos poderiam ser
vistos como esse indivíduo abstrato, portanto, com igualdade “política, social e
econômica”. (p.50)
Entretanto, o conceito de indivíduo foi imbuído de uma diferença relativa
ao sexo: o masculino passa a ser sinônimo de individuo e o feminino o outro.
Osterne e Silveira (2012) argumentam que as relações desiguais foram justificadas
historicamente pelas “diferenças anatômicas e biológicas entre sexos”. (p.103) A
gestação é um dos fatores biológicos que transmitiram à mulher a responsabilização
no cuidado e educação dos filhos, condenando-as mais uma vez a ocupar o lugar
doméstico enquanto o homem conquistava o público. Devemos perceber que
Quando se legitimava a exclusão com base na diferença biológica entre o homem e a mulher, estabelecia-se que a “diferença sexual” não era apenas um fato natural, mas também uma justificativa ontológica para o tratamento diferenciado no campo político e social. (SCOTT, 2002, p. 26)
O indivíduo, o homem e o cidadão confundem-se com o homem e cidadão e
“a masculinidade como virtude, a razão e a política” (FROTA, P. 50). Ele se torna a
base do direito, excluindo as mulheres do direito político, o voto e o direito de
escolha, do direito ao trabalho, à propriedade e à família; fazem a segregação do
espaço público e privado, este o espaço das mulheres e aquele dos homens;
definem o homem como sinônimo de indivíduo/racionalidade e da mulher como
multidão/emoção. A mulher torna-se então um ser interdependente na família e na
sociedade.
83
As mulheres, portanto, eram tidas como seres apolíticos. No período
Iluminista (século XVIII), caracterizado pelo avanço da tecnologia e da racionalidade,
as ciências naturais e biológicas insistiam em corroborar com aprofundamento das
desigualdades entre os gêneros, Perrot (1998) aponta:
Estes a descrevem como doentes, perpétuas, histéricas, à beira da loucura, nervosas, capazes de fazer abstração, de criar, e acima de tudo, de governar. [...] Teme-se, por conseguinte, a intrusão das mulheres na política, ou até sua mera influência. (p. 8)
As ciências humanas, como destaca Smith (2003) em sua obra sobre as
mulheres historiadoras, também negligenciavam o espaço feminino. As obras
escritas por mulheres eram denominadas de ‘amadoras’, portanto não tinha
representatividade no campo cientifico. Os historiadores masculinos de arquivos e
seminários priorizaram a história dos homens sobre a das mulheres, a história dos
brancos sobre a dos não-brancos, e a história política dos governos ocidentais sobre
todas as outras. Diante disso, reafirmamos a necessidade de contar sua história, o
que significa dar voz às mulheres. Neste trabalho daremos cada vez mais voz à
Bárbara de Alencar.
Conceituar a categoria gênero necessita, sobretudo, do reconhecimento
das relações de poder assimétricas que despontam como substrato para o
surgimento e reprodução destas. A cultura misógina, que prejudicou a cidadania
feminina, tem raízes na Antiguidade, como exemplo temos a narrativa da
desobediência de Eva, a primeira mulher do mundo segundo a concepção religiosa
hebraica, ou no mito grego de Pandora, que espalhou todos os males escondidos
numa caixa para a humanidade, percebemos que a mulher sempre foi representada
como uma presença ameaçadora e prejudicial, portanto, indesejável, não podendo
ocupar os espaços públicos, muito menos os decisórios. (PULEO, 2004)
Portanto, a filosofia, as ciências naturais e principalmente a religião tem
um papel determinante em torno do mito da “inferioridade feminina”. Estudar a
categoria gênero requer questionar todo o conjunto de leis e normas morais, ou seja,
a ética da sociedade machista, em especial a europeia. Joan Scott (1995) assevera
que o gênero “é um elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as
diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é um primeiro modo de dar
84
significado às relações de poder” (p. 14). Como destacamos, o homem exerce o
poder na família e nos espaços públicos.
O sistema de crenças e sentimentos comuns da em relação à mulher é
que esta inferior - físico e intelectualmente - em relação aos homens. Devemos
perceber que
Quando se legitimava a exclusão com base na diferença biológica entre o homem e a mulher, estabelecia-se que a “diferença sexual” não era apenas um fato natural, mas também uma justificativa ontológica para o tratamento diferenciado no campo político e social. (SCOTT, 2002, p. 26)
Portanto, estudar a categoria gênero requer questionar todo o conjunto
de leis e normas morais, ou seja, a ética da sociedade machista, em especial a
europeia. Joan Scott (1995), assevera que o gênero “é um elemento constitutivo das
relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o
gênero é um primeiro modo de dar significado às relações de poder” (p. 14). Como
destacamos, o homem exerce o poder na família e nos espaços públicos.
Perrot (1998) aponta que advém da antiguidade, já que no ocidente,
especialmente na Grécia antiga, apontada por Hanna Arendt (2004) como o berço
da cidadania e da democracia, a mulher estava em posição de inferioridade em
relação aos homens, pois era tratada como objeto, juntamente com os escravos e
animais. Portanto, a própria práxis política surge com o ranço da desigualdade e da
subtração de direitos e possibilidades.
Isto é um fenômeno familiar na história; deveria ser particularmente evidente para os(as) historiadores(as) das mulheres: a atenção dada a certos domínios da atividade humana, o fato de privilegiar certos problemas tem negado às mulheres um lugar como atores históricos. Agora que os fatos da vida das mulheres se tornaram "fatos da história", é importante analisá-los e discutir explicitamente aquilo que eles permitem modificar nos outros domínios da história. Os melhores trabalhos sobre história das mulheres, dos quais citei uma parte, não estudam a vida das mulheres de uma maneira isolada: eles se esforçam por vincular estas vidas a outros temas históricos, como o poder das ideias ou as forças que governam as transformações estruturais. Procedendo desta maneira, a história das mulheres já mudou nossa percepção do que é importante na história. (Tilly,1994, p. 42)
Na Idade Média, conduzida pelos valores religiosos ditavam as regras e
impunham valores e costumes inquestionáveis. Com relação às mulheres, houve
uma construção de padrões que chegaram quase a anular o posicionamento delas
85
frente aos seus desejos, que limitaram a figura feminina a um objeto social que
podia ser moldado, adaptado as normas estabelecidas. As mulheres eram apenas
um bem pertencente ao homem, deviam se preparar para serem boas esposas. Não
era permitido a elas terem contato com a vida social, deviam dedica-se somente à
família, ainda que tivessem que suportar traições e até agressões físicas em nome
da permanência familiar. Com o advento do racionalismo e dos princípios científicos,
a religião deixa de ser o maior regulador da vida social e passa a ser a própria
ciência, como afirma um entrevistado:
“A ciência foi um problema muito sério, porque ela se tornou a religião. A modernidade, né? Religião não é o que diz o que tá certo e o que tá errado? É a ciência que diz o que tá certo e o que tá errado: isso é provado cientificamente. Tem as teses. Tudo é assim provado. [...] aí é verdade, entendeu? A academia é que promove essa cultura, é o ‘Seminário da Ciência’, da ‘religião ciência”. E quem é o Deus da religião ciência? É o ser humano. Que ficou no lugar de Deus e o cientista é o que diz o que é verdade ou não.” (Oswald Barroso)
Tais fatores de submissão do feminino ao masculino perpetuaram-se ao
longo do tempo, e continuavam reafirmando as mulheres como seres apolíticos. No
período Iluminista (século XIII), caracterizado pelo avanço da tecnologia e da
racionalidade, as ciências naturais e biológicas insistiam em corroborar com
aprofundamento das desigualdades entre os gêneros, Perrot (1998) aponta:
Estes a descrevem como doentes, perpétuas, histéricas, à beira da loucura, nervosas, incapazes de fazer abstração, de criar, e acima de tudo, de governar. [...] Teme-se, por conseguinte, a intrusão das mulheres na política, ou até sua mera influência. (p. 8)
A obra “Mulheres públicas” de Perrot (1998) relata a história da
inserção das mulheres nos espaços públicos, através de imagens e fatos. A autora
inicia sua análise no século XIX na Europa, e, através dos quadros dos principais
artistas da pintura, mostra como estas eram quase invisíveis nos espaços públicos,
e nestes só deviam transitar no período diurno, pois, quando saíam à noite,
principalmente desacompanhadas, eram apontadas moralmente como
“dissimuladas”. Segundo a moral da época, “o homem, sujeito eminente da cidade,
deve encarnar a honra e a virtude. A mulher pública constitui a vergonha, a parte
escondida, dissimulada, noturna, um vil objeto, território de passagem, apropriado,
sem individualidade própria.” (PERROT, 1998, p. 7).
86
No mesmo século Foucault (1999) aponta que há um refinamento nos
mecanismos de controle dos corpos pelas fontes do poder. Não somente sobre os
indivíduos através das normas de conduta e da moral – como o exemplo da divisão
dos espaços geográficos entre os gêneros, mas adiciona-se outra dirigida a um
corpo coletivo, o qual denomina de biopoder. A primeira forma é chamada de poder
disciplinar e a segunda poder regulamentador. Podemos observar esse controle
sobre os corpos passou por diversas fases na sociedade brasileira do século XIX,
dentre os modelos de família extensa até o modelo de família denominado
“higienista”, no qual a medicina passou a fazer o controle da sexualidade feminina.
O rígido controle sobre a sexualidade possui características de
mecanismo disciplinar, centrada na educação sexual familiar e escolar, e de
regulamentação, dando controle e padronização à procriação (FOUCAULT, 1999). A
sexualidade e a medicina, portanto, apresentam ambos os mecanismos de poder, e
concentra-se sobre o gênero feminino, pois eram ensinadas às mulheres como
deveriam conduzir seus casamentos, a criação das crianças e negava-se a elas o
direito ao prazer.
Bourdieu (2002) aponta que o corpo é lócus de materialização do poder, a
relação de dominação entre homens e mulheres se consolida na diferenciação dos
sexos. A construção social do feminino em posição dominada, criada no campo
simbólico, trouxe repercussões na vida política e implica em prejuízos concretos à
cidadania. Para as mulheres que almejavam ocupar espaços de poder nos séculos
passados, sua condição de gênero impunha agir de acordo com as normas da
sociedade misógina, que as colocava como inferiores intelectualmente,
impossibilitando-as de participar das escolhas da vida pública e estigmatizava-as
como loucas, histéricas e dissimuladas.
Nesse ínterim, realizar a revolução no padrão de subalternidade
oitocentista passa por um processo lento e muitas vezes disfarçado, como por
exemplo, a conquista do domínio da palavra pelas mulheres. Perrot (1989) narra a
luta das europeias para entrar na impressa escrita, utilizando até de pseudônimos
masculinos para preservar sua identidade de gênero, como o caso da cronista
Delphine Gay a qual assinava como “Le Vicomte de Taunay”. (p. 83) Entretanto, a
87
palavra também foi exigida ao nível da oratória pública, o qual creditamos
principalmente às feministas francesas esse feito.
Em relação às mulheres, as que apresentavam condutas como as
feministas francesas do século XIX, as quais apresentaram contestações a moral
vigente - seja com relação aos direitos sociais, políticos, individuais (inclusive
reprodutivos, como aborto e uso de contraceptivos, discussão extremamente
avançadas para a época) - sua contestação conferia-lhes um fator segregador diante
dos outros. (SCOTT, 2002)
No tocante a conquista dos espaços públicos, a mulher no século XIX
passa a frequentar os espaços de convivência, sempre acompanhados dos mais
velhos ou de figuras masculinas. Perrot (1998) apresenta as imagens da época
retratadas nos quadros famosos, onde estas aparecem sensuais, com forte
conotação sexual20, sejam as recatadas moças das altas classes, joviais e sedutoras
nos bailes, ou as prostitutas em luxuosos bordeis, ambas tem a função de despertar
o imaginário masculino.
As obras clássicas também retratam os lugares públicos frequentados
pelas mulheres, neste mesmo século, nos quais a autora nos destaca: as
lavanderias, as cafeterias, os magazines (lojas de tecidos) e as feiras.
(PERROT,1998) As lavanderias utilizam a mão-de-obra feminina, entretanto, o
mestre – aquele que coordena os trabalhos - é um homem, mostrando a contradição
existente entre gêneros nos espaços sócio ocupacionais.
No desenlace da vida de Bárbara podemos notar a posição de
desigualdade em que estavam as mulheres, pois, ainda que estivesse em classes
sociais mais favorecidas e com influência política, o reconhecimento público devia
ser masculino, o que pode ser observado durante a Revolução de 1817, quando
Dona Bárbara delegou ao filho a função de ler os proclames da República do Crato.
Dessa forma, mesmo nos sistemas matriarcais existem limites para a atuação dos
homens e mulheres na sociedade coloniais sertanejas..
20
A sensualização do feminino é também percebida na atualidade, inclusive pelos meios culturais
modernos, como a mídia e a música, como nos aponta Osterne e Silveira (2012): “nos dias atuais, são comuns músicas que tratam as mulheres como “vaca”, “tchutchuca” e outros termos depreciativos. Isso reforça a concepção da mulher como simples objeto sexual do homem”. (p. 114)
88
Mesmo as mulheres das elites do sertão, em sua maioria, não tinham
atribuições na vida pública nesse período, todas as atividades que aprendiam e
exerciam ao longo de suas vidas estavam relacionadas aos trabalhos domésticos,
“orientar os filhos, fazer ou mandar fazer cozinha, costurar e bordar” (FALCI, 2006,
p. 249). Grande parte delas não sabia ler ou escrever, o que as tornavam
dependentes dos letrados para fazer transações econômicas e jurídicas.
5.2 AS VÁRIAS FACES DA MATRIARCA DA FAMÍLIA ALENCAR: AS
CATEGORIAS E EMPÍRICAS E A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE DONA
BÁRBARA DO CRATO
5.2.1 Bárbara matriarca e mulher da elite sertaneja
O sertão nordestino foi formado por diversas famílias das camadas mais
abastadas, que detinham o poder político, econômico, além de ostentarem prestígio
na região (PAIVA, 1979). Para Itaboraí (2005) as famílias da elite tiveram papel
central na formação do país, pois o Rei de Portugal não tinha condições de povoar e
fazer as benfeitorias no solo no país, ficando essa função por parte das famílias,
além do controle dos escravos a na criação dos equipamentos e instituições sociais.
O período histórico em que a sociedade de Bárbara de Alencar está
inserida foi retratado por Miridan Falci (2006), no seu texto “Mulheres do Sertão
Nordestino”, na qual destaca que as diversas mulheres do sertão no século XIX
deixaram seus registros históricos de acordo com a classe a que pertenciam. As
mulheres da elite possuem suas declarações de posses, dentre as quais, as negras
de quem eram donas, e as pobres rendeiras ou costureiras, por não terem posses
não deixaram inventários de nenhum tipo, foram silenciadas na história, pois, nem
ao menos tinham acesso à escrita.
Bárbara não foi uma exceção nesse aspecto: antes mesmo de ser
biografada, foi imortalizada no inventário de seus bens, processo iniciado em 1878,
documento que se mantém guardado no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará,
que, apesar de serem escassos devido aos sucessivos saques durante o período
das revoluções, não poderia passar despercebidos, pois cumprem a função social
89
de distinguir as famílias abastadas. Bárbara fazia parte desse clã dominante da elite
do Cariri, como destacam os interlocutores, o que garantiu a ela um tratamento
diferenciado mesmo durante a prisão:
“Provavelmente a família mais rica do Cariri, os Alencar estavam presentes na fabricação de produtos, no comércio, nas reuniões políticas dentro dos Senados das Câmaras da região e nos ofícios religiosos da igreja católica. Família dominante, os Alencar participavam efetivamente dos destinos políticos, sociais e religiosos dos povoados, sobressaindo-se com suas peculiaridades de modos e costumes avançados para a época. (Gylmar Chaves)
“E, uma coisa interessante também de notar, o pessoal diz que eles tratavam ela muito mal. Num era. Mesmo ela sendo uma revolucionária, num sei o que, eles tratavam com toda a reverência, porque a mulher era importante. Por exemplo, ela não foi a pé, ela foi de cavalo, não é? Ela veio de cavalo para Fortaleza. Ela não ficou naquele buraquinho que tem ali não (a prisão no Forte). É papo furado. Ela ficou num quarto dos oficiais. No quartel do Forte.
Então, ela tinha um tratamento diferenciado. Vamos ver era um preso, num tem de colarinho que ficam numa prisão toda chique, ela era um pouco isso, né? Porque era uma mulher importante. E as pessoas diziam, sei lá se as coisas não mudam e essa mulher vai ser a presidente. Ai eles tratavam ela assim. E ela era muito altiva, muito forte, não se dobrava a nada. Também parece que tem uma afirmação da mulher no meio desse negócio, e tem esses outros elementos que influenciam. O que o pessoal tem preconceito é contra mulher pobre e negra, principalmente e índia, né? Aí tem, agora, uma mulher rica e forte, fica mais assim. Mesmo assim ainda tem um pouco né, é uma mulher, num sei o que, mas, diante dos outros atributos isso desaparece quase né. Então Bárbara é essa força, eu me interessei, eu estudei Bárbara, mas depois eu vi que o negócio era mais embaixo.” (Oswald Barroso sobre a prisão pós Revolução de 1817)
Falci (2004), assevera que esse distanciamento do luxo reflete também a
predileção pela zona rural nos sertão nordestino. Por ser uma terra de altas
temperaturas, havia a preferência pela vida nas fazendas, as famílias ricas
possuíam também uma casa na cidade, que era visitada ocasionalmente por motivo
de comemorações religiosas ou atividades econômicas. Portanto, ostentar joias,
quadros e outros bens não eram o foco principal dessas elites e sim as fazendas,
escravos, gado (cavalas, muar e vacum), casas na cidade, dentre outros. Nos seus
inventários não constavam roupas ou joias,
[...] eram preferidos os selins de couro lavrado, as selas de banda (as chamadas selas femininas), os estribos de prata trabalhada, os arreios em fino couro lavrado muito valiosos e verdadeiras obras de arte do trabalho artesanal. Essas peças eram encomendadas por seleiros especializados e por isso mesmo não costumavam ficar expostas no aparador de selas, no corredor da entrada, onde estavam as selas de uso cotidiano. Ofertadas
90
pelo marido, eram mostradas com orgulho às vizinhas e amigas mais próximas e reservadas para os poucos passeios a cavalo. (p. 248)
Outro símbolo do poder econômico eram as redes de tapeçaria adamascada,
que serviam de transportes nos passeios conduzidos pelos escravos. Esses tecidos
claros demonstravam a classe a qual pertenciam, e quanto mais adornadas de bicos
e rendar, mais denotavam a ostentação e o luxo de seus donos (FALCI, 2004).
Figura 16. Homem sendo transportado em rede por seus escravos, segundo Debret.
http://martaiansen.blogspot.com.br/2011/08/passeio-de-rede-parte-1.html
A fisionomia das mulheres do sertão, entretanto, refletia o “distanciamento
cultural” do sertanejo (BRANDÃO, 1974), pois estas se vestiam de modo mais
simples do que as mulheres da elite litorânea.
Também não costumavam usar joias no seu dia-a-dia. Traziam, debaixo da saia principal duas saiais de algodão, enfeitadas com barrado de renda (a chamada “renda-de-ponta”) e bem engomadas, além da “camisa de dentro” (espécie em geral de combinação também debruada de renda-renascença”. A blusa exterior, em geral, de manga comprida, era ornada com plissado, apliques, bordados de crivo ou crochê. A intenção ao vestir-se era não revelar as formas do corpo nem mesmo insinuar seios ou pernas. No pescoço, os cordões de veludo, “as gargantilhas” e nos cabelos as “travessas” de prata ou de tartaruga, ou presilhas de ouro ou marfim (as mais pobres usavam de chifre de boi). Mas não havia cosméticos nem verniz nas unhas. Passavam no rosto e nos cabelos azeite de babaçu e pó-de-arroz, que vinha nas caixas forradas de cetim vermelho produzidas pelas perfumarias Carneiro, no Rio de Janeiro. Nos pés, usavam botinas de cano
91
curto, de couro, amarradas nos tornozelos, feitas por escravos sapateiros que muito cedo aprenderam a desenvolver a arte de fazer sapatos – imitando dos europeus – pois usar sandálias não era de bom tom. (FALCI, 2004, p. 246)
Falci (2004) destaca por diversas vezes que a mulher do Nordeste sertanejo
era bem diferente da mulher dos engenhos de açúcar retratados por Gilberto Freyre.
Ressalta que eram raros os casos de mulheres que ostentavam luxo e joias, como o
caso de D. Maria Joaquina da Conceição, nascida em 1815 no município de Ico –
CE e que depois mudou-se para Oeiras – PI. Como a maioria das mulheres da elite,
Joaquina em seu daguerreótipo21, mostra um semblante forte e sério,
[...] fisionomia austera, de comando, sem nenhum sorriso ou alegria nos lábios e rosto, cabelos presos singelamente num coque sobre a nuca, vestido preto de mangas compridas (já que o recato era um dos valores mais cultivados) e muitas joias [...] (p. 246)
Outrossim, Bárbara de Alencar Embora tivesse incorporado os elementos
do catolicismo em sua personalidade, comum à época, não reproduzia os traços
femininos delineados nos ensinamentos da Igreja – pureza, delicadeza e recato. Ao
contrário, mostrava destreza em administrar os negócios, bens e escravos, e por
isso, era considerada o “macho da família” (ARAÚJO, 2002). Sobre sua aparência
física, Gaspar (2001) esboça:
Bárbara de Alencar, apesar de seu aspecto varonil, tinha cor branca, era considerada alta, tinha as passadas largas e seus braços moviam-se com graciosa desenvoltura, seu rosto expressivo era bem delineado e os traços eram simpáticos e harmônicos, emoldurando uma boca ampla de lábios firmes (p. 15).
21
Segundo a Enciclopedia Itaú Cultural, daguerrótipo é uma “imagem produzida pelo processo positivo criado pelo francês Louis-Jacques-Mandé Daguerre (1787-1851)”. Nesse instrumento, a imagem era formada sobre uma fina camada de prata polida, aplicada sobre uma placa de cobre e sensibilizada em vapor de iodo, sendo apresentado em luxuosos estojos decorados. Disponível em http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3856/daguerreotipo
92
Figura 17. Retrato de D.Bárbara de Alencar a partir de relatos.
Fonte: Enciclopédia Nordeste
Em relação às composições de classes sociais da época, a mulher objeto
de estudo deste trabalho pertencia às mais altas camadas, o que ficou demarcado
pelo pronome de tratamento pelo qual ficou conhecida – Dona Bárbara do Crato –
um representativo de sua origem, como ilustra Falci (2006): “senhora, dama, dona,
fulana, ou apenas dona, eram categorias primeiras; em seguida ser ‘pipira’ ou
‘cunhã’ ou roceira e, finamente apenas escrava e negra” (p. 242). Nesse contexto,
os ricos obtinham o reconhecimento social, nessa sociedade “ser filha de fazendeiro,
bem alva, ser herdeira de escravos, gado e terras era o ideal de mulher naquele
sertão” (Ibidem).
Ali se gestou uma sociedade fundamentada no patriarcalismo. Altamente estratificada entre homens e mulheres, entre ricos e pobre, entre escravos e senhores, entre “brancos” e “caboclos”. Dizer então que o sertão nordestino foi mais democrático em suas relações sociais e que não tirou proveito da escravidão é basear-se em uma historiografia ultrapassada, não mais confirmada pela pesquisa histórica. (FALCI, 2006, p. 242)
Durham(1982) assevera que existem duas imagens contraditórias da
mulher na sociedade patriarcal em relação à divisão sexual do trabalho: “a da
93
esposa totalmente submissa, ociosa e destituída de iniciativa, de um lado; e, de
outro, a da enérgica mãe de família, responsável pela complexa organização
doméstica e, portanto, capaz, inclusive de substituir o marido na sua falta.” (p.38)
Bárbara assume claramente o segundo modelo, entretanto, sua notoriedade e
distinção frente às demais mulheres de sua época se dá quando esta extrapola o
âmbito privado e apresenta suas habilidades comando e articulação na política, ou
seja, na vida pública.
Essas características correspondem ao papel de matriarca, a qual,
segundo Queiroz e Hollanda (1990), se tornaram as “senhoras do sertão” (p.1). São
as chefes de família que ocupam o lugar similar ao do patriarca, demonstrando
poder e controle na administração de sua família, das fazendas e dos escravos. A
imagem de Dona Bárbara foi apontadas pelos interlocutores:
“E Bárbara, era uma pessoa que, ela tinha um animus muito forte, né? Quem era a chefe da família era ela. A matriarca que mandava e desmandava. Não só nos filhos, na família, que tinha assim uns cento e tanto parentes e aderentes.” (Oswald Barroso)
“Então Bárbara é essa mulher. Essa matriarca. Com todas as características de uma matriarca [...] E ela era chefe de família. E era chefe como a mamãe, a mamãe é mandona (risos). Ela ficava prestando atenção a tudo e tudo tem que correr como ela acha que deve correr e, dá ordem mesmo, não é pedindo não, ordem. E com os filhos era isso. E Tristão foi que pareceu mais com ela. Tristão era assim também, ela era assim um cara, onde ele chegava ela comandava. Ele era um líder nato. Nato assim, porque ele foi criado pela mãe. (risos) ele controlava e comandava. Mas ia na frente, não mandava os outros não. Tristão era o mais parecido com Bárbara, dizem os historiadores aí. [...] o cara que era da frente era Tristão e ela sabia disso. Mais que Martiniano. Martiniano assume a política mas não tem a força. Política era negócio de burocracia, conversa fiada. Se resolvia nada na política não, se resolvia era como Tristão, né? Ele que foi o grande seguidor de Bárbara. Era o herdeiro, o sucessor dela.” (Oswald Barroso)
O papel de uma matriarca do sertão, além de comandar era o de coesão da
família, o que ficou nítido em relação ao apoio dado aos filhos durante seu
envolvimento nas revoluções, orientado-os e dando os subsídios necessários, como
aporte material e moral. Acerca dessa afirmação, os entrevistados apontaram que:
“Muitos. Um dos comuns era servir ao marido, a família, as lidas da casa e a igreja.” (Gylmar Chaves)
“Acaba, ao meu ver, sendo a ancora do grupo familiar. A referência para a unidade das grandes famílias e as decisões politicas. Em 1817 e em 1824, os filhos comunicam e pedem consentimento a Dona Bárbara para participar das revoltas. Isso é bem simbólico. “ (Airton de Farias)
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Desse modo, Dona Bárbara é apontada como matriarca do sertão e esta
denominação está diretamente relacionada a sua condição de mulher da elite, rica,
proprietária e pertencente ao clã dos Alencar, demonstrando como as relações entre
homens e mulheres foram mais diversas do que as explicações do patriarcado como
sistema de gênero único nas famílias coloniais.
5.2.2 A beata Bárbara de Alencar: catolicismo e moralidade no sertão
Durham (1982), afirma que a Igreja católica era o principal aparelho
ideológico do Estado até a república, que fazia a mediação entre as leis e a vida
social. Através dela, os costumes e práticas culturais eram legitimadas. “Deve-se
reconhecer entretanto, que a Igreja foi mais eficaz em deslegitimar e destruir
práticas alternativas do que em impor a uniformidade cultural” (p.35).
"Toda a trajetória de luta e construção da revolução em Crato se deu pela influência da maçonaria e da igreja católica.” (Alessandra Bandeira)
A religiosidade era uma característica marcante de Bárbara de Alencar,
Gaspar (2001) ressalta que no Sítio Pau Seco havia diversos altares de santos onde
eram promovidas orações coletivas e celebradas missas, tornando-se ponto de
encontro para os religiosos missionários - padres e seminaristas viajantes – os quais
eram acolhidos pela família Alencar. A proximidade com os padres, era uma
característica própria da elite, assim como ter filhos padres que é o caso da família
Alencar cujos filhos estudaram no Seminário de Olinda,
“Como era prática das famílias fidalgas à época, quase toda ela tinha um dos filhos ordenados padre. Era um dos maiores sinônimo de poder ter um filho representante de Deus aqui na terra, capaz de perdoar os fiéis dos pecados mundanos. Bárbara Pereira de Alencar teve dois de seus filhos ordenados padres: José Carlos dos Santos e José Martiniano de Alencar. Esses seus dois filhos em contato com seus professores, maçons e testemunhas da revolução francesa, foram logo cooptados para participarem de agremiações clandestinas que tramavam a queda do trono português e a instalação de um governo republicano para o Brasil.” (Gylmar Chaves)
Tal inclinação para a fé aproximou Bárbara do vigário da vila, Padre
Miguel Carlos Saldanha, que se tornou seu amigo, orientador espiritual, inclusive,
partilhando com ela suas insatisfações com a Coroa Portuguesa e seu regime de
tributação – constituindo uma das motivações para seu posterior engajamento
político. Como Bárbara de Alencar tinha uma personalidade forte e costumes
95
considerados avançados para sua época, demonstrava para a sociedade sua
amizade e intimidade com Padre Miguel, como destaca o interlocutor:
“Bárbara Pereira de Alencar mantinha estreita amizade com o vigário local, Padre Miguel Carlos da Silva Saldanha, o qual frequentava sua casa no Sítio Pau Seco mesmo sem a presença do marido dela.” (Gylmar Chaves)
Entretanto, essa amizade lhe rendeu a acusação de amasia do Padre, O
que rendeu na história oral da época, o discurso de que o filho mais novo de
Bárbara, José Martiniano era filho do Padre. Essas informações foram
documentadas no ofício do então Governador da Capitania do Ceará, Manuel Inácio
Sampaio, que relatava a prisão do Padre Miguel em Fortaleza, e o denominava
genitor do caçula de Bárbara (ARAÚJO, 2002; GASPAR, 2001). Araújo (2002),
comenta também um poema do jornalista Mário Carneiro do Rego Melo, publicado
no jornal do Pará em 1917, denominado “Dona Bárbara”, que traz em seus versos a
mesma história. Um dos entrevistados comentou o fato da amasia, retratando as
relações entre os membros da igreja e a sociedade da época:
“Naquele tempo teve uma confusão de um negócio de um padre, não era? Um padre solto nesse sertão no meio dos índios, tu acha que um padre ia resistir. Aí tinha uns padres amancebados, mas todos eram. Tinha uma padre lá que disse que ela tinha um negócio. Dizem que ela tinha um caso com o padre mas eu acho que ela era o homem da relação. (risos) Ela é que comandava esse padre.” (Oswald Barroso)
A ofensiva à moral sexual de Bárbara corresponde às desigualdades de
gênero referentes à imagem atribuída as mulheres no século XIX que surge na
Europa, que veio a ser mantida para o Brasil pelos portugueses e, confirma que
estas eram quase invisíveis nos espaços públicos, não poderiam envolver-se com
movimentos rebeldes e outras ações coletivas, quando o faziam, ou mesmo se
ousassem sair à noite desacompanhadas, eram apontadas moralmente como
“dissimuladas”. (PERROT, 1998, p. 7)
Araújo (2002) afirma que o catolicismo de Bárbara a influenciou a manter
uma mentalidade moralista, de acordo com os preceitos da religião católica, aos
quais refletiam no seu tratamento para com seus familiares e subordinados, os quais
“segundo Ruth de Alencar, dizem que Bárbara de Alencar era tão escrupulosa em
motivos de honra e moralidade que não admitia escravos amasiados e que recusou-
96
se a receber uma criança, filha de uma parenta desviada, que lhe mandara
apresentar” (p.46).
A influência do catolicismo na concepção moral de Bárbara refletia sobre seus
filhos e netos, como narra a obra “Brados retumbantes de uma vida: trajetória de
Pedro Jaime, o primogênito de Tristão Gonçalves de Alencar Araripe” o qual
apresenta a trajetória de Pedro Jaime, filho “bastardo” de Tristão Gonçalves com
uma escrava. Segundo Alencar e Araripe (2011), Pedro Jaime nunca foi reconhecido
como filho por Tristão, pois, fora rejeitado por sua avó, Barbara de Alencar, que não
admitia netos gerados fora do casamento e descendente de escravos, fato contado
na família por Luíza Xavier da Silva, a esposa de João Gonçalves Pereira de Alencar
(irmão mais velho de Tristão Gonçalves).
Pedro Jaime foi criado por Dona Ana Triste, esposa de Tristão Gonçalves, a
qual soube da existência do Pedro logo quando fico noiva, condição imposta por D.
Bárbara para que o casamento se concretizasse. Castelo apud Alencar e Araripe
(2011) trouxe o relato do sacerdote e professor Monsenhor Francisco Holanda
Montenegro, estudioso da genealogia Alencar, sobre esse fato:
[...] Monsenhor Montenegro informa que, em 1890, Tristão Gonçalves teve um filho natural. No ano seguinte, quando ficou noivo de Ana Porcina, foi aconselhado por sua mãe, Dona Bárbara, a contar para a noiva sobre o filho. Assim ele fez e Ana Porcina bondosamente prontificou-se a adotar a criança como seu filho legítimo (p.26).
O primogênito de Tristão Gonçalves, segundo Alencar e Araripe (2011)
nutria o desejo de ser reconhecido e amado por Bárbara de Alencar como os demais
netos, apesar de saber que sua origem biológica lhe conferiria a escravidão, não
fosse pela adoção de sua madrasta, Dona Ana Triste.
Destarte, seguindo as definições do dicionário Aurélio (2015), segundo
qual beata é “2. Mulher devota em excesso. 3. Mulher que aparenta grande
devoção.”, considerando a determinante influência da Igreja Católica na vida de
Bárbara, corroborada por todos os entrevistados e nas suas biografias, ela pode ser
considerada, como uma beata de sua época, tendo em vista a preservação da moral
religiosa e a grande proximidade com os clérigos de sua região.
97
5.2. 3 Bárbara, mulher letrada e empreendedora
A educação no período colonial era um privilégio dos homens da elite. O
renascimento da ciência, próprio da modernidade, era permitido somente aos
homens das classes privilegiadas, seguindo os moldes da perspectiva europeia de
subalternizar as mulheres intelectualmente pela justificativa da inferioridade
intelectual.
Esses limites impostos à educação feminina estão registrados na primeira
legislação que regulamentou a escolarização brasileira no período imperial, que
designava regras diferentes de aprendizado de matemática por sexo, assim como as
meninas da zona rural também não tinham direito á educação regular na época,
como determina o Decreto-Lei imperial de 15 de outubro de 182722:
Art. 11. Haverão escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas, em que os Presidentes em Conselho, julgarem necessário este estabelecimento. Art. 12. As Mestras, além do declarado no Art. 6º, com exclusão das noções de geometria e limitado a instrução de aritmética só as suas quatro operações, ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica; e serão nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquelas mulheres, que sendo brasileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimento nos exames feitos na forma do Art. 7º. Art. 13. As Mestras vencerão os mesmos ordenados e gratificações concedidas aos Mestres.
Entretanto, é necessário relembrar que Bárbara consegue se exceder à regra
porquanto era membro da elite do sertão cearense, e, em sua infância, gozou dos
privilégios de classe, por ser filha de fazendeiro, grande proprietário de terras e
escravos. Diferente da maioria das meninas cearenses pobres de sua época teve
acesso à escola, e, para tanto, foi residir com sua madrinha Brígida Rodrigues de
Carvalho em Cabrobró – PE, onde conviveu com os membros letrados da família,
que haviam estudado em Coimbra, Portugal. Por isso, tomou conhecimento dos
ideais iluministas trazidos da Europa desde a tenra idade, dentre dos limites da
educação para o gênero feminino, ou seja, teve que aprender também as atividades
domésticas (ALENCAR, 2011; GASPAR, 2001; ARAÚJO, 2002).
22
Segundo Castanha (s/d), pela primeira lei que regulamentou a escola primária elementar, marco da
história da educação nacional e que veio a se tornar a data comemorativa do dia do professor no Brasil.
98
“Eles estudavam muito botânica, a Bárbara inclusive também. Porque nesse período era a ‘ciência’ o pessoal muito empolgado com a ciência. E aí eles liam muito esses livros científicos. [...] E tinha essa vida, ela aderir essas ideias e tal. Sabia dos interesses dela por esses assuntos, né. Na verdade era o interesse dela pela ciência, pelo saber.” (Oswald Barroso)
Outro aspecto apontado pelos autores pesquisados, é que estes citam
sua personalidade como um dos principais fatores que contribuiu para que ela se
tornasse uma matriarca do sertão. Desde pequena, Bárbara destacava-se dentre os
irmãos por sua opinião forte, manifestada também na escolha do marido. (ARAÚJO,
2002)
Os historiadores exaltam seu perfil como sendo de uma mulher que tinha espírito preparado para todas as reveses, dotada de liderança, de visão de futuro, de desprendimentos pessoas, de capacidade de sacrifícios sem limites. Uma mulher que lutou heroicamente pela liberdade e independência do Brasil. (ALENCAR, 2011, p. 253)
Bárbara de Alencar, como expressado no tópico em que tratamos da sua
imagem de matriarca do sertão, conseguia administrar seus bens e negócios e ainda
engajar-se nas manifestações políticas. Conseguiu imprimir no sertão a marca de
liderança da sua família, que fez com que o Ceará ficasse conhecido como “pátria
alencarina”. Araripe (2006) assevera que “esta senhora foi a expressão mais
completa do temperamento da família a que pertencia. Sanguínea e nervosa, tinha
assomos irresistíveis, cogitações, deslumbramentos alem do seu sexo e da
educação sertaneja que recebera” (p.21). Essa afirmação foi recorrente nas
entrevistas:
“E Bárbara então foi essa mulher forte. Uma clã dominante. Porque o pessoal diz assim, Bárbara era mulher, mas, por outro lado, era mais forte do que muito homem, viu? Porque ela tinha uma clã, tinha muita terra, tinha muito dinheiro e tinha muito prestígio. Não era qualquer mulher não. Era uma chefe política e que vem dos ascendentes dela, vem de Portugal e depois desce pela Bahia, vai até a Casa D’ávila. E ela, em um certo momento, era a chefe disso tudo. Era ela uma mulher fortíssima.” (Oswald Barroso)
“ Barbara foi uma mulher a frente do tempo, escolheu o homem com quem
queria casar, se mudou pro Crato por conta da fazenda do marido, vivia dividida entre os afazeres de casa, de mãe e de igreja”. (Alessandra Bandeira)
A construção de sua casa pedra e cal, a primeira do Crato, com arquitetura de
beira e bica, considerada moderna para a engenharia da época, segundo Padre
Antônio Gomes, além dos engenhos e fazendas que Dona Bárbara administrava,
99
traduzem na história a imagem dela como mulher letrada, sendo considerada culta
para a época e empreendedora, pois fazia projeção de futuro nos seus negócios e
buscava inovações para otimizar sua propriedades. (ARARIPE, 2006) Essa imagem
foi claramente expressada na seguinte entrevista:
“Mulher que se dedicava ao saber, quando não eram recomendadas a leitura. Amansava burros e cavalgava, oficio herdado de sua ancestralidade índia. Sua casa passou a ser ponte de referencia de encontros políticos e sociais. Empreendedora, montara uma fábrica de tacho de cobre, de rapadura e de aguardente. Tudo visto com grande reserva pelos fidalgos que não desejam que se tornasse exemplo social e para suas mulheres.Assim, era repelida pelos homens e também pelas mulheres sem a coragem de seguir os destinos que ela escolhera: ter a liberdade de se expressar.” (Gylmar Chaves)
Assim, Bárbara passou a ser considerada “à frente do seu tempo” não só
pelas revoluções de 1817 e 1824, mas também pelas características supracitadas, e
sua projeção ocorria em toda a região do Cariri e nos Estados vizinhos.
5.2.4 Bárbara de Alencar: madrinha dos escravos
A escravidão no Crato, como destacaram Reis Júnior (2008) e Ferreira
Sobrinho (2011) apresentou números expressivos em relação a todo o Ceará. As
famílias da elite, como a família Alencar possuíam diversos escravos domésticos e
de engenho, do qual estabeleciam relações de proximidade e de menor
hierarquização do que ocorria no litoral, conforme expressa este entrevistado:
“Durante minha pesquisa, constatei que os europeus eram posseiros de terras, criadores de gado, comerciantes, padres e militares. Todos brancos. A relação com seus escravos não diferenças do modo de tratamento de outras partes do território brasileiro. Talvez salvo algumas exceções de maneira bastante partícular. Consta que Bárbara Pereira de Alencar mantinha uma relação mais amistosa com seus escravos, os quais não moram agrupados em senzalas, podiam estabelecer famílias. Dois de seus escravos, Cazumba e Barnabé eram até seus afilhados, os quais a tratavam como madrinha.” (Gylmar Chaves)
Gaspar (2001) relata a relação de Bárbara de Alencar com o escravo
Barnabé, que exprimia proximidade e afinidade, o que pode ser observado pelo
modo de tratamento – Barnabé a chamava de madrinha – e, segundo o autor,
auxiliou-a na fuga das tropas da Coroa depois da Revolução de 1817 e mesmo
apreendido, manteve-se fiel até a morrer, cortando a própria língua no interrogatório.
Depois de muitas horas de tortura e humilhações, a narração dos fatos:
100
- Fala, desgraçado! E desfecha-lhe um tapa violento nos lábios, e o escravo, atordoado, corta a própria língua, com seus dentes afiados e cospe nos pés do capitão, que fica enfurecido e grita para os soldados: -Ele ficou louco, cortou a própria língua para não falar! Matem esse desgraçado! Os soldados investem com fúria sobre o escravo e batem-lhe de pau, furam-lhe com facas, e Barnabé cai no chão, ensanguentado, estrebuchando nos estertores da more, até a imobilização final com um sorriso nos lábios, quando a paz e a rigidez da morte tiraram-lhe a vida e o levaram para história, num exemplo de amor e fidelidade. Os soldados se recolhem para dormir. (GASPAR, 2001, p.46)
,
Gaspar (2001) levado por esse clima de amistosidade entre e escravos e
senhores no Crato e numa perspectiva freyriana, chega a afirmar que Bárbara de
Alencar lutava por um nacionalismo justo, com harmonia entre as raças para a
composição do novo país, baseado nos ideais iluministas. Entretanto, como vimos, o
Iluminismo não consegue romper com as segregações de gênero, etnia e geração, e
ainda que esteja registrado a proximidade de Bárbara de Alencar com seus
escravos, o abolicionismo não era questionados, por motivo de preservação do
patrimônio das famílias da elite, como explicam os entrevistados
“Porque eles não incluíam os negros ainda na parte de gente. [...] O que se hoje fazem com os bichos, se faziam com os negros. Era consequência daquilo que faziam e pregavam, ficava no meio do caminho. [...] E esse pessoal iluminista não consideravam o negro como gente. Aí por isso era exceção.” (Oswald Barroso)
“A revolução de 1817, não visava a abolição, mesmo Bárbara tendo um tratamento humanizado com seus escravos, esse tema não era abordado. “
(Alessandra Bandeira)
“De modo geral, a escravidão passou a ser questionada com o aparecimento do abolicionismo e iluminismo na Europa do século XVIII. Viam a abolição, afora as razões humanitárias, como um feito para o progresso das sociedades e da economia. No Brasil, o abolicionismo vai crescer mesmo no II Reinado (2 metade do século XIX). Ainda que existissem pessoas que defendessem a abolição no começo do século XIX, existiam ressalvas por parte dos grupos dominantes. Libertar o escravo era atingir a propriedade privada e temia-se uma rebelião de escravos e pobres. Nesse quesito, provocou muito pânico entre a elite do Brasil a independência do Haiti, uma revolta radical feita por negros. Esse temos de uma rebelião de escravo influenciou bastante na forma como se deu a independência do Brasil, num acordo de cúpulas em torno de Pedro I.” (Airton de Farias)
Deste modo, Bárbara aparece nas biografias como aquela que estabeleceu
forte relação de afeto com seus escravos, tornando-se estes, parte da família
Alencar (GASPAR, 2001; ALENCAR, 2011; ARARIPE, 2006). Todavia, como
101
membro da elite, não existem evidências que a matriarca cearense engajou-se
ideologicamente com o abolicionismo ou que tratasse os escravos como iguais,
refletindo a tônica do discurso da época.
5.2.5 Bárbara heroína e revolucionária
Na perspectiva de Araripe (2006) Bárbara de Alencar tem como maior
título de honra ser republicana desde antes da Revolução de 1817, por isso exalta o
cognome de heroína, tornando-se, em decorrência disso, a primeira presa política do
Brasil.
O estudioso de Bárbara Padre Montenegro (1996) descreve Dona
Bárbara como “em cuja plenitude a bravura cívica e o arrojo do seu temperamento
lhe afirmam a coragem, a valentia de defender seu ideal, com sacrifício da própria
vida. Por isso ela se tornou heroína de uma revolução” (p.72). Símbolo de orgulho
do povo do Crato, Dona Bárbara aparece exaltada nas diversas falas das
entrevistas, com destaque, esta:
“É claro que na época causou revolta ao império e toda família foi presa aqui Crato, Fortaleza, inclusive lá na sede da 10 região militar em recife , salvador onde eles obtiveram é liberdade, mais o idealismo é pois fosse patriotismo permanecê-lo assim é entanto que no dia 1 de setembro 1822 a câmara, o senado da câmara do Crato já indicava para assembleia constituinte e uma semana depois nas margens no rio Ipiranga 7 de setembro de 1822 por Dom Pedro , então o Crato, mais uma vez repito é o berço da liberdade do Brasil pioneiro da independência e republica do brasil. Por isso a heroína Bárbara de Alencar e conhecida como a mãe da republica primeira mulher política presa no Brasil, a primeira mulher revolucionaria e fez historia no e toda sua família . Isso em 1822, em 1824 outra revolução comandada pelo outro Alencar filho de dona Bárbara ,Tristão Gonçalves ele liderou movimento foi esquartejado lá em Jaguaribara na antiga Jaguaribara hoje virou o açude Castanhão , que tem a Nova Jaguaribara e ele ali foi esquartejado foi sepultado ali na capela de Jaguaribara , ali tinha placa de bronze do seu centenário, e nos do instituto do alto cariri fomos lá retiramos essa placa por que ia ser coberta pelas agras do açude , então José Martiniano de Alencar que foi presidente duas vezes da província do cera inclusive foi o fundador da policia militar do estado do ceara em 24 de maio de 1835 a 179 anos com esse grande líder revolucionário juntamente com sua genitora Barbara de Alencar e Tristão Gonçalves , então por isso que o Crato , Ceará ,Pernambuco o Brasil todo se orgulha porque era considerada também como heroína nacional que aqui no Crato , Barbara de Alencar é patrona de rua, do grêmio literário , tem cadeira no instituto do alto cariri, de uma escola também aqui (...)primaria no Crato, e vai também no dia 21 se homenageada com a
102
inauguração de sua estatua, em frente onde era a casa dela na praça da sé. “(Huberto Cabral)
A imagem mais recorrente nos artigos de jornal, sites e fontes de notícias,
assim como a forma que foi retratada pelos biógrafos e estudiosos da área é
expressa nos diversos recebeu diversos adjetivos, tais como: “guerreira”, “heroína”,
“mãe da independência”, “patrona do Crato”, exaltando-a como uma figura quase
imaginária, dada a perfeição de sua conduta e seus ideais à frente de seu tempo,
descontextualizando as contradições inerentes a sua condição de classe. Mas, como
conclui o entrevistado, somente com o distanciamento histórica que temos essa
crítica é possível.
“Veja que toda essa história de Bárbara hoje é fácil a gente ver de longe e fazer essa crítica. Eu mesmo não fazia essa crítica. [...] mas hoje eu vejo mais distanciado e vejo como tinha limitações essas coisas, né? Pelos quais as pessoas morreram e lutaram. Na verdade, a grande revolução eles tinham que ter aprendido mais com os índios. (Oswald Barroso)
Assim, concluo o capítulo com o último ato da peça “Alma Afoita” (1991)
de Oswald Barroso que exprime maestria quem são os heróis da vida cotidiana,
como a família de Bárbara de Alencar, que deixou suas marcas indeléveis na
história do Brasil, mas que foi também uma mulher real, com seus medos, dores,
sofrimentos e amores.
Herói é gente comum criança desamparada que apesar do medo
não tira o pé da estrada nem por nada muda o enredo
de suas próprias palavras.
Herói é gente comum de favela despejada
que já não tem outra saída e fica por obrigada
para brigar pela vida à sombra de sua morada.
Herói é gente comum
Família desempregada que nada tem a perder
a não ser a paciência ou o funesto direito
de viver na indigência.
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Herói é gente comum pessoa enamorada
que pensa e se maldiz da vida mas precisa
dos outros pra ser feliz.
Oswald Barroso
104
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No desenlace da vida de Bárbara de Alencar podemos observar as
peculiaridades das relações de gênero e poder no sertão, e o aparecimento de uma
categoria ainda pouco estudada na colônia: o sistema matriarcal.
Diante disso, confrontamos os objetivos desse trabalho com os resultados
encontrados. Primeiramente, o objetivo principal deste trabalho que foi investigar
como se estabelecem as relações de gênero e poder na sociedade em que viveu
Bárbara de Alencar. Como percebemos, houve uma distinção geográfica e sociais
entre as formas de organização nas famílias na sociedade em que ela viveu: no
Nordeste açucareiro, descrito pela obra clássica “Casa Grande e senzala” de
Gilberto Freyre, as relações eram de mando e administração dos bens, da família e
dos escravos ficavam a cargo do pai, ele representava o chefe do seu clã, portanto,
as relações eram patriarcais.
Por outro lado, caracterizado pelos termos de Euclides da Cunha, o
sertão, isolado socialmente e caracterizado pela demora cultural, ou seja, distante
dos grandes centros de poder, apresentou diferentes relações de gênero, possíveis
devido a ausência do marido ou por ocasião de sua morte, como aparentemente é o
caso de Bárbara de Alencar, em que a chefia da família foi encabeçada pelas
mulheres, relações retratadas no texto “As matriarcas do sertão: Dona Federalina de
Lavras” de Rachel de Queiroz e Heloísa Buarque de Hollanda. É importante
ressaltar Bárbara de Alencar tornou-se líder não somente pela ausência do marido,
antes disso ela já exibia uma notável aptidão para comandar seus negócios e tinha
atitudes à frente do seu tempo – como a escolha do próprio marido – feito
impensável nesse período.
O primeiro objetivo específico elencado: conhecer a formação da
sociedade nordestina acerca dos papeis sociais de gênero – matriarcado e
patriarcado estiveram contemplados no segundo, terceiros e quarto capítulos onde
fizemos as distinções acima descritas, concluímos que a hegemonia das relações de
gênero com a predominância do homem, como foi amplamente reproduzido pelas
feministas, como Heleieth Safiotti, em sua obra “Gênero, patriarcado e violência”, os
105
sistemas patriarcais não podem dar as respostas à todas as manifestações do
machismo e das relações de desigualdade de gênero atuais, pois existiram outras
relações de poder, como vimos. É interessante destacar que o Cariri é a região onde
temos altos índices de violência contra a mulher e de femicídio com maiores
manifestação de tortura e opressão – e foi também o lócus de surgimento das
matriarcas do sertão. Este é uma questão que poder ser fruto de novas pesquisas
que deem conta de encontrar respostas mais adequadas no contexto sertanejo.
O segundo objetivo, compreender como os ideais iluministas foram
incorporados e reproduzidos pela elite aristocrata e escravista, trouxe para nós a
missão de retornar aos pressupostos da igualdade/diferença de Joan Scott, em sua
obra sobre as feministas francesas interpretadas por Helena Frota.
Depreendemos que o iluminismo se propõe a ser um sistema democrático
político e socialmente, ideais que ficaram impressos na Revolução Francesa,
através do mote “liberdade, igualdade e fraternidade”, o que pressupunha um
sistema que viria a dar a condição de cidadania à homens e mulheres. Entretanto,
os cientistas, principalmente filósofos da época incorporam o princípio da
desigualdade entre homens e mulheres – resquícios da Idade Média – agora
revestidos da roupagem a do conhecimento científico: as mulheres devem ser
consideradas inferiores aos homens por que são biologicamente e intelectualmente
menos desenvolvidas, são incapazes de fazer escolhas, portanto, não podem ser
cidadãs. Surge então o conceito do indivíduo abstrato, o modelo de cidadão racional,
intelectual que foi posto como sinônimo de masculinidade, portanto, mais uma vez
excluíram as mulheres desse processo e perpetuaram os padrões misóginos na
política e na sociedade em geral.
O reflexo do Iluminismo em Bárbara de Alencar deu-se nos seus ideais
republicanos, advindos do contato com os clérigos do Seminário de Olinda do qual
seus filhos também faziam parte. Por isso, Bárbara anseia uma pátria livre da Coroa
Portuguesa e a instauração de um sistema republicano, mas não encontramos
registros movimentos que pautassem a igualdade de gênero, apesar de ela romper
com muitos padrões da época, não eram questionados a proibição das mulheres no
ensino regular, nem as limitações morais impostas às mulheres, que foram
corroboradas pela Igreja Católica, instituição que conseguia se manter no poder pela
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missão de povoar a pátria no início da colonização, até a expulsão dos Jesuítas por
Marquês de Pombal, mas continuava com a missão de transmitir o conhecimento
através das suas escolas e seminários.
O último objetivo foi identificar as imagens construídas acerca de Bárbara
de Alencar, através dos registros históricos e documentais da época de Bárbara de
Alencar. Deste, depreendemos cinco imagens principais: Bárbara, matriarca e
mulher da elite sertaneja, A beata Bárbara de Alencar, Bárbara de Alencar: mulher
culta e empreendedora, Bárbara, madrinha dos escravos e, por último, Bárbara
madrinha dos escravos.
Bárbara era membro da elite sertaneja cearense, e, em sua infância,
gozou de todos os privilégios de classe, por ser filha de fazendeiro, grande
proprietário de terras e escravos. Diferente da maioria das meninas de sua época,
teve acesso à escola e conviveu com os membros letrados da família, que haviam
estudado em Coimbra, Portugal. (ALENCAR, 2011). Sua pertença de classe ficou
demarcada pelo pronome de tratamento pelo qual ficou conhecida – Dona Bárbara
do Crato – como ilustra Falci (2006): “senhora, dama, dona, fulana, ou apenas dona,
eram categorias primeiras (p. 242). Nesse contexto, os ricos obtinham o
reconhecimento social, nessa sociedade “ser filha de fazendeiro, bem alva, ser
herdeira de escravos, gado e terras era o ideal de mulher naquele sertão” (Ibidem).
Foi considerada matriarca porque comandava com maestria seus bens e
conduziu seus filhos a engajarem-se na Revolução de 1817, como destacou Câmara
Arruda dez anos, antes: ela foi a grande heroína que abraçou o ideal, difundiu e o
financiou. Todos os entrevistados concordam que ela teve papel fundamental
formação do clã revolucionário dos Alencar.
A religiosidade era uma característica marcante de Bárbara de Alencar,
segundo Gaspar (2001). Tal inclinação para a fé, a aproximou do vigário da vila,
Padre Miguel Carlos Saldanha, que se tornou seu amigo, orientador espiritual,
companheiro de luta política e também apontado como seu amante. A moralidade
católica também estava presente em suas relações com os filhos e escravos, dos
quais, consta que eram rejeitados os filhos nascidos fora do casamento, inclusive
seu neto Pedro Jaime, filho bastardo de Tristão Gonçalves, o qual tornou-se um
107
exímio educador de Quixeramobim e teve sua história contada por Maria Helena
Alencar e Guarani Valença Arararipe (2011).
Bárbara também foi considerada culta e empreendedora, estudou desde a
infância, se interessava por botânica e por filosofia, e era vista como visionária, por
incluir no Crato as mais modernas obras de arquitetura da época, como sua casa de
pedra e cal, assim como tinha nos seus engenhos maquinarias avançadas para o
padrão local, como apresentaram os autores Ariadne Araújo (2002), Roberto Gaspar
(2001) e J. C. Alencar Araripe (2006).
Em relação aos escravos, era considerada “madrinha” por sua relação
amistosa, como destacaram os entrevistados. Ainda assim, eles não sua
propriedade, e mantinham uma relação de confiança e fidelidade. Por fim, Bárbara
consagrou-se como heroína e revolucionária por seu envolvimento com a Revolução
Pernambucana de 1817, que durou apenas oito dias no Crato, até ser repreendida
pelas forças militares do comandante das armas José Pereira Figueira, quando a
matriarca foi presa e torturada. Ainda assim, a rebelde do Crato não deixou calar
seus ideais. Envolveu-se na Confederação do Equador - movimento político de 1824
no Nordeste brasileiro, dessa vez representada pelos filhos, devido sua idade
avançada. Ainda que estivesse em caráter de articuladora, delegou aos filhos as
principais funções, pois, de acordo com Falci (2006) as mulheres do sertão tinham
que respeitar determinar os limites de sua atuação.
Bárbara de Alencar teve sua memória preservada nas cidades cearenses
em que viveu através das diversas homenagens, como estátuas, nome de ruas e
praças, dentre outros, mas, desejamos com essa pesquisa além de relembrar a
notável trajetória desta admirável matriarca, relembrar a trajetória de lutas do povo
cearense, e reconhecer que as mulheres tiveram papel fundamental na construção
da democracia e na mudança dos paradigmas da sociedade, compreendendo
também as condições sociais de cada período histórico.
108
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Anexo A – Termo de Consentimento Livre e esclarecido
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Declaro, por meio deste Termo, que concordei em ser entrevistada e/ou participar na
pesquisa de campo referente à pesquisa intitulada: BÁRBARA DE ALENCAR:
RELAÇOES DE GÊNERO E PODER NO CARIRI CEARENSE, desenvolvida por
Kelyane Silva de Sousa a quem poderei contatar/consultar a qualquer momento que
julgar necessário através do telefone nº (85) 98869148. Fui informada, ainda, de que
a pesquisa é orientada por Maria Helena de Paula Frota. Afirmo que aceitei
participar por minha própria vontade, sem receber qualquer incentivo financeiro ou
ter qualquer ônus e com a finalidade exclusiva de colaborar para o sucesso da
pesquisa. Fui informada do objetivo geral, estritamente acadêmico, do estudo que,
em linhas gerais, é: Investigar como se estabelecem as relações do matriarcado na
sociedade em que viveu Bárbara de Alencar, o Cariri cearense, durante as
manifestações republicanas.
Fui também esclarecida de que os usos das informações por mim oferecidas
estão submetidos às normas éticas destinadas à pesquisa e que minha colaboração
se fará de forma anônima, por meio do questionário e da entrevista a ser gravada a
partir da assinatura desta autorização. O acesso e a análise dos dados coletados se
farão apenas pela pesquisadora e/ou sua orientadora. Fui ainda informada de que
posso me retirar desse estudo a qualquer momento, sem prejuízo para meu
acompanhamento ou sofrer quaisquer sanções ou constrangimentos.
Atesto recebimento de uma cópia assinada deste Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido.
Fortaleza, ____ de _________________ de 2015.
Assinatura da participante
__________________________________
Assinatura da pesquisadora
________________Kelyane Silva de Sousa_________________
114
ANEXO B – Roteiro de Entrevista
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Perfil dos Informantes
1. Nome:
2. Idade:
3. Sexo:
4. Qual é a sua formação (informar a IES e a data).
5. Quando pesquisou a família Alencar?
Pesquisa
1. Como os ideais iluministas se manifestaram na percepção da família Alencar
acerca da liberdade e democracia republicana?
2. Qual a relação existente entre a elite intelectual do Cariri e a escravidão.
3. Fale das relações entre as províncias brasileiras do Nordeste e sua relação
com a Coroa Portuguesa.
4. Fale sobre Bárbara de Alencar, sua trajetória no cariri cearense.
5. Sabendo que a família Alencar fazia parte da elite política da região, como
ocorriam as relações de poder na região do Cariri.
6. Qual a percepção da sociedade oitocentista acerca das mulheres?
7. Qual o papel de uma matriarca do sertão?
8. Explique o contexto da Revolução Pernambucana de 1817.
9. Como a família Alencar se inseriu na Confederação do Equador de 1824?
10. Quais os significados estão compreendidos entre a prisão de Bárbara de
Alencar e seus filhos?